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5/12/2018 MAXWEBER-ClassicosDaPolitica-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/max-weber-classicos-da-politica 1/23 MAX WEBER Maria Ligia de Oliveira Barbosa  Tania Quintaneiro A tarefa do professor é servir aos alunos com o seu conhecimento e experiência e não impor-Lhes suas opiniões políticas pessoais. Max Weber INTRODUÇÃO À época de Max Weber, travava-se na Alemanha um acirrado debate entre a corrente até então dominante no pensamento social e filosófico, o positivismo, e seus críticos. O objeto da polêmica eram as especificidades das ciências da natureza e do espírito e, no interior destas, o papel dos valores e a possibilidade da formulação de leis. Wilhelm Dilthey (1833-1911), um dos mais importantes representantes da ala antipositivista, contrapôs à razão científica dos positivistas a razão histórica, isto é, a idéia de que a compreensão do fenômeno social pressupõe a recuperação do sentido, sempre arraigado temporalmente e adscrito a uma weltanschauung1 (relativismo) e a um ponto de vista (perspectivismo). Obra humana, a experiência histórica é também uma realidade múltipla se inesgotável. Mas foram Marx e Nietzsche, reconhecidos pelo próprio Weber como os pensadores decisivos de seu tempo, aqueles que, segundo alguns biógrafos, tiveram maior impacto sobre a obra do sociólogo alemão. A influência de Marx evidencia-se no fato de ambos terem compartilhado o grande tema - o capitalismo ocidental - e dedicado a ele boa parte de suas energias intelectuais, estudando-o da perspectiva histórica, econômica, ideológica e sociológica. Weber propôs-se a verificar a capacidade que teria o materialismo histórico de encontrar explicações adequadas à história social, especialmente sobre as relações entre a estrutura e a superestrutura. Em suma, procurou compreender como as idéias, tanto quanto os fatores de ordem material, cobravam força na explicação sociológica, sem deixar de criticar o monismo causal que caracteriza o materialismo marxista nas suas formas vulgares. Weber também é herdeiro da percepção de Friedrich Nietzsche (1844-1900) segundo a qual a vontade de poder, expressa na luta entre valores antagônicos, é que torna a 1 Visão de mundo. realidade social, política e econômica compreensível. Isso refletia preocupações correntes de historiadores, sociólogos e psicólogos alemães, interessados pelo caráter conflituoso implícito no pluralismo democrático. Enfim, cabe lembrar a originalidade de Weber no refinamento dessas e de outras idéias que estavam presentes nos debates da época. Os conceitos com os quais interpretou a complexa luta que tem lugar em todas as arenas da vida coletiva e o desenvolvimento histórico do Ocidente como a marcha da racionalidade representam um avanço em termos de precisão metodológica. A OBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO Na investigação de um tema, um cientista é inspirado por seus próprios valores e ideais, que têm um caráter sagrado para ele, nos quais está disposto a lutar. Por isso, deve estar capacitado a estabelecer uma “distinção entre reconhecer e julgar, e a cumprir tanto o dever científico de ver a verdade dos fatos, como o dever prático de defender” os próprios valores, que devem ser obrigatoriamente expostos e jamais disfarçados de “ciência social” ou da “ordem racional dos fatos”. É essencial distinguir a política e a ciência e considerar que esta tampouco está isenta de valores. Enquanto a ciência é um produto da reflexão do cientista, a política o é do homem de vontade e de ação, ou do membro de uma classe que compartilha com outras ideologias e interesses. Segundo Weber, “a ciência é hoje uma vocação organizada em disciplinas especiais a serviço do auto-esclarecimento e conhecimento de fatos inter-relacionados”.2 Ela não dá resposta à pergunta: a qual dos deuses devemos servir? Essa é uma questão que tem a ver com a ética. Em outras palavras, é preciso distinguir entre os  julgamentos de valor e o saber empírico. Este nasce de necessidades e considerações práticas historicamente colocadas, na forma de problemas, ao cientista cujo propósito deve ser o de procurar selecionar e sugerir a adoção de medidas que tenham a finalidade de solucioná- los. Já os julgamentos de valor dizem respeito à definição do significado que se dá aos objetos ou aos problemas. O saber empírico tem como objetivo procurar respostas através do uso dos instrumentos mais adequados (os meios, os métodos). Mas o cientista nunca deve propor-se a estabelecer normas, ideais e receitas para a praxis, nem dizer o que deve, mas o que pode ser feito. A ciência é, portanto, um procedimento altamente racional que procura explicar as conseqüências de determinados atos, enquanto a posição política prática vincula-se a 2 WEBER. A ciência como vocação, p. 180. convicções e deveres. A relação entre ciência e valores é, ainda assim, mais complexa do que possa parecer. Segundo Weber: Hoje falamos habitualmente da ciência como “livre de todas as pressuposições”. Haverá tal coisa? Depende do que entendemos por isso.  Todo trabalho científico pressupõe que as regras da lógica do método são válidas; são as bases gerais de nossa orientação no mundo; e, pelo menos para nossa questão especial, essas pressuposições são o aspecto menos problemático da ciência. A ciência pressupõe, ainda, que o produto do trabalho científico é importante no sentido de que “vale a pena conhecê-lo”. Nisto estão encerrados todos os nossos problemas, evidentemente, pois esta pressuposição não pode ser provada por meios científicos - só pode ser interpretada com 1

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MAX WEBERMaria Ligia de Oliveira Barbosa Tania QuintaneiroA tarefa do professor é servir aos alunos

com o seu conhecimento e experiência e nãoimpor-Lhes suas opiniões políticas pessoais.

Max WeberINTRODUÇÃOÀ época de Max Weber, travava-se na

Alemanha um acirrado debate entre a correnteaté então dominante no pensamento social efilosófico, o positivismo, e seus críticos. O objetoda polêmica eram as especificidades dasciências da natureza e do espírito e, no interiordestas, o papel dos valores e a possibilidade daformulação de leis. Wilhelm Dilthey (1833-1911),um dos mais importantes representantes da alaantipositivista, contrapôs à razão científica dospositivistas a razão histórica, isto é, a idéia deque a compreensão do fenômeno socialpressupõe a recuperação do sentido, semprearraigado temporalmente e adscrito a uma

weltanschauung1 (relativismo) e a um ponto devista (perspectivismo). Obra humana, aexperiência histórica é também uma realidademúltipla se inesgotável. Mas foram Marx eNietzsche, reconhecidos pelo próprio Webercomo os pensadores decisivos de seu tempo,aqueles que, segundo alguns biógrafos, tiverammaior impacto sobre a obra do sociólogoalemão. A influência de Marx evidencia-se nofato de ambos terem compartilhado o grandetema - o capitalismo ocidental - e dedicado a eleboa parte de suas energias intelectuais,estudando-o da perspectiva histórica,econômica, ideológica e sociológica. Weberpropôs-se a verificar a capacidade que teria omaterialismo histórico de encontrar explicaçõesadequadas à história social, especialmentesobre as relações entre a estrutura e asuperestrutura. Em suma, procuroucompreender como as idéias, tanto quanto osfatores de ordem material, cobravam força naexplicação sociológica, sem deixar de criticar omonismo causal que caracteriza o materialismomarxista nas suas formas vulgares.

Weber também é herdeiro da percepção

de Friedrich Nietzsche (1844-1900) segundo aqual a vontade de poder, expressa na luta entrevalores antagônicos, é que torna a

1 Visão de mundo.realidade social, política e econômica

compreensível. Isso refletia preocupaçõescorrentes de historiadores, sociólogos epsicólogos alemães, interessados pelo caráterconflituoso implícito no pluralismo democrático.Enfim, cabe lembrar a originalidade de Weber norefinamento dessas e de outras idéias queestavam presentes nos debates da época. Osconceitos com os quais interpretou a complexa

luta que tem lugar em todas as arenas da vidacoletiva e o desenvolvimento histórico doOcidente como a marcha da racionalidaderepresentam um avanço em termos de precisão

metodológica. A OBJETIVIDADE DOCONHECIMENTO

Na investigação de um tema, umcientista é inspirado por seus próprios valores eideais, que têm um caráter sagrado para ele,nos quais está disposto a lutar. Por isso, deveestar capacitado a estabelecer uma “distinçãoentre reconhecer e julgar, e a cumprir tanto odever científico de ver a verdade dos fatos,

como o dever prático de defender” os própriosvalores, que devem ser obrigatoriamenteexpostos e jamais disfarçados de “ciência social”ou da “ordem racional dos fatos”. É essencialdistinguir a política e a ciência e considerar queesta tampouco está isenta de valores. Enquantoa ciência é um produto da reflexão do cientista,a política o é do homem de vontade e de ação,ou do membro de uma classe que compartilhacom outras ideologias e interesses. SegundoWeber, “a ciência é hoje uma vocaçãoorganizada em disciplinas especiais a serviço doauto-esclarecimento e conhecimento de fatos

inter-relacionados”.2 Ela não dá resposta àpergunta: a qual dos deuses devemos servir?Essa é uma questão que tem a ver com a ética.Em outras palavras, é preciso distinguir entre os  julgamentos de valor e o saber empírico. Estenasce de necessidades e considerações práticashistoricamente colocadas, na forma deproblemas, ao cientista cujo propósito deve ser ode procurar selecionar e sugerir a adoção demedidas que tenham a finalidade de solucioná-los. Já os julgamentos de valor dizem respeito àdefinição do significado que se dá aos objetos ouaos problemas. O saber empírico tem comoobjetivo procurar respostas através do uso dosinstrumentos mais adequados (os meios, osmétodos). Mas o cientista nunca deve propor-sea estabelecer normas, ideais e receitas para apraxis, nem dizer o que deve, mas o que podeser feito. A ciência é, portanto, um procedimentoaltamente racional que procura explicar asconseqüências de determinados atos, enquantoa posição política prática vincula-se a

2 WEBER. A ciência como vocação, p.180.

convicções e deveres. A relação entre

ciência e valores é, ainda assim, mais complexado que possa parecer. Segundo Weber:Hoje falamos habitualmente da ciência

como “livre de todas as pressuposições”. Haverátal coisa? Depende do que entendemos por isso. Todo trabalho científico pressupõe que as regrasda lógica do método são válidas; são as basesgerais de nossa orientação no mundo; e, pelomenos para nossa questão especial, essaspressuposições são o aspecto menosproblemático da ciência. A ciência pressupõe,ainda, que o produto do trabalho científico éimportante no sentido de que “vale a pena

conhecê-lo”. Nisto estão encerrados todos osnossos problemas, evidentemente, pois estapressuposição não pode ser provada por meioscientíficos - só pode ser interpretada com

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referência ao seu significado último, quedevemos rejeitar ou aceitar, segundo a nossaposição última em relação à vida. (...) A“ressuposição” geral da Medicina é apresentadatrivialmente na afirmação de que a CiênciaMédica tem a tarefa de manter a vida como tal ediminuir o sofrimento na medida máxima desuas possibilidades. Se a vida vale a pena servivida e quando - esta questão não é indaga da

pela Medicina.3 Mas como é possível, apesar daexistência desses valores, alcançar aobjetividade nas ciências sociais? A resposta deWeber é que os valores devem ser incorporadosconscientemente à pesquisa e controladosatravés de procedimentos rigorosos de análise,caracterizados como “esquemas de explicaçãocondicional”. A ação do cientista é seletiva. Osvalores são um guia para a escolha de um certoobjeto pelo cientista. A partir daí, ele definiráuma certa direção para a sua explicação e oslimites da cadeia causal que ela é capaz deestabelecer, ambos orientados por valores. As

relações de causalidade, por ele construídas naforma de hipóteses, constituirão um esquemalógico-explicativo cuja objetividade é garantidapelo rigor e obediência aos cânones dopensamento científico. O ponto essencial a sersalientado é que o próprio cientista é quematribui aos aspectos do real e da história queexamina uma ordem através da qual procuraestabelecer uma relação causal entre certosfenômenos. Assim produz o que se chama tipoideal. Conclui-se que a atividade científica é,simultaneamente, racional com relação às suasfinalidades - a verdade científica - e racional comrelação a valores - a busca da verdade. Aobrigação de dizer a verdade é, enfim, parte deuma ética absoluta que se impõe, sem qualquercondição, aos cientistas.

Dada a sua complexidade, a discussãorealizada por Weber sobre a objetividade dasciências sociais merece uma consideraçãocuidadosa. Segundo o autor, para chegar aoconhecimento que pretende, o cientista socialefetua quatro operações: 1) estabelece leis efatores hipotéticos que servirão como meiospara seu estudo; 2) analisa e expõe

ordenadamente “o agrupamento individualdesses fatores historicamente dados e sua3 WEBER. A ciência como vocação, p.

170-171.combinação concreta e significativa”,

procurando tornar inteligível a causa e naturezadessa significação; 3) remonta ao passado paraobservar como se desenvolveram as diferentescaracterísticas individuais daquelesagrupamentos que possuem importância para opresente e procura fornecer uma explicaçãohistórica a partir de tais constelações individuaisanteriores, e 4) avalia as constelações possíveis

no futuro.4Weber endossa o ponto de vista segundo

o qual as ciências sociais visam a compreensãode eventos culturais enquanto singularidades.5

O alvo é, portanto, captar a especificidade dosfenômenos estudados e seus significados. Massendo a realidade cultural infinita, umainvestigação exaustiva, que considerasse todasas circunstâncias ou variáveis envolvidas numdeterminado acontecimento, torna-se umapretensão inatingível. Por isso, o cientistaprecisa isolar, da “imensidade absoluta, umfragmento ínfimo”: que considera relevante. O

critério de seleção operante nesse processo estádado pelo significado que certos fenômenospossuem, tanto para ele como para a cultura e aépoca em que se inserem. É a partir daconsideração de ambos os registros que serápossível o ideal de objetividade e inteligibilidadenas ciências sociais. Pode-se dizer, então, que oparticular ou específico não é aquilo que vemdado pela experiência, nem muito menos oponto de partida do conhecimento, mas oresultado de um esforço cognitivo quediscrimina, organiza e, enfim, abstrai certosaspectos da realidade na tentativa de explicar as

causas associadas à produção de determinadosfenômenos. Mas o método de estudo de que seutiliza baseia-se no estado de desenvolvimentodos conhecimentos, nas estruturas conceituaisde que dispõe e nas normas de pensamentovigentes, o que lhe permite obter resultadosválidos não apenas para si próprio.

Existe uma grande diferença entreconferir significado à realidade histórica pormeio de idéias de valor e conhecer suas leis eordená-la de acordo com conceitos gerais eprincípios lógicos, genéricos. Mas a explicaçãodo fato significativo em sua especificidade nuncaestará livre de pressupostos porque ele própriofoi escolhido em função de valores. Com isso,Weber rejeita a possibilidade de uma ciênciasocial que reduza a realidade empírica a leis.Para explicar um acontecimento concreto, ocientista agrupa uma certa constelação defatores que lhe permitam dar sentido a estarealidade particular.6

Weber procura demonstrar que conceitosmuito genéricos, extensos, abrangentes ouabstratos, são menos proveitosos para ocientista social por serem pobres em conteúdo,

4 WEBER. A objetividade doconhecimento nas Ciências Sociais, p. 91. 5 Aciência social é incluída por Weber na categoriadas ciências da cultura desde que estude “osacontecimentos da vida humana a partir de suasignificação cultural”. 6 Weber questiona aunilateralidade da interpretação materialista dahistória a qual, ao explicar a causalidade dosfenômenos culturais, rebaixa a causas acidentaise cientificamente insignificantes todos os fatoresque não se refiram aos interesses materiais.

logo, afastados da riqueza da realidadehistórica. Portanto, a tentativa de explicar tais

fenômenos por meio de “leis” que expressemregularidades quantificáveis que se repetem nãopassa de um trabalho preliminar, possivelmenteútil. Os fenômenos individuais são um conjunto

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infinito e caótico de elementos cuja ordenação érealizada a partir da significação querepresentam e por meio da imputação causalque lhe é feita. Logo,

a) o conhecimento de leis sociais não éum conhecimento do socialmente real, masunicamente um dos diversos meios auxiliaresque o nosso pensamento utiliza para esse efeitoe, b) porque nenhum conhecimento dos

acontecimentos culturais poderá ser concebidosenão com base na significação que a realidadeda vida, sempre configurada de modo individual,possui para nós em determinadas relaçõessingulares.7

O princípio de seleção dos fenômenosculturais infinitamente diversos é subjetivo, jáque apenas o ponto de vista humano é capaz deconferir-lhes sentido, assim como de proceder àimputação de causas concretas e adequadas ouobjetivamente possíveis, destacando algumasconexões, construindo relações, e elaborando oufazendo uso de conceitos que pretendem ser

fecundos para a investigação empírica, emborainicialmente imprecisos e intuídos. Isto vaipermitir “tomar consciência não do que égenérico mas, muito pelo contrário, do que éespecífico a fenômenos culturais”.8 A respostapara o problema da relação entre a objetividadedo conceito puro e a compreensão históricaencontra-se na elaboração dos tipos ideais,através dos quais busca-se tornar compreensívela natureza particular das conexões que seestabelecem empiricamente. OS TIPOS IDEAIS

Por meio das ciências sociais “queremoscompreender a peculiaridade da vida que nosrodeia” composta de uma diversidade quaseinfinita de elementos. Ao tomar um objeto,apenas um fragmento finito dessa realidade, ocientista social empreende uma tarefa muitodistinta daquela que se propõe o cientista danatureza. O que procura é compreender umaindividualidade sociocultural formada decomponentes historicamente agrupados, nemsempre

7 WEBER. A objetividade doconhecimento nas Ciências Sociais, p. 96. Weberdiscute a influência que representou, para as

ciências históricas e culturais, o sucesso dabiologia moderna e de seu princípio deordenamento da realidade em um esquema deleis gerais. A impossibilidade do uso desseesquema estava em que o método dedutivoexigia um conhecimento da totalidade darealidade histórica como ponto de partidaindispensável para o que parecia ser válido ecientífico. 8 WEBER. A objetividade doconhecimento nas Ciências Sociais, p. 116.

quantificáveis, a cujo passado se remontapara explicar o presente, partindo então destepara avaliar as perspectivas futuras.

Sendo uma ciência generalizadora, aSociologia constrói conceitos - tipo, “vaziosfrente à realidade concreta do histórico” edistanciados desta, mas unívocos porque

pretendem ser fórmulas interpretativas atravésdas quais se apresenta uma explicação racionalpara a realidade empírica que organiza. Estaadequação entre o conceito e a realidade étanto mais completa quanto maior aracionalidade da conduta a ser interpretada, oque não impede a Sociologia de procurarexplicar fenômenos irracionais (místicos,proféticos, espirituais, afetivos). O que dá valor a

uma construção teórica é a concordância entre aadequação de sentido que propõe e a prova dosfatos, caso contrário, ela se torna inútil, seja doponto de vista explicativo ou do conhecimentoda ação real. Quando é impossível realizar aprova empírica, a evidência racional serveapenas como uma hipótese dotada deplausibilidade. Uma construção teórica quepretende ser uma explicação causal baseia-seem probabilidades de que um certo processo “A”siga-se, na forma esperada, a um outrodeterminado processo “B”.

Somente as ações compreensíveis são

objeto da Sociologia. E para que regularidadesda vida social possam ser chamadas de leissociológicas é necessário que se comprove aprobabilidade estatística de que ocorram naforma que foi definida como adequadasignificativamente.

Na medida em que não é possível aexplicação de uma realidade social particular,única e infinita, por meio de uma análiseexaustiva das relações causais que aconstituem, escolhem-se algumas destas pormeio da avaliação das influências ou efeitos quedelas se pode esperar. O cientista atribui a essesfragmentos selecionados da realidade umsentido, destaca certos aspectos cujo exame lheparece importante - segundo seu princípio deseleção - baseando-se, portanto, em seuspróprios valores. Mas, enquanto “o objeto deestudo e a profundidade do estudo na infinidadedas conexões causais são determinadossomente pelas idéias de valor que dominam oinvestigador e sua época”, o método e osconceitos de que ele lança mão ligam-se àsnormas de validez científica referidos a umateoria. A elaboração de um instrumento que

oriente o cientista social em sua busca deconexões causais é muito valiosa do ponto devista heurístico. Esse modelo de interpretação-investigação é o tipo ideal, e é dele que se valeo cientista para guiar-se na infinitude do real.

Suas possibilidades e limites devem-se:1) à unilateralidade, 2) à racionalidade e 3) aocaráter utópico. Ao elaborar o tipo ideal, parte-se da escolha, numa realidade infinita, de algunselementos do objeto a ser interpretado que sãoconsiderados pelo investigador os maisrelevantes para a explicação. Esse processo deseleção acentua - necessariamente – certos

traços e deixa de lado outros, o queconfere unilateralidade ao modelo puro. Oselementos causais são relacionados pelocientista de modo racional, embora não haja

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dúvida sobre a influência, de fato, de incontáveisfatores irracionais no desenvolvimento dofenômeno real. No relativo à ênfase naracionalidade, o tipo ideal só existe como utopiae não é, nem pretende ser, um reflexo darealidade complexa, muito menos um modelo doque ela deveria ser. Um conceito típico-ideal éum modelo simplificado do real, elaborado combase em traços considerados essenciais para a

determinação da causalidade, segundo oscritérios de quem pretende explicar umfenômeno. É possível, por exemplo, construirtipos ideais da economia urbana da Idade Média,do Estado, de uma seita religiosa, de interessesde classe e de outros fenômenos sociais demaior ou menor amplitude e complexidade, etambém organizar qualquer dessas realidades apartir de um ou de diversos de seus elementos.Na medida em que o cientista procede a umaseleção, esta vem a corresponder às suaspróprias concepções do que é essencial noobjeto examinado, e sua construção típico-ideal

não corresponde necessariamente às de outroscientistas. Ele procederá, a partir daí, a umacomparação entre o seu modelo e a dinâmica darealidade empírica que examina. As construçõeselaboradas por Marx sobre o desenvolvimentodo capitalismo têm, para Weber, o caráter detipos ideais e, embora teoricamente corretas,não se lhes deve atribuir vali dez empírica ouimaginar que são “tendências” ou “forçasativas” reais.

  Tais construções (...) permitem-nos verse, em traços particulares ou em seu carátertotal, os fenômenos se aproximam de uma denossas construções, determinar o grau deaproximação do fenômeno histórico e o tipoconstruido teoricamente. Sob esse aspecto, aconstrução é simplesmente um recurso técnicoque facilita uma disposição e terminologia maislúcidas.9

Um exemplo da aplicação do tipo idealencontra-se na obra A ética protestante e oespírito do capitalismo. Weber parte de umadescrição provisória que lhe serve como guiapara a investigação empírica, “indispensável àclara compreensão do objeto de investigação”,

do que entende inicialmente por “espírito docapitalismo”, e vai construindo gradualmenteesse conceito ao longo de sua pesquisa, parachegar à sua forma definitiva apenas no final dotrabalho. O tipo ideal é utilizado comoinstrumento para conduzir o autor numarealidade complexa. O autor reconhece que seuponto de vista é um entre outros. Cabe àSociologia e à

9 WEBER. Rejeições religiosas do mundoe suas direções, p. 372.

História, como parte das ciências dacultura,10 reconstruir os atos humanos,

compreender o significado que estes tiverampara os agentes, e o universo de valoresadotado por um grupo social ou por umindivíduo enquanto membro de uma

determinada sociedade e, por fim, construirconceitos-tipo e encontrar “as regras gerais doacontecer”. OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DASOCIOLOGIA WEBERIANA ACÃO E ACÃO SOCIAL

A ação é definida por Weber como todaconduta humana (ato, omissão, permissão)dotada de um significado subjetivo dado porquem a executa e que orienta essa ação.Quando tal orientação tem em vista a ação -

passada, presente ou futura - de outro ou deoutros agentes que podem ser “individualizadose conhecidos ou uma pluralidade de indivíduosindeterminados e completamentedesconhecidos” - o público, a audiência de umprograma, a família do agente etc. - a açãopassa a ser definida como social.11 A Sociologiaé, para Weber, a ciência “que pretendeentender, interpretando-a, a ação social para,dessa maneira, explicá-la causalmente em seudesenvolvimento e efeitos”, observando suasregularidades as quais se expressam na formade usos, costumes ou situações de interesse,12

e embora a Sociologia não tenha a ver somentecom a ação social, sem embargo, para o tipo deSociologia que o autor propõe, ela é o dadocentral, constitutivo.13 Entretanto, algumasações não interessam à Sociologia por seremreativas, sem um sentido pensado, como a deretirar a mão ao se levar um choque. Aexplicação sociológica busca compreender einterpretar o sentido, o desenvolvimento e osefeitos da conduta de um ou mais indivíduosreferida a outro ou outros - ou seja, da açãosocial, não se propondo a julgar a validez de taisatos nem a compreender o agente enquantopessoa. Compreender uma ação é captar einterpretar sua conexão de sentido, que serámais ou menos evidente para o sociólogo. Emsuma: ação compreensível é ação com sentido.

As condutas humanas são tanto maisracionalizadas quanto menor for a submissão doagente aos costumes e afetos e quanto mais elese oriente por um planejamento adequado àsituação. Pode-se dizer, portanto, que as açõesserão tanto mais intelectualmentecompreensíveis (ou sociologicamente

explicáveis) quanto mais racionais, mas épossível a10 As ciências da cultura procuram

explicar as obras humanas, o que os homenscriaram: suas leis, instituições jurídicas,políticas, sua organização familiar, arte, suascrenças religiosas, valores morais, atividadeseconômicas, seus sistemas de conhecimento. 11WEBER. Economía y sociedad, p. 18. 12 WEBER.Economía y sociedad, p. 5. 13 WEBER. Economíay sociedad, p. 20.

interpretação endopática e o cálculoexclusivamente intelectual dos meios, direção e

efeitos da ação ainda quando existe uma grandedistância entre os valores do agente e os dosociólogo. Interpretar uma ação devida a valoresreligiosos, a virtudes, ao fanatismo ou a afetos

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extremos que podem não fazer parte daexperiência do sociólogo ou aos quais ele sejapouco suscetível pode, portanto, dar-se com umgrau menor de evidência.

Para compreender uma ação através dométodo científico, o sociólogo trabalha entãocom uma elaboração limite, essencial para oestudo sociológico, que chama de tipos puros ouideais, vazios de realidade concreta ou

estranhos ao mundo, ou seja: abstratos,conceituais. O Avarento, personagem dramáticode Moliere, pode ser visto como um tipo ideal oupuro. Sua principal característica pessoal é aavareza, e todas as suas ações estão orientadaspara a possibilidade de guardar cada vez maisdinheiro. É evidente que mesmo os avarentosmais empedernidos não constroem todos osmomentos da sua vida em torno apenas daatividade de entesouramento! Apenas figurasimaginadas seriam capazes, por exemplo, decontar os grãos de arroz que cada um de seusfilhos estaria autorizado a comer nas refeições...

Ainda assim, o personagem proporciona,enquanto tipo ideal, um conjunto articulado deprincípios racionais para a explicação daspersonalidades e ações dos avarentos. E é esteo sentido do uso de tipos ideais.

Logo, com base no reconhecimento deque, durante o desenvolvimento da ação, podemocorrer condicionamentos irracionais,obstáculos, emoções, equívocos, incoerênciasetc., Weber constrói quatro tipos puros, ouideais, de ação: a ação racional com relação afins, a ação racional com relação a valores, aação tradicional e a ação afetiva. Sem dúvida,são muitas as combinações entre a maior ou amenor nitidez com que o agente percebe suaspróprias finalidades, os meios de que deveráservir-se para alcançá-las, as condiçõescolocadas pelo ambiente em que se dá suaação, assim como as conseqüências advindas desua conduta.

A escala classificatória abrange desde aracionalidade mais pura até a irracionalidade. Osociólogo capta intelectualmente as conexões desentido racionais, as que alcançam o graumáximo de evidência. Isso não ocorre com a

mesma facilidade quando valores e afetosinterferem nas ações examinadas. A partir deum modelo de desenvolvimento da condutaracional, o sociólogo interpreta outras conexõesde sentido menos evidentes - sejam aquelasafetivamente condicionadas ou que tenhamsofrido influências irracionais de toda espécie -tomando-as como desvios do modeloconstituído.

Em síntese: somente a ação com sentidopode ser compreendida pela Sociologia, a qualconstrói tipos ou modelos explicativos abstratospara cuja construção levam-se em conta

tanto as conexões de sentido racionais,cuja interpretação se dá com maior evidência,quanto as não-racionais, sobre as quais ainterpretação alcança menor clareza. OS TIPOS

PUROS DE AÇAO E DE AÇAO SOCIAL A ação deum indivíduo será classificada como racionalcom relação a fins se, para atingir um objetivopreviamente definido, ele lança mão dos meiosnecessários ou adequados, ambos avaliados ecombinados tão claramente quanto possível deseu próprio ponto de vista. Um procedimentocientífico ou uma ação econômica, por exemplo,expressam essa tendência e permitem uma

interpretação racional. O procedimentoeconômico - todo aquele que leva em conta umconjunto de necessidades a atender, quaisquerque sejam, e uma quantidade escassa de meios- corresponde ao modelo típico de ação racional.A questão para o agente que visa chegar aoobjetivo pretendido recorrendo aos meiosdisponíveis é selecionar entre estes os maisadequados. A conexão entre fins e meios é tantomais racional quanto mais a conduta se dêrigorosamente e sem a interferênciaperturbadora de tradições e afetos que desviamseu curso. Assim, provavelmente é mais racional

aplicar em ações da bolsa de valores a partir daavaliação de um especialista no assunto do queceder a um impulso, decidir com base num jogode dados ou aceitar o conselho de um sacerdote.

A conduta será racional em relação avalores quando o agente orientar-se por finsúltimos, por princípios, agindo de acordo com oua serviço de suas próprias convicções e levandoem conta somente sua fidelidade a tais valores,estes, sim, inspiradores de sua conduta, ou namedida em que crê na legitimidade intrínseca deum comportamento, válido por si mesmo como,por exemplo, ser honesto, ser casto, não sealimentar de carne... Está, portanto, cumprindoum dever, um imperativo ou exigência ditadospor seu senso de dignidade, suas crençasreligiosas, políticas, morais ou estéticas, porvalores que preza tais como a justiça, a honra, ahonestidade, a fidelidade, a beleza... Porconseguinte, não é guiado pela consideraçãodos efeitos que poderão advir de sua conduta.14Daí que às vezes exista nesse tipo deprocedimento uma certa irracionalidade no quediz respeito à relação entre meios e fins, já queo agente não se interessa pelo aspecto da

racionalidade com a mesma paixão com queexige o respeito aos seus valores. Talirracionalidade será tanto maior quanto

14 Tanto ações sustentadas numa éticados fins últimos (a que faz do valor um fim em simesmo) quanto aquelas que, pautadas apenaspor um cálculo racional, visam atingirdeterminados fins utilizando quaisquer meiosdesá-guam em paradoxos, porquanto ambaspassam por alto as conseqüências que podemrecair sobre os outros. Quem é capaz demodificar sua conduta devido a essa consciênciaorienta-se segundo uma ética de responsabili-

dade, a qual suplementa a ética da convicção oudas certezas absolutas. Essa decisão não excluio comprometimento e a paixão por uma causa,

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tampouco aceita que os fins justifiquem o uso dequaisquer meios.

mais absoluto for, para o sujeito, o valorque inspira sua ação. O significado da ação nãose encontra, portanto, em seu resultado ou emsuas conseqüências, mas no desenrolar daprópria conduta, como, por exemplo, a daquelesque lutam em prol dos valores que consideramindiscutíveis ou acima de quaisquer outros,

como a paz, o exercício da liberdade (política,religiosa, sexual, de uso de drogas etc.), embenefício de uma causa como a nacional ou pelapreservação dos animais. O que dá sentido àação é sua fidelidade aos valores que a guiaram.

A conduta pode também não ter qualquermotivação racional, como é o caso daquelas detipo afetivo e de tipo tradicional. Diz-se que osujeito age de modo afetivo quando sua ação éinspirada em suas emoções imediatas -vingança, desespero, admiração, orgulho, medo,inveja, entusiasmo, desejo, compaixão, gostoestético ou alimentar etc. - sem consideração de

meios ou de fins a atingir. Uma ação afetiva éaquela orientada pelo ciúme, pela raiva ou pordiversas outras paixões. Ações desse tipo podemter resultados não pretendidos, desastrosos oumagníficos como, por exemplo, magoar a quemse ama, destruir algo precioso ou produzir umaobra de arte, já que o agente não se importacom os resultados ou conseqüências de suaconduta. A ação afetiva distingue-se da racionalorientada por valores pelo fato que, nesta, osujeito “elabora conscientemente os pontos dedireção últimos da atividade e se orientasegundo estes de maneira conseqüente”,portanto age racionalmente. Podem constituirações afetivas: escrever poemas eróticos ouamorosos, torcer por um time de futebol, levaros filhos a shows de cantores adolescentes,desde que elas se orientem pelos sentimentosdas pessoas que as realizam.

Quando hábitos e costumes arraigadoslevam a que se aja em função deles, ou comosempre se fez, em reação a estímulos habituais,estamos diante da ação tradicional. Tal é o casodo batismo dos filhos realizado por pais poucocomprometidos com a religião, o beijo na mão

durante o pedido de bênção, o cumprimentosemi-automático entre pessoas que se cruzamno ambiente de trabalho ou o acender umcigarro após um café. Weber compara osestímulos que levam à ação tradicional aos queproduzem a imitação reativa, já que é difícilconhecer até que ponto o agente temconsciência de seu sentido. Assim como a açãoestritamente afetiva, a estritamente tradicionalsitua-se no limite ou além do que Weberconsidera ação orientada de maneirasignificativamente consciente.

Podemos utilizar essas quatro categorias

para analisar o sentido de um sem-número decondutas, tanto daquelas praticadas, como dasque o agente se recusa a executar ou deixa depraticar: estudar, dar esmolas, comprar, casar,

participar de uma associação, fumar,presentear, socorrer, castigar, comer certosalimentos, assistir à televisão, ir à missa, àguerra etc. O sociólogo procura compreender osentido que um sujeito atribui à sua ação e seu

significado. Há que se ter claro, porém, oalerta de Weber de que “muito raras vezes aação, especialmente a social, estáexclusivamente orientada por um ou outro

destes tipos” que não passam de modelosconceituais puros, o que quer dizer que em geralas ações sofrem mais de um dessescondicionamentos, embora possam serclassificadas com base naquele que, no caso, é opredominante.

É necessário distinguir uma açãopropriamente social de dois modos de condutasimplesmente reativos, sem caráter social e cujosentido não se conecta significativamente àsações do outro, a saber: a) a ação homogênea -aquela executada por muitas pessoassimultaneamente, como proteger-se contra uma

calamidade natural, ou aquelas reaçõesuniformes de massa criadas pela situação declasse quando, por exemplo, todos osempresários de um setor aumentamautomaticamente seus preços a partir doanúncio pelo governo de que será criado umimposto específico; b) a ação proveniente deuma imitação ou praticada sob a influência daou condicionada pela conduta de outros ou poruma massa (uma multidão, a imprensa e aopinião pública seriam massas dispersas). Namedida em que o sujeito não orientoucausalmente sua conduta pelo comportamentode outros já que ele apenas imita, não seestabelece uma relação de sentido, o que colocaesse tipo de ação fora do campo de interesse daSociologia compreensiva.

RELAÇÃO SOCIALUma conduta plural (de vários),

reciprocamente orientada, dotada de conteúdossignificativos que descansam na probabilidadede que se agirá socialmente de um certo modo,constitui o que Weber denomina relação social.Podemos dizer que relação social é aprobabilidade de que uma forma determinada

de conduta social tenha, em algum momento,seu sentido partilhado pelos diversos agentesnuma sociedade qualquer. Como exemplos derelações sociais temos as de hostilidade, deamizade, as trocas comerciais, a concorrênciaeconômica, as relações eróticas e políticas. Emcada uma delas, as pessoas envolvidaspercebem o significado, partilham o sentido dasações dado pelas demais pessoas. Comomembros da sociedade moderna, todos nóssomos capazes de entender o gesto de umapessoa que pega o seu cartão de crédito parapagar uma conta. O mesmo não aconteceria, por

exemplo, com um índio ainda distante docontato com a nossa sociedade, pois ele seriaincapaz de partilhar, numa primeira

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aproximação, o sentido de vários dos nossosatos.

Quando, ao agir, cada um de dois ou maisindivíduos orienta sua conduta levando emconta a probabilidade de que o outro ou osoutros agirão socialmente de um modo que

corresponde às expectativas do primeiroagente, estamos diante de uma relação social. Ogerente do supermercado solicita a um

empacotador que atenda um cliente. Temos aquitrês agentes cujas ações orientam-se porreferências recíprocas, cada um dos quaiscontando com a probabilidade de que o outroterá uma conduta dotada de sentido e sobre aqual existem socialmente expectativascorrentes. Tomemos o exemplo desde o pontode vista da conduta e expectativas de umdesses agentes. O cliente, ao fazer suascompras, já conta tanto com a possibilidade deser auxiliado pelo empacotador, assim como temconhecimento de que, se necessário, poderárecorrer ao gerente para que este faça com que

o funcionário trabalhe adequadamente.Substituindo-os por um cidadão, um assaltante eum policial, ou por um casal, ou por pais e filhos,temos outros tipos de relação social que sefundam em probabilidades e expectativas docomportamento de cada um dos participantes. Oconteúdo dessas relações é diverso: prestaçãode serviços, conflito, poder, amor, respeito etc. eexiste nelas um caráter recíproco, embora essareciprocidade não se encontre necessariamenteno conteúdo de sentido que cada agente lheatribui mas na capacidade de cada umcompreender o sentido da ação dos outros. Umcidadão pode temer o assaltante que, emborareconheça os sofrimentos de sua vítima, éindiferente a eles. O empacotador pode sersolidário com o cliente e este tratá-lo friamente,um parceiro pode sentir paixão pelo outro queabusa da generosidade advinda de talsentimento. O caráter recíproco da relação socialnão significa uma atuação do mesmo tipo porparte de cada um dos agentes envolvidos.Apenas quer dizer que uns e outros partilham acompreensão do sentido das ações, todossabem do que se trata, mesmo que não haja

correspondência. Sinais de amor podem sercompreendidos, notados, sem que este amorseja correspondido. O que caracteriza a relaçãosocial é que o sentido das ações sociais a elaassociadas pode ser (mais ou menosclaramente) compreendido pelos diversosagentes de uma sociedade. Além disso, osconteúdos atribuídos às relações tampouco sãopermanentes, seja totalmente ou em parte,assim como as próprias relações entre agentes,as quais podem ser transitórias, duradouras,casuais, repetir-se etc.

Cada indivíduo, ao envolver-se nessas ou

em quaisquer relações sociais, toma porreferência certas expectativas que possui daação do outro (ou outros) aos quais sua condutase refere. O vendedor que aceita um cheque do

comprador, o desportista que atua com lealdadecom o adversário e o político que propõe a seusfuturos eleitores a execução de certos atos estãose baseando em probabilidades esperadas daconduta daqueles que são o alvo de sua ação.Em suma: as relações sociais são os conteúdossignificativos atribuídos por aqueles que agemtomando outro ou outros como referência -conflito, piedade, concorrência,

fidelidade, desejo sexual etc. e ascondutas de uns e de outros orientam-se poresse sentido embora não tenham que terreciprocidade no que diz respeito ao conteúdo.

 Tomemos uma ilustração. Ana notou queBeto tem interesse nela: vários de seus atosassim o indicam. Ele a convida para sair,concede-lhe muita atenção. Mas Ana não temintenção de namorar Beto e procura fazê-loentender isso através de recusas polidas.Conquanto ambos guiem suas ações porexpectativas da ação do outro, nesse caso oconteúdo de ambas não é recíproco, apesar de

totalmente compreensível para cada uma daspartes. Da mesma forma, somos capazes deentender o sentido de um gesto violento numaagressão, e é isto o que nos leva a reagir deacordo com ele, mesmo que não hajareciprocidade de nossa parte. O que importapara identificar relações sociais como tais é queestejam inseridas em e reguladas porexpectativas recíprocas quanto ao seusignificado. Os agentes podem conduzir-se comocolegas, inimigos, parentes, comprador evendedor, criminoso e vítima, admirador e astro,indiferente e apaixonado, patrão e empregado,ou dentro de uma infinidade de possibilidades,desde que todas elas incluam uma referênciacomum ao sentido partilhado. Uma relaçãosocial pode ser também efêmera ou durável, istoé, pode ser interrompida, ser ou não persistentee mesmo mudar radicalmente de sentidodurante o seu curso, passando, por exemplo, deamistosa a hostil, de desinteressada a solidáriaetc. Weber chama o Estado, a Igreja ou ocasamento de pretensas estruturas sociais quesó existem de fato enquanto houver aprobabilidade de que se dêem as relações

sociais dotadas de conteúdos significativos queas constituem. Ou seja, de que pessoas nessasociedade achem que devam se casar, pagarimpostos e votar ou assistir às cerimôniasreligiosas. Assim, do ponto de vista sociológico,um matrimônio, uma corporação ou mesmo umEstado deixam de existir “desde que desapareçaa probabilidade de que aí se desenvolvamdeterminadas espécies de atividades sociaisorientadas significativamente”.15 Weberapresenta uma interpretação inovadora arespeito do que é chamado de instituição, ou doque chama de “personalidades coletivas”.

Segundo ele, formações sociais como o Estado,cooperativas, sociedades anônimas etc.,

não são outra coisa quedesenvolvimentos e entrelaçamentos de ações

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específicas de pessoas individuais, já queapenas elas podem ser sujeitos de uma açãoorientada pelo seu sentido. Apesar disto, aSociologia não pode ignorar, mesmo para seuspróprios fins, aquelas estruturas sociais denatureza coletiva que são instrumentos deoutras maneiras de colocar-se diante darealidade. (...) Para a Sociologia, a realidadeEstado não se compõe necessariamente de seus

elementos jurídicos, ou mais precisamente, nãoderiva deles. Em todo caso não existe para elauma personalidade coletiva em ação. Quandofala do Estado, da nação, da sociedade anônima,da família, de uma corporação militar ou dequalquer outra formação semelhante,

15 WEBER. Economía y sociedad, p. 22.refere-se unicamente ao

desenvolvimento, numa forma determinada, daação social de uns tantos indivíduos...16 Tantomais racionais sejam as relações sociais, maisfacilmente poderão ser expressas sob a formade normas, seja por meio de um contrato ou de

um acordo, como no caso de relações deconteúdo econômico ou jurídico, daregulamentação das ações de governos, desócios etc. Pode-se deduzir que isso se tornamais difícil quando se trata de uma relação cujoprincipal fundamento seja erótico ou valorativo.Na realidade, as relações podem ter ambosconteúdos, enquanto definições ou conceitos sãotipos ideais. Weber refere-se também aoconteúdo comunitário de uma relação social,fundado num sentimento subjetivo (afetivo outradicional) de pertença mútua, que se dá entreas partes envolvidas e com base no qual a açãoestá reciprocamente referida, de modosemelhante ao que costuma ocorrer entre osmembros de uma família, estamento, gruporeligioso, escola, torcedores de um time ou entreamantes. Já a relação associativa apóia-se numacordo de interesses motivado racionalmente(seja com base em fins ou valores), como o quese dá entre os participantes de um contratomatrimonial, de um sindicato, do mercado livre ede associações religiosas ou como asOrganizações Não-Governamentais. Podemosidentificar, na maioria das relações sociais,

elementos comunitários e societários, assimcomo há motivos afetivos, tradicionais, religiosose racionais mesclados em quase todas as ações.Numa igreja ou associação religiosa podemosencontrar claramente tanto o conteúdocomunitário quanto o acordo de interessesracionais. Se o sentimento de pertença a umacomunidade - a comunhão - é a base da vidareligiosa para o praticante leigo, o trabalhoprofissional dos sacerdotes apóia-se em umaorganização racional.

Condutas podem ser regulares, sejaporque as mesmas pessoas as repetem ou

porque muitos o fazem dando a elas o mesmosentido, e isto interessa à Sociologia. Se talregularidade acontece devido ao mero hábito,trata-se de um uso; quando duradoura, torna-se

um costume; e é determinada por uma situaçãode interesses quando se reitera unicamente emfunção da orientação racional da ação. A moda éum uso que se contrapõe, graças ao seu caráterde novidade, ao costume, mas também poderesultar de convenções impostas por umestamento em busca de garantir seu prestígio,como a distinção que se expressa no consumoda alta costura. O processo de racionalização da

conduta pode exigir que o agente tomeconsciência e rejeite sua própria submissão àregularidade imposta pelo costume. Os agentespodem orientar-se pelas suas crenças na validezde uma ordem que lhes apresenta obrigações

16 WEBER. Economía y sociedad, p. 12.ou modelos de conduta (como é o caso

dos que vão à escola, ao templo ou ao trabalho).Ao adquirir o prestígio da legitimidade, ou seja,quando a ordem se torna válida para um oumais agentes, “aumenta a probabilidade de quea ação se oriente por ela em um grauconsiderável”, tanto mais quanto mais ampla for

a sua validez.17 A garantia da validade de umaordem pode se dar com base na “probabilidadede que, dentro de um determinado círculo dehomens, uma conduta discordante tropeçarácom uma relativa reprovação geral e sensível naprática” ou “na probabilidade de coação física oupsíquica exercida por um quadro de indivíduosinstituídos com a missão de obrigar àobservância dessa ordem ou de castigar suatransgressão”. No primeiro caso, a ordemchama-se convenção e, no segundo, direito.18DIVISÃO DO PODER NA COMUNIDADE: CLASSES,ESTAMENTOS E PARTIDOS Um dos problemasque se coloca, por excelência, a Sociologia: é odas diferenças sociais. Na concepção weberiana,elas podem ter vários princípios explicativos. Ocritério de classificação mais relevante é dadopela dominância, em dada unidade histórica, deuma forma de organização, ou pelo pesoparticular que cada uma das diversas esferas davida coletiva possa ter. Se, numa sociedadecomo a chinesa tradicional, a posição social éfixada pelas qualificações para a ocupação decargos mais do que pela riqueza, nas sociedadescapitalistas modernas a propriedade de certos

bens e as possibilidades de usá-los no mercadoestão entre os determinantes essenciais daposição de seus membros. Assim, o predomínioda esfera econômica nas sociedades capitalistastornou a riqueza e as propriedades os principaisfundamentos da posição social, enquanto nassociedades feudais européias valorizava-se aorigem, ou linhagem - fatores que sãorelevantes quando a esfera predominante é asocial - como principal elemento declassificação.

A concepção de sociedade construída porWeber implica numa separação de esferas -

como a econômica, a religiosa, a política, a  jurídica, a social, a cultural - cada uma delascom lógicas particulares de funcionamento. Oagente individual é a unidade da análise

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sociológica, a única entidade capaz de conferirsignificado as suas ações. Ao agir socialmentetendo em vista a validez de uma determinadaordem cujo sentido é compartilhado por aquelesque dela participam, ele o faz de acordo com ospadrões que são específicos de tal ordem e,assim, articula em sua ação sentidosreferenciados a esferas distintas. Isto éevidenciado nos achados de Weber sobre a

conduta do protestante, mais especificamente ocalvinista, cuja17 WEBER. Economía y sociedad, p. 25.

18 WEBER. Economía y sociedad, p. 27.ação resulta de uma combinação, com

pesos diferenciados, de um sentido puramenteeconômico, voltado para o mercado, e outro decaráter religioso, orientado para procedimentosdestinados a salvação de sua alma. Temos aqui,portanto, um conjunto de condutas ascéticasreferidas a ordens que costumam ser conflitivasdo ponto de vista ético - a econômica e areligiosa - mas que tiveram, entre seus

resultados, a poupança e a acumulação.É nas ações e no sentido que o agente

lhes confere que se atualiza a lógica de cadauma das esferas da vida em sociedade, e é apartir do contexto significante da ordem na qualuma ação individual está inserida quepoderemos compreender sociologicamente seusignificado. Assim, “a forma pela qual a honrasocial é distribuída dentro de uma comunidade,entre grupos típicos pertencentes a ela pode serchamada de ordem social”.19 Se existe aprobabilidade de alguns homens consideraremválidas as normas do Direito, eles estarãoorientando sua conduta de acordo com a ordem jurídica. Quando, por exemplo, o sentido de umarelação social é dado pela ordem econômica,isto é, pela distribuição de serviços e depropriedades, sua referência fundamental é omercado.20 Cada pessoa pode participar, aomesmo tempo, de diferentes esferas, como: sermembro de um partido, desfrutar de um certograu de prestígio, ter uma propriedade, praticaruma religião... e da infinidade real das açõesindividuais é que devem extrair-se asregularidades do comportamento humano.21

Partindo, portanto, do princípio geral de que sóas consciências individuais são capazes de darsentido à ação social e que tal sentido pode serpartilhado por uma multiplicidade de indivíduos,Weber estabeleceu conceitos referentes aoplano coletivo - a) classes, b) estamentos ougrupos de status e c) partidos - que nospermitem entender os mecanismosdiferenciados de distribuição de poder, o qualpode assumir a forma de riqueza, de distinçãoou do próprio poder político, num sentido estrito.Pessoas que têm a mesma posição no que serefere à propriedade de bens ou de habilitações

encontram-se numa determinada situação declasse. Nesse contexto, as ações sociais vão tera sua racionalidade e o seu significado definidospelo mercado no qual os indivíduos lutam para

adquirir poder econômico. É nessa esfera queWeber identifica os elementos para elaborar seuconceito de classes. Diz ele:

19 WEBER. Economía y sociedad, p. 683.20 Weber enumera, entre outras, a propriedadede edifícios, terras cultiváveis,estabelecimentos, armazéns, minas, gado,escravos, controle do próprio trabalho e dotrabalho de outros. 21 Para Weber, a Sociologia

e a História, ciências empíricas da ação,compreendem a ação ao interpretarem o seusentido. O sociólogo compreende com graumáximo de evidência as conexões de sentidoracionais e, com crescente dificuldade, as açõesque sofrem a influência de irracionalidades ou asque são orientadas por valores, principalmentese não for sensível a eles e quer conseguirrevivê-los. Cabe também à Sociologia o estudodas regularidades, os modos típicos dedesenvolvimento da ação, enquanto a Históriaestuda as conexões singulares.

Falamos de uma classe quando: 1) é

comum a um certo número de pessoas umcomponente causal específico de suasprobabilidades de existência na medida em que2) tal componente esteja representadoexclusivamente por interesses lucrativos e deposse de bens 3) em condições determinadaspelo mercado (de bens ou de trabalho).22

Como exemplos de classes, cita osproprietários de terras ou de escravos, osindustriais, os trabalhadores qualificados e osprofissionais liberais - todos os quaisconstituiriam grupos positivamente privilegiadosdevido à sua situação no mercado, isto é, a depossuidores de algum tipo de propriedade quetem valor (moeda, terra, máquinas,conhecimentos). Os trabalhadores não-qualificados, ao contrário, formariam uma classenegativamente privilegiada, mas é entre elesque se verificam com mais freqüência açõescomunitárias, que envolvem o sentimento depertença mútua. Em cada caso, o conjuntoespecífico de agentes orienta sua ação numsentido que é definido pela sua posição/situaçãono mercado.23 É o sentido comum (e fundadoem determinadas probabilidades) dessas ações

orientadas para o mercado (de trabalho, deprodutos, de empreendimentos) que faz de cadaconjunto de agentes uma classe.24 Mas osignificado das ações também pode ser definidosegundo critérios vigentes na ordem social - queé onde se opera a luta por honra e prestígio e sedá a sua distribuição. Aqui, o conteúdo dasrelações sociais é baseado em regras depertença a grupos de status ou estamentos.Logo, outra é a lógica de funcionamento queconfere racionalidade a essa esfera:

Em oposição às classes, os estamentossão normalmente comunidades, ainda que, com

freqüência, de caráter amorfo. Em oposição àsituação de classe condicionada por motivospuramente econômicos, chamaremos situaçãoestamental a todo componente típico do destino

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vital humano condicionado por uma estimaespecífica - positiva ou negativa - da honraadscrita a alguma qualidade comum a muitaspessoas. (...) Quanto ao seu conteúdo, a honracorrespondente ao estamento é normalmenteexpressa, antes de tudo, na exigência de ummodo de vida determinado para todos os quequeiram pertencer ao seu círculo.25

Weber cita os exemplos do

reconhecimento social de que desfrutavam, nosEstados Unidos, os descendentes das PrimeirasFamílias da Virgínia, da princesa indígena

22 WEBER. Economía y sociedad, p. 683.23 Os escravos, no entanto, mesmo sendotrabalhadores, e até mesmo qualificados,constituem um grupo de status ou estamento,não uma classe, porque o seu destino não estádeterminado por qualquer oportunidade devalorizar sua situação no mercado econômicopor meio de seu trabalho ou de seus bens. 24Comunidade é uma relação social na qual aatitude na ação social “inspira-se no sentimento

subjetivo dos participantes de constituir umtodo” e sociedade “inspira-se em umacompensação de interesses por motivosracionais de fins ou de valores ou também emuma união de interesses”. WEBER. Economía ysociedad, p. 33. 25 WEBER. Economía ysociedad, p. 687-688.

Pocahontas, dos Pilgrim Fathers e dosKnickerbocker26 o qual é comparável, dentro decertos limites, ao prestígio que pretendem aschamadas tradicionais famílias de algumasregiões brasileiras. Os estamentos (ou estados)expressam sua honra por meio de um estilo devida típico, constituído pelo consumo de certosbens, por determinados comportamentos emodos de expressão, pela celebração dematrimônios endogâmicos, uso de um tipoespecífico de vestimentas etc. Ligadas a essasexpectativas, existem “limitações à vida social,isto é (...) especialmente no que se refere aomatrimônio, até que o círculo assim formadoalcance o maior isolamento possível”,27 assimcomo a estigmatização de algumas atividadescomo o trabalho manual e até industrial. Osestamentos garantem a validez das condutas

desejáveis por meio de convenções, através dasquais expressa-se uma desaprovação geralrelativamente a comportamentos discordantes.A validez de uma ordem manifesta-se no fato deque aquele que a transgride é obrigado a ocultaressa violação. Enquanto as camadasestamentais socialmente superiores tendem abasear sua posição numa qualidade especial eintrínseca própria, por exemplo, o sangue, osestamentos negativamente privilegiados podemafirmar-se com base na crença em algumamissão que lhes cabe cumprir e, assim,sustentam sua honra e sentimento comunitário,

como é o caso dos povos que se dizem enviadosde deus ou portadores de uma mensagem.Qualquer que seja o seu caráter, os estamentos

podem ser fechados (por descendência) ouabertos.

Ora, uma casta é, sem dúvida, umestamento fechado, pois todas as obrigações ebarreiras que a participação num estamentoencerra existem numa casta, na qual sãointensificadas em grau extremo. O Ocidenteconheceu estados legalmente fechados, nosentido de que o intermatrimônio com não-

membros do grupo estava ausente. (...) AEuropa ainda reconhece essas barreiras deestamento para a alta nobreza. A Américaadmite-a entre brancos e negros (inclusive todosos sangues mistos) nos estados sulistas daUnião. Mas na América tais barreiras significamque o casamento é absoluta e legalmenteinadmissível, à parte o fato de que talintermatrimônio provocaria um boicote social.28

Essa forma de estratificação já foi maissignificativa no passado e pode chocar-se com aracionalidade presente na esfera econômicadominante na sociedade capitalista. Isto significa

que, nas sociedades ocidentais contemporâneas,embora a situação de status não estejadeterminada pela mera posse de bens, a longoprazo a propriedade torna-se reconhecida comouma qualificação estamental, porque a própriapossibilidade de manter um estilo de vidadistintivo exige uma certa disponibilidade derecursos a qual, é, por sua vez, garantida

26 Estes seriam os personagens que seconverteram em mitos fundadores da naçãonorte-americana: uma princesa nativa, osprimeiros puritanos ingleses e os holandesesque migraram e se estabeleceram na região. 27WEBER. Economía y sociedad, p. 688. 28WEBER. Índia: o brâmane e as castas, p. 460.

por uma participação regular no podereconômico. Em outras palavras, uma famíliaeconomicamente decadente tende a perder seustatus. De toda maneira, “enquanto as classestêm seu verdadeiro solo pátrio na ordemeconômica, os estamentos o têm na ordemsocial e, portanto, na esfera da distribuição dehonras”.29 Mas se no plano histórico aimportância dos estamentos concebidos naforma clássica foi reduzida, na Sociologia

contemporânea este conceito tem sido utilizadode modo amplo, em virtude de que, atravésdele, podem explicar-se os mecanismos deimposição de uma ordem social. É por concebera sociedade dividida em instâncias diferenciadasque Weber distingue entre os conceitos declasse - fenômeno puramente econômico edefinido na esfera do mercado - de consciênciade classe adscrito à esfera social. Weber vê naconsciência de classe um caráter contingente,ao contrário de Marx, que postula umacorrelação necessária entre esses dois planos.Pertencer a uma determinada classe não implica

em possuir qualquer sentimento de comunidadeou consciência de interesses ou direitos. Issoacontece tipicamente com os membros de umestamento, e estes não são necessariamente

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membros de uma mesma classe. No caso dasclasses, é possível dar-se uma ação homogêneaou de massa, a qual pode ou não vir a setransformar numa ação comunitária, isto é,aquela inspirada pelos sentimentos (afetivos outradicionais) dos seus membros de pertencerema um todo. No entanto, os membros de umaclasse participam tipicamente de outro tipo deação: a ação societária, baseada em interesses

racionalmente motivados. A partir das formas deação social que os compo¬nentes de uma classesão capazes de empreender enquanto grupo,torna-se viável a compreensão do sentido dasgreves ou da constituição dos fundos de ajudamútua entre trabalhadores, mas também o daassociação entre empresários. O significado dascondutas não se encontra em possíveistransformações estruturais da sociedade ou namanutenção do status quo... mas pode seressencialmente racional com respeito a fins. Nasduas situações, aquelas ações remetem aomercado: a seu modo de funcionamento, à

configuração específica de interesses que nelese desenha e à maneira como os diversosagentes nele se posicionam.

Uma das distinções entre estamentos eclasses refere-se, portanto, à necessáriaexistência, nos primeiros, de um sentimento depertença, já que as classes são apenas “basespossíveis (e freqüentes) de uma açãocomunitária”.30 Os membros de grupos destatus estão de acordo com a manutenção dessecaráter de fechamento aos demais (os não-membros), isto é, de garantia de exclusividade,de privilégios ou monopólios, sempre baseadosem algum critério socialmente legítimo deexclusão. Participar de um estamento quer dizer,então, viver

29 WEBER. Economía y sociedad, p. 69330 WEBER. Economía y sociedad, p. 683.

de acordo com determinadas regras quediferenciam os componentes deste grupo dos deoutros. É esse sentido de distinção - ligado àobtenção e/ou adoção de estilos de vida,maneiras, tradições, modas, diplomas, etiqueta,lugar de residência ou à estigmatização decertos modos de aquisição ou de

estabelecimento de parcerias matrimoniais etc. -que orienta a conduta dos agentes que oconstituem. Entre as ações comunais maisfreqüentes nesse caso devem destacar-se aspráticas de exclusão e afastamento dos não-membros, as quais reforçam os sentimentos depertença e de distinção. Ao contrário,

o mercado e os processos econômicosnão conhecem nenhuma acepção de pessoas.Os interesses materiais dominam então sobre apessoa. Nada sabe de honra. Ao contrário dele, aordem estamental significa justamente oinverso: uma organização social de acordo com

a honra e um modo de viver segundo as normasestamentais. Tal ordem e, pois, ameaçada emsua própria raiz quando a mera aquisiçãoeconômica e o poder puramente econômico, que

revelam claramente sua origem externa, podemoutorgar a mesma honra a quem os tenhaconseguido, ou podem inclusive (...) outorgar-lhes uma honra superior em virtude do êxito,que os membros de um estamento pretendemdesfrutar em virtude de seu modo de vida. Porisso os membros de toda organizaçãoestamental reagem com rigor contra aspretensões do mero lucro econômico e quase

sempre com tanto maior aspereza quanto maisameaçados se sentem.31 Mesmo que,tendencialmente, estamentos positivamenteprivilegiados superponham-se a classes tambémprivilegiadas, isto não ocorre sempre. Umexemplo clássico é o da aristocracia feudaleuropéia que, embora economicamentedecadente, continuava a ser socialmentevalorizada em oposição aos ricos, mas nemsempre refinados, membros da burguesiaenriquecida. Uma ilustração contemporâneadesse tipo de comportamento distintivo é aqueleadotado pelos freqüentadores da chamada alta

sociedade em relação aos pejorativamentechamados novos ricos ou emergentes, os quenão tiveram berço e, em certos casos, osplebeus. Enfim,

o estamento é uma qualificação emfunção de honras sociais ou da falta destas,sendo condicionado principalmente, bem comoexpresso, através de um estilo de vidaespecífico. A honra social pode resultardiretamente de uma situação de classe sendo,na maioria das vezes, determinada pela médiada situação de classe dos membros doestamento. Isso, porém, não ocorrenecessariamente. A situação estamental, porsua vez, influi na situação de classe, pelo fato deque o estilo de vida exigido pelos estamentosleva-os a preferir tipos especiais de propriedadeou empresas lucrativas e rejeitar outras.32

Embora reconheça na definição seguinteuma simplificação excessiva, Weber diz: “Asclasses se organizam segundo as relações deprodução e aquisição de bens, os

31 WEBER. Economía y sociedad, p. 691-692. 32 WEBER. Índia: o brâmane e as castas, p.459.

estamentos, segundo princípios de seuconsumo de bens nas diversas formasespecíficas de sua maneira de viver.”33

As castas seriam, por fim, aqueles gruposde status fechados cujos privilégios e distinçõesestão desigualmente garantidos por meio deleis, convenções e rituais. Isso se dá geralmentequando há diferenças étnicas, como no caso dospovos párias, podendo ocorrer repulsa edesprezo mútuos, segregações rígidas emtermos ocupacionais e às vezes até de qualquertipo de relacionamento social como compartilharrefeições e freqüentar certos locais.34 Costuma

haver regras de endogamia, de comensalidade ede dieta. Os contatos físicos com membros decastas inferiores podem contaminar aqueles dascastas superiores e às vezes tal impureza deve

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ser expiada por meio de um ato religioso. Porsua estrutura, as sociedades de castas implicamnum tipo de subordinação entre grupos commaiores ou menores privilégios. Mas Weberaponta para a existência, nesses grupos étnicosoprimidos, de vigorosos sentimentos de umahonra e dignidade própria superiores, apesar dee talvez por eles se encontrarem em umasituação inferior, ou mesmo de serem alvo de

desprezo e rejeição por parte dos demais grupossociais. Muitas vezes as castas vinculam-se adeterminados ofícios e sustentam uma éticaprofissional tradicional de caráter religioso,vocacional, fundada na perfeição do produto,portanto distante “de toda idéia deracionalização do modo de produção que seencontra na base de toda técnica racionalmoderna - sistematização da exploração paraconvertê-la em uma economia lucrativa racional- de todo capitalismo moderno”.35 Enfim, asdiferenças que correspondem, no interior daordem econômica, às classes e, no da ordem

social ou da distribuição da honra, aosestamentos, geram na esfera do poder social ospartidos, cuja ação é tipicamente racional:buscar influir sobre a direção que toma umaassociação ou uma comunidade. O partido “éuma organização que luta especificamente pelodomínio” embora só adquira caráter político sepuder lançar mão da coação física ou de suaameaça.

Em oposição à ação comunitária exercidapelas classes e pelos estamentos (...) a açãocomunitária dos partidos contém sempre umasocialização, pois sempre se dirige a um fimmetodicamente estabelecido, tanto se se tratade um fim objetivo - a realização de umprograma com propósitos ideais ou materiais -como de uma finalidade pessoal - prebendas,poder e, como conseqüência disso, honras paraseus chefes e sequazes ou ambos de uma sóvez. (...) Por isso, só podem existir partidosdentro de comunidades de algum modosocializadas, isto é, de comunidades que têm

33 WEBER. Economía y sociedad, p. 692.34 Uma forte discriminação referente aosdescendentes daqueles trabalhadores que se

dedicavam a lidar com a carne e o couro aindapode ser verificada atualmente na sociedade  japonesa. 35 WEBER. Economía y sociedad, p.353.

uma ordem racional e um aparatopessoal dispostos a assegurá-la, pois afinalidade dos partidos consiste precisamenteem influir sobre tal aparato e, onde sejapossível, ocupá-lo com seus seguidores.36 ADOMINACÃO Uma das questões colocadas àSociologia é a que se refere à persistência dasrelações sociais. O que pode levar a que oconteúdo dessas relações ou elas próprias se

mantenham? Dito de outro modo, o que faz comque os indivíduos dêem às suas ações umsentido determinado que perdure comregularidade no tempo e no espaço? Qual é a

base da regularidade nas ações das pessoas seo que lhes dá sentido não é uma instituiçãoabstrata? Uma vez que Weber entende que osocial constrói-se a partir das ações individuais,cria-se um problema teórico: como é possível acontinuidade da vida social? A resposta para taisquestões encontra-se no fundamento daorganização social, chave do verdadeiroproblema sociológico: a dominação ou a

produção da legitimidade, da submissão de umgrupo a um mandato. É fundamental entãodistinguir os conceitos de poder e dominação.

O conceito de poder é, do ponto de vistasociológico, amorfo já que “significa aprobabilidade de impor a própria vontade dentrode uma relação social, mesmo contra toda aresistência e qualquer que seja o fundamentodessa probabilidade”37 Portanto, não se limita anenhuma circunstância social específica, dadoque a imposição da vontade de alguém podeocorrer em inúmeras situações.

Os meios utilizados para alcançar o poder

podem ser muito diversos, desde o emprego dasimples violência até a propaganda e o sufrágiopor procedimentos rudes ou delicados: dinheiro,influência social, poder da palavra, sugestão eengano grosseiro, tática mais ou menos hábil deobstrução dentro das assembléiasparlamentares.38 A probabilidade de encontrarobediência dentro de um grupo a um certomandato torna os conceitos de dominação e deautoridade de interesse para a Sociologia já quepossibilitam a explicação da regularidade doconteúdo de ações e das relações sociais.Enquanto a disciplina deve-se à obediênciahabitual, por exemplo por parte das massas ouda família, “sem resistência nem crítica”, adominação é

36 WEBER. Economía y sociedad, p. 693.Prebendas são pagamentos vita(?) ou se devemao usufruto de rendas auferidas graças aodesempenho (?) de (?) eres num cargo. 37WEBER. Economía y sociedad, p. 43. Como diriaRousseau, em Do contrato social: “Ceder à forçaconstitui ato de necessidade, não de vontade;quando muito, ato de prudência. Em que sentidopoderá representar um dever?” 38 WEBER.

Economía y sociedad, p. 693.um estado de coisas pelo qual umavontade manifesta (mandato) do dominador oudos dominadores influi sobre os atos de outros(do dominado ou dos dominados), de tal modoque, em um grau socialmente relevante, estesatos têm lugar como se os dominados tivessemadotado por si mesmos e como máxima de suaação o conteúdo do mandato (obediência).39 Adominação legítima pode justificar-se por trêsmotivos de submissão ou princípios deautoridade - racionais, tradicionais ou afetivos.

Pode depender diretamente de uma

constelação de interesses, ou seja, deconsiderações utilitárias de vantagens einconvenientes por parte daquele que obedece.Pode também depender de mero costume, do

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hábito cego de um comportamento inveterado,ou pode fundar-se, finalmente, no puro afeto, namera inclinação pessoal do súdito. Não obstante,a dominação que repousasse apenas nessesfundamentos seria relativamente instável. Nasrelações entre dominantes e dominados, poroutro lado, a dominação costuma apoiar-seinternamente em bases jurídicas, nas quais sefunda a sua legitimidade, e o abalo dessa crença

na legitimidade costuma acarretarconseqüências de grande alcance. Em formatotalmente pura, as bases de legitimidade dadominação são somente três, cada uma dasquais se acha entrelaçada - no tipo puro - comuma estrutura sociológica fundamentalmentediversa do quadro e dos meiosadministrativos.40 São, portanto, três os tiposde dominação legítima: a legal, a tradicional e acarismática. As formas básicas de legitimação  justificam-se com base em distintas fontes deautoridade,

a do “ontem eterno”, isto é, dos mores

santificados pelo reconhecimentoinimaginavelmente antigo e da orientaçãohabitual para o conformismo. É o domíniotradicional exercido pelo patriarca e pelopríncipe patrimonial de outrora. (...) A do dom dagraça (carisma) extraordinário e pessoal, adedicação absolutamente pessoal e a confiançapessoal na revelação, heroísmo ou outrasqualidades da liderança individual. É o domíniocarismático exercido pelo profeta ou - no campoda política - pelo senhor de guerra eleito, pelogovernante plebiscitário, o grande demagogo ouo líder do partido político. Finalmente, há odomínio da legalidade, em virtude da fé navalidade do estatuto legal e da competênciafuncional, baseada em regras racionalmentecriadas. Nesse caso, espera-se o cumprimentodas obrigações estatutárias. É o domínioexercido pelo moderno servidor do Estado e portodos os portadores do poder que, sob esteaspecto, a ele se assemelham.41

A essência da política, dos mecanismosdo mercado e da vida social é a luta; seja ela “oduelo entre cavaleiros reguladoconvencionalmente, a concorrência sem limites,

a disputa erótica sem regulações ou acompetição esportiva estritamente regulada”. Oconteúdo desse tipo de relação social “orienta-se pelo propósito de impor a própria vontadecontra a

39 WEBER. Economía y sociedad, p. 699.40 WEBER. Economía y sociedad, p. 706-707. 41WEBER. A política como vocação, p. 99.

resistência da outra ou das outraspartes”.42 Os homens lutam por seus interessesno mercado assim como, para participar nopoder ou influir na sua distribuição, seja entreEstados ou entre grupos dentro de um Estado,

“ou mesmo com a finalidade de desfrutar asensação do prestígio produzida pelo poder”.43O homem não ambiciona o poder apenas paraenriquecer economicamente. Muito

freqüentemente, aspiram-se às honras sociaisque ele produz.44 Em suma, classes,estamentos e partidos são fenômenos dedistribuição de poder dentro da comunidade emanifestações organizadas da luta cotidiana quecaracteriza a existência humana. Há que seatentar para o fato de que as categorias de lutae seleção, que poderiam dar margem a umainterpretação darwinista da Sociologia

weberiana, não se referem à luta dos indivíduospor suas probabilidades de vida, mas pelaseleção das relações sociais, por impedi-Ias,estorvá-las, favorecê-las ou organizá-las numcerto padrão que convém ou atende aos valoresou interesses e crenças daqueles que tratam deimpô-los. A vitória daqueles possuidores dequalidades - não importa se baseadas na força,na devoção, na originalidade, na técnicademagógica, na dissimulação etc. - as quaisaumentam suas probabilidades de entrar numarelação social (seja na posição de funcionário,mestre de obras, diretor-geral, empresário,

profeta, cônjuge ou deputado) é chamada deseleção social. Nesse quadro, a realidade socialaparece como um complexo de estruturas dedominação. A possibilidade de dominar é a dedar aos valores, ao conteúdo das relaçõessociais, o sentido que interessa ao agente ouagentes em luta. O espírito do capitalismo, porexemplo, “teve que lutar por sua supremaciacontra todo um mundo de forças hostis”. Mas

para que um modo de vida tão bemadaptado às peculiaridades do capitalismopudesse ter sido selecionado, isto é, pudesse vira dominar sobre os outros, ele teve de seoriginar em alguma parte, e não apareceu emindivíduos isolados, mas como um modo de vidacomum a grupos inteiros de homens.45

A luta pelo estabelecimento de umaforma de dominação legítima - isto é, dedefinições de conteúdos considerados válidospelos participantes das relações sociais - marcaa evolução de cada uma das esferas da vidacoletiva em particular e define o conteúdo dasrelações sociais no seu interior. As atitudessubjetivas de cada indivíduo que é parte dessa

42 WEBER. Economía y sociedad, p. 3l. 43

Weber esclarece que, embora desde suaperspectiva a Sociologia não reconheça umapersonalidade coletiva em ação, o conceito deEstado é um conceito coletivo significativo paraos indivíduos que por ele orientam sua conduta.44 WEBER. Economía y sociedad, p. 683. 45WEBER. A ética protestante e o espírito docapitalismo, p. 34.

ordem passam a orientar-se pela crençanuma ordem legítima, a qual acaba porcorresponder ao interesse e vontade dodominante. Desse ponto de vista, é a dominaçãoo que mantém a coesão social, garante a

permanência das relações sociais e a existênciada própria sociedade. Ela se manifesta sobdiversas formas: a interpretação da história deacordo com a visão do grupo dominante numa

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certa época, a imposição de normas de etiquetae de convivência social consideradas adequadas,e a organização de regras para a vida política. Éimportante ressaltar que a dominação não é umfenômeno exclusivo da esfera política, mas umelemento essencial que percorre todas asinstâncias da vida coletiva.

Weber interessou-se pelas estruturas dedominação especialmente sob duas formas: a

burocrática e a carismática. A primeiracorresponde ao tipo especificamente modernode administração, racionalmente organizado, aoqual tendem as sociedades ocidentais e quepode aplicar-se tanto a empreendimentoseconômicos e políticos quanto àqueles denatureza religiosa, profissional etc. Nela alegitimidade se estabelece através da crença nalegalidade das normas estatuídas e dos direitosde mando dos que exercem a autoridade. Emoposição a ela, as duas outras formas(tradicional e carismática) fundamentam-se emcondutas cujos sentidos não são racionais. Em

comparação com a carismática, a tradicional émais estável. Mas, em certas circunstâncias,cada uma dessas formas de dominação podeconverter-se na outra ou destruí-la. As formas dedominação tradicionais ou racionais podem serrompidas pelo surgimento do carisma queinstitui um tipo de dominação que se baseia na“entrega extra-cotidiana à santidade, heroísmoou exemplaridade de uma pessoa e às regraspor ela criadas ou reveladas”.46 Ela representaa possibilidade, no sistema teórico weberiano,de rompimento efetivo, apesar de temporário,das outras formas de dominação. Em algummomento de seu exercício e mesmo paramanter-se, a dominação carismática tende atornar-se tradicional ou racional-legal, o que échamado de rotinização ou cotidianização docarisma. CARISMA E DESENCANTAMENTO DOMUNDO

A despeito da dimensão iluminista do seupensamento, na qual a história revela-se comoum progresso, existe um Weber pessimista queaponta para as conseqüências negativas, masinevitáveis, do processo de racionalização, o quedá à sua obra, certamente crítica, um tom de

resignação.47 Como participante ativo daprodução cultural de sua época, Weber46 WEBER. Economía y sociedad, p. 172.

47 Ver COHN. Crítica e resignação -fundamentos da Sociologia de Max Weber.

partilhava a visão de que o avanço daracionalidade tinha também como resultadouma decadência geral da cultura clássica, emespecial da alemã. O sentido em que o processode evolução vem ocorrendo é tal que “limitacada vez mais o alcance das escolhas efetivasabertas aos homens”. Estes não só têm poucasalternativas como vão se tornando cada vez

mais medíocres.  Tudo isso é conseqüência do que se

chama de desencantamento do mundo. Ahumanidade partiu de um universo habitado

pelo sagrado, pelo mágico, excepcional echegou a um mundo racionalizado, material,manipulado pela técnica e pela ciência. Omundo de deuses e mitos foi despovoado, suamagia substituída pelo conhecimento científico epelo desenvolvimento de formas de organizaçãoracionais e burocratizadas, e “os valores últimose mais sublimes retiraram-se da vida pública,seja para o reino transcendental da vida mística,

seja para a fraternidade das relações humanasdiretas e pessoais”.48 Quais as conseqüênciasdessa racionalização operada por meio daciência e da técnica? Acaso ela garantiria que oshomens encontraram o caminho para overdadeiro deus ou para a felicidade? Para oautor, isso não passa de ilusão ou de otimismoingênuo. Mas ao menos teríamos hoje umconhecimento mais claro das nossas própriascondições de vida do que tinham os primitivos?É o próprio Weber que responde a essasindagações:

A menos que seja um físico, quem anda

num bonde não tem idéia de como o carro semovimenta. E não precisa saber. Basta-lhe podercontar com o comportamento do bonde eorientar sua conduta de acordo com essaexpectativa; mas nada sabe sobre o que énecessário para produzir o bonde ou movimentá-lo. O selvagem tem um conhecimentoincomparavelmente maior sobre suasferramentas. (...) A crescente intelectualização eracionalização não indicam, portanto, umconhecimento maior e geral das condições sobas quais vivemos. Significa mais alguma coisa,ou seja o conhecimento ou crença em que, sequiséssemos, poderíamos ter esse conhecimentoa qualquer momento. Significa principalmente,portanto, que não há forças misteriosasincalculáveis, mas que podemos, em princípio,dominar todas as coisas pelo cálculo. Istosignifica que o mundo foi desencantado. Já nãoprecisamos recorrer aos meios mágicos paradominar ou implorar aos espíritos. (...) Os meiostécnicos e os cálculos realizam o serviço. Isto,acima de tudo, é o que significa aintelectualização.49

No entanto, a história não é apenas

progresso linear em direção aos mundosburocráticos: há descontinuidades e estados decrise, quando as “estruturas institucionaisconsolidadas podem desintegrar-se, e as formasrotineiras de vida mostrar-se insuficientes paradominar um estado de crescentes tensões,pressão ou sofrimento”.50 O agente da rupturaé o líder, herói ou profeta portador do carisma.Esta é

48 WEBER. A ciência como vocação, p.182. 49 WEBER. A ciência como vocação, p. 165.50 GERTH; MILLS. Orientações intelectuais, p.69-70.

a qualidade, que passa por extraordinária(cuja origem é condicionada magicamente, querse trate de profetas, feiticeiros, árbitros, chefesde caçadas ou comandantes militares), de uma

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personalidade, graças à qual esta é consideradapossuidora de forças sobrenaturais, sobre-humanas - ou pelo menos especificamenteextra-cotidianas, não-acessíveis a qualquerpessoa - ou, então, tida como enviada de Deus,ou ainda como exemplar e, em conseqüência,como chefe, caudilho, guia ou líder.51

Com a ênfase que dá ao indivíduoextraordinário, que transcende os limites da

rotina cotidiana, Weber abre espaço para umtipo de liderança capaz de produzir mudançassignificativas em relações sociais marca das pelaracionalidade - seja na esfera política ou nareligiosa, num tipo de dominação tradicional ouburocrática. Ao situar-se em oposição aospoderes hierocráticos tradicionais dos mágicosou sacerdotes, o profeta ou salvador “colocouseu caris ma pessoal contra a dignidade deles,consagrada pela tradição, a fim de romper seupoder ou colocá-los a seu serviço”.52 Weberconsiderava que, no mais das vezes, asburocracias dominantes, como a confuciana,

caracterizavam-se pelo desprezo a todareligiosidade irracional, respeitando-a apenas nointeresse da domesticação das massas. Asclasses e estamentos (os camponeses, osartesãos, os comerciantes, os industriais etc.)relacionam-se de distintas formas com areligiosidade. O proletariado moderno e asamplas camadas da burguesia moderna, se éque tomam uma atitude religiosa unilinear,costumam sentir indiferença ou aversão peloreligioso. A consciência de depender do própriorendimento, diz ele, é enfocada ou completadapela da dependência a respeito das purasconstelações sociais, conjunturas econômicas erelações de poder sancionadas pela lei. Mas

as camadas mais baixas do proletariado -as mais instáveis do ponto de vista econômico,de muito difícil acesso às concepções racionais -e as camadas da pequena burguesia - emdecadência proletária ou em constanteindigência e ameaçadas de proletarização - sãopresa fácil de missões religiosas, sobretudo asque adquirem forma mágica ou mágico-orgiástica. (...) Sem dúvida é mais fácil queprosperem sobre esse solo os elementos

emotivos do que os racionais de uma éticareligiosa.53É esse um locus perfeito para o

surgimento de lideranças carismáticas de cunhoreligioso ou político, de salvadores. Mas apesarde e talvez graças ao seu caráter renovador eirracional, o carisma é engolido pela lógicaférrea das instituições e obrigatoriamente érotinizado ou adaptado ao cotidiano, sendoretomado o caminho da institucionalizaçãotradicional ou racional.

51 WEBER. Economía y sociedad, p. 193.52 WEBER. Rejeições religiosas do mundo e suas

direções, p. 376. 53 WEBER. Economía ysociedad, p. 389.

O revolucionismo emocional é seguidopela rotina tradicionalista da vida cotidiana; o

líder cruzado e a própria fé desaparecem ou, oque é ainda mais verdadeiro, a fé torna-se parteda fraseologia convencional. (...) Essa situação éespecialmente rápida nas lutas de fé, porqueelas são habitualmente levadas ou inspiradaspor líderes autênticos, isto é, profetas darevolução. Nesse caso, tal como ocorre com amáquina de todo líder, uma das condições parao êxito é a despersonalização e rotinização, em

suma, a proletarização psíquica, no interesse dadisciplina. Depois de ascenderem ao poder, osseguidores de um cruzado habitualmentedegeneram muito facilmente numa camadacomum de saqueadores.54 A SOCIOLOGIA DARELIGIÃO Como nas demais, também na ordemreligiosa existe luta entre agentes pelaimposição do seu domínio, podendo seroperadas mudanças decisivas tanto no âmbitoda religião como em outras áreas da vidacoletiva. Assim como na economia e na política,também tem-se assistido na vida religiosa,especialmente em algumas seitas ocidentais, ao

estabelecimento de um conjunto de valoresconducentes à racionalização das condutas dosfiéis. Weber considerou este um fenômenofundamental para a transformação das práticaseconômicas e para a constituição da estruturadas sociedades modernas. Portanto, o estudo dareligiosidade é essencial para a compreensãodas distintas formas de vida social, assim comode sua evolução, sendo a racionalização dasrelações sociais a mais clara tendência presentenas sociedades ocidentais - questão de grandecentralidade no conflito sociopolíticointernacional contemporâneo.

Na medida em que cada religião constituiuma individualidade histórica extremamente ricae complexa, uma profecia religiosa pode terdiversos conteúdos. De acordo com o interesseintelectual que o move, Weber enfatiza algunsde seus aspectos, orientando-se pelasconseqüências práticas da religiosidade emtermos das suas possibilidades de racionalizaçãoda conduta social. Uma das fontes desseracionalismo rigorosamente realista, orientadoprática e politicamente, foi a nobreza funcionáriamilitar de Roma, que rejeitava como indecorosos

o êxtase na forma orgiástica ou de euforia,assim como a dança, a música e as lutas paratreinamento nos ginásios, tão apreciados pelosgregos. As congregações cristãs que sofreraminfluência romana não incorporaram àreligiosidade ou à cultura qualquer elementoirracional, e o desenvolvimento das técnicas desalvação no Ocidente seguiu esse caminho.55

Em toda religião que descansa numatécnica de salvação (como o êxtase, aembriaguez, a possessão etc.) o renascimentosob o ponto de vista religioso só parece

54 WEBER. A política como vocação, p.

149. 55 WEBER. Economía y sociedad, p. 437.acessível à aristocracia dos

religiosamente qualificados por meio de umaluta pessoal contra os apetites ou afetos da rude

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natureza humana, apoiada em uma ética devirtuosos. Mas a religião pode também fomentaro racionalismo prático. Em outras palavras,estimular uma intensificação da racionalidademetódica, sistemática, do modo de levar a vida,e uma objetivação e socialização racional dosordenamentos terrenos. Isto foi o que ocorreucom os mosteiros católicos cujas práticascotidianas somadas à frugalidade dos internos

tiveram como conseqüência inesperada umacumulo considerável de riqueza.A diferença histórica decisiva entre as

religiosidades de salvação predominantes nomundo oriental e no ocidental consiste em que aprimeira desemboca essencialmente nacontemplação, e a última, no ascetismo.Enquanto os ascetas procuravam participar nosprocessos do mundo, os místicos dispunham-seà possessão contemplativa do sagrado, estado“no qual o indivíduo não é um instrumento, masum recipiente do divino” e portanto foge domundo para unir-se aos deuses. A atitude

religiosa ascética conduz o virtuoso a submeterseus impulsos naturais ao modo sistematizadode levar a vida, o que pode provocar umareorientação da vida social da comunidade numsentido ético religioso, um domínio racional douniverso. Para concentrar-se nas obras desalvação pode ser necessária uma separação domundo - incluindo-se aí as relações familiares, osinteresses econômicos, eróticos etc. (ascetismonegador do mundo) - ou a atividade dentro efrente à ordem do mundo (ascetismo orientadopara o mundo, secular ou intramundano). Noprimeiro caso, o crente defende-se contra asdistrações que a vida terrena oferece, nosegundo, o mundo torna-se uma obrigação, e amissão do crente, que se torna um reformadorou revolucionário racional, consiste emtransformá-lo segundo os ideais ascéticos.56Entregar-se aos bens mundanos põe em perigo aconcentração sobre os bens de salvação: épreciso, então, negá-los. Atuar sobre as esferasseculares e submeter seus próprios impulsosnaturais convertem-se, para o asceta, numavocação que ele tem que cumprir racionalmente.Para compreender em linhas gerais a evolução e

direções que tomam as doutrinas ascéticas, énecessário que se analise a natureza daorganização das comunidades religiosas à luzdos processos de racionalização, especialmenteaqueles que se dão após a renovação da ordemtradicional provocada pelo aparecimento delideranças carismáticas.

Igreja é definida por Weber como umaassociação de dominação que se utiliza de bensde salvação por meio da coação hierocráticaexercida através de um quadro administrativoque pretende ter o monopólio legítimo dessacoação. Portanto, ela submete

56 WEBER. Economía y sociedad, p. 429.seus membros de modo racional e

contínuo. Diferentemente de uma congregação -que se compõe de um conjunto de auxiliares

permanentes, unidos pessoalmente a umprofeta portador de carisma -, os sacerdotes sãoaqueles indivíduos socializados por meio dahierarquia administrativa, portanto constituemuma burocracia. A evolução e a organização daIgreja e da “religiosidade congregacional comouma estrutura corporativa a serviço de finsobjetivos” supõem um processo de rotinizaçãodo carisma do profeta ou salvador.57 Isto

porque os mandamentos do salvador ou suaprofecia pretendem levar a que os crentesmodifiquem seu modo de vida a fim de alcançarum ideal sagrado e nisso são guiados pela classesacerdotal, que vai sistematizar e tornarinteligível para os laicos o conteúdo da profeciaou tradição sagradas. Assim,

se uma comunidade religiosa surge naonda de uma profecia ou da propaganda de umsalvador, o controle da conduta regular cabe,primeiro, aos sucessores qualificadoscarismaticamente, aos alunos, discípulos dosprofetas ou do salvador. Mais tarde, sob certas

condições que se repetem regularmente (...)essa tarefa caberá a uma hierocracia sacerdotal,hereditária ou oficial.58

O processo de racionalização que ocorrena organização da comunidade religiosa reflete-se em suas concepções de mundo e nas razõesque são apresentadas para explicar aos fiéis porque alguns são mais afortunados do que outros -ou seja, o sofrimento individual visto comoimerecido - e por que nem sempre são oshomens bons, mas os maus, os que vencem...59De modo geral, as religiões mais antigasproporcionavam a teodicéia dos mais bemaquinhoados - os “homens dominantes, osproprietários, os vitoriosos e os sadios”, osdotados de “honras, poder, posses e prazer” -que viam, assim, legitimada a sua boa sorte.Mas é necessário dar respostas aos maiscarentes, os oprimidos, que precisam deconforto e de esperança na redenção,fornecendo-lhes uma teodicéia do seusofrimento, uma interpretação ética sobre “aincongruência entre o destino e o mérito”. Ateodicéia tinha que dar respostas também àinjustiça e à imperfeição da ordem social.

O velho problema da teodicéia consistena questão mesma de como um poder,considerado como onipotente e bom, criou ummundo irracional, de sofrimento imerecido, deinjustiças impunes, de estupidez sem esperança.Ou esse poder não é onipotente, nem bom, ou,então princípios de compensação e recompensatotalmente diversos governam nossa vida. (...)Esse problema - a experiência da irracionalidadeno mundo - tem sido a força propulsora de todaevolução religiosa.60

57 WEBER. Economía y sociedad, p. 379.58 WEBER. Rejeições religiosas do mundo e suas

direções, p. 376. 59 WEBER. A psicologia socialdas religiões mundiais, p. 318. 60 WEBER. Apolítica como vocação, p. 146.

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Para atender às necessidades dos menosafortunados, mágicos e sacerdotes passam aexercer funções mais mundanas deaconselhamento sobre a vida, reforçadas com acriação de uma religiosidade em torno de umsalvador daqueles expostos à privação,produzindo uma visão do mundo na qual oinfortúnio individual possui valor positivo. Nocaso do cristianismo, construiu-se sobre a figura

de um redentor uma explicação racional para ahistória da humanidade, sendo a mortificação ea abstinência voluntária justificáveis pelo seupapel na salvação. Toda necessidade desalvação é, para Weber, expressão de umaindigência e, por isso, a opressão econômica ousocial é uma fonte eficiente, ainda que nãoexclusiva, de seu renascimento. Para deixar deser acessível apenas aos virtuosos, a salvação eos meios para que os indigentes a alcancemassumirão distintas formas de acordo com oconteúdo da religião, sejam eles: a redenção eabsolvição, a salvação pela fé e a predestinação.

A salvação poderá ser atribuída não às própriasobras, mas aos atos de um herói em estado degraça ou de um deus encarnado. O pecador queobtém a absolvição mediante atos religiosospode passar sem uma metódica vida ético-pessoal já que, nessas religiões antigas, não évalorizado o habitus total da personalidade,conquistado graças a uma vida ascética oucontemplativa, ou à vigilância perpétua. Asalvação pela fé tampouco exige um domínioracional do mundo e sua mudança. Por fim, osindivíduos podem ser predestinados à salvaçãoe, de acordo com o caráter da profecia na qualse origina tal interpretação, o crente tem ou nãoindícios sobre seu destino, o que pode ocasionarou não uma ação transformadora no mundo.

Embora os virtuosos tenham procuradoser exemplares na sua prática religiosa, asexigências da vida cotidiana e de incorporaçãoda massa dos não-virtuosos, os não-qualificadosreligiosamente, reclamam certos ajustes. Asconcessões que daí se originaram tiveramgrande significado para a vida cotidiana,especialmente do ponto de vista doestabelecimento de uma ética racional voltada

para o trabalho e para a prática econômica,tradicionais fontes de atrito com a moralidadereligiosa. “Em quase todas as religiões orientais,os religiosos permitiram que as massaspermanecessem mergulhadas na tradição”, masdá-se uma grande diferença quando os virtuososorganizam-se numa seita ascética “lutando paramodelar a vida nesse mundo segundo a vontadede um deus”.61 Com isso, propunham-se regrasde conduta para os crentes, e sua própria vidaindividual passava a ser orientada por princípiosracionalizadores. Para escapar à relação tensaque sempre existira entre o mundo econômico e

uma ética de fraternidade, colocam-se duasalternativas: a ética

61 WEBER. A política como vocação, p.334.

puritana da vocação ou o misticismo. Seeste último é uma fuga do mundano por meio“de uma dedicação sem objeto a todos”,unicamente pela devoção, o puritano “renunciouao universalismo do amor e rotinizouracionalmente todo o trabalho neste mundo,como sendo um serviço à vontade de Deus euma comprovação de seu estado de graça”.62De acordo com suas características, cada ética

religiosa penetra diferentemente na ordemsocial (por exemplo, nas relações familiares,com o vizinho, os pobres e os mais débeis), napunição do infrator, na ordem jurídica e naeconômica (como no caso da usura), no mundoda ação política, na esfera sexual (inclusive aatitude a respeito da mulher) e na da arte. Aoproduzirem um desencantamento do mundo ebloquearem a possibilidade de salvação pormeio da fuga contemplativa, as seitasprotestantes ocidentais - que trilharam a via doascetismo secular e romperam a dupla ética quedistinguia monges e laicos - fomentaram uma

racionalização metódica da conduta... que teveintensos reflexos na esfera econômica! Natentativa de combater as interpretaçõeseconomicistas ou psicologizantes das religiões ede sua evolução, Weber abordou “os motivosque determinaram as diferentes formas deracionalização ética da conduta da vida per se eprocurou explicações internas à própria esferareligiosa.

Nossa tese não é de que a naturezaespecífica da religião constitui uma simplesfunção da camada que surge como sua adeptacaracterística, ou que ela represente a ideologiade tal camada, ou que seja um reflexo dasituação de interesse material ou idea1.63

O que Weber faz aqui é uma referência ànecessidade de se questionar a unilateralidadeda tese materialista, complementando-a comoutras vias de interpretação, nesse caso, arelação entre uma ética religiosa e osfenômenos econômicos e sociais, ou melhor, ostipos de conduta ou de modos de agir quepossam ser mais favoráveis a certas formas deorganização da esfera econômica e a uma éticaeconômica. E conclui: “Sempre que a direção da

totalidade do modo de vida foi racionalizadametodicamente, ela foi profundamentedeterminada por valores últimos” religiosamentecondicionados.64 Através da análise de uma dasdireções em que evolui a esfera religiosa nosentido de uma racionalização crescente, Weberencontrará a base para explicar o predomínio deconcepções e práticas econômicasracionalizadas nas sociedades ocidentais. Aautonomia da instância religiosa é o pressupostopara que se considere o desenvolvimento dasdoutrinas e dos sistemas de explicaçãoreligiosos a partir da lógica de funcionamento do

seu próprio campo. Não há62 WEBER. Rejeições religiosas do mundo

e suas direções, p. 38l. 63 WEBER. A psicologiasocial das religiões mundiais, p. 312. 64 WEBER.

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A psicologia social das religiões mundiais, p.330.

elementos materiais ou psicológicos quesejam de terminantes desse processo: asrelações entre os diversos agentes religiosos sãoo fundamento principal de toda causalidadenessa área. No caso de algumas seitasprotestantes, as tensões entre os camposeconômico e religioso são superadas, e podemos

dizer que a afinidade eletiva entre os elementosdominantes em cada um deles reforça odesenvolvimento da ética ascética e docapitalismo enquanto uma forma de orientar aação econômica. TENDÊNCIA - RACIONALIZAÇÃOE BUROCRACIA Se quiséssemos caracterizar, emuma só idéia, a marca distintiva que Weberidentifica nas sociedades ocidentaiscontemporâneas, esta seria de que o mundotende inexoravelmente à racionalização emtodas as esferas da vida social. Dizem seusbiógrafos: Até mesmo uma área de experiênciatão interiorizada e aparentemente subjetiva

como a da música se presta a um trabalhosociológico sobre o conceito de racionalizaçãode Weber. A fixação de padrões de acordesatravés de uma anotação mais concisa e oestabelecimento da escala bem temperada; amúsica tonal harmoniosa e a padronização doquarteto de sopro e dos instrumentos de cordacomo o núcleo da orquestra sinfônica.

  Tais fatos são vistos comoracionalizações progressivas. Os sistemasmusicais da Ásia, as tribos indígenas pré-letradas da Antigüidade e do Oriente Médio, sãocomparáveis no que se relaciona com o seuâmbito e grau de racionalização.65

O próprio estudo que elabora sobre aSociologia da religião visa a “contribuir para atipologia e Sociologia do racionalismo”, e porisso “parte das formas mais racionais que arealidade pode assumir”, ou seja, as típico-ideais. Procura, assim, “descobrir até que pontocertas conclusões racionais, que podem serestabeleci das teoricamente, foram realmenteformuladas. E talvez descubramos por quenão”.66 Isto não significa que outras formas deatividade, que se tornaram altamente

racionalizadas, sempre tivessem tido talorientação, mesmo no caso da ação econômicaque hoje se utiliza amplamente do cálculo comotécnica racional. Em sua forma primitiva, todoafanar-se dos homens por sua alimentação émuito semelhante àquilo que nos animais temlugar sob o império dos instintos. Do mesmomodo, encontra-se pouco desenvolvido o graude calculabilidade da ação econômicaconscientemente orientada pela devoçãoreligiosa, pela emoção guerreira, pelos impulsosde piedade ou por outros afetos semelhantes.67

65 GERTH; MILLS. Orientações

intelectuais, p. 69. 66 WEBER. Rejeiçõesreligiosas do mundo e suas direções, p. 372. 67WEBER. Economía y sociedad, p. 82.

Um dos meios através do qual essatendência à racionalização se atualiza nassociedades ocidentais é a organizaçãoburocrática. Da administração pública à gestãodos negócios privados, da máfia à polícia, doscuidados com a saúde às práticas de lazer,escolas, clubes, partidos políticos, igrejas, todasas instituições, tenham elas fins ideais oumateriais, estruturam-se e atuam através do

instrumento cada vez mais universal e eficaz dese exercer a dominação que é a burocracia.Entre os três tipos puros de dominação

legítima, a racional ou legal é a forma deorganização na qual mais se reduz a importânciade outras influências como a riqueza, oscostumes, a parentela e os amigos, substituindo-as por leis ou regulamentações administrativas.As ordens passam a ser dadas de maneiraprevisível e estável; cuida-se da execução dosdeveres e dos direitos dos que se submetem aela; a especialização necessária para o exercíciode cargos ou funções é claramente determinada;

apelam-separa as normas e os registros escritos,os arquivos, “o sistema de leis, aplicadas judicialou administrativamente de acordo comdeterminados princípios, vale para todos osmembros do grupo social”. A burocraciaenquanto tipo ideal pode organizar a dominaçãoracional-legal por meio de uma incomparávelsuperioridade técnica que garanta precisão,velocidade, clareza, unidade, especialização defunções, redução do atrito, dos custos dematerial e pessoal etc. Ela deve tambémeliminar dos negócios “o amor, o ódio e todos oselementos sensíveis puramente pessoais, todosos elementos irracionais que fogem aocálculo”.68 A organização burocrática éhierárquica, e o recrutamento para seus quadrosdá-se através de concursos ou de outroscritérios objetivos. Funcionários que pudessemser eleitos pelos governados modificariam origor da subordinação hierárquica já que istoestabeleceria uma relativa autonomia frente aoseu superior. O tipo ideal do burocrata é o dofuncionário que age em cooperação com outros,cujo ofício é separado de sua vida familiar epessoal, regulamentado por mandatos e pela

exigência de competência, conhecimento eperícia e que não pode usar dos bens do Estadoem proveito próprio ou apropriar-se deles. Osalário é determinado de acordo com o cargo eexiste uma carreira que estrutura a hierarquia.Ao ocupar um posto, o funcionário

não se subordina - como, por exemplo,sucede na forma de dominação feudal oupatrimonial - a uma pessoa como a um senhorou patriarca, mas coloca-se a serviço de umafinalidade objetiva impessoal. (...) O funcionáriopúblico, por exemplo - pelo menos num estadomoderno avançado -, não é considerado um

empregado particular de um soberano.6968 WEBER. Economía y sociedad, p. 732.

69 WEBER. Economía y sociedad, p. 719.

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Embora configurações burocráticastenham existido no Egito e na China antigos, eseja também desse modo que se organize aIgreja romana, essa é por excelência a forma doEstado moderno que assim expressa aracionalização da dominação política por partedos grupos que o controlam, seja numasociedade capitalista ou socialista. Dotada deinúmeras facetas, a organização burocrática

tanto pode exacerbar o centralismo decorrenteda racionalização, e com isso superar os valoresdemocráticos, como representar um elementode democratização já que, diante da normaburocrática, todos são em princípiorigorosamente iguais. Weber acreditava que aracionalização acentuar-se-ia ainda mais nassociedades em que a propriedade dos meios deprodução fosse coletivizada. Tais consideraçõesteóricas inspirarão as ciências administrativasassim como os estudos sobre organizaçõesformais e dos partidos políticos.

O processo de burocratização também

ocorre na economia e na empresa modernas apartir do estabelecimento de um controlecontábil de custos, de formas racionais deorganização do trabalho e da mecanização. Coma finalidade de obter o máximo lucro, asempresas capitalistas procuram organizar demodo racional o trabalho e a produção,necessitando, para tanto, garantir-se contra asirracionalidades dos afetos e das tradições queperturbam a calculabilidade indispensável aoseu desenvolvimento. Os indivíduos tenderiam,igualmente, a se tornar mais racionais em suasações. A disciplina da moderna fábricacapitalista espelha-se na disciplina militar, masutiliza-se de métodos completamente racionaiscomo aqueles desenhados pela administraçãocientífica que o autor conheceu nos EstadosUnidos. As sociedades modernas caminham nosentido de uma crescente racionalidade eburocratização também em suas formas deconhecimento, como é o caso da ciência.

Weber enlaça esses temas e responde àssuas indagações mais persistentes efundamentais sobre o desenvolvimento docapitalismo no Ocidente e a racionalização da

conduta promovida por um sistema ético, pormeio do que se torna sua obra mais conhecida:A ética protestante e o espírito do capitalismo.

RACIONALIZAÇÃO E CAPITALISMOEntre os elementos específicos das

sociedades ocidentais que teriam levado aosurgimento e desenvolvimento do capitalismonão se destacam o incremento da populaçãonem a afluência de metais preciosos. Talprocesso ocorrera por meio “da empresapermanente e racional, da contabilidaderacional, da técnica racional e do Direitoracional. A tudo isso se deve ainda adicionar a

ideologia racional, a racionalização da vida, aética racional da

economia.”70 Em suma, o capitalismovinculava-se à racionalização na vida prática. Foi

a presença muito significativa de protestantesde várias seitas entre os empresários e ostrabalhadores qualificados nos paísescapitalistas mais industrializados que sugerira aWeber a possibilidade da existência de algumtipo de afinidade particular entre certos valorespresentes na época do surgimento docapitalismo moderno e aqueles disseminadospelo calvinismo. Por meio da análise de obras de

puritanos e de autores que representavam aética calvinista - baseada numa atividadeincessante no mundo - Weber procurouencontrar uma possível relação entre valores econdições para o estabelecimento docapitalismo. Para os puritanos,

a perda de tempo (...) é o primeiro e oprincipal de todos os pecados. (...) A perda detempo, através da vida social, conversasociosas, do luxo e mesmo do sono além donecessário para a saúde - seis, no máximo oitohoras por dia - é absolutamente dispensável doponto de vista moral.71 Por isso, até mesmo o

esporte deveria “servir a uma finalidaderacional: a do restabelecimento necessário àeficiência do corpo” e nunca como diversão oucomo meio “de despertar o orgulho, os instintos,ou o prazer irracional do jogo”. Por motivossemelhantes reprovava-se o teatro - o queangariou o ódio e o desprezo de Shakespearepelos puritanos - e as demais atividadesestéticas e artísticas como a poesia, a música, aliteratura e até mesmo as que se referiam aovestuário e à decoração pessoal. Para fundar aspossíveis conexões ou paralelos entre asmudanças na esfera religiosa e astransformações na economia, Weber citamáximas publicadas pelo norte-americanoBenjamin Franklin, em meados do século 18, asquais servem de expressão do que ele estáchamando de espírito do capitalismo:

Lembra-te de que tempo é dinheiro.Aquele que pode ganhar dez xelins por dia porseu trabalho e vai passear ou fica vadiandometade do dia, embora não dispenda mais doque seis pences durante seu divertimento ouvadiação, não deve computar apenas essadespesa; gastou, na realidade, ou melhor, jogou

fora, cinco xelins a mais. Lembra-te deste refrão:o bom pagador é o dono da bolsa alheia. Aqueleque é conhecido por pagar pontual eexatamente na data prometida, pode, emqualquer momento, levantar tanto dinheiroquanto seus amigos possam dispor. Isso é, àsvezes, de grande utilidade. Depois daindustriosidade e da frugalidade, nada contribuimais para um jovem subir na vida do que apontualidade e a justiça em todos os seusnegócios; portanto, nunca conserves dinheiroemprestado uma hora além do tempoprometido, senão um desapontamento fechará a

bolsa de teu amigo para sempre. O som de teumartelo às cinco da manhã ou às oito da noite,ouvido por um credor, o fará conceder-te seismeses a mais de crédito; ele procurará, porém,

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70 WEBER. Origem do capitalismomoderno, p. 169. 71 WEBER. A ética protestantee o espírito do capitalismo, p. 112.

por seu dinheiro no dia seguinte se te virem uma mesa de bilhar ou escutar tua voz numataverna quando deverias estar no trabalho.72 Otrabalho torna-se portanto um valor em simesmo, e o operário ou o capitalista puritanospassam a viver em função de sua atividade ou

negócio e só assim têm a sensação da tarefacumprida. O puritanismo condenava o ócio, oluxo, a perda de tempo, a preguiça.

Assim, a peculiaridade dessa filosofia daavareza parece ser o ideal de um homemhonesto, de crédito reconhecido e, acima detudo, a idéia do dever de um indivíduo comrelação ao aumento de seu capital, que étomado como um fim em si mesmo. Na verdade,o que é aqui pregado não é uma simples técnicade vida, mas sim uma ética peculiar, cujainfração não é tratada como uma tolice, mascomo um esquecimento do dever. (...) Não é

mero bom senso comercial (...) mas, sim, umethos.73

Para estarem seguros quanto à suasalvação, ricos e pobres deveriam trabalhar semdescanso, “o dia todo em favor do que lhes foidestinado” pela vontade de Deus, e glorificá-lopor meio de suas atividades produtivas. Estastinham se tornado um dever a sermetodicamente executado, possuindo um fimem si mesmas. Assim, os puritanos prescrevem:“Contra as dúvidas religiosas e a inescrupulosatortura moral, e contra todas as tentações dacarne, ao lado de uma dieta vegetariana ebanhos frios, trabalha energicamente em tuaVocação.”74 Essa ética tinha como resultadooperários disciplinados

que se aferravam ao trabalho como auma finalidade de vida desejada por Deus. Dava-lhes, além disso, a tranqüilizadora garantia deque a desigual distribuição da riqueza destemundo era obra especial da Divina Providênciaque, com essas diferenças e com a graçaparticular, perseguia seus fins secretos,desconhecidos do homem.75 E, por outro lado,empresários que se sentiam abençoados ao

estar inteiramente dedicados à produção deriqueza. Weber identificou a presença desseconjunto de valores nos Estados Unidos, naHolanda e na Alemanha e notou que seudesenvolvimento favorecera “uma vidaeconômica racional e burguesa”. A essadedicação verdadeiramente religiosa ao trabalhoele chamou vocação, fruto de um ascetismomundano, oposto ao ascetismo católico em doispontos fundamentais: primeiro, no seu caráterde ação metódica no mundo e, segundo, navalorização do sucesso econômico.

72 WEBER. A ética protestante e o

espírito do capitalismo, p. 29-30. 73 WEBER. Aética protestante e o espírito do capitalismo, p.31. 74 WEBER. A ética protestante e o espírito

do capitalismo, p. 113. 75 WEBER. A éticaprotestante e o espírito do capitalismo, p. 127.

... o trabalho é velho e experimentadoinstrumento ascético, apreciado mais do quequalquer outro na Igreja do Ocidente, emacentuada contradição não só com o Oriente,mas também com quase todas as ordensmonásticas do mundo.76

O trabalho vocacional é, como dever de

amor ao próximo, uma dívida de gratidão àgraça de Deus (...) não sendo do agrado de Deusque ele seja realizado com relutância. O cristãodeve assim mostrar-se industrioso em seutrabalho secular.77

Deve-se lembrar que a doutrina católica,dominante naquela época, condenava a ambiçãodo lucro e a usura. Para os calvinistas, noentanto, desejar ser pobre era algo que soavatão absurdo como desejar ser doente; “aprosperidade era o prêmio de uma vida santa”.O mal não se encontrava na posse da riqueza,mas no seu uso para o prazer, o luxo, o gozo

espontâneo e a preguiça. Essa moralidade levoua que alguns milionários norte-americanospreferissem não legar sua fortuna aos própriosfilhos como meio de temperá-los no esforçoprodutivo. “Para os calvinistas, o deusinescrutável tem seus bons motivos para repartirdesigualmente os bens de fortuna, e o homemse prova exclusivamente no trabalhoprofissional.”78 Segundo Weber, a adoção dessanova perspectiva trazida pelo protestantismopermite aos primeiros empresários reverter suacondição de baixo prestígio social e setransformarem nos heróis da nova sociedadeque se instalava. Essa ética teve conseqüênciasmarcantes sobre a vida econômica e, aocombinar a “restrição do consumo com essaliberação da procura da riqueza, é óbvio oresultado que daí decorre: a acumulaçãocapitalista através da compulsão as cética dapoupança”.79 Mas este foi apenas um impulsoinicial. A partir dele, o capitalismo libertou-se doabrigo de um espírito religioso e a busca deriquezas passou a associar-se a paixõespuramente mundanas. O capitalismo moderno jánão necessita mais do suporte de qualquer força

religiosa e sente que a influência da religiãosobre a vida econômica é tão prejudicial quantoa regulamentação pelo Estado. Weber adverteter analisado apenas uma das possíveis relaçõesentre o protestantismo ascético e a culturacontemporânea e que não pretendeu contraporsua análise ao materialismo de Marx, masevidenciar as outras conexões causais possíveisque contribuem para a realização de umaindividualidade histórica concreta: o capitalismoocidental. Para iniciar o exame dessas relações,elaborou um modelo abstrato, um tipo ideal, doque chamou de espírito do capitalismo,

composto dos elementos que considerou seremseus aspectos definitórios.

76 WEBER. A ética protestante e oespírito do capitalismo, p. 112-113. 77 WEBER. A

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ética protestante e o espírito do capitalismo, p.205. 78 WEBER. Economía y sociedad, p. 461. 79WEBER. A ética protestante e o espírito docapitalismo, p. 124.

CONCLUSÕESA possibilidade de entender a estrutura

social como um conjunto de múltiplas lógicasoferece ricas perspectivas de análise parasociedades cada vez mais complexas. As

diferenças sociais, os princípios diversificadosque as produzem e a irredutibilidade dosfenômenos sociais de esferas específicas sãobalizas fundamentais para se pensar associedades do século 20. A ênfase no conceitode dominação como parte integrante dasrelações sociais em qualquer esfera é outroinstrumento precioso para se entender anatureza dessas relações. As tendências àinformatização no comércio, na indústria, noEstado, nos sistemas financeiros etc., podemtambém ser analisadas adequadamente com osconceitos de burocratização e racionalização. A

gama de temas e de possibilidades que sãoabertos por Weber são a demonstração de quese trata de um clássico no sentido mais vigorosoda expressão. A complexidade e a abrangênciade sua Sociologia, portanto, tornam difícil atarefa de sintetizar toda a riqueza teórica nelacontida. Procurar a unidade de sua obra é comomontar um quebra-cabeça - atraente einstigante - que permite múltiplas combinações.

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CONSIDERAÇÕES FINAISDo ponto de vista da produção

sociológica contemporânea, pode-se dizer que aherança legada por Marx, Durkheim e Webernão foi desperdiçada. A teoria sociológicaclássica - debatida, interpretada e critica da eminstituições acadêmicas e de pesquisa, assimcomo no interior de partidos e movimentospolíticos - rendeu frutos. Continuam a

desenvolver-se novas correntes de pensamento,filiadas explicitamente ou não à produçãomarxiana, durkheimiana ou weberiana, algumasdelas com claros propósitos de síntese.

Mas, apesar da indiscutível grandeza daobra dos clássicos da Sociologia, pode-seobjetar, por exemplo, que algumas das“previsões” que nela foram identificadas nemsempre ou só parcialmente se cumpriram. Pode-se mencionar, dentre outras, as que disseramrespeito à diminuição da importância dareligiosidade como conseqüência do processo desecularização, à decadência econômica do modode produção capitalista e à constituição da vidasocial com base em valores radicalmente maishumanos e solidários. Contudo, ao contrário dedesacreditar a obra dos clássicos ou dedesmerecer a ciência em nome da qualabordavam a vida social, essas insuficiências sóserviram como estímulo à investigaçãosociológica acerca de um objeto quefreqüentemente conduz a novos temas e aoquestionamento de análises aparentemente“acabadas”. Essa é inclusive uma das dimensõesda vitalidade da Sociologia.

Marx talvez tenha sido, dentre osclássicos, o que gerou o debate mais prolífico.Seja em oposição a ele, ou a seu favor, organiza-se boa parte da produção da teoria socialcontemporânea. Já foi apontado que a teoriamarxiana não conseguiu resolver o dilema entrea potencialidade transformadora da açãoindividual e os limites que lhe são postos pelaestrutura socioeconômica. Embora insista nocaráter ativo do indivíduo, indispensável pararevolucionar as estruturas sociais, Marx ressaltaque as condições materiais servem comomoldura restritiva do alcance dos atos

individuais, delimitando as ações historicamenterealizáveis. Sua afirmação de que “os homensfazem sua própria história, mas não a fazem aseu livre arbítrio e, sim sob aquelas

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circunstâncias com que se encontramdiretamente, que existem e que o passadotransmite” pode ser entendida como expressãoda dificuldade de integrar esses níveisconceituais tão distintos. Não é clara a resposta:se é o indivíduo que move e produz a históriadas sociedades, ou se esta é o resultado coletivodas transformações acumuladas a partir daevolução das forças produtivas e, nesse caso, os

homens assumiriam meramente o papel deanimadores dessas condições sem vida.Por outro lado, a utilização de um modelo

dicotômico de classes sociais, fundado nasrelações sociais de produção e nos tipos deapropriação dos meios de produção que lhes sãocorrespondentes, é um instrumento de análiseque tem se mostrado incapaz de situar o amploespectro de relações sociais que o própriocapitalismo concorrencial já anunciava. Algumasdessas desigualdades sociais, como é o caso daque se verifica entre os sexos ou etnias, foramou continuam a ser tratadas como expressões

secundárias daquela impressa pela estrutura, ouseja: reduziram-se meramente a variáveisexplicativas do modelo dicotômico. O fato deMarx não ter legado uma teoria acabada dasclasses sociais justifica, pelo menos em parte, aprecariedade dessa abordagem.

Por fim, o enfoque histórico-materialista,constituído em explicação última da vida social,enfatiza um tipo de causalidade que nãoconsegue dar conta da complexidade ediversidade de certos fenômenossuperestruturais como as ideologias, as formasque assumem as associações políticas, asreligiões, as manifestações culturais e jurídicasque se manifestam em estruturas com perfisbastante semelhantes. A conhecida carta deEngels a Bloch já expressava um certo temor emrelação à disseminação de interpretaçõesdeterministas e economicistas, mas deu a elasuma resposta ambígua, sugerindo, portanto, adificuldade de uma solução definitiva para aquestão no marco traçado pelo materialismohistórico. Weber foi o primeiro a apontar, demodo coerente, essa insuficiência.

Em um certo sentido, podemos dizer que

a evolução histórica recente - a queda dosregimes socialistas do leste europeu e oconseqüente impacto desse e de outros eventossobre a concepção clássica de “socialismo” -tornou mais crítica a situação do marxismo. Masdevemos ressaltar que, como Weber eDurkheim, Marx teve seu pensamento revisitadode formas muito ricas e criativas. Fora dasperspectivas mais doutrinárias, podemosencontrar seu arcabouço teórico informandoanálises sobre o processo de constituição dasidentidades de classes sociais ou dosmecanismos de luta pelo controle do processo

produtivo e das relações sociais. O determinismoeconômico que imperava no marxismo clássicocede espaço a determinações sociais, culturais,políticas, e os atores coletivos surgem com força

afastando a concepção do predomínio dasestruturas.

A contribuição de Durkheim, embora sejade inegável valor e até hoje permaneça comoreconhecida referência para aquelesinteressados nas questões sociais, deixatambém em aberto algumas questõespolêmicas. A ênfase durkheimiana na coesãosocial e na solidariedade levou o autor a dar um

tratamento marginal ao tema do conflito assimcomo das desigualdades sociais. Embora tenhaprocurado abordar essa problemática desde oponto de vista da desintegração dos laçosindivíduo e sociedade - o que pode ser verificadotanto nos

últimos capítulos da Divisão do trabalhosocial como em O suicídio - seu enfoque dirigiu-se à consideração do enfraquecimento ou dacarência de uma moralidade pressuposta,responsável pelos vínculos entre os indivíduos,ou de um desvio em relação a uma viaadequada. O prisma sob o qual o conflito é

analisado é o da moral, de modo que a coesãocontinua a ser o ponto de partida, o estadonormal. Desde que se criasse uma ética e umdireito ajustados aos novos tempos, aquelesdistúrbios e insatisfações tenderiam a extinguir-se.

Embora Durkheim considere que nãoexiste associação sem seu substrato: o indivíduo- através de quem se expressa a vida social - aoprivilegiar a sociedade, seu enfoque produz aimagem de ente quase materializado, sobre-humano. O indivíduo é, afinal, o produto de umser que adquiriu vida própria. A dicotomiaindivíduo/sociedade, que perpassa toda a suaobra, polariza a análise sem incorporar de modosignificativo níveis intermediários.

Mas a contribuição fundamental deDurkheim, no sentido de definir claramente oconjunto de problemas propriamentesociológicos, permanece válida, e parteconsiderável da Sociologia contemporânea étributária do seu conceito de representaçõescoletivas, o qual aparece hoje, sob diversasformas, nos estudos sobre o simbólico.

Weber apóia-se no ponto diametralmente

oposto ao de Durkheim ao rejeitar a existênciade associações ou de instituições que tenhamqualquer precedência sobre o indivíduo, oumesmo que possam adquirir vida própria,desvinculada daquilo que lhes dá origem: a açãodotada de sentido, empreendida por um sujeito.O autor possibilita, pelas suas escolhasmetodológicas, algum tipo de desenvolvimentoteórico por linhas individualistas. No entanto, foi  justamente sua preocupação com o ponto departida individual para a análise de fenômenossituados no plano coletivo o que permitiu àSociologia mais recente criar perspectivas mais

realistas e rigorosas no entendimento defenômenos sociais. Sua proposta metodológica éparte integrante dos mais recentes avanços dapesquisa sociológica, e os conceitos por ele

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criados são essenciais para a compreensão dosprocessos sociais modernos. A noção de“dominação” abre inúmeras perspectivas deanálise, seja no plano dos processos delegitimação de certos formatos para as relaçõessociais, seja no da constituição e hierarquizaçãodos grupos sociais dos mais diferentes tipos. Ateoria weberiana é o instrumento essencial paracompreender o Estado contemporâneo, os

movimentos sociais e os vários tipos de açãocoletiva, ou ainda as mais sutis formas dedistinção presentes no mundo moderno, sejaqual for o seu princípio fundador.

Mas a grandeza e os limites dopensamento weberiano talvez se encontrem noponto em que se cruzam racionalidade ecarisma, indivíduo e história. A crítica aosprocessos burocratizantes e mediocrizantesadvindos da crescente racionalização do mundocoaduna-se

com a resignação frente à derrota eternado indivíduo pelas instituições e pela roda da

História. Mas não haveria aqui um certodesequilíbrio entre o peso da dimensão coletivae a responsabilidade excessiva atribuída aoindivíduo carismático enquanto agente detransformação? Em outras palavras, em quemedida o ponto de partida profundamenteindividualista de seu sistema permitiriareconhecer o papel dos atores coletivos comoagentes da mudança histórica?

A Sociologia - tanto como busca desoluções para os impasses nascidos com associedades modernas quanto em função doscaminhos que a ciência vem abrindo - tem comomarca de seu destino buscar incessantementerespostas a problemas que se colocam com opróprio processo de desenvolvimento social,assim como questionar-se a respeito da validadede suas próprias conclusões.

O intuito dessas observações finais élembrar que a realidade social, enquanto objetode interpretação, coloca questões novas queacabam por extravasar os instrumentos que aciência elaborou para respondê-las. Teóricos doporte de Marx, Durkheim e Weber estão entreaqueles que iniciaram a construção de

explicações de amplo alcance para um objetoque a cada momento apresenta evoluçõessurpreendentes. A tendência recente parece sera de integrar criativamente, antes que a deopor, o pensamento dos três clássicos. O que aSociologia contemporânea tem de maisavançado evidencia isto. Não se trata de apagaras diferenças, mas de aproveitar maissistematicamente o trabalho daqueles autores,que lançaram bases diferenciadas masconsistentes para explicar o mundo social.

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