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Revista experimental dos alunos do curso de Jornalismo da Faculdade 7 de Setembro

Matéria prima 2013.2

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Revista experimental dos alunos do curso de

Jornalismo da Faculdade 7 de Setembro

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ADiretor Geral Ednilton Soárez

Diretor AcadêmicoEdnilo Soárez

Vice-DiretorAdelmir Jucá

Coordenador do Curso de JornalismoDilson Alexandre

Editores chefesEdma GóisMiguel Macedo

Projeto Gráfico e Direção de arteTarcísio Bezerra

Coordenador do Núcleo de FotografiaJari Vieira

Bolsistas do NPJor que participarem desta ediçãoGuilherme Paiva | DiagramaçãoAlexandre Fernandes | Diagramação

EditorialEdma Góis

Colaboraram nesta edição os alunos:

TextoSamara Melo, Bárbara Rodrigues, Angela Barroso, Lara Rovere, Saulo Lobo, Elrica Olinda, Paulo Victor Mascarenhas,Felipe Sena, Jordán Pimentel, Ravena Cascaes, Jéssica Castro, Gabriel Maia, Lucas Mota, Bárbara Rios, Luana Severo, Soriel Leiros, Gustavo Freitas, Gabriella Freitas, Cyntia Paula, Alexandre Fernandes,Rubens de Andrade, Augustiano Xavier.

DesignAlexandre Fernandes, André Almeida, Bárbara Rodrigues, Jéssica Castro, Guilherme Paiva,Zaira Umbelina, Jackson Pereira, Camila Menezes, Natasha Carvalho,Elayne Costa, Rubens de Andrade, Lylla Lima, Vanessa Freitas, Taiamara Gomes, Ariadne Sousa, Jéssica Castro, Bárbara Rodrigues, Frank Roger, Gustavo Mendes, Giuliano Vandson, Rodrigo Barros, Gustavo Freitas.

filósofa Elizabeth Grosz afirma que a casa é um dos espaços sociais fundamentais para a formação dos sujeitos. Este espaço físico pode ser lido como uma micro-cidade, em que regras são criadas, quebradas ou exercidas. Se aproximarmos nossa lupa dos últimos vinte anos no Brasil, o que se verá é um desenho múltiplo, em que “a casa”, ponto de partida da família patriarcal e monogâmica, já não mais tem um traço só. Esta mi-rada corrobora a tese de que a casa, mais ainda a família, muda ao sabor dos tempos, dos períodos em que vivemos. Mudanças econômicas, sociais e culturais fi zeram com que a tradicional imagem da família constituída de pai, mãe e fi lhos dividisse espaço em um álbum diversifi cado.

A nova casa brasileira, que ganhou novos acabamentos, como o entendimento do Superior Tribunal Federal (STF) a respeito das uniões homoafetivas, pode ter várias formas. Em uma é chefi ada por mulheres, em outra é formada como uma espécie de “mosaico”. Algumas famílias podem ter apenas duas pessoas - marido e mulher -, outras têm mais fi lhos, como em tempos passados. Em algumas casas, o talento passa de pai para fi lho, de irmã para irmã. Já o amor independe de gênero biólogo, po-dendo ser gestado ou construído a partir do desejo de adoção. Nesta edição, os repórteres da Matéria Prima conheceram vá-rios tipos de famílias, ouviram diferentes histórias. Pela pri-meira vez, a revista contou com a participação de alunos de Jornalismo de diferentes semestres, em uma tentativa de fazê--la um produto do curso e não apenas de uma disciplina em especial. Mais que ouvir e escrever, o exercício deste semestre foi buscar, a partir de um tema simples e muito próximo de to-dos nós, nuanças que passam a caracterizar nossas casas e, por que não, a nós mesmos nesta segunda década do século XXI.

Boa leitura!

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O que serquando crescer?

Café da manhã] Nesta edição de Matéria Prima, a direção de arte optou por trazer uma cor quente a fi m de relacioná-la com o tom cotidiano, caseiro e íntimo da temática família. Trouxemos a textura da madeira, dos panos de mesa e do cheirinho de café da manhã, momento especial do dia a dia de cada família.

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8 Tornando-se pais adotivos 16 Um casamento descolado26 Ciência e religião na construção familiar38 Do sonho de mãe ao despertar de uma vocação familiar 40 Amor além de continentes48 Famílias em situação de rua

SU

RI

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Deparar-se com um cotidiano diferente pode ser confrontante no co-meço, mas a mente precisa de um tempo para se habituar. Todos os dias conhe-cemos pessoas que moram longe da fa-mília e que têm seus motivos específi-cos para sair de casa. Trabalho, estudo, busca por novas experiências são alguns dos motivos que levam os jovens, cada dia mais cedo, a saírem da casa dos pais e buscarem sua independência com maior rapidez.

Deixar a cidade natal, amigos de in-fância e todos os mimos do lar familiar não é nada fácil. “Poder chegar em casa e ver minhas irmãs no sofá, meu irmão no computador e minha mãe na cozinha pra mim não tem preço”. Mayara Machado, 24, viu a necessidade de sair da casa dos pais aos 19 anos. Hoje, cinco anos depois, valoriza muito mais, os momentos mais simples que passa com a família. Afirma não existir melhor sensação do que a

segurança de poder contar com os fami-liares em casa, saber que independente do que aconteça existem pessoas que es-tão ali para lhe proteger.

A turismóloga Mayara partiu de sua cidade natal, quando pouco havia saído da adolescência. Em busca dos seus ob-jetivos e uma imensa vontade de crescer profissionalmente tomou a decisão de sair de Oliveira, uma cidade no interior de Minas Gerais e ir fazer faculdade em São Paulo. “Aos 19 anos já sabia o que ia acontecer da minha vida. Eu não queria ser dona de casa e ter filhos. Sempre sou-be que podia mais”. Sem pensar duas ve-zes foi morar com uma tia em São Paulo e fazer faculdade de Turismo. Mesmo com frio na barriga, e vários medos passan-do por sua cabeça, seguiu em frente. O fato de não gostar tanto da cidade em que morava, de não visar crescimento profissional e o término de um relacio-namento foram alguns dos fatores que

contribuíram para a decisão de mudar de casa, rotina, cidade, e principalmen-te, perspectivas. Morar com pessoas da família que não se tem tanto afeto di-ficultou a convivência. Achou realmen-te difícil lidar com pessoas que tiveram criações diferentes, não estão acostuma-das com seus hábitos ou maneira de ser. Como é preciso encarar algumas dificul-dades para concluir aquilo que é traçado, a turismóloga deixou tudo isso de lado e focou no futuro promissor que tinha pela frente. Morou três anos e meio fora de casa da primeira vez, voltou e passou um ano em casa, quando decidiu morar em Fortaleza. Sempre decisões tomadas em cima dos mesmos motivos. Dessa vez com a faculdade concluída veio à Fortaleza com mais esperança. Conseguiu empre-go e já mora na cidade há um ano.

Há dias em que a saudade é maior. Quando ela mais aperta, evita ligar pra casa, pois sabe que nesses dias está

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Cada dia torna-se mais comum famílias se dividirem e morarem em cidades diferentes. A vontade de está perto dos familiares não diminui apenas vira um costume

TEXTO | FOTO Samara Melo DESIGN Alexandre Fernandes e André Almeida

A saudade de quem mora longe

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chorava muito. Não gostava nem de pas-sar na frente do quarto que era dele”. Quando o segundo filho foi morar longe da família, Cristina teve mais facilidade em se adaptar. Já tinha passado por uma fase muito difícil e agora estava mais pre-parada para um passo como esse. Sempre procurou ver os filhos, uma vez por mês no mínimo. Sentia muita falta dos meni-nos, em casa mas não tinha como mudar e ir junto com eles pois o ex-marido tinha uma estabilidade na cidade em que mo-ravam. Hoje, alguns anos mais tarde, de-pois da sua separação do pai dos meninos voltou a morar com o filho mais velho Bruno. Há quase um ano tendo um dos filhos perto todos os dias, tem consciên-cia de que, pelo temperamento dos dois rapazes, seria algo inviável morar a famí-lia inteira junta. Sabe que um dia o filho vai construir uma família e vão morar em casas separadas novamente. Nos dias atuais, em um estágio que a experiência lhe preparou para esse tipo de situação, pensa que no futuro sentirá bem menos.

A vida segue caminhos que nem sem-pre planejávamos. Morar com os familia-res é algo muito bom, mas nem sempre conseguimos construir os nossos ideais perto da família. Aprendizados e expe-riências nos mostram que é preciso ser forte para arrumar as malas e sair em busca dos seus planos. O apoio da família é essencial para aguentar a saudade e a concretização de sonhos mostra quando o caminho escolhido está certo. u

mais suscetível a largar tudo e voltar para perto daqueles que mais ama. Esses são os dias em que se sente mais sozinha, por não conhecer tantas pes-soas na cidade, então respira fundo, se acalma e passa.

O apoio da família foi sempre o que lhe deu mas força. A mãe, quando sou-be da decisão, foi logo comprar a pas-sagem pois sempre visualizou o quão importante era esse passo na vida da filha. Mayara sempre gostou de novos desafios e tinha consciência que as mu-danças vinham acompanhadas de con-sequências. Hoje, estar longe da famí-lia é sua maior dificuldade e tem que vencê-la todos os dias. Um dia recebeu uma mensagem dos seus amigos dos tempos de escola, perguntando quan-do iriam se encontrar de novo. Sentiu um aperto no peito por não saber dar aquela resposta com precisão.

Por mais que hoje a saudade seja seu ponto mais fraco, em nenhum mo-mento cogita a possibilidade de voltar a morar em sua cidade natal. Pensa em ter Oliveira como um lugar em que as pessoas que mais ama residem e será sempre um ponto de passagem em suas férias. Guarda boas lembranças daque-le lugar e sabe que nas próximas férias, quando passar por lá, vai sentir vonta-de de ficar. A saudade é ruim e a roti-na de casa é muito boa, mas só tem a agradecer, com todas as mudanças que aconteceram na sua vida. De todas as dificuldades enfrentadas, desde morar de favor na casa de uma tia e ter o lado financeiro mais regrado, o único mo-mento em que quis voltar para casa, de verdade, foi quando se decepcionou em

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Sempre tive medo. Talvez o meu medo de ter medo seja maior do que o medo em siMayara Machado

um relacionamento. A vontade de ter o colo da mãe, o aconchego de casa e o amparo dos amigos foram sempre as coisas que Mayara mais sentiu falta. No mais, é só saudade mesmo. Acordar e ouvir uma música que lembra sua casa, uma foto, uma memória vai remeten-do a outra e pensa em como seria se estivesse em casa naquele momento em específico. Confessa que hoje esses pensamentos vêm com menos frequên-cia. Tenta diminuir esse aperto de está longe, falando todos os dias com a mãe pelo telefone. Com os irmãos, apesar de falar, é o lado mais difícil, então evita conversar muitas vezes com eles pelo celular porque sabe a falta que fazem e a vontade de largar tudo aumenta quando os escuta em uma ligação.

Gostar do que faz, dos amigos que tem feito, lhe dão força para concreti-zar seus objetivos em Fortaleza. Pensa em construir sua vida na cidade que mora hoje, mas tem ciência de que esse pensamento pode mudar a qualquer momento. Morar longe de casa tem sido um aprendizado diário e a turis-móloga quer continuar nesse estudo empírico da própria vida.

Tem sido comum nos dias de hoje adolescentes saírem da casa dos pais para estudar em cidades vizinhas ou até mesmo em lugares mais distantes. Da mesma forma que os filhos sentem saudade, os pais sofrem com a ausência diária de terem seus bens amados mais perto. Consideram um passo necessá-rio na vida dos filhos e por torcerem pelo seu crescimento acabam apoian-do essa decisão. Cristina Nogueira, mãe de Bruno e Thiago, já mora longe dos filhos há mais de dez anos e, mes-mo sabendo que é a lei natural da vida eles seguirem os seus caminhos, sofreu muito quando teve que dar esse passo.

Quando o filho mais velho, Bruno, saiu de casa para ir fazer faculdade, ela sentiu muita falta. Era o filho que tinha mais afinidade de gostos, o que estava sempre mais presente em casa e se davam muito bem. “ Senti muito, entrei em depressão,

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O ato sublime de adotar independente de cor ou idade e os osbstáculos encontrados na hora da adoção

TEXTO Bárbara Rodrigues FOTO Álbum de Família DESIGN Bárbara Rodrigues e Jéssica Castro

To r n a n d o - s e p a i s a d o t i v o s

Está pensando em ser pai adoti-vo? Ao lado da expectativa e da alegria em ser pai, o medo e a incerteza, uma sensação de incapacidade, igual a de pais naturais. A mãe natureza dá aos pais na-turais a possibilidade da gestação, que é um preparo físico e emocional, para a chegada do mais novo membro da fa-mília, e que dura, em média 9 meses. Já com o filho adotivo essa “gestação” tem um tempo imprevisto, podem ser anos ou meses.

O casal Frutuoso Junior, 46 anos, e Helania Gonçalves, 41 anos, tinha uma vida quase completa, mas para eles sem-pre faltava a realização de um sonho: serem pais. Em 2005, detectaram que

tinham um problema para gerar filhos, o qual foi encarado como um problema do casal e não como de um ou do outro. A partir dessa descoberta, fizeram trata-mentos de reprodução assistida. Foram nove tentativas, sendo oito de fertiliza-ção in vitro e uma de inseminação arti-ficial. Nenhuma das tentativas obteve o sucesso pretendido.

A infertilidade pode ser uma das mais difíceis experiências da vida de um casal. Isso porque a dificuldade em gerar um filho ativa fantasias, às vezes, incontro-láveis tanto para o homem como para a mulher. Para o homem, um filho repre-senta virilidade e força. Já para a mu-lher, é o símbolo máximo de sua condição

feminina. Quando o casal tenta ter filhos e não consegue, essa incapacidade ator-menta o relacionamento, a vida sexual, a estima pessoal e o contato com amigos e familiares. O médico moderno tem con-dições de ajudar casais inférteis, mas o tratamento é caro, longo e acessível ape-nas nas grandes cidades do país.

Para enfrentar essa situação-limite, vale a pena pensar com o coração, levan-do a sério a possibilidade de adotar uma criança. Afinal, o amor é uma dádiva, um sentimento que se conquista e se trans-mite. Ninguém nasce amando, o que sig-nifica, em outras palavras, que é possível aprender a amar. Se o casal decidir pela adoção, estará não apenas firmando um

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compromisso amoroso como também do-ando amor a si mesmo. Por que se ator-mentar com a infertilidade, se há sempre uma criança à espera de ser amada?

O pai adotivo Frutuoso Júnior recorda que o processo foi muito doloroso até sa-berem que não teriam capacidade de ter filho de forma natural e quando esse so-nho não é realizado, impacta no relacio-namento do casal. “Nós não tinham mais condições psicológicas de tentar mais ve-zes. Financeiras nem se fala. Mais a ques-tão psicológica é a mais impactante, por-que o financeiro, nós ganhamos dinheiro novamente, mas o emocional, não tem di-nheiro que pague.” As tentativas foram de 2005 a 2012, quando finalmente ama-dureceram a ideia de adotar uma crian-ça. Foram seis meses acompanhados de psicólogos. Mas, para adotar, é necessá-rio ter bastante responsabilidade, mais até do quer ter um filho natural biológico. Quando se adota uma criança que já está sendo rejeitada-e nenhum ser humano merece ser rejeitado duas vezes-, então é preciso muito amor, e estar preparado para isso. Helania, também destaca o sen-timento de adoção e amor pelo seu filho do coração: “Nós assumimos uma crian-ça que tem grande interação na minha família, ela foi uma revitalização na nos-sa vida, tanto para os meus pais, que já são idosos, como pra gente, como casal. O Luca veio como uma luz para as nossas vidas que nos fortalece para enfrentar qualquer problema.”

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Luca, o nome que os pais adotivos pre-tendem dar quando o processo de ado-ção da criança for finalizado, é um me-nino de apenas 11 meses e que já está, nesse meio tempo, recebendo carinho e amor da sua nova família. O que mais preocupa os pais de Luca é a lentidão com que é feito o processo de adoção no Brasil e as suas novas leis. Mas essa não é só uma preocupação e uma dúvida dos pais de Luca. Também é a dúvida de muitos brasileiros.

Como adotar?O que fazer para adotar uma criança?

O primeiro passo é a habilitação à ado-ção. Deve-se contatar a Vara de Infância e Juventude de sua cidade, com os dados e documentos necessários para o cadastro como adotante. Uma vez entregue com-pleta a documentação, a pessoa será cha-mada para uma entrevista com uma assis-tente social, onde serão abordadas as suas motivações para adoção. Após a entrevis-ta, a lei exige que os adotantes passem por cursos de orientação e aspectos jurídicos,

psicológicos e sociais da adoção são abor-dados. Cumpridas estas etapas, o nome da pessoa passará a ser listado no cadas-tro nacional de adotantes. A partir desta inclusão no cadastro, a qualquer momen-to a pessoa poderá ser chamada à Vara da Infância, para receber uma indicação de adoção (detalhes da criança, idade, sexo, características físicas), e, caso a indicação pareça adequada, ir conhecê-la no abrigo e confirmar o interesse pela adoção desta criança. Essa é a maneira natural de como é feita a adoção.

Gerar significa criar, conceber, produ-zir, originar, formar, desenvolver, nascer. Palavras que se aplicam perfeitamente à fe-cundação e à gestação de um novo ser. Para adotar também é preciso gerar dentro de si a mesma vontade. Adotar é um ato de cora-gem e muito amor, sem preconceito, e com total responsabilidade por aquele novo ser que entra na família e passa a fazer parte dela para sempre. A decisão do casal e a adaptação da família são essenciais para que a criança nasça para todos de forma tran-quila e seja bem-vinda. u

Nós assumimos uma criança que tem grande interação na minha família, ela foi uma revitalização na nossa vida , tanto para os meus pais, que já são idosos, como pra gente, como casal

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Casais com filhos adultos e mentalidade de avós se deparam com a chegada do caçula

TEXTO Angela Barroso FOTO Luisa Porto DESIGN Guilherme Paiva e Zaira Umbelina

U m b e b ê a o s 4 0 . E a g o r a ?

“Nem sei por onde começar...” Não, não é a matéria, mas sim o pensamen-to de Luisa Porto quando olhou para sua pequena Maria, recém nascida em seus braços. Aos 46 anos, representante de uma multinacional, com viagens toda semana, dois filhos, Larissa de 22 anos e Bruno, 20, ela e o marido viram suas vidas darem uma guinada radical. Um bebê em casa . E agora?

Ao saber que estava grávida, a pri-meira reação foi de susto. Com hema-tose uterina, Luisa estava prestes a fa-zer uma cirurgia de retirada do útero quando soube da surpresa que logo

depois se transformou em uma felici-dade que não sabe descrever. “Antes tínhamos uma vida mais livre, a nos-sa vida mudou para sempre. Hoje penso duas vezes antes de sair de casa”, co-menta a mãe, que necessita diariamen-te montar um rodízio de horários com o marido e os filhos para auxiliarem na criação da caçula. “Mudou todo o rit-mo da casa”, acrescenta o pai, Castelo Porto, 49 anos.

Segundo a psicóloga Thaís Oliveira, a chegada de um filho, depois de vin-te anos de casamento, pode causar um impacto, pois o casal já tem uma

estabilidade financeira e conjugal. Suas vidas estão acomodadas.“Como já não há mais mamadeiras, choros, fraldas e noites mal dormidas, o ca-sal necessita remontar toda essa ex-pectativa da nova realidade” explica Thaís. Não só os pais serão “afetados”, mas também os filhos mais velhos en-frentarão desafios no relacionamento com a criança. “Trata-se de uma re-lação de cuidado e proteção sem as mesmas responsabilidades dos pais”, diz a psicóloga.

Com essa diferença gritante de ida-de entre irmãos, o companheirismo não

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a mãe da criança que tira de letra o b-a ba da rotina.

São várias as contingências em rela-ção a esse novo na vida do casal. A pro-fissional, Thaís Oliveira aponta algumas dicas de como estreitar essa relação de idades tão distantes entre pais e filhos. Uma delas é buscar informações sobre tudo e evoluir na mentalidade na for-ma de educar, pois os assuntos de hoje são outros, os desenhos, as imagens, a tecnologia, as relações com os amigos e os modelos de família. As cabeças não batem muito, os pais nem sabem mais como as crianças pensam. É importante que esses pais estejam cercados por pes-soas mais jovens que os ajudem a com-preender esse mundo melhor. É uma verdadeira parceria. Os “filhos filhos” serão com certeza melhores pais com essa convivência com o “filho neto” da família, gerando mais maturidade.E fica a dica principal: não relaxar nos limites.Limite é prova de amor. u

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acontece. As brincadeiras não são em pa-res já que os adultos são maioria na fa-mília. O mais novo terá provavelmente uma educação de filho único, brincará sozinho e 90% das vezes crescerá mima-do. “A minha maior dificuldade é que os dois mais velhos estraguem a educação da Maria. Quando eu quero educá-la, eles ficam com pena”, conta Luisa, que insiste em dar limites a filha de dois anos. “São os limites que definem a personalidade e eu não quero minha filha mimada”, afir-ma ela, consciente também de suas limi-tações e desafios em se controlar e não perder a paciência cedendo em demasia ao querer da caçula.

“Pais com mentalidade de avós têm tendências fortes em mimar estes fi-lhos”, explica Thaís Oliveira com expe-riência de que a mentalidade dos pais hoje não é a mesma de 20 anos atrás. “Normalmente os filhos mais velhos são os suportes dos pais na relação com o bebê. O mundo mudou”.

Com renda familiar apertada, sem babá e o marido desempregado, a famí-lia de Luisa sabe que a prioridade de tudo é da mais nova. Prioridade até mesmo em relação ao próprio corpo que foi relaxan-do após o parto. “É o tempo de cuidar de minha pequena, do meu milagre, da mi-nha realização”, disse.

No caso de Geany e Francisco Lima, a filha Maria Clara foi totalmente dese-jada. O casal com três filhos com mais de 20 anos resolveram tentar mais um. Para eles, foi uma imensa alegria em co-meçar tudo de novo. “È muito mais fá-cil em relação aos outros”, diz aliviada

Como já não há mais mamadeiras, choros, fraldas e noites mal dormidas, o casal necessita remontar toda essa expectativa da nova realidadeThaís Oliveira

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Laços deF a m í l i a

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A saga de uma família mosaico, em uma verdadeira novela do século XXI

TEXTO/FOTO Lara Rovere DESIGN Jackson Pereira

“Pai, mãe. Por que vocês não se se-param?” Se a pergunta, com um quê de pedido, já soa estranho hoje, imagina há duas décadas. Luiz Henrique e Fernanda poderiam questionar a origem dessa ideia, incomum para uma criança de 4 anos. Mas eles sabiam a resposta. Afinal, embora casados, viviam a separação dia-riamente. Ambos estavam no segundo ca-samento e tinham filhos do primeiro. De seus irmãos, Lara era a única que ainda convivia com pai e mãe debaixo do mes-mo teto. Na semana, com a casa cheia, tudo era perfeito. Até chegar o sábado...

Os dois irmãos maternos, Manuela e Raphael, saiam para passear com o pai, Jorge. Já Luiz Henrique ia para a casa da ex mulher, encontrar com Rafael e Flavinho, que já passavam a semana lon-ge. Sobravam Lara, Fernanda e o tédio.

Nas datas comemorativas, como ani-versário e Natal, os irmãos ganha-vam tudo em dobro: festas, presentes... “Deve ser bem mais divertido!”, pensava. Quando aconteceu a separação, sete anos mais tarde, foi um susto. Aquela fase já tinha passado. Com 12 anos, ela adorava contar as histórias da grande família no

colégio e acreditava que os pais ficariam casados para sempre.

A família não parou de crescer. A essa altura, Manuela e Raphael já ti-nham mais dois irmãos, Jorginho e Júlio - fruto do segundo casamento de Jorge. Madeline, mãe de Rafael e Flávio, não casou novamente. Luiz Henrique tam-bém não. Já Fernanda, apaixonou-se por Silvério. Assim, os marinheiros, ele de primeira viagem e ela no quarto embar-que, tiveram Lucas.

A árvore genealógica dos Costa-Bandeira-Oliveira-Souza é vistosa não

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pela quantidade de frutos, mas por suas ramificações. A essa configuração familiar, comum no século XXI, dá-se o nome de mosaico. A psicóloga Ticiana Barroso explica melhor esse conceito e garante que existem muitas mulhe-res como Fernanda por aí. Esta, ali-ás, poderia se chamar Helena, nessas “Páginas da Vida”, repletas de Laços de Família.

Depois de escrever a matéria evitando o uso da 1ª pessoa do singular, cá estou eu, frente a frente com as minhas lem-branças. Aos quatro anos, pedi aos meus pais que se separassem. Aos 12, chorei a separação. Com 15 anos, fiquei indi-ferente à gravidez da minha mãe. Era a caçula e não queria perder meu reinado por nada. Hoje, aos 24, sou inteiramente apaixonada pelo Luquinhas e por cada meio irmão que a vida me deu. Com a Manu e com o Rapha dividi a infância, a adolescência, colecionei álbuns de fi-gurinhas e histórias. Tivemos catapora juntos, viajamos, brigamos e fizemos as pazes repetidas vezes. Vimos irem embora os primeiros dentes, os primei-ros namorados e, o pior de tudo, nos-sos pais, levados cada um a seu tempo, e cedo demais.

As metades da laranjaDo lado paterno, com Rafa (até hoje

ouço as piadas por ter dois irmãos com

No colégio, todos falam sobre seus irmãos. Lara enumera: “tenho quatro. Manuela, Raphael, Rafael e Flávio.” E mais uma vez precisa quase desenhar a árvore genealógica da família para explicar a suposta “falta de criatividade” com os nomes

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o mesmo nome) e Flavinho, a descober-ta veio um pouco mais tarde. Um amor maduro, construído devagarinho, com um momento ali outro acolá na infân-cia, uma viagem na adolescência e uma dor tão dilacerante que mesmo dividi-da só se multiplica. Com a morte do nosso pai, em julho do ano passado, me sinto cada vez mais ligada a eles. É uma forma de senti-lo vivo, pulsando em cada um de nós. Acho curioso ob-servar que, apesar de tão diferentes, te-mos muito mais do que um sobrenome em comum

Quando o Lucas nasceu, morava com o meu pai. Ao mesmo tempo em que vivia com ele uma das experiência mais incrí-veis da minha vida, mantinha uma dis-tância segura daquela criaturinha que acabava de chegar ao mundo. A família já era grande. Pra mim, não havia espaço para mais ninguém. Voltei a morar com a minha mãe e, apesar da resistência ini-cial, com o passar dos dias me vi comple-tamente abobalhada, pela primeira vez no papel de irmã mais velha. Hoje, não há quem me conheça que não saiba pelo me-nos uma história do Lucas. Ele já pautou diversos trabalhos e pauta, diariamente, minhas conversas.

Manuela, Raphael, Rafael, Flávio e Lucas. Há quem chame de meio irmãos. Esse nunca foi meu sentimento. Se a mi-nha família não fosse exatamente como é, talvez, aí sim, não me sentisse completa.

A família mosaíco e seus desenhos

A psicóloga Ticiana Barroso explica o conceito de família mosaico e dá dicas de como conviver bem com os rearranjos, destacando o jogo de cintura de Fernanda, protagonista dessa novela moderna.

O conceito mosaico é uma das novas faces da família moderna. Apesar de ser mais comum se ver atualmente, o assun-to ainda é muito delicado quando enca-ramos isso na prática. Os traumas da se-paração dos pais ainda são uma realidade e quando isso é somado com a nova união ninguém sai ileso. Tudo é confuso no iní-cio. Paciência e boa comunicação ainda são as melhores armas para uma con-vivência saudável. Existem algumas re-gras que os psicólogos estabelecem para que essa nova estrutura familiar consi-ga conviver de forma tranquila. Algumas delas são: respeito acima de tudo, não en-carar o enteado como filho, transparên-cia e diálogo. Voltando ao texto, noto que a narração é feita com muito bom humor. A autora descreve com requintes de sau-dosismo histórias passadas e situações de cotidiano. Sendo assim, apesar de to-das as dificuldades com três casamentos e quatro filhos, Fernanda (mãe da auto-ra) consegue ministrar essa orquestra como uma verdadeira maestrina, na eterna luta de manter todas as peças do mosaico nos seus lugares, afinal o que importa é o desenho como um todo. u

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“Aqui é meu pai, eu e meu outro pai”

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O conceito de família mudou com o passar do tempo, reflexo das transformações sociais

TEXTO Saulo Lobo FOTOS Arquivo Pessoal DESIGN Camila Menezes e Natasha Carvalho

Vitória Régia Fernandes Damas-ceno tem cinco anos. Desde agosto de 2013 ela tem uma casa, uma família e uma certidão de nascimento, todas novas. Diferentemente do que es-tamos habituados a ler, na dela está la-vrado assim: “filha de: Claudio Antônio Fernandes Damasceno e de: Luiz Roberto Fernandes Damasceno”. A menina agora tem dois pais.

De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal Brasileira, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.Em 3 de agosto de 2009, o presidente Lula sancionou a “Nova Lei da Adoção”. No texto final da Lei, é permitido que a adoção seja fei-ta por maiores de 18 anos, independente do estado civil. Em caso de adoção con-junta, exige-se que os adotantes sejam casados no civil ou mantenham uma

união estável. A Lei não trouxe artigo ou alteração sobre a possibilidade ou não de casais homoafetivos adotarem crian-ças, mas, esse fato, tem sido bastante re-corrente devido à jurisprudência*. No entanto,desde 2011, tramita o Projeto de Lei nº 2.153 que permite aos casais homo-afetivos adotarem crianças e adolescen-tes conjuntamente.

Juntos há quase 18 anos (que serão completos em janeiro de 2014), o psicó-logo Cláudio Fernandes, 41, e o profes-sor de matemática, Roberto Damasceno, 41, já possuem um contrato de união es-tável há cinco anos.Foi assistindo aum programa de tevê, de uma emissora lo-cal, e vendo que o número de crianças para serem adotadas era maior do que o número de pessoas inscritas na fila para adoção, Claudio de imediato ligou para tirar uma sua dúvida: “Como é que um

casal homofetivo estável pode adotar? Da mesma maneira que um casal héte-ro”, respondeu o entrevistado do progra-ma no link ao vivo.

No outro dia, entusiasmados com a ideia, os dois seguiram para o Fórum Clóvis Beviláquapara preencher a ficha do cadastro nacional de adoção. Foi um ano na fila esperando para serem chama-dos. “Foi tudo super normal. As pessoas receberam a gente da melhor maneira possível. A gente não viu discriminação nem nada”, afirmou Claúdio. Os dois logo traçaram o perfil da criança desejada: ambos os sexos, de três a cinco anos, e com a possibilidade também de adota-rem dois irmãos.

Segundo a assistente social Fátima Castro, responsável pelo Setor de Adoção da Vara de Família do Fórum Clóvis Beviláqua, o perfil mais procurado para

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Agora temos um foco novo. Tudo é para a VitóriaClaudio e Roberto Damasceno

Como é que um casal homofetivo estável pode adotar? Da mesma maneira que um casal héteroClaudio Antônio

adoção são criançastradicionalmente brancas, do sexo feminino e de até um ano de idade.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente, existem 5.471 crianças e adolescentes inscritos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Desses, 1.787 são brancos, 1.035 são ne-gros e 2.062 são pardos. Sendo um nú-mero de 9.474 casais com predileções por crianças brancas.

Durante o cadastro, os futuros pais são convocados para reuniões, onde são in-formados acerca da legislação de adoção; é exposto como será a vida em família;e, também, é explicado o funcionamento das casas de adoção.

Foi um ano de espera na fila, até os dois serem contatadosde que havia uma criança dentro do perfil escolhido. A pri-meira tentativa não deu certo. A segunda também não. Depois de quase desistir, os dois resolveram ligar para o Fórum e sa-ber se havia alguma criança para eles. A resposta veio de imediatoe de forma po-sitiva: Vitória estava no Lar Batista. Foi amor à primeira vista.

“Foi uma sensação indescritível”, re-velou Roberto.“Com duas semanas, pedi-mos a guarda provisória dela, e em me-nos de oitos dias, saiu a resposta. Nós a levamos para nossa casa, conhecer sua futura família. Fizemos questão de fa-zer diferente de muitos pais adotivos. A nossa prioridade era que ela conhecesse realmente a futura família”, destacou.

A guarda provisória dura seis meses, e os pais são avaliados mensalmente pela equipe interdisciplinar do Fórum. Desde a chegada Vitória já os chamou de pai. Era pai Cláudio e pai Roberto. “O aten-dimento de todo mundo no Fórum foi o

que facilitou pra gente. Eu nunca vi eles distinguirem a gente em qualquer situa-ção. Uma vez fui lá, e um juiz perguntou: “Cadê o seu esposo?Eu ri e até me espan-tei com esse termo”, lembra o psicólogo.

O que é prezado em primeiro lugar pela Justiça, é o direito da criança. Ela vem sempre em primeiro lugar. São feitas inúmeras avaliações de psicólogas e as-sistentes sociais, que examinam a crian-ça, os futuros pais, o lar e as condições que serão ofertadas. Isso sim é o que di-ferencia dos demais.

O processo da menina Vitória durou um ano e oito meses. O relacionamento sempre foi tratado com muita naturali-dade pelos dois. Por isso, não foi difícil contar para a menina com quem ela iria morar. Os dois sempre iam visita-la no abrigo à noite. Para ela foi fácil assimi-lar isso. Quando questionada pela equi-pe, durante o processo adotivo, Vitória dizia para a psicóloga: “Eu tenho dois pais. Aqui é meu pai, eu e meu outro pai”. Demonstraem ações expondo os bone-cos, a maneira da sua futura família.

A vida do casal mudou completamen-te com a vinda da nova filha. E pra me-lhor. Já estabilizados financeiramente, a rotina do casal mudou. Enquanto um trabalha o dia todo, o outro teve que re-duzir a carga horária para dar a devida atenção merecida, e auxiliar nas tarefas da escola. “Agora temos um foco novo. Tudo épara a Vitória”, destacam os dois.

Questionados acerca de família, os dois são enfáticos. “Família é a união de duas pessoas que lutam para que

tudo dê certo”. A base de um relaciona-mento se solidifica diante do respeito entre as pessoas, e, consequentemen-te, a forma como isso é repassado para a sociedade.

O Censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), contabiliza cerca de 60 mil casais homossexuais assumidos em todo o território nacional. Os direi-tos dos homossexuais é uma constante luta, que vem sendo enfrentada pela so-ciedade. O modelo de família baseado na união entre homem e mulher vem sendo desmistificado diante das novas configu-rações familiares assumidas. Dentre elas podemos destacar a monoparentalidade e as recomposições dos casais homoafeti-vos, que agora já podem se casar no civil.

A adoção e a homoafetividade são fa-tos que se impõem na sociedade e que se deve ter em evidência o bem estar das crianças e adolescentes. Esse processo é baseado somente na afetividade, e as pessoas devem compreender que o úni-co interesse aqui estabelecido deve ser o amor ao próximo.

* Doutrina assentada pelas decisões das autoridades competentes, ao inter-pretarem os textos pouco claros da lei ou ao resolverem casos por esta não previs-tos. (Dicionário Michaelis online) u

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Um casamentodescolado

Um novo conceito de família surge e mostra que a relação em casas divididas também pode ser tão unida quanto outras que vivem juntas debaixo do mesmo lar

TEXTO Elrica Olinda FOTO Lua Alencar DESIGN Elayne Costa e Rubens de Andrade

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Foram sete anos de namoro até chegar o dia do casamento. Já casa-dos, sem muitas formalidades,vieram os fi lhos: Luís Neto, hoje com 27 anos, e Mariana, com 22. O casamento da con-tadora Gleide Oliveira e do assessor par-lamentar, Luis Pereira Júnior, ambos de 55 anos, tinha tudo para ser mais um casamentocomum, como outros daque-la década de 1960.Mas, devido às muitas circunstâncias, eles acabaram se sepa-rando, quando a fi lha mais nova tinha aindatrês anos de idade.

O curioso dessa história é que,três anos após o rompimento, eles voltaram a namorar e montaram uma estrutura familiar. O motivo: Luís e Mariana.”Nós somos separados, mas temos cumplici-dade, porque o foco das nossas vidas são os nossos dois fi lhos. Temos muita ma-turidade hoje com relação a isso... E hoje temos uma estrutura bacana. Nossa vida social é única!”, pondera Gleide.

Podendo se relacionar com outras pes-soas, os dois resolveram se envolver com eles mesmos, resolveram apostar nova-mente nessa relação. Tentaram dar mais uma chance para o romance que come-çou na juventude, quando Gleide ainda entrava na faculdade. Mas, com um deta-lhe: cada um na sua. É, isso mesmo! Cada um na sua casa.

Embora sejam tradicionais, com uma estrutura familiar - pai, mãe e fi lhos -, o relacionamento acabou se tornando um casamento moderno,sem intenção, por conta de vários fatores, como a incom-patibilidade de opiniões,e outrosque aca-bam contribuindo para que cada um viva no seu espaço, mas com muito respeito e

fi delidade.”Hoje ele mora só, mas somos uma família também. Temos um compro-misso. Eu com ele, ele comigo e nós dois com nossos fi lhos. É uma situação inusi-tada, é diferente, mas é boa!”, ressalta a contadora, que não esconde o brilho no olhar quando o assunto é falar do mari-do, que é namorado, e dos fi lhos.

Quando indagada sobre como as pesso-as enxergam essa relação, Gleide revela que todos entendem. Embora achem mo-derno demais, respeitam. A família, os amigos em comum, continuam os mes-mos. Nada mudou durante esses 28 anos de relação,26 desses, de corpos separa-dos, como ela costuma se referir.

Mas, um dos motivos que fi zeram com que Gleide e Luís Jr. pudessem reatar a re-lação, foi o fato de Mariana, muito apegada ao pai, ter desencadeado uma depressão, causadapela ausência da fi gura paterna dentro de casa. A partir daí, os pais viram a necessidade que se fazia diante daquela situação. Mariana, até hoje, não aceita a relação “moderna” dos pais.Para ela, foi muito difícil amadurecer essa ideia.

“Eu já me acostumei com isso, mas an-tes foi muito ruim pra mim. Porque sou muito apegada ao meu pai. Queria que ele estivesse perto de mim todo tempo, mas não era possível”, revelou a fi lha, que hoje consegue respeitar essa relação.

Embora existam muitos fi lhos que acham que esse tipo de casamento é nor-mal, e que está na moda, Mariana e seu ir-mão não gostam de falar sobre esse assun-to. “Meu irmão não fala nada sobre isso. Ele guarda tudo pra si. Não aceita essa re-lação, mas consegue conviver e respeitar.”

Diante de tantos fatores que contribu-íram e até contribuem para que hoje eles permaneçam longe um do outro, o dese-jo de um dia voltarem a morar debaixo do mesmo teto,é algo que não dá pra se esconder. Gleide acredita que será uma fase maravilhosa, porque nada melhor do que casar de novo, com o pai dos seus fi lhos. Ela reconhece que quando se está envelhecendo, é importante que se tenha uma companhia.

Mariana, que nem lembra mais como é morar com os pais, também pensa que no começo será difícil, mas que será bem melhor do que antes, pois o amor que eles sentem uns pelos outros é muito grande. E quando os quatros estão jun-tos, esse sentimento é notado por todos. Principalmente por causa da união.

Já Luís Jr., o ‘namorido’, acha que quan-do esse dia chegar, vai ser um pouco es-tranho, pois faz muito tempo que eles vivem como namorados.”No começo vai ser difícil, mas a vontade de estar juntos é o que sustenta esse pilar. E é o que vai fazer com que a adaptação aconteça da forma mais rápida possível”, acredita. u

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Hoje ele mora só, mas somos uma família também. Temos um compromisso. Eu com ele, ele comigo e nós dois com nossos filhosGleide Oliveira, contadora

TEXTO Elrica Olinda FOTO Lua Alencar DESIGN Elayne Costa e Rubens de Andrade

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Para a psicóloga Lirian Figueiras, os pais devem pensar no bem estar dos filhos em primeiro lugar durante o processo de separação.

TEXTO/FOTO Paulo Victor Mascarenhas ILUSTRAÇÃO Arquivo DESIGNER Lylla Lima e Vanessa Freitas

DivórcioComo ficam os filhos?

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O impacto que a separação dos pais causa na vida de uma criança pequena sempre foi um assunto delicado.Muitas pessoas acreditam que filhos de pais se-parados crescem e invariavelmente se tornam adultos problemáticos.Porém, esse mito vem aos poucos sendo descar-tado.Especialistas afirmam que, havendo diálogo, o divórcio não precisa necessa-riamente ser uma experiência traumáti-ca para a criança.

A psicóloga Lirian Filgueiras comenta sobre a forma como os pais devem pro-ceder: “Apesar do momento da separa-ção ser sempre difícil, é importante que os pais tenham maturidade para que o bem-estar dos filhos esteja sempre em primeiro plano.Caso as divergências entre os pais sejam insuportáveis, é aconselhável buscar ajuda terapêutica ou de familiares ou ainda amigos, com o objetivo de atingir um patamar mí-nimo de equilíbrio antes de conversar com os filhos”.

A psicóloga afirma ainda que o mo-mento de sentar com os filhos e dar a notícia deve ser o mais tranquilo possível.A revelação será um choque para eles, mas, dependendo de como o

Diálogo é fundamentalA professora e sócia da DAAD Fortaleza

Adriana Cabral, mãe de duas jovens adul-tas, separou-se do marido quando as fi-lhas ainda eram pequenas.Ela acredita que o divórcio não é necessariamente uma experiência traumática para crian-ças pequenas, e que é possível para os pais manterem uma relação harmonio-sa mesmo após a separação.“Pode ocor-rer (o trauma) se não houver diálogo, que deve ser franco e objetivo.Acredito que dizer a verdade é fundamental”, afirma a professora.Ambos os pais entraram em novos casamentos e as famílias se rela-cionam bem entre si.

O diálogo continua sendo o principal aliado na fase de transição pela qual os filhos passam durante o divórcio dos pais, fase marcada por confusão e medo das mudanças que o fato causará na vida de todos, além do fardo de se sentirem responsáveis por ele.Os pais devem entender que os filhos são um laço que os manterá conectados um ao outro pelo resto de suas vidas.Apesar de estarem separados, eles sempre fa-rão parte da vida um do outro, e devem manter uma relação harmoniosa a fim de garantir a felicidade e o bem-estar de seus filhos. u

assunto for abordado, seu impacto não trará consequências negativas.“É im-portante que as crianças percebam que os pais continuarão presentes em suas vidas, mesmo já não mais morando na mesma casa”, explica.

Os pais precisam organizar seu tempo para que ambos passem tempo com os filhos.Segundo a psicóloga, “a guarda compartilhada é um excelen-te recurso para que as crianças con-tinuem mantendo contato com o pai e a mãe”.É claro que dividir dias da semana entre duas casas implica uma infraestrutura grande e também que os pais tenham conseguido manter um relacionamento saudável entre si, com uma boa condição de diálogo.

A criança invariavelmente senti-rá falta de ter os pais em casa, por isso é necessário que ambos continuem a ser uma presença constante em seu cotidiano.“Caso seja o pai que tenha sa-ído de casa” – afirma a psicóloga – “É importante ligar regularmente para os filhos, comparecer a reuniões e eventos na escola, idas ao médico ou outros pro-fissionais que acompanhem as crianças.É indicado ainda conversar com os profes-sores para que eles fiquem atentos à mu-danças de comportamento – que podem incluir desatenção, agressividade – antes não observadas”.

Durante o processo da separação, exis-tem cuidados que os pais devem tomar para que os filhos não sejam afetados de forma negativa.Explicar que eles não são culpados pelo divórcio é essencial.Também é importante mostrar civili-dade quando em presença das crianças, jamais se agredindo (física ou verbal-mente) em ocasiões em que elas possam testemunhar o ocorrido.É aconselhável não discutir problemas (financeiros ou de outro tipo) na frente dos filhos, a fim de evitar atrito.

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Apesar do momento da separação ser sempre difícil, é importante que os pais tenham maturidade para que o bem-estar dos filhos esteja sempre em primeiro plano.Lilian Filgueiras

É importante que as crianças percebam que os pais continuarão presentes em suas vidas, mesmo já não mais morando na mesma casaLirian Filgueiras

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Quase toda mulher, pelo menos uma vez na vida, já sonhou em ser mãe. Em como seria a gestação, o nascimento, as noites acordadas, os primeiros passos do fi lho, o dia em que será chamada “ma-mãe”, o primeiro dia na escola e a criação diferente daquela recebida dos seus pais. Mesmo em situações desejadas, quando este momento chega, vem acompanhado

por uma avalanche de sentimentos. Na maioria das vezes, a alegria toma con-ta de todos ao seu redor e a futura mãe começa a sentir o maior e mais verda-deiro amor do mundo, o de mãe e fi lho. No entanto, quando a gravidez acontece na adolescência, algumas vezes assusta as futuras mães, seja pelas responsabi-lidades, os cuidados de uma gestação ou

a falta de planejamento em uma fase da vida que já é naturalmente conturbada.

A assistente social Maria Auxiliadora, a Dorinha, acompanhou diversas histó-rias de adolescentes grávidas e alerta que, mesmo com todas as campanhas de prevenção já realizadas, o número de jovens gestantes só aumenta. “Trabalho como assistente social há mais de 15

TEXTO/FOTO Felipe Sena DESIGN Jackson Pereira

A gravidez na adolescência e a responsabilidade antecipada

D e r e p e n t eA D U L T A

D e r e p e n t e

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ano. Não tínhamos programado nada. Quando vi, já estava grávida. Mas foi tranquilo, porque já trabalhava desde os 15 anos. Já tinha minha indepen-dência”. Durante a gravidez, o relacio-namento parecia tranquilo, mas após o nascimento do pequeno Heitor, as pressões aumentaram, as brigas come-çaram e a união não durou o bastante. “Nós estamos bem e felizes. O nasci-mento do Heitor foi a melhor sensação possível para os dois. Mas os desen-tendimentos começaram e após sete meses nos separamos”. Com o apoio de toda a família e principalmente da mãe, a jovem diz ter superado esta fase. “Minha mãe é quem mais me aju-da, mas tenho também meus outros fa-miliares que me apoiam e meu novo companheiro, muito presente.” u

Apesar das dificuldades, faria tudo novamente. Não sei o que seria da minha vida sem elaTamires Oliveira

Saiba mais

Preocupação nacional

Segundo a Organização Mundial

da Saúde (OMS), uma em cada

cinco adolescentes fica grávida

até os 18 anos e, anualmente,

em todo o mundo, 16 milhões

de adolescentes, entre 15 e 19, já

experimentaram a maternidade.

No Brasil, pesquisa realizada pela

Universidade Federal de São Paulo

(UNIFESP), com jovens entre 12 e 20

anos, ressalta a urgência de debates

sobre o tema. De acordo com o

estudo, 73% dos entrevistados não

usaram contraceptivos na primeira

relação sexual, 82% iniciaram a

vida sexual até os 15 anos e 54%

já tiveram relações no primeiro

encontro.

anos. Eu e as outras assistentes já fizemos diversas campanhas de conscientização do uso de anticoncepcionais no posto de saúde, em escolas e até de porta em por-ta, mas essa geração de jovens, mesmo sendo muito informada, é muito irres-ponsável”, afirma.

Na opinião de Dorinha, a imaturidade dos jovens, na maioria das vezes durante a gravidez ou pouco após o nascimento da criança, também influencia a vida de casal. Muitos não conseguem lidar com as dificuldades da nova vida em família e acabam se separando. “Infelizmente, os jovens pais acabam não formando uma família. Se separam, após o nascimento e até antes disso. A mãe fica com a função de criar seu filho sozinha, às vezes exer-cendo os papéis de pai e de mãe”.

Essa é a história da auxiliar adminis-trativa, Tamires Oliveira, que ficou grá-vida aos 15 anos, após apenas quatro me-ses de namoro. “Não esperava por isso. Morávamos na mesma rua desde criança, mas como casal não nos conhecíamos di-reito”. O fato foi um susto e uma surpresa para toda a família, porém todos ficaram muito felizes e apoiaram o casal. “A aju-da da minha família e do Augusto, pai da criança, foi essencial naquele momento e até hoje”. Durante a gestação, eles acaba-ram se separando. Mas após o nascimen-to da filha Taiane, reataram a relação. “Tentamos ficar juntos de novo, formar uma família”, lembra. Porém o encanto havia acabado e a nova tentativa do casal não passou de quatro meses.

A jovem acredita que a separação atra-palha um pouco a criação da filha. “Ela sente falta de ver os pais juntos. Isso di-ficulta a educação de Taiane, que já é um pouco rebelde.” Tamires, hoje com 25 anos, não se arrepende de nada apesar da vida dura para criar a filha. “Apesar das dificuldades, faria tudo novamente. Não sei o que seria da minha vida sem ela”, disse.

A retificadora, Keline Rodrigues da Silva, 26, também teve a vida alterada com a chegada do pequeno Heitor. “Eu e o Francisco estávamos juntos há um

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Assumindo o papel de pai e mãe ao mesmo tempo

TEXTO Jordán Pimentel FOTO Arquivo pessoal DESIGN Taiamara Gomes

LU TO

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Ser mãe não é tarefa fácil. Pai tam-bém não é nada simples. Mas, quando, por motivos maiores, um deles é levado a exercer os dois papeis mais importantes no crescimento de um fi lho? Abandono, rejeição, ausência, morte. Casos iguais, histórias completamente diferentes.

Rita Lucia Pimentel, 44, é viúva há quase oito anos. É mãe de Lucio Carlos Pimentel Paiva Junior, 23, Carlos Henrique Pimentel Paiva, 21 e Ana Carla Pimentel Paiva, 19. Filha de pai ausente, Dona Rita passou por muitas difi culdades na sua in-fância junto com os cinco irmãos. Cada um tinha que trabalhar desde pequeno pra ajudar no orçamento familiar. Até os 15 anos de idade, morava em Aracoiaba, interior do Ceará. De lá pra cá, reside em Fortaleza no bairro Monte Castelo. O ma-rido, Lúcio Carlos Pimentel Paiva, era ins-petor da Polícia Civil e veterinário forma-do pela Universidade Estadual do Ceará. Logo após seu casamento, Rita passou a dedicar sua vida à educação dos fi lhos e cuidar da casa. Antes do falecimento do marido, vítima de complicações após ter diabetes tipo dois, passou a cuidar de tudo: casa, fi lhos, marido. Ela comenta que foi uma das fases mais complicadas na sua vida. “Já tinha três fi lhos. Com a doença de meu marido, ganhei mais um. O plano de saúde na época tinha limita-ções. Fui uma enfermeira particular”.

Dedicar sua vida totalmente a fazer o que era preciso para amenizar o sofri-mento do marido e fi lhos, só sendo uma supermãe. “Levar os meninos pra escola, voltar pra casa pra fazer o almoço, trocar sonda, aplicar injeção, voltar pra pegar as crianças, ajeita a casa, era a minha roti-na”, lembra Rita.

Por mais que ela já esperasse o pior, devido a complicações e a não reação do organismo de seu marido com medi-camentos fortes, continuaria sendo um baque em sua vida. Chega a hora: Lúcio Carlos morre. Caberia a ela falar para os fi lhos o que tinha acontecido. A família se reuniu em apoio e cada um se com-prometia a ajudar de alguma maneira. E esse foi espírito que deu forças para ela

se reerguer. Uma mãe maravilhosa, dedi-cada, saiu de sua tristeza para se tornar mãe e pai. Continuou a se dedicar aos fi -lhos que também se comprometeram a ajudar. Tudo dando certo, o fi lho mais velho, que leva o nome do pai, presta um concurso e passa para o Instituto Militar de Engenharia, no Rio de Janeiro. Em me-nos de um ano é aprovado no Instituto de Politécnia, na França, onde reside. Carlos Henrique, o outro fi lho, presta vestibu-lar também para o Instituto Militar de Engenharia e é aprovado. Hoje, mora no Rio de Janeiro. Ana Carla passou em Matemática na Universidade Federal do Ceará e hoje é a única que mora com a mãe. Três fi lhos maravilhosos que aju-dam e sabem reconhecer o que já foi fei-to em prol da educação deles.

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Para quem nunca passou por isso, é im-possível entender como é grande a dor causada pela perda do cônjuge.É duran-te os períodos difíceis que a pessoa tal-vez precise de um pequeno empurrão na direção certa, para não perder contato com a realidade nem se entregar ao iso-lamento. Isso tem ajudado muitas viúvas e viúvos a dar um novo rumo à suas vidas.

Segundo psicólogos e psicanalistas, a viuvez pode trazer à mulher inúmeras transformações nos aspectos psicológico, social, emocional, fi nanceiro e espiritu-al. Ela demarca o início de uma nova fase na vida da mulher que diante do acon-tecimento, apresenta-se à família e à so-ciedade como uma pessoa com um novo status: viúva. É natural sentir a falta do companheiro que durante anos dividiu a vida em comum. Há a necessidade de dar--se um tempo para a elaboração do luto, da perda e também um tempo para a re-organização da vida.

O tempo que a pessoa precisará será defi nido por critérios individuais. Algumas pessoas se organizam muito rapidamente, outras precisam de mais tempo. O importante é que sejam respei-tadas nas suas singularidades. A família, os parentes, os amigos têm um papel mui-to importante nessa fase. Cabendo-lhes acompanhar, estarem presentes e respei-tar o momento que a pessoa viúva está passando. u

Já tinha três filhos. Com a doença de meu marido, ganhei mais um. O plano de saúde na época tinha limitações. Fui uma enfermeira particularRita Lúcia Pimentel, viúva há 8 anos

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TEXTO | FOTO Ravena Cascaes DESIGN Ariadne Sousa

Uma boa relação familiar é so-bretudo baseada na união de pessoas di-ferentes, que a partir de um laço amoro-so convivem se ajudando, aconselhando uns aos outros, vivenciando e compar-tilhando momentos, tanto de felicida-de quanto de tristeza. Essa é a realidade da família Martins, que a partir da mu-dança do filho Carlos Henrique, passou a buscar um conceito mais tranquilo de lidar com a vida.

Carlos Henrique é empresário, tem 24 anos. Tudo começou quando foi diagnosticado com uma pancreatite, processo inflamatório no pâncreas

causado pelo consumo em excesso de bebida alcoólica. Diante da situação difícil, o jovem buscou além do trata-mento médico, uma transformação in-terna. Foi assim que ele conheceu a co-munidade católica Um Novo Caminho, que realiza projetos sociais, encontros de casais, grupos de oração, uma co-munidade que não se resume apenas em um local onde se fazem orações.

A princípio Carlos Henrique fre-quentava a comunidade sozinho, a cada dia buscando se engajar mais e melhorar suas ações, encontrando um novo sentido para viver. O jovem

Há um ano e cinco meses conhecemos a Comunidade Católica Um Novo Caminho. A realização se concretiza no céu, mas hoje encontramos aquilo que realmente nos preenche e nos faz felizesCarlos Henrique

Mudança de

HábitoConheça a família que mudou seu modo de viver motivada pela fé

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empresário conta que teve sua vida to-talmente mudada, após sua entrada na igreja, pois antes sua vida se resumia a festas, bebidas e hoje ele se encontra numa nova vida, pacata e tranquila. Com isso, os familiares naturalmente se viram motivados a conhecer aqui-lo que beneficiou a transformação na vida do jovem, o que acabou aproxi-mando os pais e os outros dois ir-mãos das atividades realizadas pela comunidade.

Atualmente, os pais, por questões de saúde, não estão engajados em nenhum grupo, mas pretendem fazer parte do grupo de pais futuramente, mesmo já fazendo parte da comunidade e fre-quentando eventos, missas, orações juntamente com os três filhos. Já Carlos Henrique e os outros dois irmãos es-tão engajados em diversas iniciativas, como o projeto Que Seja Um, voltado para casais de namorados que buscam alicerçar seu relacionamento em Deus. O irmão mais velho Tony, 27, participa do Grupo Ponto de Partida, formado por pessoas que vão pela primeira vez à comunidade, e o mais novo, Carlos Eduardo, 13, frequenta o Caminhando com Jesus, para adolescentes entre 10 e 14 anos. Os jovens ainda participam das ações sociais realizadas periodica-mente e dos grupos de oração.

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Sempre fomos uma família unida, mas hoje Deus se faz mais base dessa união, procuramos sempre nossas orações em família e buscamos praticar o amor, o perdão e a união, pois cada família é uma igrejaMazé Martins

Serviço

Um Novo Caminho

Rua Dom Expedito Lopes, 1949 |

085 3242-7766

Sabádos ás 17:30h / Domingos às

19:00h

Tony conta que as mudanças na con-vivência da família são notadas todos os dias, além dos novos hábitos indivi-duais. “A maior mudança é que busca-mos ser pessoas cada vez mais dedica-das aos ensinamentos de Deus”, disse.

A mãe Mazé Martins, 49, conta que a família sempre foi católica, mas co-nhecendo a comunidade tiveram a oportunidade de entender mais a sua religião. “Hoje juntos nos esforçamos para viver segundo uma família em Cristo”, afirma.

Além dos pais e dos filhos, as namo-radas também fazem parte da comu-nidade. A noiva do filho mais velho, Tony, fala sobre a mudança na família. “Mesmo sendo sempre católicos, eles eram diferentes do que são hoje. Foi a partir da mudança do Carlos Henrique que todos nós tivemos a curiosida-de de conhecer aquilo que o havia

transformado em um novo homem”, conta Wládia Cacau, 22.

De acordo com a jovem, apesar da fa-mília sempre ter sido unida, tornou-se mais fortalecida depois de entrarem na Comunidade Um Novo Caminho. As diferenças passaram a ser mais respei-tadas com a compaixão ao próximo e o amadurecimento na fé de cada um. u

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26 // MATÉRIA PRIMA 2013.2

Amor e fé, sentimentos capazes de ultrapassar a decisão de ter filhos, mesmo com o advento da medicina como ferramenta para ajudar casais com essa dificuldade

TEXTO Jéssica Castro FOTO Álbum de família DESIGN Jéssica Castro e Bárbara Rodrigues

Ciência e religião na construção familar

Para muitos casais, engravi-dar do primeiro filho não é tão fá-cil. Os mais jovens, com idade entre 20 e 30 anos, conseguem ter filhos com mais facilidade. Já aqueles com idade mais avançada, e em que o homem ou a mulher tem com problema de inferti-lidade, ter um filho se torna um gran-de desafio.

Mas, será que existe um método para os casais que não conseguem ”engravi-dar”? Muitos médicos dizem que a úni-ca solução é a fertilização in vitro, mais conhecida como “bebê de proveta”.

Deve-se ao fato da fecundação do óvu-lo pelo espermatozóide ocorrer fora do corpo,. Esse procedimento é realizado em laboratório. Para a igreja católica, o processo de fertilização é “pecado”, pois as técnicas usadas lesam o direito da criança de nascer de um pai e uma mãe conhecidos dela e ligados entre si pelo casamento. Alguns casais que são cató-licos, nem sempre estão de acordo. Para estes, a vontade de ter um filho é maior do que qualquer lei. Já aqueles casais que são ligados à igreja, acham que a fertili-zação é “pecado”, seguem essa teoria, e

de maneira alguma vão descumprir a lei da igreja, mesmo que a vontade de ter um filho seja grande.

A socióloga Cristiane Ferreira, 38, e o policial Eriton Holanda, 45, muito cató-licos, com uma expectativa de vida muito boa, há alguns anos estão tentando ter um filho, mas Eriton só tem 1% de chance de engravidar a esposa e nem pensa em aderir a métodos da medicina. Isso não se torna um problema entre eles, já que Cristiane, em 2008 conseguiu engravidar do primeiro filho, mas, infelizmente, o perdeu com três meses.

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“Fazia os cálculos da minha menstru-ação, logo notei que estava atrasada e fui ao médico fazer exames. Não queria criar expectativas mas era o que eu esperava: o resultado deu positivo. Fiquei eufórica. No momento não sabia o que fazer. Logo caiu a ficha e fui correndo contar para o meu marido”, recorda.

A notícia alegrou a todos, principal-mente o marido que ainda estava sem acreditar. Cristiane, que participa de uma comunidade católica, foi contar a novidade para seus amigos. Os dois pro-curaram saber mais sobre a gravidez, fi-zeram planos e já estavam pensando em comprar o enxoval do bebê.

Apesar da felicidade do casal, algo havia de acontecer. Os meses se passaram, era só felicidade entre Cris e Eriton e os familia-res. Mas, infelizmente, Cristiane percebeu um pequeno sangramento. Chamou a irmã e foi ao médico. O resultado era o que Cris já havia pensado: havia perdido o bebê. O sofrimento foi muito grande por parte de toda a família, mas Eriton recebera uma atenção maior. Para ele,que pensava que nunca seria capaz de ter uma criança, já que tinha pouca possibilidade de engra-vidar a mulher, uma criança naquele mo-mento era um milagre de Deus.

“No momento em que minha esposa fa-lou que estava esperando um filho meu, fiquei muito feliz. Aquilo pra mim era um momento só meu e dela. Eu ainda não ti-nha noção do que era ser pai e o que ia ensinar pro meu filho. A perda do bebê foi um choque pra mim e para a família”, desabafou.

Fortalecimento da féCom o acontecimento, o casal que era

bastante católico se engajou mais ain-da na igreja. Participaram de palestras sobre famílias, seminários de vida no Espírito Santo, e continuaram tentando formar uma família completa. Os fami-liares do casal então deram a ideia da fer-tilização, mas isso para eles era pecado e seria um descumprimento das leis da igreja. Para o casal, isso não seria o mais adequado, tudo tinha o momento certo. Foi então que eles resolveram conversar com um padre, e só tiveram mais certeza do que haviam pensado.

Conversaram com o padre da paróquia sobre o assunto da fertilização, mas ele orientou que esse não era o caminho cer-to. “Era o que eu já havia esperado. O pa-dre, então, nos indicou um congresso que iria ter sobre família. Eu e Cris fomos e lá sentimos um alívio no coração, algo nos dizia que nunca deveríamos perder a fé, e que ela aumentou mais ainda”, ressal-tou Eriton.

Para os familiares mais próximos, a so-lução seria a adoção de um filho. Uns con-cordavam, outros não, mas Eriton e Cris não queriam desistir e continuariam ten-tando no método tradicional. A adoção passava pela cabeça deles. Muitas pesso-as questionavam se era o certo. O casal acreditava que havia certa dificuldade no processo de adoção e uma fila imensa, e eles não queriam esperar muito.

Com o passar do tempo, Eriton conti-nuava muito triste com a perda do bebê.

Fazia os cálculos da minha menstruação, logo notei que estava atrasada e fui ao médico fazer exames. Não queria criar expectativasCristiane Holanda

Nada é maior do que minha fé. Seeu já consegui ter um filho mesmo que tenha sido por três meses,porque não posso ter um filho pelo resto da vida?Eriton Holanda

Ele não conseguia acreditar ainda que a mulher havia perdido seu filho. Passou, então, passou a se culpar por causa da sua infertilidade. Cris resolveu procurar um médico e saber o que tinha o mari-do. Ela sabia que algo de errado estava acontecendo. O médico disse que Eriton estava com depressão e precisava fazer um tratamento.

“O momento em que estávamos pas-sando precisava de uma atenção muito grande, a depressão é uma doença mui-to ruim. O meu marido estava inconso-lável, não queria comer, não conseguia dormir, não queria ir trabalhar, não ti-nha nenhum ânimo para fazer nada. Eu tive que pedir muito a Deus pra ajudá-lo a enfrentar essa barreira e continuamos a frequentar as missas”, afirmou Cris.

Hoje, Eriton está curado da depressão. Eles continuam tentando e acreditando que, um dia, serão pais. O casal é da pas-toral da igreja e esclarece que eles nunca vão desistir de tentar formar uma famí-lia. Questionado ainda sobre fazer a fer-tilização, Eriton responde curto e gros-so: “ Nada é maior do que a minha fé. Se eu já consegui ter um filho, mesmo que tenha sido por três meses, porque não posso ter um filho pelo resto da vida?”, ao perguntar na expectativa de que dias melhores virão. u

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as meninas para passar o feriado juntas com o irmão em Fortaleza. “Foi um único fim de semana, mas que fez muita dife-rença”, disse Ana.

Segundo larMãe e filho passam cerca de um mês

sem voltar a Tianguá. Parece pouco tem-po para quem está viajando de férias,

preciso deixar Caio sobre os cuidados das irmãs de caridade e ir até Tianguá buscar

Fora do lar na luta pela vidaMães ficam longe da família para acompanhar tratamento médico de um único filho

TEXTO/ FOTO Gabriel Maia DESIGN Lylla Lima e Vanessa Freitas

Não parece fácil ter que conviver com a distância e o sofrimento de lutar contra uma doença às vezes incurável. A saudade e a angústia são sentimentos corriqueiros. As dificuldades podem até ser infinitas, mas a vontade de lutar pela vida sobrepõe às barreiras que parecem impossíveis de romper-se.

Elas deixam o marido e outros filhos em casa e viajam para cuidar da saúde de um único membro da família. Como diz a parábola da ovelha perdida, no livro de Lucas, da Bíblia Sagrada, às vezes é neces-sário abandonar 99 ovelhas para cuidar apenas de uma. Essa realidade é vivida hoje pelas mães da Casa do Menino Jesus em Fortaleza, abrigo de que acolhe crian-ças doentes em tratamento.

Ana Célia do Nascimento tem 29 anos e quatro filhos. Ela tem residência fixa na cidade de Tianguá, há cerca de 330 quilô-metros da capital, mas, desde 2011,resi-de na Casa do Menino Jesus em Fortaleza. Entre idas e vindas, já são três anos acompanhando o filho Caio, de 8 anos, no tratamento de uma doença grave, a Hemorragia Digestiva Alta, que causa san-gramento no esôfago e estomago.

A mãe deixou as duas filhas com a avó materna na cidade de origem. O outro fi-lho mora com o pai. As meninas são as que mais sentem falta de Ana Célia. Elas recla-mam do tempo que são obrigadas a passar longe da mãe. “As meninas falam que não dedico tempo a elas. Elas ainda são crian-ças, fica difícil entender essa situação. No começo eu chorava muito, agora choro me-nos, mas não me acostumei”, conta Ana.

No último dia das crianças, Ana fez uma surpresa para as duas filhas. Foi

Não posso desistir da vida do meu filho. Seria muita fraqueza minha fazer issoAna Célia

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Casa do Menino JesusFundada em 15 de maio de 1980,

pela irmã de caridade Maria Batista de Andrade, a Casa do Menino Jesus é uma entidade beneficente que auxilia mães e filhos de outras cidades dando-lhes abri-go temporário durante o tratamento mé-dico. A “obra das filhas do amor de Jesus Cristo” atua em três estados brasileiros: Gama (DF), Belém (PA) e Fortaleza (CE).

No início, o propósito da obra era rea-lizar trabalho sócio religioso em creches e escolas, promovendo ações eucarísticas na ajuda dos mais necessitados. Surgiu como uma creche que depois passou a abrigar doentes em fase de recuperação.

Os moradores da casa recebem gratui-tamente hospedagem, alimentação, me-dicamentos e transporte para os locais onde são feitos os tratamentos.

A sede de Fortaleza tem capacidade para receber 20 pessoas de cada vez, dez mães de dez filhos. As famílias são encaminha-das ao lar pelo serviço de assistência social dos hospitais públicos da capital. u

De acordo com a chefe do setor de Assistência Social do hospital, Moema Guilhon, o Albert Sabin recebe mui-tas crianças com o estado de saúde muito grave, algumas até em estado terminal de vida. “Muitas mães não estão preparadas para o sofrimen-to, o ser humano é muito frágil. O acompanhamento psicológico é es-sencial para o sucesso do tratamen-to. Cada caso é diferente do outro, é muito difícil lidar com isso, mas nós tentamos de alguma forma, por meio do acompanhamento psicoló-gico e social exclusivo, amenizar os problemas”, disse.

Por estar longe de casa, Caio pas-sa muito tempo sem frequentar a escola, o que acaba prejudicando a educação do menino. “Um dos meus maiores sonhos hoje é ver o Caio len-do. As professoras reclamam porque ele falta muito. Todos os coleguinhas dele já estão bem mais avançados. Mas quando ele ficar bem vai voltar a estudar regularmente”, diz Ana.

O sorriso no rosto de Caio é a pro-va de que cuidado e carinho podem ser grandes aliados contra a dor. Apesar da saúde frágil, de todas as dif iculdades enfrentadas pela dis-tância do lar, mãe e f ilho seguem juntos. Não desistir é fundamental. Pois no final, tudo dá certo.

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mas pode ser uma eternidade para quem saí do abrigo às 5h30min e só retorna por volta das 18h, às vezes até mais tarde que isso. Se não fosse a Casa do Menino Jesus, Ana não saberia como iria ser. “Desde que cheguei aqui fui super bem recebi-da. Só tenho elogios a fazer”.

A rotina dessas mães é cansativa, elas ficam horas aguardando a sua vez de conversar com o médico sobre a saúde frágil dos filhos. Esperam dias para con-seguir autorização e ter que realizar um exame clínico. “Ás vezes me vem uma vontade de desistir, mas na mesma hora eu afasto essa possibilidade. Não posso desistir da vida do meu filho. Seria muita fraqueza minha fazer isso”, conta Ana.

Ter que acompanhar um filho porta-dor de uma doença grave não é tarefa fácil para essas mães. Por isso, dentro do hospital estadual Albert Sabin, refe-rência no tratamento do câncer infantil, existe uma equipe de psicólogos treina-dos para lidar com essas situações.

Muitas mães não estão preparadas para o sofrimento, o ser humano é muito frágilAna Célia

Casa do Menino Jesus

Rua Gonçalves Ledo, 1353 – Centro.

(85) 3253-4082 / 3253-4482

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da residência, para construírem seus caminhos pelo mundo afora, não atraiu tanto a garota com arte em seu sangue, que preferiu ficar ao lado da mãe e nar-rar sua história de onde tudo começou. Chica classifica a família como uma ver-dadeira “Grande Família”, pois a casa onde mora desde criança “abrigou” mui-ta gente. Além dos irmãos e pais, a resi-dência sempre tinha lugar para mais um. Quando tinha feira no município, várias pessoas de outras regiões vinham para

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O tempo passou, a família au-mentou, os irmãos cresceram e saíram de casa, mas ela preferiu ficar. Em seus 46 anos, as aventuras e descobertas da vida se passaram na mesma rua, no-meada de Francisco Moreira, número 293, em Pentecoste (CE), pertinho do Estádio Municipal, próximo ao Centro. Ali enfrentou e superou dificuldades, descobriu o caminho das artes e a pai-xão de ensinar. Foi no entra e sai da-quela casa movimentada que Francisca

Tabosa Pessoa, ou melhor Chica Pessoa, se tornou a mulher que é hoje. Dos seis filhos, dois homens e quatro mulheres, frutos da união do casal formado por Francisco Edson Tabosa e Julieta Pessoa Tabosa, Chica Pessoa é a quinta filha da família. Os pais vieram de Itapipoca para Pentecoste, onde se instalaram em uma casa na rua de número 293. Chica morou a vida inteira ali, se tornou professora, artesã e artista plástica com forte ins-piração na família. A saída dos irmãos

Aos 46 anos, Chica Pessoa morou a vida inteira na mesma casa e construiu sua vida sem sair de perto de quem a criou

TEXTO Lucas Mota FOTO Thamyrys Rodrigues DESIGN Frank Roger e Gustavo Mendes

PARCERIA FEMININA

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Pentecoste. Chica conta que o pai abriga-va cerca de 10 pessoas em casa durante o período de exposição.

Quando a artista plástica tinha entre 10 a 12 anos, ela teve que conviver com uma dura realidade: a vida sem o pai, que havia se suicidado. Chica se apegou ain-da mais a mãe que fez o duplo papel de criar os filhos. Julieta Tabosa também lu-tou para que a filha pudesse superar to-dos os obstáculos da deficiência física co-metida pela poliomielite, quando Chica ainda tinha dois anos. “Hoje eu não ando de muletas pelas cirurgias e o sacrifício que minha mãe fez para eu ser opera-da. Era muito difícil naquela época e fiz cinco cirurgias em todo esse período”, conta Chica.

Uma questão de escolhaTodas essas dificuldades fizeram cres-

cer a aproximação entre mãe e filha. Aumentou também o desejo de Chica continuar ao lado da mãe. Ela pensa em um dia ir embora, mas não agora. O so-nho de viver perto do mar, foi apenas adiado para continuar na convivência da família. “Não fui por causa da minha fa-mília. Fiquei por eles, estou presa a isso. Já passei em concursos para fora, mas preferi ficar perto de todos e da minha mãe”, resume Chica sobre o que lhe fez não sair de casa.

Atualmente, Chica mora com a mãe, dois sobrinhos e sua filha adotiva na mesma casa. Na teoria vive um quinteto na residência, porém a casa está sempre cheia. Os irmãos, primos, amigos, netos e bisnetos frequentam a casa constante-mente. Como artista plástica, ela gosta

de se isolar dentro do próprio mundo, mas toda essa movimentação e agita-ção da família ajudam Chica a ter novas ideias. “O caos da família me inspira, como também aproveito o vácuo e crio alguma coisa nova”. Apesar de ser uma das mais novas dos cinco irmãos, Chica conseguiu um lugar de respeito entre os mais velhos. Se algo estiver errado, ela vai lá e fala o que acha. A artista plástica lembra que quando seu pai morreu, ela teve que se posicionar a frente da famí-lia junto com a mãe para colocar ordem dentro de casa. “Sou aquela que dá o ‘ca-rão’, fala alto. Talvez, depois que meu pai morreu, ficou essa coisa de a gente assu-mir a família junto com a mãe, mesmo eu sendo uma das mais novas”. Os outros irmãos saíram de casa, mas constante-mente retornam para bater um papo ou para almoçar com a mãe. Só duran-te o tempo que conversei com Chica, na sala da residência, o entra e sai de pes-soas não parou. Filhos, netos, sobrinhos,

primos, cunhados, entre outros, entra-ram, permaneceram e saíram enquanto entrevistava a professora.

Além dos próprios membros da fa-mília, a casa também foi frequentada por outras pessoas. Chica escolheu mo-rar ao lado da mãe, mas nunca deixou de ter o contato com os irmãos e ami-gos, que nunca deixaram de visitá-la. A mãe da artesã sempre gostou de aju-dar crianças abandonadas e até adotou uma filha. Os funcionários que traba-lhavam para ela acabavam virando mais um membro da família. “Praticamente, nunca almoçamos somente nós na nossa mesa”, diz Chica. A mãe foi fonte de ins-piração para a professora que também adotou uma criança.u

Sou aquela que dá o ‘carão’, fala alto. Talvez, depois que meu pai morreu, ficou essa coisa de a gente assumir a família junto com a mãe, mesmo eu sendo uma das mais novasChica Pessoa

Relação familiar na sala de aula

O ambiente familiar em que

Chica vive também acompanha a

senhora de sorriso simpático ao

trabalho. A relação com os alunos é

de amizade e carinho. A professora

artesã, como ela mesmo se define,

conta como é a relação na sala

de aula. “Foi paixão. Eu me realizo

dando aula. Dou aula de artes para

as crianças para que elas possam

entrar nesse mundo. Tenho uma

concepção na vida: joga artes

dentro das escolas e tu terás um

cidadão”.

Hoje eu não ando de muletas pelas cirurgias e o sacrifício que minha mãe fez para eu ser operadaChica Pessoa

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Conheça a realidade entendida por olhares e gestos de uma família composta por pais surdos

TEXTO | FOTO Bárbara Rios DESIGN Camila Menezes e Natasha Carvalho

A l é m d o s s o n s

Quando se fala em surdos mui-tas pessoas logo pensam em indivíduos se comunicando agilmente na Língua Brasileira de Sinais, a chamada Libras. Mas poucos tentam imaginar ou entender o universo da surdez no contexto fami-liar. Você, por exemplo, já pensou como se dá a criação de filhos por pais surdos? A família Jordão caracteriza isso, mos-trando que a surdez nada impede de se criar e compartilhar laços afetivos.

Constituída por Maisa, Roberto e as filhas Rebeca e Isabella, a família

Jordão buscou desde o início que a de-ficiência auditiva dos pais não se tor-nasse uma barreira na relação com as filhas. Com isso, rotina e convivência foram construídas de forma tranqui-la, sempre com adaptações levando em consideração a realidade familiar. Maisa, para exemplificar esse assun-to, conta que as meninas quando bebes dormiam junto com ela em sua cama. Pois quando a criança começava a cho-rar, ela logo percebia pela movimen-tação que algo estava acontecendo.

“Minhas meninas foram criadas como qualquer criança, a única diferença é que eu tive que ajustar alguns objetos e ações para que ocorresse tranquila-mente. Tudo é questão de adaptação”, relata a mãe.

A maior dificuldade na criação das fi-lhas surgiu nos primeiros anos de esco-la da primogênita Rebeca, justamente na questão da fala. Por ter e morar apenas com os pais surdos, Rebeca entendia tudo que lhe era passado na sala de aula, entre-tanto no momento de se expressar usava

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Minhas meninas foram criadas como qualquer criança, a única diferença é que eu tive que adaptar alguns objetos e ações para que ocorresse tranquilamenteMaisa Jordão

Considero meus pais não como os outros, eles conseguem ser mais especiais, por tudo que são e me ensinaramMaisa Jordão

a linguagem de sinais. Maisa e Roberto, por esse motivo, acharam melhor que a menina fosse morar um período com sua

avó paterna. Para aprender a pronunciar as palavras era preciso que ela as ouvis-se não só na rua ou escola, mas em casa, onde passava a maior parte do tempo.

Assim a menina, no convívio com à avó, teve como desenvolver o português oral. Já Isabella, por ser cinco anos mais nova e ter a presença da irmã em casa, não teve a mesma dificuldade.

Diferente do que acontece na con-vivência familiar, Maisa e Roberto en-fatizam os problemas relacionados a acessibilidade na vida em sociedade. Diariamente, eles sofrem com relação a isso, até mesmo em ambientes mais for-

mais como palestras e repartições públi-cas. A falta do conhecimento da língua de sinais e presença do intérprete/tra-dutor de libras contribui para o aumento

SERVIÇO

Associação dos Surdos do Ceará

(ASCE)

Av. Bezerra de Menezes, 549

Parque Araxá, Fortaleza - CE,

60325-005

(85) 3281-8917

Federação Nacional de Educação e

Integração dos Surdos (FENEIS)

Av. Bezerra de Menezes, 549 - Farias

Brito, Fortaleza - CE, 60325-005

(85) 3283-9126.

Instituto Cearense de Educação de

Surdos (ICES)

Av. Rui Barbosa, 1970 - Aldeota,

Fortaleza - CE, 60115-222

(85) 3101-1391

da exclusão social. “Apesar de ser muito independente, tenho limitações como qualquer outro ser humano e as mesmas precisam ser entendidas e respeitadas na sociedade”, afirma Maisa.

Mesmo com essas situações difíceis, a consistente afetividade, atenção e o res-peito em família fazem com que, em vez de apenas frequentarem, eles prestem serviços voluntários na área de educa-ção na Associação dos Surdos do Ceará (ASCE), Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) e no Instituto Cearense de Educação de Surdos (ICES).

Rebeca vê essa atitude como uma ma-neira de estender, portanto, a compre-ensão e os aprendizados que tanto ela e Isabella construíram sobre seu contexto familiar. “Considero meus pais não como os outros, eles conseguem ser mais espe-ciais, por tudo que são e me ensinaram. Quero passar isso”. u

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Ele tem 78 anos, ela 71. Ele é tímido, ela falante. Ele gosta de viajar para a Europa, ela para a América do Sul. Eles se amam, e isso é inegável. Conheça a história de Fred e Rosário e descubra o segredo para mais de 40 anos de amor e cumplicidade

TEXTO Luana Severo FOTO Lua Alencar e Luana Severo DESIGN Guilherme Paiva e Zaira Umbelina

Cachorros, canteiros, pare-des artisticamente trabalhadas e um altar repleto de esculturas religio-sas. Assim é o lar da parnaibana Maria do Rosário Lopes Parente, 71, e do so-bralense Frederico Gomes Parente, 78. Casados há 44 anos, seu Fred e dona Rosário, como são chamados pelos ami-gos, demonstram ter um relacionamento mais moderno do que muitos das gera-ções mais novas. E esse comportamento vanguardista não vem de agora.

Logo que se conheceram, “num destes passeios domingueiros”, foram desco-bertas as diferenças,como recorda dona Rosário. Ela gostava de cinema e de fre-quentar festivais do gênero cinemato-gráfi co. Fred odiava. Ele gostava de fu-tebol e de assistir aos jogos em estádios com os amigos. Ela não suportava.Ele adora viajar para a Europa. Ela prefere a América do Sul.

Para a maioria das pessoas, tantas divergências podem representar um

entrave para o relacionamento. Fred e Rosário, entretanto, conseguem con-viver facilmente com as diferenças. O segredo, de acordo com o casal, é sim-ples: respeito e tolerância. “Vou para um canto e ele para o outro e nunca briga-mos por isso”, comenta, entre sorrisos, a esposa.

Uma célebre canção brasileira, de au-toria do compositor Renato Russo, simbo-liza a relação de Fred e Rosário. “Eduardo e Mônica” conta a história de um casal

A longevidade do amor...

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da festa fi ca por conta da própria dona da casa.

Com o uso de materiais como ges-so, concreto, tinta e imagens de base, Rosário esculpe e monta, de acordo com sua preferência no dia, o cenário de um presépio. Os traços têm originalidade. E demanda. Até agora, dona Rosário já fez 22 presépios sob encomenda dos amigos. “Já tem até no Maranhão!”, gaba-se.

A forma como ela fala sobre suas obras, como se estas não fossem objetos, mas tivessem vida, é inspirador. “Esse aqui é José e Nossa Senhora, indo para Belém com Jesus no colo, em cima do jumenti-nho”, comenta, distraída. u

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incompatível em diferentes comporta-mentos, mas que possui um sentimen-to em comum. “E os dois comemoraram juntos / E também brigaram juntos mui-tas vezes depois / E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa, que nem feijão com arroz.”, diz um dos trechos fi -nais da música.

Não só de divergências, porém, desen-rola-se a história do casal. Logo que ofi -cializaram a união, uma importante de-cisão conjugal garantiu a concordância de ambos. “Decidi que quando e se me casasse, teria poucos fi lhos. Fred concor-dou. Se só tivemos dois, foi por escolha.”, destaca Rosário. E fala sobre as difi cul-dades da preferência: “Naquela época era muito difícil escolher isso, porque os métodos anticoncepcionais eram mui-tos raros”.

Tão raros quanto os métodos contra-ceptivos na década de 1970, no entanto, são os nomes dos descendentes de Fred e Rosário. Radoyka, a fi lha formada em Fonoaudiologia, teve seu nome inspirado em uma cantora russa que se apresentou no Brasil décadas atrás e chamou a aten-ção de Rosário por sua voz diferenciada.

Já Umehara, nome do fi lho adminis-trador de empresas, é resultado de uma viagem de Fred à Amazônia, com um amigo aviador. Em meio às aventuras na fronteira do Brasil, os viajantes encon-traram um descendente de japoneses que possuía o mesmo nome.

Umehara e Radoyka já não vivem mais com os pais. Enquanto o primeiro ocu-pa-se em administrar sua própria con-fecção de malhas, a segunda dedica-se

ao trabalho e à nova família. A caçula de Radoyka, Romy, mal completou sete anos e já brada, com todo o orgulho, es-tar quase na mesma altura que a avó. “Já, já, passo dela!”, brinca a garota.

Solidariedade fortalece a união

Gestos de carinho, cooperação e frater-nidade exibem Rosário e Fred como um dos casais mais queridos da rua Benjamin Moura, na Cidade dos Funcionários, re-gião sudeste de Fortaleza.

Preocupados com o bem estar de to-dos ao seu redor, o casal é daqueles que não pensa duas vezes quando o assunto é ajudar ao próximo. Até mesmo quando é preciso retirar este próximo das ruas e abrigá-lo em sua própria casa.

Seus mais recente inquilinos são uma cadelinha bege, que está com uma séria doença no estômago, e um pombo de as-pecto também doentio encontrado na calçada de sua residência. Sem nenhum preconceito com o passado dos animais, Fred e Rosário os abrigam, os alimen-tam e tratam de suas enfermidades. “É um descaso muito grande vê-los (os ani-mais) e não dar uma assistência. É cruel”, comenta Rosário.

Outros dois cachorrinhos abrigados pelo casal são Max e Bebel. A última é mãe do primeiro, e o teve na noite em que foi encontrada por Fred e Rosário. Na época, seu fêmur estava quebrado, e a dor que deve ter sentido no momento do parto de oito fi lhotes é inimaginável. Um deles, Max, foi doado a uma amiga do casal alguns dias depois de nascer. Entretanto, não passou uma noite sequer sob os cuidados da nova dona. A saudade de seus primeiros acolhedores foi tanta que, no dia seguinte, devido a incessan-tes gemidos e latidos, teve que ser levado de volta à casa deles.

Ambientes esculpidos à mão da dona da casa

Anualmente, em dezembro, Rosário e Fred costumam promover comemora-ções benefi centes de natal. A decoração

Xi! Não lembro a idade dela! Frederico Parente, 78, sobre a idade atual de Maria do Rosário Lopes, 71

Quantos anos ele me deu? Porque, se tiver dito errado, peço o divórcio na hora!Maria do Rosário Lopes, 71, em resposta a Frederico Parente, 78, sobre sua idade atual

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Eles se juntaram para fazer o que mais gostam: cantar e tocar. Conheça um pouco da história de duplas, trios e grupos que se dedicam à música em família

TEXTO Soriel Leiros FOTOS Divulgação DESIGN Giuliano Vandson e Rodrigo Barros

Reunião de talentos em nome da música

O Brasil é reconhecido mundial-mente pelo futebol-arte. De diferentes partes do país e, geração após geração, formamos craques de impressionar pelo talento com a bola. Pelé, Zico, Garrincha, Tostão, Ronaldinhos (o Fenômeno e o Gaúcho) e, mais recentemente, Neymar Jr., são só alguns nomes de jogadores que viraram ícones desse esporte. Mas se en-gana quem pensa que o futebol é o nosso único destaque. No quesito música, tam-bém somos artilheiros natos. Marcada pela diversidade rítmica e por vozes de encher os olhos de emoção, a música bra-sileira é um patrimônio nacional, ou me-lhor, internacional. O sucesso ‘Garota de Ipanema’, uma composição dos mestres Tom Jobim e Vinicius de Moraes, é um exemplo desse reconhecimento. A can-ção completou 50 anos, em 2012, e já foi regravada em diferentes idiomas mun-do afora.

São incontáveis os casos de sucesso e de brasilidade: Gil, Caetano, Bethânia, Roberto Carlos, Elis, Tim Maia, Marisa

Monte, João Gilberto, Luiz Gonzaga, Cazuza... Cada um a seu tempo, cada um a seu modo, cantando e encantan-do multidões. Alguns dizem que o amor transcende qualquer coisa e aproxima as pessoas. E quando pessoas da mesma fa-mília se juntam para cantar e tocar, essa afirmação mostra-se como uma grande

verdade. Seja em duplas, trios, grupos, não importa o número. Seja sertane-jo, romântico, forró, pop, não importa o gênero. Sejam irmãos, como Gian & Giovani, e irmãs, como Pepê e Neném, ou

até mesmo marido e mulher, como Jane e Herondy, não importa o grau de paren-tesco. A música em família reúne, em um só acorde, a emoção no plural.

Tradição em famíliaAs novas gerações, talvez, não conheçam o

trabalho da dupla, mas, certamente, já ouvi-ram “Beijinho doce” (composição de Nhô Pai, gravada, inicialmente, pelas Irmãs Castro) e que foi um grande sucesso na voz das Galvão. Outras canções marcantes da dupla: “Carinha de Anjo” e “Rincão Guarani”. “Música: o re-trato da alma”. É com esse sentimento que As Galvão, dupla formada por Mary e Marilene, está no cenário musical brasileiro há 67 anos. Mary tinha sete anos e Marilene, cinco, quan-do ingressaram na carreira artística, ainda com o nome “Irmãs Galvão”, no estado de São Paulo. As irmãs adotaram a música sertane-ja e não a largaram mais durante todo esse tempo. Mary afirma que o apoio da família foi fundamental para a carreira. “Fomos sem-pre apoiadas pela família, que foi nosso braço forte, nos orientando, nos mostrando o lado

A música está presente na nossa vida desde pequeno, vem dos nossos bisavós, avós, paisLuis Marcelo, da dupla Luis Marcelo e Gabriel

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bom e mau de uma carreira liderada por ho-mem no segmento caipira”. O currículo das duas impressiona: são mais de 300 músicas gravadas em uma parceria em família. Sobre o que As Galvão esperam daqui para frente? Segundo Mary, “esperamos ter o mesmo âni-mo e força para continuarmos levando ale-gria aos fãs de quem tivemos todo apoio”.

Prata da casaO forró tem a cara do Nordeste, tem a

cara do Ceará. Um exemplo de sucesso é a banda Kbra da Peste, formada pelos irmãos Matheus (voz), Jonathan (triân-gulo e voz) e Thiago (zabumba), que, em 2013, completa dez anos. Matheus, que é estudante de Jornalismo da Faculdade 7 de Setembro (Fa7), fala com orgu-lho do trabalho realizado com os ir-mãos. “Trabalhar em família não é di-fícil. Compartilhar de tantos momentos bons ao lado da família nessas viagens é o melhor de tudo. O amor pela música nos une cada vez mais”, revela o cantor. Em outubro, Matheus comemorou seus 27 anos, junto com a banda e sua famí-lia, em uma casa de shows de Fortaleza. Mais que uma celebração, a apresenta-ção da Kbra da Peste demonstrou uma grande sinergia entre os irmãos, colo-cando todo mundo para cantar e dançar ao som do forró.

Música a doisIncentivo à arte e à cultura em um

único tom. Essa é a proposta da banda Versos & Canções, formada pelo casal

Keyliane Cristian (voz) e Patrick Lima (violão e guitarra). A V&C surgiu em 2009 e lançou seu primeiro álbum in-titulado “Caixa de Entrada”, em 2012. Tendo influência direta da literatura nas composições, Patrick apresenta o diferencial da banda como “um es-petáculo de música, teatro e poesia”, em Fortaleza. Por outro lado, Keyliane acredita que o mercado para o trabalho autoral, como o da Versos & Canções, ainda é um grande desafio para os mú-sicos. “Pra você conseguir chegar até ter seu trabalho autoral, tem que fazer muito tempo um trabalho de couvert, de versão”. Sobre o fato de tocar em fa-mília, os dois, casados há um ano, parti-lham da mesma opinião. Para Keyliane, “a música está desde a hora que a gente acorda até a hora que a gente dorme”. Patrick vai mais além: “Não foi a gente que escolheu a música, foi a música que escolheu a gente”.

Irmãos de talentoA música sempre foi uma presença

constante na família. É o que garante Luis Marcelo, 28, que forma dupla com o irmão Gabriel, 18. “A música está presen-te na nossa vida desde pequeno, vem dos nossos bisavós, avós, pais. Meu tio era mú-sico profissional e a gente cresceu escu-tando sertanejo, respirávamos música”. Luis Marcelo começou a tocar quando ti-nha apenas 12 anos. Depois de um tempo cantando sozinho, Luis Marcelo resolveu montar a dupla com Gabriel e apostaram

Música em família

Família Lima

Natural do Rio Grande do Sul, a

banda tem a música clássica como

principal referência. O último

álbum do grupo, “1, 2, 3, 4, 5” (2010)

apresenta, como o nome indica,

cinco faixas ao público

Sandy & Júnior

Um fenômeno da música brasileira,

Sandy & Junior, começaram a cantar

ainda crianças. Os álbuns da dupla

venderam milhões de cópias. Em 2007,

os irmãos anunciaram a separação,

deixando uma legião de fãs

Bee Gees

Barry Gibb, Robin e Maurice Gibb

nasceram no Reino Unido e formam

uma das bandas de maior êxito da

história da música internacional.

Entre eles, o álbum “Saturday

Night Fever”, trilha sonora do filme

“Embalos de Sábado à Noite”

Jackson Five

Formado nos anos de 1960, nos

Estados Unidos, com os irmãos

Jackie, Tito, Jermaine, Marlon e

Michael. Entre os maiores sucessos,

estão “ABC”, “Ben” e “I’ll Be There”

no sertanejo universitário para mostra-rem seu talento. Em setembro de 2013, os dois lançaram o álbum, “Já Faz Parte de Mim”, com 14 faixas, sendo 13 inéditas, alcançando destaque na cena cearense e em outras partes do país. Gabriel acredi-ta que o diferencial da dupla é “a sintonia que temos não só como dupla, mas como equipe, como banda”. u

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Do sonho de mãe ao despertar de

uma vocação familiarDos oito filhos da família Sousa, sete são professores. O gosto pelo ensino, o incentivo e sonhos pessoais da mãe e a carência educacional do bairro onde moram, foram os principais motivos que levaram à escolha

profissional familiar quase unânime

As dificuldades enfrentadas pelo sistema educacional hoje, são qua-se nada se levarmos em consideração a inexistência dele em alguns dos bairros da grande Fortaleza até meados dos anos 80. Os filhos da família Sousa, moradores do bairro Pedras, situado nos limites de Fortaleza com o município de Itaitinga, decidiram, já na adolescência, seguir carreira como professores. Fatores como os sonhos pessoais da mãe, a carência de professores na única escola existente no bairro e o alto índice de analfabetismo e a possibilidade de ter um nível superior,

foram essenciais para o desenvolvimento da vocação e amor familiar: o alfabetizar.

Tereza e Antônio Domingos, casados há cerca de 60 anos, tiveram oito fi-lhos: Maria de Fátima, Angélica, Maria do Socorro, Goreth, Maria da Conceição, César, Jorge Luís e Silvia Helena.

Socorro e Angélica, já aos 13 e 18 anos respectivamente, começaram o contato com o giz e a lousa, ajudando outros jo-vens a ler e a escrever. Naquele momen-to, as duas ensaiaramo que hoje é a es-cola da família. Usavam uma salinha de sua casa e tinham uma rotina de ensino

com as crianças e jovens, como se fosse numa escola de verdade. Aos 18 anos, as duas foram dar assistência a uma escola de um bairro vizinho, que estava pres-tes a fechar por falta de professores. No início da carreira, a maioria dos irmãos começou a lecionar a partir dos cursos técnicos pedagógicos e da própria gra-duação em pedagogia.

Angélica explica que começou a en-sinar por necessidades financeiras. O sonho dela mesmo era ser enfermeira. A prática diária do ensino e o carinho das crianças e jovens, tidos como maior

TEXTO | FOTO | DESIGN Gustavo Freitas

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pagamento e retorno do esforço, fize-ram-na permanecer na profissão até os dias de hoje.

A primeira filha do casal, Maria de Fátima, conhecida na comunidade cari-nhosamente por Fatinha foi a primeira a lecionar. Já iniciou como professora da Prefeitura de Fortaleza no único estabe-lecimento existente no bairro Pedras, a Escola Tristão de Alencar.

Uma reunião familiar há 12 anos fez com que a família decidisse criar a sua própria escola. A ajuda financeira e empenho do pai, Antônio Domingos, resultaram na Escola Dominguinhos, que hoje conta com Ensino Infantil e Fundamental I.

A mãe da família, Teresa, sempre teve o sonho de ser professora e desde cedo incentivou as filhas a cursarem pedago-gia. Até Silvia Helena, que não é filha bio-lógica do casal, desenvolveu o gosto pela profissão. Em conversa com as filhas, numa reunião dominical familiar, elas sempre frisam que, antes de um sonho ou vontade própria, sentem-se felizes por realizar um sonho da mãe.

A relação das professoras com as crianças que estudam na escolinha che-ga a ser tão estreita, que as crianças chamam-nas de tias, e os pais, Antônio Domingos e Tereza, de “Vô” e “Vó”. Cada uma das filhas diz ter uma preferência.Enquanto Maria da Conceição prefere a antiga série alfabetização, hoje 1o ano do Ensino Fundamental, Angélica diz

preferir crianças na faixa etária dos 10 anos.

A Escola Dominguinhos vai, aos pou-cos, se transformando e crescendo. Desde o início, a escola passa por um processo gradativo de construção. Os recursos obtidos são investidos no bem--estar das crianças e na possibilidade do aumento do número de vagas ofertadas.

Dos dois homens, entre oito filhos do casal, um deles se encaminhou quase que automaticamente para sua atual forma-ção.Jorge Luís, também professor, foi o único, porém, que não chegou a lecionar na escola da família. Atualmente trabalha como professor de matemática no Colégio Liceu do Ceará, no bairro Messejana.

Já César, o filho mais velho, cursou Escola Técnica, atual IFCE, e hoje traba-lha com engenharia, que diverge bastan-te dos irmãos. Ao ser questionado sobre o motivo de não ter se rendido à tendên-cia familiar disse, brincando: “é quase impossível fugir. No meu trabalho na Cagece, sou escalado vez ou outra para treinar novos funcionários”.

As filhas que mantêm a escola se sen-tem realizadas pela profissão e pelo tra-balho na escolinha. A maior satisfação delas é poder contribuir com a alfabe-tização da comunidade e que uma de suas maiores alegrias é receber a notí-cia de que um dos seus alunos, que es-tudaram com elas desde o pré-escolar, entrou numa graduação e se encaminha bem profissionalmente, e que, além dis-so, lembra e agradece a elas e à escola pela boa base educacional.

Os netos de Tereza e Antônio Domingos, boa parte deles já na maioridade, não de-senvolveram, no entanto, a vocação dos pais. Mas, as mais novas, como Gabriela Sousa, que inclusive já se forma em se-cretariado para ajudar a gerir a escola, diz sentir vontade de manter o trabalho iniciado pelos avós.

É importante ressaltar, que Maria de Fátima e Angélica, além de traba-lharem no sistema educacional, tanto público quanto privado, ainda prestam serviços voluntários à comunidade do

bairro, como professoras de catequese da Igreja Católica.

As filhas demonstraram muito amor ao ensino infantil. Um dos aspectos que em muito contribuíram para isso, foi e é, a falta de espaços de preparação infantil para a escola. E foi com essa modalida-de que a Escola Dominguinhos iniciou. Goreth, que também foi uma das que es-teve desde o início na escola e hoje só le-ciona na rede pública, reforça a vontade da mãe como sua motivação e que se sen-te feliz, assim como as irmãs, em contri-buir com a base educacional, formação e encaminhamento de pessoas.

Atualmente, duas das irmãs ainda continuam a estudar e se adaptar às novas técnicas de ensino, dadas as cir-cunstâncias tecnológicas e comporta-mentais em vigor. Maria de Fátima e Angélica já se aposentaram das ativida-des na Prefeitura e se dedicam somente à escola da família, que também recebe professores do bairro e outros parentes. Uma lição pode ser observada nesse caso: a dedicação de toda uma família na for-mação educacional, num país que ainda apresenta um quadro deficitário no sis-tema de ensino. u

Uma reunião familiar há 12 anos fez com que a família decidisse criar a sua própria escola. A ajuda financeira e empenho do pai, Antônio Domingos, resultaram na Escola Dominguinhos

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A m o rA L É M D E C O N T I N E N T E S

TEXTO | FOTO Gabriella Freitas DESIGN Frank Roger e Gustavo Mendes

A história de uma família que saiu da Itália e se formou no Brasil

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Atualmente, há cerca de mi-lhões de descendentes italianos vivendo no Brasil. São os ítalo-brasileiros, que es-tão em sua maioria no sul e sudeste. Mas isso não quer dizer que seja fácil para um imigrante vir e formar família por aqui.

Angelina Iorio foi uma das 59.785 imi-grantes, segundo o IBGE, que vieram para o Brasil entre o período de 1950 a 1954. Seu pai, Pietro Antonio Iorio, exí-mio alfaiate, veio para as terras bra-sileiras em 1949, logo após o fi ndar da Segunda Guerra Mundial, a qual serviu.

O cenário era o de pós-guerra. Não ha-via comida, não havia emprego, faltava de um tudo. Mas, menina que era na épo-ca, Angelina recorda de quando ia ajudar as primas nas costuras, já que a família das meninas não tinha máquina; além da diversão que achava fazer linguiça e ma-carrão. Morando em Tortora, na região da Calabria, sua lembrança era de ir para o sítio da família no interior do estado de Cosenza, onde plantavam tudo que comiam. O Governo Italiano ajudava as pessoas que quisessem tentar a vida fora, e, estando a situação familiar complica-da, num verão quente de 1954, Angelina, a mãe e as irmãs, que até então estavam sozinhas no interior da Itália, embarca-ram no navio que partia para suas novas vidas no Brasil. “Ter vindo da Itália para cá foi um fato que eu até hoje não aceito.

Me marcou muito na minha vida a des-pedida das minhas primas e amigas, na hora de viajar”, conta Angelina. As ins-talações no navio Transatlântico Castelo Bianco não eram muito luxuosa, havia

Do que os filhos fazem, mãe só faz é sofrer as consequências, não é? Mas é isso mesmo, cada um escolhe seu destino, o meu, foi de ser mãeAngelina Lorio

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muitas pessoas reunidas num espaço pequeno, e Angelina completou seus 13 anos dentro do porão, junto com tantos outros imigrantes. Um mês de viagem e elas chegaram no dia 6 de setembro. Desembarcaram no Rio de Janeiro e pas-saram pela Bahia, até chegar ao Ceará, onde seu pai se encontrava. Angelina re-corda que a primeira vez em que comeu a comida típica do Brasil, passou muito mal, e demorou bastante para acostu-mar-se com o tipo de condimento usado.

E quanto a viver no Brasil? Além da comida, a família Iorio passou por mais difi culdades em se adaptar no país tro-pical. O clima, a língua, as pessoas, tudo era muito diferente. Depois de ir a vá-rias escolas, e não conseguir entender o português, Angelina e suas irmãs fo-ram ajudadas por uma vizinha, que as ensinou as palavras novas nas coisas do dia-a-dia, como a feira. “As primeiras coisas que aprendi foi com uma senhora que nos mostrava as frutas, verduras e tudo o mais que tinha na feira. Coentro, cebolinha, tudo isso era tão novo para mim. Não esqueço nunca da primeira vez que vi uma ata. Aquela fruta esqui-sita, com aqueles gomos. Pedi logo para o papai comprar uma igual para mim”, lembra Angelina.

Moça, ainda estudou algum tempo, passou no exame de seleção para o gi-násio em primeiro lugar. “Todos fi ca-ram muito surpreendidos, uma estran-geira ter atingido esse nível”, mas, para Angelina a família vem sempre em pri-meiro lugar. Estando o seu pai numa si-tuação fi nanceira ruim, decidiu ir para uma escola pública.

Abandonou os estudos no segun-do grau, quando conheceu o primeiro amor. Em janeiro de 1960 casou-se com Edmilson Ferreira e foi para o Rio de Janeiro. Em abril engravidou pela pri-meira vez.Agora, além de irmã carinho-sa, fi lha exemplar e esposa amorosa, era também mãe. Foi um marco importante em sua vida. Voltou para Fortaleza e pas-sou por muitas difi culdades para criar os fi lhos que iam nascendo. O marido, fonte

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do primeiro apartamento, feita com muito sacrifício.

Foi em Recife que nasceram os fi-lhos mais novos e foi também onde casou as duas filhas. O primeiro neto nasceu lá e só trouxe alegrias. De vol-ta a Fortaleza, Angelina tornou-se avó mais três vezes. “Eu cuidava dos três. Enquanto os pais estudavam e trabalhavam”.

Para Angelina, mãe é responsabilida-de. “Do que os fi lhos fazem, mãe só faz é sofrer as consequências, não é? Mas é isso mesmo, cada um escolhe seu desti-no, o meu, foi de ser mãe”.

Na fi gura de avó,ela hoje tem nove netos e uma bisneta e diz que já viveu muitas coisas engraçadas. “Até hoje eu lembro de minha neta Thatiana peque-nininha, brincando de professora, pas-sando tarefas para mim. Daí um dia ela passou a tarefa para mim e disse que estava horrível, me colocou de casti-go, para aprender a fazer a tarefa mais

de renda da família, perdeu o emprego e, depois de conseguir passar em um con-curso público e sofreu um acidente de moto que quase o deixou sem os movi-mentos das pernas.

Angelina teve que encarar momen-tos difíceis. Teve dois abortos que a dei-xaram totalmente abalada. Mas houve também momentos bons, como a compra

Angelina Iorio foi uma das 59.785 imigrantes, segundo o IBGE, que vieram para o Brasil entre o período de 1950 a 1954. Seu pai, Pietro Antonio Iorio, exímio alfaiate, veio para as terras brasileiras em 1949, logo após o findar da Segunda Guerra Mundial, a qual serviu

bonitinha. Ela tinha apenas três anos, tinham mudado de professora no colé-gio e ninguém sabia. Achei aquilo fora de série. Tinha representado tudo o que viu na escola”.

Como uma italiana vivendo no Brasil, Angelina fala que sofreu muito precon-ceito por ser imigrante. Muitas difi cul-dades para conseguir se fi rmar aqui. Ainda hoje, o Brasil não cedeu a ela a cidadania brasileira, mesmo tendo ela vivido aqui mais de 50 anos, ser casada com um brasileiro e ter fi lhos e netos brasileiros. É um fato que a entristece muito, e, ao mesmo tempo, é um incen-tivo para sua vontade de voltar à cida-de natal. Angelina é o pilar de sua famí-lia. É uma fi gura de força e fé. É amável, cuida de todos, escuta, sempre e briga, quando é preciso. “Meu desejo maior é ver meus fi lhos e meus netos todos bem, todos bem formados, para quando Deus chamar eu irsatisfeita, de missão cum-prida”, completa ela. u

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Mulheres largam tudo para se dedicar e acompanhar os maridos militares, sem certezas de destino ou futuro

TEXTO | FOTO Cyntia Paula e Alexandre Fernandes DESIGN Alexandre Fernandes e André Almeida

A o n d eq u e r q u e v á

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Seguir a carreira militar não é fácil. Há risco de vida, é necessário ter disponibilidade permanente, variabili-dade geográfica, porque o militar poderá ser transferido para qualquer região do país e em qualquer época do ano, e isto afeta mais ainda aqueles que possuem família. A pessoa que mantém um rela-cionamento com o militar tem de abrir mão de muitas coisas, como estar perto dos familiares, emprego, círculo social e sair da sua cidade natal, para acompa-nhar o parceiro ou parceira em suas mis-sões. Sem contar na interferência da vida escolar dos filhos.

Este é o caso de Silvana Nogueira, 46, casada há vinte e seis anos com o mi-litar da Marinha Assis Freitas, 49. Eles se conheceram em Fortaleza, quando o militar terminava sua formação na Escola de Aprendiz de Marinheiro da capital. Ao ser transferido para o Rio de Janeiro, Silvana optou por deixar o tra-balho como gerente de uma loja de rou-pas para acompanhar o marido. No Rio de Janeiro, a relação passou longe de ser comum, em que famílias se reúnem to-dos os dias à mesa de jantar para contar como foi o dia. Assis trabalhava embar-cado em uma porta aviões passando até um mês longe da mulher.

Após dezesseis anos de residência no Rio de Janeiro, a Marinha o transferiu para Natal, interferindo novamente no então emprego estável de Silvana, assim como desta vez nos estudos e amizades

de sua filha mais velha, Mariana Freitas, nascida na cidade carioca e na época com dez anos. Segundo Mariana, foi difícil a adaptação ao novo clima e o fazer de no-vas amizades. “Eu era criança e já sofria com relação ao meu sotaque que trouxe do Rio, isso me impediu durante algum tempo de fazer novos amigos pela goza-ção das outras crianças por causa do meu modo de falar”, comenta ela.

Em Natal, tiveram sua segunda filha, e passados três anos mudaram-se de vol-ta para o Ceará, onde vivem até hoje. Silvana não mais fora atrás de emprego, decidindo se dedicar exclusivamente ao cuidado da família e da casa. “Já sabia que o tempo que íamos passar em Natal seria curto, e como a Beatriz era mui-to nova achei melhor ficar só em casa”, conta Silvana.

Outro exemplo é o de Camila Lima, 24, que deixou para trás um bom em-prego de assessora de imprensa em um banco de Fortaleza, para começar tudo de novo em outro Estado com o marido militar. Em Marabá, lugar para qual se

mudaram, já estão há sete meses. “No co-meço foi muito difícil achar emprego na minha área, fiquei desempregada por três meses, mas agora já trabalho, me sinto bem feliz amando meu marido e o lugar”, diz Camila.

O casal Camila e Glauber Campos na-morava há um ano quando ele teve de escolher qual dos lugares apresentados pelo Exército Brasileiro iria viver. “A op-ção por Marabá foi por lá ter um curso que me interessava. Já sabia que ia ser muito difícil, mas ainda bem que encon-trei alguém que amo e aceitou me acom-panhar me dando apoio, o que foi muito importante”, conta Glauber.

Esses não são exemplos raros, existem outras famílias na mesma situação. Há inclusive uma comunidade de Esposas de Militares em redes sociais que aproveita o espaço para compartilhar das experi-ências vividas, uma maneira de não se sentirem solitárias já que é complicado manter amizades por longo período, por conta da frequente mudança geográfica.

Também não serão os últimos casos. Não é porque se trata de um futuro obs-curo e incerto que deixarão de existir aqueles que acreditam ter encontrado a pessoa certa para seguir e constituir fa-mília onde quer que estejam. A mesma Mariana Freitas, 22, que nasceu e cres-ceu neste âmbito, e teve que se adaptar às mudanças por conta do serviço do pai, está noiva de um soldado do exército que atualmente mora em Amazonas. u

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Ser esposa de militar é:Estar no sul ou estar no norte, é ficar distante e ser forte.É se separar com tanta missão, e estar junto de coração.É ter orgulho do seu marido, por ser militar e seu melhor amigo.É mesmo distante estar pertinho, e ter saudades do seu carinho.Pois, com base no amor e não na sorte, a única coisa que vai separar os dois é a morte

Já sabia que ia ser muito difícil, mas ainda bem que encontrei alguém que amo e aceitou me acompanhar me dando apoio, o que foi muito importanteGlauber, militar

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O casamento acaba. A família continua.

TEXTO Rubens de Andrade FOTO Álbum de Família DESIGN Elayne Costa e Rubens de Andrade

O NOVO PERFIL DA FAMÍLIA BRASILEIRA

O divórcio ou a separação de um ca-sal é sempre motivo de frustração e tris-teza para os envolvidos. Para o casal, é o fi m do “até que a morte os separe”. E, para os fi lhos, acaba a magia de que a fa-mília é perfeita, inabalável.

A empresária, Veneida Margarete Matias Lopes Lemos, 50, e o radialis-ta e locutor Ubiracy Auri Lopes Lemos, 49, separados há seis anos fazem parte deste novo perfi l da família brasileira. Nascida e criada em um ambiente que sempre colocou a família em primeira

lugar, Veneida Matias, lembra o que a separação representou para toda a sua família: “O fi m de um sonho”. Toda mu-lher sonha em casar na igreja, de véu e grinalda, e com ela não foi diferente. “Eu sempre sonhei com esse momento, mas, por motivos de força maior, não deu para continuar. Infelizmente”.

Pais de três fi lhas, o excasal procurou manter o máximo de educação e respei-to entre ambos, para tentar amenizar o fi m do relacionamento entre as fi lhas. Ubiracy Auri, mais conhecido com Bibi Lemos, fala que a separação não é ape-nas difícil só para a mulher. “O homem

também sofre com a separação. Ninguém separa porque quer. Separa porque não dá mais certo. O pior de tudo é ver suas fi lhas inconsoláveis”.

Bybyanne Adienev Matias Lopes Lemos, 23, estudante de Publicidade e Propaganda ainda lembra do que sentiu quando soube da separação dos pais. “Eu tinha 13 ou 14 anos. Não foi fácil. Acredito que pra quase ninguém é. Lembro que eu era mais apegada ao meu pai, aproveita-va qualquer oportunidade pra fi car com ele e o admirava muito. Então, vê-lo sair de casa e quebrar aquela fi gura de pai que eu tinha dentro de casa não foi fácil”.

A Fotógrafa Maria Iracy Lemos Lopes de Sousa Neta, 25, também fi lha do ca-sal, lembra que a separação atrapalhou a sua rotina, além de mexer muito com o seu psicológico. “Na época da separa-ção, fi quei muito abalada. Deixei a escola. Foi horrível. Hoje em dia sinto mais fal-ta no Natal. Sinto falta da família junta”. Apesar da separação dos pais ter trazido muitas lembranças ruins para as fi lhas do casal, hoje, elas afi rmam ter superado essa parte da história e convivem mui-to bem com os atuais parceiros de seus pais. A irmã caçula, Bybyanne Lemos fala constantemente com a mãe. “Sempre que posso converso com a minha mãe. Até porque ela agora possui whatsapp, e o tempo todo está ali, perguntando o que almocei, o que vou jantar, se já tomei aquele remédio”, diz, sorrindo.

O amor incondicional entre pais e fi -lhos não tem explicação. E, quando o assunto são as qualidades dos pais, elas concordam em tudo. “A minha mãe é a típica guerreira, mulher forte que arca

A minha mãe é a típica guerreira, mulher forte que arca com tudo em casa. E, ao mesmo tempo, é extremamente sensívelBybyanne Lemos

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com tudo em casa. E, ao mesmo tempo, é extremamente sensível. No trabalho é super desenrolada. Faz contas de cabe-ça rapidamente, encontra soluções com facilidade e tem uma lábia que só ela”.

O pai também é muito querido por elas. Apesar de, na maioria das sepa-rações, as fi lhas sempre fi carem do lado da mãe, ele também tem seus mé-ritos. “Meu pai é amoroso, sensível do jeito dele. Tem um coração enorme. Sabe como tratar cada um ao seu re-dor. Admiro sua criatividade e como ele é comunicativo. Isso refl ete tanto em mim que escolhi trabalhar criando também”, diz a caçula.

Mudanças na leiDe acordo com o IBGE, o número de

divórcios no Brasil vem crescendo con-sideravelmente desde julho de 2010, quando houve mudança na Constituição Federal. Desde então, o casal não precisa fi car separado um ano para pedir o di-vórcio. As consequências dessa mudança fi caram evidentes no aumento do núme-ro de divórcios no Brasil. Em apenas um ano, mais de 40% dos casais registrados no período entre 2010 e 2011, 351 mil ca-sais, se separaram.

A pesquisa mostra ainda que a mu-dança na Constituição em 2010, que der-rubou o prazo para se divorciar, tornou esta a forma efetiva de dissolução dos ca-samentos, sem a etapa prévia da separa-ção. Com isso, houve uma queda de três anos no tempo médio transcorrido entre a data do casamento e a da sentença de divórcio desde 2006 – de 18 anos para 15 anos. u

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Encontrar famílias vivendo em situação de rua, tem se tornado algo cada vez mais presente nas ruas em meio às paisagens bucólicas do Centro de Fortaleza

TEXTO | FOTO Augustiano Xavier DESIGN Giuliano Vandson e Rodrigo Barros

F a m í l i a s e m

S I T UAÇ ÃO D E RUA

Quando pensamos em famí-lia, imaginamos um grupo de pessoas por quem temos muita estima e cari-nho. Pessoas que viveram e vivem co-nosco grandes lembranças e fortes re-cordações. Tudo isso em um lugar muito especial e aconchegante. Um lugar que remete à paz e tranquilidade. Que repre-senta nossa história.

Os lares de muitas famílias são assim. Recanto de muitas histórias que já se pas-saram e que ainda estão por vir. Um lar onde pais e mães educam seus tão espe-rados filhos, um lugar onde comemoram

datas especiais. Um lugar que os prote-gem do sol e da chuva, da violência, da fome, do medo... Essa é uma realidade vivida por muitas pessoas, mas também muitas são aquelas que infelizmente não tiveram a oportunidade, e talvez nunca a tenham, de viver cada um desses mo-mentos em um lar que os acolham e que os permitam viverem dignamente.

Atualmente, em meio às paisagens bucólicas do Centro de Fortaleza, por exemplo, releva-se uma triste e difícil realidade. Encontrar famílias vivendo em situação de rua, tem se tornado algo

cada vez mais presente. Famílias víti-mas de um sistema excludente, que os obrigam a viver em condições quase que sub-humanas.

Regina Lúcia, de 54 anos, é apenas uma, das muitas mulheres que mo-ram com suas famílias nas ruas de Fortaleza. Há quase 10 anos, Regina é viúva e tentar sobreviver com os quatro filhos nas ruas da cidade. “Morar na rua é muito complicado. Não temos nada. Estamos jogados a própria sorte e não podemos contar com ninguém, só com gente mesmo”, avalia.

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Para Fernanda Gonçalves, secretária da Pastoral do Povo de Rua de Fortaleza, essas famílias possuem diferentes reali-dades e, muitas vezes, passam por situa-ção de pobreza e não possuem condições de terem um lar. “A realidade vivencia-da pelas famílias em situação de rua é um das mais delicadas. Vivem em total abandono edesprovidas da assistência do Estado, marcada pela ausência de direi-tos”, completa.

Regina Lúcia sabe bem das dificuldades que sua família passa e diz buscar formas para sobreviver. “Com um pouquinho da-qui e um pouquinho dali, vamos vivendo eu e minha família. Pra que melhor? Não tenho condições de ter uma casa, não vou matar e nem roubar, então tenho que vi-ver a vida que tenho.”

São várias as questões que colaboram para que essas famílias escolham a rua como um lar. Problemas familiares, difí-cil entrada no mercado de trabalho, falta de recursos para continuarem pagando aluguel, falta de esperanças e perspec-tivas para o futuro, são algumas dessas questões. Também não são poucos os ca-sos de agressões sofridas por moradores de rua, vítimas da violência e da cruel-dade de pessoas que encontram no sofri-mento dessas famílias, motivo de alegria e diversão.

Quando o assunto é a violência, Regina não esconde o medo que tem. “Acho muito perigoso morar na rua com minha família. Antes quando tinha meu marido me sen-tia mais tranquila, mas agora que estou só com meus filhos, tenho muito medo do que pode acontecer com a gente aqui. Tem

Eles passam por grandes dificuldades e a sociedade ao invés de avaliar essa questão, prefere criticar e chamá-los de vagabundos Fernanda Gonçalves

O que mais fico triste é pensar que no dia do aniversário dos meus filhos não vou poder dá nada para elesRegina Lúcia , moradora de rua

Serviço

Centro de Pastoral Maria Mãe da Igreja

Av. Dom Manoel, 339- Centro

Fone- 33888706 / 88726947

E-mail: [email protected]

O que é a pastoral do povo da rua?

A Pastoral do Povo da Rua é uma

iniciativa da Arquidiocese de

Fortaleza. A pastoral estimula

a promoção de ações junto à

população de rua e catadores de

materiais recicláveis da cidade.

A proposta é contribuir para a

construção de alternativas em defesa

da vida e na elaboração de políticas

públicas. Com visitas em ruas,

praças e comunidades, busca dar

visibilidade às questões referentes a

população da rua; denunciar ações

violentas e discriminatórias e apoiar

a articulação e organização da

população de rua.

muita gente ruim, que leva à vida fazen-do maldade com o povo da rua”, comenta.

É nesse cenário, quase de guerra, que crianças e adolescente são, muitas vezes, obrigados a conviverem e serem expostos aos riscos e violência que estão presentes nas ruas da cidade. Pais e mães, marca-dos e também vítimas de um contexto ex-cludente e desigual, tentam a todo custo, educar seus pequenos da melhor forma possível. Regina reconhece, por exem-plo, a importância da educação de seus filhos, mas prefere se preocupar com a sobrevivência da família. “Penso na edu-cação dos meus filhos sim. Tento ensinar coisas boas, a não se misturar com coisa ruim, mas também penso em sobreviver. O dinheiro que ganho não dá pra nada, ai preciso que me ajuda a conseguir alguma coisa pra gente”, lamentou.

Os momentos mais tristes para ela são as datas dos aniversários dos filhos e as comemorações do final de ano, pois não tem condições de oferecer nada para eles. “O que mais fico triste é pensar que no dia do aniversário dos meus filhos não vou poder dar nada para eles. Quando é no Natal e ano novo, chega me dar uma dor no peito de ver os olhinhos deles ven-do o povo passar com presente e comida”. Já para Fernanda, a principal questão é o desprezo e a falta de políticas públicas eficazes, que olhem essas famílias como serem humanos. “Eles passam por gran-des dificuldades e a sociedade ao invés de fazerem uma avaliação mais profunda so-bre essa questão, preferem criticar e cha-má-los de vagabundo”.

Mesmo em meio a um contexto mar-cado pela falta de condições básicas, mí-nimas de sobrevivência, Regina e sua família ainda resistem e não deixam de alimentar seus sonhos e desejos. “Nunca perdi a esperança de dias melhores. Acredito que tudo isso vai passar e em al-gum dia vou viver melhor com minha fa-mília”, revela.

A realidade de Regina Lúcia e de tantas outras famílias que vivem em situação de rua, mostra o quanto é urgente, a necessi-dade de políticas permanentes e interliga-das. Somente assim, seria possível garantir mais tranquilidade e esperança para es-sas famílias, que estão esperando só uma oportunidade para viverem de forma mais humana e com mais dignidade. u

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