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MEDIAÇÃO EM MOVIMENTO Volume I COORDENADORA GENACÉIA DA SILVA ALBERTON ORGANIZADORA CLAUDIA GAY BARBEDO

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MEDIAÇÃO EM MOVIMENTOVolume I

COORDENADORA GENACÉIA DA SILVA ALBERTON

ORGANIZADORA CLAUDIA GAY BARBEDO

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Porto AlegreTJ-RS2018

MEDIAÇÃO EM MOVIMENTOVOLUME I

GENACÉIA DA SILVA ALBERTON – COORDENADORA

CLAUDIA GAY BARBEDO – ORGANIZADORA

ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA

ISBN 978-85-89676-30-4

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EXPEDIENTE

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃONÚCLEO DE ARTE E CONTROLE DE CÓPIAS (NACC) – SIMD – DSO/TJRS

Sobre a Coordenadora Genacéia da Silva Alberton: Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Mestre (PUCRS) e Doutora (UNISINOS) em Direito. Mestre em Mediação e Negociação (APEP-IUKB-AR), Mestre em Linguistica Aplicada e Teologia (PUCRS). Especialista em Terapia Familiar (CEFI). Coordenadora do Núcleo de Estudos de Mediação da ESM-AJURIS.

Sobre a Organizadora Claudia Gay Barbedo: Advogada. Mediadora. Especialista em Direito da Empresa e da Economia pela Fundação Getúlio Vargas. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Professora da disciplina de Família e Sucessões Aplicada e de Mediação do Centro Universitário Ritter dos Reis/Laureate International Universities.

 

Mediação em movimento [recurso eletrônico] / Hashimoto, Andjanete ... [et al.] ; Genacéia da Silva Alberton, coordenadora ; Claudia Gay Barbedo, organizadora – Porto Alegre : Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Suporte Operacional, Serviço de Impressão e Mídia Digital, 2018. v. 1, 4MB ISBN (e-book) 1. Mediação. 2. Mediação. Antropologia. 3. Mediação. Família. 4. Conflito. Solução. 5. Mediação penal. 6. Justiça. Mediação. 7. Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Histórico. 8. Mediação. Câmara Privada. 9. Mediação extrajudicial. I. Alberton, Genacéia da Silva. II. Barbedo, Claudia Gay. III. Hashimoto, Andjanete. IV. Rodrigues, Celso Luiz. V. Fontoura Filho, Eduardo. VI. Prodorutti, Elizana. VII. Gomes, Erika. VIII. Bortolotto, Gilmar. IX. Oliveira, Isabel Cristina. X. Mello, Kátia Sento Sé. XI. Lorea, Roberto Arriada. XII. Reckziegel, Roque. XIII. Kuhn, Taiana Lúcia Soares. XIV. Kubiak, Vanderlei Teresinha Tremeia. CDU 347.925 Catalogação na fonte elaborada pelo Departamento de Biblioteca e de Jurisprudência do TJRS   

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ADMINISTRAÇÃO 2018-2019

Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO – Presidente

Desa. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA – 1º Vice-Presidente

Des. ALMIR PORTO DA ROCHA FILHO – 2ª Vice-Presidente

Des. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS – 3º Vice-Presidente

Desa. DENIZE OLIVEIRA CEZAR – Corregedora-Geral da Justiça

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS ................................................... 9Ney Wiedemann Neto

APRESENTAÇÃO ............................................................................................... 11Genacéia da Silva Alberton

ANTROPOLOGIA, DIREITO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ÉTICA, DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS ............................................................................................... 15Kátia Sento Sé Mello

MEDIAÇÃO FAMILIAR NA ATUAL POLÍTICA JUDICIÁRIA .............................. 23Roberto Arriada Lorea

TÉCNICAS DE COMO LIDAR COM EMOÇÕES NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO ....................................................................................................... 29Eduardo Fontoura Filho

MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR: OUTRO CAMINHO PARA O ENFRENTA-MENTO DE CONFLITOS DE NATUREZA PENAL............................................... 37Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak

AS APACS .......................................................................................................... 49Gilmar Bortolotto

A EXPERIÊNCIA DO MÉTODO APAC COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL AO SISTEMA PRISIONAL TRADICIONAL ............................................................... 55Elizana Prodorutti

O SURGIMENTO DA APAC EM SOLO GAÚCHO .............................................. 61Roque Reckziegel

CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA ............................... 65Andjanete Mess Hashimoto, Celso Luiz Rodrigues, Érika Gomes, Isabel Cristina Oliveira e Taiana Lúcia Soares Kuhn

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APRESENTAÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS

No cumprimento de sua missão institucional, busca o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça publicar os estudos jurídicos e afins dos Magistrados e demais juristas que labutam no Rio Grande do Sul, propiciando a divulgação do conhecimento, inclusive através de obras no formado digital.

É uma honra, agora, apresentar esta importante obra coletiva, tendo como Coordenadora a Desembargadora e Doutora Genacéia da Silva Alberton, minha dileta colega de toga, e como Organizadora a Professora e Mestre Claudia Gay Barbedo, ambas com longa caminhada na teoria e na prática da mediação, mote desta obra, que também se compõe de estudos alinhados à pacificação social e à humanização das relações.

O estudo aborda questões atuais e importantes acerca da mediação, no momento em que esse método de solução de conflitos já se encontra positivado no código processual e em legislação própria, assumindo a condição de política pública, inclusive, através do CNJ.

A publicação desta obra celebra os quinze anos de atividades do Núcleo de Estudos de Mediação da Escola Superior da Magistratura da AJURIS, tendo como atual Coordenadora a Desembargadora Genacéia, contando com a publicação de estudos de seus diversos colaboradores.

A divulgação desta obra em muito contribui para a reflexão e aperfeiçoamento da mediação. Tratando de tema bastante delicado e atual, esta publicação traz uma sensível vivência dos grandes desafios enfrentados diariamente pelo Poder Judiciário na busca da pacificação social pela solução dos conflitos interpessoais.

Por último, registro a fidalguia do Desembargador Umberto Guaspary Sudbrack, atual Coordenador-Geral do Centro de Estudos, que me delegou a honra de apresentar esta obra, em razão de se tratar de projeto que se havia iniciado ainda em minha gestão, a qual findou em maio de 2018.

Desembargador Ney Wiedemann Neto,Ex-Coordenador do Centro de Estudos do TJRS

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APRESENTAÇÃO

Estamos dando início à publicação do MEDIAÇÃO EM MOVIMENTO, em que teremos a oportunidade de divulgar a Mediação em sua dinâmica e interrelação com outras áreas de conhecimento, buscando um olhar direcionado à humanização das relações, respeito à dignidade humano e pacificação social.

A proposta no vol. I é dar conhecimento a Magistrados, Advogados, Mediadores e ao público em geral acerca das reflexões desenvolvidas, através de palestras e eventos, sobre o tema Mediação durante a celebração dos 15 anos do Núcleo de Estudos de Mediação, em 2017.

Com o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105) e a Lei de Mediação (Lei 13 140), temos respaldo legal ao desenvolvimento da mediação como método adequado de solução de conflitos, colocado como política pública do Judiciário nacional a partir da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça.

Durante a celebração dos 15 anos de atividade do Núcleo de Estudos de Mediação (NEM) tivemos o prazer de contar com a participação de referências nacionais e gaúchas discorrendo sobre temas relevantes da mediação em diferentes aspectos.

Teremos, assim, a oportunidade de rever , em síntese , a fala da Dra Kátia Mello que, a partir de estudo comparativo entre Mediação comunitária e penal na Argentina e a mediação no Brasil, apresenta um diálogo entre a Antropologia e a Mediação destacando quanto podemos aprender com as sociedades primitivas, analisadas pela Antropologia, o respeito à diversidade, à desigualdade e às condições de promoção de espaços de justiça e a urgência ética de compromisso com a diversidade de formas de expressão quer seja histórica, psicológica, social ou cultural.

Dr. Roberto Arriada Lorea, coordenador do GT Família do NEM, discorre sobre o novo paradigma para a jurisdição familiar e a necessidade de encontrar recursos à efetivação da conciliação e a mediação no atendimento das demandas envolvendo conflitos familiares. E, face à impossibilidade de o Judiciário dar a contraprestação digna da atividade relevante de conciliadores e mediadores, propõe a atuação efetiva de Câmaras Privadas.

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Dr. Eduardo Fontoura Filho apresenta a necessidade de dominar as técnicas de como lidar com as emoções para obter a confiança das partes conflitantes e ter êxito na tomada de decisão que seja duradoura, criando um “vínculo de confiança”.

Resultado da implantação de Grupo de Trabalho direcionado à área penal no NEM, a Desa. Vanderlei Terezinha Tremeia Kubiak desenvolve o tema do GT que coordena , ou seja a mediação penal, penitenciária e as oficinas do perdão na proposta da Mediação vítima- ofensor como possibilidade de enfrentamento de conflitos e natureza penal tendo em vista a insuficiência da resposta criminal por meio da justiça retributiva.

A atuação do GT Penal trouxe ao NEM o conhecimento do serviço das APACs, Associações de Proteção e Assistência ao Condenado, experiência nascida no Brasil, a partir dos anos 70 e que visa promover espaço humanizado de cumprimento de pena com a recuperação da dignidade humana e efetiva reinserção social.

Sobre a importância do método APAC, a evolução histórica dessa sistemática em nível nacional e estadual , vamos encontrar os textos da Dr. Gilmar Bortolotto sobre a sistemática APAC, Dra. Elizana Prodorutti acerca da parceria entre Poder Judiciário, Executivo e sociedade civil organizada na implantação das APACs e DR. Roque REckziegel que apresenta o surgimento da APAC no solo gaúcho a partir de sua origem em São Paulo através do trabalho do Advogado Mario Ottaboni na Pastoral Carcerária.

E no encerramento das atividades dos 15 anos NEM não poderia faltar espaço para as Câmaras Privadas. Por isso mediadores Andjanete Haschimoto, integrante da 1ª Câmara de Santa Cruz do Sul ; Celso Luiz Rodrigues , da Acrópole; Erika Gomes, da Domus Mediação; Isabel Cristina Oliveira, da Câmara Pacificar e Taina Lúcia Kuhn, da Câmara Contempla, apresentam texto sobre a importância e os requisitos para a formação, desenvolvimento e atuação das Câmaras Privadas.

Com certeza, o NEM oferece aos leitores a oportunidade de conhecer a mediação com um olhar especial daqueles que atuam destemidamente, criando espaços especiais para a transformação dos conflitos. E mesmo na área sensível que a área penal e de execução penal, é possível sentir que há possibilidade de prevalência do humano, do olhar que acredita no ser humano e na sua capacidade de transformação. É a perspectiva da esperança.

Aos autores, que se dispuseram a colaborar para tornar possível esta primeira publicação do Fascículo Mediação , resta apenas o agradecimento em nome do NEM, e que é extensivo ao Desembargador Ney Wiedmann, Coordenador

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do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que disponibilizou o sistema digital para viabilizar esta publicação.

A vida é dinâmica, os conflitos são constantes e a mediação não poderá ficar restrita a procedimentos rígidos, exigindo dos mediadores conhecimento de si próprio para o uso de suas habilidades e criatividade para encontrar os recursos adequados para a construção do entendimento e a mudança.

Com MEDIAÇÃO EM MOVIMENTO, vol. I, somos desafiados a não temer a reflexão, admitir as incertezas e acreditar nas possibilidades dos métodos autocompositivos em diferentes espaços.

Desembargadora Genacéia da Silva Alberton,Coordenadora do Núcleo de Estudos de Mediação

# Somos NEM - Estudo e Ação pela Paz!

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ANTROPOLOGIA, DIREITO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ÉTICA, DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS

Kátia Sento Sé Mello1

Este trabalho é a sistematização de minha apresentação no âmbito das comemorações dos 15 anos do Núcleo de Estudos sobre Mediação de Conflitos do TJRS.

Iniciei minhas pesquisas sobre Mediação de Conflitos no TJRJ em 2009 e ampliei as reflexões sobre o tema a partir de estudo comparativo em Mediação pré-judicial de conflitos bem como mediação comunitária e penal na Argentina. Trato do tema conforme o sentido atribuído pelos “nativos” no campo dos Tribunais de Justiça como o processo de construção de uma ponte de comunicação entre pessoas ou grupos em conflito por meio de um mediador, que não oferece nem induz interpretações ou acordos.

ALGUMAS PERGUNTAS QUE TÊM ORIENTADO O MEU OLHAR

1 – Como é possível aos homens escaparem da violência? 2 – Quais as condições e as qualidades que autorizam e predispõem o

mediador às práticas do seu ofício? Considerando o diálogo entre Antropologia e Mediação de Conflitos, há, entre outras, duas dimensões fundamentais:

2.1 – Estranhamento e etnocentrismo: � Observando o exótico e o familiar – “Nem tudo que é familiar é conhecido”

2.2 – Ética: � No exercício da prática profissional, devemos nos indagar: O que você pensa

das pessoas para as quais você presta um serviço – seja como professor, como médico, como instrutor de ginástica, como comerciante, como defensor público, como promotor, como delegado de polícia, como juiz,

1 – Doutora em Antropologia; Professora Associada ESS/UFRJ; Pesquisadora do INCT-InEAC/UFF, NECVU/IFCS/UFRJ e Coordenadora do GPSEM-PPGSS-ESS/UFRJ.

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Kátia Sento Sé Mello

como mediador? Esta questão está diretamente relacionada ao problema constitutivo da Antropologia.

� O problema colocado para a Antropologia desde os seus primórdios: a diversidade cultural

� Diversidade X desigualdade: ▪ Se, por diversidade compreendemos os modos de ser, agir, pensar de diferentes seres humanos (considerando classe social, cor, gênero, etnia, etc.), em contraste com os nossos, por desigualdade compreendemos: a expressão de hierarquias baseadas em situações consideradas mais vantajosas do que outras. Fatores que proporcionam desigualdades sociais: ausência de distribuição de renda, falta de investimentos em políticas públicas.

▪ A desigualdade social pode abrir caminho para outras formas de produção de desigualdades baseadas em marcadores sociais tais como: gênero, cor, idade, território, etnia, etc. Várias pessoas e instituições podem contribuir para a reprodução das desigualdades, entre elas, aquelas voltadas para a realização da justiça.

No diálogo entre Antropologia e Direito, percebemos um ponto importante e tenso sobre a forma de nos debruçarmos sobre os fenômenos sociais: paradigma normativo, geralmente atribuído ao Direito e o paradigma processual, atribuído à Antropologia. O que isto significa?

� Paradigma normativo: ▪ Este enfoque remonta a posições sustentadas por autores como Henry Maine (1822 – 1888) e A. R. Radcliffe Brown (1888-1850), aos quais nos aproximamos da ideia de jurisprudência ocidental.

▪ Colocam o acento nas instituições e concebem as disputas como sinais de desvio uma vez que outorgam importância à manutenção da ordem social.

▪ Estimam que as sociedades necessitam ter autoridades centralizadas para fazer valer o direito e estabelecer códigos normativos.

▪ Postulam a necessidade de pesquisar e analisar os códigos e as normas que governam a vida social e os comportamentos dos atores.

� Paradigma processual: ▪ O conflito e as disputas constituem parte dos processos sociais, ou seja, não representam desvios.

▪ Focaliza nas estratégias dos atores sociais com o objetivo de analisar os modos como resolvem, manejam e lidam com os conflitos.

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ANTROPOLOGIA, DIREITO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ÉTICA, DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS

▪ O Direito não é um sistema independente da sociedade ou da cultura, mas estas diferentes dimensões encontram-se imbricadas. As disputas e seus mecanismos de administração têm um componente cultural de onde se revelam valores e atitudes dos litigantes.

� Das disputas à dominação e à mudança ▪ Busca-se compreender de que maneira diferenças de poder formalizam a implementação de normativas e resoluções, e como legitimam determinados modelos e práticas culturais em detrimento de outros.

▪ Compreender como modelos e práticas institucionais incidem sobre os conflitos, na manipulação das normas e nos foros de administração dos conflitos.

▪ Indaga sobre a maneira como a mudança social afeta os processos jurídicos e como estes, por sua vez, incidem na mudança social.

O que aprendemos com as “sociedades primitivas” analisadas pela Antropologia?

� O controle social se dá em dimensões não institucionalizadas legalmente � Bronislaw Malinowski – Crime e costume na sociedade selvagem

▪ A estrutura é baseada na fundação do status legal das pessoas, segundo a qual os direitos e obrigações deles foram definidos.

▪ Um sistema de prestação mútua de bens e serviços, que acontece entre os aldeões, grupos, aldeias, etc., com base na noção de reciprocidade, que consiste na força do dar e receber.

▪ Apresenta diferentes institutos de gestão de conflitos e regulação social não estatal:

Feitiçaria – CoerçãoSuicídio – Expiação

� Evans-Pritchard: Os NUER do Sudão � Vendeta: uma instituição tribal. Quando um homem mata outro, ele fica

alojado na casa do chefe pele de leopardo, onde ele não pode ser atacado devido à sacralidade desse chefe.

� A família da pessoa que foi morta tenta se vingar até que o chefe pele de leopardo começa as negociações, dando uma série de ofertas para os parentes daquele que foi assassinado. As ofertas (gado), inicialmente não são aceitas devido à recusa em trocar a vida de um parente pelo gado (o que é considerado uma desonra).

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� Os argumentos e ameaças, que podem e devem fazer o chefe pele de leopardo, fazem parte do ritual, na medida em que levam os afetados pela morte a aceitar esta espécie de compensação.

� Quando há uma ligação estreita entre as famílias atingidas pela morte de um dos seus membros, é mais fácil de resolver, mas nas relações intertribais não se oferece compensação.

� A vendeta de sangue é uma instituição política porque é um modo de comportamento socialmente aprovado e regulamentado dentro de uma tribo. É, sobretudo, uma obrigação moral.

� Se uma comunidade tenta vingar um homicídio contra a outra comunidade, se produz uma guerra e não um estado de vendeta

� Os Nuer carecem de lei, o que não significa que eles não tenham normas. As disputas são resolvidas a partir de uma obrigação moral.

� O que quero explicitar com estes exemplos é que, do ponto de vista da Antropologia e dos campos empíricos sobre os quais tenho me debruçado, há diversas lógicas e sistemas éticos em jogo. A ética está para além das regras que são elaboradas e aceitas pelos grupos sociais.

� No campo profissional, e aí os mediadores, assim como o chefe pele de leopardo ou como o antropólogo, devem estar conscientes dessa diversidade.

� No caso das sociedades modernas – urbanas e industriais – apesar das formas institucionais e legais, que caracterizam seus modelos jurídicos, há diversos modos de perceber a realidade, especialmente, os sentidos de justiça.

Questão da ética e da voluntariedade na mediação de conflitos � Um dos desafios éticos do mediador: como garantir a voluntariedade das

partes? � Voluntariedade e ética na prática da mediação de conflitos: � 1 – O caso Rita e Marcelo: [voltando-se para as mediadoras] Marcelo: eu

aprecio muito o trabalho de vocês, achei vocês muito educadas e parecem muito competentes, mas eu não tenho nada a conversar com essa aí [referindo-se a sua ex-mulher], eu não quero nem olhar para a cara dela. Antes que ele pudesse dar continuidade a sua fala ela interrompeu e disse: eu também não tenho nada a conversar com este sujeito [referindo-se ao seu ex-marido]. Ela, por sua vez, é interrompida por ele, que diz: eu quero mesmo é ir para a “porrada”.

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ANTROPOLOGIA, DIREITO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ÉTICA, DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS

� 2 – O caso Sileide e André: casal que havia se separado há quase três anos, após dois anos de convivência conjugal, e foram encaminhados para a mediação pelo juiz de uma das Varas de Família do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

� Questões morais: ▪ André endureceu em relação ao que considerava intransigências de Sileide e que ele, sendo o pai, tinha o direito de ver a filha quando quisesse e que também podia levá-la para a casa dele.

▪ Sileide alegava que a casa onde ele vivia com a recente esposa não era uma casa apropriada para a filha, que havia os filhos da mulher, que não recebiam bem a sua filha.

▪ Sileide dizia que ele não podia ser um bom pai, que havia abandonado ela e a filha. Que ela, como boa mãe, sempre esteve junto à filha, vendo-a crescer, acompanhando na escola, cuidando dela quando doente. Isso era ser boa mãe. Perguntava: onde ele estava quando eu acordava durante a noite para dar remédio para baixar a febre dela? Eu é que tenho direitos sobre ela.

▪ André dizia que Sileide era mentirosa e que fazia de tudo para impedir que ele se aproximasse da filha.

Questões jurídicas: o mandado de intimação fere o princípio da voluntariedade

O juiz responsável pelo caso havia emitido, previamente ao encaminhamento à mediação, um “mandado de intimação” cuja ação era classificada como “Ação Cautelar” e “Regulamentação de Visitas”, para que ambas as partes participassem de um dos projetos do TJ/RJ (Bem me quer) voltado para a “conscientização” do exercício da parentalidade e do significado da alienação parental, “sob pena da perda da guarda ou visitação, por descumprimento de ordem judicial”, destinada à mãe da criança (então, a guardiã) que, de acordo com o juiz, parecia estar agindo de modo a impedir que seu ex-marido pudesse manter a convivência com a filha, que se tornara objeto da disputa entre ambos. Sentindo-se ameaçada, a mãe da criança concordou em participar da mediação de conflitos. Após cerca de 6 (seis) meses de sessões de mediação, ambos pareciam, aos olhos das mediadoras, caminhar para soluções que iam encontrando no decorrer do processo da mediação. No entanto, magoada com alguma atitude de André, Sileide pediu a suspensão da mediação e que o caso fosse encaminhado para o juiz responsável.

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Kátia Sento Sé Mello

Ética: não é um termo ou uma condição universal; não se encontra na prateleira do escritório nem na sala da mediação. Ética é a dimensão constitutiva da construção da alteridade. Sobre isto aprendemos com a Antropologia. Neste campo de conhecimento, a ética é parte constitutiva da construção do saber; considera a intersubjetividade; o que o outro pensa sobre si próprio; não diz ao outro o que ele é, mas interpreta sua realidade a partir de como o Outro se percebe.No caso do mediador, ele não explicita sua interpretação, mas a partir da relação intersubjetiva constituída durante a mediação de conflitos, ele permite que o Outro (os Outros) possa perceber os seus conflitos e se indagar sobre eles assim como pensar em possíveis formas de superá-los ou de lidar com eles.

O desafio ético do mediador de conflitos – seja judicial ou não judicial – na contemporaneidade remete à questão epistemológica na Antropologia, que é a relação intersubjetiva na construção do conhecimento.

A construção do conhecimento científico implica em delimitações teórico-metodológicas e escolhas que fazemos ao elaborarmos uma análise científica. Como antropólogos, construímos os “objetos” de estudo a partir das interações que estabelecemos com nossos interlocutores. Neste sentido, somos afetados (Favret-Saada) por eles e não podemos mais pensar na relação entre “sujeito do conhecimento e objeto a ser conhecido”. Dizemos, então, que há uma intersubjetividade que estabelece a mediação de construção do conhecimento científico e, também, a possibilidade deste conhecimento estar a serviço da mediação das demandas de direitos e interesses de muitos grupos humanos. Estamos tratando de sujeitos – nem sempre tão distintos socialmente – que devem estabelecer um diálogo como pressuposto de produção de conhecimento.

Há uma exigência ética, própria da produção do conhecimento antropológico, que diz respeito ao delicado controle da relação entre pesquisador e pesquisado. É nos processos sociais de intersubjetividade que encontramos o fluxo entre os distintos sistemas de significação. Na pesquisa das Ciências Humanas em geral, e da Antropologia, em particular, a ética é um pressuposto que se constrói nas relações estabelecidas entre os sujeitos.

A presença do pesquisador e sua interferência na vida dos interlocutores com os quais constrói conhecimento, se dá direta e explicitamente com os mesmos e são eles que, querendo ou não falar, querendo ou não interagir, querendo ou não revelar seus modos de ver e sentir o mundo, calam-se, mentem ou se retiram.

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ANTROPOLOGIA, DIREITO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ÉTICA, DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS

Embora não tenha como seu papel a interpretação e a construção de conhecimento a partir das mediações por ele/a conduzida, o/a mediador/a, tem o compromisso ético na construção intersubjetiva da comunicação entre ele e as pessoas em conflito assim como entre estas. Não é seu papel dizer como estes devem interpretar os seus conflitos e menos ainda quais os caminhos que pretendem tomar. Neste sentido, a ética é também uma exigência. Há, enfim, uma exigência ética de compreensão da diversidade das formas de experiência histórica, psicológica, social e cultural dos grupos humanos e dos indivíduos. Trata-se, de reconhecer e distinguir o problema original da Antropologia, sobre o qual se destacou acima, que diz respeito à diversidade e à desigualdade e às condições de promover espaços de construção da justiça.

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MEDIAÇÃO FAMILIAR NA ATUAL POLÍTICA JUDICIÁRIA

Roberto Arriada Lorea1

MEDIAÇÃO – UM NOVO PARADIGMA PARA A JURISDIÇÃO DE FAMÍLIA

A Resolução CNJ-125/2010 (conforme Emenda nº 02/2016) estabelece que ao Judiciário incumbe, antes da solução adjudicada por sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação.

O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 694, estabelece que, na jurisdição de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia; e seu artigo 695 estabelece que, nas ações de família, recebida a petição inicial e examinado eventual pedido de tutela provisória, o juiz ordenará a citação do réu para audiência de conciliação ou mediação.

Pode-se afirmar que estamos diante de um novo paradigma de jurisdição de família, no qual a solução imposta por decisão judicial é admitida somente quando os meios consensuais se revelarem inadequados ou ineficazes.

Atualmente (conforme dados do TJRS e da Defensoria Pública), em150 Comarcas do RS não há serviço de mediação familiar. Onde o mesmo existe, como é o caso de Porto Alegre, a capacidade de atendimento é inferior a 5% da demanda.

Esse breve texto pretende contribuir para refletir sobre como melhorar esse cenário.

COMO LIDAR COM ESSE DESAFIO?

Diálogo emancipatório com os juízes de família.Trata-se de um ramo especializado do Direito, com unidades jurisdicionais

próprias, com legislação processual específica, inclusive no que diz respeito ao

1 – Juiz de Direito do TJRS.

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Roberto Arriada Lorea

uso dos métodos autocompositivos. Portanto, é fundamental que os juízes sejam escutados e participem ativamente da construção das decisões do TJRS sobre mediação familiar, cujo impacto atinge diretamente sua jurisdição.

Nessa perspectiva de democratizar a construção da política judiciária, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, TJES, criou o Grupo de Trabalho de Mediação Familiar (TJES, 2015). Certamente é medida que contribui para buscar o modelo de política judiciária que melhor atenda às necessidades específicas dessa jurisdição, notadamente quanto à necessidade de assegurar eficácia ao NCPC.

De parte dos juízes de primeiro grau já houve inclusive manifestação expressa no sentido da necessidade de o TJRS rever sua atual política, a qual não reconhece a conciliação familiar enquanto método autocompositivo. Por ocasião do Curso de Aperfeiçoamento de Magistrados para os juízes de família, CAM/Família, realizado em abril de 2016, os juízes postularam que o TJRS disponibilizasse a conciliação familiar. Ainda não houve uma resposta por parte do TJRS ao pleito dos juízes de família.

A superação do atual cenário está condicionada à mudança de postura do NUPEMEC-TJRS, a quem compete promover um diálogo emancipatório com os juízes e mediadores, reconhecendo seu protagonismo na construção da política judiciária à luz dos princípios que norteiam a mediação.

Mediação privada.Não há qualquer propósito em disponibilizar mediadores voluntários para

atuar em prol de quem tem condições de remunerar o serviço de mediação. Tal proposição (que mediadores atendam de graça quem pode remunerar

seu trabalho) desvaloriza a mediação e retira o necessário reconhecimento ao serviço voluntário, esvaziando-o de qualquer sentido.

Evidentemente, a questão da remuneração dos mediadores pelo próprio Tribunal é complexa e de difícil solução a curto prazo. Todavia, essa constatação só faz aumentar a necessidade de oportunizar que os mediadores sejam remunerados pelas partes que tem condições de pagar pelo serviço.2

2 – Em 06/09/2017 o TJRS publicou o Ato nº 028-P estabelecendo a possibilidade de remunerar os mediadores nos processos sem AJG. Para tais hipóteses (pagamento pelas partes) fixou o teto de R$348,50 (10 URCs) “por termo de entendimento”. Essa decisão gerou perplexidade, seja por fixar um teto remuneratório que não traduz o devido reconhecimento ao trabalho dos mediadores, seja por vincular a remuneração ao “resultado”, desconsiderando os referenciais teóricos que embasam a mediação, reduzindo-a ao propósito de obter acordos judiciais.

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MEDIAÇÃO FAMILIAR NA ATUAL POLÍTICA JUDICIÁRIA

Diante da resistência em se reconhecer o valor do serviço prestado pelos mediadores, talvez seja necessário que os próprios recusem o atendimento voluntário nos processos que não estão ao abrigo da AJG, oportunizando ao NUPEMEC-TJRS corrigir essa distorção.

Oportuno registrar a preocupação de Fabiana Spengler (2016: 81) sobre o tema:

Muitos mediadores, habilidosos e técnicos precisam ser remunerados para fins de manter sua subsistência, deixando, desse modo, de realizar o trabalho junto ao Judiciário por falta de retorno financeiro. Perde-se, assim, os melhores profissionais.

Também André Azevedo, reportando-se à Recomendação nº 50/2014, do CNJ, refere-se de forma positivaao “encaminhamento por juízes de feitos para mediadores (privados) sempre que possível, tratando esse facilitador como auxiliar da Justiça e esclarecendo o cabimento de fixação de honorários para tanto.” (Azevedo, 2015).

Ainda sobre esse tema, urge incluir na política judiciária a questão das mediações realizadas no âmbito privado cuja homologação em Juízo, no RS, ainda está sendo condicionada à distribuição e recolhimento de custas, contradizendo o discurso de valorização da via autocompositiva extrajudicial. São variadas as possibilidades, desde a coerente isenção total de custas, até a fixação de um percentual diferenciado ou cobrança com base no valor de alçada.

Centros de mediação familiar.Finalmente, outro aspecto não menos importante diz respeito à

especialidade dos Centros de Mediação Familiar, existentes em diversos Tribunais do país e que também já existiu no RS, quando da realização do Projeto Piloto do Centro Judiciário de Mediação Familiar, instalado no Foro Regional do Partenon em 2013 – posteriormente transformado em CEJUSC não especializado.

Novamente, pode-se olhar como os demais Tribunais estão lidando com esse tema para que se compreenda que, sem dúvida, é mais um tópico que deve ser objeto de reflexão pelo NUPEMEC-TJRS, visando à retomada do protagonismo que já detivemos – no passado – em matéria de jurisdição de família.

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Roberto Arriada Lorea

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que não obstante o esforço realizado pelo TJRS para difundir o uso dos métodos autocompositivos, no que concerne à jurisdição de família, a atual política judiciária não se mostra capaz de atender a nova legislação – notadamente, os artigos 694 e 695, do NCPC.

É preciso repensar o papel do NUPEMEC-TJRS na política judiciária, redirecionando sua atuação para o efetivo estímulo aos métodos autocompositivos, dentro e fora dos espaços do Judiciário.

Examinando-se o conjunto de iniciativas adotadas por outros Tribunais de Justiça, vislumbram-se diversas possibilidades de aprimoramento. Contudo, a mudança dependerá da disposição do NUPEMEC-TJRS para estabelecer um diálogo emancipatório com juízes e mediadores que atuam na jurisdição de família, reconhecendo-os como sujeitos da política judiciária.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, André Gomma de. Retrospectiva 2014 - Conciliação e mediação têm perspectivas ainda melhores após excelente ano. Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-jan-04/retrospectiva-2014-conciliacao-mediacao-boas-perspectivas. Consultado em 12/08/2017.

SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação de Conflitos: da teoria à prática. Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016.

TJCE, Tribunal de Justiça do Ceará. Portaria nº 2.504/2015. Fonte: http://www.tjce.jus.br/wp-content/uploads/2016/06/Portaria2504-2015.pdf. Consultado em 1º/07/2017.

TJDF, Tribunal de Justiça do Distrito Federal. (Estabelece critérios para credenciamento de instituições formadoras de mediadores) Fonte: http://www.tjdft.jus.br/publicacoes/publicacoes-oficiais/portarias-conjuntas-gpr-e cg/2016/portaria-conjunta-89-de-00-10-2016. Consultado em 08/08/2017.

TJES, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Ato Normativo 267/2015. (Cria Grupo de Trabalho de Mediação Familiar). Fonte: https://sistemas.tjes.jus.br/ediario/index.php/component/ediario/333069?view=content. Consultado em 1º/07/2017.

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MEDIAÇÃO FAMILIAR NA ATUAL POLÍTICA JUDICIÁRIA

TJMG, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Portaria Conjunta nº 651/PR/2017. (Estabelece os critérios para credenciamento de Instituições formadoras de mediadores)Fonte: http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/pc06512017.pdf. Consultado em 1º/07/2017.

TJPB - Tribunal de Justiça da Paraíba. Centro de Mediação Familiar de João Pesoa, instalado em 2012. Fonte: http://www.tjpb.jus.br/primeiro-centro-de-mediacao-familiar-e-instalado-no-forum-civel-de-joao-pessoa/. Consultado em 12/08/2017.

TJPE, Tribunal de Justiça de Pernambuco. Resolução nº 222/2007, atualizada pela Resolução nº 287/2010. Fonte: http://www.tjpe.jus.br/noticias_ascomSY/arquivos/2012_02_02_Resolu%C3%A7%C3%A3on%C2%BA%20222%20-%20atualizada%20pela%20res%20287.pdf. Consultado em 28/06/2017.

TJPR, Tribunal de Justiça do Paraná. Decreto Judiciário nº 039-D.M. Fonte: https://www.tjpr.jus.br/documents/399009/0/Decreto+Judici%C3%A1rio+39_2003-DM.doc. Consultado em 27/08/2017.

TJSC, Tribunal de Justiça de Santa Catariana. Resolução nº 11, de 20 de setembro de 2001. Fonte: http://busca.tjsc.jus.br/buscatextual/integra.do?cdSistema=1&cdDocumento=584&cdCategoria=1&q=&frase=&excluir=&qualquer=&prox1=&prox2=&proxc. Consultado em 27/08/2017.

TJSP, Tribunal de Justiça de São Paulo. Provimento nº 2.288/16 (Lista de Instituições habilitadas para cursos) Fonte: http://www.tjsp.jus.br/Conciliacao/Nucleo/Instituicoes. Consultado em 1º/07/2017.

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TÉCNICAS DE COMO LIDAR COM EMOÇÕES NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO

Eduardo Fontoura Filho1

Nas relações pessoais e interpessoais a comunicação é ferramenta indispensável para a troca de informações e assim estabelecer posições e efetuar as trocas. No âmbito social cada indivíduo desenvolve relacionamentos, e nestes ocorrem a criação de expectativas e o desenvolvimento de interesses – e isso é recíproco de parte a parte. E na grande maioria das vezes, as expectativas e os interesses das partes envolvidas não estão sincronizados. E é neste exato momento que se tem a exegese do conflito, o qual, invariavelmente vem acompanhado de fortes emoções. Saber administrá-las é o segredo para evitar o conflito; e, se inevitável, administrar o recrudescimento deste conflito.

A administração de conflitos é uma das características do processo de mediação. Quando as partes não são capazes de, por elas mesmas,filtrar o processo de comunicação, o conflito está instaurado. O lapso de comunicação, ou o ruído nas negociações, provoca a frustração do indivíduo que não está sendo ‘ouvido’ – leia-se: compreendido.E neste cenário o mediador intercede para facilitar e orientar as vias de comunicação entre as partes. Dominar técnicas para lidar com emoções é essencial para se obter a confiança necessária das partes conflitantes para lograr êxito na tomada de decisão duradoura: o objetivo da mediação.

O processo de mediação é basicamente uma negociação facilitada pelo mediador; este com uma postura neutra passará aviabilizar o diálogo entre as partes ou para as partes. Parafraseando ou reestruturando mensagens e seus

1 – Eduardo Fontoura é advogado formado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em 1994 no Curso de Ciência Jurídicas e Sociais e Mestre em Dispute Resolution pela Pepperdine School of Law, Straus Institute de Malibu, Califórnia. É fundador e principal associado na Fontoura & Mesquita Advogados Associados desde 1997. Sua principal atividade é relacionada a Contratos Comerciais, e desenvolvimento de soluções para conflito familiares e empresariais. Trabalha com a Direito de Família e Consumidores. É um autodidata em mediação muito antes do litígio ser a principal opção para a solução do conflito.

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Eduardo Fontoura Filho

significados, o mediador volta a visão e o interesse das partes dirigidos para o futuro – o passado não há como ser modificado, mas o futuro pode ser planejado de uma forma diferente a partir daquele momento. Parafrasear e reestruturar informações relevando o foco negativo do conflito mirando no positivo do todo até aquele momento. A partir de então, no melhor cenário, as partes passarão a apontar para o fator positivo como um caminho para equacionar uma solução que deverá ser buscada pelas próprias.

A solução almejada deverá passar por tomadas de decisão, as quais não poderão ser feitas sob intensas emoções. Decisões tomadas no calor do embate se mostraram desapontadoras através de estudos científicos.2Tal como o vencedor do Nobel de Economia Daniel Kahneman esclareceu3o cérebro humano atua em duas formas: uma, o sistema um, dispara reações baseadas em experiências de sobrevivência dos nossos antepassados e a outra, sistema dois, calcula todas as opções com suas variáveis e toma a decisão mais racional – ao menos diante das informações obtidas até aquele momento. A primeira é rápida e invariavelmente sabotadora dos interesses finais uma vez que tomada no calor da emoção; enquanto a segunda é mais demorada, porque calcula todas as diferentes conjecturas aplicáveis ao caso.

Estudos científicos4 demonstraram que as emoções são capazes de obstruir e sabotar o processo cognitivo para a tomada de decisão. Portanto, é extremamente importante que o mediador seja sabedor deuma verdade cientificamente comprovada: se a parte está emocionalmente fragilizada ou instável, dificilmente ocorrerão decisões acertadas no decorrer do processo.5 Esta cadeia de decisões equivocadas6 vai prejudicar a criação do ‘círculo de confiança’ entre o mediador e as partes. A conexão de confiança não irá se estabelecer se a emoção não for esvaziada. E, em não havendo o estabelecimento de uma ponte de confiança entre mediador e parte, o processo de mediação estará fadado ao desgaste e poderá se dirigir ao insucesso.

2 – Richard Birke, em Neuroscience and Settlement: An Examination of Scientific Innovations and Practical Applications, Ohio State Journal on Dispute Resolution, Vol. 25:2, 2010, p. 477 – 530;3 – Daniel Kahneman, Rápido e Devagar, duas formas de pensar, Ed. Saraiva, 2012;4 – Randal L. Kaiser, et al, Let’s not make a deal: an empirical study of decision making in unsuccessful settlement negotiations, Journal of Empirical Legal Studies, vol. 5, Issue 3, 551-591, September 2008; 5 – Leonard Riskin, Managing Inner and Outer Conflict, 18 Harv. Negotiation L. Rev. 1, 20136 – Leonard Riskin, Decision Making in Mediation: The New Old Grid and the New New Grid System, 79 Notre dame L. Rev. 1, 2003;

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TÉCNICAS DE COMO LIDAR COM EMOÇÕES NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO

Para que o processo de mediação passe a imprimir um fluxo de decisões positivas é de suma importância que o mediador utilize ferramenta que pontualmente venham a facilitar a comunicação entre as partes. Pode-se afirmar que a comunicação é a primeira e mais importante ferramenta de todo o processo. Detectar as emoções das partes é crucial para estabelecer o primeiro contato. Reconhecendo-as e descrevendo-as verbalmente às partes provoca e estabelece um grau de conexão pessoal entre mediador e parte de uma forma pouco dimensionada anteriormente. Quando as partes têm a oportunidade de ‘desabafar’ a identificação do estado de humor e dos sentimentos deve ser quase imediata. Para grifar essa identificação o mediador deverá repetir as últimas palavras da parte, seguindo da informação de reconhecimento do estado de ânimo: “Parece que estás muito desapontado”, “Parece que o estresse da situação te deixou com muito medo”, “Parece que estás desesperançado”. Ao reconhecer o estado de espírito e o ânimo da parte e declarar verbalmente o reconhecimento disto – usando o correto tom de voz e linguagem corporal, após repetir as últimas palavras da declaração, estabelece-se uma ponte importante de harmonia e conexão.

Parte desta técnica é apropriação do que Robert Cialdini ensinou em sua obra de referencia no capítulo da Reciprocidade7. A parte acabará por aceitar a informação não apenas com uma identificação, mas também como um reconhecimento do estado de ânimo. Neste momento a reciprocidade se estabelecerá e, consequentemente, a conexão.

Esta técnica se confunde com outra: as declarações de TU ou VOCÊ. Para a parte que está sendo ouvida, trazendo informações acerca do estado de ânimo, sentir-se-á mais apreciada quando ouvir do mediador declarações onde o sujeito da declaração é ela mesma e não o mediador. Por isso, preferencialmente, evita-se declarações tipo: “Eu entendo...”, “Eu percebo...”, ou “Eu diria...”. O caso ou o conflito não é sobre o mediador, mas sobre as partes. E essa é a forma de auxiliar as partes e aliviarem suas emoções e passar a atuar pro-ativamente em direção a resolução do conflito.8

Acompanhando a linha de ferramentas criadas e estabelecidas para lidar com emoções na mediação, e sempre baseada na comunicação, recomenda-se

7 – Robert B. Cialdini, Influência: a psicologia da persuasão;8 – Douglas E. Noll, De-Escalate: How to calm an angry person in 90 second or less, Simon & Schuster, 2017;

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evitar o uso de ‘porquês’ quando buscar informações complementares a verificar a realidade das informações – reality check. Perguntas retóricas iniciadas pela conjunção ‘qual’, surtem melhor efeito na busca de respostas abertas (quase um depoimento). Os porquês buscam razões e motivos e estas perguntas são percebidas como criticas, onde a neurociência muito explica a amigdala cerebral9. Na hora de buscar por informações é importante saber que há alternativas que trazem às partes ao círculo de confiança. E é isto que todo mediador necessita quando atua facilitando o entendimento.

O mediador profissional tem conhecimento que a emoção não é um aliado no processo de mediação. E por isso tem ferramentas uteis e simples para todo e qualquer momento. A Lista dos Três Desejos é considerada uma das mais simples e mais efetiva para esfriar emoções e auxiliar na alteração de humor em beneficio da racionalidade. Emoção e razão estão em distantes e opostos extremos. Enquanto um prejudica a descoberta da solução, o outro trabalha em prol da elucidação da equação do conflito. A Lista dos Três Desejos tem momento apropriado para ser usada, o que significa dizer que nem toda hora é uma boa hora.

Alguns momentos, ou em alguns casos de natureza especial, tal como relações de trabalho, as sessões tem de iniciar e ser privadas – em quase a totalidade dos casos10; ou quando as partes descobrem durante o processo que estão desconfortáveis e necessitam privacidade. Nestes casos, invariavelmente, as partes estão infladas de emoções e antagonismos. Em sessões privadas o tempo trabalha contra o mediador; aliado ao fato de que uma das partes (ou mais) ficará (ou ficarão) de certo modo ociosa e/ou entediada. Isso tende a incrementar o grau de emoções. Neste momento o mediador mostra um bloco com uma caneta (tem de ser um jogo com o numero exato de participantes para todos participarem da técnica). O mediador solicita que a parte insuflada de emoção passe a pensar no futuro referente à causa sob debate. E que para a parte auxiliar o mediador na solução do conflito ou do impasse, pense em três diferentes cenários para o futuro – para manter o equilíbrio, faz a mesma sugestão aos outros participantes.

A intenção é que os participantes passem a deixar as emoções de lado utilizando a faculdade cerebral de elaborar pensamentos. A atividade cerebral irá irrigar o cérebro com uma quantidade maior de sangue – oxigenando-o e

9 – John J. Ratey, Spark: The Revolutionary New Sciensce of Exercise and the Brain, Little Brown & Co., 2013;10 – Roderick Swaab, Face-First: Pre-mediation Caucuses and Face on Employment Disputes;

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acalmando, o que por si só importará em uma redução das calorosas emoções e prol da razão. Ao elaborar imagens de um futuro almejado o participante também centrará o foco naquilo que se busca: a solução do conflito. Contudo, para que a ferramenta surta efeito é necessário que o mediador estabeleça critérios junto com a parte. Isso é imprescindível para que não haja mais qualquer expectativa não-realística. Esse balizamento é extremamente saudável e faz parte do processo para criar conexão e harmonia.

Nesta caixa de ferramentas nenhum mediador pode ficar desatento ao que as partes estão a relatar. Ninguém sabe mais do conflito que elas mesmas. Portanto, a comunicação do mediador é receptiva; o mediador é um receptor de informações (escuta-ativa). E quando estas vão se alinhando e fazendo sentido, caberá ao mediador saber qual ferramenta aplicar no momento apropriado. O “Inimigo Comum” e a “História Heroica” são duas ferramentas que exigem ouvido aguçado e criatividade.

Quanto ao Inimigo Comum é necessário encontrar um aliado que não esteja na sala, mas de algum modo desenvolveu alguma ação ou omissão que redundou no conflito, e ambas partes foram prejudicadas por este terceiro ausente. Este é o momento que se deve aplicar a Teoria da Reciprocidade de Cialdini.11 Colocar ambas partes no mesmo sentido, uma vez que ambas estão com o conflito provocado por este terceiro, que não está lá para responder por suas responsabilidades.

O Inimigo Comum aliado ao Princípio da Reciprocidade é uma oportunidade que nem sempre se desvela no processo de mediação. Todavia, quando o mediador perceber a oportunidade, deve usá-la de forma indireta. O que significa dizer que não cabe ao mediador chegar nesta conclusão, mas cabe as partes verem que o conflito nasceu em face de um terceiro. De outra forma, o mediador poderá ser considerado manipulador e/ou tendencioso no julgamento contra uma terceira pessoa ausente da negociação e que um dia privou do relacionamento das partes.

A outra ferramenta que o mediador deve usar com cautela é a História Heroica – e por duas razões. Quando as partes desvelarem suas posições e interesses, a experiência do mediador poderá trazer informações sobre casos semelhantes ou situações da vida pessoal – isso ajuda a aumentar a conexão e confiança entre as partes e com o mediador, consequentemente. O uso de fatos de terceiros pode auxiliar e muito na solução do conflito em debate, contudo esta historia a ser narrada tem de ser verdadeira – porque se não for e as partes assim

11 – Robert B. Cialdini, Influência: a psicologia da persuasão;

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desconfiarem, a conexão ficará comprometida. Além de verdadeira, tem de ter relação com o caso ou com o perfil das pessoas envolvidas. Não preenchendo a coluna da veracidade e a coluna da conexão, novamente o mediador poderá sofrer um revés nas suas conexões e talvez não recuperar mais a credibilidade até então angariada.

Há outro ponto a se observar para que a História Heroica tenha resultado satisfatório. Mesmo que a história contada seja experiência pessoal do mediador, preferencialmentese deve utilizar a terceira pessoa do singular ou do pluralpara fazer a conexão dos fatos com as necessidades das partes envolvidas no conflito. E isto por uma razão importante. As partes podem se interessarprofundamente pelos fatos e as consequências da história trazida à mesa a ponto de perderem o foco nas negociações que envolvem o conflito em questão.

Ao utilizar uma terceira pessoa como protagonista de fatos pessoais, o mediador descentraliza o personagem e, caso o assunto se prolongue em demasia, poderá encerrar o uso da ferramenta de forma apropriada com uma revelando que desconhece mais detalhes dos fatos. E assim se dedicar apenas aquilo que interessava às partes.

E por fim, um fato que os mediadores devem estar atentos e avisados – a fim de melhor aplicar sua caixa de ferramentas. Existe um grupo especial de pessoas que acirram os ânimos e esquentam os debates durante negociações, incrementando o tom e a dificuldade na solução dos conflitos. Estas pessoas são conhecidas como Pessoas de Alto Potencial de Conflito12, onde traços de desordem de personalidade dificultam a utilização de qualquer ferramenta. Borderliners, narcisistas, antissociais, histriônicos e paranoicos são pessoas que facilmente se sentem manipuladas, uma vez que essa é a forma que o cérebro percebe a troca de informação. Não é somente a emoção com alto grau de volatilidade, mas também a incapacidade de poder realizar pensamentos racionais para atingir conclusões diferentes das precedentes.

Este curto artigo não tem o escopo de dissecar estes distúrbios. Todavia, faz-se imprescindível saber que uma boa parcela da população sofre com estas desordens e sequer tem conhecimento disto. É necessário que o mediador fique atento a traços de desordem de personalidade e não confundam estes com personalidade forte, apenas. Neste sentido poderá fazer melhor analise da situação para aplicar as ferramentas cabíveis caso a caso. E quando o resultado não

12 – Bill Eddy, High Conflict People in Legal Disputes, 2nd. Edition - 2016.

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acontece, isso não é por falha na aplicação da ferramenta, mas porque algumas mentes não tem os mesmos processos de racionalidade – e isso é natural. Para estes casos, existem outras formas de soluções e não é a mediação que solucionará o conflito interno destas pessoas.

A mediação não funciona para todos e tudo. A mediação é uma ferramenta e como toda ferramenta tem situações adequadas para ajudar a solucionar impasses e isto depende das partes envolvidas. Isso faz lembrar os três P’s da Mediação13: Problema, Pessoas, e Processo. O mediador pode verificar o problema e analisar a solução viável como a solução de uma equação. O mediador pode dominar o processo de mediação e saber como evoluir do princípio ao fim. A incógnita nesta trinômio são as pessoas que estão envolvidas – o “P” mais importante da equação conflituosa.

Isto demonstra que o processo de mediação é um processo multidisciplinar e impõe ao mediador buscar informações nas mais diversas áreas, tais como neurociência, comportamento humano, psicologia, sociologia, relações intercultu-rais, e mediação, entre outras. E o mediador necessita estar atento e atualizado nas mais diversas áreas que envolvem conflitos e soluções destes. Assim poderá atualizar a caixa de ferramentas das técnicas para lidar com emoções durante o processo de mediação – uma atualização que é um processo sem fim.

13 – Eemeli Isoaho & Suvi Tuuli, Lessons learned from Mediation Process, 2013;

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MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR: OUTRO CAMINHO PARA O ENFRENTAMENTO DE CONFLITOS DE NATUREZA PENAL

Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak1

“Quando impomos sanções a pessoas irresponsáveis, isto tende a torná-las mais irresponsáveis ainda”. (Dennis A. Challen).

INTRODUÇÃO

Este trabalho objetiva refletir e propor outra forma de tratamento aos conflitos que desbordam para a esfera penal, haja vista a ineficiência da resposta criminal pelo viés da justiça retributiva.

Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2014, a população carcerária brasileira estava em torno de 711.463 presos. Nosso país ocupava a terceira posição mundial de presos, ficando atrás somente dos Estados Unidos e China.

Havia ainda um déficit de 354 mil vagas no sistema carcerário e, se considerados os mandados de prisão em aberto, a população carcerária saltaria para mais de um milhão de pessoas.

Considerando que a população brasileira aumenta 7% a cada ano, hoje teremos aproximadamente 872.000 presos, com um índice de reincidência em torno de 70%.

No Rio Grande do Sul a população carcerária está em torno de 37 mil presos.Segundo dados estatísticos, a grande maioria da população carcerária,

possui entre 18 e 29 anos, portanto, se constitui de indivíduos jovens.

1 – Desembargadora do TJRS. Integrante do Núcleo de Estudos em Mediação da Escola Superior da Magistratura AJURIS/RS.Coordenadora do NUPEMEC/TJRS de 2010 a 2015. Conselheira da Escola Nacional de Mediação de 2012 a 2014. Mestre em Mediação e Negociação pela Maestria Latino-americana Européia APEP em convênio com o Institut Universitaire Kurt Bosch – Suíça. Integrante da Comissão de Especialistas do Ministério da Justiça para elaboração da Lei de Mediação. Possui capacitação em Negociação e Mediação de Conflitos pela Columbia University – Nova Iorque.

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Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak

Os crimes pelos quais a maioria dos indivíduos está encarcerada são contra o patrimônio (46%), Lei de Drogas (28%) e contra a pessoa (13%).

Um dado importante foi o crescimento do número de mulheres encar-ceradas, das quais 64% cumprem pena por delitos relacionados ao tráfico de entorpecentes.

Diante dessa realidade, possível concluir que não prendemos pouco. Prendemos mal.

Necessário, portanto, reperspectivar a maneira como tratamos os conflitos que, de alguma forma, adentram a seara do direito criminal.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA RETRIBUTIVA

Segundo Howard Zehr2, o crime é um evento traumático. É devastador porque perturba dois pressupostos fundamentais sobre os quais calcamos nossa vida: a crença de que o mundo é um lugar ordenado e dotado de significado, e a crença na autonomia pessoal. Rompe com o sentido de ordem e significado. Destrói a sensação de autonomia. É degradante e desumanizador perder o poder pessoal e ficar sob o poder dos outros. Os efeitos psicológicos podem ser mais graves do que a perda física. O crime é também uma violação da confiança depositada no relacionamento com os outros, portanto, ele não atinge somente vítima e ofensor, mas toda a coletividade.

Na abordagem tradicional, sob a lente da justiça retributiva, diante de um evento ilícito, são feitas as seguintes perguntas: Que lei foi infringida? Quem a infringiu? Que castigo merece o infrator?

O processo penal tradicional se foca na culpa – culpa legal e não factual. Tem olhar sobre o passado – em detrimento do futuro. O conceito de culpa no processo judicial é técnico – facilita a negação da responsabilidade. Frustra as vítimas. Obriga vítima e ofensor a falarem a linguagem do sistema.

O crime é dívida moral que deve ser paga – a justiça dá o equilíbrio à balança – mas o pagamento é abstrato e não há reconhecimento público quando a dívida foi paga. Passar ao ofensor a mensagem de que “Você fez mal a alguém então nós faremos mal a você também” – simplesmente aumenta a quantidade de mal neste mundo. A lei penal é de fato a “lei da dor”. Infligimos dor como resposta ao crime.

2 – ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Atena, 2008.p. 24.

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O processo penal é a determinação da culpa e a administração da dor. A justiça é definida mais pelo processo do que pelo resultado. O procedimento tem precedência sobre o mérito. É adversarial. Fomenta o conflito de interesses entre as partes. É um modelo de guerra. Tem o foco na isonomia do processo, não nas circunstâncias do fato. A justiça acaba mantendo desigualdades em nome da igualdade.

Vítima e ofensor se tornam expectadores e não participam de seu próprio processo. O sistema penal afasta o processo de justiça dos indivíduos e da comunidade. A Justiça é definida como aplicação da lei. Ao invés de focarmos o dano efetivamente causado ou a experiência vivida pela vítima e o ofensor, nos concentramos no ato da violação da lei. O Estado e não o indivíduo é definido como vítima.

Assim, pelo fato de o Estado ser tão impessoal e abstrato é praticamente impossível obter o perdão e a clemência. As vítimas são meras notas de rodapé no processo penal 3.

O processo criminal não promove a reconciliação entre vítima e ofensor porque o relacionamento entre eles não é visto como um problema importante. De fato, como poderiam seus sentimentos um em relação ao outro ser levados a sério se nenhum dos dois participa da equação?

O encarceramento deveria atender às necessidades sociais de punição, proteção e reeducação. Alguns ofensores são efetivamente perigosos e precisam ficar presos, sujeitos ao sistema judicial. Porém, não seria a regra geral. Necessária uma abordagem diferenciada sobre o crime.

Falta em nosso modelo de enfrentamento dos conflitos penais um espaço para arrependimento e perdão. Para que haja cura é importante que as vítimas possam perdoar. O perdão não pode ser um ônus. É um ato de empoderamento. Necessário se oferecer ocasiões para perdão, confissão, arrependimento e reconciliação.

O sistema atual não contempla esses estágios e não favorece a reconciliação. Na verdade, incentiva os ofensores a negarem sua culpa e se concentrarem na sua própria situação. Busca manter a vítima e o ofensor separados, realçando sua condição de adversários, desestimulando a busca de um entendimento comum sobre a ofensa e sua resolução.

O processo penal desumaniza a vítima, na medida em que não a trata como pessoa, mas como meio de prova. Não leva em conta os efeitos psicológicos do

3 – ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Atena, 2008. p. 79.

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crime, nem visa sua recuperação. A vítima precisa lidar com suas perdas e vê-las ressarcidas. Necessita de respostas e de informações. Precisa saber o que aconteceu realmente. Por que comigo? Precisa oportunidade para expressar e validar suas emoções (empoderamento). Tem necessidade de uma experiência de justiça, sem a qual sua recuperação poderá ser inviável. Também, precisa saber que providências estão sendo tomadas para corrigir as injustiças e reduzir as oportunidades de reincidência. Quer ser, ao menos em certos aspectos, consultada e envolvida no processo. A vítima desatendida poderá ter dificuldade para recuperar-se ou ter uma recuperação incompleta e, no modelo tradicional retributivo, não há qualquer participação sua na solução da causa, o que a deixa totalmente alheia ao resultado e sem confiança na justiça.

O ofensor, de outro lado, sofre as conseqüências punitivas: - prisão ou penas alternativas. Porém, o processo estimula a focar nos erros cometidos, desviando a atenção que deveria estar sobre o dano causado à vítima, dando ao ofensor uma visão limitada e abstrata de sua responsabilidade. As conseqüências por seus atos são escolhidas por outros – os ofensores não se responsabilizam por elas e, por isso, acabam acreditando que o que fizeram não é tão grave. Geralmente, culpam outras pessoas – a sociedade e até a própria vítima. Não dão atenção aos danos causados, nem têm noção da dimensão de seus atos. Ficam envolvidos com sua própria situação jurídica. Não olham para o custo humano dos atos cometidos. “As decisões responsabilizam os ofensores, mas não os tornam responsáveis”4

A somar, a idéia de que o delito foi cometido contra a sociedade é abstrata, sem identificação e o processo penal contribui para essa percepção porque quem move a causa é o Estado, um ente abstrato. O acusado pode mentir sem qualquer conseqüência jurídica e, de regra, é essa a orientação defensiva predominante, com o que a decisão judicial é algo que não lhe afeta, porque imposta, não gerando responsabilidade no cumprimento da sanção, estimulando, desse modo, a imaturidade.

Não obstante, o ofensor precisa assumir a responsabilidade por seu comportamento. Ser estimulado a formar uma compreensão o mais completa possível daquilo que fez. O que suas ações representaram para as outras pessoas envolvidas e qual foi o seu papel. Ser encorajado a corrigir seus erros, na medida

4 – ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Atena, 2008. p. 41.

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do possível. Participar do processo e encontrar modos para fazer isto. Esta é a verdadeira responsabilidade.

Nesse modelo de justiça essencialmente retributivo está a raiz de muitos de nossos problemas. Porém, o sistema judicial é somente uma das muitas maneiras de resolver disputas e danos. Podemos evoluir e avançar para um enfrentamento, sob novos olhares que priorizem o elemento humano, sem o qual os próprios conflitos não existiriam.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA RESTAURATIVA:

Quando focamos o crime pela lente da justiça restaurativa, as perguntas são as seguintes: Quem sofreu o dano? O que essa pessoa precisa para que o dano seja reparado? Quem tem a responsabilidade de consertar essa situação?

O crime é visto como uma violação de pessoas e relacionamentos. Cria a obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança. Mesmo quando o crime é patrimonial, as pessoas se sentem vítimas de uma violação pessoal, por isso a necessidade de se construir espaços de diálogo e intercompreensão.

Não há consenso doutrinário acerca da definição ou conceito de Justiça Restaurativa, razão pela qual abordaremos o tema sob o enfoque trazido pela Resolução nº 2002/12 da ONU5.

Conforme a Resolução, a Justiça Restaurativa evolui como uma resposta ao crime que respeita a dignidade e igualdade das pessoas, constrói o entendimento e promove harmonia social mediante a restauração das vítimas, ofensores e comunidades.

Essa abordagem permite que as pessoas afetadas pelo crime possam compartilhar abertamente seus sentimentos e experiências, bem assim seus desejos sobre como atender suas necessidades, propiciando que logrem uma reparação, se sintam mais seguras e consigam superar o problema.

Também, permite aos ofensores compreenderem as causas e conseqüências de seu comportamento e assumirem responsabilidades de forma efetiva. Possibilita à comunidade a compreensão das causas subjacentes do crime, para se promover o bem estar comunitário e a prevenção da criminalidade.

5 – Disponível em;http://www.un.org/en/ecosoc/docs/2002/resolution%202002-12.pdf. Acesso em: 30 jul. 2017

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Nesse passo, tem-se como “Programa de Justiça Restaurativa” qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos.

“Processo Restaurativo” significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um terceiro justo e imparcial. Incluem-se a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e os círculos decisórios (sentencing circles).

Como “Resultado Restaurativo” a Resolução da ONU define o acordo construído no processo restaurativo e pode incluir como reparação, restituição e serviço comunitário, ou qualquer outro meio de reparar a vítima e a comunidade, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas, as responsabilidades das partes e promover a reintegração da vítima e do ofensor.

“Partes” significa a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos num processo restaurativo.

“Facilitador” significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa e imparcial, a participação das pessoas afetadas e envolvidos num processo restaurativo, inserindo-se neste conceito, também, o Mediador.

Quanto à utilização da Justiça Restaurativa, a Resolução da ONU dispõe que os programas podem ser usados em qualquer estágio do processo de justiça criminal, mas deve haver o consentimento livre e voluntário da vítima e do ofensor, os quais podem revogar esse consentimento a qualquer momento, durante o processo. Da mesma forma, os acordos deverão observar a voluntariedade das partes e conter somente obrigações razoáveis e proporcionais.

Os processos restaurativos devem ser usados quando houver prova suficiente de autoria para denunciar o ofensor e as partes (vítima e ofensor) devem normalmente concordar sobre os fatos essenciais que envolvem o caso, sendo isso um dos fundamentos restaurativos. Entretanto, a participação do ofensor não implica admissão de culpa em processo judicial.

Importante destacar que tais disposições em nada afetam o Princípio da Presunção de Inocência, pois a responsabilidade assumida pelo ofensor acerca do fato e seu aceite quanto ao processo restaurativo não significa qualquer espécie de confissão ou assunção de culpa no sentido legal, portanto, sua situação no processo judicial não restará afetada, neste aspecto.

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Além disso, está expressamente garantida a confidencialidade do processo restaurativo. Apenas as partes poderão autorizar a publicidade das discussões, salvo as exceções determinadas pela legislação pertinente.

Tal princípio, comum aos processos autocompositivos facilita a troca de informações e o diálogo franco, pois, em ambiente privado e seguro, as partes se sentem mais predispostas a fazer declarações e assumir responsabilidades que não poderão ser utilizadas contra si posteriormente.

No âmbito do Poder Judiciário brasileiro, a Resolução 2256, de 31 de maio de 2016, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, dispôs sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa, estabelecendo em seu artigo 1º: A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado.

A Resolução do CNJ estabelece uma série de premissas e critérios para as práticas restaurativas, em especial, em seu artigo 2º, reforçando as diretrizes da Organização das Nações Unidas (Resolução 2002), ressalta quais são seus princípios orientadores:

Art. 2º São princípios que orientam a Justiça Restaurativa: a corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento às necessidades de todos os envolvidos, a informalidade, a voluntariedade, a imparcialidade, a participação, o empoderamento, a consensualidade, a confidencialidade, a celeridade e a urbanidade.§ 1º Para que o conflito seja trabalhado no âmbito da Justiça Restaurativa, é necessário que as partes reconheçam, ainda que em ambiente confidencial incomunicável com a instrução penal, como verdadeiros os fatos essenciais, sem que isso implique admissão de culpa em eventual retorno do conflito ao processo judicial.§ 2º É condição fundamental para que ocorra a prática restaurativa, o prévio consentimento, livre e espontâneo, de todos os seus

6 –Disponível em http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3127. Acesso em 30 de jul. 2017.

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participantes, assegurada a retratação a qualquer tempo, até a homologação do procedimento restaurativo.§ 3º Os participantes devem ser informados sobre o procedimento e sobre as possíveis consequências de sua participação, bem como do seu direito de solicitar orientação jurídica em qualquer estágio do procedimento.§ 4º Todos os participantes deverão ser tratados de forma justa e digna, sendo assegurado o mútuo respeito entre as partes, as quais serão auxiliadas a construir, a partir da reflexão e da assunção de responsabilidades, uma solução cabível e eficaz visando sempre o futuro.§ 5º O acordo decorrente do procedimento restaurativo deve ser formulado a partir da livre atuação e expressão da vontade de todos os participantes, e os seus termos, aceitos voluntariamente, conterão obrigações razoáveis e proporcionais, que respeitem a dignidade de todos os envolvidos.

Desses regramentos se conclui que os processos restaurativos, independente-mente da metodologia adotada, devem observar as seguintes premissas: a) a resposta para o crime deve ser a reparação, tanto quanto possível, do dano sofrido pela vítima; b) os ofensores devem compreender que seu comportamento não é aceitável e que trouxe reais conseqüências para as vítimas e a comunidade; c) os ofensores podem e devem reconhecer a responsabilidade por seus atos; d) as vítimas devem ter a oportunidade de expressar suas necessidades e participar no sentido de encontrarem a melhor maneira de o ofensor promover a reparação dos danos; e) a comunidade também tem a responsabilidade de contribuir nesse processo.

Ainda, seus valores são: a participação plural; o respeito por todos os participantes; a preferência por soluções consensuais; a flexibilidade do processo, com a construção conjunta dos resultados e o envolvimento da comunidade.

Nessa perspectiva de abordagem, as práticas restaurativas promovem a reabilitação do ofensor; o suporte às vítimas; a efetiva redução da criminalidade; a melhora do relacionamento entre a justiça criminal e a sociedade; a reforma gradativa e pacífica do sistema de justiça criminal, com futura redução dos conflitos submetidos a julgamento pela forma tradicional, além da redução de custos e rapidez na solução dos casos, proporcionando maior sensação de justiça.

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UMA PROPOSTA DE JUSTIÇA RESTAURATIVA PELA MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR CONTEXTUALIZAÇÃO NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO

A proposta que se apresenta é de complementação ao trabalho que já vem sendo desenvolvido no âmbito da Justiça Restaurativa no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Nosso modelo de Justiça Restaurativa está muito focado nos círculos de construção de paz. Sem que soe como crítica ao modelo, a Justiça Restaurativa é muito mais. Como se verificou no regulamento das Nações Unidas, existem várias metodologias com que se pode trabalhar de forma restaurativa e os círculos nem sempre são adequados a determinados contextos, nos quais se exigiria maior privacidade, ou até mesmo, a obtenção de soluções mais rápidas e objetivas, uma vez que os encontros circulares possuem maior abrangência por envolverem uma pluralidade de indivíduos e a própria comunidade na qual estão inseridos.

Possibilidades no âmbito do Poder JudiciárioPossível trabalhar a mediação vítima-ofensor no âmbito dos delitos

de menor potencial ofensivo e nas ações penais privadas ou condicionadas à representação da vítima.

Possível também nos crimes de ação penal pública incondicionada com ou sem possibilidade sem influência no curso do processo penal, dado que não temos legislação que proíba essa prática.

O entendimento entre a vítima e ofensor poderá ser levado em consideração pelo Juiz na redução de pena prevista no art. 66 do CP. – atenuante inominada – “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não expressamente prevista em lei”

Em alguns casos, poderá, inclusive, ser levado em conta para a absolvição. Ex. delitos patrimoniais sem violência à pessoa que muitas vezes ficam numa zona limítrofe entre o ilícito penal e civil (estelionato, apropriação, abandono material).

Quando e como usar a mediação vítima-ofensor?Em qualquer estágio do processo. Quando houver prova suficiente da

autoria e o ofensor admití-la. Vítima e ofensor devem concordar sobre os fatos essenciais que envolvem o caso, porém, a participação do ofensor não implica admissão de culpa em processo judicial.

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Questiona-se: Como fica o Princípio da Presunção de Inocência? O aceite ao processo restaurativo não significa confissão ou culpa sob o aspecto legal e a aceitação à mediação não altera sua situação no processo judicial. Há de se observar princípio da confidencialidade, garantindo-se ao ofensor a segurança de que eventuais fatos revelados durante a mediação não serão usados contra ele no processo criminal.

O primeiro contato a ser feito pelos mediadores deve ser com o ofensor para evitar a revitimização, na hipótese de a vítima estar disposta à mediação e o ofensor negar-se a essa possibilidade, gerando frustração no ofendido. Seguem-se encontros individuais com a vítima e o ofensor até que, se oportuno e possível, ao final, é realizada a sessão conjunta.

Algumas consideraçõesNão se trata de medida para beneficiar infratores, nem de incentivo à

impunidade, muito pelo contrário – é uma ferramenta de RESPONSABILIZAÇÃO do ofensor que visa também à humanização do processo penal (vítima e ofensores na sua condição de humanidade com oportunidade de participação e empoderamento).

É uma política de desencarceramento pela promoção de consensos, evitando a reiteração delitiva e o ingresso de indivíduos com potencial para mudança de comportamento frente ao crime nas caóticas e medievais prisões de nosso país.

AS OFICINAS PARA O PERDÃO

Além da mediação vítima-ofensor, propõe-se a realização de oficinas em apoio às vítimas na superação de mágoas e rancores decorrentes do crime ou de processos judiciais. São encontros sem conotação mística ou religiosa. As oficinas estão baseadas no Projeto para o Perdão da Universidade de Stanford e não estão necessariamente vinculadas às mediações. Constituem projeto autônomo, mas complementar.

Importante destacar a existência de inúmeras pesquisas sobre os benefícios do perdão, dentre elas o Projeto para o Perdão da Universidade de Stanford, desenvolvido pelo Dr. Fred Luskin, o qual servirá de referência para as oficinas acima referidas e detalhadas em artigo próprio.7

7 – LUSKIN, Dr. Fred, O Poder do Perdão, Uma receita provada para a saúde e felicidade, Ed. Francis, 2002.

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REFERÊNCIAS

ACHTTI, Daniel, Justiça Restaurativa e Abolicionismo Penal, Modelos Contempo-râneos de Justiça Criminal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

CARAM, Maria Helena. Hacia La mediación penal. Buenos Aires: La ley, 2000.

HIGTON, Elena; ALVAREZ, Gladis e GREGÓRIO, Carlos. Resolución Alternativa de Disputas y Sistema Penal. Buenos Aires: Ad-hoc, 1998.

KUBIAK, Vanderlei Teresinha Tremeia. Mediação de Conflitos. In: VIEIRA, Waldo; (Org.); Enciclopédia da Conscienciologia Digital. Foz do Iguaçu: Editares, 2016.

LUSKIN, Fred. O Poder do Perdão. Tradução de Carlos Szlak. São Paulo: Francis, 2002.

PALLAMOLLA, Raffaela da Porciúncula. Justiça Restaurativa: da teoria à prática. São Paulo:IBCCRIM, 2009.

ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Atena, 2008.

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AS APACS

Gilmar Bortolotto1

O Brasil enfrenta graves problemas de segurança. Somos um país onde a violência atinge a todos, sem distinção de classe ou condição social. Temos enfrentado a situação posta quase sempre impulsionados por fatos tidos como graves, representativos da barbárie quotidiana que parece trazer a idade média para os tempos atuais. Agimos sobre os efeitos e desprezamos as causas, o que faz com que nossos resultados sejam sempre piores.

Os dados mais recentes informam que o Brasil registra quase 60.000 homicídios por ano. Trata-se de um número que impacta, especialmente porque representa uma quantidade óbitos superior ao verificado nas guerras ainda em andamento no mundo.

A população carcerária brasileira supera 700.000 pessoas, sendo a terceira maior do mundo em números absolutos, sendo que, como índice geral, mais de 70% das pessoas que passam pelos presídios a eles retornarão.

No trato com este cenário, dispomos de um sistema prisional que serve como repositório final para todos aqueles que, ultrapassadas as fases policial e judicial do nosso sistema de justiça criminal, são condenados ao cumprimento de penas privativas de liberdade.

Um olhar superficial sobre o contexto apresentado pode resultarna seguinte conclusão: encarceramos bastante porque temos muita violência. Mais. Como a violência segue aumentando, precisamos de mais vagas nos presídios, pois é inevitável que venhamos a prender mais gente. Se ficarmos só nisso, certamente estaremos caindo na armadilha que tem nos direcionado para políticas ineficazes no trato com a violência e a criminalidade.É preciso pensar no que fazer com os que prendemos.

A crença no sentido de que os delinquentes são irrecuperáveis tem motivado a adoção de métodos sancionatórios que desprezam o fundamental: a educação.

1 – Procurador de Justiça – atuação na fiscalização de casas prisionais por 17 anos. Voluntário da APAC.

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A quase totalidade das pessoas jamais terá contato com a realidade do sistema carcerário. Nos presídios circulam os detentos e seus familiares, além dos servidores penitenciários e algumas poucas autoridades que estão ligadas à área prisional. Os estabelecimentos penais integram um sistema hermético, onde tudo acontece por trás de altas muralhas, que simbolizam a necessidade de manter segredo sobre o que ocorre lá. Mas o que há para esconder?

A história das penas acompanha a da humanidade. Avançamos, com len-tidão, de um sistema extremamente cruel para outro teoricamente humanitário. Já experimentamos a vingança privada, o Talião e os juízos de Deus, dentre outras práticas punitivas.Foi com base nos postulados iluministas que o Brasil, no artigo 5º, inciso XLVII da Constituição Federal, adotouo Princípio da Humanidade, que impede que se legisle sobre penas cruéis.Resulta disso que temos uma legislação avançada sobre a execução das penas. A Lei 7.210/84 estabelece como uma de suas finalidades a reintegração do condenado.

Entretanto, até mesmo aqueles que nunca entraram em uma penitenciária sabem que o ambiente carcerário atual, em boa medida, reproduz a barbárie praticada na Idade Média. Como regra, os presídios brasileiros identificam um ambiente insalubre e dominado por facções. São locais em que a maioria dos presos é abandonada e submetida a um sistema de escravidão imposto pelos mais fortes. Violência e degradação moral integram uma espécie de metodologia que termina por agravar perfis delinquentes e elevar a reincidência a níveis inimagináveis. Concretamente, estamos diante de um sistema que alimenta a criminalidade. A maior parte dos presos é recrutadapor grupos que dominam as prisões durante a execução da pena. Após, em liberdade, quitam os débitos assumidos na cadeia cometendo delitos. Aí está o ciclo que não se interrompe.

Qual a razão para a distância existente entre uma legislação avançada e as práticas medievais?

Quando se fala em cumprimento de penas, expressões como humanidade, ressocialização, dignidade, dentre outras, fazem parte de um discurso teórico. Quase todos os projetos, conceitualmente, afirmam a necessidade de reintegrar o criminoso à sociedade livre, de educá-lo. A prática, entretanto, é muito diferente disso tudo. O sistema carcerário não chegou ao ponto de degradação em que se encontra de forma aleatória. Apesar de não haver um plano explícito para que as cadeias tenham se transformado em depósitos insalubres de seres humanos, o fato é que foiisso que produzimos ao longo do tempo. Por omissão ou intencionalmente, construímos locais onde se executa a vingança que não conseguiríamos praticar

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pessoalmente sem que o nosso verniz de homens civilizados restasse arranhado. Os muros dos presídios, dizem alguns, mais do que para evitar as fugas, servem para ocultar o que ocorre em seu interior.

A afirmação é intencionalmente forte para que percebamos que há um longo caminho a trilhar no sentido de que a distância entre o conceitual e o real diminua. É preciso perceber que nossas intenções ainda não estão suficientemente claras para nós mesmos no que diz com o processo punitivo. O fato é que, confrontados com a delinquência, temos reagido de um modo que expõe uma forma de pensar sobre aquele que, no nosso modo de ver, causou um mal. Pois aqui está o maior obstáculo a vencer. Assim como no trato com o processo punitivo, distância considerável separa em nós o que é conceito e o que é prática na construção de valores.

Há como fazer diferente? Se a resposta é sim, existem metodologias que podem tornar mais claro para todos qual o caminho a seguir?

Dar sentido ao processo punitivo é operar com base em um novo paradigma, aquele que procura fazer com que o autor do fato ilícito compreenda, na medida das suas possibilidades, o que causou a escolha equivocada e como fazer melhor da próxima vez. Se fosse possível resumir: temos que dar melhores exemplos, transformando o sistema de execução de penas em uma escola de valores morais.

É certo que metodologias inovadoras não trarão resultados imediatos para todos os presos, considerado o grau de comprometimento de alguns deles. É importante considerar que, para alguns, elas funcionarão apenas como uma espécie de redutor de danos.

Existem iniciativas ainda incipientes que ilustram o que se pode obter com a mudança de modelo. Um bom exemplo são as APACs – Associações de Proteção e Assistência aos Condenados. Trata-se de um sistema ainda em desenvolvimento no Brasil, consistindo em uma metodologia de execução penal que resulta em índices de recuperação bastante altosem relação aos presos submetidos a esse programa. As APACs são prisões em que o tempo de cumprimento de pena é integralmente utilizado para comunicar ao preso sobre o valor da vida e sobre a necessidade de utilizá-la na assimilação e prática de valores morais. Daí o alto índice de recuperação.Além de educar o preso, o modelo apaqueano tenta comunicar à sociedade sobre a necessidade de mudar, sobre o esforço que precisa ser feito no sentido de induzir aquele que errou a fazer diferente. O bom exemplo aqui é tudo.

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados surgiu em São Paulo, na cidade de São José dos Campos, em 1972, instituída pelo advogado

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Gilmar Bortolotto

Mário Ottoboni, líder de um pequeno grupo que trabalhava voluntariamente no presídio de Humaitá. Ottoboni e seus parceiros desenvolveram uma série de atividades com os apenados, observando as práticas que apresentavam bons resultados e aquelas que deveriam ser descartadas. Tais experiências resultaram na construção do método. O que inicialmente existia apenas como atividade da Pastoral Penitenciária, ganhou personalidade jurídica em junho de 1974, passando a atuar como órgão auxiliar na execução da pena.

A partir da experiência de São Paulo, a metodologia foi levada ao Estado de Minas Gerais. Em 1986, na cidade de Itaúna, as atividades da APAC tiveram início, com a instalação de uma unidade. O bom resultado obtido com a redução dos índices de reincidência levou o tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 2001, a lançar o projeto Novos Rumos, com o objetivo de disseminar e consolidar as APACs em Minas Gerais como alternativa humanizada ao sistema prisional do Estado.

No cenário nacional, dez estados do Brasil possuem APACs em funcionamento ou em diversas fases de implantação. São 49 unidades em operação, abrigando cerca de 3.500 recuperandos.

O Brasil exporta a metodologia para diversos países, que reconhecem na experiência brasileira um exemplo a ser replicado, por conta dos resultados alcançados na recuperação de presos.

No Rio Grande do Sul, já temos cinco APACs juridicamente constituídas, sendo que a primeira unidade deve começar a operar em 2018.

A sistemática APAC apresenta um novo enfoque no cumprimento da pena, priorizando a reeducação do preso através da aplicação dos elementos do método, baseado na disciplina e na valorização humana.

São elementos do processo a participação da comunidade, o auxílio mútuo entre os recuperandos, o trabalho profissionalizante, a espiritualidade, a assistência jurídica e à saúde, a participação da família, o voluntariado, o mérito, a existência de um local adequado para o cumprimento da pena (Centro de Ressocialização), a jornada de libertação e a valorização humana.

Relativamente ao custo, uma vaga de regime fechado em APAC custa um terço do que se paga no sistema comum. O custeio do preso fica por cerca de 40% do despendido pelo Estado no sistema carcerário.

A racionalidade exige que enxerguemos que o modelo carcerário atual agrava os perfis delinquentes e reforça naquele que violou a lei a convicção de que não existe a possibilidade de mudar. É hora de pararmos de reclamar dos altos índices de reincidência, percebendo que, ao menos em parte, somos por

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eles responsáveis, na medida que desenvolvemos um projeto que apenas reforça o que não é bom.

Em um cenário que identifica o maior atraso do país em termos de políticas públicas, a metodologia APAC surge para mostrar que um outro caminho é possível. Como tudo o que é novo, a iniciativa enfrenta desconfianças e resistências, especialmente porque confronta uma lógica destrutiva e viciada, que tudo faz para convencer que a delinquência não tem jeito mesmo.

O sucesso do método APAC reside na certeza de que todo aquele que compreende o seu imenso valor como ser humano consegue enxergar o seu próximo na mesma perspectiva, passando a ter uma vida produtiva para si mesmo, para a sua família e para a sociedade.

As ideias de Mário Ottoboni são simples e profundas, relembrando a todos que a mudança de vida é possível. E quem aprende com o método APAC não é somente o preso, há uma sociedade toda também carente de educação.

Que tenhamos sucesso na empreitada.

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A EXPERIÊNCIA DO MÉTODO APAC COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL AO SISTEMA PRISIONAL TRADICIONAL

Elizana Prodorutti1

A APAC é o resultado da parceria dos Poderes Judiciário e Executivo com a sociedade civil organizada. A experiência de mais de 40 anos em Minas Gerais tem se mostrado um dos mais promissores avanços no âmbito do Direito Carcerário.

Cada APAC constitui uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos que adota preferencialmente o trabalho voluntário. Possui estatuto próprio e tem suas ações coordenadas pelo Juiz da Execução Criminal da Comarca, com a total colaboração do Ministério Público e do Conselho da Comunidade.

A APAC nasceu em São José dos Campos, interior de São Paulo no ano de 1972. Na ocasião um grupo de leigos cristãos se organizou para desenvolver um trabalho com a população prisional da única cadeia da cidade. O objetivo era de minimizar as aflições de uma comunidade que se acostumava a viver com medo das freqüentes rebeliões, e com as manifestações dos presos pelo inconformismo das más condições do estabelecimento prisional.

O que era para ser um trabalho temporário ganhou status definitivo quando a primeira APAC nasceu na cidade de São José dos Campos. O modelo foi idealizado pelo advogado Mário Ottoboni, que realizou a experiência inovadora de administrar o Presídio de Humaitá que, era o único estabelecimento prisional da cidade e havia sido desativado em 1979 por ser considerado insalubre e inseguro. Diante disso, restou somente a APAC disposta e em condições para trabalhar com os presos abrangendo os três regimes prisionais.

A APAC apresenta uma metodologia de ruptura ante ao atual sistema penal vigente, cruel em todos os aspectos e que não cumpre a função ressocializadora, já que não consegue preparar o condenado para ser devolvido à sociedade em

1 – Advogada Criminalista, Formada e pós-graduada em Ciências Criminais pelo Centro Universitário Metodista IPA, e Mestra em Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica.

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Elizana Prodorutti

condições de viver harmoniosa e pacificamente. Trata-se de um método de valorização humana, com o propósito de oferecer ao condenado condições de recuperar-se e com o propósito de proteger a sociedade, socorrer as vítimas e promover justiça.

Este método é baseado na Lei de Execuções Penais a partir de um novo enfoque no cumprimento da pena, executando a liberdade progressiva, priorizando a reeducação do preso que desempenhar os requisitos preliminarmente estabe-lecidos. A cada etapa dos estágios estabelecidos, o encarcerado passa a ter maior acesso à liberdade. A liberdade é conquistada a partir da inserção, aceitação da proposta metodológica, desempenho satisfatório, disciplina e confiança.

O método tem como pilares principais o amor, a confiança e a disciplina, tendo como filosofia “matar o criminoso e salvar o homem” e, como objetivos recuperar o preso, proteger a sociedade, socorrer a vítima e promover a justiça.

Este método apresenta doze elementos obrigatórios, que constituem a base de seu sucesso; são eles: a participação da comunidade, o recuperado ajudando o recuperando, o trabalho, a religião, a assistência jurídica, a assistência à saúde, a valorização humana, a família, o voluntário e o curso de formação, o Centro de Integração Social (estrutura física), o mérito e a Jornada de Libertação (encontro espiritual para a formação Cristã inicial).

Tudo deve começar com a participação da sociedade. É necessário encontrar formas de despertá-la para a tarefa, principalmente quando o Estado já se revelou incapaz de cumprir a função essencial da pena, que é exatamente a função de preparar aquele que cometeu um delito, para retornar (re) socializado para o convívio da sociedade.

Recuperado Ajudando Recuperando é considerado um elemento primor-dial, procura despertar nos recuperandos um sentimento de ajuda mútua e o despertar para os valores humanos.

A previsão legal para o trabalho prisional está posta Lei de Execuções Penais, Lei 7.210 de 1984, em seu artigo 28, prevendo o trabalho do preso como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e produtiva. O trabalho prisional é obrigatório conforme artigo 39 da Lei de Execuções Penais, que traz a previsão de que se constitui em um dos deveres do condenado.

A religião é considerada umdos pontos centrais do método, pois o objetivo do método é a preparação da pessoa como um todo, e sendo assim, a face espiritual é muito importante.

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A EXPERIÊNCIA DO MÉTODO APAC COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL AO SISTEMA PRISIONAL TRADICIONAL

É de conhecimento público que a maioria da população carcerária não reúne condições financeiras para contratar um advogado particular, gerando assim uma ansiedade e sentimento de abandono. A maior preocupação de todo condenado diz respeito à sua condição processual, a fim de conferir seus direitos, garantias e tempo que lhe resta de pena a ser cumprida. Desta forma todos os recuperandos têm acesso à assistência jurídica que é feita através de voluntários.

A assistência à saúde compreende assistência médica, odontológica e psicológica, através de atendimento realizado por voluntários. A saúde configura um aspecto essencial de garantia da dignidade da pessoa humana, devendo sempre ser priorizada, evitando preocupações e aflições do recuperando, minimizando sofrimentos físicos e morais.

O método APAC tem como objetivo priorizar o ser humano. E essa valorização acontece em pequenos detalhes, como, por exemplo, na maneira do recuperando em ser abordado pelo próprio nome, entender a vida pregressa deste, seus sonhos e anseios, incentivar os estudos, conhecer a família, atendê-lo nas necessidades tais como, tais como necessidades médicas, odontológicas, materiais, jurídicas e fundamentais.

A família - A participação da família no processo de recuperação do indivíduo é fundamental para a ajuda eficaz na reconstituição da imagem desfocada.

Todo o trabalho da APAC é baseado no voluntariado, ou seja, na ajuda ao próximo, e mantêm-se através de doações. A comunidade tem um importante papel na manutenção da APAC, e os voluntários recebem treinamento participando de curso de formação, além das reciclagens propostas periodicamente.

O Centro de Reintegração Social é a estrutura física, o prédio que abriga a APAC, que normalmente é composto de três pavilhões destinados aos regimes fechado, semiaberto e aberto, possibilitando ao recuperando o cumprimento da pena próximo de sua família, respeitando assim, o dispositivo legal e os direitos do recuperando.

O mérito é a reunião das várias atividades propostas pela metodologia da APAC e constantes no prontuário do recuperando, sendo a vida prisional observada de maneira detalhada. Será sempre através do mérito que o recuperando irá progredir.

A Jornada de Libertação com Cristo surge para instigar o recuperando a adotar uma nova filosofia de vida, com a realização de encontros, palestras, testemunhos, músicas, entre outras atividades, leva-se o recuperando a repensar o sentido de sua vida.

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Segundo levantamento da FBAC - Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados2, atualmente existem:3Em Minas Gerais – 40 APACs em funcionamento e 39 em implantação, no Distrito Federal – 1 APAC em implantação, no Espírito Santo – 3 APACs em implantação, no Maranhão – 6 APACs em funcionamento e 2 em implantação, no Mato Grosso – 1 APAC em implantação,no Paraná – 2 APACs em funcionamento e 31 em implantação, no Rio Grande do Norte – 1 unidade em funcionamento, em Rondônia – 3 unidades em implantação, em Santa Catarina – 1 APAC em implantação, e no Rio Grande do Sul – 4APACs em fase de implantação.

As APACs não contam com policiamento para fazer a guarnição das casas prisionais. E mesmo assim, a taxa de evasão é inferior a 10%, e, além disso, todas as demais APACs, estão em processo de preparação para também operarem sem policiamento.

A segurança e a disciplina são feitas com a cooperação dos recuperandos, tendo como base de sustentação funcionários, voluntários e diretores das entidades, sem a presença de policiais ou agentes de segurança penitenciários.4

De todos os números relacionados aos resultados das APACs, o que mais impressiona, sem dúvida, é o percentual de reincidência, que é inferior a 8%, indo de encontro ao mesmo percentual dos presídios convencionais que é de 70,7 %5

Além disso, aqueles que eventualmente voltam a reincidir criminalmente tendem a cometer crimes menos gravosos do que aqueles que os levaram inicialmente à prisão.

Em todo o Brasil, estima-se que existam em torno de 3,5 mil recuperandos acolhidos pelas APACs sem o concurso da polícia ou de agentes penitenciários, e a expansão da metodologia tem sido amplamente recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

2 – A Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados – FBAC – é uma associação sem fins lucrativos, dotada de personalidade jurídica própria. A entidade tem sede em Itaúna-MG, tem como objetivo auxiliar a implantação de unidades de APACs nos Estados da federação, promover cursos de formação de voluntários na aplicação do método, fiscalização, além da padronização do emprego da metodologia no Brasil e no exterior.3 – Disponível em www.fbac.org.br4 – ZEFERINO, Genilson Ribeiro. Execução Penal – APAC. In: SILVA, Jane Ribeiro (Org). A Execução Penal à Luz do Método APAC. Belo Horizonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 2012.5 – Pesquisa realizada no site do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, www.tjmg.jus.br em 26 de setembro de 2012.

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A EXPERIÊNCIA DO MÉTODO APAC COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL AO SISTEMA PRISIONAL TRADICIONAL

Ademais, o método APAC constitui um dos programas da Prison Felowship International que é uma associação global com “status consultivo especial” para assuntos penitenciários para a ONU. Esta associação é participante ativa na aliança das ONGs da ONU sobre prevenção ao crime e justiça criminal, e entende ser o método APAC, a única forma humanitária para o cumprimento das penas privativas de liberdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A APAC surge nesse contexto, como uma alternativa viável ao cumprimento da pena privativa de liberdade, com um método que visa a verdadeira recuperação do preso, através do desenvolvimento humano, espiritual com a participação da comunidade.

Destacam-se alguns benefícios do método como: tratatamento digno e respeitosoao preso, participação dacomunidade em todo o processo de recuperação dos recuperandos, garantindo a saúde, a assistência judiciária, o trabalho prisional, o direito a valorização e o incentido das relações familiares; consolidando assim, a correta aplicação dos principios Constitucionais como o da Dignidade da Pessoa Humana, além da correta execução penal.

Sendo assim, o método APAC proporciona uma gestão prisional viável caracterizada pela recuperação do homem, peloenvolvimento da sociedade civil e pelo baixo custo para o Estado.

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O SURGIMENTO DA APAC EM SOLO GAÚCHO

Roque Reckziegel1

Sabemos todos que a execução penal visa efetivar as disposições de sentença criminal e proporcionar condições para a integração social do condenado. Nesse processo, diz a Lei de Execução Penal, devem ser assegurados todos os direitos do condenado não atingidos pela sentença. Não obstante essa norma, o que se vê em nossas instituições prisionais de um modo geral, é que não se promove a ressocialização do condenado. A superlotação e as péssimas condições de vida e de higiene a que são submetidos os presos, dentre outros fatores, contribuem para que não se consiga atender o que a lei preceitua, isto é, a recuperação daquele que está privado de liberdade por ter cometido crime. Ao contrário, o que se percebe é que nosso sistema penitenciário é perverso, sendo altíssimo o índice de reincidência daqueles que cumprem pena privativa de liberdade, indicativo seguro da falência dessa prática nos moldes em que é executada.

Por tal razão se percebe a necessidade de novas práticas de ressocialização da pessoa presa e da humanização dos estabelecimentos prisionais através de ferramenta para humanizar a execução penal em busca do efetivo resgate do preso a fim de que se torne um membro útil à sociedade.

Por isso que no ano de 2012, um grupo de trabalho foi criado no Rio Grande do Sul com vistas à implementação do Método APAC de Recuperação de Condenados no Estado, o que gerou, no Município de Canoas, a ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS DE CANOAS – RS, primeira entidade do Estado do Rio Grande do Sul para tal finalidade.

A reunião desse grupo se deu graças ao chamamento do Ministério Público do Estado que, através do Procurador de Justiça Antônio Carlos de Avelar Bastos, convidou integrantes dos três poderes bem como membros das organizações da

1 – Advogado, professor de Direito Penal, Coordenador-Adjunto da Comissão Sobral Pinto de Direitos Humanos da OA/RS; Vice-Presidente do Fórum Interinstitucional Carcerário e representante da OAB/RS no Grupo de Trabalho da APAC-Canoas e APAC - Partenon e Assessor Jurídico da APAC – Partenon.

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Roque Reckziegel

sociedade civil para juntos conhecerem, discutirem e construírem uma APAC em solo gaúcho.

As APAC’s, Associações de Proteção e Assistência aos Condenados, são entidades civis, sem fins lucrativos, que atuam em parceria com o Poder Judiciário visando à reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade.

O Método APAC de Execução Penal é resultado de décadas de estudos, práticas e evolução, baseando-se na valorização humana, no reconhecimento do condenado como sujeito de deveres e de direitos (e não como “coisa”) e na sua confiança como corresponsável pela execução da pena; sua recuperação e reinserção social.

Fruto do trabalho de um jovem e idealista advogado de São Paulo que atuava, já no início da década de 1970, na Pastoral Carcerária. Mário Ottoboni, advogado com extenso currículo de atividades beneméritas e hoje reconhecido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais com o título de “Cidadão do mundo, libertador dos presos e dos humildes”, criou a primeira APAC na cidade de São José dos Campos em 1974.

Trata-se, portanto, de uma criação genuinamente brasileira, presente em 17 Estados do Brasil (com 147 associações) e em 23 Países, entre os quais, o Chile, Equador, Colômbia, Costa Rica, Canadá e Estados Unidos.

Além da corresponsabilidade do condenado, o Método preconiza a sinceridade, a solidariedade e a disciplina para que repense valores, desenvolva seu potencial e suas qualidades.

Se é verdade que Método APAC não constitui a solução definitiva dos gravíssimos problemas existentes no sistema penitenciário, também é verdade que hoje se constitui numa alternativa viável para a recuperação e reinserção de condenados na sociedade, como indivíduos úteis, primando pelo fiel cumprimento da Lei de Execução Penal, nos três regimes de cumprimento das penas privativas de liberdade (fechado, semiaberto e aberto).

O Método APAC tem como objetivos: a) humanizar as prisões, sem perder de vista a finalidade punitiva da pena; b) evitar a reincidência no crime; c) oferecer condições para o condenado se recuperar; d) proteger a sociedade; e) socorrer a vítima, e f) promover a justiça.

Para atingir tais objetivos, as atividades são desenvolvidas com observância das seguintes propostas: a) amor como caminho; b) diálogo como entendimento; c) disciplina; d) trabalho; e) fraternidade e respeito; f) responsabilidade; g)

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O SURGIMENTO DA APAC EM SOLO GAÚCHO

humildade e paciência; h) conhecimento; i) família como suporte; j) Deus como fonte de tudo, respeitando à religiosidade/espiritualidade de cada um.

O êxito do Método depende da efetivação de doze elementos fundamentais: 1) participação da comunidade; 2) o recuperando ajudando o recuperando (recuperação mútua); 3) trabalho; 4) religião; 5) assistência jurídica; 6) assistência à saúde; 7) valorização humana; 8) família; 9) serviço voluntário; 10) centro de reintegração social- CRS; 11) mérito e, 12) jornada de libertação com Cristo.

O Método APAC também se distingue do sistema tradicional por obter maiores índices de recuperação com menores custos. Tanto assim, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou a expansão do Método, segundo veiculado no site da FBAC – Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados, dando conta que:

Entre os mais de 550 mil detentos do Brasil, aproximadamente 2,5 mil recebem tratamento diferenciado, que tem produzido resultados animadores em termos de reinserção social. Eles cumprem pena nas 40 unidades onde é aplicado o Método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), responsável por índices de reincidência criminal que variam de 8% e 15%, bem inferiores aos mais de 70% estimados junto aos demais detentos. A expansão dessa metodologia tem sido recomendada durante os mutirões carcerários que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza em todo o País. (http://www.fbac.org.br/index.php/en/news-3/806-cnj-recomenda-expansao-das-apacs-para-a-reducao-da-reincidencia-criminal-no-pais-acessado em 30/04/2018).

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), enquanto que no sistema nacional comum a reincidência é de 85%, no método Apac é de 11,22%. Nas unidades da Apac, os presos são os corresponsáveis pela sua recuperação e recebem assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela comunidade. O condenado cumpre a sua pena em presídio de pequeno porte, com capacidade média de 100 a 180 detentos e, preferencialmente no município onde reside sua família. Além disso, a segurança e disciplina do presídio são feitas com a colaboração dos presos, tendo como suporte os funcionários, voluntários e diretores da entidade, sem a presença de policiais e agentes penitenciários.

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Roque Reckziegel

A partir dos trabalhos do grupo antes referido, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul editou o Decreto nº 51.202, em 10/02/2014, constituindo Grupo de Trabalho com a finalidade de estudar a criação e a forma de funcionamento de casas prisionais no Estado do Rio Grande do Sul por meio de Associações de Proteção e Assistência aos Condenados.

No Rio Grande do Sul foi fundada a APAC DE CANOAS – RS no dia 25 de novembro de 2013, tendo o Estatuto registrado no Registro Civil de Pessoas Jurídicas de Canoas em 26 de fevereiro de 2014 (Livro A – nº 14, fl. 6, nº 2435), com posterior inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) sob o nº 20.084.636/0001-76.

O Município de Canoas, mediante manifestação do Excelentíssimo Senhor Jairo Jorge, na época Prefeito Municipal, destinou um terreno no Bairro Guajuviras para a construção do Centro de Reintegração Social – CRS, cuja cessão de uso foi chancelada por lei aprovada na Câmara Municipal.

Em Porto Alegre, foi fundada a APAC – Partenon em 13 de abril de 2017, cujo Estatuto foi protocolado sob o número. 73411 em 12.05.2017, registrado sob o No. 2988 – Livro A-11, Fl 76F em 26.05.2017 no 3º. Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas de Porto Alegre e cadastrado na Receita Federal com o CNPJ nº 27.964.628/0001-63. Foi assinado o termo de Cessão de Uso no. 4/2018, assinado em 18.01.2018 pelo Executivo Estadual, dispondo o imóvel para utilização como Centro de Recuperação Social que atenderá a demanda de recuperandos onde existe a Casa de Albergado Padre Pio Buck, sito na Av. Rocio, nº 900, no Bairro Partenon em Porto Alegre.

Além dessas duas, já temos APAC’s constituídas oficialmente nos municípios de Três Passos, Pelotas e Palmeira das Missões.

E assim vão se dando os avanços na consolidação do método APAC aqui em nosso Estado, na crença de que nenhum homem é irrecuperável e que todo o homem é maior do que o seu erro.

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CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA

Andjanete Mess Hashimoto1 Celso Luiz Rodrigues2

Érika Gomes3

Isabel Cristina Oliveira4

Taiana Lúcia Soares Kuhn5

INTRODUÇÃO

Há um crescente e permanente movimento de consolidação e aperfeiçoa-mento dos mecanismos consensuais de solução e prevenção de litígios, não obstante a judicialização de conflitos e a arraigada cultura da litigânciaainda excessivas.

A sociedade atual é complexa e plural, sendo evidente que não há apenas um interesse público, mas muitos, dentre os quais se destaca, para o presente tema, a efetividade do acesso à justiça, de modo a nos fazer pensar a partir da ótica do Estado de Direito enquanto vetor axiológico de nossa sociedade contemporânea, ainda ressentida da maturação própria de uma organização social igualitária, pluralista e justa.

Se é certo, então, que o direito não é esgotado por nenhum catálogo de regras ou princípios, cada qual com seu próprio domínio sobre uma esfera de comportamentos, é pela atitude do direito, expressada em cada cidadão e cada sistema social, que se alcança o que o direito representa para nossa comunidade. Já nos ensinava Dworkin6 que:

A atitude do direito é construtiva: sua finalidade, no espírito interpretativo, é colocar o princípio acima da prática para mostrar

1 – Advogada e mediadora da 1ª CÂMARA DE SANTA CRUZ DO SUL.2 – Sociólogo e mediador da ACRÓPOLE.3 – Advogada e mediadora da DOMUS MEDIAÇÃO.4 – Professora e mediadora da CÂMARA PACIFICAR.5 – Advogada e mediadora da CONTEMPLA.6 – DWORKIN, Ronald. Trad. Jefferson Luiz Camargo. O Império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.492.

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o melhor caminho para um futuro melhor, mantendo a boa-fé em relação ao passado. É, por último, uma atitude fraterna, uma expressão de como somos unidos pela comunidade apesar de divididos por nossos projetos, interesses e convicções. Isto é, de qualquer forma, o que o direito representa para nós: para as pessoas que queremos ser e para a comunidade que pretendemos ter.

Claro que a teoria Dworkiniana comporta espaço para diferentes reflexões sobre o que seja o direito e como o direito pode ser interpretado, mas o recorte que se faz aqui é especificamente o de evidenciar que a aplicação do direito pelo Poder Judiciário é apenas um aspecto da efetivação da Justiça, tanto assim queo próprio Poder Judiciário desloca seu enfoque da solução adjudicada para assumir, a passos graduais e programáticos, uma tendência menos centralizadora na vida do direito em aplicação7 e, por isso mesmo, na vida do cidadão de direitos.

Para o Estado Democrático de Direito, não há qualquer dúvida, a efetividade do acesso é um de seus mais importantes pilares, razão pela qual nem o Estado poderia lacrar as portas do Judiciário, nem a sociedade poderia cogitar de fugir da solução adjudicada.

O acesso à solução justa perpassa, na verdade, pela adequada utilização de instrumentos técnicos ─ às vezes até mesmo de forma concomitante ─ dentro do sistema de identificação, tratamento e solução de conflitos.

E é por conta da visão sistêmica que se compreende, atualmente, a existência da mediação dentro e fora do Judiciário.

O QUE É UMA CÂMARA PRIVADA DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO?

As Câmaras Privadas de Mediação e Conciliaçãodesenvolvem procedimentos extrajudiciais para a solução de conflitos. Essas práticas já são adotadas em diversos países e estão sendo cada vez mais utilizadas no Brasil, estimulando assim a cultura de pacificação social. A mediação é uma forma de resolução de conflitos em que se utiliza a figura de um terceiro imparcial, o mediador, como facilitador da comunicação e da negociação entre as partes.

As Câmaras Privadas atendem às necessidades de pessoas físicas e jurídicas, viabilizando procedimentos com redução de prazos e custos, por atuarem

7 – ANTUNES, Paulo de Bessa. Uma nova introdução ao direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p.202.

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CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA

na instância extrajudicial. Além da rapidez em relação ao processo judicial convencional, os mediadores possuem o dever de sigilo e imparcialidade.

A partir da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que estabeleceu ao Poder Judiciário Política Pública de tratamento adequado aos problemas jurídicos e aos conflitos de interesses crescentes na sociedade, foi determinado que os Tribunais criassem Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, os mesmos passaram a implementar programas de incentivo à utilização dos métodos autocompositivos, capacitando mediadores e conciliadores, os quais atuam como auxiliares da justiça, junto aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (CEJUSC´s).

A Mediação ganhou força com a Lei 13.140/2015 que dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Consideraa atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.

A referida Lei dispõe,no artigo 9º,que poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se.

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), o qual traz em seu texto medidas que têm como objetivo desburocratizar o Judiciário e dar agilidade para a resolução de problemas, há notório incentivo ao uso de métodos alternativos para a solução de conflitos em que as próprias partes podem encontrar uma solução negociada e mais rápida, o que pode ser executado por um mediador ou Câmara Privada.

FORMAÇÃO DA EQUIPE DE MEDIADORES E CONCILIADORESNAS CÂMARAS PRIVADAS

As Câmaras Privadas nascem do encontro de mediadores capacitados pelo Tribunal de Justiça e entidades privadas, com o objetivo de prestar serviços de mediação à comunidade, bem como divulgar a mediação como método adequado de resolução de conflitos.

Ora, tanto na mediação privada, quanto na mediação judicial, a tônica é a de que um terceiro imparcial aja como mediador, por intermédio do estímulo

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ao diálogo, fomentando o protagonismo, a colaboração e, consequentemente, benefícios mútuos.

Nessa perspectiva, seja em âmbito judicial ou privado resguardam-se às partes a negociação assistida por profissional capacitado, assegurando aos envolvidos ─ por meioda técnica e das ferramentas da mediação ─ que possam cooperativamente mobilizar-se, participando ativamente tanto do procedimento, bem como de seus resultados, seja quanto ao entendimento formal, ou quanto ao não entendimento.

A mediação, assim, tanto pode ser utilizada antes de judicializado o conflito, como durante o curso do processo judicial, ou mesmo depois da sentença. Apesar das semelhanças quanto ao perfil profissional e procedimento, algumas distinções precisam ser mencionadas.

A Lei 13.140/2015 exige que a atuação do mediador no âmbito judicial seja exercida por profissional com graduação, há pelo menos dois anos, em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação (art.11). Já, no caso do mediador no âmbito privado, não há referida exigência (art. 9º), embora a prática profissional naturalmente exija do mediador a formação e qualificação continuada.

Nesse sentido, conclui-se o quanto é importante o papel do mediador na aplicação de suas habilidades, utilização de técnicas e ferramentas, para que sejam obtidos bons resultados na prática, ensejando o crescimento da mediação como método de solução de conflitos.

A formação da equipe deve ser concebida visando à apresentação de um trabalho profissional, ético e competente e, para que isso aconteça, faz-se necessário o constante aprimoramento e atualização.

É importante tambémconsiderar que, para garantir uma condução adequada de cada caso, o perfil multiprofissional da equipe é fundamental, reunindo mediadores vindos de diversas áreas, como direito, educação, psicologia eserviço social. Estes profissionais, na prática, unem-se com diferentes olhares, compondo um trabalho diferenciado.

PECULIARIDADES DA MEDIAÇÃO JUDICIAL E DA MEDIAÇÃO PRIVADA

Na mediação judicial, as sessões são realizadas por um mediador voluntário indicado dentro e nos limites do rol dos mediadores cadastrados no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSC, sendo certo que os mediadores judiciais não estarão sujeitos à prévia aceitação das partes (art. 25, Lei 13.140/2015).

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CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA

Cada CEJUSC tem atribuição para tratar de mediações pré-processuais (sem litígio judicial iniciado) ou mediações processuais (com litígio judicial em andamento). No caso de mediação pré-processual é realizado um atendimento a pedido da pessoa interessada, mediante envio de carta-convite à pessoa solicitada para realização de sessão de mediação.

Havendo entendimento (com acordo) na mediação pré-processual, elabora-se um termo que é encaminhado ao juiz coordenador do CEJUSC para sentença homologatória, após parecer do Ministério Público, quando for esse o caso.

Já no caso de processo judicial em curso, o CEJUSC realiza agendamento de sessão de mediação mediante intimação das partes. Com acordo, é proferida sentença homologatória pelo juiz competente para o julgamento do processo. Não havendo acordo, devolve-se o processo ao curso normal do litígio.

O acordo formalizado em mediação privada, por sua vez, possui força de título executivo extrajudicial, sendo necessária homologação judicial apenas em situações específicas (formalização de divórcio, direitos indisponíveis, entre outros), ou se manifestado o interesse dos envolvidos.

Outra distinção que se destaca é que na mediação privada ─ seja ela realizada por um mediador autônomo ou câmara privada ─ os interessados têm total liberdade para eleger o mediador que realizará o atendimento, bem como poderão definir como será realizado o procedimento (tempo da sessão, número de sessões, eventual necessidade de suspensão para avaliação técnica, entre outros).

A mediação privada resguarda, portanto, que os interessados possam estabelecer seus próprios critérios para eleição de cada profissional da mediação, tais como a qualificação, conhecimentos técnicos e experiência prévia.

A participação do advogado é facultativa, tanto na mediação judicial, quanto na mediação privada, mas é relevante mencionar que o advogado é valorizado e bem-vindo na geração de opções criativas e viáveis juridicamente, tanto quanto na redação e revisão do termo de entendimento de mediação.

Por fim, há que se destacar a celeridade da mediação privada em relação à mediação judicial, dado volume de processos em curso, a já notória sobrecarga do Poder Judiciário e a dificuldade de minimizar o tempo de encaminhamento do processo para realização da mediação no âmbito judicial.

Retomando-se, assim, a fala acerca da visão sistêmica dos métodos autocompositivos, nada impede que um processo judicial seja extinto por solução extrajudicial obtida por mediação privada ou mesmo mediação judicial.

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Ressalta-se, ainda, que nem mesmo quando já proferida a sentença em processo judicial há qualquer impedimento para realização de mediação, a qual pode ocorrer tanto em âmbito privado (mediador ou câmara privada) como por meio do CEJUSC (mediador judicial).

A remuneração do mediador judicial está regulada por cada órgão jurisdicional competente no Estado. No caso do Rio Grande do Sul, a Resolução nº 1124/2016– COMAG, que altera a Resolução nº 1026/2014-COMAG, estabelece que a remuneração será fixada por ato da presidência do tribunal de justiça, devendo seguir os parâmetros já existentes para o pagamento de conciliadores e juízes leigos, observadas as peculiaridades relativas à mediação e à justiça restaurativa (Art. 5º, §2º).

Por meio do Ato nº 28/2017-P, a Presidência do TJRS sedimentou que os honorários do mediador serão devidos pelas partes do processo, as quais serão devidamente intimadas ao pagamento, norma oriunda e atrelada aos termos do art. 13 da Lei 13.140/2015, art. 149 e 165 do novo CPC.

Já o mediador privado, de comum acordo com os envolvidos no procedimento, adotará a remuneração que for consensualmente estipulada e devidamente contratada antes de iniciado o procedimento com os interessados.

De um modo geral, o mediador privado estipula honorários com base na estimativa de hora trabalhada ou sessão de mediação, sendo possível aos interessados estimarem de forma transparente os custos do atendimento prestado.

PROSPECÇÃO DE CLIENTES

Primeiramente, as Câmaras Privadas foram constituídas com o objetivo de se cadastrarem junto aos Tribunais, conforme previsto no artigo 12-C da Resolução 125/2010, vale dizer, as Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação ou órgãos semelhantes, bem como seus mediadores e conciliadores, para que possam realizar sessões de mediação ou conciliação incidentes a processo judicial, devem ser cadastradas no Tribunal respectivo (art. 167 do Novo Código de Processo Civil) ou no Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores, ficando sujeitas aos termos desta Resolução (redação incluída pela Emenda nº 2, de 08.03.16).

Ainda, no artigo 12-D referida resolução estabelece que os Tribunais determinarão o percentual de audiências não remuneradas que deverão ser suportadas pelas Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação, com o fim de atender aos processos em que foi deferida a gratuidade da justiça, como contrapartida de seu credenciamento (art.169, § 2º, do Novo Código de Processo

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Civil), cuja regulamentação encontra-se pendente, até o momento, no Tribunal de Justiça do RS.

Além de atender as demandas do Poder Judiciário, as Câmaras Privadas também visam a resolução de conflitos na esfera extrajudicial, prevenindo, assim, a judicialização dos processos.

De uma forma geral, foi possível identificar que as Câmaras instaladas no Rio Grande do Sul se encontram na fase de divulgação da mediação e da conciliação, dispostas a participar na disseminação de uma nova cultura de resolução de conflitos, abarcando um mercado de trabalho totalmente novo e assim, têm organizado grupos de estudos e workshops sobre mediação e conciliação, com o objetivo de despertar o interesse da comunidade em geral. São ações iniciais, mas inovadoras, de quem acredita na perspectiva de fomentar um novo mercado a ser conquistado.

Os resultados ainda são incipientes, mas,a partir da Lei da Mediaçãoe Novo Código de Processo Civil,consolidam-se novas perspectivas de resolução de conflitos de maneira adequada, que poderão em um futuro breve tornar-se um mercado de trabalho promissor, abarcando boa parte das demandas judiciais ou privadas, satisfazendo as necessidades e interesses da população.

Esse trabalho tem exigido muita dedicação e empenho dos todos os integrantes das Câmaras Privadas, as quais,dentro de uma visão prospectiva,têm buscado firmar parcerias de cooperação com advogados, psicólogos, escolas, entre outros. Mais que um negócio, que exige investimento de tempo e recursos financeiros, as Câmaras Privadas se organizam e se sedimentam na missão de transformar colaborativamente as relações interpessoais e, por corolário, o futuro de nossa sociedade.

ROTEIRO PARA CONSTITUIÇÃO DE UMA CÂMARA

Antes de constituir uma Câmara, é preciso tomar alguns cuidados que antecedem o registro da empresa. É necessário realizar uma pesquisa antecipada sobre a existência de empresas constituídas, com nomes empresariais semelhantes ao nome escolhido. Essa é uma etapa fundamental e que irá ajudar a acelerar o procedimento de registro da empresa. Destaca-se, também, a importância da assessoria de um contador e um advogado de confiança para acompanhar o processo.

Para constituir uma Câmara Privada de Mediação e Conciliação é importante entender que os procedimentos são os mesmos utilizados para fundar qualquer

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outra modalidade de empresa de prestação de serviços, destacando a necessidade do conhecimento especializado sobre os métodos extrajudiciais e judiciais de solução de conflitos. Para que o procedimento seja eficaz, sugere-se a organização de um plano de ação, sendo este vital para o sucesso do empreendimento.

A seguir são apresentadas as etapas para a constituição de uma Câmara Privada:

1. Documentação NecessáriaPara a abertura da empresa é necessário formalizar o registro de CNPJ-

Cadastramento Nacional de Pessoa Jurídica e Alvará de funcionamento. São 4 as etapas até que se tenha o alvará em mãos e seja possível empreender com entidade 100% regularizada:

9 Definição das atividades, escolha do tipo de empresa e do regime jurídico;

9 Sociedade Limitada = LTDA ou EIRELI = Empresário Individual; 9 Definição do regime de tributação; 9 Elaboração da documentação para dar entrada na Junta Comercial e Prefeitura.

2. Contrato SocialÉ a certidão de nascimento da empresa. Nesse documento constam

todos os dados básicos da empresa, como: nomes dos sócios, o endereço da sede, quais os deveres de cada sócio com o empreendimento e qual o ramo de atuação e especialidades, entre outros. Toda a empresa no Brasil necessita de um contrato social para poder operar e registrar-se nos órgãos públicos, além de abrir uma conta bancária.

3. Definir Porte Econômico da Empresa,As atividades, segundo o quadro de classificação de CNAE8, enquadram

Mediadores, Conciliadores e Árbitros como Auxiliares da Justiça, e de acordo com a Lei Complementar 123/2006, incluem-se nas modalidades:

9 Empresa de Pequeno Porte 9 Micro Empresa

8 – A CNAE resulta de um trabalho conjunto das três esferas de governo, elaborada sob a coordenação da Secretaria da Receita Federal e orientação técnica do IBGE, com representantes da União, dos Estados e dos Municípios, na Subcomissão Técnica da CNAE, que atua em caráter permanente no âmbito da Comissão Nacional de Classificação - CONCLA.

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3.1. Quais os impostos a empresa vai pagar?Os impostos incidirão sobre o valor do faturamento. O quanto irá pagar

de imposto não depende do regime jurídico (EI, EIRELI, LTDA), mas sim do regime de tributação e da atividade exercida, segundo classificação de CNAE e da quantidade de Notas Fiscais emitidas na empresa.

4. Estabelecer o Nome e o Símbolo da CâmaraSegundo o Art. 12-F, da Resolução CNJ 125/2010: “Fica vedado o uso

de brasão e demais símbolos da República Federativa do Brasil pelos órgãos referidos nesta Seção, bem como a denominação de “tribunal” ou expressão semelhante para a entidade e a de “Juiz” ou equivalente para seus membros.” Portanto, para identificação da Câmara Privada são expressamente vedadas expressões tais como: Tribunal, Tribunal Superior, Corte, Corte Superior e/ou Juízo.

5. Cadastrar a Empresa na Receita FederalRequisitos necessários:

9 Identificação da PJ (Nome e Capital Social) 9 Telefone e e-mail para contato 9 Objeto Social 9 Dados do representante e dos sócios 9 Endereço da PJ empresa.

6. Cadastrar a Empresa junto ao CONCLACódigo CNAE:69.11-7/02Descrição da Atividade:Atividades auxiliares da justiça- tais como: arbitragem; mediação; perícia; etc.

7. Registrar a Empresa na Junta Comercial,Sendo necessários os seguintes registros:

9 Pagamento de DARF e DARE9

9 Após deferimento do Registro são gerados o CNPJ e NIRE10.

9 – DARE (Documento de Arrecadação da Receita Estadual) e DARF (Documento de Arrecadação Federal)10 – O NIRE é o registro de legalidade da empresa na Junta Comercial. É um número único que comprova que a empresa existe oficialmente.

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8. Legalizalição da Câmara Junto ao MunicípioPara fins de legalização da Câmara Privada de Mediação e Conciliação

junto ao Município é necessário o registro na Prefeitura Municipal. O registro municipal, dentro no Rio Grande do Sul e em alguns Estados, é automático: no momento em que deferido o registro na Junta Comercial esse é enviado ao Município de sede da empresa.

9. Realizar uma Projeção de Fluxo de CaixaA projeção de fluxo de caixa é uma valiosa providência, capaz de

prever diversos custos, como por exemplo quais os investimentos serão necessários com a sede da empresa, materiais e insumos que serão utilizados, independente do que for previsto como receita.

O processo de abertura de uma empresa exige cautela e atenção, pois são muitos detalhes importantes a cumprir. Os requisitos aqui elencados são essenciais para a legalização de uma atividade empresarial na área de resolução consensual de conflitos.

10. Locais para Obter Informações para Constituição da Sua Empresa:SEBRAE: Rua João Manoel, 282 – Centro Histórico, Porto Alegre/RSSite: http://www.sebrae.com.br,Sala do Empreendedor: Endereço: Rua Siqueira Campos, 801 – Centro

Histórico, Porto Alegre/RShttp://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/default.php?p_

noticia=188114&S ALJunta Comercial do RS - Site: http://www.jucisrs.rs.gov.br/abertura-de-

empresas

11. Cadastro das Câmaras no Conselho Nacional de JustIÇA – CNJCom o Novo Código de Processo Civil (CPC), o Conselho Nacional de

Justiça criou um cadastro nacional de Mediadores e Conciliadores, aptos a facilitar a negociação de conflitos em processos judiciais e extrajudiciais. O cadastro está disponível para a população de todo o país, a listagem está separada por Estado e conta com cerca de 3 mil integrantes, entre conciliadores e mediadores, além de cadastros de Câmaras Privadas (dados de 2017).

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O banco de dados está à disposição dos cidadãos, mas também dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC), Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), Câmaras Privadas de Mediação, Mediadores e Conciliadores. O cadastro foi regulamentado pelo novo CPC e também pelaEmenda nº 2, que atualizou a Resolução nº 125, adequando o Judiciário às novas leis que consolidam o tema no país. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84520-cidadao-pode-escolher-mediadores-e-conciliadores-do-cadastro-nacional-do-cnj

CONCLUSÃO

É preciso, agora, difundir e fomentar a cultura do diálogo, cooperação e protagonismo, sendo certo que a mediação caminha a passos firmes para consolidação, tanto no âmbito público-judicial quanto no âmbito privado.

As mudanças de paradigma fazem parte do cotidiano e marcam profundamente as relações de convivência das pessoas, diante de tantas controvérsias e interesses antagônicos. É necessário encontrar novas formas de solução das demandas, sejam essas judiciais ou não.

O Conselho Nacional de Justiça, ao promulgar a Resolução 125/2010, projetou um futuro promissor aos envolvidos em contendas e litígios. Vislumbrava, assim, uma soluçãopautada no consenso e, principalmente, na abertura de novos espaços de diálogo, que permitissem buscarcaminhos mais dignos e pacíficosnas relações de convivência entre os envolvidos. E para auxiliar a entender essa nova dinâmicadas relações, a Desembargadora do TJRS Genacéia da Silva Alberton, no capítulo II11ao discorrer sobre NUPEMEC e os Desafios na Implantação dos Métodos Autocompositivos à Luz do Novo Código de Processo Civil, nos sinaliza com muita maestria:

Note-se que o sentido de soberania é repensado, pois que, na lógica do mercado, a soberania não emana do povo, mas de pessoas que se apresentam não como cidadãos, mas como consumidores12.

11 – MARODIN, Marilene; MOLINARI, Fernanda (Org.) Mediação de Conflitos: paradigmas contemporâneos e fundamentos para a prática. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2016, p.35.12 – LEWKOWICZ, Ignacio .Pensarsin Estado. Buenos Aires: Paidós, p.37.

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Sendo assim, faz parte do serviço o bom atendimento do cliente jurisdicionado. Não há pois, fraqueza de soberania, mas uma autolimitação no exercício do poder soberano.

As Câmaras Privadas, sustentadas por uma pauta de valores éticos, constituíram-se como empresas com esse espírito, prestando serviços de mediação e conciliação ao Poder Judiciário e à comunidade, aproximando pessoasque desejam resolver suas questões e que necessitam de um mediador para auxiliá-los, reconhecendo e respeitando as limitações de cada um. A partir de uma visão prospectiva, almejam transformar asrelações de convivência, para que sejammais respeitosas e assim,contribuírem para a cultura de paz,colaborando para um mundo mais saudável e harmônico.

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