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1 Material para as disciplinas de Português I, Leitura e Produção de Texto e Comunicação e Expressão FATEC IPIRANGA Manoel Francisco Guaranha São Paulo 2016

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Material para as disciplinas de Português I,

Leitura e Produção de Texto e Comunicação e

Expressão

FATEC IPIRANGA

Manoel Francisco Guaranha

São Paulo – 2016

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Sumário Unidade I – Comunicação: linguagem humana e linguagem animal .................................................. 3

Unidade II – Linguagem, língua, discurso e enunciação.................................................................... 11

Unidade III – Níveis de linguagem ..................................................................................................... 20

Unidade IV – Gêneros e tipos textuais .............................................................................................. 30

Estudo da narrativa ....................................................................................................................... 37

Estudo da descrição ...................................................................................................................... 44

Estudo da argumentação .............................................................................................................. 52

Coesão Textual: Conceitos e Mecanismos ....................................................................................... 58

Coerência........................................................................................................................................... 74

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Unidade I – Comunicação: linguagem humana e linguagem animal

Comunicar é tornar algo comum e pressupõe uma atividade gregária, a

solidariedade entre membros de um grupo, bem como o recurso de elementos

simbólicos. Sem entrar no mérito do complexo significado do símbolo, vamos

considerá-lo aqui, num primeiro momento, como tudo aquilo que, por um princípio

de analogia formal ou por convenção, representa, substitui ou sugere algo. Grosso

modo, é um sinal ou signo. Nesse sentido, uma placa de trânsito é um símbolo, a

cruz do Cristianismo também o é, bem como as palavras podem ser consideradas

símbolos.

Comunicação, pelo menos a humana, envolve vida social, convenções,

regras, memória, diálogo, reflexão, compartilhamento de valores, quer dizer, um

complexo sistema de fatores que conectam os indivíduos.

Para participar de modo significativo do processo de comunicação, pelo

menos a humana, é necessário desenvolver habilidades que vão além da

decodificação de sinais. Isso nos mostram os estudos linguísticos que serão

apresentados a seguir com os seguintes objetivos:

a) Compreender o complexo processo da comunicação humana em

confronto com a comunicação animal;

b) Refletir sobre a complexidade da comunicação humana e sobre as

bases em que se assentam esse fenômeno as quais são,

essencialmente, sociais;

c) Reconhecer diferentes modos de comunicação e suas especificidades.

Comunicação animal e linguagem humana

Comunicação animal e linguagem humana é o nome de um capítulo da

obra Problemas de linguística Geral(2005), de Émile Benveniste (1902-1976),

que na 5ª edição da obra, publicada pela Editora Pontes, ocupa as páginas 60 a

67.

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Benveniste parte do pressuposto que “Aplicada ao mundo animal, a noção

de linguagem só tem crédito por um abuso de termos” e de que até a publicação

de seu trabalho, e podemos acrescentar que até hoje, “foi impossível estabelecer

que os animais disponham, mesmo sob forma rudimentar, de uma modo de

expressão que tenha os caracteres e as funções da linguagem humana.”(p. 60)

Os animais que possuem um sistema mais ou menos parecido com o

humano são as abelhas e, nesse sentido, Benveniste apresenta como o problema

foi estudado por um professor de Zoologia na Universidade de Munique,

Alemanha: Kark von Frisch. A partir da observação de que as abelhas, quando

encontram uma fonte de alimento, pareciam comunicar às outras da colmeia o

lugar exato da fonte e de que outras abelhas da mesma colmeia conseguiam

chegar ao local, o pesquisador chegou à conclusão de que, de algum modo, essa

informação era transmitida entre as abelhas.

Observando uma colmeia transparente, Frisch pôde descrever uma série de

danças que a abelha que encontrou a fonte de alimento executa às companheiras

quando chega à colmeia. Após muitas pesquisas para compreender o significado

dessas danças, chegou à conclusão de que os movimentos se referem não ao

achado, o alimento, mas à distância em que esse achado encontra-se da

comunidade das abelhas.

Quando a abelha chega à colmeia, pelo seu odor ou pela absorção do

néctar que a operária engoliu, as companheiras sabem sobre a natureza do

achado. Já os movimentos das danças indicam: o local em que o alimento deve

ser procurado, se mais próximo ou mais distante da colmeia; e a direção em que

está o achado.

Benveniste serve-se dessas experiências para traçar um paralelo entre as

linguagens animal e humana que será sintetizado no quadro a seguir:

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Quadro das especificidades das linguagens animal e humana

Linguagem das abelhas Linguagem humana

“Capacidade de formular e de interpretar um ‘signo’ que remete a uma ‘realidade’, a memória da experiência e a aptidão para decompô-la” (BENVENISTE, 2005, p. 64)

Revela a mesma capacidade de formular e interpretar um signo, mas que não remete a uma única realidade. Por exemplo, a cruz, instrumento de tortura, remete não apenas ao fato histórico em que era usada, mas passou a remeter ao sacrifício, aos valores do Cristianismo entre outros aspectos. Isso não deixa de estar ligado à “memória” da crucificação, relatada nos textos sagrados, mas foi ampliada para outros tipos de experiência, por exemplo, a dos sacrifícios a que cada um de nós submete-se ao longo da existência, cristalizado no dito popular: “cada um deve tomar sua Cruz”.

Os processos de comunicação apresentam um simbolismo rudimentar “pelo qual dados objetivos são transpostos em gestos formalizados, que comportam elementos variáveis e de ‘significação’ constante.” (BENVENISTE, 2005, p. 64)

A significação dos elementos relativos à comunicação humana não são constantes, variam, entre outros modos, cronologicamente. A palavra “prostituir”, por exemplo, que se liga à ideia de algo imoral ou devasso, tem a seguinte etimologia, segundo o Dicionário Houaiss: vem do latim que significava 'colocar diante, expor, apresentar à vista; pôr à venda; mercadejar com a sua eloquência; prostituir, divulgar, publicar'”. Nesse sentido, originariamente o termo não estava ligado ao comércio do sexo especificamente, mas ao comércio em geral.

Situação e função de uma linguagem: “o sistema é válido no interior de uma comunidade determinada” e “cada membro dessa comunidade tem aptidões para empregá-lo ou compreendê-lo nos mesmos termos” (BENVENISTE, 2005, p. 64)

Isso ocorre também na linguagem humana em parte, pois entre nós as pessoas podem compreender os termos e empregá-los segundo juízos de valores específicos. A cruz, para o crente, é um símbolo sagrado. Para o ateu, pode ser um símbolo da alienação.

Linguagem gestual e não vocal, Linguagem vocal que ultrapassa a

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portanto só permitem a percepção visual à luz do dia

barreira da percepção apenas visual.

A linguagem não provoca nenhuma resposta, apenas uma conduta das outras abelhas, não há diálogo nem transmissão de conhecimento, não se constrói uma mensagem a partir de outra mensagem, mas só da experiência concreta.

Há comunicação sobre o dado objetivo e sobre o dado linguístico. No diálogo humano, há referência sobre o dado objetivo e sobre a manifestação linguística de forma livre e ao infinito. Mensagens são construídas a partir de outras mensagens.

Caráter de reproduzir por meio da linguagem somente a realidade comprovada

Caráter de “propiciar um substituto da experiência que seja adequado para ser transmitido sem fim no tempo e no espaço, o que é típico do nosso simbolismo e fundamento da tradição linguística.” (p. 65)

Não há variação no simbolismo da mensagem, refere-se a uma única situação, sem variação ou transposição possível.

“Na linguagem humana, o símbolo em geral não configura os dados das experiências, no sentido de que não há relação necessária entre a linguagem objetiva e a forma linguística.” (p. 66).

“A mensagem das abelhas não se deixa analisar” (p. 66). Só podemos ver o conteúdo global. A única diferença é a posição espacial do objeto relatado. A linguagem das abelhas não permite isolar constituintes: “não se reduz a elementos identificáveis ou distintos.

O conteúdo da mensagem humana pode ser decomposto em seus elementos formadores “morfemas”, que podem ser combinados e recombinados segundo regras definidas de modo que um número reduzido desses “morfemas” gera um grande número de combinações: “Uma análise mais aprofundada da linguagem mostra que esses morfemas, elementos de significação, se resolvem, por sua vez, em fonemas, elementos articulatórios destituídos de significação, ainda menos numerosos, cuja reunião seletiva e distintiva fornece as unidades significantes. Esses fonemas “vazios”, organizados em sistemas, formam a base de todas as línguas.

Tabela 1: Quadro das especificidades das linguagens animal e humana

As conclusões a que chega Benveniste neste capítulo sugerem

aproximações e distinções entre as linguagens animal e humana e também a

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perspectiva por meio da qual se deve estudar a linguagem humana, que é nosso

objetivo.

a) A diferença fundamental entre a linguagem das abelhas e a humana é

que “a fixidez do conteúdo, a invariabilidade da mensagem, a referência

a uma única situação, a natureza indecomponível do enunciado, a sua

transmissão unilateral” (p. 67) caracteriza esse modo de comunicação

mais como um “código de sinais” e não propriamente como uma

linguagem.

b) A semelhança entre o modo de comunicação das abelhas é que esses

insetos, tal como o homem, vivem em sociedade e que, portanto, “é

também a sociedade [nos insetos assim como no homem] que é a

condição da linguagem”(p. 67)

Para compreender melhor:

Morfema: morfema, grosso modo, pode ser considerado para este estudo como a “menor

unidade linguística que possui significado, abarcando raízes e afixos, formas livres (p.ex.:

mar) e formas presas (p.ex.: sapat-, -o-, -s) e vocábulos gramaticais (preposições, conjunções)

[Para o estruturalismo norte-americano, pode ter ainda outras manifestações, como a ordem

das palavras na frase, indicando as funções sintáticas dos constituintes, ou a entonação

sozinha, que pode mudar o sentido de um enunciado: Você vai. Você vai?]”

[Veja o seguinte exemplo na palavra livreiro: temos o radical livr, mais os afixos -eir e -o que

indicam, respectivamente, neste caso: o que produz, ou que cuida de algo -eir; e o gênero

masculino -o.]

Etimologia: morf(o)- + -ema, por influência do francês: morphème (1923) 'na formação das

palavras, afixos que atribuem características gramaticais aos radicais', por influência do

inglês: 'forma mínima dotada de significação, que pode ocorrer livre ou ligada a outra'

Fonema: unidade mínima das línguas naturais no nível fonêmico, com valor distintivo

(distingue morfemas ou palavras com significados diferentes), porém ele próprio não possui

significado (por exemplo, em português as palavras faca e vaca distinguem-se apenas pelos

primeiros fonemas /f/ e /v/) . O conceito de fonema não se confunde inteiramente com as

letras dos alfabetos, porque estas frequentemente apresentam imperfeições e não são uma

representação exata do inventário de fonemas de uma língua.

(Dicionário Houaiss Eletrînico – Disponível em:

http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=morfema).

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Colocando em prática os conceitos:

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, Pero Vaz de

Caminha escreveu uma Carta ao rei de Portugal, dando notícias sobre o

“achamento” da terra e o contato com os nativos. Leia o trecho em que se

estabelece a comunicação entre os grupos:

“ Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro.

Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si.

E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.

Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.

Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.”

[...] “E estando Afonso Lopes, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, por mandado

do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no esquife a sondar o porto dentro; e tomou dois daqueles homens da terra, mancebos e de bons corpos, que estavam numa almadia. Um deles trazia um arco e seis ou sete setas; e na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas de nada lhes serviram. Trouxe-os logo, já de noite, ao Capitão, em cuja nau foram recebidos com muito prazer e festa.

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber.

Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da

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solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.

O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal como se lá também houvesse prata.

Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.

Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a lançaram fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes a água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora.

Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.

Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de cobrirem suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas. O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins; e o da cabeleira esforçava-se por não a quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e eles consentiram, quedaram-se e dormiram.”

Fragmentos extraídos de http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/carta.pdf

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Ficha de atividade

Unidade – Curso:

Disciplina:

Atividade:

Nome(s) completo(s):

Data: Discuta com seus colegas o texto anterior e, a partir da leitura dos fragmentos da Carta de Pero

Vaz de Caminha dos estudos sobre comunicação e linguagem e de suas experiências pessoais e de

seus colegas, sintetize em um texto considerações do grupo sobre como se dá a comunicação

entre os dois grupos, o dos colonizadores e o dos portugueses. Procure e refletir e levar em conta

as especificidades dos processos de comunicação envolvidos no episódio e como se constroem as

relações de poder a partir da simplicidade e ou complexidade dos processos de comunicação.

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Unidade II – Linguagem, língua, discurso e enunciação

Segundo Benveniste, a linguagem, na medida em que é falada, emprega-se

para comboiar ‘o que queremos dizer’” (2005, p. 69), mas o chamado conteúdo do

pensamento “Recebe forma na língua e da língua, que é o molde de toda

expressão possível; não pode dissociar-se dela e não pode transcendê-la” (2005,

p. 69). A língua, por sua vez, é uma:

combinação de ‘signos’ distintos e distintivos, susceptíveis eles próprios, de

decompor-se em unidades inferiores e de agrupar-se em unidades

complexas. Essa grande estrutura, que encerra estruturas menores e de

muitos níveis, dá a sua forma ao conteúdo do pensamento. Para tornar-se

transmissível, esse conteúdo deve ser distribuído entre morfemas de certas

classes, organizadas numa certa ordem, etc. Enfim, esse conteúdo deve

passar pela língua e tomar-lhe os quadros. [...] A forma linguística é, pois,

não apenas a condição de transmissibilidade mas primeiro a condição de

realização do pensamento.”(BENVENISTE, 2005, p. 69)´

Desse modo, a “língua fornece a configuração fundamental das

propriedades reconhecidas nas coisas pelo espírito” (BENVENISTE, 2005, P. 76)

e a “possibilidade do pensamento liga-se à faculdade de linguagem, pois a língua

é uma estrutura enformada de significação e pensar é manejar os símbolos da

língua” (p. 80).

Para o fundador da linguística moderna, Ferdinand de Saussure (1857-

1913), a língua é parte determinada da linguagem é, “ao mesmo tempo, um

produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções

necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade

dos indivíduos [a faculdade da linguagem]” (SAUSSURE, 2012, p. 41).

Saussure estabeleceu a distinção, em seus estudos, entre língua e fala, a

primeira compreendida como o sistema abstrato de signos inter-relacionados, de

natureza social e psíquica, obrigatório para todos os membros de uma

comunidade linguística; e a segunda, a fala, seria uma parte da linguagem que se

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manifesta como ato individual. Os estudos linguísticos contemporâneos

substituem fala por discurso e referem-se à dicotomia língua/discurso.

Quando estudamos certos fenômenos, principalmente no campo da

linguagem, não trabalhamos apenas com definições, mas com conceitos.

Definição tende a ser mais fixa e dar conta de fenômenos mais concretos,

palpáveis, imutáveis. Conceitos são ideias que delimitam os fenômenos mais

abstratos, notadamente aqueles que mudam com a mudança da sociedade e o

progresso das ciências. Por exemplo, podemos definir o que é o ar, a água, o

fogo, a chuva, mas não podemos definir o que é a liberdade, o amor, a amizade já

que esses fenômenos variam de acordo com o grupo social que deles se serve.

Nesse sentido, ao falarmos sobre comunicação, língua, linguagem, fala,

discurso, enunciado, enunciação entre outros temas, encontramos várias

abordagens desses conceitos por diferentes correntes teóricas. Não para

simplificar o problema, mas porque nossos objetivos neste estudo devem ter um

caráter prático, delimitaremos alguns desses conceitos:

Enunciação será entendido neste estudo como uma atividade social e

interacional em que a língua é colocada em funcionamento por um sujeito

enunciador, por meio da fala ou da escrita, e que se dirige a um sujeito

enunciatário, que ouve ou lê e, deste modo, produz o enunciado, elemento

concreto. Ainda que possa haver variações neste conceito, a compreensão do

enunciado oral e escrito construído a partir da seleção e organização de

elementos de diversas linguagens pressupõe uma situação de comunicação que

fornece dados para a compreensão do enunciado que dizem respeito:

o Ao papel do enunciador e dos conhecimentos que ele compartilha

com o enunciatário;

o A quem o enunciador se dirige, quem ele elege como enunciatário;

o Ao espaço físico ou institucional em que ocorre a enunciação;

o Ao momento em que a enunciação ocorre.

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Disso conclui-se que o enunciado revela-se por meio da materialidade

linguística, já que dela depende para ser percebido como tal, mas não é um

fenômeno da língua e sim do discurso, da linguagem posta em ação.

Considere o seguinte texto: “João não dirige mais”. Uma vez materializada

em um enunciado, essa oração pode ser compreendida de muitos modos. Entre

eles, o enunciador pode estar querendo dizer que:

João deixou de dirigir, simplesmente;

João dirigia no passado;

João não dirigirá no futuro, a partir daquele momento.

Essas possibilidades, contudo, ainda não levam em conta a maioria das

condições de produção do enunciado, apenas as questões linguísticas: há um

sujeito cujo predicado, aquilo que se diz desse sujeito, enuncia que ele não mais

pratica uma ação, que é dirigir. Não há complemento para o verbo dirigir, que tem

várias acepções: tomar a liderança de uma empresa, instituição; executar algum

plano; manejar um veículo entre outros. Sendo assim, fica mais difícil para se

calcular o sentido estritamente no plano linguístico. Há uma negação

acompanhada do advérbio “mais”. Um falante da língua portuguesa reconhece

que essa construção “não mais” exprime cessação ou limite de algo, no caso da

ação de dirigir.

Perceba que do ponto de vista estritamente linguístico caminhamos pouco

até agora. Isso nos obriga a considerarmos outros fatores, agora discursivos, para

a compreensão do enunciado. Esses fatores dizem respeito à enunciação e, entre

eles, estão:

O papel do enunciador e dos conhecimentos que ele compartilha com o

enunciatário: tratam-se de três amigos que estão fazendo uma longa viagem de

carro. João está no volante, Pedro e Paulo estão como passageiros. João fez

questão de dirigir, pois se acha melhor condutor do que os dois. Só que cometeu

um deslize durante uma ultrapassagem e pôs em risco a vida de todos. O

enunciador, Paulo, se dirige diretamente a Pedro, mas é claro que também a

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João, apesar de tratá-lo como objeto do discurso, pois estão todos no mesmo

carro. Faz isso porque quer a adesão de Pedro à proposta e quer, em certo

sentido, enfraquecer a eventual resistência de João a largar o volante. Há então

uma intencionalidade de Paulo ao eleger Pedro e não João como enunciatário

privilegiado.

Os conhecimentos partilhados dos três amigos sobre o que já ocorreu ao

longo da viagem, o espaço físico em que ocorre a enunciação, na estrada e dentro

de um carro, permitem construir o sentido do verbo “dirigir” ainda que não tenha

complemento.

O momento em que ocorre a enunciação, depois de uma ultrapassagem

mal feita também permite que interpretemos o “não mais” como estabelecimento

de um limite para o ato de João dirigir o carro.

Das três primeiras possibilidades que apresentamos no início da análise do

enunciado, podemos eliminar a primeira à luz dos elementos contextuais que

foram apresentados: “João deixou de dirigir”. Sabemos que é correto dizer que

João dirigia no passado e que continua dirigindo e não sabemos se João deixará o

volante nas mãos de Pedro ou Paulo. Sabemos que o enunciado “João não dirige

mais” não é uma constatação, mas uma proposta ao grupo feita por Paulo que

poderá ou não ser aceita pelos outros dois amigos. Por isso, apesar de estar no

presente do indicativo, o verbo dirigir na verdade representa a apresentação de

uma possibilidade, de um desejo de Paulo: “eu quero que João não dirija mais”.

Neste caso, ainda que o enunciado, sob a perspectiva linguística esteja no

indicativo, sob a perspectiva discursiva sugere subjunção, ou seja, dependência,

subordinação a algo para acontecer.

Fica claro que por mais brilhante que o sujeito seja quando estuda a língua,

por mais capaz que ele seja de decorar todos os nomes dos termos e as regras

gramaticais que regem a utilização desses termos na língua, ele não será um bom

leitor enquanto não tiver capacidade de levar em conta aspectos discursivos para

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compreender plenamente os enunciados que pouco dizem caso sejam vistos de

forma isolada. Ler é muito mais do que decodificar símbolos.

Colocando em prática os conceitos:

MALVADOS ANDRÉ DAHMER. FOLHA DE SÃO PAULO, 27/7/2016

O enunciado anterior é um cartum. Trata-se de um texto composto de

palavras e imagens, verbo-visual, que trata de forma bem-humorada um tema

relativo ao comportamento humano.

Sobre o autor, que publica regularmente no jornal Folha de São Paulo,

uma pesquisa rápida informa que:

André Dahmer Pereira (Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1974) é um desenhista brasileiro. Autor das tirinhas dos Malvados, que normalmente não seguem uma linha cronológica, e têm como personagens dois seres indefinidos, que são costumeiramente comparados a girassóis, tirando daí o apelido que têm, "As flores do mal".

As tirinhas são uma crítica politicamente incorreta aos costumes e prisões [acontecimentos] do dia a dia. Devido ao comportamento dos dois personagens, ficaram conhecidos como Malvadinho (o que mais sofre) e Malvadão (o dono de críticas muito ácidas).

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/André_Dahmer, consulta em 28/7/2016

Produza um texto a partir da leitura do cartum de André Dahmer

considerando os seguintes pontos.

o Ao papel do enunciador e dos conhecimentos que ele compartilha

com o enunciatário (considere como enunciadores, num primeiro

momento, Malvadinho e Malvadão);

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o A quem o enunciador se dirige, quem ele elege como enunciatário;

o Ao espaço físico ou institucional em que ocorre a enunciação;

o Ao momento em que a enunciação ocorre.

O texto deve ser dividido em dois parágrafos em que você considere,

primeiramente, os enunciadores/enunciatários Malvadinho e Malvadão e, num

segundo momento, o sujeito que produziu o cartum e os leitores. Considere,

também, esse enunciado em seu espaço original, a Folha de São Paulo, e o

espaço em que foi apresentado a você, ou seja, este material de estudo. Verifique

se essas condições de recepção alteram a enunciação de algum modo.

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Ficha de atividade

Unidade – Curso:

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Colocando em prática os conceitos

Leia o texto a seguir, de Olavo Bilac (1865-1918):

Língua portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... Amo-te assim, desconhecida e obscura. Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, em que da voz materna ouvi: "meu filho!", E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Considerando que se trata de um texto do século XIX e também que se

trata de um texto literário, muitos termos podem ser desconhecidos por pouco

serem usais ou porque o poeta quis usar palavras que considerava mais

adequadas do ponto de vista estético. Pesquise o sentido dessas palavras que

você desconhece, tais como: ganga, clangor, trom, silvo, procela e arrolo.

Escreva um texto que sintetize: a) aspectos específicos objetivos e

subjetivos da língua portuguesa destacados pelo sujeito; b) aspectos gerais do

conceito de língua destacados pelo texto. Para tanto, considere o conceito de

língua como “sistema de representação constituído por palavras e por regras que

as combinam em frases que os indivíduos de uma comunidade linguística usam

como principal meio de comunicação e de expressão, falado ou

escrito.”(Dicionário Houaiss).

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Ficha de atividade

Unidade – Curso:

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Atividade:

Nome(s) completo(s):

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Unidade III – Níveis de linguagem

Podemos considerar a língua como um “Sistema de comunicação verbal

que se desenvolve espontaneamente no interior de uma comunidade”, como a

língua portuguesa, por exemplo, ou como “o sistema de signos partilhado por uma

comunidade de falantes” (Dicionário de termos linguísticos – Portal da Língua

Portuguesa, http://www.portaldalinguaportuguesa.org).

Esse “sistema de representação constituído por palavras e por regras que

as combinam em frases que os indivíduos de uma comunidade linguística usam

como principal meio de comunicação e de expressão, falado ou

escrito.”(Dicionário Houaiss), não é um sistema estanque ou homogêneo,

apresenta variações decorrentes da relação entre a língua e a sociedade.

Diferentes grupos sociais têm diferentes atitudes em relação à língua que, desse

modo, pode apresentar variações que podem ser percebidas do ponto de vista

diacrônico, a transformação da língua ao longo do tempo; e sincrônicas, sob as

perspectivas espacial e social.

Assim como todas as línguas, o português brasileiro varia em determinados grupos e

comunidades e essa variação pode interferir na escrita e no significado: não há apenas

uma língua, há variações ou ramificações. Algumas dessas diferenciações tendem a não

serem aceitas na sociedade, principalmente aquelas que fogem dos padrões gramaticais

instituídos pela variante padrão.

A abordagem sociolinguística procura explicar as variações como resultado

da necessidade que as pessoas têm de se comunicar e das estratégias que elas

desenvolvem para isso que, muitas vezes, fogem da variante padrão. Esse

fenômeno evidencia a relação direta entre língua e sociedade, a língua é um

organismo vivo que se adapta às diferentes situações de comunicação.

A língua e sua estreita ligação com a sociedade em que se origina é produto

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da interação social, criando-se e transformando-se em função do contexto sócio-

histórico e possui funções sócio-interacionais desse instrumento de comunicação.

No Brasil, a variação evidencia uma pluralidade de formas de utilização da

língua decorrente da dinâmica e da natureza da população, que tomou contato com

diversos grupos étnicos e sociais ao longo da história.

A língua tem regras de utilização, mas além delas os usos desse sistema, as

diferentes execuções devem ser levadas em conta sem se restringir

excessivamente ao estudo das estruturas da variedade padrão, já que as línguas se

fundam em usos e não o contrário, justamente por conta da flexibilidade e da

multiplicidade do código linguístico como instrumento de comunicação:

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Quadro de variações linguísticas:

As línguas estão sujeitas à variação diacrônica, aquela que se dá ao longo

do tempo. Por exemplo, há gírias que, embora compreensíveis, soam “antigas” ou

são compreendidas somente pelos mais velhos. As mudanças diacrônicas (do

grego dia = através de; cronos = tempo) podem ocorrer ainda na pronúncia, na

flexão e na derivação, nos padrões de estruturação da frase, no plano dos

significados e também pela introdução de novas palavras (neologismos e

estrangeirismos).

A variação geográfica ou diatópica (do grego dia = através de; topos = lugar)

está relacionada às diferenças linguísticas distribuídas nos espaços físicos

observáveis entre falantes de origens geográficas distintas.

A perspectiva geográfica implica o estudo dos falares de comunidades

linguísticas distintas em espaços diferentes em um mesmo tempo histórico, de

VARIAÇÃO

DIACRÔNICA

(história/tempo) NÍVEIS DA LÍNGUA

FONÉTICO/FONO-LÓGICO (pronúncias)

LEXICAL

(várias palavras mesmo significado)

SEMÂNTICA

(significado depende lugar)

SINTÁTICO

(organizados diferente)

Paráfrase

ESTILÍSTICO-PRAGMÁTICA

Situações diferentes de interação

MORFOLÓGICA

(sufixo diferente, mesma ideia)

pegajoso/guento

DIATÓPICA

(lugares)

DIAMÉSICA

(fala/escrita)

DIAFÁSICA

(estilo/monitora-mento)

DIASTRÁTICA

(classes sociais) ESCOLARIDADE PROFISSÃO IDADE

NÍVEL SOCIOECONÔMICO ETC.

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modo sincrônico. Os dialetos ou falares dessas comunidades produzem os

regionalismos. A linguagem urbana, mais comum, distingue-se da rural, mais

conservadora, isolada, em gradual extinção devido, em grande parte, ao avanço

dos meios de comunicação, que privilegiam a fala urbana.

Não se pode pensar como o senso comum, que o modo urbano de falar é

mais correto do que o modo rural. A perspectiva variacionista acredita que os

falantes se expressam de modo a transmitir suas mensagens de maneira adequada

ao seu interlocutor, ainda que haja desvios em relação à norma culta.

Às variações linguísticas relacionadas ao contexto chamamos de Variações

diafásicas (do grego dia = através de; phásis com o sentido de 'expressão')

estilísticas ou registros. Os falantes diversificam sua fala em função das

circunstâncias em que ocorrem suas interações verbais. O uso diferenciado que

cada indivíduo faz da língua está de acordo como o grau de monitoramento que ele

confere ao seu comportamento verbal.

Ao responder a uma questão proposta na prova ou a uma pergunta em uma

entrevista de emprego, o sujeito se esforça para fazer isso de acordo com a

variante padrão, ainda que não a conheça totalmente. O sujeito varia o uso da

língua de modo mais ou menos consciente, conforme a situação de interação em

que se encontra. Quando se trata de exibir respeito e consideração pelo

interlocutor, serve-se de normas sociais que prevalecem em cada cultura,

apreendidas por observação e imitação ou ensinadas pelos pais e professores.

Os falantes adequam suas formas de expressão às finalidades específicas

de seu ato enunciativo selecionando dentre o conjunto de formas disponíveis e que

acredita serem adequadas à situação. Essa operação envolve um grau maior ou

menor de reflexão por parte do falante: o uso do estilo formal requer uma atuação

mais consciente do que o informal.

O falante realiza escolhas linguísticas influenciado pela época em que vive,

pelo ambiente, pelo tema, por seu estado emocional e pelo grau de intimidade entre

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interlocutores. Tais fatores determinam a escolha do registro (ou nível de fala) a ser

utilizado pelo falante quanto ao grau de formalismo (uso mais ou menos formal da

língua); ao modo (língua falada ou escrita); e à sintonia (maior ou menor grau de

tecnicidade, cortesia ou respeito à norma, tendo-se em vista o perfil do interlocutor).

A capacidade de apropriar-se das variações pode revelar habilidades

linguísticas de indivíduos que não tiveram acesso à norma culta assim como a

incapacidade de aceitar variações pode revelar inabilidades daqueles que só

conhecem a norma culta e insistem em aplicá-la indistintamente a qualquer situação

de comunicação como forma de mostrar erudição, já que não será compreendido

por um interlocutor que não domine a variante padrão.

A variação social ou diastrática (do grego dia = através de; do lat. strātum,i

'cama, coberta de cama', por extensão 'camada') é aquela que se encontra quando

se comparam diferentes estratos de uma população. Tem a ver com a identidade

dos falantes e também com a organização sociocultural da comunidade de fala que

usam gírias ou jargões para identificar e caracterizar os grupos constituídos.

Os falantes são agrupados principalmente por nível socioeconômico,

escolaridade, idade, sexo, profissão, situação ou contexto social. Há um dialeto

social/culto (considerado a língua padrão) –preso à gramática normativa, a língua

ensinada nas escolas em estreita conexão com o uso literário do idioma e com

situações de fala mais formais – e um dialeto social/popular – mais ligado à

linguagem oral do povo e às situações menos formais de comunicação. Em

decorrência de a língua ser um produto de evolução no tempo e no espaço, mesmo

essa língua padrão varia, embora menos rapidamente.

A variação diamésica é aquela que se verifica na comparação entre a língua

falada e a escrita. Falar ou escrever bem é usar adequadamente a língua para

produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situação, o que nem sempre

significa estar de acordo com a norma culta.

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A escrita tornou-se um bem social, símbolo de educação, desenvolvimento e

poder, alcançando um valor superior à oralidade e servindo, muitas vezes, como

forma de discriminação. A fala é considerada pelo senso comum como prática em

que se ocorrem o erro e caos, mas devemos considerar que a fala é adquirida

naturalmente em contextos informais, no dia a dia, enquanto a escrita é adquirida

formalmente, por meio da escola, e, talvez esse seja, unicamente, o caráter gerador

de seu prestígio, não fato de ela ser melhor do que a fala.

Levando-se em conta a necessidade de interação imediata, na fala ocorrem

pressões de ordem pragmática que se sobrepõem, muitas vezes, às exigências da

norma. Em muitos casos, elas obrigam o locutor a realizar truncamentos, correções,

hesitações, mas também de inserções, repetições e paráfrases, que têm,

frequentemente, funções cognitivo-interacionais.

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Colocando em prática os conceitos

Leia o texto a seguir, escrito em galego-português por Pero da Ponte,

trovador galego do século XIII que mostra como a língua portuguesa variou

historicamente:

1 Marinha Crespa, sabedes filhar eno paaço sempr'um tal logar, em que ham todos mui bem a pensar

de vós; e por en diz o verv'antigo: 5 "a boi velho nom lhi busques abrigo." E no inverno sabedes prender logar cabo do fogo, ao comer, ca nom sabedes que x'há de seer

de vós; e por en diz o verv'antigo: 10 "a boi velho nom lhi busques abrigo."

E no abril, quando gram vento faz, o abrigo éste vosso solaz, u fazedes come boi, quando jaz

eno bom prad'; e diz o verv'antigo: 15 "a boi velho nom lhi busques abrigo."

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Para saber mais sobre o texto e o trovador, procure informações no Portal

das Cantigas medievais galego-portuguesas (http://cantigas.fcsh.unl.pt/). O galego

português era:

a língua falada na faixa ocidental da Península Ibérica até meados do XIV. Derivado do Latim, surgiu progressivamente como uma língua distinta anteriormente ao século IX, no noroeste peninsular. Neste sentido, poderemos dizer que, mais do que designar uma língua, a expressão Galego-Português designa concretamente uma fase dessa evolução, cujo posterior desenvolvimento irá conduzir à diferenciação entre o Galego e o Português atuais. Entre os séculos IX e XIV, no entanto, e com algumas pequenas diferenças entre modos de falar locais, a língua falada ao norte e ao sul do rio Minho era sensivelmente a mesma. E nem mesmo as fronteiras políticas que por meados do século XII se foram desenhando, e que conduziram à formação de um reino português independente ao sul, parecem ter afetado imediatamente esta unidade linguística e cultural, cujas origens remontam à antiga Galiza romano-gótica. Da mesma forma, a extensão do novo reino português até ao extremo sudoeste da Península (que se desenrola, até 1250, ainda no movimento da chamada reconquista cristã), é um processo que pode ser entendido, nesta primeira fase, como um alargamento natural desse espaço linguístico e cultural único. ( http://cantigas.fcsh.unl.pt/sobreascantigas.asp#2)

Glossário: o Marinha Crespa: Marinha Crespa - Trata-se de uma soldadeira. o filhar - tomar, arranjar o por en - por isso o vervo - provérbio o prender - tomar, receber o cabo - junto a, ao pé de o ca - pois, porque o éste - é o solaz - prazer o u - onde o jazer - deitar-se, estar deitado.

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Mapa político do noroeste da Península Ibérica no século XII

Escreva uma paráfrase do texto de Pero da Ponte em português moderno e

de acordo com a norma culta da língua. Ao longo da produção, reflita sobre as

diversas alterações que ocorreram no idioma ao longo do tempo e comente a

diferença que mais chama sua atenção.

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Ficha de atividade

Unidade – Curso:

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Unidade IV – Gêneros e tipos textuais

O texto é uma unidade de sentido, atividade sistemática de atualização

discursiva da língua na forma de um gênero; material linguístico com potencial

para conectar atividades sociais, conhecimentos linguísticos e conhecimentos do

mundo; unidade funcional, de natureza discursiva.

O texto é o espaço de materialização do discurso. Discurso, por sua vez é

conjunto de enunciados que ocorrem com certa regularidade e remetem a uma

mesma ideologia, visão, concepção de mundo de uma determinada comunidade

social numa determinada circunstância histórica. A ideologia se materializa por

meio da linguagem, não há um discurso ideológico, mas todos são e têm seus

princípios de regularidade em uma mesma formação discursiva.

O sujeito não pode ser concebido como total responsável por aquilo que

diz; tampouco como alguém que não é dono daquilo que escreve ou diz, ou seja,

repetidor do discurso dos outros, mas é uma entidade psicologia e social

(psicossocial) que usa a língua como lugar de interação. Sendo assim, quando

participam ativamente da definição da situação na qual se acham engajados, os

sujeitos adquirem um caráter ativo, são atores na atualização das imagens e das

representações sem as quais a comunicação não poderia existir.

Os três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional

fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados

pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado

considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da

língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que

denominamos gêneros do discurso.

Sendo assim, quanto mais gêneros do discurso dominarmos, mais

facilidade teremos de nos comunicar de forma eficiente, clara e objetiva, mais

possibilidade teremos de influenciar positivamente os outros e de não sermos

influenciados pelo discurso alheio se isso não for conveniente para nossa vida

pessoal e profissional. Por isso é importante desenvolvermos competência

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discursiva para ler e interpretar textos de forma crítica e de produzir textos

eficientes e adequados às diferentes situações de comunicação do dia a dia.

As Tipologias Textuais

Os tipos textuais constituem estratégias utilizadas para organizar o material

linguístico e apresentam-se em estreita conexão com o gênero a que pertence o

texto. É comum um único texto conter diferentes tipos que se articulam, já que

essas categorias apresentam-se em número bastante limitado enquanto os

gêneros apresentam-se em grande quantidade e, inclusive, surgem e

desaparecem ao longo da história, quer por mudanças culturais, quer por

intermédio das novas tecnologias.

A tipologia textual é considerada por Marcuschi(2005)

uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição; constituem sequências linguísticas ou sequências de enunciados no interior dos gêneros que não são textos empíricos; sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal (p. 23).

A noção de tipo textual é um construto teórico que abrange, em geral, as

categorias designadas narração, argumentação, exposição, descrição, injunção e

diálogo. Como dificilmente são encontrados tipos puros, um texto se define como

de um tipo por uma questão de dominância, em função do tipo de interlocução que

se pretende estabelecer e que se estabelece, e não em função do espaço

ocupado por um tipo na constituição desse texto.

Já segundo Bronckart (1999, p. 22), os tipos textuais abrangem as

categorias narração, argumentação, exposição, descrição e injunção. Segundo

ele, o termo tipologia textual é usado “para designar uma espécie de sequência

teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos

lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)”. Como se percebe,

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Bronckart não apresenta, como faz Marcuschi, o diálogo como um dos tipos

textuais. Isso nos autoriza a pensar que, por esta perspectiva teórica, os turnos de

fala dos locutores em um diálogo podem ser categorizados como narrativos,

argumentativos, expositivos, descritivos ou injuntivos. A predominância de

determinado tipo textual dependerá do objetivo enunciativo do material linguístico

a que pertence, ou seja, das especificidades do gênero em que se insere o texto.

Em primeiro lugar, consideraremos o tipo narrativo, forma básica global

muito presente em diversos gêneros cuja finalidade é contar histórias ou fatos.

Sendo linguisticamente marcado pela contação de um fato, nessa estrutura o

autor encadeia uma sequência de acontecimentos ou de eventos que ocorreram.

Desse modo, a estrutura narrativa é caracterizada pela marcação temporal

cronológica, além do destaque dado aos agentes das ações. Na narrativa,

predominam as ações, enquanto que as descrições de situações e estados lhe

são subordinadas.

Só é possível falar de narração quando cada história contada mobilizar

personagens implicados em acontecimentos organizados no eixo do sucessivo e

quando for sustentada por um processo de intriga (BRONCKART, 1999, p. 219).

Logo, essa tipologia textual é caracterizada pela predominância de verbos no

pretérito do indicativo, uma vez que este tempo verbal remete à ideia de

acontecimentos realizados, pontua ou faz menção a estes acontecimentos,

desenvolvendo a sequência das ações em um tempo cronológico em andamento.

Certamente, há narrativas literárias que se desenrolam no presente, mas essa

estratégia gera um efeito de sentido que caracteriza o suspense a inserção do

leitor nos fatos contados. De qualquer modo, via de regra, em textos não literários,

as histórias são contadas por meio de verbos no passado.

Já o texto descritivo faz um apontamento das características de um

indivíduo, de um animal, de um ambiente, de um objeto, de uma situação e

mesmo de uma sensação. Essa tipologia textual é conhecida como aquela que

mostra, que revela, que traduz um fenômeno. A sequência descritiva apresenta a

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particularidade de ser composta de fases que não se organizam em uma ordem

linear obrigatória, mas que se combinam e se encaixam em uma ordem

hierárquica ou vertical (BRONCKART, 1999, p. 222). Analogicamente, podemos

afirmar que o texto descritivo pode ser entendido como uma imagem, uma cena

dentro da moldura e que ao autor do texto cabe mostrar essa cena. Na imagem,

não há uma sequência de acontecimentos nem uma sequência única que os olhos

devem seguir. Ao sujeito que faz a descrição é que cabe a organização dos

elementos, do todo para as partes, modo dedutivo, ou das partes para o todo,

modo indutivo. O tempo verbal apropriado para uma descrição é o presente do

indicativo, mas nada impede que sejam feitas descrições no pretérito imperfeito ou

mesmo perfeito quando elas se inserem nas narrativas. O que difere este tipo

textual da narração é a menor incidência de verbos de ação decorrente da

intencionalidade do produtor de apresentar o objeto descrito, quer dizer, o texto

descritivo é marcado por um tempo estático, o que não significa a supressão total

das ações. Havendo decurso de tempo, o texto tenderá a ser narrativo e não

descritivo.

Os textos dissertativos, em que predomina a argumentação, por sua vez,

preocupam-se em defender ideias ou opiniões. É importante ressaltar que o texto

pode ou não trazer a primeira pessoa gramatical como marca. O texto dissertativo,

quando dispensa essa marca gramatical, procura produzir um efeito de sentido

que atribui às ideias apresentadas valor e caráter universais. O locutor quer que a

opinião expressa deixe de ser pessoal para ganhar uma dimensão mais universal

e com isso pretende conseguir a adesão do interlocutor apelando, geralmente,

para o senso comum ou para o bom senso. O tempo verbal deve ser o presente

do indicativo. A defesa de um ponto de vista e de uma argumentação embasada e

justificada leva em consideração aspectos objetivos, mas nem sempre isso ocorre

já que o sujeito que argumenta apresenta a realidade como ele a concebe. Caso

tenha a intenção de produzir um efeito de sentido que confere maior grau de

racionalidade ao texto, o locutor dispensa a expressão exaltada de valores

emocionais e subjetivos, já que a pessoalidade pode enfraquecer o argumento.

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Garcia (2002, p. 302), falando sobre um tipo de argumentação menos

emotiva, ressalta que “a argumentação deve basear-se nos sãos princípios da

lógica”, desenvolvendo-se a partir de ideias, princípios ou fatos. Dessa maneira,

segundo a visão desse autor, em texto ou debate, o uso de xingamentos, do

sarcasmo entre outras estratégias, por mais criativas possam vir a ser, jamais se

constitui como um argumento, antes podem se revelar a falta dele.

O texto injuntivo é aquele que faz uma recomendação, faz o apontamento

de como realizar determinada tarefa ou ação, dá ordens ou sugestões. Embora se

caracterize por verbos no imperativo ou por formas mais corteses no futuro do

pretérito em estruturas interrogativas como “você gostaria de fazer tal coisa?” ou

“você poderia fazer tal coisa?”, a caracterização desse tipo textual, em gêneros

mais simples como manuais de instrução ou placas de trânsito, é mais clara fazer.

Contudo, em gêneros mais complexos, predominantemente dissertativos, podem

aparecer sequências injuntivas, já que na argumentação o locutor defende uma

ideia com vistas à persuasão ou ao convencimento do interlocutor sobre um ponto

de vista e pode querer coroar o processo com sugestões, pedidos diretos ou até

ordens dadas ao auditório para efetivar a adesão deste às ideias apresentadas.

É preciso considerar, na análise da injunção, também elementos

contextuais, já que uma fala expositiva como “está calor hoje” pode ser entendida

como uma fala injuntiva se o falante quiser que o ouvinte interprete sua fala como

“por favor, traga-me um copo com água” ou “ligue o ar condicionado”, por

exemplo. A injunção trata-se, de qualquer modo, de um tipo textual que procura

levar o leitor a determinada orientação transformadora. O texto injuntivo-

instrucional, ainda que sob diferentes formas, tem o poder de transformar o

comportamento do leitor, pois confere a ele um saber. O texto injuntivo, em

contextos mais práticos, tem como objetivo controlar o comportamento do

destinatário – são textos que incitam à ação, impõem regras ou fornecem

instruções e indicações para a realização de um trabalho ou a utilização correta de

instrumentos.

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Apesar da aparente simplicidade do tipo injuntivo, ele pode, se combinado a

outros tipos textuais, transmitir ideologias, conceitos, valores, transformar o

comportamento do enunciatário em gêneros prescritivos como fábulas ou

apólogos, por exemplo. A diferença é que, enquanto o argumentativo deve apelar

para a razão (logos), no processo de persuasão do leitor, o injuntivo pode ser

usado quando o objetivo enunciativo é apelar para a emoção (pathos), num

processo de convencimento.

Finalmente, o tipo expositivo cumpre a função de informar utilizando a

explicação. Utiliza a razão e o entendimento com a finalidade de definir, esclarecer

ou explicar um determinado tema, assunto, situação ou acontecimento. Essa

tipologia está associada à apresentação e asserção de conceitos. No texto

expositivo, o autor preocupa-se em dar explicações e elaborar os pontos-chave da

informação, a fim de que seu auditório entenda o porquê e o como. Em gêneros

essencialmente argumentativos, o tipo textual expositivo está presente na hora em

que o produtor contextualiza e apresenta sua tese, bem como funciona como

coadjuvante no desenvolvimento dos argumentos.

Por estas considerações, percebe-se que é difícil haver um gênero

exclusivamente vinculado a uma única tipologia textual, em um mesmo texto pode

haver uma sequência de ações e uma caracterização dessa ação, ambiente,

pessoa etc. A categorização do texto como narrativo ou descritivo vai ser dada de

acordo com a predominância de uma tipologia, não de acordo com a exclusividade

dela. A exclusividade de um tipo textual ocorre apenas em gêneros simples cujos

objetivos enunciativos são muito específicos como placas de trânsito que podem

ser simplesmente injuntivas "Pare" ou expositivas como "Obras na pista"1. Em

geral, os textos mais complexos de quaisquer gêneros são híbridos, pois podem

1 Isso levando-se em consideração que esses textos não estejam deslocados de seus contextos originais, pois uma placa de trânsito “Pare” fixada no quarto de um adolescente produz um efeito de sentido que vai além daquele dado pelo injuntivo. Pode estar querendo significar, entre outras coisas, um recado aos pais: “Este território me pertence”.

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trazer em sua composição aspectos narrativos ou descritivos ou dissertativos ou

injuntivos.

Para compreender a organização textual em sua complexidade, é

necessário evitar apenas rotular o material linguístico pela tipologia que ele

apresenta em um primeiro momento. Devemos considerar que se pode, em um

texto argumentativo, narrar uma breve história que servirá como argumento; pode-

se, em um texto narrativo, contar uma história com a finalidade de mudar o

comportamento de alguém, ou seja, com a intenção argumentativa e até injuntiva,

por assim dizer, como no caso das fábulas. Classificar textos a partir da tipologia,

simplesmente, pode ser improdutivo quando se pretende empreender uma análise

profunda do sentido das construções linguísticas, mas a classificação tipológica,

por outro lado, pode ser um relevante instrumento para se verificar a

intencionalidade do enunciador e para se avaliar os efeitos de produção de sentido

nas estruturas linguísticas.

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Estudo da narrativa Famigerado – conto de Guimarães Rosa

Foi de incerta feita — o evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo tranquilo. Parou-me à porta o tropel. Cheguei à janela.

Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha porta, equiparado, exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo. Tudo, num relance, insolitíssimo. Tomei-me nos nervos. O cavaleiro esse — o oh-homem-oh — com cara de nenhum amigo. Sei o que é influência de fisionomia. Saíra e viera, aquele homem, para morrer em guerra. Saudou-me seco, curto pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado, suado. E concebi grande dúvida.

Nenhum se apeava. Os outros, tristes três, mal me haviam olhado, nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa, tropa desbaratada, sopitados, constrangidos coagidos, sim. Isso por isso, que o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-gesto, desprezivo, intimara-os de pegarem o lugar onde agora se encostavam. Dado que a frente da minha casa reentrava, metros, da linha da rua, e dos dois lados avançava a cerca, formava-se ali um encantoável, espécie de resguardo. Valendo-se do que, o homem obrigara os outros ao ponto donde seriam menos vistos, enquanto barrava-lhes qualquer fuga; sem contar que, unidos assim, os cavalos se apertando, não dispunham de rápida mobilidade. Tudo enxergara, tomando ganho da topografia. Os três seriam seus prisioneiros, não seus sequazes. Aquele homem, para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na escuma do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de temeroso. Eu não tinha arma ao alcance. Tivesse, também, não adiantava. Com um pingo no i, ele me dissolvia. O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo. O medo O. O medo me miava. Convidei-o a desmontar, a entrar.

Disse de não, conquanto os costumes. Conservava-se de chapéu. Via-se que passara a descansar na sela — decerto relaxava o corpo para dar-se mais à ingente tarefa de pensar. Perguntei: respondeu-me que não estava doente, nem vindo à receita ou consulta. Sua voz se espaçava, querendo-se calma; a fala de gente de mais longe, talvez são-franciscano. Sei desse tipo de valentão que nada alardeia, sem farroma. Mas avessado, estranhão, perverso brusco, podendo desfechar com algo, de repente, por um és-não-és. Muito de macio, mentalmente, comecei a me organizar. Ele falou:

“Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada…” Carregara a celha. Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de canibal.

Desfranziu-se, porém, quase que sorriu. Daí, desceu do cavalo; maneiro, imprevisto. Se por se cumprir do maior valor de melhores modos; por esperteza? Reteve no pulso a ponta do cabresto, o alazão era para paz. O chapéu sempre na cabeça. Um alarve. Mais os ínvios olhos. E ele era para muito. Seria de ver-se: estava em armas — e de armas alimpadas. Dava para se sentir o peso da de fogo, no cinturão, que usado baixo, para ela estar-se já ao nível justo, ademão, tanto que ele se persistia de braço direito pendido, pronto meneável. Sendo a sela, de notar-se, uma jereba papuda urucuiana, pouco de se achar, na região, pelo menos de tão boa feitura. Tudo de gente brava. Aquele propunha

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sangue, em suas tenções. Pequeno, mas duro, grossudo, todo em tronco de árvore. Sua máxima violência podia ser para cada momento. Tivesse aceitado de entrar e um café, calmava-me. Assim, porém, banda de fora, sem a-graças de hóspede nem surdez de paredes, tinha para um se inquietar, sem medida e sem certeza.

— “Vosmecê é que não me conhece. Damázio, dos Siqueiras… Estou vindo da Serra…”

Sobressalto. Damázio, quem dele não ouvira? O feroz de estórias de léguas, com dezenas de carregadas mortes, homem perigosíssimo. Constando também, se verdade, que de para uns anos ele se serenara — evitava o de evitar. Fie-se, porém, quem, em tais tréguas de pantera? Ali, antenasal, de mim a palmo! Continuava:

— “Saiba vosmecê que, na Serra, por o ultimamente, se compareceu um moço do Governo, rapaz meio estrondoso… Saiba que estou com ele à revelia… Cá eu não quero questão com o Governo, não estou em saúde nem idade… O rapaz, muitos acham que ele é de seu tanto esmiolado…”

Com arranco, calou-se. Como arrependido de ter começado assim, de evidente. Contra que aí estava com o fígado em más margens; pensava, pensava. Cabismeditado. Do que, se resolveu. Levantou as feições. Se é que se riu: aquela crueldade de dentes. Encarar, não me encarava, só se fito à meia esguelha. Latejava-lhe um orgulho indeciso. Redigiu seu monologar.

O que frouxo falava: de outras, diversas pessoas e coisas, da Serra, do São Ão, travados assuntos, insequentes, como dificultação. A conversa era para teias de aranha. Eu tinha de entender-lhe as mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios. Assim no fechar-se com o jogo, sonso, no me iludir, ele enigmava: E, pá:

— “Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado… faz-megerado… falmisgeraldo… familhas-gerado…?

Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada. Detinha minha resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí outro susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga, invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem; que muito, pois, que aqui ele se famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória satisfação?

— “Saiba vosmecê que saí ind’hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro…”

Se sério, se era. Transiu-se-me. — “Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem têm o

legítimo — o livro que aprende as palavras… É gente pra informação torta, por se fingirem de menos ignorâncias… Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engambelam… A bem. Agora, se me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que é, o que já lhe perguntei?”

Se simples. Se digo. Transfoi-se-me. Esses trizes: — Famigerado? — “Sim senhor…” — e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da

raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava, interpelador, intimativo — apertava-me. Tinha

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eu que descobrir a cara. — Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem que eu me carecia noutro ínterim, em indúcias. Como por socorro, espiei os três outros, em seus cavalos, intugidos até então, mumumudos. Mas, Damázio:

— “Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra. Só vieram comigo, pra testemunho…”

Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio. — Famigerado é inóxio, é “célebre”, “notório”, “notável”… — “Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é

desaforado? É caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?” — Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos… — “Pois… e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?” — Famigerado? Bem. É: “importante”, que merece louvor, respeito… — “Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?” Se certo! Era para se empenhar a barba. Do que o diabo, então eu sincero disse: — Olhe: eu, como o sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora

destas era ser famigerado — bem famigerado, o mais que pudesse!… — “Ah, bem!…” — soltou, exultante. Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si, desagravava-se, num

desafogaréu. Sorriu-se, outro. Satisfez aqueles três: — “Vocês podem ir, compadres. Vocês escutaram bem a boa descrição…” — e eles prestes se partiram. Só aí se chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d’água. Disse: — “Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída!” Seja que de novo, por um mero, se torvava? Disse: — “Sei lá, às vezes o melhor mesmo, pra esse moço do Governo, era ir-se embora, sei não…” Mas mais sorriu, apagara-se-lhe a inquietação. Disse: — “A gente tem cada cisma de dúvida boba, dessas desconfianças… Só pra azedar a mandioca…” Agradeceu, quis me apertar a mão. Outra vez, aceitaria de entrar em minha casa. Oh, pois. Esporou, foi-se, o alazão, não pensava no que o trouxera, tese para alto rir, e mais, o famoso assunto.

O texto anterior trata-se de uma narrativa, um conto literário. Narrar é contar

histórias, ficcionais ou não. Pode-se afirmar que se trata de uma narrativa porque

nele prevalecem os aspectos que sustentam uma narração, que podem ser

sintetizados por meio das questões: o que aconteceu?; quando aconteceu?; onde

aconteceu?; quem participou do acontecimento?; quem narra o acontecimento?;

por que o fato narrado ocorreu?

Entremeados à narrativa, temos os outros tipos textuais que aparecem em

menor escala: descrição, injunção, exposição e argumentação.

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Colocando em prática os conceitos

a) Escreva um texto, de no máximo dez linhas, que sintetize, com a maior

objetividade possível, a narrativa anterior. Procure se guiar pelas

questões apresentadas anteriormente que constituem a base da

narrativa.

Selecione e copie quatro fragmentos do texto que sejam, respectivamente,

sequências: a) descritiva; b) expositiva; c) injuntiva; d) argumentativa.

b) Transforme o texto a seguir, um poema, em uma narração em que você

coloque os fatos em ordem cronológica. Para fazer isso, guie-se pelas

perguntas que devem ser respondidas em três blocos: versos de 1 a 4 -

a) quem praticava a ação? b) qual a ação? c) por quanto tempo? d) por

que o sujeito praticava a ação; versos de 5 a 8 - a) quais sujeitos

praticam ações? b) qual a ação cada sujeito pratica? c) por quanto

tempo?; d) por que as ações são praticadas pelos sujeitos?; versos de

10 a 14: a) quem praticava a ação? b) qual a ação? c) por quanto

tempo? d) qual o resultado da ação?

Sete anos de pastor Jacob servia Labão, pai de Raquel, serrana bela; Mas não servia ao pai, servia a ela, E a ela só por prêmio pretendia. Os dias, na esperança de um só dia, Passava, contentando-se com vê-la; Porém o pai, usando de cautela, Em lugar de Raquel lhe dava Lia. Vendo o triste pastor que com enganos Lhe fora assi negada a sua pastora, Como se a não tivera merecida; Começa de servir outros sete anos, Dizendo: – Mais servira, se não fora Para tão longo amor tão curta a vida!

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Ficha de atividade

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Rebelião deixa seis presos mortos em cadeia de Pernambuco FOLHA DE SÃO PAULO, 25/07/2016

Uma rebelião de detentos em uma unidade prisional de Caruaru, no agreste pernambucano, terminou com seis presos mortos e outros 11 feridos.

De acordo com a secretaria de Justiça e Direitos Humanos, as vítimas fatais foram atingidas com golpes de falcão —um preso, inclusive, foi decapitado.

Os sobreviventes foram levados para o Hospital Regional do Agreste, sendo que três deles já retornaram à cadeia.

A rebelião teve início às 17h30 deste sábado (24) na Penitenciária Juiz Plácido de Souza e perdurou por três horas. Por volta das 13h deste domingo (25), o clima ainda era tenso no local.

O Grupo de Operações e Segurança, do sistema prisional local, além de efetivos da PM e da Polícia Civil fazem a segurança do presídio.

Por medida de segurança, 11 detentos foram transferidos para outras cadeias do Estado após o motim.

Segundo Pedro Eurico de Barros e Silva, secretário da pasta da Justiça do Estado, a rebelião ocorreu em razão de um desentendimento entre grupos rivais que disputam o controle do tráfico de drogas na unidade.

Dois pavilhões foram incendiados. Os danos, no entanto, ainda estão sendo contabilizados, informou Barros e Silva.

"Vamos abrir uma investigação para responsabilizar quem comandou e executou os homicídios na unidade", diz o secretário.

As visitas de familiares, que aconteceriam neste domingo, foram suspensas. A Penitenciária Juiz Plácido de Souza está superlotada. Com capacidade para

abrigar 400 presos, o local tem hoje 1.850 homens.

No texto anterior, também prevalece a narrativa. Diferente do conto

“Famigerado” de Guimarães Rosa, nele prevalece um tom mais objetivo em

virtude das exigências do gênero a que pertence. Sendo uma narrativa, é possível

responder às perguntas: o que aconteceu?; quando aconteceu?; onde

aconteceu?; quem participou do acontecimento?; quem narra o acontecimento?;

por que o fato narrado ocorreu?

a) Confrontando os dois textos, é possível responder às questões

anteriores do mesmo modo nos textos de Guimarães e na notícia?

Justifique.

a) Quais são os elementos que conferem objetividade à notícia?

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b) Ainda que mais objetivo, o texto apresenta marcas do sujeito que o

redigiu. Identifique essas marcas e procure mostrar o efeito de sentido

que elas produzem na notícia.

Ficha de atividade

Unidade – Curso:

Disciplina:

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Estudo da descrição

Os textos a seguir, de diferentes gêneros, são predominantemente

descritivos:

“Juliana entrou, arranjando nervosamente o colar e o broche. Devia ter quarenta

anos e era muitíssimo magra. As feições, miúdas, espremidas, tinham a amarelidão de

tons baços das doenças de coração. Os olhos grandes, encovados, rolavam numa

inquietação, numa curiosidade, raiados de sangue, entre pálpebras sempre debruadas de

vermelho. Usava uma cuia de retrós imitando tranças, que lhe fazia a cabeça enorme.

Tinha um tique nas asas do nariz. E o vestido chato sobre o peito, curto da roda, tufado

pela goma das saias — mostrava um pé pequeno, bonito, muito apertado em botinas de

duraque com ponteiras de verniz.” (Eça de Queirós, O Primo Basílio)

“Quaresma era um homem pequeno, magro, que usava pince-nez, olhava sempre

baixo, mas, quando fixava alguém ou alguma cousa, os seus olhos tomavam, por detrás

das lentes, um forte brilho de penetração, e era como se ele quisesse ir à alma da pessoa

ou da cousa que fixava. Contudo, sempre os trazia baixos, como se se guiasse pela ponta

do cavanhaque que lhe enfeitava o queixo. Vestia-se sempre de fraque, preto, azul, ou de

cinza, de pano listrado, mas sempre de fraque, e era raro que não se cobrisse com uma

cartola de abas curtas e muito alta, feita segundo um figurino antigo de que ele sabia com

precisão a época.” (Lima Barreto, Triste fim de Policarpo Quaresma)

Um mover de olhos, brando e piedoso, Sem ver de quê; um riso brando e honesto, Quase forçado; um doce e humilde gesto, De qualquer alegria duvidoso; Um despejo quieto e vergonhoso; Um repouso gravíssimo e modesto; Uma pura bondade, manifesto Indício da alma, limpo e gracioso; Um encolhido ousar; uma brandura; Um medo sem ter culpa; um ar sereno; Um longo e obediente sofrimento:

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Esta foi a celeste formosura Da minha Circe, e o mágico veneno Que pôde transformar meu pensamento. (Luís Vaz de Camões) “O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos

mestiços neurastênicos do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-

lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.

É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados.

Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme.

Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo — cai é o termo — de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável.

É o homem permanentemente fatigado. Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra

remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.

Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude. Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela

organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas

linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto

dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias.

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Este contraste impõe-se ao mais leve exame. Revela-se a todo o momento, em todos os pormenores da vida sertaneja — caracterizado sempre pela intercadência impressionadora entre extremos impulsos e apatias longas.

É impossível idear-se cavaleiro mais chucro e deselegante; sem posição, pernas coladas ao bojo da montaria, tronco pendido para a frente e oscilando à feição da andadura dos pequenos cavalos do sertão, desferrados e maltratados, resistentes e rápidos como poucos. Nesta atitude indolente, acompanhando morosamente, a passo, pelas chapadas, o passo tardo das boiadas, o vaqueiro preguiçoso quase transforma o “campeão” que cavalga na rede amolecedora em que atravessa dois terços da existência.

Mas se uma rês “alevantada” envereda, esquiva, adiante, pela caatinga garranchenta, ou se uma ponta de gado, ao longe, se trasmalha, ei-lo em momentos transformado, cravando os acicates de rosetas largas nas ilhargas da montaria e partindo como um dardo, atufando-se velozmente nos dédalos inextricáveis das juremas.

Vimo-lo neste steeple-chase bárbaro.” (Os Sertões, Euclides da Cunha) “BMW Série 1, um veículo ágil e compacto com uma aparência esportiva e

moderna. A dianteira exibe um novo design, que inclui a grade em forma de rim característica da BMW e os elegantes faróis LED*. A traseira apresenta os cativantes faróis em forma de L e o interior ergonômico proporciona inúmeras possibilidades de organização. A última geração de motores BMW TwinPower Turbo é tão eficiente quanto emocionante. Isso é o Puro Prazer de Dirigir. É isso que caracteriza o BMW Série 1.”

http://www.bmw.com.br/pt/all-models/1-series/5-door/2015/start-page.html

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Descrição de compras de produtos alimentícios para merenda da Prefeitura Municipal de Itapeva. Fonte: http://www.itapeva.sp.gov.br/itapeva/compras/Editais_p_download/PDF/Microsoft%20Word%20-%20Edital%20PP10%20Merenda.doc.PDF

Os textos descritivos podem ser caracterizados como:

a) Dedutivos: que descrevem o objeto do todo para as partes.

b) Indutivos: que descrevem o objeto das partes para o todo.

c) Objetivos: que apresentam os aspectos de forma técnica, exata. Por

exemplo, não se diz que uma pessoa é alta, mas exatamente quanto ela

mede: 1,80 metros; não se diz que uma pessoa é gorda, mas a massa

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corporal dela, 150 quilos. Esse tipo de descrição deve prevalecer nos

manuais de instrução, por exemplo.

d) Subjetivos: são as descrições literárias ou de textos de propaganda, em

que são colocadas as impressões do sujeito sobre os objetos

apresentados.

As combinações possíveis são descrição: a) dedutiva objetiva; b)

dedutiva subjetiva; c) indutiva objetiva; d) indutiva subjetiva.

Em textos técnicos deve prevalecer a descrição dedutiva objetiva já que

o leitor espera um texto claro, de fácil compreensão e sem ambiguidades.

Nas descrições de textos de propaganda ou literárias prevalecem textos

com maior grau de subjetividade.

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Colocando em prática os conceitos

Escreva um texto descritivo, objetivo e dedutivo a partir das figuras a seguir:

Sistema de aquecimento e ventilação do Fiat Pálio Fire Economy

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Fonte: http://www.fiat.com.br/content/dam/fiat-brasil/manuais-carros/17164L1.pdf

Ficha de atividade

Unidade – Curso:

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Estudo da argumentação Argumentar é defender uma ideia. Para isso, você deve ter uma ideia clara,

formular uma tese e pensar em argumentos que a sustentem.

A lei (Lima Barreto) - Vida urbana, 7-1-1915

Este caso da parteira merece sérias reflexões que tendem a interrogar sobre a serventia da lei. Uma senhora, separada do marido, muito naturalmente quer conservar em sua companhia a filha; e muito naturalmente também não quer viver isolada e cede, por isto ou aquilo, a uma inclinação amorosa.

O caso se complica com uma gravidez e para que a lei, baseada em uma moral que já se findou, não lhe tire a filha, procura uma conhecida, sua amiga, a fim de provocar um aborto de forma a não se comprometer.

Vê-se bem que na intromissão da “curiosa" não houve nenhuma espécie de interesse subalterno, não foi questão de dinheiro. O que houve foi simplesmente camaradagem, amizade, vontade de servir a uma amiga, de livrá-la de uma terrível situação.

Aos olhos de todos, é um ato digno, porque, mais do que o amor, a amizade se impõe. Acontece que a sua intervenção foi desastrosa e lá vem a lei, os regulamentos, a polícia, os inquéritos, os peritos, a faculdade e berram: você é uma criminosa! Você quis impedir que nascesse mais um homem para aborrecer-se com a vida!

Berram e levam a pobre mulher para os autos, para a justiça, para a chicana, para os depoimentos, para essa via-sacra da justiça, que talvez o próprio Cristo não percorresse com resignação.

A parteira, mulher humilde, temerosa das leis, que não conhecia, amedrontada com a prisão, onde nunca esperava parar, mata-se.

Reflitamos, agora; não é estúpida a lei que, para proteger uma vida provável, sacrifica duas? Sim, duas porque a outra procurou a morte para que a lei não lhe tirasse a filha. De que vale a lei?

a) Que ideia o sujeito defende?

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_____________________________________________________________________ b) Sintetize o argumento que o sujeito constrói.

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________ c) O texto é argumentativo, mas na construção do argumento o sujeito utiliza um outro

tipo textual. Qual é e quais as características que permitem que você identifique esse

tipo textual? _____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_

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Internet ajudou a derrubar o mito da tolerância brasileira BOB VIEIRA DA COSTA (Folha de São Paulo, 3/8/2016)

A internet vem ajudando a derrubar o mito de que nós brasileiros somos tolerantes às diferenças. Histórias que desnudam a intolerância entre nós surgem a cada dia. Para cada caso com pessoas conhecidas noticiado na mídia, há outros milhares nas redes sociais.

Cabelo ruim, gordo, vagabundo, retardado mental, boiola, malcomida, golpista, velho, nega. Expressões como essas predominam nas nuvens de palavras encontradas em posts que revelam todo tipo de intransigência ao outro, em vários aspectos: aparência, classe social, deficiência, homofobia, misoginia, política, idade, raça, religião e xenofobia.

Segundo dados da ONG Safernet, denúncias contra páginas que divulgaram conteúdos do tipo cresceram mais de 200% no país. Num primeiro momento, parece que a internet criou uma onda de intolerância.

O fato, porém, é que as redes sociais apenas amplificaram discursos existentes no nosso dia a dia. No fundo, as pessoas são as mesmas, nas ruas e nas redes.

Vejamos: o Brasil lidera as estatísticas de mortes na comunidade LGBT (dado da Associação Internacional de Gays e Lésbicas); mata muito mais negros do que brancos (Mapa da Violência); aparece em quinto lugar em homicídios de mulheres (Mapa da Violência); registrou aumento de 633% nos casos de xenofobia (Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos); e 6,2% dos seus empregadores confessam não contratar pessoas obesas (site de recrutamento).

A intolerância nas redes é resultado direto de desigualdades e preconceitos sociais em geral, não é uma invenção da internet. O ambiente em rede facilita que cada um solte seus demônios, ao dar a sensação de um pretenso anonimato. O mundo virtual é, portanto, mais uma forma de os intolerantes se manifestarem e ampliarem seu alcance.

Para se ter ideia, nossa agência, por meio da iniciativa Comunica que Muda, resolveu medir a intolerância na internet durante três meses, utilizando a plataforma Torabit.

De abril a junho, foram analisadas nada menos que 393.284 menções aos tipos de intolerância citados no início do texto. O percentual de abordagens negativas dos temas ficou acima de 84%. No caso do racismo, chegou a 97,6%.

O maior número de menções (220 mil) foi para a política, seguido da misoginia (50 mil), mas há que se ressaltar que o tema reflete a crise atual. Entre os Estados, o Rio de Janeiro registrou o maior número de citações (58.284), apesar de, proporcionalmente à população, o Distrito Federal ser o mais intolerante.

Bem melhor seria se, na verdade, passássemos a adotar a aceitação como o contrário de intolerância. Porque a própria palavra tolerância lembra indulgência e condescendência, e não é isso que se quer.

Suportar o outro é só o começo de uma evolução. Tolerar é manter uma relação positiva com pessoas completamente diferentes. É um processo de mão dupla, aceitar para ser aceito.

Não é um caminho fácil. O primeiro passo, sem dúvida, é tornar o debate de interesse público, fazer explícitas as ofensas cotidianas.

Já passou o tempo em que a internet era terra de ninguém. Não faltam canais para denúncias. O acesso a um meio amplo de comunicação, aliado a uma ideia distorcida de liberdade, fez com que os intolerantes encontrassem eco.

No entanto, como bem resume a frase, "liberdade de expressão não é licença para ser estúpido".

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BOB VIEIRA DA COSTA é sócio-fundador da agência de propaganda Nova/SB. Foi

coordenador de comunicação do Ministério da Saúde e ministro-chefe da Secretaria de

Comunicação da Presidência da República (governo FHC)

a) Que ideia o sujeito defende? _____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

b) Quais são os argumentos utilizados? _____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

c) De que natureza são os argumentos utilizados pelo autor? _____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

Leia o texto a seguir, de Luís de Camões:

Mudam-se os tempos, mudam-se as

vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança;

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,

Que já coberto foi de neve fria,

E em mim converte em choro o doce

canto.

E, afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mor espanto:

Que não se muda já como soía.

[mor = maior; soía = passado de soer, costumar).

Transforme o poema em um texto argumentativo em prosa respondendo às

questões de forma objetiva:

a) Tese (versos 1 a 4): O sujeito defende de ideia de que

____________________________________________________________

____________________________________________________________

b) Argumento 1 (versos 4 a 8): primeiro fato que confirma a tese

____________________________________________________________

____________________________________________________________

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____________________________________________________________

____________________________________________________________

c) Argumentos 2 (versos 9 a 11): segundo fato que confirma a tese

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

d) Argumento 3 (versos 12 a 14): terceiro fato que confirma a tese

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

Em classe, será dado um tema para argumentação. Use o esquema a

seguir para planejar o texto. Escreva a tese e os argumentos nas caixas

destinadas a cada elemento. Em seguida, redija o texto seguindo o

planejamento.

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Tese Argumentos

Ficha de atividade

Unidade – Curso:

Disciplina:

Atividade:

Nome(s) completo(s):

Data:

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

tese

argumento 1

argumento 1

argumento 1

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_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

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Coesão Textual: Conceitos e Mecanismos2

Conceito

A maioria dos professores, de qualquer grau, concorda que os alunos não leem, não

gostam de ler e têm dificuldades para compreender o texto escrito.

Muitos relutam em assumir sua parcela de responsabilidade na formação do aluno

leitor.

A escola deveria ser o local de “aprendizagem da leitura” por excelência.

A escola acaba atuando ao contrário.

A escola usa o texto fragmentado (muitas vezes com referência de título e autor).

O texto aparece no livro didático apenas como escada para o ensino de gramática.

O professor, na verdade, acaba “ensinando” que a leitura é uma atividade chata,

inútil e que provoca sofrimento.

As frases acima se referem ao assunto “leitura”, mas não podemos dizer que

façam sentido, porque parecem soltas, parecem não constituir um conjunto. Não é

possível perceber a relação de sentido entre elas, portanto não constituem um texto.

Veja o texto abaixo

A maioria dos professores, de qualquer grau, concorda que os alunos não lêem, não

gostam de ler e têm dificuldades para compreender o texto escrito, porém muitos

relutam em assumir sua parcela de responsabilidade na formação do aluno leitor.

Assim, a escola, que deveria ser o local de “aprendizagem da leitura” por excelência,

acaba atuando ao contrário: ao usar o texto fragmentado (muitas vezes com referência

de título e autor) que aparece no livro didático apenas como escada para o ensino de

gramática, o professor, na verdade, acaba “ensinando” que a leitura é uma atividade

chata, inútil e que provoca sofrimento.

O exemplo acima trabalha as idéias interligando umas às outras, de forma que

agora o conjunto de frases anteriores constitui um texto. Não se trata mais de frases

soltas sem conexão, sem ligação, sem coesão.

2 Texto adaptado de MOYSÉS, C. A. Língua Portuguesa – atividades de leitura e produção de textos. São Paulo: Saraiva, 2005. KOCH, I.G. e TRAVAGLIA,L.C. Texto e Coerência. São Paulo: Scipione, 1999. / KOCH, I.G. A coerência Textual. São Paulo:Contexto, 1995. / KOCH, I.G. A coesão Textual. São Paulo: Contexto, 1989. Conectividade disponível em http://acd.ufrj.br/~pead/tema02/coerencia.html.

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Coesão é a ligação, a conexão que ocorre entre os vários enunciados que

compõem um texto.

Observe o texto abaixo:

Os Urubus e sabiás

(1) Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam ...

(2) Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto,

decidiram que, mesmo contra a natureza, eles haveriam de se tornar grandes cantores.

(3) E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá,

mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles

seriamos mais importantes e teriam a permissão de mandar nos outros. (4) Foi assim

que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada

urubuzinho, instrutor em inicio de carreira, era se tornar respeitável urubu titular, a quem

todos chamavam por Vossa Excelência. (5) Tudo ia muito bem até que a doce

tranquilidade de hierarquia dos urubus foi estremecidas. (6) A floresta foi invadida por

bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas

com sabiás... (7) Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles

convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito. (8) – Onde estão os

documentos dos seus concursos?” (9) E as pobres aves se olharam perplexas, porque

nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem.. (10) Não haviam passado por

escolas de canto, porque o canto nascera com elas. (11) e nunca apresentaram um

diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam, simplesmente...(12)- Não, assim

não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem. (13) E os urubus,

em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...

(14) Moral: Em terra de urubus diplomados não se ouve canto de sabiá.

(Rubem Alves, Estórias de Quem gosta de Ensinar, Cortez Editora, São Paulo, 1984, pp.

61-62)

Pode-se comprovar, observando o texto acima, que um texto não é apenas uma

soma ou sequência de frases isoladas. Veja-se o início: “Tudo aconteceu...”Que “tudo” é

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esse? Que foi aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam? Em

(3), temos o termo isto: “E para isto fundaram escovam...” Isto o quê? De que se está

falando? Ainda em (3), qual é o sujeito dos verbos fundaram, importaram, gargarejaram,

mandaram, fizeram? É o mesmo de teriam? Fala-se em quais deles: deles quem? E quem

são outros? Qual é o referente de eles em (4)? Em (5), tem-se novamente a palavra tudo:

“Tudo ia muito bem...”. Será que esta segunda ocorrência do termo tem o mesmo sentido

da primeira? Em (7), a quem se refere o pronome eles? E seus, em (8)? Quais são as

pobres aves de que se fala em (9)? E as tais coisas? Elas, em (10), refere-se a pobres

aves ou tais coisas? De que passarinhos se fala em (13)?

Se tais perguntas podem ser facilmente respondidas pelos eventuais leitores, é

porque os termos em questão são elementos da língua que têm por função precípua

estabelecer relações textuais: são recursos de coesão textual.

Assim, tudo, em (1), remete a toda a sequência do texto, sendo, pois, um

elemento catafórico. Por seu turno, isto, em (3), remete para o enunciado anterior; é,

portanto, anafórico, do mesmo modo que tudo, em (5). Deles, em (3), remete a urubus,

de (2) são também os urubus o sujeito (elíptico) da sequência de verbos em (3), mas não

de teriam, cujo sujeito será um subconjunto do conjunto dos urubus, que exclui o

subconjunto complementar formado por outros; e, em (4), eles pode remeter a urubus, de

(2), ou ao primeiro subconjunto citado acima. Em (7), eles retoma os velhos urubus que,

por sua vez, retoma os urubus citados anteriormente. Seus, em (8), remete a pintassilgos,

sabiás e canários. Tais coisas referem-se aos documentos de que se fala em (8). Os

passarinhos, em (13), remete a elas de (10), que, por seu turno, remete a pobres aves, de

(9) e esta expressão a pintassilgos, sabiás e canários de (7) que retoma (6).

Note-se, agora, que há outro grupo de mecanismo cuja função é assinalar

determinadas relações de sentido entre enunciados ou partes de enunciados,

como, por exemplo: oposição ou contraste (mas, em (2) e (11); mesmo, em (2);

finalidade ou meta (para, em (3) e (11); conseqüência (foi assim que, em (4); e,

em (7); localização temporal (até que, em (5) ); explicação ou justificativa

(porque, em (9) e (10) ); adição de argumentos ou idéias ( e, em (11) ).

É por meio de mecanismo como estes que se vai tecendo o “tecido”

(tessitura) do texto. A este fenômeno é que se denomina coesão textual.

Em obra que se tornou clássica sobre o assunto, Halliday & Hasan (1976)

apresentam o conceito de coesão textual, como “a coesão ocorre quando a

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interpretação de algum elemento no discurso é dependente da de outro. Um

pressupõe o outro, no sentido de que não pode ser efetivamente decodificado a

não ser por recurso ao outro”.

Para esses autores, a coesão é, pois, uma relação semântica entre um

elemento do texto e algum outro elemento crucial para a sua interpretação. A

coesão, por estabelecer relações de sentido, diz respeito ao conjunto de recursos

semânticos por meio dos quais uma sentença se liga com a que veio antes, aos

recursos semânticos mobilizados com o propósito de criar textos. A cada

ocorrência de um recurso coesivo no texto, denominam “laço”, “elo coesivo”.

Halliday & Hasan citam como principais fatores de coesão a referência, a

substituição, a elipse, a conjunção, e a coesão lexical, que serão tratados mais

adiante. Seu trabalho tem servido de base para um grande número de pesquisas

sobre o assunto.

Marcuschi (1983) define os fatores de coesão como “aqueles que dão conta

da estruturação da sequência superficial do texto”, afirmando que não se trata de

princípios meramente sintáticos, mas de “ uma espécie de semântica da sintaxe

textual”, isto é, dos mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer,

entre os elementos linguísticos do texto, relações de sentido.

Tais afirmações levam à distinção entre coesão e coerência: embora muitos

autores tenham desconsiderado esta distinção. Hoje em dia já se tornou

praticamente um consenso que se trata de noções diferentes.

Para Beaugrande & Dressler, “a coerência diz respeito ao modo como os

componentes do universo textual, ou seja, os conceitos e relações subjacentes ao

texto de superfície são mutualmente acessíveis e relevantes entre si, entrando

numa configuração veiculadora de sentidos”.

A coerência, responsável pela continuidade dos sentidos no texto, não se

apresenta, pois, como mero traço dos textos, mas como o resultado de uma

complexa rede de fatores de ordem linguística, cognitiva e interacional. Assim, diz

Marcuschi, “a simples justaposição que recobrem ou criam relações de coerência”.

Parece fora de dúvida que pode haver textos destituídos de elementos de

coesão, mas cuja textualidade se dá no nível da coerência, como em:

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Olhar fito no horizonte. Apenas o mar imenso. Nenhum sinal de vida

humana. Tentativa desesperada de recordar alguma coisa. Nada.

Por outro lado, porém ocorrer sequenciamentos coesivos de enunciados

que, porém, não chegam a constituir textos, por faltar-lhes a coerência. É o caso

de:

O dia está bonito, pois ontem encontrei seu irmão no cinema.

Não gosto de ir ao cinema. Lá passam muitos filmes divertidos.

Se é verdade que a coesão não constitui condição necessária nem

suficiente para que um texto seja um texto, não é menos verdade, também, que o

uso de elementos coesivos dá ao texto maior legibilidade, explicitando os tipos de

relações estabelecidas entre os elementos linguísticos que o compõem. Assim,

em muitos tipos de textos – científicos, didáticos, expositivos, opinativos, por

exemplo - a coesão é altamente desejável, como mecanismo de manifestação

superficial da coerência.

Concluindo, pode-se afirmar que o conceito de coesão textual diz respeito a

todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam recuperável)

uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície

textual.

Mecanismos

Como se disse anteriormente, Halliday & Hasan (1976) distinguem cinco

mecanismos de coesão:

Referência (pessoal, demonstrativa, comparativa)

Substituição (nominal, verbal, frasal)

Elipse

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Conjunção (aditiva, adversativa, causal, temporal, continuativa)

Coesão lexical (repetição, sinonímia, hiperonímia, uso de nomes

genéricos, colocação).

São elementos de referência os itens da língua que não podem ser

interpretados semanticamente por si mesmos, mas remetem a outros itens do

discurso necessários à sua interpretação. Aos primeiros denominam

pressuponentes e aos últimos, pressuposto. Para os autores, a referência pode

ser situacional e textual.

A referência é situacional quando a remissão é feita a algum elemento da

situação comunicativa, isto é, quando o referente está fora do texto; e é textual,

quando o referente se acha expresso no próprio texto.

A referência, para eles, pode ser: pessoal (feita por meio de pronomes

pessoais e possessivos), demonstrativa (realizada por meio de pronomes

demonstrativos e advérbios indicativos de lugar), e comparativa (efetuada por via

indireta, por meio de identidades e similaridades). Vejam os exemplos:

1. Você não se arrependerá de ter lido este anúncio (situacional).

2. Paulo e José são excelentes advogados. Eles se formaram na Academia do

Largo de São Francisco. (Referência pessoal anafórica).

3. Realizara todos os seus sonhos, menos este: o de entrar para a Academia.

(Referência demonstrativa catafórica).

4. a. É um exercício igual ao de ontem.

b. É um exercício semelhante ao de ontem = (Referência comparativa

textual)

c. É um exercício diferente do de ontem.

5. Por que você está decepcionada? Esperava algo de diferente? (Referência

comparativa situacional)

A substituição consiste, para Halliday & Hasan, na colocação de um

item em lugar de outro (s) elemento (s) do texto, ou até mesmo, de uma oração

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inteira. Seria uma relação interna ao texto, em que uma espécie de “ coringa” é

usado em lugar de repetição de um item particular. Exemplos:

1. Pedro comprou um carro novo e José também.

2. O professor acha que os alunos não estão preparados, mas eu não penso

assim.

3. O padre ajoelhou-se. Todos fizeram o mesmo.

4. Minha prima comprou um carro. Eu também estou querendo um.

Segundo esses autores, a principal diferença entre substituição e referência

é que nesta, há total identidade referencial entre o item de referência e o item

pressuposto, ao passo que na substituição ocorre alguma redefinição. A

substituição seria usada precisamente quando a referência não é idêntica ou

quando há, pelo menos, uma especificação nova a ser acrescentada, o que requer

um mecanismo que seja semântico, mas essencialmente gramatical. Esse

processo de redefinição tem o efeito de “ repudiar” , do item pressuposto, tudo o

que não seja transportado na relação de pressuposição: a nova definição é

contrastiva com relação à original. Um exemplo de caráter contrastivo da

substituição seria:

5. Pedro comprou uma camisa vermelha, mas Jorge preferiu uma verde.

A elipse seria, então, uma substituição por zero: omite-se um item lexical, um

sintagma, uma oração ou todo um enunciado, facilmente recuperáveis pelo

contexto. Exemplo:

6. Paulo vai conosco ao leilão?

Vai .

A conjunção (ou conexão) permite estabelecer relações significativas

específicas entre elementos ou orações do texto. Tais relações são assinaladas

explicitamente por marcadores formais que correlacionam o que está para ser dito

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àquilo que já foi dito. Trata-se dos diversos tipos de conectores e partículas de

ligação como e, mas, depois, assim, etc. Halliday & Hasan apresentam, como

principais tipos de conjunção, a aditiva, adversativa, a causal, a temporal e a

continuativa. Um mesmo tipo de relação pode ser expresso por uma série de

estruturas semanticamente equivalentes, como em:

7. a. Uma grande paz seguiu-se ao violento tumulto.

b. Após o violento tumulto, houve uma grande paz.

c. Houve um violento tumulto. {Depois}, seguiu-se uma grande paz.

{Logo após}

d. Depois que terminou o violento tumulto, houve uma grande paz.

e. Houve uma grande paz, depois de haver terminado o violento tumulto.

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Observe o quadro abaixo que apresenta o tipo de relação que algumas

conjunções exprimem:

Relação Conjunção

Adição E, nem (= e não), não ... mas também

Oposição Mas, porém, todavia, contudo, no entanto, entretanto

Conclusão Logo, pois (colocada após o verbo), portanto, por isso

Explicação Pois (colocada antes do verbo), porque, que, visto que

Causa Como, uma vez que, porque que

Condição Se, a menos que, desde que, contanto que

Consequência (tão)... que, (tanto)... que, (tamanho)... que

Conformidade Como, conforme, segundo

Concessão Embora, mesmo que, ainda que, se bem que, conquanto

Proporção À proporção que, à medida que, ao passo que, quanto

mais... tanto mais

Comparação (mais)... que, (menos)... que, (tão)... quanto, como

tempo Quando, enquanto, sempre que, assim que, desde que, logo

que

Finalidade A fim de que, para que

A coesão Lexical é obtida por meio de dois mecanismos: a reiteração e a

colocação. A reiteração se faz por repetição do mesmo item lexical ou por meio de

sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, como se pode ver nos exemplos

abaixo:

8. O presidente viajou para o exterior. O presidente levou consigo

uma grande comitiva. (mesmo item lexical)

9. Uma menininha correu ao meu encontro. A garota parecia

assustada. (Sinônimo)

10. O avião ia levantar vôo. O aparelho fazia um ruído ensurdecedor.

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(Hiperônimo: aparelho designa o gênero de que avião é espécie).

11. Todos ouviram um rumor de asas. Olharam para o alto e viram a

coisa se aproximando. (Nome genérico: coisa, pessoa, fato,

acontecimento etc.)

A colocação ou contiguidade, por sua vez, consiste no uso de termos

pertencentes a um mesmo campo significativo:

12. Houve um grande acidente na estrada. Dezenas de ambulâncias

transportaram os feridos para os hospitais da cidade mais próxima.

Citam, também, como formas de coesão, relações lexicais como hiponímia

e hiperonímia (ex: dália-flor), parte-todo (ex.: casco-navio); colocabilidade (ex.:

sábado se relaciona com domingo); outras relações estruturais como a

substituição causal (ex.: Ele ficou feliz com a notícia. Eu também); comparação

(ex.: Meu polegar é mais forte que este martelo); repetição sintática (ex.: Nós

entramos. Eles entraram); consistência de tempos verbais; opções estilísticas

adequadas ao registro, etc.

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Exercícios – Coesão Textual

1. Reescreva o parágrafo abaixo substituindo os termos repetidos.

As revendedoras de automóveis não estão mais equipando os automóveis para vender

mais caro. O cliente vai à revendedora de automóveis com pouco dinheiro e se tiver que

pagar mais caro o automóvel, desiste de comprar o automóvel e as revendedoras de

automóveis têm prejuízo.

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

_____________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

__________________________

2. Complete o parágrafo com os termos que estão faltando, dando-lhe coesão.

Com a descoberta dos microcomputadores pessoais (os “PCs”) o comportamento das

pessoas mudou nestas últimas décadas. Primeiro, as pessoas olharam com desconfiança

para essa máquina “tão genial”. _ _, com a proximidade e o contato constante com este

equipamento (devido ao trabalho), a sociedade começou a entender que tal invenção era

necessária e sua existência era irreversível. ____________, com o advento da Internet, o

mundo não vive mais sem os “PCs”, que se tornaram mais rápidos, eficientes e portáteis

.

3. Redija duas novas versões do texto abaixo, utilizando os articuladores sintáticos de

oposição e de concessão.

Você é uma pessoa muito interessante e inteligente, ________ não consegui me

apaixonar, sinto muito.

__________ você ________uma pessoa muito interessante e inteligente, ___________

não consegui me apaixonar, sinto muito.

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Você é uma pessoa muito interessante e inteligente, _____________ não consegui me

apaixonar, sinto muito.

4 – Faça o mesmo com o texto abaixo utilizando articuladores sintáticos de fim.

Roberto faz faculdade __________________ conseguir melhor colocação profissional.

5– Elabore um parágrafo que utilize articuladores sintáticos de causa.

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

__________________

6- Elabore um parágrafo que utilize articuladores sintáticos de conclusão.

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

___________________________

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7 – Relacione as três ideias do grupo de sentenças abaixo, em um só período (parágrafo),

articulando as sentenças da maneira que julgar mais adequada. Faça isso três vezes,

utilizando como tópico frasal, alternadamente, cada uma das frases.

a) Muitas empresas multinacionais estão decepcionadas com alguns aspectos da nova

Constituição.

b) Muitas empresas multinacionais continuarão a investir no Brasil.

c) Muitas empresas multinacionais acreditam no futuro do Brasil.

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

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a) O Rio de Janeiro é o paraíso das confecções.

b) Nem todas as confecções do Rio de Janeiro são importantes.

c) Algumas confecções do Rio de Janeiro são clandestinas.

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8 – Faça o mesmo, mas agora obedeça às indicações entre parênteses. (Deve-se

modificar a ordem dos parágrafos quando necessário).

- O fogo é, paradoxalmente, um importante regenerador de matas naturais. (ideia

principal)

- O fogo destrói a matéria orgânica necessária à formação de humo do solo. (oposição a

principal)

- O fogo destrói o excesso de material combustível acumulado no chão. (causa da

principal)

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- As mulheres assumiram a cumplicidade no papel da dominação masculina. (ideia

principal)

- As pessoas atribuem às mulheres a responsabilidade fundamental do romantismo.

(causa da principal)

- O problema da dominação masculina vem explodindo, ultimamente. (oposição à

primeira)

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9. Assinale a ordem em que os fragmentos a seguir devem ser dispostos para se

obter um texto com coesão, coerência e correta progressão de ideias.

1. Não apenas os manuais de história, mas todas as práticas educativas da escola são

transmitidas a partir de uma visão etnocêntrica.

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2. O sistema escolar brasileiro ignora a multiplicidade de etnias que habita o País.

3. A escola brasileira é branca não porque a maioria dos negros está fora dela.

4. Deve-se incluir na justificação da evasão escolar a violência com que se agride a

dimensão étnica dos alunos negros.

5. Estes, se querem permanecer na escola branca, têm de afastar de si marcas culturais e

históricas.

6. É branca porque existe a partir de um ponto de vista branco.

a) 2 – 1 – 3 – 5 – 4 – 6

b) 2 – 1 – 3 – 6 – 4 – 5

c) 1 – 3 – 6 – 5 – 2 – 4

d) 1 – 2 – 3 – 6 – 5 – 4

e) 4 – 5 – 2 – 1 – 6 – 3

10. Marque a opção que não completa, de forma lógica e gramaticalmente coesa, o

trecho fornecido.

Todo ano, nessa época, São Paulo festeja o Santo Gennaro,

padroeiro dos napolitanos. A rua San Gennaro é pequena e

apresenta riscos para os frequentadores das atividades. Em

virtude disso,

a) as barracas ficarão espalhadas pelas calçadas das ruas adjacentes.

b) a assessoria da prefeitura entrou em entendimento com a comunidade do bairro

visando à transferência de local.

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c) recomenda-se aos pais que a presença de crianças na festa não ultrapasse as 21

horas.

d) os festeiros definiram, para este ano, a realização dos festejos na rua San Gennaro.

e) a comunidade napolitana solicita seja indicado local alternativo para as festividades.

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Coerência

A coerência é a relação que se estabelece entre as partes de um texto, criando

uma unidade de sentido. Ela é o resultado da solidariedade, da continuidade do sentido,

do compromisso das partes que formam esse todo. Está, pois, ligada à compreensão, à

possibilidade de interpretação daquilo que se diz, escreve, ouve, vê, desenha, canta,

entre outras formas de expressão.

A coerência caracteriza-se, portanto, por uma interdependência semântica entre

os elementos constituintes de um texto. Ela é o resultado de processos mentais de

apropriação do real e da configuração dos esquemas cognitivos que definem o nosso

saber sobre o mundo.

Alguns estudiosos de Linguística Textual (Koch e Travaglia, 1990) ampliam o

conceito de coerência, considerando-a condição fundamental para a construção do texto.

Apresentam a coerência como decorrente de fatores das mais diversas ordens:

linguísticos, discursivos, cognitivos, culturais e interacionais.

Elementos Linguísticos

Embora não seja possível apreender o sentido de um texto com base apenas nas

palavras que compõem e na sua estruturação sintática, é indiscutível a importância dos

elementos linguísticos do texto para o estabelecimento da coerência. Esses elementos

servem como pistas para a ativação dos conhecimentos armazenados na memória,

constituem o ponto de partida para a elaboração de inferências e ajudam a captar a

orientação argumentativa dos enunciados que compõem o texto. A ordem de

apresentação desses elementos, o modo como se inter-relacionam para veicular sentidos,

as marcas usadas para esse fim, as “famílias” de significado a que as palavras

pertencem, os recursos que permitem retomar coisas já ditas e/ou apontar para

elementos que serão apresentados posteriormente, enfim, todo o contexto linguístico – ou

cotexto contribui de maneira ativa na construção de coerência.

Conhecimento de mundo

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O nosso conhecimento de mundo desempenha um papel decisivo na

estabelecimento da coerência: se o texto falar de coisas que absolutamente não

conhecemos, será difícil calcularmos o seu sentido e ele nos parecerá destituído de

coerência.

Adquirimos esse conhecimento tomando contato com o mundo que nos cerca e

experimentando uma série de fatos. Mas ele não é arquivado na memória de maneira

caótica: vamos armazenando os conhecimentos em blocos, que se denominam modelos

cognitivos. Existem diversos tipos de modelos cognitivos, entre os quais podemos citar:

a) os frames- conjuntos de conhecimentos armazenados na memória

debaixo de um “ rótulo”, sem que haja qualquer ordenação entre eles;

ex: Carnaval (confete, serpentina, desfile, escola de samba, fantasia,

baile, mulatas, etc.), Natal, viagem de turismo;

b) os esquemas – conjuntos de conhecimentos armazenados em

sequência temporal ou causal; ex.: como pôr um aparelho em

funcionamento, um dia na vida de um cidadão comum;

c) os planos – conjunto de conhecimento de sobre como agir para atingir

determinado objetivo; por exemplo, como vencer uma partida de

xadrez;

d) os scripts – conjuntos de conhecimentos sobre modos de agir altamente

estereotipados em dada cultura, inclusive em termos de linguagem; por

exemplo, os rituais religiosos (batismo, casamento, missa), as fórmulas

de cortesia, as praxes jurídicas;

e) as superestruturas ou esquemas textuais – conjunto de conhecimentos

sobre os diversos tipos de textos, que vão sendo adquiridos à

proporção que temos contato com esses tipos e fazemos comparações

entre eles.

Observemos com atenção o texto de Ricardo Ramos:

Circuito Fechado

Ricardo Ramos

1

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Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água,

espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água

fria, água quente, toalha.

Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos,

gravata, paletó. Carteira níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio,

maço de cigarros, caixa de fósforo. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato,

bule, talheres, guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e

poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas,

bloco de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas,

quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo.

Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques. (...)

2

3

Muito prazer. Por favor, quer ver o meu saldo? Acho que sim. Que bom telefonar,

foi ótimo, agora mesmo estava pensando em você. Puro, com gelo. Passe mais

tarde, ainda não fiz, não está pronto. Amanhã eu ligo, e digo alguma coisa. Guarde

o troco. Pense que sim. Este mês, não, fica para o outro. Desculpe, não me

lembrei. Veja logo a conta, sim? É pena mas hoje não posso, tenho um jantar.

Vinte litros, da comum. Acho que não. Nas próximas férias, vou até lá, de carro.

Gosto mais assim, com azul. Bem, obrigado, e você? Feitas as contas, estava

errado. Creio que não. Já, pode levar. Ontem aquele calor, hoje chovendo. (...)

Fonte: Os Melhores Contos Brasileiros de 1973.

Porto Alegre, Editora Globo, 1974, pp. 169-175

Em 1, temos uma série de palavras justapostas, quase sem nenhum elemento de

ligação e que nem mesmo chegam a formar frases completas. No entanto percebemos

claramente que se trata da descrição de um dia normal na vida de um homem de

negócios. Isto acontece porque temos arquivado na memória o esquema relativo a essas

situações. As palavras do texto vão ativar tal esquema, que será posto em funcionamento

para permitir-nos a compreensão do texto. Assim a sequência

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Em 2, temos outra sequência de termos, expressões e pequenas frases

aparentemente desconexos. Podemos notar, porém, que são fórmulas prontas que

pronunciamos ao longo de nossos dias e de nossas vidas, em situações bem

determinadas, quase sempre da mesma maneira. Trata-se, portanto, de scripts que

somos chamados a desempenhar nossa vida em sociedade.

Como podemos verificar, os modelos cognitivos são culturalmente determinados e

aprendidos através de nossa vivência em dada sociedade.

Além desse conhecimento adquirido pela experiência do dia a dia, existe o

conhecimento dito científico, aprendido nos livros e nas escolas. Nem sempre os tipos de

conhecimento coincidem, o que pode criar problemas coerência se procurarmos

interpretar um texto científico com base em nosso conhecimento comum (ou vice – versa).

Por exemplo, cientificamente, o morcego é um mamífero. Para muitas pessoas, porém,

ele é uma ave (visto que voa). Se tais pessoas se deparassem com uma sequência como

a abaixo, poderiam considerá-la incoerente:

O morcego entrou pela janela e voejou sobre a sala. De repente, o mamífero

enroscou-se nos cabelos da dona da casa.

É o nosso conhecimento de mundo que nos faz considerar estranho que o sol

brilha à meia noite; e alguém se enforcar num pé de alface, etc. É também esse

conhecimento que nos permite detectar uma série de contradições, como estar pelado

com a mão no bolso.

É a partir dos conhecimentos que temos que vamos construir um modelo do

mundo representado em cada texto – é o mundo textual. Tal mundo, é claro, nunca vai

ser uma cópia fiel do mundo real, já que o produtor do texto recria o mundo sob uma

cópia fiel do mundo real, já que o produtor do texto recria o mundo sob uma dada ótica ou

ponto de vista, dependendo de seus objetivos, crenças, convicções e propósitos, como

iremos ver mais adiante. Mas, para que possamos estabelecer a coerência de um texto, é

preciso que haja correspondência ao menos parcial entre os conhecimentos nele ativados

e o nosso conhecimento de mundo, pois, caso contrário, não teremos condições de

construir o mundo textual, dentro do qual as palavras e expressões do texto ganham

sentido.

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Conhecimento Partilhado

Como cada um de nós vai armazenando os conhecimentos na memória a

partir de nossas experiências pessoais, é impossível que duas pessoas partilhem

exatamente o mesmo conhecimento de mundo. É preciso, no entanto, que produtor e

receptor de um texto possuam, ao menos, uma boa parcela de conhecimentos comuns.

Quanto maior for essa parcela, menor será a necessidade de explicitude do texto, pois o

receptor será capaz de suprir as lacunas, por exemplo, através de inferências, como

veremos no próximo item.

Para que um texto seja coerente, é preciso haver um equilíbrio entre

informação dada e informação nova. Se um texto contivesse apenas informação nova,

seria ininteligível,, pois faltariam ao receptor as bases (“âncoras”) a partir das quais ele

poderia proceder ao processamento cognitivo do texto. De outro lado, se o texto

contivesse somente informação dada, ele seria altamente redundante, isto é, “caminharia

em círculos”, sem preencher seu propósito comunicativo.

Ontem estive com o marido de sua irmã. Ele me contou que você e ela

vão viajar para o exterior.

Pegue essa xícara vermelha e coloque-a ali.

Em 15 de novembro, teremos eleições para presidente.

Hoje é dia de pagar o carnê.

Outras entidades podem ser inferidas a partir de elementos expressos no

texto que ativam determinados “frames” arquivados em nossa memória. Por exemplo:

O visitante acendeu um cigarro e pôs-se a falar nervosamente; a

fumaça irritava-me os olhos, mas tentei ouvi-lo com paciência.

Qualquer receptor é capaz de perceber a fumaça de que se fala é

produzida pelo cigarro, já que todos sabem que um cigarro aceso produz fumaça. O

mesmo ocorre em:

O professor entrou na sala, olhou para os alunos e escreveu no

quadro um aviso importante.

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O quadro, aqui, é o quadro negro e a sala, uma sala de aula. Tal

interpretação é sugerida pelo termos professor e alunos. É por esta razão que, de um

modo geral, o contexto (linguístico e situacional) permite desfazer a ambiguidade de

termos e expressões da língua.

Inferências

Inferência é a operação pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o

receptor (leitor/ouvinte) de um texto estabelece uma relação não explícita entre dois

elementos (normalmente frases ou trechos) deste texto que ele busca compreender e

interpretar.

Vejamos alguns tipos de inferências:

Paulo comprou um Ford novinho em folha.

Interferências:

Paulo tem um carro.

Paulo tinha recursos para comprar o carro.

Paulo é rico.

Paulo é melhor companhia que você.

Quanto maior o grau de familiaridade ou intimidade entre os interlocutores, menor

a quantidade de informações explícitas, especialmente no caso de diálogos. É o que

podemos ver no diálogo abaixo:

- A campainha

- Estou de camisola.

- Tudo bem.

Não se pode dizer que, do ponto de vista estritamente linguístico, haja uma

relação entre as três falas. No entanto, não temos nenhuma dificuldade em estabelecer as

“pontes” que faltam. O texto assim “completado” seria:

a) A campainha está tocando, vá atender.

b) Não posso, estou de camisola.

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c) Tudo bem, então eu atendo.

É comum, principalmente na conversação (mas muitas vezes também na escrita)

omitirmos informações que podem ser facilmente inferidas. Vejamos mais um exemplo:

Fatores de Contextualização

Os fatores de Contextualização são aqueles que “ ancoram” o texto em uma

situação comunicativa determinada. Segundo Marcuschi(1983), podem ser de dois tipos:

os contextualizadores propriamente ditos e os perspectivos ou prospectivos. Entre os

primeiros estão a data, o local, a assinatura, elementos gráficos, timbre etc., que ajudam a

situar o texto e portanto, a estabelecer-lhe a coerência.

Imagine-se uma carta escrita por um brasileiro de Campinas a um amigo de São

Paulo que se encontrasse no exterior, em que o primeiro se esquecesse de colocar data,

local e assinatura, e que dissesse o seguinte:

Hoje o dia está chuvoso. Nosso vizinho da esquina mudou-se para aquele palacete que

comprou de meu avô. Não se esqueça de escrever logo para o nosso amigo de infância

que mora na fazenda. Ele precisa daquela informação ainda esta semana.

Um abraço

Sem os elementos contextualizadores, fica difícil decodificar a mensagem.

Também em documentos, correspondência oficial e outros textos do gênero, o timbre, o

carimbo, a data, a assinatura serão de extrema importância, servido, inclusive, para dar fé

ao texto.

Entre os fatores gráficos, temo: disposição na página, ilustrações, fotos,

localização no jornal (caderno, página), que contribuem para a interpretação do texto. Os

fatores perpectivos ou prospectivos são aqueles que avançam expectativas sobre o

conteúdo – e também a forma – do texto: título, autor, início do texto.

O título, de modo geral, permite prever “sobre o que” o texto fala. É claro que

existem títulos despistadores, intencionalmente ou não. A publicidade e o humor

costumam utilizar-se com frequência desse recurso. Vejamos o exemplo :

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SENHORA DA SOCIEDADE CRIA UM TARZÃ.

Um pouco para o pálido.

Ricardo era um menino que hoje em dia se aceita como normal. Ano

passado, sua mãe comprou um terreno na Enseada Azul, às margens da

represa de Jurumirim e financiou uma casa de campo pelo Banco X.

Agora, fim de semana é lá.

Ricardo sobe em árvore, nada, esquia, veleja.

Ganhou a cor que Deus quer que as pessoas tenham.

Ficou forte, esperto.

Um verdadeiro Tarzã.

Há outros terrenos na Enseada Azul. Lindos, fáceis de comprar. Para você

anotes os telefones: 853-6777 e 8536773 Sigma 64 Administração e Comércio.

Também o nome do autor permite fazer previsões sobre o texto, quer quanto à

forma, quer quanto ao conteúdo. Muitas vezes, ele nos leva a ler ou rejeitar o texto,

conforme as nossas preferências quanto ao estilo e as nossas opiniões sobre o tema.

O início do texto traz informações sobre o tipo (por exemplo, Era uma vez...) ou

sobre o próprio assunto. Também aqui, formulando hipótese sobre o conteúdo do texto

que podem confirmar-se ou não.

Situacionalidade

A situacionalidade, outro fator responsável pela coerência, pode ser vista

atuando em duas direções:

a) da situação para o texto – neste caso, trata-se de determinar em

que medida a situação comunicativa interfere na produção/recepção do texto e, portanto, no

estabelecimento da coerência. A situação deve ser aqui entendida quer em sentido estrito –

a situação comunicativa propriamente dita, isto é, o contexto imediato da interação -, quer

em sentido amplo, ou seja, o contexto sócio – político – cultural em que a interação está

inserida. Sabe-se que a situação comunicativa tem interferência direta na maneira como o

texto é construído, sendo responsável, portanto, pelas variações linguísticas. É preciso, ao

construir um texto, verificar o que é adequado àquela situação específica: grau de

formalidade, variedade dialetal, tratamento a ser dado ao tema, etc. O lugar e o momento

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da comunicação, bem como as imagens recíprocas que os interlocutores fazem uns dos

outros, os papéis que desempenham, seus pontos de vista, objetivo da comunicação, enfim,

todos os dados situacionais vão influir tanto na produção do texto, como na sua

compreensão.

b) Do texto para a situação – também o texto tem reflexos importantes

sobre a situação comunicativa: o mundo textual não é jamais idêntico ao mundo real. Ao

construir um texto, o produtor recria o mundo de acordo com seus objetivos, propósitos,

interesses, convicções, crenças, etc. O mundo criado pelo texto é, portanto, uma cópia fiel

do mundo real, mas o mundo tal como é visto pelo produtor a partir de determinada

perspectiva, de acordo com determinadas intenções. É por isso que, quando várias

pessoas descrevem um mesmo objeto, as descrições nunca vão ser exatamente iguais;

quando diversas testemunhas relatam um fato, os depoimentos vão divergir uns dos

outros. Os referentes textuais não são idênticos aos do mundo real, mas são

reconstruídos no interior do texto. O receptor, por sua vez, interpreta o texto de acordo

com a sua ótica, os seus propósitos, as suas convicções- há sempre uma mediação entre

o mundo real e o mundo textual.

Assim, na construção da coerência, a situacionalidade exerce também

um papel de relevância. Um texto que é coerente em dada situação pode não sê-lo em

outra: daí a importância da adequação do texto à situação comunicativa.

Informatividade

Outro fator que interfere na construção da coerência é a informatividade, que diz

respeito ao grau de previsibilidade (ou expectabilidade) da informação contida no texto.

Um texto será tanto menos informativo, quanto mais previsível ou esperada for a

informação por ele trazida. Assim, se contiver apenas informação previsível ou

redundante, seu grau de informatividade será baixo; se, por fim, toda a informação de um

texto inesperada ou imprevisível, ele terá um grau máximo de informatividade, podendo, à

primeira vista, parecer incoerente por exigir do receptor um grande esforço de

decodificação.

O oceano é água

O oceano é água. Mas ele se compõe, na verdade, de uma solução de gases s sais.

O oceano não é água. Na verdade, ele é constituído de gases e sais.

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É a informatividade, portanto, que vai determinar a seleção e o arranjo das

alternativas de distribuição da informação no texto, de modo que o receptor possa

calcular-lhe o sentido com maior ou menor facilidade, dependendo da intenção do

produtor de construir um texto mais ou menos hermético, mais ou menos polissêmico, o

que está, evidentemente, na dependência da situação comunicativa e do tipo de texto a

ser produzido.

Focalização

A focalização tem a ver com a concentração dos usuários (produtor e receptor) em

apenas uma parte do seu conhecimento e com a perspectiva da qual são vistos os

componentes do mundo textual. Seria como uma câmera que acompanhasse tanto o

produtor como o receptor no momento em que um é processado. O primeiro fornece ao

segundo determinadas pistas sobre o que está focalizando, ao passo que o segundo terá

de recorrer a crenças e conhecimentos partilhados sobre o que está sendo focalizado,

para poder entender o texto (e as palavras que o compõem) de modo adequado. Devido

ao Princípio de Cooperação (quando duas pessoas interagem por meio da linguagem,

elas se esforçam por fazer-se compreender e procurar calcular o sentido do texto do(s)

interlocutor, partindo das pistas que ele contém e ativando seu conhecimento de mundo,

da situação, etc), ambos os interlocutores vão agir como se estivessem focalizados

semelhantemente.

Diferenças de focalização podem causar problemas sérios de compreensão,

impedindo, por vezes, o estabelecimento da coerência. Verifica-se, portanto, que a

focalização tem relação direta com a questão do conhecimento de mundo e de

conhecimento partilhado. Um mesmo texto, dependendo da focalização, pode ser lido de

modo totalmente diferente. Imagine-se um conto fantástico lido por um psicólogo, um

padre, um político, um sociólogo. Provavelmente, as leituras seriam bastante diferentes,

devido às diferentes focalizações. Veja-se, por exemplo, o texto abaixo em que um

casamento é visto por um crítico teatral.

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O Crítico Teatral vai ao casamento

Como espetáculo, o casamento da Senhorita Lídia Teles de Souza com o Sr. Herval Nogueira foi realmente um dos mais irregulares a que temos assistido nos últimos tempos. A senhorita Teles parecia muito nervosa, nervosismo justificado por estar estreando em casamentos (o que não se pode dizer do noivo, que tem muita experiência de altar) de modo que sua dicção, normalmente já não muito boa, foi prejudicada a tal ponto que os assistentes das últimas filas não lhe ouviram uma palavra. O cenário, altamente convencional, tinha apenas uma nota de originalidade nos cravos vermelhos que enfeitavam as paredes. Os turíbulos estavam muito bem colocados, mas os figurino de todos oficiantes foram, visivelmente aproveitados de outras produções.

O noivo representou o papel com firmeza, embora um tanto frio. Disse “sim” ou “aceito” (não ouvimos bem suas frases porque a acústica da abadia é péssima). Fora os pequenos senões notados, teremos que chamar a atenção, naturalmente, para o coroinha, que a todo momento coçava a cabeça, indiferente completamente à representação, como se não partisse dela. A música foi também mal escolhida, numa prova de terrível mau gosto. Realmente, pode ser que a marcha nupcial de Mendelssohn já esteja muito batida, mas é sempre preferível esse fundo ortodoxo a uma inovação do tipo da usada, tendo o coro cantando o samba. “É com esse que eu vou”.

O fato de a noiva chegar atrasada também deixou altamente impacientes os espectadores, que a certo momento começaram mesmo a mostrar evidentes sinais de nervosismo. A sua entrada, porém, foi espetacular, e o modelo que trajava, além do andar digno que soube usar para se encaminhar ao palco de seu destino, rende-lhe os melhores parabéns ao fim do espetáculo.

O vitorioso da noite foi, sem dúvida alguma, o padre, que disse o seu sermão com voz clara e emocionada, num texto traduzido do latim com toda perfeição.

Em suma – espetáculo normal, que deve ser assistido por todos os parentes e amigos. Lamentamos apenas – e tomamos como um deplorável sinal dos tempos – a qualidade do arroz jogado sobre os noivos.

(Fernandes, Millôr – Trinta anos de mim mesmo. Círculo do livro, p.78).

A mesma palavra poderá ter sentido diferente, dependendo da focalização.

No caso de palavras homônimas, a focalização comum dos interlocutores permitirá

depreender o sentido do termo naquela situação específica. É o que acontece, por

exemplo, com o termo vela em (58):

Traga-me uma vela nova.

a) o marido para a mulher no momento em que acaba a luz.

b) o mecânico que está consertando um carro.

b) o armador que está construindo um barco.

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Um dos importantes meios de evidenciar a focalização é o uso do que chamamos

de descrições ou expressões definidas, isto é, grupos nominais introduzidos por artigos

definido (ou por demonstrativos). Tais expressões selecionam, dentre as propriedades e

características do referente, aquelas sobre as quais se deseja chamar a atenção. Por

exemplo, podemos nos referir a uma mesma garota de várias maneiras, sem usar o seu

nome: a menina bonita, a namorada de José, a primeira aluna da classe, a filha do

vizinho, a excelente nadadora etc., desde que todas estas propriedades lhe possam ser

atribuídas. É claro, porém, que dependendo da focalização, iremos usar uma e não

outras, selecionando aquelas que foram mais adequadas aos nossos propósitos.

Também o título do texto é, em grande parte dos casos, responsável pela

focalização, pois, como já vimos anteriormente, ativa e/ou seleciona conhecimentos de

mundo que temos arquivados na memória, avançando expectativas sobre o conteúdo do

texto. Um mesmo texto, com títulos diferentes, poderá ter leituras diferentes; mudando-se

o título de um texto, algumas das palavras que o compõem podem mudar de sentido ou

parecer estranhas ou mesmo inadequadas.

No ensino de redação, quando dizemos ao aluno que deve delimitar o assunto e

estabelecer um objetivo para o seu texto, estamos, na verdade, levando – o a focalizar o

tema de um determinado modo. É por isso, também, que, quando damos aos alunos um

tema para ser desenvolvido, os textos nunca saem idênticos devido às diferenças de

focalização.

Intertextualidade

Outro importante fator de coerência é a intertextualidade, na medida em que, para

o processamento cognitivo (produção/recepção) de um texto recorre – se ao

conhecimento prévio de outros textos. A intertextualidade pode ser de forma ou conteúdo.

A intertextualidade de forma ocorre quando o produtor de um texto repete

expressões, enunciados ou trechos de outros textos, ou então o estilo de determinado

autor ou de determinados tipos de discurso. Exemplo de intertextualidade de forma pode

ser detectada entre a “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias e trechos do Hino Nacional

Brasileiro e da Canção do Expedicionário:

Do que a terra mais garrida

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Teus risonhos lindos campos têm mais flores

Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida em teu seio mais amores.

(Hino Nacional Brasileiro – Letra: Osório Duque Estrada)

Por mais terra que eu percorra

Não permita Deus que eu morra

Sem que volte para lá...

(Canção do Expedicionário)

Romano Sant´Anna aponta a intertextualidade formal entre versos de Petrarca e

de Camões, numa época em que a técnica da imitação era valorizada:

Petrarca: L´Amante nell” amato se transforma

Camões: Transforma-se o amador em cousa amada.

Petrarca: Che chontra il ciel non val difesa umana

Camões: Que contra o céu não vai defesa humana.

Um subtipo de intertextualidade formal é a intertextualidade tipológica, que também

é importante para o processamento adequado do texto. Como já dissemos, os

conhecimentos de mundo são armazenados em nossa memória sob forma de blocos – os

modelos cognitivos globais, entre os quais estão as superestruturas ou esquemas

textuais, que são conjuntos de conhecimentos que se vão acumulando quanto aos

diversos tipos de textos utilizados em dada cultura. Assim, por exemplo, de tanto ouvir

contar histórias, a criança constrói seu “modelo de história”, que lhe permite reconhecer e

produzir histórias, e será o ponto de partida para a construção do esquema ou da

superestrutura narrativa. O mesmo vai ocorrer com relação aos outros tipos textuais. É

evidente que alguns deles vão ser desenvolvidos através de uma aprendizagem mais

sistemática, na escola, por exemplo. Isto não significa, porém, que uma pessoa que

nunca tenha frequentado os bancos escolares seja incapaz de narrar, de descrever, de

argumentar ou de escrever (ou ditar) uma carta.

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O conhecimento dos tipos textuais, portanto, permitirá ao leitor “enquadrar” o texto

em determinado esquema, o que lhe poderá dar pistas importantes para a sua

interpretação.

Quanto ao conteúdo, pode-se dizer que a intertextualidade é uma constante: os

textos de uma mesma época, de uma mesma área de conhecimento, de uma mesma

cultura, etc., dialogam, necessariamente, uns com os outros. Essa intertextualidade pode

ocorrer de maneira explícita ou implícita.

No primeiro caso, o texto contém a indicação da fonte do texto primeiro, como

acontece com o discurso relatado; as citações e referências no texto científico; resumos e

resenhas; traduções; retomadas da fala do parceiro na conversação face – a – face, etc.

Já no caso da interceptor deverá ter os conhecimentos necessários para recuperá–la; do

contrário, não será capaz de captar a significação implícita que o produtor pretende

passar. É o caso de alguns tipos de ironia, da paródia, de certas paráfrases, etc.

São exemplos de intertextualidade explícita:

Segundo Beaugrande & Dressler – 1981, “ a coerência diz respeito ao modo

como os elementos subjacentes à superfície textual são entre si mutuamente

acessíveis e relevantes, entrando numa configuração veiculadora de sentidos”.

Concordamos com Charolles – 1983, quando afirma ser a coerência um

princípio de interpretabilidade do discurso.

a) Hoje vai chover.

b) Hoje vai chover? Então vamos deixar o passeio para amanhã.

Não havendo indicação da fonte do texto original, caberá ao receptor, por meio de

seu conhecimento de mundo, não só descobri-la como detectar a intenção do produtor do

texto ao retomar o que foi dito por outrem. São comuns, por exemplo, textos que imitam a

linguagem da Bíblia. O leitor desses textos que não conheça a Bíblia não chegará,

evidentemente, a captar todas as significações pretendidas pelo autor.

As matérias jornalísticas de um mesmo dia ou de uma mesma semana – quer do

mesmo jornal, quer de jornais diferentes, quer, ainda, de revistas semanais -, noticiários

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de rádio e TV – normalmente “dialogam” entre si, ao tratarem de um fato em destaque

(intertextualidade de conteúdo).

A intertextualidade é comum também na música popular, quando o autor retoma

trechos de outras canções próprias ou alheias (no caso de retomas de textos próprios,

fala-se, por vezes, de intratextualidade). A intertextualidade se estabelece também

quando nos “apropriamos” de provérbios e ditos populares em nossas conversas ou em

nossos textos escritos, endossando – os ou em nossos textos escritos, endossando – os

ou revertendo a sua forma e/ou o seu sentido.

Romano de Sant’Anna distingue, ainda a intertextualidade das semelhanças da

intertextualidade das diferenças. No primeiro caso, manifesta – se adesão ao que é dito

no texto original (como ocorre nos exemplos abaixo); no segundo caso, representa-se o

que foi dito para propor uma leitura diferente e/ou contrária. A repetição pura e simples,

bem como a paráfrase pertencem ao primeiro tipo; já a paródia, a ironia, a concessão ou

concordância parcial (em que se “ acolhe” os argumentos contrários para, em seguida,

apresentar argumentos decisivos capazes de destruí-los) são exemplos do segundo tipo.

Canção do Exílio

Minha terra tem macieiras da Califórnia

Onde cantam gaturamos de Veneza.

(Murilo Mendes)

(72) Canto de regresso à pátria

Minha terra tem palmares

Onde gorjeia o mar

Os passarinhos daqui

Não cantam como os de lá.

Minha terra tem mais rosas

E quase que mais amores

Minha terra tem mais ouro

Minha terra tem mais terra.

Ouro terra amor e rosas

Eu quero tudo de lá

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Não permita Deus que eu morra

Sem que eu volte para lá.

Não permita Deus que eu morra

Sem que volte pra São Paulo

Sem que veja rua 15

E o progresso de São Paulo.

(Oswaldo Andrade)

O reconhecimento do texto-fonte e dos motivos de sua reapresentação, no caso da

intertextualidade implícita, é, como se vê, de grande importância para construção do

sentido de um texto.

Intencionaidade e aceitabilidade

Como vimos, o produtor de um texto tem, necessariamente, determinados

objetivos ou propósitos, que vão desde a simples intenção de estabelecer ou manter o

contato com o receptor até a de levá-lo a partilhar de suas opiniões ou a agir ou

comporta-se de determinada maneira. Assim, a intencionalidade refere-se ao modo como

os emissores usam um texto para perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para

tanto, textos adequados a obtenção dos efeitos desejados. É por esta razão que o

emissor procura, de modo geral, construir seu texto de modo coerente e dar pistas ao

receptor que lhe permitam construir o sentido desejado. Para tanto, o emissor do texto vai

mobilizar todos os outros fatores de textualidade, inclusive, dependendo do tipo de texto (

científico, didático, expositivo, etc.), utilizando os mecanismos de coesão já mencionados.

Pode ocorrer, no entanto, que o produtor afrouxe propositadamente a coerência de seu

texto, se quiser obter determinados efeitos, como: fazer-se passar por desmemoriado, por

louco, por embriagado, etc.

A aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade. Já se disse que,

segundo o Princípio Cooperativo de Grice, o postulado básico que rege a comunicação

humana é o da cooperação, isto é, quando duas pessoas interagem por meio da

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linguagem, elas se esforçam por fazer-se compreender e procurar calcular o sentido do

texto do(s) interlocutor, partindo das pistas que ele contém e ativando seu conhecimento

de mundo, da situação, etc. Assim, mesmo que um texto não se apresente, à primeira

vista, como perfeitamente coerente e não tenha explícitos os elementos de coesão, o

receptor vai tentar estabelecer a sua coerência, dando-lhe a interpretação que lhe pareça

cabível, tendo em vista os demais fatores de textualidade. É por isso que, como já

mencionamos por várias vezes, Charolles – 1983 conceitua a coerência como um

princípio de interpretabilidade do discurso.

A intencionalidade tem relação estreita com o que se tem chamado de

argumentatividade. Se aceitarmos como verdade que não existem textos neutros, que há

sempre alguma intenção ou objetivo da parte de quem produz um texto, e que este não é

jamais uma “cópia” do mundo real, pois o mundo é recriado no texto através da mediação

de nossas crenças, convicções, perspectivas e propósitos, então somos obrigados a

admitir que existe sempre uma argumentatividade subjacente ao uso da linguagem.

A argumentatividade manifesta-se nos textos por meio de uma série de marcas ou

pistas que vão orientar os seus enunciados no sentido de determinadas conclusões, isto

é, que vão determinar-lhes a orientação argumentativa, segundo uma perspectiva dada.

Entre estas marcas encontra-se o tempo verbal. Entre estas marcas encontram-se os

tempos verbais, os operadores e conectores argumentativos (até, mesmo, aliás, ao

contrário, mas, embora, enfim, etc.), os modalizadores (certamente, possivelmente,

indubitavelmente, aparentemente, etc.), entre outros. A partir destas marcas, como

também das inferências e dos demais elementos construtores da textualidade estudados

neste capítulo, o receptor construirá a sua leitura, entre aquelas que o texto, pela maneira

como se encontra linguisticamente estruturado, permite. É por isso que todo texto abre a

possibilidade de várias leituras.

Consistência e Relevância

De acordo com Giora – 1985, dois requisitos básicos para que um texto possa ser

tido como coerente são a consistência e a relevância.

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A condição de consistência exige que cada enunciado de um texto seja

consistente com os enunciados anteriores, isto é, que todos os enunciados do texto

possam ser verdadeiros (isto é, não contraditórios) dentro de um mesmo ou dentro dos

mundos representados no texto.

O requisito da relevância exige que o conjunto de enunciados que compõem o

texto o texto seja relevante para um mesmo tópico, que pode ser dividido em subjacente,

isto é, que os enunciados sejam interpretáveis como falando sobre um mesmo tema.

No texto escrito, normalmente, tem-se um só tópico, que pode ser dividido em

subtópicos. É claro que pode haver exceções, como, por exemplo, no caso de cartas

familiares. Na conversação, que é uma atividade de co-produção discursiva (cf.

Marcuschi – 1986), o tópico é desenvolvido por pelo menos duas pessoas, em turnos

alternados, de modo que o tópico vai se construindo na própria interação, podendo

desenvolver-se e/ou alternar-se a cada turno. Desse modo, é possível haver, numa

mesma conversação, diversos tópicos (ou melhor, quadros tópicos), que podem ou não

ser englobados num tópico mais amplo. Assim, na conversação, as contribuições dos

parceiros deverão ser relevantes para o tópico em curso em dado momento. Mas o texto

conversacional poderá ser ainda coerente se dado enunciado ou conjunto de enunciados

vierem introduzidos por meio de um marcador de digressão, como: por falar nisso,

fazendo um parênteses, desculpe interromper mas..., lembrei-me agora de ..., etc.

A coerência não é apenas um traço ou uma propriedade do texto em si, mas sim

que ela se constrói na interação entre o texto e seus usuários, numa situação

comunicativa concreta, em decorrência de todos os fatores aqui examinados.

Exercícios – Coerência Textual

1. Explique a incoerência dos textos abaixo:

a) Todo e qualquer tipo de violência é repugnante. É lamentável o que presenciamos

nos dias de hoje: crimes hediondos, pais que espancam filhos, maridos que

agridem fisicamente a mulher; enfim, vive-se numa época em que não se respeita

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mais o próximo. Por isso, deve-se implantar o mais rapidamente possível a pena

de morte em nosso país, pois, só assim, a justiça tirará as vendas dos olhos e

dará tranquilidade à população.

.

b) Deus é amor e pura bondade. Quem n’Ele confia tem todas as bênçãos recaídas

sobre si, mas aquele que se desvia dos caminhos do Pai recebe os castigos

provenientes da ira divina.

.

c) A frente da casa da vovó é voltada para o leste e tem uma enorme varanda. Todas

as tardes ela fica na varanda em sua cadeira de balanço apreciando o pôr-do-sol.

.

2. Explique a intertextualidade da frase abaixo.

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O Marcel comercializa lingeries no Rio de janeiro. Com o Exporta Fácil, ele

agora atende da Garota de Ipanema à Garota de Berlim.

(Propaganda dos Correios- Revista Época)

3. Leia atentamente os dois textos que seguem, explique como a coerência foi

estabelecida com base no que aprendemos sobre a coerência.

ANEDOTA BÚLGARA

Era uma vez um czar naturalista

Que caçava homens.

Quando lhe disseram que também se caçavam borboletas e andorinhas,

Ficou muito espantado

E achou uma barbaridade.

Carlos Drummond de Andrade

ANEDOTA NACIONAL

Era uma vez um político capitalista

Que desviava milhões para o próprio bolso.

Quando lhe disseram que mendigos roubavam comida para matar a fome,

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Ficou cheio de patriotismo

E achou que aquele roubo devia ser punido exemplarmente.

4. “Além de parecer não ter rotação, a Terra parece também estar imóvel no meio dos

céus. Ptolomeu dá argumentos astronômicos para tentar mostrar isso. Para entender

esses argumentos, é necessário lembrar que, na antiguidade, imagina-se que todas as

estrelas (mas não os planetas) estavam distribuídas sobre uma superfície esférica, cujo

raio não parecia ser muito superior à distância da Terra aos planetas. Suponhamos agora

que a Terra esteja no centro da esfera das estrelas. Neste caso, o céu visível à noite deve

abranger, de cada vez, exatamente a metade da esfera das estrelas. E assim parece

realmente ocorrer: em qualquer noite, de horizonte a horizonte, é possível contemplar, a

cada instante, a metade do zodíaco. Se, no entanto, a Terra estivesse longe do centro da

esfera estelar, então o campo de visão à noite não seria, em geral, a metade da esfera:

algumas vezes poderíamos ver mais da metade, outras vezes poderíamos ver menos da

metade do zodíaco, de horizonte a horizonte. Portanto, a evidência astronômica parece

indicar que a Terra está no centro da esfera de estrelas . E se ela está sempre nesse

centro, ela não se move em relação às estrelas.

a) O terceiro período (para entender esses... da Terra aos planetas) representa, no texto,

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(a) o principal argumento de Ptolomeu

(b) o pressuposto da teoria de Ptolomeu

(c) a base para as teorias posteriores à de Ptolomeu

(d) a hipótese suficiente para Ptolomeu retomar as teorias anteriores

(e) o fundamento para o desmentido da teoria de Ptolomeu

b) Os termos além de, no entanto, então, portanto estabelecem no texto relações,

respectivamente, de

(a) distanciamento – objeção – tempo – efeito

(b) adição – objeção – tempo- conclusão

(c) distanciamento – consequência – conclusão – efeito

(d) distanciamento – oposição – tempo – consequência

(e) adição – oposição – consequência – conclusão

5. Um dos recursos utilizados para evitar a repetição é a substituição de palavras por

termos equivalente. Melhore as frases a seguir:

a) A mãe levou a criança ao médico, porém não confiou nas orientações dadas pelo

médico.

b) Ontem esteve tenso o clima no Afeganistão. O povo do Afeganistão recebeu

instruções contra os ataques americanos.

c) O diretor daquela empresa demitiu vários funcionários. Os funcionários entraram

com um processo junto ao sindicato.

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6. Ainda é possível substituir uma palavra repetida por um pronome pessoal. Faça-o.

a) O funcionário queria usar o computador, mas não sabia como ligar o computador.

b) Pegou a agenda e anotou na agenda o meu telefone.

c) Um grupo de aposentados foi ao gabinete da prefeita e pediu à prefeita isenção do

IPTU.

d) Rodrigo comprou um lanche, mas, ao provar o lanche, não gostou do lanche.

Leia o texto abaixo e responda às questões:

ROUBADO NO RIO, RECUPERADO EM SÃO PAULO

Um dos 24 livros antigos roubados do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, foi parar na

feirinha de antiguidades do Bexiga, em São Paulo. O volume Historia Naturalis Brasiliæ,

de 1648, foi oferecido ao antiquário Jefferson Pereira. Ele comprou o exemplar e o

entregou à secretária de Cultura de São Paulo, Cláudia Costin. O museu constatou que

é o mesmo exemplar que desapareceu de suas estantes. Graças a Pereira, a polícia pôde

recuperar os outros livros furtados.

7.Explique qual é o tipo de mecanismo de coesão estabelecido em:

a) “... e o entregou à secretária ...” (0,5)

b) “desapareceu de SUAS estantes.” (0,5)

b) O VOLUME Historia Naturalis Brasiliae ...” (0,5)

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c) Ele comprou o EXEMPLAR e o entregou... (0,5)

b. Qual é o sentido estabelecido pela conjunção “e” no trecho “Ele comprou o

exemplar E o entregou...” (0,5)

8. A propaganda anterior apresenta como principal ponto para chamar atenção um

mecanismo de coesão. Qual é?

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9. SUPER-HOMEM - A CANÇÃO

Gilberto Gil 1979

Um dia

Vivi a ilusão de que ser homem bastaria

Que o mundo masculino tudo me daria

Do que eu quisesse ter

Que nada

Minha porção mulher, que até então se resguardara

É a porção melhor que trago em mim agora

É que me faz viver

Quem dera

Pudesse todo homem compreender, oh, mãe, quem dera

Ser o verão o apogeu da primavera

E só por ela ser

Quem sabe

O Super-homem venha nos restituir a glória

Mudando como um deus o curso da história

Por causa da mulher

a) Qual é a intertextualidade que o texto apresenta? Explique o seu sentido

relacionando-o à coerência global do texto?

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b) Explique como os fatores de contextualização podem ajudar a compreender esta

música?

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c) Qual é a focalização do texto?

d) Explique os fatores de coerência intencionalidade e aceitabilidade presentes na

música.

e) O texto se constitui a partir de uma inferência do autor. Qual é esta inferência e

como ela se explica dentro do texto?

Despertemos o leitor

Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.

Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as

eternas frases feitas. “A vida é um fardo” – isto por exemplo, pode-se repetir sempre. E

acrescentar impunemente: “disse Bias”. Bias não faz mal a ninguém, como aliás os outros

seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco,

eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas para o grego comum da época,

deviam ser a delícia e a tábua de salvação das conversas.

Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? O lugar-comum é a base

da sociedade, a da política, a sua filosofia, a segurança das instituições. Ninguém é

levado a sério com idéias originais.

Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara em

entrevista:

“O Brasil não fugirá ao seu destino histórico!”

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O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é sempre infalível,

embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não quer dizer coisa alguma,

pois nada foge mesmo ao seu destino histórico, seja um Império que desaba ou uma

barata esmagada. (Mario Quintana)

10. Explique que tipos de mecanismos de coesão foram destacados acima:

Os

Lhes

Pois

Pois

sua

Seu

Tirada

Que

Isso

ou

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Leia o texto a seguir para responder às questões:

Números em letras (Márcia Dessen , Folha de São Paulo, 23/05/2016 )

Poucos brasileiros conhecem os princípios básicos da matemática financeira. O conceito

de juros, por exemplo. Poucos são capazes de compreender o estrago que pode provocar nas

finanças pessoais.

Por ignorar o conceito de juros compostos, muitos embarcam na canoa furada de pagar

com o cartão de crédito, com planos de parcelar a fatura. Essa mania de parcelar as compras e

pensar só no valor da prestação, achando que dá conta de pagar, é muito perigosa.

A taxa de juros simples incide somente sobre o saldo devedor inicial, sendo muito menos

onerosa para o devedor. O juro composto incide sobre o saldo acrescido dos juros devidos. Assim,

o devedor paga juros sobre juros. A conta fica mais alta e leva muito mais tempo para pagar.

Vamos exemplificar com uma compra de R$ 100 que será financiada no cartão, com

pagamento mensal de R$ 15. A simulação considera taxa de juros de 16% ao mês e ignora outros

encargos.

MÊS UM

Você recebe a fatura do cartão com a compra de R$ 100 e decide parcelar, pagar o valor

mínimo de R$ 15. Sua rápida contabilidade mental indica que agora você deve R$ 85 e logo dará

conta de liquidar a fatura. Mas você se esqueceu de considerar os juros. Sobre os R$ 85 incidem

juros de 16% ao mês e o saldo devedor do mês seguinte será de R$ 98,60.

É isso mesmo. A parcela mínima paga corresponde aproximadamente ao valor dos juros.

Ou seja, você não amortizou quase nada da dívida. Já pagou R$ 15 e está devendo praticamente a

mesma coisa. Você ainda não sabe, mas aqui começa a rolar uma bola de neve que vai se estender

pelos próximos 17 meses.

MÊS DOIS

No mês seguinte você recebe a fatura com o saldo devedor de R$ 98,60. Paga novamente

a prestação de R$ 15,00. Seu saldo devedor depois de pagar a prestação é de R$ 83,60. Mas aí

vem o famigerado juro de 16% e corrige novamente o saldo devedor, que passa a R$ 96,98. Você

deve estar pensando que algo está errado. Já pagou R$ 30 e o saldo devedor continua

praticamente o mesmo?! Desse jeito vai demorar para se livrar dessa dívida...

MÊS 17

Mantido o ritmo de pagamento de R$ 15,00 por mês, a dívida será liquidada em 17 meses,

depois de pagar R$ 254,70, duas vezes e meia o saldo devedor inicial. Só de juros foram pagos R$

154,70. E, para chegar a esse valor, o exemplo considera que não houve outra compra no cartão e

que todas as parcelas de R$ 15 foram pagas pontualmente na data de vencimento, não sendo

devido juro adicional por atraso de pagamento.

REALIDADE

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"Mas era só uma comprinha inocente de R$ 100... como foi que me meti nessa

enrascada?", você deve estar pensando. O estrago provocado por uma compra de R$ 1.000 é

proporcionalmente o mesmo. Com parcelas de R$ 150, ao final de 17 meses você terá pago R$

2.550, duas vezes e meia o valor financiado.

Pense em quanta coisa você poderia ter comprado com esse dinheiro. Mas, em vez de

ficar com ele, você preferiu enriquecer a administradora do cartão, que está rindo à toa, admirada

com a riqueza transferida por tantos consumidores, como você.

O exemplo numérico reflete fielmente a vida como ela é. Aliás, podia ser pior. De acordo

com o site do Banco Central do Brasil, a instituição financeira que pratica atualmente a taxa de

juros mais alta para essa modalidade de crédito cobra 22% ao mês! Difícil de acreditar.

Se você não gosta de números e nem calculadora tem, acesse o site do Banco Central e

localize a "Calculadora do Cidadão". É fácil de usar, faça uma simulação antes de comprar

pensando em financiar a fatura.

O site informa também quanto custaria o mesmo financiamento com juros menores,

cobrados em outras modalidades de crédito. O mesmo exemplo, financiado com taxa de 7% ao

mês em empréstimo pessoal, seria quitado em 8,5 parcelas com montante de R$ 127,15. Que

diferença! Mas nesse caso é preciso paciência. Paciência e planejamento antes de comprar. Será

que você consegue? Garanto que vale a pena tentar.

11) Preencha as lacunas do fragmento utilizando os conhecimentos de mecanismos de

coesão textual e considerando a leitura do texto “Números em letras”:

a) “Poucos ______________são capazes de compreender o estrago que _________________________________pode provocar nas finanças pessoais.

12) Organize as informações do segundo parágrafo do texto como se pede: a) em um

período; b) I – oração principal; II – oração introduzida pela ideia de causa; III – oração

introduzida pela ideia de finalidade; c) Utilize mecanismos de coesão para evitar repetições de

expressões ou palavras.

I – Os brasileiros embarcam na canoa furada de pagar com o cartão de crédito.

II – Os brasileiros ignoram o conceito de juros compostos.

III – Os brasileiros têm planos de parcelar a fatura.

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13))Preencha as lacunas a seguir com conjunções ou locuções de conclusão, causa e

consequência, respectivamente:

A taxa de juros simples incide somente sobre o saldo devedor inicial,

___________ é muito menos onerosa para o devedor. __________o

juro composto incide sobre o saldo acrescido dos juros devidos, o

devedor paga juros sobre juros. A conta fica mais alta

_____________________ele leva muito mais tempo para pagar.

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14) Preencha as lacunas a seguir com conjunções ou locuções de conclusão, concessão e concessão, respectivamente. Use diferentes concessivas para o segundo e terceiro casos:

A parcela mínima paga corresponde aproximadamente ao valor dos

juros, __________ você não amortizou quase nada da dívida. Está

devendo praticamente a mesma coisa ____________já tenha pago R$

15. _____________você ainda não saiba, aqui começa a rolar uma bola

de neve que vai se estender pelos próximos 17 meses.

15)Escreva na linha abaixo do fragmento o elemento do texto que o termo grifado recupera.

No mês seguinte você recebe a fatura com o saldo devedor de R$ 98,60. Paga novamente

a prestação de R$ 15,00. Seu saldo devedor depois de pagar a prestação é de R$ 83,60.

Mas aí vem o famigerado juro de 16% e corrige novamente o saldo devedor, que passa a

R$ 96,98.

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16)Substitua o termo grifado por outro equivalente e reescreva o período fazendo

alterações necessárias para manter a correção gramatical.

Se você não gosta de números e nem calculadora tem, acesse o site do Banco Central e

localize a "Calculadora do Cidadão".

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