Mda - Mestrado

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  • ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM TEOLOGIA

    RAIMUNDA MARGARETE TEIXEIRA MUNIZ

    O MODELO DO DISCIPULADO APOSTLICO UM A UM DA IGREJA

    DA PAZ CENTRAL DE SANTARM-PAR:

    Um dilogo com o Aconselhamento Pastoral

    So Leopoldo 2012

  • RAIMUNDA MARGARETE TEIXEIRA MUNIZ

    O MODELO DO DISCIPULADO APOSTLICO UM A UM DA IGREJA

    DA PAZ CENTRAL DE SANTARM-PAR:

    Um dilogo com o Aconselhamento Pastoral

    Trabalho Final de Mestrado Profissional Para obteno do grau de Mestre em Teologia Escola Superior de Teologia Programa de Ps-Graduao. Linha de Pesquisa: Aconselhamento Pastoral

    ORIENTADOR: ROBERTO ERVINO ZWETSCH

    SEGUNDO AVALIADOR: KARIN HELLEN K. WONDRACEK

    So Leopoldo 2012

  • RAIMUNDA MARGARETE TEIXEIRA MUNIZ

    O MODELO DO DISCIPULADO APOSTLICO UM A UM DA IGREJA

    DA PAZ CENTRAL DE SANTARM-PAR:

    Um dilogo com o Aconselhamento Pastoral

    Trabalho Final de Mestrado Profissional Para obteno do grau de Mestre em Teologia Escola Superior de Teologia Programa de Ps-Graduao. Linha de Pesquisa: Aconselhamento Pastoral

    Roberto Ervino Zwetsch Doutor em Teologia Escola Superior de Teologia

    _______________________________________________________________

    Karin Hellen Kepler Wondracek Doutora em Teologia Escola Superior de

    Teologia

    _______________________________________________________________

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, que me ajuda na jornada da vida apesar de mim.

    Aos meus pais, que me permitiram estudar me dando oportunidades preciosas as

    quais eles no tiveram.

    Ao professor Vanildo Sousa, que ama ao Senhor e o conhecimento e, me deu

    incentivos pra realizar o Mestrado Profissional na EST.

    A Escola Superior de Teologia (EST) que um referencial e tem oportunizado o

    conhecimento a muitos.

    Aos professores da EST e de forma especial ao meu orientador Roberto Ervino

    Zwetsch pela dedicao e ateno.

    Ao pastor e professor Lothar Carlos Hoch, pelo seu carinho e cuidados paternais em

    tempos de inverno e vero.

  • RESUMO

    O modelo do discipulado apostlico um a um (MDA) e o Aconselhamento Pastoral (AP) se constituiu a temtica deste trabalho que objetivou verificar a possibilidade de um dilogo entre os dois. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliogrfica e documental. O MDA uma estratgia que pertence a Igreja da Paz em Santarm e se configura em estabelecer um relacionamento pessoal com o discpulo. A palavra discipulado no Antigo Testamento era halak que literalmente conotava ir atrs de. No Novo Testamento discipulado remete idia de akolouteo traduzida por seguir; a palavra denota a ao de atender ao chamado de um mestre e passar a ter uma vida inteira de obedincia. A igreja da Paz em Santarm considera esse seguir como envolvendo dois seres humanos em que um conduz o outro a Cristo devido a sua maturidade. Porm, por outro lado h afirmaes teolgicas que pontua, desde Cristo j no h nenhuma relao imediata, quer entre o ser humano e Deus, quer entre o ser humano e o mundo e qualquer ponte colocada no saudvel para o crescimento integral dos pares. O Aconselhamento Pastoral se constitui em uma relao de cuidado em que h o respeito mtuo em que o conselheiro preparado um facilitador para o crescimento do aconselhando em todas as dimenses da vida. No se esquecendo de contextualizar com a cultura e, no caso em questo, considerou-se o contexto da Amrica Latina com a sua pobreza e ao mesmo tempo riqueza scio-cultural. Quanto ao dilogo possvel entre MDA e AP, pode-se dizer que enquanto o AP enfatiza uma f vivenciada no dia a dia, o MDA proporciona uma f mais individualizada. Constitui-se num processo de amadurecimento para que esse dilogo ocorra. Palavras-chave: Discipulado. Aconselhamento Pastoral. MDA.

  • ABSTRACT

    The model of an apostolic discipleship to one (MDA) and Pastoral Counseling (AP) constituted the theme of this work aimed to verify the possibility of a dialogue between the two. The methodology used was documentary and bibliographical research. MDA is a strategy that belongs to the Church of Peace in Santarm and is configured to establish a personal relationship with the student. The word in the Old Testament discipleship Halak was literally connoted "go after". In the New Testament refers to the idea of discipleship akolouteo translated as follows: the word denotes the action of the call of a master and go on to have a lifetime of obedience. The Church of Peace in United States considers the following as involving two human beings that one drives the other to Christ because of his maturity. But on the other hand there are theological statements that score, since Christ already there is no immediate relationship, whether between man and God and between man and the world and put any bridge is not healthy for the integral growth of the couple. The Pastoral Counseling constitutes a relationship of care where there is mutual respect in which the trained counselor is a facilitator for the growth of advising on all aspects of life. Not forgetting the culture and context, in this case, we considered the context of Latin America with its poverty and wealth while socio-cultural. As for the possible dialogue between the MDA and PC, it can be said that while the PC emphasizes a lived faith in everyday life, the MDA provides a more personal faith. It constitutes a process of maturation for this dialogue takes place. Keywords: Discipleship. Pastoral Counseling. MDA.

  • SUMRIO

    INTRODUO...........................................................................................................07

    Captulo 1 O MODELO DO DISCIPULADO APOSTLICO NA IGREJA

    DA PAZ EM SANTARM DO PAR ........................................................................ 10

    1.1 Contextualizao Histrica e o Modelo do Discipulado Apostlico (MDA) .......... 10

    1.2 A relao discipulador - discpulo no MDA .......................................................... 14

    1.3 A autoridade no discipulado.................................................................................21

    1.4 Caractersticas do discipulado..............................................................................23

    1.5 Tipos de discipulado............................................................................................ 28

    1.6 Sinais de um discipulado slido .......................................................................... 30

    1.7 Apreciao crtica ................................................................................................ 36

    Captulo 2 ACONSELHAMENTO PASTORAL COMO DIMENSO DO

    CUIDADO NA COMUNHO DA IGREJA................................................................. 38

    2.1 Consideraes histricas do aconselhamento pastoral ...................................... 39

    2.2 Modelos de aconselhamento pastoral ................................................................. 43

    2.3 Aconselhamento e cuidado na comunho da igreja ............................................ 53

    Captulo 3 O MODELO DO DISCIPULADO APOSTLICO UM A UM:

    um dilogo com o aconselhamento pastoral ........................................................ 58

    3.1-A nfase no crescimento e multiplicao distancia o MDA do

    Aconselhamento Pastoral ......................................................................................... 60

    3.2 - A viso MDA desconsidera o contexto da Amrica Latina ................................ 65

    CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 68

    REFERNCIAS ........................................................................................................ 71

    ANEXOS ................................................................................................................... 73

  • 7

    INTRODUO

    Este trabalho buscou respostas quanto aproximao entre

    Aconselhamento Pastoral e o Modelo do Discipulado Apostlico ou Modelo de

    Discipulado Um a UM da Igreja da Paz em Santarm/PA. Para essa busca utilizou-

    se como metodologia a pesquisa bibliogrfica e documental.

    Optou-se por pesquisar primeiro o Modelo do Discipulado Apostlico ou

    Modelo de Discipulado Um a UM da Igreja da Paz em Santarm que consiste no

    entendimento de que Jesus priorizou o discipulado no seu ministrio aqui na terra.

    Grande parte do seu tempo ele dedicou ao acompanhamento dos seus discpulos.

    A palavra discipulado no Antigo Testamento era halak que literalmente

    conotava ir atrs de. No Novo Testamento discipulado remete idia de akolouteo

    traduzida por seguir. Outra palavra encontrada mathets (discpulo). Outro termo

    relacionado ao discipulado mimeomai (imitar).

    Uma das definies de discipulado est ligada a uma relao comprometida

    e pessoal, em que um discpulo mais maduro ajuda outros a se aproximarem de

    Jesus e assim os ajude a se tornarem igualmente discpulos. Utilizou-se de forma

    especial o autor Aluzio A. Silva para expor o que a Igreja em questo considera

    como discipulado.

    O chamado ao discipulado , portanto, comprometimento exclusivo com a

    pessoa de Jesus Cristo, a subverso de todos os legalismos mediante a graa

    daquele que chama, ensina e depois envia. Dentro das referncias, D. Bonhoeffer foi

    o autor que trouxe contribuies significativas para o tema discipulado.

    Dentro da estrutura do modelo do discipulado um a um, como praticado pela

    Igreja da Paz, um lder em treinamento discipulado pelo lder de clula, um grupo

    menor que rene pessoas para o estudo da Palavra de Deus, a orao e a ajuda

    mtuas. O lder de clula discipulado por um discipulador de lderes, que, por sua

    vez, discipulado por um pastor ou obreiro. Este o modelo a ser apresentado no

    captulo um deste trabalho.

  • 8

    O segundo captulo trata do Aconselhamento Pastoral comeando pelos

    conceitos e sua trajetria histrica, iniciada por Plato com o nome de cura dalmas,

    que significava o melhor tratamento para curar as almas.

    Brevemente se faz meno ao aconselhamento pastoral no Antigo

    Testamento, tempo em que os seus agentes eram os sacerdotes, ancios, juzes,

    que eram mais comandantes militares que magistrados, os profetas e os sbios.

    No Novo Testamento, quando o povo de Israel estava subjugado pelos

    romanos, Jesus surgiu com novo mtodo de aconselhamento pastoral, recorrendo a

    um conceito moderno, para o qual a palavra parclesis (encorajamento, exortao)

    se mostrou central e se apresenta como base da experincia das primeiras

    comunidades crists. Os agentes desse aconselhamento pastoral passaram a ser

    todos os crentes, em princpio. Mas se percebe que havia pessoas especficas que

    praticavam o encorajamento, a visitao e o cuidado. Encontramos presbteros que

    visitavam os enfermos e doentes, oravam por eles, ungiam-nos com leo e

    perdoavam os pecados. Dessa maneira os cristos se sentiam estimulados a

    exercer o cuidado mtuo e a viver o amor fraternal na nova comunidade de f.

    Foram justamente estas prticas que se constituram no diferencial das

    comunidades crists no primeiro e segundo sculos.

    Na Igreja Antiga, usaram-se como modelo de aconselhamento pastoral as

    cartas de consolao e outras formas de acompanhamento e ajuda fraterna. Mas

    houve tambm pais apostlicos, telogos de renome, que recomendavam

    acompanhamento personalizado.

    Na Idade Mdia, a forma encontrada foi o julgamento jurdico, com punio

    e perdo de pecados, como no monarquismo episcopal do papa Gregrio I. Na

    Reforma Protestante do sculo XVI passou-se a praticar o aconselhamento fraternal,

    na comunidade, aps a crtica veemente da prtica generalizada das indulgncias,

    forma mercadolgica de conferir perdo dos pecados. No Pietismo, movimento de

    renovao no campo protestante a partir do final do sculo XVII, continuou-se com o

    aconselhamento fraternal, mas prevaleceu o mtodo evangelstico proselitista, que

    consistia em um aconselhamento para enquadrar dentro da crena e valores do

    conselheiro.

  • 9

    Nos anos 1920 e 1930, mdicos e pastores norte-americanos criaram a

    Clnica Pastoral, objetivando um aconselhamento teraputico e uma formao

    clnica de telogos. O captulo termina com uma viso do aconselhamento como

    parte do cuidado da igreja para com as pessoas.

    O terceiro captulo tratou do Modelo do Discipulado Apostlico Um a Um da

    Igreja da Paz Central de Santarm e a possibilidade de um dilogo com o

    aconselhamento pastoral. Aqui se prope uma avaliao crtica desse modelo, com

    vistas a contribuir para a vivncia crist e o discipulado numa sociedade que

    desconsidera o ser humano na sua integralidade.

  • 10

    Captulo 1 O MODELO DO DISCIPULADO APOSTLICO NA IGREJA DA PAZ

    EM SANTARM DO PAR

    O Estado do Par tem historicamente uma ligao importante com o

    sagrado, pois uma das importantes expresses de f popular a festa catlica

    chamada Crio de Nossa Senhora de Nazar, que acontece em outubro na capital

    Belm, e movimenta grande multido vinda de diversas partes do pas e at de

    outros pases.

    Outro movimento religioso que ocorreu em Belm foi o movimento

    pentecostal que culminou com o surgimento da Assemblia de Deus, nos incios do

    sculo 20. Esta igreja tambm realiza expressiva festa em junho de cada ano,

    atraindo muitos fiis. Os cultos denominados afro-brasileiros contam igualmente com

    manifestaes conhecidas, porm de forma comedida, diante da sociedade. Alm

    destes h outros cultos religiosos e movimentos que configuram atualmente um

    movimento inter-religioso que em certas ocasies tem promovido movimentos como

    a luta pela paz.

    Quanto questo religiosa, na cidade de Santarm contamos com igrejas de

    diversas denominaes: Catlica, Quadrangular, Universal do Reino de Deus, Deus

    Amor, Assemblia de Deus, Igreja da Paz, Batista, Presbiteriana, Adventista do

    Stimo Dia, Igreja de Deus do Brasil, Congregao Crist do Brasil, Igreja

    Internacional da Graa, espaos de cultos afro-brasileiros, entre outras expresses.

    1.1 Contextualizao histrica e o Modelo do Discipulado Apostlico (MDA)

    Esta dissertao enfatizar o chamado Modelo do Discipulado Um a Um

    adotado pela Igreja da Paz em Santarm, mas antes preciso contextualizar a

    histria dessa igreja na regio. Ela teve sua origem com o ministrio do anabatista

    Samuel Froehlich, o qual viveu na Sua por volta do ano de 1830 e defendeu que

    somente adultos tinham que ser batizados. Naquele pas a igreja ficou conhecida

  • 11

    como Igreja do Nazareno, tendo outros nomes em diferentes lugares, por exemplo,

    na frica se chama Templo da F, nos Estados Unidos, Igreja Crist Apostlica1.

    Quando implantada nos Estados Unidos por volta de 1847, estabeleceu-se

    numa pequena comunidade do estado de Nova Iorque chamada Lewis Country. Esta

    igreja chegou ao Brasil primeiramente atravs de imigrantes alemes vindos

    diretamente da Europa no incio do sculo XX. Mas em meados do mesmo sculo,

    missionrios dessa igreja, vindos dos Estados Unidos estabeleceram igrejas

    primeiramente no Estado de So Paulo, nas cidades de Campinas e So Jos dos

    Campos.

    Um dos missionrios que veio ao Brasil, fruto daquele influente movimento

    de implantao de igrejas, foi Melvin Edward Huber no ano de 1956, casado e com

    quatro filhos. Morou um perodo em So Paulo, depois a famlia foi para Minas

    Gerais, onde nasceu o quinto e ltimo filho do casal, Melvin Abrao Huber,

    conhecido como Abe Huber.

    No ano de 1976, o pastor Melvin e seus filhos Lucas e Abe vieram pela

    primeira vez para o norte do Brasil, em uma viagem de reconhecimento da regio.

    Lucas e alguns missionrios brasileiros e norte-americanos se estabeleceram em

    Santarm e implantaram a Igreja do Nazareno.

    Com o crescimento de um Projeto chamado Amazonas e depois chamado

    de Projeto Paz, toda a famlia Huber acabou por se estabelecer em Santarm, e em

    1982 o pastor Abe Huber comea a pastorear a Igreja da Paz Central.

    A estrutura organizacional da igreja era congregacional, porm, a partir de

    1993 comeou a transio do modelo para pequenos grupos nos lares, chamados

    grupos familiares, inspirado no modelo da Igreja do Evangelho Pleno da Coria do

    Sul. A estruturao da Igreja em estudo baseada em pequenos grupos, chamados

    clulas2. O nome clula usado considerando que seu crescimento similar ao das

    clulas do corpo humano. Uma criana cresce pela multiplicao de muitas clulas,

    e quando no h o crescimento algo est errado.

    1HUBER, Abe. Aliana de Membresia: Viso geral da Igreja da Paz, sua histria, valores, projetos,

    requisitos para tornar-se membro e benefcios. Fortaleza: Premius, 2009, p. 45-67. Ressaltamos que esta fonte contempla uma pequena parte das informaes histricas do tpico 1.1. 2 NEIGHBOUR, W. Ralph. Manual do Lder de Clula. Curitiba: MIEC, 2006, p.15.

  • 12

    A Igreja da Paz se estrutura em clulas, o anteriormente chamado grupo

    familiar ou igreja no lar, uma vez que as reunies ocorrem nos lares com a

    participao de um pequeno nmero de pessoas. Nessas reunies h um lder, um

    anfitrio que acolhe a clula em sua casa, enquanto o nmero de participantes varia

    de cinco a vinte pessoas, no sendo fixo. O elemento chave para entender o modelo

    observar que a clula, ao crescer, se desmembra ou se multiplica para formar

    outra num novo lar3.

    Abrimos uma digresso pra ressaltar que alm do MDA, a Igreja da Paz

    conta com cultos de celebrao aos domingos, culto da famlia e das finanas s

    segundas-feiras, reunio para os lderes de clulas s teras-feiras, reunio nos

    lares s quartas-feiras, culto dos adolescentes s quintas feiras, reunio de cura e

    libertao s sextas-feiras e o programa Aviva Jovem aos sbados.

    Durante todo o ano, mensalmente ocorre o chamado Encontro com Deus

    para os novos convertidos ou para os membros interessados em participar do

    Encontro com Deus novamente. O local reservado, h regras a cumprir e existe o

    pacto do silncio para com aqueles que ainda no participaram.

    A igreja organiza conferncias com temas especficos ao longo do ano,

    como sobre finanas, famlias, clulas, MDA (cf. fotos 02 e 03 em anexo)4, para os

    jovens. Ela tambm propicia acampamentos para os jovens e adolescentes na

    poca do carnaval, separadamente.

    H um ministrio chamado Torre de Orao em que permanentemente

    existe um grupo orando, de modo que sempre se complete as vinte e quatro horas.

    Este ministrio vem ocorrendo ininterruptamente desde agosto de 2009.

    A igreja tambm conta com o ministrio de acolhimento, o qual se restringe

    aos dias dos cultos e as atribuies dos mesmos so: receber os fiis na entrada do

    templo; acomodar os membros quando a igreja j lotou; ajudar os pais ou

    cuidadores das crianas que esto no culto chorando, correndo e/ou brincando;

    auxiliar algum que no est sentindo-se bem na hora do culto; organizar a entrada

    3MANUAL DA VISO DO DISCIPULADO APOSTLICO UM A UM. Santarm/PA. 2008.

    4Estas fotos referem-se Conferncia do MDA que culmina geralmente com a conferncia de clulas

    em um grande espao pblico. Esta conferncia ocorreu no estdio Barbalho em Santarm/PA em 2010.

  • 13

    e sada das pessoas; na hora das ofertas recolh-las; no dia da Ceia distribu-la,

    entre outras necessrias no momento dos cultos ou reunies.

    O D R Mi Paz um ministrio com crianas que ocorre aos domingos e

    envolve ensino da Palavra, orao, louvor e momento ldico. O Street Dance um

    ministrio que trabalha com dana estilo funk de forma especial com jovens que

    apresentam risco social. O ministrio de dana e teatro tambm bem atuante nas

    programaes da igreja.

    No ms de julho ocorre o Congresso da Paz e todos os referidos ministrios

    esto envolvidos. Geralmente a igreja agenda para ministrar pastores reconhecidos

    nacional e internacionalmente, incluindo grupos, cantores ou bandas gospel. O

    intuito atrair muitas pessoas ao local e assim proporcionar ocasio para

    converses.

    Outro ponto forte da Igreja da Paz em Santarm so as misses

    empreendidas no chamado Baixo Amazonas atravs de barcos pertencentes

    Misso Paz, em que se objetiva trabalhar a evangelizao e as aes sociais,

    envolvendo os cuidados de sade para com a populao dos ribeirinhos, (fotos em

    anexo 04 a 08).

    Continuando, quanto igreja em clulas, Bezerril5 comenta que este

    movimento com estrutura articulada e planejada, consiste de um artifcio moderno

    que nunca passou pela cabea dos apstolos. Mesmo que Paulo e os outros

    apstolos, vez por outra se reuniam em lares, o mtodo apostlico que fez a igreja

    se multiplicar foi unicamente a pregao no templo e na sinagoga, para grandes

    concentraes e no reunies em lares, (Atos 3:1-11; 5:12,20,21; 9:2,20; 11:26;

    13:5,14,15,16,42,43; 14:1; 17:1,4; 18:4,19,26; 19:8,9,31).

    No entanto, Strher6 traz um estudo envolvendo o termo ekklesa o qual

    indicava a assemblia dos cidados (do sexo masculino) livres de uma polis ou

    cidade para fazer eleies. Porm o termo foi empregado, na misso crist, de

    5BEZERRIL, Moiss C. Igreja em clulas: uma ameaa eclesiologia reformada e ao pastorado

    apostlico. 2005, p.1. 6STRHER, Marga J. Igreja na casa dela. Papel religioso das mulheres no mundo greco-romano e

    nas primeiras comunidades crists. So Leopoldo: EST, IEPG, 1996 (Srie Ensaios e monografias, vol. 12), p.15-16.

  • 14

    modo peculiar para designar a clula menor do movimento, a assemblia da casa

    de cristos (s).

    O termo ekklesa, segundo Strher, foi utilizado pelos primeiros grupos

    cristos no apenas para designar a reunio em si, mas tambm para nomear o

    grupo, as comunidades domsticas, locais ou espalhadas, e todo o movimento

    cristo desde o primeiro sculo.

    A casa era o local de reunio da maioria dos grupos cristos primitivos. No

    NT temos referncias explcitas a muitas comunidades domsticas, ao contrrio do

    que afirma Bezerril. Elas eram a clula bsica do movimento cristo (Rm 16:11-15).

    importante ressaltar ainda que casa7 ou a famlia do oikos no se restringia aos

    parentes imediatos, mas inclua um grupo maior do qual participavam desde os

    escravos at colegas de profisso, ou seja, uma unidade socioeconmica, em que

    viviam e trabalhavam muitas pessoas, a famlia extensa.

    Montgomery8 afirma que:

    Se ns queremos ver o mundo evangelizado, teremos que mudar alguma coisa, pois no conseguiremos nada com as estruturas que temos atualmente. No teremos nmeros de prdios suficientes nem pastores treinados em seminrios para alcanar essa tarefa. Se quisermos realmente ver essa Comisso sendo alcanada, temos que comear a treinar nosso povo leigo, nossos crentes, para fazer discpulos na situao de suas prprias casas, a fim de que possam ensinar a Palavra no conforto do lar.

    O culto nas casas era uma prtica na poca apostlica. J a prtica de culto

    nos lares no contexto contemporneo teve na figura do pastor coreano Paul Yonggi

    Cho aquele que soube retomar esta prtica fazendo dela um modelo atual. Esta

    prtica que denominamos hoje de igreja em clula.

    Cho era dedicado obra de Deus desde os dezenove anos. Ele vivenciou

    uma estafa muito forte e deveria fazer uma opo por recomendao mdica, deixar

    o pastorado ou ento morreria. A partir da, ele reuniu vrias pessoas leigas de sua

    igreja, treinou-as e as enviou para liderar cultos nos lares. Paul Yonggi se reunia

    periodicamente com as mesmas para instru-las. Dessa forma, a igreja da cidade de

    7STRHER, 1996, p. 15-16

    8MONTGOMERY, Jaime. Discipulado e crescimento da igreja local. So Paulo: SEPAL, 1978, p.13.

  • 15

    Seul cresceu vertiginosamente. Este fato ocorreu na dcada de 19709. Esta histria

    inspirou vrios lderes das chamadas igrejas pentecostais e neopentecostais,

    tornando o mtodo muito conhecido na Amrica Latina e tambm no Brasil.

    Aps essa contextualizao abordaremos o chamado Modelo do Discipulado

    Apostlico Um a Um (MDA) que envolve o trabalho em clulas, o qual tambm teve

    sua base na histria de Paul Yonggi Cho, mas foi aperfeioado e consolidado no ano

    de 1999, quando nasceu oficialmente, na cidade de Santarm, tendo como seu

    idealizador o pastor Abe Huber10. Foi criado um corao para simbolizar a proposta

    do MDA11.

    1.2 A relao discipulador - discpulo no MDA

    O Modelo do Discipulado Apostlico (MDA) ou do Discipulado Um a Um12

    consiste no entendimento de que Jesus priorizou o discipulado no seu ministrio

    aqui na terra e grande parte do seu tempo ele dedicou ao acompanhamento de seus

    discpulos. Ele viajava horas e horas a p com seu grupo. provvel que enquanto

    caminhava ia discipulando tanto os grupos quanto cada um de seus amigos. Mas o

    que significa discipular, na terminologia bblica e na prtica crist contempornea?

    A palavra discipulado no Antigo Testamento era halak que literalmente

    conotava ir atrs de. No Novo Testamento discipulado remete idia de akolouteo

    traduzida por seguir; a palavra denota a ao de atender ao chamado de um mestre

    e passar a ter uma vida inteira de obedincia13.

    Alguns textos, principalmente os que narram o chamado vocacional dos

    discpulos por Jesus, usam akolouteo para evidenciar um convite muito mais 9MONTGOMERY, 1978, p. 13-15.

    10HUBER, Abe. Discipulado um a um: Crescimento com qualidade. Porto Alegre: Adhonai, 2009, p.42.

    11Cf. Foto 1, Anexo 1. Esta foto foi criada com o objetivo de ser auto-explicativa e assim enfatizar o

    modelo do discipulado um a um MDA, que se encontra no centro do corao na cor amarela. Ela foi retirada do site www.igrejadapaz.com.br/santarem assim como todas as demais referenciadas e contidas em anexo. Acesso realizado em julho de 2011. 12

    MANUAL DA VISO DO DISCIPULADO APOSTLICO UM A UM. Santarm/PA. 2008, 2008, p.10 e 12. 13

    BUENO, Luiz Augusto Corra. Discipulado cristo: o estilo de vida de uma liderana que transforma. In: KOHL, Manfred W. e BARRO, Antnio C. (Orgs.). Liderana Crist Transformadora. Londrina: Descoberta, 2006, p. 226.

  • 16

    desafiador do que diplomtico. Em Mt 9.9, Jesus chama a Mateus e diz segue-me.

    A mesma palavra usada para o desafio colocado ao jovem rico, que depois de

    vender seus bens deveria seguir ao Mestre, o que ele acabou no fazendo14.

    Outra palavra encontrada mathets (discpulo). Ela denota a pessoa que

    ouve o chamado do mestre e se torna um aprendiz. A raiz da palavra mantano,

    verbo entendido por adaptar-se. Algum era chamado de mathets quando se ligava

    a outra pessoa a fim de adquirir conhecimento prtico e terico15.

    No Novo Testamento, mathets tornou-se a palavra para indicar total

    devoo a Cristo, era sinnimo de discipulado. A palavra usada possui uma

    conotao muito forte, evidencia que o discpulo convive com o mestre, recebe

    conhecimento e, especialmente no discipulado de Jesus, est disposto a servir16.

    Outra palavra relacionada ao discipulado mimeomai (imitar). O verbo

    enfatiza a natureza de um tipo especial de comportamento, modelado em outra

    pessoa. Para Brown, mimeomai se aplica a pessoas especficas que so,

    obviamente, exemplos vivos para a vida da f. Mesmo sendo o apstolo Paulo

    aquele que usa freqentemente essa palavra para motivar seus discpulos a uma

    vida de imitao, jamais se inclua como alvo final a ser imitado (1Co 11.1). Pelo

    contrrio, ele sempre apontava Jesus como sendo a proposta final de imitao e

    exemplo17.

    Para Moore, discipulado fazer de uma pessoa discpulo e lev-la

    experincia de ter Jesus como Senhor e centro de sua vida. Coleman afirma, ao

    comentar o texto de Mateus 28.18-20, que o discipulado se refere ao ir, batizar e

    ensinar particularidades de uma ao maior, ao que Jesus chama de fazer

    discpulos 18.

    J Kornfield define discipulado como uma relao comprometida e pessoal

    em que um discpulo mais maduro ajuda outros discpulos de Jesus a se

    14

    BUENO, 2006, p. 227. 15

    BUENO, 2006, p. 227-228. 16

    BUENO, 2006, p. 228. 17

    Apud BUENO. 2006, p. 228. 18

    Apud BUENO. 2006, p. 229, tambm a afirmao de Moore.

  • 17

    aproximarem mais dele e assim colaborarem para tornar outras pessoas igualmente

    discpulas de Jesus19.

    Richards comenta que discipulado envolve reformulao da vida crist em

    direo obedincia, a fim de que uma pessoa possa tornar-se como Jesus. E

    ainda, a misso da igreja no simplesmente conseguir converses, mas completar

    o processo da vida crist fazendo discpulos20.

    Discpulo no latim discipulus, significa aquele que recebe instruo de

    outro; aluno; partidrio declarado da doutrina, de opinies ou idias21. Para Silva22,

    discipulado so vnculos formados em Deus, que implicam em deciso, custos a

    serem pagos e um objetivo a ser cumprido. Jesus era um homem de

    relacionamentos e seus discpulos aprenderam caminhando com ele e procurando

    entender sua mensagem.

    Mas como revela o prprio texto evanglico, s mais tarde, aps a

    ressurreio, os seguidores e seguidoras de Jesus passaram a entender o que

    Jesus anunciava e o significado de sua vida, morte e ressurreio.

    Bonhoeffer afirma que o chamado ao discipulado comprometimento

    exclusivo com a pessoa de Jesus Cristo, a subverso de todos os legalismos

    mediante a graa daquele que chama. chamado da graa, mandamento gracioso.

    Fica alm do antagonismo de lei e Evangelho. Cristo chama, o discpulo segue; isso

    graa e mandamento ao mesmo tempo. E andarei com largueza, pois me

    empenho pelos teus preceitos (Sl 119.45)23.

    Bosch24 escreve que o tema do discipulado central para o Evangelho de

    Mateus e para sua compreenso de igreja e misso. O verbo matheteuein significa

    fazer discpulos, este ocorre apenas trs vezes em Mateus (13.52; 27.57; 28.19) e

    uma em Atos (14.21).

    19

    Apud BUENO. 2006, p. 229-230. 20

    Apud BUENO. 2006, p. 230 21

    DICIONRIO da Lngua Portuguesa. Larousse cultural. So Paulo: Nova Cultural, 1992, p.365. 22

    SILVA, Aluzio A. 21 dias na vida de um discpulo:edificando relacionamento para o reino. Goinia: Vinha, 2009, p. 9-10. 23

    BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. 10 ed. So Leopoldo: Sinodal, 2008, p.21. 24

    BOSCH, David J. Misso transformadora: mudanas de paradigma na teologia da misso. So Leopoldo, RS: EST, Sinodal, 2002, p.101.

  • 18

    O uso mais notvel do verbo matheteuein encontra-se na Grande

    Comisso (28.19), e tambm o nico caso em que ele usado no imperativo:

    matheteusate, fazei discpulos. Este verbo o cerne do comissionamento. Por

    outro lado, o substantivo discpulo (mathets) comum nos quatro evangelhos e em

    Atos, mas no se encontra em nenhuma outra parte do NT.

    Para Mateus25, a expresso discpulos no se refere apenas aos doze, mas

    se expande de modo a incluir os discpulos da sua prpria poca. Considerando a

    ordem Fazei discpulos! (28.19), os seguidores do Jesus terreno tm de

    transformar outras pessoas naquilo que eles prprios so: discpulos. O autor ainda

    coloca que Mateus fez um prolongamento da lgica do ministrio de Jesus para o

    seu prprio tempo e circunstncias.

    Por sua vez, Silva26 comenta que o discpulo deve ser aberto, malevel,

    tratvel e desejar ser formado em Deus, conduzido por um discipulador cuja vida

    crist foi aprovada e anteriormente discipulado por outrem, para lev-lo ao

    conhecimento de Deus e do aprendizado da Palavra da Escritura e da vida.

    O conceito de discipulado, como atualmente vem sendo usado em algumas

    igrejas, no uma classe de aula cheia de alunos com um professor frente; no

    um relacionamento de aconselhamento espordico no qual uma pessoa, quando

    precisa, procura algum mais experiente, um lder ou at um pastor; nem uma

    mera relao hierrquica, pois o lder no necessariamente o discipulador do

    liderado27.

    Jesus construiu com seus discpulos um nvel profundo de relacionamento.

    O discipulado fala da aceitao do preo da cruz. Jesus convocou homens simples,

    comuns, para passar seu manto28, pois somente os discpulos receberam um

    ministrio, no a multido que o seguia29.

    25

    BOSCH, 2002, p. 102. 26

    SILVA, 2009, p. 13. 27

    SILVA, 2009, p. 22. 28

    Silva no claro em sua colocao, mas pelas explicaes ouvidas em prelees de outros pastores que comungam desta idia, ele fala do episdio que aconteceu entre Elias e Eliseu narrado em 2 Reis 2:9-15, em que Elias passou o manto da uno para Eliseu o qual fez atos semelhantes aos do discipulador Elias. 29

    SILVA, 2009, p. 23.

  • 19

    Discipulado fala-nos de ensinar e praticarmos juntos as disciplinas

    espirituais. O ensino de plpito atinge tanto a multido quanto o seguidor ocasional,

    mas no faz discpulos. O discipulado no algo de tempo indefinido, ele se

    encerrar30. Quando j tiver a prtica de todo conselho de Deus, termina, mas

    permanecem os vnculos.

    No Antigo Testamento, na formao do ministrio proftico havia um vnculo

    de discipulado, um exemplo o de Elias e Eliseu em que a Palavra fala que Eliseu

    deitava gua nas mos de Elias em 2 Reis 3:11. E Eliseu se mostrou disposto a

    seguir e servir Elias.

    Diante das afirmativas de Silva, vale recordar o que Bonhoeffer escreveu ao

    afirmar que o discipulado comprometimento com Cristo; por Cristo existir, tem que

    haver discipulado. Uma concepo de Cristo, um sistema doutrinrio, um

    conhecimento religioso geral da graa ou do perdo no implicam necessariamente

    o discipulado; na realidade, excluem-no, so hostis a ele. Com a idia de Cristo

    pode-se ter uma relao de conhecimento, de admirao - talvez at mesmo de

    realizao - mas nunca a relao de discipulado pessoal e obediente.31

    Ao comunicar esta verdade a seus discpulos, Jesus comea por lhes dar

    plena liberdade, o que digno de nota. Se algum quiser vir aps mim..., diz Jesus

    (Mc 8:34). Seguir Jesus, portanto, no algo bvio, nem mesmo entre os discpulos.

    Ningum pode ser forado a isso, nem mesmo se pode esperar que algum o faa;

    antes, o que est sendo colocado : se algum quiser segui-lo, a despeito de

    quaisquer outras ofertas que lhe sejam feitas. Uma vez mais, tudo depende da

    deciso individual; em pleno discipulado, toda a carreira , uma vez mais,

    interrompida, tudo fica em aberto, nada se espera, nada se impe32.

    Assim como o Cristo somente Cristo quando sofredor e rejeitado, tambm

    o discpulo somente discpulo quando sofredor e rejeitado, crucificado com Cristo.

    O discipulado como unio com a pessoa de Jesus Cristo coloca o discpulo sob a lei

    de Cristo, ou seja, sob a cruz33.

    30

    SILVA, 2009, p. 9-10. 31

    BONHOEFFER, 2008, p.21-22. 32

    BONHOEFFER, 2008, p.45. 33

    BONHOEFFER, 2008, p.45.

  • 20

    Bonhoeffer34 comenta que,

    A cruz imposta a cada crente. O primeiro sofrimento com Cristo, ao qual ningum escapa, o chamado que nos chama para fora das vinculaes com o mundo. a morte do velho ser humano no encontro com Jesus Cristo. Quem entra no discipulado entrega-se morte de Jesus, expe sua vida morte. Isso assim desde o princpio; a cruz no o fim horrvel de uma vida piedosa e feliz, mas se encontra no comeo da comunho com Jesus Cristo.

    De Jesus somos discpulos sempre, at morrer. Os vnculos ligados ao

    conceito de discipulado que consideramos neste trabalho envolvem dois seres

    humanos, portanto, tem comeo, meio e fim. No podemos comparar o discipulado

    de Cristo para conosco, com o modelo do discipulado apostlico um a um (MDA),

    embora haja conexes, como pretende o criador do mtodo.

    Na tarefa de formar discpulos, hoje, h dois objetivos bsicos. O primeiro

    a edificao da vida do discpulo para que ele tenha o carter de Cristo; o segundo

    a capacitao ministerial para que possa fazer a obra de Deus35.

    O discipulado um relacionamento onde um discipulador capacita o

    discpulo, compartilhando com ele os recursos que recebeu de Deus. O alvo levar

    seu discpulo a desenvolver seu potencial em Deus36.

    Pilonetto37 comenta sobre a expresso discipulado mtuo (DM) a qual de

    uso recente e de sentido ainda insuficientemente definido. Esta expresso

    subjetiva e depende mais de um clima favorvel entre as pessoas.

    Afirma Pilonetto que a idia de discipulado mtuo parece ter origem no

    esprito democrtico-participativo de nossa poca, que valoriza as relaes

    horizontais. Outra vertente de carter evanglico-franciscano, que leva em

    considerao passagens bblica como38:

    Os segredos do Reino de Deus permanecem escondidos aos sbios e entendidos enquanto so revelados aos simples e humildes, e isto d a Jesus motivo para uma orao cheia de jbilo (Lc 10,21).

    34

    BONHOEFFER, 2008, p. 46-47. 35

    SILVA, 2009, p. 27. 36

    SILVA, 2009, p. 83. 37

    PILONETTO, Adelino O. Um clima de discipulado mtuo. In: Cadernos da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana ESTEF, Porto Alegre, n. 8, p. 71, 1992. 38

    PILONETTO, 1992, p.71.

  • 21

    Outro ponto enfatizado por Pilonetto so as condies para que ocorra um

    discipulado mtuo; uma das condies quando h disposio a reconhecer o outro

    como mestre e aceitar aprender dele na condio de discpulo.

    O discipulado mtuo supe certa igualdade fundamental, pois somos todos

    irmos e irms diante de Deus. Como tambm supe acolhida do diferente, da

    alteridade, da diversidade.

    O cultivo do DM supe a disposio de expor-se, de partilhar a vida, as

    experincias, o prprio universo afetivo; pr em comum o que vivo, sinto, fao e

    procuro. Isto pode ser luz para os outros, enquanto os outros podem ser luz para

    mim, refere Pilonetto39.

    Ainda outro elemento do discipulado mtuo, para o autor o mais importante,

    a referncia ao terceiro necessrio. No estamos simplesmente um diante do

    outro, precisamos de um terceiro: o referencial do Evangelho, do carisma, da

    Regra.

    Kornfield tambm afirma que, se o discipulado perder de vista o

    relacionamento comprometido e pessoal, deixa de ser um discipulado bblico. A sua

    nfase est nos relacionamentos40.

    O discipulador apenas uma placa de sinalizao apontando para Cristo. O

    alvo do relacionamento de discipulado levar o discpulo a perceber a direo do

    Esprito Santo em seu esprito humano e assim fazer a vontade de Deus.41

    Trata-se, portanto, de um relacionamento entre um mestre e um aluno,

    baseado no modelo que Cristo. O discpulo no somente aprende, mas se

    compromete com o ensino. Discpulo aquele que se torna um seguidor, um adepto

    do ensino que lhe foi repassado.

    Dentro da estrutura do modelo do discipulado um a um, um lder em

    treinamento discipulado pelo lder de clula. O lder de clula discipulado por um

    discipulador de lderes que, por sua vez, discipulado por um pastor ou obreiro.

    Porm, Bonhoeffer afirma que Jesus Cristo o Mediador, e isso no

    somente entre Deus e os seres humanos, mas tambm entre ser humano e ser

    humano, e entre o ser humano e a realidade. Porque todo o mundo foi criado

    39

    PILONETTO, 1992, p.72. 40

    Apud BUENO, 2006, p. 230. 41

    SILVA, 2009, p. 48.

  • 22

    atravs dele e para ele (Jo1.3; 1Co8.6; Hb1.2)42. Parece-me que esta compreenso

    contradiz a tese exposta por Silva em que necessrio ter uma ponte humana entre

    o homem para se chegar a Deus, pois segundo este autor preciso um discipulador

    na terra, quando em realidade j temos o prprio Cristo em ns. O discipulador, na

    verdade, um servidor de Cristo, o mediador.

    Bonhoeffer tambm comenta que desde Cristo j no h nenhuma relao

    imediata, quer entre o ser humano e Deus, quer entre o ser humano e o mundo.

    Cristo quer ser o Mediador. certo que se oferecem bastantes deuses que

    concedem ao ser humano um acesso imediato; o mundo procura, por todos os

    meios, ter uma relao imediata com o ser humano, mas justamente nesse ponto

    que reside a inimizade contra Cristo, o Mediador43.

    O discipulado um a um ofusca e at obstrui essa ponte, pois mesmo com os

    cuidados necessrios de lev-los a Deus, conforme Bonhoeffer no h para ns

    qualquer caminho ao semelhante que no seja o caminho atravs de Cristo, da sua

    Palavra e de nosso discipulado. A relao imediata iluso, ou seja, a relao da

    pessoa com o mundo.44

    1.3 A autoridade no discipulado

    Na Igreja da Paz em Santarm, a autoridade do discipulador para com o

    discpulo algo forte e levado muito a srio; nas tomadas de decises nas mais

    diversas reas do discpulo, a palavra do discipulador tem um peso significativo, o

    que pode levar ao abuso de poder como ocorre em diversos casos.

    Quanto autoridade no discipulado, Silva afirma que sem submisso, no

    h formao ou discipulado. A humildade e a mansido so importantes para que

    haja submisso aos irmos, aos lderes, sem rebeldia ou obstinao. A questo aqui

    parece ser a possibilidade de abuso da autoridade por parte do discipulador em

    relao ao discipulado, como muitos temem.

    42

    BONHOEFFER, 2008, p.52. 43

    BONHOEFFER,2008, p.52. 44

    BONHOEFFER, 2008, p.53.

  • 23

    Jesus sabia que sua misso era dura. Os discpulos viram nele um exemplo.

    Os cristos agora so encorajados a ter suas caractersticas. Jesus foi o pioneiro ao

    suportar sofrimento sem reclamar, sendo, portanto, nosso exemplo. O sofrimento de

    Jesus modelo da disposio dos cristos em obedincia. Os primeiros cristos

    continuaram os exemplos de Jesus em suas condutas45.

    Ento, se h submisso e obedincia essa deve ser a Jesus Cristo, exemplo

    mximo de sofrimento e no aos lderes que no so modelos como Cristo foi.

    Jesus46 chamou os discpulos a um discipulado santo especialmente quando ele

    estava a caminho da cruz. Cristo sempre foi descrito como um modelo para os

    cristos. O sofrimento e morte de Jesus foram vistos como uma forma de discipulado

    cristo.

    Para Bonhoeffer, sempre que uma relao nos impede de nos encontrarmos

    com Cristo como indivduo, sempre que uma comunho reivindique relaes

    imediatas, deve ser odiada por amor de Cristo, pois cada relao imediata,

    consciente ou inconsciente, dio a Cristo, ao Mediador, at mesmo e em especial

    quando quer ser considerada crist.47

    Ningum tem autoridade em si mesmo, pois a autoridade vem de Jesus. O

    prprio discipulador precisa ser discpulo porque o princpio bsico para ter

    autoridade estar debaixo de autoridade e se sujeitar a ela48.

    O que pode caracterizar um discpulo o comprometimento do mesmo com

    a Palavra; o amor por Jesus sobre todas as coisas; ter sua vida totalmente

    comprometida com o Senhor; uma vida que produz fruto; ser comprometido com

    outros num amor que envolve sacrifcios; finalmente, ser aquele que faz discpulos49.

    Observamos, porm, uma contradio em Silva ao considerarmos as

    reflexes de Bonhoeffer, pois esse amor a Jesus sobre todas as coisas est

    comprometido, haja vista a necessidade de um discipulador para conduzir uma

    pessoa a Deus, quando Cristo o Mediador nico.

    45

    Cf. Encyclopedia of Theology and Religion.Religion Past and Present. Discipleship, Christian. Edited by Hans Dieter Betz; Don S. Browning; Bernd Janowski; Eberhard Jngel. Volume IV. Brill. Leiden Boston, 2008, p.81-85. 46

    Encyclopedia of Theology and Religion, 2008, 82-83. 47

    BONHOEFFER, 2008, p.53. 48

    SILVA, 2009, p. 49. 49

    SILVA, 2009, p. 51-53.

  • 24

    O discipulador tem uma tarefa bsica que ensinar o discpulo a observar

    todas as coisas que Jesus ordenou como est escrito em Mateus 28.20. Quanto s

    suas caractersticas, podemos citar o amor aos discpulos; conviver com eles; ser

    exemplo para os mesmos; delegar responsabilidades; supervisionar os discpulos;

    lev-los frutificao50.

    Todas as nossas tentativas para lanar uma ponte sobre o abismo que nos

    separa dos outros, de vencer, por meio de laos naturais ou da alma, a distncia

    intransponvel, o carter diferente e estranho dos outros seres humanos, todas

    essas tentativas tm que fracassar51.

    No h um caminho prprio de ser humano para ser humano, afirma

    Bonhoeffer; a mais amvel tentativa de compreenso, a psicologia mais sofisticada,

    a franqueza mais natural no conduzem ao outro; no h qualquer relao imediata

    entre as almas. Cristo o Mediador, e somente atravs dele que h caminho para

    o prximo. Por isso, a intercesso o caminho mais promissor para chegarmos aos

    outros, e a orao conjunta em nome de Cristo constitui a mais genuna

    comunho.52

    O que cada discipulador precisa entender que ele servo do discpulo e

    no dono. Trata-se, sim de ensinar todo o conselho de Deus e no seus gostos e

    preferncias pessoais, pois os discpulos, de fato, so de Cristo.

    1.4 Caractersticas do discipulado

    importante ressaltar que no processo de discipulado existem algumas

    caractersticas que so importantes para o crescimento, o ensino e edificao do

    discpulo.

    Um exemplo de discipulado claro e instrutivo nas Escrituras para Silva foi o

    que houve entre Paulo e Timteo. Em 1 e 2 Timteo, de forma especial no incio de

    50

    SILVA, 2009, p. 54-56. 51

    BONHOEFFER, 2008, p.54 52

    BONHOEFFER, 2008, p.54

  • 25

    2 Timteo, h frases e conceitos que podemos considerar tpicas de um

    discipulador53.

    Vamos verificar quais as qualidades de Paulo como discipulador de

    Timteo. Relacionamento de pai para filho (2 Tm 1.2): Silva discorre que vivemos

    numa gerao de muitos lderes rfos, que no aprenderam a ser filhos, em um

    tempo no qual muitos pais nunca foram cuidados e por isso no conseguem exercer

    uma paternidade espiritual livre e saudvel. O discipulado envolve uma relao de

    paternidade espiritual.54

    Outra caracterstica o amor. Paulo se referia a Timteo como meu

    amado filho (2 Tm 1.2). No se deve esperar ter discpulos se no se consegue

    expressar amor e afeto para com aqueles que Deus lhe deu.

    A intercesso foi um diferencial na vida de Paulo, pois ele orava por Timteo

    de noite e de dia como registrado em 2 Tm 1.3. Quando amamos um filho, oramos

    por ele; quando amamos um discpulo, temos encargo por sua vida.

    Em 2 Tm 1.4, Paulo escreve que se lembrava das lgrimas de Timteo. Isso

    mostra a liberdade para chorar diante de Paulo. O discpulo no se envergonhava.

    Havia intimidade e transparncia.

    Paulo afirma ainda no mesmo lugar que ele estava ansioso para ver Timteo

    e poder transbordar de alegria. Num discipulado onde a alegria de estar junto no

    experimentada, algo no vai bem e precisa ser corrigido55.

    Paulo enxergava as qualidades e virtudes de Timteo, comunicava-lhe uma

    profunda aceitao. No questionava a f de Timteo e presumia o melhor a

    respeito do filho, como vemos em 2 Tm 1.5; essa uma atitude benigna.

    O desafio ao crescimento leva todo discipulador a admoestar e exortar o

    discpulo. Paulo sabia que Timteo tinha potencial e uno, e desejava que o

    mesmo fosse plenamente til nas mos de Deus. Vemos isso relatado em 2 Tm 1.6.

    53

    SILVA, 2009, p. 71-72 54

    SILVA, 2009, p. 77-78. 55

    SILVA, 2009, p. 74.

  • 26

    Em 1 Timteo 4.14, Paulo diz que o dom de Timteo lhe havia sido

    concedido pela imposio de mos do presbitrio; em 1 Tm 4.6 vemos que ele

    tambm orou para que Timteo recebesse a uno para desempenhar o servio

    apostlico. Silva56 denomina esse tpico de transferncia de uno. A uno

    transferida segundo o relato de Nmeros 11.16s onde lemos:

    Disse o Senhor a Moiss: Ajunta-me setenta homens dos ancios de Israel, que sabes serem ancios e superintendentes do povo; e os trars perante a tenda da congregao, para que assistam ali contigo; tirarei do Esprito que est sobre ti e o porei sobre eles; e contigo levaro a carga do povo, para que no a leve tu somente.

    Bonhoeffer57 comenta sobre este sentido da uno e contradiz Silva no que

    se refere a este entendimento da transferncia de uno afirmando: Reconhecer a

    Cristo significa reconhec-lo como Senhor e Salvador de minha vida em sua

    Palavra. Isso, porm, inclui o reconhecimento de sua Palavra clara dirigida a mim.

    Portanto, no necessrio uma transferncia de uno de outrem, pois o que um

    discipulador poder transferir para outra pessoa?

    Outro ponto foi o discernimento da condio espiritual que Paulo teve, o qual

    est relatado em 1 Tm 4.7, pois ele sabia das dificuldades de Timteo. Ele era jovem

    demais (1 Tm 4.12), propenso a doenas (1 Tm 5.23). Mas o principal que tinha

    tendncia a apoiar-se em outros para liderar, da as palavras de Paulo: Deus no

    lhe tem dado esprito de covardia, mas de poder, de amor e de moderao (2 Tm

    1:7)58.

    Outra qualidade de Paulo como discipulador foi o ensino por palavra e por

    demonstrao, que consta em 2 Tm 1.13. Ele mostrou a Timteo como ensinar e

    viver (2 Tm 3.10s). O objetivo de Paulo ao ensinar Timteo claro quando escreve:

    E o que de minha parte ouviste [..], isso mesmo transmite a homens fiis e tambm

    idneos para instruir a outros (2 Tm 2.2).

    Assim percebemos que Paulo desafia Timteo a reproduzir o que recebeu

    dele. Ele o desafia a multiplicar-se59 discipulando as pessoas certas para que estas

    56

    SILVA, 2009, p. 75. 57

    BONHOEFFER, 2008, p.141. 58

    SILVA, 2009, p. 76. 59

    No processo de discipulado apostlico um a um da Igreja da Paz em Santarm, bem como de outras igrejas que adotam modelo celular e que trabalham com questes de discipulado, os lderes destas igrejas entendem que Paulo ensinou Timteo a ganhar muitos discpulos e assim aumentar o

  • 27

    transmitam a outras o que receberam. Para que haja um discipulado efetivo, o

    discpulo tambm precisa de qualificaes e de algumas caractersticas

    fundamentais. A primeira tratar seu discipulador como um pai espiritual. O

    discpulo antes de tudo precisa aprender a ser filho. Por esta causa, vos mandei

    Timteo, que meu filho amado e fiel no Senhor, o qual vos lembrar os meus

    caminhos em Cristo Jesus, como, por toda parte, ensino em cada igreja (1 Co

    4.17)60.

    O discpulo imita seu discipulador. As pessoas devem ser capazes de

    conhecer o corao e a viso do discipulador pelo simples fato de conviver com o

    seu discpulo. Os corntios no imitavam a Paulo, mas este se coloca como um

    modelo, exemplo a ser seguido61.

    No vos escrevo estas coisas para vos envergonhar; pelo contrrio, para vos admoestar como a filhos meus amados. Porque, ainda que tivsseis milhares de preceptores em Cristo, no tereis, contudo, muitos pais; pois eu, pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus. Admoesto-vos, portanto, a que sejais meus imitadores (1 Co 4.14-16).

    O comentrio de Silva contrasta com o de Bonhoeffer62, pois para este

    devemos conhecer a Cristo e crer nele e no conhecer o corao e a viso do

    discipulador. Bem como no devemos nos comparar com nenhum discpulo nem

    qualquer personagem bblico. O que temos que fazer ouvir e cumprir a Palavra e

    vontade de Cristo. A Escritura no nos coloca diante de vrios tipos cristos para

    nos igualarmos conforme nossa escola, antes prega o mesmo Cristo.

    Todo discpulo um cooperador. Um lder em treinamento coopera com o

    lder da clula enquanto discipulado por ele. Em Romanos 16:21 Paulo escreve:

    Sada-vos Timteo, meu cooperador, e Lcio, Jasom e Sospatro, meus

    parentes.63

    A lealdade algo vital para acontecer uma relao de discipulado conforme

    1 Corntios 4.17. Por isso o discpulo no murmura com terceiros a respeito das

    nmero de membros da comunidade crist. Traduzindo para a realidade destas igrejas, a multiplicao se d atravs do discipulado o qual proporciona a entrada de muitas pessoas ao seio da denominao a fim de torn-la uma instituio poderosa tambm atravs dos dzimos e ofertas. Esta questo contraria o que est em 1 Corntios 1:10-13. 60

    SILVA, 2009, p. 77. 61

    SILVA, 2009, p. 78. 62

    BONHOEFFER, 2008, p.140 -141. 63

    SILVA, 2009, p. 78

  • 28

    falhas do discipulador ou dos problemas que possa ter de enfrentar. A relao entre

    ambos tem de ser de mtua transparncia.

    Ser confivel fundamental. Um bom discpulo abre seu corao com o seu

    discipulador. Tornamo-nos confiveis quando somos transparentes e permitimos ser

    tratados e disciplinados. Porque a ningum tenho de igual sentimento, que

    sinceramente cuide dos vossos interesses (Filipenses 2.20).

    Ser ensinvel para Silva64 a caracterstica mais importante de um

    discpulo, pois todo discpulo precisa ser humilde e ensinvel, ter um carter

    aprovado jamais rejeitando a correo. E conheceis o seu carter aprovado, pois

    serviu ao evangelho, junto comigo, como filho ao pai (Filipenses 2.22)65.

    Outra caracterstica manifestar um corao sincero. Em 2 Timteo 1.5 est

    escrito: Pela recordao que tenho de tua f sem fingimento, a mesma que,

    primeiramente, habitou em tua av Lide e em tua me Eunice, e estou certo de que

    tambm em ti66.

    Para Silva67, o discipulado no precisa ser apenas individual. Ele considera

    que ser mais produtivo se a relao de discipulado no for apenas individual, de

    um para um, mas dentro de um grupo ou equipe. Esse certamente era o

    procedimento de Jesus Cristo. No h muitos relatos de encontros individuais com

    os discpulos, mas proliferam justamente encontros em grupo.

    Essa idia de Silva contrasta com a de Huber, o qual acredita que o

    discipulado tem que ser um a um, sendo isso uma prioridade fundamental, pois no

    discipulado um a um, o discpulo sentir mais liberdade para compartilhar

    totalmente, e o discipulador sentir mais liberdade de aprofundar as demandas sem

    constranger este discpulo na frente dos outros discpulos, como poderia acontecer

    no discipulado em grupo68.

    Silva continua argumentando que discipular pessoas no contexto de uma

    equipe ou grupo, entre outras vantagens, permite reunir a riqueza de mltiplas

    64

    SILVA, 2009, p. 79. 65

    SILVA, 2009, p. 79. 66

    SILVA, 2009, p. 80. 67

    SILVA, 2009, p. 80. 68

    MANUALDA VISO DO DISCIPULADO APOSTLICO UM A UM. Santarm/PA. 2008.p. 10.

  • 29

    perspectivas. Mais oportunidade para dar, em vez de apenas receber. Alm disso,

    haver outras pessoas envolvidas que podero ajudar a solucionar possveis

    conflitos, o que torna o discipulador menos vulnervel aos melindres dos

    discpulos69.

    As afirmaes de Silva, que colocam o discipulador como uma espcie de

    ponte e modelo importante para que o discpulo se espelhe e aprenda a seguir

    Jesus, contrastam com as consideraes feitas por Bonhoeffer, pois para ele no h

    qualquer relao imediata entre as almas, somente Cristo o Mediador. A relao

    imediata iluso, ou seja, a relao da pessoa com o mundo. Esta questo

    precisar ser considerada no seguimento desta dissertao.

    1.5 Tipos de discipulado

    H alguns tipos de discipulado70, que vamos descrever como segue. O

    discipulado ativo aquele usado como meio para edificao da igreja, sendo o

    exemplo bblico o de Barnab cuidando de Paulo (Atos 9.26s). O discipulado

    ocasional refere-se a um conselheiro, nesse caso podemos considerar a experincia

    de Jetro que aconselhou Moiss (xodo 18.13-27). O discipulado passivo envolve

    seguir outros atravs de ministraes71 e exemplo ministerial, bem como atravs de

    livros.

    Dentro do discipulado ativo que o alvo de forma especial das igrejas em

    clulas, h alguns elementos fundamentais para que o mesmo ocorra efetivamente

    para a edificao da igreja. As pessoas se moldam para serem semelhantes queles

    a quem admiram ou respeitam, ou seja, ser modelo em tudo um elemento

    69

    SILVA, 2009, p. 80-81. 70

    SILVA, 2009, p. 84. 71

    Silva no clarificou este tipo de discipulado, apenas citou. Ser que ele o entende como um tipo de discpulo que no utiliza a bblia como fonte de estudo ou consulta e apenas se baseia naquilo que o pastor ou a liderana eclesial traz em suas pregaes ou em livros que tratem do assunto de interesse?

  • 30

    importante para o discpulo. No s quanto a sua santidade pessoal, mas quanto ao

    servio na obra de Deus72.

    A atrao a chave de um discipulado eficiente. A mesma estimula a

    pessoa a trabalhar duro e responder apropriadamente para ter a aprovao do

    discipulador, cumprindo as condies colocadas por ele73.

    A personalidade moldada em seus relacionamentos. O discipulador no se

    preocupa com o ensino acadmico, mas em se relacionar com o discpulo na base

    de paternidade espiritual. Portanto, o relacionamento um elemento fundamental no

    discipulado.

    Relacionamentos fazem parte da vida, produzem nossa existncia, fazem

    cada qual crescer como pessoa, alimentam fora ou fraqueza em ns, e no

    admitem neutralidade. Eles tambm revelam nossa condio espiritual, se temos

    relacionamentos saudveis, somos estimulados a avanar; mas se eles no

    contribuem para crescimento, ento se deve renunciar a eles74.

    At nossos compromissos espirituais mais sinceros, se forem mantidos em

    segredo, acabam deixados de lado. E o resultado de promessas quebradas e

    compromissos negligenciados no querer se comprometer, como justificativa de

    no ter que descumprir o que dissemos75.

    Diante disso, o discipulador a pessoa indicada para que se preste contas e

    assim possa ajudar o outro nos seus compromissos. Pois o elemento de prestao

    de contas uma das bases do conceito de vida em comunidade no Novo

    Testamento.

    Todo discipulado comea com compromisso. A fora do discipulado

    depende do nvel de compromisso do discpulo. Jesus exige compromisso de seus

    discpulos. O compromisso em primeiro lugar com Deus, depois com a igreja e

    com o discipulador, com a viso e com os irmos.

    72

    SILVA, 2009, p. 84. 73

    SILVA, 2009, p. 85 74

    SILVA, 2009, p. 86 75

    SILVA, 2009, p. 87

  • 31

    Os hbitos so formados pela disciplina e repetio durante certo tempo.

    Tambm so chamados de disciplinas espirituais. No processo do discipulado, o

    discipulador vai ajudar seu discpulo a desenvolver novos hbitos estabelecendo

    metas. No possvel crescer sem disciplina.

    Nossa personalidade formada pelo nosso relacionamento com nossos pais

    e irmos. O mesmo acontece tambm na vida espiritual, ns crescemos quando nos

    relacionamos com pais e irmos espirituais. O discipulado nada mais que uma

    relao de paternidade espiritual76.

    Todos ns precisamos de um pai espiritual a quem possamos imitar, e de

    um irmo para caminhar conosco. Mas o crescimento s se completar quando

    tivermos um filho espiritual, ou seja, um discpulo.

    Um Timteo aquele a quem estamos ensinando, instruindo, inspirando.

    Com nossa experincia o ajudamos a crescer, bem como crescemos junto com ele,

    tirando as dvidas e ajudando na resoluo de conflitos. o nosso discpulo.

    Barnab o companheiro com quem conversamos de igual para igual, com

    quem choramos e sorrimos. J Paulo aquele que est acima de ns, motivando-

    nos e ajudando-nos a crescer. aquele a quem se deu liberdade para interagir na

    nossa vida. o nosso discipulador.77

    H sinais de um discipulado slido. O prazer mtuo de estar junto sinal de

    um discipulado saudvel; inicialmente pode no ser to agradvel, mas depois pode

    ser uma doce descoberta e perceberemos que ele, o discipulado, precioso.

    O respeito e a considerao outro sinal, pois se no respeitamos ou

    consideramos algum, no h relacionamento slido e gratificante. Nessa gerao

    ocorrem muitos desrespeitos e por isso colhemos as conseqncias de

    relacionamentos superficiais.

    Experincias compartilhadas o terceiro sinal. Quando lutamos ao lado de

    algum, surge entre ns um verdadeiro compromisso. O mesmo acontece com os

    colegas que estudam juntos para serem aprovados. Ento quando h experincias

    comuns compartilhadas o relacionamento se fortalece. 76

    SILVA, 2009, p. 89 77

    SILVA, 2009, p. 90-92

  • 32

    1.6 Sinais e atitudes de um discipulado slido

    O primeiro sinal de um discipulado slido o prazer mtuo de discpulo e

    discipulador estarem juntos. O segundo o respeito; o terceiro so as experincias

    compartilhadas.78

    A confiana outro sinal importante, sem a mesma no h relacionamento

    saudvel e respeitoso, pois atitude bsica. Precisamos confiar que leais so as

    feridas feitas pelo que ama (Pv 27.6). A reciprocidade o quinto sinal, pois

    relacionamentos unilaterais no prosperam. Reciprocidade retribuir na mesma

    medida, excetuadas atitudes de vingana. O discipulador precisa investir na sua

    relao com o discpulo para que este possa retribuir com respeito e

    reconhecimento.

    Jesus o nosso padro de discipulador. No deve ser permitida a prtica de

    um discipulado meramente organizacional, resultado de uma estrutura hierrquica.

    Os discpulos tm que ser discpulos seus de fato, gerados ou adotados79.

    Quando Silva coloca os sinais de um discipulado slido e tambm comenta

    que um discipulado no pode ser meramente organizacional, resultado de uma

    estrutura hierrquica, pois Jesus o nosso padro, parece algo contraditrio, pois

    no possvel fazer uma relao interligada com o discipulado de Jesus para com

    seus discpulos, com o discipulado mediado por uma ponte humana, como j

    mencionamos a partir da teologia de Bonhoeffer.

    Ainda Silva80 refere que bom ver a igreja crescendo e alcanando

    multides, mas possuir uma equipe de discpulos com a qual voc pode contar um

    prazer. Isso exige f e trabalho. Ele menciona algumas atitudes fundamentais no

    discipulado de Jesus com os doze.

    Jesus honrou Joo Batista publicamente e se submeteu a seu ministrio

    antes de comear o seu prprio. Em Lucas 20.1-8, Jesus mostrou que a sua

    autoridade era parte de uma linhagem espiritual. Sua autoridade estava associada

    78

    SILVA, 2009, p. 93. 79

    SILVA, 2009, p. 93. 80

    SILVA, 2009, p. 93.

  • 33

    de Joo, que veio primeiro. Ento, temos aqui uma primeira atitude importante:

    honrar os que vieram antes de ns81.

    No Getsmani, Jesus preferiu no ficar sozinho, mas chamou consigo a

    Pedro, Tiago e Joo (Mateus 26.36s). Esse foi o momento em que Jesus mais foi

    humano. Ele poderia ter se isolado, mas chamou-os para perto de si e reclamou

    quando eles dormiram. Segunda atitude: no se isole de seus discpulos.

    Jesus no motivou os discpulos com frases de efeito ou promessas vazias.

    Ele mostrou a seriedade e as conseqncias do discipulado. Isto significa, ento,

    fazer com que os discpulos saibam o que realmente est adiante deles. Eles sero

    enviados para o meio dos lobos, sero perseguidos. Mateus 10.16-39 discorre sobre

    isso. Isto implica em no dourar a plula quando se trata da ao no discipulado.

    Joo Batista mandou seus discpulos perguntarem se Jesus era mesmo o

    Messias e a resposta de Jesus aos discpulos de Joo foi que eles contassem a

    Joo sobre suas obras (Lucas 7.20-22). Podemos entender aqui que no discipulado

    no se trata de falar do discipulador; prefervel deixar que as obras falem. Trata-se

    de dizer o que se faz e no o que o discipulador pensa a respeito de si mesmo 82.

    O propsito impede que desperdicemos energia, tempo e potencial. Jesus

    sabia por que viera. Ele mirou Jerusalm e fez do seu rosto como um seixo (Isaas

    50.7; Lucas 9.51). Independente das circunstncias, ele iria a Jerusalm e

    executaria o seu plano. Isto implica em ter clareza a respeito do plano e do propsito

    do discipulado83.

    Segundo o conceito natural, Jesus nunca precisou se preparar. Porm,

    sabemos que, ao chegar aos trinta anos, ele j havia se preparado e aprendido (Hb

    2.10, 5.8). Estudou as Escrituras e se preparou cumprindo toda a justia. Portanto,

    se isto vale para Jesus, muito mais para tornar-se um verdadeiro discipulador.

    Uma das coisas mais problemticas quando herdamos lderes que ns no

    geramos. Jesus escolheu seus discpulos e no o contrrio (Joo 15.16). Devemos

    81

    SILVA, 2009, p. 94. 82

    SILVA, 2009, p. 96. 83

    SILVA, 2009, p. 97.

  • 34

    evitar discpulos escolherem seus discipuladores. Voc quem escolhe quem estar

    andando com voc, mas na orientao do Esprito Santo.

    Um grande problema que temos no meio da igreja no o excesso, mas a

    falta de autoridade. O excesso no difcil corrigir, mas a falta traz muito problema.

    A falta de autoridade permite ao irmo sofrer sem precisar, pois h o medo de

    parecer autoritrio e dominador. Esta uma questo importante e no muito fcil de

    compreender e exercitar, pois exercer autoridade implica em reconhecer os limites

    que Deus colocou84.

    Muitas vezes gastamos tempo com quem no responde. Jesus no perdeu

    tempo nas cidades que o rejeitaram. Nos dias de hoje, isto pode significar no lanar

    prolas a porcos. Quando Jesus foi pregar em Corazim e Betsaida e no quiseram

    ouvi-lo, ele saiu de l e nunca mais voltou. Jesus s deu uma chance para eles.

    Pode parecer algo radical esta atitude de Jesus, mas o desafio refletir sobre o que

    ela significa.

    Um entendimento o seguinte: no bom desperdiar tempo com algum

    que j falou que no quer. recomendvel saber o motivo e no descartar a

    pessoa, mas o melhor pode ser remanej-la para outro discipulador, pois em todo

    relacionamento haver tenso entre os membros85.

    Importante no se iludir com bajulaes, o que acontece seguidamente

    nesse relacionamento. preciso olhar para a realidade. O jovem rico chegou a

    Jesus chamando-o de bom, mas Jesus rejeitou o elogio, enquanto recebeu

    adorao de outros. H diferena entre bajulao e reconhecimento genuno (Lucas

    18.18)86.

    Aprender a exortar com Jesus outra atitude fundamental, pois ele reservou

    suas palavras mais duras para os fariseus, mas os discpulos tambm foram

    repreendidos. No necessrio recear estabelecer relao com o que est fora do

    padro, mas importante evitar ser autoritrio, e nunca fugir da realidade87.

    84

    SILVA, 2009, p. 98. 85

    SILVA, 2009, p. 99. 86

    SILVA, 2009, p. 100. 87

    SILVA, 2009, p. 101.

  • 35

    No discipulado h uma base, e a primeira base de edificao reconhecer

    Jesus como rei, que significa o entendimento que ao ser introduzido no reino de

    Deus, se colocado debaixo de uma autoridade, onde Jesus Cristo o nico rei.

    Converso significa mudana de governo88.

    Nesse reino h leis e ordenanas, com autoridades delegadas; assim, se

    uma pessoa no reconhece autoridade no pode ser edificada e, portanto, no h

    como ser discipulada. No se aprende submisso no discipulado, mas a mesma a

    primeira condio e a base do discipulado.

    A segunda base do discipulado a transparncia. A carta de 1 Joo 1.5-7

    diz que Deus luz e no h nele treva nenhuma. E andar nas trevas uma

    indicao de que no h comunho com Cristo nem com o prximo. Tiago 5.16 nos

    incentiva a confessar nossos pecados para sermos curados. Quando no discipulado

    confessamos pecados, somos exortados e corrigidos, mas tambm ajudados no dia

    da luta89.

    O estilo de vida ou a maneira de viver do discpulo, no caso, gostos,

    preferncias, costumes, valores, entre outros, deve ser alvo de ateno por parte do

    discipulador. Pedro afirma que fomos resgatados do ftil procedimento que nossos

    pais nos legaram (1 Pedro 1.18)90.

    Um ponto importante no discipulado o estabelecimento de metas, em que

    o discpulo presta contas ao discipulador sobre seus avanos, enquanto o

    discipulador prov meio e estratgias para ajudar seus discpulos a atingi-las,

    sempre visando o avanar na vida crist.

    H alguns direcionamentos quanto ao discipulado apostlico um a um. Para

    haver este tipo de discipulado, os dois, discipulador (a) e discpulo (a), devem ser do

    mesmo sexo. Alm desse limite de gnero, no se pode discipular outra pessoa se

    ela mesma no est sendo discipulada. O discipulador tem compromisso total de

    no falar nada para pessoa alguma daquilo que o discpulo confidenciou, a no ser

    88

    SILVA, 2009, p. 42. 89

    SILVA, 2009, p. 43. 90

    SILVA, 2009, p. 44.

  • 36

    que obtenha primeiramente sua permisso91. o compromisso do sigilo que

    fundamenta uma relao de confiana mtua e evita a maledicncia.

    Este discipulado deve acontecer no contexto da clula, a qual o grupo

    familiar que se rene nos lares para louvar, ler a Palavra e realizar koinonia, ou seja,

    o discipulador deve participar da mesma clula do discpulo. indicado que o lder

    de clula discipule seu auxiliar principal. O discipulado uma micro-clula92.

    At aqui a exposio do que se entende pela relao

    discipulador/discipulado no MDA. No que segue, vamos proceder a uma apreciao

    crtica do modelo e confront-lo com outras prticas possveis na igreja.

    1.7 Apreciao crtica

    Este Modelo se baseia na ordem de Jesus que est em Mateus 28.18-20,

    Ide, portanto, fazei discpulos de todas as naes,.... Nesse modelo cada pessoa

    dever ter um discipulador e no mnimo trs discpulos; existem raras excees em

    que um discipulador (a) discipula um casal ou um casal discipula uma s pessoa.

    Caso venha a ocorrer, deve ser por tempo limitado, pois o modelo deve ser um a

    um, sempre93.

    Ao praticar esse modelo no se est isento de erros, excessos ou abusos no

    discipulado, por isso as relaes devem ser compatveis: solteiros no devem

    acompanhar casais; rapazes no deveriam discipular moas e vice-versa; homens

    casados no devem acompanhar moas e mulheres casadas; e mulheres casadas

    no devem acompanhar rapazes ou homens casados; melhor que o discipulador

    seja mais velho que o discpulo94.

    Outro cuidado com a manipulao e a dominao, pois deve ficar claro

    que antes de ser nosso discpulo (a), a pessoa de Cristo. H uma tendncia muito

    91

    MANUAL, 2008, p. 10 92

    MANUAL, 2008, p. 10 93

    MANUAL, 2008, p. 11-12 94

    SILVA, 2009, p. 114-119

  • 37

    sutil no trabalho do discipulado de se deixar levar pelo legalismo e pelo controle da

    vida do discpulo.

    O discipulado um a um da Igreja da Paz envolve uma proximidade muito

    pessoal, em que discpulo e discipulador realizam refeies juntos. Pode-se

    observar que h uma ingerncia muito forte na vida do discpulo por parte do

    discipulador, mesmo que s vezes se tente amenizar essa realidade.

    O discipulador deve ensinar o seu discpulo a caminhar com as prprias

    pernas. O discpulo no tem que depender do discipulador. Outro ponto que o

    discipulado no uma mera amizade, mas sim um relacionamento voltado para um

    propsito, de ver Cristo sendo formado em uma pessoa para que possa se espalhar

    e gerar muitos filhos para Deus95.

    Neste captulo vislumbramos uma viso geral no que concerne ao

    discipulado com posicionamentos e idias de alguns autores; contrastando entre

    aquele que ocorre entre os pares e com Jesus Cristo e a sua Igreja. J no segundo

    captulo abordaremos as consideraes histricas do aconselhamento pastoral;

    modelos de aconselhamento pastoral e aconselhamento e cuidado na comunho da

    igreja.

    95

    SILVA, 2009, p. 126.

  • 38

    Captulo 2 ACONSELHAMENTO PASTORAL COMO DIMENSO DO CUIDADO

    NA COMUNHO DA IGREJA

    A necessidade de ser ouvido algo que faz parte do sentido de conviver

    com os iguais humanos, mas o ouvir tambm tem um papel fundamental para que a

    vida em sociedade no seja to agressiva e pesada. Assim o aconselhamento

    pastoral envolve a arte de ouvir e ser ouvido.

    O aconselhamento pastoral uma das dimenses da poimnica. Poimen,

    em grego, significa pastor, enquanto a disciplina da poimnica a cincia do agir do

    pastor. Porm, a poimnica como ministrio de ajuda no se restringe pessoa do

    pastor, mas estendida a toda comunidade e no apenas aos pastores, pastoras ou

    outros especialistas.

    Esta viso de aconselhamento pastoral est ligada Teologia Prtica, e tem

    como objetivo descobrir com as pessoas em diferentes momentos de sua vida, de

    forma especial em tempos de crises e dificuldades, o significado concreto da

    liberdade crist dos pecadores, em que o direito de viver e de auto-aceitao vem da

    graa de Deus96.

    Outro objetivo ajudar as pessoas a viver a relao com Deus, consigo

    mesmo e com o prximo de maneira consciente e adulta. O aconselhamento implica

    a capacitao das pessoas para assumirem responsabilidades como cidados que

    se engajam em favor da melhora das condies de vida do seu povo numa

    sociedade livre, democrtica e justa.

    Aconselhamento acontece quando pessoas convivem, participam do

    discurso pblico e particular, e comunicam-se sobre as dificuldades no grupo

    familiar, nas relaes de amizade at as que acontecem na Igreja ou congregao

    religiosa.

    A convivncia e a comunicao so o fundamento social do aconselhamento

    em geral. Sua base social a convivncia no contexto da igreja, que normalmente

    96

    SCHNEIDER-HARPPRECHT, Ch.Aconselhamento Pastoral. In: SCHNEIDER-HARPPRECHT, Ch.(Org.).Teologia prtica no contexto da Amrica Latina. 2 ed. So Leopoldo: Sinodal; So Paulo: ASTE, 2005, p. 291-319.

  • 39

    se define pela palavra koinonia, a qual tem significado relacional e espiritual para os

    cristos. Nessa convivncia acontece a comunho com Jesus Cristo, o Filho de

    Deus encarnado, que na vida e na morte compartilhou o destino da humanidade.

    Sua promessa de estar presente onde estiverem dois ou trs reunidos em meu

    nome (Mt 18.20).97

    Uma das dimenses da koinonia o aconselhamento pastoral, assim como

    outros elementos caractersticos da comunho crist: o culto, a catequese, a misso

    e a diaconia. A diaconia e o aconselhamento pastoral esto muito prximos, pois

    no possvel separar a ajuda psicolgica e espiritual da ajuda concreta pela ao

    social.

    O aconselhamento pastoral que oferece consolo espiritual aos famintos e

    no considera as necessidades fsicas dos mesmos, se torna uma contradio

    cnica do evangelho. No contexto de pobreza tpico dos pases da Amrica Latina, o

    aconselhamento pastoral precisa ser integrado no trabalho diaconal da comunidade.

    Enquanto a diaconia est voltada para a ao concreta de ajuda, o

    aconselhamento pastoral lida com processos de mudanas da identidade, de

    posturas, pensamentos, sentimentos, relaes interpessoais que se refletem no

    comportamento das pessoas, porm os dois precisam ser interligados para que

    ocorra uma ajuda integral98.

    2.1 Consideraes histricas do aconselhamento pastoral

    Na antiguidade, Plato utilizava nos seus dilogos a palavra cura dalmas,

    que est ligada ao processo do autoconhecimento e auto-exame, em que o cidado

    ser liberto pelo conhecimento; inclusive precisava acreditar nos deuses, caso

    contrrio deveria ser internado por cinco anos, tempo durante o qual teria contato

    com pessoas seletas para que pudesse melhorar e salvar sua alma, no caso, cur-

    la.

    97

    SCHNEIDER-HARPPRECHT, Ch. 2005, p. 292. 98

    SCHNEIDER-HARPPRECHT, Ch. 2005, p. 293.

  • 40

    Alma no Antigo Testamento idntica vida.Conforme o relato do

    Gnesis (Gn 2.7), o sopro de Deus nas narinas do ser humano feito de argila a

    nefesh, ou seja, sinnimo da identidade do ser humano nas suas relaes com

    Deus, consigo mesmo e com o prximo99.

    O verbo yaatz, citado vinte e trs vezes no AT, tinha o sentido de dar ou

    receber conselho. Dessa raiz deriva a expresso hebraica para conselheiro. Isaas

    descreve o Messias como aquele sobre quem repousa o Esprito do Senhor, o

    Esprito de conselho e de fortaleza (Is 11.2) e denomina o Messias de Maravilhoso

    Conselheiro (Is 9.6)100.

    O aconselhamento nesse perodo era centrado na luta da pessoa para

    resgatar sua relao com Deus. Tratava-se de um fenmeno na vida da comunidade

    do povo de Israel nas suas diferentes articulaes, ligado ao culto, ao sistema

    jurdico e sabedoria popular. Os agentes dos mesmos eram os sacerdotes, os

    ancios e juzes, os profetas e os sbios.

    No Novo Testamento h uma prtica que integra cura espiritual e fsica,

    aconselhamento, culto, interpretao das leis divinas e sabedoria popular101. O

    contexto em que Jesus viveu era multicultural e multirreligioso, caracterizado por

    desenraizamento social e cultural de grandes populaes, ento a proclamao do

    fim deste mundo e o incio do reino de Deus se constitua uma tentativa de manter a

    identidade das pessoas para que a identidade das mesmas no se desintegrasse de

    maneira significativa diante da diversidade vivenciada102.

    A vida de Jesus foi marcada por constante compaixo. Junto s pessoas,

    principalmente as mais pobres e vulnerveis, ele sempre demonstrou solidariedade,

    honestidade, sinceridade e pacincia (Mc 2.1-12; 10.17-22; Lc 10.38-42; Jo 4.127).

    As atitudes de Jesus so modelos para o exerccio do ministrio de

    aconselhamento103.

    99

    SCHNEIDER-HARPPRECHT, Ch. 2005, p. 294. 100

    BORTOLLETO FILHO, Fernando et alii (Orgs.). Dicionrio Brasileiro de Teologia. Aconselhamento pastoral. So Paulo: ASTE, 2008.p. 10. Esta obra ser citada a seguir como DBT. 101

    SCHNEIDER-HARPPRECHT, Ch. 2005, p. 295-296. 102

    Bonhoeffer, Thomas, apud Schneider-Harpprecht Ch. 2005, p. 296. 103

    DBT, p. 10.

  • 41

    Conforme boa tradio crist, todos os crentes so os agentes do

    aconselhamento no NT. Mas em Tiago 5.13 transparece que a atividade de visitao

    aos doentes se tornou uma atividade especfica dos presbteros. O tratamento dos

    doentes continuou sendo uma prtica integral de cura espiritual e fsica. Tiago d

    nfase na confisso mtua e na orao como um meio para a cura.

    A poimnica na Igreja antiga se configura na integrao da tradio bblica e

    grega, em que a mensagem escatolgica era dogma, e o aconselhamento se

    processava por meio de cartas de consolao, auto-investigao e penitncia

    ritualizada objetivando purificar a alma.

    Joo Crisstomo, um dos pais apostlicos, preocupava-se em oferecer

    acompanhamento personalizado, para isentar as pessoas de serem publicamente

    expostas a humilhaes, no caso de ofensas graves. Tambm o Tratado do

    sacerdcio evidencia a preocupao por assistncia pastoral individualizada em

    certas situaes104.

    Na Idade Mdia, o monaquismo apoiava o isolamento como forma de viver

    uma espiritualidade pautada no aprofundamento da auto-observao, enquanto o

    aconselhamento pastoral era realizado por um mestre ou pai espiritual.

    A igreja tinha o poder de julgar, punir e perdoar pecados e a tarefa do

    aconselhamento pastoral estava nas mos dos bispos e presbteros, sendo que o

    meio teraputico dessa poimnica era o castigo, a excluso do grupo social

    dominante como castigo social105.

    Quanto poimnica da Reforma, ela se caracterizou como protesto contra o

    abuso julgador e excludente desse tipo de aconselhamento pastoral, pois, como

    cristos, toda a existncia era pecaminosa e no apenas determinados atos. O

    movimento da Reforma afirmou a identidade individual atravs da f como convico

    pessoal e aceitao da graa de Deus.

    No entanto, a proposta de aconselhamento de Lutero foi se transformando

    em um sistema controlador e pastorcntrico, ao introduzir o exame de f como

    104

    DBT, 2008, p. 10-11. 105

    SCHNEIDER-HARPPRECHT, Ch. 2005, p. 298.

  • 42

    condio para admisso Santa Ceia, tornando-se assim um sistema de controle

    moral e poltico.

    A reao contra essa rigidez veio do Pietismo que promoveu uma nova

    forma de aconselhamento com a metodologia da conversao livre, em que a

    pessoa colocava seus problemas independentes da penitncia. O enfoque se

    centrava na f pessoal, nas experincias de converso e na santificao106.

    A viso racionalista da Igreja Metodista de John Wesley uniu elementos do

    Pietismo com as idias iluministas e o engajamento social. Assim, o aconselhamento

    era considerado um dilogo entre amigos, bem como o pastor fornecia ajuda atravs

    dos conhecimentos da medicina e psicologia.

    No protestantismo alemo do sculo XIX, posies do pietismo e

    racionalismo entraram nas concepes da poimnica que, dependendo do enfoque

    teolgico, tomava um rumo mais pedaggico trabalhando a reintegrao dos

    membros na comunidade ou aplicavam textos bblicos para as situaes

    vivenciadas.

    O surgimento da psicologia como cincia e da psicanlise no sculo XX

    aprofundou a questo conflituosa entre as concepes liberal e racional do

    aconselhamento, que buscam conhecimentos psicolgicos, a auto-experincia do

    pastor e a proximidade da empiria, e concepes que defendem a primazia da

    proclamao da Palavra e diminuem ou negam o valor da psicoterapia.

    Para o telogo Thurneysen107, pautado na teologia dialtica, na conversao

    pastoral deve-se proclamar o evangelho do perdo, enquanto a psicologia realiza

    papel auxiliar.

    Nos Estados Unidos nos anos de 1920 e 1930, surgiu o movimento da

    clnica pastoral, composto por pastores e mdicos, que visavam o aconselhamento

    teraputico e uma formao clnica de telogos. J nos anos de 1960, na Europa,

    essa corrente uniu-se com o movimento da psicologia pastoral congregando

    conhecimentos psicolgicos e psicoterpicos no aconselhamento. Seu representante

    106

    SCHNEIDER-HARPPRECHT, C. 2005, p. 301. 107

    Apud SCHNEIDER-HARPPRECHT, C. 2005, p. 302.

  • 43

    principal o pastor e psicanalista Oskar Pfister, um pastor reformado discpulo e

    amigo de Sigmund Freud.

    Atualmente nos pases norte - atlnticos existe um sistema elaborado de

    formao clnica e terica em aconselhamento pastoral para obreiros das igrejas,

    que comea a deixar marcas na formao teolgica de algumas igrejas evanglicas

    da Amrica Latina.

    2.2 Modelos de aconselhamento pastoral

    O aconselhamento nouttico ou de confrontao, que se constitui em um

    modelo fundamentalista e critica radicalmente o uso da psicologia, se constitui num

    modelo de aconselhamento totalmente voltado para a Bblia. O objetivo do mesmo

    levar a pessoa salvao e assim seguir a Jesus. Usa mtodos diretivos e o

    sofrimento serve como meio de educao espiritual. Um de seus principais

    representantes Jay Adams108.

    Para Collins109, o aconselhamento objetiva dar estmulo e orientao s

    pessoas que esto enfrentando decises difceis, perdas ou desapontamentos. Uma

    das tarefas do conselheiro cristo levar as pessoas a ter um relacionamento

    pessoal com Jesus Cristo. O objetivo final ajudar os outros a se tornarem

    discpulos de Cristo e a discipular outras pessoas.

    Collins110 comenta que a psicologia um campo do conhecimento humano,

    que ao longo dos anos se desenvolveu atravs de instrumentais de pesquisas e

    contribuiu de forma til com os aconselhandos e com os que o ajudam. Este modelo

    se situa no campo da teologia evangelical de psicologia pastoral, segundo

    Schneider-Harpprecht111.

    Deus revelou atravs das Sagradas Escrituras a sua verdade, mas permitiu

    que a descobrssemos atravs da experincia e da aplicao dos mtodos de

    108

    ADAMS, Jay E. O Manual do Conselheiro Capaz. 4 ed. So Jos dos Campos: Fiel, 1994. 109

    COLLINS, Gary R. Aconselhamento cristo.So Paulo: Vida Nova, 2004, p.17. 110

    COLLINS, 2004, p.24. 111

    SCHNEIDER-HARPPRECHT, Ch. 2005, p. 304.

  • 44

    investigao cientfica. Portanto, Collins112 se diferencia consideravelmente de

    Adams quando diz que a capacidade de aconse