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É uma colectânea de artigos que abordam alguns aspectos que evidenciam certas percepções de índole política e sócio-económico e culturais que corporizaram a história de Moçambique e África do Sul na segunda metae do século XX
Citation preview
Pedro Alberto Maunde
Algumas percepções políticas e dados sócio-
económicos e culturais de Moçambique e África do Sul na segunda metade do Século XX
1
SUMÁRIO
Dedicatória..................................................................................................................................................I Os impactos do trabalho migratório sobre as comunidades rurais de Moçambique, 1930 - 1974 1. Introdução.............................................................................................................................................3 2. O trabalho migratório em Moçambique......................................................................................4 2.1. As causas de emigração em Moçambique.................................................................................5 3. A emigração de mão-de-obra moçambicana para África do Sul, 1930-1974.............7 4. Os impactos do trabalho migratório nas comunidades rurais de Moçambique............9 4.1. O caso da zona sul de Moçambique..........................................................................................9 4.1.1. A nível económico.............................................................................................................................9 4.1.2. A nível social......................................................................................................................................13 4.1.3. A nível demográfico e epedimiológico......................................................................................16 5. Conclusão..........................................................................................................................................17 Cronologia.........................................................................................................................................19 Bibliografia........................................................................................................................................20 Em que consistiu o Programa de Reajustamento Estrutural em Moçambique? 1. Introdução..........................................................................................................................................21 2. O contexto dos Programas de Reajustamento Estrutural..............................................22 3. A abertura de Moçambique ao Ocidente a partir de 1982/83....................................24 4. Os efeitos do PRE na economia e na sociedade moçambicana....................................25 5. Conclusão..........................................................................................................................................26 Cronologia.........................................................................................................................................28 Bibliografia........................................................................................................................................29 Objctivos e estratégias do nacionalismo Afrikaner, 1914-1948 1. Introdução..........................................................................................................................................30 2. Contextualização............................................................................................................................31 3. Evolução do nacionalismo Afrikaner.......................................................................................32 3.1. Período de 1914-1924..................................................................................................................33 3.2. Período de 1924-1933..................................................................................................................34 3.3 Período de 1933-1948..................................................................................................................35 4. Conclusão..........................................................................................................................................36 Cronologia.........................................................................................................................................37 Bibliografia........................................................................................................................................39 Como se explica a crise económica sul-africana a partir dos anos 1980?
1. Introdução....................................................................................................................................40 2. Contextualização.......................................................................................................................41 3. Crise económica a partir de 1980.........................................................................................42 4. Conclusão..................................................................................................................................45 Cronologia...............................................................................................................................................................................47 Bibliografia..............................................................................................................................................................................48
2
Dedicatória
Dedico a presente colectânea aos meus filhos Álvaro, Maura, Tomás, Epifania e Maunde Júnior, por motivos que eles bem conhecem.
3
Os impactos do trabalho migratório sobre as comunidades rurais de Moçambique, 1930 – 1974: O
caso de Sul de Moçambique
1. Introdução
O presente artigo visa trazer uma análise sobre o trabalho migratório em
Moçambique, na perspectiva de visualizar os impactos que este implicou sobre as
comunidades rurais, sob ponto de vista económico, social e demográfico no
período de 1930 a 1974. A pertinência deste período justifica-se pelo facto de
enquadrar-se nele o estabelecimento do nacionalismo económico do estado
colonial português, caracterizado pela centralização administrativa e política,
redução dos direitos das companhias não portuguesas e a promoção das culturas
agrícolas de algodão e arroz até ao fim do Estado Colonial português.
Pretende-se com base nas análises do presente artigo de uma forma geral
saber-se até em que medida o trabalho migratório contribuiu para as
transformações económica, social e demográfica nas comunidades rurais de
Moçambique. De uma forma específica, pretende-se neste ensaio identificar e
avaliar os impactos económico, social e demográfico do trabalho migratório nas
comunidades rurais moçambicanas, no período em estudo.
Os impactos do trabalho migratório nas comunidades rurais de Moçambique
fizeram-se sentir de maneira diferente em diferentes comunidades, atendendo as
4
especificidades de cada região, e isto contribuiu para o surgimento de uma nova
estratificação social no seio das comunidades.
Para a realização deste ensaio, foi feita a revisão bibliográfica de obras
disponíveis na Biblioteca Brazão Mazula, Centro de Estudos Africanos e no
Arquivo Histórico de Moçambique, para além da literatura existente no gabinete
302 do Departamento de História, na Faculdade de Letras e Ciências Sociais.
2. O trabalho migratório em Moçambique
Falar do trabalho migratório em Moçambique é algo não tão simples como nos
parece, pois requer a sistematização do conhecimento de vários autores que
abordaram este assunto em diferentes contextos. Porém, afigurar-se pertinente
antes de mais, tentar trazer um quadro teórico conceptual sobre o trabalho
migratório.
De acordo com Maia (2002:240), no “Dicionário de Sociologia”, o termo
migrações pode ter uma ampla acepção em resultado das diferentes escolas
espacio-temporais que o sustentam. Este refere que na definição da ONU, as
migrações existem quando se dá a alteração do espaço inicial de residência para
um outro lugar relativamente distanciado pelo menos durante um ano, quer dentro
ou fora do país.
Para o estudo que pretendemos efectuar, abordaremos acerca das migrações
vistas na perspectiva de movimentações de mão-de-obra moçambicana ao serviço
do capital mineiro sul africano que foi regulamentado pelo Estado Colonial
português.
5
2.1. As causas de emigração em Moçambique
A partir da última década do século XIX, a África Austral registou uma
dinâmica do sistema colonial, caracterizada pela abertura de plantações, industrias
mineiras e pela construção de portos e caminhos de ferro, o que originou a forte
pressão sobre a mão-de-obra local (das Neves, 1990:5).
Para o período de conquistas e subjugação dos povos africanos, a emigração
de trabalhadores moçambicanos espelhou a característica da história económica
colonial de Moçambique no subsistema económico da África Austral, razão pela
qual podemos sintetizar os factores de natureza interna e externa que causaram a
emigração.
Segundo Das Neves (1990:6), a incapacidade económica de Portugal para a
exploração de Moçambique, fez com que algumas regiões do País passassem a ser
dominadas pelo capital internacional expresso nas companhias. Estas, por sua vez
estavam sub-capitalizadas e mal equipadas para efectuarem as suas obrigações,
daí que o mussoco1 e outras formas de tributação constituíram o principal recurso
financeiro.
Para o caso da zona centro de Moçambique, que não foi tão diferente das
outras, mercê dos seus meios de trabalho e austentando a capacidade de usá-los
em seu próprio benefício, o campesinato teve meios alternativos para assegurar o
pagamento do imposto em dinheiro resultante da produção e comercialização
agrícola para evitar o ingresso no mercado de trabalho, o que preocupou a
1 Trata-se do imposto a que as famílias moçambicanas estavam sujeitas a pagar regularmente à administração colona na zona centro do País.
6
administração colonial que em reacção optou por reduzir as alternativas do
campesinato tendo o coagido a vender a sua força de trabalho.
Saturado de situações desta natureza entre outras, o campesinato sentiu-se
forçado a emigrar para outras regiões, quer dentro ou fora de Moçambique a
procura de melhores condições, bem como ao serviço da economia colonial
Portuguesa (Ibidem. p.8).
Entre os facotres externos, e de acordo com Covane (1989: 13), no período
entre 1850 a 1860, ainda antes do estabelecimento efectivo da administração
colonial, os homens emigravam de Delagoa Bay2 para as plantações de cana-de-
açúcar do Natal. Só a partir de 1870, a emigração viria assumir um carácter mais
intenso e permanente depois da descoberta dos jazigos de diamante de Kimberley
em 1867.
Para sustentar este facto, Covane (1989) salienta que foi formada a Liga de
Trabalho pelos plantadores de trabalho do Natal em 1871, para a resolução de
casos de disputa de mão-de-obra que era desviada tanto para as minas de
diamantes no Estado Livre de Orange, incorporadas pela Inglaterra na sua
colónia do Cabo.
Podemos assim dizer que, entre as causas da corrente migratória, quer para a
África do Sul, quer para Rodésia do Sul, encontramos as dinâmicas do capital
financeiro britânico nos esforços de galvanização do imperialismo britânico, o que
também se fez sentir no período aqui em análise.
2 Que ficou conhecido também por Porto de Lourenço Marques e actualmente Porto de Maputo.
7
As condições3 e relações de trabalho vigentes, tanto na África do Sul, assim
como na Rodésia do Sul, levaram as populações a encararem a emigração como
alternativa viável.
3. A emigração de mão-de-obra moçambicana para África do Sul, 1930-1974
Difícil é falar do trabalho migratório a partir de 1930, sem recuar no tempo
para buscar alguns dos antecedentes, sobretudo, relacionados com convenções e
decretos que nortearam toda uma conjuntura de acontecimentos nas relações
entre Moçambique e África do Sul.
Não se pretende, aqui, discutir sobre acordos e regulamentos principais por
este não ser o nosso objecto de estudo, mas sim tentar demonstrar que o governo
colonial português e a União Sul-africana exploraram a mão-de-obra
moçambicana com recurso a legislações específicas favoráveis ao desenvolvimento
da economia colona.
De acordo com Gaspar (2006:37), de maneira a assegurar a satisfação das
necessidades de mão-de-obra para as minas sul africanas, o governo colonial
português e as autoridades sul africanas, assinaram vários acordos e decretos,
tendo em vista facilitar a saída de migrantes, situação essa que conferiu a África
do Sul, o monopólio do recrutamento directo de trabalhadores no sul do Save.
Esta situação conferiu por sua vez ao pagamento deferido do trabalhador
migrante em moeda estrangeira4 ou em ouro. Perante esta conjuntura situacional, o
3 Económicas e a procura de vantagens materiais oferecidas noutros lugares. 4 Libra esterlina.
8
governo colonial português pagava aos migrantes usando a moeda local5, o que lhe
permitiu tirar vantagens com a acumulação de divisas.
Olhando para o teor dos acordos e decretos rubricados no período
antecedente e posterior a 1930, uma das medidas tomadas em relação a mão-de-
obra moçambicana foi o decreto de 21 de Maio de 1927, elaborado pelo então
Ministro português das colónias, João de Belo, que consistia na (1)
obrigatoriedade de repouso dos mineiros por 12 meses, (2) proibição de
recontrato pela União6, (3) 50% das receitas da emigração destinava-se aos
serviços do Estado, pese embora este instrumento não ter sido executado devido
a pressões que o capital mineiro sul africano e britânico exerceram sobre as
autoridades portuguesas, que bloquearam as possibilidades da colónia
portuguesa obter financiamentos para o desenvolvimento do sul de Moçambique
(Covane, 1989:79).
A convenção de 1928 entre a União Sul-africana e o governo colonial
português previa um número limitado de mão-de-obra7 recrutada para o Rand, o
que reflectiu um jogo político tendo em vista alcançar objectivos económicos que
apenas seriam possíveis com a manutenção de exploração de mão-de-obra
(Covane, 1989:89).
Nesta óptica, o que pode nos obstar pensar que a limitação de mão-de-obra
recrutada para o Rand, através da convenção de 1928, tenha sido no intuito de o 5 Escudo português. 6 Proibia a recontratação de mineiros ausentes por mais de 13 meses, que passaram a ser considerados emigrantes clandestinos. 7 100.000 trabalhadores a recrutar, que seria gradualmente reduzida numa proporção fixa de 5.000 por ano até atingir o mínimo de 80.000 em 1933.
9
governo colonial português satisfazer as necessidades de mão-de-obra para o
desenvolvimento da agricultura colona em Moçambique com a introdução da
cultura forçada de algodão?
4. Os impactos do trabalho migratório nas comunidades rurais de Moçambique
Neste capítulo reside o cerne do nosso objecto de estudo, o que suscitará a
necessidade de analisar de uma forma pouco profunda, as abordagens que
diferentes autores usaram na análise dos impactos do trabalho migratório
sobretudo, nas comunidades rurais de Moçambique. O que na verdade se
pretende é procurar, com base nos pontos de vista de diferentes autores, avaliar
os impactos do trabalho migratório sobre as comunidades rurais do nosso País, no
período de 1930 a 1974.
4.1. O caso da zona sul de Moçambique
4.1.1. A nível económico
Segundo Covane (2001:128), com a introdução do sistema de pagamento
deferido nas minas a partir de 19288, parece ter facilitado a alguns migrantes para
usar as suas economias na aquisição de charruas em Moçambique ou trazidas da
África do Sul a partir de 1930. Foi assim que membros de várias famílias
8 Convenção de 1928, entre a África do Sul e Moçambique sobre o trabalho migratório. Prevê a transferência do pagamento deferido para Moçambique.
10
camponesas no vale do Limpopo9, apareceram e estabeleceram-se como
produtores e com possibilidades de acumulação.
Os que podiam se dispor de meios para a aquisição da charrua podiam
colaborar com os que tinham gado para se complementarem, tal como foi o caso de
Mathetho Sitóe e seu amigo professor na Igreja Católica local, citados pelo
Covane (2002:133), que decidiram compartilhar os seus insumos, o que
corresponde ao espírito de ajuda mútua.
De acordo com Covane, citado por Chifunga (2007:5), com a implantação
dos planos do Fomento, o campesinato perdeu as suas terras férteis,
expropriadas pelo governo colonial para o estabelecimento de povoamento
branco em forma de colonatos, o que relegou os camponeses a usarem terras altas,
obstruindo os esforços feitos pelos migrantes que fizeram maiores investimentos
na agricultura.
Perante este cenário, o vale de Limpopo, concretamente em Chibuto, a
agricultura não era rentável, o que fez com que muitos agregados familiares
optassem no trabalho migratório nas minas do Rand, como estratégia de
sobrevivência (Gaspar, 2006:75).
Se a agricultura do campesinato deixou de ser rentável com a implantação dos
planos de Fomento no vale do Limpopo, o que significou a estratégia de
sobrevivência optada pelos agregados familiares dos migrantes do Rand na
economia rural?
9 Ao longo da província de Gaza.
11
Para Gaspar (2006), com os salários das minas foram adquiridos os
importantes instrumentos agrícolas, tais como enxadas, gado, charruas nas lojas de
portugueses ou indianos que aplicavam bons preços comparativamente aos
aplicados na África do Sul.
Esta posição revela-nos que não obstante ter havido a expropriação das
terras férteis com a introdução dos planos de Fomento, o migrante continuou a
depositar confiança na agricultura com investimentos em instrumentos agrícolas
para incrementar rendimentos na economia doméstica.
Com a convenção de 1928, assistiu-se uma nova dinâmica no comércio rural
pois para Covane (2001:170), os cantineiros nas diferentes aldeias do sul de
Moçambique reconheciam que sua prosperidade dependia dos migrantes. Para
justificar esta situação, este autor refere que pelo facto de a aldeia de Ressano
Garcia ter funcionado como o primeiro posto para o pagamento deferido de
todos os emigrantes, os cantineiros de Gaza, Inhambane e do distrito de
Lourenço Marques enviaram petições ao Governador-Geral reivindicando o
estabelecimento dos postos de pagamento deferido nas zonas de origem dos
migrantes.
Um exemplo do Covane (2001), que demonstra a magnitude de exploração
dos migrantes pelos comerciantes rurais foi o requerimento elaborado por
dezasseis comerciantes de Xinavane ao Governador-Geral em 1939, para a
aprovação de um horário para a paragem de duas horas do machimbombo para
que os migrantes pudessem gastar o seu dinheiro nas suas lojas para assegurar a
sobrevivência do comércio rural.
12
Covane (2001:191), procura mais uma vez ilustrar até em que ponto o trabalho
migratório foi bastante útil nalguns regulados, que tiveram suas economias
melhoradas ao ponto de algumas pessoas tal como Eduardo Cuna10, ter sido
capaz de construir uma casa.
A dependência entre os migrantes instruídos passou a manifestar-se de forma
diferente, pois tornaram-se os primeiros a adquirirem viaturas e a desenvolverem-
se como agentes transportadores de mercadorias da África do Sul às aldeias de
origem dos seus clientes e compatriotas, apesar de não haver sistema de seguro
em caso de perdas de mercadorias para caso de transportadores que se
enganavam nos seus destinos Covane (2001:210).
Segundo Covane (2001:214), um relatório publicado em 1954, reportou que
anualmente, os africanos que iam à África do Sul enviavam dinheiro às suas
famílias para pagar imposto de palhota e as suas dívidas nas cantinas, através de
cantineiros11 da ladeia natal, que cobravam taxas elevadas pelos seus serviços
prestados, para além de que o dinheiro enviado era gasto nas suas lojas.
Perante este cenário, os funcionários governamentais sugeriam que um
esforço fosse feito no sentido de persuadir os trabalhadores na África do Sul a
enviarem as suas economias através do sistema oficial de depósitos, o que não
surtiu efeito porque os cantineiros eram encarados, pelos trabalhadores migrantes
10 Ex-régulo de Chókwè. 11 Cantineiros indianos.
13
e suas famílias como valiosos12 aliados em períodos de escassez e das calamidades
naturais.
Para justificar o impacto do analfabetismo na vida dos migrantes das
comunidades rurais, Covane (2001:214-215), sustenta que anualmente, milhares
de cartas, a maioria contendo dinheiro, não eram entregues pelos correios porque
não estavam suficientemente endereçadas ou porque continham indicações
imprecisas, tais como: “Para minha mãe”; “Para minha esposa” ou “Para o meu pai”.
Na verdade é lógico aferir que com o analfabetismo dos migrantes, ao enviarem
encomendas que continham valores monetários insuficiente identificadas, os
comerciantes indianos estabelecidos nas comunidades rurais saíram beneficiados.
De acordo com Gaspar (2006:82), a dependência do sul de Moçambique
pelo trabalho migratório tornou-se em si, aspecto negativo para a economia desta
região, visto que os dividendos que resultavam das minas até 1970 eram baixos e,
não era possível através dos mesmos promover um investimento significativo local,
excepto na agricultura de plantações.
Em suma, o trabalho migratório no sul de Moçambique teve um impacto
significativo na economia rural, com particular destaque para os comerciantes
locais e administração territorial ao serviço do estado colonial português.
4.1.2. A nível social
De acordo com Roesch, citado por Covane (2001), a introdução de charruas
e bois despoletou o surgimento de um pequeno estrato de produtores agrícolas 12 Apesar das fraudes que os indianos cometiam, não hesitavam em fornecer comida ou outros artigos a crédito.
14
vocacionados para o mercado na região baixa do Limpopo, designados localmente
por “machambeiros”13.
Arriscamos dizer que, porque este pequeno estrato de produtores acumulava
riquezas devido a venda de excedentes agrícolas era visto a nível da comunidade
com um status quo que lhes diferenciava do restante da população rural, isto
significou a existência de uma estratificação social no seio da população rural.
Um dos exemplos da importância do trabalho migratório nas comunidades
rurais é evidenciado na obra de Gaspar (2006:73-74), que por exemplo, retrata
as razões que levaram Jaime Cuinica do Alto Changane14 a migrar para as minas
em 1949, onde um dos objectivos era conseguir recursos para se casar.
Eram considerados homens maduros aqueles que tinham ido às minas, casado
e possuidor de gado, devendo-se respeito social a estes e para o caso dos que
não tinham ido às minas eram vistos como mulheres (Covane, 2001:190).
Os que se envolveram no trabalho migratório com algum nível de formação,
tinham alternativas para capitalizar as suas habilidades como escrivão de cartas ou
se tornavam professores ou evangelistas quando eles voltavam para casa
(Covane, 2001:197).
Aos homens que não migravam eram subestimados, até mesmo por mulheres e
socialmente estigmatizados e objectos de comentários pejorativos na comunidade,
alegando-se estar sob efeito de drogas ou bruxaria por parte de suas esposas
para os manter sob controlo (Covane, 2001:198).
13 Aqueles que cultivam nas machambas. 14 Um dos postos administrativos do distrito de Chibuto, na provincial de Gaza.
15
Para este autor, eram bem vistos na comunidade, particularmente pelas
mulheres, os migrantes que levavam intervalos não muito longos entre os contratos,
mas quando um homem ficasse muito tempo em casa tinha tendência de assumir
tarefas femininas15, particularmente em situações de escassez de comida, razão
pela qual entoavam canções pejorativas tal como a passagem que se segue:
“Você não emigra para a Africa do Sul
Porque você quer controlar a comida nos pratos”.
Segundo Covane (2001:201-202), com os rendimentos do trabalho
migratório os homens podiam pagar o lobolo para a organização de novas famílias
ou alargamento das já existentes lobolando outras esposas, razão pela qual as
mães de emigrantes solteiros e esposas de migrantes que estavam interessadas em
que seus maridos tivessem outras esposas entoassem a seguinte canção:
“Como é que vai casar aquela menina bonita
Oh homem! É uma vergonha gastar todo dinheiro no Djoni
Viste? Até mesmo calças, cinto e pente você não tem
Além disso eu paguei todas as suas dívidas.”
As expectativas que as pessoas tinham sobre a relação entre o trabalho
migratório e a economia rural eram contraditórias sob ponto de vista da
15 Cuidar das crianças, preparar e distribuir a comida.
16
abordagem social16, de acordo com alguns músicos tais como Alberto Mucheca,
Mário Ntimane, Luís Sibanyoni e Mateus Vilanculos, citados pelo Covane
(2001:202).
4.1.3. A nível demográfico e epedimiológico
Segundo Covane (2001:200-202), um grande número de migrantes morria
nas minas e os que regressavam, estavam doentes arrastando consigo doenças
que espalhavam à restante população, razão pela qual a região sul perdeu um
importante número de população masculina, e outros optavam por uma migração
permanente.
Isto significou a perda de milhares de filhos e maridos, o que por sua vez
explica as razões da disparidade assistida no número de casamentos masculinos e
femininos, em que as mulheres eram as mais prejudicadas pois não conseguiam
encontrar parceiros.
Segundo Gaspar (2006:82), o sistema migratório não foi um “paraíso” para as
comunidades rurais, pois teve aspectos negativos devido a natureza do trabalho
pesado, o que implicou índices elevados de mortes e doenças nas minas.
Esta posição corrobora com a de Covane (2001), e nela podemos aferir que
o trabalho migratório trouxe implicações no processo de reprodução familiar, pois
muitas crianças ficaram órfãos de pai e mulheres ficaram viúvas.
16 Desordens nos lares, a economia rural, condições difíceis de trabalho nas minas, a prostituição praticada pelas esposas dos emigrantes e a embriaguez.
17
5. Conclusão
O trabalho migratório no sul de Moçambique no período de 1930 a 1974,
teve um impacto significativo na economia rural, com particular destaque para os
comerciantes locais e administração territorial ao serviço do estado colonial
português, que teve a cobrança de impostos como uma das fontes de rendimento.
Através de convenções e decretos, o estado colonial português conseguiu
criar condições para a exploração do capital mineiro sul-africano resultante do
pagamento deferido dos migrantes moçambicanos, entre outras acções.
Não obstante ter havido benefícios na vida dalguns migrantes moçambicanos,
que investiram na aquisição de insumos agrícolas para a exploração agrícola, a
introdução de planos de fomento agrícola colona, sobretudo no vale do Limpopo,
fragilizou as iniciativas do campesinato. Alguns dos migrantes instruídos que
constituíam a minoria aproveitaram os rendimentos do trabalho migratório para
investimentos, o que lhes permitiu acumular significativas riquezas.
Foi entre a minoria instruída e pequenos agricultores, que como resultado de
seus investimentos emergiram no seio das comunidades rurais, com um status quo
que lhes conferiam uma certa posição social, comparativamente a aqueles cujos
rendimentos não eram investidos para a criação de riquezas amoedáveis. Com os
seus rendimentos os migrantes conseguiram constituir suas famílias e em alguns
casos lobolar mais esposas. Os homens que não iam ao trabalho migratório foram
estigmatizados nas suas comunidades e sua importância social reduzida.
18
Como resultado das mortes que se verificavam nas minas, crianças ficaram
órfãos de pais e mulheres ficaram viúvas nas comunidades rurais. Também milhares
de crianças e mulheres perderam os seus pais que emigravam definitivamente.
19
I. Cronologia
1927- Introdução do repouso obrigatório para mineiros moçambicanos, através do
Decreto de 21 de Maio.
1928- Convenção de 1928 entre o Estado colonial português e a União sul-
africana
1928 - Introdução do trabalho forçado e cultivo de algodão
1929 – Crise económica mundial
1930 – Início de aquisição de charruas por parte de migrantes moçambicanos
1930- Acto Colonial
1934 - Efeitos da crise económica na economia da Africa do Sul.
1939 - Requerimento elaborado por dezasseis comerciantes de Xinavane ao
Governador-Geral para a aprovação de um horário para a paragem de duas horas do
machimbombo de migrantes
1954- Relatório Oficial revela sobre taxas e facturação elevada de cantineiros
roubando aos migrantes
1959- Implementação de planos de fomento
1970-Baixos salários aos mineiros moçambicanos na Africa do Sul
20
II. Bibliografia
Fontes escritas publicadas
1. COVANE, Luís A. As relações económicas entre Moçambique e a África
do Sul, 1850 – 1964: Acordos e regulamentos principais. Maputo: Arquivo
Histórico de Moçambique, 1989 (Pessoal);
2. COVANE, Luís A. O trabalho migratório e a agricultura no sul de
Moçambique, 1920 – 1992. Maputo, 2001 – Cota 94 (679), C873T –
(Biblioteca Central Brazão Mazula);
3. MAIA, Rui. (Coord). Dicionário de Sociologia: Dicionários temáticos.
Porto: Porto Editora, 2002. p.240. Cota: (038)31 D546d – (Biblioteca
Central Brazão Mazula).
Teses
1. CHIFUNGA, Manuel. A Relação entre o Trabalho Migratório e a
Agricultura: Estudo do caso do Distrito de Moamba, 1950-2000. Maputo,
2007 – Cota HT 234 (Biblioteca Central Brazão Mazula);
2. Das Neves, J. O trabalho migratório de Moçambique para Rodésia do Sul,
1913 – 1958/60. [Trabalho de Diploma do grau de Licenciatura]. Maputo:
Instituto Superior Português, 1990 – (Pessoal);
4. GASPAR, N. The reduction of Mozambican workers in South African
mines, 1975 – 1992: A case study of the consequences for Gaza province –
District of Chibuto. Johannesburg: Faculty of Arts of the Witwatersrand,
2006 – gabinete 302 (Departamento de História).
21
Em que consistiu o Programa de Reajustamento Estrutural em Moçambique?
1. Introdução
O presente artigo é subordinado ao Programa de Reajustamento Estrutural
em Moçambique a partir da década de 1980 e nele, pretendeu-se, de uma forma
generalizada, compreender as dinâmicas que se verificaram aquando da sua
implementação em Moçambique tendo em conta a conjuntura interna no contexto da
implementação das estratégias de desenvolvimento determinadas pelo III e IV
Congresso da Frelimo, realizadas em 1977 e 1983, respectivamente, e no contexto
externo relativamente às tendências do comportamento do mercado a nível global.
De uma forma particular, pretendeu-se identificar (i) a situação política,
económica e social em que o país se encontrava na primeira metade da década 80; (ii)
as estratégias, políticas e/ou programas adoptadas pelo governo de Moçambique
após a adesão ao do Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional em 1985;
e (iii) os efeitos do PRE na economia e sociedade moçambicana.
Para a realização deste ensaio, foi realizada a revisão da literatura das obras
de autores que abordaram acerca do contexto do surgimento dos Programas de
Reajustamento Estrutura em África, com destaque para a África Sub-Sahariana,
e muito em particular, Moçambique. Foi feita a análise qualitativa das diferentes
abordagens para se perceber o teor das acções que foram usadas para a
22
operacionalização do PRE, assim como os seus efeitos imediatos e de médio termo,
tendo em conta a estrutura política, económica e social que prevalecia até 1985.
2. O contexto dos Programas de Reajustamento Estrutural
De acordo com ADEPOJU (1996:12), nos finais de 1970 e princípio da
década de 1980, a maior parte das economias da África Sub-Sahariana conheceram
uma forte recessão17, a inflação subiu em flecha devido à insuficiência da produção
interna e à insuficiência de divisas provenientes das exportações, as despesas
públicas ultrapassaram as reservas, o que deu origem a um endividamento interno do
sector público em relação ao privado e por sua vez, a dívida externa também cresceu,
ficando ao mesmo nível dos défices orçamentais, tornando ainda mais difícil o serviço
da dívida, que é feito em divisas.
Para o caso de Moçambique, que herdou uma estrutura económica baseada
no trabalho migratório, sector de transporte e na agricultura, durante a transição para
uma nova política de desenvolvimento agrário entre 1974 e 1977, a produção agrária
comercializada total decresceu em 43%18, devido por um lado, ao abandono dos
colonos do sector capitalista e desinvestimento nas plantações, o que afectou o
abastecimento do mercado doméstico, em especial nas zonas urbanas e as
exportações, e por outro lado, ao facto do campesinato ter regressado ao modo de
17 Em vários países o PIB estagnou, enquanto o crescimento demográfico continuou a um ritmo anual de 3%. As exportações baixaram em volume e em valor, ao mesmo tempo que os preços dos produtos comercializáveis diminuíam de forma espectacular, acompanhado por fortes constrangimentos em matérias de divisas, provocados pela subida relativa do valor de importações. 18 Cresceu em -43%, com os seguintes valores sectoriais: sector camponês (-60%), sector capitalista colonial (-54%), e plantações (-16%).
23
produção pré-capitalista, (Castelo-Branco, 1994:46-47). Em 1977, o III
Congresso da Frelimo, adoptou oficialmente para a área da agricultura, a estratégia
de colectivização do campo, assente no sector empresarial estatal como forma de
produção dominante, e no sector cooperativo. O sector estatal agrário, com 90% de
investimentos, visava satisfazer as metas do plano de volumes de produção e o
desenvolvimento das forças produtivas no campo (Castelo-Branco, 1994:54;
Mosca, 2005:13). No mesmo congresso, o estado adoptou a estratégia de
desenvolvimento industrial acelerado designada Plano Prospectivo Industrial (PPI)
cuja sua aprovação ocorreu em 1981, assente na alocação administrativa de recursos
por via da planificação centralizada no estado, com prioridade nos investimentos de
raiz visando a construção das bases essenciais da indústria básica moderna em dez
anos (Castelo-Branco, 1994:99).
Os sectores familiar, cooperativo e privado, com um pouco mais de 5% do
investimento, até 1981, ressentia-se de falta de factores de produção, tais como
enxada importada, não obstante a produção nacional ter diminuído para metade, dada
a falta de divisas para importar insumos e para reabilitar o equipamento industrial
(Castelo-Branco, 1994:59; Wuyts, 1989:60). Como resultado da estratégia de
colectivização do campo, concretamente no sector agrário estatal, a concentração de
investimento, a redução das oportunidades de emprego mais estável, a ruptura dos
circuitos de comercialização e extensão, e o controle administrativo dos preços aos
produtores e consumidores19, deixaram o campesinato com menos rendimento
19 Do qual só os comerciantes, transportadores e produtores médios ou grandes tiravam proveito através do Mercado paralelo.
24
monetário e sem factores de produção, e agravou a crise deste sector20 (Castelo-
Branco, 1994:62; Wuyts, 1989).
Aquando da realização do IV Congresso da Frelimo, em Abril de 1983, já se
faziam sentir com grande intensidade a crise económica21 e os efeitos demolidores da
guerra de agressão contra Moçambique, o padrão de acumulação centrado no sector
estatal e que negligenciou o sector familiar e o privado foi alvo de duras críticas.
Como corolário, foi adoptada a nova estratégia que deu primazia ao
redimensionamento e reorganização do sector estatal para uma produção eficiente, o
que favoreceu alguns ajustamentos, particularmente no que se refere ao alargamento
do centro de acumulação, através da redução da centralização resultante da
estratégia anteriores (Castelo-Branco, 1994:64).
3. A abertura de Moçambique ao Ocidente a partir de 1982/83
Com as crises que foram se verificando no sector agrário e industrial no
contexto da implementação das estratégias definidas no III Congresso da Frelimo a
experiencia do modelo socialista do governo moçambicano falhou22. Moçambique
20 As cooperativas não desenvolveram e nem ofereceram alternativas ao campesinato, daí que os camponeses passaram a ter de trabalhar nas suas machambas familiares e nas empresas agrícolas, procurar emprego fora do distrito e muitas vezes nas maiores cidades, assim como trabalhar nas cooperativas, apesar destas não terem funcionado como unidades produtivas, mas sim como distribuidores de bens de consumo e factores de produção (Castelo-Branco, 1994:63). 21 Queda de exportações em 50%, diminuição de importações em um terço e aumento do défice comercial com o valor das importações igual a 5 vezes o das exportações, e a produção das principais culturas de exportação e para o mercado interno havia baixado signitivamente. As reservas de moeda externa haviam sido esgotadas, pelo que a estratégia de investimento baseada em importações era impossível de manter. 22 Moçambique não é reconhecido como um país socialista, mas sim de orientação socialista, o que a par de outros factores económicos contribui para que não fosse admitido no COMECON, perdendo por essa via o acesso através deste organismo a recursos e relações económicas e políticas diferentes (Mosca, 2005:8).
25
sentiu-se na contingência de abrir-se ao Ocidente a partir de 1982, para obter apoio
económico junto às agências doadoras internacionais, após ter sido rejeitada sua
filiação no COMECON, o que implicou a necessidade de proceder uma série de
reformas23(Bown, 2000:189; Mosca, 2005:8-9). Assim, Moçambique aderiu em
1985, ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, tendo procedido a
liberalização dos preços dos produtos, privatização de empresas24 e activos sob
propriedade ou intervenção de Estado a favor do sector privado e campesinato mais
próspero. Em 1987, o governo adoptou o Programa de Reabilitação Económica25,
que a partir de 1991, passou a denominar-se PRES26 (Castelo-Branco, 1994:89).
4. Os efeitos do PRE na economia e na sociedade moçambicana
Na verdade, e corroborando com Castelo-Branco, o PRE tornou-se mais um
programa de saneamento das contas nacionais e dos balanços com o exterior, do que
de reabilitação da economia, uma vez que não ofereceu políticas alternativas para a
crise económica, tendo servido apenas para a consolidação da estrutura ineficiente e
dependente da indústria, com reflexos na crise dos anos 90.
23 (1) Prioritarização regional, (2) Descentralização administrativa, (3) Liberalização da actividade comercial e, (4) Alocação de recursos com base no pragmatismo económico e não ideológico. 24 Considerado m dos pilares centrais do processo de liberalização do ambiente económico. 25 Programa que consistiu na adopção de uma estratégia de reabilitação que não transformou o tecido industrial, uma política macroeconómica demasiado restritiva e desligada de objectivos de desenvolvimento e uma política de financiamento totalmente dependente de recursos externos. 26 Programa de Reabilitação Económica e Social.
26
Com a onda das privatizações, das empresas geridas pelos novos
proprietários, desprovidos de experiência estes faliram, tendo levado ao desemprego
milhares de operários. Esta situação aumentou nas zonas urbanas a instabilidade
política, enquanto que nas zonas rurais, os camponeses que não haviam se
beneficiado pela liberalização dos preços continuaram pobres em termos de
comercialização dos seus produtos, aumentando a inflação e reduzindo o poder de
compra entre outras situações (Bown, 2000:202). Com o PRE assistiu-se a perda
da capacidade do Estado devido à saída de quadros classificados e a consequente
redução da soberania sobre um conjunto de matérias; diminuição de recursos e
consequente redução da oferta dos serviços básicos; criação de organismos
reguladores que se tornaram reféns dos interesses económicos e incapazes de
arbitrar os conflitos de interesses, regular actividades de que são responsáveis;
instalação de uma economia desregrada27, onde o negócio, as funções publicas, a
corrupção e o crime surgem muitas vezes associados dando lugar a uma elite de
“renda” (Mosca 2005:20).
5. Conclusão
Em suma, podemos aferir que com a estratégia de acumulação centralizada de
recursos através de colectivização do sector agrícola, adoptada no III Congresso da
Frelimo em 1977, e a consequente adopção da estratégia do desenvolvimento
acelerado circunscrito no PPI aprovado em 1981, marginalizando por essa via o
27 Mercados informais e negócios com transparências duvidosas consideradas economias subterrâneas, em que há prática de actividades ilícitas, ilegais ou mesmo criminosas.
27
sector privado e familiar no processo produtivo, houve o agravamento da crise na
economia de Moçambique. O facto de Moçambique ter sido rejeitado no
COMECON para acesso a recursos vitais para a implementação das suas
estratégias, inculcou ao Estado Moçambicano a única alternativa de se abrir ao
Ocidente para a busca de apoios financeiros para salvar a economia que já estava no
seu colapso. Como resultado do IV Congresso realizado em 1983, Moçambique
acabou atrelando às IBW (FMI e BM) em 1985, o que implicou a necessidade de
inicio antepado do processo de reformas graduais do sistema económico e político
até a adopção do PRE em 1987, e posteriormente do PRES em 1991.
28
Cronologia
1977 – Realização do III Congresso da Frelimo e adopção da estratégia de colectivização do campo (acumulação centrada no Estado);
1978 – As empresas agrárias ocupavam 100 mil hectares de terra cultivável;
1981 – Aprovação do Plano Prospectivo Indicativo; Moçambique é rejeitado no
COMECON;
1983 – Realização do IV Congresso da Frelimo, onde se adopta a nova estratégia
de redimensionamento e reorganização das empresas agrárias;
1985 – Adesão de Moçambique ao sistema do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional; Início das privatizações
1986 – O Governo inicia o ensaio do programa de reforma económica;
1987 – Entrada em vigor do Programa de Reabilitação Económica (PRE) no mês
de Janeiro;
1991 – O Programa passa a denominar-se PRES
29
Bibliografia
ADEPUJO,
BOWN, Merle. The state against the peasantry: Rural struggles in colonial and postcolonial Mozambique. Virgínia: University Press of Virgínia, 2000. Pp. 185-210 GOBE, Artur. A situação económica do país. In: Castelo-Branco, Carlos Nuno
(org.). Moçambique, Perspectivas económicas. Maputo: UEM/FFE, [s/d]. pp. 4-
30
HEIMER, F. W. Bibliografia sobre crise, ajustamento estrutural e democratização
em África, com especial atenção à África da língua oficial portuguesa. In: Revista
Internacional de Estudos Africanos, 14/15, 1991.
MOSCA, João. Economia de Moçambique, Século XX. Lisboa: Editora Piaget,
2005.
WUYTS, Marc. Gestão económica e política de reajustamento em Moçambique. In: Estudos Moçambicanos, 8. 1990. pp. 97-124.
30
Objectivos e estratégias do nacionalismo Afrikaner, 1914-1948
1. Introdução
Este artigo é subordinado ao nacionalismo, que de uma forma particular,
efervesceu no seio da população de raça bóer na África do Sul poucos anos depois
da fundação da União das Repúblicas Sul-africanas, tendo conhecido uma dinâmica
não alheia à conjuntura de natureza interna e externa vividas no perímetro das duas
guerras mundiais.
Na verdade, o ano de 1914, neste ensaio justificou-se pelo facto de Botha e
Smuts, na qualidade de chefes políticos Afrikaners terem decidido ajudar e a
conduzir uma guerra em África a favor dos britânicos contra a Alemanha no contexto
da primeira guerra mundial, enquanto que 1948, foi o ano que o Partido Nacional
Afrikaner liderado por Dr. Malan ganhou as eleições que deram lugar à radicalização
da política de segregação racial configurando-a no apartheid.
Com este trabalho pretendeu-se de um modo genérico, compreender as
dinâmicas do processo da formação e evolução do nacionalismo Afrikaner na África
do Sul, no período acima indicado, e de uma forma particular, pretendeu-se (1)
identificar os principais objectivos e estratégias do nacionalismo Afrikaner; e (2)
analisar a situação política, sócio-económica e cultural dos Afrikaner no período de
1914 à 1948.
31
Para a realização deste trabalho foi feita a revisão bibliográfica de obras
disponíveis no Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane.
2. Contextualização
Na análise desta temática é pertinente que se diga que o tratado de
Vereeniging que pós o fim da guerra Anglo-Boer em 1902, criou condições para a
criação do Estado segregacional que se confirmou na África do Sul em 1910,
unindo as colónias britânicas (Cabo e Natal) e os estados boers (Orange e
Transvaal), embora sob o controlo económico britânico.
O governo da União Sul Africana, após a promulgação da “The mines and
Works Act” de 1911, promulgou em 1912, a Lei de Fomento de Terras com o
objectivo de aplicar os lucros de mineração de maneira a ajudar na capitalização da
agricultura Afrikaner, e no ano seguinte, os interesses da classe dos agricultores
capitalistas Afrikaners e dos capitalistas da indústria mineira foram combinados na
Lei das Terras dos Nativos, o que constituiu uma barreira contra o campesinato rico
africano que ficou desprovido de áreas de produção para o abastecimento das
cidades.
Para além do campesinato africano, a Lei das Terras dos Nativos também
teve implicações no seio dos afrikaners pobres e dos pequenos proprietários
agrícolas afrikaners no Transvaal e no Estado Livre de Orange, que viram-se
despojados pelo avanço das grandes propriedades afrikaners capitalistas, tendo
emigrado para as cidades onde tornaram-se proletários. Nas cidades, a classe
operária branca era composta não apenas por ingleses, mas também por afrikaners
32
pobres e procuraram assegurar emprego nas minas onde às vezes competiam com os
negros para os empregos semi-especializados. Assim, os afrikaners pobres
desenvolveram um embrião de consciência nacionalista Afrikaner que foi catapultado
em 1914, quando entre os antigos dirigentes afrikaners que tinham participado na
guerra Anglo-Boer, alguns opuseram-se de prestar apoio aos britânicos na primeira
guerra mundial, facto que deu azo como alternativa, a formação do Partido Nacional
de Malan e Hertzog, na província de Cabo.
3. Evolução do nacionalismo Afrikaner
Como referimos anteriormente, a evolução do nacionalismo Afrikaner
conheceu uma dinâmica variável que não pode ser vista apenas tendo em conta a
conjuntura interna se considerarmos que a África do Sul participou nas duas guerras
mundiais cujos efeitos também tiveram implicações nas suas estruturas políticas,
económicas e sociais. Para percebermos as dinâmicas da evolução do nacionalismo
Afrikaner no período em estudo, propomo-nos a sistematizá-lo em sub-períodos,
considerando as principais características e tendo em conta os objectivos e
estratégias do nacionalismo.
33
3.1. Período de 1914 – 1924
A formação do Partido Nacional Afrikaner28 em 1914, com orientação
política anti-britânica, republicana e anti-capitalista foi o primeiro marco oficial do
surgimento do nacionalismo Afrikaner.29
Os objectivos do nacionalismo Afrikaner eram de (1) impor a segregação
racial aos africanos, (2) impor o reconhecimento de cultura e língua Afrikaans como
oficial na comunidade bóer, e (3) assegurar o emprego de trabalhadores Afrikaners
nas minas.
O facto de politica e economicamente os Afrikaners considerarem-se
“reduzidos à escravos na sua própria terra”, originou à fundação de vários partidos
nacionalistas, que incluiu a formação da Mutual Aid30, para além de uma empresa
jornalística e outra de seguros.31 É nesta conjuntura que surge a Afrikaner
Broederbond32 em 1918, resultante da divisão entre a população bóer, que acusava
as diferenças entre a pequena burguesia urbana do sul e a pequena burguesia rural
do norte, que serviu como principal suporte.33
Estrategicamente, após a greve dos operários brancos em 1922, que
protestavam contra o crescente emprego dos negros nas minas em seu detrimento, a
fracção de liderança Afrikaner de Hertzog propôs a protecção dos empregos dos 28 Fundada na cidade de Cabo e liderado por Malan e Hertzog. 29 Hofmeyr (s/d:107). 30 Associação de Ajuda Mútua, destinada para apoiar os chefes Afrikaners presos que se insurgiram contra a participação sul-africana na guerra mundial ao lado da Grã-Bretanha. 31 Manual de História da 10ª classe, 1982:56. 32 Organização de homens brancos, de língua Afrikaans, protestantes, com um mínimo de 25 anos, de carácter impecável, que considerem a África do Sul como sua terra-mãe, e que funcionou como sociedade secreta a partir de 1922. 33 Idem.
34
trabalhadores brancos, o que serviu de catalizador de simpatia dos Afrikaners e do
sector de trabalhadores brancos ingleses que apoiava o governo de Smuts, tendo se
traduzido na subida ao poder do Partido de Hertzog, paralelamente ao Partido
Trabalhista em 1924.34
Para impor a cultura e língua afrikaans, os boers instituíram vários concursos e
prémios literários que encorajaram pessoas a escreverem acerca do afrikaans. Assim,
a diversidade da literatura afrikaans proveniente de várias regiões, tradição intelectual
e mesmo de autores de classes sociais aumentou.35
3.2. Período de 1924 – 1933
Após a greve dos operários brancos, foram promulgadas várias leis36
assegurando o emprego de brancos na indústria mineira. Durante este período, a
Afrikaner Broederbond foi integrada no Partido Nacional, tendo sido reorganizado
no final dos anos 20, com a formação de uma frente cultural (Federasie van
Afrikaanse Kultuurverenigings) em 1929, que rapidamente dominou a vida cultural
Afrikaans. Podemos assim dizer, que entre os objectivos do nacionalismo Afrikaner
neste período, visava promover a cultura e os interesses comerciais e industriais
Afrikaner.37
A crise capitalista de 1929/31, que afectou a economia sul-africana no sector
agrícola implicou na fusão entre os partidos de Hertzog e Smuts. Esta fusão,
34 Manual de História da 10ª classe, 1982:37. 35 Hofmeyr (s/d:108-109). 36 Incluindo a Lei The mines and Works Amendment Act de 1925. 37 O’Meara (1979:3).
35
originou a separação de uma parte de Afrikaners do partido de Hertzog, e que
formou o novo partido nacionalista liderado por Malan.
3.3. Período de 1933 – 1948
A partir de 1933, o objectivo central do nacionalismo Afrikaners era de
assegurar o poder do estado para promover os interesses económicos dos afrikaners
sobre os dos ingleses. As estratégias adoptadas para a materialização deste
objectivo consistiram em organizar em sindicatos e grupos culturais, aqueles
Afrikaners proletarizados e empobrecidos pelo crescimento da agricultura, e que
foram forçados a deixar a sua posição nas zonas rurais. Em certa medida, esta classe
de trabalhadores brancos especializados começou a apoiar o instrumento do
nacionalismo Afrikaner durante os anos 1933-45.38
A Afrikaner Broederbond começou a organizar abertamente nos anos trinta,
o capital “Afrikaans” nas províncias do Norte. Em 1934, fundou estrategicamente as
instituições financeiras39 e mais tarde (1939) organizou o congresso económico que
resultou na fundação de outras instituições40 financeiras para assegurar a
providência económica da comunidade nacionalista Afrikaner no intuito de criar
condições para o alcance dos seus objectivos.41
Após a vitória do Partido Nacionalista Afrikaner nas eleições de 1948, o seu
objectivo passou a ser o de unificar os Afrikaners, quer ricos, quer trabalhadores,
38 Manual de História da 10ª classe, 1982:35. 39 Uniewinkels e o Banco cooperativo Volkskas. 40 Federale Volksbeleggins, Die Afrikaanse Handelsinstituut e outras numerosas instituiçoes. 41 O’Meara (1979:4).
36
com uma nova abordagem sobre a sua história e cultura comum42, contra os ingleses
que ficavam facilmente separados em termos de língua e história.43
4. Conclusão
A evolução do nacionalismo Afrikaner no período de 1914 a 1948 teve
objectivos e estratégias com características diferentes tendo em conta aspectos de
conjuntura interna e externa. A eclosão da primeira guerra mundial criou a
fragmentação no seio dos Afrikaners, principalmente naqueles que não concordaram
em apoiar a Grã-Bretanha e que por essa razão, decidiram fundar e/ou aliar-se ao
Partido Nacional Afrikaner.
Após a fundação deste partido, notou-se que os objectivos do nacionalismo
Afrikaner até 1924, eram de impor a segregação racial aos africanos, impor o
reconhecimento de cultura e língua Afrikaans como oficial na comunidade bóer, e
assegurar o emprego de trabalhadores Afrikaners nas minas. Depois da vitória do
Partido Nacional Afrikaner em 1924, os objectivos do nacionalismo Afrikaner até
1933, visavam promover a cultura e os interesses comerciais e industriais Afrikaner.
Foi assim que no período de 1933 a 1948, o objectivo central do nacionalismo
Afrikaner passou a ser o de assegurar o poder do estado para promover os
interesses económicos dos Afrikaners sobre os dos ingleses.
42 Língua e religião Afrikaner. 43 Manual de História da 10ª classe, (1982:38).
37
Cronologia
1902 – Tratado de Vereenining;
1910 – Formação da União Sul Africana;
1911 – The mine and Works Acts;
1912 – Promulgada a Lei de Fomento de Terras;
1913 – Promulgada a Lei de Terra;
1914 – Botha e Smut decidiram ajudar e a conduzir uma guerra em África a favor
dos britânicos contra a Alemanha;
1914 – Formação do Partido Nacional de Malan e Hertzog, na província de Cabo;
1918 – Formação da Afrikaner Broederbond;
1922 - Greve dos operários brancos;
1924 – Subida ao poder do Partido Nacional Afrikaner de Hertzog;
1925 – Promulgação da The mines and Works Amendment Act de 1925;
1929 – Formação de uma frente cultural (Federasie van Afrikaanse
Kultuurverenigings), após a integração da Afrikaner Broederbond no Partido
Nacional;
1929 – Início da crise económica mundial;
1933 - Assegurar o poder do estado para promover os interesses económicos dos
Afrikaners sobre os dos ingleses, passou a ser o objectivo central do nacionalismo
Afrikaner;
1934 – Fundação das instituições financeiras (Uniewinkels e o Banco cooperativo
Volkskas);
38
1939 – Afrikaner Broederbond realizou o congresso económico que resultou na
fundação de outras instituições (Federale Volksbeleggins, Die Afrikaanse
Handelsinstituut e outras);
1948 – O Partido Nacional Afrikaner liderado por Dr. Malan ganhou as eleições na
África do Sul;
39
Bibliografia
Hofmeyr, I. Building a national worlds: Afrikaans language, literature and ethnic
identity, 1902-1924
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Manual de 10ª Classe História.
Maputo: UEM, 1982, pp.55-60.
O’Mera, D. Volkscapitalisme. Class, Capital and Ideology in development of
Afrikaner Nationalism, 1934-1948. Cambridge, 1983.
O’Mera, D. Sindicalismo branco, poder político e nacionalismo afrikaner,
UEM/CEA, texto de apoio 31 (Resenha por O’Mera do livro de L. Naude, Dr.
A. Hertzog, Die Nasionale Partei en die Mynwerkers, Pretória, 1969.
40
Como se explica a crise económica sul-africana a partir dos anos 1980?
1. Introdução
A crise económica que se verificou na África do Sul a partir de 1980,
assolou o regime sul-africano num contexto em que a conjuntura política e económica
a nível nacional e internacional era favorável para tal ocorrência.
Com este artigo pretendeu-se de um modo genérico, compreender as
dinâmicas da crise económica sul-africana a partir dos anos 1980. De uma forma
particular, pretendeu-se (1) analisar a situação sócio-económica e política sul-
africana nos finais da década de 1970; e (2) identificar as principais crises da política
económica sul-africana a partir de 1980 até a queda do apartheid.
A pergunta que o texto a seguir pretendeu responder foi formulada no
sentido de explicar a crise económica sul-africana a partir dos anos 1980.
Para a realização deste ensaio foi feita a revisão bibliográfica de obras
disponíveis no Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane.
Privilegiou-se a análise quantitativa dos dados estatísticos da situação económica da
África do Sul oferecidas pelos autores das obras usadas, e análise qualitativa para
apurar o clima da situação económica tendo em conta a conjuntura nacional e
internacional
41
2. Contextualização
No final da década 60, o clima de investimentos na África do Sul era
caracterizado por facilidades relacionadas com existência de mão-de-obra barrata a
par da legislação44 em vigor, o que implicava baixos custos de produção. A indústria
secundária tendeu a se expandir sem que houvesse muito capital e mão-de-obra
qualificada para atender a novas tecnologias. Segundo a legislação, só brancos é
que podiam ocupar postos especializados, não obstante serem em número reduzido.
Como resultado, a indústria não se expandiu por falta de técnicos qualificados45, e a
baixa qualificação dos africanos era o resultado de uma política de educação do
apartheid que os descriminava.46
As independências de Moçambique, Angola e Zimbabwe nas décadas 70-80,
serviram para despertar a consciência sócio-económica e politica da região Austral e
a África do Sul passou a representar um foco de tensão na zona, face ao sistema do
Apartheid. Mas, a pressão internacional para acabar com o sistema do Apartheid já
vinha sendo desencadeado antes da década 70, a título do exemplo, o facto de em
1963, o Conselho de Segurança das Nações Unidas ter aprovado a Resolução nº
181 que propunha que os estados membros interrompessem a venda de armas a
África do Sul.
44 Leis do sistema do apartheid 45 Insuficiência de brancos devidamente qualificados para ocupar os postos especializados. 46O fim do Julgamento de Rivónia marcou o início dum período próspero para o sector económico sul-africano, impulsionado pelo investimento externo. Essa situação tornou o país um ponto”atraente” para os grandes grupos financeiros e económicos mundiais, mas também tornou a África do Sul “vulnerável” a situações económicas mundiais (Castelo Branco, 2003:85).
42
No final década 70, com a subida ao poder do Peter Botha, verificam-se as
primeiras reformas47 do regime do apartheid e na década 80, assistiu-se ao
derradeiro momento de acção tendente a levar ao fim do Apartheid, quando os
países (importantes investidores na estrutura económica sul-africana) levaram a cabo
campanhas de desinvestimento, que tiveram maior impacto e influenciaram a crise
interna na África do Sul.
3. Crise económica a partir de 1980
O ano de 1980 foi marcado por uma estagnação em termos do crescimento da
produção, inflação na ordem dos 13% por ano, fraqueza da moeda (rand), permanente
declínio em reservas nos negócios estrangeiros, e historicamente uma baixa taxa de
crescimento económico48, causado por uma intervenção do governo com uma política
(do apartheid) inapropriada para o desenvolvimento da economia do país.49 Estes
problemas estão relacionados com a crescente manifestação de acumulação de crises
do capitalismo sul-africano que se registaram desde os anos 1974, e que afectou os
sectores de produção como a indústria secundária, agricultura e mineração, bem como
os mercados financeiros e laboral que sem dúvida, constituíam a“espinha dorsal” da
economia da África do Sul (Gelb, 1991:1-2)50.
47 A nível do sindicato, da urbanização e constitucional, inseridas na componente interna de estratégia global. 48 Caracterizado por tendência crescente do desemprego e não criação de novas oportunidades de emprego no sector das manufacturas. 49 Veja nas tabelas 1 e 2, os dados comparativos do ritmo do crescimento económico na África do Sul de 1946 a 1985-8. 50 A primeira fase da crise registou-se desde meados de 1974 até 1978, caracterizado pela recessão e emergência de estagnação internacional com a subida do preço do combustível no contexto da revolução Iraniana.
43
O investimento estrangeiro na África do Sul registou em 1980, uma média de
20%, contra 5% em 1984. No mesmo período, a dívida externa era de 16,9 biliões de
dólares, contra 24,3 biliões de dólares em 1984. No que se refere aos empréstimos a
curto prazo51, a África do Sul registou 19% em 1980, contra 42 em 1984
(O’MEARA, 1996:329). Dai que, a pressão desses circuitos financeiros ao
sistema do Apartheid para “humanizar” o sistema acabaram favorecendo a
sindicalização52, aumento da consciencialização e algumas reformas políticas53. Essa
situação permitiu que de 1984-85 se despoletasse uma vaga de luta de massa
coerente e activa que obrigou o presidente Botha a recorrer ao Estado de
emergência para “travar” essa manifestação em 20 de Julho de 198554. Essa pressão
visava no fundo tornar o ambiente económico sul-africano favorável, como havia sido
na década 60-70, e que Botha no seu discurso de “Rubicon” havia feito desaparecer
(O’MEARA, 1996:330).
A queda do preço de ouro em Outubro de 1987 confirmou a tendência cada
vez mais galopante da crise económica sul-africana. Isto significou que o ouro e outros
minerais não seriam suficientes para assegurar a economia, não obstante o facto de
os acordos referentes a 1986 e 1987, rubricados por Pretória com os credores
internacionais, na ordem de 14 biliões de dólares terem sido congelados até Junho de
1990 (O’MEARA, 1996:354-355). A segunda fase está relacionada com a transformação do sistema financeiro internacional para a liberalização cambial e monetarização (Gelb, 1991:24-25. 51 Empréstimos com efeito nas obrigações estrangeiras. 52 Tal como foi o surgimento, em 1982, do mais influente sindicato das minas designado NUW. 53 Com o objectivo não de acabar com o Apartheid, mas de reformulá-lo de acordo com a Constituição de 1981. 54 Ressalvar que um ano depois, isto é, em Junho de 1986, o regime sul africano decretou novamente o Estado de Emergência.
44
Os investimentos americanos na África do Sul estavam concentrados em
áreas chave do sistema económico sul-africano como são as áreas da indústria
petrolífera, da electrónica, da exploração de ouro e dos mineiros estratégicos
(O’MEARA, 1996:358). A nível regional a situação política jogava a favor dos
movimentos Anti-Apartheid55 e a nível mundial como uma “bola de neve” o movimento
contra o desinvestimento foi-se alargando a vários quadrantes. Significa que quando
Reagan chega ao poder nos EUA inicia a politica de “engajamento construtivo” em
1985 que visava levar o sistema sul-africano a reformas graduais do Apartheid, mas
sem por em risco os interesses económicos das empresas americanas. Dai que essas
empresas iniciaram campanhas de promoção de benefícios sociais para os
trabalhadores negros. Mas porque a luta interna na África do Sul intensifica-se, as
campanhas Anti-Apartheid nos EUA ganharam campo, levando a que a
administração de Reagan cedesse, iniciando assim uma longa campanha de
desinvestimento, tendo como principais medidas, (i) interditar as importações de ouro
sul-africano em barras “Kruggerrands56”, e (ii) proibir a exportação de produtos de
alta tecnologia, fundamentais para a indústria sul-africana (Black, 1991:156).
Segundo O`MEARA (1996: 329), esse desinvestimento envolvia cerca de
604 milhões de rands. Entre Setembro de 1984 e Setembro de 1985, uma média de
18 companhias americanas retiraram-se e/ou reduziram suas acções, investimento
calculado em milhões de libras. Portanto, o desinvestimento americano contribuiu 55 Com as independências regionais os movimentos Anti-Apartheid passaram a ter retaguarda segura e também a
SADCC passou a constituir preocupação para o governo sul-africano. 56 Até 1984 Kruggerrands representava uma fonte de investimento segura e rentável e representava 80%
das vendas anuais de ouro da África do Sul.
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significativamente para agravar a situação económica e política na África do Sul, e o
veto americano contra empréstimos do Fundo Monetário Internacional e do Banco
Mundial a África do Sul em 1983 “jogou” também papel decisivo.
Os movimentos Anti-Apartheid ingleses impulsionados pelos congéneres
americanos conseguiram que as campanhas de desinvestimento produzissem alguns
resultados. Calcula-se que Barclays tenha retirado 82 milhões de moedas esterlinas,
se comparado com a de outros grupos contribuintes em 1983. Essa retirada parcial
da Barclays na África do Sul representou uma vitória importante do movimento
Anti-Apartheid pois essa multinacional tinha um volume de negócios de 12 biliões de
rendas.
4. Conclusão
A partir da segunda metade da década 70, assiste-se na África do Sul, uma
progressiva estagnação do ritmo do crescimento económico nos sectores de
produção como a indústria secundária, agricultura e mineração, bem como os
mercados financeiros e laboral causada pela crescente manifestação de acumulação
de crises do capitalismo sul-africano que se registam desde os anos 1974. A crise
económica que se verificou a partir de 1980 resulta da acumulação dessas crises no
sistema do capitalismo sul-africano, o que implicou o seu agravamento tendo em conta
a conjuntura interna (mudança da constituição como resultado das reformas, aumento
de reivindicações de massas, etc.) e externa no concernente às campanhas de
desinvestimento dos principais grupos capitalistas dos países Ocidentais.
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Contudo, o agravamento da instabilidade política na África do Sul e a
consequente crescente deterioração da situação económica, aliada a pressão dos
grupos Anti-Apartheid em alguns países, fundamentalmente EUA, determinou o
início das campanhas de desinvestimento. Estas campanhas levaram à subida da
inflação, baixa de preço de ouro, desemprego e deu força aos movimentos sindicais
para a réplica de greves, obrigando assim os líderes do Apartheid para que se
aproximassem ao ANC com vista a discutir o futuro da região e do país em particular.
47
Cronologia 1963 – Aprovação pelas Nações Unidas da Resolução nº 181;
1981 – Aprovação da nova Constituição na África do Sul, e liberalização do preço
do ouro na RSA;
1982 – Criação do sindicato das minas (NUM);
1983 – Lei americana “The Gramm Amendment” que proíbe empréstimo do FMI à
África do Sul.
1984 – Manifestações de massas na África do Sul;
1985 – Declaração do Estado de Emergência na África Sul no mês de Julho;
Proibição pelos EUA da exportação de computadores e compra de
Kruggerrands,
1986 – O Governo decreta o novo Estado de Emergência no mês de Junho
1989 – Subida de Frederich d’Klerk ao poder na África do Sul
1990 – Início da retirada em massa das sanções internacionais;
48
Bibliografia
Black, A. Manufacturing development and the economic crisis: a reversion to primary
production? In: Gelb, S. South Africa’s economic crisis. Cape Town: David Philip,
1991. pp. 156-174. – (Departamento de História da UEM)
Castelo Branco, L. A política externa sul-africana: do apartheid à Mandela. (Tese
elaborada para obtenção do grau de doutoramento em estudos africanos e
interdisciplinares em ciências sociais, na especialidade de relações internacionais em
África). ISCTM, 2003.
Gelb, S. (ed). South Africa’s economic crisis: an overview. In: Gelb, S. South
Africa’s economic crisis. Cape Town: David Philip, 1991. – (Departamento de
História da UEM)
O’ Meara, D. Forty lost years: The apartheid state and the politics of the national
party. Randburg, 1996. pp. 169-189; 328-332; 354-366– (Departamento de
História da UEM)
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Anexo
Tabela 1 Média da Taxa de Crescimento do PIB (1980=100)
Ciclo de negócios Pico
Crescimento anual %
1946-8 5.6 1949-51 6.8 1952-5 5.1 1955-7 4.5
1958-60 4.1 1960-5 5.8 1965-7 4.2
1967-70 4.9 1971-4 7.8
1974-81 2.6 1981-4 0.0 1984-8 1.8
Fonte: Gelb, S (ed). South Africa’s economic crises. David Philip, Cape Town, 1991. p 4.
Tabela 2. PIB e crescimento das manufacturas 1946-85
Manufactura
Produção (%)
Manufactura
Empregados (%)
Total PIB
(%)
1946-1950 9.1 6.6 4.7
1950-1955 7.5 3.0 4.8
1955-1960 4.5 0.9 4.0
1960-1965 9.9 6.8 6.0
1965-1970 7.4 3.2 5.4
1970-1975 6.0 4.1 4.0
1975-1980 4.1 1.5 3.4
1980-1985 -1.2 -1.2 1.1
Fonte: Black A. Manufacturing development and the economic crisis: a reversion to primary production? In: Gelb, S. South
Africa’s economic crisis. Cape Town: David Philip, 1991. pp. 157.