Material Didatico Impresso Ead

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MATERIAL DIDTICO IMPRESSO NA EaD: EXPERINCIAS E LIES APRE(E)NDIDAS1

Oreste Preti Coord. Adjunto UAB/UFMT

Introduo: pano de fundo

Na modalidade a distncia, numa abordagem sistmica, so vrios os sujeitos e os componentes interligados que atuam e interagem para que o processo de ensinar seja objetivado e o de aprender se concretize de maneira efetiva. Entre os componentes sempre foi de importncia fundamental o material didtico produzido especificamente para quem estuda sem contar com o apoio presencial de um professor. Por isso, a equipe de produo de material didtico assume papel nico e especfico no processo de ensinar.

importante, porm, salientar que, ao falarmos de material didtico, estamos nos referindo a uma diversidade de meios tecnolgicos que podem ser utilizados no ato de ensinar, tendo como objetivo a aprendizagem por parte do estudante. Portanto, no se restringe ao material didtico impresso. Mas, por que, aqui, tratar especificamente do material didtico impresso? Por vrios motivos. Vamos mencionar alguns:a)

Trata-se de tecnologia que no nova, mas que, ainda, tem espao garantindo numa sociedade em que tecnologias novas se tornam cada vez mais populares e sedutoras. Segundo Raquel Barreto (2000), a multimdia interativa deixa muito pouco espao para a imaginao [...] A palavra escrita, ao contrrio, estimula a formao de imagens e evoca metforas cujo significado depende, sobretudo, da imaginao e da experincia do leitor.

b)

Tem crescido enormemente a indstria de material impresso, indicando que o fim do livro est longe de acontecer;

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Apresentado no III Encontro Nacional de Coordenadores UAB - I Encontro Internacional do Sistema Universidade Aberta do Brasil - Braslia, 23 a 25 de novembro de 2009.

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c)

a tecnologia que faz parte de nossa formao escolar (e dos estudantes), do nosso campo profissional (ainda mais quando os estudantes so professores em exerccio) e que, portanto, deveramos dominar melhor;

d)

Na EaD, ainda, predomina o uso dessa tecnologia por ser mais acessvel. Segundo dados do Censo EAD (2010), das instituies que participaram da pesquisa e que possuem Polos de Apoio Presencial, 91% utilizam material impresso. Mas, se formos observar na oferta de cursos de graduao, praticamente 100% das instituies o utilizam.

e)

As Instituies que atuam na EaD esto em processo crescente de produo de material didtico especfico para os cursos em oferta. Se estimarmos que, num curso de graduao, h uma mdia de 40 a 50 disciplinas e que so mais de 200 os cursos oferecidos, podemos ter um ideia aproximada da quantidade de livros produzidos na EaD. E se multiplicarmos estes livros pelo nmero de alunos matriculados (aproximadamente 1 milho), logo nos damos conta de que estamos diante de uma indstria do livro no campo da EaD.

Porm, falar sobre material didtico no campo educacional, de maneira geral, retomar tema antigo, revestido de polmicas que acompanham sua produo e seu uso. Aqui, proponho, resumidamente, fazer referncia a algumas delas para que, juntos, possamos refletir sobre o momento atual, como atores e autores na modalidade a distncia. Mas, antes importante que coloquemos um pano de fundo a tudo que vai ser discutido.

O livro didtico, que nasce no movimento renascentista, na passagem da Idade Mdia para a Moderna, e do resgate do individualismo, est associado ao desenvolvimento do capitalismo, s novas relaes de trabalho na manufatura e na nascente indstria, aos avanos tcnicos da tipografia e ao aparecimento da profisso docente. Em que sentido?

a) O livro didtico foi proposto por Jan Amos Comnio (1592-1670), em sua Didtica Magna, como tecnologia que possibilitaria ensinar tudo a todos. Nasceu, portanto, com a perspectiva da socializao do conhecimento e da universalizao do acesso escola. Nessa perspectiva, a histria dos sistemas escolares, como redes institucionalizadas de ensino, paralela histria do material impresso de ensino.

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b) Por outro lado, em seu nascimento, trouxe com ele a possibilidade da desqualificao do professor, daquele que organiza aulas para determinadas classes de estudantes, que professa conhecimentos prprios acumulados ao longo de anos de estudo e de experincia, congregando as condies tcnicas e intelectuais para ensinar. Por que? O livro didtico credenciou funo docente qualquer pessoa com domnio bsico da tecnologia da leitura. Pois, bastaria seguir o que est proposto e sequenciado no livro didtico. At livro com gabarito e respostas elaboradas as editoras disponibilizam ao professor. c) O livro didtico contribuiu tambm para concretizar o projeto capitalista de manter o trabalhador disciplinado, ordenado, sob seu controle, no trabalho fabril. Nesse sentido, o livro didtico pode ser percebido como estratgia de disciplinamento, de treinamento submisso, ao que est pr-determinado, prescrito. O professor torna-se, assim, um maestro, isto , em seu sentido etimolgico, um adestrador, um amansador. E o aluno, como sujeito passivo, levado a copiar, a reproduzir e a memorizar o que est exposto (imposto) no livro didtico. d) Aqui, no Brasil, durante a ditadura militar, a indstria do livro didtico atuou tambm como instrumento de controle ideolgico, de disseminao de determinada viso de mundo e de sociedade brasileira amoldada ao sistema imposto. Assim, o livro didtico foi marcado por abordagem positivista e por pedagogia tecnicista.

O livro didtico, portanto, traz as marcas de um passado que no o qualifica para uma educao libertadora, de questionamento reconstrutivo. Embora, ao longo da histria da educao, houve e h propostas pedaggicas que buscam fazer dele instrumento de libertao. No h como negar a importncia histrica dessa tecnologia nos sistemas de ensino, sobretudo, na educao bsica. Como compreender, porm, o uso do livro didtico na modalidade a distncia, em cursos superiores e de ps-graduao lato sensu, que, historicamente, em seus cursos presenciais, utilizam textos literrios e cientficos? Que prticas so desenvolvidas e que avaliao podemos fazer da produo do material didtico e de seu uso, hoje, na EaD?

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2.Experincias

Nada melhor do que rpido relato de algumas das experincias vividas por ns no processo de produo de material didtico.

Fascculos do NEAD / UFMT (1994-1996)

O Ncleo de Educao Aberta e a Distncia (NEAD) da Universidade Federal de Mato Grosso, criado em 1992, aps aprovao do projeto pedaggico do curso de Pedagogia a distncia, nos colegiados de sua instituio, em 1994, desencadeou uma srie de aes para viabiliz-lo. Alm da estruturao do Centro de Apoio no Plo de Colder, a 670 km da capital, e da formao dos orientadores acadmicos, iniciou o processo de produo do material didtico do curso, os fascculos (do latim feixe, por serem organizados em unidades temticas interligadas). Para escrever os fascculos foram convidados e incentivados os professores das reas de conhecimento da proposta curricular do curso de Pedagogia, a maioria deles envolvidos na elaborao do projeto do curso. Eram realizados encontros peridicos por reas de conhecimento para traar o mapa e o percurso dos conceitos que seriam abordados, com suas inter-relaes. Os encontros com todos os autores eram planejados para socializao dos textos elaborados e avaliao do processo. Os eixos norteadores do projeto pedaggico (diversidade, historicidade, construo) serviam de base na elaborao do material, perpassando os temas em discusso nas diferentes reas temticas. O projeto grfico foi discutido e definido coletivamente, com o apoio de especialistas na rea da editorao e da comunicao. Porm, foi dada liberdade aos autores na organizao do texto (nmero de unidades e de tpicos por unidade, o tipo de atividades, ilustraes, indicaes de leituras complementares, quantidade de pginas). Cada equipe de produo imprimiu a marca da sua rea no material impresso. O texto produzido era lido e avaliado pela equipe pedaggica, por professores da rea e revisto pelos autores. Em seguida, era realizado o pr-teste com os orientadores

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acadmicos que avaliavam a linguagem, a coerncia e coeso textual, o nvel de dificuldades na leitura do texto, a adequao das ilustraes e das atividades de aprendizagem, o tempo mnimo necessrio para leitura compreensiva. O material avaliado como no adequado a estudantes de um curso a distncia era rejeitado. Outros autores eram convidados, como foi o caso dos fascculos de Filosofia e de Psicologia. Todos os fascculos foram elaborados por equipes de professores da rea e no individualmente, o que demandou tempo e cuidados especiais para dar unidade ao texto. Finalmente, o fascculo passava pela avaliao dos estudantes do curso. Pois, ao finalizar a leitura do fascculo, no momento dos Seminrios Temticos, respondiam a um questionrio, avaliando o material lido. Essa avaliao era analisada pela equipe pedaggica e, em seguida, encaminhada aos autores para fazerem as adequaes para uma prxima edio do fascculo.

Guias de Estudo do ProFormao (1999)

Nossa experincia na produo do material didtico para o Programa de Formao de Professores, em nvel mdio (ProFormao), foi diferente. Em janeiro de 1999, foi lanado edital para seleo de especialistas para elaborao de material didtico do Mdulo II do programa. Houve uma primeira seleo, por meio de entrevista, realizada em Braslia. Posteriormente, foi realizada uma oficina com o professor Jess Martn Cordero, da Universidad Nacional a Distancia (UNED), da Espanha. Durante trs dias, os candidatos tomaram conhecimento sobre a funo, as caractersticas e as qualidades do material didtico em curso a distncia e realizaram atividades de produo textual. A coordenao do programa, que acompanhou a oficina, ao final, definiu os especialistas que iriam produzir o material didtico do Mdulo II do ProFormao. Logo em seguida, os selecionados se reuniram para conhecer o projeto pedaggico do curso, as bases epistemolgicas e a organizao curricular. Foram definidas as equipes, compostas por trs especialistas da mesma rea, e distribuda a produo pelas cinco reas temticas do Mdulo II (Cdigos e Linguagem, Matemtica e Lgica, Identidade, Sociedade e Cultura, Fundamentos da Educao e Organizao do Trabalho Pedaggico).

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Cada equipe, ento, se reuniu e elaborou uma proposta de temas a serem desenvolvidos no material e a submeteu apreciao da equipe de coordenao e aos especialistas das outras reas. Desta maneira, foi possvel, identificar repeties, pontos de ligao entre os diferentes temas. A coordenao do Programa apresentou a Formatao do Guia de Estudo, com a organizao do material didtico, em quatro partes: Introduo, Estudo de temas especficos, Atividades integradas e Correo das atividades de estudo. Tambm foram dadas orientaes precisas sobre o nmero de unidades e de pginas para cada Guia de Estudo, nmero de tpicos e de pginas por tpico e por unidade, os elementos didticos dos temas especficos: Abrindo nosso dilogo, Definindo nosso ponto de chegada, Construindo nossa aprendizagem, Abrindo nossos horizontes. Era estabelecido prazo para entrega de cada unidade. O texto era lido e avaliado por especialistas de contedo e pela equipe pedaggica do curso que contava com assessoria do prof. Michel Moore. Nos encontros que aconteciam a cada dois meses, em Braslia, recebamos retorno dessas avaliaes. Tnhamos um prazo para fazer as devidas adequaes e/ou contestar o parecer dos avaliadores. Aps idas e vindas do texto entre autores e leitores e finalizado, discutiam-se as ilustraes com a equipe de editorao e o roteiro do vdeo a ser produzido em cada rea temtica. Os textos, finalmente, passavam por pr-teste com professores da rede pblica, com formao em nvel mdio. Realizvamos, ento, a ltima verso do material didtico antes de ir para editorao final. Tnhamos, ainda, uma avaliao do nosso texto pelos alunos do Programa aps sua utilizao no curso, a partir do questionrio que a coordenao aplicava ao final do estudo de cada Guia de Estudo.

Cadernos do FormAo pela Escola (2007)

Em 2006, a equipe do NEAD/UFMT foi convidada a elaborar o material do Programa Nacional de Formao Continuada a Distncia nas Aes do FNDE (FormAo pela Escola), no mbito dos programas do FNDE numa parceria com a Secretaria de Educao a

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Distncia do MEC. As capacitaes para esses

programas eram

realizadas

presencialmente. A proposta era, a partir de 2007, realiz-las na modalidade a distncia. O Programa tinha como objetivo capacitar profissionais de ensino, tcnicos e gestores pblicos municipais e estaduais, representantes da comunidade escolar e da sociedade organizada envolvidos na execuo, no monitoramento, na avaliao, na prestao de contas e no controle social dos programas e aes educacionais financiados pelo FNDE. No primeiro encontro com a coordenao do Programa, foram definidos os seguintes elementos: composio do material didtico por Mdulos temticos: cada mdulo teria um Caderno de estudo e um Caderno de atividades; a organizao do Mdulo: Para comeo de conversa, Unidades, Retomando a conversa inicial; a estrutura de cada unidade; os temas transversais a permear todos os Mdulos.

Em seguida, foi realizado um encontro com os tcnicos do FNDE, responsveis pelos quatro programas que fariam parte da fase inicial do Formao pela Escola: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Programa Nacional de Transporte Escolar (PNATE), Programa do Livro (PLI), Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE) e o Mdulo Introdutrio. Os tcnicos, alm das informaes bsicas dos Programas, disponibilizaram o material que utilizavam nas capacitaes, geralmente, em apresentao multimdia (tipo PowerPoint2). Nosso desafio era escrever um texto didtico sobre os Programas, a partir das poucas e breves informaes recebidas geralmente, limitadas a aspectos legais ou a breve histrico do programa , e a partir de estudo que realizvamos sobre os temas. Assim, foram necessrias vrias idas e vindas para que o texto contemplasse as informaes tidas como fundamentais pelos tcnicos do programa do FNDE e, ao mesmo tempo, ganhasse estilo e linguagem de um texto didtico e no uma compilao de leis, de normas, de orientaes tcnicas. Concluda a primeira verso, o texto passou pelo crivo de especialistas do programa e, posteriormente, por pr-teste, realizado com amostra representativa de pessoas2

PowerPoint um software de marca registrada da Microsoft.

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residentes em diferentes Estados da Federao, em municpios com maior e menor densidade populacional, em reas urbanas e rurais. Tambm passou pela leitura dos tutores do Formao pela Escola, durante sua capacitao, antes da implementao experimental do Programa em alguns Estados. Aps essa reviso que os Cadernos foram editados e utilizados no Programa.

Fascculos da UAB/UFMT (2008)

Com o Edital n 1, a UFMT comeou nova fase na modalidade a distncia. At aquele momento, a referncia no campo da EaD era Ncleo de Educao Aberta e a Distncia do Instituto de Educao. Com a oferta de cursos de graduao em Administrao, em Pedagogia, em Cincias Naturais e Matemtica e de cursos de extenso e ps-graduao lato sensu em diversas reas, na modalidade a distncia, no mbito do sistema UAB, no foi mais possvel contar com equipe reduzida de profissionais do NEAD. A equipe do NEAD realizou a capacitao das novas equipes de EaD e eventuais assessorias aos coordenadores dos cursos, alm de disponibilizar e oferecer sua estrutura tecnolgica. A UFMT, naquele momento, estava em processo de institucionalizao de uma Secretaria de Tecnologias da Informao e Comunicao Aplicadas Educao (STI), com o objetivo de dar suporte tcnico e pedaggico aos cursos a distncia, mas, ainda, sem equipes constitudas nem infra-estrutura instalada e disponibilizada. Assim, ficou a cargo de cada coordenao de curso o processo de produo do material didtico. O que ocorreu foi uma espcie de fazejamento de ir fazendo e avaliando o realizado. A coordenao do curso assumia a responsabilidade de selecionar os professores autores, de oferecer orientaes gerais sobre o texto didtico a ser redigido, de avaliar o texto produzido e de encaminh-lo ao revisor de linguagem. Aps essa etapa, muitas vezes marcada pelo no cumprimento dos prazos pelo autor a disciplina prestes a ser oferecida no curso , o texto era encaminhado para o diagramador que, com a coordenao, foi desenhando o projeto grfico do material. Este profissional tambm desempenhava o trabalho de ilustrador. No curso de aperfeioamento, oferecido aos orientadores acadmicos dos trs cursos a distncia, foi solicitado como atividade no ltimo mdulo, que tratava do material

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didtico, que avaliassem o material didtico produzido em seu curso at aquele momento, a partir de um questionrio que foi disponibilizado. O resultado foi preocupante. Ficou evidente que, sem equipe para acompanhar a produo do material em todas as suas fases, o produto final nem sempre o mais adequado para um estudante de um curso a distncia. A partir dessa avaliao preliminar dos orientadores, os coordenadores procuraram redefinir o projeto grfico, estabelecer alguns critrios de qualidade e envolver outros leitores para avaliar o texto dos autores.

Livros do e-Tec Brasil (2008-2009)

O Decreto n. 6301 (12-12-07) instituiu o Sistema Escola Tcnica Aberta do Brasil (e-Tec Brasil), no mbito da expanso da educao profissionalizante, com o objetivo de Formao Profissional Tcnica de Nvel Mdio a distncia. Em 2008, as Universidades Federais de Mato Grosso, de Santa Catarina, do Rio Grande do Norte e a Fundao CECIERJ foram convidadas a colaborar na produo do material didtico do Programa, assumindo a responsabilidade de adequao do material linguagem de EaD e de editorao. A ns da UFMT coube a produo de material didtico dos cursos tcnicos de Gesto Pblica e de Secretariado da Escola Tcnica da Universidade Federal do Paran e os cursos tcnicos de Meio Ambiente e de Informtica da Universidade Tecnolgica Federal do Paran, num total de 90 livros. No segundo semestre de 2008, foram realizadas oficinas com os autores, para discutir o projeto grfico do material e a elaborao de texto didtico em cursos a distncia. Foi organizado material com orientaes sobre os procedimentos da produo, sobre a linguagem dialgica e estabelecido cronograma de trabalho. Inicialmente, o autor enviava o plano da disciplina e a primeira unidade. Recebia do designer educacional, no prazo de duas semanas, os comentrios e as orientaes para adequao do texto linguagem de EaD e ao formato do projeto grfico. Em seguida, prosseguia na elaborao do texto completo de sua disciplina e enviava para apreciao. O texto retornava ao autor e novamente era devolvido ao designer educacional. Assim, o texto passava, pelo menos, por duas leituras completas antes de ir para o ilustrador e para o revisor de lngua portuguesa.

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Depois de diagramado, o texto era enviado ao autor para sanar ainda possveis lacunas, identificar erros tcnicos e fazer apreciao final. Somente aps sua aprovao, o texto era finalizado, incluindo ficha catalogrfica e o nmero do ISBN. Ficou sob responsabilidade da coordenao do programa na instituio cuidar para que o contedo do texto fosse lido e avaliado por especialistas da rea ou da disciplina; o que raramente aconteceu. Porm, o maior entrave nesse processo foi o no cumprimento dos prazos estabelecidos, a demora dos autores na elaborao do texto ou na devoluo, aps a leitura do designer educacional. Assim, at outubro de 2009, somente foram finalizados 16 livros da Escola Tcnica da UFPR e somente 6 da UTFPR. Em 2009, o Programa mudou a dinmica de produo, frente necessidade de atender aos institutos prestes a iniciar seus cursos a distncia. Foi feita uma redistribuio, entre as trs universidades envolvidas na editorao do material didtico. No seria mais por curso e instituio, mas por disciplinas. O projeto grfico seria o mesmo e organizado no mais em unidades temticas, como fazamos at o momento, mas em aulas. O autor poderia produzir e enviar equipe de editorao aula por aula. O contato, ento, passou a ser direto da equipe da UFMT com o autor, sem o apoio de uma coordenao local, nos Institutos, para acompanhar essa produo junto aos autores. Ficou a cargo da coordenao nacional cobrar dos autores a entrega do texto no prazo estipulado. Assim, os textos das disciplinas chegavam nossa equipe de maneira isolada, sem discusso coletiva dos autores em sua instituio, sem conhecimento nosso do projeto pedaggico do curso. Como o tempo foi exguo e no conseguamos identificar quais os autores com os quais iramos dialogar, no foi possvel realizar, no incio, encontro ou oficina para discutirmos o processo de produo do material didtico. Isso est sendo feito por meio de orientaes escritas. Assim, estamos recebendo um texto produzido de acordo com o entendimento, ou a informao que o autor tem sobre o que material didtico em cursos a distncia. A UFMT ficou responsvel pela edio de outras 120 disciplinas de diferentes cursos e de diversos Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia. De julho a outubro de 2009, recebemos os textos de 15 disciplinas, apenas. A nova coordenao do Programa, no final de janeiro de 2010, reuniu as instituies envolvidas no acompanhamento da produo do material didtico para rever

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procedimentos e propor ao coletiva entre as instituies e encontros de formao com os autores para garantir a qualidade do material didtico do Programa.

Livros do PNAP/UAB (2009)

A partir da experincia do projeto piloto do curso de Administrao a distncia (2007), a direo do Sistema Universidade Aberta do Brasil, ao longo de 2008, promoveu encontros com a coordenao nacional do projeto piloto para elaborao de um Programa Nacional em Administrao Pblica (PNAP), a ser iniciado no segundo semestre de 2009. Assim que o Programa foi desenhado e foram elaborados o projeto pedaggico do bacharelado e o da ps-graduao lato sensu, foi nomeada uma comisso editorial para coordenar a produo do material didtico do programa. A Equipe de Desenvolvimento de Materiais do Departamento de Cincias da Administrao do Centro Scio-Econmico da Universidade Federal de Santa Catarina ficou responsvel pela editorao. Para poder monitorar o processo e possibilitar o dilogo entre autores e leitores, e o registro de todas as verses do texto didtico, esta equipe organizou, no sitio da UFSC, ambiente prprio. Com o intuito de aproveitar parte do material didtico do curso de Administrao, a comisso convidou a maioria de seus autores para fazer adequao do texto concepo do projeto pedaggico do bacharelado em Administrao Pblica e ao profissional a ser formado. Para novas disciplinas do bacharelado e para as disciplinas do curso de psgraduao lato sensu em Gesto Pblica, a comisso editorial convidou professores e tcnicos de instituies pblicas. Foram realizadas diversas oficinas com os autores para apresentar a proposta curricular do curso, o projeto grfico e orientar a elaborao do texto didtico. Redigida a primeira verso, era lida e avaliada por um ou dois especialistas da rea. A Equipe de Desenvolvimento de Materiais CAD/UFSC realizava check list para verificar sua adequao ao projeto grfico. Autores e leitores de contedo estabeleciam comunicao contnua visando aprimorar o texto. Somente aps aprovao pelo leitor de contedo, o texto era encaminhado UFMT para ser lido e comentado por dois professores da equipe de revisores didticos. No prazo de duas semanas esses revisores devolviam ao autor o texto com comentrios,

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adequaes e sugestes, e preenchiam para a comisso editorial um formulrio prprio com avaliao do texto em relao a quatro dimenses: estrutura, eficcia para aprendizagem, desenvolvimento curricular e avaliao (PRETI, 2007). O texto era adequado pelo autor naquilo que julgava pertinente e justificava os aspectos no atendidos. Em seguida, era novamente remetido equipe de designer que redigia parecer final sobre o texto para a comisso editorial. Somente aps esse parecer, o texto ia para a reviso de lngua portuguesa, para ilustrao e diagramao. A produo encontra-se em fase final: das 72 disciplinas, 41 j foram concludas.

3. Polmicas e Equvocos

A partir dessas diversas e diferentes experincias, delimitaremos nossas consideraes a algumas polmicas que no so novas e que, ainda, no foram respondidas satisfatoriamente pelas pesquisas nesse campo e a alguns equvocos nos procedimentos e no contedo da produo de material didtico.

3.1. Polmicas

a) Produzir material didtico nacional, com identidade de um programa de governo, ou material didtico local, com identidade da instituio e da regio? A teoria da industrializao, elaborada por Otto Peters (1971 apud PRETI, 2009a), da universidade alem a distncia, e que se desenvolveu na EaD nos incios da dcada de 1970, baseada numa concepo fordista de ensino, prope produtos padronizados para viabilizar economicamente cursos a distncia; pois, a EaD era percebida como educao para as massas. Ademais, a crtica educacional, ao longo destas ltimas dcadas, tem avaliado esse tipo de produo como pacotes de ensino, do tipo instruo programada. Pois, se daria nfase ao material didtico como elemento central no processo de aprendizagem, baseado numa abordagem estmulo-resposta, o que levaria o estudante a no refletir. Outra crtica era que, nesse tipo de produo, o contedo era descontextualizado da realidade regional, local, levando o estudante leitura desmotivadora e ao no

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estabelecimento de relaes do texto com seu contexto, o que tornaria precria sua formao. Mas, ser que o material didtico produzido regionalmente tem superado esse tipo de abordagem instrucional?

b) Produzir material didtico com pessoas de renome na rea ou com a prata da casa? Selecionar especialistas por meio de edital, com comisso especializada de avaliadores, ou por meio de convite pessoal e/ou aberto somente a professores da instituio? A qualidade do material didtico estaria relacionada qualificao/titulao profissional?

c) O papel do professor na produo de material didtico na EaD permanece o mesmo daquele em que ao autor eram dados todos os poderes de atribuio de sentidos, ou se modifica? Em que? E o papel do leitor se modifica em papel de co-autor? Como? O texto didtico, que linear e pouco interativo, permite isso?

d) O texto didtico suficiente para estabelecer interao com o estudante ou necessita da interveno do tutor, ou orientador para a aprendizagem? A teoria da autonomia e da independncia intelectual, elaborada por Michel Moore (1970 apud PRETI, 2009a) e Charles A. Wedemeyer (1981 apud PRETI, 2009a), afirma que se o material didtico bem estruturado e bem escrito, dispensa a ao do tutor. O aluno aprenderia por si s. Da a importncia, na EaD, em estimular o aluno autonomia e a desenvolver mtodos eficazes de estudo. Essa teoria, centrada no estudante, desqualifica a ao do professor e do tutor? Essa autonomia do estudante em que consiste? possvel ser realizada por meio do livro didtico? Ou, trata-se, na realidade, de estimular o estudante ao autodidatismo?

e) Que estilo de linguagem utilizar no material didtico? A linguagem acadmica, prpria da produo cientfica, ou uma linguagem dialgica, que se aproximaria do coloquial? Existe um padro de linguagem a ser preservado no texto didtico na EaD? Fala-se muito na dialogicidade que deveria estar presente nos textos didticos de cursos a distncia. Em que consiste? uma caracterstica especfica da EaD?

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A teoria da comunicao e interao, mais conhecida como teoria da conversao didtica guiada, elaborada pelo sueco Borje Holmebrg (1970-80 apud PRETI, 2009a) e desenvolvida posteriormente por diferentes autores (Keegan, Evans, Garrison, Shale, Paul apud PRETI, 2009a), tambm enfatiza a importncia do material didtico na EaD. Ele deveria propiciar o estabelecimento de sentimento de relao pessoal entre professor e aluno, pois isto favoreceria alcanar os objetivos de aprendizagem. Por isso, o material didtico estruturado em forma de dilogo, com estilo pessoal, apresentando o tema de maneira acessvel ao estudante, envolvendo-o emocionalmente. Assim, o material didtico que garantiria motivao e aprendizagem. Mas, ser que o material didtico em estilo coloquial permite ao professor ensinar e suficiente para propiciar aprendizagem por parte do estudante?

f) Propor projeto grfico do material didtico como moldura a enquadrar o texto do autor, ou como tela em que ele tenha espaos de liberdade e de criatividade para dar plasticidade ao texto? Um percurso nico ou diferentes caminhos que levem ao mesmo destino? Buscamos responder a algumas dessas indagaes, a partir da anlise do material didtico produzido por algumas instituies e das experincias vividas na produo de material didtico impresso. O que constatamos foram alguns equvocos no processo de produo do material didtico e falhas didticas em seu contedo.

3.2. Equvocos

a) Inicialmente, gostaramos de pontuar que esses equvocos so comuns tanto nos textos produzidos em programas nacionais de EaD como em cursos de uma instituio particular. Talvez, no que diz respeito qualidade externa e cientfica do material, os programas nacionais tm dinmica e organizao que lhe permite melhor controle sobre essa qualidade (projeto grfico, ilustraes, avaliao do contedo por especialistas externos).

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Em relao qualidade interna (s conexes entre as diferentes disciplinas do curso, afinidade com o projeto pedaggico), as produes locais tm maiores possibilidades de xito, mas nem sempre tm condies de validar cientificamente o material produzido.

b) Escrever texto didtico diferente de escrever um artigo cientfico, uma dissertao ou uma tese. um equvoco o professor conceber o texto didtico como espao para publicao cientfica, colocando-se na atitude de escrever para os pares e no para estudantes. Houve caso de autores que simplesmente encaminharam sua tese ou uma coletnea de seus artigos publicados deixando a cargo do revisor didtico a rdua tarefa de transform-lo em texto adequado para a modalidade a distncia. O grande desafio do autor de texto didtico aproximar o discurso cientfico (escrito) s condies do discurso narrativo (oral).

c) Ser autor, em sua etimologia, ser criador, ter autoridade, crdito. Portanto, no compreendemos a atitude de professores que limitam seu texto didtico a mera repetio ou reproduo de pensamentos alheios. O que fazer com textos didticos que so apenas resumos de obras, ou sequncia de longas citaes? Onde est o pensamento e a reflexo do professor autor que prope, em seus objetivos, levar o estudante tambm reflexo e tomada de posio em relao teoria em estudo e aos fatos observados e/ou vividos? Para o filsofo alemo Arthur Schopenhauer (1788-1860), em sua obra A arte de escrever (2006),h trs tipos de autores: em primeiro lugar, aqueles que escrevem sem pensar. Escrevem a partir da memria, de reminiscncias, ou diretamente a partir de livros alheios. Essa classe mais numerosa. Em segundo lugar, h os que pensam enquanto escrevem. Eles pensam justamente para escrever. So bastante numerosos. Em terceiro lugar, h os que pensaram antes de se por a escrever. Escrevem apenas porque pensaram. So raros. [...] extremamente reduzida a quantidade daqueles que pensam sobre as prprias coisas, enquanto os demais pensam sobre livros, sobre o que os outros disseram (SCHOPENHAUER, 2006, p. 57-58).

d) Ao escrever texto que tem funo de ensinar, destinado a estudantes de um curso de formao profissional, o autor precisa ter como referncia: o projeto deste curso para

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que a formao do estudante tenha unidade, intencionalidade e direo; o perfil dos estudantes a que se destina seu texto; seus conhecimentos prvios. Quando solicitvamos a autores que estabelecessem conexes de determinado contedo do texto com o projeto pedaggico e/ou com disciplinas do curso relacionadas sua, ou quando questionvamos passagens do texto que iam em direo diferente ao proposto no projeto, alguns autores reconheciam desconhec-lo, outros afirmavam no saber o contedo desenvolvido nas demais disciplinas do curso.

e) O texto didtico se diferencia de outros tipos de texto agregados a posteriori no ensino (textos literrios, cientficos) porque ele se coloca a priori com a funo de ensinar. Portanto, imprime marcas especficas na sua organizao. No pode ser pensado com a mesma lgica da sala de aula. Por isso, no compreendemos a compilao de textos didticos no formato de aulas, buscando demarcar o tempo e ritmo de leitura do estudante. Esta postura vai de encontro ao que defendem as teorias da aprendizagem de base construtivista.

f) O texto didtico percebido por muitos professores-autores como lcus de pura exposio de contedo, pois consideram ser esta sua funo principal, cabendo ao estudante somente a reteno e reproduo do contedo explanado. Por isso, comum ouvir dos professores sua insatisfao quanto limitao de pginas em seu texto, pois consideram o texto didtico como espao nico para exposio dos contedos da disciplina. Isso fica evidenciado ao lermos os objetivos de aprendizagem propostos nos textos didticos, em que prevalecem verbos do tipo cognitivo: levar o estudante a conhecer, a compreender. Numa abordagem construtivista e sociointeracionista, a aprendizagem se d por processo de descoberta e no por recepo mecnica. O estudante aprende ao reordenar o contedo (que no pronto, acabado e nico), ao adapt-lo sua estrutura cognitiva prvia at descobrir relaes, leis, conceitos que, posteriormente, assimila.No processo de estudo e de aprendizagem ocorre uma internalizao ou assimilao. O aprendiz incorpora o conhecimento novo, apropria-se dele. Esta assimilao requer elaborao interna, pois no se trata apenas de transposio ou transferncia (Garcez, 2004: 58).

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Portanto, por meio do texto didtico torna-se possvel realizar, mais do que o mero ato de ensinar (no sentido de transmisso de contedo), o ato de educar, quando o estudante reflete, cria, se exprime, dialoga com o autor e se relaciona. Isso supe que este texto seja pedagogicamente diferente de outros materiais de ensino (GUTIRREZ PEREZ; PRIETO CASTILLO, 1991). Portanto, o professor no pode ser um conteudista como se ouve muito por a na EaD , algum especialista em despejar contedo, e sim um autor, um professor que ensina e aprende dialogando com o estudante.

g) Finalmente, o que ainda percebemos, ao longo destas experincias, a dificuldade em constituir equipes interdisciplinares na produo de material didtico e na formao do chamado designer educacional ou do revisor didtico, ou outro nome que se queira dar ao especialista na EaD que colabora na adequao do texto a uma linguagem dialgica, a tornar pedaggico o texto, capaz de intervir no texto do autor sem interferir em seu estilo, em sua maneira de ser como professor e como escritor.

4. Anlises preliminares

Para avaliarmos, nos aspectos didticos, o texto de 41 dos 79 livros do Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica, na fase final de elaborao pelos autores, fizemos recurso ao instrumento de anlise de material didtico para EaD elaborado por membros da equipe do CIDEAD (Centro de Investigacin Didctica en EAD) da

Universidad Nacional de Educacin a Distncia (UNED) da Espanha (1995) e por ns reelaborado (PRETI, 2007).

Nesse instrumento, diferentes aspectos a serem observados por nossos revisores didticos, foram agrupados em quatro dimenses: a estrutura, a eficcia para a aprendizagem, o desenvolvimento curricular e a avaliao. Na dimenso estrutura, por tratar-se de material impresso, so avaliadas caractersticas deste material (se est de acordo com o projeto grfico, o tipo de ilustraes, etc.). Quanto dimenso eficcia para a aprendizagem, se verifica se o material contem elementos que possibilitem e favoream a auto-aprendizagem. Em desenvolvimento curricular so analisados os

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objetivos de aprendizagem, a sequenciao dos contedos. Finalmente, na dimenso avaliao se as atividades de aprendizagem propostas esto relacionadas aos objetivos de aprendizagem e aos temas centrais, se sua formulao e estrutura so claras e se esto graduadas quanto ao nvel de dificuldade.

Ao finalizar a leitura do texto, o revisor o avaliava em relao a essas dimenses, atribuindo a cada uma delas pontuao de 0 a 10. Em seguida, o total de pontos de cada dimenso era transformado em percentagem. De acordo com a percentagem alcanada, o texto era avaliado como insuficiente, aceitvel, bom e excelente (Tabela 1).

Tabela 1. Parmetros para avaliao do material didtico impresso do PNAP/UAB (2009)DIMENSES AVALIADAS Estrutura Eficcia para a aprendizagem Desenvolvimento curricular Avaliao < 50% Insuficiente 5 7 2 10 50-69% Aceitvel 10 11 11 17 70-84% Bom 16 18 22 13 85-100% Excelente 10 5 6 1 Total 41 41 41 41

importante salientar, antes de tudo, que existe estreita relao entre as diferentes dimenses avaliadas, pois no se trata de compartimentos estanques. Porm, o agrupamento em quatro grandes dimenses permitiu melhor apontar ao autor (ou recomendar) o que necessitaria rever.

Em que aspectos didticos os autores apresentaram maiores dificuldades? Vamos apontar aqui, resumidamente, alguns: a) Na textualidade: textos com falhas na coerncia, na coeso e na argumentao. Textos com pouca clareza, devido no somente construo de longos pargrafos como, sobretudo, lgica pouco clara na estrutura das unidades, dos tpicos e dos subtpicos ou na falta de conexo entre os temas desenvolvidos. b) Na proposta de avaliao de aprendizagem: as atividades elaboradas no material didtico nem sempre possibilitariam ao estudante verificar, no processo de leitura, seu nvel de compreenso. As atividades de aprendizagem, no material didtico, devem propiciar ao aluno feedback (atividades de auto-avaliao) e oferecer elementos para que ele possa identificar o que sabe e o que no sabe,

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ainda, para poder, assim, autogerir seus procedimentos de leitura (metacognio) (PRETI, 2009b). O que constatamos que o autor, muitas vezes, se coloca na posio do professor que ir conduzir aquela disciplina em sua instituio. No se coloca como autor que prope ao professor determinado percurso, mas deixando a cargo do professor da disciplina especificar estratgias e atividades de aprendizagem. Caso contrrio, estaramos negando a capacidade do professor conduzir o processo de ensino, tolhendo sua autonomia como docente e tornando o texto didtico instrucional, normativo e fechado. Estaramos afirmando o preceito de que para ensinar suficiente saber manusear o livro didtico. c) Na redao adequada de objetivos de aprendizagem: eram propostos objetivos de ensino, daquilo que o professor pretende ensinar e no do que espera o aluno alcanar por meio do estudo das temticas propostas. A maioria dos professores, formados em cursos de bacharelado, certamente teve pouca formao pedaggica e como professores universitrios essa formao, geralmente, realizada na prtica cotidiana da sala de aula. Isso explica, em parte, a dificuldade na elaborao de objetivos e de atividades de aprendizagem. Da a necessidade de realizao de oficinas, com os autores, para exercitar o domnio dessas estratgias de ensino. d) Outra dificuldade que emergiu dos textos lidos foi referente dimenso dialgica, uma caracterstica marcante do material didtico na EaD. Diversos professores autores tm compreendido a chamada dialogicidade como a simples abertura do texto com uma saudao ao leitor: Prezado estudante, ou propondo paradas de reflexo em algumas passagens do texto: O que voc acha?, ou Agora com voc. Dialogicidade sinnimo de comunicao e pode ser entendida comoa capacidade de produo de um material no qual os textos, por exemplo, reproduzam, simulem ou antecipem a possibilidade de um dilogo entre autor e leitor, que permita a este ltimo uma percepo de igualdade e no de inferioridade ou passividade frente ao professor (BELISRIO, 2003, p. 144).

Em outras palavras, a dialogicidade inerente a todo processo de construo/produo de sentidos. a caracterstica discursiva que pressupe polo de emisso e polo de recepo que interagem, por meio de um signo-texto

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(verbal, no-verbal). A principal caracterstica da interao/interlocuo a dialogiciade, pois o discurso pr-existe fala e escrita e ps-existe tambm, quando os sentidos so produzidos. Se no houver participao dos dois polos a dialogicidade fica prejudicada (POSSARI , 2009). Como diria Paulo Freire (1975): A educao autntica no se faz de A para B, ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo. No caso do texto didtico na EaD, o texto-signo deve trazer explicitamente nele a possibilidade do dilogo, da interao. Isto feito por meio de propostas de reflexo, como questionamento reconstrutivo, propondo tarefas (atividades de autoavaliao e de aprendizagem) que levem o aluno a observar criticamente sua prtica e seu contexto. Portanto, no se trata de infantilizar o texto, como alguns professores autores se referiam s sugestes de redao propostas pelo revisor didtico. No se trata de estar a todo momento, no incio de cada tpico saudando o leitor (Caro estudante), ou convidando-o a fazer uma pausa para tomar um cafezinho. Estas no so marcas do dilogo. O autor pode at recorrer a essas estratgias e seu texto continuar no monlogo. Dialogar com o estudante, por meio do texto, , fundamentalmente, conseguir se comunicar com ele, estimulando-o reflexo, propondo-lhe desafios, provocandoo, valorizando o que sabe, questionando-o sobre o que sabe, recorrendo a situaes do cotidiano, a fatos, a estudos de caso, a metforas ou contos para ilustrar conceitos, fazendo uso de imagens, de grficos, de desenhos.

Se o autor no consegue cativar o estudante, seduzi-lo na leitura do texto, motiv-lo a aceitar o desafio do novo, dificilmente se dar a aprendizagem. O que o estudante far nas atividades exigidas, nos momentos de avaliao, recorrer memorizao, reproduo ou, at, cpia.

5. Consideraes finais

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O material didtico, no sistema de EaD, uma tecnologia disponibilizada ao estudante, alm de outros componentes, tais como o projeto pedaggico, os sistemas de tutoria, de comunicao, de avaliao, os momentos presenciais, os colegas, as experincias pessoais. Por isso importante considerar o seguinte: a) O material didtico na EaD concebido e produzido especificamente para o estudante, isso o diferencia do material utilizado em cursos presenciais. b) As reaes e atitudes de cada estudante, ao ler os contedos propositivos, so diferenciadas. Alguns so levados ao questionamento reconstrutivo, ressignificao de prticas, por alguma das reas do ncleo central ou bsico do curso, outros pelas reas especficas ou eletivas. No importa! Acreditamos que isso ocorrer em algum momento, talvez no incio do curso, quando no ao final, ou depois do curso. c) No existe campo do saber que melhor forma o estudante, ou uma sequncia de disciplinas que garanta compreenso dos fatos, superando o senso comum. O estudante dar-se- conta de que qualquer rea do conhecimento pode ser o ponto de partida para nova viso de mundo, de sociedade, de trabalho, e que os conhecimentos esto interligados, uma rea necessitando de outras para leitura contextualizada. d) Por isso, o material didtico no pode ser tomado como pedao de um todo, de conhecimento a ser simplesmente apropriado e reproduzido, ou como fragmento de uma verdade, e sim como parte de uma proposta formativa que, mesmo com suas opes tericas e metodolgicas, tem unidade, sentido e direo. O que est construdo no texto didtico trata-se de uma direo, mas no a nica; de um discurso, mas no fechado em si mesmo; de uma verdade, mas que no pode ser tomada como sendo a Verdade!

necessrio entender tambm que o material didtico do curso apresenta suas limitaes. um recorte no campo do saber que necessita ser expandido com a leitura de outros materiais bibliogrficos (leituras complementares) e com a pesquisa (seminrios temticos). Limitar a formao do estudante leitura do material didtico impresso do curso empobrecer sua formao. Por isso, o texto didtico impresso na EaD

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qualificado de texto base, pois serve de referncia, de ponto de partida para o estudo, no pode ser o nico texto a ser disponibilizado ao estudante. Enfim, temos que considerar, do ponto de vista da comunicao, o texto didtico deve possibilitar construo de conhecimentos elaborados, num processo dialgico, os plos interagindo para produo de sentidos. Do ponto de vista pedaggico, ter conscincia que, ao produzir material didtico especfico na EaD, estamos criando uma tecnologia que ir apoiar (ou no) o processo de aprendizagem do estudante. Aqui est o grande desafio de ser professor autor em cursos a distncia: mesmo sem estar fisicamente prximo do estudante, produzir material didtico que propicie aprendizagem, pois esta a funo central do material didtico.

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