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MATERIAL DE FILOSOFIA PRÉ VESTIBULAR: SEMANA 01: MITO E LOGOS O MITO É quase um consenso entre os estudiosos de Filosofia que existiu uma forma anterior à das explicações filosóficas, que podemos denominar de explicação mítica. Chamaremos aqui, pois, de mito, toda tentativa de explicação que antecede, em uma sociedade humana, as buscas de compreensão ancoradas mais firmemente na razão (Filosofia) ou mesmo em tentativas de experimentação para as teorias propostas (Ciência). O ser humano, nos primeiros estágios de seu desenvolvimento rumo à racionalidade, tinha extrema dificuldade para explicar os fenômenos que o cercavam. Qual é o motivo para períodos longos de seca, seguidos de outros, abundantes de chuvas? Por que, enquanto chove, os raios e os trovões se fazem presentes? Em função de quê a alternância do dia e da noite? Ou de forma mais existencial: De onde viemos? Para onde vamos? O que estamos exatamente fazendo aqui? Na ausência de respostas racionais ou científicas para questões de tão necessária compreensão, surgem então as explicações míticas. De acordo com Auguste Comte, num primeiro momento, as divindades serão forças da natureza fetichizadas, ou seja, que ganham uma vida diferente daquela que realmente possuem, e o sol se transforma em divindade, e a lua em outra, e a floresta em outra. As divindades africanas, presentes na umbanda ou no candomblé, até hoje são ligadas a forças ou elementos da natureza. Desse modo surgem também as divindades gregas, como Poseidon, o deus das águas, Atena, a deusa da guerra, ou Afrodite, a deusa do amor. Vale ressaltar que os deuses gregos são antropomórficos, ou seja, possuem forma humana, e, além disso, sentimentos humanos, como amor, e ódio. Mentem, enganam, o que demonstra claramente sua imperfeição, e não são, como o Deus abraãmico, seres com poder ilimitado. A dificuldade de abstração citada acima no texto, assim, não permitia aos gregos conhecer muitas coisas que os cercavam, tais como os fenômenos da natureza, e quando se deparavam com algo que, para eles, era inexplicável (como o trovão e o relâmpago, por exemplo) estes homens se espantavam, isto é, temiam, naturalmente, o desconhecido. Contudo buscavam conhecer o que estava acontecendo ao seu redor, isto é, conhecer a ordem natural do mundo, o que implica, também, compreender as causas e efeitos dos fenômenos naturais. A COSMOGONIA A palavra cosmogonia vem da junção de duas palavras Gregas, quais sejam: Cosmos que significa mundo ordenado e organizado e gonia que significa geração, nascimento. De maneira que cosmogonia pode ser compreendida como uma narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo, a partir de forças gerativas.

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MATERIAL DE FILOSOFIA PRÉ VESTIBULAR:

SEMANA 01: MITO E LOGOS

O MITO

É quase um consenso entre os estudiosos de Filosofia que existiu uma forma anterior à das explicações filosóficas, que podemos denominar de explicação mítica. Chamaremos aqui, pois, de mito, toda tentativa de explicação que antecede, em uma sociedade humana, as buscas de compreensão ancoradas mais firmemente na razão (Filosofia) ou mesmo em tentativas de experimentação para as teorias propostas (Ciência).

O ser humano, nos primeiros estágios de seu desenvolvimento rumo à

racionalidade, tinha extrema dificuldade para explicar os fenômenos que o cercavam.

Qual é o motivo para períodos longos de seca, seguidos de outros, abundantes de

chuvas? Por que, enquanto chove, os raios e os trovões se fazem presentes? Em

função de quê a alternância do dia e da noite? Ou de forma mais existencial: De onde

viemos? Para onde vamos? O que estamos exatamente fazendo aqui? Na ausência

de respostas racionais ou científicas para questões de tão necessária compreensão,

surgem então as explicações míticas. De acordo com Auguste Comte, num primeiro

momento, as divindades serão forças da natureza fetichizadas, ou seja, que ganham

uma vida diferente daquela que realmente possuem, e o sol se transforma em

divindade, e a lua em outra, e a floresta em outra. As divindades africanas, presentes

na umbanda ou no candomblé, até hoje são ligadas a forças ou elementos da

natureza.

Desse modo surgem também as divindades gregas, como Poseidon, o deus das

águas, Atena, a deusa da guerra, ou Afrodite, a deusa do amor. Vale ressaltar que os

deuses gregos são antropomórficos, ou seja, possuem forma humana, e, além disso,

sentimentos humanos, como amor, e ódio. Mentem, enganam, o que demonstra

claramente sua imperfeição, e não são, como o Deus abraãmico, seres com poder

ilimitado.

A dificuldade de abstração citada acima no texto, assim, não permitia aos gregos

conhecer muitas coisas que os cercavam, tais como os fenômenos da natureza, e

quando se deparavam com algo que, para eles, era inexplicável (como o trovão e o

relâmpago, por exemplo) estes homens se espantavam, isto é, temiam, naturalmente,

o desconhecido. Contudo buscavam conhecer o que estava acontecendo ao seu

redor, isto é, conhecer a ordem natural do mundo, o que implica, também,

compreender as causas e efeitos dos fenômenos naturais.

A COSMOGONIA

A palavra cosmogonia vem da junção de duas palavras Gregas, quais sejam: Cosmos que significa mundo ordenado e organizado e gonia que significa geração, nascimento. De maneira que cosmogonia pode ser compreendida como uma narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo, a partir de forças gerativas.

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A MITOLOGIA

A primeira explicação encontrada por estes ―bárbaros‖ para os fenômenos se pautou na formação da sua primeira idéia de divindade, ou seja, os deuses criaram os relâmpagos e os trovões no intuito de se comunicar com os homens. Como já foi dito anteriormente, o conhecimento desses primeiros homens era estritamente baseado nos sentidos e, por isso, percebe-se nos relatos mitológicos a menção de deuses, com características humanas (como Zeus que trai sua esposa Era com uma humana e tem um filho semi-Deus, Hércules; alem das constantes brigas entre os deuses), sendo que, de certo modo, existia um Deus para cada necessidade dos homens. Talvez por essa razão, atualmente, tem-se os mitos como fábulas ou contos folclóricos, o que é completamente errado.

Os mitos gregos são provenientes de uma tradição oral muito forte, como na maioria dos povos antigos, sociedades ágrafas, transmitida de geração em geração pelos poetas. É necessário distinguir, no entanto, duas classes de poetas, quais sejam: os aedos, aos quais á atribuída a autoria das narrativas, dos quais os principais exemplos são Hesíodo (Teogonia) e Homero (Ilíada e Odisséia); e os rapsodos, responsáveis pela transmissão oral dos poemas. A questão central é que os autores dos poemas não são exatamente os aedos, mas as divindades que falariam por meio deles, como se pode notar pela citação abaixo, que pertence ao início da Ilíada, de Homero.

Canta-me a cólera – ó deusa – funesta de Aquiles Pelida, causa que foi de os Aquivos sofrerem trabalhos sem conta e de baixarem para o Hades as almas de heróis numerosos e esclarecidos, ficando eles próprios aos cães atirados e como pasto das aves. (HOMERO. Ilíada. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996, p.43)

Quem narra é a deusa, a musa, e isso está bem claro na passagem. É isso que faz com que o mito seja tão respeitado, à semelhança da Bíblia, escrita por homens e inspirada por Deus, e é esse o motivo pelo qual somente a confluência de uma série de fatores históricos, no seu conjunto, permitiu que essa forma de explicação de mundo fosse questionada com eficácia no imaginário grego. A guerra de Tróia, por exemplo, ocorre por causa de intrigas entre os deuses e deusas do Olimpo, e seu desfecho, a queda das muralhas, foi decidido pelo príncipe troiano Páris, antes sequer dos conflitos terem início. A idéia de um destino imutável e controlado pelos deuses é uma das estruturas lógicas presentes nas explicações míticas. O processo de ordenamento do mundo também é explicado, lembrando que para o grego não existe criação, pois tudo que existe sempre existiu. O surgimento ou domínio de alguns instrumentos ou técnicas, como o uso do fogo, também estaria explicado nas narrativas míticas.

O NASCIMENTO A FILOSOFIA: LOGOS CONDIÇÕES HISTÓRICAS QUE PROPICIARAM O SURGIMENTO DA FILOSOFIA

Podemos apontar como principais condições históricas para o surgimento da Filosofia na Grécia: - AS VIAGENS MARÍTIMAS, que geraram dois efeitos mais diretos: as trocas culturais, que conduziram os gregos a um contato com outros povos que originou a geometria, por exemplo, em função da experiência egípcia, ou a história, derivada das genealogias dos babilônios; e o descrédito com relação à palavra do poeta, pois a

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desmistificação se deu, nesse momento, com a decadência do mito. Vale ressaltar que quem narrava os eventos passados não era exatamente o poeta, simples transmissor das informações que recebia das musas, que consistiam em divindades gregas. - A INVENÇÃO DO CALENDÁRIO, que demonstra o amadurecimento da capacidade de abstração ao qual havia chegado o povo grego, pois rompe-se com o tempo cíclico, baseado principalmente na natureza, para adotar uma noção linear, baseada sobretudo na observação astronômica, que permite, inclusive, uma maior precisão na datação dos eventos. - A INVENÇÃO DA MOEDA, que permitiu uma forma de troca que não se realizava através das coisas concretas ou dos objetos concretos trocados por semelhantes, mas uma troca abstrata, uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização; - A INVENÇÃO DA ESCRITA ALFABÉTICA, que conduz, com a diminuição considerável do número de símbolos, assim como com a ampliação de seu grau de abstração, uma maior democratização do contato com a escrita. Vale ressaltar que os gregos não inventaram a escrita, mas um alfabeto com um número bastante reduzido de signos. A filosofia, assim como qualquer conhecimento sistematizado, demanda registro, por isso a escrita alfabética é tão relevante. - O SURGIMENTO DA POLIS (Cidade Estado), As póleis eram cidades relativamente pequenas, com autonomia bélica, econômica e política. Em função da geografia do território grego, extremamente acidentado, não foi possível organizar um grande império, o que conduziu à formação das Cidades Estados. Atenas, por exemplo, representa até hoje um modelo de democracia direta, aquela em que todos os cidadãos auxiliam a decidir as questões políticas. Na ágora, espaço circular no centro da cidade, os cidadãos se reuniam para decidir os rumos a serem tomados pela coletividade. Deve-se lembrar, no entanto, que os critérios de cidadania só abrangiam os homens, com maioridade, filhos de mulheres atenienses, que tivessem terras e escravos. Isso correspondia, na prática, a mais ou menos 10% da população total. No entanto, isso é muito diferente de uma época na qual as divindades falavam e os homens simplesmente concordavam em função da autoridade de quem falava. A COSMOLOGIA

A palavra cosmologia é derivada de duas palavras Gregas, a saber: Cosmos que significa mundo ordenado e organizado e logos que significa pensamento racional. Dessa forma podemos defini-la como a busca de um conhecimento racional acerca da ordem do mundo, estudo do mundo existente, diferente das cosmogonias míticas, que se pretendiam narrativas de como a realidade havia se originado ou funcionava. A PALAVRA FILOSOFIA – PHILO-SOPHIA

É atribuída ao filósofo grego Pitágoras de Samos (aquele do

teorema!) a formulação da palavra filosofia. Ele afirmara que pertence aos deuses a sabedoria plena e completa, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.

A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e sophia. Philo deriva-se de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais. Sophia, quer dizer sabedoria e dela vem à palavra sophos, sábio.

O Pensador

Auguste Rodin

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Filosofia significa, portanto, o amor, no sentido de amizade, pela sabedoria, e a postura do filósofo é justamente a daquele que busca constantemente, ciente que jamais possuirá totalmente o objeto do seu amor. De acordo com o filósofo da ciência do século XX Karl Popper, quanto mais conhecimento, maior é a consciência do indivíduo de sua ignorância. Desse modo, a prática filosófica dispensa o pedantismo, o exibicionismo intelectual, a arrogância. É em função disso que Sócrates se transforma no filósofo por excelência, com sua conhecida máxima: sei que nada sei.

φφφ EXERCÍCIOS PROPOSTOS

QUESTÃO 01: (UFU – Jan/2001)

A palavra Filosofia é resultado da composição em grego de duas outras: philo e

sophia. A partir do sentido desta composição e das características históricas que

tornaram possível, na Grécia, o uso de tal palavra, pode-se afirmar que:

A) Sólon, mesmo sendo legislador, pode ser incluído na lista dos filósofos, visto que

ele era dotado de um saber prático.

B) a palavra, atribuída primeiramente a Parmênides, indica a posse de um saber

divino e pleno, tornando os homens verdadeiros deuses.

C) a Filosofia, como quer Aristóteles, é um saber técnico, possibilitando, pela posse ou

não de uma habilidade, tornar alguns homens os melhores.

D) a Filosofia, na definição de Pitágoras, indica que o homem não possui um saber,

mas o deseja, procurando a verdade por meio da observação.

QUESTÃO 02: (UFU – Jul/2001)

No poema Teogonia, as Musas aparecem ao poeta Hesíodo e dizem-lhe o seguinte:

―sabemos dizer muitas mentiras semelhantes aos fatos e sabemos, se

queremos, dar a ouvir verdades‖ (vv. 25-6)

Com base neste trecho é correto afirmar:

I- A Filosofia assemelha-se ao mito por entender que a verdade baseia-se na

autoridade de quem a diz.

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II- No mito, há espaço para contradições e incoerências, pois a verdade nele se

estabelece em um plano diverso daquele em que atua a racionalidade humana.

III- O mito entende que a verdade é, por um lado, uma conformidade com alguns

princípios lógicos e, por outro, a verdade deve ser dita em conformidade com o real.

IV- A crença e a confiança no mito provêm da autoridade religiosa do poeta que o

narra.

A) I e III são corretas.

B) II e III são corretas.

C) II e IV são corretas.

D) III e IV são corretas.

QUESTÃO 03: (UFU – Mar/2002)

―…Princípio dos seres…ele [Anaximandro] disse (que era) o

ilimitado…Pois donde a geração é para os seres, é para onde também a

corrupção se gera segundo o necessário ; pois concedem eles mesmos

justiça e deferência uns aos outros pela injustiça, segundo a ordenação do

tempo.‖

Pré-Socráticos. Coleção ―Os Pensadores‖. São Paulo: Abril Cultural,

1978.

A partir da análise do texto de Anaximandro, é correto afirmar que a filosofia, em

contraposição ao mito, se caracteriza por:

A) conceber o tempo como um passado imemorial sem relação com o presente.

B) os seres divinos concedem, por alianças ou rompimentos, justiça e deferência uns

aos outros.

C) o mundo ser explicado por um processo constante e eterno de geração e

corrupção, cujo princípio é o ilimitado.

D) narrar a origem do mundo por meio de alianças e forças geradoras divinas.

QUESTÃO 04: (UFU – Fev/2003)

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―(…) Assim, a magia e a mitologia ocupam a imensa região exterior do

desconhecido, englobando o pequeno campo do conhecimento concreto

comum. O sobrenatural está em todas as partes, dentro ou além do

natural; e o conhecimento do sobrenatural que o homem acredita possuir,

não sendo da experiência direta comum, parece ser um conhecimento de

ordem diferente e superior. É uma revelação acessível apenas ao homem

inspirado ou (como diziam os gregos) ‗divino‘ — o mágico e o sacerdote, o

poeta e o vidente‖.

CORNFORD, F.M. Antes e Depois de Sócrates. Trad. Valter

Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pp.14-15.

A partir do texto acima, é correto afirmar que:

A) o campo do conhecimento mítico limita-se ao que se manifesta no campo concreto

comum.

B) a magia e a mitologia não se confundem com o conhecimento concreto comum.

C) o conhecimento no mito, por ser uma revelação, é acessível igualmente a todos os

homens.

D) o mito não distingue o plano natural do sobrenatural, sendo o conhecimento do

sobrenatural superior.

QUESTÃO 05: (UEL – Jan/2003)

―Tales foi o iniciador da filosofia da physis, pois foi o primeiro a afirmar a

existência de um princípio originário único, causa de todas as coisas que

existem, sustentando que esse princípio é a água. Essa proposta é

importantíssima... podendo com boa dose de razão ser qualificada como a

primeira proposta filosófica daquilo que se costuma chamar civilização

ocidental.‖

REALE, Giovanni. História da filosofia: Antigüidade e Idade Média.

São Paulo: Paulus, 1990. p. 29.)

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A filosofia surgiu na Grécia, no século VI a.C. Seus primeiros filósofos foram os

chamados pré-socráticos. De acordo com o texto, assinale a alternativa que expressa

o principal problema por eles investigado.

A) A ética, enquanto investigação racional do agir humano. B) A estética, enquanto estudo sobre o belo na arte. C) A epistemologia, como avaliação dos procedimentos científicos. D) A cosmologia, como investigação acerca da origem e da ordem do mundo. E) A filosofia política, enquanto análise do Estado e sua legislação.

φφφ EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

QUESTÃO 01: (UEL – Jan/2003)

Ainda sobre o tema do seu surgimento, é correto afirmar que a filosofia:

A) Surgiu como um discurso teórico, sem embasamento na realidade sensível, e em oposição aos mitos gregos. B) Retomou os temas da mitologia grega, mas de forma racional, formulando hipóteses lógico-argumentativas. C) Reafirmou a aspiração ateísta dos gregos, vetando qualquer prova da existência de alguma força divina. D) Desprezou os conhecimentos produzidos por outros povos, graças à supremacia cultural dos gregos. E) Estabeleceu-se como um discurso acrítico e teve suas teses endossadas pela força da tradição.

QUESTÃO 02: (UEL – Jan/2003)

―Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está ordenado. Os

deuses disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo o que havia de ruim

no céu etéreo foi expulso, ou para a prisão do Tártaro ou para a Terra,

entre os mortais. E os homens, o que acontece com eles? Quem são

eles?‖

VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Trad. de

Rosa Freire

d‘Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 56.

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O texto acima é parte de uma narrativa mítica. Considerando que o mito pode ser uma

forma de conhecimento, assinale a alternativa correta.

A) A verdade do mito obedece a critérios empíricos e científicos de comprovação. B) O conhecimento mítico segue um rigoroso procedimento lógico-analítico para estabelecer suas verdades. C) As explicações míticas constroem-se de maneira argumentativa e autocrítica. D) O mito busca explicações definitivas acerca do homem e do mundo, e sua verdade independe de provas. E) A verdade do mito obedece a regras universais do pensamento racional, tais como a lei de não-contradição.

QUESTÃO 03: (UEL – Jan/2003)

―... os traços pelos quais a democracia é considerada forma boa de

governo são essencialmente os seguintes: é um governo não a favor dos

poucos mas dos muitos; a lei é igual para todos, tanto para os ricos quanto

para os pobres e portanto é um governo de leis, escritas ou não escritas, e

não de homens; a liberdade é respeitada seja na vida privada seja na vida

pública, onde vale não o fato de se pertencer a este ou àquele partido mas

o mérito.‖

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral

da política.

Trad. de Marco Aurélio Nogueira. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

p. 141.

Com base no texto, considere as seguintes afirmativas sobre os direitos fundamentais

da democracia grega.

I. Todos os cidadãos submetem-se a uma elite, formada pelos ricos, que governa

privilegiando seus interesses particulares.

II. Todos os cidadãos possuem os mesmos direitos e devem ser tratados da mesma

maneira, perante as leis e os costumes da pólis.

III. Todo cidadão tem a liberdade de expor, na assembléia, seus interesses e suas

opiniões, discutindo-os com os outros.

IV. Todo cidadão deve pertencer a um partido para que suas opiniões sejam

respeitadas.

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Assinale a alternativa correta.

A) Apenas as afirmativas I e II são corretas. B) Apenas as afirmativas I e IV são corretas. C) Apenas as afirmativas II e III são corretas. D) Apenas as afirmativas II e IV são corretas. E) Apenas as afirmativas III e IV são corretas.

QUESTÃO 04: (UEL – Jan/2004)

―Entre os ‗físicos‘ da Jônia, o caráter positivo invadiu de chofre a totalidade

do ser. Nada existe que não seja natureza, physis. Os homens, a

divindade, o mundo formam um universo unificado, homogêneo, todo ele

no mesmo plano: são as partes ou os aspectos de uma só e mesma physis

que põem em jogo, por toda parte, as mesmas forças, manifestam a

mesma potência de vida. As vias pelas quais essa physis nasceu,

diversificou-se e organizou-se são perfeitamente acessíveis à inteligência

humana: a natureza não operou ‗no começo‘ de maneira diferente de como

o faz ainda, cada dia, quando o fogo seca uma vestimenta molhada ou

quando, num crivo agitado pela mão, as partes mais grossas se isolam e

se reúnem.‖

VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego.

Trad. de Ísis Borges B. da Fonseca. 12.ed.

Rio de Janeiro: Difel, 2002. p.110.

Com base no texto, assinale a alternativa correta.

A) Para explicar o que acontece no presente é preciso compreender como a natureza agia ―no começo‖, ou seja, no momento original. B) A explicação para os fenômenos naturais pressupõe a aceitação de elementos sobrenaturais. C) O nascimento, a diversidade e a organização dos seres naturais têm uma explicação natural e esta pode ser compreendida racionalmente. D) A razão é capaz de compreender parte dos fenômenos naturais, mas a explicação da totalidade dos mesmos está além da capacidade humana. E) A diversidade de fenômenos naturais pressupõe uma multiplicidade de explicações e nem todas estas explicações podem ser racionalmente compreendidas.

QUESTÃO 05: (UEL – Jan/2004)

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―Mais que saber identificar a natureza das contribuições substantivas dos

primeiros filósofos é fundamental perceber a guinada de atitude que

representam. A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas

acriticamente, por força da tradição ou da ‗imposição religiosa‘, é o que

mais merece ser destacado entre as propriedades que definem a

filosoficidade.‖

OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invenção da

filosofia.

Campinas: Papirus, 2000. p. 24.

Assinale a alternativa que apresenta a ―guinada de atitude‖ que o texto afirma ter sido

promovida pelos primeiros filósofos.

A) A aceitação acrítica das explicações tradicionais relativas aos acontecimentos naturais. B) A discussão crítica das idéias e posições, que podem ser modificadas ou reformuladas. C) A busca por uma verdade única e inquestionável, que pudesse substituir a verdade imposta pela religião. D) A confiança na tradição e na ―imposição religiosa‖ como fundamentos para o conhecimento. E) A desconfiança na capacidade da razão em virtude da ―proliferação de óticas‖ conflitantes entre si.

QUESTÃO 06: (UEL – Jan/2005)

Sobre a passagem do mito à filosofia, na Grécia Antiga, considere as afirmativas a

seguir.

I. Os poemas homéricos, em razão de muitos de seus componentes, já contêm

características essenciais da compreensão de mundo grega que, posteriormente, se

revelaram importantes para o surgimento da filosofia.

II. O naturalismo, que se manifesta nas origens da filosofia, já se evidencia na própria

religiosidade grega, na medida em que nem homens nem deuses são compreendidos

como perfeitos.

III. A humanização dos deuses na religião grega, que os entende movidos por

sentimentos similares aos dos homens, contribuiu para o processo de racionalização

da cultura grega, auxiliando o desenvolvimento do pensamento filosófico e científico.

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IV. O mito foi superado, cedendo lugar ao pensamento filosófico, devido à assimilação

que os gregos fizeram da sabedoria dos povos orientais, sabedoria esta desvinculada

de qualquer base religiosa.

Estão corretas apenas as afirmativas:

A) I e II. B) II e IV. C) III e IV. D) I, II e III. E) I, III e IV.

QUESTÃO 07: (UEL – Dez/2005)

Os poemas de Homero serviram de alimento espiritual aos gregos,

contribuindo de forma essencial para aquilo que mais tarde se

desenvolveria como filosofia. Em seus poemas, a harmonia, a proporção, o

limite e a medida, assim como a presença de questionamentos acerca das

causas, dos princípios e do porquê das coisas se faziam presentes,

revelando depois uma constante na elaboração dos princípios metafísicos

da filosofia grega. Adaptado de: REALE, Giovanni. História da Filosofia

Antiga. v. I. Trad. Henrique C. Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo:

Loyola, 1994. p. 19.

Com base no texto e nos conhecimentos acerca das características que marcaram o

nascimento da filosofia na Grécia, considere as afirmativas a seguir.

I- A política, enquanto forma de disputa oratória, contribuiu para formar um grupo de

iguais, os cidadãos, que buscavam a verdade pela força da argumentação.

II- O palácio real, que centralizava os poderes militar e religioso, foi substituído pela

Ágora, espaço público onde os problemas da pólis eram debatidos.

III- A palavra, utilizada na prática religiosa e nos ditos do rei, perdeu a função ritualista

de fórmula justa, passando a ser veículo do debate e da discussão.

IV- A expressão filosófica é tributária do caráter pragmático dos gregos, que

substituíram a contemplação desinteressada dos mitos pela técnica utilitária do pensar

racional.

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Estão corretas apenas as afirmativas:

A) I e III. B) II e IV. C) III e IV. D) I, II e III. E) I, II e IV.

QUESTÃO 08: (UEL – Dez/2006)

―Há, porém, algo de fundamentalmente novo na maneira como os Gregos

puseram a serviço do seu problema último – da origem e essência das

coisas – as observações empíricas que receberam do Oriente e

enriqueceram com as suas próprias, bem como no modo de submeter ao

pensamento teórico e causal o reino dos mitos, fundado na observação das

realidades aparentes do mundo sensível: os mitos sobre o nascimento do

mundo.‖

Fonte: JAEGER. W. Paidéia. Tradução de Artur M. Parreira.

3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 197.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a relação entre mito e filosofia na Grécia,

é correto afirmar:

A) Em que pese ser considerada como criação dos gregos, a filosofia se origina no Oriente sob o influxo da religião e apenas posteriormente chega à Grécia. B) A filosofia apresenta uma ruptura radical em relação aos mitos, representando uma nova forma de pensamento plenamente racional desde as suas origens. C) Apensar de ser pensamento racional, a filosofia se desvincula dos mitos de forma gradual. D) Filosofia e mito sempre mantiveram uma relação de interdependência, uma vez que o pensamento filosófico necessita do mito para se expressar. E) O mito já era filosofia, uma vez que buscava respostas para problemas que até hoje são objeto da pesquisa filosófica.

QUESTÃO 09: (UFU –Jan/1999)

Quais são as principais diferenças entre Filosofia e mito?

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QUESTÃO 10: (UFU – Jul/2003)

―Funcionário da soberania ou louvador da nobreza guerreira, o poeta é

sempre um ―Mestre da Verdade‖. Sua ―Verdade‖ é uma ―Verdade‖

assertórica [afirmativa]: ninguém a contesta, ninguém a contradiz.

―Verdade‖ fundamental, diferente de nossa concepção tradicional, Alétheia

[Verdade] não é a concordância da proposição e de seu objeto, nem a

concordância de um juízo com outros juízos; ela não se opõe à ―mentira‖;

não há o ―verdadeiro‖ frente ao ―falso‖. A única oposição significativa é a

de Alétheia [Verdade] e de Léthe [Esquecimento]. Nesse nível de

pensamento, se o poeta está verdadeiramente inspirado, se seu verbo se

funda sobre um dom de vidência, sua palavra tende a se identificar com a

―Verdade‖.

DETIENNE, Marcel. Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica. Trad.

Andréa Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 23.

O mito grego, se entendido como uma narrativa, era uma fala de origem divina

enunciada, em geral, por um poeta com uma determinada função. A partir desta

perspectiva, analise o texto acima e responda em que se fundamenta, a partir desta

função do poeta grego, a diferença da concepção de verdade mítica da nossa

concepção, dado que esta esteja de acordo com o modelo aristotélico de verdade.

SEMANA 02: PRÉ-SOCRÁTICOS

PERÍODO COSMOLÓGICO

Pré-socráticos é o termo utilizado para designar os primeiros filósofos, os quais deram início ao período cosmológico, isto é, foram os primeiros a questionar as explicações sobrenaturais presentes nos mitos e procurar uma compreender racionalmente o cosmos. Estes pensadores também são denominados filósofos da natureza, e buscavam conhecer as causas dos fenômenos naturais, ou seja, tinham o intuito de determinar o princípio constitutivo – arché – da natureza – physis –, baseando-se na observação e no raciocínio.

Sobre a definição de arché, temos nas palavras de Giovanni Reale e Dario Antiseri:

―Princípio‖ (arché) não é um termo de Tales (talvez tenha sido introduzido por seu discípulo Anaximandro, mas alguns pensam numa origem mais tardia), mas é certamente o termo que indica melhor do que qualquer outro o conceito daquele quid do qual derivam todas as coisas. Como nota

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Aristóteles em sua exposição sobre o pensamento de Tales e dos primeiros físicos, o ―princípio‖ é ―aquele do qual derivam originalmente e no qual se ultimam todos os seres‖, é ―uma realidade que permanece idêntica no transmutar-se de suas alterações, ou seja, uma realidade ―que continua a existir imutada, mesmo através do processo gerador de todas as coisas‖. [...] Em suma, o ―princípio‖ pode ser definido como aquilo do qual provêm, aquilo no qual se concluem e aquilo pelo qual existem e subsistem todas as coisas. (REALE, G.; ANTISERI, D. 1990, p. 29-30).

PRINCIPAIS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS - Filósofos da Escola Jônica:

- Tales de Mileto: ―Tudo é água‖. - Anaxímenes de Mileto: ―E assim como nossa alma, que é ar, nos mantém unidos, da mesma maneira o vento envolve todo o mundo.‖ - Anaximandro de Mileto: ―Nem água nem algum dos elementos, mas alguma substância diferente, ilimitada, e dela nascem os céus e os mundos neles contidos.‖ - Heráclito de Éfeso: ―Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo.‖

- Filósofos da Escola Itálica:

- Pitágoras de Samos: ―Todas as coisas são números‖ - Filósofos da Escola Eleata:

- Parmênides de Eléia: ―O ser é e o não ser não é‖ - Zenão de Eléia: ―O que se move sempre está no mesmo agora‖

- Filósofos da Escola da Pluralidade:

- Empédocles de Agrigento: ―Pois destes (os elementos) todos se constituíram harmonizados, e por estes é que pensam, sentem prazer e dor‖ - Demócrito de Abdera: ―O homem, um microcosmo.‖

HERÁCLITO DE ÉFESO (545 – 480 a.C.)

―O ser não é mais do que o vir a ser”

Heráclito nasceu em Éfeso por volta de 545 a.C., cidade da Jônia, filho de uma família que ainda conservava prerrogativas reais. De temperamento esquivo, nunca quis participar da vida política, e não demonstrava apreço pelos cidadãos de sua cidade.

Foi considerado obscuro, e isso por duas razões: tendência ao isolamento e ao silêncio; escrita complexa, composta por aforismos, conjuntos de raciocínios mais curtos, com menor desenvolvimento de explicações do ponto de vista didático, e mesmo com uma ausência de preocupação com a apresentação

de exemplos. Sua filosofia teve reconhecimento, mais tardiamente, pela maneira como este filósofo percebeu o cosmos, isto é, sua interpretação do modo como a physis ―funcionava‖. Como percebemos na passagem abaixo.

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―Este cosmos (sentenciou Heráclito), igual para todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o fez; sempre foi, e sempre será...‖. Ninguém o fez porque ele é eterno, e, por conseqüência, incriado e imperecível: desprovido de uma vontade criadora anterior (ou externa) à sua destinação de se reproduzir sempre. Por isso, este mundo, é indicado como dado, posto aí, diante dos nossos olhos e dos nossos sentidos, e o que temos a fazer, é buscar compreendê-lo por aquilo que se mostra. [...] O mundo de fenômenos ao mesmo tempo em que se mostra, oculta as suas razões. É de sua índole, tanto o se ocultar como também o se assumir, mediante um aparência ou maquiagem comunicativa, pela qual a Natureza provoca em nós o desejo de a conhecer.[...] Conhecemos a Natureza não tanto por aquilo que se mostra, mas principalmente por aquilo que inferimos sobre ela.. (SPINELLI, M., 1998, p. 193)

Miguel Spinelli deixa claro um ponto importante na teoria de Heráclito, o de que o

mundo é eterno e, por isso, incriado. Isso demonstra que, diferentemente dos outros filósofos Pré-socráticos, ele não procurava um princípio constitutivo do cosmos, o qual seria um elemento contido na Natureza, mas sim busca compreender a sua ordem, isto é, como o mundo é a partir da sua organização e ordenação. Heráclito não procura a arché no sentido de um elemento de que o cosmos é constituído, mas a lei que o rege, partindo, é claro, das observações feitas na própria Natureza. Para o mesmo, a realidade é um constante fluxo, ou seja, é sempre mutável. Os sentidos, porém, para ele, nos mostram certa regularidade, que não condiz com a mudança constante que ocorre realmente. E isso mostra que tanto para Heráclito quanto para Parmênides existe uma cisão entre pensar e sentir.

A LUTA DOS CONTRÁRIOS – GUERRA E PAZ

―O conflito é o pai e o rei de todas as coisas‖ ... . ―O oposto é conveniente, e das coisas diferentes nasce a mais bela harmonia‖ ... . Sem nascimento e perecimento, sem geração e destruição, vida e morte, a perpetuidade do mundo seria insustentável, e, por conseqüência, a sua própria existência. Sem oposição ou diferenças, também o viver humano seria insustentável, pois desativaria todo o móvel do seu querer e agir, e, conseqüentemente, o próprio logos1 autentificador do nomos2 da deliberação humana. (SPINELLI, M., 1998, p. 196)

Para Heráclito o que comanda a ordem do mundo é a luta, ou melhor, harmonia dos contrários, a perenidade das coisas que fazem parte da Natureza, seja homem, planta, animal, mineral ou qualquer outra coisa. O mundo é eterno, assim como a sua ordem, porém suas partes, aquilo de que ele se constitui está em constante renovo, em um eterno devir. Em outras palavras, se não existir guerra não há paz, se não existir morte não há vida nem nascimento, sem a perenidade das coisas tudo seria eterno e posto, condição que, para Heráclito, é perceptivelmente incoerente com a realidade. A teoria heraclitiana consiste, então, no estabelecimento de uma lei que rege o cosmos, a de que tudo é um eterno devir, um vir a ser constante, pois tudo nasce, cresce e morre. O jovem envelhece, o verde apodrece, tudo está sujeito ao tempo e, assim, a harmonia dos contrários, já que é por existir os contrários que se tem uma perfeita ordenação da existência do mundo.

1 Logos é logos no alfabeto grego e significa pensamento racional, sendo que na filosofia de Heráclito é o

que vai determinar a lei que rege a ordem do mundo. 2 Nomós em grego significa lei, deliberação, governo, princípio regulativo.

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NOTA: Pela maneira como percebia o desenvolvimento natural das coisas, Heráclito foi considerado o pai da dialética, isto é, via a realidade como um eterno embate entre opostos, um momento superando o outro. O LOGOS NA TEORIA HERACLITIANA

Mas ela é detentora (e isso é muito importante de salientado na filosofia de Heráclito), de uma ciência específica e própria, ou seja, de um saber que, de certo modo, se esconde por detrás de uma aparência observável, e que cabe ao logos humano desocultá-la, pela via da observação e da inferência. Esse seu saber é a sua lei (nomos), e também o seu logos, aquele que ―tudo governa‖: o pensamento que governa tudo através de tudo.[...] O logos, em referência ao cosmos,é expressão dessa articulação, pela qual o cosmos ou o ser pode ser entendido como uma unidade de contrapostos. (SPINELLI, M., 1998, p. 193 e 195)

Spinelli, na passagem acima, demonstra, novamente que Heráclito busca encontrar o princípio regulativo do cosmos, o logos que governa a ordem do mundo, isto é, assim como os homens o cosmos também tem um logos. A razão conduz as ações dos homens e o logos faz o mesmo com a ordem do mundo, estabelecendo a harmonia entre os contrários, que é o nomos (a lei) que rege os acontecimentos na Natureza. Dessa forma pode-se dizer que o logos (a razão) do cosmos (espaço ordenado) consiste no princípio que regula a ordem do mundo, é a expressão da harmonia entre os contrários.

O FOGO COMO PRINCÍPIO DE TODAS AS COISAS

Dado que a sua Filosofia da Natureza é uma filosofia das relações, o fogo (coextensivo do logos) nela se apresenta com elemento constituinte do cosmos e também como a metáfora mais significativa do seu filosofar.[...] Mas o que Heráclito observou (talvez diante da lareira), é que o fogo não existe isoladamente na Natureza, a não ser em Relação: se há fogo, há algo que queima. (SPINELLI, M., 1998, p. 199 e 200)

Para Heráclito o fogo é algo que exprime exatamente a ―natureza‖ do cosmos, pois ele vive da constante mudança, da harmonia entre contrário, pois a sua vida consiste em destruir algo – o combustível – que se transforma em fumaça. O fogo retrata bem o que Heráclito quer dizer com guerra e paz, pois a primeira seria o fogo queimando, destruindo o combustível e o transformando; já a segunda seria o fogo se apagando, isto é, deixando de queimar, e por isso deixando de existir. A guerra é a luta entre os contrários que faz com que exista uma ordem no mundo, a qual o mantém existindo, a paz seria o fim, ou a não existência, desta luta, uma perpetuidade que acabaria com a ordem e, conseqüentemente, o mundo.

PARMÊNIDES DE ELÉIA (540 – 470 a.C.)

“O ente é, pois é ser e nada não é.”

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A IMUTABILIDADE DO SER

Parmênides nasceu em Eléia, hoje Vélia, na Itália por volta de 540 a.C. Foi iniciado na filosofia pelo pitagórico Ananias e tem-se que foi político ativo e formador de boas leis para a cidade. Escreveu um poema intitulado Sobre a Natureza, o qual se divide em duas partes: a primeira (da qual teve-se acesso à vários fragmentos) que trata dos caminhos da verdade; e a segunda (da qual conservam-se apenas fragmentos) que aborda os caminhos da opinião. Tem-se que a filosofia parmenidiana levanta-se contra o dualismo pitagórico (ser e não-ser, cheio e vazio,...) e, de acordo com alguns intérpretes, contra o mobilismo de Heráclito.

Vejamos uma passagem de um poema de Parmênides na qual podemos encontrar os principais elementos de seu pensamento.

Só nos resta neste momento, uma única via da qual se possa falar: que é. Sobre ela há um grande número de sinais: que sendo não-gerado é imperecível um todo inteiro inabalável e sem fim. Jamais foi nem será, porque é todo presente, um e contínuo. Que origem poder-se-ia atribuir-lhe? Como e de onde cresceria? Não te permitirei dizer nem pensar que ele possa ter crescido do não-ser; pois não se pode dizer nem pensar o que não é. Se viesse do nada qual a necessidade o teria impelido a nascer mais cedo ou mais tarde? Assim, pois, é necessário que ele seja absolutamente ou não seja. Também a força da convicção jamais concederá que do não-ente possa nascer algo dele. A justiça não permite por um afrouxamento de suas amarras, que nasça ou pereça, mas o mantém. Esta decisão recai sobre a seguinte afirmativa: Ou é ou não é [...]. Como poderia perecer o ente? Como poderia ser gerado? Pois se nasceu, não é, e também não é se um dia devesse ser. [...]. Também não é divisível, pois é completamente idêntico a si mesmo. Nada poderia ser-lhe acrescido o que impediria de conter-se, nem retirado, pois o ente é todo pleno. Por isso é todo contínuo [...] Idêntico a si mesmo, em si mesmo repousa, imóvel em seu lugar; pois a poderosa Necessidade o mantém nos limites de um liame que de todos os lados o encerra, de tal modo que ao ente está estabelecido como norma não ser inacabado.

A passagem acima vem confirmar o motivo pelo qual Parmênides desacredita do conhecimento proporcionado pelos sentidos, ou seja, o Ser dos sentidos está em movimento e por isso ele constantemente deixa de ser o que é e se transforma em outro Ser (o não-ser anterior), o que para o autor é inconcebível, pois o não-ser não existe. Em outras palavras, admitir o movimento implica em admitir que uma pessoa deixa de ser jovem e se transforma em velho (que é o mesmo que dizer que se transforma no não-jovem, que não existe).

Para Parmênides o Ser, o pensar e o dizer são a mesma coisa, pois não se pode, em hipótese alguma, admitir que o não-ser possa ser pensado ou dito. O Ser uno e eterno do autor só pode ser concebido pela razão, sendo que os sentidos não podem expressá-lo.

A CRÍTICA AO CONHECIMENTO PELOS SENTIDOS

Discordando do pensamento de Heráclito, Parmênides faz uma crítica ao conhecimento das coisas sensíveis, as quais estão em constante mutação, porque não há como formular um conhecimento a respeito de algo que em um dado momento é X e logo depois se torna Y. Para este pensador é impossível

Fisionomia Atribuída a

Parmênides (segunda

metade do séc. VI e

primeira metade do

séc. V a.C.).

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conhecer todas as coisas em todos os seus momentos, pois só se poderia realmente ter acesso a um saber concreto sobre algo se fosse possível conhecê-lo nos diversos momentos de sua existência. Para o autor, então, a realidade não é acessível pelos sentidos, mas tão somente pela razão, que jamais poderia conhecer algo que muda constantemente, mas somente estar conhecendo este algo. O conhecimento pronto e acabado só pode existir frente a uma realidade que não mude, e só assim pode-se afirmar que se conhece alguma coisa em sua plenitude. Como para este filósofo, ao contrário de Heráclito, os sentidos nos mostram mudança, estes não são via de acesso confiável à realidade tal qual ela é.

φφφ EXERCÍCIOS PROPOSTOS

QUESTÃO 01 (UFU – Jan/2004)

―Do arco o nome é vida e a obra é morte‖. HERÁCLITO. Sobre a natureza. Trad. de José Cavalcante de Souza.

São

Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 56. Coleção ―Os Pensadores‖.

Este fragmento ilustra bem o pensamento de Heráclito, que acreditou ser o mundo o

eterno fluir, comparado a um rio no qual ―entramos e não entramos‖.

Assinale a alternativa que explica o fragmento mencionado acima.

A) Todas as coisas estão em oposição umas com as outras, o que explica o caráter

mutável da realidade. A unidade do mundo, sua razão universal resulta da tensão

entre as coisas, daí o emprego freqüente, por parte de Heráclito, da palavra guerra

para indicar o conflito como fundamento do eterno fluxo.

B) A harmonia que anima o mundo é aberta aos sentidos, sendo possível ser

conhecida na multiplicidade daquilo que é manifesto, uma vez que a realidade nada

mais é que o eterno fluxo da multiplicidade do Logos heraclitídeo.

C) A unidade dos contrários, a vida e a morte, é imóvel, podendo ser melhor

representada para o entendimento humano por intermédio da imagem do fogo, que

permanece sempre o mesmo, imutável e continuamente inerte, e não se oculta aos

olhos humanos.

D) O arco, instrumento de guerra, indica que a idéia de eterno fluxo, das

transformações que compõem o fluxo universal, é o fundamento da teoria do caos,

pois o fogo se expande sem medida, tornado a realidade sem nenhuma harmonia ou

ordem.

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QUESTÃO 02 (UFU – Jul/2004)

O fragmento seguinte é atribuído a Heráclito de Éfeso.

―O mesmo é em (nós?) vivo e morto, desperto e dormindo, novo e velho;

pois estes, tombados além, são aqueles e aqueles de novo, tombados

além, são estes.‖

Os Pré-Socráticos. Trad. de José Cavalcante de Souza, 1ª ed.

São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 93. (Os Pensadores)

A partir do fragmento citado, escolha a alternativa que melhor representa o

pensamento de Heráclito.

A) Não existe a noção de ―oposto‖ no pensamento de Heráclito, pois todas as coisas

constituem um único processo de mudança que expressa a concórdia e a harmonia

do ―fluxo‖ contínuo da natureza.

B) A equivalência de estados contrários com ―o mesmo‖ exprime a alternância

harmônica de pólos opostos, pela qual um estado é transposto no outro, numa

sucessão mútua, como o dia e a noite. Todas as coisas são ―Um‖, toda a

multiplicidade dos opostos constitui uma unidade, e todos os seres estão num fluxo

eterno de sucessão de opostos em guerra.

C) Se o morto é vivo, o velho é novo, e o dormente é desperto, então não existe o

múltiplo, mas apenas o ―Um‖, como verdade profunda do mundo. A unidade

primordial é a própria realidade da physis e a multiplicidade, apenas aparência.

D) A alternância entre pólos opostos constitui um fluxo eterno, regido pela ―guerra‖ e pela ―discórdia‖, que ocorre sem qualquer medida e proporção. A guerra entre contrários evidencia que a physis é caótica e denota o fato de que o pensamento de Heráclito é irracionalista.

QUESTÃO 03 (UFU – Jul/2005)

O fragmento seguinte menciona uma noção fundamental na filosofia de Heráclito.

―Por isso é preciso seguir o-que-é-com, (isto é, o comum; pois o comum é

o-que-é-com). Mas, o Logos sendo o-que-é-com, vivem os homens como

se tivessem uma inteligência particular.‖

SEXTO EMPÍRICO. Contra os Matemáticos, VII,133. In: Os Pré-

Socráticos.

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São Paulo: Abril Cultural, 2000. Col. Os Pensadores, p. 87.

A partir do fragmento, escolha a explicitação correta do LOGOS na filosofia de

Heráclito.

A) O Logos é comum a todas as coisas e, por isso, princípio Universal que se

manifesta na atividade de uma inteligência. O Logos é lei – princípio divino inteligente

que ordena e governa todo o fluxo do kosmos. Imanente à estrutura do mundo, sua

expressão material é o Fogo sempre vivo que se alterna por medidas. O Logos

expressa a verdade eterna, independentemente das palavras, de que tudo é Um.

B) O Logos de Heráclito representa o discurso racional filosófico que se contrapõe ao

discurso poético modelador de uma visão mítica do kosmos. A explicação de mundo

difundida pelo Logos não se baseia na geração e nascimento dos deuses, mas num

elemento material único representado pelo fogo. Por ser comum, o Logos denota a

racionalidade estritamente humana em contraposição ao fluxo caótico e irracional da

natureza.

C) O Logos representa a concepção de que todas as coisas formam uma unidade.

Somente o Um é racional, pois é o comum e indica o que é compartilhado, em

contraposição com a multiplicidade, que é negada na Filosofia de Heráclito. O fluxo

permanente de todas as coisas indica que a alternância e a guerra dos opostos não

pode ser apreendida pelo discurso filosófico racional, cuja função é explicar o kosmos

em termos lógicos.

D) O Logos denota a concepção de que uma unidade da physis não pode ser

expressa pelo discurso filosófico, pois cada homem percebe o mundo de um modo

particular a partir dos sentidos. Todas as coisas formam um fluxo perpétuo e a

multiplicidade dos opostos constitui a única verdade em contraposição com a

unidade, que é negada na Filosofia de Heráclito. O discurso filosófico só pode

expressar o que cada um percebe pelos sentidos.

QUESTÃO 04 (UFU – Jul/2004)

A relação entre mito e logos pode ser ilustrada a partir do seguinte fragmento do

poema Sobre a Natureza de Parmênides.

―E a deusa me acolheu benévola, e na sua a minha

mão direita tomou, e assim dizia e me interpelava:

ó jovem, companheiro de aurigas imortais,

tu que assim conduzido chegas à nossa morada,

salve! Pois não foi mau destino que te mandou perlustrar

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esta via (pois ela está fora da senda dos homens)...‖ Os Pré-Socráticos. Trad. de José Cavalcante de Souza. 1ª ed. São

Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 147. (Os Pensadores)

Após ler o fragmento, escolha a alternativa que melhor representa a relação mito-

logos nas origens da filosofia.

A) A verdade filosófica aparece no poema de Parmênides como revelação divina e experiência mística, que são incompatíveis com o pensamento filosófico racional. A deusa do poema mostra que o conhecimento supremo está fora do alcance da razão humana. B) A verdade filosófica, no poema de Parmênides, é apresentada por meio de

representações míticas que o filósofo retira de uma tradição religiosa. Essas imagens

se transpõem, sem deixar de ser místicas, em uma filosofia do Ser que busca o

objeto inteligível do logos, ou seja, do pensamento racional e do Uno.

C) A verdade filosófica, por ser revelação da deusa, é obtida apenas pela experiência

religiosa. As representações míticas do poema de Parmênides indicam que a filosofia

grega do século V a.C. é irracional, pois não usa as categorias lógicas do rigor

argumentativo.

D) A filosofia representa o pensamento estritamente racional, que busca uma

explicação de mundo somente por meio de princípios materiais. Por essa razão, o

poema de Parmênides ainda não representa o pensamento filosófico do século V

a.C., caracterizado pela ruptura com todas as imagens míticas da tradição cultural

grega.

QUESTÃO 05 (UFU – Jul/2006)

Abaixo, temos um fragmento do poema de Parmênides e uma breve análise de sua

obra por Gerd Bornheim.

E agora vou falar; e tu, escuta as minhas palavras e guarda-as bem, pois vou dizer-te dos únicos caminhos de investigação concebíveis. O primeiro (diz) que (o ser) é e que o não-ser não é; este é o caminho da convicção, pois conduz à verdade. O segundo, que não é, é, e que o não-ser é necessário; esta via, digo-te, é imperscrutável; pois não podes conhecer aquilo que não é – isto é impossível – nem expressá-lo em palavra.

Fragmento do poema de Parmênides. IN:BORNHEIM, G.

Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Cultrix, 1989.

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O poema de Parmênides nos oferece – ao lado dos fragmentos de

Heráclito – a doutrina mais profunda de todo pensamento pré-socrático.

Mas é também a de mais difícil interpretação. O poema se divide em três

partes: o prólogo, o caminho da verdade e o caminho da opinião. (...) No

fim do prólogo, o poema distingue ―o coração inabalável da verdade bem

redonda‖, das ―opiniões dos mortais‖.

BORNHEIM, G. Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Cultrix, 1989.

De acordo com o pensamento de Parmênides, assinale a alternativa correta.

A) O caminho da verdade afirma que o ser é, e que o não-ser é necessário.

B) O caminho da verdade e o caminho da opinião são os mesmos, porque tudo é um

eterno devir.

C) Há dois caminhos, o primeiro conduz à verdade, enquanto o segundo não é

passível de investigação.

D) É possível investigar, conhecer e expressar o não-ser, porque é do conjunto das

opiniões dos mortais que nasce a verdade.

φφφ EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

QUESTÃO 01: (UFU – Jan/1999)

Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático, compreendia que

I- o ser é vir-a-ser.

II- o vir-a-ser é a luta entre os contrários.

III- a luta entre os contrários é o princípio de todas as coisas.

IV- da luta entre os contrários origina-se o não-ser.

Assinale

A) se apenas I, II e III estiverem corretas.

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B) se apenas I, III e IV estiverem corretas.

C) se apenas II, III e IV estiverem corretas.

D) se apenas I, II e IV estiverem corretas.

E) se todas as afirmativas estiverem corretas.

QUESTÃO 02: (UFU – Jul/1999)

Heráclito de Éfeso (500 a.C.) concebia a realidade do mundo como mobilidade, impulsionada pela luta dos contrários. Sobre sua filosofia, é correto afirmar que

I- a imagem do fogo, com chamas vivas e eternas, representa o Logos que governa o

movimento perpétuo dos seres.

II- a luta dos contrários é aparência que afeta apenas a sensibilidade humana.

III- a mobilidade dos seres resulta no simples aparecer de novos seres.

IV- a harmonia do cosmo é resultado da tensão eterna da luta dos contrários.

Assinale

A) se as afirmações II e III são corretas.

B) se as afirmações I e IV são corretas.

C) se apenas a afirmação IV é correta.

D) se apenas a afirmação I é correta.

QUESTÃO 03: (UFU – Jul/2001)

―Muitos não percebem tais coisas, todos os que as encontram, nem

quando ensinados conhecem, mas a si próprios lhes parece que as

conhecem e percebem.‖ (DK 22 B 17)

―Más testemunhas para os homens são os olhos e ouvidos, se almas

bárbaras eles têm‖ (DK 22 B 107)

A partir destes dois textos de Heráclito, pode-se afirmar que, para ele,

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A) as sensações, como as águas de um rio, são infalíveis e nos proporcionam nelas

mesmas a apreensão do real.

B) o conhecimento é obtido unicamente a partir da percepção sensível.

C) as sensações por si só não são garantias de conhecimento.

D) o conhecimento é proporcionado pelo ensino obtido pela atividade da alma,

qualquer que esta seja.

QUESTÃO 04: (UFU – Jul/2006)

O trecho do fragmento seguinte constitui a mais célebre afirmação atribuída a

Heráclito.

Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo, segundo Heráclito, nem

substância mortal tocar duas vezes na mesma condição...

HERÁCLITO. In: Os Pré-Socráticos. (PLUTARCO, De E apud Delphos ,

8, p. 388 E.).

São Paulo: Abril Cultural, 2000. p. 97. Col. Os Pensadores.

A partir do fragmento, escolha a explicação correta para a questão do ―fluxo‖ na

Filosofia de Heráclito:

A) O fluxo do rio representa a condição mortal do homem e a metempsicose. Não se

pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois o homem, substância mortal, morre e

renasce sucessivamente em vidas distintas. Só se pode entrar no mesmo rio uma

única vez, na mesma condição, ou seja, com a mesma

substância mortal.

B) O fragmento enfatiza o fato de que todas as coisas, representadas pelo rio,

mudam de maneira caótica e desordenada, fazendo com que o conhecimento seja

totalmente impossível. Como nada permanece o mesmo, pode-se inferir que nada é,

nem pode ser dito e nem mesmo pode ser pensado, visto que o Logos não existe.

C) O fluxo, representado pelo rio, indica o parentesco de toda a Natureza com a substância mortal. Todas as coisas se tornam água, que, para Heráclito, é o princípio primordial no qual todas as coisas se convertem e que configura todas as mudanças. O fluxo do rio indica que a condição de todas as coisas é determinada pela água como substância mortal.

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D) O fragmento enfatiza que a estrutura e, portanto, a identidade de um rio se

mantém a mesma, embora sua substância esteja em contínua mudança. Um aspecto

unitário é mantido, enquanto o conteúdo material é constantemente perdido e

trocado. A imagem do rio expressa a coexistência de uma estrutura contínua num

processo de fluxo.

QUESTÃO 05: (UFU – Fev/2007)

Heráclito de Éfeso viveu entre os séculos VI e V a.C e sua doutrina, apesar de

criticada pela filosofia clássica, foi resgatada por Hegel, que recuperou sua importante

contribuição para a Dialética. Os dois fragmentos a seguir nos apresentam este

pensamento.

―Este mundo, igual para todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o fez; sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, acendendo-se e apagando-se conforme a medida.‖ (Fragmento 30)

―Para as almas, morrer é transformar-se em água; para a água, morrer é transformar-se em terra. Da terra, contudo, forma-se a água, e da água a alma.‖ (Fragmento 36)

De acordo com o pensamento de Heráclito, marque a alternativa INCORRETA.

A) As doutrinas de Heráclito e Parmênides estão em perfeito acordo sobre a

imutabilidade do ser.

B) Para Heráclito, a idéia de que ―tudo flui‖ significa que nada permanece fixo e

imóvel.

C) Heráclito desenvolve a idéia da harmonia dos contrários, isto é, a permanente

conciliação dos opostos.

D) A expressão ―devir‖ é adequada para compreendermos a doutrina de Heráclito.

QUESTÃO 06: (UFU – Jan/1999)

Parmênides de Eléia, filósofo pré-socrático, sustentava que

I- o ser é.

II- o não-ser não é.

III- o ser e o não-ser existem ao mesmo tempo.

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IV- o ser é pensável e o não-ser é impensável.

Assinale

A) se apenas I, III e IV estiverem corretas.

B) se apenas I, II e III estiverem corretas.

C) se apenas II, III e IV estiverem corretas.

D) se apenas I, II e IV estiverem corretas.

E) se todas as afirmativas estiverem corretas.

QUESTÃO 07: (UFU – Jul/2000)

No poema Sobre a Natureza Parmênides afirma: "os únicos caminhos de inquérito que

são a pensar: o primeiro que é e, portanto que não é não ser, de Persuasão é caminho

(pois à verdade acompanha); o outro, que não é e, portanto que é preciso não ser,

este então, eu te digo, é atalho de todo incrível; pois nem conhecerias o que não é

nem o dirias". Pode-se daí inferir que:

A) apenas o ser pode ser dito e pensado.

B) o não ser de algum modo é.

C) o ser e o pensar são distintos.

D) o ser é conhecido pelos sentidos.

QUESTÃO 08: (UFU – Set/2002)

―Só resta o mito de uma via, a do ser; e sobre esta existem indícios de que

sendo não gerado é também imperecível, pois é todo inteiro, inabalável e

sem fim; nem jamais era nem será, pois é agora todo junto, uno, contínuo

(…)‖

Sobre a Natureza, 8, 2-5

A partir deste trecho do poema de Parmênides, é possível afirmar que

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A) a continuidade, a geração e o imobilismo estão presentes na via do ser.

B) o ser, por não poder não ser, não é gerado nem deixa de ser, não tendo princípio

nem fim.

C) a via do ser é aquela percebida pelos nossos sentidos.

D) o ser, para o autor, de certo modo não é, pois nunca foi no passado nem será no

futuro.

QUESTÃO 09: (UFU – Jul/2003)

―Só é possível pensar e dizer que o ente é, pois o ser é,

mas o nada não é; sobre isso, eu te peço, reflita,

pois esta via de inquérito é a primeira de que te afasto;

depois afasta-te daquela outra, aquela em que erram os mortais

desprovidos de saber e com dupla cabeça, pois, no peito, a hesitação

dirige

um pensamento errante: eles se deixam levar surdos e cegos, perplexos,

multidão inepta, para quem ser e não ser é considerado o mesmo e não o

mesmo,

para quem todo o caminho volta sobre si mesmo‖.

Parmênides, Sobre a Natureza, 6, 1-9.

Sobre este trecho do poema de Parmênides, é correto afirmar que

I - só se pode pensar e dizer que o ser é.

II - para os mortais o ser é considerado diferente do não ser.

III - é possível dizer o não ser, embora não se possa pensá-lo.

IV - duas vias de inquérito devem ser afastadas: a do não ser e a dos mortais.

Assinale a alternativa que contém todas as afirmações corretas.

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A) II e III

B) II e IV

C) I e III

D) I e IV

QUESTÃO 10: (UFU – Jan/2004)

Parmênides (c. 515-440 a.C.) deixou seus pensamentos registrados no poema Sobre

a natureza, do qual restaram apenas fragmentos cultivados pelos filósofos do mundo

antigo, uma das passagens célebres preservadas é a seguinte:

―Necessário é o dizer e pensar que (o) ente é; pois é ser,

e nada não é; isto eu te mando considerar.

Pois primeiro desta via de inquérito eu te afasto,

mas depois daquela outra, em que mortais que nada sabem

erram, duplas cabeças, pois o imediato em seus

peitos dirige errante pensamento; (...)‖

PARMÊNIDES. Sobre a natureza. Trad. de José Cavalcante de Souza.

São Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 88. Coleção ―Os Pensadores‖.

Analise as assertivas abaixo.

I- A opinião humana busca o que é (ser) naquilo que não é (não-ser).

II- O mundo dos sentidos é (ser), portanto, o único digno de ser conhecido.

III- Não se pode dizer ―não-ser é‖, porque ―não-ser‖ é impensável.

IV- Dizer ―não-ser é não não-ser‖, é o mesmo que afirmar ―não-ser não é‖.

Assinale a alternativa que contém as assertivas corretas.

A) I e III

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B) II e III

C) II e IV

D) I e IV

SEMANA 03: SÓCRATES DE ATENAS

SÓCRATES (470 – 399 a.C.)

“Tudo que sei é que nada sei” PERÍODO SOCRÁTICO OU ANTROPOLÓGICO

Sócrates nasceu em Atenas por volta de 470/469 a.C. e morreu em 399 a.C.

devido a uma condenação, a qual se fundamentou nas acusações de ser corruptor da juventude e de não acreditar nos deuses da cidade. Era filho de um escultor e de uma parteira. Nunca escreveu nada, e a maioria do que conhecemos de sua filosofia chegou-nos por intermédio dos diálogos de Platão, o que acabou por gerar uma dúvida sobre se Sócrates realmente havia existido ou se seria simples personagem das obras de Platão. A maioria dos comentadores sérios, no entanto, têm optado pela primeira possibilidade.

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O que se pode perguntar, no entanto, é o seguinte: o que o tornou tão importante para os estudiosos da filosofia? Por que se tornou um marco, a ponto de classificarmos todos os que vieram antes dele como Pré-socráticos? A resposta não envolve, como deve parecer óbvio, somente elementos cronológicos. O período socrático foi também denominado de antropológico. Analisando a palavra, Antropo: vem de anthropos, que se refere à idéia de homem e lógico: vem de Logos, que significa estudo, razão. Dessa maneira podemos afirmar que antropologia é o estudo do homem em seus mais variados aspectos, principalmente cultural e social.

Essa divisão existe na história da Filosofia porque Sócrates mudou o enfoque da investigação filosófica, não se preocupando em compreender o mundo natural, como os filósofos que o antecederam, mas procurando conhecer o homem e seu aspecto social e político, como percebemos na seguinte citação abaixo:

Os naturalistas procuraram responder à seguinte questão: ―O que é a natureza ou a realidade última das coisas?‖ Sócrates, porém, procura responder à questão: ―O que é a natureza ou realidade última do homem?‖, ou seja, o que é a essência do homem?‖. (REALE, G.; ANTISERI, D. 1990, p. 87).

Nesse momento de desenvolvimento principalmente cultural do mundo grego, além

das questões voltadas à natureza (cosmologia), a filosofia começa a preocupar-se com a sociedade e o indivíduo, principalmente no que diz respeito às questões morais. O cidadão guerreiro belo e bom (Arete – modelo de virtude) já não satisfazia o modelo de cidadão da polis. Era, então, necessário formar um novo cidadão para comandar as cidades. Neste contexto surgem os Sofistas (professores estrangeiros), os quais se diziam capazes de ensinar a arte e a técnica do discurso (oratória e retórica). Saber falar em público era essencial em um sistema democrático, no qual as decisões eram tomadas em praça pública (Ágora), por vontade da maioria dos cidadãos, após ouvirem os discursos prós e contra os temas a serem votados. Os Sofistas ensinavam a jovens aristocratas, e recebiam por isso. Acreditavam que tudo poderia ser ensinado, porque tudo era convenção entre os homens. Por isso acreditavam que a realidade era relativa, sendo os resultados dependentes de acordos entre os homens.

O mais importante deles foi Protágoras, cuja principal afirmação foi a de que ―O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são.‖

Górgias também foi muito importante, afirmou que podemos pensar o inexistente e comunicar irrealidades através da linguagem. Portanto, não há diferença entre (doxa) opinião e (Alétheia) verdade, assim como pensavam os outros sofistas e os gregos de sua época.

Sócrates formulou uma ética racionalista (metódica) onde a virtude (Areté) se identifica com o conhecimento. A verdade só pode ser conhecida, portanto se o indivíduo deixar para trás as ilusões dos sentidos, as palavras e as opiniões. Conhecer para Sócrates consistia em se elevar da aparência para a essência, da opinião individual para o conceito universal dos seres, dos valores, da vida moral e da política.

Mencionamos acima a preocupação socrática de compreender qual a essência do homem, a qual parece-nos estar expressa na seguinte passagem:

Um dos raciocínios fundamentais feitos por Sócrates para provar essa tese é a seguinte: uma coisa é o ―instrumento‖ que se usa e outra é o ―sujeito‖ que usa o instrumento. Ora, o homem usa seu próprio corpo como instrumento, o que significa que o sujeito, que é o homem, e o instrumento, que é o corpo, são coisas distintas. Assim, à pergunta ―o que é o homem‖, não se pode responder que é o seu corpo, mas sim que é ―aquilo que se serve do corpo‖. Mas ―o que se serve do corpo é a psyché, a alma (= inteligência) [...] (REALE, G.; ANTISERI, D. 1990, p. 88).

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Para Sócrates, a educação da alma é importante, pois ela é a essência do homem.

Ela determina as ações dos homens ela pode bem conduzir-nos a uma vida virtuosa. Aquele que tem conhecimento não reúne todas as características necessárias à virtude (justiça, fortaleza, temperança, sabedoria...) e o vício nada mais é que a falta, a privação de conhecimento, ou seja, a ignorância.

Tomando este preceito como base, podemos também afirmar que tudo o que é exterior à natureza da alma do homem não pode ser considerado virtude. Desse modo, riqueza, poder, fama, beleza e saúde física, dentre outras coisas, não constituem valores éticos, pois ―em si mesmos não têm valor‖.

Este filósofo ficou conhecido também por sua máxima, ―tudo que sei é que nada sei‖. Com tal afirmação quis dizer que o conhecimento do homem é pequeno, imperfeito, superficial e que o conhecimento pleno e total das coisas naturais só pertence aos deuses. É presunção se considerar conhecedor das coisas criadas por aqueles que nos criaram.

Mas se virtude é sinônimo de conhecimento e Sócrates diz não saber nada então não é virtuoso? Claro que o conhecimento que ele está admitindo como igual à virtude não trata de conhecimentos acerca o mundo natural, o qual os deuses são artífices, mas de conhecimentos práticos e de uma tentativa de uma auto-compreensão de nossa alma.

O provável, senhores, é que, em verdade, o sábio seja deus e queira dizer, em seu oráculo, que pouco valor ou nenhum tem a sabedoria humana; evidentemente se terá servido deste nome de Sócrates para me dar como exemplo, como se dissesse: ―O mais sábio dentre vós, homens, é quem, como Sócrates, compreendeu que sua sabedoria é desprovida verdadeiramente desprovida do mínimo valor‖. (PLATÃO, 2004, p. 47).

De tal modo que o não-saber socrático já constitui uma sabedoria. Ao reconhecer

sua própria ignorância, Sócrates buscou levar aos demais atenienses tal conhecimento; utilizando, para isso, sua dialética, a qual analisamos agora. O MÉTODO SOCRÁTICO

Sócrates, na exposição polêmica e didática de suas idéias,

adotava sempre o diálogo que assumia uma dupla forma, conforme se tratava de um adversário a refutar ou de um ―discípulo‖ a instruir. No primeiro caso, assumia humildemente a atitude de quem aprende e ia multiplicando as perguntas até encontrar o adversário presunçoso em evidente contradição, constrangendo-o à confissão humilhante de sua ignorância. É a ironia socrática. No segundo caso, tratando-se de um ―discípulo‘, multiplicava ainda mais as perguntas, dirigindo-as agora a fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um

conceito, uma definição geral do objeto em questão. A este processo pedagógico, em memória da profissão materna, denominava-se maiêutica, ou engenhosa obstetrícia do espírito, que facilitava a parturição das idéias.

Partindo da consciência da sua própria ignorância (―só sei que nada sei‖), utilizava como método não a exposição, mas a dialética (aqui com o sentido de arte do diálogo e da discussão), que passava por três momentos distintos: - IRONIA: em grego significa interrogação. Consistia em uma cadeia de perguntas realizadas por Sócrates que iam, pouco a pouco, conduzindo o interlocutor á consciência da própria ignorância.

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- APORIA: do grego a = não e poria vem de poros que significa saída. O termo, então, significa sem saída, e relaciona-se ao final de todo o diálogo platônico de primeira fase, também dito diálogo socrático. Acredita-se que em sua primeira fase de escritos Platão tenha tão somente reproduzido a prática de Sócrates nas ruas e praças de Atenas. É assim que podemos diferenciar o que seja socrático do que seja já teoria platônica. Todos os diálogos socráticos são aporéticos, ou seja, não apresentam nenhuma resposta ao seu final, o que não poderia ser diferente, visto que Sócrates só tinha consciência da própria ignorância. - MAIÊUTICA: Traduzido ao pé da letra o termo significa arte de parturejar, ou seja, de trazer à luz novos seres humanos. Essa é a profissão da parteira, ainda muito comum em certas regiões do Brasil. Era esse o ofício desempenhado pela mãe de Sócrates. No diálogo Teeteto nosso filósofo afirma que sua atividade se parece muito com aquela realizada pela sua mãe, visto que nessa nova etapa, posterior à destruição do falso saber do interlocutor, Sócrates buscaria auxiliar aquele com quem dialogava a conceber ideias verdadeiras, seguras, que estariam, evidentemente, dentro do próprio indivíduo que travava diálogo com o filósofo. E é óbvio que só poderia ser assim, visto que o único conhecimento afirmado por ele é o da sua própria ignorância. NOTA: Todos que se dispunham a dialogar com Sócrates o faziam por vontade própria, não havia nenhum tipo de insistência ou coação.

φφφ EXERCÍCIOS PROPOSTOS

QUESTÃO 01: (UFU – Dez/2004)

O trecho abaixo faz uma referência ao procedimento investigativo adotado por

Sócrates.

―O fato é que nunca ensinei pessoa alguma. Se alguém deseja ouvir-me quando falo ou me encontro no desempenho de minha missão, quer se trate de moço ou velho (...) me disponho a responder a todos por igual, assim os ricos como os pobres, ou se o preferirem, a formular-lhes perguntas, ouvindo eles o que lhes falo.‖

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Belém: EDUFPA, 2001. (33 a-b).

Marque a alternativa que melhor representa o ―método‖ socrático.

A) Sócrates nada ensina porque apenas transmite aquilo que ouve de seu daímon.

Seu procedimento consiste em discursar, igualmente para qualquer ouvinte, com

longos discursos demonstrativos retirados da tradição poética ou com perguntas que

levem o interlocutor a fazer o mesmo. A ironia é o expediente utilizado contra os

adversários, cujo objetivo é somente a disputa verbal.

B) A profissão de ignorância e a ironia de Sócrates fazem parte de seu procedimento

geral de refutação por meio de perguntas e respostas breves (o élenkhos), e

constituem um meio de reverter os argumentos do interlocutor para fazê-lo cair em

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contradição. A refutação socrática revela a presunção de saber do adversário, pela

insuficiência de suas definições e pela aporia.

C) Sócrates nunca ensina pessoa alguma, porque a profissão de ignorância

caracteriza o modo pelo qual encoraja seus discípulos a adquirirem sabedoria

diretamente do deus do Oráculo de Delfos. A ironia socrática é uma dissimulação

que, pela zombaria, revela as verdadeiras disposições do pequeno número dos que

se encontram aptos para a Filosofia.

D) Sócrates nunca ensina pessoa alguma sem antes testar sua aptidão filosófica por

meio de perguntas e respostas. Seu procedimento consiste em destruir as definições

do adversário por meio da ironia. A ignorância socrática encoraja o adversário a

revelar suas opiniões verdadeiras que, pela refutação, dão a medida da aptidão para

a vida filosófica.

QUESTÃO 02: (UFU – Jul/2005)

Leia atentamente o excerto do diálogo platônico Eutífron.

―Recorda, porém, que não te pedi para demonstrar-me uma ou duas

dessas coisas, dessas que são piedosas, mas que me explicasse a

natureza de todas as coisas piedosas. Porque disseste, salvo engano,

que existe algo característico que faz com que todas as coisas ímpias

sejam ímpias, e todas as coisas piedosas, piedosas...‖

PLATÃO. Eutífron. In: Platão. São Paulo: Abril

Cultural, 1999. Col. Os Pensadores, p. 41.

A partir do texto acima, escolha a alternativa correta quanto ao procedimento

filosófico empregado por Sócrates.

A) A investigação socrática caracteriza-se pela pesquisa das Formas inteligíveis que

seriam as causas de todas as manifestações particulares de uma noção. Os seres

sensíveis existem porque ―imitam‖ um modelo imutável e eterno que determina a

―natureza de todas as coisas‖. A aporia decorre da impossibilidade de se encontrar,

nos seres sensíveis, um exemplo que corresponda perfeitamente à Idéia inteligível.

B) A investigação socrática usa a pergunta: ―o que é...?‖, que tipifica a investigação

das características gerais e das formas distintivas invariáveis de uma noção. A

pesquisa de uma definição adequada exerce um papel regulador para as respostas

aceitáveis e inaceitáveis. A refutação consiste em descartar, mediante contradições,

definições insuficientes, e a aporia manifesta a impossibilidade de uma definição

concludente.

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C) A investigação socrática configura o exame filosófico sobre a ―piedade‖ e a

―natureza característica‖ da alma. Ao contrário dos Filósofos da Natureza, Sócrates

preocupa-se com o ―exame da alma‖ e estabelece um modelo tri-partite da psykhé:

uma parte apetitiva, uma irascível e outra racional. A refutação socrática consiste em

induzir os adversários da Filosofia à contradição e levá-los ao estado de aporia.

D) A investigação socrática é delimitada pelo exame de noções éticas como, por

exemplo, a piedade, ou a coragem. Esse gênero de pesquisa resulta na distinção de

uma ―realidade sensível‖, formada por todos os particulares, e uma ―realidade

inteligível‖, representada pelas Formas. A refutação socrática consiste na negação do

devir como única e verdadeira realidade, o que resulta num estado de aporia.

QUESTÃO 03: (UFU – Jul/2006)

Leia atentamente o trecho do diálogo platônico Apologia de Sócrates:

Como se dá, caro amigo, ...não te envergonhes de só te preocupares com

dinheiro e de como ganhar o mais possível, e quanto à honra e à fama, à

prudência e à verdade, e à maneira de aperfeiçoar a alma, disso não

cuidas nem cogitas?

PLATÃO, Apologia de Sócrates. Trad. de Carlos Alberto

Nunes. Belém: EDUFPA, 2001. p. 130, 29d-e.

A partir do texto acima, escolha a alternativa que melhor exprime a ética socrática.

A) Sócrates define a virtude a partir de um conjunto de ações que são ensinadas aos

discípulos por meio de exemplos. Somente a ciência constitui o saber, pois não se

pode conhecer a essência da virtude. O aperfeiçoamento da alma só acontece

através do saber técnico, que permite ao homem voltar-se para a prática do bem.

B) O exame da alma constitui, para Sócrates, simultaneamente uma investigação

acerca da verdade e a escolha de um modo de vida virtuoso. Na investigação sobre a

essência das virtudes são empregadas a refutação e a ironia, que expurgam as falsas

opiniões acerca do bem e conduzem a razão para os verdadeiros valores.

C) O objetivo da investigação filosófica é o exame da natureza e da cosmologia, pelo

qual são delimitados os critérios racionais que permitem o abandono dos falsos

valores e que conduzem ao aperfeiçoamento da alma pela ciência. A investigação

socrática não se ocupa das questões éticas e políticas.

D) O aperfeiçoamento da alma só ocorre pelo abandono das preocupações éticas e

pela investigação racional do discurso lógico. O exame filosófico é propiciado pela

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refutação e pela ironia, que permitem a defesa de argumentos contrários e

configuram as regras do discurso político persuasivo.

QUESTÃO 04: (UFU – Fev/2007)

O trecho seguinte, do diálogo platônico Górgias, refere-se ao modo de filosofar de

Sócrates.

―Assim, Cálicles, desmanchas o nosso convênio e te qualificas para

investigar comigo a verdade, se extremares algo contra tua maneira de

pensar.‖

PLATÃO. Górgias. Trad. de Carlos Alberto Nunes.

Belém: EDUFPA, 2002, p. 198, 495a.

Marque a alternativa que expressa corretamente o procedimento filosófico empregado

por Sócrates.

A) A base da filosofia socrática é a educação mediante os discursos políticos e

jurídicos encenados nos tribunais atenienses. Sócrates parte das proposições dos

adversários para encontrar um discurso oposto que seja retoricamente persuasivo.

B) A base da filosofia socrática é a procura da verdade acerca do conhecimento da

Natureza e da maneira de pensar sobre os princípios racionais que governam o

cosmos a partir do conhecimento acumulado pelos filósofos anteriores.

C) A base da filosofia socrática é a refutação, a partir de um convênio em busca da

verdade, de todas as proposições de seus interlocutores com o intuito de demonstrar

que o conhecimento das questões morais é impossível.

D) A base da filosofia socrática é a procura da perfeição da alma, mediante o exame

de si mesmo e dos concidadãos, que é a condição da excelência moral. A refutação

socrática é, sobretudo, um modo de testar a verdade da excelência da vida.

QUESTÃO 05: (UEL – Dez/2006)

Considere a citação abaixo:

“Sócrates: Tomemos como princípio que todos os poetas, a começar por

Homero, são simples imitadores das aparências da virtude e dos outros

assuntos de que tratam, mas que não atingem a verdade. São

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semelhantes nisso ao pintor de que falávamos há instantes, que

desenhará uma aparência de sapateiro, sem nada entender de sapataria,

para pessoas que, não percebendo mais do que ele, julgam as coisas

segundo a aparência?‖

Glauco – ―Sim‖.

Fonte: PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri.

São Paulo: Nova Cultural, 1997. p.328.

Com base no texto acima e nos conhecimentos sobre a mímesis em Platão, assinale a

alternativa correta.

A) Platão critica a pintura e a poesia porque ambas são apenas imitações diretas da realidade. B) Para Platão, os poetas e pintores têm um conhecimento válido dos objetos que representam. C) Tanto os poetas quanto os pintores estão, segundo a teoria de Platão, afastados dois graus da verdade. D) Platão critica os poetas e pintores porque estes, à medida que conhecem apenas as aparências, não têm nenhum conhecimento válido do que imitam ou representam. E) A poesia e a pintura são criticadas por Platão porque são cópias imperfeitas do mundo das idéias.

φφφ EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

QUESTÃO 01: (UFU – Jul/1998)

Sócrates é tradicionalmente considerado como um marco divisório da filosofia grega.

Os filósofos que o antecederam são chamados pré-socráticos. Seu método, que parte

do pressuposto "só sei que nada sei", é a maiêutica que tem como objetivo:

I- "dar luz a idéias novas, buscando o conceito".

II- partir da ironia, reconhecendo a ignorância até chegar ao conhecimento.

III- encontrar as contradições das idéias para chegar ao conhecimento.

IV- "trazer as idéias do céu à terra".

Assinale

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A) se apenas I, II e III estiverem corretas.

B) se apenas I e III estiverem corretas.

C) se apenas II, III e IV estiverem corretas.

D) se apenas III e IV estiverem corretas.

E) se apenas I e IV estiverem corretas.

QUESTÃO 02: (UFU – Jul/1999)

O método argumentativo de Sócrates (469-399 a.C.) consistia em dois momentos

distintos: a ironia e a maiêutica. Sobre a ironia socrática, pode-se afirmar que

I- tornava o interlocutor um mestre na argumentação sofística.

II- levava o interlocutor à consciência de que seu saber era baseado em reflexões,

cujo conteúdo era repleto de conceitos vagos e imprecisos.

III- tinha um caráter purificador, à medida que levava o interlocutor a confessar suas

próprias contradições e ignorâncias.

IV- tinha um sentido depreciativo e sarcástico da posição do interlocutor.

Assinale

A) se apenas a afirmação III é correta.

B) se as afirmações I e IV são corretas.

C) se apenas a afirmação IV é correta.

D) se as afirmações II e III são corretas.

QUESTÃO 03: (UFU – Mar/2002)

―(…) enquanto tiver ânimo e puder fazê-lo, jamais deixarei de filosofar, de

vos advertir, de ensinar em toda ocasião àquele de vós que eu encontrar,

dizendo-lhe o que costumo: ‗Meu caro, tu, um ateniense, da cidade mais

importante e mais reputada por sua sabedoria, não te envergonhas de

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cuidares de adquirir o máximo de riquezas, fama e honrarias, e de não te

importares nem pensares na razão, na verdade e em melhorar tua alma?‘

E se algum de vós responder que se importa, não irei embora, mas hei de

o interrogar, examinar e refutar e, se me parecer que afirma ter adquirido a

virtude sem a ter, hei de repreendê-lo por estimar menos o que vale mais e

mais o que vale menos (…).‖

PLATÃO. Apologia de Sócrates, 29 d-e.

A partir do trecho acima de Platão, é correto afirmar que para Sócrates

I- a Filosofia é um saber que se transmite como lições morais, visto ele conheça a

verdade.

II- o filosofar é uma atividade que busca a verdade e a melhora da alma pela refutação

de falsos saberes.

III- o questionamento ao interlocutor só ocorre se este espontaneamente se dispuser a

responder às questões formuladas por Sócrates.

IV- a posse de bens materiais é para ele um valor inquestionável.

Assinale a alternativa que contém as afirmativas corretas.

A) Apenas II e III.

B) Apenas I e II.

C) Apenas I e IV.

D) Apenas III e IV.

QUESTÃO 04:

O método argumentativo de Sócrates (469-399 a.C.) consistia em dois momentos

distintos: a ironia [refutação] e a maiêutica. Sobre a ironia socrática assinale (V) para

verdadeiro e (F) para falso.

1 ( ) tornava o interlocutor um mestre na argumentação sofística. 2 ( ) levava o interlocutor á consciência de que seu saber era baseado em reflexões, cujo conteúdo era repleto de conceitos vagos e imprecisos. 3 ( ) tinha um caráter purificador, à medida que levava o interlocutor a confessar suas próprias contradições e ignorância.

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4 ( ) tinha um sentido depreciativo e sarcástico da posição do interlocutor.

QUESTÃO 05:

Assinale (V) para verdadeiro e (F) para falso.

Sócrates é tradicionalmente considerado como um marco divisório da filosofia grega:

Os filósofos que o antecederam são chamados pré-socráticos. Seu método, que parte

do pressuposto ―só sei que nada sei‖ é a maiêutica que tem como objetivo:

1 ( ) ―dar luz a idéias novas, buscando o conceito‖. 2 ( ) partir da ironia, reconhecendo, a ignorância até chegar ao conhecimento. 3 ( ) encontrar as contradições das idéias para chegar ao conhecimento. 4 ( ) ―trazer as idéias do céu à terra‖.

QUESTÃO 06:

Sobre as características gerais do período socrático, assinale (V) para verdadeiro e

(F) para falso.

1 ( ) A Filosofia se volta para as questões cosmológicas e humanas no plano da ação, dos comportamentos, das idéias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa com as questões morais e políticas. 2 ( ) O ponto de partida da Filosofia é a confiança no pensamento ou no homem como um ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão. 3 ( ) Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, a preocupação se volta para estabelecer procedimentos que nos garantam que encontremos a verdade. 4 ( ) A Filosofia está voltada para a definição das virtudes morais (do indivíduo) e das virtudes políticas (do cidadão), tendo como objeto central de suas investigações a moral e a política, isto é, as idéias e práticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos tanto como indivíduos quanto como cidadãos.

QUESTÃO 07:

Sobre as características gerais do período socrático, assinale (V) para verdadeiro e (F)

para falso.

1 ( ) A Filosofia busca encontrar a definição, o conceito ou a essência dessas virtudes, para além da variedade das opiniões, para além da multiplicidade das opiniões contrárias e diferentes. 2 ( ) É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado, a opinião (conhecimento verdadeiro) e as imagens das coisas, trazidas pelos nossos

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órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas tradições, pelos interesses, e, de outro lado, os conceitos ou as idéias (conhecimento doxológico). 3 ( ) A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação intelectual, que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável, universal e necessária. 4 ( ) A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas verdadeiras, imutáveis, consistentes, não contraditórias, devendo ser abandonadas para que o pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro.

QUESTÃO 08: (UFU – Jul/2000)

"Pois eu, Atenienses, devo essa reputação exclusivamente a uma

sabedoria. Qual vem a ser esta sabedoria? A que é, talvez, a sabedoria

humana. É provável que eu a possua realmente, os mestres mencionados

há pouco possuem, talvez uma sobre-humana, ou não sei que diga,

porque essa eu não aprendi, e quem disser o contrário me estará

caluniando."

"Submeti a exame essa pessoa – escusado dizer o seu nome; era um

dos políticos. Eis, Atenienses, a impressão que me ficou do exame e da

conversa que tive com ele; achei que ele passava por sábio aos olhos de

muita gente, principalmente aos seus próprios, mas não o era. Meti-me,

então, a explicar-lhe que supunha ser sábio, mas não o era. A

conseqüência foi tornar-me odiado dele e de muitos dos circundantes. (...)

ele supõe saber alguma coisa, mas não sabe, enquanto eu, se não sei,

tampouco suponho saber."

"E se algum de vós redargüir que se importa, não me irei embora

deixando-o, mas o hei de interrogar, examinar e confundir e, se me parecer

que afirma ter adquirido a virtude e não a adquiriu, hei de repreendê-lo por

estimar menos o que vale mais e mais o que vale menos."

Platão, Defesa de Sócrates. São Paulo, Abril Cultural, 1973. 20d/e;

21c; 29e.

A partir dos textos citados caracterize a filosofia socrática.

QUESTÃO 09: (UFU – Transferência/2005)

Acusações contra Sócrates:

Acusações mais antigas:

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―Sócrates é réu de pesquisar indiscretamente o que há sob a

terra e nos céus, de fazer que prevaleça a razão mais fraca e

de ensinar aos outros o mesmo comportamento.‖

Acusações mais recentes (de Meleto):

―Sócrates é réu de corromper a mocidade e de não crer nos

deuses em que o povo crê e sim em outras divindades novas.‖

Platão, Defesa de Sócrates. Coleção .Os Pensadores..

São Paulo: Nova Cultural, 1987, pp. 6, 11.

As citações acima correspondem respectivamente às acusações mais antigas e mais

recentes perpetradas contra Sócrates, levando-o a julgamento. Com base nessas

acusações, exponha os principais argumentos do discurso de Sócrates em defesa de

si mesmo, destacando justamente o sentido radical e profundo do pensamento

socrático.

QUESTÃO 10: (UFU – Abr/2006)

Em diversos diálogos platônicos, a personagem de Sócrates é caracterizada por um

procedimento investigativo refutatório que se contrapõe ao gênero de discurso

empregado pelos mestres de retórica. Tomando o seguinte extrato do Górgias como

ponto de partida, explicite:

A) os temas que compõem o campo de investigação da Filosofia socrática;

B) o modo como a refutação socrática opera.

―– (...) Receio contestar-te para que não penses que falo menos pelo

prazer de esclarecer o assunto em discussão do que por motivos

pessoais. (..)E em que número me incluo? Entre as pessoas que têm

prazer em ser refutadas, no caso de afirmarem alguma inverdade, e

prazer também em refutar os outros, se não estiver certo, do mesmo

modo, o que disserem, e que tanto se alegram com serem refutadas como

em refutarem (...) ‖.

PLATÃO. Górgias. (457e-458a). Belém:

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EDUFPA, 2002. p. 142-143.

SEMANA 04: PLATÃO DE ATENAS (427 – 347 a. C.)

Platão nasceu em Atenas em 427 a.C. Seu

verdadeiro nome era Aristócles. Platão era um apelido, derivado, de acordo com alguns, de seu vigor físico; ou como outros atestam, da extensão de sua testa (em grego, platôs significa amplitude, largueza). Platão fazia parte de uma família bastante ligada ao cenário político da Grécia. Sua mãe tinha parentesco com Sólon e seu pai era descendente do rei Codros. Desse modo que desde a juventude Platão já tinha a política como seu ideal. Seu primeiro contato com Sócrates se deu quando estava com aproximadamente vinte anos, sendo que seu objetivo inicial não era fazer da filosofia a finalidade última de sua vida, mas se preparar melhor para a vida

política. É fato que os acontecimentos e o convívio com Sócrates o encaminharam em outra direção, e ele dedicou-se, por todo o restante de sua vida, a uma das mais vastas produções filosóficas da história da filosofia. - A atividade literária de Platão abrange mais de cinqüenta anos de sua vida: desde a morte de Sócrates até a sua morte. A parte mais importante da atividade literária de Platão é representada pelos diálogos – em três grupos principais, segundo certa ordem cronológica, lógica e formal. As obras de Platão são geralmente classificadas em diálogos socráticos, de maturidade e de velhice. Os primeiros são diálogos que defendem a memória de Sócrates e o apresentam discutindo, geralmente, temas morais, sem chegar, porém, a conclusões, ou seja, são os diálogos aporéticos – sem saída – de Sócrates, que são combativos e visam acabar com opiniões inconsistentes, levando o conhecimento verdadeiro às pessoas. Nos diálogos de maturidade Platão vai afirmando, cada vez mais, a independência de seu pensamento em relação ao de Sócrates. Mas são os diálogos de velhice que apresentam a última formulação do pensamento platônico. O MÉTODO PLATÔNICO

O diálogo, para Platão, não deve permanecer no nível do confronto de consciências, mas precisa tornar-se o embate entre teses. Deve ser um método que suba progressivamente do plano relativo e instável das opiniões (doxa) até a construção de formas mais seguras do conhecimento (episteme), rumo à conquista da verdade. O método proposto por Platão é, num primeiro momento uma dialética ascendente, que procura explicar a situação atual do universo e dos seres, não por uma situação anterior, mas por meio de causas intemporais, que expliquem sempre porque cada coisa é o que é. Platão, com isso, está adotando um método explicativo típico da matemática, o método dos geômetras, que consiste basicamente no seguinte: diante de um problema, levanta-se uma hipótese para resolvê-lo; sendo satisfatória passa-se então a verificar se ela se sustenta a si mesma, ou se supõe outra hipótese mais geral, e assim por diante. Cria-se então uma cadeia de hipóteses interdependentes, que buscam uma sustentação última – uma não-hipótese – que se

Recorte da Obra A escola de

Atenas (1511-1512) do pintor

Renascentista Rafael.

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baste a si mesma e que sustente todas as demais levantadas anteriormente. Vê-se, então, na matemática, um prenúncio para essa dialética platônica, pois ela dá uma idéia do mundo inteligível, já que a geometria nos leva a conceber seres eternos e imutáveis – linha, reta, círculo, figuras idealmente perfeitas – e toda idéia como veremos na sua teoria das idéias ou formas de Platão, e imutável, perfeita e eterna. CRÍTICA AO CONHECIMENTO SENSÍVEL

Segundo Platão, permanecer no nível das sensações impede a construção de um conhecimento seguro e estável. De fato as sensações fornecem apenas evidências momentâneas e individuais, e um conhecimento baseado apenas nelas é um conhecimento somente daquilo que aparece a cada pessoa, no momento em que aparece como tal. O conhecimento sensível está no plano da opinião e é instável e relativo ao momento e à forma como se percebe determinada coisa. Dessa maneira não é possível conhecer nada, pois tudo está constantemente mudando. SOBRE O CONHECIMENTO

Como em Sócrates a filosofia de Platão tem um fim prático, moral; é a grande ciência que resolve o problema da vida. Este fim prático realiza-se, no entanto, intelectualmente através da especulação, do conhecimento da ciência. Mas – diversamente de Sócrates que limitava a pesquisa filosófica, conceptual ao campo antropológico e moral – Platão estende tal indagação ao campo metafísico e cosmológico, isto é, a toda realidade.

Este caráter íntimo, humano, religioso da filosofia, é tornado especialmente vivo, angustioso pela viva sensibilidade do filósofo em face do universal vir-a-ser, nascer e perecer de todas as coisas, em face do mal, da desordem que se manifesta em especial no homem, onde o corpo é inimigo do espírito, o sentido se opõe ao intelecto, a paixão contrasta com a razão. Assim, Platão o espírito humano peregrino neste mundo e prisioneiro na caverna do corpo. Deve, pois, transpor este mundo e libertar-se do corpo para realizar o seu fim, isto é, chegar à contemplação do inteligível.

A diferença essencial entre o conhecimento sensível e o intelectual, universal, está nisto: o conhecimento sensível, embora verdadeiro não sabe que o é, donde pode passar indiferentemente ao conhecimento diverso e cair no erro sem o saber, ao passo que o segundo, além de ser um conhecimento verdadeiro, sabe que o é, não podendo de modo algum ser substituído por um conhecimento diverso errôneo. Poder-se-ia também dizer que o primeiro sabe que as coisas estão assim, sem saber porque o estão, ao passo que o segundo sabe que as coisas devem estar necessariamente assim como estão, precisamente porque é ciência, isto é, conhecimento das coisas pelas causas. A TEORIA DAS IDEIAS

Como principal conseqüência da utilização do método dos geômetras, Platão propõe que se afirme hipoteticamente a existência de formas ou essências ou idéias, que seriam modelos eternos das coisas sensíveis. Essas essências seriam incorpóreas e imutáveis, existindo em si mesmas. Embora Platão as chame também de idéias, elas não existem na mente humana, como conceitos ou representações mentais, nem os objetos – de que são modelos –, nem nos sujeitos – que conhecem esses sujeitos. Cada coisa corpórea e mutável seria o que ela é – uma cadeira, por exemplo – porque participa da essência que lhe seve de modelo – a cadeira em si, a essência ou a idéia de cadeira. Uma cadeira que vemos ou tocamos pode ser de metal ou madeira, de várias cores ou modelos; ela muda, envelhece e é destruída com como tempo, mas a essência de cadeira permanece sempre a mesma, fora do tempo e do espaço, é sempre única. Não podemos apreender com os sentido essa essência ou

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idéia incorpórea e intemporal, pois nossos sentido só captam o material, dotado de alguma concretude, que está situado no espaço e no tempo. Só podemos alcançá-la pelo intelecto. ALMA E REMINISCÊNCIA

Como o homem – ser concreto que existe no tempo e no espaço – pode conhecer as essências incorpóreas e intemporais? Essa possibilidade depende de outra hipótese: é preciso supor que ele possua algo incorpóreo e indestrutível, algo de natureza semelhante à das idéias. É necessário supor que ele abriga em seu corpo uma alma, também pura forma imortal. Essa alma já teria contemplado as essências antes de se prender ao corpo ao qual provisoriamente vinculada. Unida ao corpo, alojada a ele como em uma prisão ela esquece daquele conhecimento anterior. Mas os sentidos apreendem objetos que são cópias imperfeitas daquelas essências que a alma contemplara, e isso permite que ela vá lembrando das idéias. Assim, o conhecimento é, na verdade, reconhecimento, reminiscência, retorno. A IDÉIA DE BEM

A adoção do método dos geômetras faz da filosofia, inicialmente, um jogo de hipóteses. Se até o final o conhecimento permanecer com esse jogo, ele permanecerá no âmbito do provável, do possível, do hipotético, não chegando à certeza. Desse modo, a escalada do conhecimento resultará na garantia da verdade se, no final, depois de percorrer todas as hipóteses, levar ao absoluto, ao necessário, ao não-hipotético. Platão considera que, usando o conhecimento dialético, o filósofo pode atingir as essências eternas. E, seguindo as articulações que ligam as essências, vai conquistando essências cada vez mais gerais, até que por fim, contempla aquele absoluto, uma superessência. Na República, Platão o denomina de Bem. Ele seria a fonte de toda a luz, fazendo com que os objetos possam ser conhecidos, e que nós possamos conhecê-los. A ALEGORIA DA CAVERNA

Trata-se de um trecho do Livro VII da República de Platão, as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão.

- Depois disso, continuei, compara nossa natureza, conforme seja ou não educada, com a seguinte situação: imagina homens de morada subterrânea em forma de caverna, provida de uma única entrada com vista para uma luz em toda sua largura. Encontram-se nesse lugar, desde pequenos, pernas e pescoço amarradas com cadeias, de forma que são forçados a ali permanecer e a olhar apenas para frente, impossibilitados, como se acham, pelas cadeias, de virar a cabeça. A luz de um fogo aceso, a grande distância brilha no alto e por trás deles; entre os prisioneiros e o foco de luz há um caminho que passa por cima, ao longo do qual imagina agora um murozinho, à maneira do tabique que os politiqueiros levantam entre eles e o público e por cima do qual executam suas habilidades. - Figuro tudo isso, respondeu. - Observa, então, ao comprido desse murozinho homens a carregar toda a sorte de utensílios que ultrapassa a altura do muro, e também estátuas e figuras de animais, de pedra ou de madeira, bem como objetos da mais variada espécie. Como é natural, desses carregadores uns conversam e outros se mantêm calados.

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- Imagens muito estranhas, disse, como também os prisioneiros de que falas. - Parecem-se conosco, respondi. Para começar achas mesmo que em semelhante situação poderiam ver deles próprios e dos vizinhos alguma coisa além da sombra projetada pelo fogo, na parede da caverna que lhes fica em frente? - De que jeito, perguntou, se a vida inteira não conseguem mexer a cabeça? - E com relação aos objetos transportados, não acontecerá a mesma coisa? - Como não? - Logo, se fossem capazes de conversar, não acreditas que pensariam estar designando pelo nome certo tudo o que vêem? - Necessariamente. - E se no fundo da prisão se fizesse ouvir um eco? Sempre que se falasse alguma coisa das estátuas, não achas que eles só poderiam atribuir a voz às sombras em desfile? - Sim, por Zeus! exclamou. - De qualquer forma, continuei, para semelhante gente a verdade consistiria apenas na sombra dos objetos fabricados. - É mais do que certo, respondeu. - Considera agora, lhe disse, quais seriam as conseqüências da libertação desses homens depois de curados de suas cadeias e imaginações, se as coisas se passassem do seguinte modo: vindo a ser um deles libertado e obrigado imediatamente a levantar-se, a virar o pescoço, andar e olhar na direção da luz, não apenas tudo isso lhe causaria dor, como também o deslumbramento o impediria de ver os objetos cujas sombras até então ele enxergava. Como achas que responderia a quem afirmasse que tudo o que ele vira até ali não passava de brinquedo e que somente agora, por estar mais próximo da realidade e ter o rosto voltado para o que é mais real é que ele via com maior exatidão; e também se o interlocutor lhe mostrasse os objetos, à medida que fossem desfilando e o obrigasse, à custa de perguntas a designa-los pelos nomes? Não te parece que ficaria atrapalhado e imaginaria ser mais verdadeiro tudo o que ele vira até então do que como naquele instante lhe mostravam? - Muito mais verdadeiro, respondeu. - E no caso de o forçarem a olhar para a luz, não sentiria dor nos olhos e não correria para junto das coisas que lhe era possível contemplar, certo de serem todas elas mais claras do que as que lhe então apresentavam? - Isso mesmo, disse. - E agora, perguntei; se o arrastassem a força pela rampa rude e empinada e não o largasse enquanto não houvessem alcançado a luz do sol não te parece que sofreria bastante e se revoltaria por ver-se tratado daquele modo? E depois de estar no claro, não ficaria com a vista ofuscada sem enxergar nada do que lhe fosse então indicado como verdadeiro? - De fato, respondeu; pelo menos no começo. - Precisaria, creio, habituar-se para poder contemplar o mundo superior. De início, perceberia mais facilmente as sombras; ao depois as imagens e dos outros objetos refletidos na água; por último os objetos, no rasto deles, o que se encontra no céu e o próprio céu, porém sempre enxergando, com mais facilidade, durante a noite, à luz da lua e das estrelas, do que de dia ao Sol com todo o seu fulgor. - Não há dúvida.

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- Finalmente, segundo penso, também o Sol, não na água ou sua imagem refletida em qualquer parte, mas no lugar certo, que ele poderia ver e contemplar tal como é mesmo. - Necessariamente, disse. - De raciocínio em raciocínio, chegaria à conclusão de que o Sol é que produz as estações e tudo dirige no espaço visível, e que, de alguma modo, é a causa do que ele e seus companheiros estavam habituados a distinguir. - É evidente, respondeu, que depois de tudo, ele concluiria dessa maneira. - E então? Quando se lembrasse de sua primitiva morada, da sabedoria lá reinante e dos companheiros de prisão: não te parece que se felicitaria pela mudança e lastimaria a sorte deles todos? - Sem dúvida. - E as honrarias e os elogios entre eles mesmos, os prêmios para quem percebesse com mais nitidez as imagens em desfile e se lembrasse com exatidão do que costumava aparecer em primeiro lugar ou por último, ou concomitantemente, e que por isso, ficasse em condições de prever o que iria dar-se: acredita-se que semelhante indivíduo do outro tempo ou invejasse os que entre eles fossem alvo de distinções ou fizessem parte do governo? Ou com ele se passaria aquilo de Homero: Pois preferira viver empregado em trabalhos do campo, sob um senhor sem recursos e vir a sofrer seja o que for a voltar para semelhantes ilusões e viver a antiga vida? - É também o que penso, respondeu; agüentaria tudo para não voltar a viver daquele jeito. - Considera também o seguinte, lhe falei: se esse indivíduo baixasse de novo para ir sentar-se ao seu antigo lugar, não ficaria com os olhos obnubliados pelas trevas por vir da luz do Sol assim tão de repente? - Sem dúvida, respondeu. - E se tivesse de competir outra vez a respeito das sombras com aquele eternos prisioneiros quando ainda se ressentisse da fraqueza da vista, por não se ter habituado com o escuro – o que não exigiria pouco tempo – não se tornaria objeto de galhofa dos outros e não diriam estes que o passeio lá por cima lhe estragara a vista e que não valia a pena sequer tentar aquela subida? E se por ventura ele procurasse liberta-los e conduzi-los para cima, caso fosse possível aos outros fazer uso das mãos e mata-lo, não lhe tiraria a vida? - Com toda certeza, respondeu. - Agora, meu caro Glauco, precisarás essa alegoria a tudo que expusemos antes, para compartilhar, para comparar o mundo percebido pela visão com o domicílio carcerário, e a luz do fogo que nele esplende com a energia do Sol. Quanto à subida para o mundo superior e a contemplação do que lá existe se vires nisto a ascensão da alma para a região inteligível, não te terás desviado das minhas esperanças, já que tanto ambicionas conhece-las. Só Deus sabe se esta de acordo com a verdade. O que vejo, pelo menos, é o seguinte: no limite extremo da região do cognoscível está a idéia do bem, dificilmente perceptível, mas que, uma vez apreendida, impõe-nos de pronto a conclusão de que é a causa de tudo o que é belo e direito, a geratriz, no mundo visível, da luz e do senhor da luz, como no mundo inteligível é dominadora, fonte imediata da verdade e da inteligência, que precisará ser contemplada por quem quiser agir com sabedoria, tanto na vida pública como na particular. - Concordo com tua maneira de pensar, me disse, até onde consigo acompanhar.

(PLATÃO, 1988, p. 281-284)

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BREVE EXPLICAÇÃO DA ALEGORIA DA CAVERNA

O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Que é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior do Sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A filosofia. Por que os prisioneiros zombam e, se pudessem, matariam o filósofo (aqui Platão se refere a condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense)? Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro.

Após essa breve explanação de alguns pontos referentes a Alegoria da Caverna, passaremos a análise dos seus dois aspectos mais importantes, o epistemológico (referente ao conhecimento) e o político (relativo ao poder).

Na dimensão epistemológica, percebe-se a distinção das duas principais formas de conhecimento enunciadas por Platão na sua ―Teoria das Idéias‖: doxa ou opinião, referente ao mundo sensível, dos fenômenos, e a episteme referente ao mundo inteligível das idéias.

O mundo sensível, acessível aos sentidos, é o mundo da multiplicidade, do movimento, e é ilusório, pura sombra do verdadeiro mundo. Assim, mesmo se percebemos inúmeras abelhas dos mais variados tipos, a idéia de abelha deve permanecer imutável, deve ser una, consistindo, assim, na verdadeira realidade. Com isso Platão se aproxima do instrumental teórico de Parmênides.

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Do seu mestre aproveita a noção de logos, e continuando o processo de compreensão do real, cria a palavra idéia (eidos), para referir-se a intuição intelectual, distinta da intuição sensível.

Portanto acima do ilusório mundo sensível, há o mundo das idéias gerais, da essências imutáveis que o homem atinge pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos.

Sendo as idéias a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do mundo das idéias do qual é apenas sombra ou cópia. Por exemplo, um cavalo só é um cavalo enquanto participa da idéia de ―cavalo em si‖.

Se lembrarmos do que foi dito, a respeito dos Pré-socráticos, podemos verificar que Platão tenta superar a oposição do pensamento de Heráclito (que afirma a eterna mutabilidade do ser) com a posição de Parmênides (que afirma a imobilidade do ser). Para Platão, a mutabilidade do ser da teoria do primeiro refere-se ao mundo sensível (da doxa), e a imutabilidade do ser da teoria do segundo refere-se ao mundo inteligível, ou mundo das idéias.

A questão política, que também pode ser trabalhada na ―Alegoria da Caverna‖, permite ao aluno pensar sobre o seu mundo através da analogia do homem que sai da caverna, vê o mundo como ele realmente é e retorna para tentar mostrar aos outros o que é a realidade, contudo, se estes pudessem, o matariam. Nesta passagem do VII livro da República, Platão se refere a Sócrates que conheceu a realidade e tentou abrir os olhos dos atenienses. Pergunta-se então: Por que os governantes de Atenas fizeram de tudo para condenar e matar Sócrates, acusando-o de ser o corruptor da mocidade? É simples, porque Sócrates estava fazendo uma revolução, mostrando aos atenienses que aquilo que julgavam conhecer estava errado, sendo que, com isso, ele demonstrou que inclusive o conceito de virtude – que todos julgavam que os governantes possuíam, e por isso tinham direito de comandar a polis – estava errado, então, por que aquele que descobri que não é virtuoso está no poder? Sócrates estava mostrando que todos os conhecimentos e costumes que a sociedade de Atenas tinha – e mantinha os governantes no poder – estavam errados, e isso era prejudicial aos que detinham o poder, por isso era necessário calar Sócrates.

Outra analogia possível é a de que Sócrates fosse a ―esquerda‖ e os governantes de Atenas a ―direita‖, a primeira diz que o governo da ―direita‖ está errado e mostra por que, e por isso são tachados de comunistas, alienados, loucos, anarquistas e muito mais. Estes são conceitos que não haviam na época, mas que representam a situação atualizada do acontecido, daí vê-se o por que do empenho em continuar com os cursos técnicos, e da crítica aos ditos cursos de humanas, os primeiros formam profissionais e os outros intelectuais, sendo estes últimos nada mais do que problemas para o sistema posto pelos governantes.

A sociedade deve ser constituída de homens iguais, sendo que através do voto escolhe-se alguns para serem não governantes, mas representantes, ou seja, o povo paga alguém para que tome conta do que é público, dessa forma o ―governante‖ não é nada mais que um empregado do povo, que não está conseguindo cumprir a sua função, pois as sociedades – cidades, Estados, países – estão um caos.

E aí proponho a seguinte questão: em uma empresa privada, um empregado descontente com seu salário pode aumentá-lo? A resposta é NÃO. Então por que o empregado do povo pode? Por que se encontra tantas dificuldades para demitir esse empregado quando ele não cumpre seu papel? Por que contratamos alguém para tomar conta de tudo que é público e encontra-se estradas esburacadas, sem sinalização, não há atendimento médico, dentre outras coisas e, mesmo assim, não se consegue demiti-lo? É pelo fato de que a minoria da população não pensa assim, ou não tem consciência desses fatores, imaginam que são governados, e os governantes têm o poder e, por isso, nada se pode fazer.

Todas essas reflexões parecem estar distantes do que é exposto por Platão na ―Alegoria da Caverna‖, mas não está, pois Sócrates morreu para que não abrisse a mente dos atenienses para fatores como esses. Apresento o seguinte exemplo no

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intuito de esclarecer melhor ainda a relação feita acima: Se, para os atenienses, o que dá direito ao governo é o fato de um homem ser virtuoso e Sócrates mostra que o que eles tinham como virtude está errado, o povo de Atenas poderia se perguntar: Por que ele está no poder? Eu o considerava virtuoso, porém, vi que o que considerava virtude está errado, então ele não é mais virtuoso e por isso deve deixar o poder. É claro que as coisas não aconteciam de forma tão simples, mas o raciocínio é correto e caso viesse a ser colocado poderia acabar com a forma de governo posta no momento.

φφφ EXERCÍCIOS PROPOSTOS:

QUESTÃO 01: (UFU – Dez/2004)

O trecho abaixo, que descreve o momento da origem do Kosmos, faz uma referência ao paradigma platônico das Formas.

―Outro ponto que precisamos deixar claro é saber qual dos dois modelos tinha em vista o arquiteto quando o construiu (o Kosmos): o imutável e sempre igual a si mesmo ou o que está sujeito ao nascimento? Ora, se este mundo é belo e for bom seu construtor, sem dúvida nenhuma este fixara a vista no modelo eterno; e ser for o que nem se poderá mencionar, no modelo sujeito ao nascimento.‖

PLATÃO, Timeu. Belém: EDUFPA, 2001. (28c-29a).

Marque a alternativa que caracteriza corretamente o modelo das Formas.

A) Para explicar a origem do Kosmos, Platão divide todas as coisas em duas ordens

inteiramente separadas e distintas: um modelo eterno, e outro sujeito ao nascimento

e às mudanças. O primeiro é somente inteligível e constitui o alvo da atividade

filosófica. O segundo é sensível, sujeito à destruição, e não tem qualquer relação ou

parentesco com o modelo eterno que serve de base para a arquitetura do mundo.

B) Platão postula as Formas, um paradigma eterno, que constitui a causa e a origem

de todas as coisas sensíveis. Seres sensíveis são o efeito das causas inteligíveis,

que lhes dão a existência e os nomes. As Formas, ou Idéias, são eternamente

idênticas a si mesmas, imutáveis e unas. Tudo o que é sensível existe porque

participa das Formas e se assemelha a elas, do mesmo modo que uma imagem em

relação ao modelo original.

C) Na formação do Kosmos, Platão adota dois modelos: o modelo imutável e o

modelo sujeito ao nascimento. O modelo imutável é constituído pelas Formas

inteligíveis e serve de base para a arquitetura do mundo porque é belo e somente

pensável. O modelo sujeito ao nascimento constitui as Formas sensíveis, que dão

origem às coisas mutáveis e destrutíveis.

D) Platão postula dois modelos cosmológicos na sua Filosofia: o modelo bom e

eterno, e o modelo ruim e sensível. O modelo eterno representa o plano arquitetônico

do kosmos, que se identifica unicamente com o que é inteligível. O modelo sensível

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representa tudo o que é corporal. As Formas são uma duplicação inteligível do mundo

sensível e servem para explicar o parentesco do pensamento com o divino.

QUESTÃO 02: (UFU – Fev/2007)

O trecho a seguir, do diálogo platônico Fédon, concerne ao modo de aquisição do

conhecimento.

―É preciso, portanto, que tenhamos conhecido a igualdade antes do

tempo em que, sendo pela primeira vez objetos iguais, observamos

que todos eles se esforçavam por alcançá-la, porém lhe eram

inferiores.‖

PLATÃO. Fédon. Trad. de Carlos Alberto Nunes.

Belém: EDUFPA, 2002, p. 275, 75a.

A partir do fragmento apresentado, marque a alternativa que expressa corretamente o

pensamento de Platão sobre o conhecimento.

A) Platão não distingue a realidade inteligível de outra sensível. O conhecimento é o

produto das sensações. O conhecimento nada mais é do que a reminiscência dessas

sensações.

B) Platão distingue uma realidade inteligível de outra sensível. O conhecimento de

todas as coisas só é possível porque as percepções advindas dos sentidos

desencadeiam a reminiscência das Formas inteligíveis, apreendidas pela razão antes

do nascimento.

C) Platão distingue duas ordens de realidade: o mundo sensível e a alma. O

conhecimento de todas as coisas só é possível porque as sensações informam a alma

sobre o mundo sensível e, a partir disso, formam a reminiscência.

D) Platão distingue duas ordens de realidade: o mundo sensível e o mundo dos

deuses. O conhecimento só é possível porque a alma recebe uma informação divina

antes que tenha percebido os objetos sensíveis, pois todo conhecimento vem dos

deuses.

QUESTÃO 03: (UEL – Jan/2003)

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―Você está acompanhando, Sofia? E agora vem Platão. Ele se interessava

tanto pelo que é eterno e imutável na natureza quanto pelo que é eterno e

imutável na moral e na sociedade. Sim... para Platão tratava-se, em ambos

os casos, de uma mesma coisa. Ele tentava entender uma ‗realidade‘ que

fosse eterna e imutável. E, para ser franco, é para isto que os filósofos

existem. Eles não estão preocupados em eleger a mulher mais bonita do

ano, ou os tomates mais baratos da feira. (E exatamente por isso nem

sempre são vistos com bons olhos). Os filósofos não se interessam muito

por essas coisas efêmeras e cotidianas. Eles tentam mostrar o que é

‗eternamente verdadeiro‘, ‗eternamente belo‘ e ‘eternamente bom‘.‖

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. Trad. de João Azenha Jr.

São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 98.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria das idéias de Platão, assinale

a alternativa correta.

A) Para Platão, o mundo das idéias é o mundo do ―eternamente verdadeiro‖, ―eternamente belo‖ e ―eternamente bom‖ e é distinto do mundo sensível no qual vivemos. B) Platão considerava que tudo aquilo que pode ser percebido diretamente pelos sentidos constitui a própria realidade das coisas. C) Platão considerava impossível que o homem pudesse ter idéias verdadeiras sobre qualquer coisa, seja sobre a natureza, a moral ou a sociedade, porque tudo é sonho e ilusão. D) Para Platão, as idéias sobre a natureza, a moral e a sociedade podem ser explicadas a partir das diferentes opiniões das pessoas. E) De acordo com Platão, o filósofo deve preocupar-se com as coisas efêmeras e cotidianas do mundo, tidas por ele como as mais importantes.

QUESTÃO 04: (UEL – Dez/2005)

―Quando é, pois, que a alma atinge a verdade? Temos de um lado que,

quando ela deseja investigar com a ajuda do corpo qualquer questão que

seja, o corpo, é claro, a engana radicalmente.

- Dizes uma verdade.

- Não é, por conseguinte, no ato de raciocinar, e não de outro modo, que a

alma apreende, em parte, a realidade de um ser?

- Sim.

[...] - E é este então o pensamento que nos guia: durante todo o tempo em

que tivermos o corpo, e nossa alma estiver misturada com essa coisa má,

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jamais possuiremos completamente o objeto de nossos desejos! Ora, esse

objeto é, como dizíamos, a verdade.‖

PLATÃO. Fédon. Trad. Jorge Paleikat e João Cruz

Costa. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 66-67.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a concepção de verdade em Platão, é

correto afirmar:

A) O conhecimento inteligível, compreendido como verdade, está contido nas idéias que a alma possui. B) A verdade reside na contemplação das sombras, refletidas pela luz exterior e projetadas no mundo sensível. C) A verdade consiste na fidelidade, e como Deus é o único verdadeiramente fiel, então a verdade reside em Deus. D) A principal tarefa da filosofia está em aproximar o máximo possível a alma do corpo para, dessa forma, obter a verdade. E) A verdade encontra-se na correspondência entre um enunciado e os fatos que ele aponta no mundo sensível.

QUESTÃO 05: (UEL – Dez/2005)

―Efectivamente, um bom poeta, se quiser produzir um bom poema sobre o

assunto que quer tratar, tem de saber o que vai fazer, sob pena de não ser

capaz de o realizar. Temos, pois, de examinar se essas pessoas não estão

a ser ludibriadas pelos imitadores que se lhes depararam, e, ao verem as

suas obras, não se apercebem de que estão três pontos afastados do real,

pois é fácil executá-las mesmo sem conhecer a verdade, porquanto são

fantasmas e não seres reais o que eles representam; ou se tem algum

valor o que eles dizem, e se, na realidade, os bons poetas têm aqueles

conhecimentos que, perante a maioria, parecem expor tão bem.‖

PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira.

7. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, s.d., p. 458.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a mímesis em Platão, considere as

afirmativas a seguir.

I- Platão faz críticas aos poetas que imitam o que não conhecem e dão ouvidos à

multidão ignorante, permanecendo, dessa forma, distantes três graus da verdade

representada pela idéia.

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II- Apesar de criticar a poesia imitativa, Platão abre uma exceção para Homero, por

considerar a totalidade da sua poesia como materialização plena da verdade em

primeiro grau e, portanto, benéfica para a educação dos cidadãos.

III- Escrever um bom poema implica seguir uma determinada métrica e os

conhecimentos do mundo sensível, representando os homens iguais, melhores ou

piores do que eles são.

IV- Por não estarem em sintonia com a cidade ideal, Platão exclui os poetas que se

limitam somente à arte de imitar e, por esse motivo, ao visitarem a cidade, serão

aconselhados a seguir adiante.

Estão corretas apenas as afirmativas:

A) I e IV. B) II e III. C) III e IV. D) I, II e III. E) I, II e IV.

φφφ EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

QUESTÃO 01: (UFU – Jul/1999)

A opinião (doxa, em grego), no pensamento de Platão (427-347 a.C.) representa um

saber sem fundamentação metódica. É um saber que possui sua origem

A) nos mitos religiosos, lendas e poemas da Grécia arcaica.

B) nas impressões ou sensações advindas da experiência sensível.

C) no discurso dos sofistas na época da democracia ateniense.

D) num saber eclético, proveniente de algumas idéias dos filósofos pré-socráticos.

QUESTÃO 02: (UFU – Jan/2000)

A Alegoria da Caverna de Platão, além de ser um texto de teoria do conhecimento, é

também um texto político. No sentido político, é correto afirmar que Platão sustentava

um modelo

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A) monárquico, cujo governo deveria ser exercido por um filósofo e cujo poder deveria

ser absoluto, centralizador e hereditário.

B) aristocrático, baseado na riqueza e que representava os interesses dos

comerciantes e nobres atenienses, por serem eles os mecenas das artes, das letras e

da filosofia.

C) democrático, baseado, principalmente, na experiência política de governo da época

de Péricles.

D) aristocrático, cujo governo deveria ser confiado aos melhores em inteligência e em

conduta ética.

QUESTÃO 03: (UFU – Jul/2000)

Sobre a alegoria da caverna de Platão pode-se afirmar que

A) o filósofo deve ter uma vida exclusivamente contemplativa.

B) a educação do filósofo visa também à atividade política.

C) os sentidos são fundamentais para o conhecimento.

D) qualquer um pode encontrar em si mesmo, pela intuição, a luz para o

conhecimento.

QUESTÃO 04: (UFU – Jul/2001)

―Mas a faculdade de pensar é, ao que parece, de um caráter mais divino,

do que tudo o mais; nunca perde a força e, conforme a volta que lhe

derem, pode tornar-se vantajosa e útil, ou inútil e prejudicial. Ou ainda não

te apercebeste como a deplorável alma dos chamados perversos, mas que

na verdade são espertos, tem um olhar penetrante e distingue claramente

os objectos para os quais se volta, uma vez que não tem uma vista fraca,

mas é forçado a estar a serviço do mal, de maneira que, quanto mais

aguda for sua visão, maior é o mal que pratica?‖

Platão, A República, trad. Maria Helena Rocha Pereira.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987, 518e-519a

A partir da leitura do texto acima, é correto afirmar que, para Platão,

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A) a faculdade de pensar necessita da educação, para que, assim, a vista mais

penetrante alcance, pela luz, a visão do que deve ser conhecido.

B) o conhecimento para esse filósofo só depende da capacidade visual daquele que

conhece.

C) a natureza, favorecendo alguns, diferencia os mais aptos, e é unicamente por esta

distinção que se devem estabelecer os governantes da cidade.

D) os homens com maior capacidade de pensar jamais praticam o mal, pois

descobrem, por si mesmos, a diferença entre o justo e o injusto.

QUESTÃO 05: (UFU – Set/2002)

―Mas quem fosse inteligente (…) lembrar-se-ia de que as perturbações

visuais são duplas, e por dupla causa, da passagem da luz à sombra, e da

sombra à luz. Se compreendesse que o mesmo se passa com a alma,

quando visse alguma perturbada e incapaz de ver, não riria sem razão,

mas reparava se ela não estaria antes ofuscada por falta de hábito, por vir

de uma vida mais luminosa, ou se, por vir de uma maior ignorância a uma

luz mais brilhante, não estaria deslumbrada por reflexos demasiadamente

refulgentes [brilhantes]; à primeira, deveria felicitar pelas suas condições e

pelo seu gênero de vida; da segunda, ter compaixão e, se quisesse troçar

dela, seria menos risível esta zombaria do que aquela que descia do

mundo luminoso.‖

A República, 518 a-b, trad. Maria Helena da Rocha Pereira,

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.

Sobre este trecho do livro VII de A República de Platão, é correto afirmar.

I- A condição de quem vive nas sombras é digna de compaixão.

II- O filósofo, sendo aquele que passa da luz à sombra, não tem problemas em

retornar às sombras.

III- O trecho estabelece uma relação entre o mundo visível e o inteligível, fundada em

uma comparação entre o olho e a alma.

IV- No trecho, é afirmado que o conhecimento não necessita de educação, pois quem

se encontraria nas sombras facilmente se acostumaria à luz.

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Marque a alternativa que contém todas as afirmações corretas.

A) II e III

B) I e IV

C) I e III

D) III e IV

QUESTÃO 06: (UFU – Fev/2003)

―(…) Que pensamentos então que aconteceria, disse ela, se a alguém

ocorresse contemplar o próprio belo, nítido, puro, simples, e não repleto de

carnes, humanas, de cores e outras muitas ninharias mortais, mas o

próprio divino belo pudesse em sua forma única contemplar? Porventura

pensas, disse, que é vida vã a de um homem olhar naquela direção e

aquele objeto, com aquilo [a alma] com que deve, quando o contempla e

com ele convive? Ou não consideras, disse ela, que somente então,

quando vir o belo com aquilo com que este pode ser visto, ocorrer-lhe-á

produzir não sombras de virtude, porque não é em sombras que estará

tocando, mas reais virtudes, porque é no real que estará tocando?‖

Platão. O Banquete. Trad. José Cavalcante de

Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1979, pp.42-43.

A partir do trecho de Platão, analise as assertivas abaixo:

I – O belo verdadeiro para Platão encontra-se no conhecimento obtido pela

observação das coisas humanas.

II – A contemplação do belo puro e simples é atingida por meio da alma.

III – Cores e sombras são virtudes reais, visto que se possa, ao tocar nelas, tocar no

próprio real.

IV – Há, como na Alegoria da Caverna, uma relação direta para Platão entre o

conhecimento e a virtude.

Assinale a alternativa que contém as assertivas corretas.

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A) I e II são corretas.

B) II e IV são corretas.

C) III e IV são corretas.

D) I, II e III são corretas.

QUESTÃO 07: (UFU – Jul/2003)

―Todo aquele que ama o saber conhece por experiência que, quando a filosofia toma conta de uma alma, vai encontrá-la prisioneira do seu corpo, totalmente grudada a ele. Vê que, impelida a observar os seres, não em si e por si, mas por meio desse seu caráter, paira por isso na mais completa ignorância. Mas mais se dá ainda conta do absurdo de tal prisão: é que ela não tem outra razão de ser senão o desejo do próprio prisioneiro, que é assim levado a colaborar da maneira mais segura, no seu próprio encarceramento‖.

Platão, Fédon. Trad. Maria Tereza S. de Azevedo.

Brasília: UnB, 2000, p. 66.

Após analisar o texto acima, assinale a alternativa correta.

A) A ignorância é fruto da observação do que é em si e por si.

B) A filosofia para Platão é inata, não sendo necessário nenhum esforço de quem a

ela se dedica para obtê-la.

C) A alma encontra-se prisioneira do corpo por desejo do próprio homem.

D) A alma do filósofo encontra-se desde o início liberta dos entraves do corpo como o

demonstram, claramente, a Alegoria da Caverna e o texto acima.

QUESTÃO 08: (UFU – Abr/2006)

―— Supõe então uma linha cortada em duas partes desiguais; corta

novamente cada um desses segmentos segundo a mesma proporção, o

da espécie visível e o da inteligível...‖

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PLATÃO. A República, (509e). Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996.

O seguinte diagrama, conhecido como ―símile da linha‖, representa a descrição que é

feita na citação acima da República, na qual Platão distingue o mundo inteligível do

mundo visível.

Escolha a alternativa que melhor explica o esquema da ―Linha‖ dividida.

A) O segmento ADC representa a realidade inteligível e se divide em opiniões

filosóficas e Idéias. O segmento CEB representa o mundo visível e se divide em

percepções e sensações.

B) O segmento ADC representa a realidade e as imagens míticas. O segmento CEB

representa a realidade filosófica e as matemáticas, que usam as percepções

sensíveis e as Formas.

C) O segmento ADC refere-se às imagens e às coisas visíveis, que geram a

suposição e a opinião. O segmento CEB corresponde ao inteligível e às Formas,

apreendidas pelo pensamento e intelecção.

D) O segmento CEB corresponde à proporção entre coisas visíveis e coisas invisíveis

que compõem o mundo. O segmento ADC representa as Idéias, que são imitações e

imagens do mundo visível e compõem o mundo inteligível.

QUESTÃO 09: UFU/PAIES (2ª Etapa 2000-2003)

a) ―É que tu julgas que os pastores ou os guardadores de boi velam pelo

bem das ovelhas ou dos bois, e que os engordam e tratam deles com outro

fim em vista que não seja o bem dos patrões ou o próprio. E mesmo que

os que governam os Estados, aqueles que governam de verdade, supões

que as suas disposições para com os governados são diferentes das que

se têm pelos carneiros, e que velam por outra coisa, dia e noite, que não

seja tirarem proveito deles? E és tão profundamente versado em questões

de justo e justiça, de injusto e injustiça, que desconheces serem a justiça e

o justo um bem alheio, que na verdade consiste na vantagem do mais forte

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e de quem governa, e que é próprio de quem obedece e serve ter prejuízo;

enquanto a injustiça é o contrário, e é quem manda nos verdadeiramente

ingênuos e justos; e os governados fazem o que é vantajoso para o mais

forte e, servindo-o, tornam-no feliz a ele, mas de modo algum a si

mesmos.‖ (Rep.343b-d)

b) ―Quando tiverem cinqüenta anos, os filósofos que sobreviverem e se

tiverem evidenciado, em tudo e de toda a maneira, no trabalho e na

ciência, deverão ser já levados até o limite, e forçados a inclinar a luz

radiosa da alma para a contemplação do Ser que dá luz para todas as

coisas. Depois de terem visto o bem em si, eles vão utilizá-lo como

modelo, para ordenar a cidade, os cidadãos e a si mesmos, cada um por

sua vez, para o resto da vida, mas consagrando a maior parte dela à

filosofia; porém, quando chegar a vez deles, agüentarão os embates da

política, e assumirão cada um deles a chefia do governo, por amor à

cidade, fazendo assim, não porque é bonito, mas porque é necessário.‖

(Rep. 540a-b)

PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 1994, p.40.

Os textos acima citados são extraídos do diálogo A República de Platão. O primeiro

trecho é uma fala do sofista Trasímaco. O segundo, é uma fala de Sócrates. Esta fala

encontra-se no final de sua exposição sobre a educação do filósofo, iniciada com a

Alegoria da Caverna. Os textos apresentam visões opostas sobre a conduta e a

finalidade dos governantes. Explique, a partir da análise destes trechos, o que Platão

critica no primeiro texto e por que ele defende o segundo.

QUESTÃO 10: (UFU – Jan/2001)

"Fica sabendo que o que transmite verdade aos objetos que podem ser

conhecidos e dá ao sujeito que conhece esse poder, é a idéia do bem.

Entende que é ela a causa do saber e da verdade, na medida em que esta

é conhecida, mas, sendo ambos assim belos, o saber e a verdade, terás

razão em pensar que há algo de mais belo ainda do que eles. E, tal como

se pode pensar corretamente que neste mundo a luz e a vista são

semelhantes ao sol, mas já não é certa tomá-las como pelo sol, da mesma

maneira, no outro, é correto considerar a ciência e a verdade, ambas elas

semelhantes ao bem, mas não está certo tomá-las, a uma ou a outra, pelo

bem, mas sim formar um conceito mais elevado do que seja o bem."

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Platão. A República, 5. ed, tradução de Maria Helena da Rocha Pereira.

Porto: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987. 508e – 509a)

A partir da análise do trecho acima pergunta-se: para Platão a verdade do

conhecimento necessita ou não de uma norma superior? Justifique a resposta

explicando a analogia que Platão estabelece entre o inteligível e o sensível.

GABARITO PROPOSTOS

SEMANA 01: 1- D; 2- C; 3- C; 4- D; 5- D

SEMANA 02: 1- A; 2- B; 3- A; 4- B; 5- C

SEMANA 03: 1- B; 2- B; 3- B; 4- D; 5- C

SEMANA 04: 1- B; 2- B; 3- A; 4- A; 5- A

GABARITO COMPLEMENTARES

SEMANA 01: 1- B; 2- D; 3- C; 4- C; 5- B; 6- D; 7- D

SEMANA 02: 1- A; 2- B; 3- C; 4- D; 5- A; 6- D; 7- A; 8- B; 9- D; 10- A

SEMANA 03: 1- A; 2- D; 3- A; 4- F, V, V, F; 5- V, V, F, F; 6- F, V, V, V; 7- V, F, V, F

SEMANA 04: 1- A; 2- D; 3- B; 4- A; 5- C; 6- B; 7- C; 8- C

MATERIAL FILOSOFIA TERCEIRO COLEGIAL:

MÓDULO 1 C: RENÉ DESCARTES E DAVID HUME. RENÉ DESCARTES (1596-1650)

René Descartes nasceu em La Haye, na França, filho

de burgueses. Estudou no colégio jesuíta de La Flèche, instituição de bastante renome, o que lhe deu respaldo para sua crítica ao método escolástico. Vejamos de que

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pressupostos parte o autor para a construção do seu pensamento:

Inexiste no mundo coisa mais bem distribuída que o bom senso, visto que cada indivíduo acredita ser tão bem provido dele que mesmo os mais difíceis de satisfazer em qualquer outro aspecto não costumam desejar possuí-lo mais do que já possuem. E é improvável que todos se enganem a esse respeito; mas isso é antes uma prova de que o poder de julgar de forma correta e discernir entre o verdadeiro e o falso, que é justamente o que é denominado bom senso ou razão, é igual em todos os homens; e, assim sendo, de que a diversidade de nossas opiniões não se origina do fato de serem alguns mais racionais que outros, mas apenas de dirigirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes e não considerarmos as mesmas coisas. Pois é insuficiente ter o espírito bom, o mais importante é aplica-lo bem. As maiores almas são capazes dos maiores vícios, como também das maiores virtudes, e os que só andam muito devagar podem avançar bem mais, se continuarem sempre pelo caminho reto, do que aqueles que correm e dele se afastam. (DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2004, p. 35).

Da passagem acima, tiramos algumas idéias importantes:

- Razão: sinônimo de bom senso, é o poder de julgar de forma correta e discernir entre o verdadeiro e o falso. - Diversidade de opiniões: deve-se ao fato de tomarmos caminhos (métodos) diferentes, e de não considerarmos as mesmas coisas. - A razão humana é universal.

É por causa do pressuposto de que a razão humana é universal que Descartes

busca conceber um método (caminho) que permita bem conduzir a mesma, para se chegar a conhecimentos seguros. Seu método é composto de quatro regras somente, as quais ele julga suficientes. O primeiro preceito do seu método ―era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que não conhecesse claramente como tal‖, ou seja, consiste em duvidar de tudo até que algo se mostre claro e evidente à razão, e aqui nota-se os critérios de verdade para Descartes: clareza e evidência. O segundo consistia em ―repartir cada uma das dificuldades que [...] analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las‖. A essa segunda etapa se denomina análise, nome que é utilizado na química. O terceiro o ―de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos [...]‖. A esta etapa denomina-se síntese. Por fim, o quarto e último preceito consistia em ―efetuar em toda parte relações metódicas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir‖. Para o autor, o conhecimento a que se chegasse após seguir devidamente as quatro etapas seria totalmente seguro.

Seguindo os preceitos acima o indivíduo conseguiria evitar dois vícios da alma apontados por Descartes como inimigos do conhecimento: a precipitação e a prevenção. Por precipitação compreendemos aqui a postura daquele que salta etapas que podem ser importantes em busca de atingir o conhecimento mais rapidamente, e podemos afirmar que isso é fruto do excesso de confiança. Ao contrário, a prevenção é o vício que conduz aquele que se dedica ao conhecimento a duvidar de sua capacidade de atingi-lo. Todos nós já dissemos ou ouvimos alguém dizer sobre um determinado assunto: ―isso não entra na minha cabeça!‖ Essa é a típica atitude preventiva com relação ao conhecimento. A utilização do método conduz o ser humano a um conhecimento seguro, o que dissipa as possibilidades de prevenção.

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Ao buscar utilizar seu método, o autor deve necessariamente cumprir a primeira regra. E é assim, colocando em suspenso tudo em que até então acreditava, que Descartes chega à primeira verdade indubitável de sua filosofia, a saber, o cogito ergo sum, que significa penso, logo existo. Isso ele faz em suas Meditações sobre Filosofia Primeira, e podemos acompanhar razoavelmente seu raciocínio.

A primeira coisa que é pelo autor colocada em dúvida são os sentidos. ―Ora, notei que os sentidos às vezes enganam e é prudente nunca confiar completamente nos que, seja uma vez, nos enganaram‖. A essa dúvida, porém, Descartes coloca um limite, afirmando que de algumas coisas que os sentidos nos mostram torna-se difícil duvidar, como, por exemplo, ―que agora estou aqui, sentado junto ao fogo, vestindo esta roupa de inverno, tendo este papel às mãos e coisas semelhantes‖. Nota-se que se torna difícil duvidar da existência do próprio corpo. Descartes ultrapassa esse limite ao afirmar: ―com freqüência o sono noturno não me persuadiu dessas coisas usuais, isto é, que estava aqui, vestindo esta roupa, sentado junto ao fogo, quando estava, porém, nu, deitado entre as cobertas‖. Assim, colocando o argumento da dificuldade que existe em separar vigília de sonho, ele mostra a possibilidade de duvidar da própria existência corpórea. Porém, novamente o autor impõe um limite para sua dúvida, quando escreve que ―esteja eu acordado ou dormindo, dois e três juntos são cinco e o quadrado não tem mais que quatro lados‖. Com isso ele quer dizer que existem certas relações no mundo, que estejamos vigiando ou dormindo, são sempre as mesmas, o que torna difícil delas se poder duvidar. Ele porém ultrapassa esse limite com o seguinte argumento:

Suporei, portanto, que não há um Deus ótimo, fonte soberana da verdade, mas algum gênio maligno, e ao mesmo tempo, sumamente poderoso e manhoso, que põe toda a sua indústria em que me engane: pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas externas nada mais são do que ludíbrios dos sonhos, ciladas que ele estende à minha credulidade. (DESCARTES, René. Meditações. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999, p. 255)

Ao supor a existência de um tal ente, que podemos comparar à ―Matrix” contemporânea, Descartes escapa de qualquer limite para sua dúvida, e é por isso que a mesma é chamada hiperbólica, exagerada. Para garantir a possibilidade de conhecimento verdadeiro, o autor deverá refutar seu argumento mais forte para a dúvida, que é o do gênio maligno, e é isso que ele fará nas demais meditações, provando a existência de um Deus perfeito, que por assim ser, jamais poderia ser enganador. É porém, duvidando radicalmente de tudo que Descartes chega ao cogito, e a afirmação que enuncia essa verdade indubitável é a seguinte: ―Não há dúvida, portanto, de que eu, eu sou, também, se me engana: que me engane o quanto possa, nunca poderá fazer, porém, que eu nada seja, enquanto eu pensar que sou algo‖. Essa é, então, a primeira verdade a que chega o autor.

Por sua descrença nos sentidos, Descartes recebe grosseiramente o rótulo de racionalista, ou seja, daquele que acredita que se conheça verdadeiramente tão somente por meio da razão. Porém ele admite a existência de idéias que nos vêm dos sentidos, às quais denomina adventícias, porém, por nos enganarem algumas vezes, não são dignas de confiança. Existem também as idéias que ele chama de fictícias, que são aquelas formadas por nossa imaginação, utilizando as anteriores. Conhecimento verdadeiro, livre de engano, entretanto, só se tem através das idéias inatas, que ele denomina a marca do Criador na criatura. As idéias de Deus e dos entes matemáticos são desse tipo, e é nas idéias com as quais nascemos que

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devemos confiar plenamente. Podemos, evidentemente, notar extrema semelhança entre as idéias inatas de Descartes e as idéias imutáveis de Platão, podendo ser colocados ambos grosseiramente sob o rótulo que utilizamos de idealistas, ou seja, daqueles que acreditam no conhecimento através das idéias.

Resumindo: aplicação o método

Todos os homens são dotados de razão, porém chegam a resultados diferentes, por isso há necessidade de estabelecer um método. Descartes estabelece, então, as 4 regras do método que são: Evidência: algo só deve ser aceito como verdadeiro se se mostrar claro e evidente (indubitável) Análise: dividir as dificuldades em tantas partes quantas forem necessárias para melhor resolvê-las. Síntese: ordenar os pensamentos partindo dos objetos mais simples para os mais complexos. Revisão/ Enumeração: realizar relações tão completas e revisões tão gerais que se tivesse certeza de nada omitir

Aplicação do método:

1º Passo: Dúvida metódica para chegar à evidência (1ª regra do método). Para chegar a um princípio indubitável Descartes utiliza a dúvida metódica, sendo que duvida primeiramente dos sentidos (pois eles nos enganam); depois se questiona sobre a vigília (como sei que estou acordado e não dormindo); em seguida duvida da própria natureza corpórea. O filósofo francês começa a duvidar de tudo o que possa gerar o mínimo de questionamento (dúvida hiperbólica – exagerada). Contudo chega um ponto em que não pode duvidar de uma coisa: de que duvida, sendo que esta é um pensamento. Desse modo, formulou-se o primeiro princípio indubitável: Penso, logo existo. Que é a EVIDÊNCIA.

2º Passo: Agora que encontrou um princípio indubitável (Penso, logo existo), deve buscar o conhecimento verdadeiro a partir dele. Dessa forma, Descartes passa a analisar o próprio pensamento (o qual se torna o objeto a ser conhecido). Aplica então a ANÁLISE, dividindo o pensamento em tantas partes quantas forem possíveis, as quais chamou idéias.

Observe a seguir as idéias que constituem as partes do pensamento para Descartes:

AS IDÉIAS Idéias adventícias: oriundas das percepções sensíveis, por isso são passíveis de dúvida.

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Idéias fictícias: formadas por nossa imaginação a partir das idéias adventícias. Podemos compará-las a montagens feitas pela imaginação. Idéias inatas: marcas de Deus no homem. Nascemos com elas, por isso são verdadeiras e correspondem ao real. Ex. idéias de Deus, matemáticas.

3º Passo: Agora que dividiu o objeto (pensamento), deve partir do mais simples para o mais complexo (SÍNTESE), isto é, das idéias inatas (puro pensamento, então mais simples), depois as adventícias (são mediatas, pois entre a razão e o objeto da experiência sensível temos os sentidos como mediadores) e, por fim, as fictícias (as quais são mais complexas por serem ―montagens feitas a partir das idéias adventícias).

4º Passo: Aplica então a REVISÃO ou ENUMERAÇÃO, na qual vai tomar as idéias inatas (que são verdadeiras e indubitáveis por serem puro pensamento) para avaliar as outras. Percebendo, então, que as adventícias podem ser verdadeiras ou falsas (pois os sentidos podem me enganar) e as fictícias são falsas (são ―montagens‖ feitas a partir das adventícias, e não das inatas)

DAVID HUME (1711-1776)

Nasceu em Edimburgo, na Escócia, e estudou Filosofia, Direito e Comércio. Realizou várias viagens, nas quais conheceu pensadores como Adam Smith e Jean-Jacques Rousseau. Foi, dentro da história da Filosofia, um dos maiores representantes da corrente chamada empirismo, que vem do termo grego empeiria, que quer dizer experiência. Fez talvez a mais radical crítica à Metafísica Clássica (Parte da Filosofia que estuda o Ser e suas causas, segundo Aristóteles), questionando noções como a de causalidade e substância. Vejamos, através de um trecho do próprio autor, quais são os pressupostos de seu pensamento.

―Cada um admitirá prontamente que há uma diferença considerável entre as percepções do espírito, quando uma pessoa sente a dor do calor excessivo ou o prazer do calor moderado, e quando depois recorda em sua memória esta sensação ou a antecipa por meio de sua imaginação.[...] Podemos, por conseguinte, dividir todas as percepções do espírito em duas classes ou espécies, que se distinguem por seus diferentes graus de força e de vivacidade. As menos fortes ou menos vivas são geralmente denominadas pensamentos ou idéias.[...] Pelo termo impressão, entendo, pois, todas as nossas percepções mais vivas, quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou queremos.[...] Parece que esta proposição não admitirá muita controvérsia: todas as nossas idéias são cópias das impressões[...]‖. (HUME. D. Investigação acerca do entendimento humano. In. HUME. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 35-36)

Os trechos acima podem enganar-nos, demonstrando falsa simplicidade.

Entretanto, o que é importante que fique bem entendido no raciocínio do autor é o

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limite que este impõe à nossa possibilidade de conhecer, quando coloca como única porta de entrada para a nossa mente o acesso a ela dado pelos sentidos. Explorando o texto conclui-se que, para Hume, não exista idéia em nossa mente que não tenha entrado pelos sentidos, teoria essa já defendida anteriormente por filósofos como Aristóteles.

Nascemos, então, para o autor, como folhas em branco, nas quais, através dos dados sensoriais, vão sendo impressas informações sobre o mundo. Nesse sentido, nota-se enorme diferença entre as teorias de Hume e Descartes, sendo que para o segundo existem idéias que existem em nossa mente que não adentraram pelos sentidos, que são denominadas inatas, e inclusive só elas são verdadeiramente confiáveis. Para Hume, confiáveis ou não, as idéias fornecidas pelos sentidos são nosso único acesso à realidade e ao conhecimento, que, assim sendo, será bem mais limitado que para Descartes. O gráfico de Hume é simples: dois tipos de percepções, ou seja, de formas de perceber o mundo, diferenciadas simplesmente pelo grau de força e vivacidade com

que nos afetam. Às mais fortes, que são provenientes dos sentidos ou dos sentimentos que possuímos, dá-se o nome de impressões. Às mais fracas, cópias das primeiras, chama-se idéias. As segundas agrupam-se em nossa mente em duas faculdades, como também foi afirmado no texto, uma de recordação, denominada memória, outra de antecipação, que recebe o nome de imaginação. O interessante é que o fato de

uma idéia estar em uma ou em outra faculdade não é responsabilidade da própria faculdade, mas da forma mesmo de se relacionar das idéias. Assim, se uma idéia ainda está muito forte em minha mente, a ponto de ao buscá-la, outras que se encontram ligadas a ela lhe venham junto, esta encontra-se no campo da memória. Porém, se existe uma idéia em minha mente que já se encontra, de tão fraca, completamente solta que não a ligo mais à impressão que a originou, esta encontra-se no campo da imaginação. É por isso que o autor afirma que:

―[...] embora o nosso pensamento pareça possuir esta liberdade ilimitada, verificaremos, através de um exame mais minucioso, que ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e que todo poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Quando pensamos numa montanha de ouro, apenas unimos duas idéias compatíveis, ouro e montanha, que outrora conhecêramos‖. (HUME. D. Investigação acerca do entendimento humano. In. HUME. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 36)

É pela radicalidade com que Hume defende sua teoria do conhecimento que ele será, naturalmente, levado a criticar algumas noções correntes da Metafísica de sua época. O tipo de conhecimento que é possível segundo os pressupostos do autor é o chamado indutivo, grosso modo, o que parte das experiências particulares para leis gerais. Tal tipo de conhecimento jamais pode levar a conhecimento verdadeiro, mas somente provável.

Sendo imposto pelo autor um limite tão grande à nossa capacidade de conhecer, ele é levado, por exemplo, a questionar a noção de causalidade (causa e efeito). Se o que possuímos são experiências particulares e subjetivas (relativas ao sujeito), pode-se e deve-se questionar como se chega à afirmação de que sempre determinada causa leva a determinado efeito. Que o sol tenha nascido até hoje, enquanto vivi, é fato verdadeiro, que nascerá amanhã, porém, é apenas bastante provável, pois bem pode ocorrer, e sabemos disso, que não nasça. Ao se comprar na verduraria uma banana madura, se ela vem a ficar podre, dizemos que ―aquela banana apodreceu‖ . Nada há, aparentemente, que nos permita dizer que uma banana madura é a mesma

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coisa que uma banana podre, a não ser que recorramos à noção da metafísica aristotélica que chamamos substância, ou seja, que afirmemos que a tal fruta possui uma banalidade que não se modifica. Pelo método de conhecimento proposto por Hume, porém, se as idéias de causalidade e substância, assim como outras da Metafísica, correspondessem a algo existente, deveríamos evidentemente encontrar as impressões que lhes deram origem. Isso porém não ocorre. Refuta-se o autor, como ele mesmo afirma, de maneira muito fácil: basta mostrar uma só idéia que esteja em nossa mente e que não possua sua fonte nos sentidos. Ele próprio analisa a idéia de Deus, e conclui que a mesma é uma idéia complexa, formada por um conjunto de idéias simples, como bondade e sabedoria, cada uma advindo de uma impressão. Assim, as idéias acima citadas, de substância e causalidade também, se não correspondem a impressões reais que lhes deram origem, só podem ser fruto de nossa imaginação. Analisando um trecho em que trata da causalidade, podemos ver como tais noções metafísicas se formam em nossa mente.

―[...] como o espírito tem encontrado em numerosos casos que dois gêneros quaisquer de objetos – a chama e o calor, a neve e o frio – sempre têm estado em conjunção, se, de novo, a chama ou a neve se apresentassem aos sentidos, o espírito é levado pelo costume a esperar calor ou frio, e a acreditar que esta qualidade existe realmente e que se manifestaria se estivesse mais próxima de nós‖. (HUME. D. Investigação acerca do entendimento humano. In. HUME. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 64)

Pela citação podemos entender como, para David Hume, é possível o

aparecimento de certas noções metafísicas em nossa mente: estas são geradas pelo costume, que chamamos também de hábito, que criamos ao ver que a certos eventos seguem-se outros, uma espécie de ilusão ou crença, que faz com que acreditemos, por exemplo, que o sol nascerá sempre, pelo simples fato de ter nascido até hoje. Os limites que o autor impõe ao conhecimento retiram qualquer possibilidade de universalidade e de necessidade nas ciências, e vieram a causar o que se chama de A Grande Crise da Metafísica. O mérito de Hume é, porém, o de ter abalado as bases do dogmatismo que imperava até então na filosofia.

φφφ EXERCÍCIOS PROPOSTOS

QUESTÃO 01: (UEL – Jan/2005)

―Tomemos [...] este pedaço de cera que acaba de ser tirado da colméia: ele não perdeu ainda a doçura do mel que continha, retém ainda algo do odor das flores de que foi recolhido; sua cor, sua figura, sua grandeza, são patentes; é duro, é frio, tocamo-lo e, se nele batermos, produzirá algum som. Enfim, todas as coisas que podem distintamente fazer conhecer um corpo encontram-se neste. Mas eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo: o que nele restava de sabor exala-se, o odor se esvai, sua cor se modifica, sua figura se altera, sua grandeza aumenta, ele torna-se líquido, esquenta-se, mal o podemos tocar e, embora nele batamos, nenhum som produzirá. A mesma cera permanece após essa modificação? Cumpre confessar que permanece: e ninguém o pode negar. O que é, pois, que se conhecia deste pedaço de cera com tanta distinção? Certamente não pode ser nada de tudo o que notei nela por intermédio dos sentidos, visto que todas as coisas que se apresentavam ao paladar, ao olfato, ou à visão, ou

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ao tato, ou à audição, encontravam-se mudadas e, no entanto, a mesma cera permanece.‖

DESCARTES, René. Meditações. Trad. de Jacó Guinsburg e Bento Prado Júnior.

São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 272.

Com base no texto, é correto afirmar que para Descartes:

A) Os sentidos nos garantem o conhecimento dos objetos, mesmo considerando as alterações em sua aparência. B) A causa da alteração dos corpos se encontra nos sentidos, o que impossibilita o conhecimento dos mesmos. C) A variação no modo como os corpos se apresentam aos sentidos revela que o conhecimento destes excede o conhecimento sensitivo. D) A constante variação no modo como os corpos se apresentam aos sentidos comprova a inexistência dos mesmos. E) A existência e o conseqüente conhecimento dos corpos têm como causa os sentidos.

QUESTÃO 02: (UEL – Dez/2006)

Tendo por base o método cartesiano da dúvida, é correto afirmar que:

A) Este método visa a remover os preconceitos e opiniões preconcebidas e encontrar uma verdade indubitável. B) Ao engendrar a dúvida hiperbólica, o objetivo de Descartes era provar que suas antigas opiniões, submetidas ao escrutínio da dúvida, eram verdadeiras. C) A dúvida hiperbólica é engendrada por Descartes para mostrar que não podemos rejeitar como falso o que é apenas dubitável. D) Só podemos dar assentimento às opiniões respaldadas pela tradição. E) A dúvida metódica surge, no espírito humano, involuntariamente.

QUESTÃO 03: (UEL – Dez/2006)

―E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar‖.

Fonte: DESCARTES, R. Discurso do Método. Tradução de J. Guinsburg e

Bento Prado Júnior. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 46.

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Com base na citação acima e nos conhecimentos sobre Descartes, assinale a alternativa correta.

A) Para Descartes, é mais fácil conhecer o corpo que a alma. B) Descartes estabelece que a alma tem uma natureza puramente intelectual. C) Segundo Descartes, a verdade da res extensa percebe a verdade da res cogitans. D) O eu penso, logo existo revela a perspectiva cartesiana em considerar primeiramente aquilo que é complexo. E) A união da alma e do corpo revela que eles possuem a mesma substância.

QUESTÃO 04: (UEL – Dez/2005)

―Se um objeto nos fosse apresentado e fôssemos solicitados a nos pronunciar, sem consulta à observação passada, sobre o efeito que dele resultará, de que maneira, eu pergunto, deveria a mente proceder nessa operação? Ela deve inventar ou imaginar algum resultado para atribuir ao objeto como seu efeito, e é obvio que essa invenção terá de ser inteiramente arbitrária. O mais atento exame e escrutínio não permite à mente encontrar o efeito na suposta causa, pois o efeito é totalmente diferente da causa e não pode, conseqüentemente, revelar-se nela.‖

HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da

moral. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: UNESP, 2004. p. 57-58.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o empirismo de David Hume, é correto afirmar:

A) O efeito de uma causa é assegurado pela demonstração racional que, a priori, seleciona as possíveis conseqüências decorrentes dos objetos empiricamente aprendidos. B) A causa revela pela sua própria natureza, independentemente da experiência e da razão, os efeitos que é capaz de produzir. C) A razão é apta para relacionar as causas aos seus respectivos efeitos, uma vez que a vinculação entre causa e efeito é assegurada pelo princípio de identidade. D) A descoberta do efeito de um objeto ocorre mediante a experiência, que assegura uma relação entre a causa e o efeito, porém desconhece a necessidade que os vincula. E) A conexão entre causa e efeito é fundamentada pela indução, a partir da constatação de que as observações passadas ocorrerão de forma semelhante no futuro.

QUESTÃO 05: (UEL – Dez/2006)

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―Assim como a natureza ensinou-nos o uso de nossos membros sem nos dar o conhecimento dos músculos e nervos que os comandam, do mesmo modo ela implantou em nós um instinto que leva adiante o pensamento em um curso correspondente ao que ela estabeleceu para os objetos externos, embora ignoremos os poderes e as forças dos quais esse curso e sucessão regulares de objetos totalmente dependem‖.

Fonte: HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano.

Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo:

Editora UNESP, 1999, p. 79-80.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria do conhecimento de Hume, assinale a alternativa correta:

A) Para Hume, o princípio responsável por nossas inferências causais chama-se instinto de autoconservação. B) Entre o curso da natureza e o nosso pensamento não há qualquer correspondência. C) Na teoria de Hume, a atividade mental necessária à nossa sobrevivência é garantida pelo conhecimento racional das operações da natureza. D) O instinto ao qual Hume se refere chama-se hábito ou costume. E) Segundo Hume, são raciocínios a priori que garantem o conhecimento das questões de fato.

MÓDULO 2 C: KANT: TEORIA DO CONHECIMENTO E ÉTICA.

TEORIA DO CONHECIMENTO

ImmanueI Kant (1724-1804) Nasceu em Konigsberg, na Alemanha. Teve vida longa e tranqüila dedicada ao ensino e à investigação filosófica. Realiza uma brilhante síntese entre as filosofias racionalista e empirista, além de mudar completamente o foco da filosofia até então, a ponto de seu pensamento ser considerado como sendo uma ―revolução copernicana na filosofia‖. Rejeita tanto o racionalismo quanto o empirismo exagerados, negando tanto as altíssimas possibilidades do primeiro quanto as imensas limitações impostas pelo segundo. Kant, para tal, defende uma tese que podemos encontrar no trecho abaixo.

―Que todo o nosso conhecimento começa com a experiência, não há dúvida alguma, pois, do contrário, por meio do que a faculdade de conhecimento deveria ser despertada para o exercício senão através de objetos que tocam nossos sentidos e em parte produzem por si próprios representações, em parte põe em movimento a atividade do nosso entendimento para compará-las, conectá-las ou separá-las e, desse modo, assimilar a matéria bruta das impressões sensíveis a um conhecimento dos objetos que se chama experiência? Segundo o tempo, portanto,

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nenhum conhecimento em nós precede a experiência, e todo ele começa com ela. [...] Mas embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência. Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento de experiência seja um composto daquilo que recebemos por impressões e daquilo que a nossa própria faculdade de conhecimento (apenas provocada por impressões sensíveis) fornece de si mesma, cujo aditamento não distinguimos daquela matéria-prima antes que um longo exercício nos tenha tornado atento a ele e nos tenha tornado aptos à sua abstração. [...] Portanto, é pelo menos uma questão que requer uma investigação mais pormenorizada e que não pode ser logo despachada devido aos ares que ostenta, a saber se há um tal conhecimento independente da experiência e mesmo de todas as impressões dos sentidos. Tais conhecimentos denominam-se a priori e distinguem-se dos empíricos, que possuem sua fonte a posteriori, ou seja, na experiência‖. (KANT, I. Crítica da Razão Pura. In. Kant. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Nova Cultural, 2005, p. 53)

Do texto, algumas das principais idéias podem ser analisadas. I. Experiência: conhecimento dos objetos, que se dá quando nosso entendimento compara, conecta ou separa, e desse modo assimila a matéria bruta das impressões sensíveis. I. Função dos objetos: Produzir representações (e nesse caso, concorda com Hume) Colocar em movimento a atividade do nosso entendimento. III. Tese: O conhecimento de experiência é um composto do que recebemos por impressões (Hume) e daquilo que nossa própria faculdade de conhecimento fornece de si mesma (ultrapassagem da teoria de Hume). A priori: Conhecimento independente desta ou daquela experiência e mesmo de todas as impressões dos sentidos. A posteriori: Conhecimento que possui suas fontes tão somente na experiência.

Analisando melhor o trecho e agora relacionando as idéias dele tiradas, vemos que para Kant a experiência sensível não é algo passivo como para Hume, ou seja, não somos simplesmente afetados. O conhecimento é, assim, algo ativo, no qual nossas faculdades de conhecimento, que serão elencadas abaixo, impõe sim algo de seu, e é nesse sentido que a experiência é um composto, e é com essa tese que Kant poderá ultrapassar os limites impostos por David Hume. Um tópico importante no pensamento kantiano é o que é denominado Revolução Copernicana na Filosofia. Nicolau Copérnico realizou, na física, uma mudança radical no foco de análise do universo. A teoria até então defendida era a do geocentrismo, ou seja, a Terra estava no centro e os demais astros giravam em torno da mesma. Este pensador afirma o heliocentrismo, isto é, o Sol está no centro e os demais planetas giram em torno dele.

Para Kant, o foco central da filosofia sempre foi voltado para o objeto a ser conhecido. Partia-se então, dogmaticamente, da idéia de que a faculdade de conhecimento possuía a capacidade de produzir informações sobre o que era estudado. A proposta deste filósofo é inovadora porque ele propõe que, antes que partamos ao conhecimento dos objetos, façamos uma análise da própria faculdade de conhecimento e de seus limites e possibilidades. Tal análise foi feita na obra Crítica da Razão Pura, na qual delineia de maneira detalhada como se dá o conhecimento. Esse se dá para o autor da seguinte maneira: como vimos no texto acima o primeiro passo é

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a sensação. Porém, diferentemente de Hume, o que será lançado na mente não é uma representação de sensação, mas do que Kant chama de intuição, que podemos definir como sendo uma sensação que escolhemos em meio às várias que nos afetam ao mesmo tempo. A intuição é formada na faculdade chamada sensibilidade, que impõe à experiência sensível duas formas puras existentes nela mesma, que são espaço e tempo. A intuição, formada dessa maneira, é lançada no intelecto, que através das dez categorias de predicação, forma o conceito através de um juízo. As categorias citadas são: Substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, ação, paixão. Sobre isso, vejamos uma passagem do próprio autor:

―Deve-se distinguir em cada conhecimento matéria, isto é, o objeto, e forma, isto é, a maneira como conhecemos o objeto. Por exemplo: se um silvícola vê de longe uma casa, cujo uso não conhece, tem, no entanto, representado diante de si precisamente o mesmo objeto que o que sabe tratar-se de uma morada edificada para o homem. Mas esse conhecimento de um só e mesmo objeto é, em caso e no outro, diverso pela forma: mera intuição, em um caso, intuição e conceito ao mesmo tempo, no outro‖. (KANT, I. Manual dos cursos de lógica geral. Tradução e notas de Fausto Castilho. Uberlândia: EDUFU; Campinas: IFCH-UNICAMP, 1998, p. 47)

Todo conceito é emitido em forma de juízo, isto é, como dizia Aristóteles, de uma

proposição do tipo S é P. Kant irá diferenciar os tipos de juízos assim como diferencia os tipos de conhecimento. A primeira divisão se dá entre juízos analíticos e juízos sintéticos. Segundo o autor ―juízos analíticos (os afirmativos) são, portanto, aqueles em que a conexão do predicado com o sujeito for pensada por identidade; aqueles, porém, em que essa conexão for pensada sem identidade, devem denomina-se juízos sintéticos‖. Falando de forma mais simples, um juízo é analítico se o predicado for uma qualidade implicitamente contida no sujeito, como, por exemplo, quando afirmamos que um triângulo é uma figura de três lados. Um juízo é sintético quando a qualidade contida no predicado não faz parte do sujeito, mas lhe é acrescentada, como, por exemplo, quando afirmamos que Sócrates é inteligente, pois poderia muito bem ocorrer que ele não fosse. Os juízos sintéticos são também divididos em dois tipos: a priori e a posteriori. Um juízo é sintético a priori quando seu predicado acrescenta alguma informação ao sujeito, e a afirmação feita pelo mesmo não depende desta ou daquela experiência. Um exemplo deste tipo de juízo é a afirmação de que duas retas paralelas jamais se cruzam no espaço. É sintético porque o conceito de espaço ou de cruzamento não está contido implicitamente no sujeito. É a priori porque a afirmação feita não é procedente para esta ou aquela dupla de retas, mas para qualquer dupla de retas pensada em qualquer tempo. Tal conhecimento, portanto é universal e necessário, diferentemente do que pensava David Hume, e isso porque todos nós possuímos uma sensibilidade dotada de espaço e tempo e um intelecto que contém as dez categorias. Ao conjunto destas faculdades de conhecimento Kant denomina sujeito transcendental, sendo que devemos entender transcendental no autor o que é anterior ou independente da experiência, diferentemente de transcendente, que é aquilo que está além da experiência sensível. Os juízos sintéticos a posteriori são aqueles nos quais o predicado acrescenta algo ao sujeito, porém a afirmação depende da experiência sensível.

Apesar de ultrapassar consideravelmente os limites do conhecimento impostos por David Hume, mostrando a possibilidade do conhecimento universal e necessário, Kant mostra, entretanto que nossa experiência possui uma limitação muito grande, qual seja: não é possível, através das faculdades de conhecimento acima citadas, conhecer a coisa em si, ou seja, o objeto como ele é nele mesmo. Isso se dá por causa da principal tese kantiana, a saber, de que a experiência é um composto, e não nos é possível chegar ao conhecimento do objeto em si mesmo, mas só como o mesmo se

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apresenta para nossas faculdades de conhecimento, e a isso o autor chama fenômeno.

ÉTICA

Como foi visto acima, a filosofia de Immanuel Kant baseia-se na existência de uma capacidade de conhecimento, que podemos denominar, em seu conjunto, como razão. Sua teoria sobre a moralidade humana seguirá o mesmo princípio, negando os fundamentos e normas morais exteriores ao homem, e admitindo como único princípio regulador da ação humana a própria razão. È ela quem deve indicar os caminhos que devemos seguir para agir com verdadeira retidão. Com isso, Kant quer dizer que, ao agirmos, devemos pensar se aquilo que estamos fazendo poderia ser feito por todas as outras pessoas, sem prejuízo para a humanidade.

Ao iniciar a sua Fundamentação à metafísica dos costumes nosso autor afirma que a única coisa que pode ser considerada boa em absoluto no universo é uma boa vontade. Ora, Aristóteles, estudado anteriormente, nos auxilia a compreender essa afirmação. A simples posse de uma qualidade moral não significa por si mesma uma virtude, pois pode-se incorrer, na sua utilização, em excessos. E quem controla o uso de uma qualidade que o indivíduo possui? Sua vontade. A próxima pergunta, dessa forma é muito simples: o que é uma boa vontade? E Kant nos responde: é a vontade de agir por dever.

Desse modo é necessário diferenciar, na filosofia kantiana, três tipos de conduta: ação realizada por inclinação; ação realizada conforme o dever e ação realizada por dever. Dessas três somente a última é uma conduta realmente moral, pois a primeira ocorre em nome da satisfação de desejos, deliberadamente em nome de um proveito próprio, ao passo que a segunda, apesar de estar em consonância com o que se considera correto, não é realizada pelo ator por esse motivo. Assim sendo, o que diferencia uma ação por dever daquela conforme o dever é a intenção que o indivíduo possui ao agir, e aí nós nos deparamos com uma questão cabal na teoria ética de Kant: como conhecer a real intenção de um indivíduo quando age? A resposta é: não é possível. Mas então como podemos possuir uma noção de dever em nossa mente se talvez nunca tenhamos presenciado uma conduta realizada exatamente com essa intenção? A resposta é surpreendente: a noção de dever existe em nossa mente independente das impressões dos nossos sentidos. Mas nós sabemos, por meio de nossos estudos prévios em Kant, que algo que existe em nossa mente assim possui uma denominação. Exatamente, o dever é uma noção completamente a priori da nossa razão prática.

Se para o autor, o fundamental da avaliação de uma conduta moral é a intenção de quem a praticou, independentemente de quais efeitos tal conduta possa vir a provocar, e a melhor intenção, para ele, é aquela que se volta tão somente para o cumprimento do dever, faz-se necessário um instrumento para que nós saibamos o que está em conformidade com o dever em determinadas circunstâncias concretas de nosso cotidiano. Esse instrumento pode ser considerado o princípio racional da ação. Por isso, o dever é um imperativo categórico, que se exprime na fórmula geral: ―Age em conformidade apenas com a máxima que possas querer que se torne uma lei universal‖. Dessa fórmula geral, Kant deriva outras três, que seguem abaixo:

I. Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da Natureza; II. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa quanto na de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio; III. Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais. A primeira máxima afirma a universalidade da conduta ética. A segunda vem lembrar a dignidade da pessoa humana, não devendo esta jamais ser tratada como simples

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meio para se atingir a um fim. A terceira afirma que a universalidade da conduta ética deve-se à racionalidade dos seres humanos, sendo os princípios éticos da razão plausíveis para qualquer ser racional. É com base também na universalidade da razão que entendemos o que Kant denomina Ilustração ou Esclarecimento. Vejamos sua definição por meio de um trecho do próprio autor:

―A ilustração é a libertação do ser humano de sua incapacidade da qual ele próprio é culpado. A incapacidade significa a incapacidade de servir-se de sua inteligência sem a guia de outrem. Esta incapacidade é sua culpa porque sua causa reside, não na falta de inteligência, mas na falta de decisão e coragem para servir-se, por si mesmo, dela sem tutela de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de servir-te de tua própria razão: eis o lema da ilustração. [...] A fraqueza e a covardia são as causas de uma grande parte dos seres humanos continuarem, de bom gosto, no seu estado de criança, apesar de que a natureza já os tenha liberado, há tempos, da tutela alheia; também o são de que se faça tão fácil para outros erigirem-se em tutores‖.

Esclarecimento então ocorre quando o ser humano, dotado de razão, deixa de lado

a preguiça, a fraqueza e a covardia, e utiliza a mesma, se libertando de agir sob os juízos alheios. Para Kant, o sujeito esclarecido possui o dever moral de fazer o que ele chama de uso público da razão, isto é, de nos diferentes lugares em que possa se encontrar, nas diferentes funções que possa estar realizando, tornar públicos os juízos a que sua razão lhe fizer chegar.

φφφ EXERCÍCIOS PROPOSTOS

QUESTÃO 01: (UFU – Jul/2004)

―Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém, todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso, tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos mesmos que deve estabelecer algo sobre os objetos antes de nos serem dados. O mesmo aconteceu com os pensamentos de Copérnico que, depois das coisas não quererem andar muito bem com a explicação dos movimentos celestes admitindo-se que todo exército de astros girava em torno do espectador, tentou ver se não seria mais bem-sucedido se deixasse o espectador mover-se e, em contrapartida, os astros em repouso.‖

KANT, I. Crítica da razão pura. Prefácio à segunda edição. Trad. de Valério Rohden e

Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 14. (Os Pensadores)

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Considerando a leitura do trecho acima, podemos dizer que a revolução copernicana de Kant é

A) uma revolução filosófica e científica segundo a qual o espectador não pode permanecer fixo em sua posição, aprendendo apenas os fenômenos, mas deve considerar que ele mesmo encontra-se em movimento para poder perceber as coisas em si mesmas.

B) uma revolução astronômica que pretendeu mudar o curso da Filosofia Moderna, propondo uma reavaliação da física newtoniana.

C) uma revolução filosófica que estabeleceu que o conhecimento da coisa em si só pode ser atingido caso haja um cuidadoso estudo dos fenômenos.

D) uma revolução filosófica que afirmou a distinção entre fenômeno e coisa em si, qualificando esta última como incognoscível.

QUESTÃO 02: (UFU – Mar/2002)

O criticismo de Kant representa a reação do pensamento do Século das Luzes à polarização decorrente do racionalismo e do empirismo do século anterior. Logo, na introdução da sua obra Crítica da razão pura, Kant defende a realização da revolução copernicana na filosofia. Sobre esta revolução, analise as assertivas abaixo.

I- A filosofia, até então, sempre se guiou pelos instintos, deixando sempre no plano inferior o objeto do conhecimento.

II- Nas atividades filosóficas é preciso que o objeto seja regulado pelo conhecimento humano, o conhecimento a priori.

III- O conhecimento a priori resulta da faculdade de intuição, cuja comprovação é alcançada com a experiência.

IV- Só é verdadeiro o conhecimento resultante da experiência, quando esta toma o objeto como a coisa em si mesma, sem o auxílio da razão.

Assinale a alternativa que contém as assertivas verdadeiras.

A) Apenas II e IV.

B) Apenas I, II e IV.

C) Apenas II e III.

D) Apenas I, III e IV.

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QUESTÃO 03: (UFU – Fev/2003)

A respeito dos juízos analíticos e dos juízos sintéticos em Kant, é correto afirmar que:

A) Juízos analíticos ou de experiência são aqueles em que a relação entre o sujeito e seu predicado é pensada sem identidade; juízos sintéticos ou afirmativos são aqueles em que há identidade entre o sujeito e seu predicado.

B) Juízos analíticos ou afirmativos, são aqueles que resultam da identidade do sujeito com seu predicado; os juízos sintéticos ou de experiência são aqueles que são pensados sem a identidade entre o sujeito e seu predicado.

C) Juízo analítico é fundado sobre a experiência, porque o fundamento é sempre o testemunho da experiência; os juízos sintéticos, que são princípios de identidade, não acrescentam ao sujeito nenhum predicado novo.

D) Juízos analíticos, resultantes da identidade do sujeito com o seu predicado, podem ser denominados de juízos de ampliação; os juízos sintéticos, nos quais não há identidade, podem ser denominados de juízos de elucidação.

QUESTÃO 04: (UEL – Dez/2006)

Na segunda seção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant nos oferece quatro exemplos de deveres. Em relação ao segundo exemplo, que diz respeito à falsa promessa, Kant afirma que uma:

―pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma: Não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima de ação seria: Quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá‖.

Fonte: KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes.

Tradução de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 130.

De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a moral kantiana, considere as afirmativas a seguir:

I- Para Kant, o princípio de ação da falsa promessa não pode valer como lei universal.

II- Kant considera a falsa promessa moralmente permissível porque ela será praticada apenas para sair de uma situação momentânea de apuros.

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III- A falsa promessa é moralmente reprovável porque a universalização de sua máxima torna impossível a própria promessa.

IV- A falsa promessa é moralmente reprovável porque vai de encontro às inclinações sociais do ser humano.

A alternativa que contém todas as afirmativas corretas é:

A) I e II B) I e III C) II e IV D) I, II e III E) I, II e IV

QUESTÃO 05: (EAF-UDI – Jul/2006)

Sobre a concepção de Justiça em Kant, é correto afirmar:

A) É definida pelo direito positivo e nele encontra sua fonte, prescindindo de qualquer outro parâmetro de legitimidade.

B) Resulta da definição estatutária do direito, sob a forma da lei estabelecida nos códigos jurídicos e é confirmada pelas ações dos Estados.

C) Coincide com a vontade do legislador, a partir da qual são definidos os parâmetros racionais de gestão dos Estados.

D) Ampara-se em parâmetros racionais a priori que embasam o direito natural e que devem se converter em leis públicas de coerção.

E) Configura-se com base em valores comuns partilhados tradicionalmente em cada ordenamento jurídico-político.

MÓDULO 3 C: NICOLAU MAQUIAVEL E THOMAS HOBBES

MAQUIAVEL

Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu na Itália e é considerado o fundador do pensamento político moderno. Foi diplomata e conselheiro dos governantes de Florença, e viu a ascensão da burguesia comercial nas grandes cidades, assim como a fragmentação da Itália. Vendo a vida política assim fragmentar-se, Maquiavel funda um novo tipo de pensamento político, negando o que se havia dito e feito até então. Nesse sentido, nega um fundamento anterior e exterior à política, como a natureza, no caso de Aristóteles, ou alguma influência divina, no caso dos teólogos

medievais.

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O autor não aceita também a idéia de uma boa comunidade política, voltada para o bem comum. Ao contrário, enxerga a sociedade em constante tensão, causada pelos interesses opostos daqueles que oprimem, e assim querem continuar, e os que são oprimidos, e não podem aceitar de bom grado essa condição. A principal finalidade da política seria, assim, a tomada e manutenção do poder, o que só pode ocorrer se o governante consegue dar a essa formação, a princípio sem objetivos comuns, uma identidade. Conseqüentemente, a verdadeira virtude do príncipe não deve pertencer àquele conjunto ditado pela igreja, mas a virtu principesca deve ser a competência política. É por isso que Maquiavel afirma que:

―Assim, deve o príncipe tornar-se temido, de sorte que, se não for amado, ao menos evite o ódio, pois é fácil ser, a um só tempo, temido e não odiado, o que ocorrerá uma vez que se prive da posse dos bens e das mulheres dos cidadãos e dos súditos, e, mesmo quando forçado a derramar o sangue de alguém, poderá fazê-lo apenas se houver justificativa apropriada e causa manifesta‖. MAQUIAVEL, N. O Príncipe. In. Maquiavel. Tradução de Olívia Bauduh. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 106-107)

Sendo o governante uma figura competente, ele será capaz de enfrentar todas as

situações que a sorte (fortuna) lhe trouxer. Vale ressaltar que a Fortuna, na mitologia grega, é uma deusa, ser feminino, que como tal, deve ser conquistado, pois não se entrega facilmente a alguém. O príncipe deve, assim, ter a capacidade de conquistar momentos promissores para o sucesso de seu governo, além de ter a mestria necessária para ultrapassar aqueles que não se apresentem nessa configuração. Livre dos imperativos das virtudes cristãs, o ideal seria que o governante unisse a força, característica do leão, à astúcia, característica da raposa, ou seja, fazer uso da violência, que é uma prerrogativa de quem governa, com toda inteligência necessária para, como foi dito acima, evitar o ódio dos súditos. Vale ressaltar que virtú e fortuna são as duas condições para o sucesso de um governo. Ao usar como exemplo Moisés, líder hebreu, como figura que possuía valor para estar à frente de uma comunidade política, Maquiavel não deixa de evidenciar que todo esse valor, sem uma ocasião apropriada para ser demonstrado, não conduziria à tomada do poder. Daí a necessidade da simultaneidade entre o valor do líder e uma ocasião apropriada.

Maquiavel não defende a Monarquia, ou qualquer outro regime político, mas afirma que qualquer regime é legítimo se garante a liberdade dos súditos. Nesse sentido, afirma que o governante jamais deve se aliar aos poderosos, mas sempre ao povo, pois os poderosos são seus concorrentes. Além disso, denuncia a corrupção política, afirmando que um dos principais fatores que despertam o ódio do povo é a sua espoliação por parte de seus governantes. A grande ruptura realizada pelo autor com relação principalmente ao pensamento antigo é a separação que faz entre ética, compreendida em seu sentido mais genérico, e Política. Não é que não exista uma moralidade na política, mas ela possui sua lógica própria, muitas vezes distinta das demais relações sociais. Para os gregos seria inconcebível um político sem virtudes, enquanto para Maquiavel a única função da política é, como já foi visto, a tomada e a manutenção do poder, o que envolveria a preocupação do governante em conduzir da melhor maneira possível o convívio social, talvez não sendo bom no sentido moral da palavra, mas competente para equilibrar os interesses divergentes presentes no corpo social.

HOBBES

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Thomas Hobbes (1588-1679) nasceu na uma aldeia inglesa chamada Westport. Tendo como pressuposto que ―todo ser luta para conservar-se, isto é, evitar a morte‖, e discordando de Aristóteles, que afirmava serem os homens sociáveis por natureza, Hobbes, assim como Maquiavel, funda um pensamento político baseado no mundo material. A sociabilidade dada aos homens por Aristóteles custa-lhes a igualdade, ou seja, só é sustentada por serem considerados uns superiores aos outros por natureza. Como para Hobbes todos são iguais por natureza, possuindo todos nessa condição direito apenas à vida e à liberdade, não se contentando nenhum em ser servo do outro, surge um estado de natureza marcado pela guerra de todos contra todos. Daí surge a famosa frase que afirma que ―o homem é o lobo do homem‖. Vejamos, nas palavras do próprio autor, como ele imaginou o estabelecimento do Contrato Social

que deu origem ao Estado (Leviatã - Monstro bíblico). Para ele, a única maneira que os homens tiveram para instituir, entre si, um poder comum era: ―[...] conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade [...] é como se cada homem dissesse a cada homem [...] transfiro

meu direito de governar-me a mim mesmo a este Homem, ou a esta Assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. [...] Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa chama-se Estado [...] É esta a geração daquele grande Leviatã [...] ao qual devemos [...] nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, o qual pode ser assim definido: uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. Àquele que é portador dessa pessoa se chama Soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos‖. (HOBBES, T. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil. In. Hobbes. Tradução de João Paulo Monteira e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 2005, p. 144)

Nota-se, então, pelas palavras do próprio autor que a sociedade civil, na qual

viviam os homens de seu tempo, só poderia ter sido gerada através de um pacto entre os homens. O motivo pelo qual os indivíduos buscam o referido acordo também são elencados do texto, quais sejam: a paz e a defesa. Os homens, através da instituição do Estado, abdicam de sua liberdade individual em prol de uma liberdade artificial, para saírem do já citado estado de guerra de todos contra todos, denominado de estado de natureza. Essa criação é humana, e aí o motivo da discordância com Aristóteles. Sendo o Estado uma criação humana, nega-se a naturalidade aristotélica, e atribui-se a ele artificialidade, no que irão concordar os demais contratualistas. Vimos através do texto também, que para Hobbes o soberano é o monarca, isto é, o depositário da confiança do povo, podendo este fazer o que considerar melhor, e inclusive utilizar a força, para manter a paz. Tal poder é incontestável e indivisível, sendo assim, absoluto. Podemos considerar então o autor um defensor do absolutismo.

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É importante, no entanto, que não se confunda monarquismo com absolutismo. Hobbes não é um defensor do monarquismo, o que se vê claramente na citação abaixo:

A única maneira de instituir um poder comum entre os homens, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros (...) é conferir toda sua força ou poder a um homem ou a uma assembléia de homens que possa reduzir suas diversas vontades (...) a uma só vontade. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado.

HOBBES, T. Leviatã. Col. ―Os Pensadores‖. São Paulo: Abril Cultural, 1970.

O Estado pode, assim, ser governado por um só homem ou por um grupo, desde

que não exista divisão de poder, como encontramos atualmente na maioria dos países do planeta (executivo, legislativo e judiciário). Leviatã é um monstro bíblico, e no frontispício da primeira edição da obra ele aparece gigantesco, com o corpo formado por inúmeros corpos humanos, que representam a coletividade, com o cetro em uma mão (poder) e a espada na outra (força). Assim como em Maquiavel, aqui se encontra uma concepção de Estado ligada intimamente à força física.

φφφ EXERCÍCIOS PROPOSTOS

QUESTÃO 01: (UEL – Jan/2005)

―O maquiavelismo é uma interpretação de O Príncipe de Maquiavel, em particular a interpretação segundo a qual a ação política, ou seja, a ação voltada para a conquista e conservação do Estado, é uma ação que não possui um fim próprio de utilidade e não deve ser julgada por meio de critérios diferentes dos de conveniência e oportunidade.‖

BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant.

Trad. de Alfredo Fait. 3.ed. Brasília: Editora da UNB, 1984. p. 14.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, para Maquiavel o poder político é:

A) Independente da moral e da religião, devendo ser conduzido por critérios restritos ao âmbito político. B) Independente da conveniência e oportunidade, pois estas dizem respeito à esfera privada da vida em sociedade. C) Dependente da religião, devendo ser conduzido por parâmetros ditados pela Igreja.

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D) Dependente da ética, devendo ser orientado por princípios morais válidos universal e necessariamente. E) Independente das pretensões dos governantes de realizar os interesses do Estado.

QUESTÃO 02: (UEL – Dez/2006)

―Deveis saber, portanto, que existem duas formas de se combater: uma, pelas leis, outra pela força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos animais. [...] Ao príncipe torna-se necessário, porém, saber empregar convenientemente o animal e o homem. [...] Sendo, portanto, um príncipe obrigado a bem servir-se da natureza da besta, deve dela tirar as qualidades da raposa e do leão, pois este não defesa alguma contra os laços, e a raposa contra os lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Os que se fizerem unicamente de leões não serão bem-sucedidos. Por isso, um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o determinam cessem de existir.‖

Fonte: MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Tradução de Lívio Xavier.

São Paulo: Nova Cultural, 1993, Cap. XVIII, p. 101-102.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre O Príncipe de Maquiavel, assinale a alternativa correta:

A) Os homens não devem recorrer ao combate pela força porque é suficiente combater recorrendo-se à lei. B) Um príncipe que interage com os homens, servindo-se exclusivamente de qualidades morais, certamente terá êxito em manter-se no poder. C) O príncipe prudente deve procurar vencer e conservar o Estado, o que implica o desprezo aos valores morais. D) Para conservar o Estado, o príncipe deve sempre partir e se servir do bem. E) Para a conservação do poder, é necessário admitir a insuficiência da força representada pelo leão e a importância da habilidade da raposa.

QUESTÃO 03: (UEL – Dez/2006)

Leia o texto a seguir.

―Dado que todo súdito é por instituição autor de todos os atos e decisões do soberano instituído, segue-se que nada do que este faça pode ser considerado injúria para com qualquer de seus súditos, e que nenhum deles pode acusá-lo de injustiça‖.

Fonte: HOBBES, T. Leviatã, ou, Matéria, forma e poder de um

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estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e

Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 109.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o contratualismo de Hobbes, é correto afirmar:

A) O soberano não tem deveres contratuais com os seus súditos. B) O poder político tem como objetivo principal garantir a liberdade e a propriedade dos indivíduos. C) Antes da instituição do poder soberano, os homens viviam em paz. D) O poder soberano não deve obediência às leis da natureza. E) Acusar o soberano de injustiça seria como acusar a si mesmo de injustiça.

QUESTÃO 04: (EAF-UDI – Jul/2006)

―O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam de jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e conseqüentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim.‖

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o estado de natureza em Hobbes, considere as afirmativas a seguir.

I – Todos os homens são igualmente vulneráveis à violência diante da ausência de uma autoridade soberana que detenha o uso da força.

II – Em cada ser humano há um egoísmo na busca de seus interesses pessoais a fim de manter a própria sobrevivência.

III – A competição e o desejo da fama passam a existir nos homens quando abandonam o estado de natureza e ingressam no Estado social.

IV – O homem é naturalmente um ser social, o que lhe garante uma vida harmônica entre seus pares.

Estão corretas apenas as afirmativas:

A) I e II

B) I e IV

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C) III e IV

D) I, II e III

E) II, III e IV

QUESTÃO 05: (EAF-UDI – Jul/2006)

Baseado em Thomas Hobbes marque, dentre as alternativas abaixo, a que NÃO está de acordo com a sua filosofia.

A) Os pactos livres e racionais, sem a coerção da força, são suficientes para dar segurança às pessoas.

B) Pelo pacto social, cada homem deve ceder o direito de governar-se a um soberano, e a multidão, unida assim numa só pessoa, passa a constituir o Estado.

C) A única maneira de garantir segurança aos homens para que possam, graças a seu próprio labor e os frutos da terra, alimentarem-se e viverem satisfeitos é instituir toda a sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possam reduzir suas diferentes vontades a uma vontade só.

D) A finalidade última da instituição do Estado, que significa uma restrição da liberdade individual, é o cuidado de cada um com a própria conservação e uma vida mais satisfeita.

E) O poder soberano pode ser adquirido de duas maneiras: pela força natural (por aquisição) ou pelo acordo voluntário entre os homens (por Instituição), este último formando o Estado Político.

MÓDULO 4 C: JOHN LOCKE E JEAN-JACQUES ROUSSEAU.

LOCKE

John Locke (1632-1704) nasceu em Wrington, na Inglaterra. Estudou na Universidade de Oxford, onde se formou em Medicina. É considerado um dos pais da teoria chamada Liberalismo, por causa de sua defesa explícita à propriedade privada. Tal defesa é fundamentada com a introdução de um direito do homem no estado de natureza, além dos já citados por Hobbes à vida e à liberdade, quando afirma em sua obra Segundo Tratado sobre o Governo: ―consideremos a razão natural, que nos diz terem os homens, uma vez nascidos, direito à própria preservação, e, conseqüentemente, à comida e à

bebida e a tudo quanto a natureza lhes fornece para a subsistência [...]‖. É óbvio que para assegurar o direito à vida o homem deveria necessariamente se apropriar dos meios necessários para sobreviver, mas ao enfatizar esse fator, Locke introduz a propriedade privada como direito natural, tendo fundamento, como ele mesmo afirma, pelo trabalho realizado pelo homem em busca da sobrevivência, no que afirma que

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―seja o que for que ele (o homem) retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se-lhe algo que lhe pertence, e, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele‖.

Mas apesar de fundamentar a propriedade privada com a noção de trabalho, o autor tem que, através do estudo, ir impondo limites à mesma e transpondo-lhes, para ver até que ponto pode o homem acumular. O primeiro limite imposto é o do desperdício, ou seja, já que tudo foi criado para os homens em comum, não é permitido a nenhum homem acumular bens perecíveis além do que possa consumir, pois que estes podem vir a fazer falta para os outros, caso se percam. Tal limite, da perecividade, é superado com a invenção da moeda, valor de troca que o homem pode acumular sem que se perca. Outro limite para o acúmulo é, evidentemente, relativo às próprias limitações físicas do ser humano, ou seja, alguém só pode acumular o quanto possa colher. Tal limite é transposto com a introdução da noção de trabalho alienado, defendida sob o ponto de vista de que a primeira propriedade a que todos têm acesso é à do próprio corpo, o qual o mesmo possui o direito de alienar a outrem, vendendo assim sua força de trabalho. Ultrapassam-se assim todos os limites para o acúmulo de bens.

É importante lembrar que tudo que foi dito acima corresponde ao estado de natureza, no qual, para o autor, os homens vivem em certa harmonia, guiados pela razão. O papel do Contrato Social, para Locke, não possui assim papel tão decisivo quanto na teoria de Hobbes. Nas palavras do primeiro:

―Sendo os homens, [...] por natureza, todos livres, iguais e independentes, ninguém pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar consentimento. A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à liberdade natural e se reveste dos laços da sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra quem quer que não faça parte dela‖.

LOCKE, J. Segundo Tratado sobre o governo. In: Locke. 3.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. Coleção Os Pensadores.

O papel do Estado, fundado pelo Contrato firmado entre os homens, assim, é o de legitimar os direitos já existentes no estado de natureza. Nesse sentido, a soberania não se encontra mais nas mãos dos poderosos, que encontram como limite para o exercício do poder a individualidade dos homens, e seu direito de acumular sem a interferência do Estado. Esse possui somente a função de assegurar a qualidade de vida dos membros da sociedade civil, dando-lhes educação, saúde e segurança. Tal modelo de Estado é ainda o que funciona no Brasil, por exemplo, onde os governantes não possuem o direito de se intrometerem na individualidade dos cidadãos, salvo por ordem judicial.

Dos três filósofos contratualistas que estamos estudando, somente Locke fala de direito à insurreição, ou seja, à derrubada de algum governante que não esteja agindo segundo o consenso a que chegaram os cidadãos.

ROUSSEAU

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Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra, na Suíça, transferindo-se para a França em 1742, onde escreveu suas grandes obras. Além de escritos de Filosofia, o autor escreveu romances, e mesmo uma obra sobre pedagogia, chamada Emílio. Vejamos, entretanto, o que pensou o autor sobre o surgimento da Sociedade Civil. ―O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e

encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ―Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém‖ (ROUSSEAU, J-J. Do contrato Social. In. ROUSSEAU II. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 2005, p. 87)

Com base no trecho, podemos tecer as primeiras comparações com relação às teorias dos dois autores anteriores. Contrastando Rousseau com Locke, podemos ver uma diferença significativa, que também o segundo mantém com Hobbes: para Rousseau, assim como para Hobbes, a propriedade privada não é um direito natural. Somente Locke o acrescenta aos direitos de vida e liberdade. A propriedade, porém é elemento importantíssimo para o entendimento do pensamento de Rousseau, pois o mesmo atribui a seu surgimento a responsabilidade pela criação da sociedade civil. É porque passa a existir propriedade que surge a necessidade da criação, por meio de um contrato, de uma sociedade artificial.

Para Rousseau, a instituição da propriedade é a causadora, como vimos, das desavenças entre os homens, que não existiam no estado de natureza. É aí que aparecerá um estado parecido com o que Hobbes denomina estado de guerra, assim como a necessidade da passagem para a sociedade civil, por meio do contrato. Para o autor, a teoria hobbesiana está equivocada, pois: ―Vivendo em sua primitiva independência, não mantêm entre si uma relação suficientemente constante para constituir quer o estado de paz quer o de guerra, os homens em absoluto não são naturalmente inimigos‖.

Assim o autor nega ser o homem lobo do próprio homem, e funda o que grosseiramente se denomina a teoria do ―Bom Selvagem‖, acreditando na bondade natural do ser humano. Mas como o surgimento da propriedade inicia um novo estado de coisas, forçando a passagem para a sociedade civil, o contrato passa a ser necessário. Sobre o mesmo, o autor afirma:

―Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece, contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes. Esse, o problema fundamental cuja solução o contrato social oferece‖. (ROUSSEAU, J-J. Do contrato Social. In. ROUSSEAU. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 2005, p. 69)

A liberdade na sociedade, porém, não pode mais ser considerada natural, visto

que a associação é algo artificial. Trata-se, pois do que se chama liberdade civil, a qual coloca a todos em pé de igualdade. A soberania para o autor, visto que o Estado surge por meio de um consenso entre os homens, encontra-se nas mãos do povo. O Soberano é a vontade geral, que porém não pode ser confundida com a vontade de

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todos. A vontade geral é fruto de um consenso a que chegam os membros de uma associação, podendo alguns discordar da mesma, estando, porém obrigados a acatá-la, pela própria natureza do acordo.

QUADRO COMPARATIVO

Thomas Hobbes

(1588-1679)

John Locke

(1632-1704)

J-J. Rousseau

(1712-1778)

Estado Natureza

Guerra de todos contra todos

Relativa harmonia devido à racionalidade humana.

Os homens vivem em harmonia ―Bom Selvagem‖.

Direitos Naturais

Vida, Liberdade. Vida, Liberdade, Propriedade.

Vida, Liberdade.

Motivo do Pacto

Busca o fim dos conflitos

(segurança)

Legitimação do direito à propriedade.

Depois da fundação da propriedade, busca da segurança.

Modelo do Estado

Absolutista Liberal Democrático

Soberania Governante Legislativo Povo

φφφ EXERCÍCIOS PROPOSTOS

QUESTÃO 01: (UEL – Dez/2005)

―[...] é preciso que examinemos a condição natural dos homens, ou seja, um estado em que eles sejam absolutamente livres para decidir suas ações, dispor de seus bens e de suas pessoas como bem entenderem, dentro dos limites do direito natural, sem pedir autorização de nenhum outro homem nem depender de sua vontade.‖

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo civil.

Trad. Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. 2. ed. Petrópolis:

Vozes, 1994. p. 83.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o estado de natureza em Locke, é correto afirmar:

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A) Os homens desconhecem a noção de justiça, pelo fato de inexistir um direito natural que assegure a idéia do ―meu‖ e do ―teu‖. B) É constituído pela inimizade, maldade, violência e destruição mútua, características inerentes ao ser humano. C) Baseia-se em atos de agressão física, o que gera insegurança coletiva na manutenção dos direitos privados. D) Pauta-se pela tripartição dos poderes como forma de manter a coesão natural e respeitosa entre as pessoas. E) Constitui-se de uma relativa paz, que inclui a boa vontade, a preservação e a assistência mútua.

QUESTÃO 02: (UEL – Dez/2005)

Tendo por base a concepção de contrato social em Locke, considere as afirmativas a seguir.

I- Os homens firmam entre si um pacto de submissão, por meio do qual transferem a um terceiro o poder de coerção, trocando a condição de desigualdade do Estado de Natureza pela segurança e liberdade do Estado social.

II- Os homens firmam um pacto de consentimento, no qual concordam livremente em formar a sociedade para preservar e consolidar os direitos que possuíam originalmente no Estado de natureza.

III- O exercício legítimo da autoridade, no Estado social, baseia-se na teoria do direito divino, em que os monarcas, herdeiros dos patriarcas, são representantes diretos que garantem o contrato social.

IV- O que leva os homens a se unirem e estabelecerem livremente entre si o contrato social é a falta de lei estabelecida, de juiz imparcial e de uma força coercitiva para impor a execução das sentenças.

Estão corretas apenas as afirmativas:

A) I e II. B) I e III. C) II e IV. D) I, III e IV. E) II, III e IV.

QUESTÃO 03: (UEL – Jan/2005)

―Não sendo o Estado ou a Cidade mais que uma pessoa moral, cuja vida consiste na união de seus membros, e se o mais importante de seus cuidados é o de sua própria conservação, torna-se-lhe necessária uma força universal e compulsiva para mover e dispor cada parte da maneira mais conveniente a todos. Assim como a natureza dá a cada homem poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político

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um poder absoluto sobre todos os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, ganha, como já disse, o nome de soberania.‖

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Trad. de Lourdes Santos Machado. 3.ed.

São Paulo: Nova Cultural, 1994. p. 48.

De acordo com o texto e os conhecimentos sobre os conceitos de Estado e soberania em Rousseau, é correto afirmar:

A) A soberania surge como resultado da imposição da vontade de alguns grupos sobre outros, visando a conservar o poder do Estado. B) O estabelecimento da soberania está desvinculado do pacto social que funda o Estado. C) O Estado é uma instituição social dependente da vontade impositiva da maioria, o que configura a democracia. D) A conservação do Estado independe de uma força política coletiva que seja capaz de garanti-lo. E) A soberania é estabelecida como poder absoluto orientado pela vontade geral e legitimado pelo pacto social para garantir a conservação do Estado.

QUESTÃO 04: (UEL – Dez/2005)

―Um povo, portanto, só será livre quando tiver todas as condições de elaborar suas leis num clima de igualdade, de tal modo que a obediência a essas mesmas leis signifique, na verdade, uma submissão à deliberação de si mesmo e de cada cidadão, como partes do poder soberano. Isto é, uma submissão à vontade geral e não à vontade de um indivíduo em particular ou de um grupo de indivíduos.‖

NASCIMENTO, Milton Meira. Rousseau: da servidão

à liberdade. In: WEFFORT, Francisco. Os clássicos

da política. São Paulo: Ática, 2000. p. 196.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a legitimidade do poder do Estado em Rousseau, é correto afirmar:

A) A legislação que rege o Estado deve ser elaborada por um indivíduo escolhido para tal e que se tornará o soberano desse Estado. B) A liberdade de uma nação é ameaçada quando se confere ao povo o direito de discutir a legitimidade das leis às quais está submetido. C) Devido à ignorância e ao atraso do povo, deve-se atribuir a especialistas competentes o papel de legisladores.

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D) A legitimidade das leis depende de que as mesmas sejam elaboradas pelo conjunto dos cidadãos, expressão da liberdade do povo. E) A vontade do monarca, cujo poder é assegurado pela hereditariedade, deve prevalecer na elaboração das leis às quais se submetem os cidadãos.

QUESTÃO 05: (UEL – Dez/2006)

―A passagem do estado de natureza para o estado civil determina no homem uma mudança muito notável, substituindo na sua conduta o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhe faltava. E só então que, tomando a voz dever o lugar do impulso físico, e o direito o lugar do apetite, o homem, até aí levando em consideração apenas a pessoa, vê-se forçado a agir, baseando-se em outros princípios e a consultar a razão antes de ouvir suas inclinações‖.

Fonte: ROUSSEAU, J. Do contrato social. Tradução de Lourdes Santos Machado

São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 77.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o contratualismo de Rousseau, assinale a alternativa correta:

A) Por meio do contrato social, o homem adquire uma liberdade natural e um direito ilimitado. B) O homem no estado de natureza é verdadeiramente o senhor de si mesmo. C) A obediência à lei que se estatui a si mesmo é liberdade. D) A liberdade natural é limitada pela vontade geral. E) Os princípios, que dirigem a conduta dos homens no estado civil, são os impulsos e apetites.

φφφ EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES

QUESTÃO 01: (UFU – Jul/2005)

Podemos afirmar que são preceitos do método cartesiano:

A) a afirmação exclusiva da verdade do Cogito, a reunião de diferentes dificuldades em um só todo e a ordenação que prescreve o trânsito das impressões sensíveis às idéias.

B) a aceitação do verossímil como verdadeiro, a divisão das dificuldades e a ordenação que prescreve o trânsito do simples ao complexo.

C) a aceitação exclusiva do evidente como verdadeiro, a divisão das dificuldades e a ordenação que prescreve o trânsito do complexo ao simples.

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D) a aceitação exclusiva do indubitável como verdadeiro, a divisão das dificuldades e a ordenação que prescreve o trânsito do simples ao complexo.

QUESTÃO 02: (UFU – Abr/2006)

Leia com atenção o texto abaixo e assinale a alternativa correta.

―De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito.‖

DESCARTES. Meditações Metafísicas. Nova Cultural:

São Paulo, 1988, p. 47.

Segundo Descartes, podemos dizer que a idéia da existência do eu ou do cogito (eu penso)

A) é fictícia ou inventada e composta.

B) é inata ou congênita e composta.

C) é adventícia ou empírica e simples.

D) é inata ou congênita e simples.

QUESTÃO 03: (UFU – Fev/2007)

―Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava.‖

DESCARTES, R. Discurso do Método. São Paulo:

Nova Cultural, 1987, p. 46. Coleção Os Pensadores.

Considerando a citação acima, é correto afirmar que:

A) pautando-se pelo exemplo dos céticos, Descartes não pretende encontrar nenhum conhecimento, pois quer apenas pensar que tudo é falso.

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B) na tentativa de pôr tudo em dúvida, Descartes não consegue duvidar da existência do cogito (eu penso).

C) o pensamento de Descartes se restringe à constatação de que toda informação sensível e corpórea é falsa.

D) na busca do primeiro princípio da Filosofia, Descartes põe o próprio cogito (eu penso) em dúvida.

QUESTÃO 04: (UEL – Jan/2003)

―Mas logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade eu penso, logo existo era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que poderia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava.‖

DESCARTES, René. Discurso do método. Trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior.

São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 92. Coleção Os Pensadores.

De acordo com o texto e com os conhecimentos sobre o tema, assinale a alternativa correta.

A) Para Descartes, não podemos conhecer nada com certeza, pois tudo quanto pensamos está sujeito à falsidade. B) O “eu penso, logo existo” expressa uma verdade instável e incerta, o que fez Descartes ser vencido pelos céticos. C) A expressão “eu penso, logo existo” representa a verdade firme e certa com a qual Descartes fundamenta o conhecimento e a ciência. D) As ―extravagantes suposições dos céticos‖ impediram Descartes de encontrar uma verdade que servisse como princípio para a filosofia. E) Descartes, ao acreditar que tudo era falso, colocava em dúvida sua própria existência.

QUESTÃO 05 (UFU – Dez/2004)

―E certamente a idéia que tenho do espírito humano, enquanto é uma coisa pensante e não extensa, em comprimento, largura e profundidade, e que não participa de nada que pertence ao corpo, é incomparavelmente mais distinta do que a idéia de qualquer coisa corporal.‖

DESCARTES. Meditações metafísicas. Nova Cultural:

São Paulo, 1988, p. 47. Col. Os Pensadores.

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Em relação à idéia de espírito humano, é correto afirmar:

A) é uma idéia inata, isto é, não nascida comigo, que não foi posta em mim no meu nascimento e que só posso formar a partir da experiência sensível.

B) é uma idéia inata, que nasceu comigo, que só encontro em mim mesmo enquanto coisa pensante.

C) é uma idéia abstrata que resulta de um longo processo de comparação da minha consciência com as dos outros homens.

D) é uma idéia adventícia que resulta de um longo processo de dúvida sobre todas coisas.

QUESTÃO 06: (UFU – Jul/2004)

Leia o texto abaixo.

―Podemos, por conseguinte, dividir todas as percepções do espírito em duas classes ou espécies, que se distinguem por seus diferentes graus de força e vivacidade. As menos fortes e menos vivas são geralmente denominadas pensamentos ou idéias. A outra espécie (...) pelo termo impressão, [pelo qual] entendo, pois, todas as percepções mais vivas, quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou queremos. E as impressões diferenciam-se das idéias, que são as percepções menos vivas, das quais temos consciência, quando refletimos sobre quaisquer das sensações ou dos movimentos acima mencionados.‖

HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. Trad. de João Paulo G. Monteiro.

São Paulo: Nova Cultural, p. 69-70. (Os Pensadores)

Para Hume, podemos afirmar que o conhecimento deve ser entendido como

A) possível unicamente quando as impressões são reduzidas às idéias simples das quais se originam.

B) descrição da realidade pautada pela idéia de substância e pela impressão de causalidade.

C) uma associação de idéias, que são, em última instância, formadas por impressões.

D) resultado da associação de idéias, que se originam exclusivamente do intelecto.

QUESTÃO 07: (UFU – Jul/2006)

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David Hume, filósofo empirista do séc. XVIII, opera com o postulado radical de que todos os materiais da mente humana são advindos da experiência. Das quatro alternativas abaixo, três formulam fundamentos básicos da filosofia de David Hume e são decorrentes deste postulado. Uma contém um evidente equívoco.

Assinale, portanto, a alternativa INCORRETA, que está em contradição com o postulado acima enunciado.

A) O tato, o olfato, o paladar e a audição não produzem idéias, pois não podem produzir cópias de nada que esteja contido numa experiência.

B) Os órgãos dos sentidos, desde que aptos para suas funções, sempre produzem idéias referentes a certos aspectos da experiência.

C) Todas as percepções da mente humana são impressões ou idéias, e estas percepções são, forçosamente, produtos da experiência.

D) Toda idéia é cópia de uma impressão, e toda impressão precede uma idéia.

QUESTÃO 08: (UEL – Jan/2003)

―Embora nosso pensamento pareça possuir esta liberdade ilimitada, verificaremos, através de um exame mais minucioso, que ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e que todo poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência.‖

HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. Trad. de Anoar Aiex.

São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 36. Coleção Os Pensadores.

De acordo com o texto, é correto afirmar que, para Hume:

A) Os sentidos e a experiência estão confinados dentro de limites muito reduzidos. B) Todo conhecimento depende dos materiais fornecidos pelos sentidos e pela experiência. C) O espírito pode conhecer as coisas sem a colaboração dos sentidos e da experiência. D) A possibilidade de conhecimento é determinada pela liberdade ilimitada do pensamento. E) Para formar as idéias, o pensamento descarta os materiais fornecidos pelos sentidos.

QUESTÃO 09: (UEL – Jan/2004)

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―Para Hume, portanto, a causalidade resulta apenas de uma regularidade ou repetição em nossa experiência de uma conjunção constante entre fenômenos que, por força do hábito acabamos por projetar na realidade, tratando-a como se fosse algo existente. É nesse sentido que pode ser dito que a causalidade é uma forma nossa de perceber o real, uma idéia derivada da reflexão sobre as operações de nossa própria mente, e não uma conexão necessária entre causa e efeito, uma característica do mundo natural.‖

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 183.

De acordo com o texto e os conhecimentos sobre causalidade em Hume, é correto afirmar:

A) A experiência prova que a causalidade é uma característica do mundo natural. B) O conhecimento das relações de causa e efeito decorre da experiência e do hábito. C) A simples observação de um fenômeno possibilita a inferência de suas causas e efeitos. D) É impossível obter conhecimento sobre a relação de causa e efeito entre os fenômenos. E) O conhecimento sobre as relações de causa e efeito independe da experiência.

QUESTÃO 10: (UFU – Fev/2003)

De acordo com David Hume,

―... embora nosso pensamento pareça possuir esta liberdade ilimitada, verificamos, através de um exame mais minucioso, que ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e que todo poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência.―

HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1989. Coleção ―Os Pensadores‖. p. 70.

Com base na citação acima é correto afirmar:

I- as idéias inatas funcionam como fonte de todos os conhecimentos e são, também, o princípio regulador dos conhecimentos humanos, pois nada pode ser concebido sem a vitalidade dessas idéias, que são anteriores a toda experiência.

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II- o pensamento constrói uma realidade independente da percepção sensível, pois os sentidos contaminam a inteligência humana com o erro. Para operar com retidão, portanto, o pensamento deve compor, no seu interior, as idéias adventícias com as quais, em seguida, manifestar-se-á sobre a veracidade ou a falsidade das coisas.

III– a base de todo conhecimento é a experiência, pois é ela que permite a formação das impressões, que estando ligadas às coisas, permitem que a inteligência tenha acesso aos objetos do conhecimento.

IV- o conhecimento humano é formado pelas impressões, que são percepções muito vivas e que se diferenciam das idéias, que são percepções menos vivas. Disto se conclui, segundo Hume, que o pensamento por si só é inferior à sensação.

Assinale a alternativa que contém as assertivas verdadeiras.

A) III e IV

B) I e IV

C) II e III

D) I e II

QUESTÃO 11: (UFU – Jul/1998)

Na sua obra "Crítica da Razão Pura", Kant formulou uma síntese entre sujeito e objeto, mostrando que, ao conhecermos a realidade do mundo, participamos da sua construção mental. Segundo Kant, esta valorização do sujeito (possuidor de categorias apriorísticas) no ato de conhecimento, representou, na Filosofia, algo comparável à:

A) previsão da órbita do Cometa Halley no sistema solar.

B) revolução de Copérnico na Física.

C) invenção do telescópio por Galileu Galilei.

D) Revolução francesa que derrubou o Ancien Régime.

E) invenção da máquina a vapor.

QUESTÃO 12: (UFU – Jan/1999)

Na obra Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant, examinando o problema do conhecimento humano, distinguiu duas formas básicas do ato de conhecer. Assinale a alternativa CORRETA.

A) O conhecimento religioso e o conhecimento ateu.

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B) O conhecimento mítico e o conhecimento cético.

C) O conhecimento sofístico e o conhecimento ideológico.

D) O conhecimento empírico e o conhecimento puro.

E) O conhecimento fanático e o conhecimento tolerante.

QUESTÃO 13: (UFU – Jul/1999)

Kant, filósofo alemão do séc. XVIII, realiza uma "revolução copernicana", ao afirmar que

I- o sujeito do conhecimento é a própria razão universal e não uma subjetividade pessoal e psicológica, pois é sujeito conhecedor.

II- por ser inata e não depender da experiência para existir, a razão, do ponto de vista do conhecimento, é anterior à experiência; sua estrutura é a "priori".

III- a experiência determina o conhecimento para a razão e fornece a forma (universal e necessária) do conhecimento.

Assinale

A) se as afirmações I e II são corretas.

B) se as afirmações I e III são corretas.

C) se apenas a afirmação I é correta.

D) se as afirmações II e III são corretas.

QUESTÃO 14: (UFU – Jan/2000)

Kant (séc. XVIII) distinguiu duas modalidades de conhecimentos: os empíricos e os apriorísticos. Segundo ele, esse dois tipos de conhecimentos se exprimem como juízos sintéticos e juízos analíticos. Assim,

I- juízo analítico é aquele em que o predicado é a explicitação do conteúdo do sujeito.

II- juízo sintético é aquele no qual o predicado não acrescenta novos dados sobre o sujeito.

III- um juízo, para ter valor científico ou filosófico, deve ser universal e necessário e verdadeiro.

IV- juízo sintético, a priori, é o conhecimento universal, necessário e verdadeiro.

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Estão corretas as afirmativas.

A) I, II e III

B) I, III e IV

C) I, III, e IV

D) I e II

QUESTÃO 15: (UFU – Jul/2001)

A respeito da distinção entre o conhecimento puro e o conhecimento empírico, tal como são apresentados na Crítica da Razão Pura de I. Kant, analise as assertivas abaixo:

I- O conhecimento empírico resulta da experiência sensível e é expresso pelas impressões, portanto, trata-se de um conhecimento a priori.

II- O conhecimento a priori é um conhecimento puro e independente de todas as impressões dos sentidos, portanto, livres dos elementos empíricos.

III- O conhecimento puro, a priori, é um juízo pensado com universalidade rigorosa, de modo que tal juízo não aceita nenhuma exceção.

IV- O conhecimento empírico, a posteriori, é um juízo analítico, pois ele só é possível por intermédio de um conhecimento analítico dos conceitos.

Assinale a alternativa que contém as assertivas verdadeiras:

A) II e III

B) I, II e IV

C) I, III e IV

D) III e IV

QUESTÃO 16: (UFU – Jul/2006)

Kant define a ação moral através da relação entre dever e inclinação. Assinale, dentre as alternativas abaixo, a que estabelece uma relação correta entre estes conceitos, de acordo com o pensamento kantiano.

A) Uma vez que o homem é dotado de intelecto e sensibilidade, a ação moral deve expressar o meio termo entre razão e paixão.

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B) Uma vez que a meta final da ação moral é a felicidade, o homem deve escolher somente as inclinações que permitam que todos os homens sejam felizes.

C) Somente na medida em que é livre, o homem pode tornar as inclinações o fundamento da ação moral.

D) Somente na medida em que evita as inclinações, o homem pode agir por dever e fundar moralmente suas ações.

QUESTÃO 17: (UEL – Jan/2003)

―O imperativo categórico é portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.‖

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes.

Trad. de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1995. p. 59.

Segundo essa formulação do imperativo categórico por Kant, uma ação é considerada ética quando:

A) Privilegia os interesses particulares em detrimento de leis que valham universal e necessariamente. B) Ajusta os interesses egoístas de uns ao egoísmo dos outros, satisfazendo as exigências individuais de prazer e felicidade. C) É determinada pela lei da natureza, que tem como fundamento o princípio de autoconservação. D) Está subordinada à vontade de Deus, que preestabelece o caminho seguro para a ação humana. E) A máxima que rege a ação pode ser universalizada, ou seja, quando a ação pode ser praticada por todos, sem prejuízo da humanidade.

QUESTÃO 18: (UEL – Jan/2004)

―Quando a vontade é autônoma, ela pode ser vista como outorgando a si mesma a lei, pois, querendo o imperativo categórico, ela é puramente racional e não dependente de qualquer desejo ou inclinação exterior à razão. [...] Na medida em que sou autônomo, legislo para mim mesmo exatamente a mesma lei que todo outro ser racional autônomo legisla para si.‖

WALKER, Ralph. Kant: Kant e a lei moral. Trad. de Oswaldo

Giacóia Júnior. São Paulo: Unesp, 1999. p. 41.

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Com base no texto e nos conhecimentos sobre autonomia em Kant, considere as seguintes afirmativas:

I. A vontade autônoma, ao seguir sua própria lei, segue a razão pura prática.

II. Segundo o princípio da autonomia, as máximas escolhidas devem ser apenas aquelas que se podem querer como lei universal.

III. Seguir os seus próprios desejos e paixões é agir de modo autônomo.

IV. A autonomia compreende toda escolha racional, inclusive a escolha dos meios para atingir o objeto do desejo.

Estão corretas apenas as afirmativas:

A) I e II. B) I e IV. C) III e IV. D) I, II e III. E) II, III e IV.

QUESTÃO 19: (UEL – Jan/2004)

―Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há além disso muitas almas de disposição tão compassivas que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta, e se podem alegrar com o contentamento dos outros, enquanto este é obra sua. Eu afirmo porém que neste caso uma tal ação, por conforme ao dever, por amável que ela seja, não tem contudo nenhum verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras inclinações, por exemplo o amor das honras que, quando por feliz acaso, topa aquilo que efetivamente é de interesse geral e conforme ao dever, é conseqüentemente honroso e merece louvor e estímulo, mas não estima; pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais ações se pratiquem não por inclinação, mas por dever.‖

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes.

Trad. de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 113.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o dever em Kant, é correto afirmar:

A) Ser compassivo é o que determina que uma ação tenha valor moral. B) Numa ação por dever, as inclinações estão subordinadas ao princípio moral. C) A ação por dever é determinada pela simpatia para com os seres humanos. D) O valor moral de uma ação é determinado pela promoção da felicidade humana.

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E) É no propósito visado que uma ação praticada por dever tem o seu valor moral.

QUESTÃO 20: (UFU – Jul/2003)

Na Crítica da razão pura, Kant vincula o sistema da moralidade à felicidade. Assinale a alternativa que explica no que consiste a relação moralidade — subjetividade.

A) A esperança de ser feliz e a aspiração por tornar-se feliz podem ser conhecidas pela razão prática, desde que o fundamento da ação e a norma da conduta sejam a máxima do ―não faça aos outros aquilo que não queres que te façam‖.

B) A convicção da felicidade humana decorre da certeza de que todos os entes racionais comportam-se com a mais rigorosa conformidade à lei moral, de maneira que cada um age orientado pela sua vontade, ou seja, pela razão prática do arbítrio individual.

C) Quando a liberdade é dirigida e restringida pelas leis morais, é possível pensar na felicidade universal, pois a observância dos princípios morais pode proporcionar não só o bem estar para si, como também ser o responsável pelo bem estar dos outros.

D) A felicidade implica na transcendência do mundo moral, pois somente na esfera sensível é possível o conhecimento pleno das ações humanas, já que somente nesse mundo sensível é possível a conexão entre moralidade e felicidade.

QUESTÃO 21: (UFU – Jul/2004)

Leia o texto abaixo.

―Não me é desconhecido que muitos têm tido e têm a opinião de que as coisas do mundo são governadas pela fortuna e por Deus, de sorte que a prudência dos homens não pode corrigi-las, e mesmo não lhes traz remédio algum. [...] Às vezes, pensando nisso, me tenho inclinado a aceitá-la. Não obstante, e porque o nosso livre arbítrio não desapareça, penso poder ser verdade que a fortuna seja árbitra de metade de nossas ações, mas que, ainda assim, ela nos deixa governar quase outra metade.‖

MAQUIAVEL. O príncipe. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 109.

O pensamento apresentado acima abre caminho para o conceito de virtú, qualidade indispensável para o êxito do príncipe, pois a fortuna oferece as ocasiões para as ações do governante, que terá de agir com virtú.

Assinale a alternativa que oferece a definição de virtú tal como Maquiavel a concebeu.

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A) É a violência indiscriminada e dirigida ao corpo dos cidadãos, somente o emprego da força das armas é capaz de submeter as vontades humanas sob a autoridade impiedosa e avara do príncipe moderno.

B) São os valores espirituais que se sobrepõem aos interesses meramente materiais, somente a virtude da humildade permite a realização do bem comum, que é a fonte inesgotável da paz e harmonia entre súditos e governante.

C) É a prática da bondade, qualidade indispensável que permite o discernimento da idéia de bem como norteadora das ações políticas, de maneira desinteressada e sempre voltada para a realização dos princípios supremos da religião.

D) É o poder, a virilidade humana, capaz de agir e dominar o curso das coisas humanas, imprimindo nos acontecimentos as mudanças necessárias à realização de grandes obras para a conquista e conservação do poder.

QUESTÃO 22: (UFU – Jul/2005)

Leia as informações abaixo.

No entendimento de Maquiavel, o fundamental não é possuir todas as qualidades que são atribuídas ao bom governante, o mais importante para o novo príncipe é aparentar possuí-las todas.

―E há de se entender o seguinte: que um príncipe, e especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas a que são obrigados os homens considerados bons, sendo freqüentemente forçado, para manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade, a religião.‖

MAQUIAVEL, N. O príncipe. Trad. de Lívio

Xavier. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 74.

Assinale a alternativa abaixo que justifica a afirmação de Maquiavel.

A) O príncipe é um homem de virtú, isto é, ele sabe se submeter aos caprichos do destino e cede ao fluxo dos acontecimentos com a esperança de alcançar os seus intentos políticos. B) O príncipe deve ter o ânimo voltado para a direção apontada pelos sinais da sorte. Procedendo assim, ele saberá aproveitar as ocasiões que se apresentam para a tomada e a conservação do poder.

C) O príncipe é maquiavélico, o que importa é o poder e a fortuna do governante. Para isso, tudo é justificado mediante a força e a fraude, porque o que dá poder e fortuna é a exploração e a miséria do povo.

D) A imoralidade do príncipe é a sua virtude. Somente um homem destituído de todos os valores torna- se capaz de governar de maneira insensível o corpo político tendo por finalidade o próprio poder.

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QUESTÃO 23: (UFU – Abr/2006)

Analise a seguinte afirmação de Maquiavel.

―Eu sei que cada qual reconhecerá que seria muito de louvar que um príncipe possuísse, entre todas as qualidades referidas, as que são tidas como boas; mas a condição humana é tal, que não consente a posse completa de todas elas, nem ao menos a sua prática consistente; é necessário que o príncipe seja tão prudente que saiba evitar os defeitos que lhe arrebatariam o governo e praticar qualidades próprias para lhe assegurar a posse deste, se lhe é possível; mas, não podendo, com menor preocupação, pode-se deixar que as coisas sigam seu curso natural.‖

MAQUIAVEL, N. O príncipe. Trad. de Lívio

Xavier. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 64.

Assinale a alternativa correta.

A) O príncipe é um homem de virtú, que deve voltar o seu ânimo para a direção que a fortuna o impelir, pois a conquista e a conservação do Estado podem implicar ações más.

B) O príncipe é um estadista sem princípios, cujas ações são destituídas de qualquer valor de conduta, dando vazão às suas paixões sem levar em conta o bem-estar do povo.

C) O príncipe pode fazer aquilo que bem entender, pois a maior virtude do governante é a capacidade de provocar o ódio dos súditos, que são violentamente reprimidos pela força das armas.

D) O príncipe não precisa praticar a piedade, a fidelidade, a humanidade, pode até desprezar a devoção religiosa, não precisando nem mesmo aparentá-las em suas ações.

QUESTÃO 24: (UFU – Fev/2007)

Antonio Gramsci, filósofo político do século passado, proferiu o seguinte comentário a respeito de Maquiavel:

―Maquiavel não é um mero cientista; ele é um homem de participação, de paixões poderosas, um político prático, que pretende criar novas relações de força e que por isso mesmo não pode deixar de se ocupar com o ‗dever ser‘, que não deve ser entendido em sentido moralista. Assim, a questão não deve ser colocada nestes termos, é mais complexa: trata-se de considerar se o ‗dever ser‘ é um ato arbitrário ou necessário, é vontade

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concreta, ou veleidade, desejo, sonho. O político em ação é um criador, um suscitador; mas não cria do nada, nem se move no vazio túrbido dos seus desejos e sonhos. Baseia-se na realidade factual.

GRAMSCI, A. Maquiavel. A política e o estado moderno. 5. ed.

Trad. de Luiz Mário Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984, p. 42/43.

Considerando o texto de Gramsci, marque a alternativa correta.

A) O poder da paixão do político prático, visto por Maquiavel como único caminho para o poder, isto significa que o príncipe deve agir guiado pelas suas veleidades e desejos que alimentam o seu sonho de poder.

B) Maquiavel não trata o ―dever ser‖ na perspectiva ontológica da filosofia clássica. O juízo moral se submete às condições concretas que se apresentam para a conquista e a conservação do poder do Estado pelo príncipe moderno.

C) A realidade factual não deve ser vista como conjunto de forças históricas. Elas podem ser desprezadas porque o príncipe é dotado de sabedoria suficiente para prescindir delas e agir motivado apenas pelos seus desejos.

D) O príncipe é um homem de criação, que dá forma ao ―dever ser‖ e rompe a distância que separa o sonho da realidade, porque tudo aquilo que ele quer, ele faz independente da realidade factual em que se insere a ação política.

QUESTÃO 25: (UFU – Jul/2003)

―Portanto, um príncipe deve gastar pouco para não ser obrigado a roubar seus súditos; para poder defender-se; para não se empobrecer, tornando-se desprezível; para não ser forçado a tornar-se rapace; e pouco cuidado lhe dê a pecha de miserável; pois esse é um dos defeitos que lhe dão a possibilidade de bem governar.‖

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo:

Nova Cultural, 1987. Coleção Os Pensadores. p. 66.

Assinale a alternativa que interpreta corretamente o pensamento do filósofo florentino.

A) O príncipe não precisa roubar os súditos, porque a ele é reservada a fortuna, toda riqueza possível de ser acumulada graças à capacidade de poupar os tesouros. Esta definição de fortuna, cunhada por Maquiavel, é típica da época em que havia o apego às riquezas materiais, especialmente, a prata e o ouro da América.

B) A visão política de Maquiavel era a mesma dos seus contemporâneos, favorável ao poder absoluto dos governantes e defensora da opressão do Estado sobre os súditos,

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o que resultou na manutenção do Estado feudal, caracterizado pela expropriação da sociedade, por meio de tributos elevados e injustos.

C) A defesa da sobriedade administrativa do príncipe evidencia a forte ligação que unia Maquiavel à Igreja Católica, ambos imbuídos na defesa do poder divino dos soberanos. Prova disso é que, em seu livro O Príncipe, Maquiavel exorta o novo príncipe a ser sempre piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso.

D) Maquiavel identifica o príncipe com o homem de ação, cujo caráter é formado pela ética que lhe permite o uso dos meios apropriados para a organização do seu Estado; o novo príncipe deve ser corajoso e inteligente, evitando a opulência e a ostentação em favor de seu poder político.

QUESTÃO 26: (UFU – Dez/2004)

Hobbes escreve, no Leviatã, que a condição dos homens fora da sociedade civil nada mais é do que uma simples guerra de todos contra todos, na qual todos os homens têm igual direito a todas as coisas.

Com base nisso, assinale a única alternativa correta.

A) A sociedade civil continua o estado de natureza.

B) A sociedade civil é uma ruptura com o estado de natureza

C) O estado de guerra está presente na sociedade civil.

D) A guerra de todos contra todos não pode ser eliminada da condição humana.

QUESTÃO 27: (UFU – Abr/2006)

Leia o texto de Hobbes transcrito abaixo:

―O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita.‖

HOBBES, T. Leviathan, São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 103.

Assinale a alternativa correta, de acordo com o pensamento de Hobbes.

A) Viver fora de um Estado é o desígnio final de muitos homens.

B) A vida mais satisfeita é alcançada pelo exercício sem limites da liberdade.

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C) A restrição que os homens impõem a sua própria liberdade é compatível com sua vivência sob um Estado.

D) Os homens não se preocupam com sua conservação, mas em construir um Estado para ter uma vida melhor.

QUESTÃO 28: (UFU – Jul/2006)

Hobbes assim define a essência da república ou cidade:

uma cidade (...) é uma pessoa cuja vontade, pelo pacto de muitos homens, há de ser recebida como sendo a vontade de todos eles; de modo que a cidade possa utilizar todo o poder e as faculdades de cada pessoa particular, para a preservação da paz e a defesa comum.

HOBBES, T. Do Cidadão. São Paulo:

Martins Fontes, 1992. p. 109.

Considerando a leitura do texto acima, assinale a alternativa correta.

A) Hobbes associa a cidade a uma pessoa e, nesta associação, a vontade da cidade deve ser entendida como radicalmente distinta da vontade de todos.

B) A paz e a defesa comum são o único fundamento da instituição desta cidade.

C) O que caracteriza o pacto entre os homens é a continuidade natural da vontade de cada homem na vontade de uma única pessoa.

D) A pessoa que representa a cidade utiliza todo o poder e as faculdades de cada pessoa particular, por causa do pacto entre muitos homens.

QUESTÃO 29: (UEL – Jan/2003)

―Sabemos que Hobbes é um contratualista, quer dizer, um daqueles filósofos que, entre o século XVI e o XVIII (basicamente), afirmaram que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato: os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização – que somente surgiriam depois de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de comércio social e de subordinação política.‖

RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT,

Francisco. Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2000. p. 53.

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Com base no texto, que se refere ao contratualismo de Hobbes, considere as seguintes afirmativas:

I. A soberania decorrente do contrato é absoluta.

II. A noção de estado de natureza é imprescindível para essa teoria.

III. O contrato ocorre por meio da passagem do estado social para o estado político.

IV. O cumprimento do contrato independe da subordinação política dos indivíduos.

Quais das afirmativas representam o pensamento de Hobbes?

A) Apenas as afirmativas I e II. B) Apenas as afirmativas I e III. C) Apenas as afirmativas II e III. D) Apenas as afirmativas II e IV. E) Apenas as afirmativas III e IV.

QUESTÃO 30: (UFU – Jan/2000)

A filosofia política de Thomas Hobbes combatia as tendências liberais de sua época. Hobbes sustentava que o poder resultante do pacto político deveria ser

I- ilimitado, julgando sobre o justo e o injusto, acima do bem e do mal e em que a alienação do súdito ao soberano deveria ser total.

II- dividido entre o rei e o parlamento, superando as discórdias e disputas em favor do bem-comum da coletividade.

III- absoluto, podendo utilizar a força das armas para manter a soberania e o silêncio dos súditos.

Assinale a alternativa correta.

A) I e III

B) II e III

C) I e II

D) II

QUESTÃO 31: (UFU – Jul/2003)

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Locke foi o defensor do Liberalismo político, que pretendeu instaurar algumas garantias para o cidadão frente ao poder soberano.

Sobre este assunto, leia o texto abaixo.

―Verdade é que os governos não podem sustentar-se sem grande dispêndio, sendo natural que todos quantos gozam de uma parcela de proteção paguem do que possuem a proporção necessária para mantê-lo. Todavia, será ainda com o seu próprio consentimento, isto é — o consentimento da maioria, dado diretamente ou por intermédio dos seus representantes. Se alguém pretender possuir o poder de lançar impostos sobre o povo, pela autoridade própria sem estar por ele autorizado, invadirá a lei fundamental da propriedade e subverterá o objetivo do governo; porque qual a propriedade que terei naquilo que outrem tiver o direito de tomar para si quando lhe aprouver?‖

LOCKE, J. Segundo Tratado sobre o governo. In: Locke. 3.ed. São

Paulo: Abril Cultural, 1983. Coleção Os Pensadores. p. 89-90.

Considere as assertivas abaixo.

I- O texto acima descreve a política econômica de Locke, sustentada pela cobrança indiscriminada de tributos régios, pois, a cada novo endividamento do rei, novos tributos passavam a ser incorporados à carga tributária.

II- Partidário da lei natural como fundamento para o funcionamento do Estado, Locke defende o interesse da burguesia em expansão, ao afirmar que os impostos dos súditos devem ser proporcionais ao seu patrimônio e regulamentados pelo parlamento.

III- A cobrança de impostos é uma prerrogativa do rei, cabendo a ele a criação de novos tributos que incidam sobre a propriedade e a renda dos seus súditos, principalmente em relação à propriedade, pois essa é subsidiada pelo tesouro real.

IV- O imposto é um tributo necessário para o funcionamento do Estado e, em última instância, é a garantia dos direitos naturais, sendo a preservação da vida e a proteção da propriedade privada, juntamente com a liberdade, os essenciais.

Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas verdadeiras.

A) II e IV

B) I e IV

C) II e III

D) I e III

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QUESTÃO 32: (UFU – Jan/2004)

John Locke justificou a existência do Estado com estas palavras:

―O motivo que leva os homens a entrarem em sociedade é a preservação da propriedade; e o objetivo para o qual escolhem e autorizam um poder legislativo é tornar possível a existência de leis e regras estabelecidas como guarda e proteção às propriedades de todos os membros da sociedade, a fim de limitar o poder e moderar o domínio de cada parte e de cada membro da comunidade; pois não se poderá nunca supor seja vontade da sociedade que o legislativo possua o poder de destruir o que todos intentam assegurar-se, entrando em sociedade e para o que o povo se submeteu a legisladores por ele mesmo criado.‖

LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. Trad. de E. Jacy Monteiro.

3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 121. Coleção ―Os Pensadores‖.

Analise as assertivas em conformidade com a citação acima.

I- A propriedade privada é contratual, isto é, ela é subseqüente ao nascimento do Estado, que institui o direito à propriedade, distribuindo a cada um aquilo que era propriedade comunal no estado de natureza.

II- A propriedade privada surge com o aparecimento da sociedade civil, a geradora do Estado, que é a instituição suprema que tem, inclusive, a prerrogativa de suprimir a propriedade em benefício da segurança do Estado.

III- A propriedade privada é parte do estado de natureza, pois o homem possui a propriedade de si mesmo e, com isso, tem o direito de tornar como sua propriedade aquilo que está vinculado com seu trabalho.

IV- A propriedade privada é anterior à sociedade civil, portanto, a propriedade antecedeu ao Estado, cuja existência resultou do contrato social e teve a finalidade de preservar e proteger a propriedade privada de cada um.

Assinale a alternativa que tem as assertivas corretas.

A) III e IV

B) I e II

C) II e III

D) II e IV

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QUESTÃO 33: (UFU – Abr/2006)

Leia com atenção o texto de Locke abaixo.

―Para bem compreender o poder político e derivá-lo de sua origem, devemos considerar em que estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade para ordenar-lhe as ações e regular-lhes as posses e as pessoas conforme acharam conveniente, dentro dos limites da lei da natureza, sem permissão ou depender da vontade de qualquer outro homem.‖

LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. São

Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 35.

Assinale a alternativa correta, de acordo com o pensamento de Locke.

A) A condição natural do homem é estar sob a dependência da vontade de outro homem.

B) Locke separa a origem do Estado da condição natural do homem.

C) Locke concilia a liberdade dos homens com os limites da lei de natureza, que não dependem da vontade dos homens.

D) A origem do poder político está desvinculada do que é conveniente aos homens.

QUESTÃO 34: (UFU – Fev/2007)

O pensamento político de John Locke contém uma teoria da cidadania que anuncia certos aspectos da filosofia do século XVIII. Pela anuência à vida civil e pela confiança que deposita no poder público, o indivíduo se faz cidadão. Incorporando-se livremente ao corpo político, cada um participa de sua gestão: alcança assim a dignidade política.

Acerca do pensamento de Locke, considere o texto acima e marque a alternativa correta.

A) Um governante que usa, à margem da lei, a força contra os interesses de seus súditos destrói sua própria autoridade. O súdito tem direito de resistir-lhe.

B) O contrato tem a finalidade de instituir a vida ética no seio do Estado.

C) Locke afirma que o contrato emerge da base material da sociedade, independentemente das decisões dos indivíduos.

D) A transferência de poder torna-se irrevogável após o contrato, porque a soberania é ilimitada e absoluta.

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QUESTÃO 35: (UEL – Jan/2003)

―A liberdade natural do homem deve estar livre de qualquer poder superior na terra e não depender da vontade ou da autoridade legislativa do homem, desconhecendo outra regra além da lei da natureza. A liberdade do homem na sociedade não deve estar edificada sob qualquer poder legislativo exceto aquele estabelecido por consentimento na comunidade civil...‖

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo civil. Trad. de Magda Lopes e

Marisa Lobo da Costa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 95.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema da liberdade em Locke, considere as seguintes afirmativas:

I. No estado civil as pessoas são livres porque inexiste qualquer regra que limite sua ação.

II. No estado pré-civil a liberdade das pessoas está limitada pela lei da natureza.

III. No estado civil a liberdade das pessoas edifica-se nas leis estabelecidas pelo conjunto dos membros dessa sociedade.

IV. No estado pré-civil a liberdade das pessoas submete-se às leis estabelecidas pelos cidadãos.

Quais das afirmativas representam o pensamento de Locke sobre liberdade?

A) Apenas as afirmativas I e II. B) Apenas as afirmativas I e IV. C) Apenas as afirmativas II e III. D) Apenas as afirmativas II e IV. E) Apenas as afirmativas III e IV.

QUESTÃO 36: (UFU – Fev/2003)

De acordo com Rousseau,

―A passagem do estado de natureza para o estado civil determina no homem uma mudança muito notável, substituindo na sua conduta o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhes faltava.‖

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo:

Abril Cultural, 1983. Coleção ―Os Pensadores‖. p.36.

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Sobre a passagem do estado de natureza para o estado civil, é correto afirmar que

A) o homem mantém a liberdade natural e o direito irrestrito, e ainda ganha uma moralidade muito particular guiada pelo seu puro apetite.

B) o homem perde a liberdade natural e o direito à propriedade, mas adquire a obrigação de seguir sua própria vontade. C) o homem perde a liberdade natural e o direito ilimitado, mas ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui.

D) o homem mantém a liberdade natural e o direito ilimitado, mas abdica da liberdade civil em favor da liberdade moral.

QUESTÃO 37: (UFU – Jan/2004)

Antes de escrever Discursos sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e o Do contrato social, Rousseau já havia manifestado seu pessimismo em relação ao progresso social. Na dissertação escrita em 1750, para o concurso literário promovido pela Academia de Dijon, está escrito:

―Antes que a arte polisse nossas maneiras e ensinasse nossas paixões a falarem a linguagem apurada, nossos costumes eram rústicos, mas naturais e a diferença dos procedimentos denunciava, à primeira vista, a dos caracteres. No fundo, a natureza humana não era melhor, mas os homens encontravam sua segurança na facilidade para se penetrarem reciprocamente, e essa vantagem, de cujo valor não temos mais a noção, poupava-lhes muitos vícios.‖

ROUSSEAU, J.J. Discurso sobre as ciências e as artes. Trad. de Lourdes Santos Machado.

3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 336. Coleção ―Os Pensadores‖.

Analise as assertivas abaixo.

I- A palavra natural significa sabedoria, portanto, o primitivo era dotado de um saber comparável ao estágio do conhecimento do século das luzes.

II- As ciências e as artes serviram não só para o progresso material, mas também levaram os homens a criarem vícios, antes inexistentes.

III- O homem em estado de natureza era ignorante, porém, a ignorância preservava a pureza de coração e fazia, do primitivo, um ser livre.

IV- A ignorância é um vício adquirido da natureza, portanto, as ciências e artes são necessárias para promover a liberdade humana.

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Assinale a alternativa correta.

A) II e III

B) I e III

C) I e IV

D) II e IV

QUESTÃO 38: (UFU – Jul/2005)

A Bondade humana – atributo fundamental do homem no estado de natureza, segundo o pensamento de Rousseau – pode ser entendida como:

I- obstáculo para melhor convivência do homem em sociedade.

II- característica fundadora da liberdade e da felicidade do homem.

III- um recurso desejável e vantajoso sobre aqueles que não a possuem.

Assinale a alternativa correta.

A) Apenas a III é correta.

B) Apenas a II é correta. C) Apenas a I é correta.

D) Apenas a I e a II são corretas.

QUESTÃO 39: (UFU – Jul/2006)

A obra mais conhecida de Jean-Jacques Rousseau, Do Contrato Social ou os Princípios do Direito Político, marca uma mudança radical na concepção de soberania.

Sobre isso, leia o trecho abaixo e assinale a alternativa correta.

Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, (...). Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado.

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ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social. Col. Os

Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

A) O povo é, ao mesmo tempo, cidadão e súdito; o primeiro quando é ativo, o segundo quando é passivo. B) Pelo texto acima, fica claro que, para Rousseau, a autoridade soberana pertence ao Estado e não ao povo.

C) O povo obedecerá às leis feitas pelo Governo, pois ao Governo pertence a autoridade soberana.

D) Para Rousseau, o corpo político é formado pelos cidadãos, e exclui os súditos.

QUESTÃO 40: (UEL – Jan/2003)

Observe a tira e leia o texto a seguir.

(QUINO. Mafalda 5. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 74.)

―Vejo em todo animal uma máquina engenhosa, a quem a natureza deu sentidos para funcionar sozinha e para garantir-se, até certo ponto, contra tudo quanto tende a destruí-la ou a desarranjá-la. Percebo precisamente as mesmas coisas na máquina humana, com a diferença de que a natureza faz tudo sozinha nas operações do animal, ao passo que o homem concorre para as suas na qualidade de agente livre. Um escolhe ou rejeita por instinto e o outro, por um ato de liberdade.‖

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Trad. de Maria

Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 172.

Com base no texto de Rousseau e na tira, é correto afirmar:

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A) A liberdade é a característica que diferencia o homem de todos os outros animais. B) A tira mostra que as formigas seguem em fila porque são desprovidas de cérebro, ao passo que, para Rousseau, os animais são livres, mas ignoram que o são. C) Todas as ações dos homens são determinadas pelo instinto, o que impede que sejam livres. D) Os homens submetem-se passivamente às determinações da natureza. E) Os animais são livres, pois escolhem ou rejeitam por um ato de liberdade.

GABARITO:

PROPOSTOS:

MÓDULO 1 C: 1- C; 2- A; 3- B; 4- E; 5- D

MÓDULO 2 C: 1- D; 2- C; 3- B; 4- B; 5- D

MÓDULO 3 C: 1- A; 2- E; 3- E; 4- A; 5- D

MÓDULO 4 C: 1- E; 2- C; 3- C; 4- D; 5- C

COMPLEMENTARES:

1- D; 2- D; 3- B; 4- C; 5- B; 6- C; 7- A; 8- B; 9- B; 10- A; 11- B; 12- D; 13- A; 14- B; 15- A; 16- D; 17- E; 18- A; 19- B; 20- C; 21- D; 22- B; 23- A; 24- B; 25- D; 26- B; 27- C; 28- D; 29- A; 30- A; 31- A; 32- A; 33- C; 34- A; 35- C; 36- C; 37- A; 38- B; 39- A; 40- A

A DIALÉTICA ALEMÃ DO SÉCULO XIX: HEGEL E MARX.

GEORG WILLELM FRIEDRICH HEGEL (1770-1831)

Tudo que é real é racional, tudo que é racional é real.

Para entender a filosofia de Hegel, é conveniente situar alguns pontos básicos a partir dos quais se desenvolve a sua reflexão.

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O primeiro desses pontos é o entendimento da realidade como ESPÍRITO. Esse conceito desenvolvido a partir da filosofia de Fichte e Schelling, é ampliado ainda mais em Hegel. Entender a realidade como espírito, de acordo com a filosofia de Hegel, é entendê-la não apenas como substância (um enrijecimento do espírito, como pensava Schelling), mas também como sujeito. Isso significa pensar a realidade como processo, como movimento, e não somente como coisa (substância).

O segundo ponto básico da filosofia Hegeliana diz respeito justamente a esse movimento da realidade. A realidade, enquanto espírito, possui uma vida própria, um movimento dialético. Por movimento dialético, Hegel quer caracterizar os diversos momentos sucessivos (e contraditórios) pelos quais determinada realidade se apresenta. Em seu texto Fenomenologia do Espírito, Hegel usa o exemplo da planta, desenvolvendo o seguinte raciocínio:

―O botão desaparece no florescimento, podendo-se dizer que aquele é rejeitado por este; de modo semelhante, com o aparecimento do fruto a flor é declarada falsa existência da planta, com o fruto entrando no lugar da flor como a sua verdade. Tais formas não somente se distinguem, mas cada uma delas se dispersa também sob o impulso da outra, porque são reciprocamente incompatíveis. Mas, ao mesmo tempo a sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica, na qual elas não apenas não se rejeitam, mas, ao contrário, são necessárias uma para a outra, e essa necessidade igual constitui agora a via do inteiro‖.

Nesse exemplo, Hegel ressalta que a realidade não é estática, mas dinâmica, e em seu movimento apresenta momentos que se contradizem entre si, sem, no entanto, perderem a unidade do processo, que leva a um crescente auto-enriquecimento.

Esse desenvolvimento, que se faz através do embate e da superação de contradições, Hegel denominou dialética. Embora esse termo apareça já na antiguidade, com Platão, em Hegel o conceito de dialética se aplica a algo totalmente distinto: não é um método ou uma forma de pensar a realidade, mas sim o movimento concreto da realidade. Por isso, para compreender o real 00, o pensamento também deve ser dialético.

Hegel compreende esse movimento do real, ou do espírito que se realiza, como um movimento que se processa em três momentos: o primeiro, do Ser-em-si, o segundo, do Ser outro ou fora-de-si; e o terceiro que seria o retorno, do Ser para-si. Usando o exemplo da planta, ele distingue estes momentos dizendo: ―A semente é em-si a planta, mas ela deve morrer como semente e, portanto, sair fora-de-si, a fim de poder se tornar, desdobrando-se, a planta para-si.‖

Nesse exemplo compreende-se que a realidade para Hegel é um contínuo devir, no qual um momento prepara o outro, mas, para que esse outro momento aconteça, o anterior tem que ser negado.

Esses três momentos são comumente chamados de tese, antítese e síntese. Hegel os concebe como um movimento em espiral, ou seja, um movimento circular que não se fecha, pois cada momento final, que seria a síntese, se torna a tese de um movimento posterior, de caráter mais avançado.

Então:

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Dialética = Esse desenvolvimento, que se faz através do embate e da superação de contradições.

Esses três momentos são comumente chamados de:

Tese: a afirmação de algo,

Antítese: negação da afirmação,

Síntese: negação da negação.

Compreender a dialética da realidade, segundo Hegel, exige um trabalho árduo da razão, que se deve afastar do entendimento comum e se colocar do ponto de vista do absoluto. Esse caminho da consciência que se afasta do conhecimento comum e se eleva ao saber absoluto é o objeto da reflexão do autor em sua obra já referida. Nela, Hegel afirma que a consciência que alcança o saber absoluto atinge a Razão, ou seja, supera o entendimento finito e adquire ―a certeza de ser de toda a realidade‖. Desse modo, a razão alcançaria a consciência da unidade entre ser e pensar, harmonizando a subjetividade e a objetividade.

5.1.1. A RELAÇÃO ENTRE FILOSOFIA E HISTÓRIA

O pensamento de Hegel se apresenta como um grande sistema, que permite pensar tanto a natureza, a realidade física, quanto o Espírito. O fio condutor dessa reflexão totalizante é a relação entre finito e infinito. Hegel acredita que o trabalho da filosofia é de superação do entendimento finito e limitado das coisas finitas e limitadas para alcançar o saber absoluto, que é o saber da coisa em si. Assim, nesse caminhar da consciência rumo ao saber absoluto, temos a busca da infinitude a partir da consciência finita. Como sistema filosófico, a obra de Hegel procura demonstrar esse caminho de conhecimento finito ao conhecimento absoluto em vários campos do saber, tanto em relação à natureza como ao Espírito.

Em relação à natureza, Hegel reconheceu três momentos:

O ESPÍRITO SUBJETIVO: que se refere ao indivíduo e à consciência individual.

O ESPÍRITO OBJETIVO: que se refere às instituições e costumes historicamente produzidos pelos homens.

O ESPÍRITO ABSOLUTO: que se manifesta na arte, na religião e na filosofia, como espírito que compreende a si mesmo.

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No que se refere à história, Hegel afirma que ela é o desdobramento do Espírito objetivo. O Espírito objetivo é a realização da liberdade na sociedade, e se manifesta no direito, na moralidade e na ―eticidade‖, englobando a família, a sociedade e o Estado. O Estado político é, na filosofia de Hegel, o momento mais elevado do Espírito objetivo, de forma tal que ―o indivíduo só existe como membro do Estado‖, conforme Hegel afirma em Princípios da Filosofia do Direito.

Hegel diz ainda que ―a história é o desdobramento do Espírito no tempo‖. A filosofia da história deve captar o movimento histórico não como momentos estagnados, mas no ponto de vista da razão, do absoluto. Desse ponto de vista, a história é, segundo Hegel, uma contínua evolução da idéia de liberdade, que se desenvolve segundo um plano racional. Assim, os conflitos, as guerras, as injustiças, as dominações de um povo sobre outro devem ser compreendidos como contradições, como momentos negativos que funcionam como uma mola dialética que move a história. Usando os termos da dialética Hegeliana, esses momentos seriam a antítese, que contrapõe a tese, fazendo surgir uma etapa superior, que seria a síntese.

Hegel sintetiza essa concepção com a frase: ―Tudo que é real é racional, tudo que é racional é real‖. Isso equivale a dizer que todas as coisas existentes, mesmo as piores fazem parte de um plano racional e que, portanto, têm um sentido dentro do processo histórico. Essa afirmação Hegeliana recebeu inúmeras críticas, já que pode levar a certo conformismo ou a uma passividade diante das injustiças.

Nesse sentido pode-se classificar a concepção de História presente na obra de Hegel como teleológica (telos = fim, meta). Dessa forma existiria um objetivo a ser realizado ao longo do processo histórico, e esse seria a libertação do gênero humano. Assim, ao longo desse processo de civilização pelo qual vem passando a humanidade, aos poucos, os homens vão se tornando mais livres. Mas aquele que lê poderia se perguntar: quem concebeu esse objetivo? Ao que nosso autor responderia: a razão, o absoluto, espécie de divindade que permeia e se manifesta em toda a realidade existente. Outro elemento importante a ressaltar é que essa liberdade não é algo imanente à natureza humana e que se consolida facilmente, mas sim uma conquista das lutas humanas que só pode se consolidar no Estado, como objetivação das individualidades, e como limitador das atitudes de alguns em nome dos direitos de todos.

Diferentemente, no entanto, dos contratualistas, Hegel não concebe um modelo político que possa ser considerado perfeito. Por isso se pode falar, em sua teoria, no Estado como processo histórico, ou seja, como um conjunto de instituições que, ao longo do tempo, vão se adequando às necessidades da sociedade civil em nome da realização do projeto que o absoluto tem para o gênero humano: sua liberdade. O fato de um indivíduo não saber desse projeto não significa que aquele não participa deste. Cada ser humano tem um papel na realização do projeto da liberdade, e cada momento histórico é importante para que o todo possa ocorrer. Ao fato do absoluto se utilizar da vida dos indivíduos sem que os mesmos saibam do que exatamente estão participando é denominado pelo autor de astúcia da razão.

φφφ EXERCÍCIOS

QUESTÃO 01: (UFU – Jul/2003)

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Leia com atenção o fragmento abaixo, extraído das Lições de Filosofia da História, do filósofo alemão G.W.F. Hegel.

―A finalidade do espírito universal é encontrar-se, voltar-se para si mesmo e encarar-se como realidade. Porém, o que poderia ser questionado é se essa vitalidade dos indivíduos e dos povos, quando buscam os seus interesses e os satisfazem, é também meio e instrumento de algo mais sublime e abrangente — a respeito do que eles nada sabem, e que realizam sem consciência.‖

Analise as assertivas abaixo.

I - Quando Hegel fala da finalidade do espírito universal, ele refere-se a algo que se concretiza na história sob a forma do Estado, tendo como ápice o Estado Moderno, inspirado na revolução francesa, cuja constituição reuniu os direitos do homem, isto é, os direitos naturais, e os direitos do cidadão, ou seja, os direitos civis.

II - Aquilo que merece ser questionado conduz à refutação da vitalidade dos indivíduos e dos povos como agentes históricos, pois a edificação do Estado acontece graças à cadeia cega dos eventos humanos, que são arrastados pelo destino e sempre produziram, como resultado, o melhor dos mundos. Essa teoria foi enunciada por Leibniz.

III - A questão, levantada por Hegel, se a vitalidade ―dos indivíduos e dos povos quando buscam os seus interesses e os satisfazem, é também meio e instrumento de algo mais sublime e abrangente‖, encontra, no próprio texto da Filosofia da História, uma resposta afirmativa, pois Hegel acreditava que o Estado Moderno é resultado da astúcia da razão.

IV - O voltar-se para si é típico da visão da história como passado, essa visão não admite o progresso na história universal, de maneira que todos os eventos humanos concorrem para a ruína da sociedade humana. Por isso, o ―voltar-se para si mesmo‖ equivale ao mito do eterno retorno, amplamente popularizado no século XIX com a filosofia de Nietzsche.

Assinale a alternativa que contém as assertivas verdadeiras.

A) II e IV

B) I e IV

C) II e III

D) I e III

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QUESTÃO 02: (UFU – Jul/2004)

Segundo Hegel,

―Na história universal só se pode falar dos povos que formam um Estado. É preciso saber que tal Estado é a realização da liberdade, isto é, da finalidade absoluta, que ele existe por si mesmo; além disso, deve-se saber que todo valor que o homem possui, toda realidade espiritual, ele só o tem mediante o Estado.‖

HEGEL. Filosofia da História. 2.ed. Brasília: Editora da UnB, 1998, p. 39-40.

A interpretação do trecho citado permite afirmar que

A) o Estado é realidade espiritual, que ao mesmo tempo é a garantia dos valores humanos, sendo a liberdade a realização suprema da existência humana, pois ela é a síntese da vontade universal e da vontade subjetiva.

B) o Estado resulta da ação abstrata produzida por uma força divina absoluta e superior às vontades humanas que a ela se submetem.

C) o Estado é a limitação da liberdade, que é cerceada para que o Estado se coloque acima e à frente dos cidadãos no curso da história.

D) o Estado é a recondução do indivíduo e da espécie às condições naturais de existência, únicas capazes de garantir a liberdade como valor absoluto.

QUESTÃO 03: (UFU – Dez/2004)

Hegel, em seus cursos universitários de Filosofia da História, fez a seguinte afirmação sobre a relação entre a filosofia e a história: ―O único pensamento que a filosofia aporta é a contemplação da história.‖

HEGEL, G.W.F. Filosofia da História. 2.ed. Brasília: Editora da UnB, 1998, p. 17.

De acordo com a reflexão de Hegel, é correto afirmar que

I- a razão governa o mundo e, portanto, a história universal é um processo racional.

II- a ação dos homens obedece a vontade divina que preestabelece o curso da história.

III- no processo histórico o pensar está subordinado ao real existente.

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IV- a idéia, ou a razão, se origina da força material de produção e reprodução da história.

Assinale a alternativa que contém somente assertivas corretas.

A) III e IV

B) I e II

C) II e III

D) I e III

QUESTÃO 04: (UFU – Jul/2006)

Leia o texto a seguir.

O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que se implementa através de seu desenvolvimento. Sobre o absoluto deve-se dizer que é essencialmente resultado; que só no fim é o que é na verdade. Sua natureza consiste justo nisso: em ser algo efetivo, em ser sujeito ou vir-a-ser-de-si-mesmo. Embora pareça contraditório conceber o absoluto essencialmente como resultado, um pouco de reflexão basta para dissipar esse semblante de contradição.

HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do espírito. Tradução

de Paulo Meneses. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 36.

Considerando a concepção idealista da História na filosofia de Hegel, assinale a alternativa correta:

A) O absoluto como fim do desenvolvimento histórico é garantido pelas relações sociais e materiais, necessárias para a concretização da essência da razão e da abolição da contradição reinante na base material da sociedade.

B) O desenvolvimento do processo histórico é a auto-realização da razão no espírito do povo, a qual se manifesta concretamente no Estado e se conserva graças à vida ética no interior do Estado Moderno.

C) A natureza do absoluto é inessencial e sua existência é de caráter formal, podendo ser apreendida graças à capacidade infinita da consciência, que confere à idéia de absoluto o status de idéia abstrata e separada do mundo.

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D) As contradições inviabilizam o desenvolvimento do absoluto e impedem a sua realização no mundo, passando a existir apenas como idéia abstrata na consciência individual.

5.2. MARX (1818 – 1883)

Não é a consciência dos homens que determina o seu ser social, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.

5.2.1. A CRÍTICA DE MARX AO IDEALISMO HEGELIANO

Karl Marx fez uma crítica do idealismo hegeliano na qual afirma que Hegel inverte a relação entre o que é determinante – a realidade material – e o que é determinado – as representações e conceitos acerca dessa realidade. A filosofia idealista seria, assim, uma grande mistificação que pretende entender o mundo real, concreto, como manifestação de uma Razão absoluta. Contraponto sua filosofia ao idealismo de Hegel Marx afirma:

―Os pressupostos com os quais começamos não são arbitrários, nem dogmas, são pressupostos reais dos quais só é possível abstrair na imaginação. Os nossos pressupostos são os indivíduos reais, a sua ação e as sus condições materiais de vida‖.

Marx procurou, portanto, compreender a história real dos homens em sociedade a partir das condições materiais nas quais eles vivem. Essa visão da história foi chamada posteriormente, por seu companheiro de estudos Friedrich Engels, materialismo-histórico.

5.2.2. VISÃO MATERIALISTA DA HISTÓRIA

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Marx, juntamente com Friedrich Engels, é o pai de uma corrente de pensamento denominada de materialismo histórico dialético. Nela, a apreensão da lógica do processo histórico é essencial para se entender a realidade, premissa presente no idealismo hegeliano. Também nela, o movimento do real é causado pela oposição constante de pólos antagônicos, outro pressuposto do hegelianismo. Onde se encontra, então, a diferença entre os dois autores? No fato de que, enquanto a determinação da realidade se dá das idéias humanas para o mundo concreto, na teoria de Hegel, para Marx, as condições materiais são o fator determinante, sendo responsáveis pela posterior modificação das formas de pensar. Acompanhemos uma afirmação do próprio autor nos Manuscritos Econômico Filosóficos:

Mas, ao conceber a negação, segundo a relação positiva que lhe é inerente, como o verdadeiro e único positivo, e segundo a relação negativa, que nela reside, como único verdadeiro ato e como o ato autoconfirmativo de todo o ser, Hegel descobriu apenas a expressão abstrata, lógica, especulativa do processo histórico, que não é ainda a história real do homem enquanto sujeito pressuposto, mas só a história do ato da criação da gênese do homem.

Consequentemente pode-se compreender os pressupostos metodológicos marxianos da seguinte maneira: as condições materiais de uma sociedade, seu estágio mais ou menos avançado de evolução, determina todas as suas outras possibilidades históricas; a contradição, que é responsável por gerar o movimento da realidade, é também material, e se manifesta, sobretudo, nas classes sociais antagônicas. Não é por acaso que Marx afirma, categoricamente, no Manifesto do Partido Comunista que a história de todas as sociedades que existiram até hoje tem sido a história da luta de classes.

Agora sim, compreendida a visão de mundo do autor, conseguimos entender a escolha de seu objeto de pesquisa. Para a doutrina marxiana, assim, aquele que desejar compreender a dinâmica de uma sociedade deverá procurar, primeiramente, dominar intelectualmente a relação entre as classes sociais que, segundo Marx, tende a ser sempre antagônica.

Mas o que se deve compreender por classe social? De forma bem simplificada, a mesma consiste em um grupo de indivíduos que possui uma mesma condição ou que realiza uma mesma função – primeiramente econômica, mas decorrendo daí os aspectos políticos, religiosos, morais, artísticos, dentre outros – em um determinado modo de produção. Por modo de produção compreende-se aqui o conjunto formado pelas forças produtivas e das relações sociais de produção de um determinado momento histórico.

De acordo com Marx, até o momento em que ele escreve, quatro modos de produção teriam se consolidado historicamente: modo de produção tribal ou asiático, marcado por uma economia de subsistência, com uma divisão simples do trabalho; modo de produção antigo ou greco-romano, definido pelas relações escravistas; modo de produção feudal, caracterizado pela presença da servidão e da vassalagem e modo de produção capitalista, com relações de trabalho livre e assalariado e a consolidação da propriedade privada dos meios de produção.

Por relações sociais de produção aqui se designa o conjunto das formas de organização dos homens para produzir e reproduzir a sua existência em determinado momento histórico, sendo as mesmas sempre dependentes do estágio de

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desenvolvimento das forças produtivas. Por forças produtivas compreendem-se todas as condições materiais para a produção da vida do homem, tais como a matéria-prima, a terra, as sementes, as máquinas, a mão-de-obra. Desse modo, nota-se claramente que o jogo das classes está intimamente ligado com as condições materiais existentes em um período. Esperamos que no prosseguimento dos nossos estudos essa relação seja no seu restante esclarecida.

Infra Estrutura e Superestrutura.

Para uma melhor compreensão da teoria marxiana, faz-se necessário estudar, mesmo que de forma um pouco superficial, sua filosofia da história, ou seja, seu entendimento sobre como a história funciona. Para tanto, um dos roteiros possíveis é a assimilação das noções de infra e superestrutura, tal como são apresentadas em obras como o Manifesto do Partido Comunista e a Ideologia Alemã. Vale lembrar, antes de tudo, que a separação entre essas duas estruturas é puramente teórica e didática, não ocorrendo da mesma maneira na realidade concreta, na qual as mesmas se confundem.

Por infra-estrutura compreende-se toda a base material de uma sociedade qualquer, concebida como uma somatória das forças produtivas materiais – ou seja, das condições materiais para a produção e reprodução da vida humana – e das relações sociais de produção – as formas diversas de organização dos homens ao produzir, principalmente no que diz respeito às formas de apropriação das forças produtivas.

A superestrutura, ao contrário, corresponde ao imenso campo ideológico presente em toda a sociedade. Na mesma estão presentes, por exemplo, as noções políticas, manifestas principalmente no Estado, as relações espirituais que se apresentam por meio das religiões, a moral, o direito, as várias possibilidades de expressão artística ou estética, a filosofia ou as filosofias e as possibilidades de ciência.

Resumida a composição das estruturas, nos é possível comentar um pouco a relação entre as mesmas. De acordo com Marx, existe uma tendência histórica da humanidade ao desenvolvimento de forças produtivas materiais. No entanto, como já foi dito anteriormente, sempre que ocorre uma modificação das forças produtivas, as relações sociais de produção também se alteram, por serem dependentes das primeiras. Essa alteração, em um primeiro momento é tênue, pois as formas de organização e de apropriação dos homens ao produzirem e reproduzirem a sua existência possuem alguma flexibilidade.

Em algumas ocasiões na história, porém, a flexibilidade das relações sociais de produção chega ao seu limite, e chega-se a um momento que Marx descreve como uma contradição entre as forças produtivas materiais, que tendem a se desenvolver, e as relações sociais de produção, que não suportam mais o seu desenvolvimento. Esse momento é denominado pela teoria marxiana de revolução. A tendência observada por esses estudos é de que as forças produtivas materiais continuem seu desenvolvimento, destruindo as relações existentes e inaugurando novas formas de organização que permitam a continuidade de seu fluxo evolutivo. Sobre esse tema afirma Marx que nenhum modo de produção desaparece antes que todas as forças produtivas do modo de produção posterior tenham se desenvolvido dentro dele. Nota-se claramente a influência da dialética hegeliana, que afirma que um momento gera em se próprio anterior a sua negação.

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O resultado imediato de uma revolução é a mudança total da infra-estrutura material, inaugurando novas relações sociais de produção, como ocorreu, segundo Marx, na transição do feudalismo para o capitalismo. Analisemos uma citação do Manifesto do Partido Comunista:

A antiga organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita a corporações fechadas, já não podia satisfazer às necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados. A manufatura a substituiu. A pequena burguesia comercial suplantou os mestres das corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina.

Mais ou menos rapidamente, de acordo com a concepção marxiana, toda superestrutura existente anteriormente tende também à modificação. Um exemplo talvez torne mais claro esse conjunto de idéias: somente com a existência de uma classe burguesa o liberalismo – concepção política notoriamente reputada à burguesia – poderia ter sido amplamente defendido. De acordo com Marx não é possível o surgimento de um conjunto de idéias sem que se apresentem as condições materiais para a mesma, e isso vale para todas as formas superestruturais.

Ao votarem os eleitores acreditam que uma modificação política poderá mudar um determinado contexto econômico. Insatisfeito com uma gestão ―x‖, um conjunto de membros da sociedade civil votam em sua oposição frontal, mas, para sua surpresa, a gestão da oposição hora eleita não se diferencia muito da anterior (qualquer semelhança é mera coincidência). Marx ficaria decepcionado com o pleito eleitoral? Resposta: não. O motivo para isso é simples: Não falamos de mudanças infra-estruturais, mas do sonho de que elas fossem realizadas pelo meio político. Como vimos acima, porém, as mesmas não são possíveis, pois não existe modificação na superestrutura antes de algo ocorrer na infra. Assim sendo, nenhuma transformação de ordem política pode realmente interferir consideravelmente na economia, visto que a infra-estrutura determina a superestrutura. Vejamos por meio de uma citação do prefácio à Contribuição à crítica da economia política, como o próprio autor nos apresenta isso:

Na produção social de sua vida, os homens estabelecem determinadas relações necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase do desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral.

Ora, como Marx explica então o fato de praticamente toda a população de um país depositar suas esperanças em um processo eleitoral? Ele argumenta que, utilizando-se de uma série de artifícios, a classe economicamente dominante acaba conseguindo proceder com uma inversão na forma das pessoas compreenderem a realidade em que vivem valendo-se de uma série de falsas idéias devidamente

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concatenadas. A esse conjunto de idéias se denomina ideologia. Assim, um determinado discurso religioso pode contribuir para a aceitação, por parte das massas, de um determinado estado de coisas que as prejudique; ou um conjunto de normas jurídicas, por detrás de um discurso pautado em uma pretensa igualdade de condições, pode facilitar a reprodução de certas situações de exploração. Na verdade, para Marx, todas as formas superestruturais de uma determinada época servem para justificar certa relação de exploração de uma classe sobre a outra.

É de suma importância a compreensão mínima dessas noções apresentadas para um mínimo entendimento do que seja a teoria de Marx. A partir de agora, parte-se para a parte mais prática de nossos estudos, que utilizará esse aparato teórico até agora apresentado para clarificar, por exemplo, a natureza das relações capitalistas na concepção do autor, assim como sua tendência à autodestruição. Analisaremos também as idéias sobre a revolução socialista e o comunismo. Portanto, qualquer dúvida aqui deverá ser retirada antes que se dê continuidade ao trabalho.

O capitalismo.

Depois de compreendidas minimamente as idéias gerais do pensamento de Marx, é hora de trabalhar com questões mais práticas. É sabido que o autor é um dos maiores teóricos do chamado comunismo. Mais que isso, os prognósticos por ele lançados de que socialismo e comunismo seriam os próximos modos de produção depois do capitalismo seriam, segundo ele mesmo, científicos, e não simples frutos de uma ânsia por igualdade.

Para entender, no entanto, todo esse processo futuro, faz-se necessário estudar o próprio sistema capitalista. Assim sendo, uma primeira questão a ser levantada consiste no seguinte: como definir o capitalismo? Apesar da complexidade do problema, que demandará um estudo mais detalhado, pode-se iniciar uma conceituação com alguns elementos básicos, quais sejam: lógica explícita da acumulação; presença da propriedade privada dos meios de produção de riqueza, relações de trabalho livre e assalariado.

Como afirmado no início de nosso estudo, o objeto central para a compreensão social para Marx são as classes sociais. No sistema capitalista existem, basicamente, duas classes elementares, a burguesia, formada pelos detentores da propriedade dos meios de produção de riqueza, e o proletariado, grupo que por ser destituído dos meios de produção, só possui sua força de trabalho para vender. A burguesia foi uma classe altamente revolucionária, que modificou os rumos da humanidade indiscutivelmente, mas longe de acabar com as desigualdades humanas, conforme prometeu, acirrou-as ainda mais, concentrando os conflitos cada vez mais no jogo entre as duas classes acima citadas. Vejamos uma citação do próprio autor no Manifesto do Partido Comunista:

A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das velhas. No entanto, a nossa época, a da burguesia, possui uma característica: simplificou os antagonismos de classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois campos opostos, em duas classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado.

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Comentadas de forma bastante simplificada as relações entre os grupos econômicos, é necessário trabalhar um outro conceito chave do sistema capitalista, a célula ou o átomo de toda essa estrutura tratada em nosso estudo, qual seja: o de mercadoria. É importante ressaltar que o capitalismo pesquisado por Marx é aquele denominado produtivo ou industrial, e que por isso várias relações existentes em nossos dias não foram por ele tratadas. Por mercadoria nosso autor entende tudo aquilo que no capitalismo pode assumir um valor de uso, passível de ser convertido em um valor de troca.

Assim, a utilidade de um bem de consumo não provém de uma preocupação do burguês em satisfazer de fato as necessidades da população. A mesma advém do fato de que, sem que seja útil, um produto não tende a ser consumido no sistema, impedindo o enriquecimento da classe patronal. A burguesia só produz valores de uso pelo fato de visualizar neles a possibilidade da troca monetária, ou seja, da conversão do bem em dinheiro.

Um outro elemento que vale ressaltar é o fato de que, se a mercadoria é o elemento estruturante do sistema capitalista, a denominada força de trabalho é a sua forma essencial. Com isso se quer dizer, mais exatamente, que ao se comprar um bem de consumo no mercado, o que se adquire, em última instância, é a força de trabalho humana, algo totalmente abstrato, mas que é concretizada ou materializada em diferentes valores de uso. A mão-de-obra é a unidade menor do sistema. Mas caberia perguntar: por qual motivo?

No ato de produzir, a burguesia é obrigada a fazer uma série de investimentos a fim de consolidar sua lógica, que é a da acumulação, como já foi dito acima. Ao fazê-lo, paga por todas as condições necessárias para a produção, divididas em capital constante – valor despendido em meios de produção – e capital variável – que é utilizado para empregar trabalhadores. Nas relações com o capital variável, porém, ocorre um fenômeno que pode ser denominado de geração de mais valia. Vejamos, em uma citação do Dicionário do Pensamento Marxista, como isso ocorre:

O capital variável é assim chamado porque sua quantidade varia do começo ao fim do processo de produção; o que no início é VALOR DA FORÇA DE TRABALHO ao término é valor produzido por essa força de trabalho em ação. A mais-valia é a diferença entre esses dois valores: é o valor produzido pelo trabalhador que é apropriado pelo capitalista sem que um equivalente seja dado em troca. Não há, aqui, uma troca injusta, mas o capitalista se apropria dos resultados do trabalho excedente não pago.

A questão, então, é sempre aumentar a produção de mais-valia. Aquela produzida pela exploração direta da força de trabalho é denominada de absoluta, e seu aumento ocorre com o aumento do valor total produzido por cada trabalhador sem alteração do montante de trabalho necessário, o que pode ocorrer com o aumento da jornada de trabalho. O inconveniente é a possibilidade de revolta da classe operária. Para evitar isso, pode-se modificar as relações de trabalho, de maneira a manter a mesma duração da jornada, fazendo uma redivisão de modo a produzir mais mais-valia a ser apropriada pelo capital. Essa é a chamada extração de mais-valia relativa.

Um último elemento importante ao se tratar da produção de mercadoria é a questão do fetichismo. Como já foi dito, a mercadoria elementar do sistema é a força

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de trabalho, e isso porque a mesma consegue ampliar, no próprio processo de produção, uma ampliação do capital. Mas como essa relação de exploração pode ser omitida? Segundo Marx, pelo fato de que o valor social que pertence à mercadoria, conferido à mesma por meio do trabalho, é apresentado como se fosse algo natural, imanente à mesma. Desse modo, os objetos de consumo, por meio de relações sociais específicas do capitalismo, terminam por ser o elemento essencial para a manutenção dessas mesmas relações. A mercadoria ganha vida enquanto o ser humano é reificado, coisificado. Outra citação do Dicionário Marxista pode ilustrar isso:

Assim, as propriedades conferidas aos objetos do processo econômico, verdadeiras forças que sujeitam as pessoas ao domínio desse processo, são como que uma espécie de máscara para as relações sociais peculiares ao capitalismo.

Outro conceito chave para a compreensão do sistema é o de alienação. Um autor anterior a Marx que já utiliza esse conceito é o filósofo alemão Ludwig Feuerbach, quando trata do fenômeno religioso. O termo vem do latim, alienus, que significa o outro. Assim, na religião, o ser humano criaria um outro ser, diferente de si mesmo em natureza, que o dominaria. Essa idéia não é em si original, já sendo apresentada por Xenófanes, filósofo pré-socrático, e por Voltaire, pensador francês. Marx assimila o termo, dando-lhe um sentido que aqui, de forma bastante simplificada, será compreendido como separação. Apesar da alienação de consciência não ser descartada por Marx, sabemos que a mesma é um fenômeno determinado pelas relações de produção. Por isso procuraremos aqui trabalhar com as formas de alienação material.

Em primeiro lugar, o capitalismo consolida a separação entre os produtores e os meios necessários para a produção, por meio da alienação total da força de trabalho, com o operário alugando certa quantidade de horas de sua mão-de-obra por dia para o burguês. Ocorre, assim, a alienação dos meios de produção de riqueza. Um segundo ponto a ser levantado é o fato de que, com os constantes avanços tecnológicos que ocorrem no processo produtivo, o trabalhador tende cada vez mais a ignorar o papel que realiza no momento em que trabalha. Vale ressaltar que, como já foi dito acima, o próprio Durkheim apresenta os riscos de que os laços de solidariedade orgânica sejam rompidos pela excessiva fragmentação do processo, comprometendo as relações de interdependência. Essa ignorância do processo como um todo é o que denominaremos de alienação do processo produtivo. Daí o estranhamento que ocorre, a falta de identidade dos produtores com relação àquilo que produzem.

Uma terceira forma, e talvez a mais elementar de separação, seja a falta de acesso do trabalhador aos bens que ajuda a produzir. O fordismo pode ser tanto um exemplo clássico da segunda forma quanto uma tentativa de superar – em benefício, é óbvio, da classe patronal – a terceira. A questão é que o capitalismo nunca conseguiu, e pela sua lógica, provavelmente jamais conseguirá, superar a dificuldade de proporcionar ao proletário a capacidade de consumir, por causa da própria lógica do sistema. A essa forma de separação denominaremos alienação do produto final.

Vale ainda lembrar que o operário foi, muitas vezes, alienado do seu próprio lazer, visto que, em nome da manutenção do sistema e do controle da classe proletária, as atividades exteriores ao processo produtivo realizadas pelo trabalhador foram monitoradas pelo patrão, ou mesmo realizadas no interior do espaço fabril. Exemplo

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claro disso é visível em várias medidas tomadas pela burguesia em nome da manutenção das relações, principalmente no período de difusão do taylorismo.

Na próxima aula comentaremos o tema da revolução, mas uma observação mais atenta do que acabamos de estudar já nos fornece elementos que permitem perceber como a classe operária capitalista, sem sombra de dúvida, teria uma série de motivos para se revoltar contra um sistema baseado na exploração da força de trabalho e, consequentemente, organizar-se na busca de relações menos opressoras.

Revolução, Socialismo e Comunismo.

Para encerrar nosso estudo sobre Karl Marx, é necessário trabalhar com as questões que são, muito provavelmente, o maior motivo do sucesso da disseminação da sua doutrina, e, no entanto, parecem extremamente mal delimitadas. Trata-se de suas teorias sobre a transição para o socialismo e o comunismo. Como já foi dito acima, revolução em Marx é um conceito bastante técnico, e diz respeito a um período em que as forças produtivas materiais entram em contradição com as relações sociais de produção existentes. É necessário, portanto, que compreendamos, em nosso autor, o que levaria o capitalismo a vivenciar contradição dessa ordem. Mesmo que se admita o argumento marxiano sobre esse tema, há que se analisar como nele se apresentam as justificativas para que após o capitalismo surja o socialismo, e não qualquer outro modo de produção.

Nossa análise anterior sobre o capitalismo mostrou-nos uma característica essencial do sistema, que consiste no fato de que a única lógica por ele conhecida é a da acumulação e, por conseguinte, no fato de que tudo que é realizado nos diversos âmbitos da vida social visa consolidar, direta ou indiretamente, esse fim. A principal forma de satisfazer a lógica capitalista, no entanto, é a geração constante de fluxo de consumo, ou seja, é a renovação cotidiana das necessidades ou mesmo a criação de carências que reforcem a tendência dos indivíduos a consumir. Nesse sentido, o capitalismo conduz a si mesmo à destruição. Vejamos isso em uma parte do Manifesto Comunista:

As forças produtivas de que dispõe não mais favorecem o desenvolvimento das relações de propriedade burguesa; pelo contrário, tornaram-se poderosas demais para essas condições, que passam a entravá-las; e toda vez que as forças produtivas materiais se libertam desses entraves, precipitam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da sociedade burguesa. O sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. De que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva a isso? À preparação de crises mais intensas e destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las.

Como ficou claro, Marx preconiza o fim do capitalismo por conta das crises econômicas, justamente causadas pelo ímpeto cego da burguesia de acumular. O

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autor afirma, assim, que chegará um dia em que o mercado de consumo, por mais que sofra uma mundialização, – ou uma globalização, termo mais contemporâneo – não será mais capaz de assimilar aquilo que é produzido dentro do sistema. Essa é a contradição que acarretará o fim da era do capital e o início de um novo período para a humanidade. Como foi dito em aula anterior, num primeiro momento são tratadas as modificações na infra-estrutura, pois só posteriormente se realizam as mudanças no âmbito da superestrutura.

A questão, no entanto, é um pouco mais complicada, e pode ser colocada nos seguintes termos: se o fim do capitalismo se dará por causa de suas próprias contradições, qual a necessidade da conscientização de uma classe que levará a cabo a revolução? Por que falar em uma práxis, ou seja, de uma prática amparada por uma compreensão de mundo coerente? É o próprio Marx que afirma, na Ideologia Alemã, que os ―filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do que se trata é de transformá-lo‖. Essa transformação, que muda de fato a própria lógica da história, que sempre favoreceu a uma minoria que foi beneficiada pela exploração de uma minoria, depende assim de uma classe que a leve à frente, e essa classe é o proletariado moderno, com a formação de uma consciência de classe.

De acordo com a teoria marxiana, existiria uma tendência de que a classe operária aproveitasse o momento em que a contradição no capitalismo conduzisse o mesmo à destruição para instaurar o que é denominado de ditadura do proletariado, tomando posse dos meios de produção e implantando o socialismo. Vejamos por que isso se dá:

A condição essencial da existência e da supremacia da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o crescimento do capital; a condição de existência do capital é o trabalho assalariado. Este baseia-se exclusivamente na concorrência dos operários ente si. O progresso da indústria, de que a burguesia é agente passivo e inconsciente, substitui o isolamento dos operários, resultante de sua competição, por sua união revolucionária através da associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria mina o terreno em que a burguesia acentou o seu regime de produção e de apropriação dos produtos. Antes de mais nada, a burguesia produz seus próprios coveiros. Sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.

Aí se encontra, pois, a chave do pensamento de Marx. É desse modo que o capitalismo tende a desaparecer, por um lado por causa de suas próprias contradições, por outro pela ação de uma classe gerada no seu seio, que é alienada dos meios de produção, do saber, que trabalha cotidianamente em uma rotina que lhe imprime sofrimento físico e intelectual; que gera riqueza, porém não enriquece a si mesma, mas a outros, com aquilo que é produzido; que se torna cada vez mais artigo coisificado a ser trocado em um sistema cuja única lógica é a da acumulação. São todas essas condições complexas que, para o autor, concorrem para o fim do capitalismo e para um período em que o Estado, - que até então adquiriu uma existência separada ao lado da sociedade civil, e que consistia em uma forma de organização que os burgueses davam a si mesmos para a continuidade das relações capitalistas, como afirmado na Ideologia Alemã – controlado pelo proletariado, será responsável pela gestão dos meios de produção e pela organização social transitória denominada de socialismo.

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Essa concepção de que o socialismo seria necessário, juntamente com a idéia de que a classe realmente revolucionária seria o proletariado, e conseqüente negligência, por exemplo, dos camponeses, foram motivos claros para os desentendimentos entre o marxismo e os anarquistas, como Bakunin, que não aceitavam a existência da instituição repressora do Estado após o fim do capitalismo.

Segundo Marx, em um primeiro momento, após a revolução, a sociedade se encontraria impregnada de idéias burguesas. Nesse momento ainda se faz necessária a presença do Estado para que o proletariado consiga manter a defesa dos interesses sociais dessa classe. Com o desenvolvimento das forças produtivas dessa nova sociedade, porém os entraves causados pelo antigo capitalismo tendem a desaparecer. A sociedade entraria então no estágio superior da sociedade comunista e, segundo o autor, a sociedade seria capaz de inscrever em sua bandeira a divisa ―de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades‖.

É importante lembrar que nem o socialismo nem o comunismo foram descritos por Marx de forma detalhada, pois, segundo o autor, formariam sua identidade de forma positiva durante seu processo de consolidação. Outro ponto que vale ressaltar é o fato de que as experiências de socialismo real, apesar de terem sido todas influenciadas de certa forma pela teoria marxiana, guardaram relevantes diferenças com relação às idéias defendidas por Marx, não servindo nenhuma, em sua totalidade, de exemplo daquilo que o autor preconizou. A atualidade da análise do capitalismo é grande, mas em muitos pontos já não guarda congruência com o nosso tempo. Apesar disso, Marx é sem dúvida um dos autores mais importantes para a consolidação da sociologia, principalmente no âmbito das análises econômicas.

5.2.3. TEXTO COMPLEMENTAR

Prefácio à “Contribuição à Crítica da Economia Política”

O meu primeiro trabalho, empreendido para resolver as dúvidas que me assaltavam, foi uma revisão crítica da filosofia Hegeliana do direito, trabalho cuja introdução veio a lume em 1844, nos Anais Franco-Alemães, que se publicavam em Paris. A minha investigação desembocava no resultado de que tanto as relações jurídicas como as forma de Estado não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano, mas se baseiam, pelo contrário, nas condições materiais de vida cujo conjunto Hegel resume, seguindo o precedente dos ingleses e franceses do século XVIII, sob o nome de ―sociedade civil‖, e que a anatomia da sociedade civil precisa ser procurada na economia política. Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordem de expulsão imposta pelo senhor Guisot, tive ocasião de prosseguir nos meus estudos de economia política, iniciados em Paris. O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de

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produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. Quando se estudam estas revoluções, é preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção e que podem ser apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as forma ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lutam para resolvê-lo. [...] Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contém, e jamais aparecem relações de produção novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da própria sociedade antiga as condições materiais para a sua existência.

φφφ EXERCÍCIOS

QUESTÃO 01: (UFU – Jul/1998)

A luta de classes para Marx, até hoje, tem sido a história dos homens. Podemos afirmar que o materialismo histórico, para ele, é dialético, porque

A) é a consciência dos homens que determina o mundo material.

B) a base do conhecimento histórico é a arte do diálogo que permite a compreensão da História.

C) o processo histórico é linear e contínuo.

D) o processo histórico é movido por contradições sociais.

E) a base do mundo material é a superestrutura jurídica e política.

QUESTÃO 02: (UFU – Jul/1999)

Sobre a dialética marxista, podemos afirmar que

A) na produção do mundo material, surge a contradição entre homens reais em condições históricas e sociais reais.

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B) a dialética transcendental trata das idéias puras da razão e se chama dialética, porque as idéias se defrontam com antinomias insolúveis.

C) o movimento de exteriorização e interiorização da Idéia se faz por meio de contradições sempre superadas.

D) a lógica dialética parte de uma realidade estática e a explica por meio de noções absolutas, em que a contradição não é possível.

QUESTÃO 03: (UFU – Jan/2000)

Segundo Marx (séc. XIX), o Estado é:

A) garantidor do bem-comum, da justiça, da ordem, da lei, da paz, da segurança e da liberdade para todas as classes sociais.

B) o aparato da ordem e da força pública, sendo um poder público distante e separado da sociedade civil, garantidor de justiça para todas as classes sociais.

C) garantidor do direito de propriedade privada e expressão do interesse geral, intervindo para impedir a luta de classes.

D) a expressão legal - jurídica e policial - dos interesses de uma classe social particular, a classe dos proprietários privados dos meios de produção ou classe dominante.

QUESTÃO 04: (UFU – Jul/2000)

Sobre a filosofia de Marx, analisando o conceito de trabalho, é correto afirmar que

I- a produção e a reprodução das condições de existência se realizam através do trabalho;

II- a divisão social do trabalho não é uma simples divisão de tarefas, mas a manifestação da existência da propriedade;

III- os seres humanos distinguem-se dos animais porque são dotados de consciência e não porque produzem.

Assinale a alternativa correta.

A) II e III

B) III

C) I e III

D) I e II

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QUESTÃO 05: (UFU – Mar/2002)

O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) afirmou que a totalidade

―das relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política‖.

MARX, Karl. Para a crítica da economia política. Coleção ―Os Pensadores‖.

São Paulo: Abril Cultural, 1987, pp: 29-30.

Considerando a afirmativa de Karl Marx, assinale a alternativa correta.

A) O capitalismo industrial tornou-se realidade efetiva porque não existiu nenhuma contradição entre suas forças produtivas com as antigas relações de produção.

B) No capitalismo, o desenvolvimento das forças produtivas conduz a classe operária à realização da liberdade, ou seja, ao reino da felicidade.

C) É a consciência dos homens que determina o seu ser, pois as condições materiais são apenas contingências históricas que independem das forças materiais.

D) O modo de produção da vida material determina as condições concretas em geral de vida social, política e espiritual.

A TRANSVALORAÇÃO DOS VALORES: FRIEDRICH NIETZSCHE:

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu na localidade de Röcken, próxima a Leipzig,

em 15 de outubro de 1944, em uma família protestante. Após realizar alguns estudos

em teologia e filosofia, acabou por dedicar-se à filologia, estudando autores como

Diógenes Laércio, importante historiador da filosofia, e os poetas Hesíodo e Homero.

Além do gosto pelos livros Nietzsche também nutria grande admiração pela música, o

que se percebe pela sua amizade – posteriormente prejudicada por questões

intelectuais – com o compositor alemão, seu contemporâneo, Richard Wagner. De

1869 a 1879 dá aula na Universidade da Basiléia, na Suíça, mas em conseqüência de

problemas de saúde, decorrentes provavelmente de sífilis, abandonou as atividades

docentes. De acordo com alguns estudiosos foi em função de seus desequilíbrios

emocionais, que o conduziram à demência no final da vida, que nosso autor escolheu

os aforismos – pequenos fragmentos de texto que guardam certa independência entre

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si – como estilo central de escrita, o que torna seus textos ainda mais difíceis de se

compreender. No entanto, apesar disso e de todo o preconceito da academia com

relação ao filósofo, ele se tornou um dos nomes mais populares da filosofia

contemporânea, e tentaremos, à frente, compreender alguns dos motivos de tamanha

popularidade.

Uma das posturas centrais da filosofia nitzscheana é a denominada

transvaloração dos valores, que nada mais é do que uma postura questionadora

diante da moral social apresentada ao indivíduo. Ao realizar tal crítica, tentando fazer

uma genealogia da moral, ou seja, buscando compreender o surgimento histórico dos

valores que estão presentes na sociedade ocidental, Nietzsche chega a uma das

idéias centrais de sua filosofia, que estará presente em toda a sua obra, qual seja: os

valores ocidentais, advindos principalmente do racionalismo filosófico e da

religiosidade cristã, conduzem o homem à negação de sua própria vitalidade, isto é, à

corrupção. Em um trecho da obra O Anticristo nosso autor assim se manifesta:

A vida mesma vale para mim como instinto de crescimento, de duração, de

acumulação de forças, de potência: onde falta a vontade de potência, há

declínio. Minha afirmação, é que a todos os valores mais altos da

humanidade falta essa vontade – que valores de declínio, valores niilistas,

sob os mais santos nomes, exercem o domínio.

Aí está o problema dos valores: eles domam nossos instintos e, no limite, retiram

a nossa vitalidade, os nossos anseios mais elementares, a nossa vontade de

potência. Se Nietzsche fez uma genealogia, ou seja, um estudo histórico do

surgimento dos valores, ele bem poderia responder ao seguinte questionamento: a

partir de quando a moral assumiu essa postura castradora? De acordo com o autor

em dois momentos isso é bastante perceptível: no período racionalista de Sócrates e

Platão, quando se tenta submeter a realidade observada ao crivo da razão; e quando

o cristianismo se torna hegemônico no ocidente, o que coincide com a decadência do

Império Romano. O período helênico conseguiu, de forma ímpar, conciliar a

racionalidade e os instintos do homem, e duas divindades demonstram isso com

nitidez: Apolo, o deus sol, da flecha certeira e da racionalidade, e Dionísio, o deus do

vinho, da embriaguez, que em Roma será cultuado nas bacanais, quando recebe o

nome de Baco. Desse modo existia um equilíbrio entre a vitalidade e a razão, entre o

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instinto e a sociabilidade, e esse equilíbrio foi desfeito, primeiramente, em nome de

um racionalismo que a tudo quer dominar, cerceando a capacidade de desejar do

indivíduo, que recebe, em um segundo momento, o golpe de misericórdia da moral

cristã, essa que, de acordo com o pensamento nitzscheano, seria a moral do escravo.

Em outra citação do autor, da obra Para a Genealogia da Moral, podemos perceber

esse aspecto com certa clareza:

O levante dos escravos na moral começa quando o ressentimento mesmo

se torna criador e pare valores: o ressentimento de seres tais, aos quais

está vedada a reação propriamente dita, o ato, e que somente por uma

vingança imaginária ficam quites. Enquanto toda moral nobre brota de um

triunfante dizer-sim a si próprio, a moral de escravos diz não, logo de início,

a um ―fora‖, a um ―outro‖, a um ―não-mesmo‖: e esse ―não‖ é seu ato

criador.

Um romano, no auge do seu triunfo, não exaltaria, em momento algum, a

humildade, o choro, o sofrimento, a fraqueza. Ao contrário a virtú romana, já nos

afirmava Maquiavel, exaltava o poder e a força, a capacidade de fazer valer aquilo

que se quer, e não a caridade ou o amor incondicional ao próximo. O que ocorre é

que como ao escravo é vedada toda a ação, ele só poderia incorrer em uma moral da

negação. Essa, então, se dá, em última instância, na recusa do próprio mundo do qual

se é escravo, afirmando-o imperfeito, inferior, se comparado a um mundo no qual os

verdadeiros possuidores da virtude, os bem aventurados, serão aqueles que

dominarão. Assim ocorre a exaltação da fraqueza, em detrimento do desejo de fazer

valer sua vontade de potência no momento presente. É a supressão da vitalidade, do

instinto, da força, em favor de uma apatia que domina o indivíduo. De acordo com

Nietzsche, o homem fraco seria um camelo que possui sobre si duas corcovas: a

moral social e a religião, que o levam a negar-se a si mesmo. O homem forte, ou

super-homem, passaria pelo estágio do leão, no qual teria força suficiente para

romper com os valores que lhe foram estabelecidos, e chegaria ao estágio da criança,

com seu universo de possibilidades, efetivando, assim, a transvaloração de todos os

valores, para a afirmação individual. O homem forte não projeta sua felicidade em um

mundo superior e futuro, faz prevalecer sua vontade e é feliz no presente.

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Ao demonstrar que o bom e o ruim, o bem e o mal, não são valores

transcendentes, isto é, absolutos e a - históricos, mas sim produzidos na dinâmica

social – basta lembrar como o que é bom para o romano pode ser ruim para o cristão

–, Nietzsche abre a possibilidade para que o indivíduo questione a moral que lhe é

apresentada no seu tempo. A moral do super-homem afirma a vontade do indivíduo, e

recorda que o ser humano, além de uma razão, possui instintos e uma vitalidade que

não podem ser completamente negados por nenhum sistema social.

Consequentemente nosso autor denuncia como degeneração tudo aquilo que exalte a

fraqueza, o sofrimento, a negação de si como condutas adequadas ou necessárias

para a felicidade do homem.

Como se pode perceber, Nietzsche é realmente um autor que polemiza e que,

no radicalismo característico de sua própria estética, subverte as crenças tão

poderosas ainda no seu tempo. Talvez isso explique um pouco o fascínio que exerce

principalmente sobre os leitores mais jovens. Quanto à possível defesa de uma

postura anti-semita, ou outras controvérsias que aparecem em algumas biografias do

autor, tudo isso mereceria comentários mais pormenorizados, que não são objetivo

desse presente texto. O importante é perceber que a base da argumentação

nitzscheana repousa na historicidade da composição dos valores, negando-lhes

qualquer caráter ou validade transcendente ou superior.

O EXISTENCIALISMOL: JEAN-PAUL SARTRE (1905-1980)

Ao afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se ele escolhe a todos os homens.

8.1. RESPONSABILIDADE E LIBERDADE

Sartre recebeu significativa influência filosófica de Heidegger. Durante os anos da Segunda Guerra Mundial, participou da luta da resistência francesa contra o nazismo. Também aderiu ao marxismo, considerando-o a filosofia de sua época, mas, diante da intervenção soviética na Hungria, em 1956, rompeu com o Partido Comunista, acusando-o de se desviar do sentido autêntico do marxismo.

Em 1964 foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, mas se recusou a recebê-lo. Não desejava reconhecer a autoridade dos juízes que lhe ofereceram o prêmio nem aderir a essa instituição.

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A principal obra filosófica de Sartre é O ser e o nada, publicada em 1939. Nessa obra, ele ataca duramente a teoria aristotélica da potência. Para Sartre, o ser é o que é. Trata-se, na linguagem sartriana, do ente em-si. Esse ente ―não é ativo nem passivo, nem afirmação nem negação, mas simplesmente repousa em si, maciço e rígido‖.

Mas, além do ente em-si, Sartre concebe a existência do ser especificamente humano, denominando-o ente para-si. O ente para-si específico do homem se opõe ao ente em-si, que representa a plenitude do ser. Portanto, para Sartre, a característica tipicamente humana é o nada: um ―espaço aberto‖. Esse nada, próprio da existência, faz do homem um ente não-estático, não-compacto, acessível às possibilidades de mudança.

Se o homem fosse um ser cheio, total, pleno, com uma essência definida, ele não poderia ter nem consciência, nem liberdade. Primeiro, porque a consciência é um espaço aberto a múltiplos conteúdos. Segundo, porque a liberdade representa a possibilidade de escolha. Por intermédio dela, o homem revelas suas aspirações por algo que ele ainda não é.

Assim, para o autor, se o homem não expressasse esse ―vazio de ser‖, sua consciência já estaria pronta, acabada, fechada. E, nesse caso, o homem não poderia manifestar a liberdade, pois estaria totalmente preso à realidade estática do ser pleno.

Por isso, o homem tem como característica específica o não-ser, algo indefinido e indeterminado. Por esse mesmo motivo, não podemos falar, da existência de uma natureza humana universal, mas sim de uma condição humana, isto é,

―O conjunto de limites a priori que esboçam a sua (do homem) situação fundamental no Universo. As situações históricas variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade pagã – ou senhor feudal ou proletário. Mas o que não varia é a necessidade para ele de estar no mundo, de lutar, de viver com os outros e de ser mortal‖.

É desse modo que se pode conceber, assim, o existencialismo, definido pelo próprio Sartre como uma doutrina filosófica que acredita que no ser humano, diferentemente dos animais irracionais, determinados biologicamente, e dos objetos, concebidos antes na forma de idéia, a existência precede a essência. O que significa exatamente isso? Significa que primeiro o ser humano existe, surge mo mundo, é jogado no mesmo, depois ele se faz, e a forma como vai ser, é ele mesmo quem decide. Só assim entendemos a afirmação sartreana de que o homem é o seu projeto, o que faz de si mesmo, os seus atos.

Disso decorre a implicação de que um covarde não é assim designado porque pensa de maneira pouco corajosa, mas sim porque realizou, ao longo de sua vida, atos covardes. Sem nenhuma determinação transcendente, biológica ou religiosa, o único elemento a ser analisado é a conduta do indivíduo.

Um dos valores fundamentais da condição humana é, segundo Sartre, a liberdade. É o exercício da liberdade, em situações concretas, que impulsiona a conduta humana, que gera incerteza, que leva à procura de sentidos, que produz a ultrapassagem de certos limites.

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8.2. ANGÚSTIA E MÁ-FÉ

Diante da condição humana de ser condenado a sempre ter que escolher, surge no homem um sentimento frente às inúmeras possibilidades com as quais o mesmo se defronta. Não tendo ninguém que escolha por ele, o indivíduo se vê muitas vezes perdido em uma posição na qual não quer estar, e essa situação lhe causa angústia. Isso se resume na frase de Sartre que afirma que ―estamos sós e sem desculpa‖. A angústia, assim, é o sentimento causado pela total liberdade de escolha e pelo fato de que ninguém, em última instância, pode escolher por nós.

Algumas pessoas, tamanho o sentimento de angústia que os afeta, acabam se refugiando no que Sartre denomina má-fé. A má-fé é a atitude daquele que não quer escolher, mas que finge fazê-lo através do determinismo social ou mesmo religioso. Em síntese, agir de má-fé é atribuir as escolhas que fazemos aos outros, ao destino ou a qualquer entidade transcendente. Sartre chama aquele que age assim de ―sujo‖, ―safado‖, e obviamente não respeita a atitude de alguém que rompe com a principal característica humana, a liberdade.

Albert Camus, em seu livro O mito de Sísifo, fala do homem absurdo, que é aquele que enfrenta com coragem a dureza de um mundo que não foi feito em função dele. Sartre, ao ser acusado de conceber uma filosofia pessimista, principalmente pelos cristãos, afirma que o que possui é uma dureza otimista, e se ele retirou o paraíso do fim da vida humana, tirou também o inferno do fogo eterno. De qualquer forma, como bom ateu que se preze, nosso autor é pessimista com relação à realidade da finitude do ser humano, afirmando que se nossos projetos nunca poderão ser totalmente concretizados a morte é um absurdo, por ser exatamente a nadificação de nossos projetos.

Vale ressaltar que nosso autor é incluído no eixo temático da ética por defender a tese da responsabilidade universal do ser humano com relação à sua conduta, pelo fato de que quando eu faço uma escolha individual, em última instância, ela só é responsável se for aquela que eu gostaria, racionalmente, que todo ser humano na mesma situação fizesse. Daí decorre a ação responsável.

RESUMINDO:

―Estamos condenados à liberdade.‖

―A existência precede a essência‖.

―O existencialismo não é tanto um ateísmo no sentido em que se esforçaria por demonstrar que Deus não existe. Ele declara, mais exatamente: mesmo que Deus existisse, nada mudaria; eis nosso ponto de vista.‖

Liberdade = Escolha, de todas as oportunidades que nos são apresentadas, somos livres para escolher qualquer uma.

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Responsabilidade = Somos responsáveis por nossas escolhas e pelas conseqüências das mesmas, tanto no que se refere a nós mesmos, quanto no que se refere às formas como nossas escolhas interferiram na vida de outros.

Angústia = O fato de sermos responsáveis por nossas escolhas gera angústia, pois podemos fazer a escolha errada e, então, seremos culpados por todos os nossos ―fracassos‖.

Má fé = A angústia nos leva a termos ações de má fé, ou seja, atribuirmos a outros a responsabilidade de nossas escolhas e das conseqüências das mesmas.

RESPONSABILIDADE

LIBERDADE ANGÚSTIA

MÁ-FÉ

φφφ EXERCÍCIOS

QUESTÃO 01: (UFU – Jul/1998)

O Existencialismo é uma filosofia do século XX, que procura resgatar o valor da subjetividade, da concretude da vida humana, da singularidade indeterminada. A famosa frase de Sartre - "A existência precede a essência."- significa que o homem é um projeto utópico de ser, condicionado pela sua existência. Neste sentido o(s) fundamento(s) téorico(s) e histórico(s) do Existencialismo de Sartre são:

A) o desejo de ser o que é, próprio do século XIX, e a decepção do homem com a Igreja na sociedade atual.

B) a exaltação ao materialismo que determina a vida do homem, própria do século XIX.

C) as filosofias de Marx-Engels e o movimento negro, o rock, o feminismo e a revolução social pós-guerra.

D) o resgate do afeto, desejo e paixão segundo Freud e a exaltação do sexo como finalidade ética da vida no consumismo atual.

E) a concepção de que o homem não é mais que o que ele faz na sua existência, própria do contexto histórico dilacerado da Europa do pós-guerra.

QUESTÃO 02: (UFU – Jul/1999)

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Sartre, um dos maiores expoentes da filosofia deste século, teorizou sobre um dos grandes valores da vida atual, a liberdade, definindo-a como:

I- escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo.

II- determinada por forças externas mais poderosas que nossa vontade.

III- própria da humanidade, pois os homens estão condenados a ser livres, tanto para escolher ter felicidade quanto para perder a felicidade.

Assinale

A) se as afirmações I e III forem corretas.

B) se apenas a afirmação II for correta.

C) se as afirmações I e II forem corretas.

D) se as afirmações II e III forem corretas.

QUESTÃO 03: (UFU – Jan/1999)

Segundo Jean Paul Sartre, filósofo existencialista contemporâneo, liberdade é:

I- escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo.

II- aceitar o que a existência determina como caminho para a vida do homem.

III- sempre uma decisão livre, por mais que se julgue estar sob o poder de forças externas.

IV- estarmos condenados a ela, pois é a liberdade que define a humanidade dos humanos.

Assinale

A) se apenas I e IV estiverem corretas.

B) se apenas II e III estiverem corretas.

C) se apenas I, II e IV estiverem corretas.

D) se apenas III e IV estiverem corretas.

E) se apenas I, III e IV estiverem corretas.

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QUESTÃO 04: (UFU – Jul/2000)

Sartre fundou um existencialismo ateu. Para este filósofo, não há um Deus que cria o homem e ordena-lhe a vida segundo um fim prévio. Sobre o existencialismo de Sartre as afirmativas abaixo são corretas, EXCETO:

A) a liberdade do homem só poderá efetivar-se plenamente no âmbito da sociedade burguesa que defende a livre iniciativa e o papel mínimo do Estado.

B) o homem é o único ser que é ser-para-si, isto quer dizer que ele é o seu próprio projeto.

C) a má fé resulta da fuga da experiência da angústia de ter sempre que escolher.

D) os valores que estruturam a existência humana não são obrigações metafísicas individuais e nem imposições da tradição; cabe apenas ao homem criá-las.

QUESTÃO 05: (UFU – Jan/2001)

Para Sartre (1905-1980) o homem a todo momento está escolhendo o caminho a seguir em sua existência, e esta escolha tem valor porque é feita entre outras inúmeras possibilidades; esta situação é de angústia, mas, uma vez feita a escolha, a angústia passa a ser a autonomia do querer. A situação existencialista da escolha, tal como foi descrita, implica:

A) a má fé do homem, pois a escolha é feita somente para satisfação de si mesmo.

B) a responsabilidade do homem, pois ele é sempre o autor da escolha feita.

C) a falsa consciência, que desconhece a autonomia e aceita aquilo que fazem de si.

D) a natureza humana imutável do indivíduo, que é a certeza da liberdade espiritual.