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Max Weber A ética protestante e o “espírito” do capitalismo 1

Max Wwqwqweber

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Max Weber

A ética protestante e o “espírito” do capitalismo

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Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

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Instituto Humanitas Unisinos – IHU

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Cadernos IHU em formação

Ano 1 – Nº 3 – 2005ISSN 1807-7862

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www.unisinos.br/ihu

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Sumário

Max WeberVida e obra ........................................................................................................................... 4

Weber, a hermenêutica e as ciências humanasPor Ivan Domingues.............................................................................................................. 9

Em defesa da pluralidade e da multicausalidadeEntrevista com Antônio Flávio Pierucci ................................................................................. 17

Reler Weber no contexto atual, promovendo uma atualização metodológica e epistemológicaEntrevista com Almiro Petry.................................................................................................. 23

Max Weber hojeEntrevista com Richard Swedberg......................................................................................... 28

Meu clássicoDepoimento de José Ivo Follmann ........................................................................................ 32

Novos conceitos em permanente gestaçãoEntrevista com Wolfgang Schluchter ..................................................................................... 33

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Os Cadernos IHU em formação são uma publicação do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, que reú-ne, num caderno, entrevistas e artigos sobre o mesmo tema, já divulgados no Boletim IHU On-Line.Deste modo, queremos facilitar a discussão na academia e fora dela, em torno de temas consideradosde fronteira, relacionados com a ética, trabalho, teologia pública, filosofia, política, economia, literatura,movimentos sociais, etc. que caracterizam o Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

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Max Weber – vida e obra

IHU On-Line fez uma síntese sobre a vidae a obra de Max Weber. As informações foramretiradas dos sítios www.antroposmoderno.com/biografias/Weber.html, http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Weber, e www.culturabrasil.pro.br/weber.htm.Elas foram extraídas, basicamente, da introduçãodo livro de Max Weber Textos selecionados. SãoPaulo: Abril Cultural, 1980. 2.ed. (Coleção Ospensadores). Seleção, consultoria e traduções deMaurício Tragtenberg. Essa introdução tambémfoi escrita por Maurício Tragtenberg, grande estu-dioso e autodidata brasileiro, que pesquisou, estu-dou e escreveu sobre Weber durante sua vida, en-cerrada em 1998. Tragtenberg escreveu diversosartigos sobre Weber. Ele é autor de Planificação:Desafio do século XX. São Paulo: Senzala, 1967;Burocracia e ideologia. São Paulo: Ática, 1974; eAdministração, poder e ideologia. São Paulo: Edi-tora Moraes, 1980.

Maximillion Weber nasceu em Erfurt, em 21de abril de 1864. Pelo pai, que foi deputado doPartido Nacional Liberal, Weber teve oportunida-de de entrar bem cedo em contato com ilustreshistoriadores, filósofos e juristas da época. Estu-dou história, economia e direito nas universidadesde Heidelberg e Berlim. Laureou-se em Göttin-gen, em 1889, com uma tese de história econômi-ca sobre a História das sociedades comerciais naIdade Média. Em 1892, conseguiu a livre docên-cia com A história agrária romana em seu signifi-cado para o direito público e privado. Em 1894,tornou-se professor de economia política na Uni-versidade de Freiburg. Em 1896, passou a ensinarem Heidelberg.

Era o mais velho dos 7 filhos de Max Weber esua mulher Helene. Ele foi, juntamente com KarlMarx, Vilfredo Pareto e Emile Durkheim um dos

modernos fundadores da sociologia. É conhecidosobretudo pelo seu trabalho sobre a sociologia dareligião.

De 1897 a 1903, sua atividade científica e di-dática ficou bloqueada por causa de grave doençanervosa. Nesse meio tempo, em 1902, juntamen-te com Werner Sombart, tornara-se co-diretor daprestigiosa revista Archiv für Sozialwissenschaftund Sozialpolitik. Em 1904, realizou viagens aosEstados Unidos. Durante a Primeira Guerra Mun-dial, defendeu as “razões ideais” da “guerra ale-mã” e prestou serviço como diretor de hospital mi-litar. Seguiu, com angustiada preocupação, a ruí-na moral e cultural da Alemanha, jogada peloImperador e por seus ministros no beco sem saídada pura política de poder. Depois da guerra, parti-cipou da redação da Constituição da República deWeimar. Morreu em 14 de junho de 1920, emMunique, para onde fora chamado, a fim de ensi-nar economia política.

A obra de Weber, complexa e profunda,constitui um monumento da compreensão dos fe-nômenos históricos e sociais e, ao mesmo tempo,da reflexão sobre o método das ciências histórico-sociais.

Historiador, sociólogo, economista e político,Weber trata dos problemas metodológicos com aconsciência das dificuldades que emergem do tra-balho efetivo do historiador e do sociólogo, massobretudo com a competência do historiador, dosociólogo e do economista. Crítico da “escola his-tória” da economia (Roscher, Knies e Hilde-brandt), Weber reivindica, contra ela, a autono-mia lógica e teórica da ciência, que não pode sesubmeter a entidades metafísicas, como o “espíri-to do povo” que Savigny, nas pegadas de Hegel,concebia como criador do direito, dos sistemaseconômicos, da linguagem e assim por diante.

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Para Weber, o “espírito do povo” é produto deinumeráveis variáveis culturais e não o fundamen-to real de todos os fenômenos culturais de umpovo.

Por outro lado, o pensamento de Weber ca-racteriza-se pela crítica ao materialismo histórico,que dogmatiza e petrifica as relações entre as for-mas de produção e de trabalho (a chamada “es-trutura”) e as outras manifestações culturais da so-ciedade (a chamada “superestrutura"), quando,na verdade, se trata de uma relação que, a cadavez, deve ser esclarecida segundo a sua efetivaconfiguração. E, para Weber, isso significa que ocientista social deve estar pronto para o reconhe-cimento da influência que as formas culturais,como a religião, por exemplo, podem ter sobre aprópria estrutura econômica.

De importância extrema, Max Weber escre-veu a Ética protestante e o espírito do Capi-talismo. Este é um ensaio fundamental sobre asreligiões e a afluência dos seus seguidores. Subja-cente a Weber está a realidade econômica da Ale-manha do princípio do séc. XX.

Significante, também, é o ensaio de Webersobre a política como vocação. Weber postula alia definição de estado que se tornou essencial nopensamento da sociedade ocidental: que o estadoé a entidade que possui o monopólio do uso legíti-mo da ação coerciva. A política deverá ser enten-dida como qualquer atividade em que o estadotome parte, de que resulte uma distribuição relati-va da força.

A política obtém assim a sua base no concei-to de poder e deverá ser entendida como a produ-ção do poder. Um político não deverá ser um ho-mem da “verdadeira ética católica” (entendidapor Weber como a ética do sermão da montanha,ou seja, oferece a outra face). Um defensor de talética deverá ser entendido como um santo (naopinião de Weber esta visão só será recompensa-dora para o santo e para mais ninguém). A esferada política não é um mundo para santos. O políti-co deverá esposar a ética dos fins últimos e a éticada responsabilidade, e deverá possuir paixão pelasua atividade e a capacidade de se distanciar dossujeitos da sua governação (os governados).

Essencial na sua análise das doutrinas da fé,é a confiança na “magia” em sermões e na fé emgeral. Muito resumidamente, os protestantes tor-naram-se ricos porque não têm nenhuma mãomágica que os leve para o céu. Os protestantestêm de trabalhar constantemente e de forma con-sistente para assegurar um lugar no céu. Por outrolado, os católicos invocam muitos rituais mágicos,cânticos encantados, um pouco de água e umareza tipo Abracadabra. E logo as almas dos cren-tes ficam purificadas para a ascensão ao céu.

Ele também é conhecido pelo seu estudo daburocratização da sociedade. No seu trabalho,Weber delineia a famosa descrição da burocrati-zação como uma mudança da organização basea-da em valores e ação (a chamada autoridade tra-dicional) para uma organização orientada para osobjetivos e ação (chamada lega-racional). O resul-tado, segundo Weber, é uma “noite polar de frioglacial” na qual a crescente burocratização da vidahumana o coloca numa gaiola de metal de regrase de controlo racional.

Max Weber morreu de pneumonia em Muni-que, Alemanha, a 14 de Junho de 1920. Seus se-guidores foram Ernest Gellner e David Landes

A família de Max Weber definia-se pelo pro-testantismo. Os antepassados de seu pai foram re-fugiados luteranos do Império Austríaco que seinstalaram em Bielefeld e se tornaram importantescomerciantes de tecidos.

O capitalismo é protestante?

As soluções encontradas por Weber para osintrincados problemas metodológicos que ocupa-ram a atenção dos cientistas sociais do começo doséculo XX, permitiram-lhe lançar novas luzes so-bre vários problemas sociais e históricos, e fazercontribuições extremamente importantes para asciências sociais. Particularmente relevantes nessesentido foram seus estudos sobre a sociologia dareligião, mais exatamente suas interpretações so-bre as relações entre as idéias e atitudes religiosas,por um lado, e as atividades e organização econô-micas correspondentes, por outro.

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Esses estudos de Weber, embora incomple-tos, foram publicados nos três volumes de sua So-ciologia da Religião. A linha mestra dessa obra éconstituída pelo exame dos aspectos mais impor-tantes da ordem social e econômica do mundoocidental, nas várias etapas de seu desenvolvi-mento histórico. Esse problema já se tinha coloca-do para outros pensadores anteriores a Weber,dentre os quais Karl Marx (1818-1883), cuja obra,além de seu caráter teórico, constituía elementofundamental para a lufa econômica e política dospartidos operários. Por essas razões, a perguntaque os sociólogos alemães se faziam era se o ma-terialismo histórico formulado por Marx era ounão o verdadeiro, ao transformar o fator econômi-co no elemento determinante de todas as estrutu-ras sociais e culturais, inclusive a religião. Inúme-ros trabalhos foram escritos para resolver o pro-blema, substituindo-se o fator econômico comodominante por outros fatores, tais como raça, cli-ma, topografia, idéias filosóficas, poder político.Alguns autores, como Wilhelm Dilthey, ErnstTroeltsch (1865-1923) e Werner Sombart (1863-1941), já se tinham orientado no sentido de res-saltar a influência das idéias e das convicções éti-cas como fatores determinantes, e chegaram àconclusão de que o moderno capitalismo não po-deria ter surgido sem uma mudança espiritual bá-sica, como aquela que ocorreu nos fins da IdadeMédia. Contudo, somente com os trabalhos deWeber foi possível elaborar uma verdadeira teoriageral capaz de confrontar-se com a de Marx.

A primeira idéia que ocorreu a Weber na ela-boração dessa teoria foi a de que, para conhecercorretamente a causa ou as causas do surgimentodo capitalismo, era necessário fazer um estudocomparativo entre as várias sociedades do mundoocidental (único lugar em que o capitalismo,como um tipo ideal, tinha surgido) e as outras civi-lizações, principalmente as do Oriente, onde nadade semelhante ao capitalismo ocidental tinha apa-recido. Depois de exaustivas análises nesse senti-do, Weber foi conduzido à tese de que a explica-ção para o fato deveria ser encontrada na íntimavinculação do capitalismo com o protestantismo:“Qualquer observação da estatística ocupacionalde um país de composição religiosa mista traz à

luz, com notável freqüência, um fenômeno que játem provocado repetidas discussões na imprensae literatura católicas e em congressos católicos naAlemanha: o fato de os líderes do mundo dos ne-gócios e proprietários do capital, assim como osníveis mais altos de mão-de-obra qualificada,principalmente o pessoal técnica e comercialmen-te especializado das modernas empresas, serempreponderantemente protestantes”.

A partir dessa afirmação, Weber coloca umasérie de hipóteses referentes a fatores que poderi-am explicar o fato. Analisando detidamente essesfatores, Weber elimina-os, um a um, medianteexemplos históricos, e chega à conclusão final deque os protestantes, tanto como classe dirigente,quanto como classe dirigida, seja como maioria,seja como minoria, sempre teriam demonstradotendência específica para o racionalismo econô-mico. A razão desse fato deveria, portanto, serbuscada no caráter intrínseco e permanente desuas crenças religiosas e não apenas em suas tem-porárias situações externas na história e napolítica.

Uma vez indicado o papel que as crenças reli-giosas teriam exercido na gênese do espírito capi-talista, Weber propõe-se a investigar quais os ele-mentos dessas crenças que atuaram no sentido in-dicado e procura definir o que entende por “espí-rito do capitalismo”. Este é entendido por Webercomo constituído fundamentalmente por uma éti-ca peculiar, que pode ser exemplificada muito niti-damente por trechos de discursos de BenjaminFranklin (1706-1790), um dos líderes da indepen-dência dos Estados Unidos. Benjamin Franklin,representante típico da mentalidade dos colonosamericanos e do espírito pequeno-burguês, afir-ma em seus discursos que “ganhar dinheiro den-tro da ordem econômica moderna é, enquantoisso for feito legalmente, o resultado e a expressãoda virtude e da eficiência de uma vocação”. Se-gundo a interpretação dada por Weber a esse tex-to, Benjamin Franklin expressa um utilitarismo,mas um utilitarismo com forte conteúdo ético, namedida em que o aumento de capital é considera-do um fim em si mesmo e, sobretudo, um deverdo indivíduo. O aspecto mais interessante desseutilitarismo residiria no fato de que a ética de ob-

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tenção de mais e mais dinheiro é combinada como estrito afastamento de todo gozo espontâneo davida.

A questão seguinte colocada por Weber dizrespeito aos fatores que teriam levado a transfor-mar-se em vocação uma atividade que, anterior-mente ao advento do capitalismo, era, na melhordas hipóteses, apenas tolerada. O conceito de vo-cação como valorização do cumprimento do de-ver dentro das profissões seculares Weber encon-tra expresso nos escritos de Martinho Lutero(1483-1546), a partir do qual esse conceito se tor-nou o dogma central de todos os ramos do protes-tantismo. Em Lutero, contudo, o conceito de vo-cação teria permanecido em sua forma tradicio-nal, isto é, algo aceito como ordem divina à qualcada indivíduo deveria adaptar-se. Nesse caso, oresultado ético, segundo Weber, é inteiramentenegativo, levando à submissão. O luteranismo,portanto, não poderia ter sido a razão explicativado espírito do capitalismo.

Weber volta-se, então, para outras formas deprotestantismo diversas do luteranismo, em espe-cial para o calvinismo e outras seitas, cujo elemen-to básico era o profundo isolamento espiritual doindivíduo em relação a seu Deus, o que, na práti-ca, significava a racionalização do mundo e a eli-minação do pensamento mágico como meio desalvação. Segundo o calvinismo, somente umavida guiada pela reflexão contínua poderia obtervitória sobre o estado natural, e foi essa racionali-zação que deu à fé reformada uma tendênciaascética.

Com o objetivo de relacionar as idéias religi-osas fundamentais do protestantismo com as má-ximas da vida econômica capitalista, Weber anali-sa alguns pontos fundamentais da ética calvinista,como a afirmação de que “o trabalho constitui,antes de mais nada, a própria finalidade da vida”.Outra idéia, no mesmo sentido, estaria contida namáxima dos puritanos, segundo a qual “a vidaprofissional do homem é que lhe dá uma prova deseu estado de graça para sua consciência, que seexpressa no zelo e no método, fazendo com queele consiga cumprir sua vocação”. Por meio des-ses exemplos, Weber mostra que o ascetismo se-cular do protestantismo “libertava psicologica-

mente a aquisição de bens da ética tradicional,rompendo os grilhões da ânsia de lucro, com oque não apenas a legalizou, como também a con-siderou como diretamente desejada por Deus”.Em síntese, a tese de Weber afirma que a conside-ração do trabalho (entendido como vocaçãoconstante e sistemática) como o mais alto instru-mento de ascese e o mais seguro meio de preser-vação da redenção da fé e do homem deve tersido a mais poderosa alavanca da expressão des-sa concepção de vida constituída pelo espírito docapitalismo.

É necessário, contudo, salientar que Weber,em nenhum momento, considera o espírito do ca-pitalismo como pura conseqüência da Reformaprotestante. O sentido que norteia sua análise é,antes, uma proposta de investigarem que medidaas influências religiosas participaram da molda-gem qualitativa do espírito do capitalismo. Percor-rendo o caminho inverso, Weber propõe-se tam-bém a compreender melhor o sentido do protes-tantismo, mediante o estudo dos aspectos funda-mentais do sistema econômico capitalista. Tendoem vista a grande confusão existente no campodas influências entre as bases materiais, as formasde organização social e política e os conteúdos es-pirituais da Reforma, Weber salientou que essasinfluências só poderiam ser confirmadas por meiode exaustivas investigações dos pontos em que re-almente teriam ocorrido correlações entre o movi-mento religioso e a ética vocacional, Com isso, “sepoderá avaliar” – diz o próprio Weber – “em quemedida os fenômenos culturais contemporâneosse originam historicamente em motivos religiosose em que medida podem ser relacionados comeles”.

Cronologia

21 de Abril de 1864 – Max Weber nasce emErfurt. Os pais são o jurista e mais tarde depu-tado do parlamento imperial (Reichstag) pelopartido nacional-liberal, Max Weber e Helene(nascida na família Fallenstein).

1869 – Muda-se para Berlim com a família.

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1882-1886 – Estudos de Direito, Economia Na-cional, Filosofia e História.

1883 – Transfere-se para Estrasburgo, onde pres-ta um ano de serviço militar.

1884 – Reinicia os estudos universitários.1888 – Conclui seus estudos e começa a traba-

lhar nos tribunais de Berlim.1889 – Escreve sua tese de doutoramento sobre a

história das companhias de comércio durante aIdade Média.

1891 – Escreve a tese A História das InstituiçõesAgrárias.

1892 – Habilitação em direito canônico romanoe direito comercial (em Berlim).

1893 – Casamento com Marianne Schnitger(1870-1954), que será, mais tarde, ativista pe-los direitos da mulher e socióloga.

1894 – É chamado para ser professor da cadeirade Economia Nacional na Universidade deFreiburg em Breisgau

1897 – Professor de Economia Nacional na Uni-versidade de Heidelberg.

1898 – Consegue uma licença remunerada nauniversidade, por motivo de saúde.

1899 – É internado numa casa de saúde paradoentes mentais, onde permanece algumassemanas.

1903 – Participa, junto com Sombart, da direçãode uma das mais destacadas publicações deciências sociais da Alemanha.

1904 – Atividade redatorial. Publica ensaios so-bre os problemas econômicos das proprieda-

des dos Junker, sobre a objetividade nas ciên-cias sociais e a primeira parte de A Ética Pro-testante e o Espírito do Capitalismo.

1905 – Parte para os Estados Unidos, onde pro-nuncia conferências e recolhe material para acontinuação de A Ética Protestante e oEspírito do Capitalismo.

1906 – Redige dois ensaios sobre a Rússia: A Si-tuação da Democracia Burguesa na Rússia e ATransição da Rússia para o Constitucionalismode Fachada.

1909 – É co-fundador da sociedade Alemã deSociologia.

1914 – Início da Primeira Guerra Mundial. We-ber, no posto de capitão, é encarregado de or-ganizar e administrar nove hospitais emHeidelberg.

1917 – Nos Colóquios de Lauenstein, apela paraa continuação da guerra, ao mesmo tempo de-fendendo o retorno ao parlamentarismo

1918 – Co-fundador do partido democrático ale-mão (DDP). Transfere-se para Viena, onde dáum curso sob o título de Uma Crítica Positivada Concepção Materialista da História.

1919 – Convocado como conselheiro para a de-legação alemã na conferência do contrato deVersailhes. Pronuncia conferências em Muni-que, que serão publicadas sob o título de Histó-ria Econômica Geral.

14 de Junho de 1920 – Max Weber faleceu emMunique, em conseqüência de uma pneumo-nia aguda.

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Weber, a hermenêutica e as ciências humanas

Por Ivan Domingues

Ivan Domingues é professor titular no Depar-tamento de Filosofia da Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG). Na sua formação acadêmi-ca, o professor é bacharel e mestre em Filosofiapela UFGM, bem como doutor em Filosofia, pelaUniversité de Paris I (Sorbonne). O professor étambém pós-doutor pela École Normale Supérie-ure Fontennay/Saint-Clud, em Paris, na França. Éautor de vários livros, entre os quais destacamos:Epistemologia das ciências humanas: positi-vismo e hermenêutica – Durkheim e Weber.Tomo 1. São Paulo: Loyola, 2004; O fio e trama– reflexões sobre o tempo e a história. BeloHorizonte/São Paulo: Ed. da UFMG/Huminuras,1996; Le fil et la trame – réflexions sur letemps e l´hitoire. L´Harmattan: Paris, 2000; OGrau zero do conhecimento: o problema dafundamentação das ciências humanas. SãoPaulo: Loyola, 1999.

O tema do presente artigo visa a elucidar asrelações entre Weber, a hermenêutica e as ciênci-as humanas. Três pontos são examinados: 1) aidéia de hermenêutica e seus três campos de atua-ção: arte ou técnica, filosofia e ciência; 2) o pro-grama científico da hermenêutica ao se estenderàs ciências humanas, em especial à sociologia e àhistória; 3) a conveniência de enquadrar ou não aobra de Weber na hermenêutica - hermenêuticacientífica, no caso. No final, com algumas reser-vas, é efetuado o enquadramento.

Trabalhamos o assunto em nossa tese de titu-lar, defendida em 2002, no Departamento de Fi-

losofia da UFMG. A tese apresentada recobre asobras de Weber e Durkheim e faz parte de um pro-jeto mais amplo que deverá ser concluído daqui atrês anos, envolvendo outros autores e outros as-suntos, e tendo por âmbito a epistemologia dasciências humanas. Com o término da revisão con-ceptual dos capítulos, o trabalho foi publicadocomo livro em 2004, pela Editora Loyola, o quepermite o acesso dos interessados ao conjunto domaterial trabalhado, tanto no tocante a Weber,quanto com respeito a Durkheim.

Quanto ao presente artigo, consagrado às re-lações entre Weber e a hermenêutica, na épocaem que estávamos preparando a palestra que lhedeu origem, ficamos indecisos sobre o melhormodo de tratar o assunto, ficando claro que maisde um caminho era possível: num extremo, umaexposição mais técnica, voltada para um públicode especialistas; noutro extremo, uma exposiçãomais abrangente, visando a um público mais am-plo de não iniciados.

Tendo optado pela segunda via, ao levarmosem conta a natureza do evento, procuraremos, naseqüência da exposição, a exemplo da palestra,elucidar as relações de Weber com a hermenêuti-ca, mediante o exame de três tópicos: 1) a idéia dehermenêutica e seus três campos de atuação: arteou técnica, filosofia e ciência; 2) o programa cien-tífico da hermenêutica ao se estender às ciênciashumanas, em especial à sociologia e à história; 3)a conveniência de enquadrar ou não a obra deWeber na hermenêutica - hermenêutica científica,no caso.

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1. Sobre a hermenêutica: arte (técni-ca), filosofia e ciência

A palavra “hermenêutica” é uma substanti-vação do verbo grego hermeneuein, que, em suaorigem, significa traduzir, explicar e exprimir(Grondin). Nestas três acepções, hermeneueintem o sentido de “trazer à compreensão”, “trazer àluz”: a passagem obscura de um texto, a mensa-gem cifrada do oráculo, etc. Tal sentido, abarcan-do os discursos oral e escrito, sugere que a herme-nêutica tem a ver com a linguagem, e ao que pare-ce já está fixado desde a origem da palavra her-meneuein, que uma etimologia duvidosa, con-quanto aceita, deriva sua gênese de Hermes, odeus mensageiro dos gregos, e também dos co-merciantes e dos ladrões, ao qual a tradição credi-ta a invenção da linguagem e da escrita.

Por seu turno, o adjetivo hermeneutikos(hermenêutica), ao qualificar a “arte” de interpre-tar os textos e também de decifrar as mensagensdivinas e as formulações dos oráculos (téchne her-meneutiké), desde sua aparição em solo grego, nomundo antigo, comporta uma acepção sagrada euma profana. Um sentido sagrado, em vários seg-mentos do corpus platônico, como no Político eem Epimonis, voltada para a interpretação dossímbolos mítico-religiosos; uma acepção profana,voltada para os signos de tipo laico e mais propria-mente lingüísticos, como na Peri hermeneias (ouDa interpretação), de Aristóteles.

Tal partição da antiga hermenêutica em sa-grada e profana também era conhecida dos eru-ditos romanos e dos teólogos medievais, que de-dicaram uma atenção especial à tradução dosclássicos gregos (Homero, etc., no caso dos ro-manos), assim como dos textos da tradição judai-co-cristã, recolhidos pela Bíblia, englobando oAntigo e o Novo Testamento. Cedo esses especia-listas compreenderam o quanto o estabelecimen-to do corpus homérico, platônico, aristotélico edos profetas dependia da remissão ao contexto,do apelo à história, da saturação das lacunas e daintrodução de conjecturas. Compreenderam,também, que, no fundo, a tradução de qualquertexto, sagrado ou profano, é uma interpretação,

e por isso a arte de traduzir os textos depende daarte de interpretar, e não é senão um caso damesma. Este foi, por exemplo, o caso de São Je-rônimo, considerado como um dos pais e emi-nente doutor da Igreja, que, ao se ocupar do livrosanto, ao traduzir o grego e o hebraico para o la-tim, foi levado a recusar a via da tradução literal(letra), tomando o caminho da tradução segundoo espírito ou o sentido.

O nome reservado a esta arte e seus variadosofícios, na tradição latina, era ars interpretandi(arte da interpretação), tendo sido o vocábulohermenêutica cunhado mais tarde, em diferenteslínguas modernas, como o francês, o inglês e oalemão, no início dos tempos modernos (O dicio-nário Robert data para o francês herméneutique oano de 1777). Contudo, tanto em sua vertentemedieval, quanto em sua versão moderna, a her-menêutica manterá intacto o laço que a liga à lon-ga tradição de exegese dos textos, iniciada nomundo antigo, especificamente na Grécia e no ve-lho Israel: de um lado, a tradição judaica, ao seocupar da interpretação do velho testamento, par-ticularmente os livros da Tora, acrescido mais tar-de dos preceitos do Talmud; de outro, a tradiçãogrega, graças aos trabalhos desenvolvidos, compaciência, pelos eruditos da Biblioteca de Alexan-dria, ao se ocuparem dos textos literários, filosófi-cos e científicos dos antigos helenos.

A hermenêutica aplicada aos textos profanos– literários, científicos e filosóficos – é conhecidacomo “hermenêutica filológica” ou simplesmentefilologia (do grego philo = amigo + lógos = pala-vra � amigo das palavras, dos estudos e por ex-tensão dos textos). Por sua vez, a hermenêuticaaplicada aos textos sagrados é conhecida comoexegese ou “hermenêutica bíblica”, com a ressal-va de que também no Islã vamos encontrar algoparecido, não sendo, portanto, uma exclusividadenem cristã, nem judaica. Podemos dizer que estassão as duas primeiras e mais antigas versões dahermenêutica na acepção de arte ou técnica (artede ler e interpretar os textos), as quais têm em co-mum uma grande dependência das disciplinashistóricas e da erudição. Mais tarde, uma discipli-na da hermenêutica dos textos profanos ganhará

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autonomia e dará nascimento a uma terceira her-menêutica, que se ocupará das leis e sua interpre-tação: a “hermenêutica jurídica”.

Por fim, já conhecida e legitimada comotéchne (arte de ler e interpretar os textos), a her-menêutica se expandirá nos tempos modernos emduas direções: 1) em direção à filosofia, onde já sefazia presente desde os tempos antigos como her-menêutica ou exegese filosófica (arte de ler e inter-pretar os textos filosóficos); porém, desta feita, apartir do século XIX, de uma maneira diferente,além de mais ambiciosa e com maior lastro, aodar origem a uma nova doutrina ou corrente depensamento, a saber: a “filosofia hermenêutica”,cujos maiores expoentes no século XX são Gada-mer e Ricoeur, e cujos fundamentos vamos en-contrar nas obras de Schleiermacher, Dilthey,Husserl e Heidegger, conduzindo Ricoeur a pro-mover o casamento da hermenêutica com a feno-menologia; 2) em direção à “ciência”, vale dizer,às ciências humanas, onde vai aparecer como teo-ria e método científicos, tendo como precursoresDilthey e Droysen, e como grandes expoentes nasociologia, história e antropologia os nomes deSimmel, Weber, Marrou e Geertz, sendo Weber,no nosso entendimento, o maior deles e sendo aÉtica o exemplo mais emblemático da aplicaçãoda hermenêutica às ciências humanas.

Qualquer que seja o domínio (técnica, filoso-fia e ciência), a tarefa da hermenêutica é captar osentido, que é procurado onde ele se encontra:na linguagem, ou seja, nas diferentes formas decompreensão da linguagem oral e escrita. Tam-bém a lingüística se ocupa do sentido e a ele che-ga a dedicar uma disciplina exclusiva: a semânti-ca. A hermenêutica se coloca na extensão da se-mântica e se dá por tarefa especial, mais além dotrabalho de elucidar o significado dos vocábulose dos sintagmas, de competência da lingüística(semântica), a restituição do sentido daquelasatividades dos homens que ultrapassam a lingua-gem ou que a linguagem se limita a ser seu veícu-lo ou suporte. Tal é o caso das leis, dos símbolosreligiosos e dos textos filosóficos, científicos e lite-rários, com seu apelo ao mundo, ao humano e aosobre-humano.

Três são as máximas que vão comandar ahermenêutica em seu esforço por capturar e deci-frar o sentido no plano da téchne, da filosofia e daciência: 1ª) a distinção entre espírito e letra, esta-belecida por São Paulo no terreno da exegese bí-blica, ao dizer contra os judeus “Ministri non litte-rae sed spiritus; litterae enim occidit, spiritus au-tem vivificat” (“Obedecer não à letra, mas ao espí-rito; a letra mata, o espírito vivifica”); 2ª) o círculohermenêutico, celebrizado por Schleiermacher,porém que se origina de Ernesti no terreno dahermenêutica filológica, segundo o qual, na ope-ração de captação do sentido, deve-se remeter otexto ao contexto, a parte ao todo, o sujeito aoobjeto, e vice-versa (à diferença da lógica, quefalará do círculo vicioso, a hermenêutica falarádo círculo virtuoso que permite o trabalho da in-terpretação, seguindo Heidegger, que dizia “oimportante não é quebrar ou romper o círculo,mas nele penetrar corretamente”); 3ª) a idéia in-troduzida por Schleiermacher segundo a qual ahermenêutica começa onde a compreensão(imediata) pára - em razão de “ruídos” ou “cur-to-circuitos”, pode-se dizer, gerando a necessida-de de perguntar pelo sentido e deflagrar o traba-lho da interpretação.

2. Hermenêutica e ciências humanas

Dilthey é o grande responsável pela extensãoda hermenêutica às ciências humanas, para alémdo direito, da exegese bíblica e da filologia. Ocampo privilegiado de seus trabalhos de herme-neuta foi a história e a psicologia, mas ele estavaconvencido de que outras disciplinas poderiam fa-zer o mesmo, como no-lo sugere na frase famosaconforme a qual “nas pedras, nos mármores, sonsmusicais, gestos, palavras e letras, nas ações, or-dens e organizações econômicas, nos fala sempreo mesmo espírito, o qual requer uma interpreta-ção”. Tal interpretação, segundo ele motivadapela necessidade de captar as unidades de senti-do, só seria levada a bom termo se lográssemosintroduzir no método uma série de elementos des-prezados pelos positivistas, a exemplo da empatia,

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da revivência e da intuição psicológica, graças àsquais podemos transportar-nos para a alma deoutrem, bem como para uma outra época históri-ca, e assim restituir o sentido, salvando-o da mortee do esquecimento. É com base na incorporaçãodesses elementos ao método que Dilthey propõe afamosa dicotomia entre explicação e compreen-são, a primeira afeta às ciências naturais, a segun-da, às ciências humanas. A dicotomia transparecenuma frase que ficou célebre e que até hoje é in-vocada tanto pelos partidários da hermenêutica,que não estão de acordo com ele, quanto peloscríticos, de outras correntes do pensamento, quenela vêem um equívoco lamentável, a saber:“Explicamos a natureza: o calor dilata os corpos;compreendemos a vida psíquica – uma empatia,por exemplo”.

Além de Dilthey, que não era cientista social,mas filósofo, tendo seus trabalhos como historia-dor se resumido à biografia de Schleiermacher, aqual fez época e deve ser considerada relevante,outro nome importante na extensão da herme-nêutica às ciências humanas é o do historiadoralemão Droysen, autor da História da políticaprussiana (1855-1886). De fato, é Droysen, enão Dilthey, o responsável pela introdução nocampo da hermenêutica da distinção entre expli-cação e compreensão, abrindo um caminho dife-rente de Dilthey, posto que ele não tratou de dico-tomizar as duas categorias, mas de articulá-las, aofalar de uma “explicação compreensiva”. Posteri-ormente, outros nomes importantes se somaramaos de Dilthey e de Doysen no esforço de estendera hermenêutica às ciências humanas, como Ric-kert, Simmel e o próprio Max Weber, ao qual vol-taremos no terceiro tópico de nosso estudo.

Numa época em que o vocabulário da her-menêutica era bastante instável, e o sentido dosvocábulos flutuava em demasia, embaralhando ascorrentes de pensamento e testemunhando a ju-ventude da empresa no campo da ciência, outrafigura importante, no terreno da psicologia, alémda filosofia e da psiquiatria, é Karl Jaspers, amigode Weber e habitué dos famosos saraus científi-co-literários de suas casas em Heidelberg e outrascidades alemãs. Acrescentem-se ainda, posterior-

mente a Weber, o nome de Alfred Schutz, quepromove, no âmbito da sociologia, a fusão da her-menêutica e da fenomenologia, assim como a fi-gura de Henri-Irenée Marrou, que é uma espéciede estrela solitária da hermenêutica na história,ou, antes, na historiografia francesa, que é domi-nada pela Escola dos Anais, cuja índole, como ésabido, é estranha à hermenêutica. Por fim, maisrecentemente, cabe mencionar o nome de CliffordGeertz no terreno da antropologia, e os de PaulLadrière e Jean-Luc Boltanski, no plano da socio-logia, que adotam posições próximas das de PaulRicoeur.

Uma coisa digna de nota, nesta tentativa deextensão do paradigma da hermenêutica às ciên-cias humanas, é a instabilidade de que é vitimasuas categorias axiais, para além da doutrina, noplano da metodologia. Assim, Droysen, que intro-duz a distinção entre explicação e compreensão,propõe sua articulação e fala de uma “explicaçãocompreensiva”. Já Dilthey, como foi mencionado,propõe um caminho diferente, ao dicotomizar ex-plicação e compreensão, reservando a primeira àsciências naturais, a segunda às ciências humanas.Heidegger, por sua vez, diz que a compreensãovem primeiro e a interpretação, que é uma expli-cação, instaura-se depois, como algo derivado.Gadamer, ao retomar Heidegger, propõe, sem fa-lar de método, uma démarche indiferente à distin-ção entre explicação e compreensão, entendendoque são a mesma coisa. Em contrapartida, procu-rando fundar a hermenêutica como metodologiageral das ciências do espírito, Emilio Betti propõeuma teoria geral da interpretação, indiferente àdistinção entre explicação e compreensão. Porfim, Ricoeur toma a interpretação como categoriaabarcante e trata de articular, no mesmo método,explicação e compreensão. Já Weber se põe naextensão de Droysen, articulando explicação ecompreensão e fala tanto de uma “compreensãoexplicativa” quanto de uma “explicação compre-ensiva” – uma só e mesma coisa.

Por isso, ao examinarmos o paradigma dahermenêutica e suas diferentes aplicações às ciên-cias humanas, devemos levar em conta esse esta-do de coisas, marcado pela flutuação conceptual

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no plano da teoria, bem como pela instabilidadede procedimentos no plano do método1.

3. Weber, a hermenêutica e as ciênciashumanas

Antes de mais nada, gostaríamos de deixarclaro que não foi nada fácil, na redação da tese, oenquadramento de Weber no terreno da herme-nêutica, pois mais de uma barreira se ergueu nomeio do caminho, e tão logo superávamos umobstáculo era para nos ver diante de outro. Haviaas dificuldades terminológicas e conceptuais ori-undas do próprio Weber, como veremos, motiva-das pelo fato de o pensador jamais ter-se reconhe-cido como membro da escola hermenêutica, que,em sua época, não existia como escola e corrente

de pensamento, ao menos com este nome, no ter-reno das ciências humanas - dificuldade que va-mos encontrar até mesmo em Dilthey, que, muitasvezes, empregava outro nome e, em mais de umaocasião, restringiu o vocábulo hermenêutica àexegese. Havia também as dificuldades oriundasdos intérpretes, como Raymond Boudon e Cathé-rine Colliot-Thélène, que impugnam a etiqueta dehermenêutica ao se referirem à obra de Weber.Ambas as dificuldades nos obrigaram a empregaruma dupla estratégia com o intuito de mostrar queaquilo que Weber de fato fazia em suas investiga-ções empíricas era bem hermenêutica, cabendoao epistemólogo, ao reconhecer o que o cientistafaz ou fez de fato, elevar o factum ao direito e dar ajustificação teórico-conceptual. Tal estratégia im-plicou, por um lado, num paciente trabalho de re-construção epistemológica, impossível de refa-

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1 Por ocasião do evento, quando a palestra foi proferida, fomos interpelados quanto à propriedade de usar o qualificativo dehermenêutica para designar o pensamento de Weber e de Rickert, cuja influência sobre o sociólogo é reconhecida pelo próprioe pelos estudiosos.Um dos pontos evocados no tocante a Rickert é o fato de ele nunca ter-se nomeado hermeneuta. Outro ponto é a ausência demenção explícita à categoria de compreensão. O terceiro ponto é o papel axial da categoria de valor em seu método, e não dacategoria de sentido. Como estas reservas têm ressonância em mais de um estudioso de Weber e de Rickert, adotamos oexpediente de registrá-las, de modo que o leitor, particularmente aquele que não esteve no evento, possa tomar conhecimentodos três pontos assinalados, assim como de nossas razões de pensar de outra maneira.Em primeiro lugar, como deixamos claro naquela ocasião, a questão nominalista simplesmente não faz sentido: à época deRickert e de Weber, além da flutuação conceptual, já mencionada, o nome “hermenêutica” sequer existia como vocábuloepistemológico (salvo para a exegese e à exceção de Dilthey, ainda assim com reservas); dar hoje tal nome ao que eles fizeram,mais do que anacronismo, significa tão-somente atualizar o léxico, no sentido pragmático de que o nome que damos hoje paratal coisa é hermenêutica; daqui a cem ou duzentos anos outro nome poderá ser cunhado - nada o impede, em matéria dequestões nominalistas os nomes vão e vêm (como sociologia compreensiva, que tinha a preferência de Weber e ninguémemprega hoje, salvo os weberianos); todavia, mais do que o nome, o que importa é a idéia ou o conceito.Em segundo lugar, lembramos na mesma ocasião que Weber, Rickert, Simmel, Windelband, Dilthey e Troeltsch fazem parte deuma mesma constelação ou de uma mesma família, no sentido de Wittgenstein, a saber: a escola histórica alemã; da mesmaforma que fazem parte da mesma família os vocábulos compreensão, sentido e interpretação, gerados e empregados numaépoca de forte instabilidade teórica e num ambiente de grande flutuação conceptual. Uma das características da escolahistórica é sua vizinhança com o romantismo e sua inclinação em reconhecer a ação das potências do coração, do sentimento edo indivíduo. Diremos, então, que é neste quadro que se inserem Weber e Rickert, ou seja, Rickert, o sucessor de Windelbandem Heidelberg, que tinha introduzido a distinção entre ciências nomotéticas e idiográficas ao se referir às ciências naturais ehumanas; tal distinção é retida e modificada por Rickert, que põe no seu lugar a distinção entre ciências individualizantes eciências generalizantes (lembremos que “idiográfico’, formado do radical grego idios = próprio, particular, especial, é relativoao indivíduo, como “idioma” e “individualizante” – o que reúne ambos os pensadores numa mesma perspectiva). Demais, seRickert, não usa o vocábulo compreensão, emprega o correlato interpretação e o associa ao sentido, como em sua obra tardiaImediatez e Interpretação do sentido – Ensaios para a estruturação do sistema de filosofia.Em terceiro lugar, a referência aos valores, além de quebrar as pretensões formalistas em lógica, dando um conteúdo material àdistinção natureza / cultura, pode ser vista como uma ponte daquela disciplina com a hermenêutica, na medida em que é ovalor que permite o laço entre o sentido e a realidade, permitindo tanto a atribuição de significado aos fatos quanto a avaliaçãoda realidade. Melhor do que Simmel, que buscou, no sentido, a ponte entre o juízo de fato e o juízo de valor, a posição deRickert é próxima de um outro nome eminente que, de um modo textual, faz do valor a porta de entrada da hermenêutica:Emilio Betti. Weber, por seu turno, permanece mais próximo de Simmel, ao tomar o sentido como porta de entrada. Trata-semais uma vez de uma grande família, em que os membros se distinguem e discrepam entre si. Sobre as relações de Weber coma hermenêutica, cf. a próxima seção.

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zê-la no momento - antes, na palestra, por absolu-zê-la no momento - antes, na palestra, por absolu-ta falta de tempo, agora por falta de espaço. Re-metendo o leitor ávido de maiores esclarecimen-tos à tese defendida, assim como ao futuro livro,limitar-nos-emos a dizer tão-somente que a re-construção se resumiu em mostrar, com base noargumento do criador e suas variantes, que Weberé partidário do constructivismo epistemológico,adotando, porém, a variante da hermenêutica, àdiferença de Lévi-Strauss, por exemplo, que ado-ta a variante estruturalista2. Por outro lado, a es-tratégia empregada implicou - mais além do exa-me das ferramentas lógicas e epistemológicas,como o tipo ideal e o princípio da causalidade - naadoção de expedientes pragmáticos, que me leva-ram a sustentar, seguindo uma sugestão de JulienFreund, que muito do que fez e escreveu Weber,ao atualizar-lhe o léxico, deve ser nomeado, hoje,“hermenêutica”.

Na seqüência, vamos tentar precisar esteponto, antes de concluir a exposição. Comecemospelas barreiras erguidas pelo próprio Weber. Naspoucas vezes em que fala explicitamente da her-menêutica, como em um de seus ensaios de meto-dologia das ciências da cultura, Weber se lhe refe-re como se fosse coisa de Schleiermacher, Diltheye Boeckh, não tendo nada que ver com ele3. Emais: em Economia e sociedade, em vez dehermenêutica, ele fala de compreensão; em vezde sociologia hermenêutica, sociologia da com-preensão ou sociologia compreensiva; em vez demétodo hermenêutico, método da compreensãoou da interpretação. E ainda: em vários ensaiosmetodológicos, ao invés da dicotomia da explica-ção / compreensão, propõe um método de inter-pretação que combine os esquemas empíricos daexplicação (causalidade, etc.) com os esquemasmentais da compreensão, porém depurados deseus elementos psicológicos como empatia e revi-vência, em favor das hipóteses contrafactuais e

dos tipos ideais pensados como constructos ouidealidades – coisa que, diga-se de passagem,Dilthey nunca pensou nem imaginou.

Tal discrepância, na visão de muitos estudio-sos de sua obra, é suficiente para desqualificar oemprego do vocábulo hermenêutica ao se procu-rar nomear-lhe seja a doutrina, seja o método.Trata-se de um equívoco, no nosso entender.Simplesmente, o que esses estudiosos esquecem éque a depuração dos elementos psicológicos dacompreensão em favor dos componentes lógicos,tal como empreendida por Weber, se serve paradistanciá-lo da hermenêutica, é para afastá-lo dahermenêutica romântica, cujo exemplo emblemá-tico vamos encontrar na obra de Dilthey. Tal é,aliás, o caso de dois outros partidários da herme-nêutica, porém pós-romântica, como Gadamer eRicoeur, que igualmente repudiam o caminho tra-çado pelo filósofo. Por isso, em que pesem as dis-crepâncias terminológicas e conceptuais patentea-das pela obra weberiana, ao atualizar-lhe o léxicoe reconstruir-lhe a epistemologia, podemos dizerque Weber não só é um dos grandes expoentes dahermenêutica nas ciências humanas, bem comoque ele, sem dúvida, teve melhor fortuna do queDilthey, cuja influência se circunscreveu ao campoda filosofia. A favor dessa idéia - Weber hermene-uta, para muitos inaceitável –, invocaremos trêsargumentos: 1) o emprego consciente e nada ale-atório do termo “compreensão”, de inegável vo-cação hermenêutica (trata-se da Verstehen deDilthey, de Droysen, de Gadamer e de Ricoeur),bem como do vocábulo “interpretação”, queigualmente integra o campo semântico da herme-nêutica, embora sem exclusividade, e em cuja ori-gem vamos encontrar a hermeneía dos antigos; 2)o privilégio que confere à captação do sentido,desta feita junto à ação, como já tinha propostoDilthey, atitude igualmente de ressonância herme-nêutica; 3) a própria associação entre explicação e

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2 O argumento em questão foi formulado por Vico, ao dizer acerca do real que só podemos conhecer plena e efetivamente aquiloque nós mesmos criamos – quanto às coisas que não foram criadas por nós, como a natureza, só conhecemos indiretamente e poranalogia. Na tese, mostramos que o argumento deu origem, na epistemologia moderna, a um conjunto de vias e variantes: oconstructivismo, o operacionalismo, o instrumentalismo, o pragmatismo, etc. Ao reconstruirmos a epistemologia weberiana, aenquadramos no constructivismo, conferindo-lhe porém, a título de variante, um viés hermenêutico.

3 Cf., por exemplo, o ensaio Knies e o problema da irracionalidade. In: Metodologia das ciências sociais, p. 66, n. 46 (verreferências bibliográficas).

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compreensão como pólos da interpretação, asso-ciação que, além de Droysen, é preconizada porRicoeur, ele próprio partidário da hermenêutica etambém ele preocupado com a superação da di-cotomia demasiadamente rígida entre explicaçãoe compreensão.

Assinalemos que, ao se propor como ciênciaempírica e se estender a diferentes disciplinas dasciências humanas, a idéia axial da hermenêutica éque, no campo dos fenômenos humano-sociais, ocientista não lida com fatos brutos ou simples coi-sas, mas fatos ou coisas dotadas de sentido ou designificação4. Caberá ao cientista, mais do quedescrever e explicar os fatos, perguntar pelo senti-do e procurar compreendê-lo (decifrá-lo) com aajuda de meios empíricos. O sentido, por sua vez,é polissêmico, varia no tempo e no espaço, podeinflacionar-se, erodir-se e entrar em colapso, aogerar o nihilismo, ficando sua apreensão a depen-der do ângulo e da perspectiva do observador. Jáa compreensão, além de perspectivística, se defi-ne por dois outros componentes ou aspectos emsuas operações cognitivas: trata-se de uma apre-ensão (do latim comprehensio, correlato de apre-hensio = apreensão de algo com as mãos e, porextensão, com a mente); consiste numa “inclu-são”, abarcando a coisa e o sujeito. Desde então,três notas vão caracterizar a visão de ciência dahermenêutica: 1) a ênfase no sentido, mais alémdo fato ou da coisa; 2) o perspectivismo ou a idéiade que a ciência fornece uma perspectiva da reali-dade, espacial e temporal; 3) a incorporação dosujeito no processo cognitivo e na própria opera-ção de análise e determinação do sentido (pois oponto de vista ou a perspectiva é do sujeito), emsua dupla condição de matriz ou fonte da signifi-cação (sujeito doador de sentido) e sujeito episte-mológico ou hermenêutico.

Concluindo a exposição, gostaríamos deacrescentar, sem condições de desenvolver o as-sunto, que em nossa reconstrução da epistemolo-gia weberiana, ao compararmos Weber com Durk-heim, fizemos uma espécie de brincadeira, aomodo de um jogo de retórica, mostrando que, emDurkheim, por trás do positivista se esconde umkantiano, ao passo que, em Weber, ao contrário,por trás do kantiano se esconde o positivista, queadota o princípio da neutralidade axiológica emantém o princípio da verificação empírica. Aotrabalhar a tensão resultante da adoção dessasduas matrizes de pensamento, fomos levados amostrar a dificuldade de ajustá-la ao tripé episte-mológico de sua metodologia, constituído pelos ei-xos da descrição, da explicação e da interpretação,tendo como categoria abarcante a compreensãoou Verstehen. O resultado é que Weber, ao levaraté o fim o componente kantiano de seu método,tinha tudo para instalar o sujeito epistemológico nolimiar do conhecimento, ele que já tinha introduzi-do o ponto de vista do sujeito, ao falar de seleções,de recortes e de perspectivas do sujeito cognoscen-te ou do cientista. Todavia, não o fez, e como queinterrompeu suas análises epistemológicas “antes”.

Ora, o que vai fazer a hermenêutica depoisde Weber, e também depois de abandonar o suje-ito transcendental de Kant no campo da ciência,foi justamente introduzir o sujeito hermenêuticono limiar do conhecimento, tomando-o, a umtempo, como sujeito doador do sentido ou matrizdas significações, e sujeito construtor ou sujeitoepistemológico. Um pouco disso é o que vamosencontrar nas obras de Schutz e de Geertz nocampo da sociologia e da antropologia. Porém, oque aconteceu e o modo como aconteceu sãouma outra história, que deixaremos para uma ou-tra oportunidade.

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4 Sobre a conexão entre o sentido e os fatos, inúmeras são as passagens de Max Weber que nos mostram a existência de umaverdadeira simbiose. Sobre a natureza do sentido, cujo estatuto é da ordem de uma idealidade, o sociólogo nos oferece emEconomia e sociedade um trecho em que deixa claro o laço entre sentido e ação, bem como evidencia o tipo ou a modalidadedo liame, ressaltando sua natureza consciente ou inconsciente, além de racional ou irracional. O trecho é o seguinte: “a açãoracional sucede, na maioria dos casos, em surda semiconsciência ou inconsciência de seu ‘sentido visado’. O agente mais o‘sente’, de forma indeterminada, do que o sabe ou tem ´clara idéia’ dele; na maioria dos casos, age instintiva ouhabitualmente. Apenas ocasionalmente e, no caso de ações análogas em massa, muitas vezes só em poucos indivíduos,eleva-se à consciência um sentido (seja racional, seja irracional) da ação. Uma ação determinada pelo sentido efetivamente,isto é, claramente e com plena consciência, é na realidade apenas um caso-limite” (WEBER, M. Economia e sociedade, v. 1, p.13 – Ver referências bibliográficas).

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Referências bibliográficas

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DOMINGUES, I. Paradigmas e modelos das ciências huma-nas no século XX: as vias de Émile Durkheim e Max Weber.Belo Horizonte, mimeo., 2 tomos, 502 p., 2002 (Tese de titu-lar).

GADAMER, H.-G. Verdade e método. Petrópolis: Vozes,1998.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. São Paulo: LTCEditora, 1989.

GRONDIN, J. L’universalité de l’herméneutique. Paris: PUF,1993.

_______. Herméneutique. In: JACOB, A. (éd.). Encyclopédiephilosophique. Paris: PUF, 1990, p. 1129-34.

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WEBER, M. Economia e sociedade. 4.ed. Brasília: EditoraUnB, 2000. V.1

_______. Metodologia das ciências sociais São Paulo / Cam-pinas: Ed. Cortez / Ed. da Unicamp, 1992 / 1993. (2 v).

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Em defesa da pluralidade e da multicausalidade

Entrevista com Antônio Flávio Pierucci

Antônio Flávio Pierucci é professor na Fa-culdade de Filosofia Letras e Ciências Humanasdo Departamento de Sociologia da USP, em SãoPaulo. Graduado em Filosofia pela PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo (PUCSP), émestre em Ciências Sociais pela PUCSP, e suadissertação teve o título Igreja Católica e Re-produção Humana no Brasil. O professortambém é doutor em Sociologia pela USP, tendosua tese o título Democracia, Igreja e voto: oenvolvimento do clero católico na eleiçãode 1982, e livre docente pela USP, com a teseDesencantamento do mundo: os passos doconceito em Max Weber. Esse trabalho trans-formou-se no livro O desencantamento domundo: todos os passos do conceito emMax Weber. São Paulo: Editora 34, 2003. Oprofessor também é autor de, entre outros,

Igreja: contradições e acomodação. SãoPaulo: Brasiliense / Cebrap, 1978; e Ciladas dadiferença. São Paulo: Editora 34, 1999. Publi-camos a seguir trechos da entrevista concedidapor ele ao IHU On-Line, por telefone, na últimasemana.

Uma nova tradução do livro A ética protes-tante e o “espírito”5 do capitalismo de MaxWeber acaba de ser publicada pela Companhiadas Letras (Weber, Max. A ética protestante eo “espírito” do capitalismo. Tradução JoséMarcos Mariani de Macedo; revisão técnica, edi-ção de texto, apresentação, glossário, correspon-dência vocabular e índice remissivo Antônio Flá-vio Pierucci. São Paulo: Cia. Das Letras, 2004). Aedição recupera a versão original do ensaio e aapresenta em conjunto com o texto de 1920, re-visto e ampliado pelo próprio Max Weber.

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5 “Quando, há cem anos, apareceu pela primeira vez nas páginas da revista Archiv für Sozialwissenschaft (1904) o germinalensaio de Max Weber sobre a ética ascética do protestantismo puritano como berço da cultura ocidental moderna, seu títulotrazia entre aspas – aspas de cautela e ao mesmo tempo de ênfase – a palavra “espírito”. Exatamente como na atual edição.Com essa marcação diacrítica o autor salientava de imediato aos olhos do leitor o que é que, afinal de contas, pretendiaidentificar, ao lado da ética religiosa ali no título, como seu “novo” objeto de análise na busca sociológica de uma relaçãocausal histórica. E esse novo objeto não era o capitalismo como sistema econômico ou modo de produção. Era, sim, ocapitalismo enquanto “espírito”, isto é, cultura – a cultura capitalista moderna, como tantas vezes ele irá dizer -, o capitalismovivenciado pelas pessoas na condução metódica da vida de todo o dia. Noutras palavras, o “espírito” do capitalismo comoconduta de vida: Lebensführung. Para começo de conversa: o mínimo que esperamos desta nova edição em português édeixar assentado de uma vez por todas que Weber nos legou não somente duas edições d’A ética protestante, mas duasversões. A primeira, publicada em duas levas, em 1904 e 1905, e a outra, revista em ampliada, editada em 1920. Por isso é queaqui, com tradução mais atenta a uma correspondência vocabular mínima entre os termos-chave empregados nos doisidiomas e nas duas áreas de conhecimento mais diretamente mobilizadas no ensaio weberiano (a saber, a nascente sociologiaalemã e a velha teologia protestante), a palavra “espírito” recupera as aspas que o próprio Weber havia cortado para a segundaedição.” A nota transcreve o trecho inicial da apresentação, assinada por Antônio Flávio Pierucci, da edição d’A éticaprotestante e o “espírito” do capitalismo comemorativa ao centenário da primeira publicação (Nota do IHU On-Line).

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IHU On-Line – “Ética protestante e o espíri-to do capitalismo” mantém-se atual?Antônio Flávio Pierucci – Sim, na medida emque é uma obra que se colocou como desafio in-terpretar a arrancada do processo de moderniza-ção ocidental, e nós ainda estamos vivendo empleno processo de modernização, se não mais nospaíses centrais, no Terceiro Mundo, nos paísesasiáticos, na América Latina. No Brasil, estamosvendo isso acontecer nos rincões que a gente ja-mais imaginava tão rapidamente modernizados.Então a obra é muito atual, nesse sentido. Porque? Porque mostra também que no processo demodernização, que é um processo de racionaliza-ção, não basta levar em conta os fatores puramen-te econômicos, ou como diríamos um tempoatrás, os fatores puramente materiais, mostra queos fatores culturais pesam muito. E entre esses fa-tores culturais tem um peso, cada vez mais pro-nunciado, o fator religioso.

IHU On-Line – Na apresentação do livro osenhor diz que se oportuniza uma reflexãosobre a obra à luz do pós-modernismo. Emque sentido?Antônio Flávio Pierucci – Me refiro a uma coi-sa tipicamente pós-moderna, que é o fato de, ago-ra também nas ciências humanas, começarmos adar importância para o texto. A feitura do texto, aconfecção do texto, agora, também passar a serobjeto de atenção. E eu digo isto porque na novaedição nós procuramos mostrar que o texto temuma história, em si mesmo. Temos um texto emdois momentos: a primeira forma, de 1904 e1905, que é uma primeira versão, que não foi edi-tada em forma de livro, mas como artigos de umarevista importante, a Archiv für Sozialwissens-chaft, Depois, quinze anos passados, com o We-ber já munido de um outro aparato conceitual,que ele próprio foi desenvolvendo, revendo a pri-meira versão, acrescentando muitas coisas. Nãoapenas informações novas, acrescentando conce-ituações novas. Entre as quais eu faço sobressair

não ali, [na apresentação de “A ética...”] mas nolivro que eu escrevi no final do ano passado, a no-ção de “desencantamento do mundo” [ver a in-trodução desta entrevista]. Que é uma noção tãocentral no pensamento do Weber e que, até en-tão, nós pensávamos que já havia nascido pronti-nha, assim como se imaginava o mesmo de “A éti-ca...”. Muitos daqueles conceitos foram surgindona elaboração da sua sociologia no decorrer des-ses quinze anos. Em 1920, retoma e recheia, diga-mos assim, aquela primeira versão com novosconceitos, o que nos dá uma sensação de estar-mos lendo dois livros ao mesmo tempo. Então, éneste sentido que eu falo do pós-moderno, nosentido de que agora não só o conteúdo do texto éimportante, mas a escrita em si mesma, a maneiracomo o texto nasceu, com as suas correções, comas suas hesitações conceituais, com a troca de pa-lavras, o ajustamento de certas expressões, de cer-tos conceitos. Isto faz com que agora o texto, mes-mo, seja alvo de interesse do estudioso, não ape-nas o que está sendo dito no texto. O texto em simesmo, na sua materialidade, digamos assim,passa a ser objeto de atenção6.

IHU On-Line – A segunda versão apenas re-força a primeira? Não há mudanças na es-trutura do conteúdo?Antônio Flávio Pierucci – Não. Na edição de1920 há uma nota de rodapé, que destacamos,onde ele diz que não alterou nada de substantivo,nada de essencial, e até sugere aos seus críticos eobjetores que cotejem os textos. Weber não mu-dou a sua interpretação básica do que é a relaçãoentre uma ética religiosa que, no caso, é a ética deum tipo de protestantismo, que ele chama de pro-testantismo ascético, o puritano, que vai gerar umtipo de comportamento na sociedade capitalista,na atividade econômica. Ou seja: há uma relaçãode causalidade no nível da cultura. A ética protes-tante gera um ethos profissional. Não gera o capi-talismo, gera uma “embocadura” profissional,uma forma de encarar a vida, uma maneira de en-

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6 Cf. também GAUCHET, Marcel, Le Désenchantement du monde. Une histoire politique de la religion, Paris:Gallimard, 1985 e GAUCHET, Marcel, La condition historique. Entretiens avec François Azouvi et Sylvain Piron, Paris:Stock, 2003 (Nota do IHU On-Line).

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carar a atividade econômica inteiramente nova,inteiramente racional. Isto não muda, da primeirapara a segunda versão. Mas ele acrescenta coisasmuito importantes, como o conceito de “desen-cantamento”, que é central no seu pensamento.

IHU On-Line – O capitalismo contemporâ-neo ainda precisa do ethos profissional de-senvolvido pela ética protestante?Antônio Flávio Pierucci – Weber é muito clarocom relação a isto. O capitalismo não precisa maisde uma ética especificamente religiosa, mas preci-sa de um ethos racional. A partir do momento emque o capitalismo se afirma sobre os seus própriospés, já no final do século 19, quando o capitalismoentra na sua fase de indústria pesada, que é a in-dústria da siderurgia, da metalurgia, da produçãode máquinas, equipamentos, e não mais apenas aprodução de bens de consumo, aí já temos a lógi-ca de um capitalismo autonomizado em relação auma ética religiosa. Ele precisa de agentes racio-nais dispostos ao trabalho. Hoje nós estamos ven-do que as empresas estão selecionando as pessoascom hábitos de maior escolaridade, com maiorflexibilidade na sua capacidade de aprender e dese reciclar. As pessoas, para serem ajustadas aocapitalismo, precisam, de alguma forma, ser edu-cadas racionalmente. Nesse sentido, a contribui-ção da obra de Weber é perfeita, é extremamenteatual. Sobretudo nos postos de direção, o capita-lismo exige ainda hoje das pessoas uma dedica-ção ao trabalho extraordinária, como se a realiza-ção humana se reduzisse à realização profissional.Então as pessoas, os famosos workaholics, execu-tivos, gerentes, subgerentes, toda essa parcela detrabalhadores precisa de uma dedicação ao traba-lho que é praticamente puritana. O capitalismoexige uma dedicação e uma capacidade de auto-domínio, autocontrole, de repressão dos instintosde preguiça, de ócio, de prazeres, de vícios... Nóstemos, no Brasil, uma camada de trabalhadoresqualificados que faz isso com uma dedicação queparece religiosa. Então, a ênfase que o Weber dá,estudando o protestantismo ascético, vem comessa mensagem de que é preciso ascese, de que aspessoas devem levantar cedo e começar a traba-lhar e trabalhar até tarde e se dedicar se possível,

também na horas vagas ao trabalho. Tudo isso émuito importante para – embora Weber não useessa expressão – “subir na vida”.

IHU On-Line – O que perdura é a idéia de“subir na vida”?Antônio Flávio Pierucci – Isto perdura. Nãoperdura mais para a maioria, porque o capitalis-mo não consegue dar emprego, mais, para as pes-soas. Entre os empregados existem aqueles quesão facilmente substituíveis, e aqueles que são demais difícil substituição. Desses, o capitalismo exi-ge o máximo de dedicação. É uma dedicação semDeus, é uma dedicação de si mesmo, a um funda-mento puramente racional que, examinado a fun-do, tem um forte componente irracional. Se per-guntarmos para as pessoas porque elas trabalhamtanto, elas não conseguem dizer mais que é por-que Deus quer assim, que é uma missão divina,que é uma vontade de Deus. Vão tentar dizer queé importante ser assim, porque é assim que eles serealizam, que é assim que eles garantem o futurodos filhos, que eles garantem o futuro da pátria,usando esses argumentos para tentar explicaruma atitude anti-humana, praticamente.

IHU On-Line – Esta organização racional dotrabalho propiciada pelo protestantismo, secontrapôs, segundo Weber, a um capitalis-mo pária, representado pela forma judaicade negociar. Mas o capitalismo contempo-râneo não assumiu as formas de um capita-lismo pária?Antônio Flávio Pierucci – O capitalismo páriareferido por Weber era um capitalismo de pessoasque não criavam raízes. O capitalismo judaico foisobretudo um capitalismo de empréstimo de di-nheiro. A diáspora judaica desenraizou os judeus,os espalhou pelas diferentes nações, onde atua-vam em profissões não ligadas à produção, liga-das às transações financeiras. E com isso eles seeducavam muito, eram muito dedicados às artes,à produção intelectual, à ciência, onde se destaca-ram bastante. Nesse contexto, Weber está dizen-do: o capitalismo produtivo exige uma racionali-zação cotidiana e incansável, porque o capitalis-mo financeiro não precisa desse tipo de dedica-

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ção, ou não precisa desse tipo de solidez. Por issoque ele o chama de capitalismo pária, porque éum capitalismo ádvena7, um capitalismo que éimportante, mas não se aclimata.

IHU On-Line – Então poderíamos dizer queestamos a lidar com dois tipos de capitalis-mo: um que ainda busca essa modernizaçãotípica ocidental, e que se espalha pelo Bra-sil, e um capitalismo financeiro predatório?Antônio Flávio Pierucci – Sim, o capitalismo fi-nanceiro é um capitalismo que, na realidade, nãocria nenhum capitalismo auto-sustentável. Elenão produz no Brasil um capitalismo autônomo,autóctone. Há uma mudança de qualidade dotipo de capitalismo, que não leva mais aquilo aum processo de modernização produtiva.

IHU On-Line – Uma das dificuldades da ex-pansão do capitalismo, na análise do We-ber, foi o tradicionalismo, a idéia de quebastava ganhar o suficiente para satisfazeras necessidades básicas, o desapego ao lu-cro. Se o capitalismo clássico, que ainda seexpande pelo Brasil, não recorre mais aoapelo de uma produção abençoada porDeus, e precisa qualificar seus empregados,como ele os está educando?Antônio Flávio Pierucci – O capitalismo preci-sa de apenas uma parcela da população que sededique a ele. O capitalismo não abarca a totali-dade das pessoas, hoje uma grande parte da po-pulação é inteiramente supérflua, inteiramentedescartável. O capitalismo, hoje, não tem maiscondições de oferecer pleno emprego. O capitalis-mo é, hoje, altamente seletivo. Aqueles que senti-rem o apelo que o Weber diria, divino, de umapredestinação a serem prósperos numa sociedadecomo esta, estes são predestinados a se darembem num sistema como este. Isto é: não está ditoque a maioria vai se salvar; salvar-se-á uma mino-ria. Essa minoria, ninguém sabe quem são. Maseles, os escolhidos, saberão; constroem, para si, asua própria predestinação. Isso é cruel, mas é umacoisa que existe, é possível pensar um Deus assim,

Calvino pensou. Não pensou Deus como “Pai detodos”. Então, isso é tremendamente perverso.Nós vivemos, realmente, num momento da histó-ria absolutamente execrável, no sentido de quevocê vê as pessoas, os jovens criando expectativasque não serão concretizadas para todos, nemmesmo para a maioria deles.

IHU On-Line – O senhor disse que os elemen-tos religiosos, a cultura religiosa continuasendo importante para a expansão capitalis-ta. O senhor está se referindo ao pragmatis-mo das vertentes evangélicas, por exemplo?Antônio Flávio Pierucci – No que se refere aopragmatismo, o protestantismo dos séculos 16 e17, tirando o luteranismo, a corrente luterana, oprotestantismo que Weber chama de ascético eraextremamente pragmático. Era uma religião dehomens de negócios, de homens práticos, que fa-ziam da sua atividade econômica o lugar, por ex-celência, do seu encontro com Deus. Isso é prag-mático. Essa é outra coisa que aprendemos relen-do a “A ética...”: a religião não precisa ser mística,não precisa ser não prática, pelo contrário, elapode ensinar as pessoas a organizarem de umamaneira mais prática as suas vidas, a terem um es-pírito prático, a saberem que, fazendo isso, elas es-tarão contribuindo para a glória de Deus. Se vocêcoloca a glória de Deus como o seu objetivo, e oque você faz é cuidar do seu dia a dia, de garantir oseu bolso e a sua prosperidade, isto é protestantis-mo do mais legítimo. Não é o protestantismo deLutero, que é o protestantismo do amor, da salva-ção universal, do arrependimento dos pecados...

IHU On-Line – Pode-se dizer que, de manei-ra geral as manifestações evangélicas cor-respondem modernamente a esse espírito?Antôno Flávio Pierucci – Não. Weber, quandofala “ética protestante”, na verdade desconstrói aidéia de que o protestantismo é um bloco único,igual. Há protestantismos das mais diferentes es-pécies. Há um protestantismo extremamente mís-tico, há ênfase no êxtase e na experiência imedia-ta do gozo, da graça no Espírito Santo, ela pode

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7 Quem vem de fora; estranho, alienígena. (Nota do IHU On-Line).

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ter efeitos práticos e pode ter efeitos alienantes.Weber vai falar de “desencantamento” mostrandoque o protestantismo é um fator importante dedesmagificação da prática religiosa. Nós estamosvendo que algumas vertentes desse nosso protes-tantismo, sobre tudo das correntes criadas aqui noBrasil, autóctones, tipo Igreja Universal do Reinode Deus, Igreja Renascer, elas têm fortes compo-nentes de magia, têm um apego aos objetos sagra-dos, a determinados gestos sagrados como se elestivessem força salvífica. Na teoria calvinista, istovai ser jogado no lixo como sendo idolatria, comosendo divinização das criaturas. Não dá para dizerque o protestantismo que cresce no Brasil é o pro-testantismo ascético do século 17. Há muito pou-co de ascetismo, em algumas coisas. Agora, euacho o seguinte: eu acho que os pastores protes-tantes destas igrejas no Brasil trabalham muito,trabalham mais do que muitos padres e do quemuitos pastores mais tradicionais. As igrejas delesficam abertas 24 horas por dia. Há uma idéia detrabalho pastoral – eu não sei se eles chamam as-sim – nessas correntes evangélicas, que é absolu-tamente incansável.

IHU On-Line – O senhor diria que a IgrejaCatólica não está conseguindo proporcio-nar uma certa “eticização”, como a ofereci-da pelo protestantismo a uma sociedadeque se desenvolvia?Antônio Flávio Pierucci – Um dos problemasda Igreja Católica é ser uma igreja clerical. É umaIgreja que tem uma hierarquia e que depende mu-ito, do ritmo dessa hierarquia. Do meu ponto devista, não mais falando em termos weberianos, euacho esse ritmo da hierarquia paquidérmico. A hi-erarquia católica, no Brasil, é muito lenta, nas suasdecisões. As igrejas evangélicas são muitos maiságeis, têm uma estrutura que você pode não con-cordar com ela, há uma desintelectualização dospastores protestantes, dessas igrejas neopentecos-tais, bastante acentuada. Você sabe qual é o esta-do de maior taxa de evangélicos no Brasil? É Ron-dônia. No censo 2000, já tinha 27% de evangéli-cos. Ou seja: também os protestantes crescem noBrasil porque a Igreja Católica não consegue pre-encher as necessidades espirituais da população.Não tem padres, o que vai fazer?

IHU On-Line – Esta acentuada presença dosevangélicos nessa região, à parte seu ladomágico, místico, é um braço de desenvolvi-mento capitalista?Antônio Flávio Pierucci – Não tenha dúvida, éum braço de desmatamento, é um braço de de-senvolvimento do capitalismo em todos os senti-dos mais perversos, de instalação de grandes pro-priedades, de corrupção, no sentido capitalista,das lideranças indígenas, eu não tenho dúvidasquanto a isso. É muito intrigante que os estadosmais protestantes do Brasil sejam estados daAmazônia. A taxa de protestantes em Roraimatambém é próxima dos 27%.

IHU On-Line – A análise de Weber, em “Aética protestante”, alcança a sociedade pós-industrial?Antônio Flávio Pierucci – Isso é uma etapa docapitalismo que a ética protestante de Weber nãoatinge, não alcança. O Weber não tinha idéia deque o capitalismo chegaria nisso que nós chama-mos de capitalismo pós-industrial, de uma socie-dade que nos anos 1970 começamos a chamar desociedade de consumo, que pede que as pessoasse divirtam, que as pessoas saiam de casa, que aspessoas dediquem as suas horas a consumir, se di-vertir em grupos, dançar....consumir muito, ir abares, tudo isso é ócio, é sociedade de consumo,isso não é ética protestante, não é mesmo. Isso éuma tendência contrária àquilo que o Weber ima-ginava, não é ascético, não é ascese. Aquilo que oWeber dizia ainda se aplicava, eu dizia, a umaparcela da população, os eleitos, como eu disseantes, parafraseando o Weber. Estas pessoas, quenão se dedicam ao trabalho, elas não estão entreos ascetas, são pessoas voltadas para o prazer, ogozo, inclusive do próprio corpo, se submeteremao desejo, e não mais cuidar dos seus interesses edos seus valores. Isso o Max Weber não alcançou,e “A Ética...” tem muito pouco a dizer.

IHU On-Line – “A ética protestante e o espí-rito do capitalismo”, pode ser consideradaum marco histórico na refutação empíricado materialismo histórico, considerando oestudo que ele faz a partir das religiões edas suas decorrências culturais na evoluçãodo capitalismo?

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Antônio Flávio Pierucci – Weber não tinhapretensão de refutar o materialismo histórico, temum momento que ele vai dizer: eu não estou que-rendo substituir uma visão unilateral, uma visãomaterialista, por uma outra visão unilateral dandoênfase ao “espírito”, aos fatores culturais, aos fato-res ideais, de idéias... Ele fala: na realidade só sepode entender os fenômenos históricos se nós ti-vermos a capacidade de olhar as diferentes for-mas de causalidade, os diferentes fatores que en-tram na explicação. Weber era contra a monocau-salidade, contra o monismo explicativo. Ele acha-va que a história é muito mais rica e que, para ex-plicarmos um fenômeno histórico, uma situaçãohistórica, um conjunto de fenômenos históricos,precisamos levar em conta os vários fatores. Se-jam eles os fatores materiais, no sentido de pura-mente econômicos, sejam eles os fatores culturais,como no caso da ética protestante ou, como ele

vai lembrar em muitas notinhas de rodapé de “AÉtica...”, fatores políticos, aos quais o materialis-mo histórico dava muito pouca ênfase, como sen-do tão importantes no seu influxo causal quantoos fatores econômicos. Ele não refuta o materialis-mo histórico simplesmente invertendo-o, comoMarx teria feito com Hegel. Ele simplesmente diz:olha, não dá para ser mono, tem que ser pluri, temque ser multicausal para podermos entender avida humana na sua complexidade.

IHU On-Line – O senhor diria que para o go-verno brasileiro atual está faltando um pou-co de leitura de Weber?Antônio Flávio Pierucci – Eu acho que para ogoverno atual está faltando leitura, não é que este-ja faltando leitura de Weber. As pessoas têm queler, estudar. O “núcleo duro” do governo não é depessoas estudiosas, nós estamos sentindo que issofaz falta.

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Reler Weber no contexto atual, promovendo umaatualização metodológica e epistemológica

Entrevista com Almiro Petry

Almiro Petry é professor das Ciências Huma-nas da Unisinos. Graduado em Ciências Sociais eem Filosofia pelas Faculdades Anchieta de SãoPaulo (FASP), é mestre em Sociologia Rural pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS), com dissertação intitulada Percepçãode oportunidades de melhoria de vida deagricultores de uma área minifundiária –Cruzeiro do Sul/RS, e é doutorando8 em Ciên-cias Sociais Aplicadas pela Unisinos, com tese inti-tulada Modelo planejado de universidade nareconfiguração organizacional da UnisinosX Modelo jesuíta de universidade: tensões edesvios. O professor é organizador, ao lado deJosé Odelso Schneider e Matias Martinho Lenz,do livro Realidade Brasileira: Estudo de pro-blemas brasileiros. 11 ed. Porto Alegre: Meri-dional EMMA, 1993.

IHU On-Line – Qual é, na sua opinião, oprincipal legado de Max Weber?Almiro Petry – A obra de Max Weber (1864-1920) representa uma inegável contribuição àsCiências Sociais e, de modo particular, à Sociolo-gia Contemporânea, tanto na esfera da investiga-ção quanto na teoria. O legado weberiano impul-sionou o desenvolvimento das Ciências Sociais ea riqueza de suas abordagens pode ser agrupadanos seguintes principais campos: (1) A religião e o

comportamento econômico. Ele examinou as im-plicações das orientações religiosas na condutaeconômica das pessoas. Os estudos clássicos sãoo da relação entre a ética protestante e o desen-volvimento do capitalismo no Ocidente e o do ra-cionalismo confuciano de adaptação ao mundo.De modo genérico, a discussão sobre esta temáti-ca desdobra-se em três aspectos: um, que se refereàquilo que Weber quis dizer; outro, que trata deampliar, corrigir e refutar a relação que Weber es-tabelece entre o domínio da ação religiosa e ocomportamento econômico; o terceiro, completaa tese de Weber ao examiná-la em novos contex-tos. (2) A metodologia weberiana da compreen-são através da formulação de categorias de tipoideal. É uma ferramenta heurística como caminhopara confrontar o campo empírico com o tipo ideal.Weber, contudo, sinaliza com a contínua necessi-dade da transformação dos conceitos frente àapreensão e compreensão da realidade. (3) A bu-rocracia e as organizações, como domínio legal eracional. O tratamento tipológico de domínio bu-rocrático é explícito, quando Weber aborda a or-ganização racional da empresa capitalista e doEstado. As categorias analíticas giram em torno dopoder e da dominação. Além desse, os domínioscarismático e tradicional também têm sua impor-tância.Estes destaques do legado weberiano nãomenosprezam a forte presença no Direito, na His-

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8 O professor Almiro Petry já concluiu o curso e sua tese de doutorado, porém não obteve o título de doutor ainda, porqueespera a aprovação do Doutorado do PPG em Ciências Sociais Aplicadas da Unisinos para defender sua tese.

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tória, na Economia, na Psicologia e na Política.Em pesquisa feita pela Associação Internacionalde Sociologia (disponível no site www.ucm.es/info/isa/books), sobre o livro mais influente do sé-culo XX, Max Weber é o autor mais destacado.Entre 978 indicações, Economia e Sociedade9 re-cebeu 95 (9,7%) e A ética protestante e o espíritodo capitalismo, 47 (4,8%). Entre estas duas apare-ceram A imaginação sociológica (W. Mills, com 59indicações) e a Teoria social e estrutura social (R.Merton, com 52 votos). Mas, somando as demaisobras, Weber recebeu 166 (17%) indicações. Apesquisa detalha outros aspectos, como o idiomacom que o sociólogo trabalha (65,3% têm o inglêscomo língua de trabalho), a idade e o sexo. Cha-ma a atenção que Economia e Sociedade recebeuas primeiras indicações nas três faixas etárias:18% (até 45 anos), 23% (45-55 anos) e 20% (aci-ma de 56 anos), empatando, aqui, com Teoria so-cial e estrutura social de R. Merton. Na faixa dosjovens sociólogos, P. Bourdieu (A distinção) apa-rece em 2º lugar, com 15% dos votos. Em 1999, ojornal Folha de S. Paulo (Caderno Mais! De11-04-1999) divulgou uma pesquisa feita junto aintelectuais brasileiros sobre o livro mais impac-tante do século XX. Ficou em 1º lugar A ética pro-testante e o espírito do capitalismo e, em 3º lugar,Economia e Sociedade. Eis um consenso em tor-no da obra de Weber, apontando para a impor-tância e relevância de seu legado.

IHU On-Line – Quais as principais limita-ções apresentadas pela sua sociologia, fren-te às exigências contemporâneas? Seu “mé-todo compreensivo” perdura?Almiro Petry- Em primeiro lugar, as exigênciascontemporâneas decorrem da configuração dasociedade no início do século XXI. Weber teve

como empiria a sociedade industrial capitalista doinício do século XX. Sua luta foi na construção deuma ciência empírica, com um objeto claramentedefinido, analisado e interpretado com seu méto-do inovador na construção da teoria social. Hojepretende-se ver, naqueles procedimentos, algunsobstáculos epistemológicos para avançar na teoriasocial. Talvez a principal restrição seja ao objetopropriamente dito, ou seja, à sociedade nacional,com base em um território, delimitado geografica-mente, habitado por um povo que se caracterizapela cultura, pelo Estado, etc. Frente ao crescentecosmopolitismo, aquela sociologia se apresentarialimitada para a compreensão da ação humana,das condutas, das organizações cada vez maisdesterritorializadas, desfronteirizadas, em suma,globalizadas. Mudando o objeto, a exigência seriamudar o método e construir novas teorias. Entre-tanto, aprofundando mais o pensamento de We-ber, fica evidenciado que sua unidade central daanálise sociológica é a ação individual e a ação so-cial que se expressam nas relações do indivíduona ordem econômica, na ordem social, na ordempolítica e na ordem religiosa. Elabora, então, aconcepção em função do sentido que o indivíduoatribui às próprias ações, nos diferentes âmbitosda sociedade. Mas isso precisa ser entendido. Essaé a essência da sociologia compreensiva: o inte-resse da investigação e da construção da ciênciavolta-se para a compreensão dos comportamen-tos, das condutas, das tradições, dos valores e dasrelações entre os indivíduos, tendo por base empí-rica a realidade social concreta. Sendo assim, as li-mitações fluem mais das restrições que se fazemao método weberiano, à sua abordagem e à pro-posta analítica. Em Weber fica muito evidente queele constrói sua teoria da sociedade sobre as rela-ções de poder em que dá ênfase às idéias de luta,

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9 No Brasil, a Editora da Universidade de Brasília – UnB, publicou, em dois volumes a obra Economia e Sociedade. Atradução foi revista tecnicamente por Gabriel Gohn. A tradução é feita a partir da quinta edição. A outra importante tradução éa publicada pelo Editora Fondo de Cultura Económica, do México, intitulada Economia y Sociedad. Esbozo desociología comprensiva. Esta tradução é feita a partir da quarta edição alemã (póstuma) que tem uma disposição diferente einclui uma série de trabalhos que não aparecem nas três primeiras edições. O título original da obra de Weber é: Wirtschaftund Gesellschaft. Grundriss der Verstehenden Soziologie, Tübingen: J.C.B. Mohr, (Paul Siebeck), 1922. Para maioresinformações sobre esta obra que é, segundo Raymond Aron, “a construção mais monumental que se tenha tentado nasciências sociais”, cf. a introdução à edição brasileira de Gabriel Gohn intitulada Alguns problemas conceituais e de tradução emEconomia e sociedade. (Nota do IHU On-Line)

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de seleção e de competição. Incorpora em seu es-quema analítico a idéia de luta, não na perspecti-va darwiniana, mas como um componente funda-mental de toda a relação social. Julga que é im-possível eliminar a luta da vida social. Para ele, elase encontra em toda parte e dela resulta uma sele-ção. Isso se apresenta como extremamente atual.Em segundo lugar, o método da compreensãocontinua atualíssimo. Revistando os textos, ficapatente que Weber dedica grandes energias paradistinguir os enunciados que exprimem um co-nhecimento empírico dos que exprimem juízos devalor. Condena a confusão entre essas duas or-dens. Para ele, a tarefa do conhecimento científicoconsiste na compreensão racional da realidadeempírica, aquela que está ao nosso redor. Essa éverificável através da observação direta ou medi-ante a construção de tipos ideais, que não se en-contram empiricamente, mas que possibilitam de-terminar “a proximidade ou o afastamento entre arealidade e o quadro ideal”. A confrontação visa acaptar o sentido ou a conexão de sentido, susten-tada pela construção lógica e racional do tipo ideal,permitindo a compreensão do caso particular.

IHU On-Line – Segundo os preceitos webe-rianos, pode-se dizer que o atual governo doPaís exerce uma dominação carismática, apartir da figura do Presidente Lula?Almiro Petry – Categoricamente, não. A questãodo poder e da dominação marca a obra de Weber.Ele vê a temática à luz dos dominantes, colocandoa legitimidade como a probabilidade de obter aobediência, de forma direta ou através de umquadro administrativo. Considera o poder como“toda a probabilidade de impor a própria vontadenuma relação social” e a dominação como “todaa probabilidade de encontrar obediência a umaordem de determinado conteúdo”. Para identifi-car isso, constrói tipos puros de dominação legíti-ma, classificando-os em legal, tradicional e caris-mático. A dominação carismática baseia-se no de-votamento de uma qualificação pessoal extraordi-nária e em virtude da qual se atribuem à pessoapoderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-hu-manas. Ela também pode ser vista como enviadapor Deus. Disso decorre sua liderança. Os lidera-

dos, ou adeptos – os carismaticamente domina-dos – reconhecem a(s) qualidade(s) e tributam-lheveneração de herói e a confiança de um líder.Assim, a dominação carismática sustenta-se pelodevotamento dos carismaticamente dominados,mas se desvanece quando não há mais provas docarisma, ruindo, igualmente, a liderança. A rela-ção entre o dominante e os dominados é estrita-mente emocional. Não há quadros administrati-vos, mas discípulos. A dominação carismáticaopõe-se rigorosamente à dominação racional.Sua legitimação está no reconhecimento do caris-ma pessoal. Pode constituir-se numa grande forçarevolucionária. Mas a dominação carismática per-de sua forma genuína de extracotidianidade,quando ela se rotiniza ou se burocratiza. Nessaperspectiva, parece exagerado atribuir ao Presi-dente Lula e a seu governo a categoria de domina-ção carismática, apesar dos 53 milhões de votos.Caberia indagar sobre o sentido destes votos. Naseleições passadas, afirmava-se que os votos depo-sitados no Collor eram votos anti-Lula. O mesmose repetiu em relação ao Presidente Fernando H.Cardoso. Será que em 2002, parcela dos votosconfiados a Lula, não foram votos anti a octaetéri-de de FHC? O marketing do Duda Mendonça,criando a imagem do Lulinha Paz e Amor, coop-tou parte dos eleitores. Isso não diminui possíveistraços carismáticos que Lula tenha. Sem dúvida,um metalúrgico subir a rampa do Palácio para serinvestido da mais alta magistratura da República,é inédito e inusitado. Satisfaz, momentaneamen-te, uma série de anseios populares. Mas, instaladono poder central, o Presidente Lula, adotou clara-mente todas as características da dominação bu-rocrática. Há, contudo, um detalhe: parte do qua-dro administrativo hierárquico foi desmanteladopara dar chance aos discípulos carismaticamentedominados.

IHU On-Line – Quais aspectos da obra we-beriana deveriam ser mais valorizados pe-las universidades?Almiro Petry – Este questionamento nos conduza uma seara que é a autonomia da universidade, aautonomia dos campos científicos e a autonomiados cientistas. Neste caso, a posição weberiana é

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de que os cientistas devem mostrar donde provêmsuas posições e afirmar que estão a “serviço de taldeus e ofendendo tal outro”... Da mesma forma,Weber julga que “o verdadeiro professor terá es-crúpulos de impor, do alto de sua cátedra, uma to-mada de posição qualquer, tanto abertamentequanto por sugestões...”.

IHU On-Line – Quais ensinamentos a socie-dade (e as igrejas) podem extrair de “A éticaprotestante...” para enfrentar o século XXI?Almiro Petry – A ética protestante e o espírito docapitalismo foi publicado em 1904 (1ª parte) e1905 (2ª parte), no periódico Archiv für Sozialwis-senschaft und Sozialpolitik (v.XX e v.XXI), atingin-do a 1ª parte, este ano, seu centenário. Em 1920,com a revisão, inserções e alterações, do próprioWeber, integra o v. I de Gesammelte Aufsätze zurReligionssoziologie. Em 1930, T. Parsons traduz aobra para a língua inglesa, projetando o trabalhode Weber no mundo acadêmico, fora da Alema-nha. Em 1967, o público brasileiro teve acesso aotexto pela publicação da Livraria Pioneira Editora.Em 2002, surge, em formato “bolso”, pela EditoraMartin Claret. Em 2004, a Companhia das Letras,publica a Edição de Antônio Flávio Pierucci, emcomemoração ao centenário. A temática da reli-gião, Weber aborda na Sociologia da religião (Dieprotestantische Ethik und der Geist des Kapitalis-mus; Wirtschaft und Gesellschaft, cap.V; Gesam-melte Aufsätze zur Religionssoziologie – v. I, II eIII). Seu foco é a análise sociológica da religiãocomo categoria de domínio da ação religiosa naregulação das relações entre os poderes supra-mundanos e os homens e vice-versa. Aceita a pre-missa de que os mundos – o sacro e o profano – seintercomunicam e que a ação religiosa está orien-tada para o mundo profano, através de profissio-nais específicos (mago, sacerdote, pajé, etc., ma-nipuladores das forças extraordinárias), que sãoos mediadores, carismaticamente qualificados(em oposição aos leigos), visando a obter benefí-cios do ou para o mundo sacro, com presença vivano mundo profano. Na prática, o domínio de açãoreligiosa é uma intervenção no cotidiano das pes-soas que poderá ser por forças superiores (deus,espírito) ou inferiores (demônios). Nesta perspec-

tiva, Weber indaga, fundamentalmente, em quemedida as concepções religiosas têm influenciadoa vida econômica das diferentes sociedades. Eleacredita que o comportamento humano só podeser compreendido dentro da concepção de mun-do (Weltanschauung) de cada povo. Nela estãocontidos os dogmas religiosos, os valores, os pre-ceitos sociais, etc. A partir daí ele quer estabelecera relação entre o domínio da ação religiosa e aconduta econômica. O ensaio A ética protestante eo espírito do capitalismo contempla esses aspec-tos. Para tanto, Weber traça um ethos do ascetaque, em relação à ordem do mundo, vê a vocação(profissão – Beruf) que deve ser exercida racional-mente. Entende o capitalismo como o sistema deprodução calcado na empresa, cujo objetivo é omaior lucro possível, cujo meio é a organizaçãoracional do trabalho e da produção, unindo o de-sejo de lucro com a disciplina racional. Na pers-pectiva do ascetismo, a vocação (profissão) é tidacomo a colaboração racional com os objetivos es-tabelecidos por Deus na criação, configurandouma ação racional orientada por valores e fins.Disso resulta um modus vivendi racionalizado.Para analisar o nível de racionalização promovidapor uma religião, Weber aponta dois critérios: oprimeiro é o grau em que ela se despoja da magia,e o segundo, é o grau de coerência sistemáticaque ela imprime à relação entre Deus e o mundo.Disso decorre a própria relação ética do crentecom o mundo (profano). Em relação ao primeirocritério, o puritanismo, juntamente com o protes-tantismo ascético (calvinismo, pietismo, metodis-mo e as seitas batistas) elimina completamente amagia atingindo o “pleno desencantamento domundo”. O puritano genuíno rejeita todo e qual-quer rito para “obter a graça de Deus para aquelesa quem Ele a negara”, como estabelece a doutrinada predestinação. Essa doutrina dogmatiza que omundo existe para servir à glorificação de Deus, eos eleitos estão no mundo para aumentar a glóriade Deus. Então, a certeza da salvação torna-seuma necessidade fundamental. Em decorrência, opuritanismo diante do dilema liberdade ou desti-no, trata racionalmente o mundo frente aos desíg-nios do Deus supramundano. O puritano é impeli-do a transformar o mundo para acumular rique-

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zas, porque desenvolve a convicção no valor éticoda riqueza como meio universal de aperfeiçoa-mento moral geral. Nisso Weber vê o seu segundocritério: a coerência sistemática na conduta. O pu-ritano acredita na promessa de que o mundo lhe édado porque “ele tinha-se empenhado por Deus esua justiça”, por isso, ele tem a riqueza como abênção visível de Deus. Ela também significa aresposta concreta à pergunta existencial: “serei euum dos eleitos?”. Weber denomina o racionalis-mo puritano de dominação racional do mundo,porque – além da sobriedade, da frugalidade, doimpulso aquisitivo e da valorização da riqueza – aética racional puritana está orientada “para alémdo mundo” e, para o puritano, “o trabalho intra-mundano não passava de expressão do esforçopor uma meta transcendente”. Daí emerge a im-pulsão para transformar e dominar racionalmenteo mundo. Assim, o domínio da ação religiosa puri-tana, impulsionada pelo êxito econômico, conver-ge para a lógica e a racionalidade capitalista, en-gajando-se no avanço inexorável do capitalismoocidental. Nessa convergência, consagra-se o re-

investimento contínuo do lucro não-consumido,expressão de afinidade entre a ética protestante eo espírito do capitalismo, quando se busca maxi-mizar o lucro, não para gozar a vida, mas na inten-cionalidade de produzir cada vez mais. Em suma,é o que Weber analisa. Entretanto, em 1920, We-ber reconhece que o “capitalismo avançado dosdias de hoje tornou-se independente daquelas in-fluências que a religião podia exercer no passa-do”. Evidencia, assim, que seus estudos buscaramas razões históricas da expansão do capitalismono Ocidente. Encontra-as na Reforma que elimi-nou a dominação eclesiástica, implantando a do-minação calvinista, uma verdadeira tirania purita-na. Por isso, seria muito presunçoso “extrair ensi-namentos” para enfrentar o século XXI. O que po-derá ser feito (quiçá, seja uma exigência), é relerWeber no contexto atual, promovendo uma atua-lização metodológica e epistemológica, para com-pletar, ou negar definitivamente, a centenária teseda relação entre a conduta racional religiosa e aconduta racional econômica.

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Max Weber hoje

Entrevista com Richard Swedberg

Richard Swedberg é professor de Sociologiana Universidade de Cornell, Estados Unidos.Nascido em 1948, em Estocolmo, na Suécia, es-pecializou-se em Sociologia Econômica, incluin-do Economia, Direito e Teoria Sociológica. Égraduado e mestre em Direito pela Universidadede Estocolmo, e Ph.D. pelo Departamento de So-ciologia do Boston College. Antes de trabalhar naUniversidade de Cornell, trabalhou no Departa-mento de Sociologia da Universidade de Estocol-mo. Desde 2002, é diretor associado no Centrode Estudos de Economia e Sociedade, na Univer-sidade de Cornell.

É fundador e foi o primeiro editor da Econo-mic Sociology: European Electronic News-letter [Revista Eletrônica Européia de SociologiaEconômica] (1999-2000) e integra os conselhoseditoriais e é correspondente de publicações espe-cializadas em sociologia de vários países. O pro-fessor Richard é autor de, entre outros, Socio-logy as Disenchantment: The Evolution ofthe Work of Georges Gurvitch [Sociologiacomo Desencantamento: A Evolução da Obra deGeorges Gurvitch] (Humanities Press, 1982. (livrobaseado em sua tese de doutorado); Max WeberDictionary [Dicionário de Max Weber], com aassistência de Ola Agevall. Stanford: StanfordUniversity Press; Max Weber and the Idea ofEconomic Sociology [Max Weber e a Idéia deuma Sociologia Econômica]. Princeton: PrincetonUniversity Press, 1998, a ser traduzido para o ja-ponês (Bunka Shobu) e português. Traduzidopara o chinês em 2003 (Commercial Press of Bei-jing) escolhido pela Revista Choice como um dos

melhores livros acadêmicos de 1999; Principlesof Economic Sociology [Princípios de Sociolo-gia Econômica]. Princeton: Princeton UniversityPress, 2003, a ser publicado em italiano (pelaEGEA, Universidade de Bocconi), em chinês (pelaChina Renmin University Press), e em húngaro; eautor, com Victor Nee, do livro The EconomicSociology of Capitalism [A Sociologia Econô-mica do Capitalismo], pela Princeton UniversityPress, 2004 e com Neil Smelser, de The Hand-book of Economic Sociology s22[Manual deSociologia Econômica], 2004.

IHU On-Line – Max Weber ainda pode serconsiderado um dos paradigmas da sociolo-gia? Quais os conceitos formulados por eleque ainda mantêm o vigor teórico?Richard Swedberg – Bem, esta é uma perguntaampla que poderia levar horas para ser respondi-da. Para resumir o que penso, primeiramente,gostaria de salientar que a influência de Weber nasociologia moderna é, em geral, considerada mui-to importante. Quando a teoria sociológica clássi-ca é ensinada, por exemplo, são Marx, Weber eDurkheim que geralmente estão no centro (en-quanto que Simmel é, de certa forma, marginali-zado). Conceitos como carisma, status e autorida-de ou dominação (Herrschaft) também se torna-ram parte da terminologia de sociologia. Existemlivros sobre cada um desses conceitos e, sem dúvi-da, outros serão escritos. Obviamente, existe,também, o grande e importante impacto de We-ber na teoria da organização, principalmente atra-vés de suas idéias sobre burocracia; e sobre estra-

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tificação, através de suas idéias sobre status e fe-chamento social. Além disso, Weber é sempre a fi-gura principal na “nova sociologia econômica”que está se tornando cada vez mais importante.

IHU On-Line – Qual foi o significado de “Aética protestante e o espírito do capitalis-mo” para as ciências sociais”? Sua análisepode ser adaptada às relações da sociedadepós-industrial com o aumento das religiõesmarcadas pelo pragmatismo?Richard Swedberg – O argumento de Weber naÉtica Protestante pode ser resumido da seguintemaneira: Protestantismo – principalmente aquelasformas de Protestantismo que Weber denominade “Protestantismo Ascético” (Calvinismo, Pietis-mo, Metodismo e outras tantas seitas que se deri-vam do Movimento Batista) todas contribuírampara a erradicação do capitalismo tradicional ederivaram para um novo tipo de capitalismo: ca-pitalismo racional moderno. Este principalmenterealizou esta proeza pela introdução de uma atitu-de muito mais metódica em relação ao trabalho eà obtenção de lucros. Pelo fato de ser uma reli-gião, o Protestantismo Ascético também pode re-duzir a resistência tradicional da religião para otrabalho pesado e a obtenção de lucros. Foi quan-do emergiu um novo tipo de empreendedor e detrabalhador. O modo como este argumento é tra-balhado na Ética Protestante é uma questão muitodebatida. Por exemplo, o conceito de Lutero devocação (Beruf) teve um papel importante no sen-tido de atribuir valor positivo ao trabalho. Tam-bém existe uma discussão complexa sobre Calvi-no e predestinação. Weber argumenta, com todabrevidade, que a predestinação fez com que osadeptos do Calvinismo se sentissem inseguros eque essa insegurança fez com que eles procuras-sem sinais que não condenassem; a riqueza foivista por alguns seguidores de Calvino como umsinal para não ser condenado. Está esse argumen-to correto? Bem, esse tipo de entrevista não éapropriada para discutir essa questão que temsido objeto de ferrenhas discussões desde1904-1905, quando a tese de Weber foi publicada

pela primeira vez. Contudo, deixe-me fazer refe-rência a um bom estudo neste assunto: In Searchof the Spirit of Capitalism [À Procura do Espíritodo Capitalismo] de Gordon Marshall10. Uma dasvárias questões que Marshall salientou em seu tra-balho foi que muitos aspectos cruciais do argu-mento de Weber não podem ser considerados po-sitivos nem negativos; e a única razão disso é quefalta evidência empírica para pontos cruciais naargumentação de Weber. Weber não apresentouevidência empírica em seu estudo, e agora, prova-velmente, é tarde demais para mudar a situação.Pode o argumento de Weber na Ética Protestanteser utilizado para a compreensão da sociedadepós-industrial? Novamente, uma questão ampla ehá muito pouco espaço para respondê-la. Apesardisso, uma vez que Weber estabelece uma socio-logia completa (mais em relação à Economia eSociedade do que à Ética Protestante!), não pos-suímos tantas categorias sociológicas e idéias comas quais se pode trabalhar. Conceitos como status,classe social, relacionamentos sociais abertos/fe-chados, carisma e burocracia podem, na minhaopinião, ser usados para analisar a sociedade atu-al. A religião exerce o papel na sociedadepós-industrial da mesma forma como o faz na Éti-ca Protestante? Pode ser tentador pensar que sim;por exemplo, os Estados Unidos são, ao mesmotempo muito religiosos e muito exitosos como na-ção capitalista. Todavia, o argumento de Weberna Ética Protestante foi de que um certo tipo de re-ligião ajudasse a “abrilhantar” o capitalismo racio-nal em um certo momento no passado – e depoiscaiu no esquecimento. Quando Weber visitou osEstados Unidos no início do século XX, ele nãoquestionou o poder industrial da nação por causado papel da religião; havia outros motivos paraisso. Dessa maneira, minha resposta é que, semdúvida, deveríamos utilizar algumas das idéias econceitos de Weber para analisar o papel da reli-gião na sociedade pós-industrial – porém, não po-demos simplesmente “traduzir” a tese de Webersobre Ética Protestante para os dias de hoje.

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10 Gordon Marshall é autor do The Concise Oxford Dictionary of sociology. Oxford, 1996. (Nota do IHU On-Line).

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IHU On-Line – É possível identificar, na so-ciologia contemporânea, teóricos ou esco-las que ampliaram e atualizaram a contri-buição de Weber, sem descaracterizá-la?Richard Swedberg – Primeiramente, deve-sesalientar que não existe uma total equivalência, naescola weberiana, em relação ao marxismo, ouseja, não existem escolas específicas de pessoasque a vêem como sua tarefa principal de trabalharde acordo com o paradigma weberiano e posteri-ormente desenvolvê-lo. Para ser direto: nuncaexistiu escola weberiana de sociologia. O queexiste, na verdade, é uma grande quantidade decientistas que utilizam pequenas partes do traba-lho de Weber em suas análises. Há, também, umaexplicação detalhada, aparentemente sem fim,daquilo que Weber realmente “quis dizer”, bemcomo uma preocupação com particularidades in-tricadas de seu trabalho e vida – o que pode serchamado de weberologia. A categoria que mais seaproxima daquilo que você procura pode ser de-nominada de neoweberismo. Esse rótulo é geral-mente colocado em vários trabalhos de sociologia– principalmente na sociologia anglo-saxônica – aqual tem tentado renovar, desde o final da décadade 1970, várias áreas de estudo, com a ajuda dasidéias de Weber de forma independente enão-dogmática. Alguma inspiração para um pro-jeto como o neoweberianismo deve ter-se origina-do do neomarxismo e também alguns neoweberi-anos devem, algum dia, ter sido neomarxistas. Dequalquer forma, especialmente três áreas têm sidoo centro da sociologia neoweberiana: estratifica-ção, sociologia histórica e a sociologia da situa-ção. Talvez a essas possa juntar-se a teoria da or-ganização – bem como vários outros temas, taiscomo educação, religião e saúde. Abordagens ne-oweberianas também podem ser encontradas naantropologia e na ciência política. Dois dos maisimportantes estudos do neoweberianismo sãoWeberian Sociological Theory [A Teoria Socioló-gica Weberiana] de Randall Collins11 e Marxism

and Class Theory: A Bourgeois Critique [O Mar-xismo e a Teoria de Classes: Uma Crítica Burgue-sa] de Frank Parkin12. Outros sociólogos contem-porâneos influentes, cujos trabalhos são geralmen-te denominados de neoweberianos, incluemAnthony Giddens, Michael Mann e Theda Skocpol.

IHU On-Line – Qual é, na sua opinião, o sig-nificado da idéia de “desencantamento domundo” presente na obra de Weber?Richard Swedberg – O desencantamento domundo (Entzäuberung der Welt) é uma expressãono trabalho de Weber que se refere ao processoatravés do qual as pessoas deixam de explicar omundo e seu cosmos com a ajuda de forças mági-cas, para acreditar na ciência e nas formas racio-nais de pensamento. Certamente, os intelectuaisexerceram um papel-chave no processo de desen-cantamento do mundo. De acordo com Scienceas a Vocation [Ciência como Vocação], na qualesse tipo de assunto é discutido por Weber, “hojeem dia, no essencial, não intervêm forças misteri-osas incalculáveis, mas, em princípio, podemoscontrolar todas as coisas mediante o cálculo. Issosignifica que o mundo está desencantado”. O pro-blema de viver em um mundo moderno desen-cantado é que a ciência tornou-se o novo Deus – eisso é problemático porque a ciência não conse-gue responder os problemas existenciais das pes-soas, tais como “Quem somos? De onde viemos?Para onde vamos?” O próprio Weber pensou quenovos deuses apareceriam, de uma forma ni-etzscheriana – hoje, porém, quase um século apóssua morte, não vimos nenhum novo Deus surgir.Estamos “presos” em um mundo sem sentido.Weber também pensou que seriam os intelectuaisque mais sofreriam com o fato de viverem em ummundo sem sentido; e de uma forma mais geral,ele freqüentemente enfatizava que o que os inte-lectuais mais queriam era significado. Eu, pessoal-mente, penso que é uma idéia interessante. Às ve-zes, brinco com a idéia de que a ciência social

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11 Este livro foi publicado pela Cambridge University no ano de 1986. Randall Collins publicou no ano 2000 o livro Sociology ofphilosophies pela Harvard University. (Nota do IHU On-Line).

12 Este livro foi editado pela Columbia University Press, 1983. Do mesmo autor, em português, pode ser encontrado o livro MaxWeber editado pela Celta Editora, 1997 (Nota do IHU On-Line).

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pode ser vista como uma enorme tentativa (criadapelos intelectuais!) para encontrar sentido na reali-dade. Certamente, a ciência social não tem êxitono estabelecimento de explicações causais – tal-vez, por isso, a ciência social seja mais uma evi-dência dessa procura por sentido do que uma ten-tativa exitosa para explicá-lo...

IHU On-Line – Na sua opinião, as universi-dades norte-americanas destinam ao lega-do de Weber a atenção que ele merece?Richard Swedberg – Primeiramente, deve ficarbem claro que foram os sociólogos americanosque não deixaram Weber ser esquecido. Logo de-pois de sua morte, em 1920, Weber foi esquecidona Alemanha e em outros lugares. Isso, em espe-cial, foi graças ao sociólogo americano TalcottParsons que liderou a redescoberta de Webercomo um grande cientista social e sociólogo desdea década de 1930. Depois de Parsons, um núme-ro enorme de sociólogos americanos renomadosfizeram importantes contribuições para a escolaweberiana e/ou utilizaram as idéias de Weber emsuas próprias pesquisas: Reinhard Bendix, Peter

Berger, Peter Blau, Randall Collins, Everett C.Hughes, Seymour Martin Lipset, Robert K. Mer-ton, Talcott Parsons, Edward Shils, Theda Skoc-pol e Arthur Stinchcombe. Qual é a posição atualde Weber na sociologia americana? A situação éum tanto contraditória. Por um lado, ele é respei-tado como um dos grandes clássicos, e as pessoassabem que devem citá-lo e fazer referências aoseu trabalho em seus artigos. Por outro lado, po-rém, há uma forte tendência, nos Estados Unidosde hoje, de ignorar os clássicos e deixar qualquerum no departamento ensinar teoria sociológica.Isso, certamente, significa que as pessoas que le-ram, pelo menos, A Ética Protestante e algumaspáginas a mais escritas por Weber, de repente, sesintam aptas para introduzir os estudantes numtrabalho que é imensamente difícil e desafiador. Oresultado final torna-se um Weber simplificadoque é muito menos interessante do que o verda-deiro Weber. Isso é uma triste situação. Espera-mos, porém, que seja somente uma fase na socio-logia americana. Seria irônico se a sociologiaamericana fosse a primeira a redescobrir Weber e,depois, enterrá-lo.

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Meu Clássico

Depoimento de José Ivo Follmann

O clássico escolhido pelo Prof. Dr. José IvoFollmann é Max Weber. Follmann é doutor emSociologia, pela Université Catholique de Louvain,U.C.L., Bélgica; mestre em Ciências Sociais, pelaPUC-SP; especialista em Teologia Pastoral, em Coo-perativismo e em História Contemporânea, pelaUnisinos. Atualmente, é diretor de Ação Social eFilantropia da Unisinos, professor do PPG em Ciên-cias Sociais Aplicadas e responsável pelo ProgramaGestando o Diálogo Inter-Religioso e Ecumenismo,GDIREC, do Instituto Humanitas Unisinos.

Max Weber

Eu não me considero um weberiano, masdevo dizer que Max Weber influenciou muito mi-nha sociologia. Ele é um dos meus clássicos.

Max Weber é do final do século 19 e iníciosdo século 20. É um dos pais da Sociologia. Ele fezescola, combatendo, de certa forma, a grande in-fluência que Karl Marx tinha no meio intelectual.Era um homem que congregava, em torno de si,um importante debate político e científico. Seusmaiores inspiradores foram, certamente, Rickert,Dilthey, Nietzsche, Lamprecht, Schmoller e ou-tros. Os seus colegas mais próximos foram Sim-mel, Tonnies, Troeltsch e Schumpeter. Ele tevefortes embates com o pensamento de Marx, porum lado, e de Durkheim, por outro. Criticado poruns e aprofundado por outros, o seu pensamentomarcou a Sociologia.

Tive muito contato com o modo como We-ber é utilizado tanto por Pierre Bourdieu, comopor Alain Touraine e também pelos que hoje tra-balham a questão do sujeito e da dinâmica pessoal

na sociologia, como Guy Bajoit, Jean Remy (quefoi meu orientador no doutorado) e outros.

Suas obras

As duas obras que eu citaria são: O sábio e apolítica e A ética protestante e o espírito docapitalismo. Em O sábio e a política, que é areprodução de uma das grandes conferências queele costumava dar no meio acadêmico, aborda acomplicada relação entre o ser militante político e oser cientista. Já na obra A ética protestante e oespírito do capitalismo, Weber sintetiza, em umexemplo paradigmático, a sua contribuição teóricaque quer mostrar o quanto os modelos culturais edeterminações éticas (e religiosas) impactam e in-fluenciam os rumos da economia.

Weber é um clássico que muito contribuiupara a minha maneira de fazer sociologia, apesarde eu não poder ser considerado um weberiano,nem poder dizer que ele é meu autor preferido. Eudestacaria, na contribuição de Weber para a mi-nha vida (de cientista e militante), exatamente asábia distinção e, ao mesmo tempo, a coerênciaque ele estabelece entre o cientista e o militante.Agregado a isso está a distinção que ele faz entre aética de responsabilidade e a ética de convicção.Trata-se de duas dimensões que se complemen-tam. Quanto mais alguém souber integrar, harmo-nicamente, em sua vida, essas duas dimensões,mais pleno ele se faz como pessoa humana. Devodizer, que esta luz de Max Weber, me ajudou mui-tíssimo, na minha vida pessoal de cientista e mili-tante; de sociólogo e de religioso jesuíta; de técni-co e de humanista.

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Novos conceitos em permanente gestação

Entrevista com Wolfgang Schluchter

O professor Dr. honoris causa WolfgangSchluchter, nascido em 4 de abril de 1938 emLudwisburg, na Alemanha, concedeu a entrevistaao IHU On-Line, por e-mail.

Tendo estudado nas Universidades de Stutt-gart, Tübingen e Munique e na Freien UniversitätBerlin os cursos de Sociologia, Ciências Econômi-cas, Ciências Políticas e Filosofia, o professorWolfgang diplomou-se e doutorou-se na FreienUniversität Berlin, com habilitação na Universida-de de Mannheim, Alemanha. Atualmente é pro-fessor de Sociologia na Universidade de Heidel-berg, desde 1976. Antes disso, foi professor deCiências Sociais na Universidade de Düsseldorf.De 1997 até 2002, esteve em missão na Universi-dade Erfurt, onde foi pró-reitor de Pesquisa eNova Geração Científica e também foi diretor deEstudos da Cultura e Ciências Sociais do colégioMax-Weber. É autor de, entre outros, Entschei-dung für den sozialen Rechtsstaat. HermannHeller und die staatstheoretische Diskussi-on in der Weimarer Republik. [Decisão por umestado de direito social. Hermann Heller e a dis-cussão teórica estatal na República de Weimar].Colônia-Berlim: Kiepenheuer e Witsch, 1968, 2.ed. 1983; Aspekte bürokratischer Herrschaft.Studien zur Interpretation der fortschrei-tenden Industriegesellschaft. [Aspectos de umdomínio burocrático. Estudos para a interpretaçãoda sociedade industrial em desenvolvimento.],Munique 1985; Die Entwicklung des okziden-talen Rationalismus. Eine Analyse von MaxWebers Gesellschaftsgeschichte, [O desen-

volvimento do racionalismo ocidental. Uma análi-se da história da sociedade de Max Weber.] Tübin-gen: Siebeck, 1979. Nova edição sob o título: DieEntstehung des modernen Rationalismus.Eine Analyse von Max Webers Entwick-lungsgeschichte des Okzidents, [A criação doracionalismo moderno. Uma análise da história dodesenvolvimento do Ocidente de Max Weber]Frankfurt: Suhrkamp, 1998; Max Weber’s Visionof History: Ethics and Methods [Visão da His-tória por Max Weber: Ética e Métodos.](junto comGuenther Roth), Berkeley: University of CaliforniaPress, 1979, 2.ed.1984; Rationalismus derWeltbeherrschung,[Racionalismo do domíniomundial.] Frankfurt: Suhrkamp, 1980; Religionund Lebensführung, [Religião e modo de vida.]Frankfurt: Suhrkamp, 1988, Edição específicapara estudos acadêmicos 1991. Vol. 1: Studienzu Max Webers Kultur- und Werttheorie.[Estudos sobre a cultura e teoria de valores deMax Weber.] Vol. 2: Studien zu Max WebersReligions- und Herrschaftssoziologie. [Estu-dos sobre a sociologia da religião e do domínio deMax Weber.]; Rationalism, Religion, and Do-mination. A Weberian Perspective [Raciona-lismo, Religião e Dominação: Uma PerspectivaWeberiana], Berkeley: University of CaliforniaPress, 1989; Paradoxes of Modernity. Cultureand Conduct in the Theory of Max Weber[Paradoxos da Modernidade. Cultura e Condutana Teoria de Max Weber], Stanford: Stanford Uni-versity Press, 1996; Unversöhnte Moderne[Modernidade irreconsiliável.], Frankfurt: Suhr-

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kamp, 1996; Neubeginn durch Anpassung?Studien zum ostdeutschen Übergang, [Novocomeço através da adequação? Estudos sobre atransição leste alemã.] Frankfurt: Suhrkamp, 1996.

IHU On-Line – Max Weber ainda pode serconsiderado um dos paradigmas da sociolo-gia? Quais os conceitos formulados por eleque ainda mantêm o vigor teórico?Wolfgang Schluchter – De fato, existe algocomo um “paradigma weberiano”, que se encon-tra em concorrência com outros paradigmas dasociologia, como, por exemplo, com a teoria sistê-mica, com a teoria da ação comunicativa, e tam-bém com a teoria da escolha racional (RC-Theo-rie) que utiliza e amplia, de forma específica, aspossibilidades do enfoque econômico. Colabora-dores meus publicaram, recentemente, um livrocom este título: O paradigma weberiano (Das We-ber-Paradigma, Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul Sie-beck), 2003). Participaram dessa publicação,além dos organizadores, 17 cientistas de diferen-tes países e disciplinas. A estrutura do conteúdodo livro nos dá uma idéia da amplitude do méto-do weberiano: I. O Paradigma Weberiano em He-idelberg; II. Teoria do Conhecimento científico edo Valor; III. Ação e Comportamento; IV. Culturae Conduta de Vida; V. Instituições e Regimentos.Eu, no entanto, evito o conceito paradigma, por-que este contém, desde os primeiros trabalhos deThomas Kuhn, um significado não compatívelcom a situação de concorrência da teorização so-ciológica. Em vez disso, utilizo o conceito “progra-ma de pesquisa”, cunhado por Imre Lakatos. Osubtítulo do livro mencionado Estudos para o de-senvolvimento do programa de pesquisa de MaxWeber leva em conta o meu ponto de vista. Tra-ta-se, no meu entender, de uma sociologia com-preensiva que procura analisar, no contexto deum enfoque individualista-estruturalista, as rela-ções entre ação, regimento e cultura, numa pers-pectiva de cotejo e de desenvolvimento histórico.É um programa de pesquisa com um núcleo durokantiano (segundo Lakatos). Apresenta todo umacervo de conceitos com os quais podem ser ana-lisados, no micro e no macro, estruturas e proces-sos econômicos, jurídico-políticos, religiosos e so-

ciais, ao longo de seu desenvolvimento temporal.Deve-se ressaltar que a teoria de conceituaçãoweberiana compromete o pesquisador a criar per-manentemente novos conceitos compatíveis comos fenômenos pesquisados, pois para este tipo desociologia compreensiva a formação de conceitosjamais poderá ser definitiva. Trata-se de uma soci-ologia que pretende compreender o significado daação social e de suas coordenadas com base emseu processo e em seu efeito para, assim, possibili-tar uma explicação causal. Isso significa: 1. Razõesde sentido que motivam o agente, devem ser tra-tados como causas; 2. As condições e situaçõesestruturantes da ação, que a possibilitam e lhe im-põem limites, devem ser consideradas; 3. Os pro-cessos de transformação, que resultam de umamultiplicidade de entrelaçamentos com outrasações, devem ser analisados. Finalmente, esta re-lação macro-micro-macro precisa ser contempla-da na perspectiva de um conceito de racionalida-de pluridimensional, “restringida” por significadossubjetivos (bounded rationality, segundo HerbertSimon). No entanto, não só os processos de racio-nalização em diversos níveis são objetos interes-santes de pesquisa, como também o seu oposto.

IHU On-Line – Qual foi o significado de Aética protestante e o espírito do capitalismopara as ciências sociais?Wolfgang Schluchter – “A ética protestante e o‘espírito’ do capitalismo” foi publicada pela pri-meira vez em 1904/1905, na forma de uma sériede artigos. Depois, em 1920, ela foi inserida no 1.°volume da Gesammelte Aufsätze zur Religionsso-ziologie (Coleção de artigos sobre a sociologia dareligião). A obra é, segundo um depoimento dopróprio Weber, em primeiro lugar, uma análisehistórica que reivindica ter apresentado uma atri-buição causal válida à origem do novo espírito deascese vocacional que começara a se impor no sé-culo XVII. Esta pretensão de Weber é até hoje con-trovertida de forma veemente. É por esta razãoque muitos cientistas têm a tese weberiana por re-futada. Eu, no entanto, não vejo que a importân-cia dessa obra resultaria, em primeiro lugar na so-lução, bem ou mal sucedida, de uma questão deatribuição histórica. Pelo contrário, ela deve ser

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vista como exemplo de metodologia de pesquisade uma sociologia teórica e histórica, que se en-tende como ciência da cultura, para a análise dopapel das idéias e dos ideais que dão significado àvida de seres humanos. O próprio Weber desta-cou, numa parte central de seu estudo, que elepretendia esboçar este papel de forma diferentedo costume de materialistas ingênuos mas, sobre-tudo, também de idealistas ingênuos. Pois paraele não existe a causalidade de idéias, no sentidode uma downward causation, tão característica doidealismo ingênuo. Max Weber concentra-se, an-tes de tudo, nos efeitos psicológico-pragmáticosdas idéias e dos ideais. É verdade que estes efeitossão co-determinados por idéias e ideais, emboratalvez possam encontrar-se dinamizados por inte-resses – no caso de seu estudo, por interesses sal-víficos - e, assim, transformados em relação ao seuconteúdo que, comparado com o ponto de parti-da da idéia, possa resultar numa concatenaçãoacional totalmente inesperada. Além disso, parapoder perceber e compreender esse efeito, preci-sa-se de um determinado material de fonte. Deveser um material que possa espelhar tanto as preo-cupações e necessidades das pessoas submetidasàquela visão de mundo quanto as soluções queelas encontraram para sua conduta de vida. Em setratando do campo religioso, Max Weber remeteacertadamente à literatura de responsos comosendo útil para esta finalidade. Essa reflexão sobreo papel histórico das idéias e dos ideais é, no meuponto de vista, válida até hoje. Infelizmente sãoraros os estudos históricos que seguem estecaminho.

IHU On-Line – A “sociologia compreensiva”de Weber é útil à compreensão da sociedadepós-industrial?Wolfgang Schluchter – Todo programa de pes-quisa sociológico, que merece este nome, é tem-porâneo, mas contém elementos que continuamválidos além de sua época. Isso vale naturalmentetambém para Max Weber. Ele escrevia numa épo-ca na qual lhe era possível ter apenas uma noçãorudimentar ou totalmente nula dos fenômenosque hoje determinam nossa vida. Menciono, a tí-tulo de exemplo, o crescente totalitarismo político,

a ameaça nuclear e ecológica da humanidade, apassagem do capitalismo empresarial ao capitalis-mo digital, o fundamentalismo vinculado ao terro-rismo e, enfim, ainda à globalização econômicaque parece ser seguida de uma globalização sociale cultural. Weber, para permanecer fiel à sua me-todologia, teria que dizer: Comparando com mi-nha época, os grandes problemas culturais muda-ram. Portanto, a sociologia deve mudar seu ângu-lo e seu aparelho conceitual. Mas – e este é o meucomentário complementar – para isso, ela deveestar embasada no “espírito” de um programa depesquisa weberiano.

IHU On-Line – É possível identificar, na so-ciologia contemporânea, teóricos ou esco-las que ampliaram e atualizaram a contri-buição de Weber, sem descaracterizá-la?Wolfgang Schluchter – O método de Weberteve muitos efeitos sobre outros teóricos que, fre-qüentemente, o distorciam ou, então, se equivo-cavam profundamente no seu entendimento.Para se obter uma visão não apenas superficial,mas abrangente de sua obra, deve-se realizar umestudo que dure uma vida toda, o que, aliás, valepara as obras de todos os grandes pensadores.Justamente por isso, a apropriação e, sobretudo, aatualização e extensão de sua metodologia per-manecem um desejo a ser realizado.

IHU On-Line – Qual é, na sua opinião, o sig-nificado da idéia de “desencantamento domundo” presente na obra de Weber?Wolfgang Schluchter – O conceito “desencan-tamento do mundo”, ou melhor, o conceito antô-nimo ao “encantamento do mundo”, tem dois sig-nificados distintos na obra de Weber. O primeiro éde natureza histórico-religiosa. Neste caso, desen-cantamento significa desenfeitiço dos meios salví-ficos. É nesse sentido que o conceito é utilizado nasegunda edição dos estudos sobre a ética protes-tante. O segundo significado, entretanto, é de na-tureza histórico-científica e deve ser distinguido ri-gorosamente do primeiro. Aqui, desencantamen-to significa o processo pelo qual o mundo é trans-formado, por meio da ciência moderna, sobretu-do, das modernas ciências exatas, em um meca-

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nismo causal. Dessa forma, desencantamento é si-nônimo de secularização, não se referindo mais aum processo intra-religioso, mas sim a um proces-so que se volta, em parte, também contra a reli-gião. No entanto, nos dois casos o conceito per-manece com aspectos de metáfora que remetem aprocessos mais complexos, ainda não “concebi-dos” e que teriam de ser melhor analisados.

IHU On-Line – Qual é o legado de Weberpara a formação, consolidação e posteriorreunificação da nação alemã?Wolfgang Schluchter – Houve algumas tentati-vas de analisar o desenvolvimento da Alemanhano século XX – isto é, as duas guerras mundiais, ofracasso da República de Weimar, o regime nacio-nal-socialista, a separação em dois países e a reu-nificação – considerando-se a perspectiva webe-riana. Esses estudos concentraram-se na análisesociológica da cultura e das instituições. Procura-vam detectar as forças que estruturaram as açõesde constelações institucionais culturalmente con-dicionadas. Essa perspectiva tem laços estreitos

com a sociologia de Heidelberg, mas também tevesuas irradiações na história social alemã.

IHU On-Line – Na sua opinião, as universi-dades alemãs destinam à obra de Weber aatenção que ela merece?Wolfgang Schluchter – Não podemos afirmarque determinadas universidades tivessem se dedi-cado ao cultivo da obra de Max Weber. Quem fezisso foram, antes de tudo, estudiosos individuaisespalhados por muitas universidades. Há univer-sidades com uma posição especial no cultivo dopatrimônio científico de Max Weber. São aquelasque disponibilizam cargos para a viabilização daedição completa das obras e cartas de Max Weberque, entrementes, já engloba 20 volumes. Nessesentido, devem ser mencionadas principalmenteas universidades de Heidelberg e Düsseldorf. EmHeidelberg, são realizadas, além disso, pesquisassobre o paradigma weberiano, como já mencio-namos acima. Recentemente, foi me dada a possi-bilidade de fundar na Universidade de Erfurt oWeber-Kolleg para estudos sociológicos e cultu-rais. Não se trata, no entanto, de uma instituiçãocomprometida exclusivamente com a herança deMax Weber.

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