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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS ARTES MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS ARTES MARLON JORGE SILVA DE AZEVEDO MAPEAMENTO E CONTRIBUIÇÕES LINGUÍSTICAS DO PROFESSOR SURDO AOS ÍNDIOS SURDOS DA ETNIA SATERÉ-MAWÉ NA MICRORREGIÃO DE PARINTINS MANAUS AM. 2015

marlon jorge silva de azevedo

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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS ARTES

    MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS ARTES

    MARLON JORGE SILVA DE AZEVEDO

    MAPEAMENTO E CONTRIBUIES LINGUSTICAS DO PROFESSOR SURDO

    AOS NDIOS SURDOS DA ETNIA SATER-MAW NA MICRORREGIO DE

    PARINTINS

    MANAUS AM.

    2015

  • MARLON JORGE SILVA DE AZEVEDO

    MAPEAMENTO E CONTRIBUIES LINGUSTICAS DO PROFESSOR SURDO

    AOS NDIOS SURDOS DA ETNIA SATER-MAW NA MICRORREGIO DE

    PARINTINS

    Dissertao de Mestrado em Letras

    Artes para obteno do ttulo de Mestre

    em Letras, opo Etnolingustica

    Indgena. Universidade do Estado

    Estadual do Amazonas-UEA. Programa

    de Ps Graduao em Letras Artes.

    Orientador: Prof. Dr. Valteir Martins

    MANAUS AM.

    2015

  • Catalogao na fonte Elaborao: Ana Castelo CRB11 -314

    UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS www.uea.edu.br

    Av. Leonardo Malcher, 1728 Ed. Professor Samuel Benchimol

    Pa. XIV de Janeiro. CEP. 69010-170 Manaus - Am

    A994M Azevedo, Marlon Jorge Silva de

    Mapeamento e contribuies lingusticas do professor surdo aos ndios surdos da etnia Sater-Maw na microrregio de Parintins. / Marlon Jorge Silva de Azevedo. Manaus: UEA, 2015.

    115fls. il.: 30cm.

    Dissertao de Mestrado e Produto, apresentada ao Programa de Ps Graduao em Letras e Artes, da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Letras e Artes.

    Produto: Minidicionrio Trilngue indgena Sater-Maw em Libras e Lngua Portuguesa

    Orientador: Prof. Dr. Valteir Martins.

    1.Lingustica 2.Lngua de Sinais 3. Sater-Maw 4. Dicionrio. I. Orientador: Prof. Dr. Valteir Martins. II.Ttulo.

    CDU: 81374.4

  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS ARTES

    MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS ARTES

  • DEDICATRIA

    Aos meus familiares, em especial a minha me Idalina

    Azevedo, que desde o ventre proporcionou-me seu amor com

    dedicao e todas suas foras ao meu lado em momentos to

    difceis, nunca deixando de acreditar no poder de Deus sobre

    minha vida.

    A minha amada esposa Rosana Valria, mulher sbia,

    e auxiliadora de todos os momentos do meu viver.

    Aos meus filhos: Caroline, Camila e Benjamim Jorge,

    pelo amor que sempre me deram, pela compreenso de

    minhas ausncias durante a trajetria de minha pesquisa.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, em primeiro lugar, que planejou a minha vida quando eu ainda nem existia e

    me libertou no momento que recorri a Ele. E me fez acreditar que o impossvel s existe

    quando no temos f.

    Coordenadora do Mestrado em Letras e Artes da Universidade do Estado do

    Amazonas UEA, Professora Dra. Juciane Cavalheiros, pelo excelente trabalho que

    desenvolve nesta instituio, contribuindo para a formao de novos profissionais na

    educao do nosso pas.

    Ao meu orientador, Dr. Valteir Martins, Professor do Mestrado em Letras e Artes,

    com sua sbia experincia de ensino, acreditou que, atravs deste trabalho, pudssemos levar

    contribuies lingusticas, no que tange Lngua de Sinais dos indgenas surdos Sater-

    Maw, habitantes da microrregio de Parintins.

    Aos meus professores do Mestrado em Letras e Artes Dra. Silvana Martins, Dr.

    Mauricio Mattos, Dr. Mrcio e Dra. Luciana Pscoa, Dra. Gleidys Maia, Dr. Camilo Ramos,

    pelas preciosas contribuies minha pesquisa.

    Aos professores indgenas: Jacob de Souza, Jocimar Alencar e Josiel Santos, por me

    introduzir nas comunidades indgenas Sater-Maw, pelas contribuies na traduo das

    palavras da lngua portuguesa para a lngua Sater-Maw.

    Aos meus colegas do mestrado em Letras e Artes, pelo companheirismo e dedicao

    no dia a dia.

    professora Elizandra de Lima Silva Bastos pela ajuda nas correes textuais da

    Lngua Portuguesa.

    s instituies especficas que de alguma forma contriburam para concretizar esta

    pesquisa.

    MANAUS

    Escola Estadual Augusto Carneiro dos Santos,

    Centro de Atendimento ao surdo CAS

    A Igreja Tabernculo Batista Pastor Paulo Hatcher

  • PARINTINS

    Fundao Nacional do ndio FUNAI

    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE

    Coordenadora Regional de Educao de Parintins - CREP

    Universidade Estadual do Amazonas CESP

    Casa da Sade Indgena

    Casa do ndio de Parintins

    Escola udio Comunicao Pe. Paulo Manna

    Diocese de Parintins: Pe. Henrique Ugg

    Escola Estadual Brando de Amorim

    Escola Estadual Joo Bosco Ramos de Lima

    MAUS

    Secretaria de Estado de Educao

    Secretaria de Educao Municipal

    Casa do estudante indgena Sr. Jusivan

    Tuxaua da Comunidade de Santa Maria Sr. Helito Barbosa

    Sr. Maxiliano Batista Barros

    BARREIRINHA

    Secretaria de Educao Municipal - SEMED

    Secretaria de Estado de Educao

    Coordenao Municipal de Educao Indgena: Sr. Santino Lopes

    Coordenador da Escola Profa. Rosa Cabral: Sr. Dulcemar F. dos Santos

    Professora Indgena Sater-Maw: Maria Inez

    NHAMUND

    Casa de Sade Indgena - DSEI

    Secretaria de Estadual de Educao

    BOA VISTA DO RAMOS

    Secretaria de Estado e Educao

    Escola Estadual Princesa Izabel

    Comunidade Sater-Maw

    Professora Erly Tereza R. Ges

    URUCAR

    Plo Base de Urucar DSEI

    Distrito Sanitrio Especial Indgena

    Lider Indgena Etnia Hexkaryana: Can Mohso

    Sra.Mrlucia Kutasa

    Enfermeiro: Sr.Jonas Pontes

    Sra.Dalva H. Farias Cantalixto de Melo

    Sr.Luiz Cantalixto de Melo

    SO SEBASTIO DO UATUM

    Plo Base de Urucar DSEI

    Lider Indgena Etnia Hexkaryana: Can Mohso

  • EPGRAFE

    Mos...

    corpo em movimento,

    captar e entender...

    Teu querer, teu dizer...

    Sorrisos, lgrimas,

    sentimentos e emoes...

    Libras amor, paixo, lngua!

    (Marlon Jorge)

  • RESUMO

    Esta pesquisa apresenta o resultado do mapeamento de ndios surdos nas comunidades

    indgenas Sater-Maw, na microrregio de Parintins. Partindo do levantamento, buscou-se

    identificar de que forma os ndios surdos estabeleciam a comunicao com seus pares na sua

    comunidade. Para isso foi utilizado o procedimento metodolgico por meio de entrevistas

    abertas com as lideranas indgenas, os familiares, os professores e gestores escolares, e

    outros membros das comunidades, assim como do prprio ndio surdo. O processo de anlise

    estabelecido para este estudo consistiu no enfoque de natureza lingustica do lxico

    (vocabulrio), o qual foi registrado por meio de vdeos, fotos e gravaes. A partir dos dados,

    iniciou-se a elaborao de um minidicionrio trilngue nas lnguas Sater-Maw/lngua de

    sinais/ portugus escrito, a fim de facilitar a comunicao, principalmente no contexto da

    comunidade educacional escolar, entre os professores e os alunos ndios surdos. Esta

    contribuio lingustica, portanto, possibilitou uma nova percepo no processo histrico da

    diversidade lingustica, para valorizar e respeitar no s uma lngua, a lngua oficial do pas

    (Portugus), mas tambm a lngua natural do povo surdo (Libras) e a lngua indgena do povo

    Sater-Maw.

    Palavras chaves:

    1.Lingustica 2.Lngua de sinais 3.Sater-Maw 4. Dicionrio

  • ABSTRACT

    This research presents the results of the mapping deaf Indians in indigenous

    communities Sater-Maw, in the region of Parintins. Starting from the survey, we sought to

    identify how the deaf Indians established communication with peers in their community. For

    this methodological procedure through open interviews with indigenous leaders, family

    members, teachers and school administrators, and other community members were used as

    well as the Indian himself deaf. The review process established for this study consisted of

    focus linguistic lexicon (vocabulary), which was recorded through videos, photos and

    recordings. From the data, we initiated the development of a trilingual Mini Dictionary in

    languages Sater-Maw/ sign language/ written Portuguese in order to facilitate

    communication, especially in the context of school learning community among teachers and

    students deaf Indians. This linguistic contribution, therefore, provided a new insight in the

    historical process of linguistic diversity, to value and respect not only one language, the

    official language (Portuguese), but also the natural language of deaf people (Libras) and the

    indigenous language the people Sater-Maw.

    Key Words: 1.Lingustica 2.Lngua signal 3.Sater-Maw 4.Dictionary

  • SUMRIO

    INTRODUO................................................................................................................ 13

    1 CONSIDERAES DOS ESTUDOS LINGUSTICOS DA LNGUA

    BRASILEIRA DE SINAIS..........................................................................................

    17

    1.1 Lngua de Sinais como Lngua Natural................................................................... 20

    1.2 Lngua Brasileira de Sinais....................................................................................... 22

    1.3 Lnguas de Sinais Indgenas pesquisadas no Brasil................................................. 26

    1.3.1 Lngua de Sinais Urubu-Kaapor............................................................................ 28

    1.3.2 Lngua de Sinais Emergentes ............................................................................... 29

    1.3.2.1 Realidade do Contexto educacional escolar do indgena surdo........................ 31

    2 HISTRIA DO POVO INDGENA SATER-MAW: CULTURA E

    LNGUA......................................................................................................................

    34

    2.1 Breve Relato Histrico ............................................................................................. 35

    2.2 Classificao da Lngua Sater-Maw...................................................................... 36

    2.2.1 Contexto educacional escolar entre os Sater-Maw............................................ 38

    3 METODOLOGIA IMPLEMENTADA NA PESQUISA....................................... 42

    3.1 rea e localidade da pesquisa.................................................................................. 42

    3.2 Estratgias gerais para a realizao da coleta de dados ......................................... 43

    3.3 Procedimentos da coleta de dados............................................................................ 43

    3.4 Articulao local ..................................................................................................... 44

    3.5 Abordagem ao objeto da pesquisa.......................................................................... 44

    4 MAPEAMENTO DOS INDIOS SURDOS DA COMUNIDADE SATER-

    -MAW NAS MICRORREGIES DE PARINTINS E SUA REALIDADE

    EDUCACIONAL ESCOLAR.................................................................................

    45

    4.1 Mapeamento da existncia dos ndios surdos na microrregio de Parintins........... 46

    4.1.1 Histrico de Parintins........................................................................................... 46

    4.1.2 Histrico de Barreirinha......................................................................................... 52

    4.1.3 Histrico de Maus.........,..................................................................................... 53

    4.1.4 Histrico de Boa Vista do Ramos.......................................................................... 55

    4.1.5 Histrico de Nhamund......................................................................................... 56

    4.2 Realidade lingustica e educacional dos ndios surdos encontrados na etnia

    Sater-Maw............................................................................................................

    59

  • 4.3 Inventrio de gestos da linguagem caseira dos surdos Sater-Maw...................... 66

    4.3.1 Os sinais caseiros dos indgenas surdos Sater-Maw......................................... 66

    4.3.2 Municpio de Parintins........................................................................................... 66

    4.3.2.1 O primeiro surdo................................................................................................ 67

    4.3.2.2 O segundo surdo................................................................................................. 67

    4.3.2.3 O terceiro surdo.................................................................................................. 68

    4.4 O indgena surdo da comunidade de Ponta Alegre do Municpio de Barreirinha.......... 70

    4.5 Os indgenas surdos do Municpio de Maus........................................................... 73

    4.5.1 O primeiro surdo da Comunidade de Santa Maria................................................ 75

    4.5.2 O segundo surdo da Comunidade de Santa Maria ............................................... 79

    5 ICONICIDADE E ARBITRARIEDADE NA CRIAO DOS SINAIS

    CASEIROS..................................................................................................................

    83

    6 INTERVENO E CONTRIBUIO LINGUSTICA DO PROFESSOR

    SURDO........................................................................................................................

    90

    6.1 Libras e Lngua Sater-Maw: intercmbio de construo sociocultural-

    lingustico.................................................................................................................

    94

    CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................... 97

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 99

    ANEXOS

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1: Croqui da rea e localidade da pesquisa.

    FIGURA 2: Sinais caseiros utilizado pela criana de 5 anos.

    FIGURA 3: Sinais caseiros utilizados pelo aluno da comunidade de Ponta Alegre

    Barreirinha.

    FIGURA 4: Sinais caseiros utilizados pelo surdo mais novo na comunidade de Santa

    Maria (30 sinais coletados).

    FIGURA 5: Sinais caseiros utilizados pelo surdo idoso na comunidade de Santa Maria.

    FIGURA 6: Caractersticas da imagem em Libras dos objetos que se refere

    arbitrariedade.

    FIGURA 7: Caractersticas da imagem em Libras dos objetos aos quais se referem a

    iconicidade.

    FIGURA 8: Caractersticas da imagem em Lngua de Sinais Sater-Maw dos objetos

    aos quais se referem iconicidade.

    FIGURA 9: Encontro da criana surda Sater-Maw com o professor surdo.

    FIGURA 10: Contato com aluno Sater-Maw surdo no ambiente escolar.

    FIGURA 11: Contato com o aluno surdo Sater-Maw na Escola Estadual Brando de

    Amorim.

    FIGURA 12: Em viagem para rea indgena no Rio Marau.

    FIGURA 13: Apresentao do projeto de pesquisa s lideranas indgenas na

    comunidade.

    FIGURA 14: Desenvolvimento de oficina de Libras com professores indgenas.

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Mapeamento da existncia de ndios surdos nas respectivas comunidades

    indgenas ou zona urbana da microrregio de Parintins...............................

    Tabela 2: 11 Sinais caseiros utilizados pela criana indgena surda de 5 anos e seus

    familiares......................................................................................................

    Tabela 3: 13 Sinais caseiros coletados e utilizados pelo aluno da comunidade de

    Ponta Alegre ................................................................................................

    Tabela 4: Sinais caseiros utilizados pelo surdo mais novo na comunidade de Santa

    Maria.............................................................................................................

    Tabela 5: Sinais caseiros utilizados pelo surdo mais antigo residente isolado na

    comunidade de Santa Maria no Rio Marau ( 18 sinais coletados)...............

    56

    66

    69

    73

    77

  • 13

    INTRODUO

    Todo cidado tem o direito de participar na vida poltica, social e econmica de um

    pas. Neste contexto, inclui-se o cidado surdo. Infelizmente, a histria relata que no passado,

    os sujeitos surdos1 eram colocados s margens da sociedade em todos seus aspectos, social,

    poltico, econmico, cultural, lingustico e educacional.

    Entretanto, ao longo da histria os surdos com a participao de ouvintes na luta

    incessante pelos seus direitos, muitas conquistas foram alcanadas. Entre estas est o direito

    de ter sua prpria lngua, a Lngua Brasileira de Sinais-LIBRAS. A Lei n 10.436 de 2002 a

    qual a reconhece como sistema lingustico de natureza visual-motora, com estrutura

    gramatical prpria, constituindo-se um sistema lingustico de transmisso de ideias e fatos,

    oriundos da comunidade de pessoas surdas do Brasil. Conforme S (2006), no Brasil, as

    comunidades urbanas usam a lngua de sinais brasileira ou simplesmente lngua de sinais.

    Vale ressaltar, que a Lngua de Sinais, segundo Strobel (2008), um aspecto

    fundamental da cultura surda2, parte do artefato cultural lingustico

    3 do povo surdo e constitui

    1 Na rea de pesquisa vinculada a perspectiva socioantropolgica, existe uma clara diferenciao entre a opo

    de escrever surdo com letra minscula ou maiscula, conforme explica Andreis-Witkoski (2011): apesar de

    nas ltimas dcadas ter sido estabelecido uma distino entre a expresso Surdo, com letra maiscula, para

    identificar uma categoria cultural e surdo, com minscula, em referncia a deficincia auditiva, nesta Tese no

    se utiliza este tipo de marcao. Compartilha-se da concepo exposta por Owen Wrigley (1996, p.53) quando

    adverte que esta diferenciao constitui-se em: um dualismo rgido-bom Surdo, mau surdo que pouco faz para

    ajudar os indivduos em suas vidas dirias [sem] ajudar a clarear um alcance maior de estratgias colocadas pelos

    indivduos lidando com a excluso e as muitas faces da opresso em suas rotinas. Em termos simples, a

    dicotomia de S/s est to cruelmente composta que, embora inicialmente seja til, ela agora serve para silenciar

    o alcance total das experincias dos s/Surdos (2011, p.13). Logo, opta-se nesta dissertao o uso da expresso

    surdo (minscula) que refere-se aos surdo enquanto pessoas que, pela impossibilidades, formam uma

    minoria diferente, com caractersticas lingusticas cognitivas, culturais e comunitrias especficas. (S, 2006,

    p.107). 2 Cultura Surda o jeito de o surdo entender o mundo e de modific-lo a fim de se torn-lo acessvel e habitvel

    ajustando-os com as suas percepes visuais, que contribuem para a definio das identidades surdas e das

    almas das comunidades surdas . Isto significa que abrange a lngua, as idias, as crenas, os costumes e os

    hbitos de povo (STROBEL,2008, p. 24). 3Conforme Strobel, (2008, p.37) o que seriam artefatos culturais lingusticos? Ao referirmos artefato

    pensamos habitualmente no significado de objetos ou materiais produzidos pelos grupos culturais. Realmente de

    fato uma forma material de expressar uma determinada cultura, porm tambm podem incluir tudo o que se

    v e sente quando se est em contato com a cultura de uma comunidade, a exemplo: vesturios, tradies,

    crenas, valores e normas etc. Ou seja, no campo dos Estudos Culturais, o conceito de artefatos no se referem

    apenas a materialismo culturais, como tambm naquilo que na cultura constitui produes do sujeito que tem seu

    prprio modo de ser, ver, entender e transformar o mundo. Logo, um dos artefatos culturais que ilustram a

    cultura do povo surdo o lingustico, a lngua de sinais que um aspecto fundamental da cultura surda, sendo

    uma das principais marcas da identidade surda.

  • 14

    uma das principais marcas da identidade do ser surdo. Incluem-se, tambm, os sinais

    emergentes ou sinais caseiros dos sujeitos surdos, isolados de comunidades surdas, no caso

    dos surdos das zonas rurais e dos surdos ndios. Estes surdos, embora no pertenam s

    mesmas comunidades, se identificam com o povo surdo4, pois compartilham as mesmas

    peculiaridades, constroem sua formao de mundo por meio de artefato cultural visual5,

    independentemente do grau lingustico que possuem, os quais podem ser os gestos caseiros,

    denominados tambm como sinais emergentes. Nesta perspectiva terica scioantropolgica,

    enfoca-se como o objeto da pesquisa o sujeito surdo indgena, ou seja, o ndio surdo.

    Antes de prosseguir com a abordagem mencionada, faz-se necessrio destacar que,

    assim como, o povo surdo, o povo indgena, tambm, traou diversas lutas na trajetria para

    reconhecimento dos seus direitos. O reconhecimento dos direitos dos povos indgenas no

    mundo contemporneo avanou muito em relao h algumas dcadas passadas. De acordo

    com Lucinda (apud, S, 2006), em consenso geral nos debates da Comisso Educao,

    Cultura e Desporto, que antecedem a elaborao do texto da Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil de 1988, tanto a lngua de sinais como as lnguas indgenas deveriam ser

    consideradas no texto da Constituio como lnguas maternas. Assim, como resultado o

    Referencial Curricular Nacional para Escolas Indgenas (1998, p.31) declara que A

    Constituio Federal, alm de perceber o ndio como pessoa, com direitos e deveres como

    qualquer outro cidado brasileiro, o reconhece como membro de uma comunidade e de um

    grupo; isto : como membro de uma coletividade que titular de direitos coletivos e

    especiais. Ou seja, reconhece para os ndios o direito prtica de suas formas culturais

    prprias. E no ttulo VIII Da Ordem Social contm um captulo denominado Dos ndios,

    onde se diz que so reconhecidos aos ndios a sua organizao social, costumes, lnguas,

    crenas e tradies [...]. (ibid., p.31)

    Em meio a essa diversidade lingustica, que caracteriza o Brasil como sendo um pas

    plurilngue, esto situados os surdos brasileiros que tm sua prpria lngua reconhecida

    oficialmente: a Lngua de Sinais. Logo, existem tambm ndios surdos da etnia Sater-

    4Quando referimos povo surdo, estamos falando de sujeitos surdos que no habitam no mesmo local, mas

    que esto ligados por uma origem, por um cdigo de tico de formao visual, independente do grau de evoluo

    lingustica, tais como a lngua de sinais, a cultura surda e quaisquer outros laos. (ibid, p.30). 5Perlin e Miranda (2003) complementam, Experincia visual significa a utilizao visual, em (substituio total

    audio), como meio de comunicao. Desta experincia visual surge a cultura surda representada pela lngua

    de sinais, pelo modo diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes, no

    conhecimento cientfico e acadmico. (apud STROBEL, 2008, p.39).

  • 15

    Maw? Qual sua forma de se comunicar? Existe uma Lngua de Sinais especifica do ndio

    surdo?

    Diante das questes levantadas, surgiu ento necessidade de realizar uma pesquisa

    no campo da lingustica na perspectiva dos estudos surdos6, voltado especificamente para o

    ndio surdo da etnia Sater-Maw. Foram traados os seguintes objetivos: i) mapear os ndios

    surdos na microrregio de Parintins; ii) identificar de que forma o ndio surdo estabelece a

    comunicao com sua comunidade, especificamente no mbito educacional, ou se utilizam

    lnguas de sinais da comunidade local; iii) registrar a forma de comunicao no dia a dia do

    ndio surdo nas comunidades indgenas a partir dos estudos lingusticos da Lngua de Sinais

    dos grupos existentes e sua relao com a comunidade local; iv) promover o intercmbio entre

    a Lngua de Sinais dos ndios surdos mapeados da etnia Sater-Maw e a LIBRAS da

    comunidade surda do Municpio de Parintins - Amazonas.

    Este trabalho contm a seguinte diviso: primeiro captulo - apresenta consideraes

    lingusticas fundamentais aos estudos surdos, onde explicita o reconhecimento da Lngua de

    Sinais como elemento cultural lingustico do povo surdo, abordando, tambm, a oficializao

    da Lngua Brasileira de Sinais e as Lnguas Indgenas pesquisadas no Brasil como a realidade

    do contexto escolar lingustico na comunidade indgena; segundo captulo - relata a histria

    do povo indgena Sater-Maw, sua principal expresso cultural, sua lngua e seu respectivo

    contexto educacional escolar; terceiro captulo - apresenta os procedimentos metodolgicos

    utilizados na operacionalizao da pesquisa; e o captulo quatro - apresenta a anlise do

    resultado do Mapeamento dos ndios surdos da etnia Sater-Maw na microrregio de

    Parintins. Neste so tambm apresentadas as relaes socioculturais-lingusticas de ndios

    surdos Sater-Maw com as contribuies lingusticas do professor surdo aos ndios surdos na

    comunidade Sater-Maw, estabelecendo, assim, as relaes culturais na construo da

    comunicao lingustica LIBRAS e Lngua Sater-Maw como um intercmbio de construo

    sociocultural.

    Desse modo, a pesquisa tem como premissa bsica primeiramente mapear os ndios

    surdos da etnia Sater-Maw e assim promover um intercmbio, oferecendo contribuies

    lingusticas fundamentadas na pesquisa do lxico (vocabulrio) da etnia referida com a Libras

    (Lngua Brasileira de Sinais) e a Lngua Portuguesa por meio da elaborao de um

    6 Conforme Skliar o campo de pesquisa em educao, onde as identidades, a lnguas, a histria, a cultura da

    comunidade surda, so focalizados e entendidos a partir da diferena, a partir do seu reconhecimento poltico.

    (2001,p.29).

  • 16

    minidicionrio trilngue. Assim, espera-se contribuir para a iniciao dos indgenas surdos da

    etnia Sater-Maw, na Lngua Brasileira de Sinais, dando a eles um dos direitos universais do

    ser humano que direito a uma lngua. Tambm deseja-se contribuir para a iniciao dos

    indgenas surdos da etnia Sater-Maw, na Lngua Brasileira de Sinais, dando a eles um dos

    direitos universais do ser humano que direito a uma lngua prpria.

  • 17

    1 CONSIDERAES DOS ESTUDOS LINGUSTICOS DA LNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

    A Lingustica, conhecida hoje como a cincia que estuda a linguagem humana, uma

    cincia recente, porm com um saber antigo. Passou a se impor como cincia medida que

    demonstrou seu mtodo e seu objeto de estudo. definida como estudo cientfico que visa

    descrever ou explicar a linguagem verbal humana (ORLANDI, 1999).

    A Lingustica, diferencia-se da gramtica tradicional normativa na medida que no

    tem como objetivo ditar regras de correo para uso da linguagem. Seu interesse a lngua

    como matria de reflexo (QUADROS e KARNOPP, 2004). Segundo as pesquisas nesta

    rea, Vandresen (1988 apud QUADROS, 2007, p. 83), tem-se a lingustica contrastiva como

    uma subrea da lingustica geral, interessada em apontar as similaridades e diferenas

    estruturais entre a lngua materna (de um grupo de alunos) e uma lngua estrangeira.

    Na taxonomia de similaridades e contrastes entre as lnguas existe uma srie de

    regularidades como: h similaridades comportamentais que no precisam ser explicitadas

    porque constituem a base comum das lnguas naturais e o compartilhamento dessas

    similaridades poder servir como base para inferncias quanto s formas da lngua estrangeira

    e quanto s diferenas, por serem sistemticas, podem admitir tratamento inferencial e

    heurstico (KATO, 1988, apud QUADROS, 2007).

    Segundo Nascimento (2009), a vitalidade da lngua depende de sua utilizao efetiva,

    tanto em escala nacional, quanto em escala mundial. Quanto mais uma lngua utilizada, mais

    ela viva e, inversamente, quanto menos utilizada, mais ela ameaada de extino. Assim

    sendo, o uso social da lngua que determina seu grau de revitalizao.

    Por essas razes, a Declarao Universal dos Direitos Lingusticos (BARCELONA,

    1996, p. 3) tem como ponto de partida:

    [...] as comunidades lingusticas e no os Estados, e inscreve-se no quadro do

    reforo das instituies internacionais capazes de garantir um desenvolvimento

    duradouro e equitativo para toda a humanidade, e tem como finalidade favorecer um

    quadro de organizao poltica da diversidade lingustica baseado no respeito, na

    convivncia e nos benefcios recprocos.

    Em seu TITULO PRVIO, tem como conceitos:

  • 18

    Artigo 1.

    1. Esta Declarao entende por comunidade lingustica toda a sociedade humana

    que, radicada historicamente num determinado espao territorial, reconhecido ou

    no, se identifica como povo e desenvolveu uma lngua comum como meio de

    comunicao natural e de coeso cultural entre os seus membros. A denominao

    lngua prpria de um territrio refere-se ao idioma da comunidade historicamente

    estabelecida neste espao. [grifo nosso].

    2. Esta Declarao parte do princpio de que os direitos lingusticos so

    simultaneamente individuais e colectivos, e adapta como referncia da plenitude dos

    direitos lingusticos, o caso de uma comunidade lingustica histrica no respectivo

    espao territorial, entendendo-se este no apenas como a rea geogrfica onde esta

    comunidade vive, mas tambm como um espao social e funcional indispensvel ao

    pleno desenvolvimento da lngua. com base nesta premissa que se podem

    estabelecer, em termos de uma progresso ou continuidade, os direitos que

    correspondem aos grupos lingusticos mencionados no ponto 5 deste artigo e os das

    pessoas que vivem fora do territrio da sua comunidade. [...]

    Em referncia ao Artigo 3.

    - o direito ao ensino da prpria lngua e da prpria cultura;

    - o direito a dispor de servios culturais;

    - o direito a uma presena equitativa da lngua e da cultura do grupo nos meios de

    comunicao;

    - o direito a serem atendidos na sua lngua nos organismos oficiais e nas relaes

    socioeconomicas. [...]

    Em referncia ao Artigo 5.

    Esta Declarao baseia-se no princpio de que os direitos de todas as comunidades

    lingusticas so iguais e independentes do seu estatuto jurdico ou poltico como

    lnguas oficiais, regionais ou minoritrias. Designaes tais como lngua regional ou

    minoritria no so usadas neste texto porque, apesar de em certos casos o

    reconhecimento como lngua minoritria ou regional poder facilitar o exerccio de

    determinados direitos, a utilizao destes e doutros adjetivos serve frequentemente

    para restringir os direitos de uma comunidade lingustica. [...].

    Em referncia ao Artigo 23.

    1. O ensino deve contribuir para fomentar a capacidade de auto-expresso

    lingustica e cultural da comunidade lingustica do territrio onde

    ministrado.[grifo nosso].

    2. O ensino deve contribuir para a manuteno e o desenvolvimento da lngua falada

    pela comunidade lingustica do territrio onde ministrado.

    3. O ensino deve estar sempre ao servio da diversidade lingustica e cultural, e das

    relaes harmoniosas entre as diferentes comunidades lingusticas do mundo inteiro.

    4. No quadro dos princpios anteriores, todos tm direito a aprender qualquer lngua.

    Em referncia aos Artigos 26. a 28. : Artigo 26.

    Todas as comunidades lingusticas tm direito a um ensino que permita a todos os

    seus membros adquirirem o perfeito conhecimento da sua prpria lngua, com as

    diversas capacidades relativas a todos os domnios de uso da lngua habituais, bem

    como o melhor conhecimento possvel de qualquer outra lngua que desejem

    aprender.

    Artigo 27.

    Todas as comunidades lingusticas tm direito a um ensino que permita aos seus

    membros o conhecimento das lnguas ligadas sua prpria tradio cultural, tais

    como as lnguas literrias ou sagradas, usadas antigamente como lnguas habituais

    da sua comunidade.

    Artigo 28.

    Todas as comunidades lingusticas tm direito a um ensino que permita aos seus

    membros adquirirem um conhecimento profundo do seu patrimnio cultural (hist-

    ria e geografia, literatura e outras manifestaes da prpria cultura), assim como o

    melhor conhecimento possvel de qualquer outra cultura que desejem conhecer.

    (BARCELONA, 1996, p. 4 a 14).

  • 19

    Assim, nas Disposies Finais, no Plenrio da Associao Internacional para o

    Desenvolvimento da Comunicao Intercultural recomenda s Naes Unidas que tomem as

    medidas necessrias adopo e aplicao de uma Declarao Universal dos Direitos

    Lingusticos, considerando a Conveno nmero 169 da Organizao Internacional do

    Trabalho, de 26 de Junho de 1989, relativa aos povos indgenas em pases independentes que

    a Declarao Universal dos Direitos Colectivos dos Povos, realizada em Maio de 1990 em

    Barcelona, declara que todos os povos tm direito a exprimir e a desenvolver a sua cultura, a

    sua lngua e as suas normas de organizao e, para o fazerem, a dotarem-se de estruturas

    polticas, educacionais, de comunicao e de administrao pblica prprias, em quadros

    polticos diferentes. Considerando, tambm a Declarao Final da Assembleia Geral da

    Federao Internacional de Professores de Lnguas Vivas, aprovada em Pcs (Hungria) em 16

    de Agosto de 1991, recomenda-se, tambm que os direitos lingusticos sejam consagrados

    direitos fundamentais.

    Neste contexto, Nascimento (2009, p. 25) pontua:

    Como princpio tico, qualquer poltica de lnguas dever trabalhar a unidade e a

    diversidade. No se trata de plos de contradio, mas de eixos de transio. A

    unidade uma razo do Estado e a diversidade ou variedade a matria lingustica

    prpria da comunidade, pois reflete a lngua em uso, ou seja, as linguagens verbais,

    por meio das quais os indivduos se comunicam. A unidade resguardada pelo

    padro oficializado em um modelo de gramtica, e a variedade se faz representar nas

    diversas gramticas prticas e pragmticas de um Estado lingustico.

    Quadros e Karnopp (2004) ainda explicam que a lingustica parte de pressupostos

    bsicos que determinam as investigaes. Sendo um dos mais importantes de que a

    linguagem restringida por determinados princpios, ou seja, regras que fazem parte do

    conhecimento humano das lnguas (falada ou sinalizada), da formao de palavras, da

    construo das sentenas e da construo dos textos. A partir deste pressuposto da

    universalidade de tais princpios, as investigaes lingusticas objetivam estudar os aspectos

    especficos de cada lngua, os quais revelam as caractersticas da linguagem humana. A

    exemplo, o ingls, o portugus, a Lngua de Sinais Americana, a Lngua Brasileira de Sinais

    e outras. Embora, apresentem diferenas entre as lnguas, s estruturas so comuns, que por

    sua vez interessam s investigaes lingusticas, na medida em que a cincia que objetiva

    por explicar a natureza da linguagem humana.

    A partir dessas concepes, entendemos que os seres humanos estabelecem relaes

    do mais simples ao mais complexo com o outro, por meio de gestos, olhares e contato, seja

    por meio de sons. Tudo isso caracteriza a linguagem humana. Observa-se que a linguagem

  • 20

    um termo usado pelas pessoas com referncia linguagem em geral, ou seja, em uma

    variedade de sentidos para denominar sistemas de comunicao: linguagem musical,

    linguagem corporal, linguagem entre animais etc.

    No que concerne definio do termo lngua, Quadros e Karnopp (2004) encontraram

    uma srie de definies de lngua que apontam para sua diferenciao em relao ao termo

    linguagem. Estas fornecem subsdios para a indicao de propriedades consideradas pela

    lingustica essenciais s lnguas naturais, sendo que uma delas dada por Saussure, que

    afirma;

    Lngua no se confunde com a linguagem: somente uma parte determinada,

    essencial dela, indubitavelmente. , ao mesmo tempo, um produto social da

    faculdade de linguagem e um conjunto de convenes necessrias, adotadas pelo

    corpo social para permitir o exerccio dessa faculdade nos indivduos. (QUADROS e

    KARNOPP, 2004, p.24).

    Portanto, entende-se, como lngua natural,

    uma lngua que foi criada e utilizada por uma comunidade especfica de usurios,

    transmitida de gerao a gerao, e que muda tanto estrutural como

    funcionalmente com o passar do tempo. Ora, qualquer lngua pode ser considerada

    natural independentemente da modalidade que utilize. (S, 2006, p. 134).

    Assim, a lngua natural tratada enquanto sistema lingustico altamente desenvolvido,

    apresentando as caractersticas citadas por Quadros e Karnopp (2004, p. 25-28) de:

    flexibilidade, versatilidade, arbitrariedade, descontinuidade, criatividade, produtividade, dupla

    articulao, padro de organizao dos elementos, e dependncia estrutural. Logo, conclui-se

    que tais caractersticas so especficas da faculdade da linguagem humana.

    1.1 Lngua de Sinais como Lngua Natural

    A Lngua de Sinais uma lngua natural, criada pelas comunidades surdas. Segundo

    Skliar (1998, p.26) Todas as crianas surdas podem adquirir a Lngua de Sinais, desde que

    participem das interaes quotidianas com a comunidade surda como acontece com qualquer

    outra criana na aquisio de uma lngua natural. Skliar, esclarece que lngua natural no

    se refere a uma espontaneidade biolgica, mas como lngua que foi criada e utilizada por

    uma comunidade especfica de usurios que transmite de gerao em gerao e que muda com

    o passar do tempo tanto estruturalmente como funcionalmente. (IDEM, p.27).

    As Lnguas de Sinais so diferentes em cada comunidade, com caractersticas das

    lnguas orais, com estruturas gramaticais prprias que as distingue dos demais sistemas de

  • 21

    comunicao. Para Quadros e Karnopp (2004, p. 30) As lnguas de sinais so, portanto

    consideradas pela lingustica como lnguas naturais ou como um sistema lingustico legtimo e

    no como um problema do surdo ou como uma patologia da linguagem.7

    Para o reconhecimento das Lnguas de Sinais como lnguas naturais, Ramos (2013, p.

    8) destaca o conceito natural em oposio a cdigo e linguagem, e a avaliao apresenta

    as semelhanas existentes entre as mesmas e as lnguas orais. Sendo que uma dessas

    semelhanas, na linha saussuriana, a existncia de unidades mnimas formadoras de

    unidades complexas, pode ser observada em todas as Lnguas de Sinais espalhadas pelo

    mundo, possuidoras dos nveis fonolgico, morfolgico, sinttico, semntico e pragmtico.

    As lnguas de sinais apresentam registros diversos (por categoria profissional, status social,

    idade, nvel escolar etc.), alm de dialetos regionais, tambm referendam as semelhanas com

    as lnguas orais. (IDEM, p. 8).

    Estudos aprofundados sobre a Lngua de Sinais iniciaram a partir da dcada de 1950

    com o estudioso da lingustica, o americano William Stokoe, o qual percebeu e provou que a

    Lngua de Sinais,

    [...] satisfazia todos os critrios lingusticos de uma lngua genuna, no lxico, na

    sintaxe, na capacidade de gerar um nmero infinito de proposies [...] Stokoe

    convenceu-se de que os sinais no eram figuras, e sim complexos smbolos abstratos

    com uma estrutura interna complexa. Foi ento, o primeiro a buscar uma estrutura, a

    analisar os sinais, dissec-los, procurar as partes constituintes. Desde o comeo ele

    tentou demonstrar que cada sinal possua pelo menos trs partes independentes

    7 Sobre a surdez, temos duas abordagens, segundo explica Skliar, a clnico teraputica e a scio-antropolgica.

    A viso scioantropolgica descreve a surdez em termos contrrios s noes de patologia e de deficincia

    (1998, p.10). Durante o sculo passado construi-se o imaginrio de que o surdo era um deficiente que

    necessitava falar. Segundo Casarin (1996, p.2) Nesse discurso, dficit, doena, patologia, anomalia, implicam

    apenas a possibilidade de seqncia diagnstico tratamento-cura, caractersticas da abordagem mdica [...]. Tal

    concepo influnciou outras reas do conhecimento, inclusive na educao sobre a forma de perceber o surdo.

    Cesarian, ainda explica que a partir da foram assimilando o imaginrio de que a surdez era uma doena e que o

    surdo, por no falar, era um deficiente que precisava ser curado, construindo entre as reas de tratamento um

    modelo teraputico para o deficiente auditivo. Aps as influncias da medicina na educao dos surdos, o

    modelo clinco-teraputico passa a impor propostas educativas do oralismo, dando continuidade agora na rea

    educacional, ao tratamento do deficiente o mais cedo possivel, na escola, a fim que ele se enquadre ao modelo

    normal, modelo ouvinte. Logo, as escolas, apresentavam como instituies de reeducao da fala, desenvolvendo

    atividades pedaggicas que tinham como objetivo o treinamento e exerccios com fins a trazer o surdo o mais

    possvel do normal. Perde-se, assim muito tempo no processo de ensino aprendizado do sujeito surdo, levando

    a um fracasso escolar. Surge, ento a nova concepo nomeada como scio-antropolgica de surdez, totalmente

    oposta anterior. Essa concepo parte das capacidades do sujeito, quando considera a lngua de sinais como

    melhor garantia para o desenvolvimento normal do surdo. Esta nova concepo traz a valorizao da lingua de

    sinais e, como consequncia, o reconhecimento das especificidade culturais das comunidades surdas. Estudos

    feitos por lingusticas, observaram o desempenho escolar de pessoas surdas que se comunicam desde a infncia

    por meio da Lngua de Sinais e que demostraram ganhos significativos em divesas reas do desenvolvimento

    humano. Deixando, claro a necessidade do uso da Lngua de Sinais, como lngua natural da pessoa surda. (1996,

    p. 3).

  • 22

    localizao, configurao das mos e movimento executado (anloga aos fonemas

    da fala) e que cada parte apresentava um nmero limitado de combinaes [...].

    (SACKS, 1998, p. 88-89).

    Segundo Ramos (2013, p. 9), em 1988, o venezuelano Snchez fez pesquisas sobre as

    lnguas de sinais e os resultados apresentou ao educador francs Jean Foucambert. No debate

    sobre suas pesquisas, surgiu proposta de um tipo de educao que privilegiasse a lngua

    natural da comunidade surda - a Lngua de Sinais Venezuelana, e a escrita da lngua da

    comunidade oral o Espanhol. Um dos primeiros princpios que lanou a base para a que a

    lngua de sinais fosse reconhecida como lngua natural foi descrita por Foucambert (RAMOS,

    2013, p. 10).

    No s os surdos, mas toda e qualquer criana pode aprender a lngua escrita sem

    basear-se na oral, porque so independentes. Em segundo lugar, chegou-se

    afirmao de que a lngua de sinais uma lngua natural e que os surdos so uma

    comunidade lingustica minoritria, com direito a desenvolver sua cultura prpria

    dentro da cultura majoritria. O fato de a Lngua de Sinais cumprir uma srie de

    requisitos que todas as lnguas naturais possuem - espanhol, portugus, alemo,

    ingls, polons..., a criatividade um deles -, pode-se sempre dizer alguma coisa

    nova. Outro requisito a combinao de partculas no significativas que, usadas de

    certa maneira, criam significao. [...]. Com 30, 40 configuraes da mo, podem-se

    transmitir milhares de sinais significativos, como os fonemas da lngua oral. A

    lngua de sinais, que, como as lnguas nacionais, diferente em cada pas e at em

    regies dos pases, possui alm do mais uma gramtica toda prpria, organizada e

    complexa, e nos permite transmitir qualquer coisa [...]. Com ela pode-se transmitir,

    criar e recriar o que se quiser: poesia, romance, filosofia... E pode-se at formular,

    idias com duplo sentido, ou mentir, que outra caracterstica das lnguas naturais.

    Por meio das pesquisas e estudos, diversos pases passaram a se dedicar no campo da

    lingustica da Lngua de Sinais que criou-se a possibilidade do povo surdo lutar pelo seu

    reconhecimento enquanto lngua, na medida em que pode contar com estudos que provam

    cientificamente de que as Lnguas de Sinais so de fato lnguas e no um conjunto de

    mmica.

    1.2 Lngua Brasileira de Sinais

    O ser humano se expressa atravs da lngua e a partir dela estabelece sua cultura,

    valores e padres sociais. Para os surdos brasileiros, a Libras estabelece essas condies, pois

    considera a modalidade visual-espacial e associa caractersticas sociolingusticas, as funes

    pragmticas e discursivas semelhantes s lnguas orais, porm, a Lngua de Sinais por muito

    tempo no foi percebida enquanto estrutura lingustica.

  • 23

    A LIBRAS, como toda Lngua de Sinais, uma lngua de modalidade gestual-visual

    uma vez que faz uso para a comunicao de movimentos gestuais e expresses faciais

    percebidos pela viso. Neste sentido, a Revista Feneis Ramos (2002 apud RAMOS, 2013, p.

    7-8), a Lngua Portuguesa uma lngua de modalidade oral-auditiva por utilizar, como canal

    ou meio de comunicao, sons articulados que so percebidos pelos ouvidos. Suas diferenas

    esto na utilizao de canais diferentes e nas estruturas gramaticais de cada lngua.

    Para Campello (2009), historicamente os primeiros estudos da Lngua de Sinais

    apareceram no sculo XIV, exatamente nos anos de 1644 pelo ingls Bulwer J. B. com o livro

    de Lngua de Sinais Inglesa Chirologia8: on the natural language of the hand com os estudos

    destacando as figuras das mos e seus significados. Menciona, tambm, que era recompensa

    de natureza que os surdos devam se comunicar atravs dos gestos e acreditava firmemente na

    necessidade que opera a Natureza dos homens que nascem Surdos-Mudos, que podem

    discutir, mostrar, sinalizar retoricamente por sinais. (p. 13).

    Em 1960, W. C. Stokoe, pesquisador ingls da Gallaudet University fez uma pesquisa

    entre as gramticas utilizadas pelos surdos em sala de aula e fora dela e os resultados foram

    publicados no artigo Sign Language Structure: na outline of the visual communication system

    of the American Deaf, na revista Studies in Linguistics, Occassional Papers 8. (CAMPELLO,

    2009). E a partir destes estudos que Stokoe afirma que a Lngua de Sinais lngua.

    Stokoe (1960), percebeu e comprovou que a lngua de sinais atendia a todos os

    critrios lingusticos de uma lngua genuna, no lxico, na sintaxe e na capacidade de

    gerar uma quantidade infinita de setenas. Stokoe observou que os sinais no eram

    imagens, mas smbolos abstratos complexos, com uma complexa estrutura interior

    [...]. Comprovou, inicialmente, inicialmente, que cada sinal apresentava pelo menos

    trs partes independentes (em analogia com os fonemas da fala) a localizao, a

    configurao de mos e o movimento e que cada parte possua um nmero

    limitado de combinaes [...] (QUADROS E KARNOPP, 2004, p. 30-31).

    Os estudos do lingusta representou o primeiro passo para outras pesquisas em relao

    a Lngua de Sinais. Em diversos pases pesquisas foram realizadas. O Brasil, foi um deles.

    No Brasil no final dos anos de 1970, a proposta da educao bilngue reconhece a

    Libras como lngua natural, portanto, deve ser ensinada como primeira lngua desde o incio

    da escolarizao da criana surda e a comunidade surda reconhece o portugus como a lngua

    oficial do Brasil e deve ser ensinada como segunda lngua na forma oral ou escrita.

    (SLOMSKI, 2010).

    8 Bulwer (1644) em seu livro esclarece que a quirologia um dicionrio de gestos manuais e quirema um

    manual para o uso efetivo do gesto de falar em pblico.

  • 24

    Segundo Quadros (2009, p.144), no entanto, a Lngua de Sinais comeou a ser

    investigada efetivamente nas dcadas de 80 e 90 por Ferreira Brito (1986, 1995); Felipe

    (1992, 1993) Quadros (1995, 1999) e a aquisio da Lngua Brasileira de Sinais nos anos 90

    (Karnopp, (1994, 1999; Quadros, (1995, 1997).

    Na dcada de 1980 a 1990, tem-se um panorama mundial para a abordagem bilngue

    na educao de surdos. Slomski (2010, p. 61) destaca que em 1994, Lucinda Ferreira Brito

    passa a utilizar a abreviao de LIBRAS (Lngua Brasileira de Sinais) criada pela comunidade

    surda. Consequentemente, pesquisas, estudos e lutas da comunidade surda contriburam para a

    instaurao de uma poltica lingustica da Lngua Brasileira de Sinais. A que reconhece o

    estatuto lingustico legal por meio da Lei 10.436 de 24/04/2002:

    Art. 1 reconhecida como meio legal de comunicao e expresso a Lngua

    Brasileira de Sinais Libras e outros recursos de expresso e por ela associados.

    Pargrafo nico. Entende-se como Lngua Brasileira de Sinais Libras a forma e

    comunicao e expresso, em que o sistema lingustico de natureza visual-motora,

    com estrutura gramatical prpria, constituem um sistema lingustico de transmisso

    de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

    [...].(BRASIL, 2007, p. 2).

    A Lngua de Sinais, como j mencionado, uma lngua natural composta por de todos

    os componentes s lnguas orais, como gramtica, semntica, pragmtica, sintaxe e outros

    elementos, preenchendo os requisitos cientficos para ser considerado um sistema lingustico.

    Conforme Felipe e Monteiro (2004, p.23) as Lnguas de Sinais so compostas por

    signos lingusticos denominados sinais, encontrados nos seguintes parmetros:

    Configurao das Mos, Ponto de Articulao, Movimento, Orientao, Expresso Facial e/ou

    Corporal. Estes parmetros so requisitos necessrios para que sejam constitudos os sinais.

    Portanto, a Lngua de Sinais considerada como lngua natural do sujeito surdo,

    como sua primeira lngua-L1. J a lngua majoritria de um pas, no caso do Brasil, a

    Lngua Portuguesa como L2. Partindo do pressuposto que a Lngua de Sinais a primeira

    lngua do surdo, a aquisio da primeira lngua pelas crianas surdas deve se dar de forma

    natural no contato com surdos sinalizados pertencentes comunidade surda. A Lngua

    Portuguesa, por sua vez, aprendida de forma sistemtica, ou seja, precisa ser ensinada por

    meio de tcnicas especficas de ensino de segunda lngua.

    A partir desta compreenso, as crianas surdas precisam ter a oportunidade do contato

    com seus pares. Crianas surdas que no tm um convvio com surdos, por terem nascido

    dentro de familias ouvintes que usam a lngua oral, precisam que os pais, familiares

  • 25

    oportunizem a elas o mundo essencialmente visual-espacial para conhecer a Lngua de

    Sinais. Sobre a questo Quadros (2005, p.30) afirma:

    As crianas surdas e seus pais ouvintes poderiam compartilhar o bilinguismo: lngua

    portuguesa e lngua de sinais brasileira e ir alm, descobrindo os vieses das culturas

    e identidade que se entrecruzam [...]. Assim, as crianas surdas precisam ter acesso

    lngua de sinais com sinalizantes fluentes desta lngua muito cedo. Estes

    sinalizantes so pessoas que, normalmente, no fazem parte do crculo de pessoas

    que a criana usualmente teria contato. Os pais tero que conhecer comunidade

    surda que usa esta lngua.

    Nesta perspectiva, Souza (apud QUADROS, 2005) menciona que se no incio do seu

    desenvolvimento a criana surda tiver a chance de contar com pais dispostos a aprenderem a

    lngua de sinais com adultos surdos, colegas surdos, e conversarem sinalizando, a

    dimenso do seu processo educacional ser outra. A aquisio da lngua ser transferida para

    o espao escolar. O fato de passar a ter contato com a lngua portuguesa com significado

    trazendo seus conceitos adquiridos na sua prpria lngua, possibilitar um processo muito

    mais significativo. (ibid., p.33).

    Por isso, de importncia fundamental a criana surda esteja em contato lingustico

    com a lngua de sinais o mais cedo possvel, seja com a comunidade surda ou com seus pais

    ouvintes que adquiriram a Lngua de Sinais como L2. Estes fatores iro influenciar a criana

    estabelecer a sua identidade e cultura surda naturalmente. Neste sentido, Fantinel (1999, p.2)

    menciona que o uso da Lngua de Sinais uma condio fundamental na construo da

    identidade dessas pessoas, pois o fator que os aproxima e rene em grupos, permitindo-lhes

    expressarem-se construindo significados para a vida.

    A Lngua de Sinais, portanto um aspecto fundamental da cultura surda. Para tanto,

    Strobel (2008, p.44) ainda enfatiza que, para que o sujeito surdo possa ter acesso s

    informaes e conhecimentos, alm de construir sua identidade, fundamental criar uma

    ligao com o povo surdo que usa a sua lngua em comum, pois a Lngua de Sinais uma das

    principais marcas da identidade de um povo surdo: uma particularidade da cultura surda, uma

    forma de comunicao que capta as experincias visuais dos sujeitos surdos. E somente a

    partir do uso desta lngua que a criana conseguir seu pleno desenvolvimento cognitivo,

    psicolgico, emocional e cultural; proporcionando, assim, a aquisio do conhecimento

    universal.

    Desta forma, ao refletirmos sobre a pessoa surda, na construo de sua identidade e

    cultura surda, entende-se que o contato lingustico essencial. Logo, o que dizer das pessoas

  • 26

    surdas que vivem isoladas de comunidades surdas que no tem esse contato com Lngua de

    Sinais? Sobre esta realidade Strobel esclarece que:

    No entanto incluem tambm os gestos denominados sinais emergentes ou sinais

    caseiros dos sujeitos surdos de zonas rurais ou sujeitos isolados de comunidades

    surdas que procuram entender o mundo atravs dos experimentos visuais e que

    procuram comunicar apontando e criando sinais [...]. (ibidem, p.44).

    Ainda sobre a questo, Vilhalva (2012, p. 30) ressalta que: [...] Os sinais emergentes,

    tambm conhecidos como sinais caseiros, so essenciais, quando vistos como comunicao

    natural usada em um espao familiar ou social [...]. Nesse caso, podemos referir ao ndio

    surdo, que vive isolado do contato com a comunidade surda. Este surdo tambm se identifica

    com o povo surdo, apesar de no ter contato e de no pertencer s mesmas comunidades

    surdas, na medida em que, de acordo com Strobel (2008), eles compartilham as mesmas

    peculiaridades, ou seja, constroem sua formao de mundo atravs de artefato cultural visual.

    1.3 Lnguas de Sinais Indgenas pesquisadas no Brasil

    Os registros da existncia de ndios surdos segundo Vilhalva (2008) apontam para o

    Estatuto do ndio - Lei n. 6.001, de 19/12/1973, que norteou as relaes do Estado brasileiro

    com as populaes indgenas at a promulgao da Constituio de 1988, em seu Pargrafo

    nico do Art. 1 assegura:

    Aos ndios e s comunidades indgenas se estende a proteo das leis do Pas, nos

    mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos,

    costumes e tradies indgenas, bem como as condies peculiares reconhecidas

    nesta Lei.

    Neste sentido, no Brasil a lngua oficial a Lngua Portuguesa. Fossile (2013, p. 4)

    afirma que o pas conta, atualmente, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica (IBGE), com aproximadamente 210 lnguas, sendo 190 delas indgenas. Essas

    lnguas indgenas so consideradas como lnguas minoritrias, sem importncia em relao ao

    portugus. No entanto, algumas possuem mais prestgio em relao s outras.

    Em relao ao conhecimento da lngua e da diversidade na dinmica scio-cultural das

    populaes indgenas deveria haver prioridades para estudos no campo lingustico para

    acadmicos e pesquisadores indios. De fato, o conhecimento das lnguas faladas e no

    contexto, tem-se essa diversidade para ndios surdos deveria ser compartilhada com a

  • 27

    sociedade indgena, de forma que esta possam participar ativamente na elaborao de polticas

    e programas que respondam s suas necessidades seus direitos, considerando-se em particular

    suas culturas e lnguas.

    Segundo Vilhalva (2008) pesquisas no campo da lingustica e de polticas lingusticas

    avanaram consideravelmente no Brasil. Tendo, porm ainda uma grande necessidade de

    maiores pesquisas, principalmente, referente a diferentes Lnguas de Sinais pertencentes a

    diferentes comunidades como as dos povos indgenas. Neste sentido a autora argumenta:

    A Lngua de Sinais Indgenas, praticadas pelos ndios surdos existentes em diversas

    comunidades indgenas do pas, traz consigo caractersticas culturais e lingusticas

    variadas. Infelizmente, raramente so registradas, como so registradas outras lnguas

    brasileiras de diferentes comunidades com suas especificidades culturais e tnicas.

    (VILHALVA, 2008, p. 29).

    Sobre a questo Nonaka coloca que:

    desde 1960, quando se iniciaram os estudos lingusticos e antropolgicos em

    referncia s Lnguas de Sinais, a maior parte das investigaes tem incidido sobre

    as Lnguas de Sinais nacionais ou padro, usadas pelos surdos de diferentes pases,

    com escassa ateno s Lnguas de Sinais usadas pelos indgenas em sua

    comunicao original. (apud VILHALVA, 2012, p. 30).

    Por isso, Vilhalva defende a comunicao dos ndios surdos como objeto de estudo da

    lingustica, afirmando que:

    [...] Sabemos tambm que a Libras est presente nas terras indgenas

    apontando que a influncia acontecer. Sendo assim, consideramos quanto o lxico

    das lnguas est no processo de mudanas atravs do neologismo espontneo ou o

    emprstimo lingustico de outras lnguas. (ibid., p.37).

    Observa-se que os estudos sobre a Libras nas terras indgenas comearam na dcada

    de 1980, com pesquisas da brasileira Lucinda Ferreira Brito sobre a Lngua Brasileira de

    Sinais. Segundo, Slomski (2010) Lucinda Ferreira Brito iniciou sua pesquisa atravs de um

    padro internacional de abreviao das Lnguas de Sinais adotando a sigla LSCB Lngua de

    Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros para diferenci-la da LSKB Lngua de Sinais

    Kaapor Brasileiros que eram a utilizada pelos ndios do Estado do Maranho.

    Diante do panorama exposto, se faz necessrio no campo da lingustica dos estudos

    surdos, pesquisas sobre a Lngua de Sinais, usadas pelos ndios surdos nas diferentes

    comunidades indgenas para que seja reconhecida e registrada. Infelizmente, somente uma

  • 28

    lngua indgena oficialmente reconhecida no Brasil, a Lngua de Sinais Indgena da

    comunidade Urubu-Kaapor, devido ao alto ndice de surdos.

    1.3.1 Lngua de Sinais Urubu-Kaapor

    Os resultados do Censo 2010 (IBGE, 2013) apontam para 274 lnguas indgenas

    faladas por indivduos pertencentes a 305 etnias diferentes. Embora haja a necessidade de

    estudos lingusticos e antropolgicos mais aprofundados quanto aos nmeros totais de lngua

    e etnia.

    Dentro desse universo, a nica Lngua de Sinais indgena reconhecida, conforme

    referido anteriormente, a utilizada pela etnia indgena brasileira dos Urubu-Kaapor9,

    chamados tambm por urubus-caapores. Os estudos sobre essa Lngua de Sinais apontam para

    o incio da dcada de 1950.

    De acordo com Ribeiro (1996 apud FASSILE, 2013, p. 2).

    Em 1950 foi descoberto no Brasil um grupo indgena, atravs de pesquisas

    antropolgicas, os Urubu-Kaapor na floresta Amaznica (Maranho), que falava

    uma variao da lngua de sinais. Somente a partir da dcada de 1980 estudos

    lingusticos relacionados Lngua de Sinais Kaapor Brasileira (LSKB) foram

    aprofundados (sobre a LSKB cf. KAKUMASU, J.; KAKUMASU, K., 1977).

    Segundo Brito (1993 apud FASSILE, 2013, p. 2), J. Kakumasu defendeu que [...] a

    Lngua de Sinais dos Urubu-Kaapor [...] [se constitua como] um veculo de comunicao

    intratribal e no como meio de transao comercial. Neste sentido, resgata-se que:

    No Brasil, Lucinda Brito inicia seus importantes estudos lingusticos em

    1982 sobre a Lngua de Sinais dos ndios Urubu-Kaapor da floresta amaznica

    brasileira, aps um ms de convivncia com os mesmos, documentando em filme

    sua experincia. A ideia para a pesquisa adveio da leitura de um artigo publicado no

    livro de Umiker-Sebeok (1978), de autoria de J. Kakumasu, Urubu Sign Language.

    No estudo, a Lngua de Sinais dos Urubu-Kaapor se diferenciaria da PSL por

    constituir um veculo de comunicao intratribal e no como meio de transao

    comercial. Lucinda Brito, porm, constatou que a mesma se tratava de uma legtima

    Lngua de Sinais dos surdos, pelos mesmos criados.

    O interessante de se observar, no caso dos Urubu-Kaapor, que os ouvintes da

    aldeia falam a Lngua de Sinais e a lngua oral, evidentemente, enquanto que os

    surdos se restringem Lngua de Sinais. Assim, os ouvintes da aldeia se tornam

    bilngues, enquanto os surdos se mantm monolngues (RAMOS, 2011, p. 6).

    9 Disponvel em:. Acesso em: 19/11/2013.

  • 29

    A Lngua Kaapor uma lngua da famlia Tupi-Guarani, no falada por outra tribo ou

    povo, exceto como segunda lngua. Possuem uma lngua de sinais prpria (a Lngua Brasileira

    de Sinais Kaapor), usada tanto pela comunidade surda do povo, como tambm por seus

    membros no surdos na comunicao com os surdos.

    [...] os Kaapor so linguisticamente peculiares na Amaznia por terem uma

    linguagem padro de sinais, usada para a comunicao com os surdos, que at a

    metade dos anos 80 compunham cerca de 2% da totalidade de sua populao. A

    incidncia de surdez deveu-se evidentemente bouba neonatal e endmica, que foi

    erradicada.10

    O interessante que a comunidade indgena desenvolveu uma forma prpria de

    comunicao por sinais que comeou a ser estudada na dcada de 1960, pelo pesquisador

    canadense James Kakumasu em (1968) e em seguida pela linguista brasileira Linguista

    Lucinda Ferreira Brito [...] A Lngua de Sinais Brasileira para diferenci-la da LSKB

    (Lngua de Sinais Kaapor Brasileira), utilizados pelos ndios Urubu-Kaapor no Estado do

    Maranho. (GOLDFELD, 1997, p. 30). A pesquisadora registrou a existncia da Lngua de

    Sinais Kaapor em sua pesquisa sobre termos bsicos para cores em Lngua de Sinais.

    1.3.2 Lngua de Sinais Emergentes

    Vilhalva (2012) se preocupou sobre a situao lingustica dos ndios surdos, trazendo

    grandes contribuies cientficas na rea da lingustica, referente s Lnguas de Sinais

    Indgenas. Sua pesquisa iniciou em 1991 com ndios surdos na comunidade indgena de So

    Marcos.

    O estudo dos sinais emergentes que se deseja apresentar objetiva no apenas

    recuperar os registros sobre as lnguas padro, mas, tambm e, sobretudo, procurar

    realizar um levantamento de como se apresenta atualmente o uso desses sinais

    emergentes e at mesmo, da histria da produo desses sinais, para que se possa

    fazer o registro cientifico sobre a situao lingustica dos ndios surdos dentro das

    escolas indgenas [...]. (VILHALVA, 2012, p.11a).

    Souza e Segala (2009, p.28) abordam que a maior parte das lnguas nasceu do

    contato entre duas ou mais lnguas ou de uma lngua e sistemas de sinais caseiros (Lngua de

    Sinais Primria). Observa-se que sinais caseiros ou Lngua de Sinais Primrios

    correspondentes aos gestos ou construo simblica inventadas no mbito familiar; comum

    10

    Disponvel em:. Acesso em 19/11/2013.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_de_sinaishttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_de_Sinais_Kaapor_Brasileirahttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_de_Sinais_Kaapor_Brasileira

  • 30

    a constituio de um sistema convencional de comunicao entre me-ouvinte e criana

    surda .

    Sobre a origem dos sinais emergentes Vilhalva explica que:

    [...] os sinais emergentes foram criados devido a uma necessidade de comunicao,

    passando por sinais indicativos, icnicos e arbitrrios. A maneira como cada sinal

    surge levam tempo para se entender, principalmente quando os sinais so criados

    conforme o neologismo11

    . Esses novos sinais passam a fazer parte da comunicao

    para depois designar algo consistentemente, como acontece tambm s lnguas

    orais-auditivas. (2012, p.137-138).

    Desta forma, a autora em sua pesquisa argumenta que os sinais emergentes

    considerados em seu estudo como Lngua de Sinais, constituem como o meio de

    comunicao primria dos ndios surdos das comunidades indgenas do Mato Grosso do Sul.

    Partindo deste achado, Rousseau j mencionava em seus estudos Ensaio sobre a origem das

    lnguas que:

    O uso e a necessidade ensinam a cada um a lngua de seu pas; mas o que que faz

    com que essa lngua seja a de seu prprio pas e no a de um outro? [...] No

    momento em que um homem foi reconhecido por um outro como um ser sensvel,

    pensante e semelhante a ele, o desejo ou a necessidade de comunicar-lhe os prprios

    sentimentos e os prprios pensamentos fez com que procurasse os meios de faz-lo

    (2008, p. 97).

    Assim, o primeiro contato do ser humano com o outro da mesma espcie. No caso da

    me com seu filho. Conforme Sacks (1998, p. 7) comenta que:

    [...] a primeira comunicao, geralmente se d entre me e filho e a lngua

    adquirida, emerge, entre eles dois. Sendo assim, Os sinais emergentes tambm so

    fruto da linguagem num processo visual, usados pelos surdos indgenas e seus

    familiares ouvintes na interao com o meio. (VILHALVA, 2012, p. 137).

    Vilhalva (2012), ento, percebeu a predominncia dos gestos caseiros criados pelos

    prprios surdos, para interagirem com suas famlias e com as pessoas que os rodeiam. Ou

    seja, a criana surda que nasce na famlia de ouvinte comea a criar a partir de um meio de

    comunicao visual usando todas as formas naturais possveis, desde o apontamento at os

    gestos naturais. O uso que destes sinais criados pelas necessidades do ambiente familiar, com

    o passar do tempo vo se convencionando a forma de interao dialgica, passando a

    transformar-se em um meio de comunicao essencial, resultando, assim no processo

    11

    So palavras criadas para designar novas situaes, novos conceitos, fatos, objetos etc., sendo que um

    neologismo s sentido como tal durante algum tempo, pois, passados anos ou sculos, deixa de ter sentido

    como tal, porque a realidade que ele designa j no nova.

  • 31

    evolutivo dos sinais familiares para os sinais emergentes para transio para a Lngua de

    Sinais, ou seja, arbitrria convencional. Esse processo se d por meio do processo cognitivo,

    fundamentada na teoria de Cuxac.

    Construo do dizer a partir do processo criativo de performance gestual. Iconizando

    da experincia perceptivo-prtica; Rotinas de Transfernciapassagem da ilustrao

    especifica para a categorizao genrica. Sinais estabelecidos num grupo reduzido;

    categorias e generalizaes dos sinais gestuais. Nasce uma lngua de Sinais, com

    todas as propriedades de uma lngua. (apud VILHALVA, 2012, p.138)

    Vilhalva (2012) ainda destaca que se observarmos a Lei n. 10.436 de 24 de abril de

    2002 vamos verificar que em seu artigo primeiro ficam reconhecidos como meio legal de

    comunicao e expresso a Lngua Brasileira de Sinais-Libras e outros recursos de

    expresso a ela associados. Nesses outros recursos podem figurar, segundo compreenso

    da mesma, os sinais emergentes, produzidos nas comunidades indgenas. Se a Lngua

    Brasileira de Sinais uma forma de comunicao e expresso cujo canal de produo e

    recepo de natureza visual-motora, com estrutura gramatical prpria, constituindo um

    sistema lingustico de transmisso de ideias e fatos oriundos de comunidades de pessoas

    surdas no Brasil, conforme est na lei, compreensivo dizer que nada fala sobre um padro de

    sinalizao (p.34).

    Conclui-se que, conforme pesquisa da autora citada, os estudos dos sinais emergentes

    mostraram que este o ponto inicial das novas Lnguas de Sinais que segundo a mesma,

    merecem ser aprofundadas.

    1.3.2.1 Realidade do contexto educacional escolar do indgena surdo

    Vilhalva (2012) destaca que o indivduo surdo s ter um sistema gestual lingustico

    organizado no contato do agrupamento comunitrio, especificamente da comunidade surda

    com o contato com a Lngua de Sinais. E isso muitas vezes acontece em geral somente no

    mbito escolar bilngue, onde h outros surdos, intrpretes e professores ouvintes que fazem

    uso da Lngua de Sinais. Por isso essencial uma escola que respeite a diversidade lingustica,

    como no caso desta comunidade. Desta forma se faz necessrio presena na escola de

    intrpretes vindo das cidades mais prximas das terras indgenas, de modo que:

  • 32

    [...] o Professor ministra as aulas em Portugus e tem disciplina em Guarani.

    Observamos que, pelo fato de os professores da pedagogia diferenciada indgena

    realizarem sua formao em universidades locais, onde o assunto em torno da surdez

    e da Libras so discutidos, estes profissionais tm uma formao que respeita no s

    a cultura e a lngua indgena, mas tambm a cultura e a Lngua de Sinais;

    caractersticas que esto presentes nas escolas indgenas bilngues, em que a lngua

    de instruo o Guarani-Portugus.(VILHALVA, 2012, p. 11b).

    Porm o que no o caso da escola Arapor mencionada por Vilhalva (2012) que teve

    preferncia do intrprete indgena para a preservao da cultura, lngua e saber. Foi observado

    na pesquisa que os indgenas surdos com vinte anos de idade em diante demonstram

    segurana ao sinalizar com o pesquisador surdo usando seus sinais emergentes de forma

    natural. Os mais novos de escolas indgenas, mas da mesma comunidade indgena, no

    demonstraram o uso de sinais emergentes e sim apresentaram diretamente sua comunicao

    em Libras. Entretanto, os resultados apontam que no h como dizer se o atendimento

    educacional para o ndio surdo est acontecendo em todas as comunidades indgenas, pois

    interfere numa questo de respeitar o que diz o prprio plano de educao sobre uma viso

    amplamente ligada lngua, cultura e diversidade nas escolas e terras indgenas. (ibid., p.36).

    Nesta tica, se realmente as polticas lingusticas fossem mais enfticas em suas

    propostas de realizar a planificao lingustica, incluindo a criao de escolas bilngues e de

    legislaes especficas para as questes referentes s lnguas, o indivduo indgena surdo

    poderia ter seus direitos lingusticos assegurados.

    Neste sentido resgata-se o Referencial Curricular Nacional para Escolas Indgenas

    (1998) , o qual menciona que:

    [...] as tradies culturais, os conhecimentos acumulados, a educao das geraes

    mais novas, as crenas, o pensamento e a prtica religiosa, as representaes

    simblicas, a organizao poltica, os projetos de futuro, enfim, a reproduo

    sociocultural das sociedades indgenas so, na maioria dos casos, manifestaes

    atravs do uso de uma lngua. Mesmo os povos indgenas que so hoje monolngues

    em lngua portuguesa continuam a usar a lngua de seus ancestrais como um smbolo

    poderoso para onde confluem muitos de seus traos identificatrios, construindo

    assim um quadro de bilinguismo simblico importante. [grifo nosso].

    Ou seja, assim como para o surdo urbano brasileiro reconhecida legalmente sua

    lngua natural - Libras e a Lngua Portuguesa como segunda lngua -L2, para o indgena surdo

    deveria ser assegurado o mesmo direito para aprender esta forma de comunicao Lngua de

    Sinais como primeira lngua e como segunda lngua a Lngua de sua etnia na modalidade

  • 33

    escrita. Sendo, portanto bilngue, ou ainda trilngue com aquisio da Lngua Portuguesa,

    tambm na modalidade escrita.

    Nesta perspectiva, observa-se que S (2011, p.33) afirma que tanto indgenas como

    surdos tm uma lngua prpria e uma cultura diferenciada. Ento, porque no ser reconhecida

    legalmente a Lngua de Sinais utilizada pelos ndios surdos e a Lngua de sua comunidade?

    Como bem percebido por Vilhalva h a carncia de pesquisas voltadas para o registro de

    lngua de sinais entre os ndios surdos brasileiros o que certamente constitui-se em um dos

    fatores que favorecem a existncia desta lacuna na legislao. E que tal fato deveria ser um

    despertar para pesquisadores da lingustica sejam ouvintes ou surdos.

  • 34

    2 A HISTRIA DO POVO INDGENA SATER-MAW, CULTURA E LNGUA

    Os povos indgenas, durante muito tempo, foram considerados como povos sem

    histria e sem uma lngua prpria. Porm, com as muitas lutas tnicas, com estudos

    antropolgicos e com as abordagens historiogrficas, iniciou-se uma valorizao da

    sociedade indgena, passando, assim o povo indgena a ser perspectivado nas suas

    singularidades histricas, culturais e lingusticas.

    Vale ressaltar que quando se refere a lnguas, sabe-se que no h apenas uma lngua

    indgena. Existem muitos povos ou etnias indgenas distintas. As lnguas indgenas no Brasil

    se agrupam em famlias lingusticas, ou seja, famlias que tm semelhanas entre si e que so

    agrupadas, por sua vez, em troncos lingusticos, assim, como as lnguas isoladas12

    , ou seja,

    lnguas que no parecem ter parentesco com nenhuma das famlias lingusticas conhecidas.

    Segundo Rodrigues (2002), as famlias indgenas esto agrupadas em: Tronco

    Lingustico Tupi: famlia Tupi-Guarani (Akwwa, Amanay, Anamb, Apiak, Arawet,

    Asurini, Av, Guaj, Guarani, Kamayur, Kayabi, Sury, Kaiw); famlia Munduruku

    (Kuruya, Munduruk); Famlia Tupari (Makurp, Tupari, Wayor); Famlia Arikm

    (Karitina); Famlia Juruna (Juruna); Famlia Mond (Aru, Cinta-Larga, Gavio Mekm,

    Mond, Suru, Zor); Famlia Ramarma (Arra, Itoqapuk); Outras Lnguas (Aweti,

    Purubor, Sater-Maw), entre outros troncos lingusticos como Macro-J e sua diversidade

    de famlias existentes, entre elas as lnguas isoladas.

    Um desses povos indgenas foi o da etnia Sater-Maw. Estes sofreram muitas

    influncias em seu modo de vida advinda do contato com grupos no indigenas, que implicou

    no processo de perda de muitos dos seus aspectos culturais. A histria relata que o contato se

    deu pela chegada dos colonizadores e posteriormente das misses religiosas. E na atualidade

    por ocupantes de terras como fazendeiros, madeireiros emigrantes de outros Estados. Foram

    perdas irreparveis, todavia, como elo de resistncia procuraram sustentar, em sua estrutura

    original, sua lngua.

    12

    Segundo Rodrigues (2002, p.93) lnguas isoladas, refere-se as lnguas isoladas linguisticamente, ou seja

    lnguas que no revelam parentesco gentico com nenhuma outra. No pertencem a nenhuma famlia (ou tronco),

    isto constituem famlias de um s membro.

  • 35

    2.1 Breve Relato Histrico

    A histria do povo indgena Sater-Maw tem sido foco de estudos dos diversos

    segmentos de pesquisas, como as realizadas por antroplogos, historiadores, religiosos e

    cientistas da linguagem. Estes relatam a origem, a lngua e a cultura desse povo.

    Ugg (1993, p. 5) informa que Os Maus descendentes das tribos indgenas

    denominadas no passado pelo nome de ANDIR e MARAGU que faz parte da rea cultural

    Tapajs-Madeira entre a divisa dos atuais Estados do Par e Amazonas. O autor, ainda

    menciona que cronistas, exploradores, missionrios, antroplogos naturalistas do passado

    identificaram os Maus tambm com outros nomes (Maooz, Mabu, Jaquezes, Manguases,

    Mahus, Mauris, Maw, Maragua e Maraguazes).

    A origem do nome Sater-Maw advem dos termos Sater (lagarta vermelha) que o

    nome do cl dos antigos chefes e Maw (papagaio inteligente, guerreiro e curioso) que o

    nome mais comum de um dos grupos tribais que conseguiram sobreviver extino das

    numerosas tribos indgenas da ilha Tupinambarana do Mdio Amazonas. (IDEM). Cerqua13

    faz referncia primeira notcia sobre o povo Sater-Maw. por volta de 1669, quando o

    Pe. Betendorf, duas vezes superior provincial dos jesutas, lembra a vila dos Maguases,

    grafia antiga de Maus [...]. (1980, p. 209). ou seja, Maus foi residncia missionria, mas

    no permanente dos padres, pois os mesmos residiam mais em Tupinambarana (rio

    Amazonas) atual Parintins e visitavam Maus temporariamente.

    A etnia Sater-Maw sofreu muitas mudanas de localidades, devido muitos fatores

    que contriburam para o deslocamento desse povo, segundo explica Lorez apud Teixeira

    (2005, p.21)

    Devido s guerras com os Munduruku e Parintintim e ao contato com os

    portugueses, os Sater-Maw perderam grande parte de seu territrio original. Em

    1691, os Maw surgem na cartografia regional com o nome de Mabu(mapa do

    Padre Samuel Fritz). Misses foram localizadas para os ndios Magu, denominadas

    So Joo (Pinhel) e Santo Incio (Boim). Posteriormente, em 1835, lutando ao lado

    dos Munduruku e dos Mura, como tambm de outras tribos indgenas do rio Negro,

    os Sater-Maw aderiram ao movimento cabano, at que, em 1839, o conflito foi

    debelado. Devido s epidemias, s lutas e s perseguies aos povos indgenas que

    combatiam ao lado dos cabanos, enormes reas da Amaznia foram devastadas, o

    que provocou deslocamentos desses grupos populacionais de seus territrios

    ancestrais e de populao. Segundo relatos de viajantes, desde o sculo XVIII o

    territrio dos Sater-Maw vem sendo, paulatinamente, reduzido. Essa reduo se

    deu a partir das tropas de resgate que penetraram grandes reas da Amaznia; da

    implantao de misses jesutas e carmelitas ao longo dos principais rios

    13

    Dom Arcngelo, Bispo Prelado de Parintins de 1980.

  • 36

    amaznicos; da busca desenfreada das drogas do serto; com a explorao da

    borracha durante o sculo XIX e incio do XX; e, por fim, da expanso econmica

    das cidades de Maus, Barreirinha, Parintins e Itaituba para o interior dos

    municpios, alocando fazendas, extraindo pau-rosa, abrindo garimpos, dominando a

    economia indgena atravs de regates. As cidades de Maus, Parintins e Itaituba,

    inclusive, foram fundadas sobre restos de malocas dos Sater-Maw.

    Cerqua (1980, p.265) destaca a localizao dessa tribo delimitando que A tribo est

    localizada em sua maioria no Alto Andir e no Marau, afluente do Rio Maus; e sua rea de

    cerca de 639.500 ha, foi demarcada pelo Decreto n 76.999. Atualmente, segundo Teixeira

    (apud ALVAREZ, 2009) os Sater-Maw hoje so grupos de 8.500 indgenas dos quais 7.502

    moram na terra indgena Andir-Marau, nos municpios de Barreirinha, Maus e Parintins e

    aproximadamente mil residem em reas urbanas destes municpios. Sendo que outro grupo

    vive na terra indgena Coat-Laranjal, junto ao grupo Munduruku, e no municpio de Borba.

    Ugg (1993) comenta que os Sater-Maw sempre tiveram vontade de manter a

    prpria identidade tribal, contudo eram carentes de apoio prtico para ajud-los a enfrentar o

    perigo do mundo moderno que tentavam invadi-los. Ou seja, manipulaes externas entre a

    liderana indgenas dos Sater-Maw, o alcoolismo, a dependncia, a violncia dos brancos

    eram os maiores perigos para este povo Sater-Maw.

    Porm, o foco de resistncia manteve vivo no povo Sater, aspectos culturais

    importantes como o ritual da tucandeira. O ritual um marco na vida dos homens, porque so

    chamados pela formiga (tucandeira), caso o indgena no atenda o chamado, a formiga o

    levar a loucura at chegar morte. A tucandeira uma divindade muito respeitada pelos

    Sater-Maw. Em determinado momento da histria do povo Sater-Maw o ritual da

    tucandeira chegou ao ponto de no ser mais praticado em decorrncia da imposio religiosa,

    mas, aps perceberam a grande perda cultural que isso representaria, voltaram a pratic-lo a

    recuperando como parte de sua cultura.

    2.2 Classificao da lngua Sater-Maw

    Segundo Teixeira (2005), a anlise da situao lingustica do povo Sater-Maw

    baseia-se na concepo defendida por antroplogos e linguistas, que a lngua se configura

    como um importante instrumento da cultura e da identidade de uma populao.

    A populao indgena Sater-Maw pertence vrios aspectos famlia Lingustica

    Tupi. Rodrigues (apud ALVAREZ, 2009, p.17) aborda que a lngua da tribo Sater-Maw a

  • 37

    nica lngua de uma famlia do tronco Tupi. E sua classificao lingustica como pertencente

    ao tronco Tupi foi dada pelo etngrafo Curt Nimuendaj (1948)

    A lngua Sater-Maw integra o tronco lingustico Tupi. Segundo o etngrafo Curt

    Nimuendaj (1948), ela difere do Guarani-Tupinamb. Os pronomes concordam

    perfeitamente com a lngua Curuaya-Munduruku, e a gramtica, ao que tudo indica,

    tupi. O vocabulrio Maw contm elementos completamente estranhos ao Tupi,

    mas no pode ser relacionada a nenhuma outra famlia lingustica. Desde o sculo

    XVIII, seu repertrio incorporou numerosas palavras da lngua geral.

    Os homens atualmente so bilngues, falando o Sater-Maw e o portugus, mas a

    maioria das mulheres, apesar de trs sculos de contato com os brancos, s fala a

    lngua Sater-Maw. (TEIXEIRA, 2005, p.95).

    A lngua Sater-Maw falada tradicionalmente por quase todas as comunidades h

    mais de 300 anos, entretanto foi inevitvel para os indgenas Sater-Maw conhecer os

    hbitos e a lngua portuguesa devido invaso dos europeus em suas terras no sculo passado,

    o que causou a mistura de lnguas e consequentemente as influncias dos padres culturais

    no indgenas.

    Os Sater-Maw foram ento forados a se refugiarem nas zonas urbanas e at mesmo

    em outros estados. Outro impacto que alterou o modo de falar dos lderes indgenas foi a

    necessidade de buscar apoio logstico para suas comunidades, principalmente para tratar da

    sade de sua populao que sofria de doenas como malria, tuberculose, sarampo e outras,

    por eles desconhecidas, que causaram muitas mortes.

    Desta forma, com o passar dos anos, a lngua Sater-Maw sofreu influncias lexicais

    e fonolgicas do Nheengatu na regio do Andir. Pesquisas realizadas, recentemente por

    Teixeira (2005), delimitam um perfil lingustico que permite conhecer um pouco mais da

    cultura lingustica Sater-Maw, sendo esta considerada por meio da distribuio geogrfica e

    etria dos que falam e no falam o idioma Sater-Maw. Desta feita, segundo o autor:

    O idioma Sater-Maw mais falado na rea do Marau que nas demais (Andir

    Uaicurap e Koat-Laranjal). Tanto na rea do Andir como no Marau, o idioma

    materno falado por praticamente todas as comunidades situadas prximo s

    cabeceira dos rios (Alto Andir e Alto Marau). Para as reas mais prximas das

    cidades, os falantes atingem a quase totalidade dos moradores do Baixo Marau. J

    no baixo Andir, esse nmero aumenta bastante nas duas comunidades mais

    prximas de Parintins e Barreirinha, ou seja, Ponta Alegre e Guaranatuba. As reas

    de povoamento mais recente (Uaicurap, Koat-Laranjal e mais duas no Andir) tm

    tendncia a apresentar propores menores de falantes do idioma Sater-Maw.

    (ibid., p.95)

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    O autor esclarece que moradores em terras indgenas so mais falantes da Lngua

    Sater-Maw do que os que moram prximo ou dentro da rea urbana. A pesquisa, ainda

    mostra necessidade de sensibilizar a comunidade indgena Maw, sobre a importncia da

    valorizao de sua lngua, recuperao de suas memrias histricas e a reafirmao de suas

    identidades tnicas.

    2.2.1 Contexto educacional escolar entre os Sater-Maw

    O contexto educacional Sater-Maw tem como base o reconhecimento constitucional

    fundamentado na legislao em vigor segundo a qual so reconhecidos aos ndios sua

    organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies [...]

    Por isso, fundamentos gerais da educao escolar indgena baseiam-se na proposta do

    Referencial Curricular Nacional para Escolas Indgenas (1998) que contempla:

    Multietnicidade, pluralidade e diversidade; 2. Educao e conhecimentos indgenas; 3.

    Autodeterminao; 4. Comunidade educativa indgena; 5. Educao intercultural,

    comunitria, especfica e diferenciada. Assim,

    Parte do sistema nacional de educao, a escola indgena um direito que deve ser

    assegurado por uma nova poltica pblica a ser construda atenta e respeitosa frente

    ao patrimnio lingustico, cultural e intelectual dos povos indgenas. Esse esforo

    de projetar uma nova educao escolar indgena s ser realmente concretizado com

    a participao direta com os principais interessados os povos indgenas, atravs de

    suas comunidades educativas [...]. A participao da comunidade no processo

    pedaggico da escola, fundamentalmente na definio dos objetivos, dos contedos

    curriculares e no exerccio das prticas metodolgicas assume papel necessrio para

    a efetividade de uma educao especifica e diferenciada. (ibid., p24)

    Porm, para que de fato seja garantida uma educao diferenciada, no suficiente

    que somente os contedos sejam ensinados atravs do uso das lnguas maternas, mas se faz

    necessrio que se incluam os contedos curriculares propriamente indgenas, assim como os

    modos prprios de transmisso deste saber. Em pesquisa realizada pela revista Amaznia

    (AMAZONAS, 2000), intitulada como A silenciosa revoluo dos ndios o povo Sater-

    Maw foi considerada um dos melhores exemplos para se falar em educao indgena. Tal

    afirmao foi proferida pelo antroplogo Ademir Ramos (professor da Universidade do

    Estado do Amazonas). Segundo o entrevistado, a Constituio Federal de 1988 mudou a

    postura em relao aos ndios, estabelecendo um processo de educao diferenciada, que

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    fomenta o orgulho