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Mecânica Lagrangiana Samuel da Silva 1 , Universidade Estadual Paulista - UNESP, Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, Departamento de Engenharia Mecânica, Ilha Solteira, SP. 1 Introdução A mecânica Newtoniana exige a construção de um diagrama de corpo livre (DCL) para cada um dos corpos ou partículas que formam um sistema. Além desta questão, obter a equação do movimento de um sistema com mecânica Newtoniana exige, normalmente, trabalhar com mais coordenadas do que o necessário. A chave para contornar estas duas questões é usar os princípios do cálculo variacional para formular a dinâmica de sistemas mecânicos. Infelizmente, durante a graduação de um curso de engenharia, os estudantes são apresentados às equações de Lagrange 2 como se estas fossem apenas uma mera técnica ou receita de bolo a seguir para tratar problemas mecânicos com muitos graus de liberdade. Isto é um injustiça com o formalismo, pois apesar dos resultados do formalismo Lagrangiano serem os mesmos do formalismo Newtoniano para a gama de aplicações de interesse na engenharia, o significado físico permite tratar problemas que teriam consequencias severas caso se utilizasse mecânica Newtoniana [1]. Além disto, o ferramental matemático deste formalismo se relaciona de forma muito próxima aos problemas de mecânica do contínuo que são encontradas por um engenheiro. Os rudimentos concretos destas ideias foram desenvolvidos por Euler e seguido de forma magistral por seu discípulo italo franco, Joseph-Louis Lagrange. Lagrange desenvolveu usando princípios variacionais um tratamento puramente analítico sem usar nenhum raciocínio geométrico 3 . No prefácio de seu livro Mecânique Analytique ele escreveu que tinha orgulho de apresentar uma formulação para mecânica sem nenhum diagrama ou figura. Esta abordagem é conhecida como Mecânica Analítica, também conhecida como Mecânica Variacional. De forma geral, este formalismo é dividido em Mecânica Lagrangiana e Mecânica Hamiltoniana. Hamilton foi além e desenvolveu um conceito para mecânica baseado em mínimas ações formulando as equações do movimento em espaço de fases, com uma aplicação bem direta para análise de estabilidade. O princípio de mínima ação especulou muitas questões filosóficas e até certo ponto teológicas sobre a capacidade de sistemas dinâmicos sempre obedecerem o princípio de mínimas ações em suas trajetórias. Antes de Euler, Lagrange ou Hamilton trabalharem com este princípio, o matemático francês Maupertuis propôs este princípio usando o conceito de ação reduzida e ficou maravilhado por achar que está ideia seria uma prova da existência de Deus para descrever todos os eventos na natureza. Uma pequena busca no google e você pode encontrar excelentes artigos que comentam esta interessante passagem histórica e quais os equívocos cometidos por Maupertuis, e, mesmo, na época criticado fortemente por Jean Le Rond D’Alembert. Alguns colocam que a Mecânica Newtoniana 4 é uma formulação um tanto anti-econômica e enfadonha para sistemas complexos, sobretudo para modelagem de sistemas contínuos e com parâmetros distribuídos 5 . Já a Mecânica Análitica é uma formulação econômica em essência e ideal para modelagem de sistemas complexos, visto que iremos modelar um sistema com um número mínimo de coordenadas, não mais físicas e sim consideradas generalizadas, lançando mão apenas de funcionais escalares, e não mais vetoriais, e sem tantas preocupações cinemáticas como no caso da mecânica de Newton-Euler. O interesse será apenas buscar a equação do movimento sem se preocupar com cálculo de reações dinâmicas. Deve ficar claro, mais uma vez, que os mesmos resultados obtidos com o método de Newton-Euler são encontrados com a aplicação dos conceitos de Mecânica Analítica. De fato, o trabalho na modelagem de sistemas mecânicos usando conceitos de mecânica analítica também é árduo. Mas mesmo assim, acredito que para um engenheiro o estudo introdutório de mecânica analítica é essencial, pois os conceitos envolvidas neste formalismo servem de base sólida para outros ramos de física teórica e aplicada que vão do eletromagnetismo, teoria de campos, caos, sistemas não-lineares, mecânica quântica, etc. Portanto, o estudo de Mecânica Analítica não pode ser visto como um fim e sim como um meio. Formulações de aproximação numérica de soluções usando o tão falado método dos elementos finitos 6 tem uma interpretação bem direta e física usando os princípios variacionais da mecânica que serão apresentados nesta nota de aula. No século XX, após as ideias propostas por Hamilton, no século XIX, e a contribuição magistral de Poin- caré, o uso de constantes de movimento (integrais primeiras), aliadas a conservação e simetria do formalismo Hamiltoniano, mostrou que inúmeros problemas complexos poderiam ter sua evolução temporal descrita sob o ponto de vista qualitativo, sem precisar resolver o sistema completo, o que permitiu uma expansão enorme no desenvolvimento científico durante o século XX. Com o presente texto, eu tento traduzir estes conceitos para o universo de um estudante inicial de pós-graduação em engenharia. 1 Sugestões, comentários e correções são bem-vindos e podem ser feitos pelo email [email protected]. 2 Raramente ao Princípio de Hamilton e as equações de Hamilton. 3 Em outras palavras sem DCL! 4 O método de Newton-Euler para obter as equações do movimento. 5 De forma geral esta categoria de problemas é conhecida como Teoria de Campos. 6 Base para qualquer projeto mecânico moderno e competitivo. 1

Mecânica Lagrangiana

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Para estudantes de Física

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Mecânica LagrangianaSamuel da Silva1, Universidade Estadual Paulista - UNESP, Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira,

Departamento de Engenharia Mecânica, Ilha Solteira, SP.

1 IntroduçãoA mecânica Newtoniana exige a construção de um diagrama de corpo livre (DCL) para cada um dos corpos

ou partículas que formam um sistema. Além desta questão, obter a equação do movimento de um sistema commecânica Newtoniana exige, normalmente, trabalhar com mais coordenadas do que o necessário.

A chave para contornar estas duas questões é usar os princípios do cálculo variacional para formular adinâmica de sistemas mecânicos. Infelizmente, durante a graduação de um curso de engenharia, os estudantessão apresentados às equações de Lagrange2 como se estas fossem apenas uma mera técnica ou receita de bolo aseguir para tratar problemas mecânicos com muitos graus de liberdade. Isto é um injustiça com o formalismo,pois apesar dos resultados do formalismo Lagrangiano serem os mesmos do formalismo Newtoniano para a gamade aplicações de interesse na engenharia, o significado físico permite tratar problemas que teriam consequenciasseveras caso se utilizasse mecânica Newtoniana [1]. Além disto, o ferramental matemático deste formalismose relaciona de forma muito próxima aos problemas de mecânica do contínuo que são encontradas por umengenheiro.

Os rudimentos concretos destas ideias foram desenvolvidos por Euler e seguido de forma magistral porseu discípulo italo franco, Joseph-Louis Lagrange. Lagrange desenvolveu usando princípios variacionais umtratamento puramente analítico sem usar nenhum raciocínio geométrico3. No prefácio de seu livro MecâniqueAnalytique ele escreveu que tinha orgulho de apresentar uma formulação para mecânica sem nenhum diagrama oufigura. Esta abordagem é conhecida como Mecânica Analítica, também conhecida como Mecânica Variacional.De forma geral, este formalismo é dividido em Mecânica Lagrangiana e Mecânica Hamiltoniana. Hamiltonfoi além e desenvolveu um conceito para mecânica baseado em mínimas ações formulando as equações domovimento em espaço de fases, com uma aplicação bem direta para análise de estabilidade. O princípio demínima ação especulou muitas questões filosóficas e até certo ponto teológicas sobre a capacidade de sistemasdinâmicos sempre obedecerem o princípio de mínimas ações em suas trajetórias. Antes de Euler, Lagrangeou Hamilton trabalharem com este princípio, o matemático francês Maupertuis propôs este princípio usando oconceito de ação reduzida e ficou maravilhado por achar que está ideia seria uma prova da existência de Deuspara descrever todos os eventos na natureza. Uma pequena busca no google e você pode encontrar excelentesartigos que comentam esta interessante passagem histórica e quais os equívocos cometidos por Maupertuis, e,mesmo, na época criticado fortemente por Jean Le Rond D’Alembert.

Alguns colocam que a Mecânica Newtoniana4 é uma formulação um tanto anti-econômica e enfadonha parasistemas complexos, sobretudo para modelagem de sistemas contínuos e com parâmetros distribuídos5. Já aMecânica Análitica é uma formulação econômica em essência e ideal para modelagem de sistemas complexos,visto que iremos modelar um sistema com um número mínimo de coordenadas, não mais físicas e sim consideradasgeneralizadas, lançando mão apenas de funcionais escalares, e não mais vetoriais, e sem tantas preocupaçõescinemáticas como no caso da mecânica de Newton-Euler. O interesse será apenas buscar a equação do movimentosem se preocupar com cálculo de reações dinâmicas. Deve ficar claro, mais uma vez, que os mesmos resultadosobtidos com o método de Newton-Euler são encontrados com a aplicação dos conceitos de Mecânica Analítica.

De fato, o trabalho na modelagem de sistemas mecânicos usando conceitos de mecânica analítica tambémé árduo. Mas mesmo assim, acredito que para um engenheiro o estudo introdutório de mecânica analítica éessencial, pois os conceitos envolvidas neste formalismo servem de base sólida para outros ramos de física teóricae aplicada que vão do eletromagnetismo, teoria de campos, caos, sistemas não-lineares, mecânica quântica, etc.Portanto, o estudo de Mecânica Analítica não pode ser visto como um fim e sim como um meio. Formulaçõesde aproximação numérica de soluções usando o tão falado método dos elementos finitos6 tem uma interpretaçãobem direta e física usando os princípios variacionais da mecânica que serão apresentados nesta nota de aula.

No século XX, após as ideias propostas por Hamilton, no século XIX, e a contribuição magistral de Poin-caré, o uso de constantes de movimento (integrais primeiras), aliadas a conservação e simetria do formalismoHamiltoniano, mostrou que inúmeros problemas complexos poderiam ter sua evolução temporal descrita sob oponto de vista qualitativo, sem precisar resolver o sistema completo, o que permitiu uma expansão enorme nodesenvolvimento científico durante o século XX. Com o presente texto, eu tento traduzir estes conceitos para ouniverso de um estudante inicial de pós-graduação em engenharia.

1Sugestões, comentários e correções são bem-vindos e podem ser feitos pelo email [email protected] ao Princípio de Hamilton e as equações de Hamilton.3Em outras palavras sem DCL!4O método de Newton-Euler para obter as equações do movimento.5De forma geral esta categoria de problemas é conhecida como Teoria de Campos.6Base para qualquer projeto mecânico moderno e competitivo.

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O texto nesta nota de aula é apenas um simples resumo do conteúdo a ser visto em sala. Para a completae correta compreensão de maneira contundente7, mais do que simplesmente resolver exercícios ou trabalhospara entrega, eu aconselho a todos a buscarem uma leitura detalhada em mais de um livro didático para criardiferentes abordagens e interpretações do tema. Particularmente, eu recomendo fortemente a leitura destestópicos nos livros [2, 3, 4, 5], que são uma fonte de material muito boa para uma concepção inicial destas ideiasacessíveis para um aluno no início de um curso de pós-graduação em engenharia. Em especial, o livro [2] tentafazer uma ponte das aplicações de mecânica clássica no contexto de aplicação e escopo da engenharia, porém,eu ainda prefiro a vertente de pensamento que os físicos tem sobre a forma de apresentar mecânica analítica,daí minha preferência pessoal por livros escritos por físicos, em especial o excelente livro [6].

2 Objetivos e conteúdoO objetivo primordial deste capítulo é apresentar e convencer de forma contundente a aplicabilidade das

equações de Lagrange na modelagem de sistemas mecânicos. Para atingir esta meta dividiu-se esta nota nostópicos:

• Rudimentos básicos de cálculo variacional necessários ao estudo da mecânica analítica.

• Deslocamento virtual e princípio do trabalho virtual, também conhecido como primeiro princípio variaci-onal da mecânica.

• Equilíbrio dinâmico usando o princípio generalizado de D’Alembert.

• Coordenadas generalizadas em substituição de coordenadas físicas e reformulação do princípio do trabalhovirtual com estas coordenadas.

• Princípio estendido de Hamilton - princípio integral.

• Equações de Lagrange.

• Função de dissipação de Rayleigh.

• Vínculos holônomos e não-holônomos.

• Aplicação dos multiplicadores de Lagrange para o caso não-holônomo.

• Conservação da energia no formalismo Lagrangiano.

O docente não espera que tudo fique claro nesta pequena e curta compilação que não engloba outros aspectosque dão origem as equações de Hamilton8. O objetivo é mais ser provocador e despertar a curiosidade para quebusquem avançar no tema. Para isto, é de fundamental importância que os alunos busquem ler e estudar nabibliografia fornecida do curso.

3 Background em cálculo variacionalCálculo variacional é uma área que se preocupa com cálculo de extremos de funcionais. Toda a Mecânica

Analítica se sustenta nestes conceitos, assim uma pequena passada por este tópico ajudará nas seções seguintes.Em primeiro lugar, um extremo é um valor de máximo ou mínimo de uma função. Por funcional se entende deforma grosseira por uma função de uma função. Exemplo:

I =

∫ x2

x1

F(y(x), x

)dx (1)

Na eq. anterior I é um escalar, porém este não depende apenas de um variável contínua em x e sim do tipode função y(x). Assim, I terá um valor característico para cada y(x). A notação pode ser dada por:

I = I[y(x)

](2)

I é chamado de funcional da função y(x). Um exemplo simples para deixar claro a ideia de funcional éapresentado em [3].

Seja uma função y(x) dada por:7E com menos erros e falhas deste texto!8Próximo tópico do curso.

2

Page 3: Mecânica Lagrangiana

y(x) = x2 (3)

e outra função de F(y(x), x

)dada por:

F(y(x), x

)= xy(x) (4)

Agora o funcional I considerando x1 = 1 e x2 = 2 é:

I =

∫ 2

1

xx2dx =

∫ 2

1

x3dx =24

4− 1

4=

15

4(5)

Observe que se mudamos a função y(x), por exemplo para y(x) = x3, o valor do funcional será diferentepara o mesmo caminho entre x1 e x2 e mantendo a mesma função F

(y(x), x

).

A questão a ser respondida pelo cálculo variacional é quais funções y(x) passando por y(x1) e y(x2) levamà um extremo (máximo ou mínimo) do funcional I. Do cálculo diferencial e integral usual de funções y(x)sabemos que o problema de encontrar extremos de funções é procurar qual x dá um extremo de y(x). Ou sejadando um acréscimo infinitesimal em x, ou seja um dx, qual x teremos dy = 0:

dy = y(x+ dx)− y(x) (6)

Se este x leva a um extremo de y(x) temos que a derivada neste ponto é nula. Isto pode ser demostradocom uma expansão em série de Taylor em torno de x com um truncamente de primeiro ordem9:

dy = y(x) +dy(x)

dxdx− y(x) = y′dx = 0 (7)

como dx 6= 0 para dy ser zero y′(x) = 0. Para encontrar o extremo de um funcional usamos ideia similar,porém não são todos os funcionais que atingem condição de extremo com o mesmo resultado y′(x) = 0.

O valor de um funcional I depende do tipo de função y(x), assim para encontrar um valor extremo dofuncional será dado uma variações infinitesimal na função y(x) de forma a fazer y + δy no mesmo ponto x.Começar a raciocinar em termos de mecânica analítica exige deixar claro a diferença que existeentre δy e dy. Comprender o que é deslocamento virtual depende deste claro entendimento. O diferencial dysignifica ser válida a eq. (6), ou seja, é a variação que se tem no valor da função y(x) quando se desloca no eixox com um acréscimo infinitesimal dx. Note que a função y(x) usada é a mesma tanto em x quanto no pontox + dx. Já δy é uma variação infinitesimal na função y(x) no mesmo ponto x. Os termos dy e δy são coisascompletamente diferentes. A variação infinitesimal δy é uma função arbitrária de x.

A ideia para procurar o valor extremo do funcional I é avaliar o diferencial δI, implicando que no extremoδI = 0. Assim para o caso de F

(y(x), x

)tem-se:

δI =

∫ x2

x1

F (y + δy, x)dx−∫ x2

x1

F (y, x)dx (8)

O termo de dependência F (y+ δy, x) é expandindo em torno de y(x) usando a série de Taylor truncada emtermo de primeira ordem:

F (y + δy, x) = F (y, x) +∂F (y, x)

∂yδy (9)

Substituindo a aproximação em série de Taylor da eq. (9) na eq. (8) obtém-se:

δI =

∫ x2

x1

∂F

∂yδydx = 0 (10)

Na integração da eq. (10) δy é um diferencial de uma função arbitrária dependente de x. A integral deveser nula para qualquer função δy escolhida. A condição para que isto aconteça é:

∂F

∂y= 0 (11)

Uma dependência funcional mais interessante para mecânica analítica envolve a expressão:

F = F (y, y′, x) (12)

Neste caso I é um funcional de y(x) e y′(x):9Algo que já foi mostrado em cálculo I.

3

Page 4: Mecânica Lagrangiana

I = I[y, y′] (13)

Aplicando a mesma ideia usada quando F (y, x) chega-se a um resultado para encontrar a condição deextremo deste novo funcional I. Assim para que δI = 0 tem-se que10:

∂F

∂y− d

dx

∂F

∂y′= 0 (14)

Esta equação é conhecida como equação de Euler-Lagrange. Esta equação é uma condição necessária paraexistência de um extremo (máximo ou mínimo) de um funcional. A equação de Euler-Lagrange é uma equaçãodiferencial de segunda ordem que necessita de duas condição que são dadas pelo contorno. Ela foi obtidaprimeiramente por Euler. Lagrange a usou como base para o formalismo usado por ele visando descrever adinâmica de sistemas.

4 Princípio do trabalho virtualO princípio do trabalho virtual é conhecido como primeiro princípio variacional da mecânica. Antes de

definir este princípio é importante apresentar o conceito de deslocamento virtual.

4.1 Deslocamentos virtuaisO vetor posição de uma partícula é dado por ri e é uma função temporal descrita em termos de coordenadas

físicas. Em outras palavras esta entidade leva a um conjunto de configurações e trajetórias possíveis para apartícula i, ou para um corpo rígido. O conjunto dos chamados deslocamentos virtuais de um sistema com Npartículas (ou corpos) é dado por:

δri, i = 1, · · · , N (15)

Ou seja os deslocamentos virtuais são acréscimos infinitesimais aplicados aos vetores posições r1, r2, · · ·, rNde forma instantânea (no mesmo tempo t). As características de um deslocamento virtual são:

• ocorrem em um instante t fixo.

• são infinitesimais.

• são consistentes com os vínculos cinemáticos impostos.

A diferença entre o deslocamento dr e o deslocamento virtual δr é que r implica na diferença entre odeslocamento nos instantes t e t+ dt, já o deslocamento virtual δr é uma variação impostas no deslocamento rno mesmo instante. Geometricamente o deslocamento virtual δr é tangente a superfície no mesmo tempo fixo.

4.2 Trabalho virtualA segunda lei de Newton foi mostrada pelo conjunto de equações diferenciais dadas por:

Ri = pi, i = 1, · · · , N (16)

sendo Ri a resultante de todas as forças atuantes sobre a partícula ou corpo i. O grande inconvenienteda formulação Newtoniana é que deve-se conhecer exatamente quem é Ri, principalmente se há uma grandequantidade de vínculos e existe forças de restrição. Em uma partícula i:

Ri = Fi + fi +

N∑i=1,j 6=1

fij = 0 (17)

sendo Fi a somatória das forças externas aplicadas na partícula i, fi forças de restrição (vínculos) e fij forçasinternas da partícula. As forças externas tem natureza conhecida, o problema é que as forças de vínculo sãodesconhecidas a priori e são funções das posições, velocidades e aceleração, que na verdade são nossas incógnitas.

A verdadeira causa do movimento não são as forças de vínculo e sim as forças externas aplicadas. As forças devínculos apenas servem para manter e assegurar as restrições geométricas impostas a cinemática do movimento,por exemplo, face de uma viga engastada, pêndulo preso por uma corda, um apoio fixo, etc. O formalismo damecânica analítica escapa desta visão.

Inicialmente, vamos definir o trabalho dW realizado por uma força F para produzir um deslocamento dr:10Como exercício tente chegar nesta expressão usando os conceitos apresentados anteriormente.

4

Page 5: Mecânica Lagrangiana

dW = F · dr (18)

O trabalho é uma grandeza escalar. Agora pode-se escrever o trabalho virtual (que é um escalar infinitesimal)de cada uma das i partículas do sistema:

δWi = Ri · δri (19)

ou seja o trabalho virtual da i-ésima partícula é o produto escalar entre a resultante Ri e o deslocamentovirtual δri. O trabalho virtual total para todo sistema de partículas é escrito como um somatório:

δW =

N∑i=1

δWi =

N∑i=1

Ri · δri (20)

Assumindo uma condição de equilíbrio estático sabe-se que para cada partícula i a resultante é:

Ri = 0 (21)

Assim substituindo a eq. (17) na eq. (20) tem-se:

δW =

N∑i=1

Fi · δri +N∑i=1

fi · δri +N∑

k=1

N∑i=1,j 6=1

fij · δrk = 0 (22)

As forças internas fij se anulam conforme vimos na aula de cinética de sistemas de partículas, portanto otrabalho virtual do sistema é:

δW =

N∑i=1

Fi · δri +N∑i=1

fi · δri = 0 (23)

A chave para conduzir ao princípio do trabalho virtual é observar que em muitas situações, em especial,assumindo vínculos ideais, o trabalho virtual total das forças de restrição fi é nulo. Esta situação de vínculo idealpode ser explicada com um exemplo mais simples e palpável: Imagine uma superfície lisa onde uma partículaé restrita a se movimentar. A força de contato não terá componente tangencial e apenas normal, portantoo trabalho virtual realizado pela força de vínculo é nulo, mesmo o corpo em movimento. Nestes situações osistema é dito ser do tipo reversível. Sistemas mecânicos ideais obedecem sempre esta condição. Com estaconsideração feita pode-se chegar finalmente ao princípio do trabalho virtual :

δW =

N∑i=1

Fi · δri = 0 (24)

O princípio do trabalho virtual expresso pela eq. (24) mostra que: O trabalho exercido pelas forças externasaplicadas em um deslocamento virtual reversível compatível com as restrições do sistema é nulo. Este princípiodiz apenas que o trabalho é nulo e não que Fi = 0.

Este princípio tem muita aplicação em problemas de estática e é uma forma alternativa para calcular reaçõesem sistemas complexos sem precisar construir DCLs se baseando apenas em forças aplicadas e no conceito detrabalho (esta formulação é muitas vezes chamada em livros de estática para engenharia mecânica como métodosenergéticos). Ele também é conhecido como o primeiro princípio variacional da Mecânica e foi formulado porJohann Bernoulli. Este princípio pode ser estendido para a dinâmica a partir do princípio generalizado deD’Alembert.

5 Princípio generalizado de D’AlembertA segunda lei de Newton foi descrita pelo matemático francês D’Alembert em uma forma "estática"da

seguinte maneira:

Ri − pi = 0, i = 1, · · · , N (25)

Nesta interpretação tem-se que uma partícula se encontra em "equilíbrio"com uma força de inércia invertida(que na verdade é uma força fictícia que acompanha o movimento). Lembrando que:

pi = miri (26)

A eq. (25) é o princípio de D’Alembert. O princípio do trabalho virtual pode agora ser estendido para adinâmica:

5

Page 6: Mecânica Lagrangiana

N∑i=1

(Ri − pi) · δri = 0 (27)

Substituindo a eq. (17) na equação anterior e lembrando que fij se anula e as forças de restrição fi emvínculos ideais não causam trabalho virtual (sistema reversível) tem-se:

N∑i=1

(Fi −miri) · δri = 0 (28)

Na eq. acima o somatório (Fi −miri) é conhecido como força efetiva. A eq. (28) é o princípio generalizado deD’Alembert e pode ser enunciado como: "O trabalho virtual fornecido pelas forças efetivas em um deslocamentovirtual infinitesimal reversível compatível com as restrições do sistema é nulo".

Importante ver que o princípio do trabalho virtual e o princípio generalizado de D’Alembert pode ser descritoem corpos com distribuição de massa infinitesimal dm, sendo que neste caso o somatório

∑Ni=1 das expressões

acima é substituído por uma integral do volume do corpo.O princípio generalizado de D’Alembert tem uma grande vantagem em relação a mecânica Newtoniana uma

vez que não é preciso usar as forças de restrição para encontrar a equação do movimento, sendo convenientepara modelar sistemas complexos. Lembre-se sempre que o resultado é o mesmo que o encontrado a partir damecânica Newtoniana com o método Newton-Euler. O mais importante aqui é ver que, este princípio servecomo base para outros princípios em dinâmica, como o princípio de Hamilton.

Porém, o princípio generalizado de D’Alembert ainda contínua usando mais coordenadas do que o necessáriopara modelar o movimento de um corpo ou partícula. A questão é que as coordenadas físicas para descrevero deslocamento virtual δri ainda são dependentes em muitos casos da própria posição ri. Na seção seguinteiremos introduzir o conceito de coordenada generalizada que tem como propósito contornar esta consideração.

6 Coordenadas generalizadasNa análise da maioria de sistemas mecânicos ideais é possível introduzir um número n de variáveis inde-

pendentes que são denotadas por q1, q2, · · ·, qn denotadas por coordenadas generalizadas. Estas coordenadasdevem ter a seguinte característica:

• o vetor posição da partícula ou do centro de massa do corpo é determinado em cada instante univocamentepor estas coordenadas generalizadas.

• os vínculos são satisfeitos por estas coordenadas generalizadas.

Por exemplo, em um pêndulo simples o movimento da massa pode ser descrito por duas coordenadas x1 ey1, porém, caso seja descrito o vetor posição r desta massa em função destas coordenadas, observa-se que háuma dependência entre x1 e y1. Portanto, para este sistema x1 e y1 não podem ser tomadas como coordenadasgeneralizadas. O mais sensato é a escolha do ângulo θ que determina univocamente o vetor posição da massa esatisfaz a condição de vínculo.

O número mínimo de coordenadas generalizadas para descrever completamente o movimento de um sistemaé chamado de grau de liberdade. Em um sistema 2D o número de graus de liberdade é dado por:

n = 2N − p (29)

sendo n o número de graus de liberdade, N o número de partículas (ou corpo) e p o número de vínculos. Nocaso do pêndulo simples, N = 1 e p = 1 (vínculo da tração do fio que segura a massa do pêndulo), assim n = 1,como já vimos. Para um caso 3D:

n = 3N − p (30)

Assim descrever a dinâmica de um sistema mecânico em função de coordenadas generalizadas é uma formamais econômica. Pode-se escrever o vetor deslocamento de uma partícula i em função do número de n coorde-nadas generalizadas independentes:

ri = ri (q1, · · · , qn, t) , i = 1, · · · , N (31)

ou considerando q = (q1, · · · , qn):

ri = ri (q, t) (32)

6

Page 7: Mecânica Lagrangiana

Importante entender o significado da palavra generalizado. Isto quer dizer que não é preciso que as coor-denadas sejam apenas deslocamentos e ângulos. Elas podem ser gerais, por exemplo expansões em séries depotências, série de Fourier, coordenadas modais, etc.

Usando o conceito que já sabemos de algebra linear sobre espaço vetorias, pode-se descrever um espaçocartesiano tendo as coordenadas generalizadas como eixos coordenados formadores desta base. Este espaço éconhecido como espaço de configurações do sistema, e é uma representação simbólica e abstrata. Podemos tam-bém descrever a derivada do vetor posição em função das coordenadas generalizadas, conhecida como velocidadegeneralizada.

Agora que já se consegue descrever o vetor posição em função de coordenadas generalizadas, eq. (31), pode-seexpressar o deslocamento virtual δri, i = 1, · · · , N , também em função dos deslocamentos virtuais independentesδqk, k = 1, · · · , n:

ri(q1 + δq1, · · · , qn + δqn, t) =

ri(q1, · · · , qn, t) +∂ri(q1, · · · , qn, t)

∂q1δq1 + · · ·+

∂ri(q1, · · · , qn, t)∂qn

δqn =

ri(q1, · · · , qn, t) +n∑

k=1

∂ri∂qk

δqk (33)

Assim:

δri =

n∑k=1

∂ri∂qk

δqk (34)

A eq. (34) pode ser substituída no princípio do trabalho virtual, eq. (24), visando reescreve-lo em funçãodas coordenadas generalizadas:

δW =

N∑i=1

Fi ·n∑

k=1

∂ri∂qk

δqk (35)

que pode ser manipulado da forma:

δW =

n∑k=1

N∑i=1

Fi ·∂ri∂qk

δqk (36)

Na equação anterior pode-se definir o termo de força generalizada Qk:

Qk =

N∑i=1

Fi ·∂ri∂qk

(37)

Importante ver que este termo é função das coordenadas generalizadas, que não necessariamente tem aver sempre com dimensão de comprimento. O importante é que Qkδqk tenha dimensão de trabalho. Assim oprincípio do trabalho virtual em termos de deslocamentos virtuais generalizados δqk pode ser escrito como:

δW =

n∑k=1

Qkδqk (38)

7 Princípio de HamiltonO interesse em dinâmica é saber como um sistema evolui de um instante t1 para um instante t2. Se o sistema

é dinâmico sua configuração muda a cada instante de tempo. A segunda lei de Newton responde esta questão.Outra maneira é usar o Princípio de Hamilton que é um princípio integral que que pode ser obtido a partirdo princípio generalizado de D’Alembert. Este princípio é extremamente importante em mecânica analítica ereduz as leis da mecânica em um enunciado que diz que o movimento de um sistema é tal que dentre todosos possíveis é aquele tal que a ação é mínima. Este princípio também é conhecido como Princípio da MínimaAção.

Todo o sistema mecânico pode ser caracterizado por uma função escalar L que depende de n coordenadas en velocidades generalizadas, podendo também depender do tempo:

L = L (q1, · · · , qn, q1, · · · , q2, t) (39)

7

Page 8: Mecânica Lagrangiana

Esta função escalar é chamada de Lagrangiana do sistema, escrita de forma compacta como:

L = L(q, q, t) (40)

Associada a uma Lagrangiana temos um funcional S chamado de ação:

S =

∫ t2

t1

L(q, q, t)dt (41)

O interesse é calcular o extremo do funcional S. Para isto devemos seguir os passos já vistos na seção 2deste texto, a saber:

δS =

∫ t2

t1

L(q+ δq, q+ δq, t)dt−∫ t2

t1

L(q, q, t)dt (42)

O primeiro termo da integral da eq. (42) pode ser expandido usando série de Taylor e com isto pode-sechegar de forma similar ao que foi feito na seção 2 na expressão:

δS =

∫ t2

t1

n∑k=1

(∂L

∂qkδqk +

∂L

∂qkδqk

)dt (43)

Já sabe-se que se atingirmos um extremo S temos que δS = 0. Na seção 2 foi obtida uma equação chamadade equação de Euler-Lagrange para encontrar a condição que o funcional atinge um extremo. A eq. (43) éescrita na forma:

δS =

∫ t2

t1

n∑k=1

(∂L

∂qkδqk

)dt+

∫ t2

t1

n∑k=1

(∂L

∂qkδqk

)dt (44)

O problema está no segundo termo da equação anterior que envolve as velocidades generalizadas δqk. Por-tanto, pode-se aplicar a integração por partes e observando que os operadores δ e d

dt são independentes. Lem-brando que dado duas funções u e v, a integração por partes é dada por:∫ b

a

udv

dtdt = uv −

∫ b

a

du

dtvdt (45)

Com isto observa-se que:

v = δqk (46)

u =

n∑k=1

∂L

∂qk(47)

Aplicando a integração por partes:

∫ t2

t1

n∑k=1

(∂L

∂qkδqk

)dt =

n∑k=1

∂L

∂qkδqk

∣∣∣∣∣t2

t1

−∫ t2

t1

n∑k=1

d

dt

(∂L

∂qk

)δqkdt (48)

As variações das coordenadas generalizadas nos extremos t1 e t2 são nulas, ou seja, δqk(t1) = 0 e δqk(t2) = 0,assim:

δS =

∫ t2

t1

n∑k=1

[∂L

∂qk− d

dt

(∂L

∂qk

)]δqkdt = 0 (49)

Um ponto chave para resolver a integral anterior é verificar que todos os δq’s são mutuamente independentese pode-se tomar todos sendo nulos, apenas de um particular. O lema fundamental do cálculo variacional dizque δS = 0 para qualquer função arbitrária do deslocamento virtual generalizado δqk. Portanto, para δS = 0 eS atingir um extremo deve-se ter:

∂L

∂qk− d

dt

(∂L

∂qk

)= 0, k = 1, · · · , n (50)

A forma mais usual encontrada na literatura é:

d

dt

(∂L

∂qk

)− ∂L

∂qk= 0, k = 1, · · · , n (51)

8

Page 9: Mecânica Lagrangiana

A eq. (51) é conhecida como equação de Lagrange do movimento e leva a um conjunto de equações diferenciaisde segunda ordem. Esta equação é fisicamente obtida com a aplicação do princípio de Hamilton. Note que estaequação é idêntica a eq. (14) apenas modificando os termos:

x→ t, y → q, y′ → q, F → L, I → S (52)

O que ainda não sabemos por enquanto é quem é a função Lagrangiana L de um sistema. A próxima seçãodetalha mais quem é esta função e seu significado físico em mecânica.

É oportuno também apresentar o princípio de Hamilton de uma outra forma a partir da aplicação do princípiogeneralizado de D’Alembert [2]:

N∑i=1

(Fi −miri) · δri = 0 (53)

Se a equação anterior for integrada no tempo11 de t1 até t2:∫ t2

t1

N∑i=1

(Fi −miri) · δridt = 0 (54)

que pode ser descrita por: ∫ t2

t1

N∑i=1

Fi · δridt−∫ t2

t1

N∑i=1

miri · δridt = 0 (55)

O primeiro termo da integral acima pode ser descrito em função das coordenadas generalizada δqk, eq. (34),e das forças generalizadas, eq. (37):∫ t2

t1

N∑i=1

Fi · δridt =∫ t2

t1

(n∑

k=1

Qkδqk

)dt =

∫ t2

t1

δWdt (56)

Já o segundo termo da integral da eq. (55) deve ser integrado de t1 até t2 usando a integração por partescom:

u = δri (57)

v =

N∑i=1

miri (58)

assim:

∫ t2

t1

N∑i=1

miri · δridt =N∑i=1

miri · δri

∣∣∣∣∣t2

t1

−∫ t2

t1

N∑i=1

miri · δridt (59)

O primeiro termo da integral acima é nulo uma vez que os deslocamentos virtuais nos extremos t1 e t2 sãonulos para qualquer valor arbitrário12 de δri.

Aqui é importante mais uma vez destacar que os operadores δ e d são comutáveis ou seja:

δ

(dridt

)=

(d

dt

)δr1 (60)

Lembrando também que a energia cinética T é definida como:

T =1

2

N∑i=1

miri · ri (61)

Note que a energia cinética é função apenas de T (q1, · · · , qn, q1, · · · , qn, t). A variação da energia cinética Té calculada como:

δT =

n∑k=1

(∂T

∂qkδqk +

∂T

∂qkδqk

)(62)

11O princípio de Hamilton também é chamado de princípio integral da dinâmica, sobretudo em livros de dinâmica de estruturascomo [2].

12Isto não implica necessariamente que as velocidades generalizadas sejam nulas!

9

Page 10: Mecânica Lagrangiana

Já o diferencial da energia cinética é calculado como:

dT =

n∑k=1

(∂T

∂qkdqk +

∂T

∂qkdqk +

∂T

∂tdt

)(63)

Importante entender claramente que δT só existe em um tempo fixo, assim não sofre variação com o tempo.A velocidade ri pode ser descrita em função das coordenadas generalizadas como:

ri =

n∑k=1

∂ri∂qk

qk +∂ri∂t

(64)

Notando que13:

∂ri∂qk

=∂ri∂qk

(65)

Outra observação interessante a verificar usando a eq. (64) é que se pode escrever14:

d

dt

(∂ri∂qk

)=

n∑l=1

∂ql

(∂ri∂qk

)qk +

∂t

(∂ri∂qk

)=

qk

(n∑

l=1

∂ri∂ql

ql +∂ri∂t

)=∂ri∂qk

(66)

Como ri é função dos qk e qk, o infinitesimal δri fica:

δri =

n∑k=1

(∂ri∂qk

δqk +∂ri∂qk

δqk

)(67)

Com estes resultados a segunda parte da eq. (59) fica:

N∑i=1

miri · δri =N∑i=1

miri ·n∑

k=1

(∂ri∂qk

δqk +∂ri∂qk

δqk

)=

n∑k=1

N∑i=1

(miri ·

∂ri∂qk

δqk +miri ·∂ri∂qk

δqk

)=

n∑k=1

∂qk

(N∑i=1

1

2miri · ri

)δqk +

n∑k=1

∂qk

(N∑i=1

1

2miri · ri

)δqk =

n∑k=1

(∂T

∂qkδqk +

∂T

∂qkδqk

)= δT (68)

Onde nas passagens anteriores se usou uma regra do cálculo que afirma:

2f(x)∂

∂xf(x) =

∂xf2(x) (69)

e os resultado das equações (61) e (62) para conhecer a variação da energia cinética δT .Com isto voltando na integração do princípio generalizado de D’Alembert, eq. (55), e substituindo todas as

informações obtidas, tem-se: ∫ t2

t1

δWdt+

∫ t2

t1

δTdt = 0 (70)

E por fim, obtendo o princípio estendido de Hamilton:∫ t2

t1

(δT + δW ) dt = 0 (71)

Em geral o trabalho virtual do sistema é composto por:

δW = δWc + δWnc (72)

sendo δWc o trabalho vitual das forças conservativas (forças elásticas, por exemplo) e δWnc o trabalhovirtual das forças não-conservativas. O trabalho virtual das forças conservativas esta relacionado com a energiapotencial do sistema δV a partir de:

δWc = −δV (73)13Algumas passagens foram omitidas nesta equação. Tente chegar no resultado apresentado como exercício.14É interessante ver que a segunda parte da eq. (55) poderia ser resolvida sem usar integração por partes usando as passagens

apresentadas aqui. Porém, acho, particularmente, mais fácil seguir este caminho usando integração por partes para se atingir asequações de Lagrange e definir quem é a Lagrangiana L a partir da definição de energia cinética T .

10

Page 11: Mecânica Lagrangiana

Com estes resultados o princípio de Hamilton conhecido como princípio estendido de Hamilton pode serdescrito na forma geral15 como: ∫ t2

t1

(δL+ δWnc) dt = 0 (74)

sendo L o lagrangiano do sistema dado por:

L = T − V (75)

Caso não haja forças não-conservativas o princípio de Hamilton se reduz ao que foi proposto no início destaseção:

δS =

∫ t2

t1

δLdt = 0 (76)

Em suma o princípio de Hamilton é enunciado como: A evolução de um sistema dinâmico da configuração1 para a configuração 2 é tal que a ação é mínima. Não apresentamos aqui nenhuma prova que mostra que oextremo do funcional S (ação) é mínimo, na verdade o mais geral é esta ação ser estacionária.

Na história o princípio de Hamilton foi tema "conspirações"teológicas e metafísicas, afinal o princípio colocaque uma partícula de certa forma sente o "cheiro"entre instantes t1 e t2 para buscar entre todos os caminhospossíveis aquele tal que a ação seja mínima. Seria o sistema disposto desta "inteligência"? Prova da existênciade Deus?

8 Equações de LagrangeAs equações de Lagrange para um sistema no caso geral onde há força não-conservativas atuantes é dada

por:

d

dt

(∂L

∂qk

)− ∂L

∂qk= Qk, k = 1, · · · , n (77)

Esta equação é obtida da integração do princípio de Hamilton dado pela eq. (74).As equações de Lagrange são um conjunto de equações diferenciais de segunda ordem, normalmente não-

lineares, que conduzem ao movimento de um sistema (corpo ou partículas) em função de n coordenadas genera-lizadas de deslocamento qk e velocidades generalizadas qk. A forma da Lagrangiana L para o campo da atuaçãoda mecânica aplicada é sempre L = T − V . Esta função escalar Lagrangiana é tal que a ação do sistema émínima, ou seja sua integral em um intervalo de t1 até t2, notando que pode ou não haver a soma da integralem cima do trabalho das forças não-conservativas caso haja a existência destas força atuantes no sistema.

O princípio de Hamilton não dá nenhuma informação de quem é a Lagrangiana. A função lagrangiana Ldepende da natureza do sistema. Algo similar foi apresentado para a segunda lei de Newton: Sabemos apenasque a somatória de forças atuantes no sistema (aplicadas e de vínculos) são iguais a taxa de variação do momentolinear. A segunda lei de Newton não diz nada sobre a natureza destas forças. A pergunta interessante a serfeita então é: Porque não usar L = T + V ou L = T − 2V ? A resposta é matemática, escolhendo esta funçãoLagrangiana L somos levados naturalmente (após um trabalho árduo de cálculo) a equação de Euler-Lagrange,conforme já foi feito de duas formas diferentes por um caminho mais matemático e outro mais físico usando oprincípio generalizado de D’Alembert como base. Outro fato é que seja qual for o problema16, a LagrangianaL = T − V dará sempre o mesmo resultado da formulação usando o método de Newton-Euler caso se aplique aequação de Lagrange.

9 Função de dissipação de RayleighA equação de Lagrange dada por (77) não pode ser aplicada para caso em que forças aplicadas dependam de

velocidades generalizadas qk. Este seria o caso de problemas com potenciais generalizados e termos de dissipaçãode energia (que não provém de potenciais generalizados). Por exemplo, em sistemas mecânicos com mecanismosdiversos de atrito ou que podem ser aproximados por amortecimento viscoso não encontram lugar dentro daLagrangiana L = T − V .

As forças generalizadas podem ser usadas para compor um potencial generalizado descrito por uma funçãoU(q1, · · · , qn, q1, · · · , qn). Este potencial U é bem mais geral do que V . Assim as forças generalizadas podem serdescritas como função de U por:

15Neste caso leva-se em consideração no princípio de Hamilton o trabalho virtual das forças não-conservativas e conservativas.16No contexto de aplicações da mecânica de Newton-Euler.

11

Page 12: Mecânica Lagrangiana

Qk = − ∂U∂qk

+d

dt

(∂U

∂qk

), k = 1, 2, . . . , n (78)

Neste cenário a Lagrangiana é definida por:

L = T − U (79)

Agora um caso interessante ocorre quando as forças generalizadas envolvem termos que não se originam depotenciais generalizados. Nestes casos, as forças generalizadas dadas pela eq. (78) podem ser somadas com estetermo, chamado aqui de Q′k. Com isto as equações de Lagrange ficam sendo escritas como:

d

dt

(∂L

∂qk

)− ∂L

∂qk= Q′k, k = 1, · · · , n (80)

sendo a lagrangiana descrita pela eq. (79). Um caso de interesse prático para um engenheiro envolve oscasos onde este termo Q′k envolve amortecimento do tipo viscoso. Este tipo de amortecimento é proporcional asvelocidades ri das N partículas que compõem o sistema usando constantes positivas cix, ciy e ciz, se for o casode se trabalhar com coordenadas cartesianas. O matemático e físico inglês John William Strutt, mais conhecidocomo Lord Rayleigh, propôs uma função de dissipação para facilitar este cálculo17:

F =1

2

N∑i=1

(cixv

2ix + cixv

2iy + cizv

2iz

)(81)

sendo vix, viy e viz as componentes retangulares da velocidade ri da i-ésima partícula. A função F é chamadafunção de dissipação de Rayleigh. A i-ésima força de amortecimento F′i = [F ′ix F ′iy F ′iz] agindo no sistemapode ser escrita diretamente com o uso da função de dissipação de Rayleigh, tendo as componentes no sistemacartesiano dadas por18:

F ′ix = − ∂F∂vix

, F ′iy = − ∂F∂viy

, F ′iz = − ∂F∂viz

(82)

A função de dissipação de Rayleigh tem um significado físico bem claro por estar relacionada diretamentecom o trabalho realizados pelas forças de dissipação19. O trabalho total infinitesimal dW ′ realizado por todosos mecanismos de dissipação no sistema, F′i, é dado por:

dW ′ =

N∑i=1

F′i · dri =N∑i=1

F′i · ridt (83)

dW ′

dt= −

N∑i=1

(cixv

2ix + cixv

2iy + cizv

2iz

)= −2F (84)

O termo dW ′

dt representa a taxa de dissipação da energia do sistema20. E esta taxa de dissipação é dada por−2F . Porém, o seu uso nas equações de Lagrange, ainda não está pronto, pois precisamos escrever F como umarelação entre as velocidades generalidas qk. Para isto, deve-se reescrever Q′k associados as forças de dissipaçãoF′i:

Q′k =

N∑i=1

F′i ·∂ri∂qk

=

N∑i=1

F′i ·∂ri∂qk

(85)

sendo que na passagem anterior se usou o fato de que:

∂ri∂qk

=∂ri∂qk

(86)

que pode ser confirmado diretamente da eq. (64). Aplicando a regra da cadeia:

Q′k = −N∑i=1

(∂F∂vix

∂vix∂qk

+∂F∂viy

∂viy∂qk

+∂F∂viz

∂viz∂qk

)= − ∂F

∂qk(87)

17Na verdade, a função que Lord Rayleigh propôs faz com que o resultado final da equação de movimento de Lagrange fique omesmo em qualquer sistema de coordenadas generalizadas.

18F ′ix, F

′iy , F

′iz são negativos.

19Como atrito, amortecimento, etc.20Daí o sinal negativo.

12

Page 13: Mecânica Lagrangiana

Com este resultado a equação de Lagrange do movimento quando se tem forças dissipativas se torna:

d

dt

(∂L

∂qk

)− ∂L

∂qk+∂F∂qk

= 0, k = 1, · · · , n (88)

10 Vínculos holônomos e não-holônomosNa definição das coordenadas generalizadas qk foi posto que estas devem ser compatíveis com os vínculos.

Porém não foi detalhado que estes vínculos podem cair em duas categorias bem distintas: vínculos holônomos21e não-holônomos.

Os vínculos holônomos são aqueles que podem ser descritos por funções com a característica:

fi(x1, x2, · · · , xn, t) = 0, i = 1, 2, · · · , p (89)

sendo p o número de vínculos e que são compatíveis com as restrições impostas e x’s os vetores para descrevera posição do sistema. Por exemplo, em um pêndulo simples o vínculo imposto é dado por x2 + y2 = l2, sendo lo comprimento do fio que está preso a massa m. Neste caso:

x = l cos(θ) (90)y = l sin(θ) (91)

sendo que θ é usado como coordenada generalizada. Neste caso está claro que a posição da massa pode serdescrita por um vetor r = [x y]T e que o vínculo imposto é dado por |r| − l = 0 que é uma função exatamentedo mesmo tipo que a apresentada pela eq. (89), portanto o vínculo é holônomo.

Porém, existem situações onde os vínculos também são descritos por equações que envolvem taxas de variaçãoda posição:

fi(x1, x2, · · · , xn, x1, x2, · · · , xn, t) = 0, i = 1, 2, · · · , p (92)

Note que neste caso as equações de vínculos dadas por (92) são equações diferenciais. Problemas de dinâmicade rotações estão repletos de casos onde os vínculos caem nesta categoria. Dois comentários devem ser feitosem problemas com vínculos descritos da forma da eq. (92):

• Se for possível reduzir por integração a eq. (92) para se chegar em uma expressão como a eq. (89), ovínculo é holônomo.

• Se não for possível reduzir por integração (vínculo não-integrável) equações como a eq. (92), o sistema énão-holônomo.

No geral, o mais comum em problemas com rolamento sem deslizamento e dinâmica de rotações é ter vínculosnão-integráveis. Para se verificar se um vínculo é holônomo, a partir da eq. (92), deve-se verificar se existe umfator integrante não-nulo h(x1, x2, · · · , xn, t) tal que:

fi(x1, x2, · · · , xn, x1, x2, · · · , xn, t)h =dG

dt=

N∑i=1

∂G

∂xixi +

∂G

∂t(93)

para alguma função G(x1, x2, · · · , xn, t). Se G e o fator integrante h existir pode-se concluir que:

G(x1, x2, · · · , xn, t)− C = 0 (94)

sendo C uma constante de integração. Neste caso o sistema seria holônomo.Outro exemplo clássico de vínculos não-holônomos acontece quando um gás está preso dentro de um recipi-

ente, neste caso o vínculo é do tipo 0 < xi < a, 0 < yi < b e 0 < zi < c e envolve desigualdades e também nãopodem ser descritos por funções como a eq. (89) e são também definidos como vínculos não-holônomos.

Mas qual a importância de tudo isto? A questão é que no caso de vínculos não-holônomos deve se ter prudên-cia, pois as equações de Lagrange não podem ser aplicadas diretamente na sua forma padrão. Uma vez que eminúmeras situações práticas, os vínculos são não-holônomos, deve-se ter um conhecimento de como caracterizá-los e verificar se são ou não integráveis. Felizmente, nos casos não-holônomos, pode-se aplicar multiplicadoresde Lagrange ou as equações de Voronec, muito pouco conhecidas por engenheiros, mas que evita a necessidadedo uso de multiplicadores de Lagrange. Para uma descrição mais detalhada disto, aconselho o artigo [7]. Outrocaminho, pouco conhecido por engenheiros é usar as equações de Gibbs-Appell, que neste caso, trabalham comcoordenadas ditas quase-generalizadas [8]. A próxima seção descreve os princípios básicos envolvidos no uso dosmultiplicadores de Lagrange para reescrever o princípio de Hamilton no caso não-holônomo.

21Palavra que vêm do grego hólos que siginifica inteiro e nómos que significa regra.

13

Page 14: Mecânica Lagrangiana

11 Aplicação dos multiplicadores de Lagrange para o caso não-holônomoO princípio de Hamilton originou as equações de Lagrange a partir da seguinte passagem:

δS =

∫ t2

t1

n∑k=1

[∂L

∂qk− d

dt

(∂L

∂qk

)]δqkdt = 0 (95)

onde a condição fundamental para se atingir as equações de Lagrange foi considerar a hipótese de que osδqk’s são mutuamente independentes. Esta condição só é verdade quando tratamos com problemas onde osvínculos são holônomos. Se os vínculos forem não-holônomos é necessário um método para encontrar a condiçãopara levar a ação S para um extremo.

Aqui será tratado o caso especial em que os vínculos são não-holônomos e descritos por equações diferenciaisda forma:

n∑k=1

alkdqk + altdt = 0, l = 1, 2, · · · , p (96)

sendo alk e alt funções dos qk’s e t. O indíce l serve para distinguir entre si as p equações de vínculos dadaspela eq. (96). Deve ficar claro que vínculos holônomos também podem ser descritos por equações diferenciaisdo tipo da eq. (96), por exemplo, suponha um vínculo holônomo da forma:

fl(q1, q2, · · · , qn, t) = 0, l = 1, 2, · · · , p (97)

note que dfl pode ser escrito como:

dfl =

n∑k=1

∂fl∂qk

dqk +∂fl∂t

=

n∑k=1

alkdqk + altdt = 0, l = 1, 2, · · · , p (98)

que teria exatemente a forma da eq. (96)! O caso de um sistema com vínculo diferencial que pode serreduzido por integração também valeria.

Da eq. (96) o deslocamento virtual deve obedecer:

n∑k=1

alkδqk = 0, l = 1, 2, · · · , p (99)

e isto deve ser imposto para que exista compatibilidade com o vínculo de forma que as n variações dascoordenadas generalizadas satisfazem as p equações diferenciais de vínculos. Acredito ser oportuno apresentaristo com uma motivação mais concreta usando o pêndulo simples. O pêndulo simples, como já visto, temvínculo holônomo e coordenada q = θ. Porém, poderíamos escolher para descrever o movimento as coordenadascartesianas q1 = x e q2 = y, que não são independentes22. O vínculo seria:

f(x, y) = x2 + y2 − l2 = 0 (100)

sendo l o comprimento do fio. Porém, note que também poderíamos impor df da forma da eq. (98) comosendo:

df = xdx+ ydy = 0 (101)

que estaria totalmente compatível com a eq. (99). Se usarmos isto, a coisa complica se decidirmos atacar oprincípio de Hamilton como colocado na eq. (95), pois nunca conseguiremos equações de Lagrange para x e y,pois dx e dy são dependentes um do outro, conforme mostra a eq. (101). Assim teríamos, necessariamente, quecombinar o princípio de Hamilton da eq. (95) com o vínculo diferencial da eq. (101) para chegar nas equaçõescorretas do movimento. Mas que método faz isto? Voilá, os multiplicadores de Lagrange! Para o caso holônomo,uma vez que sempre é possível reduzir vínculos diferencias por integração, o método dos multiplicadores deLagrange não tem muita vantagem. Porém, no caso de vínculos não-integráveis (casos não-holônomos23) ométodo dos multiplicadores de Lagrange tem um poder enorme.

Os multiplicadores de Lagrange são variáveis auxiliares dadas por λl(q,q, t) que podem ser introduzidas nasequações diferencias de vínculo:

λl

n∑k=1

alkδqk = 0, l = 1, 2, · · · , p (102)

22Obviamente estaríamos usando mais coordenadas do que o necessário.23Tendo em mente que os problemas mais interessantes caem nesta categoria, incluindo a maioria dos problemas de dinâmica de

rotações.

14

Page 15: Mecânica Lagrangiana

Integrando a eq. (102) entre os instantes t1 e t2 e somando todos os p vínculos:∫ t2

t1

n∑k=1

p∑l=1

λlalkδqkdt = 0, (103)

Uma vez que a integral da eq. (103) é nula, ela pode ser subtraída do princípio de Hamilton, eq. (95), semproblemas. Assim: ∫ t2

t1

n∑k=1

[∂L

∂qk− d

dt

(∂L

∂qk

)−

p∑l=1

λlalk

]δqkdt = 0 (104)

Uma vez que existem δqk’s que podem ser dependentes em virtude dos vínculos serem não-holônomos descri-tos por p equações de vinculações. Porém, note que pelo menos n−p variações δq1, δq2,· · ·,δqn−p são mutuamenteindependentes, e nestes caso para k = 1, 2, · · · , n − p as equações de Lagrange não teriam problemas. Porém,para k = n− p+ 1, · · · , n podemos escolher os multiplicadores de Lagrange λ1, λ2, · · ·, λp tal que as variaçõesδqk para k = n− p+ 1, · · · , n sejam nulas, o que é conseguido com a equação a seguir:

∂L

∂qk− d

dt

(∂L

∂qk

)−

p∑l=1

λlalk = 0, k = n− p+ 1, · · · , n (105)

A eq. (105) é usada para determinar os multiplicadores de Lagrange.Já, as n− p primeiras variações δqk’s são dadas por:∫ t2

t1

n−p∑k=1

[∂L

∂qk− d

dt

(∂L

∂qk

)−

p∑l=1

λlalk

]δqkdt = 0 (106)

que implica em, lembrando que os n− p primeiras variações δqk’s são mutuamente independentes:

∂L

∂qk− d

dt

(∂L

∂qk

)−

p∑l=1

λlalk = 0, k = 1, 2, · · · , n− p (107)

Portanto, as equações do movimento vem da junção da eqs. (105) e (107):

∂L

∂qk− d

dt

(∂L

∂qk

)=

p∑l=1

λlalk, k = 1, 2, · · · , n (108)

Notando que os multiplicadores de Lagrange são validos para todo k. Teremos neste caso n equações para(n + p) incógnitas (n coorenadas generalizadas e p multiplicadores de Lagrange). Mas, a equação faltante éobtida derivando no tempo a eq. (96):

n∑k=1

alkqk + alt = 0, l = 1, 2, · · · , p (109)

ou se for um caso holônomo usando as equações de vínculo na forma da eq. (97).É oportuno pensar no significado físico dos multiplicadores de Lagrange. Devemos lembrar que na aplicação

do princípio generalizado de D’Alembert as forças de vínculos foram eliminadas. Da análise da eq. (108),observa-se que os termos à direita da equação de Lagrange, agem como forças generalizadas de vínculo:

Qk =

p∑l=1

λlalk (110)

Ou seja, os multiplicadores de Lagrange permitem recuperar as forças de vínculo que tinham sido reduzidas.Por exemplo, no nosso exemplo do pêndulo simples,

∑pl=1 λlalk é, simplemesmente, a tensão no fio.

12 Conservação da energia no formalismo LagrangianoNa mecânica de Newton-Euler, dois conceitos são de grande importância, a conservação do momento linear

e e a conservação do momento angular que são descritos por dois teoremas de conservação. No universo do

15

Page 16: Mecânica Lagrangiana

formalismo Lagrangiano esta ideia de conservação ganha um significado bem mais geral e com uma grandeaproximação com as ideias de operação de simetria e invariância24.

Para exemplificar isto, considere uma coordenada generalizada descrita por qk, tal que a equação do movi-mento de Lagrange fosse:

∂L

∂qk− d

dt

(∂L

∂qk

)= 0 (111)

Se a Lagrangiana L não depender explicitamente de qk, pode-se concluir que:

∂L

∂qk= 0 (112)

O que de imediato indica que para a equação de Lagrange ser válida deve-se ter:

d

dt

(∂L

∂qk

)= 0, (113)

Assim,

∂L

∂qk= Constante = pk (114)

O fato do termo da eq. (114) ser constante recebe o nome de momento generalizado ou momento canônicoà coordenada qk e é indicada por pk. O nome generalizado e canônico fica claro quando se tem Lagrangianasda forma:

L =

N∑i=1

1

2miri · ri − V (r1, · · · , rN ). (115)

Onde a derivada da Lagrangiana em relação a velocidade fornece o momento linear:

∂L

∂xk= mxk (116)

Agora se esta derivada tiver dimensão de ângulo temos o momento angular. Assim, a eq. (114) representaum generalização para estes diferentes contextos. A coordenada qk que permite que a eq. (112) seja válida, échamada de coordenada cíclica ou ignorável25. Como o momento canônico é uma constante, ele se conserva:

dpkdt

= 0 (117)

O momento canônico à coordenada cíclica ou ignorável qk é uma constante de movimento, também chamadade integral primeira. As constantes de movimento permitem uma fantástica análise qualitativa do comporta-mento dinâmico de sistemas complexos sem a necessidade da solução completa das equações diferenciais domovimento. Nós engenheiros, sempre temos tendência em brincar dizendo, que estamos interessados em saberos valores e resolver numericamente, sem se preocupar se existe ou não solução, ou se é única, sempre como conforto de softwares comerciais de cálculo. Porém, os problemas práticos de hoje são bastante complexosem dimensão e características que fazem com que procedimentos numéricos sejam limitados e as solução destessoftwares duvidosas em grande parte. Na maioria das vezes, apenas obter uma informação qualitativa sobre ocomportamento da evolução temporal para um conjunto mais amplo de condições é bem mais vantajoso e útil.As constantes do movimento fornecem grande parte destas informações para descrição da dinâmica de sistemas.

Quando do estudo do formalismo Hamiltoniano é muito interessante voltar neste assunto sobre o contextogeométrico para mostrar que isto está relacionado a uma operação de simetria26 aplicada na Lagrangiana,tanto de translação (se for momento linear) quando de rotação (se for momento angular) o que indica que aLagrangiana será a mesma independente se eu transladar ou rotacionar em torno do eixo dado por qk. Ou seja,na presença de uma coordenada tal que a eq. (112) seja válida, o momento conjugado em relação à qk semprese conserva.

A partir de uma outra lei de conservação envolvendo a taxa de variação da Lagrangina, pode-se chegar auma outra quantidade interessante com bastante aplicação prática que se conserva, chamada de Hamiltoniana.Mas este assunto é para o próximo capítulo.

24Foge ao escopo deste curso, mas aqui vale um comentário que os aspectos da algebra envolvidos nas operações de simetriae invariância no formalismo Lagrangiano e Hamiltoniano tem a sua lingua/dialeto matemático descrito por conceitos de algebraabstrata, onde a teoria de Grupos se mostra bem apropriada para emergir os significados destas operações. Infelizmente, esta línguaainda não é falada pelos engenheiros.

25Sempre fiz muita confusão com estes nomes, eu procuro pensar que o termo cíclico deve ser entendido quando se tiver trabalhandocom ângulos, já o termo ignorável com deslocamentos lineares

26Estude Teoria de Grupos!

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Page 17: Mecânica Lagrangiana

13 Considerações finaisEistein uma vez afirmou que a mecânica analítica têm um significado que excede em muito a mecânica

Newtoniana. Neste sentido, este texto buscou apresentar de forma geral alguns princípios básicos, como des-locamento virtual, trabalho virtual, princípio de D’Alembert, princípio de Hamilton e equações de Lagrange ealgumas considerações iniciais envolvendo a função de dissipação de Rayleigh, um maior entendimento do quesão vínculos, aplicações do Princípio de Hamilton em casos de sistemas não-holônomos, apresentando o conceitode multiplicadores de Lagrange e introduzindo o conceito de coordenadas cíclicas (ou ignoráveis) e constantes demovimento no contexto da conservação de energia usando o formalismo Lagrangiano. Aliado a estes conceitos,também foram apresentados os ingredientes principais do cálculo variacional, que faz da mecânica analítica umtema de interesse e utilidade prática para engenheiros.

Acho oportuno dizer que o princípio de Hamilton foi apresentado de três formas:

• A primeira para o caso de sistemas conservativos e sem forças aplicadas buscando mostrar o conceito deação. A equação do movimento de Lagrange foi obtida de forma natural aplicando o conceito de cálculovariacional para calcular o extremo do funcional S envolvendo a função escalar L. Acredito esta ser umaabordagem mais matemática.

• O princípio de Hamilton também foi obtido diretamente a partir da integração do princípio generalizadode D’Alembert chegando a uma forma mais geral do princípio da mínima ação considerando o trabalhorealizado por forças não-conservativas e levando em conta a existência de forças causadas por potencialescalar.

• O princípio de Hamilton foi estendido para o caso de incluir vínculos escritos na forma diferencial (casosholônomos e não-holônomo) usando os multiplicadores de Lagrange.

A equação de Lagrange foi apresentada na sua forma geral e a sua obtenção foi feita diretamente comoum resultado do princípio de Hamilton a partir da integração deste princípio. A grande vantagem de usar asequações de Lagrange é que a equação do movimento é obtida diretamente de funções escalares sem a necessidadede algebra vetorial, diagramas de corpo livre, não há preocupação em conhecer as forças de vínculo (em algunscasos), etc.

O que foi apresentado nesta nota foi apenas um resumo simples sem se preocupar com os mecanismo emque esta formulação se apresenta. Alguns tópicos importantes não foram apresentados, por ser este um cursoinicial. Por exemplo, mostrar a invariância das equações de Lagrange. Outro assunto que vale leitura futura27

é a definição da Hamiltoniana de um sistema e o formalismo de Hamilton para descrição das equações domovimento. As equações de Hamilton também podem ser obtidas diretamente do princípio da mínima ação eenvolvem um conjunto de 2n equações diferenciais de primeira ordem descritas diretamente no espaço de fases.As equações de Hamilton são a forma mais efetiva e elegante de estudar e analisar a estabilidade de sistemasdinâmicos, além de apresentar um aspecto geométrico bem interessante por trabalharmos em um espaço de fasee não em um espaço de configurações, como na mecânica de Lagrange. Estas equações também servem de pontepara tópicos diversos envolvendo mecânica quântica e mecânica estatística28, além do seu papel fundamentalem todo o desenvolvimento da área de sistemas dinâmicos que se obteve no século XX a partir das idéias dePoincaré.

Referências[1] S. T. Thornton and J. B. Marion. Dinâmica Clássica de Partículas e Sistemas. CENGAGE, 2011.

[2] L. Meirovitch. Methods of Analytical Dynamics. MacGraw-Hill, 1970.

[3] J. B. Neto. Mecânica Newtoniana, Lagrangiana e Hamiltoniana. Livraria da Física, 1.o edition, 2004.

[4] M. A. de Aguiar. Tópicos de Mecânica Clássica. Livraria da Física, 2011.

[5] N. A. Lemos. Mecânica Analítica. Livraria da Física, 2.o edition, 2007.

[6] H. Goldstein. Classical Mechanics. Addison-Wesley, 2nd edition, 1980.

[7] N. A. Lemos. Sutilezas dos vínculos não-holônomos. Revista Brasileira de Ensino de Física,, 25(1):28–34,2003.

[8] J.-N. Juang and M. Q. Phan. Introduction and Control of Mechanical Systems. Cambridge, 2001.

27Próximo tópico do curso.28Mecânica estatística é uma área da física que se interessa em estudar termodinâmica em nível atômico.

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