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Cenário Apartamento completo, com dois quartos, uma sala, um banhe e uma cozinha. Uma planta baixa dando a divisão dos cômodo No quarto do Marco, uma cama, um sofácama, uma mesinha de datilo!rafia com cadeira. Uma estante de livros de ti"olos. #artazes de pe$as nas paredes. No quarto do %idi, uma cama uma cadeiracama, um !uardaroupa, se poss&vel embutido 'n de Marco tamb(m). Mulheres nuas na parede, um crucifixo e foto do *lamen!o. #+NA A- +/+N0A123 %3/ -+ /3NA4+N/ Ao iniciarse a cena, estão os quatro persona!ens em ativi cotidianas, com a mesma roupa que deverá ser usada no fina espetáculo. 5A06A '4rávida de oito7nove meses) 8 Meu nome ( 5atia. 5at -orreta. Moro aqui neste apartamento com mais tr9s pessoas que ( bom. /ou do /ul de Minas, mas meu pai era quadrado e eu me mandei. Não sou besta... +u hein: Me mand pru io esumindo; tou na vira$ão< MA #3 '0odo de preto) 8Meu nome ( Marco Aur(lio # #ampos de Morais. Nin!u(m vai ne!ar que, para escritor, eu tenho um !rande nome. =inte e cinco anos, tr9s livros publ tudo sucesso de cr&tica. 'Apontando uma senhora da plat(ia senhora "á leu um romance dum tal de Marco Morais, chamado >Manuela, a 4uerrilheira de ?emorr@idas:> Não: Nin!u(m leu Mas ( bom; ( pr9mio almapBC. %eu para curtir quase dois com o dinheiro. 4DA%E/ '%e bata) 8 Meu nome ( 4ladFs e!ina. *a$o cinema, teatro e televisão. Acho que voc9s "á ouviram falar de mim sou tão famosa assim, mas "á fiz meus filminhos. +stou num novela a!ora. +u morava em #axias. Minha fam&lia ainda est enterrada viva. +u me mandei. *azia teatro no col(!io das 0rabalhava s@ mulher. 3s pap(is masculinos tamb(m eram fei pelas meninas. 0eve uma menina que se especializou tanto e papel de homem, mas tanto, que... #oitada, outro dia vi el -iperGs. A& eu me mandei. %eixei tudo e vim morar aqu come$o foi duro... %6%6 'todo de branco, com roupa de estudante de m inclusive meias e sapatos) 83i< *a$o medicina.

Mario Prata - Cordão Umbilical

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Cenrio Apartamento completo, com dois quartos, uma sala, um banheiro e uma cozinha. Uma planta baixa dando a diviso dos cmodos. No quarto do Marco, uma cama, um sof-cama, uma mesinha de datilografia com cadeira. Uma estante de livros de tijolos. Cartazes de peas nas paredes. No quarto do Didi, uma cama, uma cadeira-cama, um guarda-roupa, se possvel embutido (no de Marco tambm). Mulheres nuas na parede, um crucifixo e uma foto do Flamengo.

CENA 1

APRESENTAO DOS PERSONAGENS

Ao iniciar-se a cena, esto os quatro personagens em atividades cotidianas, com a mesma roupa que dever ser usada no final do espetculo.

KATIA (Grvida de oito/nove meses) Meu nome Katia. Katia Porreta. Moro aqui neste apartamento com mais trs pessoas. At que bom. Sou do Sul de Minas, mas meu pai era muito quadrado e eu me mandei. No sou besta... Eu hein? Me mandei pru Rio Resumindo: tou na virao!

MARCO (Todo de preto) Meu nome Marco Aurlio Cunha Campos de Morais. Ningum vai negar que, para escritor, eu j tenho um grande nome. Vinte e cinco anos, trs livros publicados: tudo sucesso de crtica. (Apontando uma senhora da platia) A senhora j leu um romance dum tal de Marco Morais, chamado "Manuela, a Guerrilheira de Hemorridas?" No? Ningum leu. Mas bom: prmio Walmap-68. Deu para curtir quase dois anos com o dinheiro.

GLADYS (De bata) Meu nome Gladys Regina. Fao cinema, teatro e televiso. Acho que vocs j ouviram falar de mim. No sou to famosa assim, mas j fiz meus filminhos. Estou numa novela agora. Eu morava em Caxias. Minha famlia ainda est l: enterrada viva. Eu me mandei. Fazia teatro no colgio das freiras. Trabalhava s mulher. Os papis masculinos tambm eram feitos pelas meninas. Teve uma menina que se especializou tanto em papel de homem, mas tanto, que... Coitada, outro dia vi ela no Piper's. A eu me mandei. Deixei tudo e vim morar aqui. No comeo foi duro...

DIDI (todo de branco, com roupa de estudante de medicina, inclusive meias e sapatos) Oi! Fao medicina. T certo que entrei no sexto vestibular... E de excedente, mas entrei. Meu nome Valdir Melges Jnior, mas meu apelido Didi. Todo mundo me chama de Didi. L na faculdade tambm, onde estou no 4. ano.

MARCOEu fiz at o 4. ano de engenharia, at que descobri que ia ser engenheiro. S engenheiro. Da, resolvi ser escritor. S escritor.

KATIA (Experimentando uma camisa do Didi e se olhando no espelho) O pessoal l da boate repara muito neste negcio de roupa. Se a gente comea a repetir muito, fica logo com apelido. O Dionsio Dionsio o porteiro fala assim: aquela menina de calcinha verde-hemorragia j chegou? Pega mal, paca. Eu, at que sou boa. (Alisa a barriga) O que estraga esta barriga, p. Tambm, quem mandou errar na conta?

GLADYS (Lendo jornal) ''Quase terminado o filme de Jece Valado, "O Bandido da Luz Vermelha Contra A Viva Virgem", inteiramente filmado em Parati, em cujo elenco encontramos: Adriana Prieto, Sandra Barsotti, Rossana Ghessa, Paulo Vilaa, Arduino Colassanti, participao especial de Valria e outros". Outros? Outros a me do produtor! Dou um duro danado, me afogo oito vezes num mar frio pra danar, quase morro de pneumonia e "outros"?

DIDI O sonho do meu pai eu me formar e ir trabalhar com ele l em Ribeiro Campestre onde ele mdico (Pega uma carta) O ano que vem fico noivo da Dirce. Ah, a Dirce linda. Mame adora a Dirce. Hoje em dia raro uma menina como ela: prendada... (A luz cai em resistncia e entra uma voz gravada do Didi lendo a carta para a namorada) (foco apenas em Didi).

GRAV.Meu coelhinho: sade. Acabo de receber a sua carta. Aquela que voc fala da minha costeleta. Meu anjinho, no precisa se preocupar com os erros ortogrficos. Todo mundo faz... Espero que ao receber esta, tudo esteja na santa paz de Deus junto aos seus. Sua me, como vai? Aqui, graas a Deus, tudo bem. Tanto na escola, como em casa. O Marco, cada vez mais famoso. s vezes a gente fica numa solido aqui dentro, (Aqui d uma luz geral e esto os outros trs em atividades quaisquer pelo apto.), s ns dois... D uma vontade de estar em seus braos... Recebeu minha carta de antes de ontem? Mando mais dois beijinhos nesta. Outro dia tirei um dez de ginco.

DIDI ( Como que explicando para o pblico) Ginco ginecologia.

GRAV.E fui para o quadro. Viu, coelhinho, o seu namoradinho est s estudando. Estudando para termos um lar sadio e um Mustang cor de sangue, abenoados por Deus. Um beijinho do namorado distante mas sempre perto do seu corao Didi. PS: voc viu o Flamengo?

MARCO (Novamente luz como anteriormente) Ganhei tambm um concurso universitrio nacional. Um milho, o prmio. S que at hoje no recebi...

KATIA O mdico disse que para daqui a um ms. E mdico sabe o que diz. Devido que me enfiou at o dedo. Se for homem vai se chamar Pedro Leopoldo, se for mulher, Kelly Cristina. Mas vai ser homem. E vai ser doutor; pra enfiar o dedo em tudo que for mulher.

GLADYS (Fazendo exerccio de abrir e fechar as pernas) arte, dura arte. Expresso corporal. Grotowski. Tem uma menina l no teatro que disse para o pai dela que perdeu a virgindade assim, : rompeu! E no que o cara acreditou?

DIDI Pra se ter um diploma, tem-se que estudar muito. Tem que fazer muito sacrifcio. E tem muita gente que fica por a puxando fumo. s tempo que se perde. O que eles querem, afinal? (As luzes se apagam rapidamente)

CENA 2 (Esta cena externa ao apartamento. o comeo da pea, com Didi convidando Marco para morar com ele. Pode ser um mero encontro na rua, como uma conversa dentro de um nibus).

MARCO fogo, viu Didi? A gente mora num quarto dois por um. De repente a gente acorda e tem um cara que a gente nunca viu mais gordo e nem mais magro ali, do seu lado, respirando o seu ar. O ar que voc t pagando... Dormindo com aquela cara vermelha e a mo calejada da malinha 007. E a gente ali, agentando um chul alheio, um ronco estranho. Geralmente so caras do interior ou do subrbio. Vm para trabalhar aqui no Rio nas Casas da Banha ou na Light. So estes caras que no fim de semana no saem da Praa Mau. Isto quando no vo para a "terra natal": a, metem um terno preto desbotado, suado, uma gravatinha vermelha daquelas fininhas com cinto idem-ibidem e descem do nibus dando aquele ar de prsperos e bem sucedidos na Capital...

DIDIA penso fica na Prado Jnior, no ?

MARCO.

DIDIBoca quente, hein?

MARCOQuente? Pe fogo nisto.

DIDIMas tambm tem uma vantagem, n Marco? Tem umas gatinhas por ali. Tu manja aquelas sesses da meia-noite no Cinema Um?

MARCO Ontem passou Um Dia Um Gato. Alm das gatinhas tinha um gato muito louco.

DIDILembra de Ribeiro Campestre? Voc era o Rei da Zona! Lembra daquela japonesa?

MARCOA que tinha uma dentada?

DIDIEnto? Virou bicha?

MARCONo nada disso. Deixa pra l. E a histria do apartamento?

DIDIIa dizer agora.

MARCOOuvi dizer que uma travessa da Montenegro, n?

DIDI Barra quentssima. Dois quartos enormes. Meu pai que disse pra eu convidar voc. Sabe como o meu pai. Voc, a gente conhece, amigo velho da famlia, mame amiga da sua me, coisa e tal. Eles se preocupam muito comigo: s vezes enche o saco, mas eu vivo de mesada, tenho que fazer a minha mdia...

MARCOE s ns dois?

DIDILgico que s ns dois. evidente. Assim a gente pode levar mulher num mesmo dia sem qualquer embarao. Eu tenho o meu quarto e voc tem o seu. Voc tem mveis?

MARCOUma escrivaninha e uma estante de livros.

DIDIVoc no perdeu a mania de ler, hein?

MARCOPois ... E quanto que o cidado aqui vai ter que pagar para, como diz voc, fornicar sem embaraos?

DIDI Olha, se for muito pode dizer. Eu andei conversando com o meu pai e a gente ficou pensando... evidente que... Sabe, n? A gente, evidente...

MARCOFala de uma vez, Didi!

DIDIMeio salrio mnimo, d?

MARCO (Acha o preo timo) D. O preo, t razovel. S de sair l da Prado Jnior.

DIDIE eu, no agentava mais morar com a minha tia. Est certo que ela tem televiso que quebra um galho danado. Mas no d p. Este negcio de tia, s sendo muito novinha e muito boa! S que televiso desvia a gente um pouco dos estudos. Mas est dando para levar o curso. Gosto muito da profisso que vou abraar. (Pausa) Vamos pegar um cineminha ali no Cineac?

MARCOQue que t passando?

DIDI "Viagem ao Seio de Todas as Mulheres do Mundo". (Apagam-se as luzes).

CENA 3 (Didi conhece Katia. Cena externa. Talvez boate de Katia).

KATIA (Para Didi)Nunca, nunquinha! Quem que voc t pensando que eu sou? Uma prostituta qualquer? Ora, esta muito boa! Sou mulher de muita personalidade, meu filho. Mulher pra quinhentos talheres. V se pode: eu, Katia Porreta, uma das mulheres de mais categoria da boate, dormir de graa com um pimpolho de costeletas, s porque a mesada da boneca atrasou

DIDI Vamos l em casa que eu te mostro a boneca e o pimpolho!

KATIAE alm de tudo engraadinho, n? Tenho l eu culpa se voc estudante ou no? Nunca Nunquinha! Never! T pensando o que? Que o Alan Delon? Pois fique sabendo que na hora de trabalhar sou mais pelo Onassis de cueca. Sou uma profissional, meu filho. Servio completo: cem mil! (As luzes se apagam. Quando acendem. Didi e Katia esto entrando no apartamento, pela porta de entrada).

DIDISacanagem, n Katia?

KATIAOlha aqui, Dod.

DIDIJ disse que Didi.

KATIAOlha aqui, Didi, sou uma mulher de muita personalidade. Fiquei com vontade e fiz mesmo. Sou muito decidida!

DIDIMas em frente do Zeppelin?

KATIA Pipocas! Tava com vontade, mijei mesmo! (Didi vai acender o abajur no seu quarto mas Katia entra no quarto do Marco) Aqui que o seu quarto?

DIDINo, a do Marco.

KATIA Mora mais gente aqui, ? T pensando que eu sou do que, hein? No sou destas, no, t sabendo ?

DIDIQue nada, o Marco no de nada! Intelectual. Vem para o meu quarto, vem, amor.

KATIA (Olhando os livros do Marco) Putz, quanto livro...

DIDI Vem, p.

KATIA Calma, cazzo. Parece que faz um ms.

DIDIQuase dois.

KATIA (Pega um livro) Olha a Bblia! J te disse que fui Testemunha de Jeov? (Vo andando para o quarto do Didi que vai beijando-a no pescoo).

DIDI Disse, no. Depois voc conta. Depois. (Didi vai tentar tirar a roupa de Katia).

KATIADepois? Vou embora j-j. Tenho meu coronel, t sabendo? No chego depois das seis, no. Deixa que eu tiro. Homem no entende dessas coisas...

DIDI evidente. Ou voc queria que eu usasse zipper nas costas?

KATIA (Fica de calcinha e soutien ao mesmo tempo que Didi de cuecas, destas antigas, largas) Apaga a luz. Tenho vergonha... (Didi apaga a luz do abajur que deve permanecer apagada durante toda essa cena. Total escurido).

DIDIVoc manda. Vem quente que eu estou fervendo.

KATIA E no comea com frescura, no. Ih, que mo fria!

DIDIMo fria, corao quente.

KATIA No o corao que tem de estar quente. (Pausa) O nego, vai devagar, n?

DIDI Que pernil...

KATIA Pe este p pra l.

DIDI _ Este?

KATIA O outro, amor.

KATIA Vai mais pra l. Olha o meu brao a. (Didi comea a tossir) Que que foi?

DIDIPera a. Entrou cabelo na minha boca.

KATIAVoc muito pesado. Est me machucando

DIDI Se concentra! Se concentra!

KATIA (Pausa) Ded.

DIDI Didi, p! KATIADidi. quero fazer pipi!

DIDILogo agora? Vai depois.

KATIA Num gento, amor.

DIDI Ento vai de uma vez. Mas no demora. (Ainda com as luzes apagadas Katia vai cantarolando para o banheiro depois de jogar Didi pra fora da cama. Breve pausa). E no precisa voltar, no ( Se o pblico no entender, complete com: sou auto suficiente! ) (As luzes se acendem e esto os dois se vestindo).

KATIA Tem nada no, amor. Qualquer dia eu volto. Hoje tenho que ir. O Freitas, o meu coronel, fogo. T quase na hora. Afinal, nas horas de aperto quem alivia mesmo ele. Gente bem: funcionrio do Banco do Brasil ganha bem, casado, cursilhista, tudo o mais. Te falei das minhas filhas?

DIDI Falou, no .

KATIA Margot e Neide. Falei, no? (Pausa) Tem um quebra gelo a, no?

DIDI Acabou. Outro dia o Marco deu uma festa que eu no pude nem estudar.

KATIA Que que voc estuda?

DIDI Medicina.

KATIA CDF... (Vai para o banheiro lavar as mos) Que toalha posso usar?

DIDI (Do seu quarto) Usa a azul. (Para ele mesmo, como que falando sozinho, sentado no cho, encostado na cama) do Marco . . . Mas eu sou um apressado mesmo! Se o Marco visse esta gata... O Marco s come intelectual: tudo magrinha, despenteada, cabelo todo encaracolado misturado com sal, perna fina, unha do p suja. Eu, no. Mulher, pra mim, tem que ter carne. Tem que ter aquela perna. Tem que ter carne. Carne, carne, carne! (Katia volta para o guarto).

KATIA T com fome, bem?

DIDI (Levanta se) Quando que te vejo?

KATIA (Vo caminhando para a porta de entrada) Passa l na boate qualquer dia. (Didi d um.aperto de mo em Katia).

DIDI Muito prazer! (As luzes se apagam).

CENA 4 (Quando as luzes se acendem Didi est andando pela sala com um enorme livro de medicina nas mos, estudando).

DIDI "Um indivduo, por exemplo, de fentipo MS transmite um gene MS que, no decurso das geraes no se segrega em M e S. Para os trs grupos genes Ms, e Ns tambm no foi observada a permuta. Crossingover. Os filhos de um casal MSMS e NsNs, tero gentipos MSNs e nunca MsNS. Estes indivduos MSNs, casados com indivduos Ns, tero filhos Ns, mas nunca NS. Entre os negros, existem indivduos destitudos de S e de s, representando o fentipo menos-menos". (Toca a campainha) J vai. Mas ser que nem s sete da manh se pode ficar sossegado em Ipanema? Preciso estudar... (Vai caminhando para a porta) Afinal os negros so menos-menos. (Abre a porta, Katia) Quer falar com quem?

KATIA No se lembra de mim, no?

DIDIRiseth!

KATIA Que Rizeth, p. Sou a Katia, lembra?

DIDI (Lembra-se) Mas lgico. Que que voc quer?

KATIA Quero entrar, uai. V se se manca, n?

DIDI Vamos entrando; quem vivo sempre aparece! Tava na boate?

KATIA (Irnica) No, num piquenique.

DIDI Entra. Vem c para o meu quarto. Sumiu, hein?

KATIA (Ambos entram no quarto do Didi) Tambm, no era pra menos. Venho aqui com voc e voc na minha cara, n?

DIDI Aquele dia eu no agentava mais. Deixa eu guardar este livro. (Pausa) Outro dia fui te procurar na boate mas voc j tinha sado. Acabei ficando com a Norma, conhece?

KATIA A Norma Tnel-Velho? (Dando uma olhada no quarto do Marco).

DIDI Deve ser..

KATIA Aquele cara que mora com voc, ainda mora?

DIDI Mora. T meio famoso agora. Outro dia apareceu na televiso. No "Almoo com as Estrelas", do lado do Jerry Adriani e da Nalva Aguiar...

KATIA Ele escreve, n?

DIDI S palavro. Um sujo. Minha me nem leu. E ainda ficou uma arara. Acha que ele pode me influenciar.

KATIA Voc tambm escreve?

DIDI Que isso?

KATIA Como se voc no falasse palavro.

DIDI Falar uma coisa. Escrever outra.

KATIA Mesma coisa. Palavro palavro. Ded...

DIDI Didi!

KATIA Desculpe, Didi. Olha, eu precisava de um favorzo seu.

DIDI (Alisando o lenol da cama) Estamos aqui para o que der e vier, e muito especialmente para quem vier e der!...

KATIA No nada disso. Sabe, Dad...

DIDI Didi! Didi! V se guarda. D-I-D-I! Didi.

KATIA Sabe, Didi, um dia tinha que acontecer. O Freitas, lembra dele? (Didi faz que no com a cabea) O meu coronel, pombas! Me mandou embora.

DIDI Arrumou coisa melhor?

KATIA Me mandou embora devido que descobriu que estou grvida.

DIDI E t mesmo?

KATIA Tou.

DIDI Puxa, que fria. V tirar?

KATIA Nunca. Never. Isto l coisa que se faa? Matar o pobre do bichinho?

DIDI ... pensando bem.

KATIA , ademais, foi culpa minha. A minha religio no permite. Qualquer dia te conto tudo. Ento, o Freitas, sem mais nem menos, tirou a minha chave com a mesma cara de filho da me que me entregou quando eu fui pra l. Pegou minhas coisas, me deu, e depois me deu uma bruta porrada aqui no olho esquerdo.

DIDI (D uma observada bem de mdico na vista de Katia; aproveita e olha o resto do corpo) , o olho t meio vermelho mesmo. Foi agora?

KATIA Agorinha. Bancrio filho duma gua. Deu uma porrada na minha cara e disse que eu no passava de uma mulherzinha vulgar, suja e beata!

DIDI Mulherzinha, no. Voc uma senhora mulher. Tem uma perna muito bonita.

KATIA Agradecida.

DIDI Ainda vamos descontar aquela noite. (Katia fica olhando para Didi como se esperasse uma reao dele). P, n Katia, voc no t querendo que eu v l na casa do cara e d uma porrada nele. Eu nem conheo O cara. ..

KATIA No nada disso, seu. O que eu queria pedir para voc e para este cara que mora a, Marco, n?, para morar uns dias aqui.

DIDI (Longa pausa, observa 0 corpo dela) Quanto tempo?

KATIA Quanto tempo, o que? Ah... eu vou ficar aqui? (Pausa) Uma semana, no mximo quinze dias.

DIDI S uns dias?

KATIA Olha, Didi: chego cedinho, durmo o dia inteiro e noite vou trabalhar. Pode ficar sossegado. Se quiser posso dar referncias.

DIDI (Pensando) Preciso consultar o Marco. (Pausa) Acho que no vai ter problema, no. (Pausa) Acho que pode. (Pausa) Pode sim. Lgico que pode! (Katia vai vara a porta de entrada) E as suas coisas, traz quando?

KATIA (Abre a porta de entrada e pega uma valise da Varig que estava do lado de fora) Esto aqui, . Tudo aqui. Escova de dentes, chinelo, duas calcinhas toda noite eu lavo uma para o dia seguinte, sou muito higinica uma cala comprida e uma blusa pra frio. Alm desta aqui (Vestida) que de linho e paraguaia.

DIDI Bonita. Mas, e o resto? No tem mais nada, no?

KATIA No... Tudo que o Freitas tinha me dado tirou de volta.

DIDI Que cara mais lazarento, hein? Olha, se voc quiser dormir agora, pode, viu? Vou precisar sair um pouco.

KATIA Mas hoje domingo.

DIDI E da?

KATIA No vai me dizer que tem aula?

DIDI No, um outro compromisso.

KATIA O que ? Posso saber?

DIDI Olha aqui, Katia: voc vai morar aqui, mas no tem nada a ver com a minha vida. Nada de ficar perguntando isto ou aquilo, onde fui ontem, onde vou amanh...

KATIA Desculpe, n? Mas sair s oito da manh, domingo, pra rua, meio crime. Isto hora de deitar pra dormir.

DIDI (Saindo para a rua) Vou na missa. Sou Catlico Apostlico Romano!

KATIA (J com Didi fora de cena, monologando) Eu, era Testemunha de Jeov. ( Termina por atirar a roupa, quando est para deitar, entra Marco. Ela vai at a porta do quarto dele, d uma olhadinha e v Marco tirando a roupa e se deitando. Marco no a v. Ela volta e se deita. Os dois comeam a dormir, a luz vai caindo em resistncia).

CENA 5 (Didi chega da rua assobiando e quando d conta que as duas camas da casa esto ocupadas, vai acordar Marco).

DIDI (Com o Jornal dos Sports do dia, debaixo do brao) Marco, Marco! Acorda, rapaz!

MARCO Ahn... O que?

DIDI Acorda. Sabe que horas so ? Olha s que sol. T a maior praia!

MARCO (Olha o despertador) Ou so dez pras dez ou caiu um dos ponteiros...

DIDI Voc dorme, hein?

MARCO Deixa eu dormir, v.

DIDI Dez horas. Levanta, seno na hora do almoo voc no tem apetite nenhum.

MARCO Didizinho, voc viu a hora que eu cheguei? E eu l tenho hora marcada para almoar?

DIDI Que hora?

MARCO Que hora, o que?

DIDI Que hora voc chegou, p.

MARCO Sei l... A velhota a da frente j estava voltando da missa. Didi, te juro, eu quero dormir, viu?

DIDI Escuta, verdade que voc largou mesmo a faculdade?

MARCO T cansado de saber que .

DIDI Penou bem? Olha l rapaz! Sabe-se l do futuro...

MARCO Sei...

DIDI O seu pai sabe? Disse o que?

MARCO Sei l, Didi. Se eu fosse me preocupar com o meu pai, deveria estar l no Tringulo Mineiro marcando Zeb. Deixa eu dormir, deixa...

DIDI Vai fazer, o que?

MARCO Vou dormir, porra!

DIDI No, seu burro.

MARCO Sei l. Talvez estude portugus, d aula no Mobral, qualquer negcio. E tem mais uma coisa: quem foi que te disse que eu estou preocupado com o meu futuro?

DIDI Mas todo mundo est preocupado com o futuro. Eu estou com o meu. Os meus pais esto preocupados com o meu futuro. A Dirce, minha namorada, est preocupada com o meu futuro. Quer me explicar quem vai ser voc sem um diploma? Vai viver do que, hein? CENA 6 ( Cena externa. Pode ser uma conversa telefnica).

MARCO O filme no era um lixo?

GLADYS Era, no. um lixo. Uma pobreza. . .

MARCO Ento, porque fez? Tava dura, ? . .

GLADYS ... S que ainda no pagaram. Mas eu tive l outro dia e o cara me garantiu que pagam depois da mixagem. Mas pagam sim. O Max um cara bacana...

MARCO Escuta, o cara que dirigiu o filme, verdade que vocs esto de caso?

GLADYS Que foi que te disse isto? O que voc t pensando que eu sou?

MARCO Nada... sabe, ontem eu jantei com a Leilah Assumpo e...

GLADYS (Cortando) Quem?

MARCO A Leilah, que escreveu "Fala Baixo Seno eu Grito".

GLADYS Ah, aquela revista?

MARCO No, Gladys, aquela pea que a Marlia Pera fez, p.

GLADYS Sei. Com o Vilaa.

MARCO e a Leilah me falou uma coisa incrvel: para uma obra de arte sair perfeita, autor e diretor devem dormir juntos , atriz com diretor, autor com atriz, ator com atriz, ator com ator...

GLADYS Atriz com atriz...

MARCO Contra-regra com bilheteira.

GLADYS Divulgadora com crtico... (Pausa, riem) Estou sim.

MARCO T o que?

GLADYS De caso com o diretor.

MARCO Ah, ento por isso que ele no te paga.

GLADYS No, ele no paga porque est sem dinheiro mesmo.

MARCO Paga sim, Gladys. Pensa bem; ele paga em espcie. E voc fica a, dura paca. J-j vai pedir para morar l em casa.

GLADYS Sabe? foi bom voc tocar neste assunto. A Marlene, aquela menina que morava comigo. deu uma bacanal no apartamento as trs da tarde, pode? A dona Filomena mandou a gente embora. Quando eu voltei das filmagens em Parati, estava de sandlias e escova de dentes em plena Barata Ribeiro. A o Siboney, aquela boneca, lembra?, me falou de voc.

MARCO (Pausa) Quanto tempo?

GLADYS Quanto tempo o que? (Pausa) Ahn... eu vou ficar na sua casa? Uma semana, no mximo quinze dias! (Apagam se as luzes)

CENA 7 (Gladys est sentada na mesa da sala recortando jornal. Katia sai do quarto do Didi e dirige-se a cozinha para jogar lixo fora. Katia est de quatro meses).

KATIA Mania de ficar recortando jornal . . . At parece que meu nome nunca saiu em jornal. S no tempo da Galeria Alaska. "O Dia", minha filha. E com foto e tudo. Eu tapei a cara na hora da fotografia mas eu sabia que era eu quando comprei o jornal.

GLADYS (Rindo) Ontem cedo veio aqui uma mulher procurando uma tal de Zulmira. voc ? Ela garantiu que era este o endereo.

KATIA Minha tia! Aconteceu alguma coisa?

GLADYS Sei l.

KATIA Como, sei l? No perguntou, no? Eu falei pra minha tia s vir aqui em caso de necessidade muito grande. Voc uma irresponsvel. A mulher sai l de Pavuna e voc diz que no aqui?

GLADYS Ela falou a num papo de leite das crianas, sei l. Eu falei com o Didi e ele ficou de falar com voc. Falou, no?

KATIA No, eu no estive com ele desde ontem cedo.

GLADYS Acho bom voc dar um pulo l.

KATIA Vou depois do almoo. Assim levo a Margot no parque.

GLADYS Foi bom a gente se encontrar. Eu estava precisando falar muito com voc. A gente precisa combinar o dia que cada uma vai arrumar o apartamento, porque se deixar por conta dos meninos, morreremos na mais absoluta poluio de pulgas, baratas, tocos de cigarros e outros tocos.

KATIA T sabendo.

GLADYS No foi, como se diz?, trabalhar hoje, no?

KATIA Em primeiro lugar, no tenho que dar satisfao a ningum. Ademais, alguma vez te perguntei onde voc faz a sua virao. No fui trabalhar, no... Se at o Senhor, que o Senhor, descansou, porque eu no ? "E Deus acabou no stimo dia a obra que tinha feito e descansou no stimo dia de toda a obra que tinha feito". T no Gnesis.

GLADYS Posso saber onde decorou a Bblia ?

KATIA A, como burrinha... E a Bblia l para ser decorada, menina? Eu entendi. J fui grande no Reino das Testemunhas de Jeov l em Tefilo Otoni. Ate que apareceu o Jeremy. O Jeremy era um americano: Pregador Maior! Um belo dia veio com uma conversa diferente, com aquele sotaque todo para o meu lado: "eu falar e eu falar claramente e em voz alta que existir vantagens no adultrio". E veio andando para o meu lado com uma cara de tarado, menina! A eu pulei para o banco de trs a gente tava no Reino e gritei: "no deves cometer adultrio. xodus 20: 4". No deu tempo. Foi ali mesmo. Ainda bem que tinha uma almofadinha.

GLADYS (Indo para o quarto do Marco e seu) Comigo nem almofadinha tinha. Foi na escada. Na raa. Hoje em dia no subo em escada de jeito nenhum. Tenho neurose de escada. Amo um elevador. Escada na minha vida basta aquela. E depois, voc se mandou?

KATIA (Entrando atrs) D licena? Foi. Puxa, sem almofadinha fogo!

GLADYS Escada de um hotel de terceira categoria, meu amor. Me machuquei toda nas costas. Tambm, visualiza bem: o cara me apertando na frente, os degraus me apertando nas costas. O desgraado do corrimo na nuca. O cabelo numa poa d'gua... No fim, at que foi bom. Na hora H a gente escorregou uns cinco degraus. Nunca mais vi o cara. Um tarado...

KATIA Coitada. ..Depois desta do Jeremy eu me mandei. Nunca mas vi, tambm. At que nasceu a Margot.

GLADYS Voc s tem esta filha?

KATIA No !: duas! Margot e Neide. Margot a mais velha; loirinha, olhinho bem azul, sangue de americano, sabe? Agora Neide mais para o mulato, cabelo meio pixaim... um problema de pai!

GLADYS Escuta, Katia, como que voc foi parar na virao?

KATIA Ih, minha filha; quando cheguei fui ser domstica. Ai, que vida mais besta, meu Deus. Depois uma amiga de Tefilo Otoni testemunha me convidou para trabalhar numa penso na Praa Mau. Meu primeiro mich: um estudante que veio do interior de So Paulo e o cara no acreditava Foi to gozado... Eh, sarro! (Pausa) E voc, como que comeou?

GLADYS Comeou o que?

KATIA Uai, voc no da vida?

GLADYS (Pausa) Da vida?... Eu no... Olha, Katia, eu no sou o que voc est pensando no.

KATIA Uai, voc no dorme com este tal de Marco?

GLADYS No.

KATIA No? J sei, voc sapato?

GLADYS No. (Ri).

KATIA Eu sempre desconfiei que este cara era bicha.

GLADYS No, (Ri).

KATIA Ento sou eu que tou ficando louca. Vocs no dormem juntos aqui neste quarto?

GLADYS Dormimos.

KATIA Ento, porra!

GLADYS Mas uma histria diferente. No assim. Olha, eu sou atriz de cinema. O meu caso com o Marco outro .Deixa, uma histria muito complicada. s vezes, a gente dorme junto.

KATIA Ah, vocs so amantes?

GLADYS No, no somos, no.

KATIA Ento voc da vida, p! ! ! (Apagam-se as luzes).

CENA 8 (Marco chega da rua, Katia est sentada na mesa da sala, fazendo tric e cantarolando "Quando o Carteiro Chegou", bem cafonamente. Marco d uma olhada, ela arruma os cabelos. Marco esta indo para o seu quarto, volta).

MARCO Em primeiro lugar, detesto mariposas! (Katia pega o seu tric e vai para o quarto do Didi. Marco a segue) Em segundo lugar, se quiser mesmo habitar, conviver neste local de meditao e pureza, pelo menos uma coisa: pra de usar a minha toalha: a azul! Sei de muita gente que pegou doena por tabela.

KATIA (Coloca as mos na cintura) Em primeiro lugar, doente a puta que o pariu! Sou uma ex-Testemunha de Jeov, temporariamente na virao. Em segundo lugar, a tua toalha foi usada pela Gladys tambm. E em terceiro lugar, pra mim, intelectual bicha!

MARCO Ah, agora quem manda a senhora, ? Voc mais besta do que eu pensava. . .

KATIA De quem este apartamento?

MARCO Do Didi.

KATIA Ento faa o favor de se retirar deste recinto. Pois alm do apartamento ser do meu particular amigo e compreensivo companheiro, os seus ps esto pisando o nosso quarto. Por obsquio, queira se retirar antes que eu me enfeze. Estou com sono e necessito dormir devido que tenho uma longa noite de trabalhos pela frente.

MARCO Xuxu, beleza.

KATIA Olha aqui, seu escritor de... Escritor! Outro dia li uns troos seus..

MARCO De qual livro?

KATIA Foi livro, no. Tava jogado a. Saiu num jornal. Cheio de bobagem .Uma bobagem atrs da outra.

MARCO Mas qual?

KATIA Era a histria de uma menina que menstruava pelo nariz...

MARCO Mas voc entendeu?

KATIA E tinha alguma coisa para entender? Pra mim, a menina era vampira!

MARCO Que coisa! Sabe, voc at que inteligente. Sabe que teve um crtico que disse que a menina que menstruava pelo nariz simbolizava um pas subdesenvolvido?

KATIA (Sem entender nada) Pois : eu, entendi!

MARCO raro uma prostituta inteligente.

KATIA Prostituta... Vocs so gozados. Ficam a no bem bom, lendo livro, trabalhando em cinema, jantando com artista... Olham a gente de cima e chamam de prostituta. Tem uns que no tem coragem nem de dizer o nome. Vm com estas frescuras de mulher de vida fcil. Vida Fcil... Vai ficar um dia no meu lugar, vai. Rua boate, rua, boate, sanduche de mortadela, frio, doena, porrada, polcia, cafetinagem, gigol, coronel, delegado, o diabo. Veja s o que eu consegui: duas filhas, duas calas, duas blusas, tudo s dois, nego. Pra mim trs sempre foi demais. Alm desta camiseta com o nmero 9 atrs (A que veste) que o Didi me deu. E foi duro arrumar um vestido de gravidez.

MARCO E porque no muda de vida?

KATIA Muito fcil dizer assim: muda de vida. O que que voc quer que eu v fazer? Ser domstica outra vez? Duzentos contos por ms? E as minhas duas filhas? Todo meu dinheiro vai para elas. Trabalhar em escritrio? Vou ter que dar para o chefe de Club Um do mesmo jeito. E de graa. J que tenho que dar, pelo menos cobro.

MARCO Porque no monta uma penso para estudantes?

KATIA E dinheiro? Onde que eu vou arrumar dinheiro? Acha que eu consigo guardar dinheiro ? Logo-logo tou velha. Tou na vida, meu filho. ..

MARCO O termo muito certo. "Tou na vida".

KATIA E depois, eu s sei fazer duas coisas na vida: abrir a Bblia e as pernas. A Bblia no me pode dar dinheiro. Meu corpo d. Pelo menos para a Margot, a Neide e para o Pedro Leopoldo, porque eu tenho certeza que quando eu ficar velha, eles vo me compreender e me ajudar.

MARCO (Katia est quase chorando) Eles no tem culpa de nada no, Katia. a sociedade... essas coisas. (Pausa) Sabe, Katia, s vezes a gente faz mal juzo das pessoas. Gostei de voc. Vem c. (Marco vai para a sala e arruma uma cadeira para sentar-se. Katia passa direto para o quarto de Marco, deita-se na cama e abre as pernas).

KATIA (Deitada) Trinta contos!

MARCO (Entrando) Trinta contos, o que?

KATIA Ah, como estes intelectuais so complicados. Vai me dizer que voc no t a fim de um mich?

MARCO No, Katia. Eu s queria te dizer que voc uma mulher inteligente. O que h de mais bonito no mundo uma pessoa inteligente.

KATIA No sou, no.

MARCO sim.

KATIA No sou, p. Sou uma mulher de muita personalidade. O Didi at se assusta. Outro dia ficou me cantando para fazer uma coisa com ele e eu no fiz: mesmo. Sei de uma menina l da boate que um dia fez e depois... Eu, hein ?

MARCO , assim no d, no. Voc deve ter umas histrias timas, n Katia?

KATIA Ih, tem cada uma que nem te conto. Sabe que a coisa que eu mais adoro escrever carta para Correio Sentimental ? Voc pode rir, mas eu conheo muita gente que ja casou nesta base. Correio Sentimental pra gente como eu, um golpe do ba.

MARCO Correio Sentimental o golpe de ba de puta! Voc sensacional...

KATIA (Imitando) "Voc sensacional"... Essas coisas de escritor que me deixa maluca. No falei nada de mais. Se, por exemplo, eu te contar umas histrias l do Reino. . .

MARCO (Cortando) Que Reino?

KATIA L, das Testemunhas de Jeov.

MARCO Sai pra l. Vai me dizer que este negcio de Testemunha de Jeov verdade mesmo? ..

KATIA E eu l tenho cara de mentirosa? J fui Testemunha sim. E das mais ativas...

MARCO Ento foi voc que andou mexendo na minha Bblia? Hoje cedo ela estava em cima do bid.

KATIA (Vai at o bid buscar a Bblia, desculpando-se) Fiz umas meditaezinhas na hora que cheguei. (Novamente no quarto) J leu Ezequiel? Sacana feito s ele mesmo. Mas bom mesmo so os Salmos. Os Cnticos dos Cnticos!

MARCO (Pausa) Voc l muito, Katia?

KATIA No d tempo. L em Tefilo Otoni eu lia muito. Coisas do Reino. O papai fazia muita questo. A gente precisava ficar atualizada, estudar muito.

MARCO E revista? Amiga, Cruzeiro, Intervalo?

KATIA Capricho muito bom. Tem bastante teste, eu acho um sarro. E tem um Correio Sentimental muito srio. Quer ver umas cartas que eu recebi? Vo l pra Pavuna na casa da minha tia. (Indo para o quarto do Didi buscar as cartas) Dou o endereo de l. ( Voltando, tira umas cartas de dentro da "bolsinha". Mostra uma para o Marco).

MARCC) (Lendo) "Loira Solitria", ?

KATIA ... eles respondem... Gostam muito deste nome. Uso outros tambm. Tenho muitas variedades. Flor de Ltus muito bom. Tirei de um Almanaque do Biotnico Fontoura que eu li. Eles escrevem mesmo...

MARCO (Olha a carta) Puxa, o cara diz aqui que advogado. Mas que solido... Poos de Caldas, Katia; boca boa pruma lua de mel...

KATIA (Alisando a barriga) , e estas bocas s aparecem agora. V que eu continue a correspondncia, troque carta, escambau legal; o cara gama, resolve me conhecer, olha a. (Marco passa a mo carinhosamente pela barriga de Katia) Vou ver se vou levando s nas missivas mesmo. (Tira outra carta) Este aqui chefe de almoxarifado; bancrio!

MARCO Bancrio e chefe de almoxarifado? Este cara tem mau hlito, Katia.

KATIA Nossa, voc conhece o Randolfo ?

MARCO Ainda mais com este nome. Voc est azarada, minha filha.

KATIA (Com muito amor) Voc pior que eu imaginava .

MARCO (Ambos se levantam e se entreolham. Sentimento de amor, sentimento humano de um para o outro) Sabe, Katia, gostei de voc. Mesmo. Vou at te dar a minha toalha, a azul. Pode ficar com ela. Eu no te conhecia, pode ficar com ela. Gostei de voc. (Eles vo se aproximando lentamente e as luzes vo caindo em resistncia at o black-out).

CENA 9 (Gladys deitada na cama do Marco, de calcinha e soutiens entra o Didi, de pijamas. madrugada).

DIDI Cad o Marco?

GLADYS T no Katakombe.

DIDI O Marco? No Katakombe? GLADYS Katakombe. DIDI (Sempre olhando para o corpo de Gladys) Trs horas da manh. V se isso hora de estar na rua.

GLADYS E o senhor? Que que faz acordado ?

DIDI Tenho prova amanh. Prova difcil... Ginecologia.

GLADYS Voc curte muito esta matria, n?

DIDI , eu acho que vou ser ginecologista.

GLADYS T na cara que vai. Voc tem tudo para ser um timo ginecologista.

DIDI (No entende a gozao) Obrigado.

GLADYS Meu pai queria que eu fosse mdica.

DIDI Ele mdico?

GLADYS Mais ou menos: aougueiro.

DIDI O curso muito bom...

GLADYS De aougueiro?

DIDI (Sem graa) De medicina, n Gladys! Sempre foi o meu ideal. Desde pequeno.

GLADYS Voc tem cara de quem quando era criana brincou muito de mdico.

DIDI Como que voc sabe?

GLADYS Ora, Didi.

DIDI (Senta-se no sof cama, perto de Gladys) A Dirce gosta muito.

GLADYS Quem Dirce? Sua me?

DIDI Minha namorada. Mora l em Ribeiro Campestre. Tirou o Normal faz dois anos.

GLADYS Ela d aulas?

DIDI (Categrico) No, est me esperando formar!

GLADYS Quer dizer que no d? Est esperando?

DIDI . Mas ela muito bacana. Formou com notas boas, foi oradora e tudo. (Didi est excitado pela presena de Gladys) Quer ver uma fotografia dela? (Vai para o seu quarto buscar a foto. L, d uma olhada para a altura do seu sexo e nota o vexame. Tira uma foto que estava colocada junto ao crucifxo) Foi suplente de Elegante Bangu. (Voltando, curvado) Veja que cabelo mais bacana.

GLADYS ... O vestido muito bonito, tambm.

DIDI Minha me que fez. A minha me tem uma mo de ouro.

GLADYS Sorte do seu pai. Costura bem, hein? Bela costureira. (Pausa) Merda, que sono! (Didi se assusta com o palavro) Voc o cara mais assustado que eu j vi com mulher. Parece que no conhece mulher...

DIDI (Bravo, ofendido) Quem que no conhece mulher? Quem que no conhece mulher? Pergunta pra Katia, pergunta! Pergunta pra Katia.

GLADYS A Katia no vale, profissional.

DIDI E que que tem que ela profissional? Que que tem? O que que voc tem contra?

GLADYS Nada, muito pelo contrrio

DIDI Quer saber de uma coisa?

GLADYS (Levanta-se e vai em direo de Didi) Fala, corao.

DIDI Sabe o que voc para mim?

GLADYS Fala...

DIDI Voc no passa de uma... de uma. . .

GLADYS Fala... (Vai empurrando Didi com o corpo, Didi vai tropeando nos mveis).

DIDI Voc entendeu muito bem... evidente que entendeu. ( Vai at a porta do quarto) Sabe de quem este apartamento?

GLADYS Mas que mania de todo mundo ficar perguntando de quem este apartamento! do seu pai!

DIDI E se voc soubesse um pouco de Direito Romano estaria sabendo que tudo que do pai do filho e o que do filho no do... Tem at uma frase em latim. Portanto, meu. E, conseqentemente, se comear a me encher muito, te ponho pra fora. T percebendo? E pra de andar de calcinha e soutien aqui dentro porque isto aqui um apartamento de respeito. O que que a velha a da frente no vai pensar?

GLADYS Mas o que isso? T ficando louco? Eu estou quieta aqui no meu quarto, pronta pra dormir o senhor me entra com um papo furado "Cad o Marco" ?, fica a todo excitadinho, a gente comea a brincar e precisa dar este esprro todo?

DIDI Eu no gosto deste tipo de brincadeira.

GLADYS Didi, vai dormir, vai o Marco me falou que voc muito inteligente e no precisa estudar muito. O fato de entrar no sexto vestibular eu tenho certeza que foi azar.

DIDI Lgico, sempre caa o nico ponto que eu no tinha estudado.

GLADYS Eu sei. E, se o Marco falou que voc inteligente, porque . O Marco sabe das coisas.

DIDI S que o Marco me acha inteligente mas no aceita crticas minhas dos livros dele. T certo que eu no entendo muito de literatura e teatro, mas eu acho que as coisas que ele escreve devia ter um certo fundo, digamos... Um certo fundo ;psicolgico. isto.

GLADYS Como assim?

DIDI Assim, digamos... evidente que nas passagens mais... sei l. Mais psicolgicos, voc entende?

GLADYS Picas.

DIDI Escuta, voc no consegue ficar sem dizer palavro, no ?

GLADYS Vai dizer que voc no vive dizendo palavro l na faculdade? E pra Katia, voc no diz?

DIDI Mas a Katia diferente; ela est acostumada com esses ambientes mais, digamos... mais baixos, evidente.

GLADYS O que que evidente?

DIDI Que mais baixo, evidente.

GLADYS O que que mais baixo?

DIDI evidente que diferente, PORRA! A falei um! (Apaga a luz, rpido).

CENA 10 (Gladys est arrumando o sof cama para dormir. Marco entra da rua. No falam nada, talvez apenas um sinal. Marco comea a tirar a roupa e fica de cuequinha. Gladys continua a arrumar a sua cama. Marco comea a mexer na bolsa de Gladys, enorme, de couro).

MARCO Voc, mulher carrega coisa hein? (Acha a carteira profissional de Gladys) Mas o que isso?

GLADYS (Pula em cima dele) Me d isso a. Quem mandou mexer? Olha o respeito. Qualquer dia comeo a mexer em suas coisas...

MARCO Olha, minha filha, voc pode mexer em todo o meu apartamento, em toda a minha vida, vasculhar toda a zona sul, que voc nunca vai descobrir um. nome como este.

GLADYS Me d isso a.

MARCO Quer dizer que Gladys Regina nome de guerra, ?

GLADYS Artstico. Ou voc queria que eu fosse ser artista de cinema com este nome cafajeste.

MARCO ruinzinho mesmo. Maria Ernesta. Maria Ernesta de Souza Sobrinha. E da onde surgiu o Gladys Regina?

GLADYS Foi o Jece Valado que escolheu.

MARCO Te levou pra Cabo Frio para mudar de nome, no foi?

GLADYS U, como que voc sabe?

MARCO O Jece gosta muito de mudar o nome das pessoas em Cabo Frio. Mudou teu nome dentro d'gua, no foi ? S espero que no tenha entrado areia.

GLADYS No foi nada disso, no. Me d isso a.

MARCO (Lendo) "Comerciria, setenta e oito contos. Funcionria Pblica, duzentos e dezesseis cruzeiros novos". Melhorou, hein? Amiguinha do chefe da repartio? Trabalhadeira. . .

GLADYS Larguei esta fossa, meu filho. Chega: burocracia no comigo, no. O pessoal picha as meninas que fazem teatro, mas eu vou te contar uma coisa. Pode estar certo que todas estas secretariaszinhas bilnge que tem por a, na realidade so mesmo trilnge. Haja lngua!

MARCO (Olhando o corpo de Gladys) Olha, vou te dar um conselho. Abre o olho com o Didi. Outro dia ele veio me perguntar assim: "ela virgem"?

GLADYS Diz que sou, s de sarro.

MARCO O Didi no deixa por menos, no.

GLADYS Ele que no se faa de besta comigo. . .

MARCO Coitado do Asdrbal.

GLADYS Coitado de quem?

MARCO Do Asdrbal. Conhece no? o nome do sexo dele.

GLADYS Isto l agora tem nome?

MARCO Lgico. O meu chama Rui Barbosa. Por razes bvias... E a sua, no tem nome, no?

GLADYS Lgico que no.

MARCO Pois ento vai ter. Vem c. (Ajoelha-se aos ps de Gladys) Eu te batizo, Catarina, a Grande!

GLADYS (Ri) Vai gozar, ? (Pausa) O Didi que me cante que ele vai ver. Que fique l com a Katia. Escuta, Marco, ser que ela no tem doena, no? Sabe que eu morro de medo destas coisas, n? No posso nem pensar numa eventualidade desta. Sabe que nem sento na privada, n?

MARCO Ah, ento foi voc? O Didi veio me encher o saco porque a tampa da privada estava amanhecendo suja todo dia e ele achava que era eu que engraxava o sapato com os ps em cima... Quer dizer que a senhora vai l e fica que nem uma sapa velha, de ccoras?

GLADYS Pelo amor de Deus, no vai dizer pra ele no.

MARCO Pelo menos, v se no erra.

GLADYS O Didi um sarro. Sabe que ele faz uma fora danada pra dizer palavro pra mim? Acho que ele nunca ouviu uma mulher falar palavro.

MARCO Ele deve achar voc a maior rampeira do mundo...

GLADYS Pois .

MARCO (Pausa) J faz um tempinho,

GLADYS Um tempinho o que?

MARCO Que a gente no dorme junto . . .

GLADYS Sei...

MARCO Ento? No sou de ferro, n? Olha, Gladys, vamos deixar de onda? Voc no quer?

GLADYS (Sem se abalar) No...

MARCO Um dia a gente vai mesmo... Pra que ficar esperando?

GLADYS Eu j achava que tava demorando... Vamos fazer uma coisa?

MARCO (Animado) Vamos.

GLADYS Vamos ver at quando a gente agenta, t?

MARCO T. (Pausa) Eu no agento mais. (Pula em cima dela enquanto as luzes se apagam).

CENA 11 (Toca a campainha. Katia voltando do servio. katia est de seis/sete meses de gravidez. Gladys est dormindo no quarto de Marco. No h mais ningum em cena. Katia vai entrar com dois sanduches de mortadela).

KATIA (Off) Abre esta porta, p.

GLADYS (Acordando) Calma, Katia. (Vai at a porta e abre) Cad a chave?

KATIA No adianta. A fresca da chave t aqui, mas este jeitinho de dar uma viradinha que no vai. Eh, porta de jac. Tava dormindo, hein?

GLADYS Que que voc acha, meu amor? Seis horas da manh. E v se no faz tanto barulho na hora que chega, porque a velha a da frente j no entende mais nada. Aquela histria que os meninos andaram contando, no sei no. muito estranho a mulher te ver chegar com esta barriga, dois sanduches de mortadela, s seis da manh pra ter aula particular de cincias. (Gladys vai para a sua cama e Katia para o quarto do Didi. Ambas vo dormir. Katia tira a cala comprida e d uma chegada no quarto de Gladys) .

KATIA Cad o intelectual?

GLADYS Faz dois dias que dorme fora. Ou o DOPS prendeu ele ou est com a tal da mulher casada. Coitado do marido... Tambm, bem feito. Uma besta, pelo que o Marco me conta. Sabe que ele s dorme com a mulher quando bebe?

KATIA At que no dos piores.

GLADYS Acontece que s bebe no Natal... E s faz amor com a luz acesa, no esquisito? E debaixo do lenol. Eu, hein? O Marco t dando uma assistenciazinha. ..

KATIA Extra-curricular, como diz o Didi. . .

GLADYS O Katia, voc j arrumou mdico?

KATIA Menina, neste ponto o Didi foi fabuloso. Me levou l na faculdade dele e conversou com uns caras do sexto ano que do planto e eles vo me quebrar o galho. Menina, precisa ver que bacana. Me levaram para uma sala enorme, cheia de vidrinhos faquinhas, o maior babado do mundo. Uns vinte caras. Tudo de branco, tudo limpinho, com luva, estas coisas todas. Todo mundo me examinando. Eu l, deitada naqueles negcios de ver mulher... O professor explicando tudo. E os moos olhando, aprendendo tudo. Fiquei to orgulhosa. Fiquei l mais de uma hora. Colaborando... por isso que o Pedro Leopoldo vai ser mdico. O Didi muito humano.

GLADYS nada. Pra mim ele no passa de um tarado. como diz o Marco: vai ser um senhor corno quando casar. Est acostumado a s dormir com...

KATIA (Cortando) Olha o respeito!

GLADYS ... e vai dormir com a tal de Dirce que nunca viu um homem pela frente igual ele dorme com todas, por a... No mximo vai dar uma mordidinha atrs da orelha dela. Voc acha que ele vai ficar assim deitado com ela no cho, gostoso, um fazendo cafun no outro, tranqilos, sem pensar em. nada, se amando? Voc acha, que ele vai esperar ela gozar? C entre ns, vagabunda no goza.

KATIA Tem umas que envergonham a profisso (Pausa). Ficam tirando casquinha da parede... Tem umas que chegam cara de pau de ler Intervalo

GLADYS O dia que a Dirce conhecer um homem mesmo, larga dele. igual esta mulher que o Marco arrumou...

KATIA (Indo para o seu quarto) E tem mais: mulher que passa do um, no dois no fica. (Esto cada uma em um quarto, falam um pouco alto, preparam se para dormir).

GLADYS Voc arrumou dinheiro?

KATIA. Que nada, minha filha. Grvida fogo. E por menos de cem eu no dou. Quer dizer, considerando a barriga, fao at por trinta, mas menos que isto, never. Alis, do jeito que a vida est subindo, depois do parto vou aumentar o meu preo. Se for para ir para o apartamento do cara, cento e cinqenta. No est caro no, n? Hotel, dependendo do nvel e da segurana, de cento e cinqenta a duzentos.

GLADYS Dependendo do que?

KATIA Do nvel, da segurana, estes negcios de hotel. Barra da Tijuca por a. Carro minha filha, de jeito nenhum. Outro dia um cara me pegou na Vieira Souto, aqui pertinho, e me levou l pra Jo. Sabe o que ele fez comigo? Pegou os meus dois ps e enfiou naqueles negcios de segurar e enfiar palet e eu fiquei l, feito frango de vitrine.

GLADYS Acho que voc t muito certa. Quanto mais a gente cobra, mais valor do pra gente.

KATIA (Cobrindo-se) Ento voc t estrumbicada: voc no cobra nada! . . . (Apagam-se as luzes).

CENA 12 (As luzes se acendem em seguida, assim que Marco entra no apartamento. Vai para o seu quarto, d uma olhadinha. Vai para o quarto do Didi. Acorda Katia).

MARCO O, Katia, acorda!

KATIA P, Marco acabei de deitar.

MARCO Sabe o que ?

KATIA Eu quero dormir, Marco.

MARCO Sabe qual o maior sonho da minha vida, agora?

KATIA O que?

MARCO Jogar boto!

KATIA (Alto) Agora?

MARCO Agora!

GLADYS (Acordando) Vamos calar a boca a?

MARCO (Indo para o quarto de Gladys) - Quer ser o juiz?

GLADYS Que Juiz, p?

KATIA (Entrando)O Marco quer jogar boto agora.

MARCO Sonho nico da minha vida: jogar boto!

GLADYS Este cara resolve curtir cada uma. Sabe que hora ? Marco extraordinrio...

MARCO Pega o time, Katia. (A esta altura as duas j esto bem acordadas. Entra Didi assobiando "Romeu e Julieta").

DIDI Que que t acontecendo aqui? Reunio da ONU?

KATIA (Comea a arrumar a mesa da sala para jogarem boto) O Marco t muito louco, Didi. Muito louco. Eu t sabendo.

GLADYS Eu estou tentando dormir desde a meia-noite. Realmente...

MARCO Posso saber onde a boneca (Para Didi) estava at agora? Isto so horas de chegar em casa?

DIDI Tava estudando na casa da Fred.

KATIA s uma partidinha, n Marco.

MARCO Falaste, Porreta.

KATIA Ento vem. (Gladys comea a mexer em uns textos de novela ou teatro).

MARCO (J esto jogando boto) Voc no errou, no?

KATIA T me chamando de ladrona? (Gladys vai para o quarto do Didi e passa pela sala).

GLADYS Katia, o neto da velha a da frente veio me perguntar se voc est grvida.

KATIA (Alisa a barriga) No, verruga!

GLADYS J que t esta zorra, Didi voc no quer me ajudar a decorar meu texto?

DIDI Novela? No saco isso, no.

MARCO Este jogador uma droga.

KATIA Vai me dizer que tem boto melhor que o outro?

MARCO Lgico. Pena que o Pel morreu.

DIDI O que? O Pel morreu?

MARCO Voc no t sabendo? Caiu da .mesa outro dia e a Katia pisou nele. Rachou no meio. Nem o Ldio Toledo para colocar as partes.

KATIA Realmente uma grande perda...

GLADYS (Para Didi) Vai lendo a parte do Marreta que eu vou lendo a minha, T?

KATIA Olha o nome deste meu centroavante...: Kvasnak.

MARCO Este tcheco. Bom para bater falta. O meu cronmetro marca...

DIDI (Lendo como um anallabeto) "Sim, meu amor, voltei. No mais agentava...

GLADYS (Cortando) Que que isso Didi? Tambm no precisa ler assim, n?

KATIA Voc errou ali.

MARCO Errei, no. O Bauer que resvalou ali.

DIDI "Sim, meu amor, voltei. No mais agentava" . . .

GLADYS "Agora, no "?

DIDI Agora, o que?

GLADYS P, Didi, l a. do texto.

DIDI (Lendo a rubrica) Leonor vai at a escrivaninha e...

GLADYS (Cortando) Isto rubrica. Didi. No pra ler, no. L o resto.

MARCO Este boto no anda.

KATIAVoc est querendo ganhar tempo. Toma o Leivinha. Bom para chutar de perto.

MARCO Gente, vai todo mundo na festa da boneca Siboney?

GLADYS Ih, gente, eu esqueci de avisar. A velha a da frente veio convidar a gente para uma festinha que ela vai dar para o neto. Parece que aniversrio da boneca. Convidou a gente... Pega mal no ir.

MARCO Convidou todo mundo? (Gladys faz que sim com a cabea) Mas esta velha t muito pra frente.

KATIA Nem pensar. Conheo muito bem estas festinhas.

GLADYSSou capaz de apostar que vai ter Ray Connif e Cuba Libre.

MARCO E logo agora que vai ter a festa do Siboney. Festa na casa do Siboney da pesada.

GLADYS Vai ser uma curtio.

KATIA Pru gol.

MARCO Mas como, pru gol? A gente tava no maior papo...

KATIA gol, torcida brasileira. Sen-sa-ci-o-nal. Vai l, Ubirajara. Fala Geraldo.

GLADYS Ento t resolvido, Didi. Voc fica e mantm a diplomacia indo na festa do neto seminarista, t?

DIDI Logo eu, p. Que que eu fiz demais?

MARCO Vai tomar Cuba Libre, sim. Na festa do Siboney vai ter muito fumo e no convm voc ir a estes lugares.

GLADYS Vamos, vivacidade (Para o Didi) vai lendo a.

DIDI "Sim meu amor, voltei. No mais agentava a solido".

KATIA Olaria! Olaria! Olaria! (As luzes vo apagando com eles jogando boto e decorando texto).

CENA 13 (Gladys est se vestindo entra Didi da rua e fica olhando da porta do quarto) .

DIDI Que zorra, vocs fizeram ontem quando chegaram, hein?

GLADYS A festa do Siboney tava o maior barato. (Vai para o banheiro arrumar o cabelo, pois vai sair) E a festinha a do lado?

DIDI Sabe que tinha Cuba Libre mesmo? Mas me conta da festa do Siboney. Muita maconha, estes negcios? Tenho medo de fumar um dia e gostar e evidente que vcio e faz mal a sade.

GLADYS Ontem ficou todo mundo pelado.

DIDI (Que estava caminhando para o seu quarto para levar a pasta de escola que entrou com ela, quando ouve o "pelado" volta rpido para perto de Gladys) O que? Todo mundo? (Senta-se na privada e f ica observando Gladys se arrumar).

GLADYS Todo mundo modo de dizer. Uns vinte...

DIDI Puxa, deve ter sido legal paca. Todo mundo excitado?

GLADYS Que nada...

DIDI Muita bicha n?

GLADYS Quer dizer que basta voc ver uma mulher nua para ficar todo excitado?

DIDI Lgico, no sou bicha! Asdrbal se assanha todo.

GLADYS (Indo para o quarto) No cinema ento um problema .

DIDI (Seguindo-a) Quando estou com a Dirce muito chato. Tenho que ficar me eontorcendo todo na cadeira para ela no notar (Pausa) Gladys, escuta, o Marco; o Marco nao t virando meio bicha, no?

GLADYS J teve suas experinciazinhas. . .

DIDI O Marco??? Me conta, me conta. Ele j deu?

GLADYS Sei l, Didi. Se deu ou no deu, no tem nada demais. Todo mundo d. Didi. Olha, no dar ser muito pra trs, viu?

DIDI Ento eu sou muito pra trs. Mas eu queria saber do Marco, me conta...

GLADYS P, Didi, eu dou a dica voc j quer saber de tudo?

DIDI Que lstima... (Pausa) O Marco me andou dizendo que voc est de caso com um domador de circo, verdade?

GLADYS Orlando Orfei. (Vai para a banheiro, se arrumar).

DIDI (Indo para o seu quarto) : daquele circo que tem o cartaz com o cara comendo um tigre?

GLADYS (Entrando no quarto dele) (Didi est folheando uma revista de mulheres nuasPlayboy) .

DIDI Mas a troco de que ele te cantou?

GLADYS Eu que cantei ele. Naquele dia que a gente foi assistir, quando vi o homem l no meio da jaula, todo de branco, com um chicote na mo acho chicote to flico... e uma cadeira na outra, no resisti. Me deu uma vontade de ser leoa, que eu nem te conto. Voltei no dia seguinte...

DIDI E depois fala da coitada da Katia. . .

GLADYS A Katia cobra. No meu caso foi um gesto de amor...

DIDI (Lendo a revista) Evidente que foi um gesto de amor... (Gladys entra) Gladys, preciso de um favorzo seu. Preciso dar uma urgentemente.

GLADYS Pode deixar. Vou te arrumar uma mulher decente. Uma amiga minha.

DIDI Precisa ser um dia que a Katia no esteja a...

GLADYS Voc deve estar num atraso violento, hein Didi?

DIDI No, a Katia at que de vez em quando d um jeitinho.

GLADYS Deve ser um jeitinho meio complicado. Quase oito meses fogo. . . (Pausa) Mas eu vou te apresentar a Iara. (Didi comea a folhear a revista mais apressadamente) Voc vai ver o que mulher. Dessas que pulam de cima do guarda-roupa. (Comea a sair e um spot incide em Didi). linda, tem um seio maravilhoso, uma boca mais que sensual. . . Aquela perna lisinha, sem nenhuma celulite. Vinte anos, Didi. Ela faz de tudo, Didi. Coisas que voc nunca imaginou. J pensou Didi, voc com ela a nesta cama? A melhor mulher desta revista; s sua, Didi. Sabe o que ela vai fazer? Vai morder o seu umbigo, Didi; por dentro. E voc nem vai pagar... Vai, Didi, vai. Vai, vai, vai, vai.

(Didi enquanto ela vai falando vai se excitando e, ou enrola a revista em velocidade cada vez maior ou folheia cada vez mais rpido at rasg-la toda).

CENA 14 (Katia na cama do Didi fazendo tric com a roupa da abertura da pea e ouvindo o radinho de pilha na Mundial. Comendo um sanduche. Marco, no seu quarto escreve mquina. Tambm com a mesma roupa da abertura. Esta cena a cena final da pea. Marco pra de escrever e vai at Katia)

MARCO Escuta, Katia, no h nenhum amparo pra me solteira, no?

KATIA Tem um a; estes negcios que as mulheres granfinas arrumam...

MARCO Filantropia.

KATIA Isto. Fi... como mesmo?

MARCO ...lantropia. Filantropia. Escuta, d para desligar o rdio? Estou escrevendo um pouco e com uma dor de cabea incrvel... Voc gosta de sanduche, hein?

KATIA (Levantando, vai atrs de Marco que volta para a sua mquina) Olha, para que voc quer saber isto, hein?

MARCO O que?

KATIA Negcio de me solteira.

MARCO Olha aqui, : estou escrevendo uma pea de teatro. Chama-se O CORDO UMBILICAL.

KATIA E de que que trata?

MARCO So quatro pessoas que se encontram: uma atriz, um estudante de medicina, uma prostituta e um escritor. Cinco personagens. . .

KATIA Um, dois, trs... Cinco?

MARCO Tem um feto tambm. O feto chama Pedro Leopoldo. da prostituta que est grvida.

KATIA Sei, sei. Quero ler isso depois, hein? Mas voc vai levar no teatro, estas coisas?

MARCO Vou.

KATIA E quando eu for assistir voc conta que sou eu?

MARCO Conto. E eu estava exatamente num pedao sobre este negcio. Apoio na velhice, sabe? Na gravidez... Ento eu fui perguntar. No tem nada mais srio, no?

KATIA Que nada, meu filho. Pra este pessoal, entrou na vida, acabou.

MARCO Devia ter uma associao qualquer... Um sindicato. (Ambos vo para a sala) , um sindicato. Sindicato das Prostitutas do Estado da Guanabara. SINPEG Sinpeg bom.

KATIA Sinpeg?

MARCO . Sindicato das Prostitutas do Estado da Guanabara. a sigla.

KATIA Mas este troo existe?

MARCO Justamente; no existe mas devia existir. Na minha pea vai existir.

KATIA Voc est ficando louco.

MARCO Mas srio. Voc j imaginou? O SINPEG poderia, por exemplo, amparar na velhice e na gravidez. Fazer reinvidicaes junto aos rgos do governo. (Pausa, imaginando) Construo de Casa da Prostituta. Igual tem Casa do Estudante, Casa do Mdico, Casa do Ator...

KATIA Mas a gente ia ter que pagar, pra isso?

MARCO Uma parcela mensal. Igual INPS.

KATIA Sabe que outro dia um delegado me disse que a gente agora vai ter que pagar Imposto de Renda? Eu, hein? Ser que a gente vai ter que dar, nota fiscal?

MARCO Ai que entraria o Sindicato. Para estas questes. Paridade de preos uma boa pedida. Porque, vamos e venhamos, uma vergonha: numa mesma rua, num mesmo bairro, ou numa mesma boate, h uma variedade de preos desconcertante. ..

KATIA Sabe que mesmo ? Tem umas meninas l na boate que envergonham a profisso. A gente fica batendo p firme por um preo fixo e elas entram no meio e vo por qualquer Santos Dumont...

MARCO O SINPEG seria o ideal. Exame mdico gratuito para as sindicalizadas e tudo o mais.

KATIA Greve! P, quero fazer uma greve!

MARCO Greve, no. T mais que proibido. O SINPEG no pode, logo de cara, ir contra o governo.

KATIA E passeata, vai poder?

MARCOVoc quer ser de esquerda logo de sada, hein? Tem que ser do centro. Tem que comear com organizao. Sem corrupo e com as devidas eleies. Como deve ser num pas organizado. Com todas votando.

KATIA J sei: eu vou me candidatar para oradora deste sindicato. Tenho uma larga experincia de falar em pblico l do tempo de Testemunha -- e empolgo qualquer platia.

MARCO E tem outra coisa: preciso organizao no que diz respeito ao local de trotoir. Vocs poderiam ir at o governador e pedir um terreno para a construo de um enorme edifcio de vrios andares... Seria a sede do sindicato. Teria sales de jogos, de danas, bailes, cabars, departamento mdico, pebolim, jogo de bridge para as aposentadas, sauna, cabeleireiro, costureira, e apartamentos de luxo em vrios andares. Organizao.

KATIA Eu quero ficar no ltimo andar. No, no ltimo no. O cara chega muito cansado. . .

MARCO Porque est uma desorganizao. Inclusive na escolha do fregus.

KATIA Cliente, n Marco?...

MARCO Desculpe, cliente. Cadastrar todo o pessoal, entende? Para no pegar doena de qualquer um, entende?

KATIA (Imaginando) Uma passeata. S uma.

MARCO A passeata das cem mil. Com a Banda de Ipanema, na frente. Pela Vieira Souto. (A partir deste momento at o final da pea as paredes da planta baixa no sero mais respeitadas).

KATIA Com. comcio em frente daquele negcio de jogar coc no mar. Pedindo paridade de preos. Maravilhoso: Marco, voc maravilhoso! (Marco coloca Katia em cima da mesa). Ateno senhoras e senhores, para oradora do SINPEG Sindicato das Prostitutas do Estado da Guanabara , Katia. Uma inteligncia a servio da classe. Uma viso de um mundo novo. Gostou desta frase?

MARCO Genial. Perdida, branca ou preta vota em Katia Porreta.

KATIA Prostituta, prostituta, amparo na velhice e na gravidez! Abandonem as plulas, mulheres! Modess de graa. Exame mdico de graa. Fi... Filan... como mesmo?

MARCO Filantropia. Mariposa que no careta, vota em Katia Porreta.

KATIA Filantropia! Katia, Katia, Katia, Katia! E o povo na rua, e a mulherada na rua, aplaudindo: Katia, Katia, Katia, Katia ! . .

DIDI (Entrando da rua) Mas que barulho este? L de baixo estava ouvindo tudo. Esqueceram da velha a?

MARCO A velha a da frente, Katia. A velha a da frente podia ser a presidente honorria. Pode ser que no fim da pea ela entre em cena como a pomba da paz!

KATIA O Didi vai ser meu cabo eleitoral. Pra isso ele tem uma cara muito boa.

GLADYS (Entrando da rua) Assinei contrato! Assinei contrato!

MARCO Katia, Katia!

GLADYS Mas pode-se saber que zorra esta?

KATIA E MARCO SINPEG Sindicato das Prostitutas do Estado da Guanabara.

GLADYS Que sindicato, que nada. Assinei contrato. Vou fazer uma novela. No tem mais cach, no. Agora ali no duro. Contrato, gente! . .

KATIA A Gladys! A Gladys, que tem muita cultura, podia ser do departamento cultural, estes babados...

MARCO (Pega Gladys pela mo e sai em direo ao pblico) Gladys Regina, atriz da novela "Os Perigos de Gigi Pop", est com a sindicalizao das prostitutas!

KATIA Didi, me pe na mesa que vou treinar meu discurso. Didi coloca Katia em cima da mesa e comea a irradiar um jogo de futebol. Marco e Gladys com um lenol na mo, como se fosse uma faixa de campanha eleitoral, correm pelo apto).

GLADYS Votem em Katia Porreta!

MARCO A intelectualidade est com a prostituio organizada!

KATIA Tal destruio est prxima. Por conseguinte, no hesite: d ouvidos aos conselhos de Deus.

DIDI Foi corner, meus senhores.

GLADYS Vai entrar dinheiro! Dinheiro!

KATIA Sai da Babilnia, a grande, povo meu, se no quiserdes compartilhar e receber parte de suas pragas. (Todos param para ouvir o discurso de Katia). Pois os pecados dela acumulam-se at o Cu e Deus se lembrou dos atos injustos dela. Vejam este discpulo de Jeov aqui ao meu lado (Aponta para algum da platia) Ex-pecador, fornicador inveterado e etlico, que ingeria muito lcool. Ouviu a palavra de Deus atravs de uma Testemunha. Converteu-se e hoje um semeador do bem e da verdade, para gudio de todos ns. (Aponta uma senhora) Vejam esta senhora: estava perdida na vida. Ouviu o chamado, ouviu a Bblia, este sacrossanto prato de alimento fecundo e sadio para um mundo melhor. Hoje uma recruta de ovelhas desgarradas, para o maravilhoso futuro justo no novo sistema de Deus. (Aponta outra pessoa) Agora a sua vez. E ns, ns as almas boas do SINPEG .. (Katia coloca as mos na barriga sentindo pontadas) Ai, estou sentindo umas pontadas... (Todos parados, olhando para ela) .0 Pedro Leopoldo est se mexendo. Meu filho est vivo! (Entra a voz gravada do feto quando a luz se apaga ao Katia dizer: "meu filho est vivo', Black-out at o final da fala do Pedro Leopoldo).

PEDRO LEOPOLDO Eu estou vivo. Aqui no fundo de voc, minha me. Voc resolveu que eu vou nascer, mas no sei se terei foras para chegar at o fim. Provavelmente vou precisar de ajuda. Agora me acomodei melhor. Meu sexo j est mesmo definido: Pedro Leopoldo. Vou ter os olhos claros do meu pai que no vou conhecer, mas o nariz e a boca sero iguais aos seus, minha me. Meu corao j bate. Mas parece que h algo errado: talvez um enfarte na velhice. Meu cordo umbilical me envolve e me liga ao seu ventre que comprimido diariamente por trinta cruzeiros. Trinta cruzeiros o que voc recebe para me apartarem; para juntar para o parto solitrio. Eu ainda no te amo, minha me, nem sei se vou am-la. Minha definio provisria. S at nascer. Depois eu no sei. So muitas as chances e eu no sei se terei chances de escolher Vou nascer para este mundo que herdei de vocs. (Quando as luzes voltam, no h ningum no palco. Os atores voltam para o palco e dizem os monlogos iniciais).

DIDI Oi. Fao medicina. T certo que entrei no sexto vestibular... E de excedente, mas entrei. Meu nome Valdir Melges Jnior, mas meu apelido Didi. Todo mundo me chama de Didi. L na faculdade tambm, onde estou no 4. ano. O sonho do meu pai eu me formar e ir trabalhar com ele l em Ribeiro Campestre onde ele mdico. O ano que vem fico noivo da Dirce. Ah, a Dirce linda. Mame apia a Dirce. Hoje em dia raro uma menina como ela: prendada...

GLADYS Meu nome Gladys Regina. Fao cinema, teatro e televiso. Acho que vocs j ouviram falar de mim No sou to famosa assim, mas j fiz meus filminhos. Estou numa novela, agora. Eu morava em Caxias. Minha famlia ainda est l: enterrada viva. Eu me mandei. Fazia teatro no colgio das freiras. Trabalhava s mulher. Os papis masculinos, tambm eram feitos pelas meninas. Teve uma menina que se especializou tanto em papel de homem, mas tanto, que... Coitada, outro dia vi ela no Piper's. A eu me mandei. Deixei tudo e vim morar aqui. No comeo foi duro...

MARCO Meu nome Marco Aurlio Cunha Campos de Morais. Ningum vai negar que para escritor eu j tenho um grande nome. Vinte e cinco anos, trs livros publicados: tudo sucesso de crtica. (Apontando uma senhora da platia) A senhora j leu um romance dum tal de Marco Morais, chamado "Manuela, a Guerrilheira de Hemorridas" ? No? Ningum leu. Mas bom: prmio Walmap-68. Deu para curtir,quase dois anos com o dinheiro. Eu fiz o 4. ano de engenharia, at que descobri que ia ser engenheiro. S engenheiro. Da, resolvi ser escritor. S escritor.

KATIA Meu nome Katia. Katia Porreta. Moro aqui neste apartamento com mais trs pessoas. At que bom. Sou do sul de Minas, mas meu pai era muito quadrado eu me mandei. No sou besta... Eu, hein? Me mandei pru Rio. Resumindo: tou na virao. Eu, at que sou boa. O que estraga esta barriga, p. Tambm, quem mandou errar na conta? O mdico disse que para daqui um ms. E mdico sabe o que diz. Devido que me enfiou at o dedo. Se for homem vai se chamar Pedro Leopoldo, se for mulher, Kelly Cristina. Mas vai ser homem. E vai ser doutor pra enfiar o dedo em tudo que mulher.

PANO