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Maurice Merleau-Ponty Fenomenologia da percepção

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Page 1: Maurice Merleau-Ponty Fenomenologia da percepção

Maurice Merleau-PontyFenomenologia da percepção

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Biografia Francês. Nascido em 14/03/1908. Formado em filosofia em 1931, em Paris, pela Escola

Normal Superior. Lecionou em vários liceus naquela cidade. Participou da 2ª Guerra Mundial, como oficial do

Exército, entre 1939 e 1940. Após este período, voltou a lecionar, tendo também

participado da Resistência francesa ao nazismo. Em 1945, alcança o doutoramento, tendo como tese “A

fenomenologia da percepção”. No mesmo ano ingressa como docente na Universidade de Lyon.

Ainda em 1945, fundou com Jean-Paul Sartre a revista “Os tempos modernos”, da qual foi co-editor e intenso colaborador até o ano de 1952.

Rompeu com Sartre, em razão de divergências políticas evidenciadas principalmente por ocasião da Guerra da Coréia.

Em 1949, passa a ensinar na Sourbonne, também ocupando as cadeiras de Psicologia e Pedagogia, além de Filosofia.

Em 1952, passa a lecionar no conceituado Collège de France, onde permanece até sua morte, em 03/05/1961, aos 53 anos.

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Contexto histórico

O autor vivenciou as duas grandes guerras. Participou de forma direta dos conflitos da 2ª Guerra Mundial. Período marcado por intensas tensões políticas. No pós-guerra, tem início a Guerra Fria. De orientação política marxista, vivenciou intensamente estas

tensões. Também estava inserido no contexto cultural, literário, filosófico e

político do existencialismo francês. Engajado com a posição comunista, da qual passa a divergir a

partir da gradual revelação dos abusos do stalinismo.

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Influências filosóficas

Fenomenologia (Husserl)

A Fenomenologia é, nas palavras de Merleau-Ponty, o estudo das essências. O que interessa não é o mundo que existe, mas o modo como o conhecimento do mundo se dá para cada pessoa. “A verdade está no conhecimento das essências.”

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Influências filosóficas Psicologia (Gestalt) – Também chamada psicologia da forma.

Tem como ponto de partida o estudo da percepção. Entre o estímulo que o meio fornece e a resposta do indivíduo se encontra a percepção. Entender o que e como o indivíduo percebe é fundamental para a compreensão do ser humano.O homem não percebe as coisas de modo isolado, sem relações. As organiza no processo perceptivo como um todo significativo. A percepção está além dos elementos fornecidos pelos órgãos sensoriais.

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Outras influências relevantes Marxismo

Merleau-Ponty comungava desta orientação política. Foi um enfático defensor dos ideais comunistas. Também dedicou uma considerável produção teórica ao tema.

Existencialismo

O existencialismo agregava valores como liberdade, responsabilidade e também a valorização da subjetividade do ser humano.Também era pautado por um engajamento com as questões políticas e sociais.

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Empirismo x Intelectualismo Observação / experimentação. As idéias são provenientes dos

sentidos. O mundo é uma realidade em si. Objetividade absoluta. Atenção estéril – só revela o que já

há no objeto. A consciência, muito pobre,

desconhece tudo, diante da totalidade do objeto.

O mundo como totalidade dos acontecimentos espaço-temporais.

Somente a razão humana é capaz de levar ao conhecimento da verdade.

A experiência sensorial leva a erros sobre a realidade do mundo.

O sujeito possui um conhecimento imanente.

Subjetividade absoluta. Atenção fecunda – esclarece o

objeto. A consciência, muito rica, conhece

tudo, tornando supérflua a investigação.

Rompimento com o mundo, já que este é constituído pela operação da consciência.

Objeto

Consciência

Conhecimento

Objeto

Consciência

Conhecimento

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Críticas de Merleau-Ponty

O autor tece críticas tanto ao empirismo quanto ao intelectualismo (racionalismo).

Afirma que ambas as teorias possuem um parentesco profundo, na medida em que tomam por base o mundo objetivo.

Além disso, em ambas, a ‘atenção’, não tem nenhum papel a desempenhar. No empirismo, porque a consciência não constitui nada. No intelectualismo, porque a consciência possui internamente a estrutura inteligível de todos os objetos.

A posição de ambos acaba tornando distante a relação sujeito e objeto.

Para o intelectualismo, o juízo perde sua função constituinte, pois tem a mera função de anular a dispersão possível das sensações.

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Considerações do autor

Rompimento da cisão consciência/natureza do pensamento moderno. Isso perpassa por compreender a essência do processo de construção do conhecimento.

É necessário um equilíbrio entre o conhecer e o ignorar. Conhecer para saber o que procurar; ignorar para ter o que procurar.

O despertar de uma nova ‘atenção’, uma nova maneira de estar presente aos objetos.

A atenção é a constituição ativa de um novo objeto. Objeto que era antes um horizonte indeterminado

(espaço pré-objetivo) e passa ao determinado. Esta passagem é o próprio pensamento.

Há um processo de troca entre sujeito e objeto, já que o sujeito(corpo) está inserido no mundo e apreende o objeto carregado por sua experiência. “O homem está no mundo e é no mundo que ele se conhece“ (Prefácio).

Relação corpo e mundo. “... o mesmo sujeito é parte do mundo e princípio do mundo, porque o constituído é sempre para o constituinte.”.

A percepção é um juízo, “o que significa dizer que o objeto percebido se dá como todo e como unidade antes que nós tenhamos apreendido a sua lei inteligível...”

Objeto Consciência

Conhecimento

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COISAS

O problema não é apenas o de saber como uma grandeza ou uma forma, entre todas as grandezas ou formas aparentes, é tida por constante; ele é muito mais radical: trata-se de compreender como uma forma ou uma grandeza determinada – verdadeira ou mesmo aparente – pode mostrar-se diante de mim, cristalizar-se no fluxo de minhas experiências e enfim ser-me dada, em uma palavra, como existe algo de objetivo.

(...) porque diante das coisas meu corpo está permanentemente em posição de percebê-las e, inversamente, porque as aparências são sempre envolvidas por mim em uma certa atitude corporal.

Na percepção é a própria matéria que adquire sentido e forma. (...) O real distingue-se de nossas ficções porque nele o sentido investe e penetra profundamente a matéria.

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É na evidência da coisa que se funda a constância das relações, longe de que a coisa se reduza a relações constantes. Para a ciência e para o pensamento objetivo, um objeto visto a cem passos sob uma pequena grandeza aparente é indiscernível do mesmo objeto visto a dez passos sob um ângulo maior, e o objeto é justamente esse produto constante da

distância pela grandeza aparente. Mas, para mim que percebo, o objeto a cem passos não é presente e real no sentido em que o é a dez passos, e eu identifico o objeto em todas as suas posições, em todas as suas distâncias, sob todas as suas aparências, enquanto todas as perspectivas convergem para a percepção que obtenho em uma certa distância e uma certa orientação típica. (...)

Para cada sujeito (...) existe uma distância ótima de onde ele [o objeto] para ser visto, uma orientação sob a qual ele dá mais de si mesmo: aquém ou além, só temos uma percepção confusa por excesso ou por falta

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. Pois, considerando a própria percepção, não se pode dizer que o pardo da mesa se ofereça sob todas as iluminações como o mesmo pardo, como a mesma qualidade efetivamente dada pela recordação. (...) Um papel branco na obscuridade, que reconhecemos como tal, não é pura e simplesmente branco, ele "não se deixa situar de maneira satisfatória na série negro-branco”. Seja uma parede branca na obscuridade e um papel cinza à luz, não se pode dizer que a parede permanece branca e o papel cinza: o papel faz mais impressão ao olhar, ele é mais luminoso, mais claro, a parede é mais escura e mais fosca, não é, por assim dizer, senão a "substância da cor" que permanece sob as variações de iluminação. A pretensa constância das cores não impede "uma incontestável mudança durante a qual continuamos a receber em nossa visão a qualidade fundamental e, por assim dizer, aquilo que nela existe de substancial”. Essa mesma razão nos impedirá de tratar a constância das cores como uma constância ideal e de reportá-la ao juízo. Pois um juízo que distinguisse, na aparência dada, a parte da iluminação só poderia concluir-se por uma identificação da cor própria do objeto, e nós acabamos de ver que ela não permanece idêntica. A fraqueza do empirismo, assim como do intelectualismo, é não reconhecer outras cores senão as qualidades fixas que aparecem na atitude reflexiva, quando na percepção viva a cor é uma introdução à coisa.

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Deste ponto de vista, percebe-se enfim a verdadeira significação das constâncias perceptivas: a constância da cor é apenas um momento abstrato na constância das coisas, e a constância das coisas está fundada na consciência primordial do mundo enquanto horizonte de todas as nossas experiências.

 

Portanto, não é porque percebo cores constantes sob a variedade das iluminações que creio em coisas, e a coisa não será uma soma de caracteres constantes, ao contrário, é na medida em que minha percepção é em si aberta a um mundo e a coisas que reconheço cores constantes.

 

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Ao contrário, se queremos descrevê-los, é preciso dizer que minha experiência desemboca nas coisas e se transcende nelas, porque ela sempre se efetua no quadro de uma certa montagem em relação ao mundo, que é a definição de meu corpo. As grandezas e as formas apenas dão modalidade a esse poder global sobre o mundo. A coisa é grande se meu olhar não pode envolvê-la; é pequena, ao contrário, se ele a envolve amplamente, e as grandezas médias distinguem-se umas das outras conforme, em distância igual, elas dilatam mais ou menos meu olhar ou o dilatam igualmente em diferentes distâncias. O objeto é circular se, igualmente próximo de mim por todos os seus lados, não impõe ao movimento de meu olhar nenhuma mudança de curvatura, ou se aquelas que ele lhe impõe são imputáveis à apresentação oblíqua, segundo a ciência do mundo que me é dada com meu corpo.

Portanto, é verdade que toda percepção de uma coisa, de uma forma ou de uma grandeza como reais, toda constância perceptiva reenvia à posição de um mundo e de um sistema da experiência em que meu corpo e os fenômenos estejam rigorosamente ligados. Mas o sistema da experiência não está desdobrado diante de mim como se eu fosse Deus, ele é vivido por mim de um certo ponto de vista, não sou seu espectador, sou parte dele, e é minha inerência a um ponto de vista que torna possível ao mesmo tempo a finitude de minha percepção e sua abertura ao mundo total enquanto horizonte de toda percepção.

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CORPO(...) porque meu corpo é meu poder geral de habitar todos os ambientes do mundo, a chave de todas as transposições e de todas as equivalências que o mantêm constante. Assim, a iluminação é apenas um momento em uma estrutura complexa cujos outros momentos são a organização do campo, tal como nosso corpo a realiza, e a coisa iluminada em sua constância. As correlações funcionais que se podem descobrir entre esses três fenômenos são uma manifestação de sua “coexistência essencial”(

(...) é através de meu corpo que vou ao mundo, a experiência tátil se faz adiante de mim e não é centrada em mim. Não sou eu que toco, é meu corpo, quando toco, não penso um diverso, minhas mãos encontram um certo estilo que faz parte de suas possibilidades motoras, e é isso que se quer dizer quando se fala de um campo perceptivo: só posso tocas eficazmente se o fenômeno encontra um eco em mim, se ele concorda com uma certa natureza de minha consciência, se o órgão que vem ao seu encontro está sincronizado com ele.

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Como as relações entre as coisas ou entre os aspectos das coisas são sempre mediadas por nosso corpo, a natureza inteira é a encenação de nossa própria vida ou nosso interlocutor em uma espécie de diálogo. Eis por que, em última análise, não podemos conceber coisa que não seja percebida ou perceptível. (...) A coisa nunca pode ser separada de alguém que a perceba , nunca pode ser efetivamente em si, porque suas articulações são as mesmas de nossa existência, e porque ela se põe na extremidade de um olhar ou ao termo de uma investigação sensorial que a investe de humanidade. Nesse medida, toda percepção é uma comunicação ou uma comunhão, a retomada ou o acabamento, por nós, de uma intenção alheia ou, inversamente, a realização, no exterior, de nossas potências perceptivas e como um acasalamento do nosso corpo com as coisas.

(...) É percebido tudo aquilo que faz parte de meu ambiente, e meu ambiente compreende tudo aquilo cuja existência ou inexistência, cuja natureza ou alteração contam para mim praticamente

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TEMPO(...) e por um momento seríamos tentados a acreditar que o mundo, se ele é algo, só pode ser uma soma de coisas análogas a essa pedra, o tempo uma soma de instantes perfeitos. Mas a partir do momento em que nos apoiamos nessas certezas, a partir do momento em que despertamos a vida intencional que as engendra, percebemos que o ser objetivo tem suas raízes nas ambigüidades do tempo. Não posso conceber o mundo como uma soma de coisas, nem o tempo como uma soma de "agoras" pontuais, já que cada coisa só pode oferecer-se com suas determinações plenas se as outras coisas recuam para o indefinido dos longínquos, que cada presente só pode oferecer-se em sua realidade excluindo a presença simultânea dos presentes anteriores e posteriores, e já que assim uma soma de coisas ou uma soma de presentes é um não-senso.

(...)

Portanto, é essencial à coisa e ao mundo apresentarem-se como "abertos", reenviar-nos para além de suas manifestações determinadas, prometer-nos sempre "outra coisa para ver". E isso que por vezes se exprime dizendo que a coisa e o mundo são misteriosos.

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TEORIA DA RELATIVIDADE

“O postulado fundamental de Einstein da teoria da relatividade, como foi chamada, declarava que as leis da ciência deveriam ser as mesmas para todos os observadores que estivessem se movimentando livremente, não importando qual fosse a sua velocidade. (...) a teoria da relatividade nos força a mudar fundamentalmente nossas idéias de espaço e tempo. Precisamos aceitar que o tempo não está inteiramente separado e independente do espaço, e sim combinado com ele para formar um objeto chamado espaço-tempo. “

“Antes de 1915, pensava-se em espaço e tempo como uma arena fixo na qual os eventos ocorrem, mas que não era afetada por aquilo que acontece dentro dela. Isto era verdadeiro mesmo para a teoria especial da relatividade. Os corpos moviam-se, as forças atraíam e repeliam, mas o tempo e o espaço simplesmente continuavam inalterados. Era natural pensar que o espaço e tempo continuavam para sempre. A situação, contudo, é bem diferente na teoria da relatividade geral. Espaço e tempo agora são quantidades dinâmicas: quando um corpo se move ou uma força age, isto afeta a curvatura do espaço e tempo – e, por sua vez, a estrutura do espaço-tempo afeta o modo pelo qual os corpos se movem e as forças agem. Espaço e tempo não apenas afetam, mas também são afetados por tudo o que acontece no universo. Assim como não podemos falar sobre eventos no universo sem as noções de espaço e tempo, também na relatividade geral torna-se sem sentido falar sobre espaço e tempo fora dos limites do universo. Nas décadas posteriores a 1915, esta nova compreensão de espaço e tempo iria revolucionar nossa visão do universo. Como veremos, a velha idéia de um universo essencialmente inalterado que poderia ter existido desde sempre, e que poderia continuar a existir para sempre, foi substituída pela noção de um universo dinâmico, em expansão, que parecia ter começado há um tempo finito e que poderia terminar num tempo finito no futuro”.

Page 19: Maurice Merleau-Ponty Fenomenologia da percepção

“Para além da curva da estrada

Talvez haja um poço, e talvez um castelo,

E talvez apenas a continuação da estrada.

Não sei nem pergunto.

Enquanto vou na estrada antes da curva

Só olho para a estrada antes da curva,

Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.

De nada me serviria estar olhando para outro lado

E para aquilo que não vejo.

Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.

Há beleza bastante para estar aqui e não noutra parte qualquer.

Se há alguém para além da curva da estrada,

Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada

Essa é que é a estrada para eles.

Se nós tivermos que lá chegar, quando lá chegarmos saberemos

Por ora só sabemos que lá não estamos.

Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva

Há a estrada sem curva nenhuma.”

(Alberto Caeiro – Fernando Pessoa)

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Percepção e alucinação O fato capital é que a maior parte do tempo

os doentes distinguem suas alucinações e suas percepções.

A alucinação não é uma percepção, mas ela vale como realidade, só ela conta para o alucinado.

alucinação e percepção são modalidades de uma única função primordial pela qual dispomos em torno de nós um ambiente de uma estrutura definida, pela qual nós nos situamos ora em pleno mundo, ora à margem do mundo.

se a coisa ilusória e a coisa verdadeira não têm a mesma estrutura, para que o doente aceite a ilusão é preciso que ele esqueça ou recalque o mundo verdadeiro, que deixe de referir-se a este e que pelo menos ele tenha o poder de retornar à indistinção primitiva do verdadeiro e do falso.

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A percepção de Merleau-Ponty sobre a percepção-Não começamos por conhecer os aspectos perspectivos da coisa; ela não é mediada por nossos sentidos, nossas sensações, nossas perspectivas, nós vamos diretamente a ela e é secundariamente que percebemos os limites de nosso conhecimento e de nós mesmos enquanto cognoscentes.

- Se o sujeito que percebe faz a síntese do percebido, é preciso que ele domine e pense uma matéria da percepção, que organize e ligue ele mesmo, do interior, todos os aspectos da coisa, quer dizer, que a percepção perca sua inerência a um sujeito individual e a um ponto de vista, que a coisa perca sua transcendência e sua opacidade. Viver uma coisa não é nem coincidir com ela nem pensá-la de uma parte à outra.

Não se pode construir a percepção da coisa e do mundo a partir de perfis distintos (...) Não tenho uma visão perspectiva, depois uma outra, e entre elas uma ligação de entendimento, mas cada perspectiva passa na outra e, se ainda se pode falar em síntese, trata-se de uma "síntese de transição".

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O mundo no sentido pleno da palavra não é um objeto, ele tem um invólucro de determinações objetivas, mas também fissuras, lacunas por onde as subjetividades nele se alojam, ou, antes, que são as próprias subjetividades. Compreende-se agora por que as coisas, que devem ao mundo o seu sentido, não são significações oferecidas à inteligência, mas estruturas opacas, e por que seu sentido último permanece embaralhado. A coisa e o mundo só existem vividos por mim ou por sujeitos tais como eu, já que eles são o encadeamento de nossas perspectivas, mas transcendem todas as perspectivas porque esse encadeamento é temporal e inacabado.

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“...é preciso força

pra sonhar

e perceber

que a estrada vai

além do que se vê...”