Material Suplementar Processo Penal Serie Concursos Publicos

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Norberto Avena

PROCESSO PENALCoordenao

6.a ediorevista, atualizada e ampliada

Misael Montenegro Filho

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SO PAULO

NOTA DO AUTOROs comentrios que seguem tm por objetivo apresentar aos leitores de nosso livros, Processo Penal Esquematizado (3 Edio) e Processo Penal Srie Concursos Pblicos (6 Edio), um panorama geral da Lei n. 12.403, de 04 de maio de 2011, que introduziu modicaes ao Cdigo de Processo Penal no que concerne priso processual e liberdade provisria, agregando, ainda, a disciplina das medidas cautelares diversas da priso. Evidentemente, dada intensidade das mudanas legislativas operadas e aos seus reexos na jurisprudncia, nova edio de cada uma destas obras ser necessria para que se possa esgotar os referidos temas. A propsito, diante dos questionamentos recebidos, cabe esclarecer que referidas edies ainda no foram publicadas por entendermos pertinente aguardar o pronunciamento dos Tribunais sobre pontos polmicos que sobressaem da novel legislao, o que interessa no apenas aos pretendentes a concursos pblicos, como aos prossionais da rea jurdica e estudantes de Direito. No obstante, j havendo, agora, diversas manifestaes pretorianas envolvendo a aplicao das mudanas determinadas pela nova lei, em breve estaro os livros atualizados sendo disponibilizados, incorporando estes entendimentos.

SUMRIO

CONSIDERAES GERAIS SOBRE AS MUDANAS DETERMINADAS PELA LEI 12.403/20111. A LEI 12.403, DE 04 DE MAIO DE 2011: ASPECTOS GERAIS ................... 5 1.1 Noes introdutrias sobre as alteraes determinadas pela Lei 12.403/2011 ... 5 1.2 Outras alteraes....................................................................................................... 14 1.3 O direito intertemporal ........................................................................................... 16 2. MEDIDAS CAUTELARES (PRISO E MEDIDAS DIVERSAS DA PRISO): CARACTERSTICAS, PRINCPIOS INFORMADORES E REQUISITOS DE APLICAO ..................................................................................................... 2.1 Caractersticas: jurisdicionalidade, provisoriedade, revogabilidade, excepcionalidade, substitutividade e cumulatividade ............................................................... 2.2 Princpios informadores: necessidade, adequao e proporcionalidade em sentido estrito (art. 282, I e II)............................................................................................. 2.3 Requisitos das medidas cautelares em geral .......................................................... 2.4 A aplicao do art. 282 priso temporria.......................................................... 3. MEDIDAS CAUTELARES (PRISO E MEDIDAS DIVERSAS DA PRISO): TEMPO, LEGITIMIDADE, PROCEDIMENTO CONTRADITRIO, RECURSOS E IMPUGNAES .......................................................................... 3.1 Oportunidade............................................................................................................... 3.2 Legitimidade ............................................................................................................... 3.3 Procedimento contraditrio ........................................................................................ 3.4 Recursos e impugnaes ............................................................................................

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4. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISO (ARTS. 319 E 320) ............. 43 4.1 Regras gerais de aplicao ........................................................................................ 43

4.1.1 Aplicao restrita a infraes punidas com pena privativa de liberdade ... 43 4.1.2 Aplicao das medidas cautelares diversas da priso: carter autnomo, ou em substituio priso preventiva, ou como obrigao decorrente da liberdade provisria ........................................................... 44 4.1.3 Aplicao isolada ou cumulativa................................................................ 46

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4.1.4 Legitimidade e contraditrio ....................................................................... 46 4.1.5 Descumprimento das obrigaes impostas 4.1.6 Revogao e substituio ............................................................................ 484.2 Medidas em espcie .................................................................................................. 49

4.2.1 Comparecimento peridico em juzo, no prazo e nas condies xadas pelo juiz, para informar e justicar atividades (art. 319, I) .................... 4.2.2 Proibio de acesso ou frequncia a determinados lugares quando, por circunstncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infraes (art. 319, II): ............................................................................... 4.2.3 Proibio de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante (art. 319, III): ............................................................ 4.2.4 Proibio de ausentar-se da Comarca quando a permanncia seja conveniente ou necessria para a investigao ou instruo (art. 319, IV): ............................................................................................................... 4.2.5 Recolhimento domiciliar no perodo noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residncia e trabalho xos (art. 319, V):................................................................................................ 4.2.6 Suspenso do exerccio de funo pblica ou de atividade de natureza econmica ou nanceira quando houver justo receio de sua utilizao para a prtica de infraes penais (art. 319, VI): .................................... 4.2.7 Internao provisria do acusado nas hipteses de crimes praticados com violncia ou grave ameaa, quando os peritos conclurem ser inimputvel ou semi-imputvel (art. 26 do CP) e houver risco de reiterao criminosa (art. 319, VII): .......................................................... 4.2.8 Fiana, nas infraes que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstruo do seu andamento ou em caso de resistncia injusticada ordem judicial (art. 319, VIII): ................. 4.2.9 Monitorao eletrnica (art. 319, IX): .......................................................

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CONSIDERAES GERAIS SOBRE AS MUDANAS DETERMINADAS PELA LEI 12.403/2011

1 A LEI 12.403, DE 04 DE MAIO DE 2011: ASPECTOS GERAIS Publicada em 05 de maio de 2011 e com vigncia a partir de 04 de julho do mesmo ano, a Lei 12.403 alterou substancialmente a disciplina relativa priso e liberdade provisria, antes estabelecida no Livro I, Ttulo IX, do Cdigo de Processo Penal. Ao longo deste texto faremos uma breve apresentao das novas regras. 1.1 Noes introdutrias sobre as alteraes determinadas pela Lei 12.403/2011 Na disciplina do Cdigo de Processo Penal de 1941, duas eram as condies a que poderia estar submetido o agente no curso da investigao criminal e no decorrer do processo penal: sob priso provisria ou em liberdade. Com as reformas introduzidas pela Lei 12.403/2011, este sistema foi abandonado, dando lugar a outro, polimorfo, que se caracteriza pela multicautela na medida em que submete o imputado a um terceiro status, que no implica priso e, ao mesmo tempo, no importa em liberdade total: trata-se da sua sujeio s medidas cautelares diversas da priso, que, listadas nos arts. 319 e 320 do CPP, consistem:

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Art. 319. So medidas cautelares diversas da priso: I Comparecimento peridico em juzo, no prazo e nas condies xadas pelo juiz, para informar e justicar atividades; II Proibio de acesso ou frequncia a determinados lugares quando, por circunstncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infraes; III Proibio de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV Proibio de ausentar-se da Comarca quando a permanncia seja conveniente ou necessria para a investigao ou instruo; V Recolhimento domiciliar no perodo noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residncia e trabalho xos; VI Suspenso do exerccio de funo pblica ou de atividade de natureza econmica ou nanceira quando houver justo receio de sua utilizao para a prtica de infraes penais; VII Internao provisria do acusado nas hipteses de crimes praticados com violncia ou grave ameaa, quando os peritos conclurem ser inimputvel ou semi-imputvel (art. 26 do Cdigo Penal) e houver risco de reiterao; VIII Fiana, nas infraes que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstruo do seu andamento ou em caso de resistncia injusticada ordem judicial; IX Monitorao eletrnica. Art. 320. A proibio de ausentar-se do Pas ser comunicada pelo juiz s autoridades encarregadas de scalizar as sadas do territrio nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

Em sntese, correto deduzir que, aps a vigncia da reforma processual ditada pela Lei 12.403/2011, o indivduo submetido a uma investigao criminal ou que responde a um processo judicial poder estar sujeito a trs tratamentos distintos: sujeio a medidas cautelares diversas da priso (arts. 319 e 320), priso provisria ou aguardar em liberdade o desiderato da demanda criminal.

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Observe-se que o art. 319 CPP, quando elenca as nove medidas cautelares alternativas, rotula-as de medidas cautelares diversas da priso. Este dispositivo, assim como o art. 320 (que trata da proibio de ausentar-se do Pas) est incorporado ao Captulo V do Ttulo IX, que trata das outras medidas cautelares (note-se que os Captulos III e IV versam, respectivamente, sobre a priso preventiva e a priso domiciliar como forma de cumprimento da priso preventiva). Assim, em termos legais, ca evidente que a reforma determinada pela Lei 12.403/2011 consagrou a natureza da priso processual como a de uma medida cautelar como, alis, j era h muito tempo reconhecido em nvel de doutrina e jurisprudncia. Isto importante porque referenda, de uma vez por todas, a exigncia dos requisitos das medidas cautelares em geral para a priso processual, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris, o primeiro traduzindo o risco efetividade do

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processo penal causado pela liberdade plena do ru em face da ordem pblica ou econmica, da convenincia instruo criminal e da aplicao da lei penal; e, o segundo, a existncia de indcios sucientes de autoria e de prova da existncia do crime1. Ainda em relao priso provisria, outro aspecto a considerar refere-se ao fato de que a Lei 12.403/2011 ps m possibilidade de ser algum mantido preso em razo do agrante delito. Logo, para que permanea o agrado sob segregao, dever o juiz converter a priso em agrante em uma priso preventiva, desde que presentes os requisitos que autorizam essa medida e que no seja adequada ou suciente a aplicao das demais medidas acautelatrias no privativas da liberdade estipuladas nos arts. 319 e 320 (art. 310, II). Ora, se o agrante prende, mas no hbil a manter o indivduo preso, deui-se que, no atual sistema, perdeu ele a natureza de priso cautelar2, subsistindo como tal, no sistema processual penal, apenas, as seguintes:1) a priso preventiva, j que possibilita a manuteno do indivduo sob segregao, independentemente do trnsito em julgado de sentena condenatria, tendo como o objetivo lato sensu de garantir que se concretize o resultado nal da demanda; e 2) a priso temporria, modalidade de priso provisria disciplinada na Lei 7.960/1989 qual tambm se agrega natureza cautelar em face de seu objetivo de tutela das investigaes criminais quando constatado que a segregao do investigado imprescindvel para a realizao de diligncias consideradas necessrias ao xito do inqurito.

No obstante estas concluses, certo que, no momento compreendido entre a voz de priso que decorre do agrante e o recebimento, pelo Juiz, do respectivo auto de priso existe uma segregao e, inegavelmente, esta decorre da priso em agrante. Na busca de explicar a natureza jurdica da priso em agrante nesse intervalo, correntes opostas surgiram na doutrina, alguns compreendendo tratar-se de uma cautelar provisria ou efmera, subsistente apenas at o momento em que o Juiz receber o auto de priso em agrante, j que, nessa ocasio, obriga-se ele a adotar uma das providncias rotuladas no art. 310 do CPP; e outros, ao contrrio, vislumbrando o agrante, no referido interregno, como uma forma de priso precautelar,1

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Parcela da doutrina opta por substituir estas expresses, em sede de processo penal, por periculum in libertatis e fumus comissi delicti O que uma priso cautelar? Como o prprio nome sugere, aquela ditada pela cautela. Lato sensu, possui o objetivo de tutela da persecuo criminal (investigao criminal e inqurito policial). Stricto sensu, sua denio est relacionada nalidade de sua decretao. Assim, a priso temporria, enquanto priso cautelar, tem a nalidade de tutelar as investigaes policiais. J a priso preventiva, seja decretada na fase do inqurito ou do processo, como provimento cautelar visa a resguardar a aplicao da pena, a efetividade da colheita de provas e a proteo da sociedade ou da ordem econmica.

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com durao limitada no tempo a um acontecimento previsto em lei que, no caso, o recebimento do respectivo auto de priso pelo juiz e subsequente adoo das medidas consagradas no art. 310, entre as quais se encontra a priso preventiva esta sim, com natureza de priso cautelar. Trata-se da posio que adotamos.

No cam a, porm, as modicaes advindas. Vo muito alm. Neste bordo, conforme veremos oportunamente, a Lei 12.403/2011: Disciplinou a excepcionalidade da priso preventiva frente a outras medidas cautelares que no impliquem privao da liberdade. Logo, antes de decretar a priso cautelar, dever o juiz vericar se, porventura, so cabveis quaisquer das medidas cautelares diversas da priso arroladas no Cdigo de Processo Penal (art. 282, 6). Estabeleceu que, ressalvados os casos de urgncia ou de ineccia da medida a ser imposta, ser exigida a observncia do contraditrio como condio prvia para que o Juiz determine as medidas cautelares de natureza pessoal. Evidentemente, a exigncia desse contraditrio requer compatibilidade com

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a medida, no sendo razovel, por exemplo, cogit-lo diante da decretao de uma priso preventiva ou temporria (art. 282, 3). Coibiu o decreto de medidas cautelares de ofcio na fase das investigaes, seja a priso preventiva, sejam as demais medidas diversas da priso. Destarte, apenas na fase do processo judicial facultado ao Juiz decretar estas medidas por sua prpria iniciativa (arts. 282, 2 e 311). Possibilitou ao assistente de acusao o requerimento de medidas cautelares de natureza pessoal. Na esteira da jurisprudncia pacca dos Tribunais Superiores, os poderes do assistente, na ao penal pblica, eram restritos queles previstos no art. 271 do CPP. Logo, no lhe assistia, na disciplina anterior s alteraes determinadas pela Lei 12.403/2011, requerer a priso preventiva. Agora, tal faculdade encontra-se prevista, expressamente, no art. 311 do CPP, sendo extensiva, tambm, s demais cautelares diversas da priso por fora do art. 282, 2. Veja-se que, muito embora este dispositivo no mencione, expressamente, a legitimidade do assistente para tanto (refere-se s partes), o 4 do mesmo dispositivo expresso ao dispor que o assistente, no descumprimento das obrigaes impostas por ocasio da imposio das cautelares no privativas da liberdade, pode requerer a sua substituio, cumulao ou decretao da priso preventiva. Ora, sendo-lhe assegurada esta possibilidade, lgico que, tambm lhe facultado o pedido de aplicao das cautelares restritivas diversas da priso. Mesmo porque no seria razovel que pudesse ele postular a priso preventiva e no essas cautelares quando, por fora de comando expresso, tal priso apenas pode ser decretada quando no cabveis as demais cautelares alternativas (art. 282, 6). Modicou, embora no integralmente, o sistema adotado pelo Cdigo de Processo Penal no tocante s infraes que admitem a priso preventiva. Doravante, admite-se esta forma de segregao: Nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade mxima superior a 4 (quatro) anos (art. 313, I): Hiptese inovadora acrescentada pela Lei12.403/2011, estabelecendo a regra de que a priso preventiva ser cabvel nos crimes dolosos a que cominada pena mxima superior a 4 anos. Note-se que, para este m, no importa se a pena de recluso ou de deteno, modicando-se, portanto, a disciplina do CPP antes da vigncia da citada Lei em que, ressalvadas excees legais, permitia-se esta custdia to somente nos crimes apenados com recluso. Se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentena transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Cdigo Penal (art. 313, II): Trata-se do permissivo priso preventiva do indivduo a quem se reconhea a condio de reincidente em crime doloso. Nesta situao, como no h qualquer restrio quanto pena mxima do crime, evidente que no incide o limite estabelecido no art. 313, I. Portanto, admite-se a sua preventiva ainda que se trate de crime sujeito a apenamento mximo igual ou inferior a 4 anos. Tratando-se de crime doloso, no importa , igualmente, se a pena imposta de deteno ou recluso.

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Se o crime envolver violncia domstica e familiar contra a mulher, criana, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com decincia, para garantir a execuo das medidas protetivas de urgncia (art. 313, III): Antes das alteraes impostas pela Lei 12.403/2011, esta hiptese encontrava-se parcialmente prevista no revogado art. 313, IV, que, combinada com a redao do caput desse dispositivo, contemplava a priso preventiva nos crimes dolosos envolvendo violncia domstica e familiar contra a mulher, para garantir a execuo das medidas protetivas de urgncia. Ora, na atual disposio do inc. IV no h qualquer referncia ao carter doloso do crime, nada referindo, outrossim, o caput do art. 313. Com isto a nova redao distinguiu-se da normatizao anterior e, tambm, da redao dos incisos I e II do art. 313, pois estes fazem referncia natureza dolosa dos crimes a que se referem. Neste contexto, indaga-se quanto a ter sido inteno do legislador a de permitir, na hiptese do inc. III, a decretao da priso preventiva tambm em relao a crimes culposos. Independentemente desta interpretao inicial que se pode extrair do dispositivo, entendemos que, mesmo nas situaes nele previstas, a priso preventiva no se compatibiliza com a prtica de crimes culposos, inclusive pela referncia prtica de crime que envolver violncia domstica e familiar contra as pessoas arroladas. Sinale-se, ainda, que o mvel da restrio cautelar, aqui, o de garantir a execuo das medidas protetivas de urgncia aplicadas, denotando-se ento, no mnimo, a potencialidade de descumprimento, pois do contrrio, no haveria a necessidade de aplicar a medida. Ora, tal recalcitrncia do agente em cumprir a determinao judicial no se compatibiliza com a conduta culposa, que se fundamenta na negligncia, imprudncia ou impercia, mas sim com o comportamento intencional, ou seja, doloso. Tambm ser admitida a priso preventiva quando houver dvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta no fornecer elementos sucientes para esclarec-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade aps a identicao, salvo se outra hiptese recomendar a manuteno da medida (art. 313, pargrafo nico). Trata-se de forma de segregao destinada a viabilizar a identicao da pessoa investigada. Tendo em vista o carter excepcional da priso preventiva, sua decretao exige que tenham sido executadas outras diligncias visando a essa identicao, sendo elas inexitosas. De acordo com o art. 313, pargrafo nico, ne, uma vez realizada a identicao, deve a custdia ser imediatamente revogada, salvo se outro motivo determinar a manuteno judicial da medida. A priso preventiva tambm poder ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigaes impostas por fora de outras medidas cautelares (art. 312, pargrafo nico e 282, 4). Conforme se infere dos arts. 312, pargrafo nico e 282, 4, ambos do CPP, o descumprimento injusticado das medidas acautelatrias diversas da priso autoriza o juiz a substitu-las ou cumul-las por outras medidas alternativas, ou, no sendo isto possvel, na decretao da priso preventiva do indiciado ou acusado. H orientaes divergentes quanto possibilidade desta converso

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quando se tratarem de medidas cautelares impostas em situaes que, por no estarem estipuladas no art. 313, no ensejam, em tese, decretao da priso preventiva. Apesar de respeitados entendimentos no sentido oposto, compreendemos que a desobedincia no previamente justicada s cautelares impostas autoriza, em qualquer hiptese, sua converso em priso preventiva (desde que no seja possvel aplicar outra medida alternativa em substituio ou cumulao), ainda que no se trate de situao arrolada no art. 313, sob pena de sua imposio, eventualmente, resultar incua (ver item 4.1.5). Instituiu a priso (preventiva) domiciliar, consistente no recolhimento do indiciado ou do acusado em sua residncia, como forma de cumprimento da priso preventiva (arts. 317 e 318). Esta forma de priso cabvel quando o agente for: Maior de 80 (oitenta) anos; Extremamente debilitado por motivo de doena grave; Imprescindvel aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com decincia; Gestante a partir do 7o (stimo) ms de gravidez ou sendo esta de alto risco. Determinou autoridade policial a obrigao de comunicar a priso em agrante de qualquer pessoa e o local onde se encontre, no apenas ao Juiz e famlia do preso ou pessoa por ele indicada, conforme j se previa na legislao anterior, mas tambm ao Ministrio Pblico (art. 306). Estabeleceu a possibilidade de condicionamento da liberdade provisria s medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP (art. 321). Observese que, no obstante a remisso expressa que faz o art. 321 ao art. 319, evidente que a medida cautelar de proibio de afastamento do Pas, prevista no art. 320, tambm pode ser imposta como uma condicionante da liberdade provisria, dada sua simetria com o provimento do art. 319, IV, que estabelece a proibio de afastar-se da Comarca. Anal, se o Juiz pode limitar a capacidade ambulatria do indivduo regio da Comarca como condio para a concesso da benesse legal, por que no o poderia ao contexto do Pas? Modicou critrios para denio de aanabilidade e inaanabilidade (arts. 323 e 324). Com efeito, sob a gide da legislao anterior, estabelecia-se como aanveis, por interpretao contrria do art. 323, I, do CPP, os delitos cuja pena mnima cominada fosse igual ou inferior a dois anos. Na atualidade, o parmetro pena deixou de ser um vetor para a denio de uma infrao como aanvel ou no. Em razo disso, infere-se que, em tese, ser possvel a concesso de liberdade provisria independente da pena mnima prevista ao delito no tipo penal incriminador. Assim, levando-se em considerao aspectos relacionados ao crime, no ser concedida ana apenas nos delitos de racismo, nos crimes de tortura, trco ilcito de entorpecentes e drogas ans, terrorismo e nos denidos como crimes hediondos e nos crimes cometidos

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por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrtico (art. 323). Tambm no podero ser beneciados com a ana os que, no mesmo processo, tiverem quebrado ana anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigaes a que se referem os arts. 3273 e 3284 do CPP; os que se encontrarem sob priso civil ou militar; e aqueles a que se reconhea presentes os motivos que autorizam a decretao da priso preventiva (art. 312). Possibilitou ao Delegado de Polcia arbitrar ana nas hipteses em que a pena mxima cominada ao crime no seja superior a quatro anos (art. 322), abandonando, com isso, o critrio anterior que, levando em considerao a natureza da pena estabelecida, facultava autoridade policial conceder ana unicamente em relao s infraes apenadas com deteno ou priso simples. Readequou os parmetros de xao e os valores pertinentes ana (art. 325, I e II). Assim, com pena mxima cominada no superior a quatro anos de priso, valor da ana deve ser arbitrado entre os limites de 01 a 100 salrios mnimos. Contudo, se a pena mxima do crime for superior a 4 anos, o valor deve ser xado no patamar entre 10 e 200 salrios mnimos. No obstante, circunstncias atinentes situao econmica do ru podem conduzir dispensa da ana (art. 325, 1, I), reduo em at 2/3 (art. 325, 1, II) ou aumento em at 1000 vezes (art. 325, 1, III). Observe-se que esta possibilidade de aumento de at 1000 vezes incidente sobre mximo de 200 salrios mnimos pode levar xao do valor da ana em R$ 109.000.000,00 (cento e nove milhes de reais). Este quantum, embora, por um lado, revele-se fora da realidade brasileira, por outro se justica para determinados crimes graves que antes da Lei 12.403/2011 eram inaanveis em face de seu apenamento mnimo superior a dois anos5 e que, agora, passaram condio de aanveis tendo em vista abolio do critrio quantidade de pena como fator para que se considere aanvel ou no a infrao penal. Alm disso, cabe lembrar que tanto a reduo quanto a elevao da ana so balizadas pela situao econmica do aanado (art. 325, 1). Destarte, a inalcanvel cifra de R$ 109.000.000,00 para a grande maioria do povo brasileiro, pode assim no signicar para o acusado em um determinado processo criminal em face da sua prpria condio econmica e do lucro auferido com a prtica delituosa. Mais: no se pode esquecer, tambm, que, dentre os objetivos da ana, est a reparao do dano causado vtima, para onde deve ser destinada parte do valor pago aps o trnsito em julgado da condenao (art. 336). Neste contexto, infere-se que, com esta nova quanticao que lhe foi conferida, ganhou fora a ana, revigorando-se este instituto no mbito do processo penal brasileiro.3

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Art. 327. A ana tomada por termo obrigar o aanado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inqurito e da instruo criminal e para o julgamento. Quando o ru no comparecer, a ana ser havida como quebrada. Art. 328. O ru aanado no poder, sob pena de quebramento da ana, mudar de residncia, sem prvia permisso da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residncia, sem comunicar quela autoridade o lugar onde ser encontrado. Redao do art. 323, I, do CPP, antes da Lei 12.403/20

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1.2 Outras alteraes Alm dos aspectos mencionados, que se referem, primordialmente, decretao das medidas cautelares de natureza pessoal, outras alteraes relevantes foram determinadas pelas Lei 12.403/2011: Separao obrigatria entre os presos provisrios e os presos denitivos: Antes da entrada em vigor da Lei 12.403/2011, estabelecia o art. 300 do CPP que sempre que possvel, as pessoas presas provisoriamente caro separadas das que j estiverem denitivamente condenadas. Na atualidade, a ressalva sempre que possvel foi suprimida do texto legal, passando a dispor o precitado artigo que as pessoas presas provisoriamente caro separadas das que j estiverem denitivamente condenadas, nos termos da lei de execuo penal. Ora, a referncia Lei de Execuo Penal (Lei 7.210/1984) concerne ao que preceitua o art. 84 dessa norma, dispondo que o preso provisrio car separado do condenado por sentena transitada em julgado. Como se v, devido aos termos cogentes do art. 300, a colocao dos presos provisrios e dos presos denitivos em celas separadas deixou de ser uma

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opo na hiptese da inexistncia de vagas ou de estrutura carcerria, para ser uma obrigao do Estado. No sendo possvel cumprir este comando, a priso provisria no poder ser executada sob pena de implicar constrangimento ilegal ao indiciado ou acusado. Tendo em vista que essa manuteno da liberdade do agente poder implicar risco efetividade que se espera da persecuo criminal, pensamos que, em tais casos a priso domiciliar pode se apresentar como uma soluo possvel, muito embora no se trate esta de uma hiptese autorizada pelo art. 318 do CPP. Considerando, porm, que tal situao causada pela omisso do prprio Estado em prover os estabelecimentos prisionais das vagas necessrias para abrigar os presos provisrios, a este caber no apenas a vigilncia da pessoa que deveria estar segregada como tambm a responsabilidade, inclusive sob a tica civil, por todas as consequncias dos atos e fatos danosos realizados pelo indivduo que deveria estar custodiado e que, por decincia estatal, no o est. Revogao expressa do art. 393 do CPP: Estabelecia este artigo, como efeitos da sentena penal condenatria recorrvel, ser o ru preso ou conservado na priso, assim nas infraes inaanveis, como nas aanveis, enquanto no prestar ana (inc. I), bem como ser o nome do ru lanado no rol dos culpados (inc. II). Relativamente a este ltimo aspecto incluso do nome do acusado nos registros pertinentes aos rus condenados pelo Poder Judicirio -, desde a Constituio Federal de 1988 no havia qualquer controvrsia no sentido de que a regra afrontava a garantia da presuno de inocncia inscrita no art. 5, LVII daquela Carta6. O mesmo, contudo, nem sempre ocorreu em relao priso ex lege7 determinada no art. 393, I, relativamente qual coexistiam correntes opostas, alguns considerando-o inconstitucional em face do princpio da presuno de inocncia, enquanto outros se posicionavam em sentido oposto. Independentemente desta diversidade de orientaes, a verdade que, nos ltimos tempos era visvel a crescente inclinao da doutrina e da jurisprudncia em considerar inconstitucional a execuo provisria da pena subsequente aplicao do art. 393, I, entendendo-se que tal execuo apenas poderia ter incio por motivo de priso preventiva decretada ou mantida aps a condenao, nos termos do art. 387, pargrafo nico, do CPP. Note-se que, se essa posio representava apenas uma tendncia, tornou-se ela amplamente majoritria a partir do julgamento do Habeas Corpus n. 84.078/MG, levado a efeito pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, quando foi deliberado que ofende o princpio da no culpabilidade a execuo da pena privativa de liberdade antes do trnsito em julgado da sentena condenatria, ressalvada a hiptese de6

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Art. 5, LVII, da CF: Ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria. Considera-se priso ex lege aquela determinada por lei, independente da vericao de sua efetiva necessidade, luz das circunstncias prprias do caso concreto, pelo Poder Judicirio.

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priso cautelar do ru, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP8. Neste contexto, andou certo o legislador em afastar do mundo jurdico o art. 393, pois evidente sua inconstitucionalidade frente garantia da presuno de inocncia inserta ao art. 5, LVII, da CF. Anal, contemplava, como regra, a priso do ru consecutiva sentena penal no transitada em julgado, estabelecendo, ainda, nas mesmas condies, o lanamento de seu nome no rol dos culpados. Extino da priso especial para os jurados: O art. 439 do CPP dispunha que o exerccio efetivo da funo de jurado constituir servio pblico relevante, estabelecer presuno de idoneidade moral e assegurar priso especial, em caso de crime comum, at o julgamento denitivo. Agora, suprimida esta ltima parte do dispositivo, limita-se a regrar que o exerccio efetivo da funo de jurado constituir servio pblico relevante e estabelecer presuno de idoneidade moral. Cabe salientar, entretanto, a existncia de posio doutrinria entendendo que ainda persiste a priso especial ao jurado, pelo fato de que no modicada, pela L. 12.403/2011, a regra do art. 295, X, do CPP, que assim determina. Com a devida vnia, pensamos que esse ltimo dispositivo restou tacitamente revogado com a modicao operada no precitado art. 439. Revogao expressa do art. 595 do CPP: Referia o artigo 595 do CPP que a fuga do ru aps ter apelado acarretava desero do seu recurso. Tambm neste enfoque inseria o Cdigo de Processo Penal norma que afrontava a Constituio da Repblica, em especial a garantia do duplo grau de jurisdio que decorre dos termos dessa Carta. No por menos, alis, que, em 29.04.2008, editou o Superior Tribunal de Justia a Smula 347, preceituando que o conhecimento do recurso de apelao do ru independe de sua priso, afastando, assim, a aplicabilidade do precitado art. 595. Logo, a revogao expressa do mencionado dispositivo pela L. 12.403/2011 vem ao encontro da ordem constitucional em vigor.

1.3 O direito intertemporal O surgimento de uma lei nova, no mbito do processo criminal, invariavelmente produz controvrsias em relao s situaes preexistentes a ela. Muitas vezes, formam-se correntes opostas, alguns defendendo a aplicao imediata a todos os casos, enquanto outros, ao contrrio, buscam excluir de sua incidncia processos que se encontravam em tramitao no tempo da sua entrada em vigor ou aqueles relativos a crimes cometidos na vigncia da lei anterior.

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STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, DJ 26.02.2009.

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No h dvidas de que, em se tratando de normas processuais, a regra de incidncia denida pelo princpio tempus regit actum. Isto importa dizer que estas normas no possuem aplicao retroativa, incidindo apenas em relao aos fatos praticados aps sua vigncia, no importando, para tanto, se bencas ou no ao ru. Trata-se, enm, da previso do art. 2 do CPP, ao dispor que a lei processual penal ser aplicada desde logo, sem prejuzo da validade dos atos realizados sob a vigncia da lei anterior. J as normas materiais, por outro lado, na medida em que objetivam assegurar direitos ou garantias, possuem efeitos retroativos no aspecto em que visam a beneciar o ru, jamais retroagindo para prejudic-lo. Neste bordo, prev o art. 5, XL, da Constituio Federal que a lei penal no retroagir, salvo para beneciar o ru. Ora, a aplicao destes critrios seria bastante simples no fosse a existncia de normas heterotpicas, assim entendidas aquelas que, apesar de inseridas em diplomas com uma determinada natureza, possuem, na verdade, contedo distinto. Assim, h dispositivos que, a despeito de incorporados a leis processuais penais, inserem um contedo material, razo pela qual devem retroagir para beneciar o ru. Em outras situaes, estas regras encontram-se incorporadas a leis materiais, mas, em sua natureza, possuem contedo processual, devendo reger-se pelo critrio tempus regit actum. Logo, infere-se que no a circunstncia do diploma em que se encontra inserida a norma legal que dene o critrio de sua aplicao no tempo e sim a sua essncia. Exemplo de norma heterotpica prevista no Cdigo de Processo Penal, porm com um contedo material: O art. 186 do CPP, ao contemplar o direito ao silncio, est tutelando o privilgio de que ningum obrigado a se autoincriminar, o que decorre do art. 5, LXIII, da CF. Exemplo de norma heterotpica prevista na Constituio Federal, porm com um contedo processual: O art. 109, ao estabelecer normas de competncia da Justia Federal, est inserindo contedo nitidamente processual.

No que concerne, especicamente, s modicaes introduzidas pela Lei 12.403/2011, entendemos que os dispositivos relativos priso e liberdade provisria possuem natureza material, a despeito de inseridos em diploma que modica o Cdigo de Processo Penal, uma vez que dizem respeito garantia constitucional da liberdade. Trata-se, enm, de dispositivos heterotpicos. Tanto, alis, que a prpria Carta da Repblica, ao tratar dos direitos fundamentais do indivduo, inseriu, no seu art. 5, diversas regras pertinentes priso e liberdade provisria do investigado ou imputado (incisos LXI a LXVIII).

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O mesmo raciocnio, ainda, aplicvel s medidas cautelares diversas da priso, j que estas, nos termos do art. 282, 6 do mesmo diploma, devem ser aplicadas com preferncia decretao da priso preventiva. Esta concluso, na prtica, em termos de conito de leis no tempo, produz consequncias relevantes, pois implica na retroatividade dos novos comandos unicamente nos aspectos em que beneciarem o investigado ou acusado, mas no para prejudic-lo. Assim, um indivduo que se encontrava preso preventivamente sob a gide da lei anterior, poder, em tese, ter essa priso substituda pelas medidas cautelares diversas da priso arroladas na L.12.403/2011. Exemplo:Imagine-se que, no curso de processo por crime de homicdio, antes da Lei 12.403/2011, tenha o Juiz determinado a priso preventiva do ru fundamentada na convenincia da instruo criminal, tendo em vista referncias existentes nos autos de que, por diversas vezes, havia ele tentado manter contato com a testemunha presencial do fato. Com a vigncia da referida Lei, poder o Magistrado analisar, no caso concreto, a possibilidade de substituir a custdia pela medida cautelar do art. 319, III, do CPP, consistente em proibio de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante.

Por outro lado, algum que j se encontrava recolhido preventivamente e que, hoje, pelas novas regras, no esteja sujeito priso preventiva, segundo pensamos, dever ser posto em liberdade. Exemplo:Considere-se que um indivduo, plenamente identicado, primrio e que responde a processo criminal por crcere privado, na forma simples (art. 148, caput, do Cdigo Penal), esteja preso preventivamente. Com a vigncia da Lei 12.403/2011, a revogao de sua custdia impositiva, haja vista que a pena mxima cominada in abstrato a esse delito trs anos de recluso e, nos termos da nova redao do art. 313, I, do CPP, ser admitida a decretao da priso preventiva [...] nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade mxima superior a 4 (quatro) anos. No caso, a nova lei deve retroagir para alcanar a deciso anterior que havia decretado a custdia.

Tenha-se em mente, agora, a situao da pessoa que, na disciplina anterior Lei 12.403/2011, no pudesse estar sujeito priso preventiva, mas que, diante das mudanas introduzidas por esse diploma, possa estar submetido quela custdia. Ora, evidente que no poder ela ter decretada sua priso simplesmente porque, hoje, a lei nova assim possibilita, ressalvado o surgimento de outros motivos que autorizem esse decreto luz da disciplina vigente. Exemplos:1) Imagine-se que antes da Lei 12.403/2011, o Ministrio Pblico, fundamentando-se na garantia da aplicao da lei penal, tivesse requerido a priso

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preventiva da r primria, acusada de infanticdio, sendo esta indeferida pelo juzo em vista da ausncia de amparo legal para a custdia, j que o art. 313, I do CPP, em sua redao anterior, no admitia, nessa hiptese a priso preventiva no caso de crimes punidos com deteno, como o caso em anlise. Ora, no ser o fato da vigncia dos novos termos legais, no distinguindo se deteno ou recluso a pena cominada ao crime e, com isso, no mais obstando a priso preventiva da infanticida, que poder conduzir o juiz a modicar sua deciso anterior, decretando a priso preventiva antes indeferida. Se assim procedesse o Juiz, estaria ele conferindo eccia retroativa nova redao do art. 313, I, do CPP, isto , fazendo-o incidir sobre a sua deciso anterior e, com isso, prejudicando a acusada, o que vedado em dispositivos de natureza material. 2) Suponha-se, que, no caso anterior, novo pedido de custdia seja realizado pelo Ministrio Pblico objetivando, desta vez, convenincia da instruo criminal (fundamento novo), em face da notcia de que testemunhas estariam sendo ameaadas pela r. Aqui, como se v, outro motivo est concorrendo para o pedido de custdia provisria. Nesta hiptese, desde que no cabvel a substituio da medida por outra cautelar diversa da priso, poder a preventiva ser decretada pelo juzo em relao r acusada do infanticdio, com base na nova lei. Isto porque no se trata de incidncia dos termos dessa lei sobre a deciso anterior de modo retroativo, mas sim de outros fatos que, por sua vez, produziram novos fundamentos do pedido de priso provisria.

Outra hiptese: depreende-se da redao conferida ao art. 310, II, do CPP pela L. 12.403/2011 que o agrante, por si, no suciente para manter o indivduo sob custdia. Para este m, impe-se que o Juiz, analisando os requisitos da priso preventiva, decrete, fundamentadamente, esta forma de priso. Neste contexto, indaga-se: esta alterao da Lei Processual Penal alcana a situao dos indivduos que, em 04 de julho de 2011, encontravamse mantidos presos apenas por fora do agrante homologado judicialmente? Cremos que sim, em face do carter material das normas que regem a priso. Logo, nestes casos, necessria analise pontual, realizando o Juiz a converso da priso em agrante em preventiva, desde que presentes os requisitos que autorizam esta segregao e, ainda, condicionando-se a que se revelem inadequadas ou insucientes as medidas cautelares diversas da priso (art. 282, 6). Como se v, a questo relacionada aplicao das regras introduzidas pela Lei 12.403/2011, no que toca s situaes denidas anteriormente a sua vigncia, se resolve, fundamentalmente, pela considerao de que, na espcie, no estamos tratando de normas puramente processuais, e sim de normas heterotpicas, vale dizer, regras que esto situadas em diploma processual e que se revestem de aparncia processual, mas que, no obstante, por dizerem respeito a garantia tutelada na Constituio Federal (a garantia da liberdade), sustentam-se sobre premissas materiais, exigindo, portanto, anlise

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diferenciada luz dos princpios que regem a aplicao no tempo das normas materiais e das circunstncias prprias do caso concreto. Sem embargo destas consideraes, preciso atentar que a matria relativa natureza material ou processual das normas inseridas pela L. 12.403/2011 enseja divergncias. No mbito do Tribunal de Justia de So Paulo, por exemplo, armou a 9 Cmara de Direito Criminal, no julgamento do Habeas Corpus n. 0099250-26.2011.8.26.0000, o carter processual das regras inerentes Lei n. 12.403/2011. Na oportunidade, enfatizou que a lei processual penal deve ser aplicada desde logo (Cd. Proc. Pen., art. 2, 1 parte), ou seja, to logo entre em vigor. No caso em foco, sessenta dias aps a data de sua publicao ocial (Lei n 12.403/11, art. 3), que ocorreu em 04/05/2011. Mas, aplicando-se a lei nova aos processos em andamento, os atos nele realizados sob a vigncia da lei anterior so considerados vlidos (Cd. Proc. Pen., art. 2, in ne). A lei processual penal no retroativa, porquanto no implica em criminalizao de conduta, caso em que caria submetida a outros princpios. A lei processual, em regra, no atinge direito adquirido, ato jurdico perfeito ou coisa julgada (Const. Fed., art. 5, inc. XXXVI; L. Intr. Cd. Civ., art. 6, caput). Com efeito, o ato processual realizado na vigncia da lei antiga (= revogada) vlido. No precisa ser refeito. Somente o ato posterior ser praticado conforme a lei nova, ainda que a forma do ato anterior no seja melhor para o acusado. A propsito, foi a partir destas premissas que a mesma Cmara do Tribunal de Justia de So Paulo asseverou, em outra oportunidade, que, muito embora a priso em agrante deva ser convertida em preventiva para que a custdia subsista (art. 310, II, do CPP), o fato de ter ocorrido na vigncia da lei processual anterior confere-lhe validade, independente de tal converso, por decorrncia do princpio do efeito imediato consubstanciado no postulado tempus regit actum9. 2 MEDIDAS CAUTELARES (PRISO E MEDIDAS DIVERSAS DA PRISO): CARACTERSTICAS, PRINCPIOS INFORMADORES E REQUISITOS DE APLICAO 2.1 Caractersticas: jurisdicionalidade, provisoriedade, revogabilidade, excepcionalidade, substitutividade e cumulatividade As medidas cautelares de natureza pessoal, assim compreendidas a priso preventiva (ainda que cumprida sob a forma de priso domiciliar nos9

Com o m da autonomia da priso em agrante, exige-se a sua converso em preventiva para que a custdia cautelar subsista (inc. II do art. 310 do Cd. Proc. Pen. com a redao dada pelo art. 1 da Lei n 12.403/11). No caso, porm, a priso em agrante se deu na vigncia da lei processual anterior, que lhe confere validade (art. 2, in ne). Princpio do efeito imediato (tempus regit actum). TJSP, Habeas Corpus n. 0111070-42.2011.8.26.0000, 9 Cmara de Direito Criminal, Rel. Des. Penteado Navarro, DJ 28.07.2011.

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termos dos artigos 317 e 318) e as demais medidas diversas da priso10, apresentam as seguintes caractersticas: 1) Jurisdicionalidade: Devem ser impostas pelo Poder Judicirio, excetuando-se desta regra apenas o disposto no art. 322 do CPP, que possibilita autoridade policial arbitrar ana nos crimes cuja pena mxima no seja superior a quatro anos de priso. Lembre-se que, na literalidade do art. 319, VIII, do CPP a ana tambm possui natureza de medida cautelar. 2) Provisoriedade: Como se v do art. 282, I, do CPP, norteia a aplicao das medidas cautelares a necessidade. Da se infere que devem elas vigorar apenas enquanto perdurar a situao de urgncia que justicou sua decretao. O atributo da provisoriedade ainda se encontra implcito em determinadas medidas, como o caso do art. 319, IV, do CPP dispondo sobre a proibio de se ausentar o agente da Comarca quando a sua permanncia seja conveniente ou necessria para a investigao ou instruo. Ora, no momento em que esta disponibilidade na sede da comarca deixar de ser necessria, a medida dever ser revogada em face da cessao das razes que a motivaram. o caso, por exemplo, de j ter esclarecid a verso dos fatos, que se mostrava contraditria frente s concluses da percia tcnica; ou, ento, quando j realizados os atos processuais para os quais sua presena mostrava-se imprescindvel (v.g. reproduo simulada do crime, reconhecimentos, acareaes etc.). O mesmo pode ser detectado, tambm, no art. 319, VI, prevendo a suspenso do exerccio de funo pblica ou de atividade de natureza econmica ou nanceira quando houver justo receio de sua utilizao para a prtica de infraes penais. Se, por qualquer razo, revelar-se superada a situao que determinou a aplicao da medida cautelar, impe-se a cessao da restrio imposta, com o restabelecimento da situao anterior. 3) Revogabilidade: caracterstica coligada provisoriedade, corporicando-se no art. 282, 5, 1 parte, do CPP ao dispor que o juiz poder revogar a medida cautelar quando vericar a falta de motivo para que subsista. Na verdade, preciso considerar que, em se tratando das medidas cautelares de natureza pessoal, sua decretao condiciona-se anlise dos princpios da necessidade e adequao consagrados art. 282, I e II do CPP, e dos requisitos das cautelares em geral consubstanciados no periculum in mora e no fumus boni iuris. Ora, se para a imposio das medidas cautelares tais elementos devem estar presentes, intuitivo que apenas podem elas subsistir enquanto os mesmos elementos persistirem. Tal situao atende aos postulados da clusula rebus sic stantibus, que pode ser lida como enquanto as coisas estiverem assim.10

A priso temporria encontra-se regulada na Lei 7.960/1989.

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Veja-se que a clusula rebus sic stantibus norteia as decises cautelares no processo civil e tem aplicao inequvoca no mbito criminal. Isto quer dizer que a sentena cautelar criminal reete a situao ftica e jurdica existente no momento em que proferida, impondo-se a persistncia do comando a ela inserido enquanto esse mesmo contexto se mantiver. Se, porm, o reverso ocorrer, desfazendo-se o cenrio que justicou a determinao das providncias emergenciais, caber ao Poder Judicirio, ento, revog-las, restabelecendo a situao anterior decretao11. 4) Excepcionalidade: As medidas cautelares devem ser aplicadas em hipteses emergenciais, com o objetivo de superar situaes de perigo sociedade, ao resultado prtico do processo ou execuo da pena. Portanto, certo que sua utilizao no curso da investigao ou do processo deve ocorrer como exceo, mesmo porque implicam, em maior ou menor grau, restrio ao exerccio de garantias asseguradas na Constituio Federal. Especicamente em relao priso preventiva, o atributo da excepcionalidade deve ser visto sob dois ngulos: excepcionalidade geral, signicando que, assim como as demais cautelares, deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observncia ao princpio constitucional da presuno de inocncia, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenao12; e, ainda, excepcionalidade restrita, isto , aquela relacionada a sua supletividade diante das demais providncias cautelares diversas da priso, em face do que dispe o art. 282, 6 no sentido de que a priso preventiva ser determinada (apenas) quando no for cabvel a sua substituio por outra medida cautelar. 5) Substitutividade: Esta caracterstica decorre do art. 282, 4, 2 parte, facultando ao juiz, no caso de descumprimento de medida cautelar imposta, substitu-la por outra; e, tambm, do 5 do mesmo dispositivo, conferindo a mesma faculdade ao juiz quando vericar a falta de motivo para que subsista a providncia cautelar antes aplicada. Note-se que a prpria decretao da priso preventiva contemplada art. 282, 4 como decorrncia da desobedincia a qualquer das providncias do art. 319 satisfaz a caracterstica da substitutividade, j que tal segregao tambm se classica como uma medida cautelar de natureza pessoal. 6) Cumulatividade: Estabelece o art. 282, 1 que as medidas cautelares podero ser aplicadas isolada ou cumulativamente. Esta faculdade encontra-se prevista, ainda, no 4 do mesmo dispositivo, pois, ao tratar do descumprimento injusticado de providncias aplicadas, possibilita ao juiz tanto substitu-la como impor outra em cumulao.11

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No julgamento do Habeas Corpus n. 0079096-84.2011.8.26.0000, a 16. Cmara de Direito Criminal do Tribunal de Justia de So Paulo denegou a ordem sob o fundamento de que conquanto a priso processual seja revestida do carter rebus sic stantibus, no h fato novo capaz de ensejar a cessao do suporte da priso, de sorte que sua manuteno de rigor (Excerto do Voto Des. Newton Neves, j. 09.08.2011) STJ, Habeas Corpus n. 192.107/TO, 5 Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 17.08.2011.

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Observe-se, contudo, que, em qualquer caso, deve ser observada a necessidade e adequao das medidas aplicadas em face dos ns visados (art. 282, I e II), bem como a compatibilidade lgica das providncias cumuladas Exemplos: O recolhimento domiciliar no perodo noturno e nos dias de folga (art. 319, V) apresenta-se logicamente compatvel com o monitoramento eletrnico (art. 319, IX), caso aplicados conjuntamente. Por outro lado, o mesmo monitoramento eletrnico (art. 319, IX) no apresenta, em tese, compatibilidade lgica com a suspenso para o exerccio de funo pblica ou de atividade de natureza econmica ou nanceira (art. 319, VI), pois o objetivo desta ltima medida afastar o agente do cargo, emprego ou funo ocupado, do qual poderia se prevalecer para a prtica de novas infraes.

Evidentemente, a averiguao desta compatibilidade no pode levar em considerao, apenas, a natureza das medidas aplicadas, mas sobretudo as peculiaridades do caso concreto sob apreciao judicial.

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2.2 Princpios informadores: necessidade, adequao e proporcionalidade em sentido estrito (art. 282, I e II) Conforme j dissemos, no sistema determinado ao Cdigo de Processo Penal pela Lei 12.403/2011, a priso e as demais providncias diversas da priso constituem medidas cautelares, mais precisamente medidas cautelares de natureza pessoal, embora no utilizada essa nomenclatura pela nova disciplina legal. Anal, destinam-se pessoa do indiciado ou do acusado, em oposio quelas que incidem sobre o seu patrimnio (sequestro, arresto e hipoteca legal arts. 125 a 144 do CPP), denominadas de medidas assecuratrias, mas que, ao m e ao cabo, consistem em verdadeiras medidas cautelares de natureza real. Outro aspecto a atentar o de que estas medidas cautelares de natureza pessoal esto reguladas conjuntamente no Ttulo XI do Livro I do Cdigo de Processo Penal, a elas incidindo, ento, a regra do art. 282, que assim dispe:Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Ttulo devero ser aplicadas observando-se a: I necessidade para aplicao da lei penal, para a investigao ou a instruo criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prtica de infraes penais; II adequao da medida gravidade do crime, circunstncias do fato e condies pessoais do indiciado ou acusado.

Quis o legislador, dessa forma, que tanto para a priso como para as demais medidas cautelares diversas da priso fossem observadas a necessidade e a adequao como critrio norteador de sua aplicao. Tais elementos, portanto, so impostos pela norma a ttulo de princpios e devem nortear e fundamentar a deciso do Juiz sobre aplicar ou no as providncias cautelares, bem como eleger qual delas se mostra cabvel ao caso concreto. Observe-se:Art. 282, I Necessidade para aplicao da lei penal, para a investigao ou para a instruo criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prtica de infraes penais.

Consagra-se, aqui, o risco vericado no caso concreto, enquanto se aguarda o provimento judicial denitivo por meio do trnsito em julgado da sentena. Conforme se infere da redao do dispositivo, esse perigo do qual resulta a constatao da necessidade da medida guarda estreita correspondncia com os fundamentos que justicam a decretao da priso preventiva, previstos no art. 312 do CPP. Observe-se:

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Necessidade para aplicao da lei penal: trata-se do risco de fuga. Neste caso, a aplicao do princpio informador rotulado no artigo 282, I confunde-se com um dos fundamentos dessa forma de segregao contemplado no art. 312, consistente no objetivo de assegurar a aplicao da lei penal. Necessidade para a investigao ou para a instruo criminal: ntido o objetivo de garantir a efetividade da colheita de provas, seja na fase que antecede a instaurao do processo criminal, seja no curso da instruo processual penal. O princpio guarda evidente simetria com outro fundamento da priso preventiva previsto no art. 312, qual seja, a convenincia da instruo criminal. Necessidade para evitar a prtica de infraes penais, nos casos expressamente previstos: a nalidade de evitar a prtica de novas infraes penais, quando se tratar de priso preventiva, corresponde ao fundamento da garantia da ordem pblica assegurado no art. 312. Matria que poder conduzir a interpretaes equivocadas, refere-se ao que consta no art. 282, I, do CPP no sentido de que a decretao de medidas cautelares para evitar a reiterao criminosa apenas poder ocorrer nos casos expressamente previstos. Com efeito, uma exegese apressada pode trazer a ideia de que pretendeu a Lei, com isto, limitar a decretao da priso preventiva sob o enfoque da preservao da ordem pblica. Na verdade, sob pena de obrar em uma incoerncia indescritvel e de referendar a reiterao delitiva nas hipteses em que houver indcios sucientes de que, em liberdade, o indivduo poder praticar novos crimes, no parece ter sido esta a inteno do legislador. Pensamos, isto sim, que os casos expressamente previstos sejam exatamente aqueles em que haja uma regra, ainda que de incidncia geral, que permita a decretao da custdia para evitar a continuidade na prtica de crimes, tal como ocorre em relao priso preventiva, relativamente qual h a possibilidade de ser determinada para a garantia da ordem pblica. Enm, a garantia da ordem pblica um caso expressamente previsto e, nesta rbita, no ocorreu qualquer alterao no sistema preexistente. A bem da verdade, na medida em que tanto priso preventiva quanto s outras medidas alternativas se aplica o disposto no art. 282, I, parece clara, neste ponto, a falta de tcnica com que obrou o legislador na Lei 12.403/2011 quando manteve, no art. 312, os fundamentos da priso preventiva j existentes na disciplina anterior, a um, porque, praticamente, repetem, desnecessariamente, o que j dispe o art. 282, I; a dois, porque incorpora a garantia da ordem econmica sem que, no art. 282, I, haja esta previso; a trs, porque menciona to-somente a convenincia da instruo criminal, o que lembra processo em curso, sem referir a investigao policial, tal como mencionado no art. 282, I.

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Art. 312 do CPP (Disciplina anterior Lei 12.403/2011) Art. 312. A priso preventiva poder ser decretada como garantia da ordem pblica, da ordem econmica, por convenincia da instruo criminal, ou para assegurar a aplicao da lei penal, quando houver prova da existncia do crime e indcio suciente de autoria.

Art. 312 do CPP (Disciplina posterior Lei 12.403/2011) Art. 312. A priso preventiva poder ser decretada como garantia da ordem pblica, da ordem econmica, por convenincia da instruo criminal, ou para assegurar a aplicao da lei penal, quando houver prova da existncia do crime e indcio suciente de autoria. Pargrafo nico. A priso preventiva tambm poder ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigaes impostas por fora de outras medidas cautelares (art. 282, 4).

Art. 282, I, do CPP (Disciplina posterior Lei 12.403/2011) Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Ttulo devero ser aplicadas observandose a: I necessidade para aplicao da lei penal, para a investigao ou a instruo criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prtica de infraes penais. II [...]

De qualquer forma, considerando que as alteraes determinadas pela Lei 12.403/2011 esto em vigor, resta, apenas, aplic-las, interpretando-se os respectivos dispositivos em face do que parece ter sido a inteno do legislador. Nesta linha, conclui-se que, relativamente ao princpio da necessidade, tanto a priso preventiva quanto as medidas cautelares alternativas dos arts. 319 e 320 podero ser aplicadas quando, efetivamente, revelarem-se necessrias para a aplicao da lei penal, para a investigao ou instruo criminal e para evitar a prtica de novas infraes penais, tal como externado no art. 282, I, do CPP. Note-se que, relativamente priso preventiva, os mesmos elementos do art. 282, I se repetem no art. 312, constituindo-se os fundamentos dessa custdia, muito embora se agregue a possibilidade de sua decretao para a garantia da ordem econmica. J no que toca s medidas cautelares alternativas dos arts. 319 e 320, no havendo dispositivo especco quanto aos respectivos fundamentos, depreende-se que os nortes sero apenas aqueles elencados no citado art. 282, I. Em decorrncia, resta incabvel a determinao autnoma de medidas cautelares alternativas visando a garantia da ordem econmica, para hipteses que no admitem a priso preventiva (art. 313, contrario sensu), visto que tal situao est contemplada, unicamente, no art. 312 e no no art. 282, I. Observe-se que, de acordo com parcela da doutrina, nestes mesmos casos (hipteses alheias s previstas no art. 313 do CPP), tambm seria descabida a imposio de medidas cautelares alternativas com o m de evitar a prtica de novas infraes penais. Isso porque, consoante dispe o art. 282, I, ne, tal

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motivao possvel apenas nos casos expressamente previstos. Segundo essa linha de pensamento, como no h expressa previso, em qualquer dispositivo, de que medidas cautelares diversas da priso sejam decretadas para garantia da ordem pblica, sendo esta fundamentao inerente priso preventiva, apenas esta ltima medida poderia ser aceita em casos tais. Discordamos, contudo, dessa orientao, pois entre as medidas cautelares diversas da priso algumas possuem explcito o objetivo de evitar a prtica de novas infraes penais. o caso, por exemplo, do provimento contemplado no art. 319, II, consistente na proibio de acesso ou frequncia a determinados lugares quando, por circunstncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infraes e da medida estipulada no mesmo art. 319, VI, relativa suspenso do exerccio de funo pblica ou de atividade de natureza econmica ou nanceira quando houver justo receio de sua utilizao para a prtica de infraes penais. Alm destas, o prprio recolhimento domiciliar no perodo noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residncia e trabalho xos (art. 319, V) e a monitorao eletrnica (art. 319, IX), implicitamente, trazem o mesmo m. Logo, cogitar da impossibilidade de aplicao de medidas cautelares diversas da priso em hipteses no elencadas no art. 313 do CPP quando o objetivo for evitar a prtica de novas infraes penais implica limitar a utilizao do art. 319, frustrando os objetivos decorrentes da L. 12.403/2011.Art. 282, II Adequao da medida gravidade do crime, circunstncias do fato e condies pessoais do indiciado ou acusado

Concerne a adequao pertinncia abstrata da medida em face do crime sob apurao e do indivduo que dever cumpri-la. No haveria sentido, por exemplo, na aplicao de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga (art. 319, V) cumulada com monitorao eletrnica (art. 319, IX) a quem se atribua a autoria de diversos crimes de estelionato por meio da internet, quando o objetivo visado com a imposio cautelar, simplesmente, seja evitar a reiterao da conduta criminosa. Outro exemplo: No julgamento de Habeas Corpus impetrado por indivduo preso em agrante em face de violncia domstica praticada contra ex-companheira, o Tribunal de Justia de So Paulo, imps a proibio de se aproximar o agente da ofendida, de seus familiares e das testemunhas; a proibio de manter contato estas pessoas por qualquer meio de comunicao; a obrigao de comparecimento bimestral a juzo; e, por m, o recolhimento domiciliar no perodo noturno e nos dias de folga, esta ltima sob o fundamento de que, em tais perodos, havia maior probabilidade de encontrarse o agente com a vtima. Como se v, todos estes provimentos, alm de necessrios (art. 282, I) no caso concreto, relacionam-se abstratamente (art.

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282, II) com os interesses que se objetiva tutelar na espcie, a integridade da ofendida e o resultado do processo13.Art. 282, II Proporcionalidade em sentido estrito

No obstante o art. 282, I e II, do CPP tenha estabelecido, como princpios informadores das medidas cautelares, apenas a necessidade e a adequao, a verdade que, nsita s alteraes da Lei 12.403/2011, encontra-se, tambm, a proporcionalidade em sentido estrito, consistente no juzo de ponderao entre os danos causados com a aplicao da medida cautelar restritiva e os resultados que com ela sero auferidos, a m de, com isto, vericar se o nus imposto proporcional relevncia do bem jurdico que se pretende resguardar14. Em outras palavras, por fora da proporcionalidade em sentido estrito que no se deve admitir seja o acusado submetido, no curso do processo, a gravame superior ao que poder estar sujeito no caso de eventual provimento condenatrio15. Isto, a propsito, ca bem claro quando o legislador, no art. 282, II, relacionou a adequao da medida gravidade do crime, estabelecendo, subliminarmente, a vericao das penalidades que previsivelmente estar ele sujeito ao nal da demanda criminal como um condicionante para a decretao da cautelar. Foi, tambm, inspirado no princpio da proporcionalidade em sentido estrito que o Cdigo de Processo Penal, alterado pela L. 12.403/2011, estabeleceu a regra de que priso preventiva do ru primrio apenas poder ser decretada quando se tratar de crimes cuja pena mxima for superior a 4 anos (art. 313,13

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Excerto do Voto do Relator: [...] No caso em tela, no se verica a hiptese legal de admissibilidade da priso preventiva previstas no inciso I do art. 313 do CPP, pois, embora o crime envolva a prtica de violncia familiar, no houve a decretao anterior de medida protetiva, ou seja, a priso, in casu, desproporcional, pois no tem como fundamento garantir a execuo de medida protetiva de urgncia, no funcionando como a ultima ratio. Agura-se, assim, suciente para o caso destes autos, antes da decretao da priso preventiva do paciente, a adoo das seguintes medidas protetivas: proibio de o paciente se aproximar da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, tendo como 500 m o limite mnimo de distncia entre estes e o paciente, bem como a proibio de o paciente manter contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicao. Atento, ainda, s condies deste caso, e presentes os requisitos do art. 282 do Cdigo de Processo Penal, aplica-se, como medida cautelar: o comparecimento bimestral do paciente em juzo, para informar e justicar suas atividades, bem como o recolhimento domiciliar no perodo noturno e nos dias de folga, tendo em vista que neste perodo h maior probabilidade de o paciente encontrar a vtima. [...] (TJSP, Habeas Corpus n. 0120967-94.2011.8.26.0000, 12 Cmara de Direito Criminal, Rel. Des. Joo Morenghi, j. 10.08.2011) Alberto Silva Franco ensina que o princpio da proporcionalidade exige que se faa um juzo de ponderao sobre a relao existente entre o bem que lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode algum ser privado (gravidade da pena) (Cdigo Penal e sua interpretao jurisprudencial, So Paulo, RT, 2001, vol. 1, p. 14) No julgamento do RHC 20.471/RS, aplicando o princpio da proporcionalidade ao thema, compreendeu o Superior Tribunal de Justia que, no caso concreto, a priso provisria harmonizava-se com o princpio da proporcionalidade, considerando que, alm de necessria e adequada, no impe ao recorrente, em princpio, gravame superior ao decorrente de eventual provimento condenatrio.

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I). Anal, sendo a reprimenda mxima igual ou inferior a esse patamar, o resultado esperado do processo no a priso, ex vi do art. 33, 2, c, do Cdigo Penal, que determina o regime aberto ao condenado, em tais casos. Note-se que a composio necessidade x adequao x proporcionalidade em sentido estrito no foi incorporada por acaso ao Cdigo de Processo Penal pela Lei 12.403/2011. Juntos, compem o princpio da proporcionalidade lato sensu, que, em sede de priso e liberdade provisria, h muito vem sendo utilizado pelos Tribunais Superiores como fundamento de acrdos, relacionado ao chamado mandamento da proibio de excesso, no intuito de evitar o cometimento de abusos pelos rgos a que afeta a Jurisdio Penal16. E mais: importante que se diga que esta no a primeira vez que o princpio da proporcionalidade lato sensu aparece norteando as reformas ao Cdigo de Processo Penal. Por ocasio da Lei n. 11.690/2008, alterando dispositivos concernentes disciplina da prova criminal, o art. 156, I, do CPP disps que, na produo de provas ex ofcio pelo Juiz na fase anterior instruo criminal, deve este observar critrios de adequao, necessidade e proporcionalidade da medida. Nessa ocasio, porm, obrou o legislador com maior tcnica na medida em que consignou, explicitamente, a proporcionalidade em sentido estrito, o que no fez no mbito das alteraes ditadas, agora, pela Lei 12.403/2011 (muito embora, como dissemos, seja possvel vislumbr-lo implicitamente nos termos ditados pela referida Lei).

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A propsito, pertinente o magistrio de Antnio Scarance Fernandes: A armao do princpio foi no sentido de garantir o indivduo contra os excessos dos rgos detentores do poder, buscando encontrar a medida adequada, necessria e justa. No se trata de impedir a existncia ou atuao de norma restritiva ou de fazer imperar sempre o princpio mais favorvel ao acusado, mas de fazer atuar certa regra ou prevalecer determinado princpio de maneira equilibrada (Processo Penal Constitucional, So Paulo, RT, 2002, p. 56)

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2.3 Requisitos das medidas cautelares em geral Tratando-se a priso preventiva e as medidas alternativas dos arts. 319 e 320 do CPP de provimentos de natureza cautelar, intuitivo que a sua decretao vincula-se, tambm, demonstrao do periculum in mora e do fumus boni iuris. O periculum in mora (ou periculum libertatis) corresponde efetiva demonstrao de que a liberdade plena do agente (sem qualquer restrio, obrigao ou condicionamento) poder colocar em risco a aplicao da pena que venha a ser imposta, o resultado concreto do processo ou a prpria segurana social. Este requisito confunde-se com os vetores a que esto vinculados o princpio da necessidade, consagrado no art. 282, I, do CPP, os quais consistem na necessidade para aplicao da lei penal, para a investigao ou a instruo criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prtica de infraes penais. Especicamente em relao priso preventiva, coliga-se aos fundamentos previstos no art. 312, 1 parte, do CPP, quais sejam, a garantia da ordem pblica ou econmica, a convenincia da instruo criminal ou a aplicao da lei penal. J o fumus boni iuris (ou fumus comissi delicti) traduz o juzo ex ante, ainda que no campo das probabilidades, de que a pessoa contra quem se dirige a medida cautelar possa ter sido o autor da prtica delituosa sob apurao, viabilizando-se, assim, uma futura ao penal (na hiptese de a medida ter sido postulada na fase das investigaes) ou uma posterior sentena de condenao (no caso de o pleito ter sido realizado no curso do processo). Muito embora no haja uma disciplina geral acerca dos elementos que compem o fumus boni iuris, certo que este requisito corresponde aos indcios sucientes de autoria e prova da existncia do crime, tal como previsto, alis no art. 312, 2 parte, do CPP especicamente em relao priso preventiva. Tocante prova da existncia do crime nas infraes que deixam vestgios, parte da doutrina exibiliza a demonstrao deste requisito quando se trata de medidas cautelares diversas da priso preventiva (arts. 319 e 320 do CPP), sustentando sua imprescindibilidade apenas para a decretao da priso preventiva. Divergimos, em parte, desta orientao. Concordamos, enm, que o exame de corpo de delito no imprescindvel para a imposio das medidas cautelares diversas da priso, mas pensamos que sua ausncia tambm no um bice intransponvel para a decretao da priso preventiva, assim como no para o recebimento da denncia e nem mesmo para um veredicto condenatrio. Na verdade, tudo se passa pelo exame das regras dos arts. 158, 167 e 564, III, b, do CPP que, no conjunto, dispem sobre a obrigatoriedade do exame de corpo de delito quando a infrao deixar vestgio, ressalvando,

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contudo, na inviabilidade de sua realizao, a possibilidade de suprimento pela prova testemunhal (ou, como se entende na concepo atual, por qualquer outra prova lcita, exceto a consso, pois ressalvada no art. 197 do CPP ao exigir que seja corroborada por outras provas). Logo, se a infrao deixou vestgio e se possvel a realizao do exame de corpo de delito, este necessrio sim, quer para a decretao da priso preventiva, quer para as demais medidas cautelares alternativas . Agora, se os vestgios desapareceram e, por isto, resta invivel a realizao da prova pericial, deve-se vericar a possibilidade de suprimento da mencionada percia por outros meios de prova, seja para a priso, seja para os demais provimentos cautelares. O que no aceitamos que os requisitos destinados comprovao da materialidade sejam distintos, conforme se trate de preventiva ou de outra medida no privativa de liberdade a cautelar imposta, mesmo porque estas ltimas, se descumpridas, podem implicar em converso na primeira a teor dos arts. 282, 4 e 312, pargrafo nico, ambos do CPP.

2.4 A aplicao do art. 282 priso temporria At meados de 2008, cinco formas de prises provisrias coexistiam no processo penal brasileiro, todas incorporando natureza cautelar, no apenas pelas suas nalidades precpuas como tambm pela legitimidade para manter, per si, o indivduo sob segregao: priso preventiva, priso em agrante, priso temporria, priso da pronncia e priso da sentena condenatria recorrvel as duas ltimas, de manifesta inconstitucionalidade.

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Com a vigncia da Lei 11.689, de 09.06.2008, alterando o procedimento de apurao dos crimes dolosos contra a vida, deixou de subsistir no ordenamento processual a priso da pronncia, antes contemplada na antiga redao do art. 408 do CPP. Este artigo autorizava o juiz, por ocasio da pronncia, a decretar a imediata priso do ru para que aguardasse preso a data do julgamento pelo jri, salvo se primrio e de bons antecedentes. Assim, na atualidade, o regramento adotado pelo Cdigo o constante no art. 413, 3., o qual, embora ainda faculte ao magistrado manter ou ordenar a priso do acusado por ocasio da pronncia, determina que o faa fundamentadamente. Veja-se que o art. 413 refere-se s medidas previstas no Ttulo IX do Livro I do Cdigo de Processo Penal. Ora, entre estas medidas, apenas a priso preventiva possui aptido para privar ou manter o agente privado da liberdade. Por outro lado, entrando em vigor a L. 12.403/2011, esta revogou, expressamente, o art. 393 do CPP, que, em seu inciso I, contemplava a chamada priso da sentena condenatria recorrvel. Dispunha esse artigo, como efeito da sentena condenatria recorrvel, ser o ru preso ou conservado na priso, assim nas infraes inaanveis, como nas aanveis, enquanto no prestar ana. Assim, na atualidade, a disciplina em vigor a do art. 387, pargrafo nico, do CPP, segundo a qual a priso que pode ser imposta na sentena condenatria recorrvel a preventiva, quando presentes os requisitos legais. Por m, tocante priso em agrante, tambm foi atingida pela L. 12.403/2011, pois teve suprimida a sua autonomia para manter o agrado sob custdia, exigindo, para este m, sua converso em preventiva, ex vi do que dispe o art. 310, II, do CPP. Logo, a esta forma de priso, no se pode mais atribuir natureza cautelar, assumindo um carter meramente precautelar frente priso preventiva. Neste contexto, a concluso que se chega a de que no sistema atual restam como prises cautelares, em sua prpria essncia, apenas a priso preventiva e a priso temporria, esta ltima regulamentada na Lei 7.960/1989, e, no caso de crimes hediondos, no art. 2, 4, da Lei 8.072/1990. Sendo assim, cabe indagar: diante das alteraes introduzidas pela Lei 12.403/2011, a decretao da priso temporria tambm passou a estar condicionada vericao da necessidade (para a investigao) e da adequao segundo os parmetros estabelecidos no art. 282, I e II, do CPP? Cremos que no, em que pese respeitadas vozes em sentido oposto j se tenham levantado a respeito deste tema. Como argumento inicial de nosso ponto de vista, trazemos a literalidade do art. 282, caput, ao limitar a aplicao dos requisitos atinentes necessidade e adequao s medidas cautelares previstas neste Ttulo, nada havendo, pois, que conduza necessidade de interpretao extensiva desta regra e que a faa alcanar os ditames da Lei 7.960/1989, que disciplina a priso temporria.

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Em segundo lugar, ressaltamos as peculiaridades dessa modalidade de segregao, que, a despeito das trs hipteses de seu cabimento, tem sido mais utilizada, na prtica, como expediente voltado ao xito das investigaes policiais nos crimes nela contemplados (art. 1, I e III, da Lei 7.960/1989). Trata-se, enm, da priso temporria fundamentada na imprescindibilidade para as investigaes policiais. Deste modo, relativamente necessidade, esta sim uma condicionante para a decretao da priso temporria. No, porm, a necessidade prevista no art. 282, I, do CPP, mas sim a necessidade para as investigaes policiais enquanto sinnimo de imprescindibilidade, um fundamento natural da priso temporria decretada com base no art. 1, I, da Lei 7.960/1989. Situao semelhante ocorre no tocante adequao. Diante de representao pela priso temporria, sem dvida, dever o Juiz examinar a pertinncia da medida ao caso concreto, vericando se esto presentes os pressupostos legais que a autorizam. Isto, contudo, deve ser feito luz dos mandamentos insertos Lei 7.960/1989 e no dos elementos constantes do art. 282, II, do CPP gravidade do crime, circunstncias do fato e condies pessoais do indiciado ou acusado que relevam unicamente s medidas cautelares de carter pessoal previstas no CPP. Note-se, inclusive, que, segundo a corrente majoritria, a priso temporria cabvel apenas em relao aos crimes referidos no art. 1, III, da Lei 7.960/1989 e desde que presentes um dos requisitos contemplados nos incisos I ou II do mesmo dispositivo. Sendo assim, o elemento gravidade da infrao penal j est objetivamente previsto na lei por meio da previso dos crimes que permitem essa forma de custdia. De outra sorte, tocante s circunstncias do fato, muitas vezes so desconhecidas e consistem, exatamente, no motivo pelo qual se pretende o decreto da priso temporria, no sendo, por isso mesmo, razovel que integrem o juzo cognitivo do Juiz no momento de decretar ou no a priso temporria do investigado. E quanto regra do art. 282, 6, estabelecendo que a priso preventiva ser determinada quando no for cabvel a sua substituio por outra medida cautelar? Esta disciplina se aplica priso temporria? O art. 282, 6, estabelece a subsidiariedade da priso preventiva frente s medidas cautelares diversas da priso. Decorre da que a priso preventiva no ser decretada se houver a possibilidade de serem utilizados os provimentos cautelares alternativos que no impliquem segregao. Ora, tangente priso temporria, na medida que tem por nalidade, modo geral, assegurar o xito das investigaes policiais, evidente que seu carter deve se revestir de maior excepcionalidade do que a prpria priso preventiva, cujo objetivo, j vimos, a proteo da sociedade, a garantia do resultado prtico do processo e a prpria execuo da pena. Veja-se que para a decretao da priso temporria no so exigidos os mesmos requisitos da preventiva indcios sucientes de autoria e prova da existncia do crime,

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razo, pois, do estabelecimento de prazos mximos para sua durao17-18, ao contrrio do que ocorre com a priso preventiva. Neste contexto, se a despeito das trs hipteses de cabimento da priso temporria previstas no art. 1 da Lei 7.960/1989, ao m e ao cabo essa segregao se lastreia na imprescindibilidade para as investigaes policiais, evidente, at por uma questo de bom senso, que havendo outra forma de serem os fatos elucidados, no ser ela decretada. Portanto, lgico que, sendo possvel evitar a decretao da priso temporria e, no seu lugar, impor uma das medidas restritivas do art. 319, assim deve proceder o Juiz. No, porm, por fora da regra do art. 282, 6, do CPP, que reputamos no aplicvel priso temporria, pelos motivos j examinados e sim porque esta forma de custdia, efetivamente, apenas deve ser decretada nas situaes de imprescindibilidade para as investigaes, ou seja, quando no se agurar vivel outra soluo que no implique privao da liberdade. 3 MEDIDAS CAUTELARES (PRISO E MEDIDAS DIVERSAS DA PRISO): TEMPO, LEGITIMIDADE, PROCEDIMENTO CONTRADITRIO, RECURSOS E IMPUGNAES 3.1 Oportunidade No aspecto relativo oportunidade em que podem ser decretadas as medidas cautelares de natureza pessoal, duas regras devem ser consideradas: a primeira, de carter geral, aplicada tanto priso preventiva como s demais medidas cautelares diversas da priso, consubstanciada no art. 282, 2, do CPP; e, a segunda, norma especca para a priso preventiva, inscrita no art. 311 do CPP.NORMA GERAL APLICVEL PRISO PREVENTIVA E S MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISO Art. 282, 2o As medidas cautelares sero decretadas pelo juiz, de ofcio ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigao criminal, por representao da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministrio Pblico. NORMA ESPECFICA APLICVEL PRISO PREVENTIVA Art. 311. Em qualquer fase da investigao policial ou do processo penal, caber a priso preventiva decretada pelo juiz, de ofcio, se no curso da ao penal, ou a requerimento do Ministrio Pblico, do querelante ou do assistente, ou por representao da autoridade policial.

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Art. 2 da Lei 7.960/1989 - A priso temporria ser decretada pelo Juiz, em face da representao da autoridade policial ou de requerimento do Ministrio Pblico, e ter o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogvel por igual perodo em caso de extrema e comprovada necessidade. Art. 2, 4, da Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) - A priso temporria, sobre a qual dispe a Lei n 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, ter o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogvel por igual perodo em caso de extrema e comprovada necessidade.

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A leitura destes dispositivos no deixa dvidas acerca do cabimento da priso preventiva e das demais medidas cautelares de natureza pessoal tanto na fase das investigaes policiais quanto no curso do processo judicial. Anal, o art. 311, relativo priso preventiva, de explicitude inequvoca neste sentido. J o art. 282, 2, refere-se decretao das medidas cautelares a partir de requerimento das partes terminologia esta prpria da fase judicial. Relativamente deduo dos provimentos cautelares na fase anterior ao processo judicial, o dispositivo utiliza a semntica investigao criminal, o que abrange, logicamente, a fase da investigao policial. Logo, podem surgir questionamentos na hiptese de a decretao da medida cautelar envolver investigao criminal que no possua natureza de investigao policial, muito especialmente aquelas presididas pelo Ministrio Pblico. Ora, no temos a menor dvida de que, no mbito destes procedimentos, desde que regularmente instaurados pelo promotor, plenamente possvel a decretao de medidas cautelares diversas da priso. Veja-se que, seinstaurados para apurar a prtica de infraes penais, tais expedientes possuem o carter de investigao criminal, ajustando-se hiptese de incidncia do art. 282, 2, do CPP. Tratando-se, contudo, de priso preventiva, a situao tormentosa em face da literalidade do art. 311 do CPP, que prev sua admisso em qualquer fase da investigao policial ou do processo criminal. Cabe ressaltar, inclusive, que este dispositivo teve alterada sua redao no tocante terminologia utilizada, j que antes das alteraes determinadas pela Lei 12.403/2011, dispunha sobre o cabimento da custdia nas fases do inqurito policial ou da instruo criminal. E, nesta alterao redacional, deixou de inserir a semntica investigao criminal, semelhana do que fez na regra geral do art. 282, 2, preterindo-a em prol da nomenclatura investigao policial.Art. 311 do CPP (Antes da Lei 12.403/2011) Art. 311. Em qualquer fase do inqurito policial ou da instruo criminal, caber a priso preventiva decretada pelo juiz, de ofcio, a requerimento do Ministrio Pblico, ou do querelante, ou mediante representao da autoridade policial. Art. 311 do CPP (Depois da Lei 12.403/2011) Art. 311. Em qualquer fase da investigao policial ou do processo penal, caber a priso preventiva decretada pelo juiz, de ofcio, se no curso da ao penal, ou a requerimento do Ministrio Pblico, do querelante ou do assistente, ou por representao da autoridade policial.

Pois bem. Independentemente desta limitao da priso preventiva, na fase que antecede instaurao do processo criminal, ao momento da investigao policial, cremos que isto no obsta o seu decreto judicial no

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bojo de expedientes investigatrios presididos pelo Ministrio Pblico. E isto por duas razes: a uma, porque no seria razovel a Constituio Federal legitimar o Ministrio Pblico a realizar diligncias investigatrias (art. 129, incisos VI e VIII)19 se, para assegurar o xito destas investigaes, ou a segurana social, ou a execuo da pena, no pudesse o parquet postular ao juiz a decretao da priso preventiva do investigado, inclusive demonstrando, se for o caso, a inadequao ou insucincia das cautelares do art. 319 do CPP, e, a duas, porque, fosse possvel ao rgo do Ministrio Pblico que preside o expediente investigatrio apenas requerer, no mbito deste expediente providncias restritivas dentre as elencadas nos arts. 319 e 320 do CPP, restariam estes provimentos incuos na hiptese de descumprimento pelo investigado, j que no poderiam ser eles convertidos em preventiva (art. 282, 4). A par de tudo o que foi dito, ressaltamos que as alteraes introduzidas pela Lei 12.403/2011 no modicaram o entendimento que j adotvamos no sentido de que a priso preventiva, e, agora, tambm as demais medidas cautelares dos arts. 319 e 320, no podem ser decretadas no mbito de procedimentos outros que no possuam a conotao especca de investigao criminal ou processo penal, tais como comisses parlamentares de inqurito, processos administrativos, sindicncias, inquritos civis etc. 3.2 Legitimidade De acordo com o art. 282, 2, do Cdigo de Processo Penal, as medidas cautelares sero decretadas pelo juiz, de ofcio ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigao criminal, por representao da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministrio Pblico. J o 4 do mesmo dispositivo, tratando da desobedincia a estas cautelares, preceitua que, no caso de descumprimento de qualquer das obrigaes impostas, o juiz, de ofcio ou mediante requerimento do Ministrio Pblico, de seu assistente ou do querelante, poder substituir a medida, impor outra em cumulao, ou, em ltimo caso, decretar a priso preventiva. Especicamente no que toca priso preventiva, refere o art. 311 que, em qualquer fase da investigao policial ou do processo penal, caber a priso preventiva decretada pelo juiz, de ofcio, se no curso da ao penal, ou a requerimento do Ministrio Pblico, do querelante ou do assistente, ou por representao da autoridade policial. A partir destas regras, inferem-se as seguintes concluses no que concerne legitimao para as medidas cautelares de natureza pessoal tratadas

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STJ, AgRg no REsp 1013039/SE, 6 Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 09.05.20

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no Ttulo IX do Livro I do CPP, seja a priso preventiva, sejam as demais elencadas nos arts. 319 e 320:1) O Juiz no possui legitimidade para decretar medidas cautelares ex ofcio no curso das investigaes policiais. Nesta fase, a atuao do juiz est condicionada ao requerimento do Ministrio Pblico ou representao da autoridade policial, ex vi dos arts. 282, 2 e 311 do CPP. 2) A proibio de o juiz decretar ex ofcio medidas cautelares na fase das investigaes, a nosso ver, no implica dizer que no possa ele converter o agrante em medidas alternativas ou at mesmo em priso preventiva quando aquelas providncias no se revelarem adequadas ou sucientes, nos termos autorizados pelo art. 310, II, do CPP. Anal, a hiptese difere daquela em que, diante de uma investigao em andamento, o juiz, ex ofcio, resolve impor medidas cautelares ao indiciado por entender presentes os respectivos requisitos. Isto o que, agora, restou proibido em face da literalidade dos arts 282, 2 e 311 do CPP. Na hiptese do art. 310, com efeito, o que se tem so providncias obrigatrias que devem ser adotadas pelo juiz ao receber o auto de priso em agrante, sob pena de constrangimento ilegal passvel de habeas corpus. Logo, no h rompimento do sistema acusatrio na conduta do magistrado que adota ociosamente qualquer das solues inseridas aos incisos do art. 310, ainda que seja a converso do agrante em medidas cautelares alternativas, ou, na impossibilidade, na prpria priso preventiva, pois apenas estar ele cumprindo o que a lei determina, no sendo razovel, ademais, que permanea na dependncia de prvia representao da autoridade policial ou de requerimento do Ministrio Pblico para assim decidir. A questo, todavia, controvertida, existindo orientao no sentido de que at mesmo a converso ex ofcio pelo Juiz do agrante em preventiva est vedada. 3) No curso do processo judicial, o juiz poder decretar as medidas cautelares tanto ex ofcio como a requerimento do Ministrio Pblico, do querelante e do assistente de acusao. Neste aspecto, a alterao introduzida pela Lei 12.403/2011 em relao disciplina anterior do Cdigo de Processo Penal ocorreu apenas para o assistente de acusao, que, antes, no possua legitimidade para requerer a priso preventiva e agora tem. Lembre-se, por oportuno, que as guras do querelante e do assistente do Ministrio Pblico s existem na fase do processo judicial, no se podendo contempl-los no momento que antecede este interregno. Anal, querelante, assim compreendido o ofendido, seu representante legal ou, seu cnjuge, ascendente, descendente ou irmo, o autor da ao penal privada. J por assistente do Ministrio Pblico consideram-se as mesmas pessoas que na ao penal privada podem gurar como querelantes (art. 268). A diferena reside no fato de que o assistente apenas habilitar-se- na ao penal pblica, salientando-se que essa habilitao pode ocorrer aps ter sido esta regularmente instaurada e antes do trnsito em julgado da deciso nela proferida (art. 269).

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PROCESSO PENAL Norberto Avena

3.3 Procedimento contraditrio O art. 282, 3, do Cdigo de Processo Penal preceitua que, ressalvados os casos de urgncia ou de perigo de ineccia da medid