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V ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR T T e e r r r r i i t t ó ó r r i i o o s s e e f f r r o o n n t t e e i i r r a a s s d d a a m m ú ú s s i i c c a a m m e e d d i i á á t t i i c c a a 29 a 31 de agosto de 2013 – Centur, Belém-PA 1 Medianeras e YouTube: Performance musical e “Atração” 1 Carolina Oliveira do Amaral 2 Universidade Federal Fluminense, Niterói/RJ Resumo O artigo propõe mostrar que a performance musical dentro do cinema de ficção, através de suas características específicas como encenação, olhares e a própria canção performada, criam maneiras outras de engajamento entre espectador e obra. A partir daí, pretende-se analisar como o modo expressivo próprio da performance musical, se aproxima da linguagem de uma mídia performática, cada dia mais parte do nosso dia-a-dia: o YouTube. O estudo de caso é a sequência final de “Medianeras” (Argentina, 2011, Gustavo Taretto) que se apresenta ao mesmo tempo como um vídeo do site e o ápice narrativo do filme. Através do conceito de “atração”, e da análise da narrativa através do “duplo foco narrativo” pretendemos estudar as semelhanças encontradas tanto nos vídeos musicais-performativos do site YouTube, como no cinema musical e no primeiro cinema. Em Medianeras, uma performance musical de “Ain`t no mountain high enough”, encenada pelo casal principal como um vídeo caseiro, torna-se o enlace romântico finalmente concretizado e ápice narrativo do filme. Palavras-chave: Atração, performance musical, Youtube, Cinema Introdução A arquitetura projeta e constrói cidades, organiza os espaços onde se percorrer e parar. O filme Medianeiras (Gustavo Taretto, 2011, Argentina) utiliza-se da arquitetura na construção da sua narrativa, seja como temática, seja como metáfora, ou até mesmo através dos personagens. Na primeira cena do filme, Martin numa narração over afirma ser a 1 Trabalho apresentado ao GT Nº6: Mídia, Música e Audiovisual, do V Musicom – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 28 a 31 de agosto de 2013, no Centro Cultural de Belém – Centur, Belém/PA. 2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, linha de pesquisa Análise e Política do Audiovisual. Orientador: Maurício de Bragança. Graduada em Cinema pela UFF, atualmente dedica-se à pesquisa “O extra-musical”. Email: [email protected].

Medianeras e YouTube: Performance musical e “Atração” Resumomusica.ufma.br/musicom/trab/2013_GT6_01.pdf · Resumo O artigo propõe mostrar que a performance musical dentro do

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Medianeras e YouTube:

Performance musical e “Atração”1

Carolina Oliveira do Amaral2

Universidade Federal Fluminense, Niterói/RJ

Resumo

O artigo propõe mostrar que a performance musical dentro do cinema de ficção, através de

suas características específicas como encenação, olhares e a própria canção performada, criam

maneiras outras de engajamento entre espectador e obra. A partir daí, pretende-se analisar

como o modo expressivo próprio da performance musical, se aproxima da linguagem de uma

mídia performática, cada dia mais parte do nosso dia-a-dia: o YouTube. O estudo de caso é a

sequência final de “Medianeras” (Argentina, 2011, Gustavo Taretto) que se apresenta ao

mesmo tempo como um vídeo do site e o ápice narrativo do filme. Através do conceito de

“atração”, e da análise da narrativa através do “duplo foco narrativo” pretendemos estudar as

semelhanças encontradas tanto nos vídeos musicais-performativos do site YouTube, como no

cinema musical e no primeiro cinema. Em Medianeras, uma performance musical de “Ain`t

no mountain high enough”, encenada pelo casal principal como um vídeo caseiro, torna-se o

enlace romântico finalmente concretizado e ápice narrativo do filme.

Palavras-chave: Atração, performance musical, Youtube, Cinema

Introdução

A arquitetura projeta e constrói cidades, organiza os espaços onde se percorrer e parar.

O filme Medianeiras (Gustavo Taretto, 2011, Argentina) utiliza-se da arquitetura na

construção da sua narrativa, seja como temática, seja como metáfora, ou até mesmo através

dos personagens. Na primeira cena do filme, Martin numa narração over afirma ser a

1 Trabalho apresentado ao GT Nº6: Mídia, Música e Audiovisual, do V Musicom – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 28 a 31 de agosto de 2013, no Centro Cultural de Belém – Centur, Belém/PA. 2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, linha de pesquisa Análise e Política do Audiovisual. Orientador: Maurício de Bragança. Graduada em Cinema pela UFF, atualmente dedica-se à pesquisa “O extra-musical”. Email: [email protected].

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arquitetura é responsável por todos os males contemporâneos e enumera-os: “as separações,

os divórcios, os excessos de canais a cabo, a incomunicação, a falta de desejo, a apatia, a

depressão, as neuroses, os ataques de pânico, as contraturas musculares, o stress”, dizendo em

seguida que sofre de todos. Mariana é arquiteta, mas informa também numa voz over que

nunca conseguiu trabalhar na sua profissão. Essas duas vozes, esses dois personagens, e as

imagens que os acompanha são como ruas que cruzam a cidade de Buenos Aires. A

arquitetura cria prédios, praças, ruas e também esquinas. Esquinas são os encontros entre as

linhas da cidade. Medianeiras também constrói a sua esquina no clímax do filme: um

encontro entre Martin e Mariana, entre som e imagem, entre música e dança, entre Youtube e

cinema.

Caminhos e pontes

Medianeiras nos apresenta primeiro à cidade de Buenos Aires, mais especificamente,

através de imagens com prédios à distância num céu à noite. Sobre as imagens uma narração

over com voz masculina comenta “Buenos Aires cresce descontrolada e imperfeita, é uma

cidade superpopulada num país deserto. Uma cidade na qual se enxerga milhas e milhas e

milhas de edifício sem nenhum critério”. Essa primeira cena segue com imagens dos prédios e

a mesma voz que nos informa que as irregularidades dos edifícios construídos lado a lado nos

reflete. “Esses edifícios que se sucedem sem nenhuma lógica demonstram uma total falta de

planejamento, exatamente como nossas vidas: construímos sem ter a menor ideia de como

queremos que sejam”. Dessa forma, na primeira cena o filme junta vida e arquitetura. A

princípio, de uma forma mais geral, com frases como “os edifícios, como quase todas as

coisas construídas pelo homem, servem para nos diferenciar”, para em seguida, falar

especificamente sobre o personagem Martin.

Dono da voz que ouvimos desde o início, Martin narra sua própria rotina para nós. Ele

constrói sites, é um arquiteto de mundos virtuais, que descobrimos já bem cedo ser o

verdadeiro espaço em que habita. Martin sofre de fobias que o prenderam em casa anos de sua

vida. Uma estratégia para se reconciliar com a cidade onde mora é tirar fotos. Ao se deslocar

na cidade a pé para tirar fotos, Martin está e não está, pois “observar é estar de uma maneira

distinta”.

A sequência seguinte é narrada em primeira pessoa por uma voz feminina. Mariana

viaja de ônibus e observa a cidade enquanto sua voz over discorrer sobre a própria vida.

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Profissão: Arquiteta, porém ainda não construiu nada. E ela diz que em outras construções

também não foi tão bem, pois um relacionamento de 4 anos ruiu mesmo apesar de seus

esforços. Se Martin fala sobre o ciberespaço, Mariana fala sobre suas visitas ao planetário e

sobre a imensidão do universo.

Trata-se da introdução do filme, na qual se estabelece temática, personagens principais

e a estrutura pela qual o filme será contado: voz over dele e dela. O título “um outono curto é

seguido por uma cena na qual Martin e Mariana andando na mesma rua, passam um pelo

outro e não se veem. Fica mais claro que assim como a narração se alterna entre ele e ela, suas

histórias não se cruzam e serão contadas também paralelamente. Cada personagem constrói

uma história de si para nós, enquanto a narrativa do filme coloca junto situações parecidas dos

dois.

Utilizando a metáfora espacial do filme, digamos que as duas narrações são caminhos

diferentes, ruas que não se cruzam, mostradas alternadamente em momentos emparelháveis.

Aliás, utilizar metáforas espaciais como trajetória para se referir a narrativas é um costume na

teoria de cinema. Diz-se da narrativa clássica que ela é centrada num personagem principal

cujos objetivos geram motivações psicológicas que constroem “pontes” interligando ações

entre si até o final da história.

Ao confrontarmos Medianeiras com esses parâmetros da narrativa clássica

percebemos que eles não são adequados para a análise. Primeiro, como já falamos, o filme se

bifurca entre seus dois personagens principais que não dividem as mesmas cenas, não

interagem na ação. Suas histórias são paralelas, se alternam e se juntam pela montagem. Por

mais que haja uma continuidade e muitas vezes identidade, nas ações e contextos, Martin e

Mariana constroem universos correspondentes, mas estanques. Outros pontos são os objetivos

que supostamente moveriam os personagens. Martin e Mariana exibem cena a cena uma

constante falta de motivação, ou pelo menos, ausência de objetivos claros ou metas a se

atingir. Acompanhamos a rotina de um e de outro, como suas tentativas frustradas de nadar

com regularidade. Como os parâmetros da narrativa clássica não servem à análise desse filme,

escolhemos outro, pensado pelo teórico Rick Altman: o duplo foco narrativo.

O duplo foco narrativo

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Ao analisar filmes do gênero musical, Altman percebeu que a narrativa clássica,

identificada pelos teóricos em filmes do mesmo período, não dava conta para entender os

filmes desse gênero, colocando pelo autor assim:

Em vez de focar todo o seu interessante em um único personagem central, seguindo a trajetória de seu progresso, o filme musical americano tem um duplo foco, construído em torno de grandes atores de sexo oposto, postos em paralelo, e valores radicalmente diferentes. Esta estrutura de duplo foco requer que o espectador não seja tão sensível à cronologia e progressão – que na oposição macho/fêmea é inteiramente convencional e, portanto, bastante previsíveis - mas à simultaneidade e comparação.

Altman analisa dois filmes nos quais essa estrutura se observa: Lua Nova (New Moon,

Robert Z. Leonard,1940) e Gigi (Vincent Minelli, 1958). Segundo o autor, nos dois filmes,

mais importante que se entender o fluxo cronológico de acontecimentos ou até mesmo o que

chamamos “trama”, se explora a oposição e síntese de seus personagens polarizados como

homem e mulher. Isso se dá porque o duplo foco narrativo não deriva da trama ou da história

que se conta, mas sim dos personagens. Segundo o autor, nos musicais, a trama romântica já

foi bastante desenvolvida pelas convenções do gênero e o público já sabe bem que o par

romântico ficará junto no final. Os personagens homem e mulher realizam uma série de

atividades colocadas em paralelo, cada sexo com uma atitude característica.

A utilização de parâmetros de análise do musical clássico, que a princípio parece

gratuita, se justifica mais de uma vez ao olharmos o filme com atenção. Primeiro, o duplo

foco narrativo em Medianeiras é evidenciado pela narração over dupla entre homem e mulher.

Se no musical clássico a diferenciação sexual marca muito bem as atividades paralelas e

simultâneas entre homem e mulher, muitas vezes opostas, porém complementares, em

medianeras, o paralelismo insiste na semelhança entre homem e mulher como personagens.

Isso se deve ao fato de que se no Musical a trama romântica entre o casal principal já era uma

convenção do gênero, enquanto que no filme, é construíds pelo paralelismo. Os personagens

escutam a mesma música no rádio, vêem o mesmo filme e ambos se frustram nas tentativas

amorosas ao longo do filme.

Outra característica apontada por Altman na narrativa musical é que a cronologia não

é tão importante, mas apenas uma fina camada pela qual precisamos olhar para além do que

seria uma impressão de linearidade. Isso se dá porque o duplo foco ao invés de privilegiar

cronologia e progressão, opta por simultaneidade e comparação. Exatamente o que faz

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Medianeras. No filme, a cronologia não fica clara, pois a narrativa privilegia a simultaneidade

dos dois personagens e a linearidade é apontada mais pelos capítulos que iniciam as três

partes do filme: “um outono curto”, “um inverno longo” e “primavera, enfim”.

Se uma das características mais marcantes da narrativa clássica são metas finais que

orientam os personagens, nesse ponto, Medianeras, assim como os musicais, se afasta

radicalmente da narrativa clássica. Suas atitudes não são de antemão explicadas pela

narrativa, nem podem ser previstas pelo jogo de ação e reação do qual o cinema clássico se

utiliza. Porém, na ultima parte do filme, que corresponde ao último terço, isso começa a

mudar. “Primavera, enfim” começa com uma narração de Mariana que explica o que são

Medianeiras.

todo edifício tem um lado inútil, que não é frente nem fundos, nem tem janelas, “a medianera”, superfícies enormes que nos dividem e lembram a passagem do tempo, da poluição e a sujeira da cidade. As medianeras mostram nosso lado mais miserável, refletem a inconstância, as rachaduras, as soluções provisórias, e o lixo que escondemos embaixo do tapete. Só nos lembramos delas excepcionalmente, quando submetidas às inclemências do tempo, elas aparecem sob os anúncios. Viraram mais um meio de publicidade, que em raras exceções, conseguiu embelezá-las; em geral, são duvidosas indicações dos minutos que nos separam dos grandes supermercados, ou fast

foods, anúncios de loteria que nos prometem muito em troca de quase nada. Ultimamente, lembram a crise econômica que nos deixou assim, desocupados. Contra toda opressão de se viver em nossas caixas de sapatos, existe uma saída, uma via de escape, ilegal, como todas outras. Em clara violação das normas de planejamento urbano se abrem umas minúsculas, irregulares e irresponsáveis janelas, que permitem alguns milagrosos raios de luz iluminem a escuridão em que vivemos.

Se até então, o filme se preocupava em apresentar os personagens que seguiam cada

qual a sua rotina, a partir desse momento a estratégia muda. Apenas duas narrações de

Mariana com reflexões sobre a cidade de Buenos Aires. Os personagens não falam mais sobre

si ou sobre a sua vida, mas agem. Continuando a lógica proposta pela primeira cena em

comparar arquitetura e vida, os personagens tomam uma atitude estética sobre seus

apartamentos que reflete uma postura diferente: quebrar as medianeiras dos edifícios e

construir em cada apartamento uma janela ilegal. O sol passa a entrar no apartamento, a janela

de Mariana fica em frente à janela de Martin. Se antes eles faziam ações parecidas e paralelas,

agora eles podem andar até a janela e se olhar, mesmo que à distância. O plot romântico entre

os dois começa a se desenvolve e o paralelismo é substituído aos poucos por ações.

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Martin e Mariana podem se olhar. A dupla estrutura que separou os personagens em

caminhos diversos começa a dar sinais de mudança. Após se olharem pela janela de seus

apartamentos, na cena seguinte eles se encontram em um chat de internet e conversam. Ainda

não se conhecem pessoalmente, mas se entendem. Uma queda de energia interrompe a

conversa e os dois saem para a mesma loja na esquina para comprar velas. Encontram-se e

não se vêem, porque desconhecem a identidade um do outro na internet, além da escuridão.

Na cena seguinte, Mariana vê Martin pela janela e corre para encontrá-lo. Ele está perto da

esquina caracterizado como o personagem favorito dela que ela nunca conseguiu encontrar no

livro3. Ela chega à rua, os dois se olham e sorriem.

O desenvolvimento dos personagens em paralelo trabalhou para a construção de

clímax do filme, no qual o duplo foco se torna único. No musical também é assim: o duplo

foco ao final da narrativa se desfaz com um dueto de amor e o casamento. Como se

“reconciliasse termos previamente vistos como exclusivos entre si”. Se toda essa última parte,

a narrativa funciona de maneira a abandonar paulatinamente a dupla estrutura, o clímax da

última cena consolida essa mudança: uma performance musical dos dois como um casal feliz.

Aqui mais uma vez a comparação entre Medianeiras e a análise de Altman sobre a narrativa

musical se faz necessária. O dueto performado pelo casal, ainda que como paródia tem

relações claras com o dueto de amor e casamento do musical clássico. Os caminhos se

encontraram. A performance musical sela esse encontro, mistura as histórias, cria uma

esquina, onde antes existiam linhas paralelas.

A performance musical e o conceito de “Atração”

A performance musical consolidou a aproximação entre Medianeras e o gênero

musical. A particularidade do gênero musical é a combinação entre espetáculo e narrativa, de

maneira a intensificarem mutuamente. Em Medianeiras, a performance aparece no fim, como

clímax narrativo, intercalado com os créditos principais do filme.

A principal característica da performance musical no musical clássico – e também fora

dele – é que ela inscreve um espectador na cena, seja ele diegético ou extra-diegético pela

3 Se refere ao livro “Onde está o Wally”, na parte “Wally na cidade”.

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construção dos olhares (Vieira, 1996). É muito comum durante a performance que o astro

olhe diretamente para a câmera e quebre uma das principais convenções realistas do cinema.

Em Medianeras, a performance aparece como um vídeo no Youtube (imagem 1) que

alguém, que a câmera não mostra, acessa no computador. O filme, então, inscreve um

espectador na cena, aquele que acessa o computador, e também uma platéia fora da cena, que

somos todos nós, através do olhar direto para a câmera. Esse olhar que chama a platéia para

participar do filme cria uma intimidade afetiva consolidando o que foi construído pela

narrativa. Experencia-se uma sensação de participação direta própria da performance musical,

uma espécie de discurso em primeira pessoa para a platéia, que se diferencia da narração over

em primeira pessoa usada durante todo o filme. Na narração, voz e imagem não pertencem à

mesma temporalidade, têm-se a impressão que a voz é um comentário, uma revisão do que

está acontecendo, enquanto na performance, som e imagem se unem em diálogo direto com o

público.

Ao unir som e imagem na mesma temporalidade, através de uma canção pop, tem-se a

impressão de simultaneidade. Um imediatismo gerado pela performance ao vivo que em

Medianeras é percebido pela forma como foi filmado, em um único shot de câmera parada.

Esse imediatismo gera uma sensação de experiência compartilhada, realçando os laços entre

público e filme. E ao se inscrever como um vídeo caseiro do Youtube, essa sensação de

experiência compartilhada se reforça.

Imagem 1

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A performance musical do Youtube consegue unir os personagens num dueto

romântico, une voz e imagem num presente. Suas características formais são o shot único,

uma performance de dança e o olhar para a câmera, ou seja uma consciência de que se está

sendo filmado. Se olharmos o filme de Thomas Edison Anabelle’s Butterfly Dance de 1895

(imagem 2), podemos identificar essas mesmas características formais com a exceção de que

este é um filme silencioso4. Para João Luiz Vieira a performer Anabelle parece ter

consciência da câmera e “ao dançar para a câmera, Anabelle talvez já soubesse que estava

conscientemente ali, dançando para milhares de olhos, inscritos na lente da câmera que a

registrava”.

Imagem 2

O período do primeiro cinema foi nomeado “cinema de atrações” nos anos 80 pelo

historiador Tom Gunning, pela sua característica performática, com imagens se direcionando

diretamente para o espectador. Acreditamos que o conceito de “Atração” dialoga bem com

essas intercessões entre cinema contemporâneo, musical e internet. Afinal, o termo foi

utilizado para caracterizar um determinado período da história do cinema, no entanto, pode

ser usado como categoria estética de acordo com Wanda Strauven:

Apesar do fato de que o cinema de atrações foi claramente pensado como uma categoria temporal específica da prática cinematográfica (e mais especificamente de espectatorialidade), a sua verdadeira atração consiste na sua aplicabilidade a outros períodos da história do cinema, a outras práticas semelhantes, além do primeiro cinema (e mesmo para além do cinema). O próprio Gunning é responsável por tal universalização do conceito, afirmando em seu ensaio seminal: "Na verdade, o cinema de atrações não desaparece com o domínio da narrativa, mas cai na clandestinidade, tanto em certas práticas de vanguarda, quanto como um componente

4 Curioso se pensarmos que a performance do filme é um lip sync irônico, no qual percebemos que os personagens não cantam.

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de filmes narrativos, mais evidente em alguns gêneros (por exemplo, o musical) do que em outros”.

Mais uma vez voltamos ao Musical. Gunning identifica dentro do musical o caráter

atrativo. Lembrando que “a noção de atração enfatiza o magnetismo do espetáculo mostrado”

(STRAUVEN, 2006, 18). O espetáculo insere o público dentro da narrativa, através do olhar

direcionado para a platéia. Buktamann (2006, 78) lembra que o termo “atração” se refere a

formas de entretenimento que não privelegiam a narrativa, mas a performance, o espetáculo e

o olhar:

Gunning coloca o primeiro cinema no contexto da infinidade de espetáculos não-narrativos familiares para o público em geral no início do século 20. A atração foi caracterizada por endereçamento direto para o espectador, novidade, apresentação (em oposição à representação) como conjunto de códigos. A atração constituía uma forma de espetáculo que não desaparece após a emergência da dominação das estruturas narrativas, mas que se tornou célebre "underground" em gêneros de Hollywood como musicais e filmes de ficção científica (gêneros que segregam espetáculo e narrativa), ou em práticas alternativas de várias vanguardas cinematográficas.

O termo foi pensado por Gunning e também por André Gaudreaut na mesma época, a

partir da Montagem de atrações de Eisenstein, que conjugaria três aspectos da atração:

performance, associação de idéias e envolvimento do espectador. Para Eisenstein a montagem

deveria promover um “choque emocional”5, com “um direto e por vezes até agressivo

adereçamento ao espectador” (apud Strauven, pp19).

Um outro meio que privilegia a performance ao invés da narração em endereçamento

direto ao espectador, além da associação de ideias é o YouTube. Jenkins (2006) compara o

YouTube ao Vaudeville, um espaço também aberto a apresentações curtas, onde o performer

criava e apresentava o seu próprio número, em meio a musicais, shows acrobatas e

apresentações de clowns. As performances frequentemente dispensavam narrativa buscando

na tecnologia e estética do vaudeville uma resposta emocional direta da platéia. O cinema

surgiu no final do século XIX quando o Vaudeville era o principal entretenimento de massa,

onde se passou a exibir filmes entre uma atração e outra. O próprio Jenkins lembra o termo

usado por Tom Gunning “cinema de atrações” e acha apto para chamarmos assim também o

YouTube.

5 Vale a pena lembrar também que o cinema no seu surgimento era uma atração tecnológica, e muitas vezes a experiência de cinema se aproximava bastante da experiência no parque temático (Gunning, 2006) (Singer, 2001).

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Dessa forma (Gunning 2006, pp 383): “o cinema de atrações solicita diretamente a

atenção do espectador, incitando curiosidade visual e provendo prazer através de um excitante

espetáculo – um evento único, seja ele documentário ou ficção, que é de interesse em si.” Em

poucas palavras, um cinema baseado em espetáculo, choque e sensação. Características

também associadas ao YouTube.

Tereza Rizzo usa o termo YouTube Attractions para designar as atrações do site e

colocá-lo lado a lado com o primeiro cinema. A autora argumenta que grande parte do

material encontrado, tanto em um quanto no outro, não se preocupa em contar histórias ou

desenvolver narrativas, apenas “confronta os espectadores com momentos de novidade,

curiosidade ou sensacionalismo e os convida a parar e olhar”. Até o slogan do site “broadcast

yourself” é um convite-incitamento à performance.

O caráter exibicionista encontrado no youtube, vaudeville e primeiro cinema não se

extingue nessas formas de entretenimento, fazendo parte do que Martin Rubin (2002) chama

de tradição do espetáculo. Uma tradição baseada na capacidade da performance criar

sentimentos de abundância, variedade e maravilha, privilegiando a atração em detrimento da

integração, unidade ou continuidade.

Wanda Strauven, na introdução de “The Cinema of Attractions – Reloaded” lembra

que a palavra atração possui três sentidos correntes: a definição encontrada no Oxford English

Dictionary que é “the action of drawing or sucking in6” que deriva do latim attraction; a

noção mais corrente de espetáculo; e uma Terceira noção, científica, aquela pensada por

Newton quando se fale em leis de atração. Para a autora, se estamos apenas acostumados com

o segundo sentido, o de que apela para os desejos do público, Eisenstein, quando pensou a

montagem dialética, fala que “Science has its ‘ions’, its ‘electrons’, its ‘neutrons’. Art will

have – its ‘attractions’!”, aproximando arte e ciência. Outra questão lembrada pela autora é

que o conceito “atração” foi pensado como uma teoria geral de cinema, ultrapassando a

divisão clássica entre documentário e ficção, com fronteiras cada vez mais borradas em

tempos de Youtube.

Ain’t no mountain high enough

6 Como tradução de “draw” podemos apontar os verbos, extrair e chamar, e para “suck in”, sugar.

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Gunning fala de um cinema exibicionista ao se referir às “atrações”. Em relação a

performances musicais, seja no primeiro cinema, como no gênero musical, a dança pressupõe

um corpo exibido como espetáculo e uma consciência da existência de um olhar sobre ele. Em

relação ao nosso objeto de estudo, a cena em Medianeiras, o exibicionismo é alcançado pela

performance, trazendo o corpo como espetáculo, “como suporte material e essencial da

expressão".

O vídeo, uma espécie de “atração” típica do site, é também um espetáculo na

narrativa desenvolvida. A dupla estrutura se uniu num dueto de amor performático-atrativo do

Youtube. A um só tempo performance musical, Youtube e Medianeiras. Lembrando ainda o

termo “atração”, Butkamann (2006, 80) lembra que os filmes sem edição do primeiro cinema

tinham a temporalidade da irrupção, “O espetáculo é um espetáculo do instante (e se isso não

é muito paradoxal, um instante com a duração)”.

Se a noção de irrupção é costumeiramente associada ao número musical como um

“explodir em música” (Dyer, Altman, Feyer), a performance musical nesse filme é uma

irrupção que dura uma canção. O espetáculo do instante, de que fala Butkamann vira o

espetáculo de uma música pop. Em Medianeiras, a música é Ain’t no moutain high enough7,

uma sua versão original lançada pela Motown com Marvin Gaye e Tammi Terrell.

O som que escutamos é da versão original sendo tocada no apartamento de Martin,

onde o casal está. Eles dançam, dublam e olham diretamente para a câmera durante quase toda

apresentação. Se no gênero musical a combinação entre espetáculo e narrativa é usada de

maneira a se intensificarem mutuamente, em Medianeras o espetáculo é um clímax narrativo.

Eles finalmente estão juntos e a performance comunica isso de maneira expressiva, através da

letra da canção, da forma paródica de um dueto romântico que demonstra intimidade. Se os

personagens sofriam de depressão e isolamento na narrativa, essa canção, usada normalmente

no cinema para celebrar a felicidade, a superação de obstáculos e sentimentos como amor ou

7 Em pesquina ao site IMDB.com consegue-se localizar 42 títulos, entre longas-metragens, filmes ou séries para a TV e animações nos quais tocam a música. O site Wikipédia, que elenca outras 22 gravações da música, diz ainda que a versão original é tocada com freqüência no cinema: “The Gaye/Terrell version also frequently turns up, often as part of a sing-along, in "feel-good" movies, such as Remember the Titans and Stepmom. Acesso em 17/06/2013.

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amizade, rompe com tudo isso, se relacionando com a dimensão utópica que o número

musical teve na tradição do gênero.

A opção de análise pelo filme Medianeras se justifica pelo fato de identificarmos nele

não apenas a relação cotidiana, de se encontrar trechos do filme no site, mas uma espécie de

caminho inverso: um vídeo do YouTube que vai para um longa de ficção. Aqui, YouTube e

cinema usam a mesma estratégia performático-atrativa, e se citam mutuamente: ao vermos o

filme, remete-se ao youtube, ao procurar esse vídeo no site, volta-se, mais uma vez ao filme8.

Misturar essa duas formas de narração faz com que elas se interpelem e se

intensifiquem, numa experiência que ultrapassa tanto os minutos do filme, quanto os minutos

da performance na internet. A esquina na qual se encontram Martin e Mariana através da

performance musical, é a mesma esquina que coloca juntos nesse filme Youtube e cinema.

Uma esquina chamada “atração”.

Referências

ALTMAN, R . The dual focus narrative. In: COHAN, Steven (ed) Hollywood Musicals, The

Film Reader. London & New York: Routledge, 2002.. BURGESS, J. e GREEN, J. (org) Youtube e a revolução digital – como o fenomeno da cultura participative está transformando a mídia e a sociedade. SP: Aleph, 2009. BUKATMANN, Scott. Spectacle, Attractions and Visual Pleasure. In: In. STRAUVEN, Wanda. (org). Cinema of attractions reloaded. Amsterdam University Press, 2006. GUNNING, Tom. The cinema of attractions: early film, its spectator and the avant-garde. In. STRAUVEN, Wanda. (org). Cinema of attractions reloaded. Amsterdam University Press, 2006. JENKINS, Henry. YouTube and the Vaudeville Aesthetic. Confessions of a Aca-Fan (2006). Disponível em: http://henryjenkins.org/2006/11/youtube_and_the_vaudeville_aes.html KEATING, Patrick. Emotional Curves and Linear Narratives. In: The Velvet Light Trap, n 58. University of Texas Press, 2006. MULVEY, Laura. Prazer visual e cinema narrativo” In XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

8 Se procurarmos no Youtube “mariana y martin” como a pesquisa feita no filme encontramos o vídeo visto no fim do filme, com uma cartela informando que o vídeo contem cenas que explicam a trama e para não assistir caso você não tenha visto o filme. Todos os comentários dos usuários fazem referência ao filme, em sua maioria, elogios em diferentes línguas. Alguns evidenciam a relação do Youtube e do filme como “HAHA hace un año que vi la película y hasta hoy se me prendió el foco de buscar el video en youtube :B”.

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RIZZO, Tereza. You Tube: the New Cinema of Attractions. Scan Journal Vol 5 Number 1 May 2008. STRAUVEN, Wanda. (org). Cinema of attractions reloaded. Amsterdam University Press, 2006. VIEIRA, J. L.Cinema e Performance. In: XAVIEL, I. (org)O cinema no século. RJ: Imago, 1996.