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6 Medição da segregação residencial: meandros teóricos e metodológicos e especicidade latino-americana * Francisco Sabatini Carlos Sierralta A discussão conceitual e metodológica sobre os estudos de segregação não é menor. Não basta dizer que “o tópico é complexo”, frase esta extrema- mente comum. Devemos destacar também que tal tópico constitui um das “articulações” mais difíceis de se estabelecer na teoria e na investigação das ciências sociais: a que liga as dimensões econômicas, culturais e políticas com as dimensões espaciais da realidade social. É usual que a diferença ontológica entre estes lados ou ângulos do mundo social confunda-se com a diferença epistemológica que se busca fazer entre fenômenos essenciais ou latentes e suas manifestações visíveis ou observáveis. Os primeiros seriam sociais, econômicos, culturais, políticos ou jurídicos, ao passo que o espacial ca relegado à categoria de superfície visível destes fatos essenciais. Daí para postular uma relação simétrica, ou de espelho, entre as desigualdades sociais e a segregação residencial, basta um passo. Ao nos imiscuirmos nesta questão, a partir de nosso interesse prioritário – entender os processos de segregação residencial nas cidades do nosso con- tinente –, ofereceremos alguns pontos de vista e sugeriremos, embora em termos muito gerais, uma estratégia metodológica para o estudo. * Versão ampliada e atualizada do capítulo “Medición de la segregación residencial: reexiones metodológicas desde la ciudad latinoamericana”, publicado em Cáceres e Sabatini (eds.). Los barrios cerrados en Santiago de Chile: entre la exclusión y la integración social. Santiago: Instituto de Geograa, PUC, Chile.

Medição da segregação residencial: meandros teóricos e ... · de problemas sociais e urbanos e, esperemos, ao projeto das ações de con- ... de castas da Índia, ou no sistema

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6Medição da segregação residencial:

meandros teóricos e metodológicos e especifi cidade latino-americana*

Francisco SabatiniCarlos Sierralta

A discussão conceitual e metodológica sobre os estudos de segregação não é menor. Não basta dizer que “o tópico é complexo”, frase esta extrema-mente comum. Devemos destacar também que tal tópico constitui um das “articulações” mais difíceis de se estabelecer na teoria e na investigação das ciências sociais: a que liga as dimensões econômicas, culturais e políticas com as dimensões espaciais da realidade social.

É usual que a diferença ontológica entre estes lados ou ângulos do mundo social confunda-se com a diferença epistemológica que se busca fazer entre fenômenos essenciais ou latentes e suas manifestações visíveis ou observáveis. Os primeiros seriam sociais, econômicos, culturais, políticos ou jurídicos, ao passo que o espacial fi ca relegado à categoria de superfície visível destes fatos essenciais. Daí para postular uma relação simétrica, ou de espelho, entre as desigualdades sociais e a segregação residencial, basta um passo.

Ao nos imiscuirmos nesta questão, a partir de nosso interesse prioritário – entender os processos de segregação residencial nas cidades do nosso con-tinente –, ofereceremos alguns pontos de vista e sugeriremos, embora em termos muito gerais, uma estratégia metodológica para o estudo.

* Versão ampliada e atualizada do capítulo “Medición de la segregación residencial: refl exiones metodológicas desde la ciudad latinoamericana”, publicado em Cáceres e Sabatini (eds.). Los barrios cerrados en Santiago de Chile: entre la exclusión y la integración social. Santiago: Instituto de Geografi a, PUC, Chile.

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Partimos da convicção de que a dimensão espacial faz parte da sociedade, não sua simples manifestação externa, como freqüentemente se tem concluído. Entre desigualdades e segregação não existe relação direta, mecânica ou de simples refl exo das primeiras sobre a última. Parece-nos esssencial conhecer, em cada cidade, a relação entre segregação e outros processos ou mecanismos, tanto por atuarem estimulando a segregação como por operarem com suas conseqüências, incluindo-se entre elas a venda e compra de terras. Como já argumentamos em outra ocasião (SABATINI; CÁCERES, 2004), consideramos o mercado imobiliário e as racionalidades que nele se produzem o centro de gravidade principal da evolução da segregação residencial nas cidades de nosso continente.

Em primeiro lugar, exporemos nossa defi nição conceitual de segrega-ção residencial e das dimensões que a compõem. A seguir, criticaremos a defi nição multidimensional e operacional que, possivelmente, mais infl uiu na investigação da segregação em escala global, a elaborada pelos sociólo-gos Douglas Massey e Nancy Denton, nos Estados Unidos (1988; 1993). A crítica ressaltará, por um lado, como esta foi imprópria para estudar a realidade latino-americana e, por outro, sua fragilidade ao tentar dar conta de diferenças de escala geográfi ca do fenômeno. Voltaremos a discutir nosso conceito de “escala geográfi ca da segregação”. Sua introdução nos estudos parece-nos fundamental, tanto por sua possível contribuição para a solução de alguns problemas teóricos e metodológicos existentes neste campo da investigação social como por sua potencialidade com relação ao diagnóstico de problemas sociais e urbanos e, esperemos, ao projeto das ações de con-trole da segregação.

Nossa argumentação culminará com a idéia de se adotar uma estratégia iterativa no estudo da segregação. Sua característica essencial é que a defi nição operacional da segregação e o diagnóstico dos problemas interagem.

Dimensões da segregação residencial

Entendemos que a segregação residencial consiste em relação espacial: a da separação ou proximidade territorial entre pessoas ou famílias que per-tencem ao mesmo grupo social, seja qual for a defi nição deste. Assim, por mais que a segregação residencial esteja relacionada com a renda e diferenças sociais ou possa infl uenciá-las, por exemplo, contribuindo para aumentar as desigualdades, este conceito aponta para um fenômeno espacial que é inde-pendente destas variáveis .

Esta “segregação geográfi ca” deve diferenciar-se da “segregação so-ciológica”, como adverte White (1983). Em casos extremos, como no sistema de castas da Índia, ou no sistema latifundiário agrário de América Latina, a

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segregação sociológica pode ser marcante e a segregação geográfi ca, menor, ou até mesmo inexistente. Mas, como enfatiza o mesmo White, a proximidade espacial entre grupos sociais diferentes é importante. Especifi car os compo-nentes desta importância é, como veremos, um modo de ajudar a defi nir a segregação residencial.

A segregação social do espaço urbano, ou segregação residencial, apre-senta, a nosso ver, três dimensões principais: a) a tendência de certos grupos sociais em concentrar-se em algumas áreas da cidade; b) a conformação das áreas com alto grau de homogeneidade social; e c) a percepção subjetiva que se forma sobre o que é segregação “objetiva” (as duas primeiras dimensões), tanto para os que pertencem a bairros ou grupos segregados, como para os que estão fora deles.

É importante comentar a distinção que fazemos entre as duas primei-ras dimensões. Enquanto a primeira trata o grau da concentração ou a dis-persão de cada grupo na cidade, a segunda examina cada área, em termos da homogeneidade ou heterogeneidade social que a caracteriza. A primeira analisa grupos sociais em termos de sua posição espacial, e a segunda, as áreas da cidade com relação a sua composição social. Parecem duas formas de visualização do mesmo fenômeno. Contudo, cada qual capta um atributo diferente da segregação social do espaço, atributos cujos efeitos, de resto, têm sinais bem distintos.

O cone do alta renda da cidade latino-americana, onde, durante o sé-culo XX, as famílias das elites tenderam a se concentrar, mostra claramente como é importante diferenciar essas duas dimensões objetivas da segrega-ção. A concentração espacial desses grupos chegou a ser muito alta neste cone geográfi co, praticamente até abarcar a totalidade das famílias de elite (primeira dimensão). Porém as elites sempre compartilharam tais áreas com segmentos da classe média e, até mesmo, da mais desfavorecida. A homo-geneidade social do espaço não era alta (segunda dimensão), podendo até mesmo conformar as áreas mais heterogêneas da cidade.

Por outro lado, temos a dimensão subjetiva da segregação. Ela se refere, em primeiro lugar, à percepção que as pessoas têm do fato de fazer parte de um grupo social que tem uma forma peculiar de ocupar o espaço. No caso das famílias pobres, o sentimento de ser marginal, de fazer parte de uma espécie de “resíduo social”, é um fator-chave para que a segregação produza efeitos profundos de desintegração social. A inação juvenil, a presença, nos domicílios de jovens que não estudam nem trabalham, normalmente é uma primeira desintegração social vinculada à segregação residencial. Não são poucos os jovens que irão se integrando ao crime como profi ssão, irão se consumindo em álcool e drogas, abandonando projetos de vida estruturados no padrão predominante de valores da sociedade.

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Em segundo lugar, o aspecto subjetivo da segregação está relacionado à identidade e ao prestígio atribuídos a bairros ou áreas inteiras da cidade. De um lado, encontram-se os estigmas territoriais que se encarregam de marcar os bairros “ruins”. Todos que lá vivem são suspeitos. De outro, os bairros de prestígio, denominados “exclusivos” pelos corretores de imóveis, o que não deixa de ser eloqüente por si mesmo. Viver em tal área outorga status e outras vantagens mais tangíveis, como a qualidade dos serviços e das infra-estruturas.

Finalmente, existe uma questão de escala ligada à segregação residen-cial subjetiva. A identidade ou prestígio associado ao espaço podem abranger grandes áreas. Este é uma característica tradicional da cidade de Santiago do Chile. O nome de cada um dos 34 municípios, ou comunas, em que se divide a cidade de mais de 5 milhões de habitantes, teve seu signifi cado defi nido em termos de “prestígio social”, ou estrato socioeconômico. Porém, as coisas agora estão mudando. Até havia pouco tempo, era possível fazer uma classifi cação socioeconômica destas comunas, mas, agora, várias dentre elas necessitam de distinções internas entre setores. Precisamente este fato é um indicador de que a escala geográfi ca da segregação está se reduzindo em algumas áreas de Santiago, uma de nossas hipóteses principais sobre a evolução do padrão de segregação da cidade latino-americana (SABATINI, 1998; SABATINI, 2003; SABATINI; CÁCERES, 2004).

A ilegalidade, a irregularidade e a informalidade são características pe-culiares do mercado imobiliário e dos assentamentos pobres das cidades da América Latina (SMOLKA, 2002) que outorgam determinada importância à dimensão subjetiva da segregação. Viver em um bairro no qual a ocupação do solo não é legal, em que as construções são irregulares, por não se ajustarem às normas do uso do solo e de edifi cações, e no qual desenvolvem-se ativi-dades econômicas “informais” é, indubitavelmente, um fator de identidade negativa, um primeiro degrau na construção social dos estigmas territoriais. Porém, como o demostram, hoje, numerosas cidades em todo o mundo, o estigma territorial associado à ocupação de uma habitação formal obtida me-diante programas estatais é, normalmente, também muito forte. Os guetos urbanos que hoje surgem em tantas cidades devem-se, em grande parte, à estigmatização, social ou pública, de conjuntos habitacionais produzidos pelas políticas habitacionais estatais.

A defi nição multidimensional de Massey e Denton

Uma importante defi nição multidimensional da segregação foi feita por Massey e Denton (1988), depois de revisarem sistematicamente a literatura especializada. Tem sido amplamente usada, nos Estados Unidos e em outros

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países, até hoje. Os autores distinguiram cinco dimensões, classifi cando os diferentes índices existentes de segregação quanto a uniformidade, exposição, concentração, centralização e agrupamento – em inglês: evenness, exposure, concentration, centralization, clustering.

Assim, um grupo social segregado seria aquele que não está uniforme-mente distribuído no espaço urbano; está minimamente exposto ao contato físico com membros de outros grupos; está espacialmente concentrado (em termos de uma alta densidade geográfi ca); é fortemente centralizado (no sentido de viver próximo à área central da cidade); e apresenta um marcado agrupamento territorial.

Afi rmamos, anteriormente, que a segregação residencial é um conceito referente a fenômeno espacial independente da distribuição da renda e até do nível de pobreza. Dentre as cinco dimensões observadas por Massey e Denton, há duas que não cumprem claramente esta condição: a de “concentração” e a de “centralização”. Mais do que uma dimensão da segregação, a “concentração” é uma forma ou dimensão de pobreza (residir em um pequeno espaço) que a afeta, ou pode ser por ela afetada. A “centralização“ corresponde à distância entre o lugar da residência e o centro e é uma medição indireta de segregação para o caso típico das cidades americanas, mas não se verifi ca nas cidades latino-americanas, isto é, o fato de pobres residirem nas áreas centrais.

As três dimensões restantes discutidas por Massey e Denton − uniformi-dade, exposição e clustering – indicam, por outro lado, a relação espacial de separação ou proximidade entre grupos sociais que defi ne a segregação social urbana. Contudo, a razão para distingui-las parece misturar considerações teóricas e metodológicas, estas últimas relativas à informação disponível, ao tipo de segregação que se estuda (racial, étnica ou outra) e, secundariamente, ao interesse em fi xar a análise em escalas ou níveis geográfi cos distintos.

Antes de prosseguir a discussão sobre as escalas da segregação, vale a pena uma observação sobre a dimensão da “centralização”, que estamos rejeitando por equiparar a pobreza à centralização geográfi ca, uma caracterís-tica própria do padrão anglo-americano de cidade. Para os grupos pobres segregados da cidade latino-americana, o acesso aos lugares centrais da cidade é essencial para a sobrevivência, o que se evidencia especialmente nos períodos de maior desemprego e insegurança econômica. O comércio de rua é preferencialmente exercido nos espaços públicos das áreas centrais; trata-se de uma verdadeira estratégia de sobrevivência que busca contra-balançar a segregação noturna (residencial) com a integração durante o dia. Desta forma, a centralidade dada pelas condições de acessibilidade, dentro da cidade, passa a ser um fator básico para esses grupos e para que dispo-nham destas oportunidades. Uma tarefa dos estudos empíricos da segregação é, justamente, encontrar uma maneira efi caz de incorporar este aspecto do

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fenômeno, que Bournazou (2005), no estudo das cidades mexicanas de porte médio, considera uma dimensão específi ca da segregação tão relevante quanto as outras.

Dimensões e escala da segregação

O clustering proposto por Massey e Denton não é, realmente, uma dimen-são da segregação, como a uniformidade e a exposição. É mais um sinônimo de segregação residencial. O que os índices de agrupamento (clustering) buscam, na verdade, é a medição da segregação em outra escala espacial, em uma escala maior do que a correspondente às áreas de medição usuais nos estudos. A discussão sobre o clustering parece, por isso, confundir questões metodológicas e teóricas.

Nossas duas dimensões da segregação, a concentração espacial dos grupos e a homogeneidade social das áreas − que são semelhantes às di-mensões de uniformidade/dissimilaridade e exposição/isolamento destacadas por Massey e Denton nos estudos de segregação − podem alcançar uma intensidade diferente em escalas geográfi cas distintas. Uma cidade pode ser mais segregada em uma escala do que em outra, além do que a segregação pode ser mais forte em uma dimensão do que na outra.

Fundamentaremos esta afi rmaçao sobre as distintas escalas da se-gregação em termos conceituais e metodológicos e, logo, proporemos uma forma para estudar a escala da segregação. Para chegar a isso, discutiremos primeiramente alguns dos principais problemas de medição que os estudos sobre segregação apresentam atualmente.

Problemas metodológicos com a medição da segregação

O grau da concentração territorial/dispersão de cada grupo e a ho-mogeneidade/heterogeneidade social de cada área, nossas duas dimensões “objetivas” da segregação, são estudadas principalmente por meio de índices que se referem à composição por grupos da população da cidade. Os princi-pais métodos estatísticos disponíveis para medi-las são, respectivamente, os índices de dissimilaridade (concentração espacial do grupo) e os índices de exposição (isolamento social do grupo).

Problemas com a medição da dimensão 1 da segregação

O valor para o índice mais conhecido e utilizado de dissimilaridade, o de Duncan, assim como a maioria dos índices alternativos de dissimilaridade, corresponde à proporção de famílias de um determinado grupo social que deveria mudar o local da residência para que sua presença relativa em cada

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uma das subáreas da cidade fosse uniforme, isto é, para que tivesse peso proporcional na população inteira da cidade.

Apoiamo-nos na convicção de que os problemas metodológicos apresen-tados pelo índice de dissimilaridade, que, aliás, constam da literatura espe-cializada, obedecem, em grande parte, a uma questão conceitual, qual seja, a pequena atenção dada ao fato de que a segregação tem escalas distintas em uma mesma cidade. Uma determinada cidade, por exemplo, poderia estar segregada no que se refere ao microlocal, mas não com relação às grandes áreas ou ao conjunto de áreas urbanas.

Em parte por se tratar de um instrumento de uso e interpretação de resultados extremamente fácil, o índice de dissimilaridade tende a receber uma atenção excessiva dos investigadores. É, indubitavelmente, o mais usado e importante instrumento para o estudo empírico da segregação residencial. É amplamente usado para o estudo na dimensão 1, o que está correto; mas veremos, também, que o estudo da dimensão 2 tende a ser subsumido, de várias formas, pelo conceito e medição da dissimilaridade.

Começaremos por assinalar quatro limitações principais apresentadas no índice de dissimilaridade de Duncan. As versões distintas e modifi cadas deste índice tentaram superar um ou vários desses problemas, mas não superaram sua defi ciência principal, qual seja, a pretensão para representar por um só número a segregação de “toda“ a cidade, sem distinguir suas escalas.

1) Uma das limitações mais notáveis no índice de dissimilaridade é que ele corresponde a uma informação estatística que não captura, com relação às áreas da medição, a essência espacial do fenômeno (no Diagrama 1, exemplifi ca-se grafi camente este problema da validade, ou seja, que o índice não mede exatamente o que ele diz estar medindo). As famílias de igual condição social residentes em uma área poderiam ser aglomeradas ou dispersadas nela e a dissimilaridade seria a mesma. As relações socioespaciais que se pretende estudar são reduzidas a médias, porcentagens ou probabilidades, fazendo assim abstração relativa do fenômeno territorial que está no centro do conceito de segregação residencial.

2) As medidas de segregação, como as do índice de dissimilaridade, não só não captam a segregação espacial no interior das áreas da medição como também não captam a segregação em uma escala maior. No exemplo esquemático das cidades do Diagrama 2, a distribuição territorial de famílias pobres e não pobres apresenta distribuição de renda e índice de dissimilaridade iguais. Contudo, no segundo caso, existe uma notória aglomeração das famílias pobres em uma parte da cidade. A escala geográfi ca da segregação é maior, comparada ao caso da primeira cidade. O fato de a dissimilaridade ser igual em

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situações tão distintas é captado pela literatura especializada como uma limitação metodológica do índice de dissimilaridade, denominado chekerboard problem (problema do tabuleiro de xadrez) (WHITE, 1983; MASSEY; DENTON, 1988). De fato, trata-se de um problema metodológico geral para todos os instrumentos que buscam medir relações sociais estudando áreas ou parcelas de território: ao defi nir uma área, estamos infl uenciando os resultados que obteremos. Voltaremos a este ponto mais adiante.

3) Outro problema do índice de dissimilaridade, relacionado ao que acabamos de comentar, é que o ranking das cidades que disponibiliza o índice (desde a mais até a menos segregada) é alterado quando se modifi ca o tamanho da área com base no qual seu valor urbano é calculado (WHITE, 1983). A razão é que o valor do índice de dissimilaridade modifi ca-se quando a área da medição é modifi cada; quanto menor, maior o valor do índice. Foi denominado grid problem ou o “problema de grade”1 (WHITE, 1983; MASSEY; DENTON, 1988). No Diagrama 3, exemplifi ca-se o problema de grade. Sem dúvida, mais do que uma defi ciência, como menciona a literatura, trata-se de um efeito previsível. Quanto maior a área, mais se parece com a cidade, e o índice deverá tender a zero (a distribuição de grupos para cada área vai se assemelhando à da cidade). Trata-se de uma questão da escala de análise. No Diagrama 3, parece válida a afi rmação de que a aglomeração espacial das famílias “cinza” é forte com relação ao microespacial (a divisão de cidade em 36 áreas), e fraca se a analisarmos com maior agregação (a divisão de cidade em seis áreas). Parece necessário diferenciar este efeito metodológico esperável ou razoável − que o valor do índice diminua quando a área da medição aumenta − do fato de uma cidade poder ser segregada com intensidade diferente em escalas territoriais diferentes. Como diferenciar o efeito metodológico do fenômeno real?

Às vezes, a literatura especializada dá conta dos problemas do tabuleiro de xadrez e da grade sintetizando-os no “problema da unidade de área modifi cável”, ou MAUP (sua sigla em inglês). Os especialistas afi rmam que “os resultados estatísticos são extremamente sensíveis ao sistema de divisão em zonas usado para apresentar informações agregadas” (ROGERSON, 2001, p.13). Não apenas muda o valor dos índices ao mudar a escala da medição (problema de grade), ou não apenas os índices conservam o mesmo valor para situações espacialmente muito diferentes (problema do tabuleiro de xadrez),

1 N. do T.: achou-se por bem traduzir grid como “grade’ e não “grela”, uma vez que, diferentemente do espanhol, esta palavra não é utilizada no sentido aqui requerido.

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mas também os coefi cientes da relação entre esses índices e outras variáveis (por exemplo, o analfabetismo) tendem a aumentar com a escala das medições (GEHLKE; BIEHL, 1934 apud ROGERSON, 2001, p.99).

4) O quarto problema é que o índice de dissimilaridade é de pouca utilidade para estudos do tipo explicativo que busquem relacionar a segregação às suas causas ou aos seus possíveis efeitos.

A ampla utilização do índice de Duncan ou das suas versões modifi cadas fala-nos sobre um subentendido contestável: que a segregação seja um problema per se, isto é, um problema que existe independentemente do que acontece com outros fenômenos com os quais a segregação possa estar relacionada. Desta forma, justifi ca-se a mera descrição dos níveis e tendências da dissimilaridade e as comparações entre as cidades e os períodos, sem se considerar a diferença do contexto urbano ou histórico.

Sem dúvida, rigorosamente, a segregação não é um problema em si mesma, mas, por outro lado, é um fenômeno de importância central no desenvolvimento urbano que pode incluir tanto problemas quanto vantagens para as cidades. Esta concepção mais aberta e dialética da segregação leva-nos a questionar muito do que se tenta fazer com os índices de dissimilaridade.

Os três primeiros “problemas” espaciais (da validade, do tabuleiro de xadrez e da grade) enraízam mais questões conceituais relativas à escala geográfi ca da segregação do que os aspectos técnico-metodológicos. No Diagrama 4, delineia-se a situação de duas cidades, uma com alta escala geográfi ca de segregação e outra com baixa escala. No gráfi co ao pé dos esquemas que representam cada uma das cidades, no Diagrama 4, é possível distinguir o efeito metodológico do fenômeno real.

Os eixos de cada gráfi co são a dissimilaridade e o tamanho da área de medição. A linha reta que tende para a direita representa a redução previsível do índice, quando aumenta o tamanho da área da medição. Essa linha reta parte da extrema esquerda, com o valor da dissimilaridade medida na área menor possível (o distrito censitário, por exemplo), e termina na extrema direita, em “zero”, que é necessariamente o valor do índice quando a área da medição coincide com a área da cidade.

A outra curva constrói-se com medições efetivas de dissimilaridade em sucessivas áreas de medição, desde a menor até a área da cidade, passando pelos tamanhos intermediários. Em termos práticos, estas áreas intermediárias poderiam ser construídas agrupando-se os

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distritos censitários. Uma curva passando sobre a linha reta, como a do gráfi co esquerdo do diagrama, indica que a escala da segregação é alta; e uma curva passando sob ela, que a escala é baixa. O tamanho da área contida entre a curva e a linha reta indica o grau de variação da segregação nesta cidade, entre escalas geográfi cas diferentes.

Se a área abaixo da linha reta é considerável, signifi ca que a escala geográfi ca da segregação é muito baixa nesta cidade; por exemplo, a segregação é muito forte em nível dos bairros,2 mas praticamente desaparece quando analisada em relação às comunas ou distritos da cidade. De forma oposta, se a área acima da reta é considerável, então a segregação seria especialmente forte em grande escala, como acontece, por exemplo, em muitas cidades latino-americanas, nas quais as elites estão concentradas em cones de alta renda que compartilham com outros grupos sociais.

Como em outras cidades da América Latina, em Santiago a dis-similaridade é baixa.3 O Diagrama 5 mostra a dissimilaridade calculada para os diferentes grupos socioeconômicos e escalas diferentes da medição nos anos de 1992 e 2002. Observa-se que as famílias da elite (grupo ABC1 no diagrama) são mais segregadas, mas a segregação acontece mais fortemente nas escalas geográfi cas maiores (distritos e comunas). Também fi ca registrada uma das modifi cações mais importantes sofridas pelo padrão tradicional latino-americano da segregação urbana, desde as reformas econômicas dos anos 1980: a dispersão espacial das elites dos cones de alta renda para o resto da periferia, inclusive para a periferia popular, em uma espécie de gentrifi cation ampliada. Realmente, entre 1992 e 2002, diminuiu a segregação espacial das elites do Santiago (de 0,56 para 0,47 com relação às comunas, pelo índice de Duncan), apesar do alto nível de desigualdade social predominante.4

Apesar destas quatro limitações, o índice de dissimilaridade pode disponibilizar informação clara e compreensível sobre a segregação residencial. Por exemplo, poderia mostrar em que grau os grupos sociais frágeis ou discriminados de uma cidade, como pobres e negros, concentram-se em certas áreas internas.

O problema é que a necessária delimitação das áreas da medição restringe a informação a uma única escala espacial. Abaixo ou acima

2 N. do T.: o termo originalmente utilizado é vencidario.3 Diga-se de passagem que esta observação questiona a desgastada afi rmativa da “tese do espelho”, segundo a qual as fortes desigualdades sociais dessas cidades “refl etem-se” necessariamente na segregação socioespacial.4 Sobre esta tese de transformação do padrão de segregação tradicional, cf. Sabatini e Cáceres, 2004.

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dela, a segregação não está sendo medida. Este é um problema metodológico geral dos estudos de segregação: para medi-lo, devemos defi nir uma área de compilação da informação, ou usar uma existente (normalmente o distrito censitário), operação que interfere diretamente no fenômeno que estamos estudando e tentando medir. Seria como o físico que deseja estudar a estrutura do átomo servindo-se de um microscópio eletrônico cuja luz altera o fenômeno. A segregação é um fenômeno social complexo, baseado em relações espaciais da vizinhança ou de contigüidade, e os índices convencionais não a medem diretamente. Os índices são construídos, por outro lado, com informações sobre a distribuição por áreas de certas características, como etnicidade ou renda monetária.

Ao comparar cidades, poderíamos pensar que a segregação tem força diferente em escalas territoriais distintas, como vimos ao examinar o Diagrama 4. Em uma cidade, poderia ser maior no nível de pequenos distritos. Ali, seriam formados socialmente bairros homogêneos, embora de tamanho limitado. Em outra cidade, a segregação poderia ser forte em uma escala territorial superior, na qual se observaria a conformação das grandes áreas socialmente homogêneas pela aglomeração de bairros de uma mesma condição social. Por isso, ao mudar o tamanho da área da medição, parece razoável que o ranking das cidades mude. Um índice medido em uma escala (defi nida por certo tamanho da área de medição) refl ete a segregação relativa a essa escala, não “toda” a segregação residencial na cidade. Por que imaginar que o índice de dissimilaridade represente o grau da segregação que existe na cidade como um todo, se está sendo medido em determinada escala espacial e excluindo outras?

Nosso conceito de escala geográfi ca da segregação tenta, justamente, captar as diferenças apresentadas pelo fenômeno segundo os níveis da agregação espacial, especialmente das relações que se estendem além dos limites das áreas da medição − lamentavelmente, as diferenças abaixo destas (“o problema da validade” do Diagrama 1) não podem ser estudadas com a informação disponível. Para uma mesma situação de dissimilaridade e sem alterar a distribuição de renda, as famílias pobres podem estar dispersas em pequenos bairros homogêneos pela cidade inteira (baixa escala de segregação social do espaço), ou como no padrão predominante em não poucas cidades da América Latina, concentradas em poucas aglomerações de pobreza da periferia (alta escala geográfi ca da segregação).

Para evitar, tanto quanto possível, essas quatro limitações, propomo-nos estudar a segregação e seus efeitos urbanos priorizando a escala geográfi ca. Em uma mesma cidade e momento, a segregação

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pode ser grande em uma escala geográfi ca e não o ser em outra. Devemos saber em que escala espacial a segregação é maior. Seria no nível das áreas mais desagregadas de medição, ou no nível dos conglomerados das referidas áreas?

Problemas com a medição da dimensão 2, ou dimensão crítica da segregação

Possivelmente, o problema mais sério exposto pela literatura especia-lizada é a tendência de ignorar a importância da dimensão 2 de segregação. De fato, trata-se da faceta objetiva do fenômeno que mais claramente se associa aos problemas da desintegração social e de formação de guetos. A homogeneidade social do espaço ajuda a isolar um grupo social dos restantes, questão que se torna grave quando se trata de grupos vulneráveis ou discrimi-nados. Em sua forma mais pura, o gueto urbano corresponde a um conjunto de bairros habitados exclusivamente por membros de um grupo (MASSEY; DENTON, 1993, p.18-19). Seus habitantes têm oportunidades escassas de contato social, a despeito das diferenças entre grupos ou estratos

Em contraposição, à dimensão 1 de segregação, ou grau de concentra-ção espacial de um grupo, corresponde um fato que normalmente é positivo. O que mais chama a atenção, neste particular, são os enclaves étnicos. São bairros que ajudam uma minoria a persistir e a se fortifi car, incidentalmente enriquecendo culturalmente a cidade. Mencione-se ainda que a formação dos cones de alta renda nas cidades da América Latina, uma alta expressão da segregação da dimensão 1, tem mostrado muitas das vantagens dos enclaves. Eles se constituíram em espaços de diversidade e de integração social. Os efeitos negativos de tão marcante segregação são, sobretudo, indiretos, como comentaremos mais adiante.

Descobrimos três formas principais como se pratica a omissão da di-mensão 2 nos estudos:

1) Na forma explícita, quando se declara que se trabalhará exclusivamente com determinado índice de dissimilaridade, depois de se constatar que este está fortemente relacionado com determinado índice de isolamento (o que mede a dimensão 2).

Isto é, precisamente, o que fez Glaeser (2001). Em suas análises sobre as estatísticas da segregação em áreas metropolitanas dos Estados Unidos, ele argumenta que os índices de dissimilaridade e isolamento, que medem ambas as dimensões objetivas da se-gregação, estão intimamente relacionados.5 Devido a suas vantagens

5 Foi encontrado um coefi ciente de correlação de r = 0,827 para as quase 300 áreas metropolitanas dos Estados Unidos estudadas para o ano 2000.

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de clareza e interpretação, ele opta então por trabalhar apenas com a dissimilaridade.

O problema é que o índice de isolamento usado por Glaeser é um índice modifi cado para padronizar as estruturas sociais e tornar comparáveis distintas cidades e grupos de cada cidade entre si. Isto é uma opção metodológica amplamente usada pela investigação feita nos Estados Unidos.6

Em vez de afi rmar, por exemplo, que, em média, cada residente negro vive em uma área na qual 60% da população são negros, ele enfatiza que este grupo social apresenta um índice da isolamento de 0,5, porque esses 60% superam em cerca de 50% (0,5) os 40% que os negros representam na população total da cidade. Caso os negros fossem apenas 12% da cidade e, em média, cada negro vivesse em bairros com 18% de pessoas deste grupo, o índice da isolamento também seria 0,5. Sem dúvida, não é a mesma coisa, para um negro, no que se refere ao isolamento social, viver em um bairro onde as pessoas pertencentes a seu grupo representem 60% do que viver em um bairro onde elas representem apenas 18%.

O índice padronizado leva a perder de vista o sentido sociológico da estrutura social e a esguelhar a experiência do isolamento. O que, na realidade, se faz é construir um proto-índice de dissimilaridade, uma espécie de variante do índice de dissimilaridade. Explica-se, assim, como a correlação entre os índices de dissimilaridade e de isolamento resultam tão altos para Glaeser.

O fato de um grupo constituir maioria em uma cidade, como o são os grupos populares em uma cidade latino-americana, faz com que seja mais provável uma alta segregação da dimensão 2, isto é, um alto nível do índice de isolamento. Este fenômeno não deve ser tratado como uma espécie de desvantagem metodológica a ser “neutralizada” mediante a construção de um índice padronizado. Ao fazê-lo, perder-se-ia a essência do fenômeno em troca de certas vantagens metodológicas do novo índice.

Ao contrário, se o grupo fosse minoritário, como aproximadamente os 10% que constituem as elites na cidade latino-americana − Portes e Roberts (2005) falam do “decil privilegiado” −, seria mais difícil que vivessem em bairros homogêneos. Mas não é impossível.

Enquanto, nas cidades dos Estados Unidos, os grupos que de-fi nem a estrutura socioespacial são maioria (os brancos que se

6 Massey e Denton (1988) propuseram um índice “padronizado” de isolamento deste tipo, conhecido pelo nome de Eta2 ou coefi ciente de correlação (razão da relação mútua).

182 MEDIÇÃO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

suburbanizam), nas cidades da América Latina constituem minoria: são as elites que formam o “decil privilegiado” e estariam, pela sua condição minoritária, “estatisticamente” mais expostas à coabitação e ao contato com outros grupos sociais. Contudo, o fato de as elites urbanas latino-americanas representarem apenas um terço da população residente nos cones da alta renda não obedeceria apenas, nem sequer principalmente, a esta questão estatística. Há razões sociológicas e culturais.

No aspecto sociológico, devido à débil mobilidade social nas ci-dades da América Latina, a segregação espacial não seria um recurso signifi cativo na construção de novas identidades pelos grupos ascendentes. Nas cidades dos Estados Unidos, por outro lado, esta espécie de “adolescência urbana” é mais generalizada,7 incidentalmente, ajudando a explicar porque essas cidades são muito mais segregadas do que as da América Latina.

Na aspecto cultural, a maior diversidade social do espaço urbano latino-americano poderia responder a uma noção mais aberta sobre o “outro” própria do ethos católico, que se contrapõe à noção desconfi ada do ethos protestante, especifi camente o calvinista, que prevalece até hoje na cidade americana (SABATINI, 2003).

2) A omissão da medição da dimensão 2 é normalmente o resultado de uma declaração inicial, no sentido de que a dissimilaridade é a dimensão mais importante da segregação.

Em seu último trabalho sobre a medição da segregação, o reconhecido especialista Wong (2005) começou ressaltando que a dimensão 1 da segregação “é a mais importante”, apoiando-se em idêntico ponto de vista de Massey e Denton, em seu trabalho metodológico pioneiro de 1988 (no qual propuseram o índice multidimensional discutido anteriormente).

Devemos levar em consideração que o rótulo de “mais importante” que muitos especialistas outorgam à dimensão 1 reflete, em grande medida, o fato de que os índices que a medem sejam muito atraentes, em termos metodológicos. São comparáveis entre cidades e momentos da mesma cidade, têm clareza por variarem entre 0 e 1, salvo exceções, e têm interpretação simples. O valor do índice expressa o percentual dos membros do grupo que deve mudar de residência para chegar a uma situação de não segregação.

7 Sennett (1970) faz o paralelo entre o adolescente, que deve construir uma identidade ligeiramente artifi cial para entrar na vida adulta, e as novas classes médias de cidades dos Estados Unidos, que recorrem à segregação (homogeneidade social do espaço) como forma de afi rmar sua nova identidade de classe social.

183FRANCISCO SABATINI E CARLOS SIERRALTA

É surpreendente encontrar tal desvio em especialistas tão re-conhecidos. Trata-se de uma defi ciência que coloca o “carro na frente dos bois”, isto é, dá prioridade ao instrumento de medição e não ao fenômeno que está sendo medido. Se a dimensão 2, a mais problemática, é minimizada, isto se dá, em boa parte, porque é mais difícil medi-la.

Existe uma razão implícita, ancorada em orientações fi losófi cas, que poderia estar contribuindo para a ocorrência desse desvio. Trata-se da noção de que a segregação é um fato autônomo, no sentido de que sua existência não depende das relações que mantém com outros fenômenos. Ela é assumida, por defi nição, como um problema, porém acaba-se, de forma paradoxal, por concentrar a atenção sobre sua dimensão menos negativa.

O trabalho de Wong (2005), por exemplo, propõe um único índice por cidade para resolver os problemas que afetam os índices de dissimilaridade disponíveis. Centrado na dimensão 1 da segregação (“a mais importante”), bem como “na questão da escala” (que complica a medição), o trabalho de Wong inclui referências para a dimensão 2 que são apenas parciais e, além disso, conceitualmente pouco claras.

3) Uma terceira forma de omitir o estudo da dimensão 2 da segregação acontece quando as análises intercalam, de forma pouco rigorosa, afi rmações sobre ambas as dimensões objetivas da segregação.

Isto é o que fazem Wu e Sui (2002), por exemplo, quando aplicam seu método multiescalar de “lacunaridade” (conceito relacionado aos fractais de Mandelbrot) ao estudo da segregação residencial em Houston, Texas. Por exemplo, comparam a situação de um grupo, cuja segregação julgam elevada por apresentar alto grau de concentração nas áreas centrais, com a de outro grupo, cuja segregação lhes parece menor, porque sua proporção na população dessas áreas é baixa (WU; SUI, 2002). Enquanto o primeiro juízo refere-se ao grau de concentração espacial do grupo (dimensão 1), o segundo alude ao grau de homogeneidade social do espaço (dimensão 2).

Suposições fi losófi cas na defi nição de um conceito

Faz parte do bom senso defi nir um fenômeno antes de estudá-lo empiri-camente e antes de medi-lo. A seqüência parece especialmente válida quando se trata de um estudo explicativo, orientado para estabelecer relações causais entre o fenômeno e outros. Existiria uma articulação bastante razoável entre

184 MEDIÇÃO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

as atividades de defi nir, descrever e explicar. Seria, assim, conseguida uma articulação entre conhecimento empírico e formulações teóricas construídas sobre ela.

Contudo, seja sob esquemas “indutivistas” ou “refutacionistas” (POPPER, 1967), trata-se de uma estratégia que pode apresentar inclinações positivis-tas. O conhecimento científi co teria como base fi rme a veracidade dos juízos empíricos, dos quais sempre dependeriam os enunciados teóricos. Em seu célebre teorema sobre a assimetria entre verifi cabilidade e refutabilidade, Popper enfatiza que, com base na veracidade dos enunciados singulares, não é possível argüir a verdade de um enunciado universal ou teórico, mas declarar sua falsidade. Bastaria encontrar um cisne preto para declarar falso o enunciado teórico que afi rma que todos os cisnes são brancos.

Há dois pressupostos fi losófi cos discutíveis na proposta de Popper. De um lado, o de que há enunciados singulares, completamente seguros e independentes da teoria, nos quais se pode fundamentar a “refutação” de conjecturas ou hipóteses teóricas. Com isto, se estaria omitindo o fato de que todo juízo empírico, mesmo o mais simples, como afi rmar “isto é uma árvore”, está carregado teoricamente, pressupõe, uma atividade mental – no caso deste exemplo, uma idéia ou conceito de árvore.

A segunda suposição é a de que é possível estabelecer uma separação clara entre defi nição e explicação. Primeiramente, defi nimos a segregação e só depois explicamos, ou estudamos sua capacidade de provocar mudanças em outros fenômenos. Contudo, quando defi nimos um fenômeno, realizamos duas operações: em primeiro lugar, escolhemos este fenômeno entre uma infi nidade de fatos empíricos, porque postulamos, ainda que implicitamente, ser importante a escolha para que se entendam outros fenômenos e proces-sos, isto é, para explicá-los; em segundo lugar, nossa defi nição, especialmente quando lidamos com fatos tão complexos como a segregação, normalmente tem componentes explicativos.

Na literatura, o esforço para defi nir a segregação parece apoiar-se na suposição de que se trata de um fenômeno “absoluto”, no sentido de que ele teria existência em si mesmo, distinta daquela de outros fenômenos; que sua constituição independe das relações que possam ser estabelecidas com outros fenômenos. Segundo esta perspectiva ontológica, conhecida como atomismo, as relações entre a segregação residencial e outros fenômenos, como a pobreza e as formas diferentes de desintegração social, seriam con-tingentes (aleatórias). Por outro lado, uma defi nição mais próxima de uma ontologia dialética, ou da complexidade, enfatizaria o caráter “relacional” da segregação; entre outras possibilidades, poderia apontar para a forma como se reforçam e condicionam mutuamente a segregação espacial dos grupos e certos problemas urbanos, tanto funcionais como sociais.

185FRANCISCO SABATINI E CARLOS SIERRALTA

Em contraposição, a perspectiva atomista conduz o investigador a concen-trar-se em produzir o elemento básico, ou o tijolo elementar, a partir do qual a realidade se constrói. A idéia predominante, de que é melhor medir a segregação em uma área de menor tamanho, parece ser tributária desta perspectiva on-tológica. Em um interessante artigo metodológico sobre o estudo da segregação urbana residencial, Kirschenbaum (1984) duvida que isto seja possível: será que o fato de mudarmos a análise de unidades maiores para menores pode, realmente, fornecer um quadro mais preciso da segregação, entendida como um arranjo espacial de residências? Estas dúvidas sobre a “questão de escala” estão alcançando o mainstream da investigação quantitativa na segregação, a começar pelo próprio Wong (2005), de quem tomamos a expressão.

Desta forma, a defi nição da segregação não deveria ser tentada apenas do ponto de vista empírico, mas também a partir de sua refl exão teórica. Este é o primeiro elemento de uma possível estratégia metodológica alternativa; o segundo seria tentarmos nos abster de buscar uma defi nição acabada da segregação antes de proceder a seu estudo empírico.

Estratégia iterativa de defi nição da segregação

Um modo diferente para se defi nir a segregação, tarefa que se mostrou tão difícil, poderia ser a iteração. O método de tentativa e erro – caminho para o conhecimento baseado no bom senso – foi também de grande infl uên-cia na história da ciência. O fato de que esta infl uência tenda a ser ignorada pelo establishment da ciência não elimina seu efeito em trabalhos científi cos importantes como, por exemplo, o do próprio Galileu.

Como forma peculiar de medir e estudar a segregação socioeconômica, esta estratégia iterativa responderia, signifi cativamente, às necessidades que orientam nossa própria investigação na América Latina. Concretamente, parece razoável tornar a defi nição de segregação dependente da “maximização” das relações de retroalimentação entre ela e outros fenômenos ou problemas, relações que postulamos no âmbito teórico. A segregação, portanto, poderia ser defi nida como aquela disposição espacial aglomerada de grupos sociais que contribui para agravar determinados problemas para alguns grupos e para atenuá-los ou resolvê-los para outros.

Esses problemas representam componentes especifi camente urbanos da pobreza, como o congestionamento e a acessibilidade que empobrecem os habitantes das cidades, geralmente de todos os grupos sociais, ou como os problemas de desintegração social, que afetam os membros de grupos pobres ou discriminados. Se os estudiosos da segregação não pensassem que ela própria causa determinados problemas, provavelmente não a fariam objeto de investigações.

186 MEDIÇÃO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

Empiricamente, o relevante é saber que tipo de aglomeração, especial-mente que escala geográfi ca de aglomeração possui mais relevância em termos dos problemas que contribui para agravar. A estratégia iterativa da defi nição da segregação consiste justamente em nos servirmos do estudo empírico da segregação para precisar a disposição espacial na qual seus efeitos se fazem mais fortes.

Em um sentido estrito, deveríamos estudar a escala geográfi ca da segregação para cada uma de três dimensões que distinguimos. Contudo, dever-se-ia dar prioridade à segunda, referente ao grau de homogeneidade/heterogeneidade social das áreas internas da cidade. Há três razões para fazê-lo: a) nosso interesse centraliza-se nos efeitos da segregação sobre os grupos pobres, e justamente esta dimensão da segregação é a que mais claramente contribui para o isolamento entre grupos sociais; b) não dispomos de um claro instrumento de medição para a primeira dimensão em nível de áreas internas, como seria necessário para estudar a associação estatística da segregação aos problemas que lhe atribuímos; e c) a dimensão subjetiva da segregação deve ser estudada, a nosso ver, de preferência com metodologias qualitativas, ao invés de quantitativas, e com estudos de caso.

A estratégia iterativa da defi nição de segregação teria as características seguintes:

i) Daria prioridade aos indicadores de segregação que melhor registras-sem a composição social da área. Poderia tratar-se da dispersão estatística da renda dos domicílios ou da porcentagem total dos domicílios da área inte-grantes de grupos pobres ou discriminados.

Ao trabalhar com a dispersão da renda, é possível evidenciar os pro-blemas que englobam uma defi nição de camadas socioeconômicas: arbitrarie-dade e perda de informação. Aduzindo essas mesmas duas razões, Jargowsky (1996) critica a medição da segregação econômica proposta por Massey e Eggers (1990), com base na classifi cação da população em várias camadas sociais. Jargowsky propõe, como medida da segregação, “um índice de hie-rarquização dos bairros” (Neighborhood Sorting Index) baseado na informação do desvio padrão da renda familiar (um quociente entre o desvio padrão em nível das zonas e o desvio padrão da renda da cidade).

Mas a informação da renda do domicílio pode ter outros inconvenien-tes, como os de qualidade ou disponibilidade. Além disso, de certa forma, enfraquece a análise mais sociológica da relação entre grupos. A presença, em uma área de um grupo socialmente estigmatizado, ainda que sem al-cançar predominância numérica, pode ser mais grave em desencadear efeitos de desintegração social do que um alto grau de homogeneidade de ingresso monetário em uma área ou bairro pobres. Em seus estudos de cidades dos Estados Unidos, Jargowsky (1997) afi rmou que os bairros com 40 % ou mais

187FRANCISCO SABATINI E CARLOS SIERRALTA

de presença de lares pobres normalmente coincidem com aqueles que a polí-cia e os agentes locais identifi cam como bairros problemáticos ou “em crise”. Outro critério poderia ser o de se empregar a importância relativa da habita-ção da caráter social em quadras da área ou do bairro. Nossa experiência de campo nas cidades chilenas ensina-nos que o efeito gueto tende a ser mais claro quando, em um bairro pobre, predomina este tipo de habitação do que a habitação autoconstruída.

ii) Procuraria medir a aglomeração de famílias de uma mesma condição social ou segregação residencial, priorizando a contigüidade sobre a proximi-dade (distância).

Os índices que tentaram superar os problemas metodológicos da dissimi-laridade (problemas de grade e do tabuleiro de xadrez), introduziram medidas “abstratas” (irreais) de aglomeração, como a distância entre os “centróides” das áreas geoestatísticas. A contigüidade, característica essencial da segregação, não é captada por esses índices. Esta é uma razão adicional para se preferir trabalhar com a informação de composição social em nível de áreas, isto é, mais com a dimensão 2 do que com a dimensão 1 da segregação.

Mas há mais. A segregação tem uma dimensão subjetiva à qual atribuímos importância fundamental na geração de problemas de desintegração social; para captá-la, seria melhor não abandonar o critério da contigüidade em nossa defi nição operacional de segregação. As áreas distintas de cada cidade têm uma carga simbólica forte, como áreas pobres, da classe média ou da classe alta, imagens que persistem ainda que existam famílias e grupos inseridos nessas áreas, os quais, aparentemente, não pertencer socialmente a elas.

iii) Finalmente, a estratégia iterativa procuraria delimitar empiricamente a escala na qual a segregação espacial associa-se com mais nitidez aos pro-blemas que lhe atribuímos conceitualmente.

Assim, concederíamos tanta importância ao empírico como ao teórico, na caracterização do fenômeno. O estudo por meio de correlações e de modelos de regressão ajudaria a encontrar os tamanhos de áreas nos quais a segregação alcança maior capacidade de explicar os problemas que lhe atribuímos na teoria.

A defi nição empírica e conceitual da segregação seria o resultado da análise, não seu ponto de partida: empírica, porque saberemos com maior precisão a escala geográfi ca na qual a segregação, ou aglomeração espacial da população homogênea, tem os maiores efeitos urbanos; e conceitual, porque poderemos especifi car quais problemas urbanos aparecem associados mais claramente à segregação residencial.

O Quadro 1 mostra correlações “em anel” entre problemas sociais e segregação de dimensão 2 em bairros populares de Santiago para o ano 2002. As correlações estão em nível de zonas censitárias, inicialmente, e, a seguir,

188 MEDIÇÃO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

por anéis. Os anéis são áreas formadas pela zona censitária sob análise e pelas áreas de seu entorno. A variável independente (a porcentagem de do-micílios populares na área) é calculada em anéis sucessivos. Por outro lado, as variáveis dependentes sempre se calculam com relação à zona censitária. As variáveis consistem da porcentagem de chefes de família desempregados, de jovens inativos, de jovens desempregados e de mães solteira jovens, todos no universo dos domicílios populares da área.

Podemos observar que as correlações são signifi cativas para algumas destas variáveis, especialmente o desemprego do chefe de domicílio, e que elas se mantêm altas ao se aumentar a escala de análise, ou até mesmo au-mentam (o caso da inatividade juvenil). Se trabalhássemos a quadra como unidade básica de dados, poderíamos construir uma sucessão de anéis menos grosseira e examinar com maior precisão o efeito de escala. Trata-se de uma tarefa a ser realizada.

O Quadro 2 fornece análise semelhante, mas com informações sobre tempos de viagem e renda monetária dos domicílios, obtidas da Pesquisa de Origem e Destino de Viagens, de 1991. A correlação entre segregação da di-mensão 2 e tempos de viagem foi mais alta na área defi nida pelo segundo anel de “áreas da origem e destino de viagens”. Por isto mesmo, com relação a este fenômeno particular, a segregação apresentava-se em uma escala geográfi ca especialmente alta.8 A homogeneidade social do espaço em grande escala determinava viagens muito amplas para encontrar qualquer coisa diferente de grupos populares, ou de espaços urbanos precários.9

Conclusões

O estudo estatístico da segregação urbana residencial é quase inexistente na América Latina. À primeira vista, parece que não se tem consciência da importância do fenômeno, especialmente de seus efeitos mais recentes de desagregação social. Na realidade, para muitos investigadores latino-ameri-canos, as medições da segregação nunca foram importantes. É tão óbvio que sociedades tão desiguais devam, inevitavelmente, expressar-se em cidades marcantemente segregadas que as medições acima parecem desnecessárias. E, nos tempos atuais, parece óbvio que a segregação residencial, entendida de uma maneira geral e imprecisa, esteja aumentando com a globalização das economias e com as crescentes desigualdades sociais a ela associadas. Para que medi-la, se sabemos o que iremos encontrar?

8 As áreas de origem e destino da Pesquisa de 1991 foram até mesmo maiores do que as áreas do Censo de 1992. Enquanto as primeiras tinham um tamanho médio de 1.918 domicílios, as últimas só cobriram 1.401 deles.9 Sobre este estudo, cf. Sabatini; Cáceres; Cerda (2001), publicado em português.

189FRANCISCO SABATINI E CARLOS SIERRALTA

Nosso ponto de partida é diferente. Consideramos a segregação residen-cial uma dimensão espacial da realidade social, não uma simples manifestação espacial desta última. Não é necessariamente negativa, ainda que normalmente o seja, especialmente na sua dimensão específi ca de homogeneidade social do espaço. Mantém relações complexas com vários fenômenos e processos, sejam eles sociais, como as desigualdades e a formação e defesa das identi-dades sociais; econômicas, como a distribuição da renda da terra; culturais, como as noções de “outro” que tanto condicionam a intensidade e o caráter das relações sociais na cidade; ou ambientais, como a formação de bairros com qualidade ambiental muito diferente.

Nestas páginas, fi zemos uma revisão crítica, certamente incompleta ou parcial, sobre a forma de medir a segregação, especialmente nos Estados Unidos. A crítica tem bases epistemológicas e teóricas, acentuando os desafi os apresentados pelas peculiaridades de nossas cidades latino-americanas.

As bases epistemológicas referem-se à relação complexa entre a coisa latente e a manifesta, entre o “social” e o “espacial”, um problema recorrente e central na sociologia urbana, assim como em outras áreas da investigação das ciências sociais. Argumentamos que vários problemas metodológicos do estudo da segregação enfatizados na literatura especializada são, na realidade, problemas epistemológicos mais profundos, conectados a perguntas de ordem teórica que nos conduziram à introdução de um novo conceito, o de escala geográfi ca de segregação.

A discussão que oferecemos é um convite a um trabalho que, embora apresente grande complexidade metodológica e teórica, mais cedo ou mais tarde terá de ser enfrentado, se quisermos saber mais sobre os processos importantes de segregação residencial que crescem em nossas cidades.

Uma das idéias centrais é que a segregação não é, de per se, um pro-blema ou fato negativo. Trata-se de um fenômeno que é parte integrante dos processos urbanos (não seu simples refl exo), e isto pode trazer efeitos tanto negativos como positivos. As conseqüências positivas da segregação são fáceis de se reconhecerem, quando os que se encontram segregados são grupos étnicos minoritários que dão lugar a bairros diferenciados que enriquecem a vida cultural e social da cidade. Mas também pode ser o caso de grupos pobres que, por causa da aglomeração espacial, ganham em capacidade organizacional e força política, melhorando a posição da negociação com o Estado e outros pólos do poder na sociedade.

Deste modo, a mera disponibilidade da estatística descritiva da evolução da segregação não é sufi ciente. Deveríamos avaliar criticamente essas es-tatísticas, para nos concentrarmos em saber que tipos de segregação acu-mulam conseqüências negativas e em que escalas geográfi cas tendem a se tornar mais fortes.

190 MEDIÇÃO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

Por outro lado, a dimensão subjetiva da segregação, aquela que dá lugar aos estigmas territoriais, um tipo de versão agravada dos estigmas sociais, ocupa um lugar-chave na tradução de um determinado padrão de segregação, com problemas de desintegração social e de sua culminação na formação de guetos urbanos.

É possível que, em relação à estatística, as correlações entre deter-minados indicadores de segregação e esses problemas sejam baixas, ou inexistentes, pelo fato de trabalharem com indicadores sem uma clara im-plicação ou ressonância subjetiva. Por exemplo, a participação da habitação popular (construída pelo Estado) na composição do parque habitacional de um bairro poderia ser mais importante do que a homogeneidade das ren-das monetárias dos lares em termos de prognóstico de problemas sociais. O fato de viver nessas habitações populares é uma espécie de rótulo sobre o qual se constroem os estigmas territoriais. Isto é o que nos sugere o trabalho da investigação que executamos, no momento, em várias cidades chilenas.

Desta forma, a superação de alguns estudos quantitativos simplesmente descritivos da segregação, que parecem se apoiar em suposições atomistas ou na idéia de que a segregação é necessariamente má, remete-nos a estratégias metodológicas diferentes. É necessário incorporar as dimensões subjetivas da segregação. O quantitativo deve ser complementado com estudos qualitativos de casos. E os projetos metodológicos, de caráter iterativo, devem ajudar-nos a especifi car o tipo e a escala da segregação que resulta mais lesivo para a integração dos diversos grupos de vida da cidade.

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Diagramas

Diagrama 1O problema da validade do índice de dissimilaridade

193FRANCISCO SABATINI E CARLOS SIERRALTA

Diagrama 2O problema do tabuleiro de xadrez

Diagrama 3 O problema da grade

194 MEDIÇÃO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

Diagrama 4Escala geográfi ca da segregação medida pelo índice de dissimilaridade

Diagrama 5Efeito de escala sobre o valor D

Santiago do Chile, 2002

195FRANCISCO SABATINI E CARLOS SIERRALTA

Diagrama 6Efeito de escala sobre DSantiago do Chile, 1992

Fonte: Sabatini; Flores; Sierralta; Wormald, 2006.

Quadros

Quadro 1Correlações simples entre segregação residencial e problemas sociais

Santiago, 2002

Correlação entre porcentagens de lares D e E em cada área y

Comunidade Distrito Área

Inatividade juvenil de pessoas E+D (15-24)* 0,902 0,722 0,567

Desemprego juvenil de pessoas E+D (15-24)* 0,57 0,284 0,177

Desemprego do chefe da família nos lares E+D* 0,79 0,847 0,626

Maternidade adolescente de pessoas E+D (15-19) 0,017 0,033 -0,011

Obs.: Dimensão 2 da segregação medida em escalas diferentes da análise, segundo as unidades censitárias. * Pearson. Duas fi las. Signifi cância de 0,01.Fonte: Sabatini; Flores; Sierralta; Wormald, 2006.

Quadro 2 Correlações entre segregação residencial e duração de

viagens diárias, segundo as formas de transporte e os anéis das áreas de origem e destino das viagens

Grande Santiago, 1991

AnelDuração

Todas as rotas Ônibus

0 -0,381 -0,519

1 -0,432 -0,649

2 -0,446 -660

3 -0,412 -0,59

Fonte: Sabatini; Cáceres; Cerda (2001); Pesquisa de Opinião Pública de Origem e Destino de Viagens, Grande Santiago, 1991.