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Matador de Palhacinho

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texto de Hugo possolo

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MATADOR DE PALHACINHO

Ser palhaço implica em ser confundido com uma série de picaretas que vagam por aí se achando engraçadinhos. Não é raro ouvir falar de amadores, tais como os políticos. Prefiro me dedicar aos profissionais. Aos que, em geral ganham uma merreca, e que simplesmente pegam a milenar arte de fazer rir e a transforma na maior chatice da face da terra. Depois de ver no Programa do Jô um poeta maluco, ecologicamente incorreto, que apareceu cantando uma música chamada “Matador de Passarinho”, decidi partir para um plágio: “Matador de Palhacinho”.Infelizmente não me lembro do nome do poeta, mas desde então sempre que vejo um mala destes “atuando”, logo a música me salta em paródia na cabeça:“Ele banca o engraçado Fazendo suas piadinhas, Mas agora não faz mais...Porque:Pá! Pá! Pá!Pá! Pá!Matador de Palhacinho!”

Aproveitei para colocar algumas informações básicas sobre palhaços que sempre me perguntam. Achei a oportunidade ótima.

Clique nos quadradinhos e divirta-se!

(Texto dos Quadradinhos)Clown ou palhaço?

Já não agüento mais corrigir as pessoas que me chamam de clown. É um saco!... Sou Palhaço. Pra mim este papo de clown é coisa de gente que gosta de ser colonizado. Tô fora! Esta confusão se deve ao fato de que, duas décadas pra cá, alguns artistas de Teatro, muitas vezes, deixam de traduzir a palavra inglesa clown, que quer dizer palhaço, para tentar definir o seu trabalho. Acho que pra passar um verniz intelectual na coisa. Muitos destes clowns são muito dos sem graça! Usam umas vozezinhas estridentes, uns gestinhos piegas e umas poses nostálgicas e insuportáveis. E quando você assiste a um, já assistiu a todos. Parecem fatias de pão de forma, todos iguais. Chega, moçada!Odeio quando se fala em “trabalho de clowns”, ou mesmo uma suposta diferença entre “palhaço de picadeiro e de palco”. É importante ficar claro: as palavras clown e palhaço querem dizer a mesma coisa, só que em línguas diferentes. E mais!Palhaço é para fazer rir. Se não fizer rir, não é palhaço. Esta é uma definição simples do significado de uma arte tão antiga quanto universal. Colegas, por favor respeitem nosso passado. Assumam-se palhaços se quiserem chegar aos pés de Piolin, Arrelia, Pimentinha, Torresmo, Pururuca e Picolino. Eles foram palhaços com P maiúsculo. Todos eles aprenderam muito dos segredos desta profissão cheia de magia e encantamento, antes de pintar o rosto.

Falarei mais um pouco sobre clowns no quadradinho referente à Commedia dell´Arte.

E a Commedia dell´Arte?

Outra coisa que me dá nos nervos é o tanto de gente se dedicando a estudar Commedia dell´Arte supondo estarem fazendo uma pesquisa sobre o cômico que tem primazia sobre outras formas desta manifestação. Uma arrogância chic, cheia de palpites intelectualóides, como se cada uma das possibilidades artísticas tivesse que ser superior a outra. Cá entre nós, só vi graça em Commedia dell´Arte feita por italianos. Qualquer outra nacionalidade quando envereda por este

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viés acaba me parecendo como japonês no samba. Sem preconceitos, é uma questão cultural. Você pode encontrar um ou outro que acerte o passo, mas em conjunto fica muito ruim. É preciso ficar claro: o palhaço não tem origem na Commedia dell´Arte. Aliás, sua formação é bem anterior e vem dos cantos Ditirâmbicos que originaram o Teatro Grego. No entanto, a formação do palhaço moderno, como o conhecemos hoje, se dá no mesmo período da Idade Média em que a Commedia dell´Arte se constitui, tendo como raiz a Farsa Atelana.Assim como na Commedia dell´Arte não trabalhamos com personagens e, sim, com arquétipos. Arqué vem do grego e quer dizer fonte, como se fôssemos numa fonte beber um tipo de pessoa. No caso, bebemos um tipo que faz rir. Não o único que faz rir, mas aquele que principalmente faz rir. Este arquétipo é dividido, dentro a tradição circense, em duas funções: o Claum (no bom e velho Português) e o Excêntrico. Excêntrico, como o nome diz, é aquele que é fora de centro, deslocado de seu eixo, como um bêbado, sempre tropeçando, falando asneiras e constantemente feliz. O nome Claum que obviamente vem de clown, explica o motivo maior para tomar cuidado com a falta de tradução e suas inconseqüentes confusões. Claum é também chamado de Branco. Excêntrico pode também ser chamado de Augusto ou de Toni.Fica aí o recado: pode parecer que o cara não precisa saber nada disto para fazer rir. E realmente não precisa, mas se souber pode ajudar bastante.

Festinha de Aniversário!

Já fiz muita animação de festinha. É um mico brabo com o qual, às vezes, dá até pra ganhar uns trocados a mais. Se você quer fazer rir pode até funcionar como uma escola. Para tirar risos de uma platéia destas o cara tem que saber do riscado. Mas não se iluda, palhaço em festinha é como músico em barzinho. Ou seja, um artista se apresentando para o nada, com o nada e por nada. Veja bem, os seus possíveis interlocutores não estão nem aí pra você. Os pais te contrataram por status. As crianças nem querem saber de você. Os convidados acreditam que você é uma babá de luxo sujeita a ser espancada por criancinhas truculentas. Enfim, você entra numa roubada! O duro é que está cheio de gente que tem um certo orgulho esquisito de fazer festinha. Talvez porque dê alguma grana. Ou porque é uma tarefa tão árdua que o cara necessite se autovalorizar. Cá entre nós, vi poucos caras bons nisto. A maioria é muito chulé! Rascas, como se diz no Circo.

Ah, e não adianta reclamar com os sábios pais de classe média sobre o espancamento que os petizes fazem. Os pais acham que estão ensinando seus pequenos ditadores a serem pessoas menos reprimidas. E quem paga o pato é você, palhaço! Seria preciso um tratado para convencer um pai babaca destes que educar é outra coisa.

E Hospital?

Não quero desfazer da ajuda humanitária importantíssima que significa alguém se vestir de palhaço e dar assistência a pacientes em hospitais. Porém, não vamos nos confundir. Esta atividade tem criado uma espécie de derivado equívoco da profissão. Alguns jovens se iludem acreditando estarem aprendendo a se tornarem palhaços fazendo este valoroso trabalho. Basta pensar um pouquinho pra ver que é desumano fazer uma criancinha doente cair na gargalhada. Ou seja, palhaço mesmo, que faz rir, em um hospital é cruel demais. Já, se o cara entra no quarto de hospital faz umas graçolas, solta umas bolinhas de sabão bem lúdicas e chispa dali... Beleza! Vai ajudar a criança com certeza, mas é o máximo que ele deve fazer. Enfim, de fato, o que acontece é a utilização da imagem do palhaço para se recuperar um doente. Lindo. Mas não se deixe confundir com imitações. Caridade é uma coisa nobre, altiva, enquanto as boas palhaçadas são baixas, rústicas e grotescas. Aliás, a caridade é um prato cheio para quem quer fazer uma piada.

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Esta atividade de entretenimento na área de Saúde, que bem poderia ter outro nome, deveria ser algo oficial nos hospitais, sejam eles públicos ou privados, já que está mais do que provado o quanto ela ajuda aos pacientes. Agora, a dependência de patrocínios é uma vergonha para todos. Desculpem-me os vários colegas que trabalham no ramo, mas fazer marketing às custas de uma relação destas é um pouco hipócrita. Claro que a hipocrisia maior é das autoridades, médicas e governamentais, que ainda não enxergam a importância desta atividade. E infelizmente também é uma hipocrisia de quem estabelece a relação econômica da atividade através das leis de incentivo à Cultura. É muito esquisito!

E Viva as Compras!

Não quero chutar cachorro morto, mas é bom lembrar que usam e abusam da imagem do palhaço para vender coisas. A figura se presta a isto perfeitamente. Tem apelo junto às crianças e ainda por cima não paga royalties para ninguém. Qualquer idiota pode por uma roupinha espalhafatosa e ir pra frente uma loja anunciar uma promoção. Se souber usar pernas-de-pau então, é o bicho! Dá um ar de que o cidadão domina alguma técnica. Limitar-se a pensar na pobreza que é trabalhar na porta de loja é que mostra o quanto não damos atenção aos comerciais de Tv ou às promoções em Shoppings. Pra mim, tudo é a mesma coisa, sendo que a diferença é o cachê. Acho mais digno, por sinal, o pobre coitado da porta de loja, pois seu objetivo ali é sobreviver. Duro é agüentar os trouxas que comemoram ter participado de um comercial com se isto o fizesse melhor ou mais profissional que os outros. Boa parte desta utilização da figura do palhaço se deve ao circo americano. Lá nos E.U.A. a chegada dos circos se deu no momento de crescimento e independência e arraigou um pensamento de grandiosidade, que tão bem caracteriza o show bussines. O palhaço americano é desumano em sua forma. Tipo Bozo, Ronald Mac Donald´s, cuja maquiagem esconde o ser humano por trás da máscara. São desprovidos de humor. São apresentadores coloridos e exagerados, mas sem a menor graça. Enfim, são ótimos para ficarem atrás de um produto fazendo marketing. Deixam de ser importantes, pois o que interessa é faturar. Olha aí, moçada, se é pra fazer isto, acho mais honesto tentar ser banqueiro. E olha que ser banqueiro não é nenhum exemplo de honestidade.

Mímicos?

Quem se dedica à arte de fazer rir tem que ter alguma noção de pantomima. É importantíssimo dominar o gestual. Mas, por favor, eu imploro, não nos confundam com aqueles caras que se vestem de preto, pintam a cara de branco e ficam alisando o ar achando que todo mundo está entendendo tudo! A grande maioria deles pode facilmente ser encontrada girando na esteira do aeroporto, porque são uns malas! Conheço um mímico que em toda festa que vai logo quer ensinar com se faz um ¨ponto fixo¨ ou mostrar como ele é bom em fazer aquelas andadas pra trás tipo Michael Jackson. Encontrar com estes caras é um apuro. Falam mais que a boca quando estão fora de cena e quando estão em cena se contorcem e se torcem sem dizer nada. Fica um exibicionismo técnico insuportável. E este é o problema! As novas gerações de artistas são muito dedicadas a técnicas. É uma febre de oficinas e cursos, que com certeza ajudam muita gente a compreender melhor os meandros da profissão de ator. Só que é importante lembrar que a técnica deve estar a serviço do que se quer expressar. Se você não tem o quê dizer, a técnica não se presta pra nada. Talvez pra alimentar o ego de quem a domina e olhe lá!

Pedágio?

É duro ter que confessar, mas já fiz este tipo de merda. Já fiquei em um semáforo, vestido de palhaço, e encostava na janela do cara que estava dirigindo para pedir um trocado pra ajudar na produção de um espetáculo. Mesmo usando a grana para fazer a peça isto é vergonhoso. Fiz isto quando era bem jovenzinho e já estou quase superando o trauma.

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Muito tempo depois, quando comecei de fato a fazer palhaçadas na rua, percebei que se queria que alguém pagasse pela minha arte, eu teria a obrigação de mostrá-la primeiro. É muito mais coerente. E funciona. Se o público gosta do que está vendo, ele põe dinheiro no chapéu. E não regula. Põe o dinheiro com gosto, com prazer. O público sabe valorizar o artista, especialmente quando este sabe valorizar aquilo que está apresentando ao público.Hoje, quando paro o carro e aparece um palhacinho na janela pedindo ¨uma força¨, eu digo que ele faça a força antes e me mostre o que sabe. Se me fizer rir, até contribuo. Caso contrário saio xingando.E canto aos berros:¨Pá! Pá! Pá!Pá! Pá!Matador de Palhacinho!¨

Sombra?

SOMBRAS SÃO CHATÍSSIMOS!!!É o pior tipo que existe. Minha verve assassina grita quando vejo um pentelho destes andando atrás de alguém fazendo imitações. É um jogo desigual. Fazer as pessoas se divertirem às custas de alguém que está indefeso e desprevenido é muita sacanagem. E pior, sem graça. Nos primeiros segundos é até risível, mas depois fica previsível demais. Piada telegrafada não funciona. Humor é pra quem tem inteligência para surpreender a platéia. Quero ver se um cara destes consegue segurar a peteca se o trouxa que está sendo imitado estiver de igual pra igual com ele. Além do mais, esta coisa se proliferou por causa do Programa do Faustão, que também lançou e proliferou no Brasil a câmera escondida, com as famosas ¨Pegadinhas¨. Outra forma sórdida e abominável de se fazer graça. Que humor é este que humilha as pessoas? Qual é graça em tripudiar da inocência alheia?Quer saber... Vai te catar!Ou melhor, pra vocês eu canto:¨Matador de Palhacinho!Xô, Sombras! Vodus da minha profissão! Xô!¨Xô, Pegadinhas! Xô!¨

Matador de Palhacinho

Quero ser o Matador de Palhacinho! Cansei de ser bonzinho com colegas que insistem em não avaliarem o sentido ético de nossa profissão. Sou radical. Sou preso à raiz do picadeiro e faço meu trabalho com a visão de um artista dos dias de hoje. Tenho como referência os grandes palhaços brasileiros e não abro mão disto. Não preciso de rótulos estrangeiros pra vender meu peixe. Já ensinei técnica pra muita gente e percebi que falhei quando devia ter ensinado a ética primeiro. Ela é mais importante. Já assisti ex-alunos fazendo picaretagens com técnicas que ensinei e é muito desagradável. A grande vantagem é que sei que posso errar, exatamente porque se não existisse o erro, não existiria o Palhaço.A figura do Palhaço representa o que a humanidade tem de ridículo. Fica aqui a dica: quem quer fazer rir, deve saber o que tem em si de ridículo, mas principalmente, buscar o que a humanidade tem de ridículo. Para quem quer ser um bom palhaço as dificuldades não são um motivo para desistir, pois não são poucas. Mas lembre-se: não vacile!Você pode estar na mira do Matador de Palhacinho!

Créditos

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Atores: Luís Alex Tasso (Palhaços) Claudinei Brandão (Homem do Sombra)Marcos Loureiro (Trombonista)

Fotos: Márcia Chiochetti e Alexia Elmurr

Assistência de Produção: Sâmara Elmurr

Figurinos e adereços do acervo dos Parlapatões.Agradecemos ao TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, onde foram realizadas as fotos.