Mario Pedrosa e a Crítica de Arte no Brasil. BARROS, José D'Assunção. Ars, USP, 2008

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    41BaMrio Pedrosa assina a fcha de fliao nmero 1 do Partido dos Trabalhadores.Foto: Nair Benedicto, 1980

    J D'Au Ba Mrio peDrosA eA crticA De Arte no BrAsil

    Este artigo busca elaborar uma viso panormica e uma anlise crtica sobre a vasta obra decrtica de arte desenvolvida por Mrio Pedrosa entre os anos 1933 e 1981. Busca-se, atravsda compreenso contextualizada desta produo crtica, examinar as principais problemticasrelacionadas ao desenvolvimento das artes visuais no Brasil, procurando examinar como osdiversos contextos sociais, polticos e culturais se expressam no trabalho de Mrio Pedrosa eiluminam as prprias produes artsticas que eram objeto de sua reexo.

    Hoje em dia, j quase um trusmo dizer que avaliar a histria da crticade arte no Brasil implica em pensar, concomitantemente, a importncia de Mrio

    Pedrosa (1900-1981) neste campo. O perodo ureo da crtica de arte no Brasile a produo crtica de Mrio Pedrosa praticamente se recobrem. Mrio Pedrosacomea a produzir os seus primeiros textos crticos na dcada de 1930, passandoa partir da por ases que j examinaremos. Ao lado disso, nessa mesma pocaque a crtica de arte toma maior impulso e comea a se diundir amplamente peloBrasil, produzindo reexes e polmicas que conseguiam disputar a ateno p-blica em p de igualdade com notcias em geral, com o mundo do entretenimentode massa ou com as atividades esportivas. Essa poca urea, conorme j obser-

    varam alguns autores, parece declinar na dcada de 1970 por razes que logo

    mencionaremos1.Quanto a Mrio Pedrosa, ainda escreve nesta ltima dcadatextos undamentais sobre a arte em geral e sobre a arte brasileira, at seu aleci-mento em 1981. Mas no h como negar que a recepo da reexo crtica sobrea arte havia ento se esvaziado, deixando saudades de um tempo em que a crticade arte conseguia mobilizar geraes de artistas e apreciadores, intererindo comconstncia e intensidade nos rumos desta ltima.

    parte o esoro de veteranos como Mrio Pedrosa e Ferreira Gullar, ede autores mais novos como Ronaldo Brito que se empenha em manter viva achama da crtica de arte em publicaes alternativas como o Opinio com a

    dcada de 1970 ocorre uma ntida retrao da produo e recepo da crtica dearte. Os jornais dedicam grandes espaos s proezas do esporte, ao mundo do en-tretenimento de massa, s notcias que no possam perturbar o regime de exceoque ora instalado pela ditadura militar. Estimula-se um grande consumo culturalde produtos importados, particularmente dos Estados Unidos da Amrica, em-bora sempre tenha havido espaos de resistncia importantes como oi o casode certos setores da msica popular brasileira. Os artistas msicos, pintores,escultores ou poetas do espao seguem produzindo obras da maior relevncia,mas s com difculdade elas encontram um espao de discusso mais sria nos

    grandes meios de imprensa.

    . Sobre esta questo,1ver AMARAL, Aracy.Mrio Pedrosa: umhomem sem preo. InMARQUES NETO,Jos Castilho (Org.).Mrio Pedrosa e oBrasil. So Paulo:Fundao PerseuAbramo, 2001.

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    As razes para esse declnio no so apenas polticas no remetemapenas aos desdobramentos dos anos de chumbo que ento pesavam sobre asociedade brasileira e sobre seus setores mais criativos. Existem tambm as razesmais amplas: um processo de globalizao se intensifca e comea a se consoli-

    dar nesses tempos, e o universo cultural brasileiro tem de se adaptar a essa novarealidade, por vezes com algum despreparo dos tradicionais agentes da cultura.Nem sempre os artistas, intelectuais e mediadores da indstria cultural brasileirasouberam se adaptar prontamente ao ingresso em um regime internacional deagenciamento e comunicao, e por vezes imps-se com alguma acilidade umatrelamento ainda maior da arte ao mercado acarretando ora em um sensvelcerceamento da originalidade da arte brasileira em vistas de uma adaptao aoque j se produzia no exterior, ora em um esvaziamento da reexo nacional sobrea arte e a cultura. Alguns autores observam que, dentro desse quadro, dilua-se

    o projeto de constituio de uma esera autnoma da crtica 2. at sinal deum especial vigor intelectual o ato de que crticos como Mrio Pedrosa tenhamprosseguido com sua importante reexo sobre a arte, mesmo que sem encontrara mesma recepo das dcadas anteriores e os mesmos espaos de comunicaopara veicular amplamente suas idias e interpretaes.

    Falar em crtica de arte no Brasil, por tudo isso, implica em examinar aproduo crtica de Mrio Pedrosa, que escreve a maior parte de seus textos nolongo perodo ureo da crtica brasileira de arte, mas que tambm convive na sualtima ase com o seu declnio. Veremos tambm, para alm disto, que para a vida

    e obra de Mrio Pedrosa convergem muitos papis e atuaes ligados ao campoda arte. Nele, entrecruzam-se o crtico, o historiador da arte, o terico, o lder demovimentos artsticos, sem alar na militncia poltica que sempre se desenvolveuem paralelo atuao intelectual na arte brasileira.

    Para termos uma idia inicial da contribuio de Mrio Pedrosa crticade arte no Brasil, preciso, de um lado, perceber as nuances internas de suas

    vrias ases e, de outro lado, as grandes linhas mestras que parecem unifc-las.De ato, pode-se dizer que, se a produo de Mrio Pedrosa sobre a arte apre-senta diacronicamente variaes relevantes na abordagem, temtica avorecida e

    maneiras de interpretar os enmenos artsticos abrindo-se aqui a possibilidadede dividi-la em trs ou quatro ases distintas seria possvel tambm identifcaralgumas caractersticas e aspectos centrais do seu pensamento crtico e que, decerto modo, atravessam toda a sua obra.

    Um primeiro trao caracterstico da atividade crtica e dos textos sobrearte de Mrio Pedrosa talvez a rara combinao de especializao e atenogeneralizante, cuidadosamente proporcionais uma outra. J oi notado que, por

    vezes no mesmo texto, Mrio Pedrosa lida tanto com uma crtica cuidadosamen-te especializada que em alguns casos chega a atingir mesmo a anlise pericial

    como tambm com uma ateno enaticamente voltada para as implicaes

    . AMARAL, Aracy.2 Op.cit., p. 75.

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    universalizantes da arte e da cultura3.Esta dupla natureza do discurso crtico deMrio Pedrosa j marca uma originalidade com relao a quase tudo o que vinhasendo eito no gnero de crtica de arte nos ambientes intelectuais brasileiros onde reqentemente se via uma crtica laudatria ou agressiva, conorme as re-

    laes entre o produtor da crtica e o artista examinado, e quase sempre tendenteao discurso meramente literrio, mas com reqncia sem nem atingir a anliseespecializada, e nem a viso que integra a obra em um circuito mais amplo. A com-binao entre o aprimoramento analtico e horizonte mais amplo, ento, era rara.

    A anlise dos vrios textos crticos e conerncias de Mrio Pedrosa traz tona as inmeras maneiras e estratgias discursivas atravs das quais o crticobrasileiro logra atingir esse eeito. s vezes ele parte da situao emprica ou deum evento particular, e em algum momento passa a integr-lo em horizontes maisamplos, podendo chegar at os nveis de relacionamento dos atos analisados

    com o horizonte artstico ou cultural mais amplo, seja o brasileiro ou o mundial.Outras vezes ele inverte esse procedimento: parte de um esclarecimento de al-cance mais geral e, a partir de certo momento, passa ao estudo de caso, atingindomesmo anlise detalhista ou pericial. Em outros casos utiliza a estratgia do

    vai-e-vem discursivo entre a realidade mais ampla e a realidade especfca. Apenas para dar um exemplo relacionado a essa ltima possibilidade,

    podemos considerar a conerncia sobre a Semana de Arte Moderna (1952)4.Neste texto, Mrio Pedrosa parte de um oco especfco que a Semana de 1922.Sucessivamente ele vai-e-vem entre a anlise de suas especifcidades e a sua in-

    sero em horizontes mais amplos. Logo aps situar o tema, dedica-se a mostrarque o modernismo brasileiro conservou desde o princpio uma ligao com o quese processava na Europa mas sem que ocorresse uma importao mecnica, esim uma inspirao (uma contaminao). Depois se aprounda em um eventoespecfco, que o impacto da exposio de Anita Malati entre os primeirosmodernistas. Depois de uma anlise esmiuada dos desdobramentos do moder-nismo brasileiro em torno dessas experincias, ocupa-se em discutir uma questode alcance amplo: a associao do modernismo brasileiro busca de um undode universalidade antenado com o que se produzia na comunidade artstica eu-

    ropia. Ento, amplia o oco da perspectiva, e discorre sinteticamente acerca darebelio da arte moderna europia contra a tradio de representao naturalista passando da ao esclarecimento do papel que nesta revoluo teria desempe-nhado a descoberta de outras culturas artsticas, como as orientais, as aricanas,as ocenicas e americanas. Por fm, depois de dar a perceber que o interesse dosmodernistas europeus por esses povos no era da ordem do extico, mas sim doormal e do expressivo, Mrio Pedrosa chega ao mago de sua tese, retornandoao ambiente do modernismo brasileiro. O primitivismo tambm teria sido a portaatravs da qual o modernismo penetrou no Brasil. Contudo, como possuamos

    um riqussimo olclore ainda no explorado, oi da que o modernismo brasileiro

    . Sobre isto, ver os3comentrios de OtliaArantes para o preciodo 2. volume das ObrasEscolhidas de MrioPedrosa (ARANTES,Otlia. Esse volume.InMrio Pedrosa:Forma e PercepoEsttica textosescolhidos. SoPaulo: EDUSP,1995, p. 09-10).

    . Conerncia4realizada no MEC (Riode Janeiro) em 1952.Publicada na revistaPolitika, p. 15-21,

    1952. Republicada emPEDROSA, Mrio.Dimenses da Arte.Rio de Janeiro: MEC,1964, p. 127-142.

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    pde extrair suas ontes renovadoras da orma e expresso. Verifca-se a partirdesse ponto o mergulho no especfco: primeiro identifcando duas correntes dis-tintas no desenvolvimento do modernismo, depois aproundando uma anlise de-talhada de cada um dos grandes nomes modernistas. Encerra o texto discutindo

    os seus desdobramentos posteriores na arte brasileira portanto ampliando maisuma vez o oco de sua cmara interpretativa.

    Esse exemplo, que no excepcional nas anlises crticas de MrioPedrosa, mostra ao mesmo tempo uma tcnica de encaminhar o discurso sobrea arte e um projeto de relacionar o geral e o especfco em mtuo imbricamento.Esta prtica aparece no apenas nas conerncias e textos mais amplos assimiladosem pequenos ensaios de histria da arte, como tambm nas crticas propriamenteditas. Coteje-se com o mtodo descrito a crtica Visconti diante das modernasgeraes (1950)5,onde Mrio Pedrosa alterna momentos de uma anlise quase

    pericial de quadros de Elyseu Visconti com a sua insero em horizontes mais am-plos que lhe permite, por exemplo, discorrer sobre o tratamento da fgura e dapaisagem na pintura da Renascena e sua assimilao pelo aprendizado pictricode Visconti, da passando anlise de sua assimilao do impressionismo, o quegera em seguida novas digresses alternadas. Toda esta alternncia entre o ho-rizonte mais amplo e a realidade mais especfca no impede que Mrio Pedrosaaborde vinte e dois quadros de Elyseu Visconti, alguns dos quais merecendo umaanlise bastante aproundada ao nvel ormal, expressivo e tcnico.

    O segundo trao geral pertinente a toda a produo de Mrio Pedrosa

    corresponde a uma questo de mtodo que oi assinalada por alguns autores.Percebe-se que as anlises de Mrio Pedrosa, sempre que possvel, entretecemcom o nacional o internacional (ou universal). Este ajuste entre tendnciasinternacionais e realidades locais chegou a ser apontado como o cerne da origi-nalidade de seu mtodo crtico6.Conorme a ase da produo de Mrio Pedrosa,essa relao dialtica tambm pode se desdobrar em novas dicotomias. Por exem-plo, na ase que se inicia em meados da dcada de 1940 e vai at o fm dos anos1950, a polarizao que ocupa o centro de suas atenes a disputa entre duasalternativas centrais que se expressam na arte brasileira. De um lado os fgura-

    tivos que acabam se ajustando com a busca da cor local e de outro lado osabstratos, ajustados na tica de Mrio Pedrosa principal tendncia modernistainternacional. Quando escreve em avor destes, o que o mais comum nessa ase,ele tenta tambm proceder a um segundo ajuste, chamando ateno para umadupla insero dos abstratos (incluindo os concretos e neo-concretos). Porum lado, a arte concreta brasileira estaria pereitamente inserida dentro de umgrande desenvolvimento comum s mais avanadas correntes da arte modernamundial; mas, por outro lado, o abstracionismo brasileiro seria essencialmentenacional, envolvido com a busca de uma linguagem singular que s seria possvel

    aqui. Posteriormente, nos anos 60, Mrio Pedrosa tambm buscar analisar as

    . PEDROSA, Mrio.5Visconti diante dasmodernas geraes.

    Correio da Manh, 01jan. 1950. Publicado

    posteriormente emARANTES, Otlia.

    Op.cit., p. 119-133.

    . ARANTES, Otlia.6Mrio Pedrosa e a

    tradio crtica.In: MARQUES

    NETO, Jos Castilho(Org.). Op. cit..

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    possibilidades desse ajuste entre nacional e universal para as experincias de arteinterativa, conceitual e outras estudando-as em sua singularidade e mesmo ori-ginalidade nacional, e no como mera reproduo de movimentos externos.

    Um terceiro trao caracterstico que percorre a maior parte da produo

    de Mrio Pedrosa a sua radical adeso Arte Moderna. Isto se percebe clara-mente desde os primeiros momentos da atividade de Mrio Pedrosa como escritorde textos sobre a arte brasileira ou internacional. O que teria variado, de acordocom as ases, o que ele defne como moderno, ou ento a corrente modernistaque preere enatizar em detrimento de outras. Da valorizao do modernismoderivado da dcada de 1920 ele passa valorizao da linguagem abstrata, da ar-quitetura moderna no Brasil, das experincias perormticas, e assim por diante.

    O academicismo, porm, jamais encontra acolhida de suas simpatias eas exposies de pintores acadmicos, mesmo de retrospectivas de pintores j

    histricos, so sempre aproveitadas para avanar em sua crtica arte acadmica.Veja-se como exemplo a crtica Amoedo, lio de um centenrio (1957)7,onde enaticamente criticada uma alta de capacidade de Amoedo para se revestir dasmais modernas inuncias de seu tempo (o impressionismo), e onde a mostradecepciona, mesmo do ponto de vista histrico.

    A rejeio radical do acadmico em avor do moderno tambm aparecenos ensaios maiores. E por vezes aparece tambm a deesa da originalidade,inclusive local, contra o estilo que cria obstculos ao surgimento ou desenvolvi-mento do novo. o caso do estudo sobre A Misso Francesa seus obstculos

    polticos (1955) 8 obra que se aproxima mais da pesquisa histrica, e mais dosdesdobramentos polticos que intererem no ambiente artstico do que da histriada arte propriamente dita. Mas j ali aparece um comentrio importante pararedirecionar estudos posteriores sobre a clebre Misso Francesa que trouxeraao Brasil do sculo XIX o neoclassicismo. O movimento vindo de ora teria preci-samente contribudo para interromper uma via originalssima que era o barrocobrasileiro orma regionalizada produzida a partir da tradio barroca recebida dePortugal e que assumiria com artistas como Aleijadinho uma expresso singulare jamais vista em outras partes do mundo. Esta discusso novamente trazida

    tona em Regionalismo e Formas Clssicas (1960)9

    , e reaparecer em outrosautores como Rodrigo Naves e Quirino Campoforito10.

    A adeso arte moderna, e particularmente arte abstrata a partir do re-torno de Mrio Pedrosa de seu segundo exlio, expressa-se tambm nos seus textossobre a arte ocidental no sentido mais amplo. o que ocorre em seu Panoramada Arte Moderna (1951)11.Tambm deve ser assinalado que, acompanhandoum movimento interpretativo que tambm se desenvolvia em outras partes doocidente, a deesa de uma arte moderna e no caso de Mrio Pedrosa dos cami-nhos da arte abstrata a partir de 1944 aparece ainda interligada a uma deesa

    da autonomia da arte. Fora a primeira ase de sua produo crtica, quando se

    . PEDROSA, Mrio.7Amoedo, lio de umcentenrio.Jornal doBrasil, Rio de Janeiro,14 dez. 1957.Publicado emARANTES, Otlia(Org.). Op.cit.,p. 115-118.

    . PEDROSA, Mrio.8A Misso Francesa seus obstculospolticos (1955).In: ARANTES, Otlia(Org.). Op. cit., p. 84.

    . Idem. Regionalismo9e Formas Clssicas.Jornal do Brasil, Riode Janeiro, 03 ev.1960. Neste artigo,Mrio Pedrosa procuraexplicitar a tese sobrea especifcidade brasi-leira da implantaoneoclssica que teriaocorrido no princpiodo sculo XIX. Estateria se conrontadono Brasil com umarica orma regionaliza-da derivada do barrocoportugus, mas acabouse benefciando ao seajustar a uma realidadede unifcao nacionalem progresso em umBrasil que comeavaa se tornar indepen-dente.

    . (1)10 NAVES,Rodrigo.A FormaDicil. So Paulo:Editora tica, 1997,p. 49. (2)

    CAMPOFIORITO,Quirino. Histria daPintura Brasileira nosculo XIX. Rio deJaneiro: Pinakotheke,1983, p. 47.

    . PEDROSA, Mrio.11Panorama da ArteModerna.In:Arte, Forma ePersonalidade. SoPaulo: Kairos, 1979,p. 119-145.

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    mostrou simptico ao papel social da arte atravs de representaes temticas(confgurando o que um entrevistador chamaria de fgurativismo militante)12,Mrio Pedrosa iria mostrar-se avorvel precisamente a uma arte que desenvol-

    vesse seus valores em independncia com relao a aspectos externos que no

    dissessem respeito prpria arte. Retornaremos a este ponto quando explicitar-mos as vrias ases da produo crtica de Mrio Pedrosa.

    Com relao aos temas examinados por Mrio Pedrosa no decorrer desua produo ensastica e crtica, eles abordam os mais diversifcados assuntosdentro do mbito da crtica, da histria da arte, da teoria da arte, da sociologiada arte, e da educao artstica. Sua crtica e ensaios histricos abordaram todoo espectro da arte brasileira a partir do fnal do sculo XIX e at a arte da dcadade 1970, quando escreve seus ltimos textos. Sobre a arte de perodos anterioresescreve menos, mas pode-se citar o ensaio bastante consistente sobre A Misso

    Francesa ... (1955), apresentado como tese de concurso para uma Ctedra noColgio Pedro II. Escreveu com igual prouso sobre a arte ocidental, e tambmalguns artigos sobre arte oriental (textos sobre a arte japonesa)13.

    De igual maneira, Mrio Pedrosa escreveu textos e ensaios sobre teoriada arte e da imagem, como o notvel texto sobre uma aplicao sistemtica dosensinamentos da Gestalt arte (Da natureza aetiva da orma na obra de arte,de 1949)14.Abordou tambm o ensino e a terapia atravs da arte, e sobretudo asrelaes entre arte, poltica e sociedade. Esse o vasto espectro da produo deMrio Pedrosa em torno de temticas ligadas arte, cumprindo destacar que ele

    ainda autor de textos sobre outros assuntos, notadamente no campo dos estudospolticos e sociolgicos. Poderemos passar agora a entender esse vasto espectroa partir das ases que apontam para dierenas internas no pensamento ou noenoque proposto por Mrio Pedrosa.

    A produo crtica de Mrio Pedrosa inicia-se na dcada de 1930. Deve-se admitir que a parte mais inovadora de seu trabalho neste mbito ocorre a partirde meados dos anos 40. Mas tambm verdade que os textos da dcada de 1930possuem um considervel valor no contexto social e cultural de sua poca. De

    ato, j com seus primeiros textos crticos sobre arte, Mrio Pedrosa torna-se umverdadeiro divisor de guas no que concerne crtica de arte do Brasil.

    O texto que inaugura essa ase, e na verdade a prpria atividade de MrioPedrosa como crtico de Arte, oi elaborado para uma conerncia em 1933 com

    vistas a apresentar ao Brasil a obra da gravadora alem Kthe Kollwitz15.Anosmais tarde, Srgio Milliet iria reconhecer que com a conerncia As tendnciassociais da arte e Kthe Kollwitz Mrio Pedrosa dera realmente um novo rumo crtica de arte no Brasil. Embora crticos em relao a uma anlise marxistaque ento considera um tanto ortodoxa e esquemtica, os comentrios de Milliet

    prestam um relevante reconhecimento de que o texto renova radicalmente o que

    . Esta expresso12surgiu em uma

    entrevista de Mrio

    Pedrosa a RobertoPontual, j nosanos 70.

    . Este tema 13desenvolvido por Mrio

    Pedrosa em uma sriede artigos para o Jornaldo Brasil entre os anos

    de 1957 e 1958.Destacam-se Japo e

    Arte Ocidental (6 mar.1957); Japo e Arte

    Moderna (23 jan.1958) e Signo

    caligrfco e signoplstico

    (31 jan. 1958).

    . PEDROSA,14Mrio. Da naturezaaetiva da orma na

    obra de arte (1949).In ARANTES, Otlia

    (Org.). Op. cit..

    . Idem. As tendn-15cias sociais da Arte e

    Kathe Kollwitz. In:ARENTES, Otlia(Org.) Poltica dasArtes. So Paulo:EDUSP, 1995, p.

    35-36. A conernciadeu-se em 1933, e o

    texto oi publicado em1936 em O Homem

    Livre.

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    se azia no Brasil em termos de crtica de arte:

    [Mrio Pedrosa, com seu texto sobre Kthe Kollwitz] praticamente iniciou em nossaterra a crtica de undo sociolgico, em momentos em que a crtica artstica do pasera toda ela impressionista ou convencional, nem sequer tcnica. Mrio Pedrosa,

    com inquietao elogivel e curiosidade ecunda, tentou explicar a obra de arte deum ponto de vista menos superfcial16.

    A crtica de arte no Brasil, tal como ressalta Aracy Amaral, era at essapoca meramente descritiva, reqentemente vinculada ao colunismo social e literatura, e quase sempre tomada a cargo de jornalistas, poetas e escritoresque no expressavam uma maior preocupao com a interpretao eetiva doenmeno artstico. Neste sentido, no exagero dizer que Mrio Pedrosa, comsuas reexes sobre a arte social de Kthe Kollwitz, abre decisivamente um novo

    tempo na crtica de arte no pas17.Para alm do emblemtico texto inaugural sobre a gravurista alem, a

    parte de crtica da arte brasileira produzida por Mrio Pedrosa unda-se na mes-ma poca em alguns textos entre os quais se destacam os comentrios crticossobre a obra de Portinari, ento valorizado por direcionar o seu fgurativismo parauma pertinente crtica social naqueles conturbados anos do Estado Novo. Antesde examinarmos mais de perto esta produo crtica, vejamos alguns traos geraisque caracterizaro o pensamento de Mrio Pedrosa nessa ase e, antes disto, ocontexto social e pessoal que preside este conjunto de caractersticas.

    Em 1929, s vsperas de iniciar a sua atividade como crtico de arte,Mrio Pedrosa acaba de retornar ao Brasil. Ainda nesta poca, a sua preocupa-o undamental era com a militncia poltica e mais especifcamente comuma reorientao do pensamento de esquerda no Brasil. Durante sua estadiano exterior, Mrio Pedrosa havia sintonizado com as perspectivas polticas e te-ricas associadas diuso das idias de Trotsky em um quadro de oposio aostalinismo que passara a vigorar na Unio Sovitica este que ora primeiro pasa acenar com a concretizao de um regime socialista. Com a morte de Lnin,a orientao do comunismo russo fcara a cargo de Stalin, e a III Internacional

    Socialista expressava as diretrizes do stalinismo projetadas em um movimentosocialista internacional. Contudo, j comeavam a se consolidar setores da es-querda internacional que, embora se estruturando frmemente nos ideais socia-listas, opunham-se veementemente aos caminhos que passavam a ser trilhadospelo socialismo real com a ascenso do stalinismo. A Conederao Internacionalda Oposio de Esquerda, realizada em Paris em abril de 1930, acenaria para aundao da IV Internacional Socialista, afrmando a sua divergncia em relaoa III Internacional e colocando-se sob a liderana de Trotsky.

    esta linha trotskista que Mrio Pedrosa assume como eixo de orien-

    tao para a sua militncia poltica, e ele mesmo o primeiro a trazer esta nova

    . MILLIET, Srgio.16Dos Libros, Ver yEstymar, Buenos Aires(16): 53, 1950.

    . AMARAL, Aracy..17Arte para Que? SoPaulo: Nobel/ ItaCultural, 2003, p. 38.

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    tendncia de esquerda para o Brasil, ao undar o Grupo Comunista Lnin no Riode Janeiro. O iderio que inorma as idias iniciais de Mrio Pedrosa sobre as rela-es entre arte e revoluo, desta maneira, tem como ontes primeiras alguns tex-tos e posicionamentos de Trotsky sobre esta questo, bem como as discusses so-

    bre arte e sociedade que estavam se dando no seio dos Congressos Internacionaisligados rao de esquerda que se conrontava com a linha stalinista.

    Para alm disto, j se reunira em 1930 um primeiro encontro de inte-lectuais de esquerda para pensar estas questes o II Congresso Internacionalde Escritores Revolucionrios, realizado em Karkov. Mas as concluses destecongresso seriam consideradas desastrosas por Mrio Pedrosa, e logo acabariamlevando s orientaes do Congresso de 1934 em torno da deesa do realismosocialista como poltica internacional para a arte. Frente a esta posio, MrioPedrosa preerir conservar uma abordagem marxista independente18.

    Esse contexto que de alguma maneira expressa a complexidade do pen-samento mundial de esquerda nas duas dcadas que se seguem imediatamente primeira Revoluo Socialista j nos permite compreender o primeiro grandetrao caracterstico da ase inicial da produo crtica de Mrio Pedrosa, que precisamente uma valorizao da arte enquanto meio privilegiado para desen-

    volver uma crtica engajada, uma conscientizao poltica ou uma ao social.Aparecero aqui alguns dos textos pedrosianos de contedo mais poltico, e estaase contrasta bastante com a que viria a seguir, na qual deenderia a idia deque a ao da arte devia se dar em seu campo especfco e obedecendo a leis

    prprias19.Aqui, ao contrrio, a arte para Mrio Pedrosa arte social, assu-mindo esta expresso uma conotao por vezes mais poltica do que social emsentido amplo.

    assim que, ao ressaltar que ou a arte deveria ser revolucionria em simesma ou ento afrmar sua participao nas lutas revolucionrias, Mrio Pedrosapraticamente rejeita de antemo o purismo ormal ou o mero desenvolvimentoda arte pela arte. Suas palavras neste sentido j so bastante explcitas no texto de1933 sobre Kthe Kollwitz:

    A Arte s poder ser restaurada em sua dignidade artstica e representar umauno social, talvez em prejuzo de sua pureza esttica, se se opuser aos valoresadmitidos20.

    A arte, para Mrio Pedrosa, ser sempre revolucionria. Mas nesse mo-mento de sua produo crtica a idia de arte revolucionria tem uma conotaomuito clara de engajamento poltico, de ao social, de discurso que se volta paraavorecer a conscientizao das massas ou dos benefcirios do produto artstico.Mais tarde, a idia de uma arte revolucionria incorporar outros signifcadospara Mrio Pedrosa, reerindo-se mais particularmente a uma renovao cons-

    tante e atualizada dos meios de expresso e orma, e elegendo como principal

    . ARANTES, Otlia18(Org.). Poltica das

    Artes. So Paulo:EDUSP, 1995,

    p. 17.

    . PEDROSA, Mrio.19A orma educadora naarte. In: ARANTES,Otlia (Org.).Mrio

    Pedrosa: Forma ePercepo Esttica.

    So Paulo:EDUSP, 1995,

    p. 61-62.

    . MILLIET, Srgio.20Op. cit..

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    inimigo o academicismo, as estticas retrgradas ou desajustadas em relao aosdesenvolvimentos contemporneos da modernidade. Mas nta primeira ase de suaproduo crtica, o que Mrio Pedrosa considera arte revolucionria est muitoassociado s lutas sociais propriamente ditas, ou a uma constante atualizao e

    desenvolvimento da conscincia poltica. A arte para Mrio Pedrosa um doscaminhos para a militncia poltica.

    Por outro lado, preciso registrar que a avaliao da arte como caminhoprivilegiado para o engajamento poltico e para a conscientizao social tambmir se transormar dinamicamente no pensamento do Mrio Pedrosa da primei-ra ase, de acordo com a evoluo das discusses internacionais que estavamse dando sobre as relaes entre arte, sociedade e revoluo. Assim, o clebreManiesto por uma Arte Independente, assinado em 1938 por Andr Breton eDiego Rivera, contribuiria decisivamente para introduzir uma nova nuance. Este

    maniesto, que contara tambm com a participao de Trotsky, afrmava explici-tamente que independncia da arte e revoluo andavam juntas. Essa perspectivapassou a ser incorporada tambm por Mrio Pedrosa a essa altura j vivendo oseu primeiro exlio (1935-1945) e o seu objetivo central passa a ser o de esti-mular a arte brasileira a ultrapassar os seus resduos conservadores e a se alinhar arte mais avanada de seu tempo. A mesma idia trotskista de uma revoluopermanente deveria ser aplicada aos desenvolvimentos da arte, o que explica que,para Mrio Pedrosa, a arte modernista brasileira da dcada de 1920 j no cor-respondesse s necessidades sociais e culturais das dcadas seguintes.

    De alguma maneira, as propostas de Breton e Rivera em seu maniestode 1938 comeavam a liberar para alguns crticos e intelectuais de esquerdaa possibilidade de pensar a arte como uma revoluo parte, importante noapenas dentro de uma relao linear entre arte e engajamento poltico. Tal pers-pectiva abre uma nova nuance no pensamento crtico de Mrio Pedrosa, quecomea a elaborar um outro tipo de concepo acerca das relaes entre arte,sociedade e revoluo. Ele passa a sustentar a idia de que a luta pela libertaoda humanidade passaria necessariamente pela preservao e ampliao daquelemnimo de iniciativa de que ela pudesse dispor na sociedade capitalista ou seja,

    daquelas possibilidades que lhe sobram de exerccio experimental da liberdade,para evocar uma expresso utilizada pelo prprio Mrio Pedrosa21. Veremos que,mais adiante, o amadurecimento dessa postura ser undamental para que o autorpasse segunda ase de seu pensamento crtico, direcionado para uma rancadeesa da arte abstrata.

    Um segundo grande trao da primeira ase crtica de Mrio Pedrosa, queevolui gradualmente em torno da noo de arte social, a sua valorizao daarte fgurativa moderna. Como o principal interesse dirige-se aqui para uma arteque osse capaz de transmitir uma mensagem de cunho social, que pudesse ser

    percebida e captada por todos, o fgurativo mostrava-se neste momento como um

    . ARANTES, Otlia21(Org.). Poltica dasArtes. So Paulo:EDUSP, 1995, p. 18.

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    caminho a ser privilegiado seja o fgurativismo associado a um expressionismode cunho social (Candido Portinari, Lasar Segall), seja o fgurativismo que enve-reda pela abstrao cubista (Tarsila do Amaral e outros). Mas so sobretudo ascrticas e textos sobre as obras de Candido Portinari que podem ser considerados

    para percebermos mais claramente as posies de Mrio Pedrosa: medida emque estas vo se alterando, tambm se alteram as perspectivas de Mrio Pedrosasobre a obra do pintor paulista.

    Um texto publicado em 1934, intitulado Impresses de Portinari, um bom ponto de partida para a avaliao da abordagem sociolgica de MrioPedrosa j tomando como objeto de anlise a arte brasileira22. Neste texto, MrioPedrosa parte de uma retrospectiva da vida e obra de Portinari, delineando asdiversas ases estilsticas e, ao mesmo tempo, lana mo do mtodo que lhe se-ria to tpico: a articulao das situaes singularizadas com os horizontes mais

    amplos, alternando as grandes reexes transversais com as anlises especfcas,incluindo o desvendamento detalhista de alguns quadros a ttulo de demons-trao (tal como ocorre com Ca, ndia e Mulata, O Mestio, Preto daEnxada, O Sorveteiro). Assim, ao mesmo tempo em que avalia a superaode uma primeira ase de Portinari marcada por um ranco primitivismo sen-timental, Mrio Pedrosa articula esta mudana estilstica ao deslocamento doambiente rural para o ambiente urbano. Da se passa a uma ase subseqente demaior abstrao geomtrica, que depois entrar em contradio dialtica com anecessidade de explicitar contedos sociais e o quadro Ca, analisado em

    detalhe nesse ensaio, apresentado como apogeu e ponto de passagem para umanova ase. Acompanhando este movimento, o posterior salto do uso exclusivodo cavalete para a possibilidade do mural gnero pictrico capaz de integrar apercepo coletiva relacionado com a assimilao de uma preocupao socialainda maior23.

    O que h de mais interessante no ensaio sobre Portinari do Mrio Pedrosada primeira ase talvez um pequeno sintoma que sintetiza a sua postura crticaneste perodo. Aqui temos uma postura literalmente inversa que veremos naase seguinte: enquanto nesta ltima enatizar e valorizar o desenvolvimento

    autnomo da arte com base em seus prprios meios ormais e expressivos, naprimeira ase ele ainda explicita a idia de que o contedo reerencial no caso,um contedo prioritariamente de cunho social deveria desempenhar um papelcentral na obra de arte. Tanto que Mrio Pedrosa chega a lamentar alguma perdade contedo em detrimento da orma na ase intermediria de Portinari:

    ora de procurar a essncia interior da orma, a unidade estrutural da composio,o contedo material (e social) se perdeu. Falta agora a realidade pondervel, concreta,da matria24.

    . PEDROSA,22Mrio. Impresses de

    Portinari In:ARANTES, Otlia

    (Org.).Mrio Pedrosa:Forma e PercepoEsttica. So Paulo:

    EDUSP, 1995, p.155-161.

    . Mrio Pedrosa23encerra assim suaanlise da pintura O

    Mestio: O Mestiono passaria de umretrato, se Portinari

    quisesse restringir-seaos limites da estticade cavalete: mas ele

    agora solicitado nopela fgura de ummestio, mas pelarealidade social e

    material da vidadaquele mestio,

    representada pelospanos de undo. Suasfguras projetam-se

    brutalmente para ora,enquanto o undo do

    quadro se enche deamplido, perspectivas,

    horizontes, paisagens,cus, uma vida intensa

    de planos e coresrepresentando anatureza na sua

    extenso concreta esocial, a terra e otrabalho. o que

    h de mais contrrio tcnica e esttica doretrato e do quadro.

    (Idem, p.160).

    . Idem, p.157.24

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    nos Estados Unidos da Amrica trar contribuies tanto na rea da crticacomo no campo dos ensaios tericos. Ela marca claramente uma mudana de en-oque, e pode-se desvendar a sua motivao tanto no convvio de Mrio Pedrosacom artistas internacionais ligados a algumas das diversas correntes modernistas,

    como em um novo contexto das esquerdas internacionais, ragmentadas em no-vas posies diante do acirramento em relao ao totalitarismo stalinista que seconsolida na Unio Sovitica. Mas esses aspectos polticos e a redefnio deMrio Pedrosa dentro da esquerda interessaro menos aqui do que as questesestticas propriamente ditas.

    A segunda ase da crtica de Mrio Pedrosa a da deesa sistemticado caminho da arte abstrata. Mas antes de chegarmos a esses desdobramentos,prosseguiremos com o exame da obra de Portinari atravs da anlise de MrioPedrosa, pois ela um excelente indicador do deslizamento entre as duas ases.

    Existe um texto crtico sobre a A Missa de Portinari (1948)27 que j um sinalde rompimentos defnitivos com relao quilo que Mrio Pedrosa deendera comtanta nase na ase anterior. Aqui, ele comea a desfar as primeiras crticas maisseveras Portinari, mas ainda as intercala com elogios como que ainda oscilan-do diante de um gesto inevitvel que logo teria de ser desechado.

    No seria possvel propor uma nova esttica, nem estimular novos cami-nhos, sem romper explicitamente com os dolos artsticos das geraes anteriores todos representantes, em alguma medida, da ambio de utilizar a arte para en-caminhar uma mensagem social, uma fgura humana intensamente expressiva, ou

    pelo menos uma orte reerncia identidade nacional. Eram esses aspectos quebuscavam os modernistas da dcada de 1920 que Mrio Pedrosa consideravaafnados com um momento que exigia precisamente tais posies estticas maseram esses mesmos aspectos em que passaram a insistir os artistas nas dcadasposteriores anacronicamente, segundo o crtico.

    O grande arauto da arte brasileira na dcada de 1940 era CndidoPortinari. Conorme diagnosticaria Ferreira Gullar em uma srie de brilhantesartigos escritos entre 1959 e 1960, Portinari era colocado pela crtica acima dequalquer discusso, e o segundo anel de prestgio da arte brasileira era repre-

    sentado pelas personalidades de Di Cavalcanti, Lasar Segall e Pancetti28

    .

    Nomescomo o de Alredo Volpi e Milton Da Costa eram praticamente ignorados, e osartistas mais jovens sentiam-se ainda inseguros em seguir novos caminhos estti-cos que no os que Portinari traara para a arte brasileira. O dolo precisava serderrubado para que novos caminhos se abrissem, e Mrio Pedrosa sentiu visceral-mente esta necessidade quando fnalmente decidiu-se a realizar o gesto inevitvelque remodelaria inteiramente o ambiente das vanguardas modernistas no Brasil.Seu texto crtico sobre O Painel Tiradentes (1949) oi este gesto29.

    A crtica sobre o Painel Tiradentes, eventualmente temperada com um

    tom respeitoso, literalmente demolidora. Talvez em nenhum outro momento de

    . PEDROSA, Mrio.27A Missa de Portinari,Jornal do Brasil, 8 ago.1948. Republicado em

    PEDROSA, Mrio.Dos murais de

    Portinari aos espaosde Braslia. So Paulo:

    Perspectiva, 1981,p. 27-34.

    . GULLAR, Ferreira.28Arte Concreta no

    Brasil. In: Etapas daArte Contempornea.Rio de Janeiro: Revan,

    1999, p. 232.

    . PEDROSA, Mrio.29O Painel Tiradentes.Correio da Manh,Rio de Janeiro, ago.

    1949. Republicado emPEDROSA, Mrio.Dimenses da Arte.

    Rio de Janeiro: MEC,

    1964, p. 143-149.

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    sua histria a crtica brasileira tenha produzido uma anlise to rigorosamenteprecisa, direcionando-se para um exame de proundidade que no poupou nemas grandes linhas nem os pequenos detalhes. Neste texto, Mrio Pedrosa cri-tica tanto as propores da obra (um retngulo de extrema largura que desfa

    as imagens numa narrativa superpovoada de imagens) at a secundarizao decenas que teriam contribudo com mais ora dramtica obra. Contrapondo obra uma digresso sobre a histria dos murais narrativos, Mrio Pedrosa o avaliacomo uma realizao inadequada, que no consegue se auto-explicar para oobservador e que diante de seu gigantismo perde a noo do conjunto. Da passaao exame minucioso, pericial, dos detalhes, das relaes de espao, da escolha decores, do ambguo conronto de massas e zonas de luz, das alhas de continuida-de, das gratuitas mincias descritivas. No importa tanto avaliar se esta crticaaz jus a um pintor brasileiro que alcanava sua projeo nacional no exterior. O

    que importa que o gesto de Mrio Pedrosa, ousando criticar o grande cone dapintura fgurativa, revelou-se proundamente ecundo. No texto, alis, o crticochega a insinuar que uma abordagem mais geomtrica e moderna seria preervelpara um projeto daquela natureza.

    O texto-ruptura sobre o Painel Tiradentes tornou-se paradigmtico si-nal de uma nova poca e de uma nova ase na crtica de Mrio Pedrosa. Integradaao conjunto dos textos, ele mostra o deslocamento do personagem Portinari na verdade um certo modelo de pintura atravs da evoluo crtica de MrioPedrosa ao que ele considerava uma arte mais moderna, no caso o caminho da

    abstrao. Uma anlise de dois ensaios sobre Di Cavalcanti, membro do segundoanel de prestgio da arte brasileira, para utilizar a expresso de Ferreira Gullar,tambm mostraria o mesmo deslocamento. Di Cavalcanti, um mestre brasileiro(1946)30, ainda uma crtica elogiosa que enaltece a sua segurana e o compara aum polionista das imagens. Mas Um novo Di Cavalcanti (1952)31 rplica a umacarta em que o pintor deende posies mais nacionalistas, j um texto tpico danova ase crtica de Mrio Pedrosa, carregado de insinuaes relativas ao anacro-nismo da velha escola. J Lasar Segall, texto de 1957 sobre outro dos pintoresque compunham o antigo crculo de prestgio, mostra-se um pouco mais brando

    mas no deixa de criticar a pretensa associao de brasilidade exclusivamente velha escola fgurativa32.

    Esse o lado da destruio de cones. Mas tambm h o lado da re-construo de um novo ambiente para a vanguarda artstica brasileira, e essa precisamente a grande temtica da segunda ase da produo crtica de MrioPedrosa. O que o grande crtico brasileiro propunha em lugar dos cones que, seno destronara, pelo menos desmistifcara como nicos caminhos possveis paraa arte brasileira? Ele propunha a abertura de novos caminhos especialmente oda chamada arte concreta.

    No quer dizer que Mrio Pedrosa tenha abandonado as preocupaes

    . Idem. Di30Cavalcanti, um mestreBrasileiro. Correio daManh, Rio de Janeiro,30 nov. 1946.

    . Idem. Um novo31Di Cavalcanti. Tribunada Imprensa, Rio deJaneiro, 22 mar. 1952.

    . Idem. Lasar Segall.32Jornal do Brasil, Riode Janeiro, 06 ago. de1957. Republicado emPEDROSA, Mrio.Dos murais dePortinari aos espaosde Braslia. So Paulo:Perspectiva, 1981,p. 79-82.

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    sociais, o que seria incompatvel com a sua permanente militncia poltica que olevaria, alis, diversas vezes ao enrentamento das ditaduras e aos projetos sociais.Tal como registrou Otlia Arantes em sua introduo aos textos escolhidos deMrio Pedrosa33, o crtico pernambucano havia passado a acreditar na possibi-

    lidade de uma sntese (embora precria) entre atualidade esttica mxima e artesocial, notando que a reconciliao entre as duas provncias se daria menos noplano mais explcito dos temas do que no terreno dos procedimentos artsticos.Os temas que ento passam a interessar Mrio Pedrosa so os ligados autono-mia da arte, abstrao, relao entre arte e tecnologia. Interessa-se tambmpela questo da assimilao do primitivismo pela arte moderna, e este lhe parecemesmo um dos caminhos abertos para a possibilidade de conjugar a esttica maisatualizada com a motivao social. Neste campo, Alredo Volpi que at os anos50 ora um artista menos considerado em relao aos que aziam parte do antigo

    anel de prestgio aparece-lhe como a encarnao do projeto de combinar aarte moderna com a arte primitiva. em vista disso que ele ir lhe dedicar maistarde dois textos importantes, que valem a pena discutir rapidamente.

    Em A Exposio de Volpi (1957)34,Mrio Pedrosa az uma anlise elo-giosa do pintor paulista, imprimindo-lhe porm uma leitura que valorizava o seucaminho atravs de vrias ases que conduziam da passagem rpida de um im-pressionismo inicial, e de uma arte social em seguida, s experincias mais def-nitivas na combinao singular de geometrismo e primitivismo carregado de umaatmosera nacional. At aquele ponto de sua trajetria, a produo de Volpi podia

    ser lida como um caminho a uma arte cada vez mais abstrata. E oi esta leituraque Mrio Pedrosa encaminhou.

    O que neste texto irritou a um certo setor da crtica oi o ato de MrioPedrosa ter apodado a Volpi de o mestre brasileiro de sua poca, em detrimentode outros artistas j reconhecidos. Este, alis, seria o ttulo de um segundo ensaio,que reitera os mesmo elogios35. Um crtico da poca opusera-se ao texto de MrioPedrosa afrmando que os mestres brasileiros de seu tempo eram Portinari, DiCavalcanti, Lasar Segall e Guignard. Portanto, estamos aqui diante de mais umadas reaes em avor dos representantes do antigo modelo que dominara a arte

    brasileira at a dcada de 1940 o crculo de prestgio ao qual se reerira FerreiraGullar na j mencionada srie de artigos escrita em fns da dcada de 1950. Nosegundo texto, Mrio Pedrosa reitera a sua avaliao, e deixa registrado um co-mentrio que sintetiza a sua anlise de Alredo Volpi:

    Ao mesmo tempo em que lembram as composies de pintura abstrata de cartergeomtrico, [as obras de Volpi] recordam o ambiente lrico das pequenas cidades doBrasil. 36

    Nesse trecho fca clara a possibilidade vislumbrada por Mrio Pedrosa deunir uma alternativa esttica avanada a um primitivismo enriquecido por uma

    dimenso social. Mas havia ainda o outro caminho, ortemente estimulado por

    . ARANTES, Otlia.33Mrio Pedrosa umcaptulo brasileiro daTeoria da Abstrao.

    In: ARANTES, Otlia(Org.).Mrio Pedrosa:

    Forma e PercepoEsttica. So Paulo:

    EDUSP, 1995,p. 13-38.

    . PEDROSA, Mrio.34A Exposio de Volpi.

    In: Catlogo do MAMdo Rio de Janeiro, jun.1957. Republicado em

    PEDROSA, Mrio.Dos Murais de

    Portinari aos Espaosde Braslia. So Paulo:

    Perspectiva, 1981.

    p. 55-57.

    . Idem. O Mestre35Brasileiro de suapoca.Jornal do

    Brasil, Rio deJaneiro, 18 jul.

    1957. Republicadoem PEDROSA,

    Mrio. Dos Muraisde Portinari aos

    Espaos de Braslia.So Paulo: Perspectiva,

    1981, p. 59-62.

    . Idem, p.158.36

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    Mrio Pedrosa, que era o caminho da arte concreta, e depois neoconcreta. Esteaspecto nos remete ao papel de Mrio Pedrosa no apenas como crtico, mastambm como lder de movimentos artsticos.

    Foi por sua sugesto, motivao e inuncia que se undou o grupo

    Frente, no Rio de Janeiro, oco de um movimento que assumiu a tarea de per-correr os caminhos da arte concreta, embora no seu primeiro momento tenhaabrigado tambm alguns jovens artistas de outras tendncias. A verdade queo amoso texto sobre O Painel Tiradentes, em que desmistifcara a fgura dePortinari, uncionara como um arol giratrio alertando para o ato de que o ca-minho no estava apenas na direo proposta por Portinari. A partir de ento, ede outros textos que vieram a seguir, os artistas mais jovens tiveram sua atenodespertada para as possibilidades da arte abstrata. Em 1950, artistas como IvanSerpa e Abraham Palatnik decidiram romper defnitivamente com o fgurativis-

    mo. Logo em seguida, em 1951, ocorreria a I Bienal do Museu de Arte Modernade So Paulo, atraindo artistas internacionais. No mesmo ano, ormou-se umgrupo de artistas concretos em So Paulo e, em 1953, o Grupo Frente no Rio de

    Janeiro, que contara com o apoio e motivao direta de Mrio Pedrosa, conormemencionado. Num curto espao de tempo, instalava-se a esttica concreta na artebrasileira.

    Muitos dos textos de Mrio Pedrosa nessa dcada dedicam-se a comentare diundir artistas ligados a arte concreta, e tambm a outras tendncias da arteabstrata. Nesta ase tambm no altam textos no mbito da teoria da arte, sen-

    do que ela praticamente se consolida a partir de um ensaio detalhado de MrioPedrosa acerca das possibilidades de aplicar a teoria das ormas da Gestalt sobras de arte. Este texto, Da natureza aetiva da orma na obra de arte (1949)assinala a prounda erudio de Mrio Pedrosa, afnal sua crtica era aliceradapor uma frme base terica37.

    Com relao aos modelos preerenciais de Mrio Pedrosa dentro doscaminhos da arte abstrata, eles incluem uma longa linhagem de nomes comoCzanne, Kandinsky, Klee, Malevich, Mondrian e Calder. Os contra-modelos --aqueles a quem Mrio Pedrosa ope certas reticncias -- apontam para a arte que

    se sustenta no que o crtico chamou eeitos caconicos. As desconfanas pa-recem recair em nomes como Jackson Pollock, Franz Kline, e Georges Mathieu.Tais posies aparecem em textos como Da Abstrao Auto-Expresso, e DoInormal e seus Equvocos (1959), este ltimo frmando uma posio com rela-o questo da orma como base da percepo38.

    Voltando ao ambiente da nova arte abstrata que se impunha nos anos1950 aos meios artsticos brasileiros, mais tarde, ocorreria uma querela entre osconcretistas de So Paulo e os concretistas cariocas, que mais tarde passariama se denominar neoconcretos e a criticar uma srie de aspectos nos caminhos

    at ento tomados pela arte concreta. As principais crticas girariam em torno

    . Idem. Da natureza37aetiva da orma naobra de arte. In:ARANTES, Otlia(Org.).Mrio Pedrosa:Forma e PercepoEsttica. So Paulo:EDUSP, 1995.

    . Idem. Do Inormal38e seus Equvocos.Jornal do Brasil, Riode Janeiro, 17 nov.1959. Os dois textosoram republicados emMundo, Homem, Arteem Crise. So Paulo:

    Perspectiva, 1975,p. 33-37.

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    do excesso de racionalismo, e os neoconcretos designao que vigora a partirde 1957 trariam a proposta de renovar os caminhos da arte abstrata com novasproposies que eetivamente se revelaram inovadoras, sobretudo na dcada de1960. Mas antes disto j se evidenciava um pequeno cisma entre os grupos con-

    cretos do Rio e de So Paulo, culminando com a oposio que se acha bem regis-trada em um texto de Mrio Pedrosa intitulado Paulistas e Cariocas (1957)39.A descrio do contraste entre os dois grupos concentra-se principalmente naoposio entre o teoricismo dos paulistas e o espontanesmo dos cariocas.

    Essa grande rase na produo crtica de Mrio Pedrosa echa-se comtextos que reetem o seu entusiasmo pela criao de Braslia, cidade que poderiase tornar por si s uma obra de arte (A Obra de Arte Cidade, 1959)40,e quetrazia em projeto as promessas de um novo tipo de modernidade. Mais tarde,Mrio Pedrosa se decepcionaria com este projeto, e isto coincidiria com a supera-

    o da arte concreta e com a disperso ou deslocamento de vrios de seus artistaspara outros campos de possibilidades. A dcada de 1960 traria uma nova ase paraa arte brasileira, e tambm para a produo crtica de Mrio Pedrosa.

    A terceira ase da obra crtica de Mrio Pedrosa a que se deronta comnovos tempos na arte mundial, na arte brasileira, nas condies internacionais emais especifcamente no contexto nacional que logo seria abalado pela crise quelevaria o pas a uma ditadura militar. Com relao aos caminhos da arte mundial eda arte brasileira em particular, Mrio Pedrosa vive a perplexidade diante de umasrie de crises entrecruzadas, e tambm as expectativas diante de novas propostas

    que sugeriam alternativas s crises. Entre alguns dos aspectos relacionados a talrede de crises, podem-se destacar desde questes ligadas nova relao da artecom a indstria cultural e com o mundo da produo em massa, at os novoscaminhos da arte moderna no plano internacional e seus reexos no Brasil. Oprprio meio artstico brasileiro, por seu turno, tambm contribua com caminhosoriginais para a arte ocidental, o que mais um ponto relevante. Boa parte dosensaios mais importantes de Mrio Pedrosa escritos nesse perodo oram reunidosno livro Mundo, Homem, Arte em Crise (1975)41.

    As questes que ento preocupam Mrio Pedrosa so variadas. O Bicho-

    da-Seda na Produo em Massa (1967)42

    procura situar a crise de uma arte quebusca liberdade e qualidade em um contexto de produo em massa, e para situartal reexo o crtico pernambucano discute o desenvolvimento histrico do capi-talismo no que se reere s suas relaes com as atividades do artista, at chegar sua atualidade uma dcada que prope possibilidades como a arte pop e aarte op. Da Dissoluo do Objeto ao Vanguardismo Brasileiro (1967)43 discuteos novos possveis rumos da arte brasileira. Mundo em Crise, Homem em Crise,

    Arte em Crise (1967)44 discute o deslocamento de um paradigma que seria overbal-visual em direo ao visual-auditivo, diagnosticando o que Mrio Pedrosa

    chamou de crise dispersiva dos gneros de arte. Eis o mundo que anuncia novas

    . Idem. Paulistas e39Cariocas.Jornal do

    Brasil, Rio de Janeiro,19 ev. 1957.

    . Idem. A Obra de40Arte Cidade.Jornal

    do Brasil, Rio deJaneiro, 01 jul. 1959.

    . Idem.41 Mundo,Homem, Arte emCrise. So Paulo:

    Perspectiva, 1975.

    . Idem. O Bicho-da-42Seda na Produo em

    Massa. Correio da

    Manh, Rio de Janeiro,14 ago. 1967.Republicado em

    Mundo, Homem, Arteem Crise. So Paulo:

    Perspectiva, 1975

    . Idem. Da43Dissoluo do Objeto

    ao VanguardismoBrasileiro. Correio da

    Manh, Rio de Janeiro,18 jun.

    1967 Republicado emMundo, Homem, Arte

    em Crise. So Paulo:Perspectiva, 1975.

    . Idem. Mundo44em Crise, Homemem Crise, Arte emCrise. Correio da

    Manh, Rio deJaneiro, 7 dez. 1967.

    Republicado emMundo, Homem,

    Arte em Crise. SoPaulo: Perspectiva,

    1975.

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    possibilidades do campo estendido, questionando limites que at ento haviamconormado modalidades como a pintura ou a escultura tradicional, bem comopropondo o surgimento de novos campos de experincia como a arte no espao, aarte interativa, a arte conceitual, e outras possibilidades -- algumas exploradas por

    artistas como Hlio Oiticica, vindos da utopia neoconcreta da dcada anterior. Apesar de todos os problemas, e tambm contra o peso dos anos de

    chumbo,, esse um perodo igualmente rico na produo crtica de MrioPedrosa, embora em muitos textos ele seja obrigado a teorizar a crise. Para almdisso, com o advento da ditadura militar, Mrio Pedrosa intensifca a sua mili-tncia poltica, que alis nunca o abandonara, no sentido de se engajar em umprocesso de luta pela redemocratizao do qual participaram diversos intelectuaise artistas. Publica dois livros importantes A Opo Imperialista e A OpoBrasileira.45 So obras polticas importantes, urgentes diante da situao do pas,

    e, em vista desses trabalhos e de sua vigorosa atuao poltica, Mrio Pedrosa iriaser processado pelo regime militar em 1970. Este processo, e um posterior decre-to de priso, levariam-no a se exilar no Chile, s retornando ao Brasil em 1977.

    A derradeira ase da produo crtica de Mrio Pedrosa, portanto, vi-vida quase toda no exlio. Isso explica uma maior escassez de artigos sobre a artebrasileira, pois ele apenas pde acompanh-la distncia. Mas para alm disso,conorme ressaltamos no incio deste texto, agora que a prpria crtica pareceentrar em crise no Brasil, sob o eeito de enmenos que vo da globalizao ao

    vazio cultural que em parte devedor do regime militar. Isso sem contar o ato

    de que a prpria arte brasileira e a arte obviamente o material da crtica dearte vive a sua crise particular nos anos 70, diante de um regime em que muitosartistas oram perseguidos ou exilados, e onde a censura e o controle dos meios decomunicao inibiam a liberdade criadora. Tudo conspirava, naqueles dias, paraum esvaziamento da crtica de arte. Assim mesmo, ainda h alguns trabalhos deMrio Pedrosa excepcionalmente importantes neste perodo.

    Dois trabalhos extremamente importantes balizam a quarta e ltima aseda produo de Mrio Pedrosa. Aquele que a inaugura em 1970, e um texto queMrio Pedrosa escreveu aps retornar do exlio em 1977. A Bienal de C e L

    (1970) e Variaes sem Tema (1978) constituem um retrato pereito do pensa-mento de Mrio Pedrosa no perodo e dos problemas que o preocuparam, alm dese abrirem a um verdadeiro retrospecto de toda sua obra. Este ltimo texto, alis,encerra-se transcrevendo literalmente um grande trecho do texto de 1970, o quereora a legitimidade de alarmos em uma ltima ase para este perodo.

    A Bienal de C e L (1970), sob o pretexto inicial de pontuar a traje-tria das Bienais de So Paulo a partir de 1951, empreende uma retrospectiva daarte brasileira no perodo moderno46.No se limitando histria mais especfca,e com o seu inconundvel estilo de alinhar cada assunto em horizontes mais am-

    plos, Mrio Pedrosa historia os vrios movimentos da arte brasileira, bem como

    . Idem.45 A OpoImperialista. Rio deJaneiro: CivilizaoBrasileira, 1966.A obra poltica deMrio Pedrosa, alis, to importante como voltada para a histriada arte. J em 1945,A VanguardaSocialista havia sidoo primeiro livro depeso nesta linha umcuidadoso estudo sobrea Revoluo Russae sua evoluo at apoca em que oraescrito.

    . Idem. A Bienal de46C e L. In: GULLAR,Ferreira (Org.).ArteBrasileira Hoje. Rio deJaneiro: Paz e Terra,1973, p. 01-64.Republicado emPEDROSA, Mrio.Mundo, Homem, Arteem Crise. So Paulo:Perspectiva, 1975,p. 249-309.

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    discute em detalhes diversos pintores brasileiros a comear por aqueles a quem,de um modo ou de outro, sua crtica avorvel arte abstrata tivera de se oporem algum momento. Portinari, Di Cavalcanti, Segall, Brecheret, os modernistasligados ou herdeiros da Semana de 1922 tudo discutido antes de se chegar ao

    desenvolvimento da arte concreta no Brasil e ao perodo das bienais.A curiosidade narrativa desse texto o seu estilo de idas e vindas no

    tempo, rompendo com a narrativa cronolgica linear. Enfm, aps historiar o con-cretismo e discutir criticamente a seqncia das bienais, passando pela ambguadcada de 1960 com suas novas propostas artsticas, o ensaio encerra-se com umimpactante trecho que discute a relao tensa e contraditria entre a arte maiselaborada e a sociedade de cultura de massas. Mas, de tudo, o mais importantepara a nossa discusso que o fnal do texto, escrito em 1970, sintoniza-se sur-preendentemente com alguns aspectos discutidos pela historiografa mais recente

    sobre a questo da sobrevivncia da arte no mundo moderno. Talvez por isso, emvirtude de seu diagnstico extremamente preciso j naqueles princpios dos anos70, Mrio Pedrosa retome este trecho como echo para Variaes sem Tema(1978) - possivelmente o texto mais signifcativo produzido sobre a arte brasilei-ra pelo maior de seus crticos47.

    Variaes sem Tema o ltimo grande exerccio de retrospectiva sobreo mundo da arte elaborado por Mrio Pedrosa. Ele articula o grande trajeto daarte moderna a um contexto em que risa a questo da misria dos povos latino-americanos e da necessidade de que eles se constituam, a partir deste aspecto em

    comum, em uma grande unidade. Da mesma maneira, a dimenso mestia detodos os povos latino-americanos apontada como um ltimo ator para a cons-truo da unidade. Conorme se v, esse grande texto particularmente primoro-so por sintetizar as duas preocupaes centrais de Mrio Pedrosa arte e polti-ca e estender um grande manto retrospectivo sobre as trajetrias entrelaadasentre a arte brasileira e a arte ocidental moderna. O texto consegue se constituircomo uma grande sntese de alguns dos principais aspectos desenvolvidos porMrio Pedrosa em textos anteriores. Um verdadeiro canto do cisne obra queencerra em alto nvel uma reexo de quase meio sculo sobre a arte.

    Reaparece o tema da assimilao europia da alteridade cultural (ari-cana, oriental, americana, ocenica) como o aspecto nuclear a partir do qual sedesenvolveu a arte moderna. O artista, primeiro a perceber de uma nova maneiraessa alteridade ao invs de assimil-la como elemento meramente extico mostrado por Mrio Pedrosa como o grande heri desta conquista, depois a esten-dendo aos antroplogos, naturalistas e outros homens de saber.

    Ressurge tambm a preocupao de Mrio Pedrosa com os desenvolvi-mentos da arte ocidental na dcada de 1960 particularmente com a um tantodesconcertante arte pop, pelo menos do ponto de vista de uma crtica modernista

    que vinha conseguindo compreender linearmente os desenvolvimentos abstratos

    . Idem. Variaes47sem Tema ou A

    Arte da Retaguarda.Conerncia apresenta-

    da na Primeira BienalLatino-Americana.

    Republicado emARANTES, Otlia

    (Org.). Poltica dasArtes. So Paulo:EDUSP, 1995,

    p. 341-347.

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    da arte. Essa tendncia preocupou no apenas Mrio Pedrosa como tambminmeros estudiosos que j sentiam difculdades em analisar a histria da artea partir das hipteses modernistas de um desenvolvimento linear que rumavaresolutamente em direo abstrao e autonomia da arte dois temas que

    oram to tpicos de Mrio Pedrosa como de crticos como o americano ClementGreenberg.

    Em Mrio Pedrosa temos a anlise desse enmeno a partir de um desven-damento de suas contradies, do entrechoque de suas recepes e motivaes e com o mesmo esprito analtico o crtico pernambucano analisa outros cami-nhos da arte contempornea, como a arte improvisada dos happenings, semprese ocupando de relacion-los com contextos mais amplos como o inconormismoda juventude nos anos 60. Mrio Pedrosa, alis, teria sido um dos primeiros aempregar a expresso arte ps-moderna para a complexidade cultural que sur-

    gia a partir da dcada de 1960. As variaes sem tema, enfm, so encerradasenaticamente com uma grande autocitao do texto visionrio que havia sidoescrito oito anos antes.

    Esse ltimo texto importante, ao qual poderiam ser agregados algunsoutros, mesmo sintomtico48. O objeto de anlise do crtico brasileiro era agora,alguns anos antes de sua morte, o mundo globalizado e mergulhado em con-tradies sociais ainda mais acentuadas, aturdido por crises comportamentaise impasses culturais diversos, e por fm posto a se expressar atravs de uma arteque os prprios crticos tinham difculdade em desvendar. Um mundo que gerava

    a sua perieria terceiro-mundista, com a qual Mrio Pedrosa se preocupava parti-cularmente, e que no Brasil enrentava adicionalmente a represso poltica erao mesmo universo que vira subitamente a crtica de arte declinar.

    A dcada de 1970 encerra-se na obra de Mrio Pedrosa com uma cons-cincia cada vez mais acentuada da crise de mltiplos tentculos, e impossveldeixar de perceber as notas de pessimismo nas ltimas palavras publicadas dogrande crtico:

    Estamos numa poca de crise prounda, de crise ainda mais aguda no TerceiroMundo. [...] Diante de conitos to radicais, terrveis, insolveis, natural que aarte passe para um nvel secundrio49.

    Mrio Pedrosa, contudo, cumpriu seu papel como incentivador da arteat fns da sua vida, quando vem a alecer em 1981. A sua contribuio histriada arte e crtica de arte do Brasil, no entanto, frma-se como uma reernciadefnitiva.

    . Ver tambm48PEDROSA, Mrio.Discurso aosTupiniquins e Nambs.Versus,n. 4, 1976;e PEDROSA, Mrio,Arte Culta e ArtePopular. Arte em

    Revista, n. 3, SoPaulo: Kairos, 1975,p. 22-26.

    . Idem. Entrevista a49Ccero Sandroni.Jornal do Brasil, Riode Janeiro, 2 mar.1980.

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    60 Ba Detalhe de otografa em que se v as atrizes Norma Bengell e Ruth Escobar (atrs

    dela, o crtico Mrio Pedrosa). Foto Correio da Manh, 1968

    Bbgafa mma

    AMARAL, Aracy e ARANTES, Otlia. Beatriz. Mrio Pedrosa:100 anos. SoPaulo: Fundao Memorial da Amrica Latina, 2000.

    AMARANTE, Leonor. As Bienais de So Paulo: 1951 a 1987. So Paulo:ProEditores, 1989.

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    MARQUES NETO, Jos Castilho.Mrio Pedrosa e o Brasil . So Paulo: Funda-

    o Perseu Abramo, 2001.MARQUES NETO, Jos Castilho. Solido revolucionria: Mrio Pedrosa e as

    origens do trotskismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

    PEDROSO, Franklin e VASQUEZ, Pedro. Mrio Pedrosa : arte, revoluo,refexo. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1992.

    Jos DAssuno Barros doutor em Histria Social pela Universidade Federal Fluminense(UFF) e proessor da Universidade Severino Sombra (USS) de Vassouras. Publicou O Campoda Histria (Petrpolis: Vozes, 2004), O Projeto de Pesquisa em Histria (Petrpolis: Vozes,2005) e Cidade e Histria (Petrpolis: Vozes, 2007). Em 2009 est previsto o lanamento do

    livro Razes da Msica Brasileira (So Paulo: Hucitec, 2009).

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