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MODULO DE ADM – GUILHERME PENA – CEPAD COPACABANA – JANEIRO DE 2006 Aula nº 1 – Tema: Administração Pública INTRODUÇÃO A base do direito administrativo moderno é o estudo da nova administração pública e o estudo dos 3 setores administrativos. O que é Administração Pública? É um conjunto de agentes, órgãos e entidades, incumbidos do exercício da função administrativa. Então, a todo agente, órgão ou entidade que estiver incumbido do exercício dessa função administrativa, dar-se-á o nome de Administração Pública. A partir desse conceito é importante colocarmos 3 notas: 1. Há uma distinção entre o termo Governo e o termo Administração Pública. Nós podemos dizer que Governo é um conjunto de agentes, órgãos e entidades que integram a estrutura constitucional do Estado . Além disso, Governo é investido de Poder Político. Então, Governo é um conjunto de agentes, órgãos e entidades que integram a estrutura Constitucional do Estado, investido de Poder Político. Dessa segunda característica decorre a terceira, qual seja: matéria exclusiva de Direito Constitucional. Tanto é que no Direito Constitucional vocês estudam formas de governo e sistemas de governo. Não é isso que veremos agora. Nós vamos analisar a Administração Pública, que é exatamente o contrário: é o conjunto de agentes, órgãos ou entidades que integram a estrutura administrativa do Estado. Quando se diz que eles estão incumbidos do exercício da função administrativa, se quer dizer que eles integram a estrutura administrativa do Estado. Portanto, a Administração Pública não se encontra investida de Poderes Políticos, mas sim de Poderes Administrativos. Disso decorre que Administração Pública não é matéria de Direito Constitucional, mas sim de Direito Administrativo. Portanto, Administração Pública tem 3 características absolutamente antagônicas ao Governo. 1

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MODULO DE ADM – GUILHERME PENA – CEPAD COPACABANA – JANEIRO DE 2006

Aula nº 1 – Tema: Administração Pública

INTRODUÇÃO

A base do direito administrativo moderno é o estudo da nova administração pública e o estudo dos 3 setores administrativos.

O que é Administração Pública? É um conjunto de agentes, órgãos e entidades, incumbidos do exercício da função administrativa.

Então, a todo agente, órgão ou entidade que estiver incumbido do exercício dessa função administrativa, dar-se-á o nome de Administração Pública.

A partir desse conceito é importante colocarmos 3 notas:

1. Há uma distinção entre o termo Governo e o termo Administração Pública. Nós podemos dizer que Governo é um conjunto de agentes, órgãos e entidades que integram a estrutura constitucional do Estado.

Além disso, Governo é investido de Poder Político. Então, Governo é um conjunto de agentes, órgãos e entidades que integram a estrutura Constitucional do Estado, investido de Poder Político.

Dessa segunda característica decorre a terceira, qual seja: matéria exclusiva de Direito Constitucional. Tanto é que no Direito Constitucional vocês estudam formas de governo e sistemas de governo.

Não é isso que veremos agora. Nós vamos analisar a Administração Pública, que é exatamente o contrário: é o conjunto de agentes, órgãos ou entidades que integram a estrutura administrativa do Estado. Quando se diz que eles estão incumbidos do exercício da função administrativa, se quer dizer que eles integram a estrutura administrativa do Estado.

Portanto, a Administração Pública não se encontra investida de Poderes Políticos, mas sim de Poderes Administrativos.

Disso decorre que Administração Pública não é matéria de Direito Constitucional, mas sim de Direito Administrativo.

Portanto, Administração Pública tem 3 características absolutamente antagônicas ao Governo.

Aliás, a diferença primordial que existe entre os dois principais temas do Direito Público é esta: o Direito Constitucional estuda Governo; estuda estrutura e por isso tem caráter estático.

Agora, Direito Administrativo estuda administração; estuda funcionamento e por isso tem caráter dinâmico. Vocês podem perceber que os administrativistas adoram o termo máquina, porque dá uma idéia de movimento.

2. Dentro dessa Administração Pública devemos fazer uma segunda consideração. Há diferença entre Administração Pública (com letras maiúsculas), ou

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Administração Pública em sentido subjetivo, e administração pública (com letras minúsculas), ou administração pública em sentido objetivo.

Administração Pública (em sentido subjetivo) : é a estrutura administrativa, que estudaremos agora, isto é, os setores administrativos, os agentes, órgãos, etc.

Agora, a administração pública (em sentido objetivo) é colocada como atividade administrativa, que estudaremos ao longo do curso.

3. Quando se começa a estudar a estrutura administrativa do Brasil, qual é o princípio fundamental dessa estrutura? É o princípio da descentralização. Essa descentralização tem graus diferenciados, que vão explicar diversos fenômenos. Por exemplo: nenhum autor se preocupa em explicar de onde surgiram os 3 setores da Administração Pública. É exatamente esse princípio que dá origem aos três setores.

Vamos abandonar a velha dicotomia do Hely Lopes Meirelles, que falava em desconcentração e descentralização, porque isso está ultrapassado e não explica as ONGs. É melhor falarmos em descentralização e escalonarmos em graus.

É exatamente esse o tema que vamos começar a tratar hoje. O que é descentralização? Significa técnica de especialização de atividades estatais.

Essa descentralização tem 4 graus, conforme a intensidade que ela tenha. Mas essa diferença de grau vai se dar em decorrência de uma distinção entre órgão e entidade.

Guardem que a entidade é sempre personalizada, ou seja, goza de personalidade jurídica; é Pessoa Jurídica, seja de Direito Público ou Privado; não importa. O Estado do Rio de Janeiro é uma entidade, inclusive Federativa.

Agora, o Órgão não é Pessoa Jurídica. Não é personalizado. Órgão é um centro de atribuições. Ou, de uma outra forma: é uma universalidade de direito, mas pessoa jurídica não é. Por ex.: O Estado do Rio de Janeiro é uma Entidade, mas o MP, a Defensoria Pública, a PGE, o Poder Judiciário, todos do Rio de Janeiro são órgãos que pertencem a essa entidade. Percebam que pode até ter capacidade processual, mas pessoa jurídica não são. É o que Pontes de Miranda chamava de capacidade judiciária.

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Considerem como entidade a União. Ela possui um órgão central, que é a Presidência da República.

A partir disso nós vamos decompor os graus diferenciados.

1. Pode haver um primeiro grau, que é o mais rudimentar possível. É onde existe uma especialização de atividade para outro órgão dentro da mesma entidade. Por exemplo: a Presidência atribui uma atividade a um Ministério. São dois órgãos (Presidência e Ministério) pertencentes a uma Entidade (União).

Agora, tomem cuidado com o seguinte: Presidente e Ministro são Agentes, mas Presidência e Ministério são Órgãos. Então, vejam que houve atribuição de uma atividade estatal de um órgão (Presidência da República) para outro órgão (Ministério do Estado). Ou seja, a atribuição – especialização – da atividade estatal de um órgão para outro órgão, ambos no âmbito da mesma entidade. Esse primeiro grau é chamado de descentralização hierárquica. É o que o prof. Hely Lopes Meirelles chamava de desconcentração.

2. Num segundo nível, podemos especializar essa atividade não no mesmo órgão, mas para outra entidade: isto é, uma pessoa jurídica autônoma.

Mas essa entidade ainda está na órbita estatal. Isso significa: manter vínculo de natureza legal. Pelo fato de esse vínculo ser legal é que se pode dizer que essa entidade está dentro da órbita do Estado. Exemplo: autarquia é criada por lei pelo Estado. É uma pessoa jurídica autônoma que está dentro da órbita estatal. Outro exemplo: fundação pública não é criada pelo Estado, mas ele autoriza que ela seja criada. Isso também vale para a Empresa Pública e para a Sociedade de Economia Mista. São Pessoas Jurídicas autônomas, portanto não se confundem com a Entidade que a criou, mas mantêm em relação a ela vínculo legal.

Esse segundo nível se chama: descentralização institucional. É o que Hely Lopes Meirelles chamava de, pura e simples, descentralização. Em alguns livros vocês vão encontrar menção à Outorga, que é sinônimo.

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3. Num terceiro nível, vamos especializar funções para outra Entidade (pessoa jurídica), só que fora da órbita estatal. Isto é, atribuir essa atividade estatal para uma pessoa jurídica autônoma que não está na órbita do Estado. Não mantém vínculo legal, mas sim contratual.

Ex.: concessionária de serviço público: há um contrato de concessão de serviço público mantido entre uma entidade privada e o Estado. Outro exemplo: permissionária de serviço público: há um contrato administrativo de permissão de serviço público (segundo a doutrina majoritária) entre o Estado e a Permissionária. Para quem admitir Autorização do serviço público, temos uma autorização que atribui um serviço do Estado a um particular. Então, na concessão, na permissão e na autorização, existe um vínculo que não decorre de lei, mas sim de contrato.

Nesse terceiro nível, nós damos o nome de descentralização por delegação. É o que a doutrina antiga chamava de delegação. Notem que outorga decorre de lei e delegação decorre de contrato.

Até aqui os autores clássicos iam.

4. Só que foi verificado um novo fenômeno que poderia configurar um quarto nível. Percebam que em todos os casos houve uma prévia atribuição de uma atividade estatal.

Vejam que na descentralização hierárquica (1) houve uma atribuição prévia de uma atividade estatal a outro órgão no âmbito da mesma entidade.

Na descentralização institucional (2) houve uma atribuição prévia de atividade estatal a outra entidade com vínculo legal.

Na descentralização por delegação (3) houve uma atribuição prévia de atividade estatal a outra entidade com vínculo contratual.

Só que até aqui não é possível explicar as Organizações Não-Governamentais (ONGs). São aquelas que nada foi atribuído.

O quarto nível é aquele que não existe uma atribuição prévia da atividade estatal, mas existe o reconhecimento posterior da atividade privada. Ou seja, o Estado não atribui previamente atividade dele. O Estado reconhece posteriormente atividade privada como válida. Por exemplo: ninguém atribuiu à LBV nenhuma atividade estatal, mas o Estado reconhece que essa atividade é válida e importante. Outro exemplo: o Estado não deu à Associação do Moradores da Rocinha poder para citar ou intimar, mas todos sabem que qualquer oficial de justiça que pretenda subir o morro, não desce mais.

As ONGs são entes privados que desenvolvem atividades e que o Estado reconhece posteriormente como válidas e importante. Ex.: associações de moradores, associações assistenciais sem fim lucrativos, etc.

Nesse quarto nível, temos o que há de mais moderno, que é a descentralização social. Também é chamada por alguns de reconhecimento. Enfim, é o reconhecimento posterior das atividades privadas.

Demos essa volta toda para dizer o seguinte: os três setores que formam a Administração Pública nascem daí.

O primeiro setor nasce do nível 1 e do nível 2.4

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Vejam que no nível 1 temos uma entidade a partir da qual vai surgir essa técnica de especialização. Logo, a Entidade pode ser a União, Estado, DF ou Município.

Esse nível 1 vai dar ensejo à Administração Pública Direta, que é formada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Em síntese, a Administração Pública Direta é formada pelos órgãos dessas entidades.

Já o nível 2 vai dar ensejo à Administração Pública Indireta, que pode ser as Autarquias, as Fundações Públicas, as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mistas.

Isso tudo compõe o 1º Setor: Administração Pública Direta e Administração Pública Indireta.

Só para reforçar: a Administração Pública Direta é produto da descentralização hierárquica (ou desconcentração). E é formada pelos órgãos que compõem a União, Estados, DF ou Municípios, conforme seja Administração Pública Direta Federal, Estadual, Distrital ou Municipal.

A Administração Pública Indireta é produto da descentralização institucional (ou descentralização pura e simples, ou outorga). É formada pelas Entidades que estão nesse processo, ou seja, as Autarquias, as Fundações Públicas, as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mistas.

Esse é o 1º setor.

O segundo setor nasce do nível 3.

Como nós citamos, os exemplos podem ser as concessionárias, as permissionárias ou autorizatárias. São, portanto, as entidades delegatárias. Isto é, destinatárias da delegação contratual.

Vamos deixar a autorização com linha tracejada, porque se questiona a existência de autorização. Autores como Hely Lopes Meirelles afirmam que existe a autorização de serviço público. O fundamento estaria no art. 21, XI da Constituição:

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XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

Com base nisso, alguns autores admitem a existência de autorização de serviço público.

Aliás, esse artigo não tem importância só para o Direito Administrativo. Tem importância também para o Direito Constitucional. Vocês podem perceber que esse é um dos dois artigos da Constituição que fundamenta as Agências Reguladoras, quando diz “criação de um órgão regulador” (art. 21, XI). Aqui está a ANATEL. O outro é o art. 177, § 2º, III da Constituição Federal, que fundamenta a ANP.

2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do

monopólio da União;

Alguns autores (por exemplo: José dos Santos Carvalho Filho) não admitem autorização. Ele fundamenta isso com o art. 25, § 2º da Constituição Federal:

§ 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação;

Dizem esses autores: há um novo serviço público (gás canalizado) a que a Constituição sequer mencionou a permissão; quanto mais a autorização.

Aliás, esse artigo também tem importância no Direito Constitucional. O art. 25, § 2º soluciona uma questão que o STF esqueceu, que seria a seguinte: o STF passou 5 anos discutindo se existia Medidas Provisórias estaduais e municipais, mas nunca alguém invocou esse artigo. O STF chegou à conclusão de que existia MP estadual e municipal, desde que as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios fizessem previsão do instituto (e simétricas). Bastaria citar esse artigo para encontrar a solução, quando se diz “vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação”. Ora, só se pode estar falando de MP estadual. E se não cabe MP para esse tema, é porque cabe para os outros.

Bom, depois estudaremos com calma o tema de autorização. Por enquanto, deixamos a linha tracejada para demonstrar que há controvérsias quanto à sua possibilidade. Já posso colocar que na prática existe autorização. Tanto é que os táxis do Rio de Janeiro são – alguns – permissionários e – outros – autorizatários. Os diaristas são autorizatários e os titulares são permissionários. FIM DO LADO A.

INÍCIO DO LADO B.

O terceiro setor nasce do nível 4.

Bom, sobre o terceiro setor, a mídia costuma falar sobre as ONGs. A rigor, ONG tem nome técnico, que são as entidades intermédias. É uma entidade de intermediação entre o Estado e a Sociedade.

Essa intermediação se dá por duas formas: cooperação ou colaboração.

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A gente vai estudar isso com calma mais tarde, mas podemos adiantar o seguinte: cooperação e colaboração são formas de intermediação entre Estado e Sociedade. A rigor, a distinção está na iniciativa para a criação dessas sociedades.

Na cooperação a iniciativa para a criação dessas entidades é do Estado. São entidades privadas; exercem atividade privada, mas que o Estado reconhece. Isso não impede que o Estado crie e afete o patrimônio a ela.

Ex.: os Serviços Sociais Autônomos – o sistema “S” –, como o SENAI, SEBRAC, SESC, SESI, etc.

São entidades privadas, criadas pelo Estado, que exercem atividades privadas, mas o Estado reconhece como válidas.

Na colaboração a iniciativa para a criação dessas entidades é da Sociedade. Ou seja, foi alguém na sociedade que instituiu a entidade e depois o Estado reconheceu.

Ex.: Organizações Sociais – o sistema “OS” –, como a Fundação Roquete Pinto. É uma fundação privada regida pelo Código Civil, qualificada perante o MEC como Organização Social. A partir dessa qualificação passa a ser destinatária de recursos financeiros e humanos da União.

Alguns autores falam num quarto setor, que seria formado pelas Agências Reguladoras. Essa posição é absolutamente equivocada, porque as ARs são autarquias especiais e, por isso, pertencem ao primeiro setor. Embora tenham prerrogativas próprias, isso não tem o condão de atribuir a elas um setor próprio.

Então, a organização brasileira é decomposta em 3 setores, que partem dessa técnica de descentralização. Assim encerramos a primeira parte da aula.

Vamos agora começar o estudo de cada setor. Levaremos de 4 a 5 aulas falando sobre Administração Pública e cada um de seus setores.

1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA

Vamos decompor o estudo em 3 partes: agentes, órgãos e, por fim, as entidades. Quero deixar claro que entidade não é um estudo próprio de direito administrativo. Entidade é estudo que cabe ao direito constitucional: União, Estados, DF e Municípios.

1.1. AGENTE PÚBLICO

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O que é agente público? Pessoa1 que a qualquer título, definitiva ou transitoriamente, integra a estrutura da Administração Pública pelo exercício de cargo, emprego ou função.

Desse conceito vamos tirar duas matérias importantes. A primeira delas é sobre os pressupostos dos agentes públicos. Isso estava abandonado, até que surgiu uma questão sobre a delegação do Poder de Polícia, porque houve uma confusão entre usurpação de função pública – que é o diferencial do agente público – e a possibilidade de o Estado delegar o Poder de Polícia a particulares. É o caso das multas de trânsito da Guarda Municipal do Rio de Janeiro.

A segunda matéria importante é sobre a classificação dos agentes públicos, segundo o critério que as bancas utilizam.

1.1.1. Pressupostos dos agentes públicos

Para que alguém seja qualificado como agente público, terá que dar satisfação obrigatória a dois pressupostos: um de ordem objetiva e outro de ordem subjetiva.

O pressuposto objetivo seria o próprio exercício de atividade estatal. Todo agente é público porque exerce atividade estatal. O pressuposto subjetivo seria a regular investidura em cargo, emprego ou função.

A partir desses pressupostos há uma distinção feita por autores modernos entre, de um lado, agente público e, de outro lado, agente de fato e usurpador de função pública.

O que há de comum entre agente de fato e usurpador de função pública que os diferencie de agente público? A rigor, tanto no agente de fato quanto no usurpador de função pública existe a satisfação do pressuposto objetivo. Ou seja, eles exercem uma atividade estatal, mas não há a satisfação do pressuposto subjetivo, isto é, eles não estão regularmente investidos no cargo.

Agora, qual é a distinção entre agente de fato e usurpador de função pública? A distinção será feita pela causa. Isto é, a causa pela qual é exercida a atividade estatal: eles vão exercer essa atividade estatal sem regular investidura por causas distintas.

O agente de fato exercerá atividade estatal sem estar regularmente investido por duas causas: erro ou necessidade pública.

Se a hipótese for de erro, ele será chamado de agente de fato putativo. Ex.: um indivíduo foi aprovado no concurso pra PM. Essa pessoa tem a íntima convicção (ERRO) de que ela pode exercer a função de PM antes da posse. Ele vai numa loja militar, compra uma farda e começa a exercer a função de PM. Então, ele está exercendo função pública, sem regular investidura no cargo, em virtude de erro.

Se a hipótese é de uma necessidade pública, ele será chamado de agente de fato necessário. O agente de fato necessário é aquele que vai exercer a função estatal sem regular investidura, em virtude de necessidade pública. Ex.: há um incêndio e isso faz com que todos os sinais de trânsito apaguem. Uma pessoa 1 Vocês vão encontrar nos livros a citação à Pessoa Natural. Só que há uma hipótese no Brasil de Pessoa Jurídica ser agente público. É um caso excepcionalíssimo. Por isso a gente só coloca “pessoa”.

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vai para o meio da rua e começa a exercer a função de guarda de trânsito, perante a necessidade que daquela circunstância adveio. É um típico exemplo de uma pessoa que está exercendo uma função pública não por erro dela, porque ela tem a íntima convicção de que não é agente público, mas pelo estado de necessidade público. Há necessidade de caráter público que justifica a atuação dela.

Nos dois casos, a preocupação do indivíduo não foi tutelar um interesse próprio, mas sim tutelar o interesse público.

De outro lado temos o chamado usurpador de função pública. A causa de exercício da atividade estatal pelo usurpador de função pública não será erro ou necessidade pública. A causa será a violência ou a fraude.

Se a hipótese é de violência ele será chamado de usurpador de função pública violento.

Vamos utilizar o mesmo exemplo do PM, só que agora se trata de um pitboy que quer ser PM e não tem capacidade para passar num concurso. O que ele faz? Vai à rua, encontra um PM e o espanca para roubar sua farda. Passa a exercer a função de PM com as vestes daquele, sem regular investidura no cargo, emprego ou função por violência. Então ele será chamado de usurpador de função pública violento.

Se a hipótese é de fraude ele será chamado de usurpador de função pública astucioso.

Agora, pode ser que ela seja um pouco mais inteligente e assim não precisará utilizar de violência. O que acontece? Digamos que esse pitboy é um pouco mais inteligente. Ele não vai espancar o PM para roubar a farda; ele vai utilizar de um certo ardil para ludibriar aquele PM e furtar as vestes dele. Quando ele faz isso, ele não se utiliza de violência, e sim de fraude. Nesse caso ele será chamado de usurpador de função pública astucioso.

Percebam que nesses dois casos (de usurpação de função pública) ele não tutela interesse público. Ele tutela interesse privado.

A principal dúvida aqui é sobre a EFICÁCIA DOS ATOS PRATICADOS por essas pessoas. O ato praticado por aquele que passou no concurso da PM, mas não tomou posse produz efeitos? O ato praticado por aquele que furtou o PM produz efeitos?

A doutrina tem feito menção a três regras que se aplicam aos 4 exemplos:

Agente de fato necessário: o ato é plenamente eficaz, quer perante a Administração (efeitos internos), quer perante administrados (externos).

Já foi perguntado em prova oral de concurso: Dê um exemplo de teoria da aparência no Direito Público brasileiro.

Aquela pessoa que funcionou como guarda de trânsito tinha a aparência de ser guarda de trânsito. Isso justifica a validade de seus atos. No direito civil se diz que a aparência resguarda a validade de atos praticados por quem não figura como capaz para tanto, tendo em vista a boa-fé do terceiro.

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Ou seja, o agente de fato necessário pratica ato plenamente eficaz perante a Administração Pública e perante terceiros. A eficácia desse ato é motivada pela APARÊNCIA. Ele tem a aparência de ser agente público. Então, é por isso que o ato é válido não só para a Administração Pública como para terceiros de boa-fé. Vale lembrar que a aparência não é perfeita; basta haver indícios. Assim, pode haver controle do tráfego (no exemplo do incêndio) pelo Secretário de Trânsito Municipal vestido de terno e gravata.

Agente de fato putativo: o ato produz efeito perante administrados (externos), mas só produz efeitos perante a Administração (internos) após a sanatória.

Uma observação importante aqui. Assim como agente de fato necessário é exemplo de teoria da aparência no Direito Público, o agente de fato putativo é exemplo da teoria da anulabilidade no Direito Público. Vocês podem perceber que Hely Lopes Meirelles dizia que os atos administrativos ou são válidos ou são nulos. Não existe ato administrativo anulável, porque anulabilidade versa sobre interesse privado e não existiria a possibilidade de um ato administrativo ser anulado. Aqui está um exemplo de ato administrativo anulável. Tanto é que ele pode ser sanado; se fosse nulo não poderia ser.

Ex.: aquele indivíduo que foi aprovado no concurso pra PM, compra uma farda e começa a exercer a função de PM. Os atos que ele pratica na condição de PM são todos eficazes perante terceiros. Agora, internamente, por exemplo, o tempo de serviço (para efeitos de promoção, aposentadoria, etc) dele só será contado se o comandante da PM sanar o ato. Se não houver a sanatória, o ato é eficaz perante terceiros, mas só começa contar o tempo de serviço após a posse.

Usurpador de função pública: o ato é plenamente ineficaz.

Qualquer um deles, seja o violento ou o astuto será ineficaz. Na hipótese do agente de fato, a tutela era de interesse público; na hipótese de usurpador de função pública, a tutela é de interesse privado. Como é o interesse privado (do usurpador), não há que se falar em interesse público e, portanto, é ineficaz.

Vejam que há uma gradação: no caso do agente de fato necessário, os atos geram efeitos internos e externos. No caso do agente de fato putativo, os atos geram efeitos externos, mas os externos só se produziram após a sanatória. Por fim, no caso de usurpador de função pública, seja astucioso ou violento, os atos são plenamente ineficazes.

Nós vimos tudo isso para enfrentar a seguinte questão: o TJ-RJ anulou as multas aplicadas pela Guarda Municipal do Rio de Janeiro, sob o fundamento de que os Guardas Municipais estariam usurpando função pública.

Isso é incorreto, pois os guardas municipais são agentes públicos, nomeados e empossados. Exercem função estatal atípica, mas exercem.

Então, quero colocar o seguinte: a questão não tem a ver com usurpação de função pública. Tem a ver com delegabilidade do poder de polícia a particulares. Essa questão é importante, porque há vários precedentes quanto a isso. Vamos só colocar alguns exemplo:

Guarda de trânsito: discute-se se o poder de polícia de multa é delegável a particular ou não.

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Outro exemplo: O mesmo TJ-RJ entendeu um convênio firmado entre o DETRAN e duas universidades particulares, permitindo que seus estudantes efetuassem vistoria de veículos automotores era válido. Só que vistoria de veículos automotores é tão poder de polícia quanto multa. Foram dois pesos e duas medidas ou foi um critério só? Foi um critério só. É que os fatos foram distintos. Uma coisa é vistoriar veículo automotor e outra coisa é multar.

Outro exemplo: o TRF 2 entendeu que as concessionárias de rodovias poderiam ter pardais eletrônicos, mas não poderiam emitir as multas. Ou seja, elas captam os dados e os remete para o DNER – hoje DENIT – para que ele emita a multa.

Outro exemplo: o TRF 2 entendeu que o município do Rio de Janeiro não poderia ter convênio com proprietário de reboques, porque se entendia que o veículo rebocador tem que pertencer à CET-Rio.

Poderíamos ficar aqui discutindo inúmeras hipóteses de delegação de Poder de Polícia. Vamos ver, então, o que é poder de polícia.

Poder de polícia é uma atividade de restrição de direitos individuais, especialmente a liberdade e a propriedade, em prol de terceiros. Ex.: “Lei do Silêncio” ou, tecnicamente, direito de vizinhança, é exemplo claro de poder de polícia afeto à liberdade. Outro exemplo: gabarito de prédio, que restringe o direito de propriedade.

A questão que se faz é a seguinte: esse poder de polícia é delegável?

É esse tópico que iremos abordar na aula que vem.

FIM.

Aula nº 2. Tema: Poder de Polícia. Órgãos.

Na aula passada, vimos o conceito de Poder de Polícia, que seria a atribuição para a restrição de direitos individuais, especialmente liberdade e propriedade, em prol de terceiros.

E aí, voltamos à indagação que fizemos na aula passada: o poder de polícia é delegável? Até que ponto o poder de polícia admite delegação?

Ex.: vocês devem ter visto que o TJ-RJ declarou a nulidade de algumas multas de Niterói e todas as do Rio de Janeiro. É por conta dessa questão.

Outro exemplo: O mesmo TJ-RJ entendeu que um convênio firmado entre o DETRAN e duas universidades particulares, permitindo que seus estudantes efetuassem vistoria de veículos automotores, era válido. Só que vistoria de veículos automotores é tão poder de polícia quanto multa. Foram dois pesos e duas medidas ou foi um critério só? Foi um critério só. É que os fatos foram distintos. Uma coisa é vistoriar veículo automotor e outra coisa é multar.

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Outro exemplo: o TRF 2 entendeu que as concessionárias de rodovias poderiam ter pardais eletrônicos, mas não poderiam emitir as multas. Ou seja, elas captam os dados e os remete para o DNER – hoje DENIT – para que ele emita a multa.

Outro exemplo: o TRF 2 entendeu que o município do Rio de Janeiro não poderia ter convênio com proprietário de reboques, porque se entendia que o veículo rebocador tem que pertencer à CET-Rio.

A rigor temos 3 posições no Brasil: duas são posições extremadas e uma moderada. O TJ-RJ vem tomando a posição intermediária. Vamos ver primeiro as duas extremas e depois vemos a intermediária.

Luciano Matos Oliveira: o poder de polícia é totalmente indelegável, porque poder de polícia é uma atividade típica do Estado, ligada à soberania. E, por isso, não pode ser delegada.

Essa posição não predomina pelo seguinte: não é sempre que o Estado, quando exerce o poder de polícia, coloca em exercício sua soberania. Às vezes atua no poder de gestão.

Outra posição extremada é a do des. Nagib.

Nagib Slaibi Filho: no seu voto vencido nesse acórdão do TJ-RJ sobre multas, ele entende que o poder de polícia é totalmente delegável. Ele sustenta que a Constituição teria exemplos práticos de delegação de poder de polícia a particular. Ele cita o exemplo de prisão em flagrante delito e diz: a manifestação máxima da polícia é a prisão em flagrante e a Constituição diz que qualquer agente público deve e qualquer pessoa pode.

Se qualquer pessoa pode efetuar a prisão em flagrante, a Constituição teria atribuído a manifestação máxima de polícia ao particular. E por conseqüência os outros graus inferiores também poderiam ser delegados.

A crítica que pode ser feita é que há uma confusão entre polícia administrativa e polícia ostensiva. Polícia ostensiva é a atividade de prevenção de ilícitos. Nessa atividade de prevenção de ilícitos, pode qualquer do povo efetuar prisão em flagrante. Percebam que não é polícia administrativa, de que estamos falando (poder de polícia).

É importante colocar que estamos falando de polícia administrativa. Não falamos da polícia ostensiva, judiciária ou patrimonial. Agora, a Constituição quando fala dos órgãos policiais, no art. 144, faz menção a três polícias diferentes: polícia ostensiva, polícia judiciária e polícia patrimonial. O que elas significam?

Polícia ostensiva (ou preventiva): significa a atividade de prevenção de ilícitos penais. Isso cabe à polícia militar, até porque o Estado tem atribuição para a segurança pública.

Polícia judiciária: significa a atividade de investigação de autoria e materialidade de infrações penais (que já foram praticadas). Isso cabe à polícia civil, se for de competência estadual, ou à polícia federal, se for de competência federal.

Polícia patrimonial: significa a atividade de proteção do patrimônio público. Essa atividade é da guarda municipal.

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Então, na Constituição vocês vão encontrar 3 sentidos para o termo “polícia”: polícia ostensiva, polícia judiciária e polícia patrimonial. Podem perceber que essa posição do Nagib, quando ele traz a prisão em flagrante para essa discussão, parece confundir polícia administrativa com polícia ostensiva. Porque se o Estado previne ilícitos penais, evidentemente que ele efetua prisão se alguém estiver em flagrante delito.

O que ele citou como exemplo de prisão em flagrante não tem a ver com polícia administrativa. Tem a ver com outro sentido de polícia, que seria a polícia ostensiva, que não é objeto de discussão aqui.

Essa é a crítica que pode ser feita à posição do prof. Nagib.

Por isso, predomina uma terceira posição, que não é a do Prof. Luciano Matos de Oliveira, que entende que o Poder de Polícia é totalmente indelegável, nem a do Prof. Nagib, que entende ser totalmente delegável.

Marcos Juruena Villela Souto e Diogo de Figueiredo Moreira Neto: entendem que o Poder de Polícia é delegável em parte. Como vamos identificar as partes delegáveis e as indelegáveis?

A polícia administrativa pode ser dividida em 4 fases: ordem de polícia, consentimento de polícia, fiscalização de polícia e sanção de polícia. Vejam o seguinte exemplo para entendermos a distinção entre essas fases:

Ordem de polícia: o Código de Trânsito Brasileiro, quando prescreve requisitos para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), está exercendo ordem de polícia. É uma norma genérica e abstrata que se dirige a todas as pessoas e a todos os casos, que restringe a liberdade em prol de terceiros. Ou seja, você tem a sua liberdade de conduzir veículo automotor restringido em favor da segurança do tráfego viário.

Consentimento de polícia: no momento em que é emitida a carteira, é corporificado o consentimento de polícia. Ou seja, o Estado consentiu que você, dando satisfação àqueles critérios, exerça uma atividade que está sujeita ao controle dele.

Fiscalização de polícia: na condução de veículos automotores, virá a sofrer fiscalização de polícia pelos guardas municipais (se for fora do perímetro urbano, pela polícia militar). A atuação da GM e da PM materializa a fiscalização de polícia.

Sanção de polícia: se eventualmente você cometer uma infração de trânsito, será apenado com multa de trânsito, que corporifica a sanção de polícia.

Eles dizem que a primeira fase (ordem de polícia) e a última fase (sanção de polícia) são indelegáveis, porque ligadas ao Poder de Império. Agora, as fases intermediárias (consentimento de polícia e fiscalização de polícia) seriam delegáveis, porque não estariam ligadas ao Poder de Império, mas sim ao Poder de Gestão. Nesse caso o Estado não estaria impondo sua vontade; estaria gerindo interesses.

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Essa é a posição que o TJ-RJ acolheu, inclusive no julgamento das multas de trânsito.

Com isso em mente, podemos responder todos aquele questionamentos que fizemos no final da aula passada.

Por que as multas de trânsito aplicadas pela GM do Rio de Janeiro são nulas? Percebam que a nulidade não está no fato de ter sido aplicada pela GM. O problema está ligado à forma societária que a GM tem. Por incrível que pareça, a GM do Rio de Janeiro é uma Sociedade de Economia Mista Municipal e se chama Empresa Municipal de Vigilância S/A. Este é o problema: a GM é uma pessoa jurídica de direito privado. E não se pode admitir que a uma pessoa jurídica de direito privado exerça sanção de polícia (que é fase indelegável).

Não só temos o problema jurídico, como também o problema moral: quanto maior as multas aplicadas, maior o lucro apurado. Se maior o lucro apurado, maior serão os dividendos entre os sócios. É imoral se admitir que um sócio particular possa auferir lucro pelas multas – que são atividades estatais – aplicadas contra outros particulares.

Por isso as multas são nulas. Aliás, ações análogas foram propostas em outros Municípios, mas os pedidos foram julgados improcedentes. Por exemplo: em Nova Friburgo temos a AUTRAM (Autarquia de Trânsito Municipal), que é uma pessoa jurídica de direito público. Logo, pode exercer poder de polícia.

E aí se questiona: como a GM do Rio pode emitir multa hoje? Ou seja, se o TJ-RJ entendeu que são nulas as multas aplicadas pela GM, como seria possível que elas ainda estivessem sendo aplicadas?

O problema deixa de ser de direito administrativo e passa a ser de processo civil. Vocês vão ver que os recursos excepcionais (Especial e Extraordinário) não têm efeito suspensivo. Porém, o STF e o STJ desenvolveram uma jurisprudência de se admitir efeito suspensivo nos dois, desde que (i) o recurso tenha sido admitido pelo tribunal a quo e (ii) se peça medida cautelar inominada perante o tribunal ad quem.

É exatamente o caso: há um acórdão do Órgão Especial do TJ-RJ, entendendo que a sanção de polícia é indelegável ao particular. Se a GM do Rio é pessoa jurídica de direito privado, não pode emitir multas.

Contra essa decisão foi interposto Recurso Extraordinário pelo Município do Rio de Janeiro, que foi admitido pela 3ª Vice-Presidência. Após sua admissão, o Município do Rio de Janeiro postulou medida cautelar inominada ao STF para conceder efeito suspensivo a esse recurso.

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Isso não quer dizer que o STF tenha outra posição sobre o mérito. Na verdade, é até possível que ele confirme a decisão do órgão especial do TJ-RJ. Lembre-se que para se admitir uma medida cautelar, é necessário que se verifiquem dois pressupostos: fumus bonu iuris e periculum in mora. O fumus bonu iuris está presente, porque a tese de que a GM pode emitir multas, mesmo sendo pessoa jurídica de direito privado, é plausível; tanto é que existem 3 posições sobre o tema. Inclusive o acórdão do Rio saiu com voto vencido nesse sentido. O periculum in mora está presente, porque multa de trânsito é uma das fontes de receita do município (não tributária). Logo, o não recolhimento das multas poderia comprometer as finanças municipais.

A gente consegue explicar os outros casos: por que foi admitido um convênio entre Detran e algumas faculdades privadas para a vistoria de veículos automotores? Porque vistoria de veículo automotor é fiscalização de polícia e a emissão do certificado é consentimento de polícia. Essas duas fases são delegáveis.

Por que as concessionárias em rodovias podem ter pardais, mas não podem emitir as multas? Porque pardal eletrônico é fiscalização de velocidade – que é delegável –, mas não podem emitir multa, porque isso é sanção (indelegável). Então, elas têm que captar os dados e remeter para o ente público.

A rigor, se o prefeito fosse melhor assessorado, bastaria que ele tomasse o cuidado de não fazer com que os guardas municipais lavrassem o auto de infração.

Por que não pode haver um convênio de um Município com proprietários de reboques para que eles reboquem veículos estacionados irregularmente? Porque rebocar veículo é sanção de polícia e, por isso, não pode o particular executar a sanção.

Aluno: mas a questão do Poder de Império está ligada à administração direta?

Prof.: Não, quando se fala em Poder de Império, o tema é político; ligado à soberania do Estado. Agora, o Poder de Gestão não é ligado ao governo, mas sim à própria administração pública direta ou indireta.

Bom. Com isso nós fechamos a primeira parte sobre os agentes públicos. Vamos enfrentar agora o segundo tema sobre os agentes públicos.

Qual é a classificação preponderante dos agentes públicos? As bancas costumam seguir a classificação do Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Segundo ele, há um gênero – agentes públicos –, que se subdivide em 3 espécies: agente político, servidor estatal e particular em colaboração com o Poder Público.

Servidor estatal seria um gênero decomposto em 3 espécies: servidor público, empregado público e contratado.

E, por fim, o particular em colaboração com o Poder Público seria decomposto em agente honorífico, o agente delegado e o gestor de negócios públicos.

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Evitem o termo “funcionário público”. Desde a Constituição de 1988, esse termo foi abolido. Utilizem o termo “servidor público”.

Agentes políticos:

Temos duas questões para enfrentar em agentes políticos:

Quais seriam as características próprias dos agentes políticos? Quem é agente político e quem não é (configuração dos agentes políticos)?

Em doutrina, vocês poderão perceber que elencam de 3 a 8 características dos agentes políticos. Há praticamente um consenso em torno de 5 características:

1. Ocupam o ápice da estrutura administrativa pelo exercício de órgão representativo do poder do Estado com atribuições enumeradas na Constituição Federal.

2. Mantêm vínculo de natureza política com o Estado (daí o termo agente político).

3. Não estão sujeitos a regime jurídico funcional.

4. Possuem prerrogativas funcionais.

5. Têm modo de escolha e destituição próprios.

Quem tiver essas 5 características cumulativas será agente político.

Malgrado exista intensa dúvida, quem é, inequivocamente, agente político no Brasil? O Presidente da República, pois ele ocupa o ápice da estrutura administrativa pelo exercício de órgão que representa o Poder Executivo, com atribuições enumeradas no art. 84 da Constituição Federal.

Em segundo lugar, o Presidente mantém vínculo político com o Estado. Ele não está investido no cargo por critério técnico. Ou seja, a investidura dele não decorreu de uma particularidade técnica que ele teria (concurso público), mas sim de um aspecto político – eleição.

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Em terceiro lugar, ele não está submetido a um regime jurídico funcional. Não se aplica a ele o estatuto, a CLT, nem o regime especial. Ele tem regime próprio.

Em quarto lugar, ele tem prerrogativa funcional, como o foro especial por prerrogativa de função no STF pelos crimes comuns que pratique.

Em quinto lugar, ele é escolhido por eleição, que, em regra, é direta. E seu modo de destituição é o impeachment.

Logo, ele é agente político.

Dessa questão decorre uma segunda: quem é agente político? A rigor, a questão decorre de vínculo político. Porque se você interpretar o vínculo político no sentido de eleitoral, você vai restringir o conceito a quem é eleito para o cargo. Se você interpretar vínculo político em sentido mais lato, vai ampliar o conceito.

Sobre essa configuração, vocês vão encontrar duas posições em doutrina. Poderíamos chamar uma de teoria restritiva e a outra de teoria ampliativa.

Teoria restritiva: Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro consideram como agente político, aquele que exerce “cargo estrutural ou fundamental da ordem política”.

A conseqüência disso é a seguinte: serão configurados como agentes políticos duas categorias de pessoas: chefe do poder executivo (Federal, Municipal, Distrital e Municipal) e seus auxiliares diretos. E, por fim, os membros das casas legislativas.

Percebam que essa teoria interpretou “vínculo político” como eleitoral, porque todos os casos citados foram para cargos eleitos e também as pessoas que exercem cargos de confiança dele.

Teoria ampliativa: Hely Lopes Meirelles e Diogo de Figueiredo Moreira Neto consideram como agente político, aquele que exerce “cargo com liberdade funcional”. Por isso é que se chama teoria ampliativa, pois ela confirma os dois casos citados pela teoria restritiva e acrescenta outros 4: membros da magistratura (ministros, desembargadores e juízes), membros das funções essenciais à justiça (ministério público, defensoria pública e as procuradorias constitucionais), membros dos tribunais de contas (ministros e conselheiros) e membros das missões diplomáticas e consulares.

Então, pela teoria ampliativa, têm-se:

chefe do poder executivo e seus auxiliares diretos membros das casas legislativas membros da magistratura membros das funções essenciais à justiça membros dos tribunais de contas membros das missões diplomáticas e consulares

Atenção para dois detalhes: Hely Lopes Meirelles só faz menção a membros do MP. Nós estamos incluindo os demais, porque ele morreu dois anos depois da Constituição Federal de 1988 e não atualizou seu livro. A Constituição antiga só fazia menção ao MP. A nova Constituição faz menção às funções essenciais à justiça e o tratamento dado para cada uma delas é igual.

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Outro detalhe é que não incluímos os advogados nas funções essenciais à justiça, porque estamos estudando os agentes públicos. Advogado é agente privado. Fim do lado A.

Início do lado B: ...advocacia pública. Não fala em procuradoria constitucional. Diz assim: “a Advocacia-Geral da União”, “a Procuradoria do Estado”...a rigor, é um termo equivocado, porque advocacia pública a defensoria também faz, só que não em prol do Estado, mas sim em prol de um hipossuficiente econômico. É melhor evitar esse termo “advocacia pública” e falarmos em: ministério público, defensoria pública e procuradorias constitucionais.

Percebam que a teoria ampliativa não interpretou “vínculo político” como eleitoral. Até porque dentro das 4 categorias apresentadas, algumas decorrem de concurso público.

Hoje prepondera, em doutrina, as idéias de teoria restritiva.

Agora, é importante consignar o seguinte: em concurso público é bom que vocês se filiem à teoria ampliativa, porque se um desembargador, um promotor ou um defensor te pergunta se ele é a gente político, ele espera que você diga que sim.

Até porque parece ser a posição de duas emendas constitucionais: EC nº 19/98 e a EC nº 41/2003. As duas alteraram o art. 37, XI da Constituição, que prescreve o teto retributivo unificado. Ou seja, a retribuição pecuniária estaria restrita a um teto, que seria correspondente ao subsídio mensal de ministro do STF. No art. 37, XI faz-se menção a subsídios próprios dos agentes políticos, sujeitos ao teto (ministro do STF) e houve enumeração de todos esses que mencionei na teoria ampliativa.

Essa distinção tinha importância teórica, mas não tinha importância prática. Agora, o STF está julgando uma reclamação pendente no sentido de que o agente político não poderia praticar improbidade administrativa. Só pode responder por crime de responsabilidade. Tudo leva a crer que o Supremo confirme essa posição, pois já há 5 votos nesse sentido.

Ou seja, seria juridicamente impossível o pedido numa ação de improbidade, visando condenar um agente político por esse ato. O agente político só responde por crime de responsabilidade.

Se essa posição vingar, essas teorias (ampliativa e restritiva) terão total importância, porque teremos que saber quem é agente político e quem não é. Quem for, só irá responder por crime de responsabilidade: impeachment. Quem não for agente político, pode responder por ação de improbidade.

Essa posição é atécnica e desastrosa. Primeiro, porque confunde dois ilícitos completamente diferentes. Improbidade administrativa é ilícito civil e crime de responsabilidade é ilícito administrativo. Há um princípio basilar de processo constitucional, no sentido de que você pode acumular responsabilidades. Qualquer cidadão comum responde pelo ilícito penal e pelo dano que houver causado a terceiros.

Em segundo lugar, essa posição vai tornar alguns fatos impunes. Ex.: sempre quando se fala em improbidade administrativa, se lembra de Paulo Maluf. Assim como imunidade parlamentar se lembra de Eurico Miranda. O caso do Maluf é um

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perfeito exemplo de que se vingar essa posição do STF, ele não responderá por nada. Porque ele está sendo acusado de improbidade administrativa. Nós veremos que quando em casos de improbidade administrativa, quando a acusação é de dano ao erário, é imprescritível. Então, ele deixou o cargo há sete anos, mas como não tem prazo correndo, ele pode ser acusado a qualquer tempo, inclusive como ex-agente político.

Se o STF confirmar essa posição e ação estiver tramitando ainda, ela deverá ser extinta por impossibilidade jurídica do pedido superveniente. Ele não pode responder por impeachment, porque um das condições específicas para o processo de impeachment é estar o agente público no cargo, até porque uma das sanções é a perda do cargo. Restaria o crime, só que como passaram 7 anos ele não responderia pela prescrição.

Bom, encerramos a parte de agentes políticos. Vamos ver a parte de servidor estatal.

Servidor estatal:

1. Servidor público:

1.1. é próprio – não quer dizer exclusivo – da Administração Pública Direta, das Autarquias e Fundações Públicas. Pessoas jurídicas de direito público.

1.2. Ocupa cargo público.

1.3. Servidor é sujeito a estatuto, isto é, regime estatuário.

1.4. É escolhido por concurso público (ponto de contato entre o servidor e o empregado).

2. Empregado público:

2.1. é próprio das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Logo, pessoas jurídicas de direito privado.

2.2. Ocupa emprego público.

2.3. Empregado público está sujeito à CLT, isto é, regime celetista.

2.4. É escolhido por concurso público (ponto de contato entre o servidor e o empregado).

3. Contratado:

3.1. em regra, são vistos nos mesmos locais dos servidores públicos, ou seja, na administração pública direta, autarquias e fundações, mas em situação de urgência.

Esse caso dos contratados está no art. 37, IX da Constituição Federal: “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

3.2. Contratado exerce função pública (perante uma situação de urgência).

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3.3. Contratado está sujeito ao regime especial, isto é, regime especial de contratação temporária.

3.4. É escolhido por processo seletivo simplificado.

Com isso tudo que dissemos, podemos traçar o conceito de cada um desses servidores estatais, senão vejamos.

Servidor público é aquele agente estatal que é próprio da Administração Pública Direta, das autarquias e fundações públicas, que ocupa cargo público, sujeito ao regime jurídico estatutário e é escolhido por concurso público.

Empregado público é aquele agente estatal que é próprio das empresas públicas e sociedades de economia mista, que ocupa emprego público, sujeito ao regime celetista e é escolhido por concurso público.

Contratado é aquele agente estatal que é próprio da Administração Pública Direta, das autarquias e fundações públicas, que exerce função pública diante de uma situação de emergência, sujeito ao regime especial de contratação temporária e é escolhido por processo seletivo simplificado.

Vamos só colocar 3 notas: uma em relação a cada um deles.

Com relação ao servidor público: existe alguma hipótese de servidor público sem concurso público, após a Constituição de 1988? É o caso do cargo em comissão, previsto no art. 37, II da Constituição Federal: “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

Essa é a única hipótese em que vocês verão servidor público stricto sensu, sem concurso público é neste caso de cargo em comissão. É nomeável e exonerável ad nutum.

Com relação ao empregado público: existe a possibilidade de coexistência na administração pública direta, autarquias e fundações públicas, de servidores públicos e empregados públicos? Foi dito que o local propício do servidor é na administração pública direta, autarquias e fundações públicas. E que o local propício do empregado é nas sociedades de economia mista e nas empresas públicas.

Ex.: podemos admitir que na Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro tivessem agentes sujeitos ao regime estatutário e agentes sujeitos à CLT?

Sim, é possível. Isso decorre da não obrigatoriedade do regime jurídico único. A Constituição originária, no art. 37, I (que não mais vigora), prescreveu o que ela veio a chamar de regime jurídico único. O que é isso? A Administração Pública Direta, as Autarquias e Fundações Públicas estariam sujeitas a um único estatuto.

Em regra, o regime jurídico único foi o estatutário. Na União e Estados-membros, foi o regime adotado. Agora, nada impedia que adotassem o regime celetista. Por exemplo, Resende foi um dos poucos municípios que optou pelo regime celetista.

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Bom, veio a EC nº 19/98 e alterou o art. 37, I, que não menciona mais isso. Todos os autores começaram a falar que o regime jurídico único deixou existir. Só que isso não é correto. Na verdade, o regime jurídico único deixou de ser obrigatório. Ele continuou existindo até que uma Lei Federal (em relação à União), uma Lei Estadual (em relação ao Estado) ou uma Lei Municipal (em relação ao Município) viesse a quebrá-lo. Vejam a Lei nº 9.962/2000, art. 1º.

Com relação aos contratados a questão é a seguinte: há distinção entre contratação e terceirização? Sim. Qual é a distinção?

Contratação importa em relação linear: uma pessoa jurídica de direito público (em regra), mantém uma relação jurídica com uma pessoa natural. Ex.: a UERJ é uma fundação pública estadual e não tem professor de Direito Penal. O 2º semestre começa hoje e não há tempo hábil para se fazer um concurso público para o provimento de um cargo (professor) de direito penal. O que a UERJ pode fazer? Pode contratar por 6 meses um professor de direito penal, a partir de uma análise curricular (processo seletivo simplificado). Haverá um contrato entre a UERJ e o professor Fulano de tal.

Então, há uma relação linear; porque há uma relação só, de direito público. É um contrato administrativo de serviço.

Agora, na terceirização você encontra relação angular. Ou seja, uma pessoa jurídica de direito público vai estabelecer uma primeira relação jurídica com uma pessoa jurídica de direito privado, que, por sua vez, mantém uma outra relação com uma pessoa natural. Por isso se chama de terceirização; porque envolve 3 pessoas.

A UERJ quer contratar serviços de limpeza, mas não quer ter um servidor público para efetuar essa limpeza. O que faz? Celebra um primeiro contrato administrativo de serviço com a empresa Nova Era Ltda., que é tomadora de mão de obra. Essa empresa, por sua vez, mantém contrato de emprego com João da Silva, que vai efetuar limpeza na UERJ.

Então, não é relação linear, porque não é uma relação jurídica. É uma relação angular, porque são duas relações. Percebam que a primeira relação jurídica é de direito público, ou seja, o contrato de prestação de serviço. A segunda relação jurídica é de direito privado: o contrato de emprego.

Por isso é que se fala em terceirização; porque são 3 pessoas envolvidas com duas relações jurídicas.

Se nós quisermos aprofundar isso aqui, chegaremos numa questão de direito do trabalho. Existe a possibilidade de responsabilidade subsidiária da UERJ para com a pessoa contratada pela Nova Era Ltda.?

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Ex.: a empresa Nova Era Ltda. que toma a mão de obra descumpriu o pagamento de créditos trabalhistas. João da Silva pode buscar créditos trabalhistas contra a UERJ?

Essa questão foi prova da PGE do Rio de Janeiro. Qual seria a posição a ser tomada aqui? Temos duas respostas diferentes. Se for uma prova de Direito do Trabalho, vocês vão citar o enunciado 331 do TST: “o Estado responde subsidiariamente por créditos trabalhistas inadimplidos pelo tomador de mão de obra”.

Ou seja, ele poderia postular créditos trabalhistas contra o Estado, porque se entende que existiria o princípio do vínculo real, ou seja, formalmente não havia vínculo, mas realmente haveria porque ele está sujeito à subordinação em relação ao Estado e cumpre ordens dele. Então, se entende que haveria o vínculo de emprego; se bem que vínculo de emprego sem concurso público.

Qualquer que seja a prova, que não Direito do Trabalho, a resposta é: não responde por nada. Teoricamente ele não responde por nada porque não há vínculo. Não houve concurso público; não é cargo em comissão e a Lei nº 8.666/93, art. 71, § 2º, c/c a Lei nº 8.212/91, art. 31.

A Lei nº 8.666/93, art. 71, § 2º, dispõe que o Estado não responde por créditos tributários, trabalhistas, mercantis ou civis, salvo os créditos previdenciários, na forma da lei específica.

A lei específica é a Lei nº 8.212/91. Essa lei foi alterada pela Lei nº 9.711/98. Foi modificado o artigo 31 da Lei nº 8.212/91, no sentido de que existe uma obrigação do contratante em efetuar depósitos de 11% em conta vinculada. Ou seja, hoje em dia a resposta é: o Estado não responde por nada! Nem pelos créditos previdenciários.

Bom, vamos ver o particular em colaboração com o Poder Público.

Agente honorífico: em primeiro lugar, o agente honorífico é aquele que age em honra do Estado. É pessoa que por designação, nomeação ou requisição exerce ofício público. Ex.: mesário é a pessoa que está requisitada pela Justiça Eleitoral para exercer ofício público. Jurado é a pessoa que está designada pelo Tribunal do Júri da sua comarca para exercer o ofício público.

Evitem o exemplo perigoso do Tabelião, porque, no Rio de Janeiro, ele não é mais agente honorífico; é servidor público.

Agente delegado: pessoa que, por delegação, presta serviço público. Ex.: concessionário, permissionário e autorizatário (para quem permitir). Aliás, nós dissemos no início que havia um exemplo de agente público que não era pessoa física. Este é o caso.

Gestor de negócios públicos: pessoa que em estado de necessidade público assume gestão da coisa pública, em nome próprio. Aliás, agente de fato necessário também – em estado de necessidade pública – assume a gestão da coisa pública.

O exemplo pode ser o mesmo: há um incêndio e os sinais de trânsito não funcionam. A pessoa vai para o centro da rua e funciona como guarda de trânsito.

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A situação é idêntica. A diferença, que é meramente teórica, é a seguinte: o gestor de negócios públicos – porque no direito civil é assim – vai assumir a gestão da coisa pública em nome próprio. Então, ele responde pelo eventual dano.

Já o agente de fato necessário assume a gestão da coisa pública em nome do Estado.

Bom, com isso a gente fecha agentes públicos.

FIM DA AULA 2.

Aula nº 3. Tema: Órgãos Públicos. Autarquias. Fundações Públicas.

Na aula passada, vimos a classificação dos agentes públicos. Hoje vamos tratar dos órgãos públicos. Com isso a gente fecha a Administração Pública Direta e depois entra na Administração Pública Indireta.

Órgãos Públicos:

Qual é o conceito de órgão público? São centros de atribuição instituídos para o desempenho de funções estatais, por intermédio de seus agentes cuja atuação é imputada à entidade a que pertencem.

Percebam que no conceito de órgãos, os outros dois conceitos também estão envolvidos: entidades e agentes.

Vamos ver duas questões em relação aos órgãos: qual é a teoria que explica a relação entre agentes, órgãos e entidades?

É interessante colocar o seguinte: a primeira teoria que tentou explicar isso foi a chamada de teoria do mandato (século XVIII). Ou seja, o agente público seria mandatário da entidade, atuando em nome dela.

Essa teoria está ultrapassada há muito tempo, pois Entidade não tem vontade autônoma. Se entidade não tem vontade autônoma ela não pode constituir mandato, já que mandato é um contrato típico.

Tendo em vista isso, no século XIX a teoria evoluiu para a chamada teoria da representação, segundo a qual o agente público não seria mandatário e sim representante da entidade a que ele pertence. Então, o vínculo não seria constituído por mandato; seria um vínculo justificado pela representação.

Ficou ultrapassada pela seguinte razão: ela equipara a entidade ao absolutamente incapaz, que é representado.

Hoje em dia predomina a teoria da imputação, ou teoria do órgão (Otto Gierke). Segundo essa teoria o agente público pratica um ato que é imputado à entidade a qual ele pertence. Esse termo imputado pode ser lido como “reconduzido”. Os atos praticados pelo agente no exercício do órgão podem ser reconduzidos a sua entidade.

Por isso que Pontes de Miranda não fala em “representante da magistratura” ou “representante do Ministério Público”. Ele falava em Presentante, justamente por isso; porque o vínculo existente entre o juiz e o Estado e o promotor e o Estado não era de representação, mas sim de imputação. Se é um vínculo de imputação, ele

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não é um representante; ele é um presentante, porque ele é a presença do Estado. Ou seja, ele é o Estado em atuação.

Aliás, isso justifica o por que de a jurisprudência brasileira entender que as ações de reparação contra o Estado devem ser propostas em face da Entidade e não em face do agente. Isso porque o ato não é do agente, mas sim de sua entidade.

Então, essa é a primeira observação a ser feita.

Outra questão é sobre a classificação dos órgãos. Em doutrina existem pelo menos 6, mas em concursos pedem somente uma. É a classificação quanto à posição estatal, que leva em conta a posição que o órgão ocupa numa possível hierarquia estatal.

Há uma distinção entre órgão independente, órgão autônomo, órgão superior e órgão subalterno:

Temos três características fundamentais para cada um deles.

Órgão independente:1. O órgão independente ocupa o ápice da estrutura administrativa.2. Ele representa (não em termos técnicos; ele funciona como) um poder do Estado.3. E, por fim, exerce atribuições enumeradas na Constituição Federal.

O melhor exemplo é a Presidência da República. Não confundam Presidente com Presidência. Este é o órgão; aquele é o agente político. A Presidência é o órgão que ocupa o ápice da Administração Pública Federal, representa o Poder Executivo e tem atribuições enumeradas na Constituição Federal (art. 84).

A partir dessa ponto, podemos conceituar os outros órgãos de acordo com os outros acima.

Órgão autônomo:1. Se está abaixo do órgão independente, ele está sujeito hierárquica e funcionalmente ao órgão independente.2. Suas atribuições precípuas são de supervisão, controle, coordenação e planejamento.3. Possui autonomia técnica e financeira.

Se citamos a Presidência como órgão independente, temos o Ministério como um órgão autônomo, porque ele é sujeito hierárquica e funcionalmente à Presidência. O Ministério supervisiona, controla, coordena e planeja na sua área. E, tem autonomia financeira naquela pasta.

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Órgão superior:1. Se órgão autônomo é sujeito hierárquica e funcionalmente ao órgão independente, órgão superior é sujeito hierárquica e funcionalmente ao órgão autônomo.2. Sua atribuição precípua é de decisão na sua área.3. Possui autonomia técnica.

Se citamos a Presidência como órgão independente e o Ministério como um órgão autônomo, temos uma Secretaria como um órgão superior. Ex.: Secretaria de Acompanhamento Econômico (órgão superior) do Ministério da Fazenda (órgão autônomo) da Presidência da República (órgão independente).

Órgão subalterno:1. Órgão Subalterno é sujeito hierárquica e funcionalmente ao Órgão Superior.2. Sua atribuição precípua é a execução.3. Não tem autonomia nem técnica, nem financeira. Não é autônomo sob nenhuma maneira.

Se citamos a Presidência como órgão independente, o Ministério como órgão autônomo, a Secretaria como um órgão superior, temos um Almoxarifado como órgão subalterno. Ou seja, o almoxarifado da Secretaria do Ministério da Presidência vai executar aquilo que um decidiu; aquilo que um supervisionou, controlou, coordenou; e, aquilo que outro, ao final, controla.

Com isso, podemos diversificar claramente essa hierarquia administrativa que há em qualquer esfera administrativa.

Esse foi o estudo dos órgãos públicos. E encerramos a Administração Pública Direta: agentes e órgãos. Quanto às entidades, posicionamos seu estudo no Direito Constitucional.

Vamos passar para o estudo da Administração Pública Indireta. Vamos estudar quatro entidades: autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. Para estudarmos esse tema, vamos analisar todas essas entidades à luz de 11 critérios.

1. Personalidade jurídica2. Instituição, organização e extinção3. Regime jurídico funcional4. Patrimônio5. Objeto6. Forma7. Prerrogativa fiscal8. Prerrogativas processuais9. Justiça competente10. Licitação11. Responsabilidade civil

Autarquias

1. Tem personalidade jurídica de direito público, adquirida no termo inicial de eficácia da lei instituidora.

Toda autarquia é criada por uma lei. Termo inicial de eficácia é o nome técnico para aquele dia indicado em lei quando ela entra em vigor. A rigor, vigência

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ela já tem desde o momento da sanção, ou quando foi rejeitado o veto. Agora, passa produzir efeitos no termo inicial da lei; nesse dia ela adquirirá personalidade jurídica.

2. É instituída por lei ordinária, cujo projeto é de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo respectivo (Federal, Estadual ou Municipal).

Bom, uma vez criada, como será organizada? Se dá por ato administrativo do chefe do poder executivo, ou seja, decreto.

Desde o início da faculdade aprendemos o chamado princípio da simetria das formas, segundo o qual a forma que cria deve ser a mesma forma que extingue; a forma que concede deve ser a mesma que retira. Logo, se é instituída por lei, pelo princípio da simetria das formas, ela também será extinta por lei ordinária, cujo projeto também é de iniciativa reservada ao chefe do poder executivo.

3. Sobre o regime jurídico funcional nós já estudamos. Vimos que até a EC nº 19/98, era obrigatório o regime jurídico único (RJU). Após essa emenda, esse RJU deixou de ser obrigatório.

Vimos que nas autarquias é que, em regra, o regime seja o estatutário. Agora, vimos que nada impede que haja coexistência do regime jurídico estatuário com o regime celetista, tendo em vista essa não obrigatoriedade do RJU.

4. Sobre o patrimônio basta que a gente cite o CC/2002, no art. 98: “são bens públicos todos os bens pertencentes a pessoas jurídicas de direito público”. Ora, autarquia é pessoa jurídica de direito público, portanto, seu patrimônio é formado por bens públicos. Nesse caso, de uso especial, porque estão afetados a uma finalidade pública.

5. Vocês vão ver em todos os livros que a Autarquia é a entidade que pertence a Administração Pública Indireta mais próxima da Administração Pública Direta, justamente pelo objeto dela. O objeto de uma Autarquia é uma atividade típica do Estado, porém desinteressante para a Administração Pública Direta. Ou seja, o Estado tem uma atividade que é típica dele, mas não tem o interesse em prestá-la pela Administração Pública Direta. Nesse caso ele cria uma autarquia para que desempenhe essa atividade.

Ex.: ensino superior é uma atividade típica do Estado, mas não havia interesse da União em prestá-lo através do MEC (que pertence a Administração Pública Direta Federal). É uma atividade típica do Estado, mas desinteressante para a Administração Pública Direta. Daí, criou as universidades federais. São todas autarquias federais que desempenham uma atividade típica do Estado, mas era desinteressante para a Administração Pública Direta Federal. Isso é feito inclusive para assegurar a autonomia universitária, que não seria possível caso elas fossem órgãos da Administração Pública Direta Federal.

6. Sobre a forma, todos os autores irão dizer que a forma é intra-estatal. Isso significa dizer que é separado do Estado, mas próximo dele.

7. A prerrogativa fiscal é uma só e está no art. 150, § 2º da Constituição Federal, que menciona aquilo que se chama de imunidade tributária recíproca. Ou seja, o Estado não cobra impostos dele próprio. Logo, a União não pode cobrar impostos de autarquia estadual, o Estado não pode cobrar impostos de autarquia municipal e vice-versa.

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8. Prerrogativas processuais não são prerrogativas exclusivas das autarquias; são próprias da Fazenda Pública, que significa pessoa jurídica de direito público em juízo. Então, Fazenda Pública só compreende Administração Pública Direta - entidades federativas - Autarquia e Fundação Pública de direito público.

É importante identificar essa noção de Fazenda Pública, não só por essas prerrogativas, mas também para fins de competência. É muito costumeiro você verificar ações propostas em face de Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mistas na Vara de Fazenda Pública, o que é equivocado. O que pode haver é um interesse do Estado naquela ação, que vai fazer com que a competência se desloque para a Vara de Fazenda Pública.

Bom, quais são as prerrogativas da Fazenda Pública? Basicamente são seis.

Execução Fiscal na forma da Lei nº 6.830/80; Execução Contra a Fazenda Pública: não tem penhora, mas sim precatório

e está prevista nos arts. 730 e 731 do CPC; Prazo em quádruplo para contestar (leia-se: responder, no caso de

reconvenção ou exceção) e em dobro para recorrer. Está previsto nos artigos 188 do CPC. Os demais prazos são simples;

Duplo grau de jurisdição obrigatório (reexame necessário), previsto no art. 475, II do CPC;

Despesas processuais pagas ao final do processo. Não é que a Fazenda Pública estará isenta das despesas. Ela paga, mas não precisa adiantá-las. Está previsto no CPC, art. 27;

Não sujeição a concurso de credores. Vocês sabem que a Fazenda Pública não participa de nenhum rateio final de falência (que é o concurso de credores mercantil) ou em insolvência civil (concurso de credores cível). Isso porque ela tem um crédito privilegiado. Está previsto no art. 1571 do CC/1916. Não há regra expressa no CC/2002, mas não é o fato de não haver regra expressa que vai fazer com que a norma desapareça; vai continuar vigorando como princípio.

9. Quanto à justiça competente vejam o art. 109, I da Constituição Federal, que diz o seguinte: “aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessados na condição de autores, rés, assistentes ou opoentes”.

Então, por esse artigo temos que fazer a seguinte distinção: se a hipótese é de autarquia federal, vai para a justiça federal comum. Agora, se a hipótese é de autarquia estadual ou municipal, vai para a justiça estadual comum.

10. É obrigatória a Licitação para as autarquias? Basta ler o artigo 1º, § único da Lei nº 8.666/93, que diz ser exigível a licitação para as autarquias, salvo as hipóteses excepcionais em que a lei dispensar.

11. Sobre a responsabilidade civil caímos no art. 37, § 6º da Constituição Federal. Aliás, vamos nos restringir aos atos comissivos (ou ações). Diz esse artigo o seguinte: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos responderão – objetivamente – pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”. Autarquia é pessoa jurídica de direito público, portanto, incide esse artigo.

Logo, pelo art. 37, § 6º da Constituição Federal, é objetiva a responsabilização das autarquias, porque são pessoas jurídicas de direito público. Com relação aos atos omissivos, nós vamos estudar no futuro com mais detalhes.

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Aluno: e os conselhos de fiscalização e as Agências Reguladoras (AR)?

Prof.: São todas autarquias. Nós vamos estudar depois as AR, que são autarquias especiais, porque, a rigor, elas têm funções próprias e autonomias próprias. Então, quando estudarmos a intervenção do Estado no domínio econômico, veremos sua redução. Uma das formas pela qual o Estado reduz sua intervenção no domínio econômico é quando ele cria essas autarquias, para regular as atividades que ele concedeu.

Quanto aos conselhos que fiscalizam profissões regulamentadas, há um consenso de que eles sejam Autarquias. Há uma dúvida em relação à OAB, que não se diz ser Autarquia ou não. Eles se chamam de serviço público independente. Ela não pode ser de natureza privada, porque cobra tributo. Mas ao mesmo tempo em seu estatuto afirma não ter vínculo com o Poder Público.

Já se disse que era uma autarquia sui generis, só que isso não tem fundamento algum. O artigo utilizado como fundamento para isso, o art. 59 do Estatuto da OAB, que permitia que ela cobrasse tributos, mas não se sujeitasse ao Tribunal de Contas foi tido como inconstitucional.

Bom, visto isso, vamos estudar as fundações públicas. Vamos aproveitar isso aqui para estudarmos as outras entidades.

Fundações Públicas:

1. Há uma discussão se a fundação pública é pessoa jurídica de direito público, pessoa jurídica de direito privado ou um terceiro gênero. Isto é, qual é a natureza de sua personalidade jurídica?

Essa dúvida surgiu com o seguinte fundamento: o art. 5º, IV do Decreto Lei nº 200/67 conceitua o que é Autarquia, Fundação Pública, etc. Nele consta que Fundação Pública é pessoa jurídica de direito privado.

A dúvida que surge é a seguinte: esse dispositivo está recepcionado ou não pela CF? Se você entender que está recepcionado, ela é uma pessoa jurídica de direito privado. Se você entender que não, é pessoa jurídica de direito público. Se você entender que ele está recepcionado em parte, ela pode ser ora pessoa jurídica de direito privado, ora pessoa jurídica de direito público.

Temos três posições em doutrina:

Hely Lopes Meirelles: é pessoa jurídica de direito público, por conta da não recepção do art. 5º, IV do Decreto Lei nº 200/67 em face da CF de 1988.

Caio Tácito, Miguel Seabra Fagundes, Sérgio D´Andrea Ferreira e José dos Santos Carvalho Filho: é pessoa jurídica de direito privado, por conta da recepção do art. 5º, IV do Decreto Lei nº 200/67 em face da CF de 1988.

A terceira posição predomina em doutrina:

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanello Di Pietro, Diógenes Gasparini e Marcos Juruena Villela Souto: entendem que as fundações públicas podem ser pessoa jurídica de direito privado ou pessoa jurídica de direito público. Depende como a lei disciplinar.

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Essa é a posição que predomina nos tribunais superiores: STJ e STF. Entendem que nada obsta que fundação pública seja pessoa jurídica de direito privado, desde que a Lei discipline isso.

Os cinco autores não consideraram a seguinte possível hipótese: e se a lei for omissa? Acabamos de colocar que as Autarquias são pessoas jurídicas de direito público. Vamos ver depois que as empresas públicas e as sociedades de economia mistas, que são privadas, não são instituídas por lei; mas têm autorização em lei. A rigor, elas são criadas por decreto.

Então, as pessoas públicas são criadas por lei. As privadas são instituídas por autorização em lei, mas são criadas por um ato administrativo (decreto).

Portanto, se a lei for omissa, basta que a gente verifique se a lei está instituindo ou autorizando a instituição? Se a lei estiver instituindo, assim como ocorre com as autarquias, ela (a fundação pública) será pessoa jurídica de direito público, porque as autarquias são também criadas por lei.

Se a lei não estiver instituindo; mas sim autorizando a instituição, assim como as demais pessoas de direito privado, como as empresas públicas e as sociedades de economia mista, a fundação pública será de direito privado.

Por isso, talvez essa seja a questão mais difícil sobre Fundação Pública e também é por conta disso que teremos que estudar todos os outros itens à luz dessa questão.

2. Como se dá a instituição, organização e extinção das Fundações Públicas? Se a hipótese for de Fundação Pública de Direito Público, basta o que foi dito sobre as Autarquias. É a mesma coisa. Ou seja, são instituídas e extintas por lei reservada ao chefe do Poder Executivo e são organizadas por um ato administrativo (Decreto).

Agora, se ela é Fundação Pública de Direito Privado, incide aquilo que colocamos agora. Ela não será instituída por lei, mas sim por autorização em lei, não estando o chefe do Poder Executivo vinculado a instituí-las. Ou seja, ele recebe uma autorização em lei, mas ele cria por decreto se entender conveniente e oportuno.

A organização é igual, isto é, são organizadas por um ato administrativo na forma de decreto. Toda entidade é organizada por um ato administrativo com a foram de decreto obrigatória. Aliás, pode ser o mesmo decreto que cria ou outro.

E pela simetria das formas jurídicas, elas também são extintas por autorização legal. O Chefe do Executivo também não está vinculado a extingui-las.

3. Quanto ao regime jurídico funcional vale aquilo que dissemos: se for Fundação Pública de Direito Público, aplica-se o que foi dito sobre as Autarquias. Ou seja, em regra é estatutário, mas pode haver celetista.

Agora, em relação à Fundação Pública de Direito Privado, surge uma questão: existe algum outro regime possível além do celetista? Não. Então, se for uma Fundação Pública de Direito Privado o regime só pode ser o celetista, porque não se admite estatuto em pessoa privada.

4. Patrimônio : acabamos de ler o art. 98 do Código Civil, que estabelece serem públicos todos os bens pertencentes a pessoas públicas. Todos os outros, a quem quer que pertençam, são particulares.

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Logo, devemos fazer a seguinte distinção: se for Fundação Pública de Direito Público, assim como ocorre nas Autarquias, os bens são públicos de uso especial (art. 98 do CC).

Agora, se é Fundação Pública de Direito Privado, o próprio Código Civil foi muito claro em relação a isso (“todos os outros a quem quer que pertençam”). Então, como ela é pessoa jurídica de direito privado, seus bens são particulares.

5. Importante. Este é um dos únicos itens em que o tratamento é o mesmo: objeto. Seja pessoa jurídica de direito privado, seja pessoa jurídica de direito público, o objeto de uma Fundação é residual.

Acabamos de ver que as Autarquias exercem atividades típicas do Estado. Depois veremos que as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista exercem atividade lucrativa. Assim sendo, a Fundação exerce atividade residual, isto é, aquela que não é típica do Estado (porque se fosse seria caso de Autarquia), nem de fins lucrativos (porque se fosse seria caso de Empresa Pública ou Sociedade de Economia Mista). Tudo aquilo que não se encaixar nesses conceitos compete à Fundação Pública, seja de direito público ou privado.

Ex.: FAPERJ (Fundação de Amparo ao Estudante Carente) não é atividade típica do Estado, porque não é ensino; nem é serviço público e muito menos atividade econômica, porque não tem fins lucrativos. É uma atividade residual, mas que o Estado tem interesse em prestar.

Se o Estado tem interesse em prestar essa atividade que não é pública (não é típica do Estado), nem é serviço público ou atividade econômica, ele cria uma Fundação Pública para isso, seja ela pessoa jurídica de direito privado ou pessoa jurídica de direito público.

A rigor, Fundações Municipais de Saúde são completamente atécnicas. Fundação de Saúde deveria ser Autarquia, porque saúde é atividade típica do Estado. E a UERJ, por exemplo, que é uma Fundação Autárquica é outro exemplo equivocado, porque deveria ser Autarquia também.

6. Quanto à forma, voltamos àquela distinção. No que diz respeito à Fundação Pública de Direito Público, os autores dizem que a forma é autárquica ou intra-estatal.

Agora, a Fundação Pública de Direito Privado segue a forma de Fundação Privada regida pelo Código Civil.

Aliás, é interessante, porque se é Fundação de Direito Privado regida pelo Código Civil, o MP intervém em todos os seus atos, porque ele fiscaliza todas as Fundações.

7. Importante. Este item também tem o mesmo tratamento para ambas as Fundações Públicas, seja de direito público ou privado. Qual seria a prerrogativa fiscal? Aquele art. 150, § 2º da CF não distingue se a Fundação Pública é de Direito Privado ou Público. Ele só diz: “são extensíveis às autarquias e às fundações mantidas ou instituídas pelo Poder Público”.

Você pode ter Fundação Pública instituída pelo Poder Público que seja privada, bem como pode ter uma Fundação Pública mantida pelo Poder Público.

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Então, a prerrogativa fiscal é a mesma das autarquias, ou seja, imunidade tributária recíproca, porque a CF no art. 150, § 2º não distinguiu.

8. Prerrogativas processuais : vimos que são 6 as prerrogativas próprias da Fazenda Pública – pessoa de direito público em juízo (execução da lei 6830/80; execução contra a Fazenda sem penhora – com precatórios; despesas processuais ao final da demanda; prazo em quádruplo para contestar – lato – e em dobro para recorrer; não se submete a concurso de credores; duplo grau de jurisdição obrigatório). Vimos que o conceito de Fazenda Pública seria Pessoa Jurídica de Direito Público em juízo. Isso compreenderia: Administração Pública Direta, Autarquias e Fundações Públicas de Direito Público. <As Fundações Públicas de Direito Privado estão excluídas do conceito de Fazenda Pública, porque não são Pessoas Públicas.>

Então, as Fundações Públicas de Direito Público têm as 6 prerrogativas iguais, porque, assim como as Autarquias, compreendem o conceito de Fazenda Pública.

Já as Fundações Públicas de Direito Privado não têm prerrogativas processuais, porque não integram o conceito de Fazenda Pública.

Então, vejam o cuidado que deve ser tomado: se vocês encontrarem uma Fundação Pública de Direito Privado, ela, a rigor, não tem prerrogativa e litiga em Vara Cível.

9. Justiça competente . Vejam que boa questão temos aqui. Vamos voltar ao art. 109, I da CF: “aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas...”.

Reparem que não foi mencionado o termo “autarquia”, mas sim “entidade autárquica”. Fundação Pública de Direito Público tem forma autárquica, já a Fundação Pública de Direito Privado não.

Então, deve ser feita a seguinte distinção: em se tratando de Fundação Pública de Direito Público Federal – exatamente igual ao que foi dito em relação às autarquias – compete à Justiça Federal Comum. Em se tratando de Fundação Pública de Direito Público Estadual ou Municipal compete à Justiça Estadual Comum.

Já em relação à Fundação Pública de Direito Privado – ela não é entidade autárquica –, seja ela Federal, Estadual ou Municipal, compete à Justiça Estadual Comum. Por mais estranho que possa parecer, a Fundação Pública de Direito Privado Federal não litiga na Justiça Federal, mas sim na Justiça Estadual Comum.

10. Importante. Licitação: não há distinção neste caso, porque a Lei nº 8.666/93, art. 1º, § único diz que as autarquias e as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público devem realizar a Licitação sempre.

Logo, seja a Fundação Pública de Direito Público ou Privado, deve haver licitação.

11. Por fim, vamos à responsabilidade civil. Voltemos ao artigo 37, § 6º da CF, que diz: “as pessoas jurídicas de direito público, e as pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviços públicos respondem objetivamente pelos danos que seus agentes houverem causado a terceiros”.

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Basta parar em pensar: Fundação Pública de Direito Público incide o dispositivo? Sim, porque ela é pessoa jurídica de direito público. Então, Fundação Pública de Direito Público responde de modo objetivo.

Agora, Fundação Pública de Direito Privado incide o dispositivo? Não, porque ela não é pessoa jurídica de direito público; ela é pessoa jurídica de direito privado. Ela não é pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público. Ela é pessoa jurídica de direito privado que exerce atividade residual, razão pela qual não se aplica o art. 37, § 6º da CF. Logo, é caso de responsabilidade subjetiva, salvo se algum microssistema incidir no caso. Por exemplo: pode ser caso de relação de consumo em que a responsabilidade é objetiva, mas não em função da CF, mas sim do CDC.

FIM DA AULA 3.

Aula nº 4. Tema: Empresas Públicas. Sociedades de Economia Mista.

Empresa Pública:

Vamos seguir o modelo que vínhamos utilizando com as Autarquias e as Fundações Públicas.

Quando se estuda Empresa Pública temos dois temas importantes, que seriam: 4 e 10.

1. Personalidade Jurídica : é pessoa jurídica de direito privado. Não há dúvidas quanto ao tema.

Essa personalidade jurídica é adquirida, como toda empresa, no momento do arquivamento de seus atos constitutivos no registro competente, até porque ela tem finalidade lucrativa.

2. Como ela é instituída, organizada e extinta? Basta uma remissão ao que foi visto em relação às Fundações Públicas de Direito Privado, que são instituídas por autorização em lei, não estando o chefe do Poder Executivo vinculado a instituí-las.

São organizadas por um ato administrativo na forma de decreto. E pela simetria das formas jurídicas, elas também são extintas por autorização legal. O Chefe do Executivo também não está vinculado a extingui-las.

Tudo aquilo que foi dito em relação às Fundações Públicas de Direito Privado se aplica aqui.

3. Quanto ao regime jurídico funcional vale, de novo, o que foi dito em relação às Fundações Públicas de Direito Privado: o regime é celetista. Como ela é uma pessoa privada, não se admite o regime estatuário.

4. Importante. A questão sobre o patrimônio é a primeira questão que gera divergências.

Antes do Código Civil de 2002 havia intensa divergência na doutrina em se saber se o patrimônio das empresas públicas seria formado por bens públicos ou bens privados, porque, de certa maneira, elas integram a Administração Pública Indireta, mas são pessoas privadas.

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Após o Código Civil de 2002 encerrou a questão. O patrimônio das empresas públicas é formado por bens particulares. O art. 98 deixa isso muito claro, estabelecendo: “são públicos todos os bens pertencentes a pessoa jurídica de direito público; os demais, a quem quer que pertençam, são considerados bens privados”.

Agora, ainda temos uma série de discussões. Vocês devem ter visto vários autores comentando sobre os bens pertencentes à ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos –, dizendo que são bens públicos. Isso é contra legem, porque o Código Civil que os bens pertencentes a pessoas privadas são bens particulares.

Tomem cuidado com isso. A ECT é empresa pública federal e seus bens, como diz o Código Civil, são particulares. Só que existe uma peculiaridade. A lei que autorizou a instituição dela estendeu algumas prerrogativas da Fazenda Pública Federal. Se diz que, teoricamente, seus bens seriam impenhoráveis. Inclusive o STF reconheceu que essa lei tinha sido recepcionada pela CF de 1988.

Então, vejam: os bens da ECT são particulares, mas são tidos como impenhoráveis, tendo em vista a lei que autorizou sua instituição ter dito isso. E o STF é muito criticado por ter afirmado que essa lei havia sido recepcionada pela CF de 1988.

O art. 173, § 1º da CF diz o seguinte:

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica (ECT explora atividade econômica. Repararem que não se diz aqui se essa atividade é monopolizado ou não) de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

Essas empresas privadas respondem via penhora por suas obrigações civis e mercantis. Se a sujeição é a mesma, não se justifica que a ECT – que exerce atividade privada – não tenha seus bens penhorados.

Repito: na visão do STF os bens da ECT são particulares, mas são tidos como impenhoráveis, tendo em vista a lei que autorizou sua instituição ter dito isso. Parece que contraria a disposição do art. 173, § 1º, II da CF.

O grande argumento que o STF utilizou foi o de que a ECT exerce serviço monopolizado. Em primeiro lugar, em nenhum momento a CF falou isso. É atividade econômica privada; o regime cabe à Administração Pública fixar. Em segundo lugar, há outras empresas públicas que exercem atividades privadas monopolizadas que não têm o mesmo privilégio.

Nada justifica essa posição do STF, mas já foram 3 acórdãos nesse sentido.

Outro detalhe seria o seguinte: foi dito que os bens são particulares. Se são particulares, são penhoráveis, salvo o caso da ECT. Só que um dos objetos da empresa pública é o serviço público, que é contínuo. Então, como vamos compatibilizar a penhorabilidade do bem particular com a continuidade do serviço público?

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Vocês só vão encontrar isso em 2 acórdãos do STJ, que dizem o seguinte: mesmo na hipótese de bem afetado a serviço público existe penhora, porém existe restrição em relação ao quantitativo dela. Ou seja, a penhora ocorre, mas ela vai até o limite que não prejudique a continuidade do serviço público. Desse limite em diante, responde, subsidiariamente, a Administração Pública Direta instituidora.

Isso inclusive foi objeto de questão da prova da magistratura de ontem.

Embora o STJ não tenha ido tão longe, podemos esticar o assunto até o seguinte exemplo: existe uma dívida de 200 mil reais. A prova pericial indica que a empresa pode responder com 50 mil reais sem prejudicar a continuidade do serviço público. Isso se dá por execução por quantia certa contra devedor solvente (penhora). Ela não é insolvente, só que ela não tem patrimônio suficiente para não comprometer o serviço público.

Pelos outros 150 mil reais responde subsidiariamente – não solidariamente, porque a ação não pode ser proposta, a princípio, em face de qualquer das duas – a Administração Pública Direta instituidora. Essa responsabilidade não vai se dar por execução por quantia certa contra devedor solvente, mas sim por Execução Contra a Fazenda Pública. Portanto, não haverá penhora; haverá precatório. E, portanto, não será pago.

Aliás, o precatório se justifica pela impenhorabilidade dos bens públicos. Então, não é o bem que vai responder pela dívida. É a dotação orçamentária. Por isso que não há penhora e existe precatório. Por isso que não é pago, porque deixa de haver a garantia real para haver a garantia fictícia, que é o próprio orçamento daquela entidade.

Aluno: então na prova da magistratura respondia primeiro a concessionária, depois a autarquia e depois a União?

Prof.: Não. No caso da prova de ontem, salvo engano meu, era uma situação em que um cavalo havia entrado numa rodovia federal sob concessão. Naquele caso concreto se perguntava quem era a parte legítima. Parece-me que era a concessionária e, subsidiariamente, a União Federal, porque foi a União, via DNER, que concedeu aquela rodovia; sem prejuízo de um possível regresso do responsável contra o proprietário do cavalo (isso é matéria de direito civil).

5. Objeto . Vamos ao art. 173, caput da CF:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Combinem isso com o art. 175, caput da CF:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Então, no art. 173 está o primeiro objeto da empresa pública (exploração de atividade econômica) e no art. 175 está o segundo objeto (prestação de serviços públicos). Reparem que são dois objetos com finalidade lucrativa.

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Se ela tiver por finalidade a prestação de serviços públicos, será chamada de empresa pública prestadora de serviços públicos. Ex: Comlurb, que é uma empresa pública prestadora de serviços públicos municipal.

Se ela tiver por finalidade a exploração direta de atividade econômica, será chamada de empresa pública de intervenção no domínio econômico. É caso difícil de ser visto hoje em dia, mas poderíamos citar, em parte, o Banco do Brasil.

Agora, na hipótese de exploração direta de atividade econômica vocês podem sublinhar outras duas expressões do art. 173. Percebam que exploração direta de atividade econômica só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Isso porque eles deixaram de ser meros pressupostos de constituição, para serem também pressupostos de conservação. Ou seja, se o Estado não tem empresa pública, ele só pode constituir uma se presentes, no mínimo, um deles. Se o Estado já tem empresa pública ele só pode conservá-la se ainda estiverem presentes um desses pressupostos de conservação. Se ele já tiver a empresa pública, mas os pressupostos não mais existirem, o Estado terá que privatizá-la.

Isso foi objeto de prova específica de direito empresarial da PGE. Indagava-se: pode o Estado do Rio de Janeiro constituir uma empresa pública para a venda de picolés em praia?

Está presente qualquer dos pressupostos? Existe imperativo da segurança nacional? Existe relevante interesse coletivo em vender picolés? Não. Então, poderia estar formalmente perfeita, ou seja, 100% do capital pertencente ao Estado, regime celetista, etc., mas o objeto não era viável.

A resposta seria diferente se fosse perguntassem sobre a possibilidade de o Estado de Pernambuco constituir empresa pública para a venda de comida típica? Parece-me que nesse caso há interesse coletivo, porque pode configurar patrimônio histórico. É um caso raríssimo.

Bom, então tomem cuidado com esses dois pressupostos de constituição e de conservação.

6. Forma : é livre, tanto para sociedade empresária quanto sociedade civil. Essa última é muito difícil de ser encontrada, mas é viável.

Só uma restrição: pode ser qualquer forma, desde que limite eventual responsabilização subsidiária dos sócios. Isso tem uma razão simples: o Estado não pode responder sem qualquer limite, porque seus recursos financeiros estão limitados pelo orçamento. Então, ele tem pelo menos a previsão de quanto pode responder.

Para dar um exemplo vamos sair um pouco do direito administrativo para entramos nos direito empresarial: pode ser uma sociedade anônima? Sim, porque a responsabilidade dos sócios está limitada pelas ações. Pode ser uma sociedade por

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cotas de responsabilidade limitada? Sim, pois, como o próprio nome diz, a responsabilização subsidiária dos sócios está limitada pelas cotas. Agora, pode ser uma sociedade em nome coletivo? Não, porque nesse caso os sócios respondem sem qualquer limite.

7. Não existe prerrogativa fiscal, porque, na grande maioria dos casos, essas empresas concorrem com outros no mercado, e a existência de prerrogativas fiscais na concorrência do mercado significa não atender ao princípio da igualdade. Se essas empresas fossem titulares de prerrogativas fiscais em detrimento das empresas privadas com as quais elas concorrem, estaríamos criando uma desigualdade sem fundamento razoável no mercado de consumo.

Então, em qualquer caso, especialmente quando a hipótese é de concorrência e não de monopólio, não se justifica o privilégio fiscal.

8. Não existem prerrogativas processuais por motivos lógicos. Nós vimos que as prerrogativas processuais eram da Fazenda Pública; conceito que significa Pessoa Jurídica de Direito Público em juízo. Ou seja, a Fazenda Pública é a Administração Pública Direta, Autarquias e Fundações Públicas de Direito Público. Se as Empresas Públicas não integram o conceito de Fazenda Pública, elas não podem ter prerrogativas da Fazenda.

9. Justiça competente : vamos voltar mais uma vez ao art. 109, I da CF “aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas...”

Então, vamos ter que separar de um lado: as empresas públicas federais; e, de outro, as empresas públicas estaduais e municipais.

Se a hipótese é de empresa pública federal, incide esse artigo 109, I da CF. Isto é, a competência é da Justiça Federal Comum.

Se a hipótese é de empresa pública estadual e de empresas públicas municipal, não incide esse artigo. Nesse caso, a competência é da Justiça Estadual Comum, que, aliás, é da Vara Cível, porque essas empresas não integram a Fazenda Pública.

10. Importante. Licitação: é outra matéria controvertida, se deveria haver licitação ou não.

Parece-me que a questão está superada. Não por força de lei, mas por força de Emenda Constitucional. Basta ler o art. 22, XXVII da CF, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, (insiram uma barra / após essa vírgula para indicar que é uma norma diferente) e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

Então, são dois regimes jurídicos completamente diferentes. A primeira parte quer dizer o seguinte: existe um primeiro regime jurídico no qual ao conjunto

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formado por Administração Pública Direta, autarquias e fundações públicas, haverá uma lei ordinária da respectiva entidade federativa.

Então, licitação na Administração Pública Direta federal, autarquias federais e fundações públicas federais está sujeita a uma lei ordinária federal, que vem a ser a Lei nº 8.666/93.

A Administração Pública Direta estadual, autarquias estaduais e fundações públicas estaduais estão sujeitas a uma lei ordinária do respectivo Estado.

A Administração Pública Direta municipal, autarquias municipal e fundações públicas municipal estão sujeitas a uma lei ordinária do respectivo Município.

Isso é o que diz parte inicial. Agora vamos ver o que diz a parte final: “e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III”. Aqui existe o seguinte: a cada unidade correspondente a empresa pública ou sociedade de economia mista, haverá uma lei ordinária na respectiva entidade federativa.

Então, cada Empresa Pública federal e cada Sociedade de Economia Mista federal está sujeita a uma lei ordinária federal.

Cada Empresa Pública estadual e cada Sociedade de Economia Mista estadual está sujeita a uma lei ordinária estadual do respectivo Estado sobre sua licitação.

Cada Empresa Pública municipal e cada Sociedade de Economia Mista municipal está sujeita a uma lei ordinária municipal do respectivo Município sobre sua licitação.

Reparem que são dois regimes jurídicos completamente diferentes.

Então, acho que a questão ficou superada. Porque em matéria de Licitação, basta que você diga que ela será regulada pelo Estatuto da Empresa Pública. Cabe à lei ordinária da respectiva Entidade daquela Empresa Pública disciplinar licitação, segundo normas gerais que a União prescreva.

Aliás, só a Petrobrás (Sociedade de Economia Mista) tem estatuto próprio de licitação. Agora, é a única que tem, mas é inconstitucional, porque deveria seguir a forma de lei ordinária federal, mas veio na forma de decreto federal. Isso é um belo exemplo de decreto autônomo, isto é, que não encontra amparo em lei.

O próprio Jessé Torres no livro em que ele comenta a Reforma Administrativa diz textualmente: deve ser lei ordinária.

Bom, disso decorre uma segunda questão: e se não houver lei? Muitos autores dizem que na falta de lei específica deverá ser aplicada a Lei nº 8.666/93, que é a lei geral de licitação. Isso só vale para as Empresas Públicas federais.

Agora, se uma Empresa Pública estadual não tem lei própria, não se aplica a Lei nº 8.666/93, mas sim a lei geral de licitação estadual.

O mesmo se diga para uma empresa pública municipal que não tenha lei própria. Você não aplica a Lei nº 8.666/93, mas sim a lei geral de licitação municipal.

Em suma, é a lei geral de licitação da respectiva Entidade federativa.37

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Aluno: o professor Tavares Borba, examinador da PGE, até hoje sustenta no livro dele a inconstitucionalidade de se exigir licitação de empresa pública de intervenção no domínio econômico. Então, essa posição é isolada?

Prof.: me parece uma posição sustentável antes dessa EC 19/98. Depois dela, eu acho difícil.

Aluno: ele achou que houve a livre iniciativa econômica, que é um preceito do art. 170.

Prof.: Sim, mas nem todo direito fundamental é absoluto; todos admitem ponderações. De certa forma existe iniciativa econômica envolvida, mas também existem recursos públicos. Logo, se há recursos públicos envolvidos, me parece que você tem que tratar a coisa com mais seriedade. Então, acho que se exige licitação nos termos da lei. Cabe à lei ponderar isso; quando será exigível, ou não, etc.

11. Responsabilidade civil : vamos voltar ao artigo 37, § 6º da CF:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros...

É dito expressamente: “as pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviços públicos”.

Diante disso, temos que fazer a seguinte separação: no caso de empresa pública prestadora de serviço público, ou seja, cujo objeto seja a prestação de um serviço público, incide o art. 37, § 6º da CF.

Agora, no caso de empresa pública de intervenção no domínio econômico não incide o artigo, porque ela não é pessoa jurídica de direito público, nem é pessoa jurídica de direito privado que preste serviço público. Então, nesse caso, a responsabilização é subjetiva na forma do Código Civil.

Faço a mesma ressalva que fiz quanto às fundações públicas. A responsabilização será subjetiva na forma do Código Civil, desde que não seja caso de um microssistema próprio, como o do Código de Defesa do Consumidor.

Aluno: naquela 2ª questão da prova da magistratura, você acha que o município deve ser responsabilizado pelo art. 37, § 6º ou não?

Prof.: eu li essa questão hoje, mas, salvo engano, era de uma empresa... uma agência de empregos, cadastrada num programa... e depois se verificou que a empresa era fantasma. E que o Estado opôs ali que seria um ato de terceiro.

Eis o enunciado da questão:

Prova preliminar para ingresso na carreira da magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Direito Administrativo. 2ª questão:

Secretaria municipal de ação social administra programa por meio do qual encaminha a empresas, que oferecem vagas em seus quadros, pessoas que procuram colocação no mercado de trabalho. Em um desses encaminhamentos, certa empresa cobrou do desempregado uma "taxa de verificação de dados pessoais" e, a seguir, fechou o escritório de atendimento. Investigação policial veio

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a comprovar que se tratava de empresa-fantasma, com vários golpes do gênero aplicados em outras cidades. A vítima acionou o Município, dele exigindo a reparação de danos materiais e morais. O ente público sustenta não haver nexo de causalidade entre os danos e a atuação do programa oficial, no qual a mencionada empresa se cadastrara regularmente, daí que também o Município era vítima do logro, não podendo responder por ato de terceiro. Procede o pedido? Por quê?

Prof.: me parece que essa questão queria que você dissesse que a teoria brasileira é a do risco administrativo. Ou seja, que o fato de um terceiro pode excluir a responsabilização. Só que me parece que nesse caso não havia um fato de terceiro; seria caso de omissão genérica, ou seja, o Estado se omitiu em fiscalizar aquela empresa.

Bom, fechamos Empresa Pública. Agora falta só a Sociedade de Economia Mista.

Sociedade de Economia Mista:

Aqui nós vamos dar atenção aos itens 4, 6 e 9. Salvo nesses três itens, tudo que foi dito em relação às empresas públicas (personalidade jurídica, instituição organização e extinção, forma, licitação, responsabilidade civil, etc) vale aqui. Ou seja, nós vamos somente estudar os itens 4, 6 e 9:

Patrimônio : na empresa pública o patrimônio é integralmente público. Ou seja, 100% do capital pertence ao Estado.

Aliás, os autores franceses vão além dessa questão, dizendo: o que se exige é que 100% do capital seja público. Não quer dizer que 100% do capital pertença a mesma pessoa jurídica de direito público. Pode pertencer a mais de uma; mas desde que todas elas sejam públicas, a empresa será pública.

Por isso é que na França se faz uma distinção entre Empresa Pública Unipessoal e Empresa Pública Pluripessoal (ou Multipessoal). Ex.: uma Empresa Pública federal é aquela que 100% do capital pertence à União; portanto, uma Empresa Pública Unipessoal.

Agora, é também Empresa Pública federal uma Empresa Pública cujo 60% do capital pertença à União e 40% a uma autarquia federal. Vejam que o capital pertence a duas pessoas jurídicas de direito público, embora diferentes.

Na Sociedade de Economia Mista a maioria do capital votante é público. Ex.: 51% das ações com direito a voto pertencem à União; 49% pertencem a uma particular. Nesse caso, temos uma Sociedade de Economia Mista, porque a maioria do capital votante é público.

Por isso é que vamos estudar no último ponto a privatização, que nada mais é do que alienação do controle acionário. Se a União transferir 2% para o outro sócio, transfere o controle acionário dela para o outro e torna a empresa privada.

Ex.: Banco do Brasil é Sociedade de Economia Mista, porque a maioria do capital votante pertence à União, mas existe capital privado. Inclusive porque há venda de ações em bolsa.

Por isso é que o Direito Empresarial só mexe com Sociedade de Economia Mista, porque só nelas há venda de ações em bolsa.

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Forma : nós indicamos que a forma de uma empresa pública é livre, desde que limite eventual responsabilização subsidiária dos sócios.

Agora, a forma de uma Sociedade de Economia Mista é uma só: Sociedade Anônima. Inclusive, a lei é taxativa: Lei nº 6.404/76, art. 235.

Aluna: ...

Prof.: Se for estadual e se for municipal, há uma dúvida se essa lei, nesse ponto, é nacional ou federal. Se você entender que ela é nacional, então ela também impõe a forma de S/A aos Estados e Municípios.

Se você entender que ela é federal, ela só impõe à própria União e você teria forma livre em relação aos Estados e Municípios.

Hely Lopes Meirelles: entende que esse artigo 235 revela norma federal e, portanto, só se aplica à União Federal.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro: entende que essa norma é nacional, de forma que obrigaria as Sociedades de Economia Mista dos Estados e Municípios a seguirem a forma de Sociedade Anônima, assim como a União Federal.

Isso nunca foi discutido em concreto, porque todas as Sociedades de Economia Mista criadas até hoje seguiram a forma de Sociedade Anônima.

Justiça competente : vamos voltar ao art. 109, I da CF: “aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas...”.

Faz-se menção a Empresa Pública federal. Não se faz menção a Sociedade de Economia Mista federal.

Cuidado: Sociedade de Economia Mista, seja federal, estadual ou municipal, enfim, de qualquer espécie é da competência da Justiça Estadual comum.

Vejam que quanto a Empresa Pública se faz distinção, seja ela federal ou não. Aqui isso não ocorre, porque o artigo não faz menção a Sociedade de Economia Mista.

Vai litigar em Vara Cível, inclusive porque não engloba o conceito de Fazenda Pública. Ex.: quando a P-trinta alguma coisa (plataforma da Petrobrás – sociedade de economia mista) naufragou, o juízo competente era o Cível de Macaé.

Bom, assim fechamos a Administração Pública Indireta. Fechamos, assim, o 1º Setor. Na próxima aula começamos o 2º Setor.

FIM DA AULA 4.

Aula 5. Tema: 2º Setor. Serviços Públicos.

Hoje vamos ver o 2º Setor, que, como vimos, é formado pelas entidades delegatárias de serviços públicos. Logo, o tema que estudaremos agora será: serviços públicos.

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O que é serviço público? É a atividade executada direta ou indiretamente pelo Estado, por meio de entidades políticas ou administrativas (1º setor), como também de entidades delegatárias (2º setor), sob regime jurídico próprio para a consecução das necessidades sociais.

Quais são os princípios que regem os serviços públicos? Vocês vão encontrar autores que colocam 3 e outros que colocam 8, mas pelo menos há um consenso em torno de 5 princípios.

1. Generalidade: significa que a execução do serviço público deve atingir o maior número possível de pessoas, sem discriminação quanto a seus usuários.

2. Continuidade: significa que a execução do serviço público não pode sofrer solução de continuidade. Isto é, não pode ser interrompido.

3. Modicidade: significa que a execução do serviço público deve ser custeada por valores módicos. Até porque o lucro não é finalidade do Estado. Ele pode vir a alcançar o lucro por uma boa administração, mas não o fim que ele persegue quando presta esse serviço.

4. Eficiência: significa que a execução do serviço público deve resultar no maior proveito possível com o menor dispêndio necessário. Se estivéssemos estudando economia, diríamos: relação custo-benefício.

5. Cortesia (em tese): significa que a execução do serviço público deve resultar no bom relacionamento entre prestador e usuário.

A parte mais importante é sobre a classificação dos serviços. Há grandes variações em doutrina quanto à classificação, mas há 3 muito importantes. São os seguintes critérios: quanto ao destinatário do serviço, quanto à essencialidade e, por fim, quanto à execução do serviço.

Quanto ao destinatário do serviço:

Levando em conta esse critério de classificação, que divide os serviços públicos quanto ao destinatário do serviço, podemos ter serviço público coletivo (uti universi) e serviço público individual (uti singuli). Temos 3 características que vão distinguir um do outro.

Serviço público coletivo (uti universi):

1) Os destinatários são pessoas indeterminadas;2) Disso decorre que não é mensurável a utilização pessoal do serviço;3) Disso decorre, enfim, que não se pode falar em direito subjetivo a sua

obtenção.41

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O exemplo típico dessa espécie de serviço público é a iluminação pública. Não se tem como saber quem são as pessoas alcançadas por aquele serviço. Conseqüentemente, não temos como mensurar quanto cada um utiliza desse serviço. E, por fim, não temos o direito adquirido ou subjetivo a ter iluminação pública.

Serviço público individual (uti singuli):

1) Os destinatários são usuários determinados;2) Disso decorre que é mensurável a utilização individual do serviço. Quer

dizer, se você tem como determinar quem é a pessoa que o utiliza, você tem como mensurar o quanto ela utiliza do serviço;

3) Há o direito subjetivo à obtenção do serviço, desde que satisfeitas as condições técnicas exigíveis.

Exemplo de serviço público individual é o fornecimento de energia elétrica. Percebam que o fornecimento de energia elétrica se dá para proprietários ou possuidores de bens imóveis. É mensurável o seu uso individual (Kw/h). E existe um direito subjetivo à obtenção do serviço, satisfeitas as condições técnicas para tanto, ou seja, se determinado bairro for provido com luz, haverá direito subjetivo de exigi-la.

Qual é a questão prática que podemos tirar dessa classificação? É uma questão que pode vir em prova de direito constitucional, administrativo ou tributário: qual é a forma de custeio do serviço público coletivo e qual é a forma de custeio do serviço público individual?

Temos duas regras. Se a hipótese for de serviço público coletivo, só temos uma forma de custeio possível, qual seja, o imposto.

Aliás, disso decorre a tão badalada taxa de iluminação pública. Se iluminação pública é serviço público coletivo, não pode ser custeado por taxa. A contribuição de custeio para iluminação pública (que veio com a EC 39/2003) é tão inconstitucional quanto à outra. Primeiro, porque é taxa, apesar de a terem chamado de contribuição, até porque não se considera o nome, mas sim o instituto. Segundo, porque independente do autor que você siga em direito tributário, ninguém se reporta à contribuição de custeio.

Agora, na hipótese de o serviço público ser individual (uti singuli), teremos duas possibilidades: taxa (leia-se tributo) ou tarifa (leia-se preço público). A diferença entre taxa e tarifa se dá por 3 critérios.

Se a hipótese for de taxa, temos a seguintes características:

a) A prestação do serviço público é compulsória, ou seja, taxa é a forma de custeio quando o serviço público individual tem a prestação compulsória pelo Estado. Vejam que o critério não é compulsoriedade de quem recebe; agora é compulsoriedade por parte de quem presta.

b) É dispensável suas utilização individual, ou seja, não é necessário que o serviço público seja efetivamente utilizado.

c) Basta que o serviço esteja à disposição.

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Ex.: água e lixo são bons exemplos. Pagamos taxa de água, utilizando-a ou não, porque é um serviço público que o Estado está obrigado a prestar; não é necessária a utilização efetiva da água; e, basta que o serviço esteja à disposição de quem utiliza.

A mesma coisa vale para taxa de coleta de lixo. Nós pagamos essa taxa, ainda que não coloquemos lixo na porta para a coleta. O Estado está obrigado a prestá-lo, não é necessária sua efetiva utilização e basta que esteja à disposição.

Agora, se o serviço público não está disponibilizado a cobrança passa a ser ilegal. Por exemplo, a CEDAE cobra taxa de água em bairros que não a recebem. Se o serviço não está disponível, não pode ser cobrado.

Tarifa é exatamente o contrário.

a) É serviço público prestado facultativamente pelo Estado. Ou seja, não há norma que obrigue o Estado a prestá-lo naquela circunstância.

b) É necessária a utilização individual do serviço. Você só será cobrado por aquilo que for utilizado.

c) Não basta que esteja meramente à disposição. É necessário que seja efetivamente utilizado para que possa ser objeto de cobrança.

Ex.: transporte e telefonia são típicos exemplos. Nós não pagamos passagem de ônibus – que é tarifa – se não andarmos de ônibus. É necessário que o serviço tenha sido utilizado para que se tenha a cobrança. Por isso que não se diz que há bi-tributação entre o IPVA e o pedágio: aquele é tributo, enquanto esse é tarifa.

A mesma coisa vale para telefonia. Inclusive pode ser objeto de questão. Vocês acabaram de ver a decisão do STJ, que entendeu que as empresas de telefonia celular não poderiam cobrar assinatura; só as ligações efetuadas, porque não é caso de taxa; é caso de tarifa (não existe lei que obrigue o Estado a fornecer tal serviço).

Se fosse taxa, a empresa de telefonia poderia cobrar a disponibilização do serviço. Então ela cobraria a assinatura mensal. Como a hipótese é de tarifa ela só pode cobrar o serviço efetivamente utilizado.

Visto isso, vamos passar para o segundo critério de classificação. Vocês vão reparar que não há relação entre as classificações.

Quanto à essencialidade do serviço:

Serviço público em sentido estrito (ou pró-coletividade): é o serviço necessário para a coletividade, porque é ligado à sua subsistência.

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Ex.: transporte. Aliás, isso demonstra que não há correspondência entre uma classificação e outra, porque transporte é serviço facultativo e essencial.

Serviço de utilidade pública (ou pró-cidadão): é o serviço conveniente para o cidadão, porque é ligado ao seu conforto.

Ex.: estacionamento rotativo.

Aluno: ...não entendi a questão do transporte ser necessário, mas é facultativo...

Prof.: São dois critérios diferentes. Uma coisa é ser facultativo ou não; outra coisa é ser essencial, porque a facultatividade decorre de existência ou não de norma que imponha o serviço.

Então, você pode encontrar serviços públicos que sejam facultativos, mas essenciais. Porque não há uma norma que imponha a ele a prestação. Telefonia é outro exemplo de serviço público essencial que é facultativo.

Qual é a questão prática que decorre desse ponto? Existe a possibilidade de interrupção da prestação do serviço público essencial (leia-se: em sentido estrito) por inadimplemento de seu usuário?

Temos duas posições:

Marcos Juruena Villela Souto: é admissível a interrupção da prestação de serviço público essencial motivada pelo inadimplemento do usuário. Ele fundamenta isso com a Lei nº 8.987/95, art. 6º, § 3º, II que diz o seguinte: “não se considera como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência, ou após aviso prévio, quando: II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade”.

Então, o que é dito aqui é o seguinte: é possível a interrupção da prestação de um serviço público, não se fazendo menção ao caráter essencial ou não. Basta que existam duas condições: (i) interesse da coletividade e (ii) tenha havido aviso prévio (leia-se: notificação extrajudicial).

Esse é o fundamento do Marcos Juruena.

Plínio Martins (Promotor de Justiça): não é possível a interrupção da prestação de um serviço público essencial por inadimplemento do usuário. Ou seja, essa interrupção seria ilegal. Ele fundamenta a tese no art. 22 da Lei nº 8.078/90 (CDC). Esse artigo diz textualmente que os serviços públicos, quando essenciais, devem ser contínuos.

Ora, se o serviço público for qualificado como essencial não poderá ser interrompido, porque tem que ser contínuo.

A rigor, a disputa entre os dois é sobre qual seria a norma específica sobre o caso. Isso, aliás, demonstra como esse critério civilista é ultrapassado, porque norma especial e norma geral é um critério que depende da postura do intérprete.

Bom, temos essas duas posições em doutrina, mas se levarmos a questão para o direito constitucional, não há outra resposta, a não ser a impossibilidade do corte.

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Nos valemos de 3 princípios constitucionais: 2 explícitos e 1 implícito. Aliás, esse princípio implícito é a última palavra em matéria de Direito Constitucional no Brasil.

1. Em primeiro lugar, temos o devido processo legal (art. 5º, LIV da Constituição). Pensem o seguinte: se existe uma conta a ser paga, o devido processo legal não é a interrupção da prestação do serviço. O devido processo legal é a execução. Se esse título não for executivo, o devido processo legal chama-se ação monitória, para conferir eficácia executiva ao título, mas não se procede ao corte do serviço. Fim do lado A.

Início do lado B: ...que aliás pode configurar, dependendo da situação, o crime do art. 345 do CP: exercício arbitrário das próprias razões.

2. Em segundo lugar, temos o princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, XXXV da Constituição).

Quando estudarmos os atos administrativos, veremos que eles têm um atributo chamado auto-executoriedade. Isto é, eles podem ser executados sem autorização judicial. Agora, vamos verificar casos de atos que não dispõem desse atributo. É o que o Diogo de Figueiredo Moreira Neto chama de atos hetero-executórios. Ou seja, são atos administrativos que não têm auto-executoriedade. Um dos principais exemplos de atos administrativos hetero-executórios é a cobrança de valores, como a cobrança de tarifas.

Vejam: a multa de trânsito é auto-executória, ou seja, para que um guarda de trânsito te multe não precisa ter autorização judicial. A cobrança também é auto-executória, ou seja, para que o Estado remeta uma notificação para que você pague, não tem que estar autorizado em juízo.

Agora, caso você não efetue o pagamento voluntário ocorre a Execução Fiscal. A mesma coisa vale para a tarifa. Sua cobrança é auto-executória, mas se não houver pagamento voluntário, para que ele consiga dar satisfação ao seu crédito, deve executar ou promover a ação monitória. Quando ele não promove execução ou ação monitória e corta a luz (exercendo arbitrariamente as suas razões), ele está afastando matéria que é de controle obrigatório pelo Poder Judiciário. Isso porque esse ato é hetero-executório.

Logo, viola o princípio da inafastabilidade do controle judicial, porque temos uma ameaça ou lesão a direito subjetivo, afastada desse controle, quando era necessário, uma vez que o ato não goza de auto-executoriedade.

3. Além disso, parece que está havendo a violação de um terceiro princípio, que não estaria previsto em norma constitucional. É o princípio (implícito) da vedação do retrocesso.

Vocês só vão encontrar isso em dois livros: O Direito Constitucional e a Efetividade das suas Normas (Luís Roberto Barroso, a partir da 6ª edição) e A eficácia jurídica dos princípios: o princípio da dignidade humana (Ana Paula de Barcellos).

Ambos comentam o princípio, mas não dão exemplos. Eu fiquei dois meses pensando em um caso que pudesse ser adequado, e percebi que esse é um exemplo perfeito. Vejam:

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O que é vedar o retrocesso? Ele se aplica em um caso específico: eu tenho uma norma constitucional de eficácia limitada programática. Ou seja, não atribui direito a ninguém; veicula o programa mais abstrato possível. Então, essa norma é implementada por uma norma legal, que atribui direito a alguém. O direito decorreu de uma norma legal.

Vedação do retrocesso significa impedir que essa norma legal seja revogada por outra sem (e aí vem a expressão chave) política substitutiva. Quer dizer: não se está engessando a norma. O que não pode acontecer é que ela seja revogada por outra norma que não tenha a mesma tutela ou superior (daí, política substitutiva).

Então, vedação do retrocesso é impedir que essa norma legal que regulamenta uma norma constitucional de eficácia limitada meramente programática, que atribui direito a alguém, possa ser revogada por outra sem política substitutiva; sem ensejar, ao menos, tutela análoga.

O caso de interrupção de serviço público essencial se encaixa perfeitamente na idéia de vedação do retrocesso.

Temos uma norma constitucional de eficácia limitada meramente programática no art. 5º, XXXII da Constituição Federal: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Em 1988, havia um programa abstrato de que o Estado deveria promover a defesa do consumidor. Desse artigo não se extrai direito algum.

Essa norma veio a ser regulada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que no art. 22 diz que o serviço público, quando essencial, deve ser contínuo. Então, o direito em jogo é um direito legal à continuidade da prestação de serviço público essencial.

Cinco anos depois surge a Lei nº 8.987/95, que no art. 6º, § 3º, II, diz que o serviço público (não especifica como essencial) pode ser cortado, desde que (i) haja interesse da coletividade e (ii) tenha havido aviso prévio (leia-se: notificação extrajudicial).

Logo, há retrocesso, pois se dizia que serviço público essencial tem que ser contínuo. A única interpretação conforme a Constituição deve ser a seguinte: o serviço pode ser cortado, salvo o essencial.

Essa norma não se aplica a serviço público essencial, porque se for aplicada, haverá retrocesso. Isto é, ocorrerá violação do princípio da vedação do retrocesso.

A única defesa que resta para quem entende ser possível o corte, seria o seguinte: esse princípio foi afirmado pelo Tribunal Federal Constitucional da Alemanha em 2002. Não se sabe se esse princípio existe no Brasil.

Agora, isso também não significa que ela não possa ser revogada, até porque não é uma cláusula pétrea. O que não pode é ser revogada por outra norma que enseje uma proteção menor do que a outra.

Sobre essa matéria o Supremo vai ter oportunidade de se pronunciar agora, porque existe uma ADI pendente sobre o NCC em matéria de união estável.

Ou o STF entende que esse princípio não existe, e aí o Código Civil vai ser constitucional ou inconstitucional por outro motivo. Se for esse o caso, quase tudo sobre união estável passa a ser inválido.

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Agora, essa matéria nunca foi questionada sob a ótica constitucional, mas somente sob a ótica legal. Em jurisprudência, o plenário do STJ tem a seguinte posição: é impossível o corte. Aplica-se o CDC ao tema.

Vocês devem ter visto que saíram dois acórdãos da 5ª e 6ª Turmas do STJ admitindo o corte. Primeiro: não são acórdãos do plenário, mas sim de turmas. Segundo: não é a mesma hipótese. Esses dois acórdãos trataram de uma hipótese em que duas concessionárias pleitearam em juízo o corte.

Bom, vamos ver a terceira classificação dos serviços públicos quanto à execução. Nesse caso, teremos a distinção entre serviço público próprio (ou comum) e serviço público impróprio (especial).

Aqui no Rio de Janeiro, os editais colocam próprio ou impróprio.

Serviço público próprio: é aquele que só admite execução direta. Isto é, prestação pela Administração Pública Direta. Ex.: saúde e educação.

Serviço público impróprio: é aquele que também admite execução indireta. Ou seja, além da possibilidade de execução direta, também admitirá a execução indireta por parte da Administração Pública Indireta e pelas Entidades Delegatárias. Ex.: transporte, concessão de rodovia, concessão de telefonia, etc.

Aluno: mas nós temos entidades delegatárias na saúde e na educação.

Prof.: Isso não é técnico. Lembram-se quando discutimos Fundação de Saúde, que não era a forma correta? Porque saúde básica é pela Administração Pública Direta, até porque Fundação Pública pode ser privada.

Você tem universidades federais que são autarquias, ou seja, educação pública superior executada pela Administração Pública Indireta. Você tem hospitais que são autorizatários; então existe delegação em matéria de saúde.

Bom, vamos lá...a questão prática dessa classificação é a seguinte: se serviço público impróprio é aquele que admite execução indireta, ou seja, prestação pela Administração Pública Indireta e pelas Entidades Delegatárias, a matéria que vai ser vista daqui em diante é Delegação de Serviço Público: que só pode ser de serviço público impróprio, porque o próprio é indelegável.

Vamos dividir nosso estudo em 4 partes: conceito, princípios, classificação e delegação.

Só lembrando que delegação de serviço público não se confunde com delegação do poder de polícia, que já estudamos.

Quais são as formas de delegação existente? É interessante colocar o seguinte: é unânime que existe a concessão e a permissão. Isso não se discute. Existe um gênero (delegação), que se divide em duas espécies (concessão e permissão).

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Agora, surge uma dúvida: existe autorização de serviço público? Essa seria a única maneira de delegação de serviço público sem licitação? Temos duas posições em doutrina:

Hely Lopes Meirelles: existe autorização de serviço público com base no art. 21, XI da Constituição Federal.

Art. 21. Compete à União:XI - explorar, diretamente ou mediante autorização,

concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)

Segundo Hely Lopes Meirelles, a Constituição fez menção à delegação do serviço público de telecomunicações por Autorização, Concessão ou Permissão. Logo, existe autorização de serviço.

O outro fundamento da autorização estaria no inciso seguinte, isto é, o inciso XII do art. 21 da Constituição Federal, que diz: “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão”.

José dos Santos Carvalho Filho: não existe autorização de serviço público. Ele fundamenta isso com outros artigos da Constituição, que seriam o art. 25, § 2º

§ 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.

Diz ele: quando a Constituição falou em gás, sequer mencionou permissão. Só falou em concessão; o que dirá em relação à autorização.

O outro artigo seria o art. 30, V da Constituição:

Art. 30. Compete aos Municípios:V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de

concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

Então, quando se tratar de organização de serviços públicos de interesse local, só se fez menção à concessão e à permissão de serviço público.

Enfim, teríamos o art. 175, caput da Constituição Federal:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Então, o artigo genérico sobre o tema só fala em concessão ou permissão e exige licitação nas duas; existe autorização.

Na prática, a jurisprudência admite a autorização.

Aluno: E quanto aos taxistas?48

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Prof.: no Rio de Janeiro, os diaristas são autorizatários. Essa questão chegou ao STJ para discutir se eles teriam direito adquirido a ter permissão ou não, e o STJ entendeu que eles teriam. Admitiu a autorização.

Então, a questão é: existe a possibilidade de os Estados e os Municípios autorizarem? E aí, temos as duas posições. Se você entendesse que poderia, teria que estar dentro dos limites da competência deles. Para os Estados: desde que configurado o interesse regional. Para os Municípios: desde que configurado o interesse local.

Bom, vamos encerrar por aqui e na próxima aula trabalhamos com a Concessão de Serviço Público.

FIM DA AULA 5.

Aula nº 6. Tema: Concessão e Permissão de Serviços Públicos. 3º Setor. Atos Administrativos (início).

1. Concessão de Serviços Públicos.

O fundamento constitucional da Concessão de Serviços Públicos está no art. 175 da Constituição:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

E o fundamento legal está no art. 2º da Lei nº 8.987/95

Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I - poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão;

II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;

1.1. Conceito:

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Contrato administrativo pelo qual a Administração Pública Direta (concedente) transmite a prestação de serviço público impróprio, antecedida ou não por obra pública, mediante licitação, sob seu planejamento e controle, a Consórcio de Empresas ou Pessoa Jurídica (concessionário) que demonstre possuir condições técnicas para tanto, por prazo certo, por sua conta e risco, remunerado exclusivamente pelas tarifas pagas pelos usuários.

1.2. Natureza Jurídica:

Concessão é contrato administrativo. Vamos especificar melhor isso: é um contrato administrativo típico ou nominado, isto é, previsto em lei.

Um detalhe: em direito administrativo há 4 contratos administrativos típicos, que seriam serviços, obras, fornecimento e concessão. Depois vamos verificar se permissão também é, mas ficamos só com concessão aqui.

1.3. Classificação: do conceito também se extrai que a concessão tem duas espécies, que seriam:

Aqui no Rio de Janeiro temos exemplos das duas espécies.

Concessão simples: só tem um objeto, que é a prestação do serviço público.

Ex.: A Linha Amarela foi objeto de concessão simples. O Município construiu e depois celebrou um contrato de concessão simples com a LAMSA, que é a concessionária.

Concessão antecedida pela execução de obra pública: neste caso existem dois objetos. Um deles seria a prestação de serviço público, comum ao contrato de concessão simples. Outro, anterior a esse objeto, seria a execução de obra pública.

Ex.: Via Lagos. Houve a construção de um trecho novo por parte da concessionária. Ou seja, não só passou a conservar parte do trecho antigo, como também construiu novo trecho entre Araruama e São Pedro da Aldeia.

Um detalhe que os livros não apontam: qual é a distinção entre celebrar um contrato só, ou seja, a concessão antecedida pela execução de obra pública e a celebração de dois contratos, um de obra pública e outro de concessão?

Por exemplo: para a Linha Amarela foram duas licitações e dois contratos. Houve uma primeira licitação para a construção; venceu uma empresa e fez-se um contrato de obra. Após concluída a obra, foi firmado outro contrato, neste caso, de concessão de serviço simples (para a conservação daquele trecho construído).

Outra coisa é a Via Lagos fazer um contrato só: a própria concessionária que iria executar a obra iria prestar o serviço. Tudo num único contrato.

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Qual é a distinção prática, além do número de licitações (num contrato faz-se uma licitação e no outro, são duas)? Se nós tivermos um contrato de obra e depois um contrato de concessão simples (Linha Amarela), a obra será puxada (custeada) pelo contratante. Ou seja, foi o Município do Rio de Janeiro que pagou a obra e depois concedeu.

Agora, se for um caso de concessão antecedida pela execução de obra pública, a obra não é custeada pelo contratante, mas sim pelos usuários. Quando foi concedida a Via Lagos, a primeira obra foi a praça de pedágio; depois as outras.

Essa é a principal diferença.

Bom, com isso exaurimos, por enquanto, a concessão. Vamos analisar a permissão de serviço público.

2. Permissão de Serviços Públicos:

Bom, os fundamentos constitucionais e legais são os mesmos. Ou seja, na Constituição é o art. 175:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

E o art. 40 da Lei nº 8.987/95:

Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente.

2.1. Conceito:

Ato administrativo ou contrato administrativo pelo qual a Administração Pública Direta (permitente) transmite a prestação de serviço público impróprio, mediante licitação, sob seu planejamento e controle, a Pessoa Jurídica ou Pessoa Natural (permissionário) que demonstre possuir condições técnicas para tanto, por prazo certo, por sua conta e risco, remunerado exclusivamente pelas tarifas pagas pelos usuários, aplicando-se-lhe, supletivamente, as normas jurídicas sobre concessão de serviços públicos.

2.2. Natureza Jurídica: foi dito no conceito que a permissão é um ato ou um contrato, justamente para indicar a divergência.

Há uma unanimidade de que concessão é um contrato e que permissão, genericamente, seria um ato. Só que a Lei nº 8.987/95 diz textualmente “contrato de adesão”. Então, a dúvida que existe seria a seguinte: teoricamente permissão é ato, só que a lei afirma ser contrato. A permissão seria ato, como sempre foi, ou seria contrato a partir dessa lei?

Vejam que a dúvida se restringe à permissão de serviço público, porque as demais permissões não se discutem: são atos administrativos. Ex.: permissão de uso de bem público é ato administrativo.

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Temos duas correntes sobre o tema:

Maria Sylva Zanella Di Pietro e Raul Armando Mendes (corrente majoritária): permissão de serviço público é contrato administrativo. Ou seja, essa corrente está afirmando a contratualização da permissão de serviço público.

O fundamento legal é o art. 40 da Lei nº 8.987/95.

Hely Lopes Meirelles e José Cretella Junior (corrente minoritária): permissão de uso de bem público seria ato administrativo, sob o fundamento de que o art. 118 parágrafo único da Lei nº 9.472/97, quando faz menção à permissão de telecomunicações, fala em ato:

Parágrafo único. Permissão de serviço de telecomunicações é o ato administrativo pelo qual se atribui a alguém o dever de prestar serviço de telecomunicações no regime público e em caráter transitório, até que seja normalizada a situação excepcional que a tenha ensejado.

Hoje em dia a jurisprudência é tranqüila no sentido de que é contrato administrativo.

Estou colocando isso porque quando nós falamos em contratos administrativos típicos e não falamos em permissão, é justamente por conta dessa dúvida existente. Em jurisprudência é tranqüilo, mas em doutrina é controvertido. Se você entender que permissão é contrato, então seriam 5 (cinco) os contratos administrativos típicos: serviço, obra, fornecimento, concessão e permissão. Do contrário, se você entender que permissão não é contrato, serão 4 (quatro) os contratos administrativos.

2.3. Classificação da Permissão de Serviços Públicos:

Permissão simples: é aquela que tem as três características inerentes a ela, quais sejam:

1) Unilateralidade: significa que o consenso decorre da adesão do permissionário à vontade do permitente (contrato de adesão).

2) Precariedade: significa que a permissão pode ser extinta a qualquer momento, sem possibilidade de serem invocados direitos quanto a prazo ou indenização. Então, podem perceber a permissão é menos estável; ou seja, atribui menor segurança.

3) Discricionariedade: só ocorre em relação ao serviço a ser permitido; não em relação à pessoa do permissionário. Até porque o permissionário não vai ser escolhido segundo conveniência e oportunidade, mas sim em Licitação. Esse âmbito discricionário é quanto ao serviço a ser permitido.

Permissão condicionada: é aquela em que existe uma auto-limitação da Administração Pública. Essa auto-limitação surge em duas matérias: prazo e indenização.

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Em outras palavras: ela fixa um prazo. Caso seja extinta antes do prazo, vai haver indenização. Há uma mitigação da precariedade. Se ela fosse precária, não haveria prazo, nem indenização invocável.

Bom, para fechar isso, vamos ver quais são as diferenças entre Concessão e Permissão?

A principal diferença, pela lei, deixou de existir. Ou seja, concessão era contrato e permissão era ato. Só que a Lei nº 8.987/95 estabeleceu que a permissão é contrato. Então, essa diferença não podemos mais citar, até porque é controvertida.

As diferenças principais são as seguintes:

Vulto econômico:

Concessão é própria para grande vulto econômico. Isso se explica pelo fato dela atribuir maior segurança; atrai maiores investimentos. Se ela atrai maiores investimentos, é própria para grande vulto econômico.

Por exemplo: Táxi aéreo é serviço sob concessão, porque ele exige vultuosa soma de recursos. E, certamente, o delegatário vai exigir mais seguranças porque ele vai investir mais.

Permissão é própria para pequeno vulto econômico, porque atribui menor segurança. Logo, atrai menores investimentos.

Por exemplo: táxi rodoviário é serviço sob permissão, porque exige menores investimentos, em função dos gastos mais baixos.

Quanto ao delegatário:

Na concessão, o concessionário (ou seja, o delegatário da concessão) pode ser Consórcio de Empresas ou Pessoa Jurídica.

Agora, o permissionário (que é o delegatário da permissão) é Pessoa Jurídica ou Pessoa Natural.

Ou seja, nós mortais, pessoas naturais, podemos ser permissionários, mas não podemos ser concessionários. Um taxista, por exemplo, ele é permissionário; mas não poderia ser dono de uma concessão de ônibus.

Quanto à encampação:

Quando estudarmos o contrato administrativo, vamos ver que uma das formas de extinção anômala do contrato administrativo é a encampação. Ou seja, há um interesse público superveniente, que vai fazer com que a empresa contratada seja encampada.

Por exemplo: durante o Governo Brizolla, várias empresas concessionárias de serviços públicos de ônibus foram encampadas. Ele entendia que havia um interesse público superveniente para encampar a empresa. Então, aquilo que era privado se converte em público.

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Na concessão, caso haja encampação, a indenização é prévia. Ou seja, primeiro se paga o valor devido para depois essa empresa ser transmitida para o domínio público. Isso está previsto na Lei nº 8.987/95 no art. 37.

Agora, na permissão, caso haja encampação, a indenização é posterior. Primeiro se transfere a propriedade dela para o domínio público e depois se paga o valor devido. Isso está no art. 79, § 2º da Lei nº 8.666/93.

Está tramitando agora no Congresso Nacional o projeto das Parcerias Público-Privadas (PPP - Lei nº 11.079/04)2. Qual seria a distinção entre PPP e Concessão e Permissão? A diferença básica seria a seguinte: acabamos de ver que na concessão e permissão, faz parte do conceito que o permissionário ou concessionário assume os riscos. Foi dito: “transmite a prestação dos serviços públicos por sua conta e risco”. Ou seja, o delegatário assume os riscos dessa delegação.

Na PPP há uma diluição dos riscos. Por isso não se fala em concedente ou permitente. Fala-se em parceiro; publico ou privado. Nesse caso o Estado assume os riscos com o parceiro privado.

Vejam que o projeto não fala em licitação. Se isso vingar, será inconstitucional.

Bom, para fecharmos a Administração Pública, temos que ver o 3º setor.

Vimos que o 3º setor é formado pelas entidades intermédias, que seriam aquelas entidades de intermediação entre Estado e Sociedade. Em termos vulgares: as ONGs.

Vimos, também, que elas seriam de cooperação ou de colaboração.

Aliás, ONG é um termo atécnico, porque não estamos falando de Governo propriamente dito, mas sim Administração.

Qual é a distinção? Na cooperação a iniciativa para a criação dela (entidade intermédia) foi do Estado. Ou seja, foi o Estado que tomou a iniciativa e, por uma norma legal, criou uma entidade qualquer. Aliás, nada impede que o Estado afete um patrimônio para uma entidade privada.

Ex.: os Serviços Sociais Autônomos – o sistema “S” –, como o SENAI, SEBRAC, SESC, SESI, etc.

São entidades privadas, criadas pelo Estado, que exercem atividades privadas, mas o Estado reconhece como válidas.

Agora, nas entidades de colaboração, a iniciativa para a criação é da Sociedade. Ou seja, foi alguém na sociedade civil que instituiu a entidade e depois o Estado reconheceu.

2 À época da aula ainda não havia lei. A Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 é resultado desse projeto de que trata o professor. Ela Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública.

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Ex.: Organizações Sociais – o sistema “OS” –, como a Fundação Roquete Pinto. É uma fundação privada, regida pelo Código Civil, qualificada perante o MEC como Organização Social. A partir dessa qualificação passa a ser destinatária de recursos financeiros e humanos da União.

Antes de estudarmos mais profundamente essas entidades, vamos fazer 3 observações sobre a Organização Social.

Em primeiro lugar, foi dito que elas são instituídas na Sociedade. Isso quer dizer, que são pessoas jurídicas de direito privado, qualificadas perante o Ministério da pasta respectiva. Por exemplo: a Fundação Roquete Pinto é uma pessoa jurídica de direito privado, que foi qualificada perante o MEC como Organização Social naquela área.

Em segundo lugar, essa qualificação se dá por acordo de programa. No final do curso vamos estudar contrato de gestão e acordo de programa.

Em terceiro lugar, após qualificadas por acordo de programa, disso decorre que elas passam a ser destinatárias de determinados recursos financeiros e humanos. Então, o interesse de ela ser qualificada por acordo de programa é ser destinatária de recursos financeiros (leia-se: dinheiro) e humanos (leia-se: pessoal).

Ex.: Fundação Roquete Pinto é pessoa jurídica de direito privado (Fundação Privada), qualificada perante o MEC, por intermédio de um acordo de programa. Uma vez qualificada, a Fundação Roquete Pinto, ostentando o título de Organização Social, passa a ser beneficiária de recursos financeiros e humanos. Então, ela recebe dinheiro e pessoal da União.

Vamos primeiro estudar o Sistema ‘S’ e depois o Sistema ‘OS’, seguindo a mesma linha: conceito, natureza jurídica e exemplos.

Serviço Social Autônomo ou Sistema ‘S’.

Conceito: são entidades intermediárias de cooperação instituída para a prestação de ensino ou assistência técnica a grupos sociais ou categorias profissionais.

Ex.: SENAI é prestação de ensino de aprendizagem industrial a um grupo social.

Natureza jurídica: todas são pessoas jurídicas de direito privado.

Quando falamos de Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, vimos que essa personalidade jurídica seria adquirida quando eles registrassem os atos constitutivos no Registro Mercantil, porque a finalidade é lucrativa.

Neste caso, Sistema ‘S’, não. Essa personalidade jurídica é adquirida no momento do arquivamento dos atos constitutivos no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

Hoje temos 7 serviços sociais autônomos. Vamos colocá-los pela ordem que foram criados:

SENAI: criado pelo DL nº 4.048/42. SENAC: criado pelo DL nº 8.621/46. SESI: criado pelo DL nº 9.403/46.

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SESC: criado pelo DL nº 9.853/46. SEBRAE: criado pela Lei nº 8.029/90. SENAR: criado pela Lei nº 8.315/91. SENAT: criado pela Lei nº 8.706/93.

Esses são os 7 (sete) ‘S’. Desde o Itamar Franco, quando se entendeu que o Estado deveria ser neo-liberal (ou seja, mínimo), não foram mais criados Serviços Sociais. Até porque o Estado não pode mais afetar patrimônio quando a finalidade não é mais pública.

Organizações Sociais.

Conceito: são entidades intermediárias de colaboração instituídas para o desempenho de atividades privadas (em outras palavras: atividades privadas de interesse público), porém interessantes para o desenvolvimento econômico planejado.

Natureza jurídica: tudo que foi dito em relação às entidades de cooperação se aplica aqui. Só que elas não são criadas por norma legal. São criadas na Sociedade e depois qualificadas.

Temos dois exemplos de Organizações Sociais: Fundação Roquete Pinto e a ABTLuz, que é a Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron. As duas foram qualificadas nos termos da Lei nº 9.637/98 (Lei das Organizações Sociais).

Visto isso, podemos analisar a questão da licitação para ambos os casos (Serviços Sociais Autônomos e Organizações Sociais). A grande questão sobre serviços sociais autônomos é sobre o dever ou não de Licitação. Se o Estado pretender contratar um Serviço Social Autônomo, ele tem que licitar?

A Lei nº 8.666/93, no parágrafo único do art. 1º define a quem ela se aplica:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Em direito administrativo, são reconhecidas duas espécies de controle: hierárquico ou funcional. No primeiro, existe uma hierarquia; no segundo, há um controle de possível eficiência. Ex.: autoridade administrativa superior tem controle hierárquico sobre autoridade administrativa inferior. Mas o Ministério Público tem controle funcional sobre a Polícia (não existe hierarquia).

Chega-se à conclusão de que a União não tem controle hierárquico sobre os Serviços Sociais Autônomos, porque são Pessoas Jurídicas autônomas. Agora, a União tem controle funcional (eficiência) sobre ela, porque existem recursos públicos envolvidos - Art. 1º parágrafo único da Lei nº 8.666/93.

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E aí chegamos na questão: quando a Lei nº 8.666/93, no parágrafo único do art. 1º diz “entidades controladas direta ou indiretamente pela União”, significa entidade que sofre qualquer controle, inclusive o funcional, ou significa que é aquela entidade que só sofre controle hierárquico.

Se você entender que a lei somente trata de entidades que sofrem controle hierárquico, os Serviços Sociais Autônomos não sofrerão controle; e, portanto, não deverão licitar.

Agora, se você entende que a lei trata de entidades que sofrem qualquer controle, inclusive o funcional, os Serviços Sociais Autônomos sofrerão controle; e, portanto, deverão licitar.

Daqui decorrem as duas posições em doutrina:

José dos Santos Carvalho Filho: segundo ele Serviço Social Autônomo está sujeito ao dever de licitar. O fundamento dele é o seguinte: “controlada direta ou indiretamente” significa “também sujeita ao controle funcional” (eficiência).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro: segundo ela Serviço Social Autônomo não está sujeito ao dever de licitar, porque ela interpreta “controlada direta ou indiretamente” como “somente sujeita ao controle hierárquico”. E, portanto, as entidades do Serviço Social Autônomo não estariam sujeitas ao dever de licitar.

Parece que assiste razão ao Prof. Carvalho, porque se não fosse assim, não haveria o menor sentido em falar “direta ou indiretamente”. Parece que a lei, quando fala em controle direto, quer dizer controle hierárquico; quando fala em controle indireto, quer dizer controle funcional.

Inclusive o TCU recomenda a Licitação. Não há jurisprudência sobre o tema.

Em relação às Organizações Sociais basta citar o art. 24, XXIV da Lei nº 8.666/93:

Art. 24. É dispensável a licitação:XXIV - para a celebração de contratos de prestação de

serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.

Com isso fechamos nosso maior tema: Administração Pública.

Atos Administrativos:

Conceito: é a manifestação do exercício da função administrativa que, sob regime jurídico de direito público, objetiva a aquisição, conservação, transformação, transmissão e extinção de direitos para a consecução do interesse público.

É importante colocarmos uma distinção entre atos administrativos e atos da administração.

E mais, vamos fazer distinção entre atos administrativos e atos de administração.

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Ato administrativo x ato da administração:

Vimos o conceito de ato administrativo e que esse conceito é dado com base em critério objetivo. Ou seja, em nenhum momento se disse quem aplica o ato.

Agora, ato da administração significa todo ato jurídico praticado pela Administração Pública. Portanto, está com base em critério subjetivo. Não importa o objeto do ato, mas sim quem pratica o ato.

Podem perceber que nem todo ato administrativo é ato da administração. Ex.: atos administrativos praticados pelo Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário. Quando o Legislativo e o Judiciário dão posse a seus membros, por exemplo, estão praticando atos administrativos. Não estão sendo praticados tecnicamente pela Administração Pública.

E nem todo ato da administração é ato administrativo. Ex.: quando a Administração Pública celebra contratos privados, está celebrando um ato da administração, porque é ela que figura como contratante ou contratada, mas o regime jurídico não é de direito público.

Se a própria administração celebra um comodato; uma locação; uma compra e venda mercantil, isso é um ato da Administração que não é administrativo, porque o regime é de direito privado.

Ato administrativo x ato de administração:

A rigor, ato de administração é sinônimo de fato administrativo, ou seja, de uma atividade material. Uma coisa é um ato jurídico; outra coisa é um fato jurídico. Uma coisa é manifestação de função; outra coisa é atividade material.

Ex.: digamos que nós tenhamos uma desapropriação. Essa é consumada por um decreto expropriatório. Decreto é um ato administrativo normativo. Então, expropriação é um exemplo de ato administrativo normativo. Agora, imissão na posse do bem expropriado não é ato administrativo, mas sim um fato administrativo; é uma atividade material que a Administração Pública toma para ser imitida na posse de um bem que ela expropriou antes (por um ato).

Com base nisso já houve questão de prova da Defensoria Pública no XVIII concurso, prova específica de direito administrativo: “Há diferença entre abuso de poder, desvio de poder e excesso de poder?”

O melhor autor sobre essa matéria é o Prof. José Cretella Júnior. Ele diz que abuso de poder é um gênero e que desvio e excesso são espécies.

Eu nunca entendi isso muito bem até o dia em que fiz um jogo de palavras:

Desvio de poder (de finalidade) é um abuso qualitativo em ato administrativo.

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Excesso de poder é um abuso quantitativo em fato administrativo.

Vamos ver os mesmos exemplos. Falamos da expropriação como exemplo de ato administrativo. Digamos que ocorra uma desapropriação por motivo pessoal, ou seja, o Chefe do Poder Executivo não está preocupado em dar atendimento ao interesse público. Ele quer se vingar do proprietário daquele bem. Então, nós temos um ato administrativo (decreto expropriatório) que tem vício no seu motivo; daí o abuso na sua qualidade.

Agora, digamos que tenhamos uma desapropriação toda regular; havia interesse público declarado, etc. Mas houve excesso de uso de força policial na imissão na posse. Nós acabamos de ver que imissão na posse não é um ato, mas sim um fato. Houve um excesso na quantidade de força empregada para que o bem expropriado tivesse o Estado imitido na posse. Então, isso é um abuso quantitativo em fato administrativo (imissão na posse).

Bom, vamos ficar por aqui hoje.

FIM DA AULA 6.

Aula nº 7. Tema: Atos Administrativos (continuação).

Bom, hoje vamos ver os elementos dos atos administrativos, seus atributos e, se tivermos tempo, vamos ver sua classificação.

Elementos dos atos administrativos.

Todo ato administrativo tem 5 (cinco) elementos básicos. Na ordem que vamos estudar aqui, temos: competência, motivo, forma, objeto e finalidade.

Isso tem fundamento legal no art. 2º da Lei nº 4.717/65:

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

a) incompetência;b) vício de forma;c) ilegalidade do objeto;d) inexistência dos motivos;e) desvio de finalidade.

Ou seja, se o ato é nulo por vício de um desses cinco elementos, é porque são exigidos para sua validade.

O prof. Celso Antônio Bandeira de Mello estabelece uma distinção entre o que ele chama de elementos e o que ele chama de pressupostos. Quando ele fala em elementos, está se referindo a requisitos para a formação (de existência) do ato, que seriam dois: forma e objeto. Isso é o mínimo que o ato deve ter.

Agora, pressupostos são os requisitos necessários para a perfeição (validade) do ato, que seriam os outros remanescentes: competência, motivo e finalidade.

Bom, colocadas essas premissas, podemos estudar cada um dos elementos.

COMPETÊNCIA:

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Em processo civil, penal, ou trabalhista costuma ser associada a uma idéia de limite ou medida. Vamos pegar essa mesma idéia. Logo, competência administrativa é limite ou medida da função administrativa.

Em outras palavras, estamos dizendo que é o espaço no qual o agente público está autorizado a exercer essa função administrativa.

Antes de continuar, cabe fazer um alerta. Estamos falando em competência, porque é um termo doutrinariamente aceito, mas em termos técnicos deveríamos falar em atribuição. Competência, só quem possui é órgão judicial. Órgãos administrativos possuem atribuição.

Sobre esse tema temos quatro grandes questões: fontes da competência, características da competência, critérios de fixação da competência e os agentes de fato e usurpadores de função pública.

1. Fontes da competência:

Podem perceber que uma distinção entre os dois principais ramos do direito público (Direito Administrativo e Direito Constitucional) é a fonte. Ou seja, a fonte principal do Direito Constitucional é a norma constitucional e a fonte principal do Direito Administrativo é a norma legal.

Assim sendo, a fonte da competência é norma legal; em regra, a competência vem prevista em lei. Excepcionalmente essa competência pode estar prevista em norma constitucional ou em norma infra-legal.

Ex.: a competência da Presidência da República – como órgão – está fixada em Lei, que é a Lei nº 10.683/2003. Não obstante isso, vocês vão encontrar normas constitucionais e normas infra-legais que, ao lado dessa lei, vão estabelecer a competência da Presidência. É o que prescreve o art. 84 da Constituição Federal. Mais residualmente existe o Decreto nº 4.118/2002.

2. Características da competência:

Em direito administrativo temos duas características da competência: improrrogabilidade e inderrogabilidade.

2.1. Improrrogabilidade: em processo civil a gente estuda que se uma parte mover uma ação perante um juízo relativamente incompetente, e o réu não apresentar exceção de incompetência, prorroga-se a competência desse juízo.

Isso não ocorre no Direito Administrativo. Quando se fala em improrrogabilidade, significa dizer que a competência não é alterável pela vontade dos administrados .

2.2. Inderrogabilidade: em direito penal, a gente estuda derrogação de competência, isto é, uma autoridade superior derroga a competência de uma autoridade inferior. Logo, a inderrogabilidade significa que a competência não é alterável pela vontade da administração .

Existe exceção? Sim, existem duas exceções. Uma seria AVOCAÇÃO e a outra seria a DELEGAÇÃO.

A distinção entre avocação e delegação se dá pelo movimento corpóreo: avocação se dá de baixo para cima. Delegação se dá de cima para baixo.

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Logo, na delegação, uma autoridade superior delega a competência para uma autoridade inferior.

Na avocação, uma autoridade inferior tem sua competência avocada por uma autoridade superior.

Em certos órgãos, essa possibilidade de avocação e de delegação é restringida. O melhor exemplo disso é o Ministério Público: considerando que no MP vigora o princípio do promotor natural, esse princípio restringe a possibilidade de avocação e delegação às hipóteses legalmente previstas. Ou seja, o Procurador-Geral não tem a possibilidade de avocar ou delegar tudo. Só poderá fazê-lo nas hipóteses em que a lei prescrever.

3. Quais são os critérios de fixação de competência?

Em direito, competência é fixada com base em 4 (quatro) critérios, em qualquer ramo. Então, os critérios são: funcional, hierárquico, espacial / territorial e temporal.

3.1. Critério Funcional: significa que a competência é fixada pela especificidade da matéria.

3.2. Critério Hierárquico: significa que a competência é fixada pelo grau de responsabilidade do agente público.

3.3. Critério Espacial: é estabelecido num intervalo de espaço / território.

3.4. Critério Temporal: é estabelecido num intervalo de tempo.

4. Agente de fato e usurpador de função pública

Aqui vamos mencionar o que estudamos quando analisamos os agentes públicos.

Sabemos que na hipótese de agente de fato e de usurpador de função pública, encontramos alguém que não é qualificado como agente público (não se encontra devidamente (i) investido para o (ii) exercício de função administrativa, portanto, que não tem competência), mas ainda assim pratica atos administrativos; alguns totalmente eficazes.

Então, é importante remeter vocês à aula em que analisamos esse tema, pois o agente de fato (putativo ou necessário) e o usurpador de função pública (violento ou astuto), praticam atos administrativos (que podem ter ou não eficácia externa ou interna), malgrado não tenham competência.

MOTIVO:

Dos cinco elementos, talvez este gere mais problemas.

O que significa motivo? É um fato que, como o próprio nome diz, motiva algo. Então, motivo é a situação de fato ensejadora do exercício da função administrativa. Leia-se: situação de fato que motiva o exercício da função administrativa.

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Temos duas questões para examinar neste elemento. Poucos livros fazem uma distinção entre motivo, móvel e causa.

Outra questão importante gira em torno da motivação. Vamos ver se ela é obrigatória ou não.

Motivo x Móvel x Causa

Foi dito aí que motivo é a situação de fato que motiva o exercício da função administrativa.

O que é móvel? É o propósito do agente público que pratica o ato administrativo. Como dizem em Direito Penal, é o “dolo” que ele possui quando pratica o ato administrativo.

Vejam que motivo é conceito objetivo: situação de fato.

Agora, móvel é conceito subjetivo: é o propósito de alguém.

O que é causa? Não é um sexto elemento do ato, como dizem alguns autores. É, na verdade, a relação de pertinência entre três elementos do ato administrativo: motivo, objeto e finalidade.

Portanto, causa é uma relação de pertinência entre motivo e objeto, tendo em vista uma finalidade.

Motivação:

É a exteriorização / exposição dos motivos (fatos) de um ato administrativo.

Como se expõem os motivos em direito? Por um silogismo: 1º você descreve um fato; 2º você indica a norma jurídica aplicável; 3º estabelece uma relação de pertinência entre uma e outra (norma e fato). Isso é motivação.

Visto isso, temos duas questões para tratar: teoria dos motivos determinantes (TMD) e a questão da obrigatoriedade ou facultatividade da motivação.

Teoria dos motivos determinantes:

Essa teoria somente se aplica nos atos administrativos em que a motivação é facultativa. Ainda vamos ver quando ela (a motivação) é obrigatória ou facultativa, mas é importante deixar claro que só se fala em TMD na hipótese em que a motivação for facultativa.

Nas situações, em que um ato administrativo (exercício de função administrativa sob o regime do direito público visando o interesse coletivo) tenha motivação facultada, se o agente público optar por motivá-lo, vincular-se-á aos motivos expostos. Essa é a teoria dos motivos determinantes.

Ou seja, o agente público tinha a faculdade de motivar o ato ou não. Optando por motivá-lo, ficou vinculado àquilo que expôs. Assim sendo, se o administrado demonstrar que o motivo que ele expôs não condiz com a situação fática real ele obtém a invalidação desse ato em juízo.

Nós temos aplicações importantes no direito administrativo. Por exemplo: vocês vão ler em todos os livros a seguinte afirmação “critério de correção e

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atribuição de notas em concurso público por uma banca examinadora são insuscetíveis de controle judicial”. Todos os autores dizem isso. Assiste razão total a isso?

E se a nota viesse motivada? Pode controlar? Vejamos o seguinte exemplo: um dos concursos mais transparentes hoje em dia é o da AGU (Advocacia-Geral da União), até porque ela traz motivação às notas conferidas nas provas. Eles estabelecem, previamente, um gabarito, indicando questões a serem abordadas pelos candidatos. Por exemplo: “se o candidato abordar a inconstitucionalidade do art. tal = nota de zero a 30” e assim por diante.

Com isso chegamos à seguinte conclusão: os critérios de correção de banca de concurso público são insuscetíveis de controle judicial (é verdade), desde que não tenham sido motivados.

Logo, com o exemplo acima, se o candidato abordasse a inconstitucionalidade do art. tal e lhe tivessem atribuído nota zero, não haveria compatibilidade entre o motivo exposto e a fato ocorrido (o candidato abordou a matéria).

Vejam que isso nem esbarra no controle de mérito, porque o candidato não está questionando se merece 20, 30, 40 ou 50. Só questiona que a motivação delineou os motivos (situações fáticas que condicionam a atribuição da nota) e que, em tese, ele teria se enquadrado na situação fática, pelo que não lhe cabia a nota zero.

Agora, essa teoria foi estendida ao Direito Constitucional.

Acabou de sair um livro do Prof. Gustavo Binenbojm em relação à possibilidade de controle judicial do veto. Todos os autores brasileiros dizem o seguinte: “veto é insuscetível de controle, porque é ato político”. Se o Presidente veta um projeto de lei, não pode o Poder Judiciário (STF) apreciá-lo.

Então, o prof. Gustavo Binenbojm diz o seguinte: veto pode se dar por dois motivos (i) inconstitucionalidade (veto jurídico) ou (ii) contrariedade interesse público (veto político). Isso está no art. 66, § 1º da Constituição Federal. Em nenhum dos dois casos a motivação é obrigatória, só que ela é costumeira no veto por inconstitucionalidade, porque o Presidente, em regra, costuma dizer o seguinte: “Veto por entender contrário ao art. tal da Constituição”. Isso é motivação.

Diz o Prof. Binenbojm: veto por inconstitucionalidade é sujeito ao controle judicial, porque, embora seja ato cuja motivação é facultativa, o Presidente costuma motivá-lo. Se ele motivou, e depois você demonstra que os motivos expostos não correspondem à realidade dos fatos, você invalida o veto.

Ex.: com isso teríamos a possibilidade de submeter a controle do STF um veto aposto pelo Presidente ao projeto de lei se ele indicar os artigos da Constituição supostamente contrariados.

Podemos ir mais longe, mas nada impede que o veto por contrariedade do interesse público seja motivado. E, nesse caso, seria passível de controle.

Agora vamos para a questão mais importante.

Obrigatoriedade ou facultatividade da motivação:

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Basicamente quanto à obrigatoriedade de motivação do ato administrativo, nós temos três posições.

1. Maria Sylvia Zanello Di Pietro: Todo ato administrativo deve ser motivado. Essa posição hoje é desconsiderada porque existem casos até de impossibilidade física de fazê-lo. Por exemplo: Sinal de trânsito é um ato administrativo de regular o tráfego viário, só que não é possível motivá-lo.

2. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: Devem ser motivados os atos administrativos vinculados. Os atos administrativos discricionários não. A crítica é feita porque os atos que merecem maior motivação não são motivados. Nós ainda vamos ver o que são atos administrativos vinculados e discricionários.

3. José dos Santos Carvalho Filho: Os atos administrativos devem ser motivados quando houver imposição legal (posição predominante), seja vinculado ou discricionário. Ex.: lei de licitações e contratos (art. 49 da Lei nº 8.666/93) quando faz menção à revogação da licitação diz textualmente que tal ato de revogação deve ter motivação obrigatória.

FORMA:

Forma significa o modo de expressão da função administrativa.

Temos que enfrentar a distinção entre forma, formalidade e prova.

O que é formalidade? É o modo de expressão da forma. Ex.: forma escrita é forma. Agora, papel A4, fonte Arial, tamanho 12 é formalidade.

Percebam que a forma é concomitante ao ato. Ou seja, o ato nasce com a forma.

O que é prova? Agora, prova é anterior ou posterior ao ato. Ou seja, quando o ato é praticado já havia uma prova de algum fato; ou quando o ato é praticado e não havia prova de algum fato, mas ela surge depois.

Falta só uma última questão. Qual é o princípio que informa a forma no Direito Administrativo? É o princípio da solenidade das formas. Por exemplo: vamos estudar o Pregão e veremos que em uma das fases é em sessão pública e os lances são feitos oralmente.

OBJETO:

É o fim imediato ou direto da função administrativa. Ou seja, a função administrativa foi exercida porque havia uma finalidade (aquilo que se pretende).

Quais são os requisitos de validade desse objeto? São dois: possibilidade e liceidade (não é licitude, tecnicamente).

Possibilidade: significa que o objeto não pode ser absolutamente impossível. Ou seja, ele deve ser relativamente possível.

Liceidade: significa que o objeto não pode ser proibido pela ordem jurídica.

Segundo a Maria Sylva Zanella Di Pietro, os requisitos de validades seriam esses dois já mencionados e mais a certeza e a moral.

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FINALIDADE:

É o fim mediato ou indireto da função administrativa.

Enquanto o objeto é fim mediato e direto, portanto variável, a finalidade, por ser fim mediato ou indireto, é invariável. O fim é um só: o interesse público.

A nota importante aqui já foi feita. Já estudamos abuso, desvio e excesso de poder; ou, como alguns autores preferem: abuso, desvio e excesso de finalidade.

Com isso a gente exauriu os elementos dos atos administrativos. Vamos analisar a parte prática.

Atributos dos atos administrativos:

Quais seriam os atributos dos atos administrativos? Os livros mencionam 3, mas, a rigor, são 4: presunção de legalidade e legitimidade, imperatividade, exigibilidade e a auto-executoriedade.

Eventualmente vocês vão encontrar alguns atos administrativos que não tenha um desses atributos. Ex.: alguns atos administrativos não têm auto-executoriedade, e o Diogo de Figueiredo chama isso de atos hetero-executórios (necessitam da atuação do poder judiciário).

Nós vamos ver que a auto-executoriedade é a possibilidade de executar o ato sem ordem judicial para isso. Ou seja, se a Administração Pública quiser derrubar um prédio, ela vai lá e derruba; sem estar autorizada em juízo para isso. O seu ato é auto-executório.

Só que existem alguns atos excepcionais em que essa auto-executoriedade não existe. Daí o Diogo de Figueiredo falar em ato hetero-executório.

Vamos exemplificar com multas de trânsito. Percebam que a aplicação da multa é auto-executória, ou seja, para que o guarda de trânsito te multe, não se faz necessária uma autorização judicial para lavrar a multa em seu nome. A cobrança da multa também é auto-executória. Ou seja, o Estado pode remeter à sua casa uma notificação sobre a infração para que você efetue o pagamento voluntário. Isso, sem estar autorizado em juízo.

Agora, a execução da multa não é auto-executória. Logo, caso não haja pagamento voluntário, para que o Estado satisfaça o seu crédito, terá que promover a Execução Fiscal.

Outro exemplo: servidão administrativa. Se o Estado pretende constituir uma servidão administrativa, caso exista acordo entre o proprietário do bem sobre o qual perderá (?) essa servidão e o Estado, ele constitui sem autorização judicial. Agora, caso não exista acordo, será necessária a ação demarcatória para que seja demarcada a área sobre a qual perderá (?) a servidão administrativa.

Outro exemplo: expropriação. Caso não haja acordo entre o proprietário do bem objeto da expropriação e o Estado, será necessária uma ação expropriatória para que o proprietário perca a propriedade.

Presunção de legalidade (ordem jurídica) e de legitimidade (interesse público):

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Em primeiro lugar, é importante dizer que essa presunção é relativa.

Quando se diz legalidade, significa conformidade com a ordem jurídica. E, quando se fala em legitimidade, significa conformidade com o interesse público.

Todo ato tem a presunção relativa de estar em conformidade com a ordem jurídica (legalidade) e com o interesse público (legitimidade).

Percebam que presunção de legalidade e legitimidade tem a ver com a validade; ou seja, o ato presume-se válido, porque é legal e legítimo.

Qual é o efeito prático disso? Inverte-se o ônus da prova contra quem alega. Nesse caso, estamos invertendo o ônus da prova contra o administrado. Cabe a ele provar que o ato é ilegal ou ilegítimo.

É por isso que é muito difícil provar que não estava com excesso de velocidade, que não estava falando ao celular, etc.

E o segundo efeito prático disso é o seguinte: torna o controle judicial, em regra, repressivo. Ou seja, o controle judicial sobre atos administrativos é, em regra, repressivo, salvo na hipótese em que estiverem em jogo direitos fundamentais. Logo, se o ato tem a presunção de ser legal e legítimo, você não pode controlá-lo antes da sua prática. Tem que aguardar a prática dele para depois alegar; mesmo assim, provar o que está sendo alegado.

Ex.: Várias empresas de ônibus, principalmente em Niterói, onde a Guarda Municipal tem uma fúria compulsiva em emitir multas, estão propondo ações contra o Governo do Rio de Janeiro visando proibir o Estado de emitir multa em relação a elas. Então, é uma demanda que visa condenar o Estado a uma obrigação de não fazer, qual seja, não emitir multas contra ela.

Pergunto: esse pedido é possível? Se multa é ato administrativo, você não pode controlá-la antes de sua prática. Esse pedido é juridicamente impossível. O juiz deve extinguir o processo sem julgamento de mérito. Cabe ação depois da multa praticada, mesmo assim com o ônus da prova em seu desfavor.

Aluno: pegando o gancho na explanação... seria exemplo aquela ação movida que as empresas de ônibus interestaduais entraram no TRF da 1ª Região, visando impedir a ANTT de aplicar o auto de infração por descumprimento do art. 40 da Lei do Idoso?

Prof.: É. Qualquer hipótese que previna o exercício do poder de polícia é a contemplada aqui.

Aluno: Pois é, eles conseguiram uma liminar. A ANTT entrou com um agravo e conseguiu reverter a decisão. Mas no julgamento do mérito do agravo a turma decidiu por dar razão às empresas.

Prof.: É, mas pende recurso no Supremo.

Aluno: Porque eles que não teve fonte de custeio e não poderia ser...

Prof.: isso é outra questão. Aqui no Rio de Janeiro há fonte de custeio indicada, correspondente a 10% de uma receita da venda de vales-transportes.

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Aluno: não, mas isso no intra-municipal.

Prof.: Sim, mas no intra-municipal depende da Lei Orgânica do Município, se prescreveu o não. Agora, o que se discute hoje é se essa renda é rentável ou não...

Parece-me que basta o Município provar que existe uma fonte de custeio indicada. Se ela é rentável ou não, é uma coisa que não cabe ao direito discutir. Cabe uma possível revisão administrativa do contrato questionado isso: que a fonte de custeio não é suficiente, que quebra a equação econômica do contrato, etc.

Há um voto divergente do Des. Capanema que me parece perfeito. Entendia que era constitucional, porque havia fonte de custeio indicada. Se ela é rentável não cabe discussão agora.

Depois, não se declara a inconstitucionalidade de uma norma na dúvida. Ou seja, até pela interpretação conforme a Constituição, havendo a possibilidade, é preferível entender-se que ela é válida.

Bom, dito isso vamos ver a imperatividade.

Imperatividade:

Significa que os atos administrativos são cogentes, isto é, independem do consentimento dos administrados, ainda que estejam em jogo interesses pessoais deles.

Imperatividade tem a ver com eficácia, ou seja, o ato produz efeitos ainda que não tenha o consentimento dos administrados.

Exigibilidade:

Significa que o ato administrativo deve ser cumprido pelo administrado, independentemente de ordem judicial.

Qual é a diferença entre este atributo e a imperatividade? Na imperatividade o ato administrativo é cogente (ou seja, independe de consentimento dos administrados), significa dizer que o Estado constitui unilateralmente obrigações com o administrado.Então, num primeiro momento ela constitui a obrigação (imperatividade) e, num segundo momento – exigibilidade –, ela utiliza meios de coerção. Ou seja, ela visa influir nesse administrado para que ele voluntariamente cumpra essa obrigação.

Auto-executoriedade:

Foi dito que na exigibilidade o ato administrativo deve ser cumprido pelo administrado independente de ordem judicial.

Na auto-executoriedade vamos substituir o deve ser cumprido por pode ser executado pela Administração independente de autorização judicial.

Ora, se esse ato pode ser executado por ela mesmo sem autorização em juízo, qual é a diferença entre imperatividade, exigibilidade e a auto-executoriedade? Na imperatividade, ela constituiu unilateralmente obrigação com o administrado, isto é, não dependendo do consentimento dele. Na exigibilidade, ela utilizou meios de coerção para que ele cumprisse

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voluntariamente essa obrigação. Mas ele não cumpre. O que ela faz? Ela utiliza- se do atributo da auto-executoriedade, que no processo civil chama de meio de sub-rogação, ou seja, ela invade o patrimônio dele para satisfazer um crédito através de uma execução.

Vamos dar um exemplo que faz entender os quatro atributos:

Existe uma lei municipal determinando que na Lagoa Rodrigo de Freitas não pode ser construído prédio com mais de 6 andares.

Bom, essa lei impede que o prédio não tenha 6 andares é um ato legal e legítimo. Ou seja, presume-se que a lei esteja em conformidade com a Constituição do Estado e a Constituição Federal; bem como se presume que isso atenda ao interesse público na conservação do meio ambiente.

Com isso ela constituiu obrigações de não fazer com o administrador, qual seja, de não construir prédio acima de 6 andares.

É evidente que essa imperatividade vem acompanhada de uma sanção. Ex.: não construa acima de 6 andares, sob pena de o prédio ser derrubado. Isso é exigibilidade: está influindo com uma coerção sobre o administrado para que ele voluntariamente cumpra aquilo.

Caso algum administrado construa um prédio com 7 andares ou mais, a Administração derrubará o prédio. E isso configura a auto-executoriedade.

Bom, na próxima aula continuamos o tema.

FIM DA AULA 7.

Aula nº 8. Tema: Atos Administrativos. Classificação. Extinção.

Bom, hoje vamos ver a classificação dos Atos Administrativos. Temos duas classificações importantes: uma é quanto à formação da vontade da Administração Pública e outra é quanto ao grau de liberdade.

Classificação quanto à formação da Administração Pública.

Atos Simples: um único ato com uma única vontade (único órgão).

Atos Compostos: há dois atos – um principal e um acessório cuja finalidade seja a de dar eficácia ao principal. Há dois órgãos. Ex.: parecer de procurador aprovado pelo PGE. Graficamente pode ser representado por uma bolinha (ato acessório) e uma bola grande (ato principal).

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Atos Complexos: há um único ato com a manifestação de duas vontades diferentes – dois órgãos. Ex.: lei – elaboração pelo CN com sanção do Presidente.

Qual a diferença entre ato composto, complexo e procedimento administrativo? Os dois primeiros conceitos estão acima. O procedimento é um conjunto concatenados de atos, com uma finalidade específica.

Qual a aplicação prática disso? Está no Mandado de Segurança e na dúvida que há com relação a quem será autoridade coatora nos atos complexos, compostos e nos de procedimento. Hoje já se pacificou o entendimento de que a autoridade coatora não é sujeito passivo e serve apenas para fixar competência.

Obs.: Em tudo que se relaciona à Mandado de Segurança há divergência entre Hely Lopes Meirelles, que já está ultrapassado mas ainda é majoritário e o Sérgio Ferraz que é de vanguarda mas ainda minoritário na jurisprudência.

Hely Lopes Meirelles: se a hipótese é de ato composto a autoridade coatora é quem pratica o ato principal. Então, por exemplo, se um Procurador do Estado exara um parecer e o Procurador-Geral do Estado o aprova.

Se a hipótese é de ato complexo, a autoridade coatora será quem manifestar a última vontade. Então, num projeto de lei iniciado no Congresso Nacional, mas que o último ato foi a sanção do Presidente, a autoridade coatora para fins de Mandado de Segurança será ele.

Se a hipótese for de procedimento, a autoridade coatora será quem preside o procedimento. Ex.: o presidente da comissão de licitação será a autoridade coatora.

Sérgio Ferraz: ele diz que se a hipótese é de ato composto a autoridade coatora – como diz o Hely – não é aquele que pratica o ato principal, mas as autoridades coatoras serão aquelas que praticam os dois atos. Ou seja, o ato principal é o ato acessório.

Então, no nosso exemplo seriam o Procurador do Estado – que lavrou o parecer – e o Procurador-Geral do Estado – que aprovou o parecer.

Aí, diz ele: se a hipótese é de ato complexo a autoridade coatora – como diz o Hely – não é aquela que manifesta a última vontade, mas sim aquelas que manifestam as duas vontades.

Então, no nosso exemplo seriam o Congresso Nacional – que manifestou a primeira vontade – e o Presidente da República – que manifestou a segunda. Evidentemente que o Congresso Nacional está representado pelo presidente de sua mesa. E o Poder Executivo Federal estaria sendo representado pelo próprio Presidente da República.

E se a hipótese é de procedimento, não é a autoridade que dirige o procedimento. É o órgão que realiza o procedimento. Então, no nosso exemplo, não seria o presidente da comissão de licitação; seria o órgão que realiza a licitação.

Parece haver um exagero aqui, porque há uma confusão entre agente e órgão. Autoridade é agente; órgão é outra coisa. Parece equivocado dizer que se você tem uma licitação realizada pelo Ministério Público, não é o presidente da comissão de licitação a autoridade coatora. Vai ser o Ministério Público, que é o

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órgão que realiza o procedimento? Há uma confusão entre autoridade, agente e órgão, mas é a posição dele.

Então, essa é a importância prática dessa classificação (quanto à formação da vontade): indicar quem é a autoridade coatora para um eventual mandado de segurança. Mas eu repito gente: se ela sujeito passivo dessa relação processual é outra questão.

Bom, a classificação mais importante é quanto ao grau de liberdade. É aqui que mora o perigo. Qual seria o grau de liberdade que a administração possui na prática do ato administrativo?

Vamos voltar a um tema que já estudamos para entendermos isso aqui melhor. Nós já verificamos que os atos administrativos têm 5 (cinco) elementos: competência, motivo, forma, objeto e finalidade. À luz disso teremos uma nova classificação quanto ao grau de liberdade, e teremos o seguinte: atos administrativos vinculados e atos administrativos discricionários.

Ato administrativo vinculado: é aquele que a lei enumera os cinco elementos legais. Não há nenhum juízo de valor por parte do agente público. Cabe a ele somente verificar se o fato descrito na lei é o fato que ocorreu na prática.

Qual é a conseqüência disso? O ato administrativo vinculado só pode ser anulado. Essa anulação se dá pela Administração Pública (no controle interno) e pelo Poder Judiciário (no controle externo) sempre pelo mesmo motivo: ilegalidade.

Ato administrativo discricionário: é aquele que possui três elementos em lei. Motivo e objeto não estarão indicados na lei, havendo juízo de valor por parte do administrador.

É exatamente esse juízo de valor sobre motivo e objeto, tendo em vista conveniência e oportunidade, que se chama mérito administrativo.

Pelo que se extrai daqui, só existe mérito administrativo no ato discricionário. Não há mérito em ato vinculado, porque não há juízo de valor.

Qual é a aplicação prática disso? Vimos que o ato administrativo vinculado pode ser anulado pela Administração Pública e pelo Pode Judiciário em caso de ilegalidade. A mesma coisa ocorre aqui, ou seja, o ato administrativo discricionário pode ser ilegal também. Portanto, pode ser anulado por ilegalidade pela Administração Pública e pelo Poder Judiciário.

Além disso, ele pode ser revogado. E essa revogação – há um dogma hoje no Brasil – só pode se dar pela Administração Pública em caso de conveniência ou inoportunidade.

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Isso aqui em outras palavras traduz um dogma que o Supremo tem: não cabe controle externo de mérito administrativo. É a súmula 473 do STF.

Até aí os livros vão. Vamos aprofundar as coisas. Temos 3 questões para enfrentar.

1. Estabeleça a diferença entre discricionariedade política-administrativa e discricionariedade técnica.

2. A magistratura fez uma questão relativa ao controle da discricionariedade administrativa. Queriam que você expusesse a divergência existente em doutrina sobre a admissibilidade ou não de controle judicial da discricionariedade administrativa.

3. O Ministério Público fez uma pergunta sobre o controle judicial das omissões administrativas. Essa pergunta é a mais difícil, porque é a zona fronteiriça entre o que viola ou não a Separação dos Poderes.

Isso porque quando você admite o controle judicial das omissões administrativas, está admitindo – em outras palavras – que o MP se imiscua, via Ação Civil Pública, em políticas públicas.

A questão feita foi a seguinte: é cabível Ação Civil Pública para o condenar o Estado do Rio de Janeiro a construir presídios? Vejam que construir presídios é uma opção discricionária, ou seja, o Estado constrói o que quiser e quando quiser (quando for conveniente e oportuno).

Agora, tem o MP a possibilidade de submeter ao Poder Judiciário o controle sobre essa omissão?

Por exemplo: foi proposta uma ação contra o Município do Rio de Janeiro para fornecer 10.000 vagas em creche. Isso é possível? Ou se está ingerindo em assunto interno do Poder Executivo?

Bom, vamos a cada uma delas.

O que essa primeira questão está chamando de discricionariedade político-administrativa é o que estamos tratando agora. É comum à Administração Pública como um todo.

A novidade está na discricionariedade técnica, que é aquela baseada em critérios técnicos. É restrita às Agências Reguladoras. Essa discricionariedade técnica é o fundamento de validade das normas regulatórias. Ou seja, as normas jurídicas que as Agências produzem são chamadas normas regulatórias. O fundamento de validade delas é a discricionariedade técnica. Isso está naquele livro do prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto chamado Mutações de Direito Administrativo.

Vamos para a segunda questão: cabe controle judicial da discricionariedade política administrativa? Nós vimos que a posição do STF é no sentido de negar esse controle. Vimos a súmula 473. Agora, para a doutrina isso não é unânime. Temos as seguintes posições:

Miguel Seabra Fagundes: não cabe controle judicial da discricionariedade administrativa, porque isso violentaria a Separação dos Poderes.

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Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Wilney Magno: é cabível o controle judicial da discricionariedade administrativa, só que o esse controle é indireto. Em outros termos: não cabe controle judicial sobre a conveniência e a oportunidade, mas cabe controle judicial sobre os limites dessa conveniência e dessa oportunidade. E o principal limite a que eles estariam sujeitos, seria o da razoabilidade.

Agora, vamos tomar alguns cuidados. Em primeiro lugar, o que é razoabilidade? Existem quatro diferentes conceitos de razoabilidade: americana, alemã, francesa e inglesa. O STF segue o modelo alemão, que é realmente o mais claro, mais técnico.

O alemão Konrad Hesse faz menção a isso. Em Portugal temos o José Joaquim Gomes Canotilho. No Brasil, temos o Gilmar Ferreira Mendes. Eles dizem que a razoabilidade é um gênero, dos quais: adequação (entre meio e fim), necessidade (do meio para se alcançar o fim) e proporcionalidade (entre meio e fim) - são espécies.

Ato razoável é tudo aquilo que se mostre adequado, necessário e proporcional. Isso é cumulativo. Aliás, até por essa idéia já podemos ver que proporcionalidade é coisa distinta de razoabilidade. Na França são a mesma coisa. Mas aqui proporcionalidade é uma espécie de razoabilidade.

Se faltarem alguns desses elementos, a norma será inválida.

Vamos analisar 3 exemplos inconstitucionais por falta de cada um desses critérios:

Digamos que exista uma norma que fala assim: “durante o carnaval fica proibida a venda de qualquer bebida alcoólica”, ao argumento de que o consumo do álcool aumenta o contágio de DST e, inclusive, a AIDS. E aí a gente pergunta: o meio escolhido pela norma é adequado para alcançar o fim visado?

Qual é o fim visado? Reduzir o contágio de doenças.

Qual é o meio escolhido? Proibir a venda de bebidas alcoólicas.

Pergunta-se: o contágio dessas doenças decorre do consumo do álcool? Não.

Conseqüentemente, se não há adequação entre meio e fim, a norma é inadequada. Portanto será irrazoável. E assim, inconstitucional. Faltou adequação.

Vamos a um segundo exemplo. Existe uma indústria química às margens de um rio. Essa indústria despeja resíduos químicos no rio. Por essa poluição ambiental foi proposta uma Ação Civil Pública. E na prova pericial se constata que a instalação de filtros nas saídas dessa indústria é suficiente para que ela não mais poluísse o rio. Em ato contínuo, há um ato do poder público que importa no fechamento dessa indústria. Seja pelo aumento da carga tributária, seja pela caducação da licença, etc.

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Existe necessidade entre meio e fim?

Qual é o fim visado? Reduzir a poluição do rio.

Para que ocorresse a redução nessa poluição seria necessária o fechamento da indústria ou haveria um meio menos gravoso para isso? Havia um meio menos gravoso, que é a instalação dos filtros. Então, o ato é desnecessário porque excessivo. Se a norma é desnecessária ela é irrazoável e, portanto, inconstitucional.

Deve haver proporcionalidade. Existe uma lei nazista no Rio de Janeiro que diz assim: todos os monumentos públicos serão cercados com cercas elétricas, de tal modo que qualquer pessoa que queira pichá-los possa sofrer uma descarga elétrica suficiente para causar a morte.

Qual é o meio escolhido? Possível sacrifício da vida.

Qual é o fim visado? Defesa do patrimônio público.

Não é proporcional que para a defesa do patrimônio público possa ser sacrificada a vida humana. Falta proporção entre o meio e o fim. Logo, a norma é desproporcional; é irrazoável e, por isso, inconstitucional.

Ou seja, se falhar um desses vetores a norma passa a ser inconstitucional; se for um ato administrativo passa a ser ilegal.

O que esses autores sustentam é que se pode realizar esse controle de razoabilidade. Se o Poder Judiciário verificar que um ato administrativo é irrazoável, tem-se a possibilidade de invalidá-lo.

Embora essa posição seja minoritária em doutrina e jurisprudência, já existem algumas manifestações isoladas de aplicação dessa teoria. Tanto no Direito Administrativo, como no Direito Constitucional.

No direito administrativo isso foi aplicado quanto ao critério de correção de prova. Vocês já viram que há um dogma de que atribuição de nota e critério de correção de prova de concurso público são insindicáveis em juízo. Já vimos que há uma saída para isso: “salvo se motivado”. Se houver motivação a atribuição da nota ou o critério de correção você tem até a possibilidade de levar ao Poder Judiciário esse controle (por força da teoria dos motivos determinantes).

Não confundam mérito entre limite dele. Vamos lembrar daquele exemplo que usamos da prova da AGU. “Se o candidato abordou a matéria X ou Y, valor Z”. Temos uma possibilidade de submeter esse ato ao controle judicial: pela teoria dos motivos determinantes a autoridade se vinculou ao motivar o ato administrativo.

Temos uma segunda possibilidade pela razoabilidade. Seria controle direto se você discutisse se a questão A merece, zero, 10, 20 ou 30 pontos. Agora, é controle indireto você ter mencionado o que daria de zero a 30 e o candidato ter recebido nota zero. Pelo menos falta proporcionalidade.

Já existe a possibilidade de usar essa teoria em Direito Constitucional. Vocês vão ver que o STF já vem admitindo a declaração de inconstitucionalidade de medidas provisórias por falta manifesta de urgência, ou de relevância, ou das duas. O STF sempre teve jurisprudência tranqüila de que não poderia de declarar uma

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matéria como essa inconstitucional, porque o critério era discricionário. Ou seja, cabia ao Presidência verificar se há relevância, urgência ou as duas.

Tendo em vista o abuso cometido pelo Governo passado e reiterado por este Governo, o STF passou a entender que cabe controle em cima da relevância e da urgência ou das duas, quando for manifesta sua ausência. Ex.: o governo passado editou Medida Provisória para alterar o nome do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. É manifesta a falta de relevância do tema. Não há interesse público que justifique uma Medida Provisória para isso.

O atual Governo editou Medida Provisória que instituiu tributo em 1o de março. Basta ler o título da lei para saber que ela é inconstitucional por ferir o princípio da anterioridade tributária.

Numa prova do MP caiu a seguinte pergunta: o município estabeleceu autorização para que João da Silva efetuasse venda de produtos artesanais em feira hippie. A condição era que ele não vendesse produtos manufaturados, havendo cominação de multa caso ele vendesse produtos manufaturados. Verificou-se que ele vendeu produtos manufaturados e revogou-se a autorização. Assiste razão? A resposta deveria ser que a sanção cominada era multa, sendo desnecessária a revogação do ato. Assim, por vício de razoabilidade o ato poderia ser invalidado. Essa deveria ser a resposta porque Diogo estava na banca.

Na última prova da magistratura caiu: havia uma Câmara Municipal que afastou um vereador por indícios veementes de improbidade administrativa. O Suplente impetra mandado de segurança postulando sua posse no cargo. Tinha razão? Depende da banca que for examinar. Se fosse o Diogo na banca, a resposta seria a seguinte: não se mostra razoável que o suplente não seja empossado no cargo, pois tudo leva a crer que o titular será cassado, até porque isso importa em prejuízo à própria representação política dele. Se depois for verificado que o titular não foi cassado, afasta o suplente. Não é preciso que haja vacância para que tenha posse do suplente (exemplo clássico é o impeachment). Agora, como a banca era uma banca clássica, a resposta seria “pedido improcedente; é impossível o controle judicial de mérito administrativo. Súmula 473 STF”.

Fim do lado A.

Início do lado B: ...na Constituição Federal existe um exemplo de posse em cargo que esteja vago. É o art. 86, § 1º, II: quando há impeachment e o processo é aceito pelo Senado...na hora em que se instaura o processo contra o Presidente, esse já fica suspenso. O Vice-Presidente é empossado no cargo (que não está vago), porque o presidente não foi julgado ainda. Ou seja, há posse sem que haja vacância.

Bom, eu disse isso pelo seguinte: em concurso da magistratura (que é tradicional) a posição é essa: não cabe controle.

Então, a questão ligada ao controle judicial da discricionariedade administrativa é essa.

A grande questão do momento é a seguinte: existe a possibilidade de controle judicial da omissão administrativa? O Estado não constrói presídio, hospital, etc. (qualquer política pública), pode o Ministério Público ingressar com Ação Civil Pública para obrigar o Estado a construí-los? Temos duas posições em doutrina:

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Hely Lopes Meirelles e José dos Santos Carvalho Filho: essa é a posição clássica que deve ser adotada em qualquer prova, exceto no Ministério Público. Tomem cuidado porque atualmente o Carvalho Filho é examinador de Administrativo do Ministério Público.

Eles entendem que não cabe o controle judicial das omissões administrativas. No livro que o Carvalho tem sobre Ação Civil Pública, ele elenca pedidos juridicamente impossíveis, dentre os quais estariam, o pedido em que o Ministério Público se imiscua em políticas públicas.

Em outras palavras: para eles o controle judicial só é cabível contra as ações administrativas. E mesmo assim, se discricionárias, com limite: não sobre o mérito.

A fundamentação dessa posição é a mesma do Prof. Seabra Fagundes, ou seja, a Separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal).

Em questão de prova do Ministério Público, que não for da banca de Direito Administrativo, deve ser seguida uma outra posição. Marcos Maselli Gouvêa3, Eduardo Santos Carvalho e Carlos Bernardo Araão Reis: cabe controle judicial de omissões administrativas. Ou seja, controle judicial alcança todas as condutas, ativas ou passivas.

A fundamentação comum entre eles é a ponderação de dois princípios: de um lado, existe a separação de poderes. Agora, como qualquer direito fundamental, a separação de poderes não é um direito absoluto. Ela vai admitir restrições pela ponderação, que no caso se dá com o princípio do acesso à ordem jurídica justa (art. 5º, XXXV da Constituição Federal).

Com isso, podemos autorizar que, em certos casos, essa separação de poderes seja flexibilizada para que a pessoa tenha acesso efetivo a uma ordem jurídica justa.

Podemos acrescentar outro ingrediente aqui: a eficiência administrativa, que também é outro princípio que obriga o Estado a ter uma eficiência em matéria políticas.

Vale lembrar, contudo que, hoje em dia vocês vão encontrar jurisprudência tranqüila no sentido de que não é cabível o controle judicial. O Ministério Público até consegue ganho de causa em primeira instância, mas ao chegar nos tribunais superiores, salvo raríssimas exceções, a decisão é revertida.

Um dos raros casos que vocês encontram de julgamentos de procedência, inclusive nos tribunais superiores, é a questão sobre distribuição gratuita de certos medicamentos a hipossuficientes econômicos.

Bom, com isso fechamos a classificação dos atos administrativos.

Vamos ver como se dá a extinção dos atos.

3 Controle Judicial das Omissões Administrativas (ed. Forense)75

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Os atos administrativos têm formas de extinção normais e anormais. A extinção normal pode decorrer de três causas. A primeira é execução material, ou seja, houve exaurimento do ato. A segunda forma é o advento do termo final, ou seja, se esse ato estiver sujeito a termo, advindo o termo final dele, considera-se o ato extinto. A terceira forma é o implemento de condição resolutiva, ou seja, implementada a condição, o ato se considera extinto.

Existe também a possibilidade de extinção anormal, que pode ocorrer em quatro hipóteses. A primeira é o desaparecimento do objeto, porque o pressuposto objetivo do ato faltaria. A segunda seria o desaparecimento do sujeito, onde faltaria o pressuposto subjetivo do ato. A terceira seria a retirada. A quarta hipótese seria a renúncia, ou seja, o ato que abdicaria do benefício decorrente daquele ato administrativo.

O grande problema reside na retirada. Usamos o termo extinção ao invés de invalidação porque, a rigor, quando se fala em invalidação se quer fazer menção ao que hoje se chama de retirada do ato administrativo. Invalidação compreende só a retirada, que pode decorrer de quatro causas: anulação, revogação, caducidade e cassação.

Há uma quarta forma de extinção anormal chamada Renúncia. Aliás, é um conceito de direito civil: renúncia significa abdicação. Ou seja, quando um beneficiário renuncia ao benefício do ato, ele extingue o ato por renúncia.

Em relação à retirada, já vimos as duas primeiras espécies – anulação e revogação. A rigor, a distinção entre as duas gira em torno de 3 critérios:

1. Anulação se dá tanto nos atos administrativos vinculados quanto nos atos administrativos discricionários.

Já a Revogação somente se dá nos atos administrativos discricionários. Porque o ato administrativo discricionário tem mérito para ser revogado.

2. Anulação pode decorrer do controle externo (Poder Judiciário) ou interno (Administração Pública).

Já a Revogação somente se dá pelo controle interno (Administração Pública).76

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3. Anulação é motivada pela ilegalidade. Ou seja, é o vício na legalidade do ato que justifica a anulação.

Já a Revogação decorre de por inconveniência e / ou inoportunidade.

O que há de novo aqui é a Cassação e a Caducidade.

Cassação é forma de retirada (extinção anormal) pela prática de ato jurídico incompatível com a subsistência do ato administrativo. Ou seja, o beneficiário do ato administrativo pratica um ato jurídico com a subsistência / manutenção do ato administrativo.

Ex.: aquele que nós citamos. O João da Silva era autorizatário para vender produtos hippies na feria. Não poderia vender produtos industrializados, mas vendeu. Então, o Diogo de Figueiredo queria que você dissesse que aquela hipótese não era de revogação, mas sim de Cassação.

Ou seja, João da Silva, que era beneficiário de um ato administrativo (autorização), praticou um ato incompatível com a subsistência dele (venda de produtos industrializados).

Caducidade é forma de retirada (extinção anormal) pelo advento de norma jurídica que torne o ato administrativo supervenientemente incompatível com a ordem normativa.

O ato administrativo, no momento em que foi praticado, estava de acordo com a lei. Mas surge uma norma legal que torna esse ato incompatível com a ordem jurídica. O melhor exemplo hoje é o Bingo. Os Bingos tinham licença de funcionamento. O alvará de licença tinha sido concedido nos termos da lei vigente. Foi editada Medida provisória determinando o fechamento dos Bingos, importando em caducidade das licenças. Aquela MP, enquanto vigorou, tornou os atos administrativos (licença para funcionamento) incompatíveis com a ordem jurídica.

Fim da Aula 8.

Aula nº 09. Tema: Licitação. Conceito. Fundamentação. Destinatários. Princípios. Contratação Direta. Modalidades.

Bom, hoje vamos tratar de Licitação. Vamos começar analisando o conceito e tirar as questões daí decorrentes.

Conceito:

Licitação é o procedimento administrativo através do qual a Administração Pública verifica a idoneidade dos proponentes e seleciona a proposta mais vantajosa para a contratação pretendida.

A gente pode pegar esse conceito e cindi-lo em 3 partes.

Nós começamos falando que a Licitação é um procedimento administrativo. Logo, a natureza jurídica da Licitação não é ato complexo, ato composto, muito menos ato simples. É procedimento administrativo.

Depois nós falamos: “através do qual a Administração Pública verifica a idoneidade dos proponentes e seleciona a proposta mais vantajosa”. Isso tem a ver

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com as características, que são duas: toda licitação tem um caráter prévio e instrumental.

O que significa caráter prévio? Significa que a Licitação, em regra, antecede um contrato administrativo. Por isso estamos invertendo a ordem, primeiro verificando Licitação e depois veremos os Contratos Administrativos.

O que significa o caráter instrumental? Significa que ela não é um fim em si mesmo; ela é um instrumento; um meio para a consecução de alguns fins; objetivos.

Na parte final, falamos em “para a contratação pretendida”, que indica quais são as finalidades dela. Podemos dizer que contratação pretendida indica dois objetivos: (i) direto ou imediato e (ii) indireto ou mediato.

O que é o objeto direto ou imediato? É a celebração do contrato administrativo.

Disso vai decorrer um segundo objetivo, que vai ser indireto ou mediato. Vamos pensar: ela pretende, em primeiro lugar, fazer um contrato. Desse contrato, vão decorrer algumas conseqüências. Então, o objetivo indireto ou mediato será aquilo que será perseguido pelo contrato administrativo. Hoje, no Brasil, temos 4 contratos administrativos típicos, que serão os 4 objetos indiretos ou mediatos: obra, fornecimento, serviço e concessão.

Para quem admitir que Permissão é contrato, pode acrescentá-la no rol, mas nós vamos falar somente do que for pacífico.

Fundamentação normativa:

Bom, vamos passar para o 2º ponto: quais são os fundamentos normativos da licitação? Qual sua fundamental constitucional e legal?

A fundamentação constitucional decorre de 4 artigos: art. 22, XXVII, art. 37, XXI, art. 173, § 1º, III e o art. 175. Todos da Constituição Federal.

O mais importante dos 4 é o art. 22, XXVII, que diz o seguinte:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, (insiram uma barra / após essa vírgula para indicar que é uma norma diferente) e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

Temos dois regimes jurídicos completamente diferentes. A primeira parte quer dizer o seguinte: existe um primeiro regime jurídico no qual, ao conjunto formado por Administração Pública Direta, autarquias e fundações públicas, haverá uma única lei ordinária da respectiva entidade federativa.

Então, licitação na Administração Pública Direta federal, autarquias federais e fundações públicas federais está sujeita a uma lei ordinária federal.

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A Administração Pública Direta estadual, autarquias estaduais e fundações públicas estaduais estão sujeitas a uma lei ordinária do respectivo Estado.

A Administração Pública Direta municipal, autarquias municipais e fundações públicas municipais estão sujeitas a uma lei ordinária do respectivo Município.

Isso é o que diz a parte inicial. Agora vamos ver o que diz a parte final: “e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III”. Aqui existe o seguinte: a cada unidade correspondente à empresa pública ou sociedade de economia mista, haverá uma lei ordinária na respectiva entidade federativa.

Então, cada Empresa Pública federal, e cada Sociedade de Economia Mista federal, está sujeita a uma lei ordinária federal.

Cada Empresa Pública estadual, e cada Sociedade de Economia Mista estadual, está sujeita a uma lei ordinária estadual do respectivo Estado sobre sua licitação.

Cada Empresa Pública municipal, e cada Sociedade de Economia Mista municipal, está sujeita a uma lei ordinária municipal do respectivo Município sobre sua licitação.

Reparem que são dois regimes jurídicos completamente diferentes.

O primeiro regime (art. 22, XXVII, parte inicial) é voltado ao conjunto formado pela Administração Pública Direta, autarquias e fundações públicas. Cada um conjunto desses estará sujeito a uma única lei ordinária da respectiva entidade federativa.

O segundo regime (art. 22, XXVII, parte final) é voltado a cada unidade representada por uma Empresa Pública ou uma Sociedade de Economia Mista. Cada uma delas terá uma lei específica, oriunda de sua entidade federativa.

Uma última consideração. No último concurso da PGM foi colocada a seguinte questão: enquanto não for feita lei para cada Empresa Pública e cada Sociedade de Economia Mista, essas empresas estatais que não tiverem suas leis próprias estarão sujeitas a que legislação? Se você citar a Lei nº 8.666/93, você estará cometendo um equívoco se essa empresa não for estadual ou municipal. Porque se ela for estadual ou municipal, há outra lei.

Logo, se não houver legislação para cada Empresa Pública ou para cada Sociedade de Economia Mista – como hoje não existe – as empresas estatais estarão sujeitas à lei geral de licitações da entidade federativa dela.

Então, se é a União, estará sujeita à lei sobre licitação da Administração Pública Direta, Autarquias e Fundações da União. Se for do Estado, estará sujeita à lei sobre licitação da Administração Pública Direta, Autarquias e Fundações daquele Estado. E, por fim, se for do Município estará sujeita à lei sobre licitação da Administração Pública Direta, Autarquias e Fundações daquele Município.

Aí entramos na fundamentação legal, que vai variar de acordo com o regime colocado. Vamos primeiro indicar o primeiro regime e depois o segundo:

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Como vimos, o primeiro regime é aplicável à Administração Pública Direta, Autarquias e Fundações Públicas, da Entidade Federativa. Então, teremos uma Lei Federal, uma Lei Estadual e uma Lei Municipal sobre o tema.

Em nível Federal a Lei que regula essa matéria hoje é a Lei nº 8.666/93.

Em nível Estadual é o Decreto Estadual nº 3.149/80.

Em nível Municipal é o Decreto Municipal nº 3.221/81.

Portanto, se uma questão de prova trata de uma autarquia estadual no Rio de Janeiro, é equivocado responder pela Lei nº 8.666/93. A mesma coisa vale para uma Fundação Pública Municipal.

É que a União produziu normas gerais para que os Estados e Municípios produzissem suas leis, mas não quer dizer que a Lei nº 8.666/93 se aplique diretamente. Então, cada esfera vai ter sua legislação geral.

Depois, em relação ao segundo regime (que é formado por cada unidade, representada por empresa pública ou sociedade de economia mista). Aqui temos raríssimas leis que regulam o tema. O único exemplo inequívoco sobre isso é o Decreto Federal nº 2.745/98. Esse Decreto Federal regula hoje Licitação na Petrobrás, que é uma Sociedade de Economia Mista Federal e, por isso, está sujeita a uma normatização genérica sobre o tema.

Então, vejam que o único decreto específico para empresa estatal que temos até hoje é formalmente inconstitucional, porque isso é matéria de lei ordinária federal. O Presidente ao editar Decreto subtraiu a apreciação da questão do Congresso Nacional.

Aliás, esse é um belo exemplo de decreto autônomo (aquele que não está fundamentado em lei) inválido.

Em prova oral de concurso se costuma fazer a seguinte pergunta: A Lei nº 8.666/93 é uma lei do tipo federal ou nacional? Em primeiro lugar: o que é norma federal e o que é norma nacional?

A lei nacional é aquela que revela a vontade da Federação, portanto é aplicável a todos os habitantes em território nacional. Ex.: Código Civil e Código Penal.

Já a lei federal é aquele que revela a vontade da União, enquanto entidade federativa, portanto não é aplicada a todos os habitantes, mas sim aos jurisdicionados (pessoa que mantém vínculo) da União. Ex.: Lei nº 8.112/91.

Agora podemos responder que a Lei nº 8.666/93 é mista. Ela é preponderantemente federal, mas não perdeu o caráter nacional. Podemos utilizar um jogo de palavras para distinguir isso claramente:

Quanto ao chamado procedimento licitatório, ela é federal.

Agora, percebam que o art. 22 da Constituição diz que a competência da União é para a produção de norma gerais, também. Então, quanto ao procedimento legislativo, é nacional. Porque ela veicula normas gerais para que os Estados e Municípios produzam suas leis.

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Ela acaba se aplicando aos Estados e Municípios de modo indireto, porque prescreve normas gerais, de modo que esses Entes Federativos irão produzir suas normas à luz do que ela prescreve.

Visto isso, podemos começar a trabalhar com a Lei nº 8.666/93. Vejamos a questão relativa aos destinatários da Lei:

Art. 1º. Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Reparem que a Lei é de 1993 e o art. 22, XXVII teve a redação alterada 5 anos depois do surgimento dessa lei. Não é mais exatamente isso o que ela regula.

Vejam o parágrafo único:

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Como a gente vai reler esse art. 1º e parágrafo único à luz da Constituição Federal?

Nós temos 3 grupos de destinatários nessa lei:

Primeiro: a Administração Pública Direta, autarquias e fundações públicas federais.

Segundo: Fundos especiais.

Terceiro: entidades controladas direta ou indiretamente pela União Federal.

Vamos colocar uma consideração em cada um desses destinatários.

Em relação ao primeiro grupo de destinatários, tomem cuidado com o art. 117 da lei:

Art. 117. As obras, serviços, compras e alienações realizados pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Tribunal de Contas regem-se pelas normas desta Lei, no que couber, nas três esferas administrativas.

Isso significa dizer o seguinte: quando se fala em Administração Pública Direta, isso não compreende só Poder Executivo. Isso compreende órgãos de todos os Poderes do Estado: legislativo, judiciário, tribunal de contas e, por interpretação extensiva, o Ministério Público.

Ex.: o Ministério Público Federal, o TCU, o Legislativo Federal, etc., estão sujeitos a essa lei. É a mesma coisa em relação aos Estados e Municípios.

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Costuma-se dizer que o Judiciário não precisa licitar. Isso é errado. A própria lei obriga a licitação.

Aliás, o único tribunal do mundo que fechou varas para a construção de lanchonete foi o TJ-RJ. Isso é público e notório: no corredor C, 1º andar, algumas varas foram fechadas para a construção de lanchonete. Tudo sem licitação. Existe inquérito civil público por conta disso.

O restaurante do 4º andar é o pior de todos: viola princípio de direito constitucional, princípio de direito administrativo e princípio de direito ambiental.

Fere princípio constitucional, porque tem uma área só para juízes. Isso viola a igualdade. Ou seja, o juiz pode ser juiz na vara dele, mas ali fora ele é consumidor. Logo, área para juiz em bem público de uso comum do povo é inconstitucional.

Fere princípio de direito administrativo, porque não teve licitação.

Fere princípio de direito ambiental, porque o toldo branco não tem licença ambiental.

Então, esse é um exemplo de algo que não foi licitado, quando deveria ter sido. Logo, a lei não obriga só que o Executivo licite, mas licitam também o Judiciário, o Legislativo, os órgãos independentes também (MP, TCU, TCE ou TCM); todos licitam, salvo as hipóteses em que a lei ressalvar (como nos contratos diretos).

Em relação ao segundo grupo de destinatários, ou seja, os fundos especiais. O conceito de Fundo Especial é constitucional e legal. Vejam o art. 167, IV e IX da Constituição Federal e a Lei nº 4.320/64, art. 71 a 74. Essa lei regula o orçamento e nela se conceitua o que é fundo especial.

Em relação ao terceiro grupo de destinatários, temos as entidades controladas direta ou indiretamente pela União Federal. Quando nós analisamos aquela questão sobre serviços sociais autônomos, vimos se o Sistema ‘S’ estaria sujeito ao dever de licitar ou não. A dúvida era exatamente a seguinte: se esse sistema ‘s’ seriam entidades controladas indiretamente pela União Federal ou não. Basta vocês verificarem nossa aula sobre 3º Setor.

Bom, com isso fechamos o art. 1º da Lei nº 8.666/93. Vamos estudar outra questão importante, que é o art. 3º, que faz menção aos princípios da Licitação.

Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

A partir desse artigo, há uma distinção entre princípios básicos e princípios correlatos. Aqueles são os legalmente enumerados: igualdade, legalidade, impessoalidade, moralidade, etc. Os princípios correlatos são aqueles doutrinariamente enunciados.

Vamos estudar primeiro os básicos, depois os correlatos.82

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O mais importante princípio básico é o da igualdade (todas as questões de prova acabam tratando do tema). Vamos enfrentar 3 questões que foram objeto de prova:1. É possível que um instrumento convocatório (ex.: edital) prescrever que existe a reserva de parcela do objeto do contrato administrativo a micro-empresas ou empresas de pequeno porte?

Ex.: o edital diz que 5% do futuro contrato fica reservado a micro-empresas ou empresas de pequeno porte, independentemente da proposta que cada um tenha tido; e ainda que a proposta delas seja maior do que de uma empresa que não é qualificada assim.

Vejam o art. 179 da Constituição Federal. Há norma de imitação na Constituição do Estado do Rio de Janeiro, no art. 228.:

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

O que se diz o seguinte: micro-empresas ou empresas de pequeno porte são destinatários de tratamento jurídico diferenciado. Só que esse tratamento é especificado pela Constituição. Ele se dá pela simplificação, redução ou eliminação de obrigações. E só.

Logo, se um instrumento convocatório de uma licitação reserva parcela do objeto contratual à micro-empresa, isso é inconstitucional por violar o art. 179 da Constituição Federal.

Ex.: um edital de concorrência pode prescrever que micro-empresas serão dispensadas da apresentação da CND (Certidão Negativa de Débito). Isso é válido.

2. É possível ser prescrito como critério de desempate a sede (localização) de uma empresa daquele Estado.

Ex.: Existe uma concorrência estadual...o Estado do Rio de Janeiro licita para a compra de certos medicamentos. Duas empresas empatam: uma sediada no Rio e outra em SP. A empresa sediada no Rio de Janeiro recolhe ICMS e a de SP não. Por isso, se considera como vencedora a empresa do Rio de Janeiro, porque ela recolhe tributos. Isso é válido?

Para responder essa pergunta, vamos nos valer de um fundamento legal. É o art. 3º, § 1º, I da Lei nº 8.666/93:

§ 1º. É vedado aos agentes públicos:I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de

convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato;

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Então, isso é ilegal. A norma é bem ampla, dispondo na parte final que qualquer circunstância impertinente ou irrelevante que for prescrita no ato convocatório será ilegal.

Logo, no caso concreto que mencionamos, o fato de aquele licitante recolher tributo no Rio de Janeiro é impertinente, porque ele não vai prestar o serviço melhor ou pior por conta disso.

A impugnação dessas cláusulas que se mostrem inconstitucionais ou ilegais deve ser prévia. Não pode o licitante se inscrever no certame e, depois que perder, impugnar a cláusula. É o que dispõe o art. 41 da Lei nº 8.666/93.

Aliás, ela foi estendida pela jurisprudência, no sentido de que essa norma pode ser aplicada ao concurso público. Ou seja, o concurso público é tanto processo seletivo quanto à licitação.

Essa impugnação prévia pode ser judicial ou administrativa. Se administrativa, se dará pelo recurso administrativo. Se judicial, se dará pelo mandado de segurança ou pela ação cautelar inominada.

Aluno: como fica aquela questão quando o edital é alterado no meio do concurso? No último concurso da PGE a nota de corte era 50 pontos, havendo 52 vagas. No meio do concurso eles alteraram a nota de corte foi para 60 pontos e o número de vagas caiu para 27...

Prof.: pode haver. Agora, o que hoje se entende é que pode haver a alteração, desde que satisfeitas duas condições: (i) assegurada a igualdade e (ii) assegurada ampla publicidade.

Logo, a alteração não pode se dar sem a devida publicidade. E não pode causar nenhuma preferência. Ou seja, alguém que se quer ver aprovado tirou 60 e alguém que não se quer ver aprovado tirou 58...

Agora, nesse caso do concurso da PGE foi assegurada, a publicidade e a igualdade.

3. Existe a possibilidade de se figurar como critério de desempate o sorteio? Sim, é possível. Inclusive é a própria lei que prescreve isso. É o art. 45, § 2º da Lei nº 8.666/93:

§ 2º. No caso de empate entre duas ou mais propostas, e após obedecido o disposto no § 2º do art. 3º desta Lei, a classificação se fará, obrigatoriamente, por sorteio, em ato público, para o qual todos os licitantes serão convocados, vedado qualquer outro processo.

Bom, em relação aos princípios básicos, as considerações eram essas. Vamos falar dos princípios correlatos. Hoje em dia predomina a idéia de que há 3 princípios correlatos (não é unânime, mas é majoritária). Vamos ver o conceito de cada um deles e suscitar uma questão prática em relação a eles:

Princípio do procedimento formal: significa que a licitação é um procedimento administrativo formado por fases rigidamente demarcadas, de tal modo que a

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inversão de cada uma delas importa em nulidade absoluta (a partir do ponto em que isso ocorrer).

A nota importante sobre esse princípio está no art. 4º da Lei nº 8.666/93. Se for aferida a nulidade em um ato da licitação, todos os atos subseqüentes são nulos, inclusive o contrato administrativo.

Art. 4º. Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.

Princípio da competitividade: significa dizer que a licitação, na medida do possível, deve ter o caráter competitivo.

A nota importante estaria no art. 90 da Lei. Por incrível que pareça essa lei não é só administrativa; mas também penal. Vejam o art. 90 da Lei nº 8.666/93:

Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Então, se eventualmente houver frustração do caráter competitivo pode se configurar crime.

Princípio do sigilo na apresentação das propostas: significa dizer que as propostas, na medida do possível, devem ter caráter sigiloso.

Vocês vão ver em todos os livros, inclusive o do prof. Carvalho, que o Pregão teria abolido esse princípio. Vamos ver que uma das fases do pregão é feita de maneira oral, em sessão pública.

Só que o Pregão não aboliu. O Pregão mitigou o caráter sigiloso. Ou seja, o caráter sigiloso existe ainda, mesmo no Pregão, mas em determinado momento ele deixa de ser aplicado. Vejam a Lei nº 10.520/2002 (Lei que trata do Pregão).

Bom, com isso fechamos os princípios da licitação. Vamos agora ao tema que trata da contratação direta (arts. 17, 24 e 25 da Lei nº 8.666/93).

O que há de interessante aqui é o seguinte: nós colocamos que a Licitação tem caráter prévio, ou seja, em regra, antecede a celebração de um contrato. Mas nem sempre isso ocorre. As hipóteses em que você pode celebrar um contrato administrativo sem ter sido antecedido por licitação, são justamente as hipóteses excepcionais. Então, quando você fala em contratação direta, você estará elencando hipóteses de exceção ao caráter prévio.

A rigor, são 3 hipóteses que a lei trata de uma maneira complicada e a doutrina complica mais ainda.

Licitação dispensada – art. 17.85

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Simplificando isso ao máximo, podemos dizer que a licitação dispensada se dá quando a lei proíbe a licitação.

A grande dúvida está na distinção entre licitação dispensável e inexigível.

Licitação dispensável – art. 24.

Tem três características:

1. Quando se fala em licitação dispensável o procedimento licitatório é materialmente possível, porém inconveniente e/ou inoportuno;

2. Disso decorre a 2ª característica: o ato que dispensa a licitação é discricionário;

3. As hipóteses de dispensa dessa licitação são taxativas.

Por exemplo: é prescrito “casos de emergência ou de calamidade pública”. Há pessoas abrigadas em um certo local. O certame poderia ter sido feito para a compra de produtos alimentícios, medicamentos, etc., mas naquela situação não era conveniente.

Logo, é materialmente possível, mas se mostra inconveniente e/ou inoportuno. A dispensa vai ser um ato discricionário que cabe ao Prefeito do Município aferir a conveniência ou oportunidade.

Licitação inexigível – art. 25:

Agora, licitação inexigível é exatamente o contrário:

1. O procedimento licitatório é materialmente impossível, porque é inviável a competição;

2. Disso decorre que o ato que dispensa a licitação é vinculado;

3. As hipóteses de inexigibilidade dessa licitação são enunciativas.

Ou seja, pode nem ser hipótese que a lei prescreva, mas se configurar uma impossibilidade de competição, será inexigível.

Ex.: há um certo produto que só existe um fornecedor. Não há como se estabelecer competição, pois só ele fornece. Conseqüentemente, a licitação será inexigível.

Vou fazer uma observação que os livros não costumam falar: em qualquer hipótese haverá procedimento administrativo motivado .

Digamos que caia numa prova no Ministério Público a seguinte questão: o Município X contratou diretamente merenda escolar, porque a hipótese era de licitação dispensável (materialmente possível, porém inoportuno, sendo ato discricionário), mas não motivou esse procedimento administrativo. Há Ação de Improbidade, porque o princípio da legalidade exige que haja motivação aqui. Já estudamos que a motivação (exteorização do motivo) é obrigatória nas hipóteses em que a lei obrigue.

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Hoje, 52% das compras na União são feitas sem licitação. Nem todas elas são motivadas.

Já vimos o conceito, fundamentação, destinatários, princípios e, agora, a contratação direta. Vamos para o 6º ponto: Modalidades.

A Licitação tem 5 modalidades clássicas e uma moderna, totalizando 6 modalidades. Atenção com um detalhe: uma coisa é modalidade, outra coisa é tipo de licitação.

Segundo o art. 22 da Lei nº 8.666/93, as modalidades clássicas de licitação são a concorrência, a tomada de preços, o convite, o leilão e o concurso.

A grande dúvida reside nas três primeiras modalidades, porque elas podem ocorrer em situações comuns. Qual é o grande macete para estabelecer a diferença entre elas?

A distinção entre essas 3 figuras giram em torno de 5 critérios: 1-vulto econômico, 2-participação (principal), 3-instrumento convocatório, 4-habilitação e 5-prazo mínimo.

Concorrência:

1. É própria para situações de grande vulto econômico;2. A participação se dá com qualquer pessoa interessada em contratar com a Administração Pública;3. O instrumento convocatório se chama Edital (ou Edital de Concorrência);4. A habilitação é uma fase desse procedimento licitatório;5. Prazo mínimo é de 45 a 30 dias.

Tomada de preços:

1. É própria para situações de médio vulto econômico;2. A participação se dá somente com os cadastrados (ou seja, pessoas que estavam incluídas no registro cadastral), ou cadastráveis (pessoa que não estava incluída, mas manifestou vontade de ser incluída nesse registro 3 dias antes de apresentar seus documentos pessoais);3. O instrumento convocatório também se chama Edital (Edital de Tomada de Preços);4. A habilitação na Tomada de Preços decorre do cadastro. Ou seja, não é preciso que você tenha uma fase própria para habilitar ou não a pessoa. Se ela está incluída naquele cadastro, ela está habilitada;5. Prazo mínimo de 30 a 15 dias.

Convite:

1. É próprio para situações de pequeno vulto econômico;2. Há a participação dos convidados, cadastrados ou não. Ou seja, a Administração Pública formula convites a pessoas que estão cadastradas ou não. E, os cadastrados, que manifestarem vontade de participar do certame um dia antes do término do prazo4;3. O instrumento convocatório aqui se chama Carta Convite;

4 Só um detalhe: o Celso Antônio Bandeira de Mello estendeu o cadastrável da Tomada de Preços para o Convite. É a pessoa que não estava incluída no cadastro e que não foi convidada, que 3 dias antes manifesta a vontade de ser incluída. E já incluída, um dia antes, manifesta a vontade de participar do certame. A diferença é que ele manifesta duas vontades.

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4. A habilitação é presumida: se a pessoa foi convidada, presume-se que está habilitada. Embora os livros não digam, a habilitação decorre do cadastro. Então, teríamos o seguinte: em relação ao convidado, a habilitação é presumida; em relação ao não convidado, decorre do cadastro;5. O prazo mínimo é de 5 dias.

Bom, vamos parar por aqui. Na próxima aula continuamos a matéria.

Fim da aula 9.

Aula nº 10. Tema: Licitação. Modalidades (continuação). Tipos. Procedimento Licitatório. Contratos Administrativos.

Bom, estávamos verificando o tema Licitação. Já vimos as três principais modalidades clássicas de licitação: concorrência, a tomada de preços, e o convite

Agora vamos ver o leilão e o concurso.

Leilão:

É a modalidade de licitação adequada para a venda de produtos inservíveis para Administração Pública.

Ela tem uma característica que a distingue de qualquer outra modalidade, qual seja: considera-se vencedor o licitante que tiver oferecido o maior lance ou oferta.

Isso é completamente diferente de Concurso.

Concurso:

É a modalidade de licitação adequada para escolha de trabalho científico, técnico ou artístico, mediante a instituição de um prêmio ao licitante vencedor.

A característica fundamental de um concurso é premiar o vencedor.

Ex.: o Teatro Municipal do Rio de Janeiro foi hipótese de concurso. Se bem que na legislação atual, poderia configurar improbidade administrativa, porque – há quase um século atrás – o arquiteto vencedor era filho do prefeito da época.

Tomem cuidado com o duplo sentido que a palavra concurso tem. Sob um ângulo, concurso pode ser modalidade de licitação. É o que estamos estudando agora.

Agora, por outro lado, concurso pode ser pressuposto para investidura em cargo ou emprego público. É o concurso público.

Há um ponto de contato entre os dois: é que ambos são procedimentos administrativos que buscam selecionar. Num caso se seleciona coisa e noutro pessoa.

Agora, a grande novidade no Brasil hoje é o Pregão.

Pregão:

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É a modalidade de Licitação adequada para a contratação de bens ou serviços comuns, independentemente do valor estimado do objeto contratual, considerando-se vencedor o licitante que houver oferecido o menor preço em oferta verbal durante sessão pública.

Está previsto na Lei nº 10.520/2002.

Vamos tentar sistematizar o livro do prof. Marçal Justen Filho em 7 pontos cardeais sobre o Pregão.

1. Valor estimado do objeto contratual

Verificamos a Concorrência e foi dito que era própria para grande vulto econômico. Vimos que a Tomada de Preços era própria para médio vulto econômico. E, por fim, vimos que o Convite era próprio para pequeno vulto econômico. A única modalidade de licitação na qual o valor estimado é irrelevante é o Pregão.

Então, no Pregão, o valor estimado é irrelevante. Se o bem ou serviço for comum, é que caso de Pregão.

O que é bem ou serviço comum? É aquele que independe de certas especificações técnicas, além daquelas costumeiramente encontradas no mercado.

Ex.: queremos comprar lápis HB. Isso é uma especificação técnica encontrada no mercado. Você não precisa ter outra qualificação. Outro exemplo: disquete de 3½” é qualificação técnica existente no mercado. Basta isso para que você compre o disquete. Outro exemplo: Papel A4.

Então, isso é bem ou serviço comum; é aquele que independe de qualificação técnica além daquela encontrada costumeiramente no mercado de consumo. Isso é suficiente para identificar o bem ou serviço.

Logo, se o bem ou serviço for comum, pode haver Pregão, qualquer que seja o valor do contrato. Isso está previsto no art. 1º, caput da Lei do Pregão.

Art. 1º. Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.

Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

2. Direção do procedimento licitatório

Nós vimos que a direção do procedimento licitatório compete sempre à Comissão de Licitação. Ou seja, há um órgão (Comissão de Licitação) que vai dirigir a Licitação em qualquer das modalidades (Concorrência, Tomada de Preços, Convite, Leilão e Concurso).

Aqui, no Pregão, não há Comissão de Licitação. Há Pregoeiro, que não é um órgão, mas sim um agente público. Isso está previsto no art. 3º, IV da Lei do Pregão:

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Art. 3º. A fase preparatória do pregão observará o seguinte:

IV - a autoridade competente designará, dentre os servidores do órgão ou entidade promotora da licitação, o pregoeiro e respectiva equipe de apoio, cuja atribuição inclui, dentre outras, o recebimento das propostas e lances, a análise de sua aceitabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor.

3. Instrumento convocatório

Vimos que nas outras modalidades de licitação o instrumento convocatório ou será um Edital ou uma Carta Convite.

A única modalidade que se admite uma possível convocação pela via eletrônica é o Pregão. É o inciso I do art. 4º da Lei do Pregão:

I - a convocação dos interessados será efetuada por meio de publicação de aviso em diário oficial do respectivo ente federado ou, não existindo, em jornal de circulação local, e facultativamente, por meios eletrônicos e conforme o vulto da licitação, em jornal de grande circulação, nos termos do regulamento de que trata o art. 2º;

Embora a lei não fale, já há controvérsia se a sessão pública pode ser feita em ambiente virtual. A rigor, pode, desde que seja garantido a todos o acesso. Isso é uma outra questão, mas o fato é que o instrumento convocatório pode ser feito por e-mail.

4. Propostas

Das 7 características que estamos tratando sobre o Pregão, esta é a mais importante. Nós já discutimos o princípio (correlato) do sigilo na apresentação das propostas, que teria sido mitigado pelo Pregão. Isto é, a proposta continuaria sigilosa em uma de suas fases; em outras não.

Como serão feitas as propostas no Pregão? O pregão é a única modalidade de licitação que vai apresentar duas fases. Haverá uma fase externa e uma fase interna.

Exemplo: temos uma licitação via pregão com 5 licitantes (A, B, C, D e E). Quando se fala em fase externa, essa fase externa é igual a qualquer outra licitação, ou seja, sigilosa na apresentação das propostas. A fase externa é comum a todas as outras.

Digamos que o licitante ‘A’ ofereceu o preço de 300. ‘B’ ofereceu 108. ‘C’ ofereceu o preço 100. ‘D’ ofereceu o preço 105. ‘E’ ofereceu o preço 500. Então, temos 5 propostas com 5 preços diferentes. Todas sigilosas.

A novidade começa na fase interna. Passa para a fase interna aquele que houver oferecido o menor preço. No nosso exemplo foi o licitante ‘C’.

Também irão para a fase interna aqueles que não mantiverem com relação a ‘C’ uma diferença superior a 10%. Assim, temos o ‘D’ (diferença de 5%) e o ‘B’ (diferença de 8%).

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É importante colocar que a fase interna tem que ocorrer. Ainda que você não encontre uma situação como a descrita acima, irão para a fase interna os 3 que tiverem oferecido o menor preço. Mesmo que a diferença seja superior a 10%.

Nessa fase interna ocorrerá o diferencial, situação em que os 3 formularão lances verbais. Será vencedor aquele que oferecer o menor preço.

Então, pode ser que nessa fase interna venha ‘D’ e ofereça 95. ‘B’ oferece 90. Se ninguém oferecer preço menor, sairá vencedor o ‘B’.

Por isso é que foi dito que o Pregão não aboliu o princípio do sigilo na apresentação das propostas, mas sim mitiga. Porque na fase externa a licitação continua sigilosa; mas na fase interna, não mais. E nessa sessão pública – e aí sim – é que serão formulados os lances orais.

A rigor, o Pregão é um Leilão ao contrário, porque nesse é considerado vencedor aquele que oferecer o maior preço. Ao passo que no Pregão é considerado vencedor aquele que oferecer o menor preço.

Isso está colocado na lei do Pregão, art. 4º, incisos VIII e IX:

VIII - no curso da sessão, o autor da oferta de valor mais baixo e os das ofertas com preços até 10% (dez por cento) superiores àquela poderão fazer novos lances verbais e sucessivos, até a proclamação do vencedor;

IX - não havendo pelo menos 3 (três) ofertas nas condições definidas no inciso anterior, poderão os autores das melhores propostas, até o máximo de 3 (três), oferecer novos lances verbais e sucessivos, quaisquer que sejam os preços oferecidos;

5. Critérios de julgamento

O critério é um só: menor preço. Isso porque bem ou serviço comum independe de qualificação técnica. É o art. 4º, X da Lei do Pregão.

X - para julgamento e classificação das propostas, será adotado o critério de menor preço, observados os prazos máximos para fornecimento, as especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos no edital;

6. Possível inversão entre duas fases (julgamento com habilitação)

Nós colocamos que licitação é o procedimento administrativo no qual se verifica a idoneidade dos proponentes e que seria selecionada a proposta mais vantajosa.

Quando se verifica idoneidade dos proponentes, isso é habilitação.

Quando se verifica qual é a proposta mais vantajosa, isso é julgamento.

Em regra, primeiro ocorre a habilitação e depois o julgamento. Ou seja, primeiro se verifica se o proponente é idôneo ou não e depois se verificam as propostas. Isso porque habilitação é do licitante e julgamento é da proposta.

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Aqui ocorre uma inversão: primeiro ocorre o julgamento e depois a habilitação. Isso economiza tempo. Basta pensar o seguinte: temos 20 licitantes. Você primeiro habilita os 20, para entender que 18 são hábeis. Sendo assim, você julga 18 propostas para, então, tirar uma delas (a mais vantajosa). Seria muito mais fácil você pegar as 20 propostas, selecionar uma delas e habilitar somente esta única. Se o licitante for habilitado: muito bom. Se não for, começa de novo. Não pode simplesmente pegar o (segundo colocado) último menor valor, porque esse licitante inabilitado pode ter influenciado o preço.

Isso é muito mais célere. Até porque alguém que se habilita em procedimento licitatório se presume que tenha as condições.

Isso está na Lei do Pregão, art. 4º, XII:

XII - encerrada a etapa competitiva e ordenadas as ofertas, o pregoeiro procederá à abertura do invólucro contendo os documentos de habilitação do licitante que apresentou a melhor proposta, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital;

7. Possível inversão entre adjudicação com homologação

Predomina (não é unânime) a idéia de que no procedimento licitatório você teria primeiro a homologação e depois a adjudicação. Então, você primeiro verifica se o procedimento foi correto ou não (homologação) para depois atribuir a qualidade vencedor a alguém (adjudicação).

Aqui existe uma inversão. Primeiro se atribui a alguém a qualidade de vencedor (adjudicação) e depois se verifica se o procedimento foi correto (homologação).

Agora, é importante colocar o seguinte: esta 7ª característica é majoritária. Isso porque alguns autores entendem que na licitação ordinária já ocorre essa inversão. Vejam o art. 4º, XXI e XX da Lei do Pregão:

XXI - decididos os recursos, a autoridade competente fará a adjudicação do objeto da licitação ao licitante vencedor;

XXII - homologada a licitação pela autoridade competente, o adjudicatário será convocado para assinar o contrato no prazo definido em edital;

Bom, vimos então as modalidades de licitação. Vamos avançar para o próximo ponto, que são os Tipos de Licitação.

Aluno: e a consulta de preços?

Prof.: alguns autores a colocam como uma sétima modalidade de licitação, mas não é. Consulta não identifica um licitante vencedor. Ela pode anteceder um contrato, mas não é licitação em si. É um procedimento administrativo prévio. Por exemplo: antes de celebrar um contrato administrativo, em que a licitação é dispensada, você pode fazer uma consulta de preços.

Tipos de Licitação.

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Uma coisa são modalidades; outra coisa são tipos. Temos 4 (quatro) Tipos de Licitação: menor preço, melhor técnica, técnica e preço, e, maior lance (ou oferta).

Antes de estudarmos os quatro tipos, vale dizer o seguinte.

Há um tipo que só é aplicável a uma modalidade: o tipo maior lance só se aplica ao Leilão.

Há um caso de modalidade de licitação que só admite um tipo: é o Pregão, que só admite o menor preço.

1. Menor preço: é um tipo de Licitação que leva em consideração a vantagem econômica auferida pela Administração Pública.

A rigor, isso se traduz pela seguinte característica: só existe uma proposta, a proposta de preços – um só envelope –, sendo considerado vencedor aquele que oferece o menor preço. Mesmo que de modo oral, como no Pregão.

2. Melhor técnica: é o tipo de Licitação que leva em consideração a perfeição do objeto contratual. Agora, quando se fala em melhor técnica, não se quer dizer que vai ser desconsiderado o preço.

Sob o ponto de vista prático, você vai ter duas propostas: a proposta de preços e a proposta técnica.

Vamos ver um caso prático. Temos uma licitação com dois critérios: proposta de preços e proposta técnica. Temos 3 licitantes (A, B e C). Digamos que quanto a preço os licitantes tenham oferecido 2, 3 e 1 (de modo que C está em 1º lugar, A em 2º e B em 3º), respectivamente. E quanto à técnica tivemos 3, 1 e 2, ou seja, B em 1º, C em 2º e A em 3º.

Se a hipótese é de melhor técnica, considera-se vencedor aquele que obtém a melhor proposta de preço e a melhor proposta técnica. Isso não ocorre aqui, porque C ofereceu o melhor preço, mas B ofereceu a melhor proposta técnica. ‘B’, por sua vez, ofereceu a melhor proposta técnica, mas foi o 3º lugar preço.

Considera-se vencedor aquele que tiver a melhor proposta técnica e aceite reduzir o seu preço ao menor preço ofertado. Então, B pode sair vencedor, porque tem a melhor proposta técnica, desde que aceite reduzir seu preço ao ofertado por C. Se ele não aceitar, será convocado o 2º colocado técnico (C).

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3. Técnica e preço: é o tipo que leva em consideração a vantagem econômica auferida pela Administração Pública (que é própria do menor preço) e a perfeição do objeto contratual (melhor técnica). A rigor, é uma combinação dos dois primeiros tipos.

Isso significa dizer o seguinte que também teremos duas propostas: proposta de preços e proposta técnica. Só que aqui você não define um vencedor por aquele que tem as duas melhores ou aquele que tem a melhor proposta técnica e reduz o preço ao menor preço ofertado. Aqui você vai definir o vencedor por média ponderada.

Então, se o Edital fizer menção à técnica e preço ele vai ter que estabelecer pesos para cada classificação. Digamos que nesse edital o 1º colocado (C) receba 10 pontos; o 2º colocado (A) receba 5 pontos; e, o 3º colocado (B) receba 3 pontos. Tudo isso a título de preço.

Quanto à técnica, digamos que o Edital atribua ao licitante (A) receba 3 pontos; o licitante (B) receba 10 pontos; e, (C) receba 5 pontos.

Fazendo a média ponderada desses valores, teremos o seguinte: (A) ficou em 3º lugar com 4 pontos; (B) ficou em 2º lugar com 6,5 pontos; e, (C) ficou em 1º lugar com 7,5 pontos.

4. Maior lance (ou oferta): neste caso, vence aquele que oferecer o maior lance ou oferta. Isso é típico do Leilão; só o Leilão vai ter esse tipo de Licitação.

Aluno: é possível que a Administração Pública tente reduzir ao máximo o preço das propostas?

Prof.: no Leilão é possível porque as propostas são feitas oralmente (no caso se visa aumentar a proposta), mas fora disso é ilegal.

Aliás, não sei se vocês viram, mas a Ministra de Minas e Energia estava tentando convencer o Presidente Lula a contratar a obra do gasoduto com um consórcio chinês, ao invés do japonês. Só que ainda não houve licitação!

Ora, o contrato é altíssimo vulto econômico, de modo que a modalidade é a concorrência. E, se impera o princípio do sigilo no procedimento, como pode a Ministra saber que a proposta deste ou daquele grupo é menor? Isso é ilegal e pode até configurar improbidade administrativa...

Bom, vamos ver o último ponto para fecharmos o tópico de Licitação. Vamos tratar do Procedimento Licitatório.

Procedimento Licitatório:

Como se dá esse procedimento? Vocês vão ver em todos os livros que a Licitação começa com o Instrumento Convocatório. Isso é errado. O único autor que trata esse tema de maneira técnica é o Prof. Marcos Juruena Villela Souto. Ele diz que a Licitação tem duas fases: interna e externa.

Todo os autores começam a tratar do tema pela fase externa, sem tratar da fase interna, que é toda administrativa. O que separa a fase interna da externa é a publicação do instrumento convocatório.

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Fase interna:

É composta por 6 (seis) atos.

Requisição do objeto: tecnicamente é aqui que se inicia o procedimento licitatório. É constatada a falta de papel; quando o almoxarife requisita papel, está iniciada a Licitação. Ou seja, quando um órgão com atribuição para o controle daquele objeto dá-se início à Licitação.

Estimativa de valor: se for caso de concorrência, tomada de preços ou convite, isso é relevante para identificar qual é a modalidade de Licitação a ser adotada.

Autorização de despesa: em direito financeiro se estuda que uma despesa pública é autorizada pelo empenho. Então, ela vai empenhar o valor estimado.

Elaboração do instrumento convocatório: não é técnico falar em edital, porque esse é próprio de duas modalidades (concorrência e tomada de preços). Mas se for modalidade Convite o instrumento é Carta Convite, etc.

Aqui é interessante colocar o seguinte: se for o caso de licitação dispensada, dispensável ou inexigível, pode haver contratação direta. Ou seja, depois de autorizada a despesa, não se elabora instrumento convocatório; é celebrado o contrato.

4. Se não for caso de licitação DISPENSADA (lei proíbe a licitação), DISPENSÁVEL (materialmente possível, mas se mostra inconveniente e/ou inoportuno) ou INEXIGÍVEL (materialmente impossível, porque é inviável a competição, vinculado, hipóteses enunciativas), segue adiante no procedimento.

Consultoria jurídica: o órgão que efetua a consultoria o faz para ver se o instrumento elaborado é válido ou não; se tem vício ou não. Ex.: no Estado do Rio de Janeiro, é a PGE que efetua essa consultoria.

Por exemplo: se surgir uma cláusula no Edital dizendo que pode ser cláusula de desempate a sede das empresas sediadas no Rio de Janeiro. Isso é uma cláusula nula e a consultoria jurídica deve indicar essa nulidade para correção.

Publicação: com este ato, está instalada a fase externa. Ou seja, há ciência pública de que a licitação existe.

Fase externa:

Publicação: a rigor, o primeiro ato da fase externa é o último ato da fase interna. Ou seja, a publicação é um ato só, mas para efeitos didáticos estão sendo diferenciados.

Habilitação: é a verificação de idoneidade do proponente.

Julgamento/Classificação: é a fase em que se verifica qual é a proposta mais vantajosa.

Foi por isso que nós dissemos que no Pregão haveria inversão aqui; porque no Pregão a habilitação ocorreria depois do próprio julgamento/classicação.

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Homologação: se verifica se o procedimento foi correto ou não.

Adjudicação: atribui-se a qualidade de vencedor a alguém.

Foi por isso, também, que foi dito que no Pregão haveria uma outra inversão; porque no Pregão a homologação ocorreria depois da adjudicação.

Como foi dito, existe uma divergência sobre esta última inversão. Ou seja, nós afirmamos que a inversão entre homologação e adjudicação no Pregão não seria realmente uma inversão, porque havia divergência na doutrina acerca da ordem normal do procedimento nessas fases (homologação e adjudicação).

Se você entender que a ordem é: 1º homologação (verificação doa validade do procedimento) e 2º adjudicação (atribuição da qualidade de vencedor ao proponente mais vantajoso), então existirão 7 diferenças entre o Pregão e o procedimento licitatório padrão. Agora, se você entender (como alguns autores – minoritário) que a ordem normal é: 1º adjudicação (qualidade de vencedor) e 2º homologação (verificação do procedimento), então teremos apenas 6 diferenças entre Pregão e o procedimento licitatório padrão.

Bom, isso é questão de prova certa no Ministério Público: qual é a ordem correta do procedimento licitatório? Primeiro a homologação ou a adjudicação? A doutrina majoritária é liderada por 3 principais autores:

Celso Antônio Bandeira de Mello, Marcos Juruena Villela Souto e Marçal Justem Filho: entendem que a ordem é homologação e depois a adjudicação. Eles fundamentam isso com o art. 43, VI da Lei nº 8.666/93:

Art. 43.  A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:

VI - deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação.

Então, esse dispositivo fala primeiro em homologação e depois em adjudicação. E por isso a ordem seria essa.

Há inclusive uma recomendação do TCU para que se homologue primeiro e depois se adjudique, salvo disposição legal expressa em contrário (caso do Pregão).

Em posição contrária e minoritária, vêm os seguintes autores:

Hely Lopes Meirelles, Diógenes Gasparini e Carlos Ary Sundfeld: entendem que a ordem é adjudicação e depois a homologação. Eles fundamentam isso com o art. 38, VII da mesma Lei nº 8.666/93. Vejam que a lei é tão mal sistematizada que dá azo a divergências desse tipo:

Art. 38.  O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:

VII - atos de adjudicação do objeto da licitação e da sua homologação;

Na prática os chefes do Poder Executivo costumam seguir a primeira posição, inclusive para evitar eventuais acusações de improbidade administrativa.

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Com isso fechamos o tema Licitação.

Agora vamos estudar os CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. Inclusive, vamos seguir a mesma Lei nº 8.666/93.

Vamos ver o conceito de contratos administrativos e tirar as questões daí decorrentes.

Conceito: ato administrativo bilateral firmado por pessoa jurídica de direito público na qualidade de contratante para a consecução de interesses contrapostos, mediante troca de prestações.

É conveniente fazermos a distinção entre contrato administrativo e contrato privado da Administração. Nem todo contrato que a Administração Pública celebra é administrativo.

Contrato Administrativo está regido por normas jurídicas de direito público. E ele tem uma grande característica: não há identidade entre a posição do contratante e do contratado. Ou seja, eles não estão no mesmo patamar. O contratante (Estado) está acima do contratado (administrado).

Podemos adiar que temos 4 contratos administrativos típicos. Todos estão previstos na Lei nº 8.666/93: obra, serviço, fornecimento e concessão. Para quem entende que permissão de serviço público é contrato, teríamos uma 5 espécie de contrato administrativo, mas nós só vamos tratar desses 4.

De outro lado, contrato privado da Administração está regido por normas de direito privado. Além disso, há igualdade entre contratante e contratado.

São contratos privados da Administração todos os contratos sujeitos a normas de direito civil ou empresarial nos quais o Estado seja parte. Ex.: mútuo, comodato, etc.

Bom, visto isso, vamos analisar o regime jurídico dos contratos administrativos.

Regime jurídico: podem citar uma frase muito feliz da prof. Maria Sylvia Di Pietro “o regime jurídico dos contratos administrativo é marcado por prerrogativas e sujeições”. O que ela quer dizer com isso?

Quando ela fala em prerrogativas, quer dizer: o regime jurídico dos contratos administrativo é marcado por cláusulas exorbitantes.

Quando ela fala em sujeição, quer dizer: o regime jurídico dos contratos administrativo é marcado por equação econômico-financeira.

O que são cláusulas exorbitantes? São cláusulas estranhas ao regime jurídico de direito privado que atribuem ao contratante (Estado) prerrogativas na relação jurídica contratual, enumeradas no art. 58 da Lei nº 8.666/93.

Antes de vermos as cláusulas, vamos colocar uma questão importante. Há uma controvérsia hoje se essas cláusulas exorbitantes são admissíveis nos contratos privados.

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Por exemplo: há um contrato privado qualquer, como a Locação. É possível a inserção de cláusulas exorbitantes nesse contrato?

Por exemplo: pode o Estado inserir uma cláusula de rescisão unilateral nesse contrato de locação em que figura como Locatário?

Outro exemplo: uma outra cláusula exorbitante é a possibilidade de o Estado modificar unilateralmente o contrato. Você pode admitir que no comodato o Estado, como comodatário, modifique o contrato de maneira unilateral?

Então, em última análise, a questão seria a seguinte: existem cláusulas exorbitantes em contratos privados da Administração? Temos duas posições.

Luiz Oliveira Castro Jungstedt: não são admissíveis cláusulas exorbitantes em contratos privados. Ele fundamenta essa posição com a distinção teórica entre contrato administrativo e contrato da Administração. A se admitir que essas cláusulas exorbitantes fossem praticadas em contratos privados, essa distinção teórica desapareceria.

Sua posição é minoritária.

De outro lado estão os seguintes autores:

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Marcos Juruena Villela Souto e Toshio Mukai (principal autor sobre contratos administrativos no Brasil): eles entendem que existem cláusulas exorbitantes em contratos privados da Administração. O fundamento que eles trazem é a disposição do art. 62, § 3º, I da Lei nº 8.666/93:

§ 3º. Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber:

I - aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado;

Essa parte final do inciso I “contratos...cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado” trata dos contratos privados da Administração.

Cuidado com duas expressões que podem ser usadas em provas: contratos semi-públicos ou contratos privados de vigoração pública. São exatamente os contratos privados da Administração com cláusulas exorbitantes, com base nesse dispositivo citado (art. 62, § 3º, I da Lei nº 8.666/93). Então, locação com cláusula exorbitante é contrato semi-público ou contrato privado de vigoração pública.

Bom, vamos encerrar por aqui. Na semana que vem continuamos a matéria.

Fim da aula 10.

Aula nº 11. Tema: Contratos Administrativos (continuação). Responsabilidade Civil do Estado.

Nós estávamos verificando os contratos administrativos. Estudamos as cláusulas exorbitantes, equação econômico-financeira, etc.

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Prerrogativas: cláusulas exorbitantes.

Por fim, vimos a existência de cláusulas exorbitantes nos contratos privados da Administração.

Agora vamos examinar as cláusulas exorbitantes em si. Como disse, elas estão no art. 58 da Lei nº 8.666/93. Vamos ter que analisar se é uma numeração exaustiva ou exemplificativa. Mas agora vamos cláusula por cláusula:

1 - Modificação unilateral:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;

Então, a primeira cláusula exorbitante é a modificação unilateral do contrato. Temos que fazer a seguinte consideração: essa possibilidade de modificar unilateralmente o contrato não alcança todas as cláusulas. Alcança apenas algumas delas. Por isso temos que fazer a distinção entre cláusulas regulamentares e cláusulas econômicas:

Toda CLÁUSULA REGULAMENTAR tem dois objetos:

1. Definição do objeto contratual: ou seja, ela vai dizer se é prestação de serviço, se é alienação, se é fornecimento, se é obra, etc.

2. Estabelece forma, modo, condição e tempo da execução do contrato administrativo.

Agora, as CLÁUSULAS ECONÔMICAS têm dois objetos diferentes: 1. Prescreve a equação econômico-financeira: ou seja, qual é a relação de custo benefício do contrato.

2. Prescreve direitos e obrigações do contratante, do contratado e dos usuários.

Isso foi dito para especificar o seguinte: essa possibilidade de modificação unilateral do contrato não alcança todas as cláusulas. Só alcança as cláusulas regulamentares. E mesmo assim, desde que não altere a equação econômico-financeira do contrato.

Então, hoje há um dogma no direito administrativo brasileiro, qual seja, as cláusulas regulamentares podem ser alteradas, desde que seja mantida a equação econômico-financeira do contrato. Se não houver conservação dessa equação, vamos ver adiante que existem mecanismos para restabelecê-la, como a revisão, por exemplo.

Há alguns anos tivemos um claro exemplo do que estamos falando. O atual governador de fato, ex-governador de direito do Estado alterou a tarifa da Via-Lagos por decreto estadual, que era de R$ 6,00 (seis reais) para R$ 2,00 (dois reais) durante o Reveillon.

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Aquilo foi um ato administrativo que alterava a própria equação econômico-financeira do contrato. Por isso foi declarado nulo. O Estado foi condenado não só a restabelecer aquela equação, como também a ressarcir os danos causados à Via-Lagos.

Bom, essa é a 1ª cláusula exorbitante.

2 – Rescisão unilateral:

Vamos analisar a 2ª, que está no art. 59, II da Lei nº 8.666/93: “rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei”.

Essa rescisão pode se dar por várias causas. Vamos colocar isso num quadro sinótico para sintetizar:

A rescisão unilateral (gênero) pela Administração pode se dar por duas causas básicas: inadimplemento do contratado ou razões de interesse público.

Essa hipótese de inadimplemento pode ser culposo ou não. Daí teremos inadimplemento com culpa ou inadimplemento sem culpa.

A grande questão fica no inadimplemento sem culpa, porque temos 6 possibilidades: caso fortuito, força maior, teoria da imprevisão, fato do príncipe, fato da administração ou sujeição imprevista.

Qual é a fundamentação legal disso?

Razões de interesse público: art. 78, XII c/c 79, § 2º da Lei nº 8.666/93.

Inadimplemento com culpa: art. 78, incisos I a VIII c/c 80, III e IV da Lei nº 8.666/93.

Já com relação ao inadimplemento sem culpa, temos a seguinte fundamentação:

Caso fortuito: art. 78, XVII c/c art. 79, § 2º da Lei nº 8.666/93.

Bom a grande questão é a distinção entre as figuras do inadimplemento sem culpa.

Caso fortuito e Força maior: nos dois temos um fato imprevisível e inevitável para o qual não concorreu o contratado, que torna absolutamente impossível a execução do contrato.

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Qual é a diferença entre uma coisa é outra? Na força maior a causa é humana e no caso fortuito a causa é física, ou natural.

Vamos utilizar sempre o mesmo exemplo: temos um contrato de obra pública do Município para a construção de uma linha do metrô.

Ex.: Se houve um terremoto que torna absolutamente impossível a execução do contrato (construção da linha do metrô) temos um caso fortuito.

Ex.: agora, se temos um atentado terrorista que torna absolutamente impossível a execução do contrato (construção da linha do metrô) temos a força maior.

O importante é colocar que tanto no caso fortuito quanto na força maior o contrato não pode mais ser executado. Mesmo que o contratado quisesse, não teria como.

Teoria da Imprevisão: é um fato imprevisível e inevitável para o qual não concorreu o contratado, que rompe com a equação econômico-financeira.

Vamos pegar o mesmo exemplo da obra do metrô. Digamos que todo contrato estava pautado em dólar e antes de iniciada a execução houvesse uma variação cambial que elevasse o dólar de R$ 3,00 para R$ 5,00.

Essa alteração cambial, se intensa, quebra a equação econômico-financeira do contrato. Então, o contrato é de execução material possível, mas não sob essas condições.

Agora, se fazem um contrato de seguro prevendo a variação cambial, não cabe a imprevisão.

Fato do Príncipe e Fato da Administração: é um fato imprevisível e inevitável para o qual não concorreu o contratado, que o onera excessivamente.

O contrato pode até ser executado nos termos que ele tem, mas onera excessivamente o contratado. É uma situação menos intensa do que as anteriores.

A distinção que se faz entre Fato do Príncipe e Fato da Administração é a seguinte: quando você encontra Fato do Príncipe, o fato é extracontratual e genérico, que incide reflexamente sobre o contrato.

Então, o Fato do Príncipe é um fato imprevisível e inevitável, extracontratual e genérico, que incide reflexamente sobre a relação jurídica contratual, onerando excessivamente o contratado.

Ex.: temos o aumento da alíquota do Imposto de Importação. O contrato ainda pode ser executado, mas há uma oneração excessiva do contratado. Isso pode ensejar a rescisão do contrato.

Agora, Fato da Administração é fato contratual e específico, que incide diretamente sobre a relação jurídica contratual.

Ex.: neste contrato de construção de linha do metrô, foi necessária a compra de uma máquina específica. E havia uma cláusula prevendo que o contratante se

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obrigava a fornecer um galpão para que o contratado guardasse essa máquina que ele importou, e se responsabilizaria por sua guarda.

Digamos que durante um mês esse galpão permanecesse fechado. O contratado teve que alugar outro galpão para guardar a máquina. O contrato continua sendo exeqüível, não houve rompimento da equação econômico-financeira, mas ele, o contratado, desembolsou um valor para guardar a máquina.

Sujeição imprevista: é a única hipótese em que você não encontra um fato; é uma condição material. Quando se fala em sujeição imprevista, você tem uma circunstância material desconhecida das duas partes, ou conhecida do contratante (Administração) e não do contratado (administrado).

Voltamos ao exemplo da obra do metrô. Só que agora é a situação de uma rocha que estava no meio do caminho das escavações. Nenhuma das duas partes ou só o Estado sabia de sua existência. Para sua explosão, serão necessários explosivos que não existem no Brasil. E isso vai onerar excessivamente o contratado, pois terá que importar explosivos.

Bom, vamos ver as outras cláusulas exorbitantes.

3 – Fiscalização da execução:

Está prevista no art. 58, III da Lei nº 8.666/93: “fiscalizar-lhes a execução”.

É importante colocar que fiscalização compreende três conceitos: supervisão, acompanhamento e intervenção.

Então, quando se diz que o Estado fiscaliza a execução leia-se: o Estado supervisiona; acompanha; e, se for necessário, intervém.

Aliás, a intervenção é uma cláusula exorbitante por si só (vejam o inciso V).

4 – Aplicação de sanções administrativas:

Esta cláusula exorbitante está prevista no art. 58, III da Lei nº 8.666/93: “aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste”.

Isso merece um cuidado: a aplicação de sanções – portanto a própria cláusula em si – administrativas decorre de um atributo dos atos administrativos, qual seja, a auto-executoriedade.

Ou seja, pelo fato de os atos administrativos serem auto-executórios o Estado pode executar suas sanções sem autorização judicial para isso.

5 – Ocupação provisória:

Por fim, vamos à última cláusula exorbitante, prevista no inciso V do art. 58 da Lei nº 8.666/93:

V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços (...).

Aliás, não sei explicar como a lei conseguiu criar a ocupação provisória de pessoal ou serviço. Ocupação provisória só pode ser de bem.

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A última consideração a ser feita seria a seguinte. No direito administrativo brasileiro há duas menções importantes a serviços essenciais. Uma nós já mencionamos, que é o art. 22 do CDC, segundo o qual o serviço público, quando essencial, deve ser contínuo. Aqui se aplica ao inadimplemento do usuário.

A outra está aqui, neste artigo 58, inciso V da Lei nº 8.666/93, só que tem aplicação distinta. Aqui o inadimplemento é do contratado (do prestador de serviço). Ou seja, se o contratado inadimplir aquilo que lhe compete perante o contratante, pode ser rescindido o contrato. Antes dessa rescisão contratual, a Administração ocupa provisoriamente o serviço, para que não haja solução de continuidade.

Bom, com isso verificamos as 5 hipóteses de cláusulas exorbitantes previstas no art. 58. E aí surge a seguinte questão: esse artigo contempla enumeração exaustiva ou exemplificativa?

Em última análise a pergunta é a seguinte: existem cláusulas exorbitantes fora do art. 58? Sim. Podemos citar duas: uma sequer a lei prescreve, mas já foi estudada. E a outra tem previsão legal.

Já vimos a transferência contratual de prerrogativas públicas. Isso nós vimos na nossa primeira aula. Quando começamos a estudar o direito administrativo, discutimos a possibilidade de o Poder de Polícia ser delegado a terceiros. Justamente aquela delegação do Poder de Polícia contempla uma situação de transferência contratual de prerrogativas públicas.

Ex.: há um contrato administrativo de concessão, em que o contratante (concedente) transmite ao contratado (concessionário) a possibilidade de o contratado manter pardais eletrônicos. Existe uma transferência contratual de prerrogativa pública. Que prerrogativa foi essa? Foi a fiscalização de polícia. Vimos que a sanção de polícia é indelegável, mas a fiscalização é passível de delegação. Então, temos um contrato administrativo de concessão no qual há uma transferência do contratante para o contratado de uma prerrogativa pública, que é a fiscalização de polícia.

Embora a lei não contemple isso, a doutrina aceita.

A segunda cláusula exorbitante fora do art. 58 – neste caso contemplada pela lei – é a inoponibilidade da exceção do contrato não cumprido. Isso estava previsto no art. 1.092 do Código Civil de 1916. No Código Civil de 2002 está previsto no art. 476 e 477. Na Lei nº 8.666/93 está previsto no art. 78, XV.

O que é exceção do contrato não cumprido? Bom, exceção – como sabemos – é defesa, seja material ou processual. Nesse caso é defesa material. Uma das partes do contrato pode se recusar a prestar aquilo que lhe cabe enquanto a outra não o fizer.

Vamos a um exemplo: há um contrato administrativo de serviço. O Estado do Rio de Janeiro contrata a empresa Nova Era Ltda., para prestar o serviço de limpeza nas delegacias de polícia. Digamos que o Estado do Rio de Janeiro não pague a prestação durante trinta dias. Pode a Nova Era se recusar a prestar o serviço enquanto o Estado não adimplir suas obrigações?

Ou seja, a contratada pode opor a exceção do contrato não cumprido contra a contratante em contrato administrativo? Não, se entende que por estar em jogo o interesse público, a exceção do contrato não cumprido é inoponível. Portanto, se o

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contratante (Administração Pública) não cumprir com aquilo que lhe cabe, não pode a contratada opor essa exceção.

O que o art. 78, XV permite é que em caso de atraso superior a 90 dias, possa o contratado, através de medida cautelar ou ação própria em juízo, requerer duas coisas: (i) suspensão da execução do contrato ou (ii) a rescisão judicial.

XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;

Vejam que isso não é opor a exceção, porque não está na relação contratual, mas o contratado está entrando em juízo.

O máximo que se vislumbra – posição do prof. Carvalho – seria o seguinte: considerando que esse prazo de 90 dias é muito longo, e que dependendo do vulto econômico do contrato ele coloca em risco a própria existência financeira da empresa, porque ela pode vir a quebrar por conta disso... ele admite que antes do prazo a parte postule em juízo a medida cautelar inominada para autorizá-lo a ter o contrato como rescindido ou suspender sua execução.

Parece que é uma posição razoável, porque você tem o fumus bonu iuris – a própria lei faculta isso em um prazo posterior – e você tem o periculum in mora – que é a possibilidade de quebra da empresa.

Bom, com isso verificamos as cláusulas exorbitantes.

Sujeições: reajuste e revisão.

Nós vimos que segundo a prof. Di Pietro, os contratos administrativos eram formados por prerrogativas e sujeições. As prerrogativas eram as cláusulas exorbitantes. E as sujeições confirmavam aquilo que chamamos de equação econômico-financeira.

Bom, em primeiro lugar, o que é equação econômico-financeira? Significa uma relação de adequação entre preço e objeto. Em economia falaríamos em relação de custo-benefício.

Só há uma questão para ser vista neste ponto: quais são os mecanismos de recomposição dessa equação econômico-financeira?

Essa equação econômico-financeira pode ter sido rompida por algum fator. Por exemplo, pode ter havido imprevisão. Temos duas formas de restaurar esse equilíbrio, essa equação econômico-financeira: reajuste e revisão.

Revisão.

É causada por um fato extraordinário e imprevisto (ex.: imprevisão).

Não tem prazo mínimo. Ou seja, se hoje você revisar o contrato e amanhã ocorrer algum outro fator que enseje a revisão, ela poderá ocorrer.

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Não depende de previsão expressa.

Reajuste.

Decorre da variação no preço dos insumos. Ex.: ocorreu inflação que fez com que o preço dos componentes do contrato fossem variados.

Tem prazo mínimo: 1 ano. Isso está no art. 28 da Lei nº 9.065/95.

Depende de previsão expressa no contrato.

Com isso fechamos a parte geral do direito administrativo.

A partir de agora entramos na parte especial do direito administrativo, cuja primeira parte é a mais importante: Responsabilidade Civil do Estado.

Responsabilidade Civil do Estado

A primeira observação que devemos fazer é quanto à fundamentação constitucional e legal dela. Todos sabemos que a fundamentação constitucional da responsabilidade civil do Estado está no art. 37 § 6º da Constituição Federal:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Agora, quanto à fundamentação legal, muitos autores brasileiros dizem que o Novo Código Civil não tem disposição legal quanto a isso, mas tem sim. O Código Civil antigo trazia o art. 15. O Novo Código Civil traz o art. 43:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Antes de discutirmos a responsabilidade civil do Estado propriamente dita, vamos sair um pouco do direito administrativo e entrar no direito civil. Antes de mais nada: o que é responsabilidade civil?

Conceito de responsabilidade civil: É um dever jurídico derivado (ou secundário) de ressarcir ou reparar os danos causados por conduta culposa do agente a terceiros.

Vamos fracionar esse conceito em 4 partes:

Primeiro foi dito: “dever jurídico derivado (ou secundário)”. Isso foi colocado de propósito, porque para a doutrina alemã há uma distinção entre obrigação e responsabilidade.

Obrigação é um vínculo / liame que denota um dever jurídico originário de satisfazer uma prestação de dar, fazer, ou deixar de fazer (ou primário), que, aliás,

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sabemos que tem duas fontes primordiais: a lei e o contrato (além da manifestação unilateral de vontade e ato ilícito).

Uma vez violado esse dever jurídico originário, surge o dever jurídico derivado (ou secundário), denominado responsabilidade.

Bom, aí foi dito “de ressarcir ou reparar”. Aqui temos que fazer uma nota que não conheço um autor brasileiro que faça. Os autores estrangeiros, principalmente os franceses, fazem esta distinção:

Uma coisa é ressarcimento ou reparação. Outra coisa é indenização. Ex.: estamos muito acostumados a falar em indenização por perdas e danos, só que isso não é técnico.

Ressarcimento ou reparação: quando você fala nisso, temos um ato ilícito. Esse ato gera um dano que vai ser ressarcido ou reparado.

O dano patrimonial é ressarcido. E o dano moral é reparado.

Ex.: um acidente entre dois automóveis. Houve um ato ilícito culposo (negligência, imperícia ou imprudência); que causou um dano (patrimonial ou moral); que será ressarcido ou reparado.

Indenização: quando se fala nisso, temos um ato lícito. Esse ato não vai gerar um dano, mas sim um prejuízo, que será indenizado.

Ex.: é o caso quando se tem uma propriedade privada desapropriada. O Estado pratica um ato lícito (expropria o bem). Agora, não se olvida que esse ato lícito gera prejuízo, porque alguém perde a propriedade (valor econômico). Esse prejuízo será indenizado.

Então, quando se fala em ressarcimento e reparação, estamos falando de ato ilícito, que é o caso da responsabilidade civil. Aquilo que os autores falam em responsabilidade civil do Estado por ato lícito é absolutamente equivocado.

Mais uma vez: responsabilidade civil pressupõe ato ilícito e, por conseguinte, dano.

Bom, continuando a análise do conceito, dissemos: “os danos causados por conduta culposa do agente a terceiros”. Essa parte diz respeito aos pressupostos da responsabilidade civil. São eles: pressuposto subjetivo, pressuposto objetivo e o pressuposto causal.

Pressuposto subjetivo: é a conduta culposa. É evidente que quando se fala em conduta culposa, se compreende o dolo. Certamente em alguns casos a prova da culpa é dispensada, se a responsabilidade for objetiva.

Pressuposto objetivo: é o dano.

Pressuposto causal: é o nexo causal.

Ou seja, o dano deve ser causado pela conduta.

Uma última consideração antes de falarmos de direito administrativo propriamente dito seria a seguinte: em direito civil a classificação dessa responsabilidade civil se dá de forma diferente.

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A distinção entre extracontratual e contratual é a fonte da responsabilidade civil. Se a fonte for a lei, a responsabilidade será extracontratual. Se a fonte for o contrato, a responsabilidade será contratual.

Se ela for extracontratual, será objetiva ou subjetiva conforme a existe a exigência de demonstração de culpa ou dolo.

Se ela for contratual, ela pode ser de obrigação de meio ou obrigação de resultado. Obrigação de meio é aquela que se considera adimplida quando a parte toma todos os cuidados necessários para que ela seja efetivamente conseguida, mesmo que o resultado não tenha sido obtido. Agora, obrigação de resultado é aquela que se considera adimplida quando o resultado for efetivamente alcançado.

O famoso exemplo é o da cirurgia plástica; se seria obrigação de meio ou de resultado.

Bom, temos fundamentos diferentes para cada uma dessas espécies de responsabilidade civil. Se ela for extracontratual o fundamento está no art. 186 do Código Civil. Já a responsabilidade civil contratual está no art. 389 do Código Civil.

Vimos isso tudo para podermos analisar a responsabilidade civil do Estado. Vamos voltar para o direito administrativo.

E agora podemos ver um conceito de responsabilidade civil do Estado.

Conceito de responsabilidade civil do Estado: é um dever jurídico derivado (ou secundário) imposto a pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos de ressarcir ou reparar os danos causados pelos seus agentes, no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las, a terceiros.

Bom, antes de avançarmos, vamos fazer 3 distinções importantes.

Há uma dúvida no Brasil sobre qual termo deve ser utilizado. Nós estamos utilizando Responsabilidade Civil do Estado, mas vários autores falam em Responsabilidade Civil da Administração. Qual é a terminologia a ser utilizada?

Isso pode parecer ridículo, mas já foi feito em prova oral do Ministério Público esse questionamento.

Temos duas posições:

Hely Lopes Meirelles: chama a matéria de Responsabilidade Civil da Administração Pública. Ele diz que, em regra, os danos são causados por atos

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administrativos. Ora, se é o ato administrativo que gera o dano é porque, então, não é o Estado o responsável, mas sim a Administração.

Celso Antônio Bandeira de Mello (posição predominante): fala em Responsabilidade Civil do Estado. Isso porque os danos decorrem, EM REGRA, de atos administrativos. Logo, pode haver danos de outros atos, como os atos legislativos e os atos judiciais. Por isso não podemos só falar em Responsabilidade Civil da Administração, porque pode ser até o caso de que o ato lesivo não seja praticado pela Administração.

Na jurisprudência dos tribunais que nos interessam (STF, STJ e TJ-RJ) falam em Responsabilidade Civil do Estado.

Bom, vamos fazer uma segunda observação importante: cuidado com uma distinção que deve existir entre Responsabilidade Civil do Estado e Responsabilidade Civil do agente público. São duas coisas diferentes.

Uma coisa é Responsabilidade Civil do Estado. Outra coisa é Responsabilidade Civil do Agente Público.

Vejam o que diz o art. 37, § 6º:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, (sobre essa vírgula coloquem uma barra para indicar que são duas normas diferentes: uma antes da vírgula e outra depois), assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Essa primeira parte do parágrafo é Responsabilidade Civil do Estado. Ou seja, o Estado responde pelos danos que seus agentes houverem causado a terceiros. Em regra é objetiva.

A segunda parte do parágrafo é Responsabilidade Civil do Agente Público. Ou seja, o Estado já respondeu perante o administrado. Agora ele se volta contra seu agente. Nós vamos verificar se isso se dá por uma eventual ação de regresso ou se o Estado já pode denunciar à lide para já trazer o agente público na própria ação de ressarcimento. É sempre subjetiva. É uma outra questão; uma relação entre Estado e seu agente.

A rigor, o tema que estamos estudando só compreende a parte inicial, porque a parte final é uma outra matéria. É quando o Estado se volta contra seu agente.

A última observação seria a seguinte: responsabilização civil do Estado, como estudada, é sempre extracontratual. Se ela for contratual, não é aplicado o art. 37, § 6º da Constituição. É aplicado o contrato administrativo, que terá normas de regência sobre o tema. Logo, a responsabilidade civil do Estado é sempre extracontratual. Se houver contrato não é a Constituição que regula. Se o contrato não disciplinar a matéria serão aplicadas normas de teoria geral do contrato.

Bom, como vamos estudar isso? Vamos dividir nosso estudo em três partes: uma parte é pertinente ao direito material. Em segundo lugar, vamos estudar a responsabilidade civil do Estado sob o ângulo do direito processual (qual é a ação cabível, o prazo, o legitimado passivo, como se executa o Estado). Por fim, vamos

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estudar casos específicos sobre danos causados por atos administrativos, atos legislativos e atos judiciais.

Vamos encerrar por aqui. Na semana que vem continuamos a matéria.

Fim da aula 11.

Aula nº 12. Responsabilidade Civil do Estado (continuação).

Antes de continuarmos a matéria, vamos dar uma olhada nas questões do Provão do Ministério Público.

A 1ª questão de direito administrativo foi a seguinte: “Diante do silêncio administrativo, que tipo de pretensão pode o interessado formular na via judicial?”

Silêncio administrativo deve ser entendido como omissão administrativa. Como a questão fala em pretensão, isso reduz nossa resposta a 5 (cinco) possibilidades: declaratória, condenatória, constitutiva, mandamental ou executiva lato-sensu.

Até porque não perguntavam que tipo de ação, mas sim que tipo de pretensão. Para os clássicos, as pretensões seriam: declaratória, condenatória e constitutiva. Já os doutrinadores mais modernos acrescentam a mandamental e a executiva lato-sensu.

Bom, quando estudamos atos administrativos vinculados ou discricionários, verificamos a questão do controle judicial das omissões administrativas. Vimos que essa questão é pertinente aos atos administrativos discricionários omitidos. A posição do Prof. José dos Santos Carvalho Filho era no sentido de que não cabia controle judicial de atos administrativos discricionários omitidos. Até colocamos o exemplo de condenar o Estado a construir presídio, albergue, etc.

Com isso em mente, me parece que a melhor resposta seria a seguinte: deve ser feita uma diferença entre ato administrativo vinculado omitido e ato administrativo discricionário omitido. Se a hipótese é de ato administrativo vinculado e houve omissão dele, é cabível pretensão declaratória (vamos declarar que houve a omissão). Agora, se a hipótese é de ato administrativo discricionário e houve omissão, é incabível a pretensão condenatória, pois se ele entende que não cabe o controle judicial, não cabe a condenação do Estado à prestação de um ato administrativo desse tipo.

Eu cheguei a conversar com o Prof. Carvalho após a prova e ele disse que o fundamental seria apontar o seguinte: se a hipótese for de direito líquido e certo, cabe pretensão mandamental. Ou seja, caberia o mandado de segurança (MS).

A 2ª questão de direito administrativo foi a seguinte: “Incidem juros compensatórios em processo de expropriação cujo objeto não era utilizado pelo proprietário expropriado? Por quê?”.

Aqui temos a seguinte questão: digamos que haja um terreno baldio que não foi utilizado. Vem o Município e expropria o bem. E aí se pergunta: incidem juros compensatórios nessa desapropriação? Na verdade, a questão seria a seguinte: existe atrelamento dos lucros cessantes aos juros compensatórios?

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Se você entender que os juros compensatórios estão atrelados aos lucros cessantes, se o bem não era utilizado, não há lucros cessantes. Logo, se não há lucros cessantes, não há juros compensatórios.

Se você entender que não há vinculação entre uma coisa e a outra, você pode não ter os lucros cessantes e, mesmo assim, podem incidir os juros compensatórios.

A lei das desapropriações diz textualmente o seguinte: se o bem não for utilizado, não incidem os juros compensatórios. Só que esse dispositivo teve a eficácia suspensa. A posição do STF e do Prof. Carvalho é no sentido de que incidem juros compensatórios mesmo que o bem não tenha sido utilizado. O STF tem posição tranqüila de que os juros compensatórios não estão atrelados aos lucros cessantes.

E aí, pergunta-se o por quê. Era necessário que vocês colocassem que não há o atrelamento entre lucros cessantes e juros compensatórios. E, além disso, essa compensação não é pela utilização do bem; é pela potencialidade de usar o bem .

Bom, vamos voltar ao estudo da Responsabilidade Civil do Estado. Já disse que vamos dividir nosso estudo em 3 partes: direito material, direito processual e casos concretos.

Direito material.

Direito comparado.

Quais são as teorias sobre Responsabilidade Civil do Estado no Direito Comparado? São 5 teorias: teoria da irresponsabilidade, teoria da responsabilidade subjetiva por culpa do agente, teoria da responsabilidade subjetiva por culpa do serviço, teoria da responsabilidade objetiva por risco administrativo e, por fim, a teoria da responsabilidade objetiva pelo risco integral.

Teoria da irresponsabilidade: o Estado não responde pelos danos que seus agentes houverem causado a terceiros.

Seu fundamento era a intangibilidade da própria soberania estatal. Ou seja, por ser a soberania intangível ele, o Estado, não poderia responder pelos danos causados, porque isso a mitigaria.

Essa teoria foi completamente superada, até porque Soberania é hoje mitigada. Tanto é que existem comunidades-Estados, existe a União Européia, o Mercosul, que colocaram em xeque essa posição de soberania intangível.

Nenhum país no mundo segue essa teoria.

Teoria da responsabilidade subjetiva por culpa do agente e Teoria da responsabilidade subjetiva por culpa do serviço:

Estas teorias são hipóteses de responsabilização subjetiva. Ou seja, o Estado responde pelos danos que seus agentes houverem causado a terceiros, com prova de dolo ou culpa.

Qual é a distinção entre elas? Quando você fala em culpa do agente, é imprescindível a identificação do agente causador do dano. Ou seja, você tem que comprovar a culpa do próprio agente.

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Quando você fala em culpa do serviço, tal identificação é dispensada. Não é necessário demonstrar quem foi o agente causador do dano. Basta comprovar que houve culpa do serviço. Aliás, culpa do serviço sempre compreende 3 conceitos: inexistência do serviço, mal-funcionamento do serviço, ou retardamento do serviço.

Inexistência do serviço: o serviço não existe.

Mal-funcionamento do serviço: ele existe, mas funciona mal.

Retardamento do serviço: ele existe, funciona bem, mas naquele caso foi retardado.

Essa é a faute du service dos autores franceses.

Agora a gente passa a analisar a 4ª e a 5ª teoria.

Teoria da responsabilidade objetiva por risco administrativo e Teoria da responsabilidade objetiva pelo risco integral:

As duas tratam de responsabilização objetiva, ou seja, o Estado responde pelos danos que seus agentes houverem causado a terceiros, independentemente de prova de dolo ou culpa.

Qual é a distinção entre risco administrativo e risco integral? No risco administrativo, existe a possibilidade de afastamento do nexo de causalidade pela prova de 4 fatores: caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato exclusivo de terceiro.

Na teoria do risco integral, não existe essa possibilidade de afastar o nexo causal.

Direito brasileiro.

Bom, no Direito Brasileiro, qual é a teoria aplicada? A grande confusão que os autores fazem é porque não separam as hipóteses de conduta de omissiva das hipóteses de conduta comissiva. Essa distinção é fundamental para que você consiga aplicar a teoria correta no caso concreto.

Em relação às condutas comissivas (ações) há unanimidade de que a teoria seguida e a número 4 (teoria do risco administrativo). Ou seja, o Estado responde pelos danos que seus agentes houverem causado a terceiros, independentemente de prova de dolo ou culpa, mas tem a possibilidade de excluir o nexo causal pelo caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima ou fato exclusivo de terceiro.

Ex.: um ônibus atropela e mata uma pessoa. Basta que a sucessora dela proponha uma ação em face da própria concessionária dizendo que houve o dano

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(morte) e o nexo causal (a morte ser decorrência daquele atropelamento). Não precisa demonstrar que houve culpa. Agora, por sua vez, a concessionária pode se defender dizendo que houve culpa exclusiva da vítima, etc.

Agora, há uma controvérsia Homérica no Brasil acerca dos atos omissivos. Qual é a teoria aplicada a esses atos? Em relação às condutas omissivas, temos duas teorias:

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: em qualquer caso de omissão a teoria aplicada é a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado por culpa do serviço. Ou seja, você tem que demonstrar que o serviço (i) não existe; ou (ii) funciona mal; ou (iii) foi retardado.

Repara que não é feita a distinção entre omissão genérica e específica.

Sergio Cavalieiri Filho: deve ser feita uma distinção entre omissão genérica e omissão específica.

Omissão específica significa fato cuja omissão motivou diretamente dano.

Omissão genérica significa fato cuja omissão não motivou diretamente o dano.

Ele diz o seguinte: se a hipótese é de omissão específica, ou seja, fato cuja omissão motivou diretamente o dano, nós adotamos a teoria da responsabilidade civil objetiva por risco administrativo.

Agora, se a hipótese é de omissão genérica, ou seja, fato cuja omissão não motivou diretamente o dano, nós adotamos a teoria da responsabilidade civil subjetiva por culpa do serviço.

Vou dar aqui os dois exemplos que ele menciona.

O primeiro é sobre a omissão específica: há um preso – seja provisório ou definitivo, ele tem sua liberdade de locomoção cerceada. Ele é morto no âmbito do presídio por um outro preso. Ele só foi morto ali porque ele estava preso. Ou seja, a omissão do Estado em efetuar segurança foi motivo direto do dano. Isso porque o preso está sujeito à guarda do Estado.

Exemplo de omissão genérica é a bala perdida. Se alguém morre pela bala perdida, ela não foi morta pela omissão do Estado em policiar a área. Agora, a omissão do Estado não é causa (utilizando termos penais), mas é condição. Então, não foi a omissão do Estado o motivo direto do dano, mas sim motivo indireto. Aqui o Estado responde desde que prove que não havia policiamento; que havia policiamento, mas ele funcionou mal; ou, que havia policiamento, mas ele foi retardado.

Há ainda uma possível questão muito difícil. Tomem cuidado com a seguinte situação: é uma pergunta que envolve omissão específica, mas que a teoria não será culpa do serviço. Foi questão de prova da magistratura estadual.

XXV CONCURSO – 31.07.96 2ª Questão: “A” e “B” foram recolhidos a um Presídio do Estado por força de sentença penal condenatória transitada em julgado, passando ambos a ocupar, com exclusividade a mesma cela. Tempos decorridos, em razão de desentendimento entre ambos, por volta das duas

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horas da madrugada, entraram em luta corporal, sem a utilização de qualquer instrumento, culminando com a morte de “B”. A viúva e o filho menor de “B” ajuizaram ação de responsabilidade civil objetivando a condenação do Estado a ressarci-los dos danos sofridos de natureza material e moral. Procede, ou não, a pretensão acionária? Fundamente o candidato a resposta.

Então, havia uma cela. Estavam presas duas pessoas: João e José. O Estado tomou todas as medidas possíveis para verificar se eles estavam armados ou não. Em teoria, essa cela tinha todas as condições de habitabilidade. Durante a madruga houve uma briga entre os dois e um acaba sendo morto. Pergunta: o Estado responde?

Isso é uma questão limítrofe entre uma coisa e outra. Para uma teoria isso é omissão específica. Para outra, não há culpa do serviço. Vejam que não há prova de que o serviço não existia, foi mal prestado ou foi retardado. Pelo contrário: o Estado tomou todas as medidas necessárias para que não houvesse o dano. Para o Oswaldo Aranha o Estado não responde.

Mas se você fosse seguir o Cavalieri ele diria o seguinte: isso aqui é omissão específica. Logo, é risco administrativo. Ele responde, salvo se provar caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro; o que não é o caso. Por esta teoria, o Estado responde.

A jurisprudência é divergente: STF e STJ de um lado e TJ-RJ de outro lado.

O STF e o STJ seguem o Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Ou seja, em qualquer hipótese de conduta omissiva, o Estado responde de modo subjetivo por culpa do serviço. Vejam o Recurso Extraordinário nº 179.147. No STJ, vejam o Recurso Especial nº 44.500.

No TJ-RJ predomina a posição do prof. Sergio Cavalieri Filho. Vejam a Apelação Cível nº 3611/99.

Bom, essas são as considerações que devíamos fazer sobre o direito material.

Direito processual.

Temos 5 grandes questões sobre processo civil em matéria de Responsabilidade Civil do Estado. Cada uma delas será colocada na seguinte ordem lógica:

1. A quem pertence a legitimação passiva? A ação deve ser proposta em face de quem? Ex.: você sabe quem é a pessoa que causou o dano. Houve uma colisão de veículos automotores. O motorista daquele veículo causador é identificado. Você promove a ação em face do motorista, em face do Estado ou em face de ambos?

2. Já proposta a ação, é cabível a denunciação da lide?

3. Qual é o prazo prescricional? Houve alguma incidência do Código Civil novo sobre essa matéria?

4. Suponhamos que não haja prescrição e o Estado deva ser condenado. Quais são os critérios para a fixação do quantum da reparação da reparação ou do ressarcimento?

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5. Já houve condenação. Pergunta-se: existe responsabilidade subsidiária? Se você propõe a ação em face de uma Autarquia, mas essa não tem patrimônio suficiente para pagar a condenação. Você pode responsabilizar o Estado que criou a autarquia?

Bom, vamos ver uma a uma.

1. A primeira questão indaga: quem é legitimado para figurar no pólo passivo de eventual demanda com fundamento em responsabilidade civil? Temos duas posições no Brasil, que seriam as seguintes:

Hely Lopes Meirelles: o legitimado passivo é o Estado. Ou seja, a ação deve ser proposta em face da pessoa jurídica de direito público ou pessoa jurídica de direito privado que preste serviços públicos, perante a qual o agente público é vinculado.

Ex.: se foi João da Silva, policial militar, quem causou o dano, no pólo passivo da demanda figurará o Estado do Rio de Janeiro.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Celso Antônio Bandeira de Mello: eles entendem que existem 3 possibilidades:

1. A ação será proposta em face do agente público;2. A ação será proposta em face do Estado;3. A ação será proposta em face do agente público e do Estado, em litisconsórcio passivo facultativo.

Ex.: se foi João da Silva, policial militar, quem causou o dano, a ação poderá ser proposta em face dele, do Estado ou de ambos ao mesmo tempo em litisconsórcio passivo facultativo.

Embora não tenha sido dito isso, é evidente que se a parte opta por mover a ação em face do agente público ela irá arcar com o ônus processual de provar dolo ou culpa.

A jurisprudência é tranqüila no sentido de que predomina a primeira posição, ou seja, a ação deve ser proposta em face do Estado.

No STF temos o Recurso Extraordinário nº 212.724. No STJ temos o Agravo de Instrumento nº 295.969. E no TJ-RJ temos a Apelação Cível 1345/2000.

2. Na segunda questão se indaga a possibilidade da lide ser denunciada ao agente público. Ex.: João da Silva, policial militar, causou o dano. A ação foi proposta em face do Estado do Rio de Janeiro. Pode o Estado denunciar da lide ao agente para evitar a segunda ação?

Temos 3 posições:

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Diógenes Gasparini e Youssef Said Cahaly: é admissível a denunciação da lide ao agente. Em outras palavras: é aplicável o art. 70, III do Código de Processo Civil.

Eles fundamentam isso com o princípio da economia processual.

Lúcia Valle Figueiredo, Celso Antônio Bandeira de Mello e José dos Santos Carvalho Filho: é inadmissível a denunciação da lide ao agente (inaplicável o art.

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70, III do CPC), porque poderia haver confusão no fundamento das eventuais responsabilidades.

Vimos que o Estado responde, em regra, de maneira objetiva. Agora, o agente responde sempre de modo subjetivo. Poderia, então, haver confusão nos fundamentos da responsabilização e, portanto, demora na entrega da prestação jurisdicional.

Alexandre Freitas Câmara e Cândido Rangel Dinamarco: a hipótese não é de denunciação da lide, mas sim de chamamento ao processo. Isso porque não é caso de eventual regresso; é caso de solidariedade. Ou seja, haveria uma solidariedade entre Estado e agente público, que justificaria o fato de o Estado promover o chamamento ao processo o agente público.

Parece-me que essa teoria parte de uma premissa que a jurisprudência não aceita, qual seja, a de que você tenha solidariedade entre Estado e agente público. Não é solidariedade. É subsidiariedade.

Além disso, a solidariedade somente decorre da lei. E não existe norma que indique explicitamente essa responsabilidade solidária.

Na jurisprudência há divergência. O STF e o STJ admitem o instituto da denunciação da lide ao agente público. Vejam no STF a Ação Cível Originária (ACO) nº 381. No STJ vejam o Recurso Especial nº 37.215.

O TJ-RJ entende que não cabe denunciação da lide com base naqueles fundamentos: confusão no fundamento das eventuais responsabilidades e demora na entrega da prestação jurisdicional. Vejam a Apelação Cível nº 9173/2002. Aliás, o TJ-RJ editou súmula (nº 50) a respeito desse assunto:

SÚMULA DA JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. AGENTES OU TERCEIROS

"Em ação de indenização ajuizada em face de pessoa jurídica de Direito Público, não se admite a denunciação da lide ao seu agente ou a terceiro (art. 37, § 6º, CF/88)."

NOTAS: A responsabilidade do Estado e dos prestadores de serviços públicos é objetiva enquanto que a do funcionário é subjetiva, de sorte que a denunciação, se admitida, importará na introdução de novo thema decidendum na causa, o que a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça não vem admitindo, sem se falar no indiscutível prejuízo que a denunciação trará ao autor. Se não bastasse, a denunciação acarreta para a Administração Pública uma situação processual contraditória, pois, se para excluir a sua responsabilidade na ação principal terá que provar que o dano não foi causado pelo seu servidor, para ser vitorioso na denunciação terá que provar a culpa desse mesmo servidor. Daí resulta que a defesa da Administração na ação de indenização é incompatível com a tese que terá que sustentar e provar na denunciação da lide ao seu funcionário. A toda evidência, se provar a culpa do seu servidor estará reconhecendo o pedido do autor. Logo, a denunciação tem por finalidade específica retardar a solução da demanda (Uniformização de Jurisprudência nº 08/2001 - Processo nº 2001.146.00008, rel. Des. Sylvio Capanema de Souza, votação por maioria, julgado em 24/06/2002).

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3. Bom, a principal questão sobre esse tema é relativo ao prazo prescricional. Não temos jurisprudência sobre o tema, mas já há divergência na doutrina.

Qual é a dúvida? Tradicionalmente a Fazenda Pública responde com um prazo prescricional de 5 (cinco) anos. Vejam o Decreto Federal nº 20.910/1932, em outras palavras, no art. 1º que todos os prazos contra a Fazenda Pública são de 5 (cinco) anos.

O Código Civil antigo tinha dispositivo em que variava o prazo prescricional de 20 a 10 anos. Então, não havia dúvida de que esse decreto, posterior ao Código Civil, mais benéfico à Fazenda Pública, era aplicável.

Surge o Código Civil de 2002, que traz um dispositivo genérico sobre responsabilidade civil do Estado, mas não tem dispositivo como o Código Civil antigo que fixava prazo próprio. O que existe no Código Civil novo é o art. 206, § 3º, V: “Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil”.

A dúvida hoje que se tem é a seguinte: o prazo continua sendo de 5 anos ou desceu para 3 anos. Ou seja, é aplicável o decreto de 1932 ou o Código Civil de 2002?

Em direito civil já há divergência:

Marco Aurélio Bezerra de Melo: entende que o prazo continua a ser de 5 (cinco) anos. Ele diz que o Decreto Federal é a norma específica para o caso.

Carlos Alberto Gonçalves: entende que o prazo desceu para 3 (três) anos. Ele diz que o Código Civil é a norma específica para o caso, porque faz menção a responsabilidade civil.

José dos Santos Carvalho Filho: entende que o prazo é de 3 anos. Esse critério da especialidade já é completamente furado, até porque o Direito Público nem mais fala em norma específica ou norma geral. Isso porque a especialidade ou generalidade da norma depende do ponto de vista do intérprete. O critério da especialidade caiu em desuso por falta de caráter científico.

Neste caso, deve ser feita uma interpretação histórica. Aliás, é um dos raríssimos casos em que se deve recorrer a essa interpretação. Antigamente o prazo era de 5 anos por uma razão simples: o Código Civil disciplinava um prazo geral de 20 anos e, posteriormente, foi atribuída uma prerrogativa à Fazenda Pública.

Se você não entender que o prazo é de 3 anos, vai se criar a seguinte hipótese: haverá uma prerrogativa que prejudica a Fazenda Pública. O Código Civil falava em 20 anos. A prerrogativa era de 5. Agora o Novo Código Civil fala em 3 anos. Em se entendendo que o prazo ainda é de 5 anos, não haverá mais prerrogativa. Isso é um contra-senso.

Qual é a lógica? O prazo é de 5 anos contra a Fazenda Pública, salvo disposição legal e posterior que fixe um prazo menor. É esse o caso.

4. A quarta questão seria a seguinte: quais são os critérios de fixação do quantum devido?

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Vamos separa aqui duas questões: como será a fixação de um possível ressarcimento (dano material) em caso de morte de filho menor? Ex.: uma bala perdida.

Isso é questão própria para a magistratura. A jurisprudência hoje vem entendendo o seguinte: haverá ressarcimento sob a pensão mensal, fundamentada no valor provado que o filho percebia. Ou seja, se você provar que o filho percebia R$ 500,00, a pensão será fixada nesse valor. Se não houver prova, o valor fixado será de um salário mínimo.

Antigamente se entendia que a pensão valeria até a data em que o filho completasse 21 reais. Hoje entende-se que a pensão vai até data em que o filho completasse 65 (sessenta e cinco) anos de idade, ou a morte dos pais; o que ocorrer primeiro.

A razão disso é que a Constituição brasileira copiou a Constituição chinesa, segundo a qual o dever não é só dos pais sustentar os filhos. É dever dos filhos sustentar os pais na velhice. É por isso que não a pensão não vai até a data em que o filho completasse 21 anos de idade, mas sim até a data de sua provável morte.

Em relação ao dano moral: como é fixada a reparação do dano moral, para evitar a chamada indústria do dano moral?

O único autor que tratou disso foi o Prof. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, que tem um livro de pareceres no Ministério Público. Ele diz que a fixação da reparação do dano moral deve seguir 3 critérios: grau de culpa do autor do fato, grau de sofrimento da vítima e o caráter punitivo da reparação considerando a condição econômico-financeira do autor do fato.

5. A última questão seria a seguinte: existe responsabilidade subsidiária? Sim, em 3 hipóteses.

Pessoa jurídica de direito público que integra a Administração Pública Indireta.

Ex.: autarquia e fundação pública. Se não há patrimônio suficiente, a Administração Pública Direta instituidora responde subsidiariamente.

Pessoa jurídica de direito privado que integra a Administração Pública Indireta e preste serviços públicos.

Ex.: Empresa pública ou Sociedade de Economia Mista. São pessoas privadas que podem desempenhar atividades econômicas ou prestar serviços públicos.

Pessoa jurídica de direito privado que não integra a Administração Pública Indireta, mas presta serviços públicos.

Ex.: Concessionárias e Permissionárias. São pessoas jurídicas de direito privado que não integram a Administração Pública Indireta, porque não estão no 1º setor e sim no 2º, mas prestam serviços públicos; porque há uma concessão ou permissão de serviço.

Nesses 3 casos apontados a Administração Pública Direta responde subsidiariamente.

Então, se você verifica que uma autarquia federal não tem patrimônio suficiente para responder, a União responde. Se você verifica que uma Empresa Pública Estadual não tem patrimônio suficiente para responder, o Estado responde.

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Se você verifica que numa Concessão municipal a Concessionária não tem patrimônio suficiente para responder,o Município responde.

Repito: não é responsabilidade solidária. É SUBSIDIÁRIA. Ou seja, a ação deverá ser proposta – de acordo com os exemplos acima – em face da Autarquia Federal, da Empresa Pública Estadual e da Concessionária Municipal. Verificada a insuficiência patrimonial, aí sim, pelo remanescente, a ação será proposta em face da Administração Pública Direta. O prazo de 3 anos conta a partir da data em que for constatada a insuficiência patrimonial.

Para fecharmos esse tema, falta vermos a questão de responsabilidade por atos administrativos, atos legislativos e atos da jurisdição.

Vamos ver 3 questões sobre atos administrativos. Uma delas é a chamada responsabilidade civil por obra pública. Essa é uma questão muito perguntada em concurso.

Outra questão é a chamada responsabilidade civil do Estado tarifada; situação em que você pode limitar o ressarcimento a um certo valor. Ex.: extravio de bagagens em vôos internacionais há um limite em US$ 500.00 (quinhentos dólares). Isso é constitucional ou não?

A terceira questão sobre atos administrativos é quando se dá a responsabilidade civil do Estado por atos praticados por agentes políticos. Ex.: um juiz condena alguém que é inocente. O juiz pode ser responsabilizado pessoalmente pelo fato? Outro exemplo: um promotor de justiça acusa alguém e prende uma pessoa. Depois essa pessoa é inocentada. Ele pode ser responsabilizado pelo fato?

Quanto a atos legislativos, temos duas questões: uma sobre a Lei declarada inconstitucional; se ela pode ensejar responsabilidade civil do Estado ou não.

E a outra questão é ligada aos atos administrativos que dão execução aos atos legislativos. Ou seja, se um decreto que dá execução à lei pode gerar responsabilidade civil ou não.

Para completar, temos duas questões sobre atos judiciais: uma seria sobre o erro judiciário. Pode o Estado responder pelo erro judiciário?

Outra questão seria ligada ao termo superior ao fixado em sentença condenatória irrecorrível. Ou seja, a pessoa é condenada a 5 anos de prisão. Ela fica presa durante 5 anos e 1 dia. O Estado responde por isso?

Aliás, isso envolve outra questão, que seria a seguinte: alguém é absolvido, mas foi preso no curso da ação. Essa prisão provisória enseja a responsabilidade civil do Estado ou não?

Com isso nós fechamos essa matéria.

Fim da aula 12.

Aula nº 13. Responsabilidade Civil do Estado (continuação). Servidor Público. Concurso público.

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Prof. fez menção aos 2 primeiros casos concretos relativos aos atos administrativos. A fita começa da seguinte forma:

Responsabilidade civil do Estado por ato praticado por agente político.

...porque não atendem ao art. 5º, X da Constituição Federal que impõe ressarcimento ou reparação integral.

Bom, então tomem este cuidado: anteriores à Constituição não estão recepcionadas e posteriores à Constituição são inconstitucionais.

Aí viria o 3º caso concreto, que é suscitado pelo prof. Hugo Nigro Mazzilli. É a hipótese de responsabilidade civil do Estado por atos praticados por agentes políticos. Ex.: o um juiz condena alguém que é inocente. O juiz pode ser responsabilizado pessoalmente pelo fato? Outro exemplo: um promotor de justiça acusa alguém e prende uma pessoa. Depois essa pessoa é inocentada. Ele pode ser responsabilizado pelo fato?

Segundo o prof. Hugo Nigro Mazzilli, agente político só responde pessoalmente se houver prova de dolo ou fraude. Logo, concluímos que eles não são totalmente irresponsáveis pelos atos deles. Eles podem vir a responder, desde que haja prova de fraude ou dolo.

Ex.: o juiz teve a vontade dirigida a causar danos a terceiro. Ele pode responder pessoalmente? Sim.

Ex.: o promotor de justiça sabia que não era Tício o autor do fato e se utilizou de uma prova falsa para imputar a ele um certo fato. Ele pode responder por isso? Sim.

Isso já foi questão de prova na magistratura:

XX CONCURSO – 15.05.94 2ª Questão: Civilmente, responde o Estado por ato legislativo ou judiciário lesivo ao cidadão? Sim ou não, por quê? Resposta com objetiva fundamentação.

XXIII CONCURSO – 21.06.95 Questão única: Discorra o candidato sobre o tema “RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E RESPONSABILIDADE DIRETA DO JUIZ, ambas em relação aos DANOS CAUSADOS POR DECISÕES JUDICIAIS, mencionando os dispositivos legais adequados.

XXVI CONCURSO – 22.09.96 1ª Questão: É o Estado responsável por danos causados por atos jurisdicionais? O que a respeito dispõe a legislação brasileira?

XXXVIII Concurso – 2ª QUESTÃO: José, enquanto aguardava atendimento na fila de um Banco, é reconhecido por Maria como aquele que, um mês antes, a havia roubado e estuprado. Maria chama a polícia, que prende José. Encerrado o inquérito, José é denunciado pelo Ministério Público. Nada obstante o acusado contar com defesa técnica, bem conduzida pela Defensoria Pública, sustentando a negativa de autoria com base em relato testemunhal no sentido de que participava de uma festa no dia do crime, a denúncia é julgada procedente e José vem a ser condenado em primeiro grau. O recurso de apelação é acolhido, reformando-se a sentença ao fundamento de que a prova produzida era insuficiente, embora Maria insistisse, também em Juízo, no reconhecimento do réu como o autor dos crimes. Passada em julgado a absolvição, José ajuíza ação de responsabilização civil em face do Estado do Rio de Janeiro, postulando a reparação de danos materiais e

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morais por entender-se vítima de erro judiciário. Esclareça, motivadamente, se este se configura à vista do direito positivo brasileiro, nas circunstâncias narradas, para o fim de julgar-se o pleito indenizatório.

Digamos que um fulano era acusado por um crime qualquer. Durante a instrução do processo, foi reconhecido por uma testemunha. Digamos que ele seja condenado e, em segunda estância, é absolvido. É provado que não foi ele o autor do fato. Pergunta-se: responde o juiz? Responde o Estado?

Não, o juiz não responde. A questão de o Estado responder ou não vamos analisar adiante, porque seria responsabilidade do Estado por ato judicial.

O promotor também não responderia, porque se no inquérito o Fulano foi reconhecido, não podemos dizer que houve fraude dele; nem dolo.

Vejam a Apelação Cível nº 2003.001.04277, rel. Des. Jessé Torres, julgado em 07/05/2003, órgão julgador: Segunda Câmara Cível. Eis a ementa:

APELAÇÃO. Erro judiciário. Reparação de danos materiais e morais. Acusado pela vítima, que o reconheceu em fila de Banco como aquele que, um mês antes, a havia roubado e estuprado, o autor foi preso, denunciado pelo Ministério Público e condenado em primeira instância, vindo a ser absolvido em segundo grau, por insuficiência de prova quanto à autoria. Não configura erro judiciário a compreensão divergente da prova colhida na ação penal, em que a vítima manteve o reconhecimento e a acusação, corroborada por indícios sujeitos à interpretação do julgador, se o devido processo legal foi observado, com as garantias plenas da defesa e do contraditório. Provimento do recurso do Estado, para reformar-se a sentença de procedência parcial, prejudicado o do primeiro apelante, que pretendia a procedência integral dos pleitos indenizatórios.

Então, o que precisamos colocar é o seguinte: agente político só responde pessoalmente se houver prova de dolo ou fraude.

Responsabilidade civil do Estado por ato legislativo.

Bom, vamos passar para a questão da responsabilidade por atos legislativos. Os livros são muito confusos quando tentam prever essa hipótese.

Podemos adiantar que são duas hipóteses:

1. Ato legislativo que veicula norma geral (para todos as pessoas) e abstrata (para todos os casos), desde que inválida. Ex.: lei declarada inconstitucional.

2. Ato legislativo que veicula norma individual (para certa pessoa) e concreta (para certo caso), ainda que válido. Ex.: decreto legislativo que é danoso a alguém. Pode haver um decreto legislativo, que é um ato legislativo que veicula uma norma individual e concreta (é o que os autores antigos chamavam de lei de efeito concreto) e pode ser danoso, embora válido.

Sobre a primeira hipótese vale dizer que o prof. Hely Lopes Meirelles entende que o Estado nunca responde. Nem mesmo se a norma for declarada inconstitucional.

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Em relação à segunda hipótese é conveniente citar o prof. Álvaro Lazarini. Segundo esse autor, deve ser feita uma distinção entre responsabilidade civil por ato legislativo e responsabilidade civil por ato administrativo que regula execução de ato legislativo. São casos diferentes.

Se você entende que um Decreto Legislativo causou um dano, você tem uma responsabilidade do Estado por ato legislativo.

Agora, se você tem um decreto executivo que, regulando uma lei, causa um dano, você tem responsabilidade civil do Estado por ato administrativo (decreto executivo) que regulou a execução de um ato legislativo.

É importante colocar isso, porque se você tiver um decreto legislativo, cai nessa hipótese do item 2 citado acima. Se você tiver um decreto executivo, você cai na hipótese de responsabilidade civil por ato administrativo. Nos dois casos o Estado responde, mas são campos de fundamentação distintos.

Vamos ver outro exemplo: uma lei permitia que o Poder Executivo, a seu critério, declarasse como de utilidade pública para fins de confisco uma certa área onde houvesse cultivo de plantas psicotrópicas. A lei por si só não causa dano, mas o Poder Executivo confisca uma área onde não havia cultivo de plantas psicotrópicas. O dano não foi da lei, mas sim do decreto. Então, responde como ato administrativo.

Responsabilidade civil do Estado por ato judicial.

Em relação ao ato judicial também temos duas hipóteses. E aqui é mais simples, porque a Constituição é textual quanto a isso. Vejam o art. 5º, LXXV: “o Estado indenizará (leia-se ressarcirá ou reparará) o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

Então, há duas hipóteses:

1. Erro judiciário (imputar o fato a pessoa diferente);

2. Tempo superior ao fixado em sentença penal condenatória irrecorrível;

Logo, se Beltrano é condenado, mas Fulano praticou o ato, existe erro judiciário. Beltrano é condenado a 5 anos, mas fica 5 anos e 1 dia na prisão (tempo superior ao fixado). O Estado responde nos dois casos.

Vamos fazer duas observações.

Em relação ao erro judiciário o prof. José dos Santos Carvalho Filho entende que esse fica restrito ao erro judiciário penal. Isso é posição pessoal dele. Ex.: se for prisão civil em caso de depositário infiel, por ele, Carvalho Filho, o Estado não responde, porque é matéria Cível e não Criminal.

Não há jurisprudência quanto ao tema, porque nunca se discutiu.

Em relação à outra hipótese (tempo superior ao fixado em sentença penal condenatória irrecorrível [de acordo com a jurisprudência]) se vislumbra a seguinte questão: você tem alguém preso provisoriamente, que é absolvido posteriormente. O Estado responde por isso?

Vejam que o art. 5º, LXXV fala em condenado.

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Imaginem o seguinte caso concreto: um sujeito (Beto Delegado) fica preso preventivamente durante 7 anos e 4 meses, acusado de um crime contra o prefeito de Rio das Ostras. Em abril de 2004 ele foi absolvido. O Estado responde por isso? Não.

E aí, vamos citar o prof. Celso Antônio Bandeira de Mello que é o único autor brasileiro que admite o ressarcimento ou reparação do preso provisório. Ele diz isso, porque o art. 5º LXXV não diz se essa sentença é definitiva ou não.

Essa posição dele é isolada.

Está em discussão no Congresso a possível Emenda Constitucional nº 45, que trará a reforma do Poder Judiciário. Dentre algumas modificações e inclusões, está o novo inciso que garante o direito à razoável duração do processo: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Se isso for aprovado nos termos que está, surgirá uma terceira hipótese: tempo irrazoável do processo. Aí sim seria o caso do Beto delegado.

Com isso fechamos o tema da Responsabilidade Civil do Estado.

Vamos começar a estudar Servidor Público. Nós até já vimos o conceito de servidor público, mas agora vamos aprofundar algumas questões.

Já vimos que servidor público é uma espécie de servidor estatal, que, por sua vez, é espécie de agente público. Quando vimos Administração Pública Direta, conceituamos servidor público à luz de 4 características:

É próprio – não quer dizer exclusivo – da Administração Pública Direta, das Autarquias e Fundações Públicas. Pessoas jurídicas de direito público.

Ocupa cargo público.

Servidor é sujeito a estatuto, isto é, regime estatuário.

É escolhido por concurso público (ponto de contato entre o servidor e o empregado).

Inclusive, tínhamos visto o conceito de servidor público:

Servidor público é aquele agente estatal que é próprio da Administração Pública Direta, das autarquias e fundações públicas, que ocupa cargo público, sujeito ao regime jurídico estatutário e é escolhido por concurso público.

O primeiro ponto a ser visto é a organização funcional do servidor público. Podemos dizer que a organização funcional gira em torno de 4 conceitos:

Quadro funcional: é o conjunto de carreiras, cargos isolados e funções de confiança de uma mesma Entidade ou Órgão.

Por exemplo: o quadro funcional da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro compreende todas as carreiras (delegado, escrivão, inspetor, etc), os cargos isolados (chefe de polícia, etc) e funções de confiança. Tudo isso dentro do órgão Polícia Civil.

Se nós dividirmos um quadro funcional, vamos encontrar as carreiras:122

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Carreira: é o conjunto de classes ou categorias da mesma profissão, escalonadas hierarquicamente para permitir a progressão funcional.

Ex.: então, se nós utilizamos o quadro funcional da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, podemos citar o Delegado de Polícia Civil como exemplo de carreira, porque “Delegado de Polícia Civil” compreende todas as classes ou categorias da mesma profissão (Delegado) escalonadas hierarquicamente para permitir a progressão funcional, porque existe a promoção de uma classe para a outra dentro da mesma carreira.

Se nós dividirmos a carreira, vamos encontrar as classes ou categorias:

Classe ou categoria: são conjuntos de cargos com os mesmos nomes, atribuições, responsabilidades e retribuição pecuniária.

Ex.: então, se nós utilizamos o quadro funcional da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, os Delegados de Polícia Civil como exemplo de carreira, os Delegados de Polícia Civil da classe especial são exemplos de classe.

Cargo: lugar instituído na organização funcional para ser provido por um titular. Em outros termos: é a unidade mínima da organização funcional.

Ex.: então, se nós utilizamos o quadro funcional da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, os Delegados de Polícia Civil como exemplo de carreira, os Delegados de Polícia Civil da classe especial como exemplos de classe, o Delegado de Polícia da delegacia X é exemplo de cargo.

Sob o ponto de vista gráfico, teríamos isto:

Isso também vale para qualquer outro órgão. Por exemplo: Poder Judiciário. Existe um quadro funcional do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Existe a carreira de juiz de direito. Existe a classe de Juiz Substituto. Existe o cargo de juiz de direito da Comarca X.

Existe um quadro funcional do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Existe a carreira de promotor de justiça. Existe a classe de promotor de justiça titular. Existe o cargo de promotor de justiça de Xerém.

Qualquer órgão ou entidade admite isso.

Sem dúvida nenhuma, de todos esses conceitos, o que gera maior controvérsia é o cargo. É a questão pertinente à sua classificação. Há várias classificações, mas a classificação que a Constituição acolheu é aquela que faz distinção entre os cargos vitalícios, cargos efetivos e cargos em comissão. Alguns

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autores vão falar em cargo de provimento vitalício, cargo de provimento efetivo ou cargo de provimento em comissão. Tanto faz.

Vamos conceituar cada um deles e ver uma questão sobre cada um.

Cargo vitalício: atribui a maior segurança aos seus titulares.

Somente três carreiras hoje têm cargo vitalício: Ministro ou Conselheiro do Tribunal de Contas (art. 73, § 3º da Constituição Federal), Magistratura (Juízes, Desembargadores e Ministros – previsto no art. 95, I da Constituição Federal) e Ministério Público (Promotor de Justiça, Procurador de Justiça, Procurador da República ou Procurador-Geral da República – previsto no art. 128, § 5º, I, ‘a’ da Constituição Federal).

Ministro ou Conselheiro do Tribunal de Contas (art. 73, § 3º da Constituição Federal)

Juízes, Desembargadores e Ministros – previsto no art. 95, I da Constituição Federal

Promotor de Justiça, Procurador de Justiça, Procurador da República ou Procurador-Geral da República – previsto no art. 128, § 5º, I, ‘a’ da Constituição Federal

Das funções essenciais à Justiça e do Judiciário, só a Magistratura e o Ministério Público têm cargos vitalícios. As demais instituições têm cargos efetivos: Defensoria Pública e Procuradoria do Estado são cargos efetivos.

Qual é a conseqüência prática disso? Uma vez adquirida a vitaliciedade (que em regra é adquirida após exercício contínuo do cargo por dois anos), só existe a possibilidade de perda dele por sentença judicial transitada em julgado.

E aí surge a seguinte questão: é dito “sentença judicial”. Só que não se diz ser sentença judicial penal ou cível. E o Código Penal, no art. 92, diz que o efeito secundário da condenação é a perda do cargo.

Ex.: promotor de justiça foi acusado e condenado por homicídio. A sentença transitou em julgado. Pergunto: ele perdeu o cargo? Ou só perderá o cargo com uma sentença judicial cível?

A posição dominante hoje no Brasil é a de que a perda do cargo só se dá após uma sentença cível. Então, após a decisão criminal, deve ser proposta uma segunda ação para que seja decretada a perda do cargo. O motivo é simples: ele não se defendeu no processo penal da perda do cargo. Ele se defendeu de ter havido fato ou ter sido o autor desse fato.

O problema é que isso foi questão de prova no Ministério Público. E o gabarito era no sentido de que a sentença criminal importava na perda do cargo. Só que todos os autores brasileiros entendem que não. E a lei orgânica do MP no Rio de Janeiro é muito clara: o promotor de justiça só perde o cargo após ação cível de perda de cargo proposta pelo PGJ.

Em outras palavras, o artigo 92 do CP só se aplica aos cargos efetivos. Não se aplica aos cargos vitalícios.

Na ação cível ele vai se defender sobre a perda do cargo ou não. 124

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O residual são cargos efetivos.

Cargo efetivo: é aquele que vai atribuir a menor segurança a seus titulares.

Ele se aplica a todos os outros cargos. Ou seja, todos os cargos que não forem vitalícios ou em comissão, serão efetivos.

Qual é a conseqüência lógica disso? Uma vez adquirida a estabilidade, pelo exercício do cargo durante 3 (três) anos, além da possibilidade de perda do cargo por sentença penal transitada em julgado (aqui se aplica o art. 92 do CP), temos ainda, mais 3 hipóteses de perda de cargo:

Por procedimento administrativo, assegurado o contraditório e ampla defesa;

Caso haja avaliação negativa do desempenho, o servidor pode perder o cargo (surgiu com a Emenda Constitucional nº 19/98);

Se houver excesso de gasto orçamentário, e adotadas algumas medidas que a Constituição faculta, se não forem suficientes, pode o servidor público perder o cargo (surgiu com a Emenda Constitucional nº 19/98).

Essas duas novidades (que surgiram com a Emenda Constitucional nº 19/98) são absolutamente infrutíferas. Na Constituição vejam o art. 41, § 1º, II e III; e o art. 169, § 4º.

Vocês podem ver que a Constituição fala em avaliação negativa, nos termos de lei complementar, que não foi editada ainda. Antigamente, sempre houve procedimento administrativo por desídia, que era avaliação de desempenho. Provada a desídia, o servidor público perderia o cargo. Haveria contraditório e ampla defesa.

Então, algo que antes era auto-aplicável, agora não é mais.

O outro caso: perda de cargo por excesso de gasto orçamentário é absurdo. Você faz concurso e é aprovado. Tem a expectativa de ser nomeado. Passa por um estágio probatório de 3 anos e adquire a estabilidade. Se o seu superior hierárquico exagerar nos gastos e incidir em uma irregularidade fiscal, pode perder o cargo.

Essa norma é de constitucionalidade duvidosa, porque é uma sanção em relação a ato de alguém que incide sobre ele – servidor de cargo efetivo.

Qual é a consideração que devemos fazer em relação ao cargo efetivo? Há uma diferença entre o que vem a ser estabilidade e efetividade.

Efetividade é do cargo: cargo efetivo. Então, efetividade se reporta ao cargo.

Agora, estabilidade é do servidor: servidor estável, após o estágio probatório.

Não confundam estabilidade com estabilização. Estabilização só se aplica ao art. 19 do ADCT:

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos

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continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

Ou seja, estabilização se aplica ao caso dos servidores públicos que, à época da promulgação da Constituição, durante 5 anos continuados, exerceram função sem concurso público.

Estável é aquele que foi provido regularmente no cargo. Agora, se foi provido irregularmente no cargo, 5 anos antes da Constituição, e a Constituição sanou essa irregularidade, estabilizando-o, ele é estabilizado.

Cargo em comissão: é aquele que não atribui segurança, porque é de livre nomeação e exoneração.

Em outros termos: nomeável e exonerável ad nutum (sem motivo).

Nós vimos que o cargo em comissão é a única hipótese de servidor público sem concurso público. Ele é nomeado livremente. Basta a relação de confiança.

Qual é a questão colocada aqui? Há uma diferença técnica entre cargo em comissão e função de confiança. Basta que a gente leia o art. 37, V da Constituição Federal:

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

Função de confiança é exclusiva de servidor de carreira. Também é de livre nomeação e exoneração, mas é exclusiva de servidor de carreira.

Agora, cargo em comissão pode ser de servidor de carreira ou não. Até porque a Constituição diz: “a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei”. Então, se há percentual mínimo previsto em lei, é porque há pessoas que não pertencem à carreira que podem ser providas.

Para ser mais explícito ainda: esse servidor que não é da carreira, pode até ser do mesmo quadro funcional, mas da mesma carreira. Ou, de outro de quadro funcional. Ou, não ser servidor público.

Aluno: quem define se determinada atividade é cargo em comissão ou função de confiança?

Prof.: A lei é que vai definir se é cargo em comissão ou função de confiança. Como os cargos são criados por lei, é ela quem vai definir isso.

Aluno: o administrador pode criar uma função de confiança não prevista em lei?

Prof.: pode. A criação do cargo em comissão decorre de lei, mas a função de confiança não. Então, se define isso pela lei. Se houver lei que declare o cargo como cargo em comissão, assim o será. Caso contrário é função de confiança.

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Isso é interessante, porque vimos a possibilidade de um cargo ser instituído por decreto, que é o caso do art. 84, VI da Constituição Federal (decreto autônomo). Se o cargo estiver vago, ele pode ser extinto por decreto autônomo. Mas, em regra, o cargo – inclusive o cargo em comissão – é criado por lei.

Bom, antes de encerrarmos a aula, vamos identificar o que será estudado no próximo ponto e dar início ao próximo ponto.

Vejam que vamos seguir uma ordem lógica: primeiro vimos como é estruturada a carreira, agora como se dá o acesso a ela, depois a forma de retribuição pecuniária, etc.

Concurso público.

Agora vamos estudar Concurso Público. De todos é o mais prático, por razões óbvias. Temos que analisar 3 pontos essenciais: conceito, princípios e procedimento.

Conceito: é o procedimento administrativo de aferição da capacidade intelectual, física e psíquica, e escolha dos melhores candidatos para provimento no cargo ou emprego público, conforme a natureza e complexidade da função, atendida a ordem classificatória.

Princípios: os autores portugueses fazem menção a isso. Segundo Marcelo Caetano, o concurso público seria regido pelos seguintes princípios: igualdade, competitividade e moral administrativa.

Procedimento: se analisarmos os editais, vamos perceber que, em regra, o concurso público é formado por 6 (seis) fases. São elas: regulamento, edital, inscrição, prova, resultado e homologação.

Regulamento: ato que veicula o conteúdo programático. Ele vai dizer quais são as provas e qual é o conteúdo de cada uma delas. É a única finalidade do regulamento.

A rigor, o concurso público só se considera aberto com a publicação do edital. Bom, publicado o edital, é aberto o concurso.

Edital: ato jurídico que dá publicidade à abertura do concurso, convida os interessados a participar do concurso e, por fim, prescreve os critérios de ingresso naquela carreira.

Então, tem 3 funções: (i) torna pública a abertura do concurso; (ii) convida os interessados a participar do concurso; e (iii) prescreve os requisitos para ingresso naquela carreira.

Vamos deixar 5 questões para analisarmos na próxima aula:

1. Existe a possibilidade ser prescrito sexo, altura e idade?

Ex.: concurso para agente carcerário pode fixar sexo masculino, altura mínima de 1,5m e idade máxima de 50 anos? Porque o cargo exige isso...

2. Pode ser exigido exame psicotécnico?

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Não há dúvida de que ele pode ser exigido, até pelo próprio conceito de concurso público, mas se indaga quais são as condições para isso.

3. Existe a possibilidade de ser exigida qualificação profissional?

Estar formado há 5 anos, ter prática forense de 3 anos, ter feito estágio durante 2 anos, etc. Quando ela é computada?

4. É possível fazer investigação social?

Os concursos públicos para PM exigem isso. Então, podemos encontrar situações práticas como esta: Fulano foi aprovado em todas as fases no concurso para PM, só que na investigação social se tem notícia que ele tem envolvimento com tráfico de substância entorpecente. Não diz que afirma isso. Só se diz que ele tem essa fama. Ele é afastado do concurso público. O ato é válido ou não?

5. O que significa impugnação prévia aos termos do Edital?

Pode ser até que uma cláusula desse edital seja nula. Exemplo: exige idade máxima quando o cargo não demanda esforço físico. Só que se você se inscrever em concurso público sem impugnar previamente os termos daquele edital, teria havido preclusão temporal? Ou, mesmo após a inscrição seria possível que você impugnasse o edital?

Tudo isso nós veremos na próxima aula.

Fim da aula 13.

Aula nº 14. Servidor Público. Concurso público (continuação).

Na aula passada estávamos discutindo servidor público. Vimos o quadro funcional, as carreiras, as classes e o cargo.

Depois começamos a analisar a forma de ingresso no serviço público, que se dá pelo concurso público. Vimos o conceito de concurso, os princípios e vimos também que ele é formado por 6 fases.

Deixamos 5 questões pendentes relativas ao Edital. Vamos ver cada uma delas agora:

1. Existe a possibilidade ser prescrito sexo, altura e idade? Qualquer cláusula que seja dirigida a determinado sexo, altura ou idade é válida ou inválida? A

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jurisprudência hoje é tranqüila no sentido de que é possível o estabelecimento de determinadas características como altura, sexo e idade.

Para justificar isso, basta que vocês citem uma expressão: “desde que essa exigência esteja em consonância com o conteúdo ocupacional do cargo”. Se o conteúdo ocupacional do cargo admitir essa exigência, a cláusula será válida. Do contrário, será inválida. Então, há cargos em que se admite. Vamos ver caso a caso.

Por exemplo: o cargo de Capelão de navio mercante pressupõe o sexo masculino. Mas o cargo de carcereiro de presídio feminino exige o sexo feminino. Ou seja, o conteúdo dos dois cargos pode exigir um determinado sexo.

O cargo de PM exige esforço físico, então pode-se exigir certa idade. Assim como o cargo de agente penitenciário pode exigir uma certa altura, pois pode ser necessário o uso da força.

Então, de acordo com o conteúdo ocupacional do cargo pode ser exigida uma altura, uma idade, ou um sexo. Ou dois deles, ou até os três, desde que isso se mostre razoável de acordo com aquele cargo.

Vejam a súmula do STF:

Súmula 683: O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

2. É possível exigir exame psicotécnico? É claro que sim, até porque conceituamos o concurso público como um procedimento administrativo que afere a capacidade intelectual, física e psíquica. Logo, a aferição não se resume à capacidade intelectual ou física; também alcança a capacidade psíquica.

Agora, deve ser colocada uma ressalva: desde que (i) fundamentada em critérios objetivos; e (ii) exista a possibilidade de ampla defesa sobre o seu resultado.

Então, se esse exame psicotécnico estiver baseado em critérios objetivos, ou seja, você tem que saber de antemão quais são os critérios adotados; colocados em pauta. E se houver a possibilidade de ampla defesa sobre o seu resultado – e sobre isso a jurisprudência vem admitindo a possibilidade de se nomear assistente técnico para questionar o resultado –, o exame será válido.

O que não se admite é exame psicotécnico com critérios abstratos e que não permite a possibilidade de defesa quanto a isso.

Essa prática do concurso da magistratura estadual de colocar exame psicotécnico antes da prova oral não é ilegal, mas se mostra inconveniente. É inconveniente que você comece e termine um exame sobre capacidade psíquica antes mesmo de terminar o exame sobre capacidade intelectual.

Há uma dúvida se as pessoas que eventualmente perdem em prova oral são aquela consideradas inaptas no exame psicotécnico. O mais correto seria que a prova oral fosse encerrada e o exame psicotécnico fosse feito.

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3. É possível a exigência de qualificação profissional? Ser formado há 5 anos, ter pós-graduação em alguma coisa, etc. É possível ou não? É, até porque nós colocamos que isso também afere capacidade de acordo com o conteúdo ocupacional do cargo.

A dúvida sobre a possibilidade de qualificação é como você a computa. Ex.: um edital estipula “estar formado há 5 anos”. Muito bem, você tem 4 anos e meio. Não tem 5. Encerra-se hoje o prazo para sua inscrição. Você pode se inscrever no concurso?

Todos os tribunais do país (inclusive STF e STJ), salvo o TJ-RJ, entendem que a qualificação é possível de acordo com o conteúdo do cargo e ela deve ser computada na data da posse. Parece-me a única posição correta. Vejam: qualificação não é requisito para participar em concurso; é sim um requisito para ingresso na carreira. Só há ingresso na carreira na posse.

Logo, você só computa a qualificação na data da posse.

Todos os tribunais do país entendem isso, salvo situações em que a LEI exija especificamente na data da inscrição. Ex.: a Lei Orgânica do Ministério Público Federal exige 3 anos na data da inscrição.

O TJ-RJ entende que se computa a qualificação no último dia do prazo da inscrição. Acho que o TJ construiu uma idéia equivocada. Ele entende que deve ser assegurada a igualdade entre o candidato que se inscreveu mesmo sabendo que não tinha os requisitos exigidos, com aqueles candidatos que não se inscreveram sabendo que não tinham ou não teriam os requisitos. É uma igualdade virtual.

4. Existe a possibilidade de ser exigida investigação social?

Por que se colou esse tema? Porque os concursos para PM, em regra, exigem uma investigação social e permitem que o candidato aprovado seja inabilitado na última fase, que essa.

Vocês vão encontrar os seguintes casos: você é defensor público do núcleo da Fazenda Pública e chega uma pessoa que se diz habilitada em todo concurso, mas foi inabilitada nessa investigação social. E o motivo foi: Fulano tem indícios de envolvimento com tráfico de drogas. A exclusão dele é lícita?

Em prova de defensoria é claro que você vai dizer que ilegal, que é inconstitucional por ferir a presunção de inocência, etc.

Mas em prova de magistratura, como ficamos? Por incrível que pareça, a exclusão é válida. Por dois motivos:

A presunção de inocência, na ordem jurídica brasileira, não existe como presunção constitucional. Se existisse, quando o MP fosse exercer uma função constitucional dele já estaria indo de encontro à presunção. Logo, não é existe. Isso é algo que o Tourinho Filho criou; foi absolutamente infeliz.

O melhor professor sobre presunção de inocência é o professor Antônio Scarance Fernandes, que tem um livro chamado Processo Penal Constitucional. Ele diz que a presunção de inocência compreende duas regras: (i) uma regra de tratamento; e (ii) uma regra de provas.

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A regra de tratamento seria o fato de ninguém poder ser tratado como culpado antes do trânsito em julgado. Então, antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória essa pessoa tem 4 tratamentos possíveis: autor do fato, indiciado, acusado ou condenado, mas culpado não.

Primeiro: se houve fato e não há inquérito policial ele é autor do fato. Inclusive se foi lavrado o termo circunstanciado ele ainda é autor do fato.

Segundo: se há inquérito policial, ele é indiciado.

Terceiro: se já há ação penal, ele é acusado.

Quarto: se já há condenação recorrível, ele é condenado, mas não é culpado.

Culpado será após o trânsito em julgado.

Isso gera problemas de recepção de normas, por exemplo: o CPP prescreve que deve ser lançado no rol dos culpados o nome do réu após a pronúncia. Essa norma não foi recepcionada, porque você não pode lançar no rol dos culpados alguém com pronúncia; que não foi condenado ainda; sequer há trânsito em julgado.

Então, é uma regra de tratamento. Impede o tratamento de uma pessoa como culpada antes do trânsito em julgado. Ela será trata como autor do fato, indiciado, acusado ou condenado.

De outro lado, é uma regra de prova, porque investe a parte acusadora no ônus integral da prova. Ou seja, cabe ao MP ou ao querelante provar que o fato é típico, ilícito e o autor culpável.

Isso é o que se chama de presunção de inocência.

Agora, o STF entende que essa regra de tratamento e essa regra de prova só se aplica a Processo Penal. Não se aplica a Processo Civil como esse. Estamos discutindo habilitação em concurso, que é processo civil.

Então, podemos dizer o seguinte: não há que se falar em presunção de inocência, porque ela é uma regra de tratamento e uma regra de prova aplicável, única e exclusivamente, ao processo penal.

Se isso não fosse suficiente, poderíamos dizer o seguinte: essa pessoa não está sendo excluída do concurso pelo fato. Ela está sendo excluída do concurso pelo que o fato revela. Ou seja, ela não vai ser excluída do concurso por ter contra si um termo circunstanciado, por exemplo. Ela vai ser excluída porque o termo circunstanciado, com aquele fato, revela que ela não tem condição suficiente para ocupar esse cargo.

Por exemplo: se alguém tem um termo circunstanciado lavrado contra si, em que se constate lesão corporal culposa por acidente de trânsito, o termo circunstanciado não vai excluí-la do certame, porque o fato não revela conduta incompatível.

Ela não está sendo excluída do concurso pelo fato de ter uma ação penal, ou um inquérito policial, ou um termo circunstanciado. É excluída pelo que o fato revela. Quer dizer, o fato de ela estar sendo acusada de tráfico de drogas é suficiente para que mesmo não sendo julgada ela seja excluída do certame.

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De fato isso deve ser levado em consideração. Vocês vão se posicionar de acordo com a banca examinadora.

Eu já estive dos dois lados. Quando eu era Defensor Público, entrava freqüentemente com ações em casos como esse. Eu achava tudo ilegal e inconstitucional, até que aconteceu comigo o seguinte fato:

Eu era Defensor Público do Núcleo de Fazenda Pública e veio a mim uma pessoa que se dizia exatamente nessas condições: havia sido excluída do concurso para PM por suspeitas de prática de tráfico de substancias entorpecentes na Barreira do Vasco.

Tentei Mandado de Segurança, etc.

O tempo passou...saí da Defensoria Pública e fui para o Ministério Público. Cerca de 2 anos e meio depois eu estava no Júri de São Gonçalo. Havia um júri importantíssimo, num caso em que mataram 34 pessoas. Estava lá o nome do acusado: Beirola. Eu pensei: “esse nome não me é estranho”.

A história era a seguinte: um traficante da Barreira do Vasco foi para São Gonçalo ganhar o morro. E lá matou várias pessoas, participou de outra chacina e foi preso. Ele e mais quatro réus.

Quando eu entro para fazer o Júri, quem era o Beirola? Aquele sujeito que foi à Defensoria Pública para garantir a participação no concurso para PM. Na hora eu me dei por impedido, porque inclusive tinha defendido o Beirola e tudo mais.

Ninguém vai excluir alguém do concurso por suspeitas. Até porque o ato é muito grave: excluir uma pessoa de um concurso para o qual ela foi aprovada. Há uma série de requisitos mínimos de seriedade.

Ele foi afastado do concurso porque havia provas que ele era traficante. Só que como ele ainda não tinha sido acusado, colocaram “indícios”. Mas ele era, de fato, traficante. E na época, pela minha inexperiência, não consegui verificar aquilo.

Resultado de tudo isso: o Beirola foi condenado a 814 anos de prisão. Se sair vivo da cadeia, será em 2033 (30 anos limite).

5. O que é impugnação prévia aos termos do edital?

Há uma jurisprudência consolidada em alguns tribunais de justiça (como o de Minas Gerais), que as impugnações aos termos do edital devem ser prévias. Isso, por duas razões. Uma razão lógica e outra jurídica:

A razão lógica é que a inscrição significa a aquiescência. Se o candidato concordou com aquilo que lhe foi imposto, não cabe a ele, após a inscrição, impugnar aquilo com que ele concordou. Haveria preclusão lógica.

Além disso, há um fundamento jurídico: o art. 41 da Lei nº 8.666/93. É dito lá que qualquer impugnação aos termos de um edital deve ser prévia. Há uma analogia muito clara entre licitação e concurso público. Até porque ambos são procedimentos administrativos seletivos.

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Por isso, qualquer impugnação tem que ser prévia, para evitar uma preclusão temporal ou uma aplicação subsidiária desse artigo. Agora, prévio sob qualquer aspecto: administrativo ou judicial.

Na prática eu sei que as coisas não funcionam assim, porque é muito complicado você entrar num concurso público questionando as regras dele.

Por exemplo: o concurso da PGE do Espírito Santo exigia que na inscrição houvesse cópia da carteira da OAB-Seccional do Espírito Santo. Aqui temos duas peculiaridades: (i) exige-se a qualificação profissional na data da inscrição (você pode não ter a carteira ali); e (ii) ser da Seção do ES viola a igualdade, porque impede que candidatos de outros Estados participem.

Nesse concurso houve impugnação administrativa prévia por uma série de candidatos.

Bom, com isso fechamos as questões sobre o edital.

Inscrição: é o ato que manifesta a aquiescência do candidato. Ou ainda, o ato pelo qual o candidato afirma possuir os requisitos previstos no edital.

Temos a seguinte questão: é muito discutida a isenção sobre o pagamento da taxa de inscrição no concurso público. Se o edital não prescreve isenção, existe algum modo de se obter isenção da taxa de inscrição?

No Rio de Janeiro é possível. A dificuldade está em se achar a norma. É o art. 72 do ADCT da Constituição do Estado do Rio de Janeiro:

Art. 72 - É assegurada a isenção de pagamento de taxas de inscrição para todos postulantes a investidura em cargo ou emprego público, desde que comprovem insuficiência de recursos, na forma da lei.

E aí a PGE sempre alega: cabe o MS? Sim, só que essa norma não é auto-aplicável. É uma norma constitucional de eficácia limitada e não tem lei que regulamente o tema até hoje.

Quase sempre a defesa administrativa é esta: existe o direito, mas não é auto-exercitável, por falta de lei estadual a disciplinar a matéria.

Qual seria outra alegação possível aqui? Esse artigo tem que ser combinado com o art. 5º, § 1º da Constituição Federal: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Essa norma do art. 72 do ADCT da CERJ é de direito fundamental, porque assegura o acesso a cargo público (art. 37 da Constituição Federal).

Ora, se existe uma norma que define direito fundamental, ela tem aplicação imediata na falta de lei ordinária estadual.

Provas: atos praticados perante as bancas examinadoras de acordo com o conteúdo programático previsto no regulamento.

Temos uma questão aqui: durante muito tempo se discutiu se a prova oral seria válida ou não. Dizia-se que a prova oral violava o princípio da impessoalidade, porque o candidato era personificado.

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Recentemente o STJ decidiu: prova oral é válida desde que fundamentada em critérios objetivos (pontos do certame), até porque o julgamento não é sobre a pessoa, mas sim sobre os conhecimentos dela.

A única ressalva era quanto à prova do MPF, que promoveu quase uma “terapia de grupo”. Ou seja, não era um único candidato por vez perante a banca. Eram 5 candidatos por vez. Nesse caso, deixa de ser critério objetivo.

Aluna questiona sobre casos de concursos em determinados Estados, que as bancas costumam preterir os candidatos que não sejam locais.

Todas essas práticas bairristas, em tese, são lícitas, porque no resultado, o candidato se terá por inabilitado em função de conhecimento, e não de sua origem. Isso é tudo critério discricionário da banca. E aí a gente entra naquela questão: é possível o controle judicial disso? Não, porque é mérito administrativo, a não ser que nós caiamos na questão do controle de razoabilidade. Só que essa tese é minoritária hoje.

Na prática, você pode perguntar qual é a influência do julgamento de Jesus Cristo na jurisdição. Você pode perguntar a origem do candidato. Você dar nota menor para candidato de fora. Pode haver examinador que adote seu próprio livro. Isso tudo é critério discricionário da banca.

Resultado: ato pelo qual os candidatos habilitados são colocados em ordem de classificação.

Aqui só temos uma única questão: todos os livros clássicos dizem que não cabe controle judicial de nota atribuída e de critério de correção de banca, porque se entende que o ato é discricionário.

Como podemos admitir esse controle hoje? Não cabe controle judicial de nota atribuída e de critério de correção de banca, desde que o ato não tenha sido motivado. Se houver motivação, mesmo conforme jurisprudência do STF – que é de não admitir o controle judicial do mérito administrativo –, a gente pode admitir esse controle, porque caímos na teoria dos motivos determinantes.

Vejamos o seguinte exemplo: um dos concursos mais transparentes hoje em dia é o da AGU (Advocacia-Geral da União), até porque ela traz motivação às notas conferidas nas provas. Eles estabelecem, previamente, um gabarito, indicando questões a serem abordadas pelos candidatos. Por exemplo: “se o candidato abordar a inconstitucionalidade do art. tal = nota de zero a 30” e assim por diante.

Então, houve motivação dos critérios de correção. E por isso seria possível o controle judicial se fosse verificado o descompasso entre os critérios e o que constasse na prova.

Por fim, existe a homologação.

Homologação: é o ato que atesta a validade do concurso público.

Com isso está encerrado o concurso público e será aberta uma nova fase, que é a nomeação e o início da vida funcional do servidor público.

Essa homologação vai gerar 3 questões:

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1. O candidato aprovado tem direito adquirido a ser nomeado? Ou seria mera expectativa de direito?

2. Existe a possibilidade de abertura de novo concurso público durante o prazo de validade de um concurso anterior?

Ex.: foi feito um concurso com prazo de validade de 2 anos. Após 1 ano o concurso está encerrado e homologado o resultado. Tem mais 1 ano de prazo. O Governador do Estado ao invés de nomear aqueles candidatos aprovados abre um novo concurso.

3. O que é a teoria do fato consumado? Ela é aplicada ao concurso público ou não?

Bom, vamos ver cada uma dessas questões.

1. O candidato aprovado tem direito adquirido a ser nomeado? Vamos fazer uma analogia: o licitante indicado tem direito adquirido a ser contratado? Não. Então, podemos dizer que o candidato aprovado não tem o direito adquirido a ser nomeado. Ele tem expectativa de direito.

Isso se aplica a todo e qualquer caso? Não, existe uma única exceção, que é o caso de preterição de ordem.

Ex.: Dentre 20 aprovados, você passou em 5º lugar. Se o 6º lugar foi nomeado, do primeiro colocado até você existe direito adquirido à nomeação.

Enfim, só os candidatos preteridos têm direito adquirido à nomeação. A rigor, o único direito que o candidato tem é de não ser preterido.

Agora, o candidato nomeado tem direito adquirido a ser empossado. Ou seja, o candidato aprovado não tem direito adquirido à nomeação, mas o candidato nomeado tem direito adquirido à posse. São 3 atos diferentes.

Inclusive, a jurisprudência diz que o prazo razoável para a posse é de 30 dias. São as súmulas 15 e 16 do STF

Súmula 15: Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.

Súmula 16: Funcionário nomeado por concurso tem direito à posse.

Outra consideração interessante seria a seguinte: o art. 77, VII da CERJ acabou de ser declarado inconstitucional, que dizia “o candidato aprovado em concurso público tem direito adquirido a ser nomeado e empossado no prazo de 6 meses”.

Aliás, ele foi declarado inconstitucional por dois motivos: vício material e vício formal. O primeiro é muito claro, porque converte um ato discricionário em ato vinculado. Ou seja, o Governador do Estado tem a conveniência a e oportunidade para julgar se é necessária ou não a nomeação de um servidor aprovado em concurso. Se você aplica esse artigo, o ato que era discricionário passa a ser vinculado.

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O vício formal se dá porque a disposição sobre acesso a cargo público, especialmente do Poder Executivo do Estado, sobre o qual a norma versa, deve estar em lei ordinária estadual. Essa, de iniciativa reservada do Governador do Estado. É o disposto do art. 61, § 1º, II, ‘c’ da Constituição Federal, aplicado por simetria ao Estado:

§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

II - disponham sobre:c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime

jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).

Portanto, é de iniciativa reservada do Governador do Estado a lei ordinária

estadual que regule o provimento de cargo dos servidores públicos estaduais.

2. Existe a possibilidade de ser aberto novo concurso público durante o prazo de validade de concurso anterior já homologado e cujos candidatos ainda não foram nomeados?

Ex.: foi feito um concurso público para professor municipal. São aprovados 50 candidatos. Falta 1 ano para a validade do concurso expirar. Antes mesmo da nomeação dos candidatos, é aberto um novo concurso. Isso é possível?

Sim. Só tem um detalhe: em caso de eventual nomeação, estando ambos os concursos dentro do prazo de validade, o primeiro candidato do 2º concurso só pode ser nomeado depois do último candidato do 1º.

Agora, vocês vão poder encontrar situações parecidas com essas. Ex.: houve um concurso cujo prazo de validade expira em 1 ano. É aberto um novo concurso e em 3 meses este se encerra. O prazo de validade do 1º concurso é de 9 meses e o do 2º concurso é de 1 ano e 9 meses. O Chefe do Poder Executivo espera 9 meses e deixa expirar o prazo do 1º concurso e nomeia o primeiro colocado do 2º concurso. Isso é possível?

Sim, desde que não se configure abuso do poder. A prova é muito difícil.

3. O que é a teoria do fato consumado? Ela é aplicada ao concurso público ou não?

Fato consumado significa convalidação de situações ilegalmente constituídas com base em medidas liminares. Então, houve uma medida liminar qualquer, que permitiu a conservação de uma situação ilegal. Quando você convalida essa situação ilegal, você aplica a teoria do fato consumado.

E aí, o desembargador Jessé Torres pergunta o seguinte: a teoria do fato consumado é aplicada ao concurso público? Como seria aplicada?

Ex.: uma pessoa que não tem os 3 anos de prática forense, em concurso que assim exige, requer medida cautelar inominada. Ou seja, ela não se inscreve e depois questiona. Ela questiona e depois se inscreve no concurso pela via judicial; com base em liminar.

Com base nessa liminar ela participou do concurso. Então, se conservou uma situação ilegalmente constituída. Se admitíssemos que houvesse aplicação dessa teoria a concurso público, essa pessoa que participou do concurso com base em

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liminar poderia reivindicar o direito a ser nomeada. Isso seria a aplicação dessa teoria a concurso público.

Isso existe? Por razões de lógica jurídica a resposta é negativa. Você não pode admitir que uma pessoa que tenha participado de um concurso público sem dar satisfação aos seus critérios tenha um direito maior do que aquela pessoa que participou do concurso dando satisfação a todos os critérios.

Se a pessoa não tivesse liminar e desse satisfação de plano aos requisitos ela não teria direito adquirido a ser nomeada. Então, muito menos essa pessoa que faz concurso com base em liminar tem esse direito.

Então, ela não pode reivindicar esse suposto direito. Agora, caso ela venha a ser nomeada e empossada e a liminar for cassada, ela perde o cargo.

Bom, então fechamos essa parte complicada.

Na semana que vem vamos estudar a retribuição pecuniária: qual é a remuneração, o que é subsídio, isonomia, paridade, equiparação, vinculação, todos os princípios vinculados a ela.

Fim da aula 14.

Aula nº 15. Servidores Públicos. Retribuição Pecuniária. Acumulação de Cargos. Previdência Social.

Bom, na aula passada verificamos a questão do concurso público. Faltam 3 pontos a serem analisados: retribuição pecuniária, acumulação de cargos e previdência social.

Então, nós já vimos como o cargo público é adquirido (concurso público). Agora vamos ver o que há em troca do cargo público, que é a retribuição pecuniária.

Retribuição pecuniária é um gênero que compreende várias espécies. Vamos fazer um gráfico para identificarmos tudo. Esse gênero se divide em duas espécies: subsídios e remuneração.

Remuneração é subdividida em vencimento e vantagens pecuniárias. Essas últimas (vantagens pecuniárias) são subdivididas em adicional e gratificação. Se for adicional, também se subdivide em “por tempo de serviço” e “função”. Se for gratificação, se subdivide em “de serviço” e “pessoal”.

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Bom, vamos estudar isso com calma.Vamos primeiro ver a primeira espécie (subsídios) e depois a segunda (remuneração).

Subsídio: é espécie de retribuição pecuniária fixada em parcela única, sendo vedado acréscimo de qualquer outra espécie remuneratória.

Vocês estão vendo que ele não é decomposto. Ou, como diz a Constituição: “vedado acréscimo de qualquer outra espécie remuneratória”.

Por isso agora se controverte tanto sobre qual será o subsídio maior, porque isso repercute em outros subsídios.

O estudo do subsídio enseja 3 grandes questões:

1. Qual é a abrangência dele?

2. Qual é o valor que figura hoje como teto retributivo unificado?

3. Qual é a distinção teórica entre isonomia, paridade, equiparação e vinculação?

Vamos estudar uma de cada vez:

1. Quem recebe subsídio e quem não recebe subsídio? Nós podemos dizer que o subsídio é próprio, mas não exclusivo dos agentes políticos. Isso está previsto nos seguintes artigos da Constituição Federal:

Artigo 39, § 4º, parte inicial:

O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Então, faz menção a Chefe do Poder Executivo e seus auxiliares diretos (ou seja, Presidente e Ministros; Governador e Secretários; Prefeito e Secretários), membros das Casas Legislativas (ou seja, Senador, Deputado Federal ou Vereador).

Artigo 73, § 3º:

Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40.

Então, os Membros dos Tribunais de Contas percebem subsídios. Nós vimos que, pelo menos sob uma ótica ampliativa, eles são agentes políticos.

Artigo 95, III:

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Irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

Então, os membros da Magistratura (Ministros, Desembargadores e Juízes) percebem subsídios.

Artigo 128, § 5º, I, ‘c’:

c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I;

Ou seja, os membros do Ministério Público.

Por fim, o art. 135:

Art. 135. Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas nas Seções II e III deste Capítulo serão remunerados na forma do art. 39, § 4º.

Ou seja, membros das Procuradorias Constitucionais (AGU, PGE ou PGM) e Defensoria Pública também percebem subsídios.

Agora, a Constituição tem uma norma que criou uma exceção à regra. É o art. 144, § 9º: “a remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39”.

Por qualquer teoria que se olhe a questão, os agentes policiais não se enquadram no conceito de agentes políticos.

Então, essa norma do art. 144, § 9º da Constituição impede que afirmemos que o subsídio é exclusivo dos agentes políticos. É por isso que dissemos que o subsídio é próprio, adequado, aos agentes políticos, mas existe exceção.

E aí chegamos a uma segunda questão.

2. O que significa teto retributivo unificado? Podem perceber que a Constituição no art. 37, XI diz, textualmente, que o maior valor a ser percebido a título de subsídio é o subsídio mensal de Ministro do STF. É esse o teto retributivo unificado.

Nós acabamos com uma tradição de permitir tetos por poderes. Pelo menos em nível Federal o teto continua unificado.

Então, teto retributivo unificado significa que nenhum subsídio pode ser superior ao subsídio mensal de Ministro do STF.

Essa matéria é a que foi alterada pela Reforma Previdenciária. Três importante inovações foram feitas pela EC nº 41/2003. Então, é interessante colocar o seguinte: continua havendo o teto retributivo unificado. Esse teto retributivo unificado continua a ser o subsídio mensal de Ministro do STF.

Agora, sobre essa matéria a EC nº 41/2003 introduziu 3 alterações que podem ser perguntadas em prova:

A primeira seria a seguinte: essa EC manteve a unificação do teto em âmbito Federal, mas ela tripartiu o teto em âmbito Estadual e bipartiu em âmbito

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Municipal. Ou seja, em nível Estadual existem 3 tetos (os 3 Poderes do Estado). E em nível Municipal existem 2 tetos (os 2 Poderes do Município).

Inclusive, algumas inovações são de constitucionalidade duvidosa. Diz-se que o subsídio em nível Estadual e o subsídio em nível Municipal não pode ser superior a 90,25% do subsídio Federal. Isso é manifestamente inconstitucional, porque cria hierarquia entre Entidades Federativas e quebra a Federação. Está no art. 37, XI da Constituição Federal.

A segunda novidade – talvez a mais importante das três – seria quando à forma de fixação desse valor. Diz-se que teto retributivo unificado continua a ser o subsídio mensal de Ministro do STF. Ok. Só que antes da EC nº 41/2003, a fixação estava com base no art. 48, XV da Constituição, que dizia – na sua redação originária – que a lei que viesse a fixar esse subsídio seria uma lei ordinária, cujo projeto seria de iniciativa comum de 4 presidentes: o da República, o do Senado, o da Câmara dos Deputados e o do Supremo Tribunal Federal. Essa lei nunca foi feita.

Agora, tiraram essa matéria do art. 48, XV da Constituição e levaram para o art. 96, II, ‘b’.

b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver;

Esse artigo quer dizer o seguinte: o teto retributivo unificado continua a ser o subsídio mensal de Ministro do STF. Esse subsídio deve ser fixado por lei ordinária cujo projeto é de iniciativa reservada do STF (Presidente do STF).

Hoje em dia se aguarda essa lei, porque enquanto não for fixado o subsídio mensal do Ministro do STF, não tem como se implementar o sistema dos subsídios. Tudo acontece em cascata.

Uma terceira novidade – que me parece inconstitucional – é a impossibilidade de ser alegado direito adquirido contra essa EC nº 41/2003. Ex.: alguém percebe R$ 40.000,00 e o subsídio máximo é fixado em R$ 30.000,00, abatidos os tributos incidentes, caindo para uns R$ 23.000,00. Logo, aquela pessoa que percebia R$ 40.000,00 vai passar a perceber cerca de R$ 23.000,00. E vem a Emenda e diz que inadmissível alegação de direito adquirido contra Emenda à Constituição.

A melhor doutrina hoje entende que direito adquirido é alegável contra Emenda Constitucional, porque ela não é produto de Poder Constituinte Originário – que é ilimitado. É produto de Poder Constituinte Derivado – que é limitado. Portanto, deve ficar sujeito a limitações como o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Aliás, isso é perigoso, porque um Governador, por exemplo, pode encaminhar projeto de lei que fixa seus subsídios em dois mil reais. Se isso for aprovado, qualquer pessoa que perceba quanto quer que seja, passa a receber dois mil reais ou menos.

E aí? Existe direito adquirido contra emenda? Porque se você entender que existe direito adquirido contra emenda, o servidor público que percebe acima do teto hoje continuará recebendo o valor que tem. Agora, se você entender que não há direito adquirido contra emenda, o servidor público terá seu provimentos reduzidos ao teto.

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Temos duas correntes. A questão me parece tão clara que os dois maiores autores de Constitucional, que divergem em tudo, concordam aqui.

De um lado, temos os professores Manoel Gonçalves Ferreira Filho e José Afonso da Silva. Eles dizem que o seguinte: não há direito adquirido contra nova Constituição. Isso não se discute. Mas há direito adquirido contra reforma constitucional (ex.: emenda).

A fundamentação é a seguinte: contra nova Constituição não há direito adquirido, porque nova Constituição é produto de Poder Constituinte Originário. Uma das características desse poder constituinte é a ilimitação; ou seja, não é limitado, podendo disciplinar em qualquer sentido. Agora, existe direito adquirido contra reforma constitucional, porque a reforma constitucional é produto de Poder Constituinte Derivado, que não é caracterizado pela ilimitação, mas sim pela limitação. Existem limitações impostas ao Poder Constituinte Derivado Reformador. Nesse caso concreto, a limitação seria o art. 60, § 4º, inciso IV, c/c art. 5º, XXXVI da Constituição Federal que já estudamos. É a cláusula pétrea.

De outro lado, temos os professores de São Paulo: Celso Ribeiro Bastos e Min. Celso Mello. No Rio de Janeiro, temos os professores: Nagib Slaib Filho, Luiz Oliveira Castro Jungstedt e o Daniel Sarmento. Eles dizem o seguinte: não há direito adquirido contra nova Constituição (isso é unânime) e também não direito adquirido contra reforma constitucional.

A fundamentação é a seguinte: não se discute que isso é produto de Poder Constituinte Derivado Reformador, que está sujeito à limitações. A discussão se relaciona ao alcance da Garantia. A garantia existe, mas o art. 5º, XXXVI da Constituição Federal diz “a lei”. Então, eles sustentam que a garantia se dirige ao legislador ordinário e não ao Constituinte Derivado.

Vocês não vão encontrar jurisprudência do STF após a Constituição de 1988 em relação a esse tema. Agora, há 8 acórdãos do STF antes da Constituição. No STJ (após a Constituição de 1988, por evidência) há um acórdão do Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Todos esses acórdãos dizem que não há direito adquirido contra reforma constitucional. Essa deve ser a posição que o STF deve tomar e a votação deve ser por 8x3. Isso não é nenhuma previsão mágica. É que quando essa emenda tramitou no congresso, houve controle de constitucionalidade preventivo pela via de Mandado de Segurança impetrado por 4 deputados federais do PFL contra a PEC dessa emenda. O STF, por 8x3, entendeu que era constitucional. Votaram vencidos os ministros Celso Mello, o Carlos Ayres e o Marco Aurélio.

Agora, essa segunda posição (que sustenta não haver direito adquirido contra reforma constitucional) me parece atécnica e perigosa, pelo seguinte.

Em primeiro lugar, sobre a idéia de se entender que o art. 5º, XXXVI da Constituição Federal fala somente em “lei” teríamos a seguinte situação: num Estado em que o STF entende que não há decreto autônomo, nós poderíamos ter uma lei que não pode viola direitos adquiridos, mas um decreto poderia. Porque se essa garantia se dirige ao legislador, ela não alcança os outros; não alcança o constituinte e não alcança o administrador. Então, teríamos a seguinte situação absurda: a lei não pode violar direito adquirido, mas um Decreto que regulamenta a lei poderia. Se é lei, é lei só. Não pra mais e nem pra menos.

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Parece-me claro que quando a Constituição fala em “Lei”, se reporta à norma jurídica.

Em segundo lugar: pelo art. 5º, II da Constituição Federal as obrigações positivas e negativas só podem ser criadas em virtude de lei. Se temos Lei no inciso XXXVI, é LEI no art. 5º todo, inclusive no inciso II. Então, estamos discutindo uma emenda à Constituição que obriga fazer e não fazer. Por essa interpretação, só a Lei poderia fazê-lo.

Ora, quer dizer que Lei é Lei no art. 5º, XXXVI e no art. 5º, II não é? Não existe critério científico nisso.

Se você não cai nesta inconstitucionalidade, cairá naquela primeira.

Bom, a tendência do Supremo é que isso vai ser declarado constitucional.

3. O que significa isonomia, paridade, equiparação e vinculação?

Primeiro vamos separar duas figuras de cada lado: uma coisa é isonomia ou paridade. Outra coisa é equiparação ou vinculação.

Isonomia e Paridade: são aproximadas porque pressupõem igualdade ou similitude de atribuições. Logo, você só pode falar em isonomia ou paridade entre cargos que possuam atribuições iguais ou semelhantes.

Essa é a característica que aproxima as duas.

Agora, isonomia se dá entre cargos que pertencem ao mesmo poder do Estado. Então, quando você fala em isonomia, faz-se menção a uma igualdade retributiva entre cargos que possuem atribuições iguais ou semelhantes e pertencem ao mesmo Poder do Estado.

Por exemplo: Defensor Público e Procurador do Estado pertencem ao mesmo Poder (Executivo) e têm atribuições assemelhadas (advocacia pública). Então, pode haver isonomia entre eles.

Paridade é a mesma coisa, só que se dá entre poderes distintos. Então, paridade é igualdade retributiva entre cargos com atribuições iguais ou semelhantes que não pertençam ao mesmo Poder do Estado – que pertençam a Poderes diferentes.

Ex.: Procurador do Estado e Procurador da ALERJ têm atribuições iguais (procuradoria), mas pertencem a poderes diferentes. Procuradoria do Estado pertence ao Poder Executivo estadual e Procurador da ALERJ pertence ao Poder Legislativo estadual.

Ambos os institutos são permitidos. Ou seja, existe a possibilidade de isonomia e paridade. Antigamente, estava prevista no art. 39, § 1º da Constituição Federal:

A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.

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Hoje em dia não se faz mais menção a isso na Constituição. Então, na falta de norma específica, vocês podem fundamentar com o art. 5º, caput, que fala em isonomia.

Equiparação e Vinculação: pressupõem a diversidade das atribuições. Ou seja, os cargos comparados têm atribuições distintas.

Quando você fala em equiparação, leia-se relação de comparação horizontal entre cargos sem hierarquia (evidentemente com atribuições diferentes) para que seja mantida a mesma retribuição pecuniária.

Ex.: se você compara o cargo de juiz de direito com o de promotor de justiça, verá que são dois cargos com atribuições diferentes (até porque um exerce função judicante e outro exerce função ministerial), não existe nenhuma hierarquia entre eles. A equiparação sugere que ambos percebam a mesma retribuição pecuniária.

Agora, vinculação é uma relação de comparação vertical entre cargos com hierarquia (evidentemente com atribuições diferentes) para que seja mantida a mesma diferença retributiva entre eles.

Se eles têm hierarquia, é evidente que não vão perceber a mesma coisa. Por isso que você quer manter a mesma diferença que existe entre um e outro.

Ex.: o técnico judiciário não perceberá menos do que 10% do que um juiz de direito. Você vinculou uma carreira (técnico judiciário) a outra carreira (juiz), que tem hierarquia entre elas e atribuições diferentes. Vinculação é manter sempre essa diferença de 10% entre uma e outra.

Ambas são vedadas pela Constituição Federal. É o art. 37, XIII:

É vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;

Estou colocando isso porque pode ser questão de magistratura. Isso pode ser questão de Ministério Público, até porque o MP do Estado foi palco de dois acontecimentos em relação a isso.

Por exemplo: na Lei Orgânica do Ministério Público Estadual, havia menção textual de que o subsídio mensal dos membros do MP é equiparado aos subsídios dos membros da magistratura do Rio de Janeiro. Isso é manifestamente inconstitucional, porque é hipótese de equiparação...vedada pelo art. 37, XIII da Constituição. Houve Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF questionando isso, mas o processo foi extinto por perda de objeto, porque a norma foi revogada.

Agora, o MP do Estado aprovou uma lei que fala em isonomia entre ele e o MP Federal. Vamos parar e pensar o seguinte: aprovada essa lei, tudo leva a crer que os subsídios do MP do Estado vão disparar. Se há isonomia entre o MPE e o MPF, o Procurador-Geral de Justiça passa a perceber a mesma coisa que o PGR, que recebe 95% do subsídio dos ministros do STF. Como o teto estadual é aquele, o PGJ passa a perceber 90,25% do que percebe o ministro do STF.

Então, pensem comigo: a magistratura do Estado é dividida em 6 classes. Desembargador do Órgão Especial, Desembargador do Tribunal de Justiça, Juiz de Entrância Especial, Juiz de 3ª Entrância, Juiz de 2ª Entrância e Juiz de 1ª Entrância.

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O MPE só tem 3 classes: Procurador de Justiça, Promotor de Justiça e Promotor de Justiça Substituto. E a Lei Orgânica do Ministério Público Estadual diz que a diferença entre elas não pode ser maior do que 5%.

Então, queria dizer o seguinte: a partir de Janeiro os promotores de justiça do Rio de Janeiro – se titulares – passam a perceber 87,25% do que ganha o Ministro do STF.

Isso é possível porque é isonomia, entre órgãos que têm atribuições iguais (MPE e MPF).

A magistratura do Estado pretende fazer a isonomia com a magistratura federal.

Bom, vamos passar ao estudo da remuneração.

Remuneração: é espécie de retribuição pecuniária decomposta em vencimento e vantagens pecuniária.

Vencimento: parcela da remuneração fixada em lei e devida pelo exercício de cargo ou emprego público.

Vantagens pecuniárias: parcelas da remuneração acrescidas ao vencimento e devidas por fatos enumerados em lei.

Bom, que fatos são esses? A lei fala em adicional ou gratificação.

Adicional por tempo de serviço: está claro. É devido pelo tempo de serviço. Ex.: triênio, quadriênio, são tempos de serviço.

Adicional de função: é pago pela natureza da função prestada, que exige maiores conhecimentos teóricos ou práticos. Ex.: cargo em comissão exige maior conhecimento teórico ou prático, em regra. Então, vai dar ensejo ao adicional de função.

A diferença entre adicional e gratificação é aquele pode ser incorporável. Ou seja, pode ser o caso que, uma vez cessado o fato que deu ensejo ao pagamento dele, estabelecido um prazo que a lei fixa, ele vai ser incorporado definitivamente ao vencimento.

Ex.: pode ser que a lei diga algo assim: “toda pessoa que exercitar cargo em comissão durante 5 (cinco) anos, vai ter incorporado o adicional”. Então, você tem alguém que ficou 6 (seis) anos no cargo em comissão, mas não o exercita mais. Pelo fato de tê-lo exercitado por 5 anos tem direito de incorporar o valor. Gratificação de serviço: significa que ela é paga pelas condições da prestação do serviço, que são de onerosidade, insalubridade ou insegurança. Ex.: as diárias. Você é defensor público de uma comarca e acumula outra. Para que você acumule a outra, tem que pernoitar um dia lá. Vai ser paga a diária, porque existe a onerosidade.

Gratificação de pessoal: é paga pelas circunstâncias do pessoal. Ex.: ser formado; ter pós-graduação; ter mestrado; ter doutorado, etc. São características que justificam o pagamento de um valor.

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A grande característica da gratificação é que ela não é incorporável. Ou seja, cessado o fato que deu ensejo ao seu pagamento, cessa também o pagamento.

Qual é a grande questão prática hoje? É a questão da premiação em pecúnia por mérito especial, também conhecida como gratificação “bang-bang”, ou “faroeste”, etc.

Houve uma sucessão de decretos estaduais que permitiram isso. Vejam o Decreto Estadual nº 21.753/95, que prescrevia o seguinte: “fica permitida a instituição de premiação por mérito especial aos membros da polícia civil, polícia militar ou bombeiro militar que demonstrarem bravura no exercício das suas funções”.

Percebam o seguinte: não foi o decreto que instituiu o pagamento. Ele permitiu que fosse pago. Esse pagamento seria homologado em procedimento administrativo próprio.

Então, a partir desse decreto, todos os policiais civis, policiais militares ou bombeiros militares, que demonstrassem bravura, poderiam requerer em processo administrativo próprio o pagamento dessa premiação.

Com base nisso, diversos policiais civis, policiais militares ou bombeiros militares vieram a requerer a premiação em pecúnia por mérito especial.

Cinco anos depois, surgiu o Decreto Estadual nº 26.249/2000, extinguindo essa premiação em pecúnia por mérito especial, sob o fundamento de que o Estado não tinha recursos financeiros suficientes para implementar o pagamento.

Desde 2000, diversos policiais civis, policiais militares ou bombeiros militares começaram a entrar com ações judiciais requerendo a incorporação. Isso é cabível?

Antes de respondermos essa pergunta, é importante indagar: onde se enquadra a premiação em pecúnia por mérito especial, que é paga a título de bravura? Enquadra-se na gratificação de serviço.

Foi dito que serviço se paga por condições de prestação, neste caso, por tamanha insegurança que justificaria o pagamento. Então, temos uma gratificação de serviço e, por isso, teoricamente, não é incorporável.

Só que se você responder assim, levará um ZERO! Porque não foi assim que o TJ-RJ entendeu. Ninguém discute que isso é gratificação de serviço, que é pago a título de insegurança. Só que você não pode entender que a hipótese é de incorporação ou não. O Órgão Especial do TJ entendeu que se deveria falar em incorporação, mas sim em eficácia dos decretos.

Percebam que o primeiro decreto não determinou o pagamento. Ele permitiu que fosse pago em procedimento administrativo próprio. O segundo decreto fez cessar o pagamento. Foi violado um princípio básico do direito que é o da simetria das formas jurídicas: a mesma que concede é a forma que retira. A rigor, a questão não é de incorporação, mas sim de ineficácia do segundo decreto.

Essa premiação até poderia ser retirada, desde que por procedimento administrativo próprio, sendo até possível que o Estado invoque a insuficiência de recursos.

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Isso foi decidido no Mandado de Segurança nº 2002.004.00009, julgado em 19/08/2002, rel. Des. Sylvio Capanema de Souza:

Mandado de Segurança. Premiação concedida a policial militar, em pecúnia, por ato de bravura. Revogação pelo Decreto nº 26.249/00. Incorporação aos vencimentos. Pagamento de diferenças. Tendo sido concedida a gratificação em razão de fato passado, de bravura, só poderia ser ela revogada em razão de conduta inadequada do agraciado ou por ato justificado do Poder Executivo que não poderia se revestir de caráter genérico. A revogação, tal como ocorreu, fere direito adquirido do impetrante, a ser restaurado pela via mandamental. Segurança concedida, por maioria.

A rigor, o que estamos falando aqui é que existe devido processo legal administrativo.

Bom, o segundo tema de hoje é relativo à acumulação de cargos.

Acumulação remunerada de cargos.

A primeira coisa que devemos colocar: não existe acumulação de cargos. Existe acumulação remunerada de cargos.

E aí podemos dizer o seguinte: acumulação remunerada de cargos é possível, desde que preenchidos as hipóteses e presentes os requisitos constitucionais.

Então, vamos analisar a questão sob dois aspectos: quais são os requisitos? E, quais são as hipóteses?

Requisitos.

A Constituição traz os requisitos no art. 37, XVI. São dois: um seria a sujeição ao teto retributivo. O segundo seria a compatibilidade de horários.

Hipóteses.

A Constituição elenca 3 hipóteses. Uma seria o próprio art. 37, XVI:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou

científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais

de saúde, com profissões regulamentadas;

Outra seria a hipótese do art. 95, parágrafo único, inciso I:

Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou

função, salvo uma de magistério;

A última possibilidade está no art. 128, § 5º, II, ‘d’:146

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§ 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

II - as seguintes vedações:d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra

função pública, salvo uma de magistério;

É conveniente colocarmos duas observações complementares para fecharmos essa matéria:

1. Existe ou não a possibilidade de acumulação de remuneração com provento, ou acumulação de provento com provento?

2. Existe ou não a possibilidade de acumulação de cargos públicos, envolvendo cargos eletivos?

Vamos ver a primeira questão. Ex.: alguém pode ser ativo em um cargo e inativo no outro, ou inativo em dois cargos? Pode. Qual é o critério que o Supremo dá? Desde que os cargos sejam em atividades acumuláveis.

O STF nem faz menção à forma de pagamento; se é Estadual, ou se é Federal. Aqui no Rio de Janeiro há uma grande preocupação em saber se eles são acumuláveis na mesma fonte de custeio.

Então, o único TJ do país que admite que o juiz aposentado exerça também o cargo de outro juiz em outro Estado é o Rio de Janeiro, porque entende que as fontes de custeio são diferentes.

Agora, vamos ver a segunda questão: existe a possibilidade de acumulação de cargos públicos, envolvendo cargos eletivos? Essa matéria está prevista no art. 38 da Constituição Federal.

Podemos separar 3 hipóteses. Uma seria a de acumulação de cargo público eletivo federal ou estadual. Outra seria a de cargo público eletivo municipal com o de prefeito. E outra seria a de cargo público eletivo com vereador.

Bom, se a hipótese for de cargo público eletivo federal ou estadual, em qualquer hipótese a Constituição obriga o afastamento temporário. Ex.: alguém é servidor público federal e é eleito deputado estadual. Ele deve ser obrigatoriamente afastado do serviço público federal e assumir o cargo de deputado estadual, percebendo o valor correspondente ao cargo eletivo dele.

Ex.: se alguém for servidor público municipal, eleito deputado federal, será afastado do serviço municipal e perceberá o valor correspondente ao cargo eletivo federal.

Se a hipótese for de cargo público eletivo municipal de prefeito existe a mesma regra: afastamento temporário. Mas para o Prefeito, existe a possibilidade de opção de remuneração. Ele fica afastado do cargo dele, mas opta pela remuneração do cargo que ele é titula ou do cargo de prefeio.

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Ex.: o Prefeito de São Gonçalo é médico estadual. Ele foi afastado do cargo de médico e assumiu a prefeitura. Ele teve a possibilidade de optar entre a remuneração de prefeito ou a de médico estadual.

Agora, se for cargo público eletivo municipal de vereador deve ser feita a seguinte distinção: existe a compatibilidade entre seus horários ou não? Se não houver compatibilidade, a regra é igual a do prefeito, ou seja, ele fica afastado do cargo, mas tem a possibilidade de optar entre a remuneração de vereador ou de seu cargo.

Agora, se houver compatibilidade de horários ele acumula os dois, mas fica sujeito ao teto. Ou seja, ele acumula os dois, mas o somatório deles não pode ser superior ao teto retributivo unificado.

Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições:

I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;

II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;

III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;

Bom, para encerrarmos servidor público, vamos estudar Previdência Social.

Previdência social.

Previdência é um termo que hoje admite dois sentidos: previdência social e previdência privada.

Se for previdência social se subdivide em regime próprio e regime geral

Se for previdência privada se subdivide em regime aberto e regime fechado, conforme exista abertura do capital social ou não. Por isso que alguns falam em previdência complementar.

A previdência social está prevista no art. 40 e 202 da Constituição Federal:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de

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previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

A previdência privada está prevista no art. 202 da Constituição Federal:

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

Bom, a previdência social será aquela organizada e instituída pelo Estado. Já a previdência privada (particular) é aquela organizada pela iniciativa privada. Isso é matéria de direito empresarial.

Cabe a nós estudarmos a previdência social. O grande macete é o seguinte: se for regime próprio ele se aplica a servidor público que ocupa cargo efetivo.

Agora, o regime geral fica sujeito a 4 possibilidades: servidor público de cargo em comissão, empregado público, contratado e trabalhadores em geral.

O regime próprio da previdência social, em nível federal, está previsto na Lei nº 8.112/90 e a Lei nº 6.880/80. A primeira diz respeito aos servidores públicos civis e a segunda trata dos servidores públicos militares. O Estado terá seu estatuto, bem como o Município.

O regime geral da previdência social está previsto na Lei nº 8.113/90 e tem caráter subsidiário. Ou seja, às Entidades Federativas que não tiverem regime próprio e as Entidades Federativas que tiverem regime próprio lacunoso, aplica-se, no que couber, esse regime geral.

Fim da aula 15.

Aula nº 16. Improbidade administrativa.

Tendo em vista que os concursos têm perguntado muito sobre isso, nós vamos passar cerca de uma aula e meia falando sobre o tema.

Qual é a fundamentação constitucional e legal para o tema?

Fundamentação constitucional.

Está no art. 15, V da Constituição Federal. Vocês podem perceber que esse artigo trata de suspensão dos direitos políticos.

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

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E também temos o art. 37, § 4º da Constituição Federal:

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Fundamentação legal.

Está na Lei nº 8.429/92.

Conceito: ato revestido de natureza cível e tipificado em lei ordinária federal que viole, direta ou indiretamente, princípio constitucional ou legal da Administração Pública, ainda que não importe em enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário.

A partir desse conceito podemos começar a tirar as questões pertinentes.

Em primeiro lugar, foi dito aí no conceito que é um “ato revestido de natureza cível e tipificado em lei ordinária federal”. Isso indica as duas características fundamentais da improbidade administrativa.

Natureza cível do ato. Ou seja, improbidade administrativa é ilícito civil. Não se confunde com ilícitos assemelhados.

Outra coisa é crime comum, que é ilícito penal. É estudado pelo direito penal.

E outra coisa é crime de responsabilidade, que é ilícito político-administrativo. É estudado pelo direito constitucional (impeachment).

Então, você pode encontrar no mesmo ato os três ilícitos, mas ainda assim serão 3 ilícitos diferentes, perseguidos em ações próprias.

Ex.: a Governadora do Estado do Rio de Janeiro deixa de cumprir uma decisão judicial contra o Estado. Esse descumprimento de decisão judicial pelo chefe do Poder Executivo é típico exemplo de um ilícito que, ao mesmo tempo, configura crime de responsabilidade, crime comum e improbidade administrativa.

Por quê? Nós colocamos que a improbidade administrativa decorre de simples violação de princípio constitucional ou legal da Administração Pública. Um dos princípios constitucionais dela é a chamada legalidade administrativa. Quando você descumpre dolosamente uma decisão judicial, se atenta contra a legalidade. Então, isso é improbidade administrativa.

É crime comum, porque o Código Penal aponta isso.

E é crime de responsabilidade, porque a Constituição Federal tipifica o fato no art. 85, inciso VII:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Então, vejam que no mesmo ato podemos ter 3 ilícitos e ainda que no mesmo ato se configurem 3 ilícitos, serão 3 ações próprias.

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Tipificação em lei ordinária federal: é a Lei nº 8.429/92.

Sobre essa característica, devemos dizer o seguinte: é tipificado em lei ordinária federal, ainda que em tipo aberto. Isso porque esse tipo não é penal e assim não temos os mesmo rigores de uma norma penal.

Outra consideração importante é a seguinte: “mesmo com enumeração exemplificativa”. Vamos verificar agora que a Lei nº 8.429/92 exemplificou condutas que configuram improbidade administrativa, mas se forem encontradas outras que violem princípios da Administração Pública, também se configurará improbidade administrativa.

Bom, qual é a melhor maneira de estudar improbidade administrativa? Com o conceito em mente, vamos dividir nosso estudo em duas partes: uma relativa ao direito material e outra relativa ao direito processual.

O melhor livro sobre improbidade administrativa hoje em dia é, disparado, o do prof. Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (Improbidade Administrativa. Editora Lúmen Júris, 2004). Esse livro é muito completo, mas não é para ser lido para concurso.

Um bom texto resumido que trata de improbidade administrativa é o do Alexandre de Moraes (Direito Constitucional Administrativo. Ed. Atlas). São vários textos dele sobre direito. No último capítulo ele trata de improbidade administrativa. Não é tão completo, mas é um custo-benefício melhor.

Aspecto material.

Sob esse enfoque, temos 4 temas importantes a serem estudados: sujeito ativo (de um ato de improbidade administrativa), sujeito passivo, tipificação da improbidade administrativa (alguns autores falam em tipologia ou classificação) e, por fim, as sanções cominadas.

Sujeito ativo.

A Lei nº 8.429/92, no art. 2º conceitua e descreve quem são os sujeitos ativos viáveis numa improbidade administrativa:

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Agora, a doutrina tem feito uma distinção quanto ao sujeito ativo entre improbidade própria e improbidade imprópria. Por que essa distinção tem a ver com o sujeito ativo? Sempre que se fala em improbidade imprópria, o ato está sendo imputado ao agente público. Quando eventual acusação não for dirigida a agente público, mas sim contra um particular. Em outras palavras quando figurar como co-autor, partícipe ou beneficiário do ato um certo particular, nós temos improbidade imprópria.

Ex.: o caso do Paulo Maluf é um ótimo exemplo de improbidade própria e imprópria, porque figuram na ação – como réus: ele, sua esposa e seus 4 filhos.

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Logo, em relação a ele é improbidade imprópria. Agora, em relação a sua esposa e filhos, temos improbidade imprópria, porque não são e não foram agentes públicos.

Bom, vamos fazer uma nota importante aqui: esse artigo 2º é uma norma de extensão no direito administrativo, para efeitos de improbidade (como no Direito Penal). Com isso em mente, assim como esse art. 2º é exemplo de norma de extensão para fins de improbidade, temos exemplo de norma de extensão no Direito Penal (obviamente não é para fins de improbidade administrativa) para fins de crimes comuns. É a norma do art. 327 do Código Penal, que diz, em outras palavras: os crimes funcionais podem ser praticados também por pessoas que não são servidores públicos.

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Sujeito passivo.

Está previsto no art. 1º da Lei nº 8.429/92:

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Podem perceber que esse art. 1º faz menção a 5 (cinco) possíveis sujeitos passivos. Dois são claros, mas 3 a lei estendeu de certo modo.

O primeiro sujeito passivo evidente são os órgãos da Administração Pública Direta: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

O segundo sujeito passivo também é claro: entidades da Administração Pública Indireta.

O terceiro sujeito passivo seriam as empresas incorporadas ao patrimônio público.

O quarto sujeito passivo seriam as empresas que recebam recursos financeiros do Estado.

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O quinto sujeito passivo seriam as empresas para cuja constituição ou conservação o Estado tenha contribuído com, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento)

Todas essas podem ser vítimas do ato de improbidade administrativa.

Bom, aqui temos que fazer uma nota interessante. Quase toda prova do MP, quando o tema sorteado é este, vem sempre a mesma pergunta: existe improbidade administrativa no 3º setor?

Nós já vimos que o 1º Setor é formado pela Administração Pública Direta e Administração Pública Indireta. O 2º Setor é formado pelas entidades delegatárias formada pelas concessionárias e permissionárias. E as entidades intermédias de cooperação ou colaboração formam o 3º Setor.

E aí: existe improbidade administrativa no 3º setor? Ou seja, essas organizações não-governamentais – entidades intermédias – que formam o 3º Setor podem ser vítimas de improbidade administrativa? Sim.

Podem por quê? Justamente elas formam o 3º Setor porque recebem recursos financeiros do Estado. Como nós vimos, aquele pacto firmado entre elas e o Estado, faz com que sejam destinatárias de recursos financeiros ou humanos do Estado. Se elas recebem recursos financeiros do Estado elas podem ser sujeito passivo de ato de improbidade administrativa.

Classificação dos atos de improbidade administrativa.

Essa classificação está colocada no conceito:

1)Atos que impliquem em enriquecimento ilícito (art. 9 da Lei nº 8.429/92);

2)Atos que importem em prejuízo ao erário (art. 10 da Lei nº 8.429/92);

3)Atos que violem princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei nº 8.429/92).

Como vamos estudar isso? Primeiro vamos ver os pressupostos de cada ato. E em segundo lugar, vamos colocar uma nota ou ver uma questão jurisprudencial importante sobre cada um deles.

Atos que impliquem em enriquecimento ilícito (art. 9 da Lei nº 8.429/92)

Para que seja configurado um ato desse, é importante colocar que existem 3 pressupostos cumulativos.

1)Conduta dolosa;

2)Enriquecimento ilícito (também chamada de vantagem patrimonial indevida);

3)Nexo de oficialidade, que significa que o ato de improbidade administrativa foi praticado durante o exercício de função pública.

Bom, é fácil para aquele que acusa alguém de improbidade administrativa demonstrar a desproporção patrimonial, mas é difícil você conseguir identificar o

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ato que a causou. Então, a questão que se coloca na jurisprudência é a seguinte: o ônus da prova está satisfeito com a simples demonstração da desproporção patrimonial ou tem que provar os três pressupostos (dolo, vantagem patrimonial indevida e nexo de oficialidade)? Quando se considera satisfeito o ônus da prova?

Vamos imaginar a seguinte questão prática: você é promotor de justiça e promove uma certa ação em que você imputa a improbidade administrativa a alguém. Você só consegue demonstrar que existe uma desproporção claríssima entre a renda que a pessoa tem e o patrimônio dela.

Ex.: existe um certo agente público que percebe R$ 10.000,00 (dez mil reais) por mês, mas seu patrimônio é avaliado em cinqüenta milhões de dólares.

Ou seja, você não identificou o ato. Só provou que existe a desproporção.

O juiz condena essa pessoa por improbidade administrativa ou não? Em outras palavras: está satisfeito o ônus da prova?

Temos duas posições:

Wallace Martins Paiva Junior: o ônus da prova está satisfeito com a demonstração pura e simples da desproporção patrimonial.

Alexandre de Moraes: deve haver demonstração cabal dos três pressupostos. Ou seja, quando o MP promove a ação, tem que demonstrar a conduta dolosa, a vantagem patrimonial indevida e o nexo de oficialidade.

A jurisprudência do STF e do STJ segue essa última posição.

Não digam isto em prova, mas a jurisprudência está absolutamente equivocada. Estão exigindo justa causa quando a ação não é penal. A justa causa é uma condição específica para o regular exercício do direito de ação penal, só que a ação de improbidade administrativa não tem natureza criminal, mas sim cível.

Logo, parece mais lógico que a parte que acusa pudesse deflagrar a ação com indícios de prova, cabendo à parte que é acusada demonstrar que o fato decorreu de outro fator. Até porque que aquele que faz a acusação já parte do pressuposto de que o ato se presume legal e legítimo.

Atos que importem em prejuízo ao erário (art. 10 da Lei nº 8.429/92)

Evitem o pleonasmo de falar “Erário Público”. O erário sempre é público.

Quais são os 3 pressupostos?

1)Conduta dolosa ou culposa;

2)Prejuízo ao erário (lesão ao patrimônio público);

3)Nexo de oficialidade.

Nós fizemos menção a erário, que significa patrimônio público. Bom, a grande questão em jurisprudência sobre essa matéria é a seguinte: erário significa patrimônio público financeiro ou qualquer patrimônio público?

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Até porque o patrimônio público não está restrito ao patrimônio financeiro. Existe patrimônio turístico, estético artístico, histórico, etc.

Esse patrimônio é só o financeiro ou é também toda a gama de patrimônios possíveis?

Ex.: existe uma Ação Civil Pública proposta pelo MPF em face da Governadora do Estado do Rio de Janeiro, visando condená-la por lesões causadas ao patrimônio turístico do Rio de Janeiro. Aquelas câmeras escondidas que pegaram o arrastão no Leblon, somado a outras provas fez com que se formasse a convicção do MPF de que uma possível omissão dela teria causado lesão ao patrimônio turístico do Rio de Janeiro. Não foi imputada a improbidade administrativa a ela, mas seria possível?

Teríamos um ato culposo, que gera lesão ao patrimônio turístico do Estado...e que há o nexo de oficialidade, porque deixou de atuar durante função pública.

Outro exemplo: o Prefeito do Rio de Janeiro criou a chamada APAC (Áreas de proteção cultural e artístico do Rio de Janeiro). O fato de ele ter criado a APAC, excluído alguns bens pode ter lesado o patrimônio cultural do Município. Ele poderia ser acusado de improbidade administrativa, ao argumento de que o ato, pelo menos culposo, quando excluiu algumas áreas lesou o patrimônio cultural do Município?

Em última análise, se pergunta o seguinte: só existe improbidade administrativa quando se lesa o patrimônio financeiro ou quando se lesa qualquer tipo de patrimônio do Estado/Município, inclusive turístico, como no 1º exemplo, ou cultural, como no 2º exemplo.

Aqui temos duas posições:

Fernando Rodrigues Martins: o bem jurídico lesado ou ameaçado é o patrimônio financeiro. Então, nesses dois exemplos citados não seria possível a imputação de improbidade administrativa, porque o patrimônio lesado ou ameaçado não era financeiro.

Emerson Garcia: é possível haver improbidade administrativa por lesão ao patrimônio público de qualquer natureza. Ou seja, o turístico, cultural, artístico, financeiro, estético, histórico, etc. Em outras palavras, não é só o patrimônio material, mas também o imaterial.

A jurisprudência é muito incipiente quanto a isso, mas já existem decisões no STJ admitindo improbidade administrativa por lesão a patrimônio que não é financeiro5.

Atos que violem princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei nº 8.429/92)

5 Recurso Especial nº 287728-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Órgão Julgador: 2ª Turma, Data do Julgamento: 02/09/2004, Data da Publicação: DJ 29.11.2004 p. 272, REPDJ 17.12.2004 p. 473. EMENTA: ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE – LICITAÇÃO - IRREGULARIDADE - CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO SEM OBSERVÂNCIA DAS NORMAS ADMINISTRATIVAS PERTINENTES - LEI 8.429/92 - IMPOSIÇÃO DE PENA.1. Para a configuração do ato de improbidade não se exige que tenha havido dano ou prejuízo material, restando alcançados os danos imateriais. 2. Não havendo diferença no procedimento dos réus partícipes dos atos de improbidade, desnecessária a individualização das sanções. 3. Constatação de que as irregularidades foram cometidas para anular a concorrência e levar a uma modalidade inadequada de licitação. Configuração objetiva do ato de improbidade, independentemente de dolo ou culpa. 4. Correta a imputação da pena de perda de direitos políticos, a teor do art. 12, III da Lei 8.429/92. 5. Recursos especiais improvidos.

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1)Conduta dolosa;

2)Violação direta ou indireta de princípios constitucionais ou legais da Administração Pública;

3)Nexo de oficialidade.

Aluna: ...

Prof.: isso não está previsto em lei. Essa ação de patrimônio público é uma ação de estado, porque versa sobre a tutela do patrimônio público e por isso é imprescritível. Então, ela tem duas características: uma material e outra processual. A peculiaridade material é o fato de poder ser culposa. A peculiaridade processual é a de ser a única imprescritível.

Isso tem importância, porque os prazos de prescrição variam de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Quando se imputa lesão ao erário, não há prazo algum.

A nota importante a ser colocada sobre esse tipo de improbidade é a seguinte: alguns autores afirmam que esse tipo configura a chamada “cláusula de abertura”. O que significa isso?

Podem perceber que se vocês não conseguirem tipificar o ato no art. 9 ou no art. 10, vocês vão conseguir tipificá-lo no art. 11. Então, esse artigo 11 é uma cláusula de abertura; uma válvula de escape.

Na prática, os inquéritos civis são instaurados com base nele, porque ainda não se sabe se houve lesão ao erário ou enriquecimento ilícito.

Bom, aí foram colocadas os tipos de improbidade administrativa.

O último tema a ser estudado são as sanções cabíveis.

Sanções.

Agora vamos verificar o art. 37, § 4º da Constituição Federal:

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

A própria Constituição deixa claro que essa ação não é penal. Se fosse penal seria necessária a parte final “sem prejuízo da ação penal cabível”.

Bom, vocês podem perceber que se faz menção a 4 institutos: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário.

É importante colocar que embora se faça menção a esses 3 institutos, apenas 3 deles são sanções, porque indisponibilidade dos bens é cautelar. Ou seja, durante a ação de improbidade administrativa existe a possibilidade de uma cautelar típica, que é a indisponibilidade dos bens. Isso pode ser pedido incidentalmente ou até autonomamente antes da ação.

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Percebam que nenhuma delas se confunde com as sanções tipificadas para o impeachment. Porque as sanções de impeachment, no crime de responsabilidade, estão previstas no art. 52, parágrafo único da Constituição Federal:

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Ou seja, crime de responsabilidade, perseguido em ação de impeachment só gera essas duas sanções: perda do cargo e inabilitação por oito anos para o exercício de função pública.

Não são as mesmas sanções. Na improbidade administrativa se diz “suspensão dos direitos políticos” (ativos e passivos). Aqui só se fala em direito político passivo, ou seja, ser votado. Mas não engloba o direito político ativo: votar.

Qual é a outra consideração importante a se fazer? O texto do art. 37, § 4º diz “na forma e gradação previstas em lei”. É unânime em doutrina a idéia de que existe a possibilidade de serem criadas outras sanções por lei.

Vejam que o art. 12 da Lei nº 8.429/92 prescreve diversas sanções que não estão previstas na Constituição. Isso não é inconstitucional, até porque a Constituição prevê uma enumeração mínima de sanções. Quando ela abre a oportunidade de se implementar na “forma da lei” ela quer dizer que é possível a criação de novas sanções.

Ex.: multa civil (art. 12, II); proibição de contratar com o Poder Público (art. 12, III).

E aí se diz depois “gradação previstas em lei”. Significa que o juiz – autoridade judicial competente – pode graduar a sanção, tanto sob um prisma quantitativo, quanto sob um prisma qualitativo.

Quando se propõe a ação a parte autora deve descrever quais são as sanções que pretendem ver o acusado condenado. Até porque numa ação penal, você só postula a condenação. Mas numa ação civil de improbidade administrativa, você deve descrever quais são as sanções pretendidas. E aí vem a Constituição e diz que essa autoridade judicial pode graduar a sanção qualitativa e quantitativamente.

Por que qualitativo? Porque o juiz escolhe quais são as sanções. Dado um pedido de condenação em 7 sanções, o juiz pode condenar o réu em 7, 6, 5, 2, 1 ou nenhuma delas. O que ele não pode é condenar em 8 ou 9, porque nesse caso seria julgamento ultra petita.

Por que quantitativo? Porque ele vai indicar em quanto a pessoa vai ser condenada. Por exemplo: ressarcimento ao erário. Deve ser indicado quanto o condenado deverá ressarcir.

Bom, essas são as sanções cabíveis, com essas considerações. Assim, fechamos a parte de direito material.

Aspecto processual.

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Essa parte é muito complexa porque poucos autores escrevem sobre o tema. E por ser fronteiriça entre Direito Administrativo, Direito Constitucional e Direito Processual Civil, acaba sendo esquecida.

Temos 6 temas importantes para examinarmos, com grande atenção aos temas 1 e 4.

1) Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa

É quase certo que essa questão vai ser feita. A dúvida colocada aqui é a seguinte: a ação de improbidade administrativa é uma Ação Civil Pública ou uma ação típica?

Se você entender que é uma Ação Civil Pública, você dá a ela o rito específico da Ação Civil Pública e permite que seja aplicada a essa ação a Lei nº 7.347/85. Do contrário, você aplica o Código de Processo Civil.

Temos duas posições muito claras. A primeira é isolada:

José dos Santos Carvalho Filho: entende que a ação de improbidade administrativa não é uma Ação Civil Pública. Isso está no livro dele sobre Ação Civil Pública. Ele fundamenta isso com o art. 17 da Lei nº 8.429/92.

Por que ele coloca isso? Porque esse artigo foi alterado pelas Medidas Provisórias nº 2.180-34/2001 e 2.245-45/2001 (§§ 5º ao 12) e faz menção ao que os autores chamam de “resposta prévia”. Ou seja, proposta a ação, não pode o juiz ordenar citação. Ele deve intimar aquela pessoa que figura como demanda para que ela forneça informações. Uma vez prestadas as informações, ou ele recebe a petição inicial e cita o demandado ou a rejeita.

§ 7º. Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias. (Vide Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 8º. Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (Vide Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 9º. Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação. (Vide Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito. (Vide Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

Isso lembra a ação penal por crime funcional. Aliás, isso pode configurar uma situação esdrúxula em que se tem a extinção do processo sem julgamento do mérito, sem que exista processo propriamente dito. Ora, o processo só se formaliza com a citação do réu. Nesse caso, ele não é citado e por isso sequer existe processo.

Então, diz o professor Carvalho que Ação Civil Pública tem procedimento ordinário e a ação de improbidade administrativa tem procedimento especial. Se

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tem procedimento especial e não pode correr pelo procedimento ordinário é porque não pode ser Ação Civil Pública. É uma ação própria.

Temos uma segunda posição, que é majoritária.

Rogério Pacheco Alves: a ação de improbidade administrativa é uma Ação Civil Pública. O fundamento dessa posição é constitucional. É o art. 129, III da Constituição Federal:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

Diz ele: qualquer ação do MP que vise proteger o patrimônio público e social tem que ser a Ação Civil Pública. E a ação de improbidade administrativa tutela o patrimônio publico ou o social.

Embora ele não chegue a colocar isso, nós podemos acrescentar o seguinte: o fato de ter a resposta prévia não tem o condão de tirar a possibilidade de ser uma Ação Civil Pública, por uma questão muito simples. Se existe resposta prévia anterior à citação, não há processo. Se não há processo não se pode falar em procedimento especial.

Bom, como vocês vão colocar isso em prova hoje em dia? É certo que o prof. Carvalho é titular da banca de administrativo, mas a posição institucional hoje do Ministério Público é no sentido de que é uma Ação Civil Pública. Fim de fita.

...agora, poderia colocar de lado que se aplica a Lei nº 7.347/85. Mas, sinceramente, só colocaria Ação Civil Pública se fosse peça civil pública. Se for uma questão teórica, você coloca as duas posições.

Então, todas as ações de improbidade administrativa no MP Estadual e Federal são Ações Civis Públicas. Na prática, essas Ações Civis Públicas de improbidade administrativa têm 3 particularidades:

Uma já foi dito: existe resposta prévia. Em uma Ação Civil Pública no rito ordinário você não tem resposta prévia. Aqui, no caso de improbidade, você teria. A questão é basicamente que se você imputar improbidade administrativa em sede da Ação Civil Pública, ao invés de citação, você tem a resposta prévia.

Outra diferença já apontada é pertinente às sanções. Ou seja, a ação de improbidade administrativa tem todas aquelas sanções cabíveis, que não são cabíveis numa Ação Civil Pública ordinária.

Além disso, temos uma peculiaridade, um detalhe, quanto à legitimação ativa. Vocês vão ver que a Ação Civil Pública tem 4 legitimados ativos: entidades políticas (União, Estado, Distrito Federal e Municípios), entidades administrativas (autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista), Ministério Público e Associação (desde que esteja constituída há um ano, etc).

No caso de improbidade administrativa, só temos dois legitimados ativos: Ministério Público e Pessoa Jurídica de Direito Público lesada. Então, percebam que se houver um ato lesivo ao patrimônio público estadual, só quem pode mover a

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Ação Civil Pública de improbidade administrativa é o MP e o Estado do Rio de Janeiro. As outras entidades políticas e entidades administrativas não podem.

Aluna: ....

Prof.: pode promover...agora há uma controvérsia se for questão de prejuízo ao erário estadual.. se ela poderia defender o réu. Agora, se for uma ação proposta pelo Estado do Rio de Janeiro pode.

Ex.: há um ato praticado contra o patrimônio do Estado do Rio de Janeiro. Essa ação pode ser proposta pelo MP do Estado ou pela Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, porque ela representa o Estado em juízo.

Agora, há uma controvérsia em SP se poderia a Procuradoria do Estado ou do Município defender o réu. Por exemplo: o MP de SP promoveu uma ação contra o Paulo Maluf, que atuou com o prefeito de SP. Poderia a Procuradoria do Município defendê-lo em juízo?

Aí é uma outra questão. Existe um autor só que diz ser possível. Parece-me ser evidente que não é possível. Até porque se é improbidade administrativa é porque ele atuou ultra vires e, portanto, não pode o represente judicial da entidade federal defendê-lo em juízo. Até porque não é ato da entidade. É ato dele. Logo, deve constituir advogado privado.

Aluna: ...

Prof.: não, porque a lei mesmo restringe. A lei diz que sendo Ação Civil Pública ou não, só quem pode promover ação de improbidade administrativa é o MP e a pessoa jurídica de direito público lesada.

Bom, vamos avançar para uma segunda questão: existe condição específica para o regular exercício da ação de improbidade administrativa? Ou existe alguma condição de procedibilidade?

Podemos dizer com toda tranqüilidade: não existe. A Ação Civil Pública não tem nenhuma condição específica. Logo, a ação de improbidade administrativa, por ser Ação Civil Pública, ressalvadas aquelas 3 observações que acabamos de ver, também não tem.

Sempre fazem a seguinte pergunta em prova oral: a aprovação ou rejeição das contas pelo Tribunal de Contas não é uma condição específica?

Vamos colocar de outra maneira: digamos que as contas do Governador do Estado sejam aprovadas. Pode ser proposta uma ação de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário quando a conta foi aprovada? Não.

Ex.: o Governador do Estado do Rio de Janeiro no ano passado (2004) teve suas contas aprovadas. Pode ser proposta uma Ação Civil Pública de enriquecimento ilícito por aquele exercício financeiro que foi aprovado? Sim e a razão é muito simples com base no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, ou seja, a inafastabilidade do controle judicial. Ainda que as contas tenham sido aprovadas, o controle judicial é inafastável. Logo a ação pode ser proposta.

Só tem um detalhe: se a conta foi aprovada, os conselheiros ou ministros do Tribunal de Contas são partícipes. Então são réus também.

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Bom, vamos seguir ordem lógica. Nós vimos que ação é; se existe alguma condição específica. Agora vamos ver tutela cautelar.

É possível uma tutela cautelar neste caso? Sim, inclusive já colocamos um exemplo: a indisponibilidade dos bens. Agora, podemos falar o seguinte: existem na lei 4 medidas cautelares típicas.

Já vimos a indisponibilidade dos bens que está no art. 7º da Lei nº 8.429/92.

O segundo exemplo seria o seqüestro dos bens. Está no art. 16, caput da Lei nº 8.429/92. Isso não é a mesma coisa que indisponibilidade dos bens.

O terceiro exemplo é o bloqueio de bens, contas e aplicações mantidas no exterior. Está no art. 16, § 2º da Lei nº 8.429/92.

O quarto exemplo é talvez hoje o mais atual. É o afastamento liminar de cargo ou emprego público. É o art. 20, parágrafo único:

A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

Tomem cuidado com isso. Houve um caso em Campos que o STF deu uma decisão equivocadíssima. O Min. Nelson Jobim entendeu que o afastamento liminar do cargo só pode se dar após o trânsito em julgado.

Ora, isso não é mais cautelar! Após o trânsito em julgado é a sanção de perda do cargo.

Naquele caso, seria muito mais fácil se ele tivesse dito que o afastamento liminar tem natureza cautelar, mas que não estavam presentes os pressupostos dela. Isso seria muito mais técnico.

Bom, para fecharmos essa questão vamos apontar uma coisa. Foi dito que a indisponibilidade dos bens é medida cautelar típica. Pode-se dizer que é raríssimo exemplo de medida cautelar típica constitucional.

Sempre que eu vejo perguntarem: me dê exemplo de cautelar constitucional. Todo mundo fala “cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade”, com base no art. 102, I, ‘p’ da Constituição Federal. Só que cautelar em ADI não é tutelar cautelar, mas sim tutela antecipada. Até porque ela suspende a eficácia da norma até que se julgue o mérito.

O caso de indisponibilidade dos bens sim é caso de cautelar na Constituição.

Se quiserem, o outro exemplo de cautelar na Constituição Federal está no impeachment, art. 86, § 1º, II:

§ 1º - O Presidente ficará suspenso de suas funções:II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do

processo pelo Senado Federal.

Então, quando o Senado instaura processo contra o presidente, por crime de responsabilidade, durante o impeachment ele também é afastado do cargo.

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Bom, com isso vimos os três pontos de natureza processual.

Na próxima aula vamos ver o principal ponto sobre improbidade administrativa, que é a competência.

Fim da aula 16.

Aula nº 17: Improbidade administrativa (continuação). Bens Públicos.

Bom, estávamos verificando improbidade administrativa. Já vimos a parte material e a processual.

Vamos começar a aula de hoje abordando uma das questões mais importantes sobre improbidade administrativa. Qual é a competência para o possível julgamento de uma ação como essa?

Existe ou não foro especial por prerrogativa de função para eventual julgamento dessa ação?

Essa questão está regida pelo art. 84, § 2º do CPP, com redação dada pela Lei nº 10.628/2002. É a chamada “Lei de Natal”, porque foi publicada em 24/12/2002.

De início já quero destacar o seguinte: nós vimos que improbidade administrativa é ilícito civil. E inseriram esse foro especial por prerrogativa de função no Código de Processo Penal.

§ 2º. A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.

Ou seja, todas as ações que versem sobre improbidade administrativa gozam de foro especial.

Ex.: se o Presidente da República é julgado no STF por crime comum, eventual ação de improbidade administrativa será também julgada no STF. Se o Governador do Estado responde, por crime comum, no STJ, uma eventual ação de improbidade administrativa também será julgada no STJ. E, se o Prefeito Municipal responde perante o TJ por crimes comuns, eventual ação de improbidade administrativa será julgada no TJ.

Essa norma estendeu o foro especial das ações penais para as ações de improbidade administrativa. Há uma dúvida quanto à constitucionalidade dessa norma, mas antes de entrarmos nessa questão, vamos passar por outro ponto.

Qual era o panorama brasileiro existente antes da Lei? O que se entendia antes da lei? Como o STF e o STJ se posicionavam quanto a isso? Depois de responder a essas indagações, nós podemos analisar a constitucionalidade da norma.

Muito antes da Lei nº 10.628/2002, já tínhamos duas posições no Brasil. E já havia jurisprudência sobre o tema. Em doutrina:

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Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra Martins: já tinham textos em que diziam que improbidade administrativa tinha foro especial. O grande argumento dos dois era: essa ação tem foro especial pela natureza da sanção. Ou seja, a sanção é tão drástica que justificaria o foro especial, que se utilizaria de maior prudência na hora da aplicação de eventual sanção.

Eles sempre foram criticados porque partiam “do fim para o início”. Nesse caso, não é a sanção que vai justificar o foro, mas sim o ato em si.

De outro lado, tínhamos:

Alexandre de Moraes e Fábio Konder Comparato: cada um tem um artigo sobre o tema. Entendem que não há foro especial, porque a natureza do ato não é ilícito criminal, mas sim ilícito de natureza cível.

O STF e o STJ já tinham se posicionado antes da lei, no sentido de que não havia foro. Tanto é que as ações de improbidade dirigidas a um foro especial eram inadmitidas.

Hoje a questão não é mais se existe foro ou não, até porque a lei indica que sim. A questão é: essa lei que estabeleceu o foro especial é constitucional?

E aí, quem entendia que havia foro especial antes da Lei nº 10.628/2002 diz hoje que a lei é constitucional. Agora, pra quem dizia que não havia foro especial, essa Lei é inconstitucional.

O que você vai responder em prova? Vai sustentar que a norma é manifestamente inconstitucional, porque há ADI pendente contra essa norma foi proposta pela AMB e pela CONAMP. Então, na Magistratura e no Ministério Público vocês podem sustentar sem problemas isso.

Só que essa lei conseguiu a façanha de ser formalmente inconstitucional e materialmente inconstitucional.

Por que é formalmente inconstitucional? Quais são os foros especiais admissíveis? STF, STJ, TRF´s e TJ´s. Todos eles dispõem de competência constitucional. Ou seja, a competência de todos os foros especiais admissíveis estão previstas na Constituição Federal ou na Constituição do Estado.

Por exemplo: em relação ao STF está no art. 102 da Constituição Federal. Em relação ao STJ está no art. 105 da Constituição Federal (aliás foram alteradas por essa Emenda 45 – reforma do judiciário). Em relação ao TRF está no art. 108 da Constituição Federal. Percebam os 3 primeiros foros têm competência firmada em norma constitucional federal.

Em relação ao último foro especial, pelo menos pela Constituição do Estado do Rio de Janeiro, temos o art. 161, que define competência do TJ do Rio de Janeiro.

Com isso, podemos dizer o seguinte: se as competências em relação aos foros especiais são previstas em normas constitucionais, federais ou estaduais, não podem ser ampliadas por lei ordinária federal. Esse foi o caso. No mínimo, se isso fosse válido, deveria ter sido feito por emenda à Constituição.

Então, há vício claro em relação à forma. Há ampliação de competência constitucional (federal ou estadual) por lei ordinária federal. Portanto, a forma é equivocada.

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Aliás, esse é o mesmo vício da Medida Provisória que estabelece que o Presidente do Banco Central tem foro no STF.

Bom, por que é materialmente inconstitucional? Por conta daquilo que já falamos. Ou seja, improbidade administrativa é ilícito civil. Está sendo confundida aqui como ilícito penal e ilícito político-administrativo. A Constituição Federal só atribuiu foro especial a ilícito penal – ou seja, crime comum – e a ilícito político-administrativo (crime de responsabilidade). Essa confusão é tão clara que uma norma sobre foro especial em ação cível (como é a de improbidade administrativa) está no Código de Processo Penal.

Qual deve ser a posição do STF sobre esse tema? Está pendente a ADI nº 2.797 no STF, rel. Sepúlveda Pertence. Nessa ADI a tendência é que essa norma seja declarada inconstitucional. O voto do relator foi, inclusive, no sentido da inconstitucionalidade da norma.

Além disso, o STF está formando a idéia (é uma reclamação pendente com 5x0 até agora) no sentido de que agente político não pratica improbidade; agente político pratica crime de responsabilidade (ou seja, não responderia por ação de improbidade, mas sim por impeachment).

Essa é uma posição muito ultrapassada, equivocada, mas o STF deve adotá-la, o que é pior do que aquela que temos agora de atribuir ao agente político foro especial. Porque nós estamos discutindo se aquele § 2º art. 84 do CPP é constitucional ou não, mas mesmo que nós entendamos que ele é constitucional, uma ação de improbidade vai correr em segunda instância. Agora, se passarmos a entender que o agente político não pratica improbidade, mas eventual responsabilidade, não vamos mais discutir se ele vai responder a processo judicial em 1ª ou 2ª instância. Seria o caso de ele responder por processo político. Então, as ações de improbidade que tramitem contra chefe do Poder Executivo serão extintas por impossibilidade jurídica do pedido superveniente, os autos seriam remetidos às Câmaras Municipais, Assembléias Legislativas ou à Câmara dos Deputados para que, a critério discricionário, seja instaurado o impeachment, ou não.

Deixamos de ter processos judiciais em 2ª instância e passamos a ter processos políticos. Repare o seguinte: nem todo agente político responde por impeachment. Esse só ocorre contra Chefe do Poder Executivo, Ministro do STF, AGU e PGE. Os demais saem impunes... Por improbidade administrativa, impeachment nem há. Mesmo em relação ao chefe do Poder Executivo há casos que não há possibilidade (inclusive) de impeachment. Basta ele ter deixado o cargo. Por ex.: Paulo Maluf pode responder agora por improbidade, porque a ação de improbidade em relação ao erário não tem prazo de prescrição. Como é uma ação imprescritível, ela pode ser proposta a qualquer tempo. Se o STF afirmar a posição de que ele não pode responder por improbidade e que vai ter que responder por impeachment, não se pode fazê-lo contra ex-membro do Poder. Só irá sobrar a Ação Penal se não estiver prescrita. É a posição que o STF deve tomar.

Visto isso, vamos ver a questão da legitimação ativa para a ação de improbidade administrativa. Nós já vimos isso na análise das questões processuais, mas vamos voltar para colocar a seguinte observação: a ação de improbidade administrativa tem dois legitimados ativos, quais seja, o Ministério Público e a Pessoa jurídica de direito público interessada.

Nas hipóteses em que a ação for proposta pelo Ministério Público, é obrigatório o pedido de intimação da Pessoa Jurídica interessada. Ou seja, se Pessoa

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Jurídica interessada propõe a ação, ela não precisa pedir a oitiva do MP, porque isso está previsto em lei. Agora, no caso de ação proposta pelo MP, deve ser feito pedido de intimação da Pessoa Jurídica interessada para que ela, querendo, integre a lide. Então, existe uma possibilidade de litisconsórcio ativo superveniente.

O último ponto a abordarmos em relação à improbidade administrativa é o conteúdo de uma sentença nessa matéria, que está todo previsto no art. 18 da Lei nº 8.429/92. Inclusive, vimos que não há obrigatoriedade do magistrado a aplicar todas as sanções.

Para encerrar, basta colocar que os prazos de prescrição se aplicam ao primeiro e ao último tipo de improbidade, ou seja, aquela que importe em enriquecimento ilícito e a que importe em violação de princípios administrativos. Mas os prazos de prescrição não se aplicam ao segundo tipo de improbidade, ou seja, aquele que importa em prejuízo ao erário.

Bom, gente, esse é o principal estudo hoje sobre improbidade administrativa.

Com isso, nós passamos para o penúltimo ponto de nosso curso, que é sobre os Bens Públicos.

Bens Públicos.

Antes de vermos um conceito, vamos ver qual é a fundamentação constitucional e legal deles.

Na Constituição vocês vão encontrar 4 dispositivos que tratam da matéria: art. 20 (bens da União), art. 26 (bens Estaduais), art. 176, caput (trata de intervenção do Estado no domínio econômico e faz menção a bens públicos) e, por fim, o art. 16, § 3º do ADCT.

A fundamentação legal estava no art. 166 do Código Civil antigo. No Código Civil de 2002 está entre os arts. 98 a 103.

Conceito: bens de qualquer natureza pertencentes a pessoas jurídicas de direito público que integrem a Administração Pública Direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ou a Administração Pública Indireta (Autarquias e Fundações Públicas), sob regime jurídico próprio.

Surge aqui uma das grandes questões sobre bens públicos. Nós já passamos por ela en passant. É a seguinte: ninguém discute que bens que pertençam à União, Estados, DF ou Municípios são bens públicos. E que os bens pertencentes às respectivas autarquias e fundações públicas são bens públicos.

Agora, a discussão que se tem hoje em dia é esta: bens que pertençam a Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mista são bens públicos?

Temos que considerar o seguinte: de um lado, Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mista são pessoas jurídicas de direito privado. Mas, de outro lado, são empresas que integram a Administração Pública Indireta.

Ou seja, aqui predomina o caráter de Pessoa Privada que indiciaria que o bem é particular? Ou aqui predomina o caráter de uma entidade administrativa, pertencente à Administração Pública Indireta, o que justificaria a colocação dela como bem público.

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Sobre essa questão, vocês vão encontrar duas posições muito claras:

Hely Lopes Meirelles e Toshio Mukai: bens pertencentes às Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista são bens públicos. Eles fundamentam isso com o fato de que é possível a reversão em favor da Administração Pública Direta instituidora.

Isso significa que caso uma Empresa Pública ou uma Sociedade de Economia Mista seja extinta, os bens que pertencem ao seu patrimônio revertem em favor da Administração Pública Direta que a instituiu.

Ex.: existe uma Empresa Pública ou Sociedade de Economia Mista federal. Se ela for extinta, os bens que pertencem a seu patrimônio revertem em favor da União. Existe uma Empresa Pública ou Sociedade de Economia Mista estadual. Se ela for extinta, os bens que pertencem a seu patrimônio revertem em favor do Estado que a instituiu. Existe uma Empresa Pública ou Sociedade de Economia Mista municipal. Se ela for extinta, os bens que pertencem a seu patrimônio revertem em favor do Município que a instituiu.

Então, dizem eles: se há reversão em favor da Administração Pública Direta instituidora em caso de extinção, é porque esses bens nunca deixaram de ser públicos. Tanto existe tal vínculo entre a Administração Pública Direta instituidora e a empresa que uma vez extinta, seus bens revertem em favor daquela.

Existe outra posição:

José dos Santos Carvalho Filho e Diógenes Gasparini: entendem que bens pertencentes às Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista são bens privados. Eles sustentam que esses bens não são impenhoráveis, característica inerente a todos os bens públicos.

Os bens que pertencem às Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista são penhoráveis por disposição legal. Logo, não podem ser bens públicos.

A atual jurisprudência do STF e do STJ é tranqüila no sentido de serem bens particulares.

Sinceramente, após o novo Código Civil não há mais espaço para discussão. O patrimônio das Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista é formado por bens particulares. O art. 98 deixa isso muito claro, estabelecendo: “são públicos todos os bens pertencentes a pessoa jurídica de direito público; os demais, a quem quer que pertençam, são considerados bens privados”.

Até aqui, vocês vão encontrar nos livros. O problema começa daqui em diante. Temos que fazer 3 notas importantes. A primeira seria a seguinte:

Qual foi o fundamento dado pela primeira posição? Existe reversão em favor da Administração Pública Direta.

Aí vocês podem ser perguntados em prova oral: mas isso não é suficiente para se justificar o caráter de bem público? Não. A reversão em favor da Administração Pública Direta instituidora, por si só, não tem o condão de atribuir ao bem o caráter público.

Isso se dá por motivo simples. A reversão sequer se dá por norma de direito público, mas sim de direito privado. Podem perceber que é um princípio de direito

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empresarial aquele segundo o qual em caso de extinção de uma sociedade, os bens que pertencem ao capital e o patrimônio dela são revertidos em favor do sócio na justa proporção da sua contribuição para a formação do capital.

Ora, a única diferença aqui é que o sócio é o Estado. Por isso é que o bem reverte em favor dele. Não é o caráter de público ou privado que faz com que o bem reverta. Isso ocorreria em qualquer empresa.

Uma segunda nota seria a seguinte: foi colocado que o fundamento da segunda posição foi no sentido de que existe a possibilidade de penhora. Essa possibilidade de penhora existe ainda que essa Empresa Pública ou Sociedade de Economia Mista seja afetada a serviço público.

Nós vimos que as Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mista têm dois objetos possíveis: ou elas prestam serviços públicos ou elas exploram atividade econômica. No caso de prestação de serviço público havia dúvida quanto à possibilidade de penhora de seus bens. Podemos dizer que é possível a penhora.

Só que aqui temos um problema. Temos um exemplo de ponderação de princípios de direito administrativo. De um lado, os bens são particulares e portanto penhoráveis. De outro lado, o serviço público tem que ser contínuo. Como vamos compatibilizar a penhorabilidade do bem particular com a continuidade do serviço público?

O STJ tem jurisprudência no sentido de ser possível a penhora, desde que vá até o limite que não prejudique a continuidade do serviço público. Desse limite em diante, responde, subsidiariamente, a Administração Pública Direta instituidora. Cuidado que isso não é solidariedade, que deve decorrer de lei.

Isso é claro exemplo de ponderação no direito administrativo. Houve a ponderação do caráter particular do bem com a característica contínua do serviço.

Como isso se dá na prática? Uma Empresa Pública Federal tem uma dívida de 200.000. Há prova de que ela pode responder sem comprometimento da continuidade do serviço público que ela presta até 50.000. Pelos 150.000 não pode. Se viesse a responder, teria prejuízo na própria prestação do serviço. Teremos execução por quantia certa contra devedor solvente, até porque ela não é insolvente ainda.

Pelo saldo remanescente, como se trata de Empresa Pública Federal, responde subsidiariamente a União. Nesse caso, responde por execução contra a Fazenda Pública. Deixa de haver penhora e passa a haver precatório. Justamente pelo caráter impenhorável dos bens públicos é que se justifica o precatório, porque não incide sobre o bem, mas sim sobre a dotação orçamentária.

A terceira e última consideração é a seguinte: vocês devem ter lido que haveria uma exceção à regra, que seriam os bens pertencentes à ECT – Empresa de Correios e Telégrafos, que seriam públicos. Isso é equivocado; são bens particulares como em qualquer Empresa Pública.

Só tem um detalhe: o STF nunca disse que os bens da ECT seriam públicos. Disse que seriam impenhoráveis. É outra questão. Isso se explica pelo seguinte motivo: sua lei orgânica, quando a instituiu, disciplinou que se estendiam a ela as prerrogativas da Fazenda Pública Federal. Em nenhum momento se disse que seus bens seriam públicos; apenas estenderam as prerrogativas da Fazenda Pública a ela, tais como a impenhorabilidade sobre bens.

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E por um equívoco do STF, tem-se que essa norma foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Entendeu isso porque a ECT atua em regime de monopólio. Isso não é verdade, tanto é que existem franquias. Além disso, existem outras empresas monopolistas que não têm o mesmo privilégio, como a Petrobrás. E a Constituição é muito clara no art. 173, § 1º da Constituição:

A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

Essas empresas privadas respondem via penhora por suas obrigações civis e mercantis. Se a sujeição é a mesma, não se justifica que a ECT – que exerce atividade privada – não tenha seus bens penhorados.

Classificação.

O novo Código Civil não alterou a classificação adotada antes. Assim, os bens públicos são classificados em: bens públicos de uso comum do povo, de uso especial e dominicais (ou dominiais).

Vamos primeiro conceituar cada um deles e depois retirar as questões decorrentes.

Bem de uso comum do povo: significa bem afetado por destinação natural, ou ato legislativo, ou ato administrativo, ao uso e fruição geral da coletividade.

Aliás, a partir deste momento em diante, sempre que falarmos em afetação, significa dizer: “atribuição de finalidade pública”. Logo, bem afetado é aquele em relação ao qual foi atribuída finalidade pública.

Ex.: mares, rios, lagos, são bens que, por destinação natural, estão afetados ao uso e fruição geral de todos.

Ex.: ruas, praças, vias, são bens que, por ato legislativo ou ato administrativo, estão afetados ao uso e fruição de todos.

Bens públicos de uso especial: são bens afetados por ato administrativo ou por ato legislativo à prestação de serviços públicos.

Ex.: os prédios e repartições públicas de quaisquer Poderes estão afetados por um ato legislativo ou administrativo à prestação de serviço público.

Bens dominicais (ou dominiais): são bens desafetados, ou seja, que não têm finalidade pública.

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Aqui a dificuldade está em achar exemplo. Temos pelo menos 4:

Terras devolutas: são terras que não têm fim algum.

Terrenos de marinha: vejam que não é “terreno da marinha”, mas sim “de”. A nossa legislação afirma que todas as terras que estão a 33m da linha de preamar médio de 1833 são terrenos de marinha.

Em outras palavras: em 1833 foi marcada uma linha e se disse que 33m a partir dessa, forma-se um terreno de marinha. São bens públicos federais que podem ser destinados ou não ao aforamento, que é como uma enfiteuse pública.

A orla marítima do Rio de Janeiro inteira está toda aforada, porque são bens públicos federais.

Temos mais dois exemplos:

Dívida ativa: para efeito legal ela é bem móvel;

Moeda: não tem finalidade pública, mas sim privada.

Bom, vamos examinar 3 questões decorrentes desses conceitos. Uma questão é sobre utilização do bem. Outra é sobre a possibilidade de alienação do bem. E a última questão é relacionada ao Registro Público dos bens imóveis.

1. Como se dá a utilização de um bem público de uso comum, de uso especial e dominical?

Quando estivermos tratando de um bem público de uso comum do povo, a utilização se dá por pessoas indeterminadas. Se é uma praia, um rio, uma via, etc. você não tem como determinar as pessoas que podem utilizar o bem.

Agora, podemos fazer 5 ressalvas que os livros não fazem.

Em primeiro lugar, a utilização se dá por pessoas indeterminadas independente de consentimento do Poder Público. Para que você ande na rua, use a praia, você não precisa de consentimento.

Em segundo e terceiro lugar: a utilização se dá por pessoas indeterminadas independente de consentimento do Poder Público, desde que em conformidade com a destinação física do bem e não lhe causando sobre carga invulgar.

Ex.: se quiserem construir uma arena esportiva na praia de Copacabana não é, naquele caso, a destinação física do bem. No caso da praia a destinação é o banho. Então, por ser uma utilização em desconformidade com a destinação física é necessário o consentimento do Poder Público (autorização de uso).

Se quiserem utilizar a praça para um Comício. Isso causa à praça uma sobrecarga invulgar sobre o bem. Existe uma intensificação no uso dele. Então é preciso autorização também.

Em quarto lugar: a utilização se dá por pessoas indeterminadas independente de consentimento do Poder Público, desde que em conformidade com a destinação física do bem e não lhe causando sobre carga invulgar, ainda que de modo remunerado.

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Acho que a Defensoria perguntou uma vez qual seria a natureza jurídica do Maracanã: se era bem público de uso comum do povo ou de uso especial, porque seu acesso era pago.

O Maracanã é bem público de uso comum do povo. O acesso não é gratuito, mas é indistinto.

Em quinto lugar: a utilização se dá por pessoas indeterminadas independente de consentimento do Poder Público, desde que em conformidade com a destinação física do bem e não lhe causando sobre carga invulgar, ainda que de modo remunerado, admitindo restrições por segurança ou higiene.

Aluna: como fica a questão da área de preservação ambiental? As restrições descritas na Lei nº 6.938...

Prof.: área de proteção ambiental continua sendo bem público de uso comum do povo. Você pode ter restrição no acesso à bem público de uso comum do povo, desde que essa restrição seja informada por questão de segurança ou questão de higiente.

Ex.: certos quartéis que ficam em praias são bens públicos de uso comum do povo. Mas o acesso ao bem está restringido por segurança. Ou seja, lá tem material bélico, armamentos que justificam a restrição do uso.

A mesma coisa se aplica à proteção ambiental. Você pode restringir acesso por questão de higiene. Você pode restringir o acesso a uma determinada praia, por exemplo, por estar poluída.

Logo, qualquer guarita ou cancela que restrinja o acesso a determinada via pública, não havendo questão indicada por lei de segurança ou higiene, é ilegal.

Aliás, isso configura crime e pode dar ensejo a habeas corpus, porque restringe o direito de ir, vir e ficar.

Bom, vamos ver a questão da utilização do bem público de uso especial. Podemos dizer que a utilização se dá por pessoas determinadas para a prestação do serviço.

Agora, o uso do bem público de uso especial pode ser restringido pelas condições para a prestação do serviço público.

Ex.: o TJ-RJ. Foram criadas várias restrições para o acesso a ele, porque se entendeu que elas atenderiam a condições de segurança necessárias para que o serviço público prestado no Fórum seja adequado e eficiente.

Entendeu o Tribunal entendeu que aquela restrição era adequada e oportuna. O que você vai poder discutir é a razoabilidade dessa restrição. Mas a existência, por si só, de restrição de acesso ao fórum é válida.

Por fim, vamos ver a questão da utilização do bem público dominicais ou dominiais. Aqui, podemos dizer que não há utilização, até porque não há finalidade pública nenhuma.

Na próxima aula continuamos este assunto.

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Fim da aula 17.

Aula nº 18: Bens Públicos (continuação).

Bom, nós já vimos uma das três questões importantes sobre os bens públicos. Vimos a questão da utilização.

Agora vamos ver a questão da alienação do bem.

Podemos começar dizendo que todos os bens públicos dominicais ou dominiais são alienáveis, porque não têm fim público. Agora, os bens públicos de uso comum do povo e os bens públicos de uso especial podem ser alienados, só que após a desafetação.

Nós vimos que afetação significa a atribuição de alguma finalidade pública. Nós tínhamos dito que pode decorrer de uma destinação natural, de um ato legislativo ou ato administrativo. É importante colocar que a desafetação decorre, em regra, pelo mesmo meio da afetação.

Ex.: um bem foi afetado por um ato administrativo, um decreto. Ele será desafetado também por um decreto. Se uma lei atribuía ao bem uma finalidade pública, ele também será desafetado por uma ato legislativo.

Agora, existe uma exceção que poucos livros falam. É a desafetação natural. Ou seja, pode ocorrer um evento natural que já, por si só, retire do bem o fim público que ele antes tinha, sendo despiciendo que depois surja um ato que declare que o bem não tenha mais finalidade pública.

Ex.: havia um certo prédio, afetado por decreto a um serviço público. Temos um bem público de uso especial. Digamos que esse prédio caia. É completamente impensável que surja um outro decreto e diga: “tendo em vista a queda do prédio, ele não tem mais finalidade pública”.

Ex.: havia uma praça que foi afetada por lei ao uso e fruição de todos. Temos um bem público de uso comum do povo. Digamos que sob essa praça passasse um cano de gás e, em determinado momento, esse cano de gás explodisse. É desnecessário que surja uma lei dizendo depois que essa praça não tem mais fim público.

Em qualquer caso, a partir do momento em que ele não tenha mais fim público, para que ele seja alienado são imprescindíveis três condições:

1. Demonstração de interesse público: até porque todo ato administrativo pressupõe isso.

2. Deve haver avaliação prévia: até porque essa avaliação prévia pode indicar qual é a terceira condição, que é o...

3. Procedimento licitatório: pode ser em certos casos dispensado, mas em regra, deve haver licitação.

Se for bem imóvel, ainda é preciso uma quarta condição:

4. Autorização legislativa.Com isso a gente afasta aquele dogma de que os bens público não são

alienáveis. Eles podem ser alienados sim, desde que observem essas condições.171

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Por fim, o terceiro tema a ser estudado hoje sobre a classificação dos bens públicos é a questão ligada ao registro público. Logicamente estamos tratando de bem imóvel. Até porque a transmissão de propriedade de um bem móvel decorre da mera tradição.

Foi questão da Defensoria Pública se os bens públicos são registrados ou não. Isso foi uma questão maldosa, porque vocês podem pegar todas as leis no Brasil (inclusive a 6.015/73) e não vão achar nada sobre o tema.

Isso é uma rara hipótese de fonte consuetudinária. Ou seja, é hipótese em que não figura como fonte do direito um costume (e não uma lei). Há um costume no Brasil hoje no sentido de que os bens públicos de uso comum do povo não são registrados. Até porque em certos casos há impossibilidade física. Agora, os bens públicos de uso especial e os bens públicos dominicais são registrados.

Ex.: os prédios e repartições públicas são todas registradas no RGI. As terras devolutas (ex. de bem público dominical ou dominial) são registradas.

Bom, agora vamos passar para nosso terceiro ponto sobre bens públicos. Vamos ver o regime jurídico.

Regime jurídico.

Vocês vão encontrar em quase todos os autores a menção a 3 características, mas, a rigor, são 4. São elas:

Inalienabilidade. Acabamos de ver essa característica. Imprescritibilidade. Impenhorabilidade. Inonerosidade.

Foi dito aí que existe a inalienabilidade. Essa característica já foi estudada, mas é interessante colocar que, das 4, é a única que não alcança todos os bens. Nós vimos que a inalienabilidade significa que os bens públicos de uso comum do povo e os bens públicos de uso especial, enquanto estiverem afetados, são inalienáveis.

Em seguida, dissemos que uma outra característica seria a imprescritibilidade, que significa que todos os bens públicos não são suscetíveis de prescrição aquisitiva. O Código Civil de 1916 chamava de prescrição antiga o usucapião. Então, quando se disse que os bens públicos não são suscetíveis de prescrição aquisitiva, significa dizer que não são suscetíveis de usucapião.

Neste ponto temos que ver 3 notas muito importantes.

Em primeiro lugar, podem perceber que não há usucapião contra o Estado, mas pode haver usucapião pelo Estado. Ou seja, pode haver usucapião em favor do Estado.

Ex.: se uma pessoa ocupa irregularmente um bem público federal, estadual ou municipal, jamais irá usucapi-lo. Mas se porventura o Estado exercer posse sobre o bem particular e estiverem presentes as condições genéricas para o usucapião, ele vai ser adquirido. Aliás, isso é o que se chama de desapropriação indireta.

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A segunda nota foi questão de prova da magistratura federal: não há usucapião de bem público, mas pode haver usucapião em bem público. Na prova, todos os candidatos disseram que não pode haver usucapião em bem público. Eles erraram. É possível e o STJ já reconheceu.

Ex.: existe enfiteuse, que em direito público se chama aforamento. Temos um imóvel na Vieira Souto, que é terreno de marinha e não da marinha. Todos os imóveis situados na Av. Vieira Souto, Av. Atlântica, etc. são bens públicos federais. Mas aqueles imóveis estão aforados ao particular (que é o foreiro). Digamos que esse foreiro permita que alguém ocupe seu imóvel por mais de 20 anos. Ao cabo de 20 anos, essa pessoa não terá usucapido a propriedade do bem. Ele continua público federal, mas poderá usucapir o domínio útil sobre aquele bem.

Então, existe a possibilidade de usucapião sobre um direito real incidente sobre um bem público. Por isso se quer dizer que, nessa hipótese, não vai haver usucapião do bem, mas vai haver usucapião no bem.

Isso nega algo que todos os civilistas dizem. Eles dizem que não existe usucapião de direito; que só há usucapião de bem. Esse exemplo nega isso, até porque aqui não pode haver usucapião do bem, então resta só o usucapião do direito.

Aluno: nesse caso, se o usucapiente quiser alienar o direito dele, é possível? E aquele valor que ele tinha que dar pra União?

Prof.: pode alienar, mas ele vai ter que tomar certas finalidades para se converter em foreiro e pague o laudêmio, etc.

Pessoal, quero que vocês tomem cuidado com certos termos colocados quando as questões parecem ser muito fáceis. Essa questão da magistratura federal parecia ridícula, mas derrubou vários candidatos.

Por fim, vamos apontar uma terceira nota. Existe a possibilidade ou não de usucapião de terras devolutas? Ninguém discute que as terras devolutas são bens públicos dominiais. Temos duas posições em doutrina:

Sílvio Rodrigues e Álvaro Sagulo Borges de Aquino (minoritários): entendem que existe a possibilidade de usucapião de terras devolutas. Ambos usam em comum 3 fundamentos.

Primeiro: seria uma forma de conferir a ela (terra devoluta) a função social que não tem, pois não tem finalidade pública nem privada.

Segundo: usucapião de terra devoluta se aproxima de outro instituto que vamos estudar hoje, que é a legitimação da posse. Vamos ver que essa legitimação da posse é um meio legal de alienação de bem público. Sempre que um particular ocupa regularmente uma terra pública ele tem licença de ocupação. Quando se aliena o bem ao titular dessa licença estará sendo feita a legitimação da posse.

Terceiro: o art. 188 da Constituição Federal teria feito uma distinção entre terra coletiva e terra devoluta, justamente para permitir usucapião da terra devoluta e para impedir usucapião de terras coletivas. Isso autorizaria o usucapião de terra devoluta.

De outro lado estão todos os autores civilistas:

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Caio Mário, Orlando Gomes, Hebert Chamoun, etc: dizem que não cabe usucapião de nenhum bem público, inclusive da terra devoluta.

Parece-me que com a Constituição de 1988 a questão foi sepultada. Há 2 artigos claríssimos em favor dessa segunda posição. Um é o art. 183, § 3º “os imóveis públicos – nesse caso urbanos – não serão adquiridos por usucapião”. E nem se fala em terra devoluta, porque aqui não é o caso. Combinem isso com o art. 191, parágrafo único da Constituição Federal: “os imóveis públicos – nesse caso rurais – não serão adquiridos por usucapião”.

Então, a Constituição é muito clara sobre o tema. Não existe a possibilidade de nenhum bem público ser adquirido por usucapião.

A jurisprudência do STF, STJ e TJ-RJ é tranqüila no sentido de não caber usucapião de terra devoluta por ser bem público.

Bom, fechamos essa característica do bem público (imprescritibilidade).

Vamos ver agora a terceira característica, que é a impenhorabilidade. Significa que os bens públicos não são suscetíveis de penhora6.

É essa característica que justifica a grande característica da chamada Execução contra a Fazenda Pública. Qual a questão? É a inexistência de penhora e a existência do precatório. Ou seja, justamente o precatório foi criado porque os bens públicos são impenhoráveis.

Percebam que numa Execução contra a Fazenda Pública a constrição não é feita sobre um bem via penhora, mas sim sobre a dotação orçamentária, via precatório. Por isso que nunca é paga. Até porque falta uma garantia real e passa a ter uma garantia fictícia.

E uma última característica é a chamada inonerosidade. Significa dizer que os bens públicos, em qualquer espécie, não podem ser dados em garantia; não são oneráveis. Isto é, não podem ser objeto de direito real de garantia (hipoteca, penhor ou anticrese).

É interessante consignar que os bens públicos não podem ser objeto de direito real de garantia, mas podem ser objetos de qualquer outro direito real. Então, por exemplo, aforamento é um direito real sobre coisa alheia que tem como objeto um bem público. Pode haver direito real de uso, de habitação, etc. qualquer direito real que não for de garantia.

Bom, com isso fechamos o regime jurídico dos bens públicos.

Aluno: pode ser suscetível de posse?

Prof.: os livros de Direito Civil só falam em posse, mas no Direito Público se faz a distinção entre posse e ocupação. No caso, bem público só pode sofrer ocupação.

O último ponto para vermos é um que os livros não costumam sistematizar. Como são os bens públicos adquiridos, geridos e alienados?

6 Existe PEC (Proposta de Emenda à Constituição nº 290/2004) que pretende acrescentar parágrafos ao art. 100 da Constituição, para admitir a penhora de bens públicos quando do descumprimento das normas referentes a precatórios.

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Aquisição, gestão e alienação dos bens públicos.

Vamos analisar 21 institutos. Oito sobre a aquisição, sete sobre a gestão e seis sobre a alienação dos bens públicos.

Formas de aquisição dos bens públicos.

No Brasil são 8 modos de aquisição dos bens públicos:

Previstos na Lei nº 8.666/93, art. 17, I e II, nós temos a compra, permuta, doação ou dação em pagamento.

Outro meio seria a usucapião (art. 183 e 191 da Constituição Federal e art. 1238-1244 e 1260-1262 do Código Civil de 2002).

Um outro mecanismo seria a desapropriação, que está prevista em vários dispositivos, constitucionais e legais. Na Constituição Federal é o art. 5º, XXIV; art. 182, § 4º, III; art. 184; e art. 186. Em âmbito legal temos o Decreto-Lei nº 3.365/41 (é a lei geral sobre o tema), a Lei nº 4.132/62, a Lei nº 8.629/93 e a Lei Complementar nº 76/93.

Outros dois mecanismos podem ser analisados juntos. Quando existe execução, pode ser que o Estado faça a arrematação (art. 690 do CPC) ou a adjudicação (art. 714 do CPC) do bem.

Temos ainda a acessão (aluvião, avulsão, álveo abandonado, formação de ilhas) que está prevista no Código Civil de 2002, arts.1248-1252.

Existe a herança jacente. O Código Civil no art. 1822 diz que em caso de uma herança ser declarada vacante o Estado ou Município adquire o bem.

Por fim, temos o que alguns autores chamam de aquisição ex vi legis. Subdivide-se em 5 meios:

1. Loteamento (Lei nº 6.766/79, art. 22) é a primeira subespécie de aquisição ex vi legis. Esse artigo diz o seguinte, por exemplo: existe um terreno. Esse terreno é loteado. A lei obriga que sejam criadas vias de acesso aos lotes. Uma vez loteado o bem e criadas as vias, elas passam a ser bem público municipal. Logo, se existe um condomínio de casas em Búzios, as casas podem ser particulares, mas as vias de acesso ao condomínio (dito privado) são públicas.

2. Perdimento de instrumentos e objetos de crimes. Ou seja, se houver um ilícito penal, o CP prescreve que os instrumentos e os instrumentos ou objetos desse ilícito são perdidos em favor da União. Isso está no art. 91, II do Código Penal.

Art. 91 - São efeitos da condenação:II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do

lesado ou de terceiro de boa-fé:a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em

coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

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3. Reversão na concessão ou permissão de serviços públicos. O que isso significa? Uma vez extinta a concessão ou permissão, os bens que estão afetados à prestação do serviço público revertem em favor do concedente ou permitente.

Ex.: a União Federal é concedente da Ponte S/A. Existem veículos, instrumentos, maquinários, que estão afetados à prestação do serviço de conservação daquela via. Daqui a 26 anos quando for extinto o contrato, os bens afetados ao serviço reverterão em favor da União.

Isso está na Lei nº 8.987/95, art. 35, § 1º e art. 40, parágrafo único.

4. Criação de Estados ou Municípios. Se forem criados novos Estados ou Municípios, é evidente que o novo Estado ou Município adquire o bem que pertencia ao antigo Estado ou ao antigo Município.

Ex.: se ocorrer emancipação de um Município ele vai adquirir os bens públicos que pertenciam ao antigo município.

Isso está nos §§ 3º e 4º do art. 18 da Constituição Federal.

Aliás, criação de Estado é uma questão interessante porque existe proposta de Emenda à Constituição que tramita no Senado, prescrevendo a possibilidade da criação de 5 territórios (que são autarquias).

5. Confisco, que está previsto hoje no art. 243 da Constituição Federal.

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Isso quer dizer o seguinte: naquelas terras rurais onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (exemplo: maconha) diz-se que serão expropriadas para assentamento de colonos. Mas vocês podem percebem que se faz menção a expropriação, mas não há indenização. Uma das características da expropriação é a existência de indenização. Então, isso aqui não é expropriação, mas sim confisco.

Bom, qual é a principal questão sobre esse tema? Caiu agora na magistratura do Estado, só que na prova de direito tributário, uma questão sobre herança jacente. Qual é a questão aqui? Pelo Código Civil de 1916, no art. 1594, na redação originária, era dito que na hipótese de herança jacente o bem será adquirido pelo Estado.

Muito tempo depois, veio a Lei nº 8.049/90 que alterou esse artigo 1594 do Código Civil para dizer o seguinte: na hipótese de herança jacente o bem será adquirido pelo Município.

O Novo Código Civil continua dizendo que será o Município.

A dúvida que se coloca hoje é a seguinte: em hipótese de herança aberta antes do 1990, mas declarada vacante após 1990, os bens pertencem ao Estado ou

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ao Município? Em outras palavras, o que se pergunta aqui é: existe o droit de saisine – direito de saisine – para pessoa jurídica de direito público.

O que é o direito de saisine? Em hipótese de sucessão, ela se transmite na data em que é aberta, mas isso diz respeito à pessoa natural.

Se você entender que há direito de saisine em favor de pessoa jurídica de direito público esses bens serão do Estado, porque quando foi aberta a sucessão vigorava a norma que atribuía a propriedade dos bens ao Estado. Então, a declaração de vacância tem caráter declaratório só: declara que a propriedade é estatal.

Se você entender que não há direito de saisine em favor de pessoa jurídica de direito público esses bens serão do Município, porque não se transmitiu a herança quando a sucessão foi aberta. Transmitiu-se quando a herança foi declarada vacante. Portanto, a declaração de vacância tem caráter constitutivo: constitui a propriedade.

Essa questão foi feita na prova da Direito Tributário da magistratura estadual. Eis o enunciado:

XXXIX Concurso para ingresso na Magistratura. Prova preliminar. Direito Tributário. 2ª questão: Caio falece em estado de viúvo, não deixando herdeiros, e somente um testamento cerrado e cosido, no qual lega a Tício todo o seu único patrimônio, um apartamento em Copacabana. Tício é excluído da sucessão do de cujus por indignidade, judicialmente declarada. O juízo orfanológico reconhece o bem devolvido à herança como ereptício e declara a vacância sucessória. Na hipótese incide o imposto previsto no art. 155, I da Constituição Federal? Justificando, o candidato deverá abordar o princípio da SAISINE.

Aqui se indaga se há a incidência do imposto causa mortis ou não. Só se chegava a uma conclusão a partir desses conceitos que acabamos de ver. Porque se você entendesse que o bem fosse estadual ou se o bem fosse municipal, você teria incidência ou não. Se o bem pertence à mesma entidade que tributa, não há incidência, porque existe imunidade recíproca.

Bom, temos duas posições sobre o tema:

João Guilherme Sauer: esse bem é estadual, porque existe direito de saisine em favor de Pessoa Jurídica de Direito Público. Logo, a herança foi adquirida no momento em que a sucessão foi aberta. Nesse nosso exemplo, quando a sucessão foi aberta, vigorava a norma que atribuía o bem ao Estado. Essa é a posição dada por ele num parecer que a PGE adota como parecer normativo para o Estado do Rio de Janeiro.

Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes, Sílvio Rodrigues, etc: não existe direito de saisine em favor de Pessoa Jurídica de Direito Público. Nenhum deles diz isso expressamente. Conseqüentemente, o bem seria municipal, porque a herança foi transmitida no momento em que foi declarada vacante. Essa declaração de vacância teria caráter constitutivo.

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O STJ já prolatou várias decisões acerca dessa questão, entendendo não se aplicar o droit de saisine à Pessoa Jurídica de Direito Público. Ver REsp nº 32.897-SP, REsp nº 71.551-SP, REsp nº 253.787-ES. Eis a ementa do REsp nº 100.290-SP:

HERANÇA JACENTE. SUCESSÃO. LEGITIMIDADE. DECLARAÇÃO DE VACÂNCIA.

Ao ente público não se aplica o princípio da "saisine". Segundo entendimento firmado pela c. Segunda Seção, a declaração de vacância é o momento em que o domínio dos bens jacentes se transfere ao patrimônio público. Ocorrida a declaração de vacância após a vigência da Lei n° 8.049, de 20.6.1990, legitimidade cabe ao Município para recolher os bens jacentes. Recurso especial conhecido e provido.

Essa é a posição do STJ. Só que a posição do prof. João Guilherme Sauer é parecer normativo do Estado, que vale como lei estadual. Aliás, o STF já tem uma jurisprudência admitindo ADI contra parecer normativo, porque teria caráter genérico e abstrato7.

Agora vamos tratar da questão de gestão e alienação dos bens.

Gestão dos bens públicos.

Como os bens públicos são geridos? Temos 7 (sete) possibilidades de gestão do bem públicos:

Uma primeira possibilidade seria o aforamento, locação e comodato. Isso está no Decreto-Lei nº 9.760/46, arts. 87 e 99.

Temos outros 4 mecanismos: concessão de uso, permissão de uso, autorização de uso e a cessão de uso. Aqui no Município do Rio de Janeiro, isso está na Lei Orgânica Municipal, art. 239 e 240. Vamos conceituar cada um desses atos, porque têm características próprias.

Antes de mais nada, precisamos lembrar que uma coisa é concessão, permissão e, para quem assim entender, autorização de serviço público. Outra coisa é concessão, permissão, autorização e cessão de uso de bem público.

Concessão de uso é um contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta o uso de um bem público, independentemente de um maior ou menor interesse das partes.

Ex.: propaganda da Vivo nos postes do Município no carnaval de 2005. Só que há um TAC (termo de ajustamento de conduta), porque tem mais caráter de publicidade do que outra coisa...

Permissão de uso é um ato administrativo unilateral pelo qual a Administração Pública faculta o uso de um bem público, para atendimento de interesse concorrente do permitente, permissionário e usuário.

7 ADI nº 4-DF. Ementa: 5. COMO O PARECER DA CONSULTORIA GERAL DA REPUBLICA (SR. N. 70, DE 06.10.1988, D.O. DE 07.10.1988), APROVADO PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUMIU CARÁTER NORMATIVO, POR FORÇA DOS ARTIGOS 22, PARAGRAFO 2., E 23 DO DECRETO N. 92.889, DE 07.07.1986, E, ADEMAIS, FOI SEGUIDO DE CIRCULAR DO BANCO CENTRAL, PARA O CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO ANTERIOR A CONSTITUIÇÃO DE 1988 (E NÃO DO PARAGRAFO 3. DO ART. 192 DESTA ÚLTIMA), PODE ELE (O PARECER NORMATIVO) SOFRER IMPUGNAÇÃO, MEDIANTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, POR SE TRATAR DE ATO NORMATIVO FEDERAL (ART. 102, I. "A", DA C.F.).

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Autorização de uso é um ato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta o uso de um bem público, para atendimento de interesse exclusivo ou preponderante do autorizatário.

Cessão de uso é um ato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta o uso de um bem público a outro órgão pertencente à mesma entidade.

Ex.: existe um veículo utilizado pela PM do Rio de Janeiro. Quando você transmite o uso desse veículo para a Polícia Civil do Rio de Janeiro, você transmite o uso a outro órgão que pertence à mesma entidade.

Qual é a questão principal aqui? Ninguém duvida que em concessão e permissão de serviço público deve haver licitação. A Constituição é clara quanto a isso e a legislação também. Agora, há uma dúvida em se exigir ou não a obrigação de licitação para a concessão ou permissão de uso bem público.

Ex.: O Município do Rio de Janeiro concedeu o uso dos postes para que a VIVO utilizasse a título de publicidade. Seria obrigatória a licitação para a escolha da VIVO ou o Município poderia escolhê-la sem licitação?

Ano passado houve uma questão parecida em que o Prefeito do Rio de Janeiro foi acusado de crime por não ter licitado a concessão do uso de certos locais em alguns pontos de ônibus.

Qual é a posição hoje do Tribunal de Contas da União (TCU)? Ele diz que a licitação para a concessão e permissão de uso de bem público não é exigível, mas é recomendada por questões de transparência administrativa. Por isso é que agora se optou por um TAC, porque se for levado ao judiciário tem até a chance de uma ação ser julgada procedente. Embora não seja exigível, há um dever de conduta transparente, etc.

Bom, na próxima aula a gente encerra o tema e passa para o estudo da ordem econômica.

Fim da aula 18.

Aula nº 19: Bens públicos (continuação). Ordem econômica.

Bom, agora estávamos verificando os bens públicos e a questão ligada à sua gestão e agora falta vermos a questão da alienação dos bens.

Alienação dos bens públicos.

Já vimos que aquele dogma de inalienabilidade dos bens públicos é relativo. Até porque nós vimos que, dentro de algumas condições, pode haver venda de bens públicos.

Hoje temos 6 (seis) mecanismos de alienação dos bens públicos.

O primeiro mecanismo é a venda, dação em pagamento, doação e a permuta. O fundamento legal é o mesmo relativo ao primeiro método de aquisição de bens públicos, ou seja, o art. 17, incisos I e II da Lei nº 8.666/93.

As condições para seja possível essa alienação nós já vimos: desafetação, avaliação, autorização legislativa, etc.

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O segundo mecanismo é a concessão de domínio, que está prevista no art. 188, § 1º da Constituição Federal. Isso é uma forma de alienação exclusiva para terras devolutas. Só se aplica a elas. Além disso, é imprescindível autorização legislativa. Se essa terra tiver área superior a 2.500 hectares será necessária aprovação do Congresso Nacional

1º - A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional.

O terceiro mecanismo se chama legitimação da posse, que está prevista na Lei nº 6.383/76, art. 29, § 2º. Só ocorre em caso ed alienação de um bem público ao titular de uma licença de ocupação.

Nós já vimos que em relação aos bens públicos não há posse, mas sim ocupação. Quando essa ocupação é regular, pode haver licença de ocupação. Quando se aliena o bem ao titular dessa licença de ocupação, haverá legitimação da posse. Então, aquilo que antes era ocupação, passa a ser domínio. A lei exige que seja pelo valor histórico da terra nua, ou seja, a terra sem qualquer acessão ou benfeitoria.

Questiona-se muito hoje a possibilidade dessa legitimação da posse ser utilizada para a regularização fundiária em algumas áreas, especialmente urbanas. Então, existe projeto de lei no sentido de que algumas favelas sejam licenciadas (ocupação) e depois pode até ser caso de se aplicar esse instituto.

Aluno: nessa legitimação ele adquire a propriedade ou só a posse?

Prof.: ele adquire a propriedade, mas o nome é legitimação da posse.

O quarto mecanismo se chamada incorporação, que está prevista na Lei nº 6.404/76 (Lei das S/A), art. 235. O que significa isso? Significa alienação de um bem público para a formação de um patrimônio ou capital de uma entidade da Administração Pública Indireta. Os bens que eram do Estado serão incorporados a pessoas jurídicas diferentes.

Agora, temos que fazer uma observação: quando se fala em patrimônio leia-se Autarquia ou Fundação Pública. Autarquias e Fundações Públicas não têm capital, porque não têm finalidade lucrativa. Quando se fala em capital leia-se Empresa Pública ou Sociedade de Economia Mista, que têm finalidade lucrativa.

O quinto mecanismo é chamado investidura, que vem do direito urbanístico. Ela está prevista na Lei nº 8.666, art. 17, § 3º. Investidura é a alienação de um bem público pela alteração do alinhamento ao titular daquele imóvel lindeiro.

Ex.: houve uma obra pública, uma via pública, uma praça, por exemplo, em que houve uma “sobra”. Ou seja, há um resíduo que não tem utilização econômica pelo Estado. Para que seja dada uma utilização econômica a esse bem, se entende ou se presume que quem melhor pode fazê-lo é aquele que tem o imóvel mais próximo. Por isso que ele tem o direito de preferência à aquisição. Caso ele não adquira o bem, de duas uma: ou o bem se conserva público, ou pode até haver venda. Agora, se a finalidade for permitir que a utilização econômica seja dada pelo proprietário do imóvel lindeiro, haverá, então, investidura.

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Bom, o último mecanismo é a retrocessão. Isso pode gerar uma questão de direito civil ou de direito administrativo. Esse instituto está previsto no Código Civil de 1916, art. 1.150. No Código Civil de 2002, está no art. 519. Retrocessão significa alienação do bem público ao ex-proprietário de bem expropriado.

Ex.: o Estado expropriou o bem de João da Silva. Se o Estado não dá utilização a esse bem, ele pode alienar a João da Silva, que é o ex-proprietário do bem expropriado.

Isso é retrocessão: alienação do bem público ao ex-proprietário do bem expropriado, pelo valor pago a título de indenização.

Sobre esse instituto vamos ter 3 (três) grandes questões:

Qual é o pressuposto dessa retrocessão?

Em prova oral isto é perguntado sempre: o que é tredestinação ilícita? É o pressuposto da retrocessão. Tredestinar significa utilizar para finalidades diferentes. Ou seja, significa desvio de finalidade: o Estado utilizou o bem para uma finalidade diversa daquela declarada.

Não basta que ocorra a tredestinação. Ela deve ser ilícita. Isso quer dizer que não foi mantido o interesse público.

Logo, não só o Estado utilizou o bem para uma finalidade diferente daquela que ele declarou como também não manteve o interesse público.

Ex.: o Estado expropria uma casa para a construção de um hospital. Ele não constrói um hospital...constrói uma praça. Nesse caso houve tredestinação, porque a finalidade declarada não foi a implementada. Só que esse caso não é de tredestinação ilícita, porque embora ele não tenha implementado a finalidade então declarada, ele manteve o interesse público.

Agora, digamos que o Estado tenha expropriado o bem para construir o hospital, mas que tenha concedido o uso da casa para que fosse montada uma boate. Ele não só utilizou o bem para uma finalidade diferente, como não mantém o interesse público, mas sim o particular.

É importante colocar isso, porque se houver utilização do bem com finalidade diferente daquela que o Estado declarou, mas foi conservado o interesse público, o ato não é ilícito. Não dá ensejo a nada. Ou seja, o proprietário do bem expropriado não tem o direito subjetivo a ter o seu bem utilizado para aquela finalidade. Ele tem o direito subjetivo a ver tutelado o interesse público.

Qual é a natureza jurídica desse instituto? É direito real, direito pessoal ou misto?

Se você entender que a retrocessão tem natureza jurídica de direito real, o ex-proprietário, tendo havido tredestinação ilícita, pode postular propriedade. Se você entende que é um direito pessoal, o ex-proprietário não reivindica propriedade, mas sim perdas e danos. Se você entende que é direito misto ele pode postular uma coisa ou outra.

Nós temos 3 posições em doutrina:

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Corrente administrativista (e.g., Seabra Fagundes): entende que é direito real. Logo, o ex-proprietário reivindica a propriedade, devolvendo ao Estado o que antes percebeu.

Corrente civilista (e.g., Hebert Chamoun): entende que é direito pessoal. Logo, o proprietário só vai reivindicar perdas e danos. A ação deixa de ser petitória e passa a ser indenizatória.

Corrente intermediária com administrativistas e civilistas (e.g., Maria Sylvia Di Pietro e Carlos Maluf): entende que, em regra, o direito é real. Agora, caso esse bem tenha sido destruído ou modificado substancialmente, o ex-proprietário pode postular perdas e danos.

Pelo Código Civil de 1916 havia grande dúvida se o direito era real ou pessoal. O Novo Código Civil dá indicações de que o direito é real. Tanto é que esse artigo 519 fala que o ex-proprietário tem direito de preferência.

Em prova, vocês certamente serão questionados sobre a jurisprudência dos tribunais quanto ao tema. O STF e o STJ tem jurisprudência tranqüila no sentido de ser direito real. Mesmo antes do Código Civil era assim.

Vejam o Recurso Extraordinário nº 104.591 (STF) e o Recurso Especial nº 62.506 (STJ).

Se for hipótese em que o Estado não dê utilização do bem. Ele se omite. Existe retrocessão ou não?

Ex.: o ex-proprietário teve sua casa expropriada para a construção de um hospital. Onze anos depois não é feita nenhuma ação do Estado. Ele pode reivindicar a propriedade do bem?

É uma questão que ficou no final, porque se discute também as 2 outras questões: qual é o pressuposto, que direito é esse e se na omissão (silêncio) administrativa cabe alguma coisa...

A gente vai ver depois que desistência de expropriação é totalmente válida, desde que essa não tenha sido consumada. Ou seja, até que o Estado pague integralmente o valor do bem e registre o bem no RGI (se for imóvel) ele pode desistir da expropriação. Logicamente deve ressarcir os danos causados se comprovados.

No DL nº 3.365/41 temos o art. 10 que diz o seguinte: “presume-se desistência na expropriação demora no uso do bem após 5 (cinco) anos”.

E aí se pergunta: existe retrocessão válida com demora durante 5 (cinco) anos ou não? Ou seja, existe tredestinação ilícita após não utilização de 5 anos?

Aqui, as mesmas correntes que sustentam ser o direito real, pessoal ou misto, voltam a debater o tema:

Corrente administrativista: todos os administrativistas que sustentam que o direito é real dizem que o art. 10 é aplicável à retrocessão. Logo, retrocessão cabe no caso em que o Estado não utiliza bem durante 5 anos. Além disso, essa retrocessão não só é cabível, como também é direito real.

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Corrente civilista: esse art. 10 não se aplica ao caso. Logo, se o bem não for utilizado após 5 anos, não há retrocessão viável. Se eventualmente o bem for utilizado segundo outra finalidade, existe retrocessão, mas só se postula indenização.

Corrente intermediária com administrativistas e civilistas: não comentam o tema.

Com isso fechamos a parte de aquisição, gestão e alienação dos bens públicos. Fechamos, portanto, o estudo dos bens públicos.

Bom, vamos agora estudar nosso último tema.

Ordem Econômica.

Nós vamos dividir nosso estudo sobre ordem econômica em 4 partes. E para cada uma delas vamos adotar um autor.

Conceito de ordem econômica: Eros Roberto Grau.

O Eros Grau começa dizendo que o conceito de ordem econômica não é unívoco. É um conceito equívoco, ou seja, na Constituição brasileira existem dois sentidos diferentes para o termo Ordem Econômica.

Segundo ele, um sentido essa Ordem Econômica pode significar parcela da ordem de fato, inerente ao mundo do ser.

Na faculdade nós vimos que existe o ser e o dever ser, conforme seja uma ordem fática ou uma ordem normativa.

Nesse sentido, essa expressão Ordem Econômica significa conjunto de relações econômicas. Ele cita o art. 170 da Constituição Federal. Esse sentido não será estudado aqui porque diz respeito à economia.

Agora, num outro sentido a Ordem Econômica significa parcela da ordem de direito, inerente ao mundo do dever ser. Ou seja, deixa de ser fática para ser normativa.

Nesse sentido, essa expressão significa o conjunto de normas jurídicas que regulam o comportamento dos sujeitos econômicos. Ele cita o art. 173, § 5º da Constituição Federal:

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Ou seja, “atos praticados contra a ordem econômica” significa: “atos que violem as normas que disciplinam o comportamento dos sujeitos econômicos”. Esse é o sentido que será estudado, pois não é ligado à economia, e sim ao direito administrativo.

Esse é o primeiro tema. O segundo tema é pertinente a formas de intervenção estatal.

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Formas de intervenção estatal: Hely Lopes Meirelles

Isso não está no manual de administrativo dele. Está num livro chamado “pareceres de direito público”. Ele diz que são duas as formas pelas quais o Estado intervém na ordem econômica.

Uma seria a intervenção no domínio econômico, que seria a forma de intervenção estatal que recai sobre atividades lucrativas desempenhadas por empresas. Percebam que essa intervenção tem caráter dinâmico, porque recai sobre a atividade e não sobre a empresa.

A segunda forma ele chama de intervenção na propriedade privada, que seria a forma de intervenção estatal que recai sobre bens situados no território brasileiro. Logo, é uma intervenção de caráter estático, porque recai sobre os bens em si.

Vamos estudar uma forma de cada vez, sempre citando um autor específico sobre o tema.

Intervenção no domínio econômico: Marcos Juruena Vilella Souto

Quais são os meios de que o Estado dispõe para intervir no domínio econômico? Segundo ele, existem 4 mecanismos pelos quais o Estado intervém no domínio econômico: planejamento, fomento (incentivo), prevenção e repressão ao abuso do poder econômico e exploração direta de atividade econômica.

Vamos examinar o planejamento. Depois nós analisaremos os outros.

Planejamento: é o processo de racionalização da atividade econômica.

Ele se dá por planos regionais, setoriais ou nacionais de desenvolvimento econômico. Existem várias passagens na Constituição Federal sobre esses planos, que são a formalização desse planejamento.

Qual é a grande questão colocada hoje no momento? Discute-se até hoje qual seria a natureza jurídica do planejamento, se seria um ato jurídico ou um ato técnico (sem eficácia jurídica).

Numa economia capitalista como a nossa pretende ser, não se pode vincular a iniciativa privada pelo planejamento, até porque isso era próprio do socialismo. Se você entende que o ato é técnico, ou seja, que o ato não tem eficácia jurídica nenhuma, ninguém estará vinculado ao planejamento, nem o Estado. Agora, se você entender que o ato é jurídico, então o Estado está vinculado a ele.

Daí a importância do tema. Sobre isso, vocês vão encontrar duas posições em doutrina. Ambas anteriores à Constituição de 1988:

Dauraci de Senna: entende que o planejamento é ato técnico, não tendo eficácia jurídica. Logo, o planejamento é meramente indicativo tanto para o setor privado como para o setor público. Ou seja, só indica diretrizes.

Celso Ribeiro Bastos: entende que o planejamento é um ato jurídico, gerando efeitos. Logo, o ato seria meramente indicativo para o setor privado, mas vinculante para o setor público.

Após a Constituição Federal de 1988, a situação está quase consolidada no sentido de que o ato seria jurídico. Isso, por força do art. 174 da Constituição Federal:

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Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Parece-me que não há mais dúvida. O ato é jurídico. Tanto é verdade que Miguel Reale (escrevendo depois da Constituição Federal) chega a dizer o seguinte: eventual inexecução do planejamento do Estado enseja responsabilidade civil dele.

Ex.: existe um programa regional de desenvolvimento econômico que indica que uma região x do Estado y terá grandes investimentos para que se converta numa região turística. Com base nesse planejamento um certo investidor compra uma área para construir um motel. Depois de 10 anos não é se inicia a execução desse planejamento e aquela região continua tão inóspita como antes. Esse particular sofreu dano em decorrência de uma legítima expectativa que passou a ter por conta desse planejamento.

Então, diz o Miguel Reale, esse particular pode ser ressarcido.

Aluno: a falta de recursos do Estado nesse caso é matéria de ...

Prof.: ela seria matéria de mérito. Ou seja, o Estado poderia alegar para sua omissão a falta de recursos financeiros. E aí a gente entraria naquela questão que vimos sobre a possibilidade de controle judicial das omissões administrativas. Afinal de contas isso é uma omissão administrativa.

Vamos encerrar por aqui. Na próxima semana continuamos a matéria. Bom carnaval para todos.

Fim da aula 19.

Aula nº 20: Ordem econômica (continuação). Agências Reguladoras.

Bom, nós estávamos analisando a questão da intervenção no domínio econômico.

Intervenção no domínio econômico (continuação).

Vimos que segundo o Prof. Marcos Juruena Vilella Souto existem 4 mecanismos pelos quais o Estado intervém no domínio econômico: planejamento, fomento (incentivo), prevenção e repressão ao abuso do poder econômico e exploração direta de atividade econômica.

Já vimos o planejamento. Agora vamos ver o fomento.

Fomento: significa incentivo de atividades privadas de interesse público.

Existem algumas atividades privadas que, malgrado sejam privadas, são de interesse público. A grande questão sobre esse tema são as formas de execução do fomento público. Essa questão pode ser colocada em prova de direito administrativo e de direito financeiro.

Podemos dizer que existem duas formas de execução do fomento. É o que se chama de execução direta ou execução indireta. Na execução direta, o fomento

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público é prestado por entidade política (União, Estados ou Municípios). Em outras palavras: Administração Pública Direta.

Ex.: incentivos financeiros e incentivos tributários.

O incentivo tributário significa renúncia de receita (imunidade, isenção, remissão, etc). Quando se fala em incentivo financeiro, o Estado não renuncia determinada receita, ele efetua despesa presente. Por exemplo: subsídios para o álcool, etc.

Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – Lei Complementar nº 101/2000), em todas as hipóteses de efetuação de despesa ou renúncia de receita deve haver indicação da fonte de custeio.

Na execução indireta, o fomento é prestado por entidades administrativas (Autarquias, Fundações Públicas, Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mista). Em outras palavras: Administração Pública Indireta.

Ex.: IBGE é fundação pública federal e presta incentivo em algumas atividades.

Prevenção ou repressão ao abuso do poder econômico: significa a imposição de medidas de polícia administrativa contra atividades de restrição da livre concorrência.

O que é atividade de restrição da livre concorrência? A rigor, isso engloba 3 coisas: aumento abusivo de lucros, dominação de mercados e eliminação da concorrência.

Qual é a questão que a gente retira daqui? Há uma aproximação muito grande entre abuso de poder econômico (direito administrativo) e concorrência desleal (direito empresarial).

Quando se fala em abuso de poder econômico estão em jogo interesses metaindividuais. Além disso, enseja a aplicação da chamada Lei Anti-Truste: Lei nº 8.884/94. Inclusive, regula o CADE, etc.

Agora, se a hipótese é de concorrência desleal, estão em jogo interesses individuais daqueles concorrentes (A e B). Aplica-se o Código de Propriedade Intelectual (Lei nº 9.279/96).

Na prática temos o caso da Nova Schin e da Brahma. Havia um contrato de imagem celebrado entre o Zeca Pagodinho e a Nova Schin. Esse contrato foi rescindido unilateralmente por ele, que se tornou garoto propaganda de outra empresa (concorrente dela).

Se você analisa esse caso concreto sob o aspecto macro, sob o aspecto mercado cervejeiro, isso é abuso do poder econômico. Porque a conduta que a Brahma pode dar ensejo ao aumento abusivo de lucros, à dominação de mercados ou à eliminação da concorrência.

Agora, sob o aspecto micro, ou seja, o contrato de imagem entre o Zeca Pagodinho e a Nova Schin, aquilo pode ser concorrência desleal. Porque lesava interesses de um concorrente: a Nova Schin.

Bom, para fechar temos a exploração direta de atividade econômica.186

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Exploração direta de atividade econômica: já vimos que isso cabe às empresas públicos e às sociedades de economia mista. Está condicionada ao pressuposto do art. 173, caput da Constituição Federal.

Ficou pendente a seguinte questão: na hipótese de uma empresa pública ou de uma sociedade de economia mista que explore atividade econômica, é cabível o Mandado de Segurança contra os atos por ela praticados?

Se for caso de empresa pública ou de uma sociedade de economia mista que preste serviço público, não há dúvida que é cabível. Até porque serviço público é uma atividade administrativa típica.

Vamos colocar o seguinte caso e que o STJ julgou agora: o Banco do Brasil é uma Sociedade de Economia Mista federal, porque tem ações vendidas em bolsa. Vocês podem ver essas Instituições Financeiras, como o Banco do Brasil, a CEF, em determinada forma prestam fomento público também. Porque quando elas fornecem empréstimos a juros subsidiados, isso é fomento. Mas sua atividade principal é atividade econômica.

Ato praticado por um gerente da agência do Banco do Brasil em Viena na Áustria...cabe MS contra esse ato? Sobre essa questão temos duas correntes no Brasil:

Alfredo Buzaid e Seabra Fagundes: entendem que não cabe o MS, em função do art. 5º, LXIX da Constituição Federal:

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Eles dizem que não há atribuição do Poder Público. Existe um certo agente (Pessoa Jurídica), que não está exercitando atribuições de Poder Público. Por isso não cabe o MS.

Marcos Juruena Vilella Souto e Carlos Ary Sundsield: entendem que o MS é cabível, porque as Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mista, mesmo quando explorem atividades econômicas, praticam atos administrativos.

Nós vimos que ato administrativo não é a mesma coisa do que ato da administração. Vimos que inclusive entidades privadas poderiam praticá-los.

Essa questão do gerente do Banco do Brasil de Viena que negou empréstimo (não era de fomento) foi julgada no STJ, que entendeu cabível o MS.

Bom, com isso a gente chega no quarto – e principal – ponto: a redução da intervenção do Estado no domínio econômico. Isso é basilar para quem for fazer prova da PGE-RJ.

Redução da intervenção do Estado no domínio econômico: Diogo de Figueiredo Moreira Neto.

Há um gênero chamado redução da intervenção do Estado no domínio econômico. Esse gênero se traduz em dois institutos: desestatização e a regulação.

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A desestatização pode se dar de 3 maneiras: privatização; concessão, permissão, autorização e terceirização; e, o que o prof. Diogo chama de gestão associada de funções públicas.

O que significa redução da intervenção do Estado no domínio econômico? Significa a transferência de atividades do Estado para a sociedade. Ele pode transferir certas atividades para a sociedade por dois mecanismos: desestatização ou regulação.

Desestatização é a redução do tamanho do Estado a dimensões adequadas para a execução das atividades que lhe foram atribuídas pela sociedade. É por isso que desestatização está sempre ligada à idéia de reengenharia.

Essa desestatização se traduz em 4 institutos. O primeiro deles é a privatização, que é alienação do controle acionário. Em outras palavras: é a alienação dos direitos que asseguram ao Estado a preponderâncias nas deliberações em Assembléia.

Ex.: tínhamos uma Empresa Pública Federal, cujo capital era 100% da União Federal. Se a União alienar 51% do capital para um particular, ela torna a Empresa pública em Empresa Privada.

O segundo instituto próprio da desestatização é a concessão e permissão, que já estudamos. Significa a transferência pelo Estado da prestação de serviços públicos, conservando com o ele o planejamento e o controle.

Cuidado com a questão das Parcerias Público-Privadas (PPP). Qual é distinção primordial entre a concessão e permissão de uma lado, e as PPP´s de outro lado? Quando vimos que na concessão e na permissão os riscos são todos assumidos pelos delegatários (concessionário e permissionário).

Na PPP existe uma solidariedade dos riscos; o risco é diluído entre os parceiros. Isso foi feito para que se possa atrair investimento, porque, de certa maneira, concessão e permissão não eram tão atrativas assim e alguns setores são mais arriscados.

Uma outra diferença importante seria quanto à obrigatoriedade de haver licitação. A lei que foi sancionada diz que não há licitação nas PPP´s. Isso é manifestamente inconstitucional. Até porque ela é uma forma de transmissão de certas atividades. Se a Constituição obriga licitação para concessão e permissão, e as PPP´s são assemelhadas, deve haver licitação.

Há um argumento maior: se na concessão ou permissão, situação em que o Estado não assume risco algum, ele licita, muito mais razão leva ao dever de licitar, uma vez que está assumindo riscos também.

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O terceiro instituto é a terceirização, que significa a transmissão da execução de atividade-meio, conservando a atividade-fim.

Ex.: o TJ-RJ conserva junto a ele a atividade judicante, que é sua atividade-fim, mas terceiriza a limpeza, que é atividade-meio.

Por fim, temos a gestão associada de funções públicas, que se dá através de acordos administrativos. Esses são atos administrativos plurilaterais. É importante colocar que acordo administrativo é um gênero que comporta 4 espécies: consórcio, convênio, contrato de gestão e acordo de programa.

Consórcio x Convênio

Qual é a diferença entre consórcio e convênio? Consórcio é sempre firmado entre pessoas jurídicas de direito público da mesma espécie. Ex.: Estado com Estado; Município com Município; Autarquia com Autarquia, etc. Vocês podem perceber que nem a União nem o Distrito Federal participaram e vão participar de um consórcio, porque não há outra pessoa da mesma espécie com quem sem consorciar.

Convênio tem 3 possibilidades: pode ser firmado entre pessoas jurídicas de direito público de espécies diferentes. Ex.: a União celebrou um convênio com o Estado do Rio de Janeiro sobre segurança pública. Podemos ter um convênio entre Estado e Município, Estado e Autarquia, União e Autarquia, etc.

Pode ainda haver convênio entre pessoa jurídica de direito público e pessoa jurídica de direito privado. Ex.: convênio entre a União e uma cooperativa de médicos, para que desempenhem atividades na Amazônia.

Pode, por fim, haver convênio entre pessoa jurídica de direito público e pessoa natural. Ex.: União celebra um convênio com os médicos diretamente. É um convênio entre União e pessoas naturais.

De outro lado, há uma distinção entre contrato de gestão e acordo de programa.

Contrato de gestão x Acordo de programa

Em primeiro lugar, o contrato de gestão envolve sempre atividade típica do Estado. Em segundo lugar, o meio que ele utiliza é ampliação de autonomia orçamentária, financeira ou gerencial.

Ex.: o Estado do Rio de Janeiro quer tornar o DETRAN mais eficiente. O que ele faz? Celebra um contrato de gestão com o DETRAN. Em primeiro lugar, o DETRAN efetua atividade tipicamente estatal (poder de polícia). Nesse acordo pode ser fixado que o Estado do Rio de Janeiro amplie a autonomia orçamentária, financeira ou gerencial do DETRAN para que ele melhor preste suas atividades. Esse é o contrato de gestão.

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No acordo de programa temos atividade privada de interesse público. O mecanismo utilizado é a transferência de recursos humanos ou financeiros para atendimento de metas de desempenho. Ou seja, você transfere esses recursos e fixa metas de desempenho para aquela entidade.

Ex.: já vimos isso no início do curso, ao estudarmos as Organizações Sociais. Elas celebram acordo de programa com a União Federal. A União Federal, pelo Ministério da Cultura firmou acordo de programa com a TVE para que ela alcançasse algumas metas em relação à cultura.

Vejam que a atividade é privada: comunicação social; e o mecanismo utilizado foi a transferência de recursos financeiros e humanos da União para Fundação Roquete Pinto.

Em qualquer caso, será hipótese de acordo administrativo.

Tomem cuidado com o art. 37, § 8º da Constituição Federal:

§ - 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:

Já vi em prova oral de concurso o examinador perguntar o seguinte: esse artigo 37, § 8º da Constituição Federal fala em contrato. Que contrato administrativo é esse? Fornecimento, prestação de serviços, obra pública, concessão? Isso não é contrato administrativo! É acordo administrativo, que por acaso tem o nome de contrato de gestão, mas é acordo. Percebam que a parte inicial do dispositivo é pertinente ao contrato de gestão.

Com isso fechamos a parte de desestatização.

Vamos agora falar da regulação e, por conseguinte, das agências reguladoras.

Regulação: atividade normativa precipuamente técnica desempenhada por agências reguladoras.

Não confundam regulamentação com regulação. Regulamentação é uma atividade normativa da chefia do Poder Executivo. Quando o Presidente, Governador ou Prefeito edita decreto, ele está editando norma regulamentadora.

Dada a importância do tema, não vamos estudar somente a regulação, que é uma das várias atividades da agência. Vamos estudar Agências Reguladoras, que vai compreender essa atividade regulatória e todas as outras.

Agências Reguladoras.

Vamos dividir o estudo em 3 partes: natureza jurídica, funções das agências e autonomias.

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Natureza jurídica: autarquias especiais. Ele é autarquia, porque assume a forma autárquica, pois a atividade é própria do Estado. É especial porque tem funções e autonomias próprias.

Qual é questão aqui? Embora todas as agências reguladoras sejam autarquias especiais, há modelos de constituição diferentes. Quais são os modelos de constituição dessas autarquias especiais? A União e os Estados adotaram modelos diferentes.

Em nível federal existem 11 agências reguladoras e se pretende criar uma nova. No Estado do Rio de Janeiro existe somente uma.

Com isso em mente, podemos dizer o seguinte: em âmbito federal, foi adotado o modelo setorial. Ou seja, a União optou por constituir tantas autarquias quantos setores que entendia importante. Em nível estadual foi adotado o modelo multi-setorial. Há uma autarquia só para todos os setores.

Quais são as autarquias existentes? Pela ordem de criação, temos o seguinte:

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica: Lei nº 9.427/96. ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações: Lei nº 9.472/97. ANP – Agência Nacional do Petróleo: Lei nº 9.478/97. ANVS – Agência Nacional de Vigilância Sanitária: Lei nº 9.782/99 ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar: Lei nº 9.961/2000. ANA – Agência Nacional de Águas: Lei nº 9.984/2000. ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquáticos: Lei nº 10.233/2001. ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres: Lei nº 10.233/2001. ADENE – Agência de Desenvolvimento do Nordeste: MP nº 2.156-5/2001. ADA – Agência de Desenvolvimento do Amazônia: MP nº 2.157-5/2001. ANCINE – Agência Nacional do Cinema: MP nº 2.228-1/2001.

O modelo estadual, dito multi-setorial, só tem uma autarquia: ASEP-RJ - Agência de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro. Foi criada pela Lei Estadual nº 2.686/97.

Bom, vamos avançar para o segundo ponto:

Funções das agências reguladoras: normativa (justamente chamada regulação), fiscalizatória e para-judicial (ou quase-judicial).

A função normativa é a aquela voltada para a produção de normas regulatórias. O fundamento de validade dessas normas não é a discricionariedade político-administrativa e sim a discricionariedade técnica.

Aluno: o Judiciário pode analisar esse ato? E entrar no mérito?

Prof.: Pode analisar os atos porque elas são autarquias. Agora, se pode entrar no mérito ou não, a gente cai naquela questão do controle judicial, mesmo sendo discricionariedade técnica.

A gente vai entrar numa discussão mais tarde sobre a possibilidade de haver recurso administrativo.

A função fiscalizatória é a própria fiscalização da prestação dos serviços que foram delegados.

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A função para ou quase-judicial significa que ela soluciona conflitos de interesses entre delegante, delegatário e usuário.

É evidente que a existência de solução de conflito em instância administrativa não afasta o acesso ao Judiciário.

É nessa faceta que existe a possível atuação do Ministério Público.

Ex.: houve um conflito de interesses estabelecido entre a Rodovia rota 116 e a população marginal (pessoas que moravam às margens daquela rodovia), que estavam sendo cobradas de pedágio. Entendiam que não deviam pagar pedágio igual aos outros, pois tinham que pegar o trecho todos os dias.

Naquele caso houve um acordo mediado pelo Ministério Público e a Associação de Moradores, a Concessionária, com participação da Agência estadual, na qual essa concessionária se comprometeu a cobrar uma tarifa correspondente ao trecho trafegado em relação às pessoas cadastradas pela Associação de Moradores.

É importante colocar que nessa fase quase-judicial pode haver intermediação do Ministério público. Ou seja, pode um conflito ser levado a essa Agência pelo MP quando ele instaura inquérito civil e oficia para que solucione o conflito. Por norma do Código de Processo Civil, os acordos referendados pelo MP têm natureza de título executivo, o que viabiliza que o MP execute esse acordo.

Qual é a grande questão? Foi feita uma questão no último concurso da PGE. A questão foi: Existe a possibilidade de as normas regulatórias revogarem normas legais anteriores sobre o mesmo tema? Em outras palavras: pode haver preponderância das normas regulatórias sobre normas legais anteriores e contrárias?

Podemos indagar ainda: a regulação importa numa revisão do princípio da legalidade? Porque pelo princípio da legalidade normas legais só podem ser revogadas por normas legais.

Por exemplo: o código de águas é uma lei ordinária de 1932. Só que nós temos hoje a ANA (Agência Nacional de Águas), que produz normas regulatórias sobre águas. Algumas dessas normas podem ser contrárias ao Código de águas. Essas normas podem predominar sobre normas legais que são anteriores a elas?

Considerando, então, que o fundamento de validade das normas regulatórias é a discricionariedade técnica questiona-se se tais normas têm o condão de inovar na ordem jurídica? Ou seja, podem revogar normas legais anteriores a ela?

Nós temos duas respostas aqui. Primeiro, não podemos esquecer que a Agência Reguladora opera sobre critérios técnicos. Então, por esse ângulo, poderiam até preponderar sobre normas legais, que não são técnicas e sim político-administrativas.

Agora, de outro lado, as normas produzidas pelas ARs não têm a legitimação do voto, até porque as leis (federais) são produzidas pela União. Essa constituiu seu poder legislativo e poder executivo pelo voto direto; portanto legitimou o poder para a produção de normas. Então, as normas produzidas pelas ARs não têm legitimação porque não são produzidas por entidades políticas, e sim entidades administrativas.

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Como ficamos? Não há jurisprudência sobre o tema. A questão não chegou ao STF, mas já vem sendo discutida.

Há duas grandes posições:

Alexandre Santos Aragão e José Maria Pinheiro Madeira: dizem que existe a possibilidade de normas regulatórias inovarem sobre a ordem jurídica. Para fundamentar tal tese, eles falam em “degradação do grau (ou nível) hierárquico”. Ou seja, as normas constitucionais quando permitiram (pelo menos por princípio implícito) a Regulação, teriam degradado o grau hierárquico das leis sobre os temas. É um argumento teórico para permitirem que normas técnicas predominem sobre as normas políticas.

Sobre as Agências Reguladores, somente existe menção (direta) a duas delas na Constituição Federal (art. 21, XI fala da Agência de Telecomunicações – ANATEL). Além disso, temos o art. 177, § 2º, III da Constituição Federal (ANP).

Aluna: Essa degradação ocorreu só em relação à ANATEL?

Prof.: Eles dizem que existe um princípio constitucional implícito de que as atividades econômicas fossem reguladas. Então, esse princípio teria degradado as normas legais. Nesse caso da ANATEL, não é só um princípio implícito, como uma regra explícita.

A rigor, a dúvida seria: normas das agências são normas legais? Ou tem hierarquia análoga a norma legal? Aqui, nós estamos dizendo o seguinte: são normas que tem hierarquia análoga a normas legais, porque podem criar obrigações inclusive. Ou seja, eles estão relendo o próprio princípio da legalidade, dizendo o seguinte: “Olha, podem ser criadas obrigações por normas regulatórias, porque elas têm hierarquia própria de lei”.

É uma posição de difícil fundamentação.

Alexandre de Moraes (obra sobre Agências Reguladoras que ele coordenou), Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Regulatório) e dois autores do Rio, quais sejam, Marcos Juruena Vilela Souto e Diogo de Figueiredo Moreira Neto: Eles dizem que normas regulatórias não podem preponderar sobre normas legais, independente do conteúdo técnico. Assim, seria impossível inovação na ordem jurídica. O argumento deles é o seguinte: é certo que normas regulatórias são normas técnicas, mas são normas produzidas por entidades administrativas (como autarquias). Seria incorreto que normas produzidas por entidades administrativas, que possuem autonomia administrativa, preponderar sobre normas produzidas por entidades políticas, que possuem autonomia política. Seria atécnico.

Assim, eles entendem que as normas regulatórias têm hierarquia análogo às normas infra-legais. Estariam abaixo da lei. Inclusive, foi essa posição que fez menção ao chamado “marco regulatório”, que seria a lei. Ou seja, a norma regulatória poderia ir até o “marco”; dali em diante, a matéria seria reservada à lei.

Então, vocês vão encontrar “degradação do grau hierárquico” na primeira corrente e “fixação do marco regulatório” na segunda corrente. Logo, a Agência poderia operar de forma livre em matéria técnica até a lei; dali em diante, tudo que inove a ordem jurídica, cabe à lei fixar. E se a Agência houver ultrapassado o marco regulatório, essa norma regulatória será inconstitucional, porque a matéria era reservada à lei e a forma seria incorreta.

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Bom, na próxima aula vamos fechar este tema sobre Agências Reguladoras.

Fim da aula 20.

Aula nº 21: Ordem Econômica e Agências Reguladoras (continuação). Intervenção do Estado na propriedade privada.

Bom, vamos continuar a estudar a questão das Agências Reguladoras dentro da Ordem Econômica.

Aluno: como fica aquela questão do marco regulatório?

Prof.: para quem entende que há um marco regulatório fixado, quer-se dizer basicamente o seguinte:

A regulação não teria alterado substancialmente o princípio da legalidade. Então, eles não dizem que há uma descaracterização (degradação) do nível hierárquico dessas matérias. Eles dizem que por não haver uma alteração substancial da legalidade, o que as normas regulatórias fariam é a fixação de um marco regulatório. Esse marco regulatório, até por não haver modificação substancial da legalidade, seria a lei, a qual não poderia ser ultrapassada.

Se essas normas ficassem abaixo do marco regulatório seriam válidas, por estar dentro do princípio da legalidade.

Se ultrapassassem o marco regulatório e alcançassem matérias que eram próprias de lei seriam inválidas, porque pelo princípio da legalidade, teve a forma incorreta. Deveria ter a forma de lei e não de normas regulatórias.

O que existe é uma alteração de sede, que seria o Poder Legislativo e passa a ser o Poder Executivo através de suas entidades. Em outros termos: houve alteração de quem seria emissor da norma, mas não de seu conteúdo ou de seu status.

Bom, para fecharmos a parte de Agências Reguladoras, temos que ver a questão das autonomias.

Autonomias.

As Agências Reguladoras têm três autonomias: administrativa, técnica e financeira. Cada uma dessas autonomias será revelada por um fato.

Autonomia administrativa.

Vocês vão ler em todos os livros que nas Agências Reguladoras existem mandatos e que esses durariam 8 (oito) anos. A rigor, mandato é um termo equivocado, porque pressupõe eleição, o que não ocorre nas Agências Reguladoras. Ao invés de mandato, digam investidura por tempo certo.

Ou seja, a diretoria dessas Agências Reguladoras está investida por tempo certo. E só pode vir a perder o cargo por falta grave apurada com contraditório e ampla defesa em processo administrativo próprio. Não se configura aqui um tipo de cargo em comissão, porque o agente não pode ser exonerado pela simples perda de confiança.

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Esse é um dos grandes pontos que o Governo Federal quer alterar agora por emenda. Ele se deu conta que está diante de várias autarquias especiais, cujas diretorias foram constituídas sob o governo passado e ele não pode afastá-los, a não ser que haja falta grave.

É isso que revela a autonomia administrativa. Sua diretoria não é formada por agentes de cargo em comissão, mas sim cargo por tempo certo.

É interessante colocar que a investidura nos cargos depende da participação de dois poderes. O Executivo indica o nome, o Legislativo aprova o nome e o Executivo nomeia e dá posse. Uma vez nomeado e empossado, o diretor só perde o cargo por falta grave.

Ex.: ASEP-RJ. O Governador do Estado indica o nome. A ALERJ aprova o nome. O Governador nomeia e empossa. Uma vez empossado, só perderá o cargo por falta grave, mesmo que não tenha mais a confiança do Governador do Estado.

Autonomia técnica.

Já se disse que a discricionariedade dessas agências não é política-administrativa, mas sim técnica. Ou seja, ela decide com base em critérios técnicos e não com base em critérios políticos.

Qual é o fato que vai revelar a autonomia técnica que essas agências possuem? No último concurso da magistratura estadual, o Jessé Torres perguntava aos candidatos o que seria recurso administrativo impróprio? É isso que indica a autonomia técnica que essas agências têm.

No processo administrativo, o recurso pode ser classificado como próprio e impróprio. Qual é a distinção?

Recurso administrativo próprio é aquele em que as duas autoridades administrativas (aquela que pratica o ato e aquela que reexamina o ato) pertencem à mesma entidade. Ex.: foi interposto recurso administrativo contra ato de Ministro de Estado. Esse recurso é dirigido ao Presidente da República. Ambos pertencem à mesma entidade (União).

Ex.: foi interposto recurso administrativo contra ato de Secretário de Estado. Esse recurso é dirigido ao Governador do Estado. Ambos pertencem à mesma entidade (União).

Recurso administrativo impróprio é aquele em que as duas autoridades administrativas (aquela que pratica o ato e aquela que reexamina o ato) pertencem entidades diferentes.

Qual é a importância prática disso? Tanto existe autonomia técnica que o recurso administrativo impróprio não é cabível. Se fosse cabível, haveria um recurso contra ato praticado contra a diretoria da agência reguladora, dirigido ao Presidente da República ou ao Ministro da pasta respectiva. E isso sujeitaria uma decisão técnica a uma revisão política.

Para resguardar sua autonomia técnica é que não cabe recurso administrativo impróprio. Só cabe recurso administrativo próprio: só cabe recurso da sua diretoria para órgão dela mesma.

Autonomia financeira.195

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É revelada pelo fato de que as Agências Reguladoras têm auto-gestão financeira. Isso quer dizer que elas têm dotações orçamentárias próprias. Só que a grande fonte de custeio são valores que elas arrecadam. Ex.: taxa de fiscalização.

Qual é a grande questão? Foi dito aí taxa de fiscalização. Discute-se hoje em dia qual é a natureza jurídica dessa taxa. É taxa ou preço público? Tem natureza tributária ou contratual?

Temos duas posições na PGE do Rio de Janeiro.

Waldemar Decachi: entende que tem natureza tributária, portanto é taxa.

Vera Lúcia Kirdeiko: entende que tem natureza contratual, portanto é tarifa.

Quando estudamos serviços públicos, vimos essa discussão. Se nós entendermos que isso é taxa, incidem os princípios tributários da taxa. Caso contrário, não.

Aqui no Rio de Janeiro, a PGE adotou a posição de que se trata de tarifa ou preço público.

Só que o STF acabou de julgar uma questão análoga à nossa, só que em outro Estado: Rio Grande do Sul. Era questão sobre taxa de fiscalização da Agências de Serviços Públicos Concedidos. O caso era idêntico e se entendeu que era taxa.

Bom, com isso a gente fecha a parte de intervenção do Estado no domínio econômico.

Agora a gente entra no último tema.

Intervenção do Estado na propriedade privada.

Para estudarmos isso, é importante que a gente saia um pouco do direito administrativo e passe para o direito civil. Vamos ver um pouco de propriedade privada: características, aspectos, função social, etc. para depois analisarmos a questão da intervenção do Estado na propriedade privada.

Propriedade: é o direito de usar, fruir e dispor de bem corpóreo, como também de eventualmente reivindicá-lo de quem o detenha ou possua.

A partir desse conceito alguns autores portugueses dizem que a propriedade tem dois aspectos: interno (ou econômico) e externo (ou jurídico).

O aspecto interno (ou econômico) corresponde ao usar, fruir e dispor.

Usar significa utilizar segundo a destinação econômica.

Fruir significa retirar ou perceber frutos.

Dispor significa alienar, modificar substancialmente ou destruir.

O aspecto externo (ou jurídico) corresponde ao reivindicar de quem injustamente detenha ou possua o bem. E aí se diz que esse aspecto externo é formado por dois conceitos: exclusão e seqüela.

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Exclusão significa afastamento da esfera de domínio, de senhorio.

Seqüela significa perseguição do bem nas mãos de quem injustamente o detenha ou possua.

Com isso fechamos o conceito de propriedade.

Além disso, a gente pode acrescentar um outro estudo. Os autores alemães indicam as características que a propriedade tem. Segundo eles, a propriedade tem três características: exclusividade, plenitude e perpetuidade. Cada um desses itens tem exceções.

Exclusividade: a propriedade é, em regra, exclusiva e excludente. Ou seja, a propriedade pertence, em regra, a uma pessoa e por pertencer a ela exclui as outras pessoas. A exceção à exclusividade é o condomínio, sob qualquer modalidade.

Plenitude: a propriedade, em regra, investe seu titula na totalidade das faculdades inerentes ao domínio, quais seja, usar, fruir e dispor. A exceção é a propriedade restrita, ou seja, aquela em que alguma daquelas faculdades teria sido transferida a terceiros.

Embora eu não seja especialista em direito civil, aqui está a grande diferença entre um direito real e um direito pessoal.

Direito pessoal é o tipo de direito que, uma vez transferido, importa na transferência do exercício. Se alguém loca um bem, não transfere ao locatário a faculdade de usar (a titularidade), e sim o seu exercício. Porque o proprietário (locador) continua tendo a titularidade do uso, mas não está exercendo.

Já o direito real é aquele que, uma vez transferido, importa na transmissão da titularidade. Se alguém transfere para alguém o direito real de habitação, está transferindo o próprio real de uso. E aquele alguém passa a ser titular desse direito e não só do mero exercício.

Existem alguns direitos reais que transferem todas as faculdades. A enfiteuse, por exemplo, no Código Civil de 1916 é um exemplo em que o enfiteuta transmite ao senhorio a titularidade de todas as faculdades: usar, fruir e dispor.

Bom, voltando ao tema. Já vimos exclusividade e plenitude. Falta vermos a perpetuidade, que significa, a rigor, três conceitos: hereditariedade, imprescritibilidade e inviolabilidade.

Hereditariedade significa que a propriedade é transmissível causa mortis por herança.

Imprescritibilidade significa que o não uso da propriedade, por si só, não é causa suficiente para sua perda.

Inviolabilidade significa que a propriedade, enquanto estiver cumprindo sua função social, é objeto de proteção do Estado. Agora, no momento em que ela passar a descumprir a função social, deixa de ser objeto de proteção e passa a ser objeto de intervenção. Daí o nosso estudo ser a intervenção do Estado na propriedade privada.

A exceção à perpetuidade é a propriedade resolúvel.197

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Agora, nos falta analisar a função social da propriedade, que significa que a propriedade não é um fim em si mesmo. É um meio para se alcançar um fim: o bem-estar social.

Pode ser visto sob outro enfoque. De forma mais técnica, a propriedade pode ser analisada sob dois aspectos: um aspecto de titularidade, que é inerente ao direito privado; e um aspecto de exercício, que é inerente ao direito público.

Analisada sob o aspecto da titularidade, a propriedade é um direito absoluto. Como dizem todos os civilistas, ela é oponível erga omnes. Para o constitucionalista e para o administrativista, isso é um grande erro técnico, porque não existe direito absoluto.

Agora, analisada sob o aspecto do exercício, a propriedade é relativa. Em Direito Constitucional existe a possibilidade de ponderação envolvendo direitos fundamentais. Ou seja, a propriedade é um direito relativo e pode ser ponderada com outros direitos.

Ex.: desapropriação nada mais é do que um interesse público contrário ao interesse privado que justifica a perda da propriedade.

A função social está tratada em dois artigos da Constituição Federal: um sobre a função social na propriedade rural e outro para a função social da propriedade urbana. São os artigos: 182, § 2º (está dentro do capítulo sobre política urbana) e o art. 186 (está dentro do capítulo sobre política rural).

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

E o art. 186:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

Mecanismos de intervenção do Estado na propriedade privada.

Bom, quais são os mecanismos que o Estado tem para intervir nessa propriedade privada? São 7: requisição, ocupação temporária, limitação administrativa, tombamento, parcelamento e edificação compulsórios, servidão administrativa e desapropriação.

Requisição: direito pessoal consistente na utilização provisória de bem imóvel, bem móvel ou serviço alheio para atendimento de situação de perigo público iminente com posterior indenização dos prejuízos causados.

Esse conceito tem quatro partes: primeiro você indica a natureza jurídica (direito pessoal); segundo você indica qual é o objeto do direito (utilização provisória de bem imóvel, de bem móvel ou serviço alheio); terceiro você diz qual é a causa (atendimento de perigo público iminente); por fim, você indica qual é a consequencia (indenização posterior dos prejuízos causados).

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Está prevista no art. 5º, XXV; art. 22, III; e art. 139, VII. Está previsto no Decreto-Lei nº 4.812/42.

Ex.: Argentina invade o Brasil pelo Paraná. Pode ser que existam fazendas no Paraná que sejam estratégicas para a defesa do Estado. O Governo Federal constitui, por decreto, requisição sobre aquelas fazendas.

Está-se diante de uma situação de perigo público iminente (guerra externa); está constituindo a utilização provisória (porque vale durante a guerra) de bem imóvel (fazenda). Assim que a guerra terminar ele restitui o bem e paga os prejuízos causados.

Ocupação temporária: direito pessoal consistente na utilização provisória de bem imóvel para a prestação de serviços públicos ou a execução de obras públicas com posterior indenização dos prejuízos causados.

Embora parecido com o instituto acima, não se confunde.

Está prevista no art. 136, § 1º, II da Constituição Federal. Também está no Decreto-Lei nº 3.365/41, art. 36. E na Lei nº 3.924/61, arts. 13 até 16.

Ex.: o Município do Rio de Janeiro quer construir um viaduto, mas ele não pode interromper a via pública. Só que há um terreno baldio que está vazio, onde o Município pode guardar as máquinas. O que ele faz? Constitui uma ocupação temporária sobre aquele terreno.

Aluno: uma empresa (concessionário) que esteja fazendo uma reforma numa estrada poderia fazer uma ocupação temporária numa fazenda ao lado?

Prof.: a empresa não; só o Estado. Ou seja, o concedente poderia, mas o concessionário não.

Limitação administrativa: ato administrativo ou ato legislativo veiculado por decreto ou lei consistente em restrição permanente à utilização da propriedade de bem imóvel para a adequação da propriedade à sua função social sem indenização dos prejuízos causados.

Está prevista no art. 5º, XXIII e art. 170, III da Constituição Federal. Não existe lei que trate do assunto.

Ex.: gabarito de prédio. Se é dito que no bairro da Lagoa o gabarito de prédio é de 5 andares, existe uma restrição permanente ao uso que se dá à propriedade vertical para adequação do bem à função social que ele tem, sem que os prejuízos causados ao incorporador sejam indenizados.

Tombamento: procedimento administrativo consistente em restrição permanente à utilização e disposição da propriedade de bem imóvel e móvel para a tutela do patrimônio histórico e cultural sem indenização dos prejuízos causados.

Está previsto nos arts. 23, III; 24, VII; e 216 da Constituição Federal. Também tem fundamentação legal no Decreto-Lei nº 25/37 e Decreto nº 3.866/41.

Ex.: há uma casa que configura patrimônio histórico. Pode ser que seja tombada e, com isso, o uso e alienação sejam restringidos. O proprietário não vai poder pinta a casa de qualquer cor; vai ter que pintar a cor que se adequar à tutela do patrimônio histórico, etc.

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Se o proprietário não se sentir em condições de dar conta das exigências do Poder Público, pode afrontá-lo para que adquira o bem.

Parcelamento e edificação compulsórios: ato legislativo veiculado por lei específica para área incluída no plano diretor consistente em sanção aplicada ao proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado para adequação da propriedade à sua função social sem indenização dos prejuízos causados.

Está no art. 182, § 4º, I da Constituição Federal. E está na Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da cidade – art. 5º.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

Falta estudarmos a servidão administrativa e a desapropriação.

Vamos fechar o tema na próxima aula. Fim da aula 21.

Aula nº 22: Ordem econômica e intervenção do Estado na propriedade privada (continuação). Servidão Administrativa e Desapropriação.

Agora vamos estudar as duas principais formas pelas quais o Estado intervém na propriedade: servidão administrativa e expropriação (ou desapropriação).

Servidão administrativa: direito real de gozo ou fruição consistente na utilização permanente de bem imóvel para a prestação de serviços públicos, ou execução de obras públicas, ou trânsito de agentes públicos, com prévia indenização dos prejuízos causados.

Está fundamentada no art. 40 do DL nº 3.365/41.

Vamos colocar 3 notas para exaurir esse conceito. Em primeiro lugar, no direito público deve ser feita uma distinção entre a servidão administrativa e a desapropriação. Os autores têm feito menção ao meio branco e ao meio drástico de intervenção na propriedade privada. A servidão administrativa pode ser considerada um meio brando de intervenção do Estado na propriedade privada.

Dessa característica vai decorrer uma segunda: a servidão administrativa não transfere a propriedade do bem particular, ou seja, não importa em resolução da propriedade, mas apenas impõe um ônus real.

Daí decorre uma terceira observação: a indenização é referente ao valor do prejuízo do proprietário.

Agora, na desapropriação nós temos tudo ao contrário: é meio drástico de intervenção do Estado na propriedade privada.

A desapropriação resolve a propriedade, ou seja, expropriado o bem seu proprietário perde a propriedade que antes tinha.

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Isso gera o direito à indenização no valor do bem.

Em direito privado, deve ser feita uma distinção entre servidão administrativa e servidão privada. Isso porque a servidão administrativa está sujeita a normas de direito público (art. 40 do DL nº 3.365/41). Por isso, um dos pólos (o pólo ativo) dessa relação jurídica vai ser ocupado por uma pessoa jurídica de direito público.

Agora, na servidão privada temos um instituto de direito privado. Está regulado pelo Código Civil de 2002. Por isso, nos dois pólos vamos encontrar ou pessoa jurídica de direito privado ou pessoa natural.

Aluno: então se eu conseguir uma servidão sobre terreno público, nesse caso um dos pólos vai ser o poder público?

Prof.: você pode até ter servidão privada sobre bem público, mas nesse caso o Estado não figura com suas prerrogativas. Está figurando como se particular fosse. Você vai considerar como se fosse formalmente público, mas materialmente particular.

Uma última nota interessante para fecharmos esse conceito seria o seguinte: foi dito que o objeto da servidão administrativa é bem imóvel. Se quiserem derrubar um concurso inteiro, fazendo uma pergunta que nunca foi feita, poderiam perguntar se existe servidão administrativa sobre bem móvel. Outra seria: existe servidão administrativa sobre serviço alheio?

Qual é o objeto de uma servidão administrativa? Nós colocamos que é bem imóvel, porque é a única unânime em doutrina e porque é a posição do Prof. José dos Santos Carvalho Filho.

Temos 3 posições sobre o assunto:

José dos Santos Carvalho Filho: só admite servidão administrativa de bem imóvel.

Lucia Valle Figueiredo: entende que a servidão administrativa pode ter por objeto um bem imóvel ou bem móvel. Não pode ser serviço alheio.

Adilson Abreu Dallari: entende que é possível servidão administrativa sobre bem móvel ou imóvel e sobre serviço alheio.

Visto isso, vamos dividir o estudo da servidão administrativa em duas partes: um sobre os modos de constituição dela e outro sobre os modos de extinção.

Constituição da servidão administrativa.

Temos duas formas de criação de uma servidão administrativa: escritura pública e sentença judicial.

Aliás, nós já vimos que servidão administrativa pode não ser um ato auto-executório; pode ser um ato hetero-executório, assim como a desapropriação é. Ou seja, se houver acordo sobre a área a suportar a servidão administrativa será ato administrativo. Agora, se não houver acordo vai ter que ser proposta uma ação para demarcar a área.

Nas duas hipóteses, caso o objeto seja bem imóvel, ela tem que ser registrada. Inclusive a sentença.

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Então, podemos falar que as formas de constituição das servidões administrativas são: escritura pública ou sentença judicial levada a registro no RGI para que adquira a oponibilidade erga omnes.

Temos que ver uma questão que cai em prova oral: existe constituição legal de servidão administrativa? Sim, e se resume a um caso só: são os chamados terrenos reservados, que estão previstos no Decreto nº 24.643/34, art. 14. Os terrenos reservados são assemelhados aos terrenos de marinha. Esse decreto diz que a partir de onde os rios não sofram influência de maré, se conta uma linha de 15 metros. Isso se chama terreno reservado: uma faixa de 15m, que é obrigatoriamente lateral aos rios, onde não sofram influência de maré. E aí o art.14 desse decreto diz que esse terreno é reservado ao trânsito de agentes públicos.

Quanto ao terreno de marinha, não há dúvida de que ele é bem público. Agora, quanto ao terreno reservado, há dúvida quanto a isso, ou seja, se é público ou privado. Vejam que trânsito de agente público é uma das finalidades possíveis da servidão administrativa. Se você considerar que esse terreno é privado, temos que a lei (no caso um decreto) constituiu uma servidão administrativa. Houve a criação de uma servidão administrativa sobre terreno privado, cuja finalidade seja o trânsito de agentes público. Se você entender que o bem é público, não há que se falar em servidão administrativa.

E aí voltamos à questão: existe servidão administrativa instituída por lei? Em outras palavras: qual é a natureza jurídica dos terrenos reservados? Temos duas posições:

Hely Lopes Meirelles: entende que existe a possibilidade de instituição de servidão administrativa por lei, tendo em vista que os terrenos reservados seriam bens particulares.

Maria Sylva Di Pietro (posição majoritária): entende que não existe a possibilidade de instituição de servidão administrativa por lei. Para ela, os terrenos reservados são bens públicos e, por isso, o decreto não estaria constituindo uma servidão administrativa, mas sim um bem de uso especial.

Não há jurisprudência sobre o tema.

Extinção da servidão administrativa.

Pode ser extinta por 3 formas:

desaparecimento do bem: se o bem foi destruído não que se falar em servidão administrativa;

extinção do interesse público: o bem até existe, mas não há mais interesse público na servidão;

incorporação do bem ao patrimônio público: o bem existe; ainda há interesse; o interesse é tanto que nem se quer mais um ônus recaindo sobre o bem particular, mas o bem é incorporado ao patrimônio público. Logicamente, se o bem é público, não há mais servidão administrativa; há afetação do bem.

Visto isso, podemos avançar para o próximo tema, que é a desapropriação.

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Aliás, foi a questão do Ministério Público, sobre se havia juros compensatórios que não são utilizados. A resposta é sim, mas vamos ver o por quê.

Desapropriação (ou expropriação): procedimento através do qual há a transferência da propriedade de bem particular para o domínio público em razão de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social.

Vamos dividir esse conceito em três partes. A expressão “procedimento” indica a natureza jurídica da desapropriação. Acontece esse procedimento pode ser administrativo ou até judicial. Por isso não se qualificou a espécie de procedimento adotado, mas tão-somente o gênero.

Como saímos disso? Toda desapropriação tem duas fases: uma declaratória e outra executória. Os nomes são auto-explicativos. Na fase declaratória são declarados os pressupostos dela. Essa fase é obrigatoriamente administrativa.

Vamos abrir um parêntesis aqui: 100% dos livros no Brasil falam em decreto expropriatório, só que vamos ver hoje que há uma possibilidade de não ser utilizada a forma decreto. Isso porque o DNER, hoje DNIT, pode desapropriar também e como ele não é chefe do Poder Executivo, a forma não pode ser decreto.

Então, evitem utilizar o termo genérico “decreto expropriatório”. Prefiram “declaração expropriatória”. Em 99% dos casos a declaração expropriatória é um decreto, mas pode ocorrer esse caso do DNIT em que não há decreto.

Na fase executória se dá a execução das medidas que consumam a desapropriação. É aqui que mora o problema: enquanto a primeira fase é só administrativa, a segunda fase pode ser administrativa ou judicial. Se na segunda fase houver acordo sobre o valor a ser pago (se o particular concordar com aquilo que o Estado oferece) a fase também será administrativa.

Agora, se não houver acordo sobre o valor a ser pago, deverá ser proposta uma ação de desapropriação.

Então, é necessário cuidado. Nessa ação de desapropriação a defesa oponível é restrita, que só poderá versar sobre o valor a ser pago. Ou seja, não é objeto de contestação se o bem deveria ser expropriado ou não, porque a conveniência e oportunidade da expropriação é mérito administrativo.

Bom, e aí foi dito depois: “através do qual há a transferência da propriedade de bem particular para o domínio público”. Essa segunda parte do conceito vai indicar qual é o efeito da desapropriação, que é a transferência da propriedade.

É conveniente consignar que para efeitos de direito civil, a desapropriação é forma de aquisição originária da propriedade. Se o Estado comprasse o imóvel, estaria adquirindo com todos os vícios inerentes a ele.

Por fim, foi dito: “em razão de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social”. Temos aí os pressupostos em 3 conceitos jurídicos indeterminados, mas há uma concentração mínima para cada um deles.

Necessidade pública significa circunstância excepcional que justifica a expropriação do bem.

Utilidade pública significa conveniência da Administração Pública.

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Interesse público significa melhor atendimento do bem-estar social.

Bom, agora podemos avançar para um segundo ponto.

Classificação.

Ela tem basicamente duas espécies: desapropriação ordinária e desapropriação extraordinária.

Se ela for ordinária, pode decorrer de necessidade ou de utilidade pública ou de interesse social.

Se ela for extraordinária, pode decorrer para fins de urbanização ou para fins de reforma agrária.

Qual é a fundamentação? Se for ordinária (de necessidade ou utilidade pública), está prevista no art. 5º, XXIV, parte inicial, da Constituição Federal, combinado com o Decreto-Lei nº 3.365/41. Esse DL é chamado de Lei-Geral de Desapropriação. Se for ordinária de interesse social, está no art. 5º, XXIV, parte final, da Constituição Federal, combinado com Lei nº 4.132/62.

Se for desapropriação extraordinária para fins de urbanização, o fundamento está no art. 182, § 4º, III da Constituição Federal combinado com a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), art. 8º. Por fim, se for desapropriação extraordinária para fins de reforma agrária, o fundamento está no art. 184 da Constituição Federal, combinado com Lei Complementar nº 76/93, combinado com a Lei nº 8.629/93.

Qual é a melhor maneira de vocês estudarem isso? Basicamente todas essas espécies podem ser decompostas em 3 critérios: qual seria a competência para declarar a desapropriação, qual seria o objeto e como é paga a indenização.

Vamos às espécies então.

Desapropriação ordinária (necessidade ou utilidade pública).

Nesse caso a competência para declarar o bem expropriado pertence a qualquer entidade federativa (União, Estados, DF e Municípios).

O objeto pode ser qualquer bem, desde que tenha algum valor econômico.

E a indenização, segundo a Constituição, é prévia em dinheiro.

Desapropriação extraordinária para fins de urbanização.

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Basta pensar no seguinte: competência para urbanização é de quem? Município. Logo, a competência para a desapropriação para fins de urbanização é do Município.

Qual é o objeto? Se é para urbanização, só pode ser bem imóvel urbano..que descumpriu sua função social.

A forma de pagamento da indenização vem expressa na Constituição no art. 182, § 4º, III, isto é, mediante títulos da dívida pública e emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Desapropriação extraordinária para fins de reforma agrária.

A competência para a desapropriação para fins de reforma agrária é da União.

O objeto, por razões óbvias, é bem imóvel rural que descumpriu função social.

Por fim, a forma de pagamento a Constituição Federal no art. 184 prescreve o seguinte: “mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.

Vejam que o artigo menciona “prévio”, só que o pagamento começa previamente, mas termina posteriormente...no prazo de até 20 anos. Então, é pagamento posterior.

Antes de continuarmos, vamos fazer duas observações importantes.

Tomem cuidado com o art. 243 da Constituição Federal, porque não é caso desapropriação. Isso não é desapropriação porque não há indenização. Isso é o chamado confisco.

Visto isso, nós vamos estudar a desapropriação ordinária. Não vamos estudar a extraordinária porque ela tem suas características próprias...

Desapropriação ordinária.

Para o prof. Jessé Torres, competência na desapropriação tem 3 espécies: competência legislativa, competência declaratória e competência executória.

Competência legislativa é a possibilidade de produzir normas jurídicas sobre o tema. No caso, é só da União. Está na Constituição Federal, art. 22, II.

É interessante colocar a diferença que existe no Direito Constitucional entre competência privativa e competência exclusiva. A competência privativa, que é o caso do art. 22, é delegável. Poderia haver uma Lei Complementar federal delegando aos outros Entes a possibilidade de legislar sobre o tema. O art. 3º do DL nº 3.365/41 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, de modo que não afasta essa possibilidade prevista na Constituição.

Competência declaratória é a competência para declarar o pressuposto da desapropriação. Ela é concorrente entre todas as entidades políticas (União, Estado, DF e Municípios) na desapropriação ordinária.

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Existe uma exceção a essa regra: é a competência declaratória excepcionalmente atribuída ao DNER – hoje DNIT. Por isso, falamos que nem sempre há “decreto expropriatório”. Aqui pode haver uma norma que não tem forma de decreto. Isso está previsto no Decreto-Lei nº 512/69, art. 14.

Competência executória é a competência para a adotar das medidas tendentes a consumar a expropriação. Esta competência é concorrente a todas as entidades políticas e administrativas. Ou seja: União, Estados, DF e Municípios e respectivas Autarquias (inclusive Agências Reguladoras), Fundações Públicas, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista.

Também existe uma exceção aqui. São as concessionárias e permissionárias de serviços públicos. Elas não integram o 1º Setor (Administração Pública Direta e Administração Pública Indireta). Elas integram o 2º Setor (entidades delegatárias) e a Lei de Concessão e Permissão permite que elas possam executar a desapropriação.

Então, podemos ter uma situação extrema: pode ser que numa rodovia federal, a União legisle sobre a desapropriação, o DNIT declare o bem expropriado e a concessionária execute a desapropriação. É um caso extremo que pode acontecer.

A regra está no artigo 3º do DL nº 3.365/41 e na Lei nº 8.987/95, art. 31, VI e art. 40, parágrafo único.

Com isso a gente fecha a parte de competência.

Vamos ver a questão do objeto. Foi dito que o objeto pode ser bem de qualquer natureza, desde que tenha valor econômico.

Existem casos de impossibilidade natural e casos de impossibilidade jurídica do bem? Sim.

Temos dois exemplos de impossibilidade jurídica: o primeiro seriam direitos representativos de empresas cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal. Isso está no art. 2º, § 3º do DL nº 3.365/41.

Digamos que a gente tenha uma empresa que manipule energia atômica. O funcionamento desse tipo de empresa depende de autorização do Governo Federal. Não é admissível a desapropriação de ações dela.

O segundo exemplo são as terras produtivas. As terras produtivas não podem ser desapropriadas para fins de reforma agrária. Podem ser desapropriadas para outro motivo, mas para isso não. Isso está na Constituição Federal, art. 185, II.

Vejam que a impossibilidade jurídica pode até ser legal ou constitucional.

Temos também impossibilidade natural. Ex.: moeda corrente, até porque ela não pode ser objeto da desapropriação. Ela vai ser o meio de pagamento. Moeda antiga até pode ser, se tiver um valor intrínseco. Outro exemplo: direitos personalíssimos não podem ser expropriados, mas sua expressão econômica pode. Então, você não pode desapropriar a intimidade, mas a imagem sim que é a expressão econômica daquilo: algumas fotos que fazem parte de um acervo pessoal podem ser expropriadas.

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Resta aqui uma dúvida: o cadáver pode ser expropriado? Só dois autores falam sobre isso:

José dos Santos Carvalho Filho: entende que se presentes os pressupostos da expropriação, não há nenhum obstáculo jurídico.

José Carlos de Moraes Sales: é o principal autor sobre desapropriação hoje em dia. Ele entende que haveria impossibilidade natural. Ele diz que embora não exista obstáculo jurídico, é claro que existe obstáculo moral.

Isso voltou à moda agora por conta da questão das células tronco, em que se poderia inclusive vislumbrar uma hipótese de a União desapropriar um cadáver para realizar experimentos.

Pode ser expropriado bem pertencente à Entidade Pública (isso compreende entidade política e entidade administrativa)? A União pode expropriar um bem estadual? O Estado pode expropriar um bem federal? O município pode expropriar um bem estadual?

Temos que separar duas hipóteses: uma hipótese é de bem pertencente a entidade política (União, Estados, DF ou Municípios). Isso tem previsão legal. Está no art. 2º, § 2º do DL nº 3.365/41:

§ 2º. Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.

Então existe a possibilidade, desde que presentes duas condições: 1) autorização legislativa; 2) esta condição é discutível. Seria uma hierarquia federativa. Ou seja, a União pode expropriar bens dos Estados e dos Municípios. Os Estados podem expropriar bens dos Municípios, mas os Estados não podem expropriar bens da União e os Municípios não podem expropriar bens de nenhum deles.

Gente, quero colocar o seguinte: na prova de direito administrativo, nem questione isso, porque ninguém toca no assunto. Agora, em Direito Constitucional isso é de constitucionalidade duvidosa, porque cria hierarquia onde não existe. Ou seja, a Federação pressupõe que não exista hierarquia entre as entidades federativas.

Aqueles que sustentam que as normas previdenciárias que estabeleciam tetos diferenciados da União seriam inconstitucionais, está dizendo exatamente a mesma coisa. Ou seja, que não existe hierarquia na Federação a justificar esse tipo de tratamento.

É como disse: nenhum autor de direito administrativo discute isso, mas a recepção desse artigo é discutível.

A segunda hipótese seria de bem pertencente a entidade administrativa (Autarquia, Fundação Pública, Empresa Pública ou Sociedade de Economia Mista). Essa hipótese é mais difícil. Percebam que foi dito bem pertencente à Entidade Pública, que não obrigatoriamente é bem público. Se o bem pertence a Fundação Pública de Direito Privado, Empresa Pública ou Sociedade de Economia Mista ele é bem privado.

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Se a hipótese for de bem pertencente a entidade administrativa, temos que subdividir a questão: 1) bem pertencente a entidade administrativa com respeito à hierarquia federativa; e, 2) bem pertencente a entidade administrativa sem respeito à hierarquia federativa.

Na primeira hipótese, temos, por exemplo, a União expropriando bens de uma Autarquia estadual; o Estado expropriando os bens de uma Fundação Pública Municipal. A doutrina é pacífica no sentido da possibilidade disso ocorrer, com fundamento em analogia do art. 2º, § 2º do DL nº 3.365/41.

Na segunda hipótese, temos, por exemplo, o prefeito do Município do Rio de Janeiro pretendeu expropriar bens pertencentes à Docas, que é Sociedade de Economia Mista federal. Nesse caso, temos 3 posições em doutrina:

José dos Santos Carvalho Filho: entende não ser cabível, porque se existe interpretação analógica no primeiro caso, é porque se pressupõe respeito à hierarquia federativa.

Hely Lopes Meirelles: entende ser cabível, desde que o bem não esteja afetado a serviço público. Logo, nesse caso do prefeito do Rio de Janeiro, seria possível, porque estava afetado a atividade econômica

Sérgio de Andréa Ferreira: pode porque a hierarquia federativa a que a Lei-Geral de Desapropriação se refere, só se aplica entre entidades políticas e não entre entidades administrativas. Ou seja, este autor admite sempre a possibilidade de que uma entidade menor desaproprie bem pertencente a entidade administrativa de entidade federativa maior.

Foi dito que a indenização seria prévia e em dinheiro. O que seria prévia? Prévia significa que ela tem que ser integralmente paga até a consumação da desapropriação, ou seja o valor tem que ser integralmente pago até a data em que a desapropriação é consumada. Quando ela é consumada? Quando se registra o bem em nome do ente expropriante.

Um detalhe aqui: o STF admite que o expropriante se imita na posse, com pagamento parcial de 40% do valor arbitrado. Fundamento: o expropriante ao se imitir na posse, tem apenas a posse. A propriedade só adquirirá com o registro, logo após ter pago integralmente o preço.

Em dinheiro significa que não há precatório. Para o prof. Toshio Mukai significa que a indenização será paga com mandado de pagamento, em nome de fulano de tal.

É importante se dizer que o Estado, mesmo já tendo pago integralmente, poderá desistir da desapropriação, enquanto não houver o registro em nome do Poder Público. Mas deverá ressarcir eventuais danos materiais e morais sofridos pelo particular.

Para finalizar, faço referência à questão que caiu na prova do Ministério Público, no último concurso, em que o examinador dizia haver um terreno baldio, pertencente a um particular e que o Estado declarava como de utilidade pública para fins de desapropriação. Não houve imissão na posse. Perguntava-se se era possível a incidência de juros compensatórios.

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Aqui, gente, embora o art. 15-A do DL nº 3.365/41 só admita a incidência de juros compensatórios no caso de imissão na posse pelo Poder Público, caberiam sim os juros, pois desde o momento da declaração de utilidade, o particular ficou impossibilitado de fazer o uso que bem entendesse do seu terreno, e assim tirar dele algum proveito econômico. Logo, mesmo que o Estado não se tenha imitido na posse, nem dado ao terreno qualquer destinação, o particular, por ter ficado dele privado, não lhe podendo dar nenhuma utilização econômica, faz jus aos juros compensatórios.

Tudo bem gente? Alguma dúvida?

Pessoal, vamos ficar por aqui. Infelizmente o tempo urge, e esta é nossa última aula. Quero dizer que foi um prazer estar com vocês, desejo a todos muito boa sorte, e podem me convidar para a posse. Mas, por favor, depois da aprovação, quando forem comemorar, nada de "jantar dançante". Ou só jantar, ou só (festa) dançante. "Jantar dançante" é gafe. Podem contar comigo. Um abraço a todos.

Fim da aula 22.

Fim do módulo.

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