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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 45 Jan/Mar 2011 >> 2,50 Euros ILUSTRAÇÃO: JOSÉ ALVES TEMA 1 Media, jornalismo e democracia: Mais informação, menos conhecimento e pior democracia TEMA 2 Ciberjornalismo: modelo de negócio procura-se ANÁLISE WEB TV Portugal ainda distante das melhores práticas internacionais ENTREVISTA Carla Baptista e Fernando Correia SITES Wikileaks: o verdadeio “doc-u-gasm”

Media, jornalismo e democracia - Clube de JornalistasMedia, jornalismo e democracia Mais informação, menos conhecimento e pior democracia Académicos dos EUA, Inglaterra, Alemanha

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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 45 Jan/Mar 2011 >> 2,50 Euros

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TEMA 1

Media, jornalismo e democracia:Mais informação, menos conhecimento e pior democracia

TEMA 2

Ciberjornalismo: modelo de negócio procura-se

ANÁLISE

WEB TVPortugal aindadistante das melhorespráticas internacionais

ENTREVISTACarla Baptista e Fernando Correia

SITESWikileaks: o verdadeio “doc-u-gasm”

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Colaboram neste número

Ana Jorge (U.N.L.; C.I.M.J.)

Carla Baptista (FREELANCE; U.N.L; C.I.M.J.)

Carla Martins (FREELANCE; U. LUSÓFONA; ERC; C.I.M.J.)

Carla Rodrigues Cardoso (U. LUSÓFONA; C.I.M.J.)

Helena de Sousa Freitas (LUSA)

José Alves (INFOGRAFIA /PÚBLICO)

José Frade (FOTOJORNALISTA)

Luís Bonixe (FREELANCE; E.S.E. DE PORTALEGRE; C.I.M.J.)

Luís Humberto Teixeira (FREELANCE)

Mário Rui Cardoso (RTP- ANTENA 1)

Rogério Rodrigues (FREELANCE)

Sónia Santos Dias (EDITORA SAPO MULHER E SAPO FAMÍLIA)

Vítor Ribeiro (SIC)

Director

Direcção Editorial

Conselho Editorial

Grafismo

Secretária de Redacção

Propriedade

Tratamento deimagem

Impressão

Tiragem deste número

Redacção,Distribuição,

Venda eAssinaturas

Mário Zambujal

Eugénio AlvesFernando Correia

Fernando CascaisFrancisco MangasJosé Carlos de VasconcelosManuel PintoMário MesquitaOscar Mascarenhas

José Souto

Palmira Oliveira

CLUBE DE JORNALISTASA produção desta revista sóse tornou possível devido aosseguintes apoios:l Caixa Geral de Depósitosl Lisgráfical Fundação Inatell Vodafone

Pré & PressCampo Raso, 2710-139 Sintra

Lisgráfica, Impressão e ArtesGráficas, SACasal Sta. Leopoldina,2745 QUELUZ DE BAIXO

Dep. Legal: 146320/00ISSN: 0874 7741Preço: 2,49 Euros

2.000 ex.

Clube de JornalistasR. das Trinas, 1271200 LisboaTelef. - 213965774 Fax- 213965752e-mail:[email protected]

Nº 45 JANEIRO/MARÇO 2011

SUMÁRIO

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS

DO CLUBE DE JORNALISTAS

Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

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5666LAPSO. Na edição anterior da JJ, na referência aos colaboradores inserimos, por lapso, osnomes relativos ao número 43. Pelo facto pedimos desculpa aos leitores e aos autores. A lista cor-recta dos colaboradores no nº 44 é a seguinte: Álvaro Costa de Matos (Hemeroteca Municipal deLisboa; C.I.M.J.); Ana Jorge (U.N.L.; C.I.M.J.); Carla Baptista (Freelance; U.N.L.; C.I.M.J.);Francisco Belard (Freelance); Helena de Sousa Freitas (Lusa); Luís Bonixe (Freelance; E.S.E.Portalegre; C.I.M.J.); Luís Humberto Teixeira (Freelance); Mário Rui Cardoso (R.T.P. – Antena 1)

RECTIFICAÇÃO. A pedido do jornalista Adelino Gomes, ficam duas rectificações à entre-vista intitulada «Esta é uma função da qual não se sai incólume», publicada na edição anteriorda JJ (pgs 8 a 19). Na página 14, onde se lê «Por exemplo, durante dois anos dediquei vários pro-gramas aos ouvintes do Serviço Nacional de Trânsito, que funciona depois das 17h» deve ler-seapenas «Por exemplo, durante dois anos dediquei vários programas aos ouvintes do ServiçoNacional de Trânsito». Na página 18, onde se lê «Além disso, há uma questão geracional, porqueo José Nuno, sendo ligeiramente mais velho do que eu, começou a exercer na mesma altura»deve ler-se «Além disso, há uma questão geracional, porque o José Nuno, sendo mais novo doque eu, começou a exercer na mesma altura». Ao visado e aos leitores, as nossas desculpas.

TEMA 1MEDIA, JORNALISMO E DEMOCRACIA:Mais informação, menos conhecimento e pior democraciaPor Carla Baptista

TEMA 2CIBERJORNALISMO: MODELO DE NEGÓCIO PROCURA-SEPor Luís Bonixe

ENTREVISTACarla Baptista e Fernando Correia“A HISTÓRIA DO JORNALISMO PORTUGUÊSESTÁ POR FAZER” Por Helena de Sousa Freitas

ANÁLISEWEB TV: PORTUGAL AINDA DISTANTE DASMELHORES PRÁTICAS INTERNACIONAISPor Sónia Santos Dias

OPINIÃOJORNALISMO DE CIÊNCIA EM PORTUGAL: ESPERANÇA PARA O FUTURO? Por José Xavier, Sue Nelson, Marta Agostinho, CheilaAlmeida e Inês Domingues

JORNAL

[40] Prémios Gazeta

[46] Livros Por Carla Rodrigues Cardoso

[48] Sites Por Mário Rui Cardoso

IMAGENS DO REPÓRTERROAD TO WORLD CUPFotografias de João Henriques

CRÓNICAPor Vítor Ribeiro

JJ|Jan/Mar 2011|3

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Assinatura anual > 4 números: 2.000$00 > 10 Euros

( I N C L U I P O R T E S D E C O R R E I O )

Nome...........................................................................................................................Número de Contribuinte.........................................................................................Morada........................................................................................................................Código postal............................Localidade..............................................................Contactos.................................../........................................./......................................Profissão (fac.).....................................................Idade (fac.)...................................Desejo assinar a JJ com início no nº ......................................................................Para o respectivo pagamento envio cheque nº.....................................................Banco...........................................................................................................................Data.............................. Assinatura.....................................................................

Clube de Jornalistas - R. das Trinas, 127 r/c - 1200 857 Lisboa

JJ – Jornalismo e JornalistasA única revista portuguesaeditada por jornalistasexclusivamente dedicada aojornalismo

Indispensável para estudantes,professores, investigadores etodos os que se interessam pelojornalismo em Portugal e nomundo

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Actualmente no seu décimo ano de publicação regular, a JJtem-se afirmado, quer nas salas de redacção quer nasuniversidades, como uma ferramenta fundamental para todosos que pretendem estar informados sobre a reflexão e o debateque, no país e no estrangeiro, se vão fazendo sobre ojornalismo e os jornalistas.

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Rua das Trinas, 127 r/c 1200 857LisboaTelef. 213965774e-mail: cjxclubedejornalistas.pt

JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 40 Outubro/Dezembro 2009 >> 2,50 Euros

PED

RO

CU

NH

A

TEMA A REPORTAGEM NA RÁDIOEntre o investimentoe a ameaça

ENTREVISTA MINO CARTA ANÁLISE MÉDIA E PUBLICIDADE MEMÓRIA ADOLFO SIMÕES MÜLLER

JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 39 Julho/Setembro 2009 >> 2,50 Euros

TEMA Os media no ensino superior

Laboratóriosde Jornalismo

ANÁLISE > O futuro da imprensa: O momento crucial> A Informação Televisiva > Olhando as estrelas nas

páginas dos jornais ENTREVISTAS > Daniel Hallin > CristinaPonte e Lídia Marôpo

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6|Jan/Mar 2011|JJ

Media, jornalismo e democracia

Mais informação, menos conhecimento e pior democraciaAcadémicos dos EUA, Inglaterra, Alemanha e Portugal debateram oestado das relações entre jornalismo e democracia em seminárioorganizado pelo Centro de Investigação Media e Jornalismo (CIMJ)

Texto Carla Baptista

TEMA 1

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Ojornalismo está doente mas, nalguns paí-ses, está mais doente do que noutros.Thomas Patterson, da Universidade deHarvard e um dos oradores na sessão deabertura do Seminário "Media, Jornalismo

e Democracia", organizado pelo CIMJ e realizado em 8 e 9de Novembro na Faculdade de Ciências Sociais eHumanas da Universidade Nova de Lisboa, traçou umretrato sombrio da realidade dos Estados Unidos: a superabundância de informação não está a contribuir para criarcidadãos informados. Antes pelo contrário, os americanosrevelam cada vez mais desconhecimento e desinteressepelo que se passa no mundo e na sua própria sociedade.

Patterson lecciona em Harvard a disciplina "Governo eImprensa", é autor de vários livros sobre os efeitos dosmedia na participação política (Out of Order, publicado em1993, foi considerado o melhor livro de ciência política dadécada e o último, Vanishing Voter, analisa as causas daselevadas taxas de abstenção registadas em várias eleições)e salientou a alteração nas condições de recepção dosmedia. Nos anos 70, havia fundações preocupadas emapoiar o surgimento de novos meios e financiar a pro-

dução de conteúdos jornalísticos, acreditando que esteseram um pilar indispensável para a sustentação dademocracia. Mas hoje, disse aquele investigador, "estouconvencido de que demasiados media podem resultarnum público menos informado".

Afinal, conclui, não existe uma relação de causalidadedirecta entre um ambiente mediático fértil e a existênciade cidadãos informados e engajados no processo políticoe democrático. Citou exemplos retirados de um inquéritoefectuado em 2009 junto da opinião pública norte-ameri-cana que apontam para resultados entre o chocante e ocaricato : a maioria dos respondentes considerou que nãoexistia o fenómeno do aquecimento global e que SaddamHussein era um aliado dos Estados Unidos.

Os meios existem, disponibilizam informação rele-vante mas as pessoas preferem ver conteúdos viradospara o entretenimento. Patterson atribui o estado de"desinformação geral" à alteração radical das condições derecepção: a disseminação dos canais por cabo destruiu ohábito de consumir notícias. As pessoas viam notíciasporque estas eram a única oferta disponível. A partir domomento em que a programação se diversificou, pas-

saram a ver o que realmentegostam: histórias de crime, cele-bridades e acidentes.

As respostas dos jornalistaspara tentarem captar a atençãodeste público "distraído" e,parafraseando Neil Postman,"disposto a divertir-se até mor-rer", agravam o problema. Aaposta nos soundbytes, agorareduzidos a 10 segundos contraos 30 segundos que eram aregra há uma década atrás,geram um efeito perverso:"aprendemos menos e con-fundimos mais".

Patterson terminou dizendoque "era difícil sentir-se opti-

mista" porque, no seu entender, não existe nem umasolução política - "o que fazer quando o problema é haverdemasiados?" - nem uma saída cívica: à geração dos media"multifunções" falta "a vontade de acreditar e o desejo deagir" que, segundo Walter Lippman, movia os públicosdos anos 20 do século passado. Pior, a receita de sucessodo entretenimento, vem com aditivos: "quanto mais con-sumimos, mais queremos".

Natalie Fenton, investigadora no Goldsmith College,uma das mais prestigiadas universidades inglesas, autorade um livro recente intitulado New Media, Old News:Journalism and Democracy in the Digital Age, trouxe umretrato mais animador, senão em relação à situação do jor-nalismo, pelo menos em relação à forma como o públicobritânico se posiciona face às notícias.

Da esquerda para a direita:

sessão de abertura, presidida

por Nelson Traquina; Thomas

Patterson; Natalie Fenton;

Daniel Hallin

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As entrevistas realizadas no âmbito do projecto"Espaço das notícias", coordenado por Natalie Fenton como objectivo de analisar a forma como as mudanças sociaise tecnológicas estão a afectar o jornalismo, revelam que amaioria dos inquiridos sentem saudades dos seus antigosjornais locais e regionais, centrados sobre aspectos rele-vantes da vida da comunidade e filtrados por um controleeditorial a quem reconheciam credibilidade e pertinência.

Na maioria dos casos, esses jornais desapareceram,foram substituídos pelos periódicos gratuitos ou sobre-vivem com imensas dificuldades, praticando um jornalis-mo mais pobre, fruto do desinvestimento financeiro e daredução por vezes brutal do número de antigos profis-sionais.

A originalidade da reflexão de Natalie Fenton é que elanão se limita a estudar os impactos no tecido local damudança tecnológica, mas vai à raiz do problema, ou seja, àprópria lógica do sistema capitalista em que vivemos: "Amercantilização das notícias destruiu a relação anterior entrejornalismo e democracia. O mercado não possui ne nhumaintenção de agir democraticamente e por isso precisa de serregulado pelo Estado, em nome do interesse público".

Daniel Hallin, co-autor com Paolo Mancini de Sistemasde Media: Estudo Comparativo, uma obra de referência queanalisa o funcionamento dos media em 18 países ociden-tais, traduzida para Português graças a uma parceria doCIMJ com a FLAD, apresentou as ideias chave de umtexto que tem sido debatido apaixonadamente em todo omundo.

Portugal foi originalmente colocado pelos autores nogrupo dos países enquadrados no "modelo mediterrânicoou pluralista polarizado", caracterizado por uma entradatardia na modernidade devido à longa duração da ditadu-ra; à existência de uma imprensa muito politizada e do -minada pelo comentário; à fraca profissionalização dosjornalistas, que dispõem de pouca autonomia e não parti -lham consensos sólidos relativamente a procedimentoséticos e deontológicos.

Sempre que vem a Lisboa, Daniel Hallin insiste nanecessidade de reavaliar a situação do jornalismo por-tuguês. A Espanha e a Itália, nossos parceiros de modelo,ainda reforçaram mais os traços do sistema "pluralistapolarizado" mas Hallin admite que Portugal, que nãovoltou a estudar, possa ter evoluído de forma diferente.Talvez os leitores da JJ possam também reflectir sobre oassunto, nomeadamente avaliando a pertinência do juízoproferido na página 110: "Os media nos países mediter-rânicos são muito politizados e o paralelismo político éelevado. O estilo de jornalismo dá um enfoque especial aocomentário. Os jornais tendem a representar distintastendências políticas e isto reflecte-se nas atitudes políticasdivergentes dos seus leitores. Tanto os jornalistas como osproprietários de media têm frequentes ligações oualianças políticas e continua a ser bastante comum que osjornalistas se tornem políticos e vice-versa".

Académicos de topona área das ciênciasda comunicação

E, ao terceiro Seminário, o CIMJ continuou a falar de

Media, Jornalismo e Democracia, um triunvirato unido por

relações complexas que já tinha sido o mote do primeiro

e do segundo seminários internacionais organizados por

aquele centro de investigação.

Para Nelson Traquina, professor na FCSH e presidente do

CIMJ, a opção justifica-se plenamente: “a crise económica

e financeira que vivemos está a fazer perigar o jornalismo.

Sem um jornalismo forte, a democracia também adoece.

Além disso, em 2009 Portugal viveu 3 eleições, o que

constitui uma razão acrescida para reflectir sobre o papel

dos media na construção da cidadania e na participação

política”.

O encontro contou com académicos estrangeiros de topo

na área, incluindo Thomas Patterson, Daniel Hallin,

Natalie Fenton, Barbara Pfetsch, James Curran e Phillipe

Schlesinger, além de numerosos investigadores

portugueses e o entusiasmo dos estudantes de jornalismo

da FCSH e de outras instituições.

TEMA 1 Media, jornal ismo e democracia

JJ

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James Curran repensa papel democrático dos media

A vez do entretenimento

Texto Carla Martins

"No one has 'Breakfast at Tiffany's' and no one has 'Affairs to Remember'.Instead, we have breakfast at 7 am, and affairs we try to forget as quickly aspossible". Qual a relação entre este desabafo de Carrie Bradshaw,protagonista e narradora da popular série "O Sexo e a Cidade", e afunção democrática dos media? James Curran explica esta associação."O entretenimento é aquilo que as pessoas mais consomem nosmedia, o que tem relevância e significado políticos", declara à JJ,defendendo que não é mais sustentável continuar a olhar oentretenimento como algo afastado da política e sem relação com opapel democrático dos media.

Presente no III Seminário Internacional Media,Jornalismo e Democracia, organizado peloCentro de Investigação Media e Jorna lismo(CIMJ), James Curran veio expor as suasideias sobre o significado democrático do

entretenimento, "um campo de minas desconhecido" queas respostas habituais da academia têm cautelosamentecircundado.

O professor da Goldsmiths College, Universidade deLondres, começa pela evidência de que "a maioria dosconteúdos produzidos pelos sistemas mediáticos contem-porâneos (…) nada tem a ver com assuntos públicos. Comefeito, mesmo os media noticiosos privilegiam cada vezmais as soft news e o entretenimento". Aquilo que osmedia oferecem aos seus públicos está cada vez mais dis-tante de uma "compreensão convencional da política" 1 .Neste contexto, está em risco a função democrática dosmedia?

Não constitui novidade assinalar a balcanização dosmedia pelo entretenimento. Em 1985, em AmusingOurselves to Death: Public Discourse in the Age of ShowBusiness, o norte-americano Neil Postman criticava oimpério da imagem sobre a palavra escrita e a banalizaçãode assuntos sérios em entretenimento pela televisão.

Para o director do Goldsmiths Leverhulme MediaResearch Centre, limitar-se a manifestar preocupação coma emergência do entretenimento, deplorando que osmedia se estão a desviar do seu papel democrático,"equivale a ignorar o significado político do entretenimen-to". O mesmo sucede se se insistir em distinguir o

TEMA 1 Media, jornal ismo e democracia

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JJ|Jan/Mar 2011|11

entretenimento e a cobertura de assuntos públicos comocategorias separadas ou como categorias que ocasional-mente se sobrepõem, como em formatos como o "DailyShow", de Jon Stewart (ou, entre nós, o "Gato FedorentoEsmiúça os Sufrágios").

James Curran advoga - e aqui reside a novidade - quese deve pensar este fenómeno diferentemente. Porquê?"Porque o entretenimento é aquilo que as pessoas maisconsomem nos media, o que tem relevância e significadopolíticos", declara o investigador à JJ. Para o efeito, mapeiaa relação entre política e entretenimento em quatro for-mas principais - em termos de valores, identidades, cog-nições e normas.

DRAMA, MÚSICA, DEBATE PÚBLICO As séries televisivas e os filmes, mesmo sem qualquer

relação com o domínio político, como o filme "Chocolate",do realizador sueco Lasse Hallstrom, proporcionamdebates sobre os valores que enformam a política: "quan-do o entretenimento sustenta diferentes valores, e implici-tamente convida as audiências a escolher entre eles, a suafunção não é simplesmente a de entreter. O entretenimen-to potencialmente está a contribuir para o processo políti-co" 2.

A função democrática do entretenimento é tambémpotenciada nos consumos dos media com impacto nacons trução das identidades sociais, hoje um tema centralda dinâmica política contemporânea. "A música popular éespecialmente importante, seja como uma componenteda identidade subcultural, seja como veículo de protestopolítico" 3.

O entretenimento fornece imagens e quadros que con-tribuem para a compreensão e interpretação do mundo -como o polémico "24", protagonizado por Jack Bauer - e,de igual forma, pode fomentar o diálogo sobre as normaspúblicas, ou seja, as regras, convenções e expectativas queorientam o comportamento social e as interacções sociaise que definem as fronteiras do socialmente aceitável.

"Os media estão envolvidos no cumprimento das nor-mas através da estigmatização ou demonização dos trans-gressores (…). Mas os media podem também participar noenfraquecimento, fortalecimento ou revisão das normas" 4.

Um exemplo é a evolução da representação social degays e lésbicas nos filmes e séries, do pendor marcada-mente negativo durante boa parte do século XX até à inte-gração positiva nas narrativas de personagens com estaorientação sexual na actualidade. A série "O Sexo e aCidade" ilustra, de igual forma, o debate em torno de va -lores públicos propiciada por um programa de entreteni-

mento, neste caso sobre papéis sociais de género na con-temporaneidade.

ENTRETENIMENTO E JORNALISMOUma pergunta é inevitável: qual a concepção de "política"subjacente às reflexões de James Curran? Em declaraçõesà JJ, explica que "existem duas formas de entender a políti-ca. Uma, central ao feminismo e aos cultural studies, estápreocupada com a ideia de que 'o pessoal é político' e coma regulação normativa. Está preocupada com a consciên-cia e as relações sociais. Outra concepção da política estárelacionada com a administração pública, o estado, os par-tidos e o sistema governamental. Precisamos dos doisentendimentos, e da conexão entre ambos, para percebero significado 'político' do entretenimento".

O entretenimento por si só é insuficiente para manteroleado o sistema político democrático e de forma algumasubstitui o bom jornalismo. Porém, concorda que o jornal-ismo atravessa um momento de crise e é cada vez menoscapaz de cumprir a tarefa de escrutinar os poderes públi-cos. Subscreve, igualmente, a tese defendida por ThomasPatterson de que as soft news e o jornalismo crítico estãoa contribuir para o enfraquecimento da democracia 5.

No artigo "Media System, Public Knowledge andDemocracy", publicado na European Journal of Commu -nication, em 2009, procedeu a uma análise comparativa entrequatro sistemas mediáticos diferentes - dois com modelo deserviço público (Dinamarca e Finlândia), um com modelo"dual" (Reino Unido) e outro com modelo de mercado(Estados Unidos). Concluiu que, nos países com modelo deserviço público, a televisão dedica mais atenção aos assuntospúblicos e às notícias internacionais em comparação com omodelo de mercado, mais centrado no entretenimento. Oserviço público de televisão dá, de igual forma, maior proem-inência às notícias, encoraja um nível mais elevado de con-sumo noticioso e contribui para diminuir o fosso social 6.

1 - Curran, James (2010), "Democratic Value of Entertainment: A

Reappraisal", Media & Jornalismo, n.º 17, p. 69.

2 - Idem, ibidem, p. 71.

3- Idem, ibidem, p. 76.

4 - Idem, ibidem, p. 81.

5 - Patterson, Thomas (2003), "Tendências do Jornalismo

Contemporâneo. Estarão as Notícias Leves e o Jornalismo Crítico a

Enfraquecer a Democracia?", Media & Jornalismo, n.º 2, pp. 19-42

6 - Curran, James, Iyengar, Shanto, Brink, Anker Lund and Salovaara-

Moring, Inka (2009), "Media System, Public Knowledge and

Democracy: A Comparative Study", European Journal of

Communication, 24 (1), pp. 5-26.

JJ

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12|Jan/Mar 2011|JJ

Ciberjornalismo: modelo de negócio procura-sePago ou gratuito? Mecenato ou publicidade? Qual será o melhormodelo de negócio para o ciberjornalismo? Esta foi a principalquestão que juntou investigadores, professores, estudantes eprofissionais no II Congresso Internacional de Ciberjornalismoorganizado pela Universidade do Porto. No final de dois dias dediscussão, subsistem ainda muitas dúvidas sobre a melhor solução.Certeza apenas uma: que o jornalismo na Internet tem que se virarmais para os conteúdos próprios e de qualidade.

Textos Luís Bonixe

TEMA 2

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JJ|Jan/Mar 2011|13

AUniversidade do Porto em parceria com oObservatório do Ciberjornalismo (Obciber)juntou professores, investigadores, estu-dantes e profissionais nos dias 9 e 10 deDezembro a propósito do II Congresso

Internacional de Ciberjornalismo, para discutir modelosde negócio para o jornalismo online, mas a verdade é queos intervenientes nacionais e estrangeiros não consegui-ram apresentar a tão esperada “fórmula mágica”.

E não conseguiram porque, na realidade, ela não exis-te, apesar das várias experiências que têm sido feitas nosúltimos anos. E o problema do ciberjornalismo pareceresidir aí. Depois da euforia dos primeiros anos caracteri-zada pela adesão quase incondicional dos média tradicio-nais à Internet, jornalistas e proprietários das empresasjornalísticas aperceberam-se que só isso não chega; é pre-ciso tornar esta prática rentável.

O problema de fundo está na própria lógica da rede,que habituou os consumidores a acederem a tudo (ou aquase tudo) gratuitamente. Por isso, a solução parece nãoser fácil: como pedir para pagar conteúdos que os utiliza-dores estão habituados a receber de modo gratuito? Ecomo pode um site jornalístico pedir para pagar os seusconteúdos, quando os utilizadores podem ter acesso gra-tuito à mesma informação noutro site?

Estas duas questões foram tomadas como ponto departida para várias intervenções no congresso.

PAGAR OU NÃO PAGAR?João Canavilhas(na foto), professor na Universidade daBeira Interior, elencou quatro possíveis modelos de negó-cio para o ciberjornalismo. Num primeiro modelo, os con-teúdos seriam pagos. Trata-se de um modelo fechado quetem a vantagem de garantir receitas, mas que faz com queos meios que o adoptam desapareçam dos motores debusca, diminuindo assim a sua audiência. É um modeloque já foi tentado várias vezes (em Portugal peloPúblico.pt, por exemplo), mas que teve sempre o mesmofim: as empresas acabaram por recuar, até porque, subli -nhou Canavilhas, “dificilmente as pessoas vão pagar poraquilo que estão habituadas a receber de forma grátis”.

Um segundo modelo assenta na publicidade. Seria,digamos, a transferência do modelo de negócio maiscomum nos média tradicionais para os média digitais. Opouco interesse até agora manifestado pelas agências depublicidade em apostar no online, por um lado, e poroutro a frequente utilização de formas intrusivas de publi-cidade nos sites (que irritam os utilizadores) são aponta-das como duas desvantagens deste modelo.

João Canavilhas sugeriu ainda um terceiro modelo,designado de Freemium. Trata-se de um esquema quecombina várias formas como a disponibilização grátis dealguns conteúdos, o pagamento de outros, aplicações ecomissões por operação. Para o autor, este modelo nãotem ganho muitos adeptos.

Por fim, o modelo 360° engloba micropagamentos e aces-so grátis, implica novas formas de publicidade, distribuiçãomultiplataforma e multicanal e o que se designa por CrowdFunding, ou seja a possibilidade de grupos de pessoas ouuma determinada comunidade pagar para que a empresajornalística desenvolva um determinado trabalho.

Trata-se, segundo Canavilhas, de um modelo que com-binaria a visibilidade e tráfego dos acessos grátis, o baixocusto próprio dos micropagamentos, a criatividade dasnovas formas de publicidade, a personalização da distri-buição multiplataforma, a partilha das redes sociais e apossibilidade de desenvolver investigação jornalísticaindependente mediante o financiamento através doCrowd Funding.

Ao fazer uma retrospectiva história dos modelos adop-tados em Portugal e no Mundo, Hélder Bastos, professorda Universidade do Porto não tem dúvidas: “há 15 anosque os modelos de negócio para o ciberjornalismo têm fa -lhado”.

No início da sua intervenção, o investigador começoupor alertar que iria falar de algo muito difícil: “vou falar dealguma coisa que de facto não existe”. Para Hélder Bastos,os média online têm adoptado uma lógica que segue oraciocínio de tentativa-erro e isso tem impedido a adop-ção de medidas estruturais das quais possam resultar ummodelo de negócio consistente. Por isso, sublinhou por

O problema de fundo está na próprialógica da rede, que habituou osconsumidores a acederem a tudo (oua quase tudo) gratuitamente. Comopedir para pagar conteúdos que osutilizadores estão habituados areceber de modo gratuito?

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várias vezes o professor, apesar da presença online dosconteúdos jornalísticos, da cada vez maior preferênciademonstrada pelos indivíduos pelo meio Internet, o pro-blema subsiste: “show me the Money”.

Hélder Bastos identificou vários modelos emergentes,entre os quais a criação de fundações, as políticas de mece-nato, a sinergia entre grupos e redacções e a venda deconteúdos e aplicações para dispositivos móveis.

Para Hélder Bastos, os próximos anos podem ser deter-minantes, uma vez que o que está agora em cima da mesaé o efeito Murdoch. O magnata da comunicação insurgiu--se contra o facto dos conteúdos que os média do seuimpério produzem não serem pagos, mas poderem serutilizados por todos. Até que ponto este modelo é viável eem quem medida poderá ser adoptado no futuro, serãoquestões que, de acordo com Hélder Bastos, vão dominaro debate sobre estas matérias nos próximos anos.

O PAPEL DOS CONTEÚDOSA indefinição de um modelo de negócio para o jornalismoonline radica nas dificuldades que o próprio meio Internetimpõe. A lógica de acesso livre à informação e os hábitosde consumo entretanto enraizados e sublinhados pelaemergência das redes sociais que interpelam os utilizado-res a partilhar, comentar e sugerir uns aos outros a infor-mação, acabam por ser factores que obrigam à adopção demodelos de negócio específicos para a Internet e que tor-nam difícil a simples migração de modelos já experimen-tados nos média tradicionais.

É que para além de ser difícil pôr as pessoas a pagar oque começou por ser grátis, o problema é também o desaber se aquilo que se põe a pagar tem mesmo um valorsuficiente para que seja efectivamente pago. E a respostaparece ser negativa. Ou seja, os média online têm adopta-do uma estratégia de cobertura informativa que tendepara a homogeneização dos conteúdos, por isso o que élido num site não é muito diferente do que é disponibili-

TEMA 2 Ciberjornal ismo

Os média online têm adoptado umaestratégia de cobertura informativaque tende para a homogeneização dosconteúdos, por isso o que é lido numsite não é muito diferente do que édisponibilizado noutro local da rede

Com mais jornalismo deinvestigação nos sites jornalísticos,os utilizadores perceberiam que háconteúdos diferentes e de qualidade eisso criaria melhores condições paraa adopção de modelos assentes nopagamento da informação

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zado noutro local da rede. Assim, será muito difícil pôralguém a pagar por conteúdos que pode encontrar emqualquer outro sítio online.

Para inverter este estado de coisas, a receita está dada:produção própria e de qualidade.

Para Concha Edo, professora na UniversidadComplutense de Madrid, a qualidade do jornalismo quese está a praticar na Internet é muito baixa e isso deve-seem boa parte à circunstância de, como referiu, haver ten-dência para fazer um “jornalismo de títulos”.

A professora espanhola partiu do cenário de que hácada vez mais indivíduos, especialmente jovens, naInternet e em particular nas redes sociais, no entanto nãoprocuram informação jornalística. As suas motivaçõespassam pelo entretenimento, por se manterem em contac-to com os amigos e fazer novos contactos.

Ou seja, conclui Concha Edo, a Internet oferece sobre-tudo entretenimento e pouca informação. Por outro lado,a informação jornalística que disponibiliza trata compouco aprofundamento os temas. “Não podemos pensarque ao lermos os títulos que são colocados na Internet enas redes sociais, ficamos informados sobre esses mesmostemas”, disse Concha Edo.

Para a professora e investigadora espanhola, o jornalis-ta tem que atribuir credibilidade à informação, sublinhan-do que é preciso encontrar novas formas de fazer jornalis-mo na Internet.

Uma dessas formas poderá ser o que Steve Doig, pro-fessor norte-americano, disse na sua intervenção: “façamjornalismo de investigação”.

Steve Doig é professor na Universidade de JornalismoWalter Cronkite no Arizona, Estados Unidos e é especialis-ta em Computer Assisted Reporting, ou seja a utilização docomputador para a realização de trabalhos jornalísticos.

O que Doig veio dizer aos estudantes de jornalismoportugueses da Universidade Nova de Lisboa (ondeministrou uma disciplina do mestrado) mas também de

outras universidades portuguesas (Coimbra, Portalegre)foi que a utilização de software, por exemplo o excell,pode ajudar na investigação e aprofundamento de temas.No congresso de Ciberjornalismo, Steve Doig referiu asvantagens desse tipo de trabalho sublinhando que poderepresentar um elemento distintivo no jornalismo.

“A Democracia necessita de um jornalismo watchdog. Ainvestigação dos conteúdos pode ser uma forma de atrairas audiências para o pagamento do acesso aos sites”, con-siderou Steve Doig.

Este vencedor do prémio Pulitzer em 1993 acredita quecom mais jornalismo de investigação nos sites jornalísti-cos, os utilizadores perceberiam que há conteúdos dife-rentes e de qualidade e isso criaria melhores condiçõespara a adopção de modelos assentes no pagamento dainformação.

REDES SOCIAIS E CONTEÚDOSGERADOS PELO UTILIZADORAs redes sociais e a sua utilização pelo jornalismo foi outrodos temas do II Congresso de Ciberjornalismo. A proble-mática assentou em como a utilização do Facebook, Orkutou do microblogging Twitter estão a influenciar as práticasjornalísticas.

Estudos têm demonstrado que as redes sociais podemcontribuir para a disseminação da informação, promoçãoda interactividade com os leitores, partilha de informaçãoentre os utilizadores e, entre outras vantagens, como fontede informação jornalística.

A questão reside, porém, em saber de que forma pode ojornalismo retirar proveito destas potencialidades e se, poroutro lado, as redes sociais são sinónimo de maior partici-pação por parte dos utilizadores no processo informativo.Ou seja, qual a dimensão dos Conteúdos Gerados peloUtilizador (CGU) nos sites informativos e nas redes sociais?

Marcos Palácios, professor na Universidade Federal daBahia, constata que é cada vez mais frequente a disponibi-

O norte-americano Steve Doig e o

brasileiro Marco Palácio foram dois

dos investigadores estrangeiros

intervenientes no congresso

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lização de ferramentas e de espaços nos sites de informa-ção para que os utilizadores possam comentar, sugerir ouavaliar a qualidade das notícias.

Partindo deste pressuposto, o professor e investigadorbrasileiro colocou a questão: estaremos perante aquilo aque Dan Gillmor chamou de “jornalismo conversacional”?Marcos Palácios entende que esse será o caminho, mas,partindo da realidade brasileira, considerou que aindanão é o que sucede.

“De conversa há muito pouco”, sublinhou Palácios. “Oscomentários não são respondidos pelos jornalistas e quandohá conversa é entre os que comentam. Quando há comen-tários muitas vezes é, como dizemos no Brasil, baixaria”.

Marcos Palácios considera que o que existe actualmen-te é um processo de guetização, ou seja, se é verdade queos espaços para a participação dos utilizadores existemnos sites, a realidade é que esses locais estão separados doresto da informação.

“Os sites dizem que o usuário pode comentar, mas só

ali, naquele local. Aquilo a que se assiste é a um mosaico.Cada um comenta o que quer sem que os temas tenhamuma relação entre si”, explicou Palácios para quem umamudança neste cenário terá que passar inevitavelmentepor transformações ao nível das rotinas e das práticas detrabalho dos jornalistas.

O desafio de Marcos Palácios é perceber em que medi-da as redes sociais podem integrar os modelos de negóciodo ciberjornalismo e nesse sentido propôs quatro mode-los.

O primeiro passa pelos Conteúdos Gerados peloUtilizador. A participação dos utilizadores em matérias deâmbito local implicaria uma diversidade de informação aum custo reduzido.

Um segundo modelo enfatiza a Fidelização. Significaque no contexto da criação de comunidades de leitores saireforçado o sentimento de pertença aumentando destemodo a probabilidade de retorno dos leitores. O terceiromodelo relaciona redes sociais e aquilo a que chamou decapilaridade. Marcos Palácios explicou que a disseminaçãoda informação através das redes sociais aumenta o tempode vida dessa mesma informação. A notícia deixa de sertão efémera como até aqui. Por fim, o quarto modeloimplica a correlação entre a agenda dos média e a agendapública. Ou seja, através da participação dos utilizadorescria-se uma agenda do público.

Para Marcos Palácios o comentário às notícias deve serrevalorizado na medida em que confere densidade infor-mativa e resolução semântica à notícia.

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De que forma pode o jornalismoretirar proveito das potencialidadesdas redes sociais? Qual a dimensãodos Conteúdos Gerados peloUtilizador (CGU) nos sitesinformativos e nas redes sociais?

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Origens do ciberjornalismo portuguêsOs primeiros quinze anos do ciberjornalismo em Portugal estãoreunidos em livro da autoria de Hélder Bastos, professor einvestigador da Universidade do Porto, e cuja apresentação foi feitano decorrer do II Congresso Internacional de Ciberjornalismo.

Olivro Origens e evolução do ciberjornalismoem Portugal faz uma análise da primeiradécada e meia de presença dos meios decomunicação jornalísticos na Internet. O autor identifica três grandes fases do

ciberjornalismo português: a implementação, a expansãoe a estagnação.

A primeira fase corresponde ao período entre 1995 e1998 e caracteriza-se pela experimentação e pela práticado shovelware (colocação integral e sem modificações daedição impressa na Internet. “(…) os jornais abrem os res-pectivos sites para neles reproduzirem os conteúdos pro-duzidos para a versão em papel , as rádios para emitiremna Web o sinal hertziano, as televisões os seus telejornais”(p.33).

A segunda fase, de expansão, situa--se nos anos de 1999 e 2000 e na qualse assiste, segundo Hélder Bastos, aum boom motivado pelo “surgimentode novos projectos, envolvendoinvestimentos avultados”. É tambémnesta fase que alguns grupos multi-média começaram a apostar em por-tais. A fase da expansão caracteriza-sepela euforia e entusiasmo da presençaonline motivada em grande parte pelaesperança depositada na chamada“nova economia”. No caso português,é nesta altura que algumas redacçõesampliam os seus recursos humanos.

Por fim, a terceira fase, de estagna-ção, é caracterizada pela falência dealguns projectos que entretanto ti -nham começado. O período de esta -gnação por que passava o ciberjorna-lismo português teve também muito a ver com a crise nosector dos média que o novo milénio veio acentuar.

Para Hélder Bastos, “os primeiros quinze anos de ciber-jornalismo português foram, em boa parte, uma oportuni-dade perdida”, pode ler-se no final da conclusão do livro.As razões para este estado de coisas, considera o autor,está no facto de o ciberjornalismo em Portugal ter privile-giado o acessório em detrimento do essencial.

“A generalização do copy-paste pouco espaço deixou

para a reportagem multimédia quenão fosse mera demonstração de habi-lidades rudimentares em flash. Enfim,a sobrevalorização do design, do pod-cast, do feed, do widget, do mobile, doblogue convidado, da foto ou vídeodo leitor, da rede social, serviu, nãopoucas vezes, para mascarar a ausên-cia de produção ciberjornalística perti-nente e de qualidade”, conclui o autor.

No decorrer da apresentação dolivro sobre os primeiros quinze anosde ciberjornalismo português, HélderBastos anunciou que já está a prepararum novo trabalho com o qual preten-de caracterizar as primeiras duasdécadas de jornalismo na Web emPortugal.

“É preciso aprofundar algunsmomentos do ciberjornalismo em Portugal, por exemplo éimportante conhecer as origens mais remotas desta práti-ca. O momento em que o computador entrou nas redac-ções portuguesas substituindo as máquinas de escrever. Éum momento importante e sobre o qual há ainda poucainformação”, referiu Hélder Bastos.

Leitura: BASTOS, Hélder (2010). Origens e evolução do ciber-jornalismo em Portugal. Porto: Edições Afrontamento.

António Granado e Hélder Bastos na apresentação do livro

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Cibermeiosportugueses aindanão aproveitamtodas aspotencialidade da net

Renascençae Jornal de Notíciasdividem prémiosde ciberjornalismo

Os cibermeios portugueses estãoainda longe de aproveitar aomáximo as potencialidades daInternet, pelo menos a avaliarpelos dados divulgados durante oII Congresso de Ciberjornalismo eque resultam de um estudoefectuado pelo professorFernando Zamith daUniversidade do Porto.

Oinvestigador analisa desde 2006, sempredurante o mês de Novembro, qual o nívelde aproveitamento dos cibermeios relati-vamente às potencialidades da Internet econcluiu que em 2010 os média jornalísti-

cos online estão ainda numa fase em que não aproveitamalgumas das funcionalidades que a World Wide Web ofe-rece ao jornalismo. Zamith concluiu ainda que a interacti-vidade é uma promessa adiada e que o jornalismo tradi-cional se adapta melhor à Internet do que projectosnovos.

Fernando Zamith adaptou a tabela de aproveitamentode potencialidades da Internet criada por Tanjev Schultz eaplica-a aos cibermeios portugueses procurando avaliarqual o aproveitamento relativamente à Interactividade,multimedialidade, hipertextualidade, instantaneidade,ubiquidade, memória, personalização e criatividade.

A análise começou por incidir unicamente sobre os jor-nais de informação geral, mas depois foi alargada aos deeconomia, desporto, académicos e este ano inclui aindauma análise a sites internacionais. Em 2010 foram analisa-dos 21 sites noticiosos nacionais.

De acordo com o estudo, a potencialidade da Internetque os sites jornalísticos mais aproveitam é a memória(existência de arquivos, por exemplo), seguida da instan-taneidade (actualização imediata da informação) e multi-

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Àsemelhança de anos anteriores, o Obciberem conjunto com a Universidade do Porto,atribuíram os prémios de ciberjornalismoaos sites noticiosos portugueses. Em 2010,o júri constituído por professores nacio-

nais e estrangeiros da área do ciberjornalismo, atribuiu oprémio principal de Excelência Geral em Ciberjornalismoao site da Rádio Renascença. A emissora católica venceuainda os prémios para a melhor Infografia Digital intitula-da “Temporal na Madeira” e a melhor ReportagemMultimédia com o trabalho “Muro de Berlim – 20 Anos”.

Outro vencedor foi o Jornal de Notícias que arrecadou osprémios nas categorias de Videojornalismo Online com otrabalho intitulado “A Vida que o Mar lhes Dá” e ÚltimaHora com a cobertura feita ao caso Casa Pia intitulada“Pena de Prisão Efectiva para 6 arguidos” .

Tal como em anos anteriores, o site JornalismoPortoNet, da licenciatura em Ciências da Comunicação daUniversidade do Porto, venceu o prémio na categoria decibermeios académicos com o trabalho “Morro da Sé”.

medialidade (presença de vídeos, áudio, etc). A interacti-vidade (presença de elementos de diálogo com os utiliza-dores) é a potencialidade de que os média online portu-gueses analisados menos uso fizeram em 2010.

O site do Jornal de Notícias é aquele que obteve maior per-centagem de aproveitamento das potencialidades da

Internet, uma liderança que já se mantémdesde o ano passado. O Jornal “I” seguena segunda posição seguido pela TSF,Público e Expresso. De acordo com a tabelade Fernando Zamith, O Metro, O Diabo eo 24 Horas são os sites que menos aprovei-tam as potencialidades do online.

Relativamente aos sites temáticos,estudo liderado por Catarina Osório, osite do Diário Económico é o que obtémmaior pontuação, no desporto o siteZero Zero, e entre os académicos é oprojecto da Universidade do Porto,Jornalismo PortoNet que lidera a lista.

Em 2010, o estudo incluiu ainda umaanálise aos jornais regionais do Porto.Na análise efectuada por Patrícia Couto,conclui-se que o site do jornal Terras doVale do Sousa é aquele que melhor apro-veita as potencialidades da Internet.

Em relação aos sites internacionais, o estudo revelouque em 2010 o The Guardian foi o que obteve maior pon-tuação na grelha de análise. Para além do jornal britânico,foram também analisados o El Pais, The New York Times,CNN e BBC e os sites Wikinews, The Huffington Post,Newsvine, Google news e Digg. JJ

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Carla Baptista e Fernando Correia entre as r

ENTREVISTA

“A história do jornalismoportuguês está por fazer”

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s redacções e a academia

Simultaneamente vinculados à prática jornalística e à investigaçãoacadémica, os autores de Jornalistas: do Ofício à Profissão e MemóriasVivas do Jornalismo lavram com entusiasmo o terreno da memória.Lamentando que a classe demonstre tão pouco interesse pelo seupróprio passado, esperam que o trabalho que desenvolvem contribuapara uma história ainda por escrever.

Texto: Helena de Sousa Freitas Fotografias: Luís Humberto Teixeira

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Jornalismo & Jornalistas – Como se envolveram neste projec-

to? Podemos considerá-lo um contributo para a escrita da

história do jornalismo português?

Fernando Correia – Uma das coisas que esteve na origemda nossa investigação foi precisamente o não haver umahistória do jornalismo. Existe uma obra incontornável queé a História da Imprensa Periódica Portuguesa, do JoséTengarrinha, mas ela fica no princípio do século XX e faza história da imprensa. Ora, o nosso objectivo era contri-buir para a história do jornalismo, que é mais abrangente.

Este projecto nasceu no âmbito do Centro deInvestigação Media e Jornalismo, do qual somos sóciosfundadores. Interessámo-nos pela problemática por ra -zões mais ou menos óbvias: a proximidade das fontes e dotempo e a sensação de que os anos 50 e 60 foram muitoimportantes para o jornalismo que agora se pratica, poisconstituíram uma época de charneira, em que se fez a pas-sagem de um jornalismo “antigo” para um jornalismoque, não sendo o de hoje, lançou as bases do jornalismoactual.

Perante isto, começámos por traçar um plano de inves-tigação, delineando objectivos e meios, e concluímos queas entrevistas eram fundamentais, tendo feito a maioriadelas entre 2004 e 2006.

Depois da publicação da análise propriamente dita, nolivro Jornalistas: do Ofício à Profissão, pareceu-nos que asentrevistas tinham um valor documental próprio, pelosepisódios e exemplos que revelavam, e assim nasceu oMemórias Vivas do Jornalismo.

Carla Baptista – De facto, a história do jornalismoainda está por fazer e, nesse sentido, é preciso prolongaro trabalho que iniciámos, pois ele é limitado pelo períodode tempo e pela metodologia que escolhemos. Tendooptado por realizar entrevistas, não poderíamos fazer ahistória do jornalismo dos anos 20 ou 30 por impossibili-dade de acesso às fontes. O nosso trabalho tem ainda limi-tações geográficas, pois centrámo-nos em Lisboa e seriaimportante alargar a investigação pelo menos ao Porto,onde nos primórdios se fazia um jornalismo pujante e atémais interessante do que o da capital. Também falámossobretudo com jornalistas da imprensa e é preciso fazeristo para a televisão e para a rádio.

Para que não fosse uma história da imprensa mas antesdo jornalismo, procurámos privilegiar os contextos labo-rais: saber como as pessoas se relacionavam com os espa-ços de trabalho, como construíam a identidade profissio-nal, como se socializavam, como era a relação com as hie-rarquias e os pares, como agendavam serviços, como defi-niam rotinas ou estruturavam valores profissionais, etc.JJ – Sentem que a investigação nesta área tem vindo num

crescendo?

CB – O investigador José Luís Garcia afirma que nos últi-mos dez anos a investigação sobre jornalismo, e em parti-cular sobre a história do jornalismo, evoluiu tremenda-mente em Portugal. Partimos quase do zero – havia o

Tengarrinha e mais nada – para passarmos a ter um con-junto de livros e autores, desde a Rosa Sobreira aoJoaquim Fidalgo, a Sara Meireles, a Helena Veríssimo, oCarlos Camponez ou o nosso próprio trabalho, só paradar alguns exemplos.

No fundo, o jornalismo deixou de ser apenas umafonte, um recurso para contar a história de outros temas,e passou a ser um tema da história... que nós desconstruí-mos para perceber como as coisas aconteceram, quaisforam as lutas, as turbulências, os acidentes de percursointernos.

MEMÓRIA, ESQUECIMENTO E CENSURA

JJ – Os jornalistas estarão interessados em conhecer a his-

tória do jornalismo ou a classe, talvez por viver do presente,

tende a descurar o passado?

FC – Infelizmente, os jornalistas lêem pouco sobre a pró-pria profissão e interessam-se pouco pela investigação dahistória do jornalismo. E, contudo, é extremamenteimportante conhecer a forma como o jornalismo se cons-truiu naquele período, como foram encarados os proble-mas da deontologia, da identidade profissional ou doacesso à profissão, para relacionar com a realidade dehoje.

CB – No geral, e não apenas na classe jornalística, arelação com o passado é problemática – não há a constru-ção de uma memória e todas as expectativas sociais apon-tam para o presente ou para o futuro. Sucede que, nocampo do jornalismo, essa difícil relação tem-se acentua-do brutalmente, por razões que são elas próprias interes-santes do ponto de vista da investigação.

No jornalismo da I República e do início do EstadoNovo os jornais eram relativamente pequenos e as redac-ções também. Isso criava um grande espírito corporativo eé natural que os próprios donos dos jornais sentissemnecessidade de cuidar desse património. O Diário deNotícias fez várias histórias – os seus 25 anos, os 50 anos, os70 – e hoje esses livros são documentos fantásticos. E asedições de aniversário de outros jornais são extremamen-te interessantes, com depoimentos e fotografias que nosdão um manancial de informação muito grande sobre ahistória do jornalismo.

Durante os anos da ditadura, no período que estudá-mos, os profissionais tinham a preocupação de guardarprovas de que tinham trabalhado para contar determina-da história. Se ela não saíra, não tinha sido por culpa delesmas devido à censura. Encontrámos vários exemplos emórgãos mais progressistas, como o Diário de Lisboa. Essasprovas tipográficas estão nos arquivos dos jornais e é pos-sível reconstituir a história a partir não só do que foi dadoa ler mas também daquilo que foi censurado.

FC – Como diz a Carla, a questão da memória é maistransversal. Há, a nível do ensino e da própria comunica-ção social, ainda que sem querer generalizar, uma tentati-

ENTREVISTA Carla Bapt ista e Fernando Correia

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va de evitar que as pessoas recorram ao passado. Vejoaqui motivos ideológicos muito evidentes que se relacio-nam com uma preocupação em evitar que as pessoas seinterroguem sobre os porquês, sobre as causas das coisas.Entre a juventude está a ser criada uma mentalidade nosentido de evitar que se desenvolva a preocupação com amemória. Portanto, os jornalistas não são aqui um casoespecial – correspondem ao resto da sociedade.JJ – Dado o período abrangido, a censura é um tópico foca-

do por vários entrevistados. Em democracia, como estamos

nesta matéria?

CB – Dar uma resposta assertiva a essa questão exigiriaestudos de observação participante nas redacções, acom-panhamento das reuniões de direcção e do planeamentodos jornais, etc. De qualquer modo, como leitora e inves-tigadora, sinto que, estando muito longe do paradigma dacensura política como já existiu, há lógicas de organizaçãodo jornalismo que são, nalguns casos, censórias, na medi-da em que desviam os jornalistas daquilo que é a sua mis-são social, a sua responsabilidade social.

O jornalismo é uma disciplina com uma gramática pró-pria e deve orientar-se por um conjunto de valores. Omais importante é seguir a actualidade em nome do inte-resse público e, se vemos o jornalismo dominado pelasfontes organizadas, nomeadamente na área política, fica-mos com a percepção de que ele não está orientado pelointeresse público mas pelo interesse de actores localiza-dos.

São sempre os mesmos a falar e os jornais, em vez dese assumirem como espaços democráticos, de debate,vivos, palpitantes e próximos das realidades sociais, tor-nam-se espaços de perversão, às vezes de manipulação.Não diversificar as fontes e os actores sociais é claramenteuma forma de censura.

A verdade é que, em Portugal, há um excesso dedependência do beat político, é quase um colete-de-forças.Nesse aspecto, recordo o livro Sistemas de Media – EstudoComparativo. Três Modelos de Comunicação e Política, deDaniel Hallin e Paolo Mancini, que coloca Portugal nogrupo de países que entraram tarde na modernidade jor-nalística e nos quais predomina uma dependência políti-ca, quase um clientelismo.

Acresce a isto a crise económica que afecta as empresasjornalísticas e que se traduz numa escassez de recursos aoserviço da reportagem, sem a qual não há investigação,demanda, denúncia, e o jornalismo deixa de cumprir umadas suas funções sociais, que é apontar as más práticas.

O colocar o jornalismo ao serviço da transformaçãopositiva do mundo perdeu-se muito por incapacidade deorganização e debilidade económica – dois factores quesão constrangimentos terríveis e fazem mossa na qualida-de dos conteúdos.

FC – Penso que Censura, com maiúscula, existiu duran-te a ditadura. Não estando na Constituição de 1933, a suaexistência foi instituída por vários diplomas legais.

“Os jornalistas lêem poucosobre a própria profissão einteressam-se pouco pelainvestigação da história dojornalismo.”Fernando Correia

“Há lógicas de organizaçãodo jornalismo que são,nalguns casos, censórias, namedida em que desviam osjornalistas daquilo que é asua missão social.”Carla Baptista

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Portanto, não gosto de falar de censura no pós-25 de Abril,porque ela deixou de haver de forma institucionalizada.

Porém, é indiscutível que existem fortes condiciona-mentos à liberdade do jornalista, por motivos relaciona-dos com a própria concorrência – as agendas tornam-sepraticamente iguais por receio de não dar algo que ooutro dê – e por motivos de controlo social. A existênciade uma censura no sentido de beneficiação de uns emdetrimento de outros está relacionada com uma forma decontrolo social da sociedade capitalista, que tem na comu-nicação social um dos seus grandes sustentáculos.

Em termos de método, dantes o envio de provas paraa Censura era uma realidade à qual não se fugia, enquan-to hoje a censura se faz por outra via em cada redacção –desde logo na escolha das direcções e dos responsáveiseditoriais, pois há uns que por motivos ideológicos oupolíticos não têm acesso a esses cargos, mas também querna escolha das temáticas, já que umas são privilegiadas eoutras escondidas ou tratadas de forma superficial, querna filosofia informativa.

O telejornal é o paradigma deste tipo de informação. Asucessão contínua, rápida e demolidora das pequenasnotícias deixa-nos com uma visão caótica do mundo, poistemos os factos mas faltam as explicações. Isto faz comque exista um novo tipo de condicionamento, que não éfeito através de uma censura institucionalizada mas deum consenso implícito nas redacções – imposto pelasagendas e pelas hierarquias – de que há certas coisas deque não se fala, ou se fala apenas de certa maneira.JJ – As audiências dar-se-ão conta desse silenciamento

cirúrgico? Em que medida isso interfere com a formação da

opinião pública?

CB – Creio que vivemos um tempo quase limite, umtempo de crise instalada, em que o risco de desapareci-mento do jornalismo é real e já visível.

Quando os principais diários portugueses – DN ePúblico – vendem cerca de 30 mil exemplares, já não repre-sentam uma opinião pública verdadeiramente significati-va. Podemos dizer que os sites destes títulos têm muitomais visitantes do que as vendas dos jornais impressos,pelo que é possível que influenciem mais pessoas, masesses números são, apesar de tudo, muito reduzidos.Contrariando um pouco o Fernando, creio que os jornaisjá não são assim tão importantes na definição da socieda-de.

Os públicos hoje são tão voláteis, tão mais instruídos,ágeis e críticos do que os próprios jornalistas, aos quaisdevia caber esse papel de detectar o que é notícia e forne-cer a explicação certa... E os jornalistas estão tão reféns dasagendas e das pessoas que os condicionam a falar sempredas mesmas coisas e nos mesmos tons que, quando abri-rem a janela da redacção, vão perceber que já não está láninguém, porque as pessoas entretanto desertaram paraoutros meios disponíveis, onde discutem as coisas impor-tantes.

ENTREVISTA Carla Bapt ista e Fernando Correia

“O colocar o jornalismo aoserviço da transformaçãopositiva do mundo perdeu-se muito por incapacidadede organização e debilidadeeconómica.”Carla Baptista

“Ao procurar estar em todosos lugares, o discursojornalístico acaba por nãoestar em lugar nenhum.”Fernando Correia

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A perda de leitores dos jornais e o desaparecimento dojornalismo enquanto discurso na narrativa das televisõessão sinais preocupantes. Hoje o telejornal é um géneroque combina informação com entretenimento em dosesmaciças. Chegamos a ter telejornais de hora e meia centra-dos em um ou dois temas – isso não é fazer informação, éentreter pessoas, e representa uma erosão do jornalismoenquanto discurso. O risco desta censura não é tanto o decondicionar as pessoas e as manipular mas o de as desin-teressar e deixar fugir, comprometendo a sobrevivênciado jornalismo.JJ – E aí falamos de perda de influência dos Media ou de uma

influência perniciosa?

FC – A imprensa que é lida são os jornais populares e ascentenas de milhares de exemplares de revistas ditas cor-de-rosa que inundam as bancas. Essa é a imprensa domi-nante. São esses meios, lidos e vistos por milhões de pes-soas, a par de certos programas televisivos, que acabampor formar opinião. Isto mesmo quando não têm opinião,pois não ter opinião é uma forma terrível de fazer opinião.

Portanto, existe efectivamente uma grande força dosMedia, só que não é exercida pelos meios de referência –políticos, culturais, económicos – mas pelos de entreteni-mento, uma forma doce de caracterizar alguns tipos dejornalismo que abundam por aí.

CB – Efectivamente, censurar não implica necessaria-mente sonegar informação. Pode ser, pelo contrário, afo-gar as pessoas em informação irrelevante, contando com afalta de filtros. Isto é muito visível na superabundânciados directos televisivos. O directo devia estar reservadoaos momentos em que faz sentido, em que a pessoa fren-te à câmara tem algo de verdadeiramente importante paradizer, mas tornou-se uma ferramenta diária, até paraquestões fúteis, tornou-se uma forma de desviar o pensa-mento.

O tempo televisivo é um recurso escasso e é precisofazer uma selecção em função dos valores jornalísticos. Éessencial ouvir as partes, escolher as pessoas certas e inter-pelá-las, ajuizando e editando a informação mas, regrageral, estas operações já não fazem parte do quotidianodos jornalistas.

FC – Quando, num telejornal, o jornalista elaborademoradamente uma pergunta a um político ou a umespecialista de qualquer área e depois remata com um“agradecia uma resposta rápida: ‘sim’ ou ‘não’”, estamosperante a caricatura trágica de uma certa forma de fazerjornalismo que nada tem a ver com o que está na essênciagenética da profissão nem com a sua responsabilidadesocial.JJ – Os jornalistas estão a demitir-se das suas funções e dos

deveres para com o público?

CB – Conhecer a história da profissão dá-nos uma percep-ção mais apurada do que se passa, pois isto soa como umregresso ao passado.

Um dos aspectos vitais no movimento de moderniza-

ção e emancipação do jornalismo, antes mesmo da liber-dade política, foi o facto de os jornalistas serem capazes deproduzir uma narrativa que ia muito além da mera trans-crição do discurso oficial. Ou seja, o jornalista não se limi-tava a recolher o discurso e a publicá-lo na íntegra, sem oeditar, sem o contrastar com outras fontes, sem sobre eletecer também uma opinião – fundamentada na opinião deoutros, mas que correspondia a uma investigação própria.

Hoje voltámos ao ponto em que o que interessa é reco -lher o discurso e reproduzi-lo rapidamente. Isto constituium recuo assinalável. Para quem não tem esta percepçãoda história, pode parecer uma conquista tecnológica ofacto de se estar em todo o lado ao mesmo tempo, mas háeste risco associado.

FC – Ao procurar estar em todos os lugares, o discursojornalístico acaba por não estar em lugar nenhum.

O PODER DE DIZER “NÃO”

JJ – No que respeita à ética, no Memórias Vivas doJornalismo conta-se de profissionais que trabalhavam em

simultâneo para publicações concorrentes ou conciliavam a

produção noticiosa com a angariação de anúncios. As no -

ções deontológicas estão hoje mais enraizadas?

CB – Do ponto de vista das incompatibilidades, actual-mente não passa pela cabeça de ninguém ser jornalista epublicitário mas isto era mais ou menos comum na elitejornalística da década de 60. No Diário de Lisboa, por exem-plo, dos directores aos editores, muitos tinham trabalhona publicidade.

Quando se começa a organizar em Portugal um discur-so deontológico, a primeira incompatibilidade que surge éentre o jornalismo e a publicidade. As outras vieram poracréscimo, num movimento de profissionalização dos jor-nalistas. Trabalhar apenas para um jornal resultou de umamelhoria substancial dos salários, que permitiu que os jor-nalistas abandonassem o duplo ou triplo emprego. Haviapessoas que corriam de uma redacção para outra, sacrifi-cando a vida pessoal.

Simultaneamente, criavam-se cumplicidades relaciona-das com o lado provinciano da profissão. Como os jorna-listas eram uns 300 ou 400 e trabalhavam quase todos noBairro Alto, passavam notícias uns aos outros, recorrendoaté ao papel químico para fazer várias cópias do que escre-viam e distribuir aos colegas. E, se estavam a cobrir umfogo, ligavam ao director do jornal concorrente para queele enviasse um fotógrafo... afinal, o fotógrafo era omesmo. São traços de pobreza na organização profissionalque foram resolvidos para sucesso dos jornalistas.

Também é certo que a forma como se trabalha hojecoloca desafios éticos e deontológicos que não existiam. Arealidade é agora mais explosiva e impactante e as ques -tões da concorrência, bem como o enorme alargamentodo grupo profissional, fazem com que se reincida emerros, havendo casos antológicos que se repetem sistema-

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ticamente. Um exemplo é o processo Casa Pia, que desdeo início oferece imensos exemplos de violação de direitosbásicos das fontes, das vítimas, dos arguidos. E a leitura dasentença, com a cobertura sensacionalista da última ses-são, confirmou-o.

FC – Um dos traços marcantes que detectámos comosinal de renovação do jornalismo nos anos 60 foi o próprioquestionar de comportamentos éticos que vinham de trás.Inclusivamente o duplo emprego, embora esse fosse maisum problema económico do que ético.

Foi nos anos 60 que a preocupação com a ética – já queo termo “deontologia” surgiria na gíria jornalística maistarde – se começou a revelar, em grande parte devido àrenovação da classe por algumas dezenas de profissionaisvindos das universidades com uma cultura jornalísticabebida na imprensa estrangeira e em alguma bibliografia,apresentando por isso concepções diferentes da profissão.

CB – Importa ainda assinalar a questão do códigodeontológico, que esteve muito presente na discussão docontrato colectivo de trabalho de 1973. Estava definidoum conjunto de princípios que depois não foi aprovadopelo Sindicato dos Jornalistas porque era impossível com-paginar a ideia da adesão voluntária a um código ético,que pressupunha deveres mas também o livre arbítrio,

com a inexistente liberdade de imprensa. Assim, o que osjornalistas fizeram foi adiar a questão até 1976.

Isto revela a ética como um conjunto de princípios eobrigações a que se adere de forma voluntária e livre. Oagir ético é a capacidade de dizer “não”. Quando fizemosas entrevistas, vários jornalistas sublinharam o ganho querepresentou a capacidade de dizer “não” às encomendas,aos fretes políticos, de dizer “não” ao servir alguém quenão o interesse do jornal e dos leitores. Foi uma conquistafundamental.JJ – No actual panorama do sector, os jornalistas continua-

rão a ter essa facilidade de recusa?

FC – Existe actualmente uma corrente forte, e defensável,segundo a qual os jornalistas não devem ser sujeitos a san-ções pelo incumprimento das normas éticas, dado existiruma pressão por parte dos responsáveis editoriais paraque se faça a cobertura de certo tipo de assuntos e comângulos predefinidos. Ficou célebre o caso de Entre-os-Rios, mas poderíamos apontar muitos outros.

Penalizar deontologicamente as derivas dos jornalistasé esquecer que os repórteres mais jovens não têm, muitasvezes, capacidade para dizer “não”, já que isso pode signi-ficar o desemprego.

Ao fim e ao cabo, estamos a viver um período em que a

ENTREVISTA Carla Bapt ista e Fernando Correia

“Vivemos um tempoquase limite, umtempo de criseinstalada, em que orisco dedesaparecimento dojornalismo é real e jávisível.”Carla Baptista

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ética existe enquanto super-estrutura mas a sua concreti-zação depende de determinadas condicionantes, que nãosão as dos anos 60, evidentemente, mas podem ser equi-paráveis.JJ – A classe parece ter uma certa nostalgia face ao jornalis-

mo de outrora, mas quem lê as descrições dos que o prati-

caram dificilmente encontra as razões dessa saudade.

Afinal, já lá estão os ditos fretes, as rotinas, a pressa... Qual

é, pois, a origem da concepção romântica do jornalismo?

Preexiste a tudo isto, como um mito?

FC – No caso português, penso que a ideia pode advir deuma altura em que o jornalismo não sofria a pressão dotempo e da concorrência que passou a ter mais recente-mente e em que, portanto, havia a possibilidade de prati-car a profissão com mais calma, ainda que efectivamenteexistissem muitas semelhanças em termos de fecho dapublicação: dantes havia urgência para que os jornais nãoperdessem os comboios, hoje é porque um atraso significaficar para trás na tipografia.

No entanto, existe igualmente uma certa efabulação dojornalismo com origem na literatura, no cinema e nasséries televisivas, quando vemos o jornalista a substituir odetective ou o investigador.

Este novo tipo de protagonista enriquece a ficção à

custa de uma mitologia com origem no século XIX e noinício do século XX, altura em que a notícia não era paraamanhã mas para daí a uma semana ou um mês.Correspondentes de guerra como Hemingway iam paraum determinado sítio e escreviam a reportagem durantedias. Hoje, as empresas exigem que os jornalistas enviadospara algum lado escrevam ou transmitam imediatamente,por questões de antecipação, de concorrência. Em termosde indústria, os tempos são outros.

CB – Seria interessante investigar quem inventou queo jornalismo é uma profissão romântica, pois, quandoouvimos ou lemos as pessoas que o exerceram, o quetemos é um relato bastante deprimente do fastidioso, domal pago, do pouco interessante e pouco motivador queeram as suas vidas. (risos)

Todavia, é verdade que o jornalismo sempre foi senti-do como uma profissão com alguns privilégios. Um delesera ser um espaço de encontro e de fronteira entre quemexercia cargos de poder e o povo. O jornalista era aqueleque podia bater à porta de um ministro ou secretário deEstado, de um autarca ou de um artista importante e falarcom ele. E esta proximidade trazia capital social, prestígio.

Por outro lado, os responsáveis dos jornais do início doséculo XX tinham a consciência de que aqueles serviam

“Existe efectivamenteuma grande força dosMedia, só que não éexercida pelos meiosde referência –políticos, culturais,económicos – maspelos deentretenimento.”Fernando Correia

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para divulgar reportagens, notícias, histórias, para teruma ligação ao povo, às classes populares.

Ora, o estar nestes dois mundos, o fazer a passagementre eles, contribuiu para a concepção romântica do jor-nalismo, dando a ideia de que quem o exercia pairavaacima da realidade social, tinha um lugar de observaçãoprivilegiada dos outros, o que se traduzia em histórias quedeviam ser bem contadas. Até porque, na ausência deescolas de jornalismo, a grande filiação da profissão era aliteratura.

FC – De facto, embora nos anos 60 tenha passado ahaver jornalistas com outra escolaridade e outra prepara-ção, o que permitiu que as redacções tivessem um nívelcultural mais elevado, já antes existiam jornalistas extre-mamente cultos no plano literário, filosófico ou político.Muitos mesmo poetas, prosadores e dramaturgos. É umaherança dos primórdios do ofício, em que havia uma mis-tura entre jornalismo e literatura, em grande parte possí-vel porque um grupo profissional, os informadores, faziao trabalho de sapa, recolhendo informações nas ruas epassando-as aos redactores, que então as transformavamem histórias.

AS ENTRELINHAS DO SENSACIONALISMO

JJ – Um incêndio, um acidente, um crime eram, no passado,

amplamente noticiados pelos grandes jornais. Hoje, os que

dão relevo a esses acontecimentos são rotulados de “sen-

sacionalistas”, por oposição à imprensa de referência.

Houve uma mutação do conceito ou um refinar do sentido

crítico?

CB – A imprensa moderna não inventou o sensacionalis-mo. Os jornais contavam as histórias de incêndios ou dehomicídios seguidos de suicídios com um sentido deromanesco e para grande deleite dos jornalistas e dopúblico. Num jornal como o Diário Popular, era muito visí-vel a preocupação em estar próximo dos leitores. Os infor-madores estavam nos hospitais, nos tribunais... E o telefo-ne era a ligação ao mundo, pelo que havia sempre alguémde plantão ao pé do telefone à espera de notícias.

Havia também uma rede de correspondentes, unspagos, outros não, que escreviam postais da província acontar que uma senhora tinha caído de uma oliveira ou adenunciar que havia um buraco na estrada principal davila. Tudo isso era publicado nos jornais. E mesmo umtítulo mais progressista e ligado à cultura como o Diário deLisboa tinha 60% de páginas repletas desses pequenosacontecimentos.

FC – Não foi o conceito de sensacionalismo que mudoumas sim a forma de exercer jornalismo, directamente liga-da com a existência ou não de censura. No pré-25 de Abril,dado o jornalismo político ser, por imposição, estereotipa-do e oficial, ele não permitia marcar uma distinção entreos jornais, pelo que a diferenciação se fazia pelos fait-divers.

De qualquer forma, era evidente e óbvio que algunsjornais – como o Diário Popular ou, a partir de 1970, ACapital – mais facilmente davam relevo a um noticiáriode leitura mais fácil, que se poderia classificar de sensa-cionalista.

CB – Os jornais de então não eram apenas para intelec-tuais, destinavam-se a todos. Lembro-me de ter encontra-do declarações do director d’O Século a queixar-se de que,na rua do jornal, as pessoas compravam um exemplar porprédio e o faziam circular de andar em andar. (risos) Era aleitura popular, num período em que, apesar das elevadastaxas de analfabetismo, alguns jornais tiravam mais de100 mil cópias.

Os jornais conseguiam um encontro feliz de públicosde vários estratos sociais e, numa família, chegavam aosseus diversos membros, satisfazendo diferentes expectati-vas. Entretanto, a imprensa deixou de ser uma coisa inclu-siva, abrangente, para funcionar numa lógica de nicho, oque é penalizador em termos de difusão e de influênciasocial.JJ – Portanto, a mudança enquadra-se numa transformação

mais global do exercício da profissão...

CB – O jornalismo actual está distanciado das classes maispopulares porque a maioria dos jornalistas vem das clas-ses médias-altas e já não é capaz de dialogar com um ope-rário ou um agricultor, a ponto de estes parecerem figurasexóticas que não fazem, por norma, parte da paisagem

ENTREVISTA Carla Bapt ista e Fernando Correia

“Estamos a viver umperíodo em que a éticaexiste enquanto super-estrutura mas a suaconcretização depende dedeterminadascondicionantes.”Fernando Correia

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(Re)visitar as redacções de antigamente

Após lançaremJornalistas: do Ofícioà Profissão, CarlaBaptista,jornalista

freelance e docente naUniversidade Nova de Lisboa, eFernando Correia, directoreditorial da JJ e director dalicenciatura em Comunicação eJornalismo na UniversidadeLusófona, publicaram MemóriasVivas do Jornalismo, que reúne aversão integral de 17 entrevistasrealizadas no âmbito dainvestigação inicial.

Nas palavras de Carla Baptista,os dois volumes podem “apelar aosjornalistas que ainda tiveram umaexperiência de redacção à antiga e,de alguma forma, sentem um vaziopelo deserto afectivo em que asredacções se tornaram”.

De acordo com a autora, osprofissionais entrevistados viveramum período “em que se contavahistórias e havia personagens nasredacções e em que o tempo detrabalho era investido no encontrohumano com o outro”, todo ummundo que “está em desconstruçãoou já desapareceu”.

Na escrita dos dois livros, osautores cuidaram de “definirclaramente personagens, privilegiaraspectos laterais e pequeninashistórias que são o lado maisfolclórico ou acidentado da vida”,explicou Carla Baptista, segundoquem esse é um dos papéis dosinvestigadores.

“Estes livros não pretendemcircular apenas nas salas de aula,têm de ser apelativos para opúblico em geral, e isso requer quese junte o lado romanesco, ashistórias de vida, aquilo que nostransporta para redacções que

materialmente já não existem”,esclareceu.

“Um dos aspectos que maisentusiasmou os leitores deJornalistas: do Ofício à Profissão foique o livro, sendo académico, émuito vivo, pois intercala ainvestigação com históriasconcretas – umas caricatas, outrasanedóticas, outras trágico-cómicas –contadas por aqueles que asviveram”, complementou FernandoCorreia.

Apontando outras investigações“que podem ser muito férteis para ahistória da profissão”, CarlaBaptista salientou o Perfil Sociológicodo Jornalista Português, trabalhocoordenado por José Rebelo,também ele um antigo jornalista,actualmente docente no ISCTE –Instituto Universitário de Lisboa.

“Essa investigação,

desenvolvida com um grupo deprofissionais que voltaram àuniversidade, será seguramentemuito importante. É uma espéciede estado da arte do jornalismo,com um grande número deentrevistados de várias gerações,origens sociais e meios, e fará umretrato alargado da profissão que,assim esperamos, tenhavisibilidade, seja lido, discutido eparticipado”, assinalou.

Para Fernando Correia, o PerfilSociológico do Jornalista Portuguêsconstitui mais um exemplo dessa“junção da prática com ateorização” característica dos quecirculam entre a academia e asredacções “e que faz com que,como diz Mário Mesquita, entre osacadémicos nos sintamos maisjornalistas e entre os jornalistas nossintamos mais académicos”. JJ

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mediática. A relação de diálogo de igual para igual per-deu-se porque o jornalista se afastou do cidadão comumpara estar sobretudo nas conferências de imprensa e noscorredores do poder. Este é um aspecto negativo.

Um aspecto positivo é que a percepção e o tratamentodesse tipo de temas mudou. Hoje já não se cobre umincêndio como se fazia nos anos 60. Há uma grelha dife-rente de valoração dos acontecimentos que ajuda a definira própria identidade dos jornais: os populares continuama preocupar-se com esses episódios mais ou menos nosmesmos moldes, os de referência evoluíram para outrospatamares, referindo os fogos num contexto de danos,área ardida, contabilização de custos e prejuízos, etc, o quetranscende em muito o acontecimento em si.JJ – Mas a forma como os jornais dos anos 60 relatavam os

factos mais “sensacionais” também nem sempre era de todo

inocente, pois não?

CB – Não, também era uma estratégia para fugir à censu-ra. Não querendo lidar com a política nos termos em queentão era possível, isto é, apenas de forma laudatória, oespaço que restava aos jornalistas era a reportagem socialdeste tipo de acontecimentos. Assim, o fogo tornava-sepretexto para falar das más condições da habitação, dapopulação idosa que era deixada ao abandono em prédiosque ardiam, etc.

FC – Esse noticiário dos incêndios e desastres era umaforma que os jornalistas tinham de aludir a aspectosmenos visíveis. Os fait-divers tornavam-se bons pretextospara abordar a realidade social. Muitas vezes se conseguiudar a imagem do país real ao obrigar os leitores a ler nasentrelinhas.

CB – É preciso contextualizar que foi nos anos 60 que osjornalistas começaram a sair com alguma regularidade doespaço urbano e a viajar para zonas menos conhecidas doterritório nacional.

Vemos muitos repórteres da altura a seguir a lógica dosfait-divers para perceber como se vivia num monte alente-jano, por exemplo. Há uma célebre história do MárioVentura sobre como chegar a Barrancos. Ele descreve adificuldade em encontrar a estrada e como, ao chegar àlocalidade, se deparou com um mundo completamenteparado no tempo, um cenário que ele não imaginava quepudesse existir.

Tínhamos também casos como o da grávida que nãoresistiu ao parto por não ter recebido assistência atempo devido aos maus acessos ou da escola da aldeiasem professor, etc. No fundo, era aproveitar os fait-divers para compreender, descobrir e divulgar uma pai-sagem social, humana e geográfica desconhecida dosleitores urbanos.JJ – Ainda comparando o passado e o presente, no MemóriasVivas do Jornalismo é contado que alguns jornais deixavam

de fora anúncios, às vezes no valor de centenas de contos,

para privilegiar texto noticioso. “Dias de fartura, vésperas de

fome”, como se costuma dizer?

FC – Isso sucedia, mas em casos pontuais. Não se podedaí concluir que os jornais prescindiam da publicidade.Aliás, tal como hoje, os anúncios eram paginados antesdas notícias.

CB – De facto, foram mais de duas ou três as históriasque recolhemos de casos em que o jornal se dava ao luxode adiar a saída de publicidade para privilegiar o conteú-do jornalístico e isso traduz uma situação financeira maisconfortável naquela altura do que a que os jornais conhe-cem hoje.

Mas as clivagens eram significativas. O Ruela Ramosnunca nos deu ideia do Diário de Lisboa como um jornalabastado, completamente confortável, pois estava refémdos 50 a 60 mil leitores. Já responsáveis de títulos como oDiário Popular ou O Primeiro de Janeiro, que tinham tiragensde cento e tal mil exemplares ao fim-de-semana, estavammais à vontade, pois isso viabiliza um jornal.

O Diário Popular até evitava que os seus jornalistas emreportagem se alojassem em hotéis com menos de quatroestrelas, porque isso dava má imagem. Já os d’A Capital oudo República nem um táxi podiam apanhar, tendo de irpara os serviços de eléctrico ou de autocarro.

No passado havia claramente jornais ricos e jornaispobres, enquanto hoje todos dizem que são pobres. Talvezagora seja mais democrático. (risos)

ENTREVISTA Carla Bapt ista e Fernando Correia

“O jornalismo actual estádistanciado das classes maispopulares porque a maioriados jornalistas vem dasclasses médias-altas e já nãoé capaz de dialogar com umoperário ou um agricultor.”Carla Baptista

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WEB TVPortugal ainda distante das melhores práticasinternacionaisA maioria dos órgãos de comunicação social (OCS) portuguesescontinua a menosprezar a qualidade e rigor jornalístico dosconteúdos em vídeo que divulgam nos seus sítios de Internet. Asregras jornalísticas são muitas vez ignoradas e a credibilidade dasmarcas é, desta forma, posta em causa, num mundo que cada vezmais dissemina e partilha conteúdos.

Texto Sónia Santos Dias *

Quando navegamos pelas Web TV e áreas devídeos dos sítios de Internet de OCSnacionais - salvo os que cumprem as boaspráticas -, facilmente nos deparamos comconteúdos que lesam as boas práticas

jornalísticas. Exemplo disso são vídeosprovenientes de redes sociais misturados com produtos jor-nalísticos; reportagens sem ficha técnica ou identificação deentrevistados (mas que podem ser partilhadas); vídeosnoutra língua sem legendagem; reportagens sem data, etc..

Estas situações tornam-se ainda mais graves quando ologótipo do OCS é associado a este tipo de conteúdo e é

permitida a partilha em redes sociais. Ou seja, não só seestá a quebrar boas práticas, como ainda se difunde pelaInternet uma marca associada a este tipo de conteúdo. Defacto, se as regras jornalísticas devem ser semprerespeitadas, na Internet não podem mesmo ser esqueci-das. Porque, na Internet, é possível partilhar conteúdos!Eles não se esgotam no sítio do OCS. A marca do OCS dis-semina-se em cada partilha ou correio electrónico envia-do. A exposição do mesmo ganha assim dimensões gigan-tescas, associando-se a bons ou maus produtos.

A credibilidade é um valor que não pode ser sequerbeliscado e tal devia ser sempre garantido pelos OCS,

ANÁLISE

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incluindo nas suas versões online. Pois, como já dizia LuísPaixão Martins, em 1983, "o cidadão ao comprar um jor-nal, sintonizar um noticiário radiofónico ou televisivo,está a acreditar no que vai ler ou ouvir" (1). Esteconceito deve obviamente ser estendido àsrepresentações dos OCS na Internet, onde seincluem todos os conteúdos que disseminamdebaixo das suas marcas. Até porque, inde-pendentemente das novas experiências de uti-lização e de relacionamento permitidos pelarealidade online, não se deve defraudar asexpectativas do utilizador.

A constatação desta realidade levou à rea -lização do trabalho de projecto "Web TV -Análise e Melhores Práticas Nacionais eInternacionais", no âmbito do mestrado emNovos Media e Práticas Web, da Faculdade deCiências Sociais e Humanas, da UniversidadeNova de Lisboa, para verificar o estado da artedos OCS portugueses nesta matéria.

Para se alcançar esta perspectiva, foi estu-dado o enquadramento que levou à emergên-cia dos vídeos jornalísticos online; explorado oestado da arte da Web TV; analisadas as WebTV e reportagens em vídeo de empresas decomunicação social nacionais e internacionais; e, por fim,identificadas as melhores práticas nesta área, integrandoas regras jornalísticas com as novas ferramentas e poten-cialidades oferecidas pela Internet.

INTERNET: A PRESSÃO DA CONCORRÊNCIAA Internet veio modificar a forma como se faz jornalismo.À disposição de todos os OCS estão recursos de texto,áudio, vídeo, infografia, imagem e ferramentas interacti-vas e sociais que podem utilizar para contar as histórias.Esta convergência de meios está a ser cada vez mais uti-lizada pelos OCS, que produzem, desta forma, em "meios"que tradicionalmente não eram os seus. E, com os novosrecursos, surgem também novas narrativas jornalísticas eexperiências de utilização.

Porém, esta nova aprendizagem e incursão em novosformatos por parte dos OCS, de facto, não está a ser feitade forma sustentada. Pelo contrário, a pressão concorren-cial faz com que os OCS queiram disponibilizar todos osformatos (texto, áudio, vídeo) nas suas versões online, nãoinvestindo muitas vezes na sua produção com qualidade.

Uma análise realizada junto de editores e gestores desitios de notícias do Reino Unido levou os analistas NeilThurman e Ben Lupton a concluírem que os OCS estãoávidos de produzirem conteúdos multimédia. No paper"Convergence Calls: Multimedia Storytelling at BritishNews Websites", referem que, numa época em que se ve -rifica um declínio na leitura de jornais e de visionamentode notícias na televisão tradicional, a Internet surge comoalavanca para o relançamento do jornalismo.

A qualidade dos vídeos é, no entanto, uma preocu-pação dos editores a nível internacional, visto que pro-duzir um vídeo de qualidade requer custos. O facto é que

o próprio mercado já está apedir este tipo de conteúdos.Uma nova geração de consumi-dores está a surgir e tem maisapetência pela diversidade pro-posta pela Internet do que porqualquer um dos tradicionaismeios de comunicação.

Do outro lado do Atlântico,num discurso(2) que fez àSociedade Americana de Edi -tores de Jornais, Rupert Mur -doch, presidente da News Cor -poration, afirmou que "chegouuma nova geração de consumi-dores online que procuram con-teúdos à sua medida".

Devido a esta pressão domercado, muitos OCS disponibi-lizam vídeos onde são apenasapresentadas imagens (porvezes não editadas), apenas

declarações de determinados intervenientes, vídeos deredes sociais, etc.. Poderão estes vídeos ser consideradosprodutos jornalísticos, na medida em que são divulgadospor um OCS na sua área informativa? Não deverãorespeitar as mesmas regras que uma peça emitida em broad-cast? Não deverá haver uma separação clara entre produtojornalístico e outros que, porventura, queiram divulgar?Não deverá haver clareza junto do utilizador, para este ternoção imediata do produto que está a consumir?

O facto é que, nunca como agora, o mundo precisou tantodo jornalismo para dar sentido à gigantesca amálgama deinformação que se gera, circula e troca diariamente. Énecessário dar sentido às coisas e é esse um dos papéis dosOCS. Têm credibilidade e é por ela que os utilizadores buscamquando querem ter garantia da informação correcta. A credi-bilidade deve, portanto, ser uma premissa sempre presente emtodos os conteúdos divulgados. Mas tal tem sido menospreza-do por muitos OCS no que respeita à área de vídeos.

OPORTUNIDADES DE MERCADOCom o aumento da procura e criação de conteúdos emvídeo para a Internet, abrem-se as portas para um novomercado publicitário, nomeadamente para os conteúdosem vídeo profissionais. Em Portugal, ainda não existemestudos sobre a viabilidade deste mercado, mas a nívelinternacional já existem alguns dados que demonstram asua potencialidade, para a continuação da criação de con-teúdos em vídeo para a Internet.

Um estudo realizado pela britânica Web TV Enterprise,em Setembro de 2009, revela que o investimento em pub-

A credibilidade é umvalor que não pode sersequer beliscado e taldevia ser sempregarantido pelos OCS,incluindo nas suas versõesonline

A pressão concorrencialfaz com que os OCSqueiram disponibilizartodos os formatos (texto,áudio, vídeo) nas suasversões online, nãoinvestindo muitas vezesna sua produção comqualidade

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licidade em vídeos online irá crescer cerca de 50 por centoem 2010. O relatório "The Online Vídeo AdvertisingBuyers Guide"(3) inquiriu 101 agências de booking publi -citárias e concluiu que 97 por cento destas planeava man-ter ou aumentar o seu investimento em publicidade emvídeos. Mais de metade (54 por cento) disseram que iriamaumentar o investimento em mais 50 por cento, enquantodez por cento pretendia duplicar o valor investido. Estaanálise refere-se apenas ao mercado britânico, mas poderáservir de indicador para Portugal.

No paper "Convergence Calls: MultimediaStorytelling at British News Websites"(4), NeilThurman e Ben Lupton defendem que osvídeos online vão atrair muita publicidade.Porém, referem que os anúncios feitos para tele-visão não têm lugar na Internet. "É necessárioque as agencias de publicidade adaptem osanúncios rapidamente e de forma inovadora,para que consigam promover os produtos emslots de tempo muito pequenos". Os autoresacrescentam que anúncios de 30 segundos nãosão tolerados na Internet. Estes não deverãoexceder os 15 segundos, defendem.

Ao realizarem entrevistas a vários editoresde sites noticiosos britânicos (FT, BBC News,Sky News, Times Online, Sun Online,Guardian, Mirror, Telegraph), os autores veri-ficaram que estes acreditam na oportunidadecomercial que os jornais e outros OCS têm comos vídeos online, nomeadamente porquemuita da verba publicitária vai começar a sertransferida da televisão para a Internet. E, naInternet, os jornais, revistas e rádios tambémpodem competir na área do vídeo profissional.

ANÁLISE NACIONAL E INTERNACIONALUma vez que os vídeos profissionais são um formato rela-tivamente novo na Internet, procedeu-se a uma primeiratriagem do tipo de vídeos informativos disponibilizadospelos OCS nacionais e estrangeiros nos seus sites, na medi-da em que o formato estandardizado de reportagem aoqual estamos habituados a ver na televisão pode sofreralgumas alterações na Internet. Em 15 sítos de OCSnacionais e 15 de OCS internacionais, foi verificada aexistência de reportagens ou entrevistas produzidas exclu-sivamente para a Internet; para televisão e Internet; vídeosque apresentam apenas imagens de um acontecimentosem narração; vídeos provenientes de redes sociais; vídeosde agências de comunicação ou de outras fontes, tais comomarcas de produtos; e vídeos de outros OCS.

Os 30 OCS analisados foram: l Nacionais: (CM, DN, DE, Expresso, Famalicão TV, i, JN,Público, RTP, RR, TV Beja, TVNet, TSF, SIC, Visão)l Internacionais: (BBC, CNN, Die Welt, Deutsche Welle, Elpais, Euronews, La Stampa, Le Monde, Folha de São

Paulo, NYT, Reuters, The Guardian, Time, TVE)

Uma primeira análise aos sites de OCS nacionais per-mitiu perceber que todos estão a apostar neste novo for-mato. Dos 15 OCS nacionais analisados, oito disponibi-lizam reportagens ou entrevistas produzidas para os seussites na Internet. Ou seja, nota-se já uma viragem paraeste tipo de informação de produção própria. De salientar,no entanto, que tanto a RTP como a SIC não produzem

em exclusivo para a Net. Desalientar também uma carac-terística das Web TV analisadas(Famalicão TV, TV Beja e TVNet): estas disponibilizam ape-nas reportagens e entrevistasproduzidas para os seus sites,sendo dispensadas quaisquerumas das outras opções aquiem análise. A opção por veicu-lar vídeos provenientes deredes sociais - pouco utilizadaem OCS internacionais - é veri-ficada em seis dos 15 OCSnacionais analisados: Correioda Manhã, DN, i, Público, Visãoe SIC. De referir que estes seencontram misturados com ospróprios vídeos jornalísticosdos OCS, não havendo qual-quer identificação prévia queinforme o utilizador.

A nível internacional, os OCSestão também a produzir cadavez mais trabalhos jornalísticosem vídeo para a Internet. Tal

como em Portugal, todas as televisões internacionais ana -lisadas disponibilizam nos seus sites vídeos jornalísticos jáemitidos em broadcast. No que respeita aos vídeos comdeclarações de especialistas ou de jornalistas, ao contráriode Portugal, esta não é uma opção para muitos dos OCSinternacionais. Os conteúdos provenientes de redes sociaissão, de longe, a opção menos utilizada pelos internacionais.Nesta amostragem, apenas o "La Stampa" e o "Le Monde"veiculam nos seus sites este tipo de vídeos.

Após esta primeira triagem, partiu-se para a análiseaprofundada de seis OCS nacionais (DE, Expresso, I, JN,Público, RR) e seis internacionais (Die Welt, El Pais, Globo,Reuters, NYT, Time). E, em cada um deles, foram ana -lisadas duas reportagens, o que perfaz um total de 12reportagens.

Para perceber o papel que a área de vídeos representapara cada OCS, analisou-se:l Presença da área de vídeos na página principal do site l Presença de vídeos temáticos nas categorias temáticosdo site

ANÁLISE web tv

Uma nova geração deconsumidores está asurgir e tem maisapetência pela diversidadeproposta pela Internet doque por qualquer um dostradicionais meios decomunicação

Poderão estes vídeos[oriundos das redessociais] ser consideradosprodutos jornalísticos, namedida em que sãodivulgados por um OCSna sua área informativa?Não deverão respeitar asmesmas regras que umapeça emitida embroadcast?

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l Presença de vídeos em artigos como conteúdo relaciona-dol Categorias temáticas existentes na Web TVl Área de vídeos relacionados l Área de vídeos mais vistos l Área dos últimos vídeosl Possibilidade de guardar vídeos favoritosl Possibilidade de partilha em redes sociaisl Tipo de publicidade e localização na Web TVl Duração média dos vídeosl Caixa de pesquisa de vídeosl Divulgação de vídeos produzidos fora do OCSl Possibilidade de expansão de ecrãl Possibilidade de controlo de soml Possibilidade de comentar os vídeos

E em cada reportagem foi analisado:l Inclusão de título, descrição e artigos relacionadosl Presença de publicidade dentro do vídeo, posiciona-mento e duraçãol Possibilidade de saltar publicidadel Presença de genéricol Presença de logótipo do OCS ("mosca")l Presença de oráculosl Presença de ficha técnical Sugestão de vídeos no final do vídeol Possibilidade de fazer embed dos vídeosl Possibilidade de enviar por correio electrónico

Após esta análise detalhada, concluiu-se que existe,genericamente, algum distanciamento qualitativo dosOCS nacionais em relação às boas práticas verificadas emOCS internacionais. Por exemplo, verificou-seque a disponibilização de conteúdos prove-nientes de redes sociais está bastante presentenos OCS portugueses, mas não é uma opçãopara a maioria dos OCS internacionais dereferência. Esta constatação é um dos marcosque diferencia a qualidade das Web TVnacionais das internacionais. Portanto, conclui--se que, para muitos OCS portugueses, há umanecessidade de alinhar com as novas tendên-cias, ou seja, entrar na área de vídeos, masestão a sobrepor a quantidade à qualidade dosprodutos. Salientamos, novamente, que estesconteúdos não são confirmados jornalistica-mente e fragilizam a credibilidade do título.

Mas esta prática não se cinge apenas a con-teúdos de redes sociais, pois a veiculação devídeos de outras fontes - outros OCS, empre-sas, fornecedores - corresponde a uma grandemassa dos vídeos disponibilizados. De referirque, segundo a análise (5) realizada por Luptone Thurman, a produção própria terá de estarno centro das estratégias de Web TV dos OCS

do futuro. Mas esta ainda não é a estratégia da maioriados OCS portugueses.

Contudo, já existem também bons exemplos emPortugal. O "Diário Económico", o "Jornal de Notícias" e a"Rádio Renascença", por exemplo, primam pela aposta emconteúdos originais. E, do leque nacional analisado, mere-cem destaque sobretudo as Web TV do "Diário"Económico" e da "Rádio Renascença", por haver organi-zação e rigor jornalístico nos conteúdos apresentados eserem de produção própria. A nível internacional,podemos dizer que o "Die Welt", "Reuters", New YorkTimes" e "Time" são muito bons exemplos de Web TV.Transitam para a Internet os mesmos critérios jornalísti-cos, tiram partido das ferramentas de comunidadedisponíveis e disponibilizam os seus conteúdos de formaorganizada e relacionada.

BOAS PRÁTICAS EM WEB TVReferimos agora algumas boas práticas detectadas e quepodem servir de guia a outros OCS.

Não há, na generalidade, mais-valias em disponibilizarvídeos de outras fontes que não do próprio OCS, uma vezque não será neste OCS que as pessoas os vão procurar.Os OCS deverão cristalizar na Internet a mesma re -putação de qualidade que têm no seu formato tradicional.Nota-se, aliás, que é nos OCS que apenas disponibilizamvídeos jornalísticos de produção própria que as Web TVtêm um carácter mais profissional e rigoroso.

Dada a possibilidade de partilha de conteúdos queexiste na Internet, todos os vídeos deverão ser criados comoconteúdo independente. Deverão, por isso, garantir todosos preceitos jornalísticos e disseminação da marca. Os

vídeos jornalísticos deverão tersempre genérico, título, mosca,ficha técnica e data de produçãodentro do próprio vídeo.

Uma boa prática para levar outilizador a consumir maisvídeos é fazendo promoçãodesses conteúdos. Tal poderácomeçar na própria página deentrada - é aliás prática comumdos OCS - disponibilizandouma área específica para esseefeito. Depois, na própria WebTV, a segmentação de vídeospor temas, apresentação devídeos relacionados, últimosvídeos, mais vistos, pesquisa devídeos ou sugestão de mais pro-dutos no final de cada vídeo.Neste aspecto, podemos indicarcomo bons exemplos o "DieWelt", a "Reuters", o "The NewYork Times" e a "Time".

Nunca como agora, omundo precisou tanto dojornalismo para darsentido à gigantescaamálgama de informaçãoque se gera, circula e trocadiariamente. É necessáriodar sentido às coisas e éesse um dos papéis dosOCS

Já existem também bonsexemplos em Portugal. O"Diário Económico", o"Jornal de Notícias" e a"Rádio Renascença", porexemplo, primam pelaaposta em conteúdosoriginais

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Mas a promoção de conteúdos não se esgota só no seugénero. Uma boa prática inquestionável é a integração deconteúdos. Falamos da integração de vídeos entre si e comoutros conteúdos do sítio, nomeadamente com artigos emtexto, fotos, infografias, áudio, etc. Este é um aspectodiferenciador da Internet em relação à imprensa, rádio e

televisão. Aqui, destacamos a "Time", por estar bem orga-nizada e ter uma boa interligação entre conteúdos detexto e vídeo.

Permitir a partilha dos vídeos em diversas redes sociais- como o Facebook, Twitter, MySpace, etc. -, o envio poremail ou a possibilidade de utilização noutros sites ou

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ANÁLISE web tv

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blogues é uma prática que está a ser rapida-mente adoptada pelos OCS. O objectivo é dis-seminar o mais possível esse conteúdo emvídeo. Porém, esta prática poderá ir contra osdireitos de autor, mas este aspecto não foianalisado nesta investigação.

Uma outra valência muito popular na Web2.0 é os comentários. A interactividade entreemissor e receptor pode facilmente ser postaem prática através desta simples ferramenta.Mas, curiosamente, nota-se uma maiorapetência nacional pelos comentários.Verificamos que quatro em seis sites de OCSportugueses o permitem na sua área devídeos, mas apenas um em seis OCS interna-cionais analisados agregam a possibilidade decomentar os vídeos nas suas Web TV.

Por fim, organização é a palavra-chave parauma Web TV clara e funcional. A divisão porcategorias temáticas, ter a possibilidade deescolha de vídeos por actualidade, relaciona-dos, mais vistos, etc. facilita a navegação doutilizador e o acesso aos conteúdos que lhe interessam. Éainda importante referir que a Web TV de um OCS deveráfazer a clara distinção entre vídeos jornalísticos próprios eprovenientes de outras fontes. Esta deverá ser indicada nadescrição do vídeo. Mais, deve haver separação entre con-teúdo jornalístico e o que provém de redes sociais ou deoutras fontes onde não há confirmação dos factos.

CONCLUSÃOOs conteúdos em vídeo na Internet são a última tendên-cia que todos os OCS querem seguir, a nível nacional einternacional. Não só os últimos desenvolvimentos assimo permitem, como os consumidores e o mercado publi -citário estão ávidos destes conteúdos.

Estudos internacionais demonstram que a procura eoferta de vídeos estão a aumentar e, de acordo com aanálise aqui realizada, conclui-se que Portugal não éexcepção. Reportagens, entrevistas ou simples declaraçõesem vídeo podem ser encontradas actualmente na esma-gadora maioria dos sítios. Os conteúdos multimédia são,aliás, encarados como uma forma de combater a crise nosMedia e de se reinventar o jornalismo, através de novosformatos de comunicação. Porém, apesar de a multiplici-dade de formatos e a integração e partilha de conteúdosserem vistas como novas oportunidades para o jornalismo,trazem também agregados novos desafios e alguns perigos.

A credibilidade é um valor que se ganha a pulso e deveser tratado com cuidado. O valor de uma marca, de umOCS, do Jornalismo, ganha-se pelos produtos e serviçosque oferece. As boas práticas jornalísticas até aqui con-struídas devem, assim, transitar dos meios tradicionaispara a Internet. Mas tal não tem acontecido, em muitoscasos, na área de vídeos, como concluímos nesta análise.

A esmagadora maioria dosjornais, revistas, rádios, tele-visões já apresentam conteúdosem vídeo online, mas, de entreo leque de sites portuguesesanalisado, a maioria falha nasregras mais basilares! Existemmuitas lacunas em muitos sites,mas também já se encontramexemplos muito interessantes.

Em termos de viabilidadeeconómica, uma boa fatia domercado publicitário está atransitar dos meios tradicionaispara a Internet, sendo que osestudos apontam para umcrescimento de 50 por cento doinvestimento em publicidadeem vídeos online para 2010.

Finalizamos com as palavrasde Francisco Pinto Balsemão,presidente da Sociedade

Independente de Comunicação (SIC), que, a propósito deum colóquio internacional sobre o "Pluralismo naComunicação Social", decorrido em Junho de 1992, dissealgo que se mantém até hoje: "Cada imagem, cada segun-do, cada separador, cada bloco publicitário, cada progra-ma, cada dia de emissão - e serão 365 dias por ano - vãorevelar que somos capazes, que somos profissionais, quesomos independentes. Isto implica, antes de mais, umenorme respeito pelos espectadores, um cuidado perma-nente quanto ao modo como os vamos formar, informar eentreter". Tal deve aplicar-se também na Internet e, aquireforçamos, nas Web TV.

*Jornalista. Editora no SAPO Mulher e SAPO Família.Licenciada em Ciências da Comunicação, pela Univer -sidade Autónoma de Lisboa 1997). Mestre em NovosMedia e Práticas Web, pela Faculdade de Ciências Sociaise Humanas, da Universidade Nova de Lisboa (2010)

1 - MARTINS, Luís Paixão (1983). "As Armas dos Jornalistas". Ália

2 - MURDOCH, RUPERT (2005) "SPEECH BY RUPERT MURDOCH TO

THE AMERICAN SOCIETY OF NEWSPAPER EDITORS. DISPONÍVEL

EM HTTP://WWW.NEWSCORP.COM/NEWS/NEWS_247.HTML

3 - WEB TV ENTERPRISE (Setembro 2009). "The Online Video

Advertising Buyers Guide". Disponível em:

A disponibilização deconteúdos provenientes deredes sociais está bastantepresente nos OCSportugueses, mas não éuma opção para a maioriados OCS internacionaisde referência

As boas práticasjornalísticas até aquiconstruídas devemtransitar dos meiostradicionais para aInternet. Mas tal não temacontecido, em muitoscasos, na área de vídeos

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Jornalismo de ciência em Portugal: esperança para o futuro? Um dos maiores, e mais recentes, desafios da sociedade actual é atroca de informação relevante entre pessoas.

Texto José Xavier (1), Sue Nelson (2), Marta Agostinho, Cheila Almeida e Inês Domingues (3)

Para os cientistas, é fundamental que a suaciência seja reconhecida pelos colegas e va -lorizada pela sociedade. Mais do que isso, éum dever cívico e político dos cientistas comu-nicarem os seus resultados à sociedade e par-

tilharem um diálogo público sobre ciência. Os jornalistastêm um papel importante, ao fazerem, muitas vezes, a li -gação entre a comunidade científica e o público em gerale, em vários casos, ao facilitarem o acesso dos decisorespolíticos ao conhecimento científico.

Os media são, aliás, um veículo de promoção e influên-cia de políticas, incluindo em temáticas com forte basecientifica como a saúde, a biodiversidade e as alteraçõesclimáticas. Na agenda europeia, tem estado em evidênciaa necessidade de perceber como a comunidade científica,a comunidade política e os media interagem, e de queforma pode ser melhorada a comunicação entre estes trêsgrupos.

O jornalismo de ciência em Portugal tem menos de 20anos, e estima-se que hoje sejam apenas cerca de 10 a 20jornalistas que se dedicam a tempo inteiro à ciência eambiente nos media generalistas. Dado que Portugal pos-sui mais de 30 000 cientistas, este número de jornalistas -que decresceu nos últimos anos - é notoriamente pequenopara permitir uma presença significativa da ciência, por-tuguesa e mundial, nos media. Nos jornais, as secções deciência têm vindo a desaparecer, num emagrecer de"massa crítica" transversal a todas as áreas.

Por outro lado, a maioriadas universidades e dos insti-tutos de investigação por-tugueses continuam a nãoapostar significativamentenos seus próprios gabinetesde imprensa e em equipas de

comunicação de ciência, sendo consequentemente difícilaceder a informação sobre a ciência produzida pelos cien-tistas portugueses. Ainda hoje, a presença da ciência por-tuguesa nos media resulta essencialmente da investigaçãodos (poucos) jornalistas interessados, ou da reduzida redede contactos que os jornalistas têm dentro da comunidadecientífica. Apenas uma pequena parte resulta da iniciativadas instituições científicas, por exemplo, através de infor-mação divulgada por comunicados de imprensa.

É ainda burocrático e difícil obter informações sobre ainvestigação da maioria dos laboratórios do Estado ou dasuniversidades, e muitas vezes o jornalista não conseguefalar directamente com o cientista, muito menos emtempo útil. Dentro dos próprios órgãos de informação, asituação dos jornalistas de ciência também não é simples.A publicação das suas notícias tem de competir com as deoutras áreas, como o desporto ou a política, havendomuito pouco espaço para falar de ciência. Daí ser impor-tante que os editores possuam sensibilidade para astemáticas de ciência. Muitas vezes ainda, o jornalista nãotem oportunidade de formação, numa área cujos conteú-dos são, inerentemente, complexos e difíceis. Em algunspaíses da Europa, o cenário é diferente.

No Reino Unido o jornalismo de ciência está forte-mente estabelecido, embora há 20 anos não fosse bemassim: os cientistas britânicos raramente respondiam aostelefonemas dos jornalistas e a maior parte dos cientistaseram maus comunicadores. Eram raros - e sempre os mes-

mos - os cientistas que dispo-nham de algum do seu tempopara falar sobre ciência natelevisão, na rádio ou nos jor-nais. Hoje há uma vasta gamade cientistas britânicos quesão conhecidos e respeitados

OPINIÃO

Nos jornais, as secções de ciência têmvindo a desaparecer, num emagrecerde "massa crítica" transversal a todasas áreas. Por outro lado, a maioriadas universidades e dos institutos deinvestigação portugueses continuama não apostar significativamente nosseus próprios gabinetes de imprensa eem equipas de comunicação deciência

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publicamente, aparecendo regularmente em programasde televisão e noutros media. São vistos como pessoasinteressantes e valiosas pela sociedade (embora seja tam-bém patente um maior sentido crítico em relação aquestões específicas). O apetite da sociedade britânica pornotícias de ciência resultou no surgimento de numerososfestivais de ciência por todo o país - por exemplo, nas uni-versidades e museus - e de cursos de comunicação paracientistas, que trabalham em rádios ou televisões durantealguns meses como apresentadores de programas,repórteres ou divulgadores de ciência.

Hoje, a ciência está em todo o lado no Reino Unido edisponível em diferentes formatos na televisão, rádio,imprensa escrita e online, existindo ainda um novo pata-mar de comunicação baseado na internet interactiva,onde as notícias de ciência estão facilmente acessíveisatravés de blogues, vídeos e podcasts. Como ocorreu amudança no Reino Unido e de que forma poderemos pro-mover a participação da ciência na agenda mediática por-tuguesa?

Com o aumento da actividade científica de excelênciaem Portugal, a conotação positiva que muitas notícias de

ciência têm (por exemplo, o desenvolvimento de tecnolo-gias úteis à sociedade e de novas vacinas) e a melhoria daescolaridade, poderá esperar-se que a ciência tambémvenha a ter mais visibilidade em Portugal. Em conjunto,cientistas e jornalistas terão, cada um à sua maneira, umpapel vital neste processo. Pede-se maior proactividadeaos cientistas, quer individual, quer institucionalmente.Será importante a aposta séria nos gabinetes de comuni-cação das instituições científicas e universidades, paramostrar de forma eficiente a ciência feita em Portugal, eestimular os cientistas a participar activamente no diálogopúblico, tomando iniciativas individuais, como a escritade (mais) artigos de opinião em jornais e blogues. Aos jor-nalistas e comunicadores de ciência cabe não desistir dereinventar formatos de participação mediática da ciência,assim como de pressionar os orgãos de comunicaçãosocial para uma abordagem rigorosa e credível da ciência,apostada na formação e investigação.

(1) Instituto do Mar da Universidade de Coimbra; (2)British Broadcasting Corporation (BBC), Reino Unido; (3)Instituto de Medicina Molecular

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PEDRO CUNHA

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Anunciado nos Prémios 2009

Gazetas com novo formato

A alteração do formato dosPrémios Gazeta já em 2010foi nota saliente da

intervenção do Presidente do CJ,Mário Zambujal, na cerimónia deentrega dos Gazeta 2009, emNovembro último, no Salão Nobreda Caixa Geral de Depósitos,entidade patrocinadora dos maisprestigiados prémios de jornalismoem Portugal. Com palavras delouvor para os galardoados – JoãoPaulo Guerra (Gazeta de Mérito),Miguel Carvalho (Grande PrémioGazeta) e “Repórter do Marão”(Gazeta da Imprensa Regional), e deagradecimento ao Chefe de Estado eao presidente da CGD pela presença

e apoio à iniciativa do Clube, MárioZambujal deu conta ainda daspreocupações da classe pelaaumento do IVA de seis para 23 porcento nas revistas nacionais, factoque poderá ter efeitos negativos nasustentabilidade das empresas e,por consequência, na estabilidadedos postos de trabalho dosjornalistas.

Faria de Oliveira, presidente daCGD saudou igualmente ospremiados, salientando a importânciados Gazeta no estímulo e melhoria daInformação em Portugal. Oresponsável da CGD garantiu, ainda, acontinuidade do patrocínio exclusivodo maior banco português aos

Prémios Gazeta e manifestou agradopelo novo formato da iniciativaanunciado pelo presidente do CJ.

Primeiro premiado a receber orespectivo troféu, Jorge Sousa,director do “Repórter do Marão”,agradeceu, sensibilizado, o galardãoatribuído pelo Júri a um dos órgãosmais representativos da novarealidade da imprensa regional, comuma tiragem de 30 mil exemplarespor edição. Jornalista experiente eprestigiado, Jorge de Sousasublinhou, ainda, a importância dainiciativa do CJ em distinguir,anualmente, a informação que sepratica longe dos grandes meiosurbanos.

Jornal | Prémios

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Faria de Oliveira, Presidente da CGD, durante a sua intervenção

Imagem da festa dos Gazeta que reuniu dezenas de jornalistas e personalidades amigas do CJ

Mário Zambujal

Mário Zambujal, presidente

Clube de Jornalistas recebe o

Chefe de Estado na sua

chegada ao edifício da Caixa

Geral de Depósitos, onde

decorreu a festa dos Prémios

Gazeta

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João PauloGuerra:“Este ofício não é paravelhos…”

A intervenção de João Paulo Guerra,Prémio Gazeta de Mérito: “Estesprémios de mérito, ou de carreira,marcam em geral o fim da linha.Mas eu sei que não foi essa aintenção dos meus pares do júri dosPrémios Gazeta e do Clube deJornalistas que me distinguiram comeste prémio. E também por saber issoprometo continuar. Enquanto pudere me quiserem, escreverei na rádio enos jornais. E agora até encontrei oderradeiro refúgio particular esolitário da ficção. Embora tenhaplena consciência que, em Portugal,este ofício não é para velhos. Amemória é por vezes um estorvo. Eos jornalistas preferem-se hoje maisque jovens, acima de tudo,descartáveis. É sintomático, como étriste, que o júri dos Prémios Gazetanão tenha encontrado este ano quemmerecesse o Prémio Revelação.

Da mesma forma, quero noentanto declarar que é uma alegriapartilhar esta atribuição de prémioscom o repórter Miguel Carvalho.Apesar da diferença de idades,repartimos alguns valores da mesmacultura. Jornalistas como o Miguel emuitos outros, alguns mais jovens etodos decididos, garantem o futurodesta velha profissão.

Pela minha parte agradeço oPrémio que atribui mérito à minhalonga e diversificada carreira. Soujornalista há 47 anos, sete estações derádio, um canal e uma produtora detelevisão, 17 jornais e revistas. E umarevolução tecnológica que mudoutudo na minha profissão, só nãomudou, antes reforçou, as condiçõespara exercer com paixão e rigor ojornalismo. E com mais uns gigabitesacrescentados à minha memória.

Sou jornalista há dois regimesseparados por uma revolução – querepresentou o fim da censura. Sou

jornalista há sete chefes de Estado,16 primeiros-ministros, 27 governos.Agradeço a presença de quantos sedignaram honrar esta cerimónia. Eagradeço a presença dos meuscamaradas da direcção do Clube e deoutros jornalistas. Última referência,com ternura, para a presença e oapoio de sempre da minha mulher edo mais novo dos meus quatrofilhotes. Muito obrigado a todos. Boanoite… e boas notícias.”

MiguelCarvalho:“É preciso coragem…”

A intervenção de Miguel Carvalho,Grande Prémio Gazeta:

“Queria, antes de mais, fazeralguns agradecimentos:

- Em primeiro lugar, à minhafamília e amigos que me incentivame estão do meu lado em todos osmomentos.- Agradecer, depois, a todos oscamaradas que, nas redacções doDiário de Notícias, do Independentee da VISÃO, fizeram de mim, aolongo de 20 anos, aquilo que souhoje. Cito dois deles – Alfredo

Mendes e Pinto de Carvalho – porrepresentarem o que há de maisdecente, valioso e íntegro nesteofício. Só um conceito merceeiro dagestão do negócio jornalístico fazmque estes dois profissionais deexcelência estejam hoje fora daprofissão.- Um abraço e um agradecimentomuito especial aos camaradas daVISÃO, dos gráficos à direcção, quetêm emprestado a sua dedicação,talento e arte a um jornalismo querecusa ser engolido pelas vertigensda moda e por este ar rarefeito querespiramos. Neste particular, gostariade lembrar, aqui e agora, o nome deCáceres Monteiro, um dosfundadores da VISÃO, a quem devoa minha entrada na revista. Atravésdo seu nome e da sua memória,quero homenagear todos os quepartilham esta aventura da escrita.- Uma palavra, ainda, para aredacção do Porto da VISÃO, ondefisicamente trabalho. Uma redacçãoque, apesar de pagar literalmente opreço de estar localizada na parte doPaís que, por vezes, até parece quenão vem no mapa, continua a honraro jornalismo, a cidade e a região emque se insere.

Gostaria ainda de felicitar osoutros premiados:

Jornal | Prémios

João Paulo Guerra

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- O Repórter do Marão, na pessoado seu director, por conseguirprovar que é possível um jornalismode proximidade, digno e dequalidade, sem prostituir valores. ORepórter do Marão é o exemplo deque, numa região esquecida, épossível fazer um jornalismo queserve as populações sem deixar deser um sucesso comercial.

- Ao João Paulo Guerra, uma dasminhas grandes referênciasprofissionais e uma das pessoas queinfluenciou, sem o saber, a minhavontade de ser jornalista. Estar hojeaqui a receber um prémio ao lado deleé, para mim, algo além dos sonhos.

É uma honra receber estadistinção da parte de um júri doqual fazem parte pessoas que fuiadmirando à distância e que hoje,fnalmente, pude conhecer.Mas, acima de tudo, entendo esteprémio como uma homenagem àImprensa escrita e a todos aquelesque, de Norte a Sul, por vezesenfrentando a mais ignóbil falta deescrúpulos e de meios, se recusam aescrever sem sombra de paixão.Quero, de resto, dedicar este PrémioGazeta a todos os camaradas deprofissão que, mesmo perante osventos do avesso, continuam firmesna defesa de um jornalismo commemória, identidade eresponsabilidade.

Os tempos não estão fáceistambém para nós, jornalistas. Háquem, sem qualquer ligação ao meioe a esta nobre profissão, pretendaimpor-nos um jornalismo low-cost,padronizado, feito de Portugalsentado e idolatrias do óbvio,montado, cada vez mais, numadesumanização galopante.

Mas a defesa do jornalismo, a suaindependência e responsabilidade,não é um problema de jornalistas. Éum problema de cidadania. Edeveria ser uma causa de todos nós.A dignificação do jornalismo e dosseus profissionais é uma garantidade sociedades mais fortes, exigentese pluralistas.

Um jornalismo mercantil,

Miguel Carvalho

O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva

Jorge Sousa, director do “Repórter do Marão”

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fragilizado, precário e acessório, aosabor de imediatismos e de modas éum risco tremendo para ademocracia e as liberdades.

Eu sei que o jornalista não podemudar o mundo.Mas continuo a pensar que é nossodever tentar exercer a profissãocomo se isso fosse possível. E paraisso não basta ser livre. É preciso tercoragem.Se não cuidarmos do que lemos, doque escrevemos e do quetransmitimos, estaremos a contribuirpara que se cumpra, sem volta atrás,uma velha sentença do escritorMário de Carvalho: «Um jornalismocão há-de merecer um mundo cão».“

Presidente da República “Devemos ser sóbrios econtidos nas palavras”

Presente, de novo, na cerimónia dosGazeta, Cavaco Silva fez a seguinteintervenção:

“Ninguém pense que eu vou

dizer alguma novidade ou passaralguma mensagem subliminar. Nostempos que vivemos devemos sersóbrios e contidos nas palavras. Nãome esqueço das interpretaçõesdiversas que foram feitas daintervenção que proferi aqui há umano atrás, e para evitar deslizes destavez eu trouxe um pequeno papelescrito, para não sair do guião.

Acedendo ao amável convite doClube de Jornalistas, aqui estounovamente para me associar àcerimónia de entrega dos PrémiosGazeta 2009. De ano para ano o Clubede Jornalistas tem mantido estatradição de premiar os melhores,iniciativa que honra os organizadores.Felicito os premiados deste ano, doisjornalistas com uma carreiraprofissional já firmada - o GrandePrémio Gazeta atribuído a MiguelCarvalho pelo trabalho que publicousobre uma figura controversa do pós25 de Abril e o Premio Gazeta deMérito a João Paulo Guerra, com umlongo e diversificado percursojornalístico em vários orgãos deinformação; e ainda o prémio daImprensa Regional, entregue aoJornal Repórter do Marão. A todos os

premiados os meus parabéns.Os tempos que correm obrigam-

nos a ser poupados - inicialmente eutinha escrito a crise obriga-nos as serpoupados, mas entendi que eramelhor dizer os tempos que corremobrigam-nos a ser poupados - e euserei também poupado nas palavras,precisamente por pensar que porvezes há palavras a mais na nossavida pública. Eu sei que para osjornalistas quanto mais palavrasmelhor, e se forem polémicas então oproduto é ainda mais precioso: nãosó são motivo para agitação dasredacções como dão abertura detelejornais ou são manchete nosjornais. Mas para mim, na minhaposição institucional, a contençãonas palavras é o meu bem maisprecioso. Tenho que pensar bem naspalavras que devem ser ditas equando devem ser ditas, para quesejam entendidas no seu verdadeirosignificado. E por aqui me fico,desejando a todos os que nesta noiteaqui estão a melhor sorte paraenfrentarem o tempo - eu tinhaescrito a crise… -, o tempo queestamos a viver, e renovando asminhas felicitações aos premiados.”

Jornal | Prémios

Os premiados

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Prémio Gazeta de Imprensa > 5 mil euros

Prémio Gazeta de Televisão > 5 mil euros

Prémio Gazeta de Rádio > 5 mil euros

Prémio Gazeta de Fotojornalismo > 5 mil euros

Prémio Gazeta Revelação > 5 mil euros

Prémio Gazeta Multimédia > Troféu

Prémio Gazeta Imprensa Regional > Troféu

Prémio Gazeta de Mérito > Troféu

O prazo limite para entrega de originais termina a 31 de Março de 2011

Caixa Geral de Depósitos patrocina

Prémios Gazetade Jornalismo 2010

Clube de Jornalistas | Rua das Trinas - 127, r /c 1200 Lisboa Tel .21 396 57 74 | Fax.21 396 57 52 | E-mail :c j@clubedejornalistas .pt

PRESS

CLUB

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The Handbook of JournalismStudiesKARIN WAHL-JORGENSEN ETHOMAS HANITZSCH (ORG.)N. Iorque e Londres: Routledge, 2009 446 pp.

Texto Carla Rodrigues Cardoso

The Handbook of JournalismStudies mostra a vitalidade e amaturidade crescentes do

Jornalismo enquanto campocientífico autónomo. Dirigido aprofessores e estudantes, esta obra,organizada por Karin Wahl-Jorgensen (Universidade de Cardiff)e Thomas Hanitzsch (Universidadede Zurique), afirma-se ao longo demais de 400 páginas como ummanual que procura sintetizar esistematizar o estado da arte dosestudos dos Media e do Jornalismo.Ao todo são 30 ensaios, da autoria de46 teóricos, a grande maioria dosEstados Unidos e do Reino Unido,mas com representantes de paísescomo Espanha, Singapura, África doSul, Suíça, Austrália, Noruega ouAlemanha.

A obra insere-se na colecção demanuais lançada pelo InstitutoInternacional de Comunicação (ICA)em parceria com a editora Routledge,sob a direcção de Robert T. Graig, daUniversidade do Colorado, queprefacia este segundo número.

The Handbook of Journalism Studiesdivide-se em cinco capítulos. Noprimeiro, intitulado “Introdução aosEstudos do Jornalismo” encontram-sequatro artigos. Abre com umaintrodução – que serve toda a obra –em torno das razões e dos métodosque norteiam os investigadores quese dedicam a esta área do saber,assinada pelos dois organizadores,Wahl-Jorgensen e Hanitzsch. Os trêstextos restantes abordam a história dojornalismo (Barnhurst e Nerone), olugar do jornalismo na academia(Barbie Zelizer) e o ensino dojornalismo (Beate Josephi).

O segundo capítulo é dedicado à“Produção de Notícias” e reúne seistextos. Os autores passam em revista

as rotinas organizacionais,questionam o papel actual dosjornalistas como gatekeepers e as suasrelações com as fontes. Linda Steinerdiscute a questão do género naredacção, enquanto MichaelSchudson e Chris Andersonrevisitam a problemática daobjectividade e da procura daverdade no jornalismo. Destaqueainda para o último texto destecapítulo, assinado por ThorstenQuandt e Jane B. Singer, sobre ojornalismo de convergência.

Também com seis artigos, oterceiro capítulo trabalha os“Conteúdos Noticiosos”. A teoria doAgenda Setting, os critérios denoticiabilidade e o conceito deenquadramento são alvo de análise ediscussão. O’Neill e Harcup re-avaliam os valores notícia, fazendouma historiografia desses “óculosespeciais” com que os jornalistasvêem, analisam, seleccionam emoldam a realidade. Os dois autoresapresentam a sua própria síntese dedez pontos, que pretende ser umaversão actualizada da primeira detodas as classificações, a de Galtung eRuge. Ainda neste terceiro capítulo,John H. McManus assina “AMercantilização das Notícias”, TeunA. Van Dijk desenha o triângulo queune ideologia, discurso e notícias,enquanto Bird e Dardenne reflectemsobre os textos jornalísticos

entendidos como narrativas.Os dois últimos capítulos de The

Handbook of Journalism Studies são osmais longos, agrupando sete artigoscada. “Jornalismo e Sociedade” é otema que organiza o quarto capítulo.O primeiro texto é assinado peloteórico escocês Brian NcNair e trilhaa história do jornalismo em paralelocom a história da democracia. Apartir daqui, nenhum dos territóriostransversais ao jornalismo fica defora. Desde as relações públicas,analisadas por Dinan e Miller, àlegislação e regulação do jornalismo,com Kyo Ho Youm, passando pelojornalismo cívico, explorado porChris Atton, as pontes entre ojornalismo e a sociedade em que seinsere são desbravadas edesconstruídas.

O tema do último capítulo éinevitável: “Os Estudos do Jornalismonum Contexto Global”. O que é ojornalismo hoje e como será amanhã?São as duas grandes questões quepreocupam os teóricos. Na página342, Simon Cottle apresentaesquematicamente os váriosparadigmas e perspectivas que dizemrespeito à relação entre “Jornalismo eGlobalização”, título do artigo queassina. Thomas Hanitzsch analisa aimportância dos estudoscomparativos transnacionais na erada globalização, enquanto no últimotexto Wasserman e Beer explicam asrazões que tornam necessário avançarpara aquilo que chamam a “Des-Ocidentalização” dos Estudos doJornalismo.

Uma última palavra para destacara concisão que caracteriza TheHandbook of Journalism Studies. Os 30artigos rondam em média as quinzepáginas, embora alguns nem sequeralcancem a dezena. Este esforço desíntese traduz-se em textos redigidosnuma linguagem clara e acessível.Neste livro, as principais teorias etendências dos Estudos doJornalismo são apresentadas aosleitores como presentes ricos,saborosos e de fácil digestão. Umaobra indispensável.

Jornal|Livros

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Jornal|SitesPor Mário Rui Cardoso > [email protected]

www.wikileaks.ch

Wikileaks: o verdadeio “doc-u-gasm”

No momento em que este texto for publicado, nãoé certo que o endereço acima referido semantenha activo para aceder à controversa

plataforma global de incentivo às fugas de informaçãoque foi lançada, na Internet, pelo jornalista australianoJulian Assange. Isto porque, após a polémica do“Cablegate” – 251.287 telegramas confidenciais enviadosde embaixadas norte-americanas em todo o mundopara a sede do Departamento de Estado, emWashington, que a WikiLeaks começou a tornarpúblicos em 28 de Novembro de 2010 –, o “site” ficousob o fogo cerrado de alguns governos e organizações,tendo-lhe sido retirado o seu endereço original,wikileaks.org, e ficando, desde então, sujeito a umacrescente pressão visando a sua eliminação. O certo éque a página foi-se conseguindo manter, beneficiandode uma rede mundial de apoiantes que a replicaram emmais de 500 “sites” espelho e continuando, assim, o

trabalho em prol de uma “maior transparência naactividade dos governos”, tal como reza a suadeclaração de princípios. Os telegramas continuaram afluir, gerando o mal-estar das entidades oficiais de todoo mundo com a surpreendente vulnerabilidade dascomunicações diplomáticas norte-americanas ealimentando um debate paralelo sobre se o que aWikiLeaks faz é Jornalismo.

Desde o seu início, em Dezembro de 2006, que oprojecto de Julian Assange evidencia uma preocupaçãode método jornalístico. No passado, antes de todo oimpacto público causado pela revelação de documentossobre as guerras do Iraque e do Afeganistão e depoispelo “Cablegate”, a WikiLeaks operava através dapublicação de documentos aos quais acrescentava outrosdados que os corroboravam, além de análise einformação de contexto. Funcionava escrupulosamentedentro do espírito colaborativo “wiki”. Mais tarde,

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passou a empregar jornalistas de investigação para fazero tratamento dos materiais que eram recebidos. Foi assimque, por exemplo, foram denunciados os casos dasliquidações extra-judiciais alegadamente patrocinadaspelo Governo do Quénia, com correspondentes prémiosinternacionais de direitos humanos atribuídos àWikiLeaks e mortes suspeitas de dois colegas de Assange,em 2009(www.editorsweblog.org/newsrooms_and_journalism/2009/06/wikileaks_receives_amnesty_international.php).

Em Julho de 2010, a WikiLeaks fez-se notar por umoutro procedimento que viria a repetir, maistarde, durante o “Cablegate”. Houve o cuidado

de entregar os 90 mil documentos recebidos sobre aGuerra do Afeganistão a publicações internacionais dequalidade reconhecida para que fosse feito umtratamento noticioso adequado de todo o material

disponível. The New York Times, Guardian e Der Spiegelreceberam os documentos com um mês deantecedência. O gesto terá tido a ver com o volume deinformação disponível, excessivo para ser tratadoapenas pela estrutura da WikiLeaks, mas também comuma necessidade de legitimação e disseminação dessesmateriais. “Tivessem eles apenas publicado tudo tal qualcomo receberam e seriam acusados de graveirresponsabilidade”, considera Edward Wasserman,professor de ética dos media em Washington e naUniversidade Lee, de Lexington, na Virgina. “E nuncateriam alcançado o impacto que obtiveram”(http://in.reuters.com/article/idINIndia-50408920100726).

Alexander Hotz, da Escola de Jornalismo daUniversidade de Columbia, em Nova Iorque, acrescentaoutra dimensão nesta relação da WikiLeaks com osmedia convencionais: “As pessoas não se viram para aWikiLeaks quando querem tirar sentido dos documentos,

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Jornal|Sites

mas sim para os jornais. Ninguém teria lido ostelegramas [do “Cablegate”], se não houvesse alguém [osjornais] a chamar a atenção para eles, a dar-lheslegitimidade e a explicar porque é que eles sãoimportantes. Por outro lado, uma organização como aWikiLeaks, sem fronteiras, sem burocracias e com umcódigo ético dúbio é muito útil [para os jornais], porquevai conseguir as cachas que o New York Times nuncaconseguiria por si só. Cachas que, no entanto, não teriamsentido para os leitores sem a interpretação e a validaçãodos media”, escreve Hotz(http://mashable.com/2010/08/20/wikileaks-journalism).Também quando se pensa na quantidade de informaçãode inegável interesse público que foi revelada pelaWikiLeaks, ao longo destes anos, é difícil não encarar amáquina criada por Assange como um fenómenoeminentemente jornalístico. Corrupção no Quénia;violação de direitos humanos em Guantánamo; despejode lixo tóxico na Costa do Marfim, corrupção bancária naIslândia; determinações do Departamento de Estado paraque fossem recolhidas informações tais como dadosbiométricos, números de cartões de crédito e sistemas deencriptação de comunicações do pessoal da NaçõesUnidas, incluindo do secretário-geral, Ban Ki-moon,confundindo-se aqui diplomacia com espionagem. Foram‘cachas’ jornalísticas de Assange, que, no entanto, nãotem passado incólume à crítica, em especial no que diz

respeito a regras incontestadas da profissão. Emwww.huffingtonpost.com/larry-womack/wikileaks-splits-the-blog_b_791963.html, Larry Womack, colunista doHuffington Post, acusa Julian Assange de não terprincípios éticos, “como jornalista, blogger ou mesmocomo ser humano”. “O ‘site’ de Assange tem evidenciadouma selvagem e repetida despreocupação pelos direitos ea segurança de seres humanos em todo o mundo”,argumenta. “Perante os nomes de civis afegãos quecolaboram com os EUA, uma organização noticiosaresponsável nunca os teria publicado [afegãos quecolaboram com os EUA são, por norma, punidos pelostalibans]. A WikiLeaks não pensou duas vezes. Quando aAmnistia Internacional se queixou (…) e pediu umareunião com Assange, este respondeu: ‘estou muitoocupado e não tenho tempo a perder com pessoas que sóquerem proteger o rabinho…’”

No mesmo artigo, Larry Womack questiona-separa que serve o trabalho responsável efectuadosobre os mesmos documentos pelos jornalistas

do Guardian, do New York Times e da Der Spiegel, queprotegem nomes de pessoas por razões de segurança,sem deixarem de publicar o essencial das histórias,quando a WikiLeaks depois coloca “online” osdocumentos integrais?

Será, no entanto, justo dizer que, nalguns casos, foi-se

No final, ficam a ecoaras palavras de JohnNaughton, num artigodo Guardian: “As elitespolíticas ocidentaisocultam, mentem e confundem – e quandoo véu do secretismoé levantado, tentammatar o mensageiro”

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notando a preocupação dos colaboradores de Assange emapagar dos documentos os nomes dos informantes dasembaixadas norte-americanas, substituindo-os por “xxxxxx”.

Finalmente, outra questão que se tem colocado,relativamente à WikiLeaks, prende-se com a bondade deuma postura que sacraliza a “transparência” e quepressupõe que tudo aquilo que é segredo de Estado émau. Para provar o seu ponto de que Assange é um“fanático incapaz de distinguir entre conteúdo com valorinformativo e detalhes que podem pôr em perigo genteque trabalha por um mundo melhor”, Womack dá oexemplo de um telegrama diplomático que foi reveladopela WikiLeaks e no qual se relata uma conversa entre oGeneral norte-americano Petraeus e o Presidente Saleh,do Iémen. No diálogo entre os dois, ficou acertado queSaleh autorizava os EUA a utilizar bombardeiros (em vezde mísseis de cruzeiro, mais falíveis) para atacar alvos daAl-Qaeda no seu país. Mas devia ser dito ao povoiemenita e ao Parlamento que os ataques eram levados acabo pelo Iémen com armas norte-americanas. Naconversa relatada para Washington, ficava claro que querPetraeus quer Saleh estavam preocupados em tornarefectivos os ataques contra a Al-Qaeda, evitando aomáximo os danos colaterais. O acordo era consideradofavorável à segurança nos dois países, mas teria de se dara impressão de que não eram os norte-americanos acomandar as operações, mas sim o Iémen, porque só

assim elas seriam aceites pelo povo iemenita. Era a “boamentira”, como lhe chama Larry Womack. Que ficoudesfeita pela revelação do telegrama.

Em suma, é a WikiLeaks uma forma deJornalismo? Mike Sager, colunista do WashingtonPost, recorda um episódio passado na redacção

desse mesmo jornal, envolvendo John Feinstein e BobWoodward, num tempo anterior aos computadores:“Feinstein chegou com uma caixa cheia de documentos[exclusivos]. Vendo-o aproximar-se, Woodward saiu doescritório, com um grande sorriso no rosto, e disse:‘Doc-u-gasm!’ (um orgasmo de documentos). AWikiLeaks é a mesma coisa numa era diferente”, concluiSager (http://mashable.com/2010/08/20/wikileaks-journalism).

Este será, seguramente, ainda por mais tempo umtema controverso. Mas, no final, ficam a ecoar as palavrasde John Naughton, num artigo do Guardian, emhttp://www.guardian.co.uk/commentisfree/cifamerica/2010/dec/06/western-democracies-must-live-with-leaks: “As elitespolíticas ocidentais ocultam, mentem e confundem – equando o véu do secretismo é levantado, tentam matar omensageiro”. Porém, tudo indica que esta “primeiragrande confrontação entre a ordem estabelecida e acultura da Internet” veio mesmo para ficar. Como afirmaNaughton, “vivam num mundo ‘WikiLeakable’ ouencerrem a Net. A escolha é vossa”. JJ

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RAUL REGOCidadão a tempo inteiro

Texto Rogério Rodrigues

Conheci o Raul Rego antes do 25 deAbril. No República pela mão doAfonso Praça, nosso conterrâneodo Felgar (concelho de Moncorvo)e do Fernando Assis Pacheco, meucompadre. Baixote, de boinaespanhola, traços muito vincados,com um sotaque que nunca per-

deu e que soava à distância às nossas terras, de uma sen-sualidade tentada ainda que não realizada, que me per-doe a Manuela Rego, e me foi confirmada por vários jor-nalistas que com ele trabalharam. Raul Rego era um exí-mio conversador e contador de histórias.

Para alguns que aqui estejam e possam não saber subs-crevo um pequeno registo biográfico de Raul deAssumpção Pimenta Rego, nascido em Morais, Macedo de

Cavaleiros, a 15 de Abril de 1913 e falecido em Lisboa a umde Fevereiro de 2002.

Lembro-me que ao seu velório no Palácio do GrémioLusitano o próprio António Guterres foi apresentar con-dolências à família do homem que desferira ataques aolíder socialista por este ser demasiado católico.

Continuando: Raul Rego frequentou, de 1924 a 1936, oSeminário das Missões do Espírito Santo, em Viana doCastelo, tendo tirado o curso de Teologia. Como muitos doque aqui estão sabem, jovens transmontanos iam para osseminários, o único espaço em que podiam estudar gracio-samente, já que os pais não tinham posses para os colocarem qualquer outro estabelecimento de ensino. Acabou porabandonar a carreira eclesiástica. Tornou-se anticlerical, por-que conhecera o clero, deixou de ser católico, porque conhe-cera a Igreja apostólica e romana, mas nunca deixou de ser

MEMÓRIA

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cristão, como ele próprio afirmou ao longo da sua vida.Um parêntesis aberto: foi candidato a deputado pelo

círculo de Braga. E numa das candidaturas Mário Soareslevou o Raul Rego consigo, pedindo-lhe, encarecidamen-te, que não falasse enquanto estivesse em audiência como arcebispo de Braga. Raul Rego prometeu que sim. Oarcebispo foi mostrar a Mário Soares a sala nobre ondeestavam os retratos de todos os seus antecessores, até quechegou a um que deveria ser o bispo do tempo em queRaul Rego era seminarista e o Rego não resistiu e disse emalta voz: “Esse era um bom filho da puta”.

Foi sujeito a várias prisões (três vezes, pelo menos) eviu um livro seu apreendido.Uma das prisões que muito lhecustou foi aquela em que AbílioPires, um conterrâneo de umaaldeia de Bragança ( o quelevou Mário Soares para o des-terro de S. Tomé), inspector daPIDE para o interrogatório dosintelectuais, lhe deu uma bofe-tada. Nunca mais perdoou.Além de ser Pide fora um con-terrâneo seu.

Não gostaria, nesta simplescharla, de aprofundar, como osacadémicos podem fazer, a figura, a imagem e a obra doRaul Rego. Gostaria que os meus afectos viessem tambémao de cimo. Quando fui convidado para os jornais, o pri-meiro em que fui aceite foi o República ( onde, por ques -tões várias, não cheguei a trabalhar). Fui proposto peloAfonso Praça e pelo Assis Pacheco e o facto de ser trans-montano contou muito.

Mas regressemos a Raul Rego que é a essência destahomenagem: foi membro do MUD (Movimento deUnidade Democrática) que o levou à primeira prisão em1945. Dirigiu os serviços de imprensa das candidaturaspresidenciais de Norton de Matos (1949) e de HumbertoDelgado (1958).

Foi proibido de leccionar no ensino oficial. Tornou-sejornalista e bibliófilo. De tal forma era conhecido e queri-do nos alfarrabistas que a sua associação emitiu um comu-nicado profundamente elogioso sobre o seu passamento.

Colaborou na Seara Nova, no Jornal do Comércio, no

Diário de Lisboa e no República. Quando entrei nos quadrosdo Diário de Lisboa, de que Raul Rego saíra três anos antes,ainda se comentava a célebre história do seu desaguisadocom o Manuel de Azevedo, também um transmontano deVila Real ligado ao PC. Manuel de Azevedo era umhomem grande. E, no entanto, como dizia o César dosSantos (na altura jornalista do Diário de Lisboa), “O Regofoi-se a ele que nem um leão”.

Não deixo de recordar aqui outro episódio que dizmuito do Raul Rego e da sua capacidade de tolerância eindignação. Durante anos fez parte da tertúlia da Sá daCosta onde também perorava Armindo Rodrigues, comu-

nista, médico e com muitos emuitos centímetros a mais doque o Raul Rego. Já depois do25 de Abril, Raul Rego encon-tra-o frente à Sá da Costa ecomo é habitual entre tertulia-nos estende-lhe a mão. OArmindo Rodrigues responde-lhe: “Não aperto a mão a fascis-tas”. E o Raul Rego não fez maisnada: deu-lhe um violento pon-tapé nas canelas que o obrigoua andar durante alguns mesesde canadianas.

O POLÍTICOLigado sempre à oposição, o República, que tinha sido fun-dado por António José de Almeida, nos finais da décadade 60 estava em lenta agonia. A sua tiragem não ultrapas-sava os 10 mil exemplares. Em 1971 um grupo toma contado jornal, com alguns elementos vindos do Diário de Lisboae cito, sem pretender ser exaustivo, o Raul Rego, o VítorDireito, Afonso Praça, Fernando Assis Pacheco, EugénioAlves e profissionais mais tarde ligados ao PartidoSocialista como Mário Mesquita, Arons de Carvalho, Álva-ro Guerra, Jaime Gama, António Reis. A subscrição, aindana década de 60, dera ao República uma nova e modernarotativa. O jornal sobe de tiragem e de influência política.É nos dois últimos anos do regime marcelista o esteio daestratégia do general Spínola.

Raul Rego fora fundador do Partido Socialista.Quando se dá o 25 de Abril, o general Spínola propõe-no

Tornou-se anticlerical,porque conhecera o clero,deixou de ser católico,porque conhecera a Igrejaapostólica e romana, masnunca deixou de ser cristão,como ele próprio afirmou aolongo da sua vida

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para Primeiro-Ministro. Mas Mário Soares é contra. RaulRego aceita o cargo de ministro da Comunicação Social.

De 1975 a 1999 é deputado pelo Partido Socialista.Primeiro, na Assembleia Constituinte e depois naAssembleia da República.

Fiz, como jornalista, a cobertura da AssembleiaConstituinte tendo algumasconversas com Raul Rego sobreo nosso conterrâneo José Gama(mais tarde presidente daCâmara de Mirandela, e já fale-cido), cuja opinião eu não meatrevo aqui publicitar. O que euposso também testemunhar éisto: deu-me uma vez boleia enão encontrei um condutor tãomau como o Raul Rego.

Não quero deixar de subli -nhar que Raul Rego foi umcidadão a tempo inteiro até aofim da sua vida. Basta dizer quequando da votação da Lei doAborto, em 1997, na Assembleia da República, Raul Regofez questão de comparecer, mesmo que já tivesse vindonuma cadeira de rodas.

Também já tivera outro gesto de honradez quando naseleições de 69, na mesa de voto de Alvalade, virou as cos-tas na fila onde se encontrava à passagem de MarceloCaetano, então presidente do Conselho e seu vizinho aquem todos os dias chagava com as prosas censuradascujas cópias metia na caixa do correio de Marcelo.

JORNALISTA E MAÇONEm Maio de 1974, tipógrafos do PC ( curiosamente muitos

dos jornalistas do PC já tinham abandonado a redacção,poucas semanas antes, não me atrevo a dizer em manobraconcertada) e elementos da extrema-esquerda tomam deassalto o República. Sequestram os jornalistas adversos,cortam os ligações telefónicas, mas esquecem-se de neu-tralizar um telefone directo de Raul Rego que assim con-

segue comunicar com o exteriore relatar o que se estava a pas-sar. O COPCON tem altas res-ponsabilidades no que se pas-sou. Mário Soares consegue quea imprensa internacional seinteresse pelo chamado casoRepública. A primeira notícia, sebem me lembro, surge noQuotidien de Paris, mais tardeem Le Monde e depois, commuito desenvolvimento, no“Jornal do Caso República”.

O República acaba por encer -rar. Em Agosto de 1975 é funda-do A Luta que deixa de se publi-

car em Março de 1979. Os tempos já são outros.Em 1976, o Congresso da Federação Internacional dos

Editores de Jornais distinguiu-o com a Pena de Ouro daLiberdade.

Foi agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordemda Liberdade em 1980 e com a Grã-Cruz da Ordem deSant’Iago da Espada em 1998.

Como maçon atingiu os graus e funções máximos naMaçonaria.

Raul Rego entra para a Maçonaria em 1971, em plenaclandestinidade. É necessária muita coragem e convic ções.Tem, desde sempre, uma grande paixão pelo humanista

MEMÓRIA Raul Rego

Raul Rego foi um cidadão atempo inteiro até ao fim dasua vida. Basta dizer quequando da votação da Leido Aborto, em 1997, naAssembleia da República,Raul Rego fez questão decomparecer, mesmo que játivesse vindo numa cadeirade rodas.

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Erasmo, que escolherá, aliás para seu nome simbólico.Em 1979, sai em língua portuguesa o clássico de Paul

Naudon, A Franco-Maçonaria. Raul Rego escreve o posfá-cio, uma breve história da Maçonaria Portuguesa e tam-bém um relato de parte das suas vivências maçónicas.

Dentro do GOL foi Grão-Mestre nos anos de 1988 a1990. Já antes fora Soberano Comendador do SupremoConselho do Grau 33.

O ESCRITORA História da República em cinco volumes, editada peloCírculo de Leitores com prefácio de Mário Soares foi aobra da sua vida. Não é hoje possível falar da PrimeiraRepública sem ler Raul Rego. A História da República deve-rá ser reeditada a partir deste ano. Mas além desta obra,fruto do trabalho de uma vida inteira, publicou aindaHorizontes Fechados e, já depois do 25 de Abril, DiárioPolítico, Violência Inútil, O Último regimento da Inquisição,Para um Diálogo com o senhor cardeal Cerejeira e o Processo deDamião de Góis na Inquisição.

Para os interessados, diga-se que existe uma tese demestrado, defendida em Coimbra em 2007, “Raul Rego: oJornalista e o Político”, da autoria de Natália Sofia Nevesdos Santos.

Para mim, a tripla honra que confesso: ter conhecidoRaul Rego, ter lido Raul Rego e ter podido prestar-lhehomenagem, como transmontano, numa iniciativa daCasa de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Intervenção proferida na Homenagem a Raul Rego realizadapela Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em 7 de Maio de 2010no Palácio Galveias, em Lisboa.

A História da República emcinco volumes, editada peloCírculo de Leitores comprefácio de Mário Soares foi aobra da sua vida. Não é hojepossível falar da PrimeiraRepública sem ler Raul Rego

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Road to World Cup

Viagem de trêsjovens jornalistaspara o Mundialda África do SulTexto Ana Jorge

Em ano de Mundial deFutebol, as atençõesviraram-se, comosempre, para um dosmaiores acontecimentos

desportivos e mediáticos do mundo.Com a novidade de acontecer pelaprimeira vez em África, os mediacentraram-se nos contrastes daorganização deste evento deprimeira linha pela África do Sul, umpaís em reconstrução, com umapesada herança de desigualdade eviolência. Em vez disso, o jornalistaTiago Carrasco, o fotógrafo JoãoHenriques e o repórter de imagemJoão Fontes procuraram o futebolquotidiano, improvisado e pobre dosjogadores anónimos do continenteafricano.

Partiram de Lisboa seis mesesantes do evento, para percorrer porterra o caminho até à África do Sul erecolherem, no caminho, assinaturasnuma bola de futebol. Entre o apoiodo Record e investimentos pessoais, o

projecto "Road to World Cup" custoucerca de 30000 euros. Mas "o retornoé pessoal", afirma João Henriques.Entre as "oportunidades limitadas eo trabalho precário" que afectam osjovens jornalistas em particular,refere Tiago, a paixão pelojornalismo destes três profissionais,mas também pelo desporto e porÁfrica, lançou-os neste projectojornalístico. O objectivo era "ir alémdo jornalismo desportivo centradonas grandes estrelas e nocampeonato" e captar a presençaglobal do futebol, afirma Carrasco. Odesafio da produção jornalísticadiária, em viagem, por locaisdesconhecidos, para múltiplasplataformas e finalidades,compensaram as dificuldades comque se foram confrontando, entre ocansaço, assaltos, doenças eburocracias africanas.

SAIR DA SECRETÁRIAAntes de partirem, Carrasco,

Henriques e Fontes fizeram uma fasede pesquisa e pré-produção,sobretudo com recurso à internet,em sites de jornais africanos,estabeleceram contactos prévios comfontes e tentaram anteciparproblemas burocráticos e logísticos.De Janeiro até Junho, a viagem de30.000km em estradas - numconceito lato - africanas fê-los chegarmais perto dos significados que ofutebol pode assumir na complexarealidade africana. Se em Marrocospode funcionar como forma desuperar as diferenças de género numpaís muçulmano (ver foto), ou as

IMAGENS DOREPÓRTER

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Da frente para trás: João Henriques,

fotógrafo; João Fontes, repórter de

imagem; Tiago Carrasco, jornalista, no

Gana, 18 de Março de 2010.

“No Gana sentimo-nos como numa

sauna a céu aberto ou com a cabeça

enfiada numa panela de pressão. O

sol que nos chamuscou a pele no Mali

e no Burkina Faso estava agora escon-

dido atrás de nuvens espessas mas

um vapor de água quente e descon-

fortável cozia-nos a paciência.”

diferenças de etnias, na Mauritânia,relataram o sonho de jovens rapazesafricanos de virem a ser grandesestrelas do futebol europeu,acabando por vezes enredados emesquemas fraudulentos, comoacontece no Gana. O sucesso deDrogba, por exemplo, em grandesclubes europeus alimenta asexpectativas de meninos africanos desuperarem a pobreza e falta deopções que os circundam. Já paraNorton de Matos, que a equipa foiencontrar no Senegal, esta é umaforma de investimento (ver foto).Retrataram as comemorações locais

do futebol, desde o kuduro angolanoàs (agora famosas) vuvuzelas sul--africanas.

Deste trabalho, saíramreportagens publicadas no jornalRecord, um sítio na internet e umaexposição fotográfica com 15fotografias inéditas, que aconteceu a5 de Novembro, no LXFactory, emLisboa. Além de outros produtoscom distribuição internacional aindaa serem negociados, hão-de aindasair um documentário de 60 a 90minutos, em fase de pós-produção, eum livro que imortalizem estaexperiência jornalística e de vida.

João Henriques

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Casablanca, Marrocos, 13 de

Janeiro de 2010

O NASIM não é uma equipa qual-

quer. É formado por 25 jovens de

idades compreendidas entre os 15

e os 19 anos, todas moradoras

daquele bairro periférico e que

ocupa a segunda posição do seu

grupo no campeonato nacional.

Chegámos ao campo de treinos ao

cair da noite. Campo de treinos é

uma expressão carinhosa. Trata-se

de um baldio arenoso cheio de

pedregulhos e sem balizas, adja-

cente a um campo com piso de

cimento, onde alguns rapazes tro-

cam uns passes. Do alto do

minarete da mesquita, ecoa uma

oração profunda e misteriosa.

Imbuídas no prazer profano do

futebol, as futebolistas, exibindo os

seus joelhos e pernas exercitadas,

ignoram o chamamento divino.

Apenas três delas usam foular, o

típico véu que as mulheres marro-

quinas usam para cobrir o cabelo.

IMAGENS DOREPÓRTER Road to World Cup| Fotos: João Henriques

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IMAGENS DOREPÓRTER Road to World Cup| Fotos: João Henriques

Nouâdhibou, Mauritânia, 22 de Janeiro de 2010

Este é um dos derbys mais pobres do Mundo. A República Islâmica da Mauritânia é o terceiro

país africano pior classificado nos rankings da FIFA, ocupando o 168º lugar, somente à frente

da Guiné-Bissau e do Djibouti. Aqui o futebol está por todo o lado nas ruas mas não nos está-

dios. Até porque não há muitos. As nove equipas da capital Nouakchoutt, as duas de

Nouâdhibou e a de Zerouat que constituem a primeira liga só têm dois estádios relvados, a

que se vai somar o Municipal de Nouâdhibou que dentro de 15 dias terá um tapete sintético,

deixando o Campo Cansado, no deserto, pronto para a reforma.

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Dakar, Senegal, 30 de Janeiro de 2010

Norton de Matos chegou a Dakar em 2007 com o jogador senegalês que treinava no Vitória

de Setúbal, Sogou. Viu dezenas de jogos de pés descalços, nos 21 bairros de Dakar, para

escolher os primeiros 25 jogadores do clube que iria fundar - o Étoile Lusitana (Estrela

Lusitana) - um investimento com capital de risco de 1,1 milhões de euros, obtidos através de

uma parceria com um banco e com um empresário senegalês. "O grande objectivo é formar

jogadores no Senegal e vendê-los para os clubes europeus, obtendo o retorno do investimen-

to em seis ou sete anos". O projecto começa a dar frutos. Dois dos futebolistas, Papadou

Camara e Ibrahima M' Baye, foram recrutados nos últimos meses pelo Standart de Liège e

pelo Inter de Milão, respectivamente.

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IMAGENS DOREPÓRTER Road to World Cup| Fotos: João Henriques

Kinshasa, República Democrática do

Congo, 7-8 de Maio de 2010

As regras do jogo são claras: é golo

quando se acerta com a bola entre

as pernas da mesa de plástico

brancas, não há restrições para as

muletas, é proibido defender com

as mãos e não há restrições no

número de jogadores. Assim são

os jogos de futebol no pátio da

Associação StandProud em

Kinshasa, um centro de acolhimen-

to e tratamento de doentes com

poliomielite, uma doença causada

por um vírus que causa atrofia e

paralisia dos membros e que pode

mesmo ser mortal.

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IMAGENS DOREPÓRTER Road to World Cup| Fotos: João Henriques

Maputo, Moçambique, 8 de Junho de 2010

Os atletas enterrados no capim aquecem os músculos para o jogo mais importante do ano. É

a grande final do Bairro dos Pescadores da Costa do Sol, que opõe o Costa do Sol, formado

por jogadores que moram do centro de saúde em diante, e do Xelisa, constituído por atletas

que residem atrás do campo da bola. Os primeiros vestem a camisola do AC Milan, os segun-

dos, do Chelsea, clube inglês do qual deriva a sua adaptação moçambicana.

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Joanesburgo, África do Sul, 11 de Junho de 2010

As vuvuzelas hipnóticas convocam a reunião no Soweto como nas aldeias das tribos ances-

trais sul-africanas. Acorremos à chamada. Mais do que no Soccer City, estádio do jogo inau-

gural, a história deste Mundial começa no Soweto. Aliás, como toda a história recente da

África do Sul. As manifestações contra o apartheid, a luta de Mandela e Tutu, a revolução cul-

tural, o nascimento da música kwaito, o Óscar dourado de Tsotsie. É para lá que vamos com

a bandeira vibrante a abanar-se à janela e uma buzina eufórica a saudar a multidão. É lá que

queremos ver o pontapé de saída. Lá, no casulo da utopia, entre iguais.

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...Eis-nos em Portugal, alguresna Redacção de um canal detelevisão. Com toda a atenção e

detalhe, um jornalista sénior revê um texto doteleponto quando, de repente, incrédulo, topa aseguinte frase: “O eis presidente da eisjugoslávia”...

A autora da coisa é uma estagiária recém--licenciada, visivelmente incompatibilizada coma gramática e que, após ter ouvido a explicação(ou será “eisplicação”?) do sénior de serviço,rematou com serena e risonha leveza: “Não égrave, lá em casa os espectadores não vêem oteleponto!”. Quereria a putativa candidata ajornalista dizer “expectadores”?

A atitude, em si mesma, coaduna-se naperfeição com os tempos que correm, propíciosao desenrascanço praticado por quem procuracom afã um lugar no esplendoroso (ou será“explendoroso” ?) jornalismo televisivo.

A coisa é grave e revela o estado (ou será“extado”?) do ensino superior da ComunicaçãoSocial em Portugal. Pelo menos, de boa partedele.

Todos os anos são licenciados edisponibilizados para o mercado de trabalhocentenas de jovens incapazes de decifrar siglascomo NATO, ONU ou OIT. Quando se lhespergunta, por exemplo, o que é um tribunal, umparlamento ou um sindicato, respondem-nosque “é onde se julgam os crimes”, “é onde sefazem as leis” ou “são os que fazem as greves”…

Quase todos eles, de resto, com um misto dematreirice e ingenuidade, remetem para oGoogle as “dúvidas” acumuladas no armazémda ignorância.

Vai-se assim colmatando a falta de “memória”

das redacções, decorrente do afastamento deprofissionais mais velhos, paulatinamenteinutilizados em “prateleiras douradas”, ouencaminhados para “rescisões amigáveis”.

Tenhamos como certo que ninguém é perfeitonem nasce ensinado. Assim sendo, quem dedireito deverá, com carácter de urgência,proceder à revisão dos planos curriculares dedezenas de cursos superiores de ComunicaçãoSocial de duvidosa qualidade e ministrados, nageneralidade dos casos, em troca de propinaschorudas.

Tenha-se em devida conta o ensino dagramática, da literatura e da históriacontemporânea, instrumentos essenciais para aprática de um jornalismo melhor.

Entretanto, uns quantos anospassaram e a estagiária que esteve naorigem desta crónica ascendeu àcategoria de ex-estagiária. Agora, na

modalidade de assessora de imprensa, a moçafaz carreira no gabinete de um ministro topode gama que, mais tarde ou mais cedo, seráex-ministro.

Uma vez finda a requisição ou a licença semvencimento e cumprido o tirocínio noslabirínticos corredores do poder, a ex-estagiáriaingressará numa qualquer Redacção com apatente de editora ou, mesmo, directora.

O ex-ministro ascenderá ao topo do conselhode administração de uma empresa ou fundação.Eis mais um CEO (Chief Executive Officer). Yes!!

O jornalista sénior, que corrigiu o texto doteleponto da ex-estagiária, está desempregado esobrevive com dificuldade.

Eis o estado da arte. Ou será o “extado” da ex-arte?

Eis o estado da arte… VÍTORRIBEIRO

CRÓNICA

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