Mascaras da psique - Mel Roschini

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101. INTRODUÇÃOEstaremos começando uma linda viagem pelo mundo da mitologia, onde e Dionísio inicia os ritos dos primeiros momentos do teatro. Criando assim a beleza da lenda das duas mascaras. A Comedia e a tragédia.112. O COMEÇO2.1 Festas DionÍsIcas em Atenas As festas Dionisíacas em Atenas; suas alegrias e tristezas; Antagonismo entre Dionísio e Apolo; A lira e a flauta; A tragédia e a comedia. Deus do vinho e da vegetação, que mostrou aos mortais como cultivar as videiras e fazer vi

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1. INTRODUOEstaremos comeando uma linda viagem pelo mundo da mitologia, onde e Dionsio inicia os ritos dos primeiros momentos do teatro. Criando assim a beleza da lenda das duas mascaras. A Comedia e a tragdia.

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2. O COMEO2.1 Festas DionsIcas em Atenas As festas Dionisacas em Atenas; suas alegrias e tristezas; Antagonismo entre Dionsio e Apolo; A lira e a flauta; A tragdia e a comedia. Deus do vinho e da vegetao, que mostrou aos mortais como cultivar as videiras e fazer vinho. Filho de Zeus, Dioniso normalmente caracterizado de duas maneiras. Como o deus da vegetao - especificamente das rvores frutferas - ele freqentemente representado em vasos bebendo em um chifre e com ramos de videira. Ele eventualmente tornou-se o popular deus do vinho e da alegria, e milagres do vinho eram reputadamente representados em certos festivais de teatro em sua homenagem.

Figura 1: Dionsio.Fonte: O TEATRO GREGO, 2009.

A Grcia me gloriosa de toda arte e toda beleza inventou o teatro.

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O primeiro germe foi sem duvida, o instinto inato de imitao que faz a criana simular os atos dos adultos. O homem experimentou desde sempre, a necessidade de idealizar e parodiar sua prpria existncia, de repeti-la por meio de sonho e da fico. nas danas primitivas que se delineia o drama Helnico. Roda de camponeses volteando pelas colinas imitando o rumo das estrelas. A Ilada e a odissia esto cheia de cenas prontas para serem destacadas do relato e ganhar vida prpria. A epopia encerra a tragdia e a comdia, dois frutos gmeos que ouvimos gemer em seu amplo ventre. Penetramos no circulo mgico onde o teatro opera suas evocaes, sem nos darmos conta do prodgio que ele realizou. A iniciativa do gnio Grego em estado normal e o raio fecundante do esprito ativo no seriam suficientes para uma criao to extraordinria. Foi necessrio para isso uma influencia suprema, um fulgor divino, um orvalho do alto, uma fermentao carregada de todos os ardores da alma, de todas as energias da vida: Em suma, a interveno e a ao de um Deus. 2.2 Dionsio Dionsio chegou tarde: retardatrio no banquete da grande famlia do Olmpio. Apareceu ali como prncipe brio que se faz esperar no banquete ao qual foi convidado. Mas ainda assim nenhum olmpico o supera em nobreza divina. Dionsio vem de um lar ariano; nasceu do suco da soma, a planta fermentada, o vinho da sia. Gerado num copo como convinha ao seu destino, personifica a libao ( o ato de derramar gua, vinho, sangue ou outros lquidos com finalidade religiosa ou ritual, em honra a um Deus ou divindade) dos sacrifcios mesclados ao fogo. Dionsio se revela desde o comeo, um defensor dos fracos e dos oprimidos. Os homens da floresta e das montanhas so seus companheiros favoritos. Suas festas eram todas de carter campesino e popular. Passeava-se, primeiro vinha sua estatua grosseira, depois um odre enfeitado de parras; um bode marchava solenemente atrs carregado com um cesto de figos maduros; uma escrava balanava inocentemente um falo que fechava o cortejo. Nessa poca Atenas celebrava em honra do Deus cerimnias magnficas.

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Dionsio filho de Zeus e de Smele, princesa de Tebas, porm mortal. A esposa imortal de Zeus, Hera enfurecida com a infidelidade do marido, disfarou-se de ama e encontrou-se com Smele, ainda grvida, e a persuadiu a pedir ao marido que se mostrasse em todo o seu esplendor e gloria divina. Zeus que havia prometido cumprir todas as suas vontades, assim o fez, Smele no suportando a viso do Deus circundado de clares tombou fulminada. Zeus apressou-se ento a retirar a criana e ordenou que Hermes o costurasse em sua coxa. Assim ao terminar a gestao Dionsio nasceu vivo e perfeito, sendo chamado de Dionsio o nascido duas vezes.

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3. O TEATRO GREGONo comeo, o teatro grego no era apenas uma narrao dramtica, era um rito religioso em honra a Dionsio. Os teatros eram auditrios ao ar livre. hora do incio do espetculo era o amanhecer. Muitas vezes os cidados assistiam a trs tragdias, uma tragicomdia e uma comdia. O teatro era considerado parte da educao de um grego. Em Atenas, o comrcio era suspenso durante os festivais dramticos. Os tribunais fechavam e os presos eram soltos da cadeia. O preo da entrada era dispensado para quem no pudesse pagar, e at as mulheres, que no podiam participar de quase todos os acontecimentos pblicos, eram bem recebidas no teatro. A palavra teatro define tanto o prdio onde podem se apresentar vrias formas de artes quanto uma determinada forma de arte. O vocbulo grego Thatron estabelece o lugar fsico do espectador, "lugar onde se v". Entretanto o teatro tambm o lugar onde acontece o drama frente aos espectadores, complemento real e imaginrio que acontece no local de representao. Ele surgiu, supe-se, na Grcia antiga, no sculo IV a.C. Toda reflexo que tenha o drama como objeto precisa se apoiar numa trade teatral: quem v, o que se v, e o imaginado. O teatro um fenmeno que existe nos espaos do presente e do imaginrio, e nos tempos individuais e coletivos que se formam neste espao. O teatro uma arte em que um ator, ou conjunto de atores, interpreta uma histria ou atividades, com auxlio de dramaturgos, diretores e tcnicos, que tm como objetivo apresentar uma situao e despertar sentimentos no pblico. No seu nascimento o teatro traduziu os maiores interesses da comunidade de ento, a ponto de dizer Plato que o regime de governo dominante era o da teatrocracia, de todas as realizaes a que se tem revestido de maior grandeza e durabilidade nos fluxos e refluxos do quadro de valores da criao humanos.

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Figura 2: Teatro de Dionsio.Fonte: Fonte: O TEATRO GREGO, 2009.

Theatron: o auditrio propriamente dito. Orchestra: local onde o coro cantava e danava. Eisodos: os dois acessos laterais para o coro entrar e sair de cena Skene: palco onde os atores atuavam. Mechan: grua ou guindaste para elevar atores.

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Figura 3: Teatro de Dionsio hoje.Fonte: Fonte: O TEATRO GREGO, 2009.

Figura 4: O teatro Dinsico hoje.Fonte: Fonte: O TEATRO GREGO, 2009.

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4. ORIGEM DA TRAGDIA GREGADuas formas do drama grego, a comdia e a tragdia, acabaram por dominar o teatro Dionisaco, embora as outras formas dramticas no tivessem morrido. Em Atenas, dois festivais eram dedicados todos os anos comdia e tragdia. O festival Dionisaco da cidade, em maro-abril, concentrava-se na tragdia. O festival Lneo, que tinha esse nome devido ao ms grego (janeiro-fevereiro), tradicionalmente reservado para a celebrao de casamento, era dedicado principalmente comdia. Segundo o depoimento de Aristteles, na sua potica, teve a tragdia as suas origens no ditirambo do grego dithrambos, pelo latim dithyrambu era um canto coral de carter apaixonado (alegre e sombrio), constitudo de uma parte narrativa, recitada pelo cantor principal, ou corifeu, e de outra propriamente coral, executada por personagens vestidos de faunos e stiros, considerados companheiros do Deus Dionsio, em honra do qual se prestava essa homenagem ritualstica. No mesmo modo que as comdias nos contos flicos, chegando um dia, de transformaes em transformaes, s formas que posteriormente se fixaram. Os ditirambos precediam os cantos flicos de um culto a procriao, que se fundiam posteriormente aos mimos e representaes satricas, usadas sobretudo em Sicione e se associaram tambm aos festejos do proprio culto dionisaco. Atribui Aristteles a Homero os fundamentos da primeira construo literria digamos assim de uma comdia com o poema Margites (poema cmico a respeito de um heri trapalho; a Batracomiomaquia, pardia burlesca da Ilada que relata uma guerra fantstica entre ratos e rs, e os hinos homricos), que se perdeu para a posteridade e descobre analogias com as tragdias nos poemas picos Ilada e Odissia. Tspis, foi ele quem acrescentou o primeiro ator nas exibies dos ditirambos, tirando-lhes desse modo a feio de pura narrativa contada pelo coro, a qual foi sendo substituida pelo dialogo de acontecimentos vividos no momento. Foi ele tambm que introduziu o uso da mascara em vez de faces pintadas at ento em uso, possibilitando no somente a melhor caracterizao da figura como a rapida mudana dos caracteres.

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Tornou-se portanto possivel, com as suas invocaes a verdadeira ao dramatica ao mesmo tempo em que eram criados os personagens. Recebeu censuras e condenaes , principalmente de Solon, por pretender personificar Deuses e reis. Nesta poca , o ator era chamado de hipocrits, ou seja, fingidor ou "respondedor." Tspis de tica teve a ousadia de pr um homem a dialogar com o coro, imputando-lhe assim a inveno do teatro, dando origem ao dilogo. A esse ator era dado o nome de protagonista, termo que ainda hoje se usa para designar o personagem principal de uma fico dramtica. No decurso das suas perambulaes de uma festividade para outra, chegou a Atenas vencendo o festival em honra de Dioniso denominado a Grande Dionisaca. Tspis criou o conceito de "monlogo" ao apresentar-se na Grande Dionisaca da Grcia Antiga, no Sculo V a.C. em Atenas, munido de mscara e vestindo uma tnica, interpretando o Deus Dionsio, destacando-se do coro, sobre a sua carroa ("carro de Tspis"). Tal atitude era uma grande ousadia j que esse papel estava reservado aos sacerdotes ou aos reis. Tinha passado por cima da autoridade do arconte, o legislador, e criara um argumento artstico dentro de uma apresentao litrgica politesta, criando o papel do protagonista em um movimento que futuramente ficaria conhecido como Tragdia Grega. Teria tambm criado o segundo-ator, ou o que mais tarde squilo chamaria de deuteragonista, ao interpretar de uma s vez dois personagens distintos, usando para isso, duas mscaras, uma no rosto e outra na nuca. Ao que parece representava textos moralistas que criticavam o comportamento humano. No se sabe se verdade ou no, mas tambm se diz que introduziu as mscaras e os fatos no teatro, se bem que essa honra seja tambm atribuda a squilo. Deuteragonista o ator que desempenha um papel secundrio, de acordo com a tradio dramtica da tragdia grega. Ao ator que desempenhava o papel principal chamava-se protagonista. De acordo com a Potica de Aristteles, foi squilo quem introduziu o segundo ator ou deuteragonista. Mais tarde Sfocles introduzir o terceiro, o tritagonista, tornando o dilogo a parte mais importante. O fato de existirem apenas dois ou trs atores no impedia que o nmero de personagens intervenientes ficasse

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limitado, pois um ator podia desempenhar vrios papis. Os atores principais eram os responsveis pela seleo dos deuteragonistas e tritagonistas. 4.1 Representaes cnicas na Grcia antiga e clssica Era apresentado num espao circular que continha o altar de Dionsio, chamado de orquestra, onde o coro cantava e danava e os atores representavam eram no incio muito simples; o pblico sentava-se em degraus de pedra em volta da orquestra. As apresentaes tinham lugar durante o dia, ao ar livre. Uma notvel tradio teatral cresceu em Atenas, onde tanto comdias quanto tragdias eram freqentemente representadas nos ritos religiosos do festival de Dionsio. Os poetas apresentavam trs tragdias (geralmente sobre temas diferentes) e uma pea satrica, mais leve. Ofereciam-se prmios ao melhor poeta e o vitorioso recebia uma coroa de hera. Os relatos iniciais so obscuros, mas conta-se que o poeta tico Tspis (c.534 a.C.) deu o passo decisivo ao colocar em cena um ator cujo papel era conduzir o dilogo com o coro. O ateniense squilo teria introduzido o segundo ator e Sfocles, o terceiro. Na comdia 'antiga' (por volta do sculo V a.C.), que s pode ser analisada atravs da obra de Aristfanes, constituda por pardias polticas, literrias e filosficas intercaladas com stiras pessoais, o coro volta a ter um papel importante. Depois do perodo de transio da comdia (c.400-320 a.C.) chega-se comdia 'nova', que tem incio no final do sculo IV a.C., j ento com caractersticas mais definidas graas pea de Menandro (c.342-290 a.C.) O Homem Mal-Humorado, descoberta no sculo XX. 4.2 O ncleo da tragdia Os elementos bsicos da tragdia eram: a) Coro: composto por doze ou quinze elementos, os coreutas. Aps entrarem na orquestra, a rea de dana no teatro, cantam e danam nesse espao. Estes danarinos-cantores eram em geral homens jovens que estavam a ponto de entrar para o servio militar aps alguns anos de treinamento. No eram, portanto profissionais do teatro e da a importncia do tragedigrafo tambm como ensaiador do coro, muito embora os atenienses desde crianas fossem ensinados a cantar e danar.

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Figura 5: Cena representando uma parte do coro.Fonte: MITOLOGIA GREGA, 2008.

O coro trgico quase no participa da ao, limintando-se apenas a coment-la e expressando compaixo ou outros sentimentos pelos personagens. Algumas vezes tambm destaca o sentido religioso da ao e a interc-la com preces. Por outro lado, simboliza o grupo cidade ou exrcito cuja sorte est ligada aos personagens. Os movimentos do coro possivelmente eram usados tambm artisticamente pelo tragedigrafo, que era ao mesmo tempo coregrafo, para mostrar ao pblico as flutuaes de relaes de poder e as interaes entre os caracteres. De todos os elementos do teatro grego, o coro sem dvida o mais estranho para o pblico moderno. Foi na verdade o ncleo inicial do teatro grego, embora se perceba que sua funo se enfraquece aos poucos durante todo o sc. V a.C. e seguinte, na exata medida em que os atores no palco tornam-se cada vez mais o centro da ao. Na evoluo do teatro ocidental se transformara posteriormente em mero interldio musical entre os atos e finalmente desaparecer, sendo ressuscitado modernamente pela pera e sua descendente, a comdia musical.

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b) Corifeu: um membro destacado do coro que pode cantar sozinho. Em geral tem trs tipos de funes principais: i) exortar o coro ao, a comear o canto; ii) antecipar, ou resumir, as palavras do coro; iii) representar o coro, dialogando com os atores. c) Atores: representam Deuses ou heris. So em nmero muito reduzido. Na verdade, pode-se dizer que o teatro surge quando Tspis cria a figura do ator e ele passa a dialogar com o coro. Seu nmero sobe para dois e em seguida trs, mantendo-se nesse patamar, mas podemos observar que a estruturao dos dilogos nas tragdias tende a se concentrar em dois atores apenas, sendo raras as cenas que apresentam um verdadeiro dilogo a trs. no dilogo entre atores que se concentra quase a totalidade da ao dramtica. Os trs atores tinham nomes que revelam uma relao hierrquica: i) ii) iii) protagonista: primeiro ator; deuteragonista: segundo ator; tritagonista: terceiro ator. Uma questo interessante o fato de existirem vrios personagens infantis nas tragdias sobreviventes. Na verdade no se sabe com certeza se esses personagens eram interpretados por adultos ou crianas, mas uma pesquisadora, Emma Griffiths, da Universidade de Bristol, aponta que os movimentos desses personagens em geral so orientados por deixas de outros atores, exatamente como se o autor estivesse procurando meios para evitar as dificuldades inerentes ao se trabalhar com crianas. 4.3 Estrutura formal da tragdia grega Examinar a tragdia grega do ponto de vista da sua forma, quer na sua diviso em partes principais, quer na ocorrncia de cenas tpicas, quer na sua estrutura mtrica. Antes de proceder exposio da tragdia enquanto uma estrutura formal, seria bom ressaltar que essa estrutura surge das peas que chegaram at o pblico e portanto a anlise se ressente da maioria das tragdias que foram encenadas de fato em Atenas e das quais se obteve apenas informaes indiretas. Portanto extremamente problemtica a proposio de uma estrutura

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geral que desse conta de todos os fenmenos observveis. Exatamente por esse motivo que h discordncias entre os especialistas em como analisar formalmente tragdias concretas. Por outro lado, essa uma estrutura puramente abstrata. Nem sempre todos os seus elementos sero encontrveis em todas as tragdias conhecidas. Trata-se mais de um repertrio de recursos formais que ou j estavam disposio dos principais autores trgicos ou eles mesmos os criaram. extremamente importante recordar o aspecto criativo e inovador dos autores trgicos. Diferentemente da idia que uma leitura equivocada da Potica de Aristteles, disseminou desde o Renascimento, no havia uma norma que no podia ser quebrada. O compromisso dos tragedigrafos, como se disse antes, era vencer a competio agradando seu pblico e para isso usavam tanto o recurso da tradio quanto o da inovao. 4.4 As partes principais da tragdia a) Prlogo: a primeira cena antes da entrada do coro, ou antes, da primeira interveno do coro. Trata-se de uma narrativa preliminar que visava introduzir o tema. Pode estar ou no presente. Os dramas antigos (sc. VI a.C.) e alguns de squilo comeavam sem prlogo. Por exemplo, Os Persas, As Suplicantes. No entanto, depois d'As Suplicantes no h nenhum outro exemplo de introduo puramente musical nas tragdias, como deveria ser em seu princpio. Tipos de Prlogo: i) Com apenas um ator, na forma de solilquio ou monlogo: e, por exemplo, Agammnon, onde o solilquio do vigia, que durante a noite espera o sinal da vitria em Tria, antecipa tanto as circunstncias da comdia como o prprio clima ansioso e opressivo da tragdia. ii) Com mais de um ator: cena aberta com dilogo e ao. Por exemplo, Prometeu Acorrentado, onde a pea abre pelo encadeamento de Prometeu por Hefesto, Poder e Violcia e onde se situa a pea espacialmente e nas suas circunstncias. Tambm em Media ocorre esse tipo de prlogo com mais ao, no caso, atravs do dilogo entre a ama e o preceptor.

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b) Prodo: Inicialmente era a entrada do coro cantando e danando na orquestra, o espao cnico em frente e abaixo do palco. Por exemplo, As Coforas. Pode ser tambm a primeira ode do coro, pois este j estaria presente, em silncio, desde o incio da pea, mas raro. Por exemplo, As Eumnides. Pode ser executado: i) ii) iii) Por todo o coro, o caso mais freqente; ex.: Agammnon; Por dois semi-coros em sucesso; ex: Suplicantes de Eurpides; Pelos membros individuais do coro em falas rpidas, ex.: Eumnides.

Em lugar de um prodo cantado exclusivamente pelo coro, encontrou-se em vrios dramas um "dilogo lrico", isto , musical, entre coro e atores. Por exemplo, no Prometeu Acorrentado de squilo. Em outros autores tambm se observou esta escolha: Sfocles: Electra, Filoctetes e dipo em Colono; Eurpides: Reso, Media, Troianas, Hracles, Helena, Electra, e Ifignia em Tauris. Mais a frente ver com mais detalhes o que era o "dilogo lrico". Depois de sua entrada, o coro, em geral, fica presente durante toda a pea. So poucos os casos de sada de cena. Apenas nas Eumnides, jax, Helena, Alceste e Reso. O canto de retorno a orquestra chamado epiprodo. c) Episdios ou partes: So cenas no palco, entre os cantos corais, sejam estsimos ou dilogos lricos, em que participa no mnimo um ator. Podiam variar muito de tamanho e importncia. Alm dos atores podem participar figurantes tambm. O figurante distingue-se do ator por no possuir falas. Podem ocorrer dilogos de tipo atorcorifeu ou ator-ator em que predominam as narrativas. Os solilquios, diferentemente do teatro posterior, so pouco freqentes, pois o coro em geral est sempre presente depois do prodo. Um exemplo de solilquio durante um episdio encontrou-se em jax, de Sfocles. Em geral as falas dos atores durante os episdios so recitadas, no cantadas. Em certos momentos, porm, as personagens podem ser levadas por suas paixes a uma performance musical, cantada. As partes cantadas nas

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tragdias podem ser percebidas pelas mudanas da mtrica do verso em grego. Em tradues em geral so imperceptveis. A performance musical dos atores podia se dar de duas maneiras: 1 Com o coro, esses so os chamados "dilogos lricos ou musicais", em cenas de profunda emoo. O "dilogo lrico" pode apresentar uma grande variedade de estrutura. quanto ao nmero de atores: 1 ator + coro: so em geral os mais antigos, em especial em squilo, por exemplo no 1 estsimo d'Os Persas, onde ocorre um dilogo lrico entre o mensageiro e o coro; 2 ou 3 atores + coro, por exemplo, Coforas, jax quanto a extenso da parte cantada; Dilogo lrico-epirremtico: o coro canta, mas o ator recita. o mais comum em squilo; Dilogo lrico propriamente dito: coro e atores cantam. o mais comum em Sfocles e Eurpides. 2 Sozinhos ("stage lirics"), na forma de solos ("monodias"), duetos, etc. Com a diminuio do papel do coro aumentou seu espao no drama, havendo uma transferncia do interesse da "orquestra" para o palco quanto ao nmero de atores: 1 ator: "monodias" (= solos). uma das mais salientes caractersticas nas cenas de violenta paixo de Eurpides; 2 ou mais atores: dilogos musicais entre 2 ("duetos") ou 3 atores. Tambm muito freqentes em Eurpides. quanto extenso da parte cantada; Completamente musicais; Parcialmente musicais, um ator canta e o outro responde recitando. O coro pode tambm fazer uma interveno musical isolada dentro de um episdio, mas no se sabe se o coro inteiro cantava ou apenas uma parte dele. Por exemplo: Prometeu Acorrentado, 4 episdio. Nestes casos a extenso do coro pequena dentro do episdio. O nmero dos episdios no era fixo, variava de quatro (ex.: Persas) a sete (ex.: dipo em Colono), mas freqentemente eram cinco.

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d) Estsimos: Eram os cantos e danas do coro na "orquestra" que separam os episdios, marcando pausas na ao. Seu nmero varivel, de dois a cinco, em geral. A "dana" podia se restringir a uma gesticulao enftica e era de carter grave e trgico. s vezes o coro podia apresentar um canto e dana mais vivaz, o hiprquema, em geral colocado antes da cena de catstrofe, para intensific-la. Em lugar do estsimo cantado exclusivamente pelo coro poderiam ocorrer "dilogos lricos" com atores, como definidos acima no caso do prodo. No final de um episdio muito comum a sada de atores para a skene, de forma a trocar de roupas e mscaras durante o estsimo, aproveitando esta pausa na ao. e) xodo: Inicialmente, como indica o seu nome, era simplesmente a sada do coro cantando e danando ao final da pea, como por exemplo, nAs Suplicantes e nAs Eumnides. Posteriormente, com a diminuio gradual do papel do coro, passou a ser a ltima cena depois do ltimo estsimo e que termina o drama. Por exemplo, Agammnon. Esta diminuio do papel do coro no xodo pode ser de duas formas: em primeiro lugar podia terminar o drama em um "dilogo lrico" entre coro e atores (ex.: Persas), ou em alguns versos finais do corifeu. Poderia haver nesta ltima cena uma fala final de um Deus que seria o eplogo, mais comum em Eurpides. Assim teramos a seguinte arquitetura geral, mais comum, das tragdias gregas principalmente no sc. V a.C. 4.5 As cenas tpicas na tragdia Por sua recorrncia, algumas cenas se destacam nas tragdias gregas e so to tpicas do gnero quanto so uma cena de perseguio em um filme de ao. So elas: a) Catstrofes: cenas de violncia, em geral oculta dos olhos da platia e narrada posteriormente por um ator, como Os Persas, que narra a

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destruio da expedio contra os gregos. Representa a reviravolta para pior no destino de uma personagem. Na pea Agammnon, por exemplo, o seu assassinato por Clitemnestra. Em dipo, a cena final, onde o protagonista aparece em cena com os olhos perfurados e sangrando. b) Cenas patticas: cenas de explicitao de sofrimento, dor, em cena. Por exemplo, as cenas em que Electra d vazo a sua dor pela morte do pai e pela situao humilhante a que a obriga a prpria me. c) Agn ou cenas de enfrentamento: cenas onde, por aes ou por palavras entre personagens, se explicita o conflito trgico no palco. Exemplos seriam o dilogo entre Clitemnestra e Orestes antes da cena de catstrofe, onde Clitemnestra morta pelo prprio filho n'As Coforas, ou em dipo Rei, na cena que dipo discute violentamente com o adivinho Tirsias Anagnrisis ou cenas de reconhecimento: a passagem da ignorncia para o conhecimento. Uma personagem descobre-se parente, amigo ou inimigo de outro. Pode ser tambm a descoberta de algo que se fez ou no. O exemplo clssico de cena de reconhecimento a descoberta de dipo como assassino do pai e esposo da me em dipoRei. O reconhecimento em si pode se dar por vrias formas, uma muito usada a atravs de sinais exteriores, como quando Electra reconhece seu irmo Orestes por uma roupa que usa. Observe-se que no se trata de uma cena em que o pblico toma conhecimento de algo. a personagem que toma conscincia de algo, que no trivial, mas significativo para o seu destino. Essas diferentes cenas integram a estrutura da tragdia grega, como que recheando a arquitetura bsica das partes. A tabela 1 a seguir mostra um exemplo concreto desta estrutura, a tragdia dipo-Rei de Sfocles. As partes cantadas estaro em verde para que se torne mais visvel a dinmica das recitaes e cantos. As cenas tpicas estaro em vermelho.

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Tabela 1: A tragdia dipo-Rei de Sfocles. PARTES Prlogo Prodo 1 Episdio 1 Estsimo DILOGOS - Dilogo dipo-sacerdote - Dilogo Creonte-dipo - Entrada do coro, constitudo por ancios - Dilogo dipo-corifeu - Dilogo dipo-Tirsias - Coro canta Cena de - Dilogo Creonte-corifeu - Dilogo dipo-Creonte 2 Episdio - Dilogos Jocasta-Creonte-dipo-corifeu - Dilogo corifeu-Jocasta - Dilogo Jocasta-dipo 2 Estsimo 3 Episdio 3 Estsimo 4 Episdio - Coro canta - Dilogo mensageiro-Jocasta - Dilogo dipo-Jocasta-mensageiro - Hiprquema - Dilogo dipo-corifeu-pastor - Dilogo dipo-pastor - Dilogo mensageiro-pastor - Dilogo criado-corifeu - Suicdio de Jocasta e auto-flagelamento xodo de dipo - Dilogo corifeu-dipo - Interveno musical do coro - Dilogo dipo-CreonteFonte: http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/civilizacao-grega/teatro-grego.php.

CENAS

Cena de enfrentament o

enfrentament o Cena de reconhecime nto (parcial)

Cena de reconhecime nto (total)

Cena de catstrofe

4.6 A versificao na tragdia As formas mtricas nas tragdias gregas so mais numerosas e intrincadas do que em qualquer outra literatura dramtica, o que torna impossvel reproduzi-las em qualquer lngua moderna.

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Os versos so divididos nas tragdias segundo apresentem ou no estrutura estrfica. Em primeiro lugar nota-se os versos no-estrficos, o chamado padro esticomtrico. A esticometria ocorre tambm em outros gneros literrios, como por exemplo, na poesia pica de Homero e Hesodo, onde se sucede de forma ininterrupta, do incio ao fim dos poemas, o mesmo tipo de verso, no caso, o hexmetro datlico. Na tragdia o padro esticomtrico se restringe a certas partes como no dilogo entre personagens. a versificao mais simples que aparece. No drama primitivo o tipo de verso nessas passagens era o tetrmetro trocaico, um verso livre e rpido que apresenta a estrutura mostrada no esquema 1.

Esquema 1: Tetrametro trocaico (observao quanto notao utilizada).Fonte: http://greek.hp.vilabol.uol.com.br/.

Ou seja, uma slaba longa equivale a duas breves. medida que o tema da tragdia foi ficando mais srio, foi menos empregado. Nas peas que chegaram at o pblico, ele utilizado em duas cenas Os Persas, de squilo, e s vezes nas concluses. Eurpides em suas ltimas peas, procurando novidades, ressuscita este tipo de verso, especialmente em discusses violentas. Sfocles, talvez por influncia de Eurpides, tambm o utiliza em suas ltimas peas. Com o desuso dos tetrmetros, eles foram substitudos pelos trmetros imbicos, o verso mais usual do dilogo falado. Segundo Aristteles, o trmetro imbico era o verso que mais se aproximava da fala comum. No esquema 2 a seguir visualizaremos sua estrutura.

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Esquema 2: Trmetro imbico.Fonte: http://greek.hp.vilabol.uol.com.br/.

Observamos um uso mais regular desse verso em squilo. Sfocles comea j a relaxar, evitando a monotonia do ritmo e introduz a diviso do verso entre dois atores. Como mostra o esquema 3.

Esquema 3: Quebra de verso.Fonte: http://greek.hp.vilabol.uol.com.br/.

Eurpides por sua vez levou a irregularidade quase at a prosa. Em suas peas os versos so repetidamente quebrados. Tambm se pode observar o padro esticomtrico nos recitativos. Neles o tipo de verso utilizado era o dmetro anapstico ou anapesto, ritmo de marcha usado pelos autores mais antigos para a entrada do coro. Sua estrutura a seguinte: Dmetro anapstico: (observao - o sinal longo sobre duas slabas breves indica que poderia ocorrer nesta posio ou uma slaba longa ou duas breves). Eram muito usados nos "dilogos lricos" para contrastar duas emoes, por exemplo, em um dilogo coro-ator em que o coro canta e o ator recita anapestos. Este tipo de combinao entre parte cantada e parte recitada pode ser observado na tragdia Media, onde aos cantos dolorosos do coro, Media contrape um recitativo em anapestos comentando seus gritos. Passemos agora a examinar a versificao na poro musical da tragdia. Devido ntima conexo entre msica e poesia para os antigos, h uma maior variedade de versos em cenas, que em geral so de intensa emoo. Via de regra, nota-se a correspondncia entre uma slaba e uma nota musical.

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Na poesia grega, j havia uma grande tradio de msica coral, na forma de hinos, odes de procisses, etc, especialmente entre os drios e por isso o dialeto drico se tornou o dialeto literrio por excelncia do canto coral. Essa tradio passou tragdia grega especialmente nas partes cantadas pelo coro, mas houve uma adaptao no sentido da reduo da extenso dos versos, simplificao das estrofes e menor correspondncia entre estrofe e antstrofe. A estrutura estrfica, do grego stroph, "volta", seria o caso em que determinada combinao de diferentes versos se repete. Assim, por exemplo, se for utilizada letras minsculas para identificar um tipo de verso, a seguinte seqncia de versos apresentaria um padro estrfico:

Esquema 4: Estrutura estrfica.Fonte: http://greek.hp.vilabol.uol.com.br/.

Na estrutura estrfica no s observa-se padres dentro de cada estrofe, mas as prprias estrofes podem se organizar de diferentes formas. No esquema 4 pode-

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se chamar de estrofe A seqncia de versos abb. Logo nota-se uma estrutura de tipo A A A. Na tragdia grega o padro estrfico mais usual era haver a repetio da estrofe de um tipo e depois uma seqncia de estrofes da mesma forma, como no esquema abaixo:

Sendo que em cada grupo idntico, AA, por exemplo, o primeiro elemento era chamado de "estrofe", e o segundo, que a repetia, era chamado de "antstrofe". No esquema 5 segue um exemplo da combinao de versos em estrofes.

Esquema 5: Combinao de versos em estrofes.Fonte: http://greek.hp.vilabol.uol.com.br/.

Alguns tradutores indicam por smbolos na margem do texto as estrofes e antstrofes. O tipo mais antigo de prodo comeava com uma marcha solene cantada em anapestos. Este prodo anapstico encontrado nas tragdias Os Persas, As Suplicantes e Agammnon de squilo, e jax de Sfocles. Foi posteriormente abandonado por uma estrutura mais lrica, mas pode reaparecer includo, como na tragdia Antgona, de Sfocles. Os anapestos podem tambm aparecer em dilogos lricos no recitativo do ator. Este caso observado em Prometeu Acorrentado, de squilo, Filoctetes e dipo em Colono, de Sfocles, e Media de Eurpides. Os anapestos podiam tambm comear os estsimos, como ocorre Os Persas, Sete contra Tebas e Suplicantes, de squilo, e tambm no Agammnon e na Media. Os estsimos, entretanto o lugar privilegiado da forma antistrfica que apresenta a estrutura: estrofe - antstrofe - (epodo).

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O epodo, que podia ou no ocorrer, era a terceira estrofe em uma trade ou grupo de trs estrofes, variando em construo mtrica das duas primeiras, a estrofe e a antstrofe, mas sempre mantendo a sua prpria forma. Exemplo de epodo: AAE BBE CCE DDE. No prodo da Mdeia, nota-se como em um dilogo lrico que envolve o Coro, Media e a Ama, Eurpides combina a estrutura estrfica com o recitativo.

5. CANTO CORAL NA MEDIA DE EURPIDESProdo: 1 estrofe (A): 12 versos cantados pelo coro recitao de Media em 8 anapestos 1 antstrofe (A): 12 versos cantados pelo coro recitao da Ama em 8 anapestos Epodo (E): 9 versos cantados pelo coro J no primeiro estsimo temos uma estrutura antistrfica muito mais simples cantada pelo coro sem epodo: 1 estrofe (A): 7 versos 1 antstrofe (A): 7 versos 1 estrofe (B): 7 versos 1 antstrofe (B): 7 versos Mas aqui embora o nmero de versos seja o mesmo, o tipo de verso utilizado diferente. Alm do epodo, outro enriquecimento da estrutura estrfica era o "efmnio", uma espcie de refro que seguia estrofes e antstrofes. Em squilo em suas primeiras odes corais observamos at 10 pares de estrofes, j nas ltimas apenas trs pares compe o canto coral, ndice formal da diminuio da sua importncia na arquitetura da tragdia. Nestas estruturas estrficas eram utilizados os mais diferentes tipos de versos: dctilos, iambos, troqueus, anapestos lricos, crtico-penio, docmaco, elico, jnico, etc, constituindo um todo ritmicamente complexo e variado que dava ao autor trgico, infinitas possibilidades de combinao de modo a que o contedo de cada uma das partes alcanasse maior expressividade.

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Infelizmente, toda essa riqueza formal, que constitua uma das partes mais importantes da carpintaria trgica praticamente impossvel de ser percebida. E mesmo que o pblico lesse as tragdias no original e escandindo os versos, isto , obedecendo mtrica, ainda assim faltaria um dos elementos mais importantes do desempenho dramtico, a msica, que o tragedigrafo compunha, pois o coro verdadeiramente canta, no recita apenas, e como se observou os prprios atores em momentos de grande emoo tem partes cantadas. O componente musical das tragdias gregas est praticamente todo perdido. Resta apenas um pequeno fragmento de um estsimo da tragdia Orestes de Eurpides. Esse conjunto de coro e atores, cantando e recitando, em um teatro com milhares de pessoas, cidados e estrangeiros, luz do dia e dentro de um grande festival em honra a Dioniso que duravam seis dias, infelizmente para a atualidade est completamente perdido. Mas a beleza e profundidade dos textos que chegaram j trazem uma idia do que estas representaes teriam sido.

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6. OS GRANDES POETAS TRGICOS: SQUILO "O PAI DA TRAGDIA"6.1 Um dramaturgo nas encruzilhadas No ano de 525 a.C., Cambises invadiu o Egito e squilo nasceu. Cada gnio revela um padro de comportamento. O de squilo foi de estar sempre colocado entre dois mundos ou princpios. Dez anos antes que squilo fizesse sua estria como dramaturgo encenando, em 490, estava na plancie de Maratona com o grupo de atenienses que repeliu as hostes do maior imprio do seu tempo. Aos trinta e cinco anos era heri nacional. Dez anos mais tarde a populao de Atenas foi obrigada a abandonar a cidade que foi completamente destruda pelo invasor. A civilizao helnica foi salva pela momentosa batalha naval de Salamina. squilo celebrou a vitria sobre os persas escrevendo, oito anos depois, Os Persas. O sopro pico de suas peas, seu dilogo exaltado, e suas situaes, de titnica paixo, pertencem a uma idade herica. H, em sua obra, um sentido de resoluto otimismo: o princpio certo sempre vence em seus conflitos filosficos e ticos. No entanto, to logo os persas haviam sido derrotados, a Grcia comeou a se encaminhar para uma nova crise. Sua cidade-estado torna-se um imprio e a luta pela hegemonia comea a ocupar o poeta que escreve o seu primeiro drama preservado, As suplicantes. squilo, filho de uma antiga famlia estava ao lado da nobreza no deixou de externar sua oposio nova ordem, sabe-se que falou desdenhosamente de jovem poder e governantes adventcios em Prometeu Acorrentado, e acreditava-se que o

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fato de ter perdido o prmio de um concurso para seu rival mais jovem, Sfocles, em 468, entrava na esfera de uma repercusso poltica. A instaurao da nova ordem atingiu at o Arepago (o supremo tribunal de Atenas) despojando-o de muitas das suas prerrogativas mais importantes. squilo usou a tragdia de Orestes, em As Eumnides, para apoiar a instituio vacilante. Mas na sua abordagem religio e tica que mais afetou a qualidade e significado de suas tragdias. E novamente o se encontra postado entre dois mundos, pois squilo , ao mesmo tempo um mstico oriental ou profeta hebreu e um filsofo helnico. Embora apresente marcadas semelhanas com os ltimos profetas de Israel, sua concepo de divindade composta pelo racionalismo helnico. squilo dispensou o politesmo de seu tempo em favor do monotesmo. Investigando o problema do sofrimento humano em sua ltima trilogia, squilo chega concluso de que o mal no homem e no a inveja dos Deuses que destri a felicidade. A razo correta e a boa vontade so os pilares do primeiro sistema moral que encontra expresso no teatro. Foi na feio profundamente religiosa de seu pensamento que diferiu dos contemporneos mais jovens. Uma ponte lanada entre a religio primitiva e a filosofia posterior. 6.2 squilo e o teatro grego squilo sustentava corretamente que suas tragdias eram apenas fatias do banquete de Homero. Com efeito, a maioria das tragdias possui as qualidades homricas no mpeto de suas passagens narrativas e na estatura herica dos caracteres. Mesmo com os processos introduzidos por Tspis, as peas ainda no eram mais que oratrios animados, fortemente influenciados pela poesia mlica que exigia acompanhamento instrumental e pela poesia coral suplementados por expressivos movimentos de dana. O teatro fsico tambm se apresentava rudimentar e o palco tal como se conhece era praticamente inexistente. Novamente no ponto em que os caminhos se dividem squilo precisava escolher entre o quase ritual e o teatro, entre o coro e o drama. Mesmo tendo

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acentuada predileo pelo coro e pelas danas, squilo trabalhou para aumentar as partes representadas: os "episdios" que, originariamente mereceram partes do drama, mas simplesmente apndices do mesmo. Outro grande passo na evoluo da tragdia foi a introduo do segundo ator. til lembrar que as atores "multiplicavam-se" com o uso de mscaras alm que efeitos de multides podiam ser criados com o uso de participantes "mudos" ou do coro. squilo cuidava das danas, treinava os prprios coros, utilizava-se de recursos como as pausas demonstrando-se excelente diretor e encenador, fazendo amplo uso de efeitos que atingiram um nvel extremamente elevado considerando-se os escassos recursos tcnicos da poca. Destaque merece o fato de squilo criar os figurinos estabelecendo, para eles, caracteres fundamentais. Fez de seus atores figuras mais impressionantes utilizando mscaras expressivamente pintadas e aperfeioando o uso do sapato de altas solas o coturnos. Chegar a introduo, mesmo que rudimentar, de uma cenografia foi um passo que um gnio to verstil deu com facilidade. A decorao do palco, ou seja, a construo cnica tornou-se permanente junto a utilizao de mquinas que conseguiram obtendo bons efeitos cnicos. 6.3 O festival de teatro de Atenas e suas convenes Tudo comeou quando Pisstrato transferiu o antigo e rstico festival dionisaco dos frutos para Atenas criando as Dionisias Urbanas. Outro festival mais antigo (Lenianas) tambm comeou a incluir tanto concursos trgicos quanto cmicos. As Dionisias Urbanas comeavam com vrios rituais religiosos (procisses, cultos) at entrar na fase mais ligada propriamente ao teatro e aos concursos. Dois dias eram reservados para as provas ditirmbicas, um dia s comdias, com cincos dramaturgos na competio; e trs dias tragdia. Seis dias eram devotados ao grande festival com cincos apresentaes dirias durante os ltimos trs dias trs tragdias e um "drama satrico" flico pela manh uma ou duas comdias tarde. Trs dramaturgos competiam pelo prmio de tragdia, cada um

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com trs tragdias e um drama satrico, sendo que as peas eram mais ou menos correlatas. As peas eram cuidadosamente selecionadas por um funcionrio pblico ou arconte que tambm escolhia o intrprete principal ou "protagonista" imediatamente antes do concurso, a ordem dos concorrentes era determinada por sorteio e ao seu trmino, os vencedores, julgados por uma comisso tambm escolhida por sorteio, eram coroados com guirlandas de hera. Pesadamente paramentados, os movimentos dos atores trgicos, eram necessariamente lentos e seus gestos amplos. Na verdade, devido s dimenses dos teatros, ao atores eram escolhidos por suas vozes. Os bons atores eram to procurados que logo comearam exigir salrios enormes e, quando o talento dramatrgico se tornara escasso, a interpretao assumiu importncia ainda maior que o prprio drama. Tal como os atores, o coro apresentava-se com variados figurinos e usava mscaras apropriadas idade, sexo e personalidade das personagens representadas. O coro tambm no cantava durante todo o tempo, pois algumas vezes usava a fala recitativa e at mesmo coloquial ao dirigir-se aos atores. O uso do coro no teatro grego tinha por certo suas desvantagens, pois ralentava e interrompia as partes dramticas da pea. Mas enriquecia as qualidades espetaculares do palco grego o que levou escritores a comparar a tragdia clssica com a pera moderna. 6.4 As primeiras tragdias e a arte dramtica de squilo As verdadeiras encenaes do teatro ateniense esto irremediavelmente perdidas. Do trabalho de todos os dramaturgos que ganharam os prmios anuais sobreviveram apenas as peas de squilo, Sfocles, uripides e Aristfanes, e mesmo assim por apenas uma frao das suas obras. Contudo, no caso de squilo, as tragdias remanescentes esto bem distribudas ao longo de toda a carreira e lanam luz suficiente sobre a evoluo de seu estilo e pensamento. squilo um mestre do pitoresco. Suas personagens so criaturas coloridas, muitas delas sobrenaturais, orientais ou brbaras, e suas falas so abundantes em metforas.

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Seu progresso na arte deve Ter sido extraordinariamente gradual, uma vez que as primeiras peas revelam grande preponderncia de intervenes corais e apenas os ltimos trabalhos mostram-se bem aquinhoados em ao dramtica. Seu primeiro trabalho remanescente, As Suplicantes, provavelmente a primeira pea de uma trilogia, ainda o mostra lutando com o drama coral. H maior interesse quanto ao segundo drama remanescente: Os Persas, escrito em 472 a.C., trata de um fato prtico contemporneo, e foi obviamente cunhada para despertar o fervor patritico. 6.5 Uma divina comdia: a trilogia de Prometeu O tema do Prometeu Acorrentado e das peas perdidas que o acompanhavam era Deus em pessoa. Trabalho inesquecvel, transbordante de beleza e reflexo e transfigurado por essa personalidade supremamente inspiradora, Prometeu rebelde contra Deus e amigo do homem. Sua tragdia o prottipo de uma longa srie de dramas sobre o liberalismo. O tema da trilogia parece ser a evoluo de Deus em cumprimento da lei da necessidade. De um tirano jovem e voluntarioso Zeus converte-se em governante maduro e clemente, to diverso do Zeus da Ilada quanto o Jeov de Isaas. 6.6 Tragdia humana - dipo e Agamemnon Aps estabelecer uma providncia moral no universo, s restava a squilo fazer com que a vontade desta prevalecesse entre os homens. Na primeira delas, uma tragdia de dipo, squilo recusou as explicaes pr-fabricadas e foi alm da convencional teoria grega da maldio familiar. Nos Os Sete Contra Tebas deixa perfeitamente claro que a hereditariedade pouco mais que uma predisposio. Os crimes cometidos pelos descendentes do corrupto Laio so resultado da ambio, rivalidade e insuficiente predomnio da lei moral durante a idade legendria. squilo estava galgando novas intensidades em Os Sete Contra Tebas ao voltar-se para a tragdia humana e individual. Chegou ao pice desta escalada nove anos depois, em sua ltima e maior trilogia.

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A Orstia, apresentada em 458 a.C., dois anos antes da morte do autor, novamente a tragdia de uma casa real. Trata mais uma vez de uma maldio hereditria, que teve incio no vago mundo da lenda. Esta trilogia formada por: o Agamemnon que ser vtima de Clitemnestra (sua esposa) que assim vinga a morte arbitrria da prpria filha. Nas Coforas, segunda tragdia da trilogia, o filho de Agamemnon, Orestes encontra-se em curioso dilema: em obedincia primitiva lei da vendeta deveria matar os assassinos de seu pai, mas a conseqncia deste ato o tornaria um matricida. Depois do assassnio as Frias enlouquecem Orestes. Em As Coforas, squilo reduz a lei da vendeta um absurdo, posto que, seguida logicamente, leva a um ato ainda mais intolervel do que o assassinato original. Na parte final da trilogia, As Eumnides, a vendeta finalmente anulada. Aps diversos anos, Orestes finalmente expiou seu feito atravs do sofrimento e agora est pronto para enfrentar as Frias em julgamento aberto, anta o Arepago. Embora a votao empate este quebrado em favor de Orestes quando Atena lana o seu voto pela absolvio. Significativamente a Deusa da razo que pe fim a cega e auto perpetuadora lei da retribuio. Dois anos aps a promulgao desse credo, squilo estava morto. squilo transformara o ritual em drama, trouxera a personalidade humana para o teatro e inclura a viso espiritual no drama.

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7. SFOCLES, O SERENO7.1 O dramaturgo feliz Nascido em 495 a.C., trinta anos aps seu predecessor, desfrutou das comodidades de filho de um rico mercador e das vantagens de um belo corpo. Era to extraordinrio por sua graa fsica que aos dezesseis anos foi escolhido para liderar o coro de meninos que celebrou a vitria de Salamina. Aps doze anos mais despendidos no estudo e no treinamento, Sfocles estava pronto para competir com os dramaturgos j em exerccio, e no foi outro seno squilo quem perdeu para ele o primeiro prmio. Esta primeira pea veio seguida por outras cem ou mais, dezoito das quais receberam o primeiro prmio, sendo que as demais nunca ficaram abaixo do segundo. Ator consumado interpretava suas prprias peas. Apenas a relativa fraqueza de sua voz, levou-o a renunciar a profisso de ator. Foi tambm sacerdote ordenado, ligado ao servio de dois heris locais, Arconte e Esculpio; o Deus da Medicina. Em geral no se associa os artistas s altas finanas (com exceo talvez de Ronald Reagan), mas Sfocles foi at mesmo diretor do Departamento do Tesouro. Em suma, Sfocles foi o dolo querido do povo de Atenas, pertencendo longa linhagem de escritores que negam a teoria de que o gnio nunca pode ser reconhecido enquanto vivo. Sua vida que durou por noventa anos, no revelou qualquer declnio de seus poderes. Sfocles era um poeta com uma pureza de expresso que no encontrou paralelo no teatro at que Racine comeou a escrever peas para a corte francesa, vinte sculos mais tarde.

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Uma narrativa afirma que Sfocles pretendia criar as pessoas tais como deviam ser, enquanto Eurpides as fazia tais como eram, mas devia referir-se a um perodo anterior que no representado por qualquer das sete peas remanescentes fornecendo ampla evidncia de possuir tanto a capacidade quanto o desejo de retratar as pessoas tais quais so. H dois tipos de sofrimento em suas tragdias aquele que advm de um excesso de paixo e aquele que brota de um acidente. O mal produzido pelo homem formado no molde fixo do carter humano e o acidente decorre da natureza do universo. Embora Sfocles aceitasse oficialmente os Deuses gregos, estes no afetavam sua filosofia. No mundo sofocliano o homem deve esforar-se para introduzir ordem em seu prprio esprito. Entretanto acima de tudo na elaborao artstica de suas tragdias que Sfocles cria a ordem, gosto e equilbrio to raramente encontrveis no mundo real. 7.2 A arte da dramaturgia de Sfocles Como todo artista competente, claro que Sfocles no chegou sua estatura total repentinamente; experimentou, tentou diferentes estilos e lutou diligentemente pela perfeio. De incio imitou a grandeza de squilo, depois foi para o extremo oposto, adotando uma forma excessivamente lacnica e abrupta e, finalmente encontrou o meio-termo entre aos dois estilos, atingindo o mtodo apaixonado e, no entanto contido que caracterizam todas as suas ltimas peas; as nicas que chegaram at a atualidade. Seu progresso, porm, no ficou confinado ao estilo. Mesmo sendo verdade que no podia violar vrias normas e/ou interdies como a eliminao do coro, Sfocles fez a melhor coisa que lhe restava, reduzindo-o ao mnimo e relegando-o ao segundo plano. Podia tomar estas liberdades e sentiu-se tambm livre para aumentar os limites das complicaes dramticas da pea. Um primeiro passo dado por ele foi a adio de um terceiro ator interlocutor ao drama tico. Um segundo passo foi a abolio da forma trilgica. Seu trabalho apresenta forte semelhana com a arquitetura e a escultura do seu tempo, que dava preferncia a pequenos templos e esttuas de Deuses no maiores que um ser humano bem proporcionado.

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Nos detalhes de sua dramaturgia, Sfocles igualmente um arteso difcil de contentar que calculava seus efeitos. Emprega ironia trgica ou contraste pattico com grande habilidade e a efetividade do estratagema mostrada no poderoso dipo Rei. Mestre na nascente e difcil arte da caracterizao, Sfocles mestre consumado no artifcio do suspense trgico do qual dipo Rei um exemplo supremo. 7.3 As peas de Sfocles Atravs de vrios lxicos e aluses, se conhece os nomes de mais ou menos cem peas perdidas, atribudas a Sfocles. A sobrevivncia de uma legio de ttulos e fragmentos tambm indicam que Sfocles escreveu algumas peas satricas ou cmicas muito populares. A partir dos fragmentos recuperados, vrios dos quais so de extraordinria beleza, nota-se com nitidez absoluta que sua profundidade e lucidez quanto aos problemas do momento em que viveu no estavam restritos ao simples punhado de peas que permaneceu intacto. A extenso dos poderes dramticos de Sfocles s pode ser medida completamente nas tragdias integrais de que se dispe. Embora a caracterizao das personagens seja sempre um trao primordial, sua obra remanescente pode ser convenientemente dividida em: trs peas de caracteres As Traquinianas, Ajax e Electra; um drama social Antgona; um idlio Filoctetes; duas tragdias do destino dipo Rei e dipo em Colona. 7.4 Peas de caracteres Uma das peas tardias, As Traquinianas eram as mais fracas de todas pela falta de unidade desde que o interesse dividido entre Dejanira e seu marido, e a pea usa mais do recurso narrativo do que costumamos encontrar na obra de Sfocles. Mas a tragdia comporta um poderoso e comovente estudo da mulher ciumenta. Esta pea desprovida de indagaes csmicas e sociais, deve muito de seu interesse exclusivamente lcida analise das personagens de meia idade. Mais eficaz Ajax, uma tragdia anterior, penetrante anlise de um soldado corajoso, mas hipersensvel, que destrudo pelo excesso de suas melhores qualidades. Rematando esse drama de caracteres, Sfocles cria outra de suas bem

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realizadas mulheres, a escrava Tecmessa. Sfocles revela assim terna viso e compreenso pela condio feminina. Mas a maior contribuio de Sfocles ao drama de caracteres est em sua Electra, na qual trata o tema de As Coforas de squilo unicamente em termos da personalidade humana. Para squilo o problema era tico, Sfocles resolve o problema moral e aceita o assassinato materno colocando-o na distante antigidade. Tendo solucionado a questo tica, volta-se inteiro ao problema da personagem. A caracterizao nessa tragdia parte de uma trama cuidadosamente elaborada girando ao redor da forma pela qual Orestes obtm acesso a Clitemnestra e Egisto. Dor e alegria alternam-se por toda a pea. 7.5 Um idlio grego Filoctetes exibe o lado mais ameno de sua mestria artstica, uma tragdia apenas no sentido grego (devido exaltada dramaticidade); no faz uso de catstrofe ao final e o esprito da obra pastoral. Frases cortantes sublinham os comentrios de Sfocles sobre os caminhos do mundo: "A guerra jamais massacra o homem mau", e "Aos saqueadores jamais sopra um vento adverso". Mas a atmosfera dominante de loucura e luz e o poeta nos assegura que a perversidade do mundo compensada algumas vezes pela imaculada humanidade. Entretanto, significativo que Sfocles apenas tenha atingido sua plena estatura quando, ao invs de contentarem-se com simples estudos de personagens e observaes mais ou menos fugidas sobre o gnero humano, voltou-se para temas maiores, bem definidos. H dois deles em sua obra remanescente: as relaes do homem com a sociedade e os labirintos do destino. 7.6 Antgona e o drama social Uma das maiores tragdias da literatura dramtica Antgona, escrita antes de qualquer dos textos de caracteres remanescentes. Sfocles dedica-se aqui a um conflito bsico, as pretenses rivais do Estado e da conscincia individual. A questo fundamental descobrir como estabelecer um termo mdio entre esses princpios e evitar a catstrofe, quer para o grupo quer para o indivduo. Afora

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isso, a oposio ainda mais geral entre amor e dio lana sua magia sobre toda a pea. Sfocles no procura desviar o drama em favor de sua herona, pois reconhece os direitos do Estado e do interesse pblico. Embora Sfocles no se incline a resolver a disputa entre o Estado e a conscincia individual, contentando-se simplesmente em observar que as conseqncias do conflito tendam a ser trgicas, o mpeto de sua piedade e de sua caracterizao de Antgona lana o peso da simpatia, ao menos quantos aos leitores modernos, para o lado da nobre moa. Esta deslumbrante tragdia deixa em suspenso diversos problemas que no entregam com facilidade seu significado ao leitor casual. 7.7 A tragdia do destino dipo A mesma batalha com um tema importante e difcil distingue as duas grandes peas que colocam o problema do destino. Usualmente o acidental considerado um artifcio barato e fcil na literatura dramtica. Mas no barato, nem fcil no dipo Rei. O acidente ocorre antes do incio da pea e amarra as circunstncias num n que s poder ser desatado depois de prolongada batalha. Alm disso, felizmente, Sfocles estava altura da tarefa. E no podia esperar resolver o enigma do destino, ao menos conseguiu uma das incontestveis obras-primas do mundo. E novamente seu soberbo dom para a caracterizao que enriquece a simples mecnica da dramaturgia com vida, agonia e plausibilidade. Como algum que viu a vida "equilibradamente", segundo suas luzes pags recusou-se a codificar a existncia do acidente na tragdia. dipo uma personagem superlativamente ativa, como se o dramaturgo tico tentasse nos dizer que o destino trabalha atravs do carter da vtima. Com efeito, o fado encontra forte aliado neste homem corajoso, nobre a de timas intenes, cuja nica o temperamento inflamvel. Tanto suas virtudes quanto defeitos conspiram contra ele. Sem ser moralmente responsvel, dipo psicologicamente responsvel pelos tormentos. Conseqentemente uma personagem dinmica e um sofredor ativo; na verdade, uma das figuras trgicas da literatura. A histria de dipo convidativa a descer s profundezas da antropologia e psicanlise modernas que foram intuitivamente perscrutadas pelos poetas desde

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tempos imemoriais. E relembra os impulsos anrquicos e incestuosos que complicam a vida do homem e se exprimiram em tantos tabus primitivos e neuroses civilizadas. Como toda obra de arte superior, esta tragdia tem uma vida dupla: aquela que expressa e aquela que provoca. A seqncia a esta tragdia, o sereno e encantador dipo em Colona, escrito muitos anos mais tarde, o Purgatrio e Paraso do Inferno de Sfocles. O problema do destino inexplicvel colocado pelo dipo Rei no respondido no trabalho posterior. Mas pelo menos uma soluo indicada: O que o homem no pode controlar, ao menos pode aceitar; o infortnio pode ser suportado com fortaleza e enfrentado sem sentimento de culpa. dipo est purgado e curado. E com ele, o pblico que o segue aos abismos imerge liberado e fortificado. Logo aps a apresentao de dipo em Colona, em 405 Sfocles foi juntar-se sombra de squilo. No mesmo ano fatdico falecera tambm Eurpides e morreria a glria que era a Grcia, pois Atenas sucumbiria ao poderio militar de Esparta. Nenhum mestre da alta arte da tragdia floresceu em Atenas aps a morte de Sfocles.

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8. EURPIDES, O MODERNOO homem barbado que vivia com seus livros numa caverna na ilha de Salamina era um estranho entre os homens de seu tempo. Dizia-se de Eurpides que passava dias inteiros sentado, a meditar, desprezava o lugar comum e era melanclico, reservado e insocivel. Nos cinqenta anos de teatro, durante os quais escreveu noventa e duas peas, conquistou apenas cinco prmios, sendo o quinto concedido aps sua morte. Permanente alvo dos poetas cmicos, especialmente de Aristfanes, tornou-se objeto das mais desenfreadas calnias e zombarias. Julgado por impiedade deixou Atenas totalmente desacreditado. A corte macednia do rei Arquelau honrou-o. Mas apenas uns dezoito meses depois veio tragicamente a falecer. Eurpides o exemplo clssico do artista incompreendido. Sfocles colocava-o acima de todos os outros dramaturgos e jamais ia ao teatro seno quando Eurpides tinha uma de suas peas encenadas. Sfocles respeitava seu colega-dramaturgo, ainda que no aprovasse seu realismo. A histria de Eurpides a de um homem que estava fora de sintonia com a maioria. Era um livre-pensador, humanitrio e pacifista num perodo que se tornou cada vez mais intolerante e enlouquecido pela guerra. Se Eurpides era um acirrado crtico de seu tempo, podia contudo, assinalar com justia que no fora ele quem mudara e sim Atenas. Rica, poderosa e cosmopolita em virtude de seu comrcio e imperialismo, a Atenas de sua juventude ofereceu o solo adequado para a filosofia liberal que mais tarde experimentou dias to negros. Eurpides esteve estreitamente ligado religio que mais tarde questionaria com to ingrata perseverana. Foi um dos muitos livres-pensadores da Europa, criados numa atmosfera religiosa. Talvez certa ligao com religio seja sempre prrequisito para o agnosticismo ativo.

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Eurpides permaneceu suscetvel aos valores estticos da adorao religiosa at o fim de seus dias. Seu fascnio como dramaturgo est nesse dualismo entre o pensamento e a fantasia, entre emoo e a razo. Os sofistas, que questionavam todas as doutrinas e ensinavam a hbil arte do raciocnio, o enfeitiaram para sempre. Vrios pensadores no convencionais que expunham diversas doutrinas racionalistas e humanistas imburam Eurpides de um apaixonado amor pela verdade racional. Foi a partir deles que o primeiro dramaturgo "moderno" desenvolveu o hbito do sofisma (enunciado falso que parece verdadeiro numa compreenso superficial) em seu dilogo e adotou uma perspectiva social que sustentava a igualdade de escravos e senhores, homens e mulheres, cidados e estrangeiros. Quando Atenas se empenhou na luta de vida ou morte com a Esparta antiintelectual, provinciana e militarista, acorreu em sua defesa no apenas como soldado, mas tambm como propagandista que exaltava seus ideais. Prolongando-se a guerra com Esparta e sofrendo Atenas derrota aps derrota, o povo perdeu a predisposio para a razo e tolerncia. Pricles, o estadista liberal, viu sua influncia desaparecer, foi obrigado a permitir o exlio de Anaxgoras e Fdias e chegou mesmo a sofrer um impeachment. Um a um, Eurpides viu seus amigos e mestres silenciados ou expulsos da cidade. Em meio a esses acontecimentos, Eurpides continuou a escrever peas que mantinham em soluo os ensinamentos dos exilados, sendo pessoalmente salvo do banimento em parte porque suas heresias eram mais expressas por suas personagens que por ele mesmo e em parte porque o dramaturgo apresentava sua filosofia num molde tradicional. Em aparncia era mais formal que o prprio squilo. O ateniense comum era abrandado por um final convencional, as sutilezas da pea podiam escorregar por suas mos e seus sentidos exaltavam-se com as doces canes e msicas. Euripides pde continuar em Atenas por longo tempo mesmo sendo considerado com suspeita e suas peas recebendo normalmente o segundo ou terceiro lugar dos vigilantes juzes do festival de teatro. A estrutura artstica desigual e muitas vezes enigmtica de seu trabalho prova que foi grandemente cerceado por essa necessidade de estabelecer um compromisso com o pblico inamistoso. Suas peas freqentemente tm dois finais: um inconvencional, ditado pela lgica do drama e outro convencional, para o povo, violando a lgica dramtica.

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Se algumas vezes Eurpides comprou sua liberdade intelectual custa da perfeio, a compra foi uma barganha em termos de evoluo dramtica. Enquanto brincava de cabra-cega com seu pblico, conseguiu criar o mais vigoroso realismo e a crtica social da cena clssica. O povo simples comeou a aparecer em suas peas e seus heris homricos eram freqentemente personagens annimos ou desagradveis. Outras personagens homricas com Electra e Orestes so at hoje casos caros a clinica psiquitrica. Eurpides e o primeiro dramaturgo a dramatizar os conflitos internos do indivduo sem atribuir a vitria final aos impulsos mais nobres. A obra de Eurpides constitui, sem dvida alguma, o prottipo do moderno drama realista e psicolgico. Eurpides poderia sem dvida ter continuado a criar poderosos dramas pessoais ad infinitium. Mas a vida tornava-se cada vez mais complicada para um pensador humanista. Em 431, ano de Media, Atenas entrou em sua longa e desastrosa guerra com Esparta. No era momento para um homem como Eurpides preocupar-se com problemas predominantemente pessoais. Por certo, ao envelhecer, Eurpides pouco fez para granjear a favor de seus concidados. Na verdade, atormentavam-no ainda mais do que ao tempo em que escrevia seus mais amargos dramas sociais. Foi declarado blasfemo e sofista. Segundo o poeta cmico Filodemo, Eurpides deixou Atenas porque quase toda a cidade "divertia-se s suas custas".

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9. A ORIGEM E FORMAO DA COMDIA GREGA

Figura 6: Runas de teatro grego da antiguidade na cidade de Epidauto.Fonte: MITOLOGIA GREGA, 2008.

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Figura 7: Teatro grego da antiguidade na cidade de Epidauto.Fonte: MITOLOGIA GREGA, 2008.

A origem da comdia comum origem da tragdia. Sua raiz est nas festas dionisacas, consagradas ao Deus Dioniso, que se realizavam em toda a hlade. As dionisacas eram em nmero de trs. As Dionisacas Urbanas eram de todas, as mais importantes. Ela realizava-se na primavera, em fins de maro e duravam sete dias. Outra comemorao, as Leneanas, era realizada no inverno, aproximadamente nos fins de janeiro, nas montanhas. A terceira ocorria tambm no inverno, em fins de dezembro. Eram as Dionisacas Rurais. A palavra comdia vem do grego komoida. Sua origem etimolgica komos (procisso jocosa) e oid (canto). A palavra komos tem mltiplos sentidos no vocabulrio grego. Todos, no entanto remetem-se ao sentido de procisso. Havia dois tipos de procisso que tinham a designao komoi. Um deles consistia-se numa espcie de cordo carnavalesco, na qual participavam os jovens. Estes saam s ruas da acrpole batendo de porta em porta, pedindo prendas e donativos. Nestas komoi era hbito tambm expor zombaria os cidados da polis. Estes jovens costumavam desfilar nestas komoi fantasiados de animais. A tradio pode ser detectada em trs das onze peas de Aristfanes que chegaram at ns e tm nome de animais e insetos: as vespas, as rs e as aves. Outro tipo de komoi era de

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natureza religiosa. Esta segunda era realizada nas festas dionisacas. Nesta procisso, era celebrada a fertilidade da natureza. Escoltava-se nesta komoi uma escultura representando um pnis. Era hbito tambm que, durante a procisso, as pessoas trocassem palavras grosseiras entre si. Estes palavres tinham conotaes religiosas. Era a forma de desejar ao seu prximo a fertilidade da natureza e fartura, haja vista que a Grcia tinha grandes problemas com a fertilidade da terra e das mulheres. Outra possvel origem do gnero komoida est, segundo o filsofo Aristteles, nos cantos flicos. Neles, uma prostituta liderava um cordo em que todos cantavam obscenidades. Os cantos flicos eram entoados nas dionisacas. A comdia (ou komoida, vinda do Grego, sua origem etimolgica vem de komos procisso) tem vrias, complexas e perdidas origens.

9.1 Aristfanes, o grande autor do gnero comdia

Figura 8: Aristfanes.Fonte: MITOLOGIA GREGA, 2008.

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Aristfanes nasceu em Atenas em 457 a.C., quatro anos antes do seu nascimento, em 461 a.C., Pricles havia assumido o poder em Atenas. Aristfanes viveu toda a sua juventude sob o esplendor do sculo de Pricles. Aristfanes foi testemunha tambm do incio do fim daquela grande Atenas. Ele viu o incio da Guerra do Peloponeso, que arruinou a hlade. Ele, da mesma forma, viu de perto o papel nocivo dos demagogos na destruio econmica, militar e cultural de sua cidade-estado. sua volta, volta da acrpole de Atenas, florescia a sofstica a arte da persuaso, que subvertia os conceitos religiosos, polticos, sociais e culturais da sua civilizao.O teatro de Aristfanes, principalmente aquele que integra a sua obra no perodo da Comdia Antiga, um contundente e sarcstico manifesto contra os elementos que ele julgava responsveis pela decadncia de Atenas. Aristfanes foi um homem contraditrio. Crtico violento da democracia, utilizava-se de uma retrica to agressiva que somente em um ambiente de liberdade plena como o democrtico permitiria a sua veiculao. Aristfanes v com desprezo a forma pela qual os cidados gregos deixavam-se levar pelos demagogos. Ele detestava tambm o teatro modernizante de Eurpedes, cheio de sutilezas retricas, que invocava outros Deuses ao invs dos tradicionais membros do Olmpio. Paradoxalmente, este teatro, que negava as inovaes na retrica, assimilava-as na prtica, a ponto de Cratino, um comedigrafo rival de Aristfanes, qualificar o teatro moderno de sua poca como euripidaristofanizante. Aristfanes, todavia, era considerado o maior autor de comdias de seu tempo. Quase todas as suas onze peas que nos restaram obtiveram sucesso nas Dionsias. Somente As Aves e A Paz obtiveram o segundo lugar, e As Nuvens o terceiro. Para sublinhar mais esta excelncia entre os gregos, bom citar que a comdia As Rs foi to bem recebida pelo pblico que teve a sua reapresentao pedida pela platia. Na poca, a reapresentao de uma pea era privilgio da tragdia. A primeira comdia de Aristfanes que se tem notcia foi encenada no ano de 427 a.C., e se chamava Os Babilnios. Esta se perdeu no tempo. No entanto, sabemos por relatos da poca que se tratava de um ataque cruel a Cleon. Cleon foi sucessor de Pricles. De curtidor de couro, uma profisso humilde, ele foi eleito general de Atenas. Sua poltica imperialista obteve algum sucesso no incio, mas foi desastrosa para Atenas em longo prazo, pois colocou a cidade-estado envolvida em conflitos militares caros que ainda resultaram em derrotas. Diversamente de Pricles, Cleon foi um dos fomentadores da Guerra do Peloponeso. Ficou famoso

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por sua venalidade, por perseguir politicamente e judicialmente os cidados -principalmente os ricos - que ele considerava seus inimigos. Cleon acusado por seus contemporneos de subornar juzes para obter sentenas favorveis a seus interesses. Em seu governo, os aliados de Atenas foram relegados condio de colnias, o que provocou descontentamento e deseres. contra ele que Aristfanes faz a pea Os Babilnios. Ela foi representada nas Grandes Dionsias Urbanas, diante do General e de seus aliados. sabido que ele sentiu-se extremamente ofendido com a representao e acusou Aristfanes de difamar as instituies atenienses ao mundo grego. O dramaturgo, entretanto, no se intimidou com esta crtica. Dois anos depois, no ano de 425 a.C., nas Leneanas, Aristfanes apresentou a comdia Os Cavaleiros. Esta pea, felizmente, chegou at a atualidade. Ela representa o mais violento ataque pessoal de Aristfanes a Cleon. To agressiva foi considerada que nenhum ator da poca teve a coragem de representar o papel de Panflagnio (Cleon). Foi o prprio autor que teve de faz-lo (desempenho, alis, considerado medocre por seus contemporneos). Para desespero do general, ele foi o vencedor do concurso. 9.2 Os cavaleiros Nesta pea, Aristfanes caracteriza Cleon como escravo de um senhor. O senhor o povo. Trata-se de um escravo muito desonesto e desprovido de qualquer carter. Uma peculiaridade que importantssima para se situar a pea. Cleon estava no auge de sua popularidade no tempo da representao por causa de um sucesso inesperado na Guerra do Peloponeso. Um porto, o porto de Pilos, que era de fundamental importncia econmica e militar para a cidade-estado de Esparta, havia sido tomado por Atenas por um general chamado Demstenes (homnimo do orador famoso). Os espartanos, visando retom-lo, tomaram posio numa ilha perto de Pilos (Esfactria). A armada ateniense, no entanto, cercou a ilha. Os espartanos ento tentaram assinar a paz. Cleon desejava, todavia, uma vitria total para humilhar Esparta e ganhar prestgio como lder em Atenas. O cerco ilha, se por um lado havia isolado os espartanos, por outro, no havia decidido a batalha. O cerco continuava e a indeciso tambm. Cleon exigia a vitria e acusou os demais generais atenienses de incompetncia. Seu rival, Ncias, era o comandante da frota. Para constranger o lder, Ncias renuncia em favor de seu rival. Surpreendido, Cleon

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assume o comando dos exrcitos. Ao encontrar-se com o general Demstenes, este lhe apresenta um plano de ataque cuidadosamente elaborado pelo estado-maior de Ncias. De posse daquele planejamento, Cleon supervisiona o ataque ilha, comandado por Demstenes. Atenas vence e captura vrios nobres espartanos. Cleon foi recebido como heri na cidade. Foi neste ano que Aristfanes lhe dedica a pea Os Cavaleiros. O nome da pea provm de uma diviso militar de origem aristocrticas na qual Aristfanes pe as esperanas de desmoralizar Cleon. A pea se resume luta entre Panflagnio (Cleon) e um salsicheiro que, segundo os orculos, seria o sucessor do demagogo no poder de Atenas. No agn entre o salsicheiro e Panflagnio, desenvolve-se uma corrosiva crtica aos sistemas democrticos de escolha dos governantes. Crticas, alis, democracia que no faltam nOs Cavaleiros. Aristfanes denuncia o oportunismo de Cleon no episdio do ataque ilha e o oportunismo dos polticos em geral. Um exemplo disto o dilogo travado entre um escravo (uma caricatura do general Demstenes) e o salsicheiro. No dilogo, o escravo tenta convencer o salsicheiro de que este pode e deve entrar na poltica para enfrentar Panflagnio. Salsicheiro: Mas, diga-me uma coisa: como que eu, um salsicheiro, vou me tornar um poltico, um lder? Primeiro Escravo (general Demstenes): Mas precisamente nisso que est a sua grandeza: em voc ser um canalha, um vagabundo, um ser inferior! Salsicheiro: Pois eu no me julgo digno de tamanho poder! Primeiro Escravo (general Demstenes): Ai, ai, ai, ai, ai, ai! O que que te faz dizer que no te achas digno? Est parecendo para mim que tens alguma coisa de bom a pesar-te na conscincia. Sers tu filho de boa famlia? Salsicheiro: Nem de sombra! De patifes, mais nada! Primeiro Escravo (general Demstenes): Homem ditoso! Que sorte a sua! Tens todas as qualidades para a vida pblica!

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Salsicheiro: Mas, meu caro amigo, instruo no tenho nenhuma. Conheo as primeiras letras e, mesmo estas, mal e porcamente! Primeiro Escravo (general Demstenes): Isso no problema! Que as conheas mal e porcamente! A poltica no assunto para gente culta e de bons princpios: para ignorantes e velhacos! interessante o paroxismo desta pea. Foi eleita pelo povo como a melhor comdia, o mesmo povo que reelegeu Cleon. 9.3 As nuvens: Contra Scrates .Aristfanes foi um autor essencialmente poltico. A comdia As Nuvens versa, no entanto, sobre outro tema. As Nuvens foi encenada no ano de 423 a.C., De todas as peas de Aristfanes que chegaram at a atualidade, esta foi a de pior colocao. Ela obteve o terceiro lugar, fato que desgostou o autor por muito tempo. A pea tinha como objetivo atacar o filsofo Scrates. Scrates tinha 47 anos quando esta comdia foi encenada. Aristfanes retrata-o na pea como um sofista. Em As Nuvens, Scrates se mostra um corruptor da juventude. Ele toma aos seus cuidados Fdipes, filho de um rico fazendeiro, e ensina-o a ser corrupto. J na entrada do fronstistrio (colgio) de Scrates, Fdipes apresentado a duas formas de raciocnio, o justo e o injusto. Depois de um agitado agn, o raciocnio injusto vence a contenda e passa a ser o mestre de Fdipes. O prprio ttulo da pea uma ironia. Aristfanes acusa os modernizantes de sua poca de estarem abandonando o culto aos verdadeiros Deuses e introduzindo o atesmo ou culto de divindades estranhas como o ter, o ar, a persuaso. Isso pode ser constatado no dilogo entre o pai de fdipes e Scrates no momento em que o primeiro invoca o nome dos Deuses. Os treatlogos apresentavam suas obras a um funcionrio chamado arconte. Se o arconte aprovasse a pea seria encenada. Era dado aos autores vitoriosos um corego (um cidado rico para custear as despesas da pea). O corego escolhia ento um tocador de flauta e um coro e prosseguia com a encenao. Se o corego

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fosse generoso, surgia uma produo opulenta. Em cada festival um jri de cidados julgava as peas, e os vencedores recebiam a coroa dionisaca.

Figura 9: Esttua de mulher, em terracota, com mscara.Fonte: MITOLOGIA GREGA, 2008.

10.MSCARAO teatro ocidental de mscaras tem em sua histria, praticamente, apenas dois grandes momentos: O teatro Grego e a Commdia DellArte. So vrios os motivos, entre eles a prpria evoluo do teatro ocidental, preferindo o rosto do ator e seus mltiplos jogos de expresso, a proibio do uso da mscara pelo cristianismo entre outros. Na Grcia Antiga o uso da mscara passa da procisso sacra/ religiosa representao dramtica; no Teatro Grego acontece o imediato reconhecimento do personagem atravs do exagero das dimenses e uma precisa e codificada caracterizao. A mscara era modelada de modo a expressar com a ajuda da conveno fixa, os vrios estados de nimo, idade e o sexo do personagem. As primeiras peas eram representadas por apenas um ator; foi squilo quem introduziu o segundo ator, o que permitiu ento fazer um dilogo com respostas. Um terceiro ator apareceu depois, em 499; isto no significava por certo que haveria trs papis no mximo em uma tragdia; um ator interpretava vrios, o

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que no causava muita dificuldade, posto que os rostos estavam dissimulados pelas mscaras. Para que os atores no fossem reduzidos a figuras minsculas usavam artifcios como: coturnos, roupas com enchimentos e mscaras contendo uma grande testa ou cabelo com o nome de onkos, e tendo a boca aberta para amplificar a voz, formando um rudimentar megafone. Tspis conhecia a mscara elaborada com borra de vinho, folhas e branco de alvaiade; era mais um disfarce do que uma mscara. Porm para entreg-las aos atores, era necessrio dispor de mscaras rgidas que pudessem colocar-se sobre o rosto com aberturas para a boca e os olhos, talvez tambm para as narinas. As primeiras mscaras foram feitas com uma simples tela branca, sem pintura. Foram ento aperfeioadas para conter os numerosos papis possveis. Para comear introduziram as femininas: como os atores j eram obrigatoriamente do sexo masculino, resultava indispensvel mascarar-se para desempenhar um papel feminino. Foi ento quando o pintor ateniense Eumares, imitando aos egpcios, teve a idia de colorir de branco todas as peles femininas. Tspis, inspirando-se nesta observao, adotou por sua vez a cor da borra do vinho para as mscaras cnicas masculinas e alvaiade para as femininas. Mais adiante, squilo imaginou a policromia, utilizando uma espcie de pasta de papel, mais ou menos recoberto mediante um revestimento de gesso, podiam-se reproduzir os detalhes do rosto por meio de cores sabiamente dosadas, e acrescentar uma peruca ou uma barba de fibras vegetais, com o objetivo de dar maior carter a cada mscara. Um inventrio das mscaras cnicas foi estabelecido por Julio Plux, retrico e gramtico, redigiu em seu lxico Onomasticon trs captulos sobre mscaras de carter, cada uma representava um tipo (categoria) e no um individuo : 28 mscaras de tragdia, 4 de drama satrico, algumas da comdia antiga e 44 da comdia. A Commdia DellArte surge entre 1550 e 1650. Seu principio era o da improvisao atravs da mscara. Os atores para utilizarem as mscaras precisaram aprender a dominar esta tcnica. Equipados com uma carroa para carregar as roupas e seus acessrios iam parando em diversas cidades. Usavam meias mscaras deixando a parte inferior do

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rosto descoberta permitindo o uso da palavra e uma cmoda respirao adequada ao jogo cnico. Jacques Callot foi um desenhista a buril e gua-forte. Nasceu em Nancy na Frana em 1592. Callot fez diversas pinturas destas cenas e de seus trajes. Atravs das mscaras eram facilmente reconhecidos. Alguns tipos: Pantaleo Representa o comerciante rico, mas ignorante. A origem do nome em italiano planta lees (leo smbolo de Veneza) que na poca era um grande centro de comrcio. Quando os mercadores de l chegavam a novo territrio diziam que plantavam lees, Seu figurino: Malha vermelha, chinelas, casaco preto alcanando o tornozelo, nariz adunco e barba grisalha terminada em ponta. Briguela Servo bem astuto. Capaz de matar e roubar para conseguir seu intento. Sua mscara esverdeada, usa cala e casaco branco e verde. Arlequim Servo que representa o homem comum. Ingnuo e obediente. No inicio sua roupa era feita de retalhos coloridos e com o passar dos tempos formalizou-se em losangos coloridos, mscara e gorro preto (como cabea raspada). Doutor Balanzone Representa os velhos eruditos e pedantes. Seu traje consiste em uma toga. Pulcinella Pertencente a categoria dos zanni. A mscara se compe de grande nariz adunco. O traje longo com grande capuz que cobre a corcunda. Capito Capito Fracassa ou Capito Espanhol Representa os militares prepotentes (fracassa em italiano significa quebrar) Era chamado de espanhol porque surgiu no perodo da dominao espanhola na Itlia. Um dos desdobramentos desta mscara o Capito Scaramouche. O uso da mscara na Commedia Dell'arte foi extremamente importante, tanto que ficou conhecida como Commedia Delle Maschere. Os personagens enamorados no usavam mscaras. Donato Sartori, filho de Amleto Sartori, continua at os dias de hoje, desenvolvendo um mtodo prprio na confeco de mscaras. Ressaltando a importncia da escultura e seu refinamento, a preciso da limpeza dos traos, a influncia da luz - cncavos e convexos. Faz um estudo relacionando os personagens com os animais na composio dos personagens prprio das mscaras da comdia: A mscara da criao no mais do que o casamento entre um co de guarda, um mastim napolitano e a face de um homem, a mascara do capito. Um

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dos tantos: Matamoro, spaventi, draghignazzo, cocodrillo, galo, peru ou galinha Pantalone ou Magnfico. Arlequim gato e macaco. Quase todas as mscaras de commedia DellArte se referem a um animal. Briguella meio co, meio gato e finalmente o doutor meio porco... No sculo XX houve uma revalorizao da mscara atravs da descoberta da arte primitiva pela pintura. Pela influncia do teatro oriental no ocidente e ao ressurgimento dos esportes. Isto acarreta na descentralizao do rosto e uma maior conscientizao do corpo, refletindo nas artes. O corpo passa a ser parte de um todo. Vrios encenadores utilizaram a linguagem da mscara em seus espetculos no sc XX: Oskar Schlemmer, Bertolt Brecht, Flvio de Carvalho, Meyerhold e todos se depararam com um grande desafio: A mscara no ocidente estava absolutamente adormecida. Nas ltimas dcadas a mscara passou a ser utilizada tambm como instrumento de treinamento para o ator, justamente por esta qualidade ou caracterstica da mscara: de esconder e revelar. A mscara, no inicio do processo, faz com que o ator sinta-se tranqilo e protegido, pois ela esconde o seu rosto, que onde ele mais se apia para se expressar. No entanto, logo depois o ator se sente desprotegido por ter perdido o rosto, s possuindo o corpo para se expressar. E o corpo destreinado mostra-se claramente, sendo que a qualidade dos movimentos percebida instantaneamente. Jacques Copeau, diretor de teatro francs, desenvolveu um novo mtodo de treinamento para a formao do ator, com o uso da Mscara Neutra, na Frana, em 1920, na Escola de Vieux Colombier. Utilizava uma meia ou tecido para neutralizar o rosto do ator, queria que o ator encontrasse o silncio dentro de si: a neutralidade. Este mtodo foi difundido na Europa e nos Estados Unidos, atravs de seus discpulos. Jacques Lecoq foi um deles, aprofundando seus estudos com a Mscara Neutra. Amleto Sartori foi o escultor que desenvolveu a forma da mesma, sendo esta de fisionomia simples e simtrica, pintada geralmente de branco ou ocre. A Mscara Neutra possibilita ao ator descobrir seu corpo, proporcionando uma melhor expresso corporal, a fim de eliminar os excessos e os gestos do cotidiano. Com maior domnio dos seus gestos, o ator pode formar com seu corpo imagens claras e definidas.

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Ela prope ao ator um estado de descoberta, possibilitando uma maior disponibilidade para receber, olhar, sentir, tocar coisas elementares como se fosse a primeira vez. Ela desenvolve a presena do ator no espao em que ele se encontra e atravs do silncio ela se relaciona com todo o universo presente. Atravs dela o ator percebe o que um corpo presente e vivo A criao da Mscara Neutra por Amleto Sartori foi inspirada pela mscara de teatro Noh. O Teatro Noh originou-se entre a elite de Kioto. Busca-se nele um refinamento fsico e espiritual. Utiliza gestos codificados. Suas mscaras definem o sexo, a idade, o carter, o sentimento e a condio social. O seu peso e a sua dimenso so estudados de modo a consentir a maior facilidade em sua utilizao. A abertura da boca para a passagem da voz e os olhos so pequenos para interiorizar. As mscaras so menores do que o rosto para modificar a silhueta. Estas mscaras so confeccionadas sempre por um especialista: um escultor de madeira. A madeira usada escolhida de uma seleo de ciprestes. entalhada de forma que o nariz aponte para o seu centro. Normalmente o tempo de construo de uma mscara dura quatro meses. Estas mscaras foram criadas no sculo XV, e tanto sua forma como sua tcnica de confeco mantida at os dias de hoje.

Figura 10: Ko-omot.

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Fonte KO-OMOTE, 2009.

A mscara mais impressionante a mscara: Ko-omot (Fig. 10) mscara de mulher jovem o melhor exemplo de neutralidade, pois com seu posicionamento, boa utilizao e jogo de luzes consegue conter muitas expresses e diferentes leituras. Todo o objeto que se coloca em frente face, escondendo-a, em vrios contextos, como, por exemplo, no Carnaval e em certas obras teatrais. Para muitos povos, as mscaras so consideradas objetos mgicos, dando aos seus utilizadores poderes especiais. As mscaras so ainda usadas em todo o tipo de rituais iniciticos e outros, possuindo um simbolismo muito complexo, diferente de sociedade para sociedade. As mscaras fnebres, usadas em muitas civilizaes em pessoas normalmente de certa importncia, pretendem conservar a imagem do defunto, representando certa idia de permanncia. mscara associa-se normalmente esta idia de permanncia, mas tambm de esconderijo da pessoa e de identificao com aquilo que pretende representar, sendo esta ltima idia a que subjaz mscara teatral. No teatro grego, a mscara servia para dar aos atores a sua personagem, a sua persona (mscara). As mscaras eram tipificadas, correspondendo a um tipo de personagem pr-determinado, tendo tambm expresses faciais imutveis que indicavam o destino ltimo da personagem. Escondendo o rosto, os atores representavam usando apenas o tom de voz e o gesto. Ao longo do desenvolvimento do teatro, as mscaras foram sendo abandonadas, embora haja casos de reapario, como na Commdia DellArte italiana. As mscaras cmicas e trgicas do teatro grego ainda hoje representam, em conjunto, o teatro: afinal, os atores, ao assumirem uma personagem, esto ainda a colocar uma mscara sobre si mesma. De certa forma, a maquilagem e o guarda-roupa mantm a idia de mscara, ou seja, de substituio da pessoa do ator por uma persona durante o tempo que dura a representao. Ainda hoje, a mscara strictu sensu usada em teatros de civilizaes distintas da ocidental. Na literatura em geral, a mscara, para alm de tema de variados contos, romances e peas, usada como smbolo da assuno de uma identidade diferente da original ou como smbolo do esconder dessa mesma identidade (recorda-se apenas das mscaras dos super-heris da banda desenhada, que no s assumem

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uma identidade diferente usando mscaras, como escondem a anterior, mantendoas separadas). Alis, as palavras pessoa e personagem tm como base a palavra persona, mscara em grego. O termo persona designa hoje, tecnicamente, a personagem criada pelo autor para a criao potica e para as narrativas na primeira pessoa, lembrando que o autor no texto sempre uma mscara, uma criao, mesmo quando o autor pretende identificar o narrador consigo prprio. Qualquer personagem numa obra sempre descendente da mscara grega, sempre uma construo de uma identidade em outra. A mscara aparece da antiguidade aos tempos modernos, entre primitivos e civilizados como um instrumento essencial para entrar em um mundo extraordinrio: proporcionando ao homem a possibilidade de mutao, atendendo uma vontade profunda de sentir-se outro e de superar seus limites. Na descrio de Campbell (2001) em As mscaras de Deus, sobre o desenho pr histrico encontrado na caverna em Arrige (Fig. 11) Feiticeiro de Trois Frres (Masked Sorcerer). Ele est equilibrado de perfil, em um movimento de dana; a cabea dotada de chifres est de frente, as orelhas pontudas so as de um veado; os olhos redondos sugerem os de uma coruja; a barba abundante descendo at o peito do animal a de um homem, bem como as pernas que danam; a imagem tem a cauda espessa de um lobo ou cavalo selvagem e a posio do proeminente rgo sexual, situado abaixo da cauda o da espcie felina talvez de um leo. As mos so garras de um urso. A figura tem 75cm de altura e 33cm de largura uma imagem misteriosa e emocionante.

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Figura 11: Feiticeiro de Trois Frres.Fonte: RUODGER, 2009.

Quando se l este texto nota-se quanto esta necessidade de transformao nos acompanha em rituais, festas populares e principalmente no teatro. Podemos dizer que a mscara reflete a face de muitas culturas. Nos rituais a mscara no existe s, ela possui corpo, movimento, espao e som e em alguns locais este conjunto chamado de mascarada por no se dissociar do seu todo. Da mesma forma no teatro a mscara tem um significado como conjunto. Muitas vezes chamamos mscara ao trabalho do ator sem sequer existir uma mscara material; a juno da atuao e do figurino e outros elementos cnicos que chamamos mscara. Ao mesmo tempo em que pensamos na mscara como algo simples ela extremamente complexa.

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11.

TERAPIA ATRAVS DA ARTE

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Muitos autores concordam que a arte pode ajudar em processos teraputicos, facilitando o encontro com seu verdadeiro eu. O teatro pode ajudar o individuo a aprender a se relacionar consigo mesmo e com o outro. Com auxlio da expresso artstica e a criatividade inerente, o ser humano expressaria, tomaria conhecimento e sentir-se-ia individualmente participando do seu contnuo processo de crescimento, dentro de um contexto social. Esta a alma da arte, este poder que se pretende recuperar pelas artes terapias e terapias expressivas (ANDRADE, 2000). O indivduo estar mais prximo do saudvel quanto mais puder estar consciente de seu funcionamento, papis e escolhas, ampliando sempre suas possibilidades de atuao no meio, percebendo que as redes e vnculos sociais exigem e/ou esperam determinadas posturas e atitudes bem como que aprende-se social e culturalmente a vestir as mscaras para viver. O homem realiza sua natureza criativa dentro de um contexto cultural. necessrio reconhecer o quanto o ser criativo, em sentido amplo, permite, a nvel individual, a sanidade mental, atravs do autoconhecimento. Tambm pode-se defender, a nvel social, a arte (ANDRADE, 2000). Em contato com a arte o ser humano se sentiria menos individualizado, faria ele mesmo a diferena no seu processo de crescimento. Tendo conscincia de seu corpo de suas escolhas, aumentando assim a sua aceitao no seu prprio meio, aprendendo a usar a mscara certa, viveria com certeza, melhor em grupo. O individuo pode e deve usar mascaras, porm, devem ser conscientes. O que se percebe que a maioria usa mascaras de forma automtica. No automtico as mascaras podem conduzir a bloqueios. De modo geral, as pessoas reconhecem a existncia dos diversos eus, ou seja, dos diversos papis que assumem ao longo de sua vida. Porm, julgamos de suma importncia que cada um tenha condies para perceber como, de que forma e o que fazer quando a(s) mscara(s) prejudica(m) sua existncia plena. Alm da diversidade dos eus, tambm importante ao indivduo a capacidade de perceber as relaes e reaes para consigo, com os outros e com o meio, todos influenciados diretamente pela(s) mscara(s) (DERDYK, 1989). como um fator de conscientizao, isto , de participao no alienada e ativa no processo poltico, econmico e histrico

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Com este corpo, grvido de eus, delineador de subjetividades eternamente emergentes, o ato criador massa mesclada do pensamento com impulsos, emoes, sensaes, afetos, memrias, imagens, vontades, desejos arremessa ao mundo, de forma incisiva e decisiva, novas formas de vida (DERDYK, 1989). Muitas formas de manifestao so inseparveis do ser humano. Em todas as pocas, culturas e sociedades, existem registros de expresses artsticas ou com fins estticos, ritualsticos ou descomprometidos claramente de finalidades. E mesmo que atualmente a tendncia ao pragmatismo e racionalismo tenha adquirido um espao considervel (associado de forma notvel e estvel aos padres tidos como aceitveis e coerentes por uma grande parcela das diversas populaes do mundo), o que se percebe que muitas pessoas, por mais que tenham tais valores cristalizados, tm sido capazes de se entregar aos trabalhos que resgatam esse livre espao de sentir, criar, brincar. Dessa forma, acredita-se que estejam usufruindo os benefcios dessas experincias em termos de bem-estar, de sade fsica e mental. Uma das propostas das artes na