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Destino de um Sheik The Sheikh’s Destiny Melissa James Bastou um encontro para três forças poderosas serem desencadeadas: o dever, o desejo e o destino... Com o seu reino devastado pela guerra, o sheik Alim El-Kanar está Ferido, sozinho e acredita que não há mais futuro para ele. Até Hana salvar sua vida e lhe devolver as esperanças. Como enfermeira, Hana considerou que seu dever estaria cumprido assim que Alim se recuperasse. Mas depois que ele se restabeleceu, pediu a Hana que o acompanhasse como sua esposa! Ela sabia que essa conduta não passava de um jogo de aparências, pois jamais poderia ser a mulher legítima de um sheik. Porém a força do destino mudou sua vida... Digitalização: Simone R. Revisão: Cassia

Melissa james o destino de um sheik (special 67)

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Page 1: Melissa james o destino de um sheik (special 67)

Destino de um SheikThe Sheikh’s DestinyMelissa James

Bastou um encontro para três forças poderosas serem desencadeadas: o dever, o desejo e o destino...

Com o seu reino devastado pela guerra, o sheik Alim El-Kanar está Ferido, sozinho e acredita que não há mais futuro para ele. Até Hana salvar sua vida e lhe devolver as esperanças. Como enfermeira, Hana considerou que seu dever estaria cumprido assim que Alim se recuperasse. Mas depois que ele se restabeleceu, pediu a Hana que o acompanhasse como sua esposa! Ela sabia que essa conduta não passava de um jogo de aparências, pois jamais poderia ser a mulher legítima de um sheik. Porém a força do destino mudou sua vida...

Digitalização: Simone R.Revisão: Cassia

Querida leitora,Um ambiente devastado

pela guerra está repleto de tristeza e solidão. Mas eis que daí pode surgir um verdadeiro amor, como foi o que aconteceu entre Alim e Hana. Ela salvou a

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

vida dele, além de fingir ser sua esposa. Mas quando o destino está em ação, não há mentira que não se tome realidade. Encante-se com este delicioso romance!

Boa leitura!Equipe Editorial Harlequin Books

Todos os direitos reservados.Proibidos a reprodução, armazenamento ou a transmissão, no todo ou em

parte.Todos os personagens desta obra são fictícios.

Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.

Título original: THE SHEIKH’S DEST1NYCopyright. © 2010 by Lisa Chaplin

Originalmente publicado em 2010 por Mills & Boon Romance

Arte final de capa: núcleo i designers associadosEditoração Eletrônica: SBNigri Artes e Textos Ltda.

Tel.: (55 XX 21) 2233 -8354Impressão: RR DONNELLEYTel.: (55 XX 11) 2148 -3500

www.rrdonnelley.com.br

Distribuição exclusiva para bancas de jornal e revistas de todo o Brasil:Fernando Chinaglia Distribuidora S/A

Rua Teodoro da Silva, 907Grajaú, Rio de Janeiro, RJ - 20563 -900

Para solicitar edições antigas, entre em contato com oDISK BANCAS: (55 XX 11) 2195 -3186 / 2195 -3185 / 2195 -3182

Editora HR Ltda.Rua Argentina, 171, 4Q andar

São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ - 20921 -380Correspondência para: Caixa Postal 8516

Rio de Janeiro, RJ - 20220 -971

Aos cuidados de Virginia [email protected]

PRÓLOGO

Estrada para Shellah-Akbar Norte da ÁfricaEstavam se aproximando dele. Era hora de acelerar.

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Alim El-Kanar mudou a marcha do carro que havia modificado especialmente para esse tipo de situação. Não ia deixar os homens de Shellah roubar os medicamentos e alimentos que levava para os aldeões que eles faziam sofrer, apenas para que seu comandante pudesse controlá-los e viver cercado de luxos. Não deixaria que o pegassem, muito pelo contrário. Quando Shellah visse seus homens como reféns, entregaria a Alim um resgate fabuloso.

Quando recebesse o resgate, então o mataria.Mas Shellah ainda não havia descoberto quem era Alim e ele apostava

sua vida nisso. Nem mesmo o diretor de Médicos para a África conhecia a verdadeira identidade do silencioso motorista de caminhão que realizava milagres com freqüência, levando medicamentos, comida e pastilhas purificadoras de água a vilarejos controlados por comandantes hostis.

Com uma identidade falsa e o turbante na cabeça, conseguia disfarçar seus traços conhecidos com segurança, permanecendo invisível para o mundo, exatamente como gostava.

A pessoa que fora um dia importava menos do que o que fazia hoje. Sempre deixava uma quantidade de medicamentos que durasse de seis a

oito horas em cada vilarejo. Então, quando os homens de Shellah iam buscar sua “parte”, a maioria já acabara.

Os aldeões não contavam a Alim onde guardavam os suprimentos, e ele não queria saber. Deixavam um pouco de pão, arroz e grãos à vista, para que os homens de Shellah ficassem satisfeitos com seu roubo. Esse tipo de controle fazia o comandante se sentir um leão entre ratos.

Até Alim, com todas as suas falhas, seria um líder melhor...Não pense nisso. Diminuiu a marcha. Colocara pneus de rali em seu

caminhão para que pudesse voar sobre as pedras e os buracos abertos na estrada. Também tinha uma jaula de proteção dentro da cabine, parecida com a que tinha quando ainda era o Sheik Corredor.

No passado, orgulhara-se do apelido. Agora, sentia raiva só de pensar. Sua fama e vida nas pistas morreram no mesmo dia em que seu irmão falecera. Atualmente, corria apenas com caminhões repletos de suprimentos para vilarejos destruídos pela guerra. E, embora o termo “sheik” estivesse tecnicamente correto, era um privilégio que perdera após a morte de Fadi. Era um honra que não merecia. Em sua ausência, seu irmão mais novo Harun tomara seu lugar, casando com a princesa prometida a Fadi. Harun governava o povo de seu principado, Abbas AL-Din, o leão da fé, há três anos, e estava fazendo um trabalho brilhante.

Pensar em seu lar lhe despertava uma dor familiar. Alim adorava voltar para casa.

Habib Abbas cantavam todos. Leão amado. Todos se orgulhavam de suas conquistas.

Embora o povo quisesse seu retorno, sabia que ser bem-nascido, achar petróleo ou ser um bom piloto de corrida não fazia dele um verdadeiro líder. Força, bom senso e coragem sim, e Alim perdera essas qualidades com a morte de Fadi, junto de seu coração e boa parte de sua pele. Sobraram força e coragem suficientes apenas para se arriscar por aldeões africanos. O reconhecimento que recebia era silencioso, exatamente como queria.

Rosnou ao sentir uma coceira dolorida nas cicatrizes que cobriam mais da metade de seu corpo. Coçar era pior. Assim que tivesse um minuto, assim que

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despistasse aquele bando, teria de passar um pouco de seu último creme para aliviar aquela sensação. E conseguiria despistá-los, afinal não era mais Habib Abbas, ou o Sheik Corredor, mas ainda era hábil.

Pare! Pensar nisso só piorava a coceira é a dor no coração que o acompanhava dia e noite. Fadi me desculpe!

Concentrou-se em sua tarefa ou acabaria batendo. Olhou, pelo retrovisor. Ainda mantinha a mesma distância, longe o bastante para não conseguir acertá-lo com precisão.

Infelizmente, não havia nada que pudesse fazer nesse terreno, como jogar óleo na pista para eles derraparem. A areia absorveria tudo antes que os inimigos se aproximassem.

Mas precisava fazer algo ou o seguiriam até Shellah-Akbar e roubariam os suprimentos. Poderia usar o sinalizador de emergência de algum modo?

A mente de Alim voava. Se acrescentasse o pó químico de alcatrão que usava para que os pneus não derrapassem na areia ao sinalizador e explodisse na direção deles, talvez funcionasse.

Estava, acostumado a dirigir com apenas uma mão no volante, ou com os pés.

Colocou uma pedra no acelerador e dirigiu com os pés enquanto abria o sinalizador com muito cuidado.

Estava se aproximando do cruzamento de entrada do vilarejo. Tinha de destruí-los agora ou, independentemente de seus métodos para escapar, eles saberiam para onde estava indo. Nesse caso, poderiam usar os telefones via satélite para chamar reforços, levando mais de cem bandidos ao vilarejo antes do anoitecer, exigindo sua parte dos suprimentos.

Despejou o pó com as mãos trêmulas. Deixaria comida e suprimentos suficientes para trás, para que o comandante não liquidasse seus homens pelo fracasso. Não sabia se isso fazia parte da solução ou se apenas perpetuava o problema, mas, neste continente, onde a vida humana era mais barata que água potável, cada um só tinha uma chance de sobreviver, e Alim se recusava a carregar mais arrependimentos nas costas.

Segurou o volante ao se aproximar do cruzamento e virou o caminhão para a extrema esquerda, afastando-se de todos os caminhos. Ótimo, o vento estava mudando!

Abriu o teto solar e acionou o sinalizador. Contou até sete e pisou fundo no acelerador.

O caminhão disparou para frente e para a esquerda, deixando a explosão para trás. O ar atrás dele foi tomado por uma suave nuvem azul, que ficou cada vez mais espessa e escura, cheia de componentes químicos. Ouviu os gritos e as batidas dos jipes uns contra os outros. Consegui! Não olhou para trás para se certificar.

Largou meia dúzia de caixas de suprimentos de segunda que guardava especialmente para essas ocasiões. Eles iriam encontrá-las quando á reação química passasse e voltassem a enxergar. A explosão não causaria nenhum dano permanente à retina, apenas ao orgulho deles. Quando estivessem recuperados, devido à mudança do vento, todos os rastros dos pneus já deviam ter sido ocultados. Teriam de se separar para encontrá-lo, e, quando chegassem ao vilarejo, ele já teria ido embora há muito tempo.

Então ouviu um barulho. Uma pancada forte dominou o caminhão, que, com um solavanco, pendeu para a esquerda.

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A cabeça de Alim bateu na janela com uma força impressionante. Seus olhos ficaram cheios de sangue. Um dos pneus especiais para o deserto havia furado. Ou um dos capangas não fora cegado pela explosão ou dera o melhor disparo de sua vida, furando o pneu traseiro de Alim. O único problema do pneu especial era que precisava de um equilíbrio perfeito. Sem um deles, o caminhão já era.

Não podia desmaiar agora ou morreria, assim como o povo de Shellah-Akbar. Parou o caminhão e acionou o equalizador. Quando o caminhão inclinou, os, quatro enormes air- bâgs externos o fizeram voltar à posição. Pegou seu rifle e atirou nos dois pneus do lado do passageiro, mas precisava esperar até que o caminhão estivesse inclinado para a direita para furar o pneu que faltava.

O caminhão atingiu o chão com força, enquanto uma nuvem preta o envolvia. Alim engatou a primeira e partiu em disparada. As pedras e a areia destruiriam a câmara de borracha que usava para proteger o aro em caso de emergência, mas poderia percorrer mais que os dez quilômetros que faltavam até o vilarejo para então trocar pelos estepes, que, no entanto, não eram modificados. Seria um milagre voltar até o campo de refugiados Compaixão Humana, 260 quilômetros a sudoeste, mas chegaria até um ponto onde outros pilotos poderiam resgatá-lo.

Precisava chegar ao vilarejo; ia desmaiar a qualquer momento. O sangue jorrava de seu ferimento, e sua pressão caía a cada segundo. Se conseguisse colocar o caminhão na direção correta e acionar o piloto automático... Segundo a bússola e o GPS, era só seguir em linha reta.

Acertou o localizador de emergência em seu telefone via satélite. Sua única esperança era que a enfermeira que conhecia em Shellah-Akbar estivesse com o receptor ligado.

Segurando sem forças o volante, passou a segunda marcha, recolocou a pedra no lugar e deixou-se cair para frente.

O caminhão chegou a Shellah-Akbar 17 minutos depois.Havia uma mulher ao volante. Ela saíra correndo da tenda médica ao

receber o sinal de emergência. Era a única com total experiência médica. Pegou uma bicicleta velha e foi ao resgate o mais rápido possível, enquanto Abdel, o maratonista do vilarejo, a seguia para voltar trazendo a bicicleta. Com o caminhão ainda em movimento, parou ao lado da porta do motorista, largou a bicicleta para Abdel, abriu a porta e pulou para dentro.

Deitado ao seu lado, com a cabeça em seu colo, estava o motorista, inconsciente.

- In-sh’allah - suspirou, recitando as palavras de uma oração que aprendera na infância: uma oração que não a livrara de todo o mal, mas que poderia ajudar Deus a sorrir para esse homem corajoso.

Ele não ia morrer. Não hoje. Não se pudesse evitar. - Leve o motorista para a minha cabana e livre-se do caminhão - gritou

Hana al-Sud para dois aldeões em suaíli. - Não cozinhe a comida. Dê pão para quem mais precisa e enterre o resto na cova de Saliya.

- A fruta vai perder as vitaminas, Hana - protestou sua assistente. - Uma semente pode ser encontrada em segundos - respondeu com calma,

apesar da urgência da situação e das rápidas batidas de seu coração. - Podemos desenterrar tudo à noite para dar às crianças sem perder o valor

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nutricional. Faça isso, Malika, por favor! E elimine qualquer vestígio dos rastros de pneu.

Um homem mais velho retirou o motorista do banco do passageiro, e o jovem mais vigoroso do vilarejo tomou o lugar de Hana ao volante. Os outros abriram a traseira do caminhão e descarregaram. Duas mulheres separaram os medicamentos e as ampolas de antibióticos e insulina em caixas, para enterrá-los. O futuro do vilarejo dependia de que todos trabalhassem junto e rápido. Eles chegariam, em minutos. Os telefones via satélite do comandante eram os mais avançados. E qualquer rastro de traição traria conseqüências insuportáveis para todos.

- Leve o motorista para a minha cabana. Ele é árabe - disse Hana, tensa, em suaíli. - Vou enfaixá-lo. Quando perguntarem, direi que é meu marido.

Em 15 minutos, parecia que jamais houvera um caminhão ali. Abdel o deixaria em algum lugar do deserto e retornaria a pé, seguindo as mesmas coordenadas. Era o único com o disfarce perfeito, pois era corredor de longas distâncias e almejava chegar às olimpíadas. Não seria estranho que não estivesse no vilarejo.

Na cabana, Hana deitou o doente num velho lençol. - Kit de sutura e um kit reesterilizado.Aquele bravo homem merecia mais, mas, se usasse os kits novos que ele

trouxera e não conseguisse escondê-los a tempo, os homens do comandante saberiam a verdade.

Tinha de pensar em todos os detalhes.Havia sangue em seu rosto e em sua camisa. - Haytham, eu preciso de uma camiseta limpa!Haytham era o marido de Malika e tinha o mesmo tamanho de Alim. Hana

tirou a camisa ensangüentada dele e jogou-a no fogo, deparando com as enormes cicatrizes que cruzavam o lado esquerdo de seu peito, ombro e barriga. Cuidaria disso depois. Agora, tinha de salvar a vida dele.

Olhou para o relógio. A experiência lhe dizia que tinha apenas cinco minutos para resolver tudo. Limpou o sangue de seu rosto e preparou-se para suturar a ferida.

Suturou o ferimento o mais rápido que pôde feliz por ser perto do cabelo, assim poderia cobri-lo, mesmo arriscando uma infecção. Não podia colocar uma atadura, ficaria muito visível.

Deu-lhe uma injeção de antibiótico entre os dedos do pé, como se fosse um viciado com as veias enfraquecidas. Ali os homens de Shellah jamais procurariam por sinais de feridas ou cuidados médicos.

- Enterre isso rápido - ordenou a Malika, que pegou os preciosos suprimentos e correu.

Hana tirou o grosso do sangue e da poeira de seu cabelo com um pano úmido e cobriu a ferida com o cabelo limpo e um pouco de maquiagem. Então tirou o lençol de baixo dele e jogou-o no fogo. Vestiu-o com a camisa limpa. A julgar pelo estado daquelas cicatrizes, ele já havia passado por diversas operações. Olhou para o relógio. Quatro minutos e 38 segundos. Nada mal. Olhou em volta, procurando vestígios de tratamento médico.

Nada, graças a Deus. Suspirou profundamente, aliviada, e finalmente olhou para o rosto de seu paciente.

- Não, não - sussurrou horrorizada.

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Ao correr para salvar aquele homem, sabia que ele fizera o impossível, mas o feito já não parecia ser mais tão impossível se ele realmente fosse quem achava que era.

Por favor, Deus, faça com que seja uma terrível semelhança física... Porque, se fosse ele, apenas com sua presença, traria muito mais perigo aos aldeões do que os suprimentos que carregava.

Até os capangas de Shellah o reconheceriam. A maioria dos homens gostava de esportes e dinheiro, e ele combinava as duas coisas. Usando um capacete, seu rosto estampava a imagem da equipe de corrida mais cara do mundo. Vencera o Campeonato Mundial duas vezes, trazendo riqueza e pesquisa para um país em dificuldades. Com o conhecimento químico e a mente analítica de um piloto de velocidade, encontrara reservas de petróleo e gás natural em um lugar onde poucos pensaram procurar.

- La! - murmurou ele, em devaneio. - La, la, akh! Fadi, la! Não, não, irmão! Fadi, não!

Horrorizada Hana ouviu as palavras em árabe, a língua de sua infância, clamando pelo irmão Fadi. Aquilo partiu seu coração, sabia como era perder alguém que amava.

Então, ainda mais atemorizada, ouviu-o contar em detalhes o que acontecera, incluindo a mistura de componentes químicos usados para cegar os homens de Shellah.

O belo rosto bem esculpido, as marcas recentes em sua face, as terríveis cicatrizes em seu corpo, até mesmo sua escapada milagrosa, tudo fazia sentido. Certamente recebera um treinamento intensivo na criação de compostos químicos e reagentes.

- Isso era tudo de que eu precisava - desabafou frustrada com o rosto delirante de Alim El-Kanar, o sheik desaparecido de Abbas AL-Din. - Por que não foi parar em qualquer outro vilarejo?

O ex-piloto continuou murmurando, descrevendo a bomba que fizera com o sinalizador.

No pior momento possível, o som de uma dezena de caminhonetes encheu o vilarejo.

Os homens de Shellah falavam árabe, assim como o homem deitado à sua frente.

Eles o identificariam em segundos e o seqüestrariam, exigindo um resgate milionário. E destruiriam qualquer vestígio do seqüestro. Em dez minutos, ela e seus amigos seriam implodidos: outra estatística para um mundo tão acostumado à violência.

Com sorte, sairiam na página vinte do jornal. - Fadi, Fadi, por favor, fique comigo irmão, Fique!Precisava fazer isso. Desculpando-se silenciosamente, Hana esquentou

um pano molhado no fogo e colocou-o sobre sua famosa feição para aumentar a febre que começava a arder sob sua pele. Esfregou-o para aumentar a temperatura de seus braços e suas pernas. Sua única chance era assustar os homens e mantê-los longe de seu herói.

E precisava silenciá-lo. Colocou os dedos sobre seu pescoço e pressionou a carótida, contando lentamente de um a vinte, até ele ficar inconsciente.

Devia estar sonhando, mas era o sonho mais doce; Alim sentiu a febre eriçando sua pele, fazendo a ferida em sua cabeça pulsar. Mas, ao abrir os olhos, ficou ainda mais confuso. Ainda estava na África? A cabana parecia

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bastante africana, com as janelas embaçadas e o fogo para cozinhar no meio do único ambiente da casa. O calor e a poeira diziam que continuava no continente negro.

- Onde estou? - perguntou à mulher de véu.Quando ela se virou e inclinou-se sobre ele, reconheceu o fruto de sua

confusão: os olhos daquela deusa não eram africanos. Metade do rosto estava coberto, mas os olhos verdes que não o fitavam, emoldurados por uma pele cor de oliva, definitivamente eram árabes. Eram belíssimos e lembravam sua casa, despertando uma dor em lugares que ela não desinfetara.

- Você está no vilarejo de Shellah-Akbar. Como se sente? - perguntou em árabe magrebino, um dialeto do Norte da África, parecido com sua língua materna, assustando-o com aquela familiaridade.

Ela era de sua região, embora tivesse um sotaque estranho. Alim não conseguia identificar.

- Estou bem, obrigado - respondeu intrigado, em árabe do Golfo Pérsico. Tinha a voz áspera se comparada àquela sinfonia.

Ela piscou, mas não estava flertando. Parecia à virgem mais tímida de sua cidade natal. Mas usava o véu de uma mulher casada e trabalhava ali como enfermeira. Alim se lembrou dela dando ordens aos outros em vários idiomas, incluindo suaíli.

Sua salvadora com olhos angelicais era uma mulher moderna, confiante ao dar ordens e segura demais de sua posição para ser solteira Ainda assim, escolheu usar o véu e se recusava a encará-lo.

Devia ser casada com o medico do local.Fazia tanto tempo que não via uma mulher se comportar dessa forma que

quase esquecera a sensação de tranqüilidade que isso passava: mulheres fiéis de fato existiam, embora não fossem comuns no mundo das corridas.

- Agora, por favor, pode me contar a verdade?Aquela exigência rigorosa fez seus devaneios sobre a virgem angelical se

estilhaçarem. Alim olhou para cima e viu-a franzindo o cenho enquanto inspecionava sua ferida.

- Está infeccionado - murmurou Hana, examinando-o.Ele inspirou o aroma feminino de lavanda. - Desculpe-me. Tive de cobrir as suturas com maquiagem e com o seu

cabelo, e fazer sua febre subir para que os homens de Shellah acreditassem que você estava gripado.

- Já passei por coisas piores. - Alim sentiu um lampejo de recriminação naqueles olhos amorosos e em sua voz musical. - Foi você que veio até o caminhão - murmurou.

Lentamente, ela assentiu.- Levei algum ponto?Outro aceno com a cabeça, curto e furioso. Era estranho, mas ele quase

conseguia ouvir os pensamentos e as emoções que ela tentava ocultar. Parecia que algo dentro dela cantava para ele em silêncio, pedindo para ser entendido.

Talvez estivesse tão distante e saudosa de seu povo quanto ele. Por que estaria aqui?

- Posso saber o nome da minha salvadora? - perguntou ele num tom neutro, sem evocar a estranha ternura que ela lhe despertava.

A hesitação era palpável. Alim ficou com pena.8

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- Se seu marido...- Não tenho marido. - Suas palavras perderam a musicalidade, eram

curtas e frias. Virou-se de costas, e ele ouviu uma embalagem rasgando.Alim fechou os olhos, maldizendo-se por não ter entendido desde o

princípio. Fazia tanto tempo que não lidava com uma mulher da sua religião que quase esquecera: apenas uma viúva viria para um lugar desses, alguém que não tivesse família para protegê-la. Ela era muito jovem para tal perda.

- Perdão.Ela deu de ombros e concentrou-se na ferida. - Por favor, fique parado. Se quiser que seu ferimento melhore, e tem de

melhorar antes que os homens de Shellah voltem, preciso limpá-lo novamente.Alim devia saber que ela não cuidaria de um homem dessa forma se fosse

casada, a menos que fosse esposa de um ocidental. Mas, nesse caso, não usaria o véu, que lhe caía muito bem.

Ela caminha belamente, como a noite. Ou como uma estrela ao amanhecer...

- Obrigado por salvar minha vida sem valor, Sahar Thurayya - agradeceu.Ela arqueou a sobrancelha ao ouvir o título recebido, estrela da alvorada,

já que se recusava a lhe dizer seu verdadeiro nome, mas continuou cuidando dele sem falar.

- Meu nome é Alim.Essa migalha de verdade não representava risco algum. Muitos homens

em seu país tinham esse nome. Agora, a educação exigia que ela se apresentasse.

- Embora estrela da alvorada seja mais bonito, meu nome é Hana - disse calmamente.

Hana significava felicidade.- Acho que estrela da alvorada se encaixa melhor à mulher que você se

tornou. - Você me conhece há dez minutos e já se considera capaz de me julgar? -

disse, sem fitá-lo.Ela estava com a razão. Apenas por estar ali, longe de seu povo, e por ser

radiante em todas as formas de beleza, exceto a felicidade, ele não tinha o direito de julgá-la.

- Perdoe-me - disse com seriedade no dialeto de sua terra natal.- Por favor, pare de falar - sussurrou ela.Somente então ele reparou nos suaves tremores de suas mãos. A

presença dele e ò idioma em comum ardiam em seu coração, tanto quanto no dele. Alim fechou os olhos e deixou-a trabalhar em paz, respirando aquele aroma de lavanda.

Ela ainda não queria arriscar usar os medicamentos que ele trouxera.- Onde está meu caminhão? - perguntou Alim quando ela estava quase

acabando.- Abdel levou-o a um local distante. Os aldeões eliminaram qualquer traço

das marcas de pneus que os trouxessem a nós. Não se preocupe, ele vai escondê-lo bem e depois lhe passará as coordenadas exatas para buscá-lo quando estiver se sentindo melhor.

- Quem sou eu? - indagou Alim, despertando nela um olhar atônito. - Para os homens de Shellah, quando vieram? Quem você disse que eu era?

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Novamente, os dedos dela ficaram trêmulos. A agonia da indecisão corria em ondas sob sua pele.

Ele aguardou em silêncio. Parecia que a última coisa que Hana queria era ouvir sua voz, já que seu sotaque a fazia lembrar algo que não tinha mais, embora ele se perguntasse por que ela não estava em casa com seu povo, por que sua presença a incomodava tanto.

Colocou o último curativo sobre a ferida e afastou-se. - Quando vieram, eu estava de burca para pensarem que era casada.

Quando não podem ver, há menos tentação. Você sabe como é a vida aqui.De novo intrigado por essa mulher e sua aceitação prosaica do lado mais

cru da vida, ele assentiu. - Quando entraram, acharam que você era meu marido. Mesmo

inconsciente, sua presença inspirou respeito por mim e me protegeu de seqüestro ou estupro, pelo menos por enquanto - concluiu bruscamente.

Ela havia se arriscado ao socorrê-lo em seu caminhão, e repetira a dose ao tratá-lo em sua cabana, e fingir que ele era seu marido. Alim lhe devia a vida pelo menos duas vezes.

Lentamente, com a mesma delicadeza que teve para criar seu coquetel explosivo, ele disse:

- Sou privilegiado por ser seu marido fictício, Sahar Thurayya. Ficaria ainda mais honrado se confiasse em mim enquanto eu estiver aqui. Não vou demorar muito mais.

Ela voltou até a cama com um copo de água. Deu um gole e entregou-o a ele, que bebeu com os olhos fixos nela. O copo da paz: um sinal de respeito mútuo. Uma tradição à qual Alim nunca devotara atenção especial, mas, agora, fitando aqueles olhos corajosos e tristes, sentiu toda a honra daquele gesto.

Isso falava mais sobre ela do que saía de seus lábios. Era de Abbas al-Din, independentemente do idioma que falasse.

Seus olhos sorriam.- Obrigada.Ele reparou que ela não proferiu seu nome e que ainda mantinha certa

distância. Para Hana, a confiança era obviamente algo conquistado. Alim perguntou-se quanto isso lhe custara no passado. Por que uma mulher com um sorriso tão dolorido arriscaria sua vida e sua virtude num lugar onde ninguém viveria se tivesse escolha?

- Você ainda não pode ir embora. Eles sabem que os suprimentos foram para algum lugar, e você é o único estranho no distrito. Shellah deve ter uma dúzia de homens em cada saída do vilarejo. Eles vieram aqui várias vezes nos últimos meses e levaram mais da metade da nossa colheita de milho para alimentar os soldados - disse amargamente. - Com um estranho na vila, vão passar semanas nos observando. - Parecia tensa ao continuar. - Então agradeço sua promessa, já que teremos de dividir a mesma cabana, como marido e mulher. E só há uma cama.

Ele engasgou com o último gole. Tossindo, virou-se para ela. Mesmo com a cabeça latejando e os olhos ardendo, sabia onde ela estava. Conseguia distinguir o som de sua roupa. Todos os seus movimentos pareciam repletos de vida, luz e beleza.

Ela emitiu um ruído angustiado ao continuar:

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- Lamento, mas não podemos trazer uma cama extra; os homens de Shellah podem aparecer no meio da noite ou fazer uma investida surpresa. Assim, teremos de dormir na mesma cama ou poderemos levantar suspeitas. E, por aqui, a suspeita é eliminada com um ataque armado.

Alim fitou suas costas, obstinada, recusando-se a encará-lo. Pensou em todos os dias de sua vida adulta que passara tentando evitar esse tipo de intimidade, usando a morte de sua jovem esposa, dez anos atrás, de quem gostava, mas que jamais amara como desculpa para não exercer seu dever e se casar novamente. Pensou em sua carreira como piloto, viajando de um lado para o outro, sem se estabelecer em lugar algum, sem se dar a chance de viver. Mesmo agora, não estaria tentando se esconder?

Então sorriu. E o sorriso se transformou numa gargalhada. - O que é tão engraçado? - Hana virou-se ao ouvir a primeira risada.Seu véu escorregou, revelando lábios lascivos, contraídos de indignação.

Seus olhos brilhavam de fúria, e sua voz parecia uma cascata. Seu rosto, completamente revelado, era harmoniosamente glorioso.

Era a primeira vez que Alim ria em três anos e, depois que começou, descobriu que não conseguia mais parar.

- É tão... É tão absurdo - disse entrecortado pelo riso.Hana endireitou os ombros e olhou-o nos olhos pela primeira vez, com

desdém. Cada traço de sua bela feição refletia desprezo.- Talvez pareça ridículo para você, mas, se for para salvar a vida de cem

pessoas, e imagino que se importe com elas, já que arriscou sua própria vida trazendo alimentos e remédios até aqui, vou seguir em frente com esse absurdo. A pergunta é: e você?

CAPÍTULO DOIS

- Por que você tem esse sotaque estranho? - perguntou o sheik, com um tom abrupto ao mudar de assunto, mas com os olhos verde-escuros brilhando de curiosidade. - Você não morou nos Emirados a vida toda.

Hana sentia-se dessecada sem bisturi. Não conseguira enganá-lo ao falar magrebino.

Durante os seis meses em que estava no vilarejo, nenhuma conversa fora tão repleta de perigo. Se ele soubesse a verdade sobre sua salvadora, poderia acabar com sua liberdade num piscar de olhos.

O coração de Hana batia rápido ante a perspectiva de dar uma explicação, mas milhares de meninas árabes moravam na Austrália. Não havia muita gente de Abbas al -Din vivendo em Perth, claro, mas era o suficiente para que não fosse facilmente reconhecida.

Então riu de si mesma. Era ridículo achar que Alim El-Kanar se importaria a ponto de revirar seu passado! Não era esse tipo de informação que precisava esconder, não era por isso que se afastara de seu povo.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- Nasci nos Emirados, mas morei na Austrália desde os 7 anos - respondeu.

- Ah! - Ele se recostou nos travesseiros.Ela mal notara como Alim estava tenso.- Não conseguia identificar o som nasalado. Fala inglês fluente? -

perguntou ele, mudando de idioma sem sobressaltos.Ela assentiu, respondendo em inglês:- Morei lá dos 7 aos 21 anos e freqüentei escolas de língua inglesa.Ele sorriu.- Você tem um sotaque totalmente australiano falando inglês.Ela riu.- Acho que é assim que me vejo. Meu pai... - Havia praticado tanto que já

conseguia dizer “pai” sem engasgar -... Recebeu uma proposta para trabalhar na indústria de mineração. Ele era minerador, mas economizou o bastante para ir à universidade e se tomar engenheiro. Então era um profissional completo... - Aí já é informação demais! Hana fechou a boca.

- Entendo por que qualquer grande empresa de mineração ia querer alguém como ele.

Ela havia começado, agora tinha de terminar, ou o sheik se lembraria daquela conversa muito depois de ter ido embora. Hana forçou um sorriso e continuou:

- É a proposta financeira era tão boa que ele achou que seria irresponsável com sua família se não aceitasse. Depois de um tempo morando lá, ele e minha mãe julgaram que seria melhor se mantivéssemos a nossa cultura, mas conhecêssemos e respeitássemos aquela em que vivíamos. Não morávamos longe de outras famílias árabes, mas tínhamos aulas de islamismo e íamos ao colégio local. - Acabara de falar sobre si, mesma, mais do que fizera em anos. Calou-se.

Depois de uma breve pausa, o sheik, não conseguia pensar nele de outra maneira, disse:

- Se seu pai trabalhava em mineração, você morava no interior? Kalgoorlie ou Tom Price, talvez Kimberley Ranges?

- Nós não, apenas ele. Minha mãe, minhas irmãs, meu irmão e eu morávamos em um subúrbio de Perth. Meu pai, em Kalgoorlie, e voltava para casa às sextas-feiras. Queria que morássemos perto... Das comodidades - respondeu com o coração aos solavancos.

O sheik assentiu. Ela viu nos olhos dele que percebera a omissão da palavra mesquita.

O simples pensar nessa palavra era doloroso. Hana não podia entrar numa mesquita sem que as pessoas se perguntassem quem era ou de onde vinha, e não podia mentir não num lugar sagrado.

Então não freqüentava mais.- Você sempre usou burca? - perguntou ele gentilmente, dando a entender

que respeitava seus segredos, seu direito de não responder.- Não. Sou de família sunita moderada. Uso como proteção. - Deu de

ombros. - Na maior parte do tempo, Shellah é gentil conosco. Mas pode aparecer sem avisar. Já mandou homens me perguntarem se tenho marido ou se posso me revelar para que vejam se sou jovem e bonita o bastante para ele.

Shellah podia ter 62 anos, mas era um homem de paixões fortes. Embora tivesse duas esposas, acumulava amantes, e eram elas que o satisfaziam.

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Desde que fora alertada sobre Shellah, Hana mantinha a burca como uma armadura e usava sua falsa aliança como um talismã. Dizia que seu marido estava viajando e que logo estaria de volta.

Seu tempo ali estava se esgotando. Agora que dissera que o sheik era seu marido, Shellah esperaria que ela fosse embora junto com ele. Do contrário, seu disfarce estaria comprometido. Tinha duas mochilas prontas, enterradas sob a cabana, para que desaparecesse assim que fosse necessário. O campo de refugiados mais próximo ficava a 260 quilômetros, mas ela sabia onde encontrar plantas comestíveis, cheias de água, no caminho. Com dois ou três cantis, algumas pastilhas purificadoras de água, três dúzias de barrinhas energéticas e uma bússola, ela poderia caminhar à noite e chegar lá em 14 dias.

Já fora usada por um homem uma vez. Preferia morrer a deixar isso acontecer de novo.

O sheik assentiu como se entendesse seu silêncio. Talvez entendesse se estivesse no Sahel há bastante tempo.

- Você cresceu nos Emirados?Ela viu naqueles olhos escuros que ele havia percebido que voltara ao

idioma materno. E o sheik a analisava como uma de suas equações químicas.- Foi. - Uma resposta curta e sem emoção, escondendo um mundo de

infortúnio por trás de uma fina cortina, pronta a se despedaçar. Serviu o chá que preparara para febre. - Lamento não ter mel para adoçar, mas vai aliviar sua dor.

Ela viu seu olhar surpreso. Ele não ia mais perguntar, e ela não continuaria oferecendo informações sobre sua vida.

- Beba tudo.Alim assentiu e pegou a xícara de suas mãos. Seus dedos se encostaram,

e ela sentiu um arrepio percorrer seu corpo.- Você não diz o meu nome.Ela inspirou para controlar o tremor em suas mãos.- Você é um estranho, mais velho que eu e arriscou muito para ajudar

nosso vilarejo. Eu lhe devo respeito.- Não tenho nem dez anos a mais. E lhe disse meu nome - completou-o

esvaziando a xícara.Ela percebeu uma pitada de irritação, revelando que ele não gostara de

ouvir que era mais velho. Disfarçou um sorriso.- Você me disse seu nome, mas eu escolho se vou usá-lo ou não. - Hana

pegou a xícara de volta, sem procurar ou evitar o toque. Assim como não procurava ou evitava seu olhar. Era um truque que sua mãe lhe ensinara. Tudo o que você der para um homem, ele pode se negar a devolver, Hana. Então dê o mínimo possível, inclusive um olhar, até que tenha certeza do tipo de homem que ele é.

Fora um bom conselho, até conhecer Mukhtar.- Não gostou do nome que lhe dei Sahar Thurayya?Ela lavou a xícara e pendurou-a no gancho, na parede.- Quero ver se fará jus a ele.Hana não disse nada com relação àquele apelido poético, mas um arrepio

percorria seu corpo sempre que o ouvia repeti-lo. Precisava segurar a respiração ao vê-lo sorrir com os olhos ou ao sentir seu toque. Passara quatro

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horas com esse homem, três das quais ele estava inconsciente, e já sabia que corria perigo.

- Então eu devo fazer jus ao meu nome? Sem fitá-lo, ela podia ver seu rosto, belo mesmo machucado, brilhando de

alegria, como quatro anos atrás.- Meu irmão sempre dizia que tenho o nome errado. Alim significa

esperto, instruído. Hana não perguntou por quê.- Parece que nós dois recebemos nomes errados - acrescentou ele com um

tom risonho, querendo que ela interpretasse aquilo como uma piada.Hana significa felicidade.Eu costumava honrar meu nome, pensou ela, saudosa. Quando estava

noiva de Latif prestes a ser sua esposa, era uma mulher feliz.Então Mukhtar, o irmão mais velho de Latif, entrou em sua vida, e Latif

lhe mostrou o quanto valiam seus sonhos de amor e felicidade.- Preciso examinar meus outros pacientes - disse Hana calmamente.Certificando-se de que o véu a cobria, ela caminhou sem pressa até a

tenda médica. Doía andar mais rápido, já que torcera o joelho ao subir no caminhão.Alim a seguiu com o olhar até ela desaparecer.Alim continuou fitando a porta, mesmo depois de ela desaparecer.Hana não chamava atenção de maneira alguma, muito pelo contrário,

inclusive por causa do traje cor de areia, obviamente feito em casa. Movia-se o mínimo possível e não dizia nada muito importante. Certamente sua intenção não era parecer misteriosa. Ainda assim ele percebia uma emoção por trás de cada palavra cuidadosamente proferida, e viu a dor que lhe causou dizer que não combinava com seu nome.

Já havia sido uma mulher feliz, isso era óbvio. Mas algo acontecera para transformá-la na mulher que não via mais alegria em seu futuro.

Dentro dela, havia vida, embora vivesse num isolamento perigoso, numa zona de guerra, numa cabana sem comodidade, longe de sua família e dos amigos. Parecia uma rica fonte que não podia mais jorrar, uma estrela da alvorada sugada para o buraco negro.

Alim queria descobrir por quê.Como ficaria seu rosto se sorrisse com sinceridade? Como ficaria com o

cabelo solto, sem o véu?Os últimos raios do sol pintavam a areia de vermelho. Ele piscou, e sua

visão foi bloqueada por aquela silhueta. Aqueles tons a envolveram, fazendo-a parecer etérea, celestial, com uma beleza atemporal das mil e uma noites árabes, presa num labirinto, à espera de um príncipe para salvá-la.

- Precisa de mais analgésico? - Era uma pergunta banal, mas sua voz gentil e musical fazia parecer uma sinfonia.

Alim piscou novamente. Estúpido! Na certa abalara a parte do cérebro que criava poesia. Nunca havia pensado em nenhuma mulher assim e não sabia quase nada sobre ela.

Talvez seu fascínio viesse daí: ela não tentou impressioná-lo ou agradá-lo. Mas ele também não era nenhum Aladim. Se Hana precisasse de um príncipe, ele já não cumpria mais o papel. Caso contrário, iria se tomar um ladrão, roubando a honrada posição de seu irmão, devido a uma morte que ele mesmo causara.

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E se continuasse pensando nisso, explodiria. Era hora de fazer como Hana e manter seus pensamentos e a conversa em campo neutro.

- Sim, Hana, por favor.Obviamente estava sozinho havia muito tempo, mas, depois de três anos,

ainda não se sentia pronto para mostrar seu corpo a nenhuma mulher. Se nem ele mesmo era capaz de encará-lo sem repulsa, não poderia esperar que outra pessoa conseguisse, e ainda menos que o achasse atraente. No entanto, havia algo em Hana que pulsava dentro dele, atingindo sua alma.

Aquele belo rosto descoberto encheu seus olhos novamente, e ele piscou mais uma vez, sentindo-se cego não pelo sol, mas por ela. Era difícil respirar, e impossível falar.

Hana, no entanto, não parecia afetada pela proximidade. - Deixe o remédio debaixo da língua por um instante; assim o efeito é

mais rápido. Logo você se sentirá melhor, e, à noite, poderemos trazer um pouco de paracetamol.

Embora falasse com clareza, parecia que ela estava falando demais, mas não o suficiente. Falava de remédios para esconder o que realmente sentia.

Será que havia demonstrado, apesar de suas tentativas em contrário, que não conseguia parar de pensar nela? Alim travava uma guerra consigo mesmo. O desejo o fascínio e a resistência eram tão fortes que não era de surpreender que ela percebesse.

Então se deu conta de algo. Seu corpo não coçava desde que acordara e exalava um aroma de lavanda. Ela passara algo em sua pele enquanto dormia. Não apenas vira suas cicatrizes terríveis como cuidara delas.

A lembrança permanente de que matara seu irmão, seu melhor amigo...Sombrio, engoliu o remédio que ela lhe deu, desejando algo que o

apagasse de novo. Devolveu o copo sem encostar-se a ela. Ela não o queria, e tocá-la poderia

desencadear ventos de atração poderosos, que despertariam desejos capazes de fazê-lo querer coisas que não merecia.

- Obrigado - disse em inglês.O árabe era muito musical, tinha muita poesia, e não poderia escutá-la e

não se sentir comovido. Mas era impossível ela sentir o mesmo depois de ver seu corpo.

- Estou bem. Se quiser, vá ver os outros pacientes. Vou dormir agora.- Antes você deve comer. Não há de querer acordar faminto à meia-noite.Irritado com aquele bom senso e cuidado, Alim se virou na cama e

disparou:- Se quiser comer, eu peço Hana. - Usou um inglês frio para lembrá-la do

perigo de continuar se distanciando dele.Ela respondeu com uma reverência zombeteira:- Claro, meu senhor. Trarei sua comida à meia-noite, se esse for seu

desejo. - Não estava sorrindo, mas havia um brilho em seus olhos. E, ainda assim, não proferiu seu nome.

Hana saiu da tenda antes que ele se recuperasse da surpresa de ter sido zombado.

Observou enquanto ela se afastava seu corpo oscilando sob o manto, como numa dança.

- Hana! - gritou, antes que conseguisse impedir.- Sim, meu senhor - disse, virando o rosto.

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Embora aquilo pudesse ser uma continuação da implicância, ela franziu o cenho. O que sabia sobre ele?

- Desculpe - resmungou Alim. - Vou comer quando você achar melhor.Ela assentiu.- Uma concussão deixa qualquer um irritado. - E Hana desapareceu.Aquilo significava que estava perdoado por sua arrogância, ele

acreditava.Nunca fora tão arrogante com ninguém, e nunca perdera a cabeça diante

do desinteresse de uma mulher. Mas, após duas horas com Hana, tomara-se, um clichê, apaixonado por sua enfermeira, furioso porque ela não flertava com ele e pela falta de controle de seu corpo ao sentir aquele toque.

Fora traído, já que ela tocara seu corpo como enfermeira, não como mulher; vira-o como um paciente cheio de cicatrizes, que precisava de seus cuidados, e não como homem.

Quase rosnando, Alim socou o travesseiro, para deixá-lo mais alto.Era tarde da noite quando Alim acordou com uma exclamação abafada;

abafada porque uma das mãos cobria sua boca.- Nem uma palavra - sussurrou uma voz.A cama movia-se enquanto nádegas redondas e delicadas aconchegaram-

se em seus quadris. Estranhos movimentos para frente e para trás faziam a cama gemer.

A cabana estava imersa numa combinação de luz prateada e sombra. O aroma de lavanda inflamava seus sentidos. A sensação daquele corpo no seu o excitava. Será que Hana tinha um sabor tão doce quanto seu aroma? Seu cabelo estava solto e chegava até a cintura, caindo em ondas. Como um paradoxo, a mão que cobria sua boca o mantinha num silêncio cruel.

- O que está fazendo? - ele perguntou, num grunhido rouco.- Curvando-me - respondeu ela, num sussurro feroz. - Mandei que ficasse

quieto. Agora saberão que está acordado e vão querer saber por quê. Tire a blusa. - Ela se levantou e, enquanto ele tirava a blusa, deixou cair o traje, ficando apenas de baby-doll. - Deite em cima de mim e finja que está gostando.

Fingir? Assim que ele estivesse por cima, ela veria que aquilo não era um jogo.

Graças a Alá, embora ela já tivesse visto e cuidado de suas cicatrizes, não podia enxergá-las no escuro.

Momentos depois, ela arfou suavemente e fechou os olhos. Deitada imóvel sob ele murmurou:

- Faça sons de prazer.Ele gemeu. Movendo-se sobre ela, seu corpo resolveu lembrar a quanto

tempo não amava uma mulher. Queria aproveitar esse pretexto e chegar ao auge. No entanto, havia um toque de intensidade naquele murmúrio. Era mais do que esperava para aquela situação, e de uma viúva.

Fitou-a, emocionado com a beleza incandescente de seu rosto descoberto, com as ondas de cabelo que se espalhavam pelo travesseiro.

- Tudo bem, Hana, já fiz isso antes.- O quê? Já fingiu para assassinos antes? Que vida aventurosa a sua! -

murmurou, zombando dele.Fitando-a sob a meia luz, ele viu que seus olhos estavam fechados e um

brilho de suor corria por sua testa. Estava apavorada e tentava escondê-lo ao 16

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máximo. Mas do que tinha mais medo: do perigo que os cercava ou do estranho cheio de cicatrizes deitado sobre ela e pronto para a ação?

Seguindo os instintos que já haviam salvado sua vida diversas vezes, ele murmurou num tom íntimo e romântico, porém em inglês, para os homens não entenderem:

- Hana; só vamos até onde for necessário para enganar os homens de Shellah. Você salvou minha vida, e está salvando agora de novo. Não quero machucá-la ou impor nada.

Ela proferiu um gemido que não enganaria os homens de Shellah se pudessem ouvi-la. Manteve os olhos fechados.

- Obrigada. - Arqueou o corpo e emitiu um som apaixonado mais convincente.

Sentindo aquele corpo cheiroso e fluído contra o seu, ele quase esqueceu a promessa.

Então ela se contraiu e emitiu um som abafado, como se, se liberasse.- Alim - gritou, dizendo seu nome pela primeira vez. - Alim, meu amor, eu

senti tanto a sua falta!Momentos depois, um rosto surgiu na janela, e sua sombra bloqueou a luz

da lua.- Quem está aí? - perguntou Alim, em magrebino. - Queremos privacidade.A luz reapareceu, e a cabeça sumiu. Alim ouviu um sussurro numa

mistura de inglês e outra língua, mas não conseguiu distinguir. Falava todas as formas de árabe, francês, alemão e inglês, mas a cadência africana não era seu ponto forte.

- Suaíli - sussurrou ela, ainda tensa, embora sua voz tivesse voltado ao normal, mantendo uma distância entre eles. - Estão dizendo que Shellah, o comandante, não ficará contente com isso. Ele tinha planos para mim.

- Sei quem é Shellah.Todos que trabalhavam há mais de um ano no Sahel sabiam quem eram

os comandantes e até onde iam seus domínios.- Ele a quer? - grunhiu, quase em desespero. - Isso complica as coisas.- Ele me quer porque sou jovem e diferente da maioria das mulheres da

região, mas não sabe nada a meu respeito. Sempre estava de burca quando seus homens apareciam. Só viram meus olhos. - Deu de ombros. - Estou preparada para fugir. Posso ir esta noite, mas você não agüentaria. Precisamos esperar mais um dia.

- Não. - Ele entendeu as palavras não ditas.Shellah não pensaria duas vezes antes de matá-lo para possuir Hana uma

ou duas vezes e largar seu corpo na areia.- Precisamos sair daqui hoje. - Ele viu seus olhos preocupados.- Precisamos estar a muitos quilômetros antes que descubram que

sumimos, e você estava inconsciente poucas horas atrás. Febre e concussão não é brincadeira.

Comovido por sua preocupação, ele sussurrou:- Vou ficar bem. Ela fez um gesto impaciente.- Não, não vai, mas não temos escolha. Precisamos partir para o campo

de refugiados. Um avião chega às quartas-feiras. Hoje é quinta, e vamos levar quase duas semanas a pé. Devido a seus ferimentos, precisaremos de mais um dia, viajando à noite. Iremos levar analgésicos, um kit de sutura e água extra.

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- Se buscarmos o caminhão, não levaremos mais de quatro dias.- Está a sessenta quilômetros - disse ela, franzindo o cenho.- Vou conseguir - murmurou, rangendo os dentes.- Se for o que você diz... Agora, acho que pode sair de cima de mim.Alim ficou impressionado com aquele pensamento rápido e o

planejamento astuto. Seu respeito por ela cresceu ainda mais, embora estivesse extremamente

consciente daquele corpo nu sob o seu, sem sutiã, com a pele suada e o aroma suave.

Para Hana afastar-se foi quase um alívio; ela abraçou-se, na tentativa de cobrir o corpo.

- Meu amor - murmurou em magrebino, num tom íntimo - nós podemos levar apenas um velho kit de sutura e o chá de casca de salgueiro. Desculpe-me, mas enterramos os medicamentos novos. Não podemos arriscar desenterrá-los.

- Tudo bem. - Alim a abraçou, beijando seu cabelo. - Amo seu cheiro.Ela contraiu os lábios e ficou rígida em seus braços. Aquela confiança

crescente desapareceu.- Não é para seduzir. É para afastar moscas, mosquitos e outros insetos.

Escorpiões também não gostam deste aroma.A repulsa que ela demonstrou alguns segundos atrás fazia com que Alim

quisesse acabar consigo mesmo por ser tão estúpido a ponto de supor que ela poderia desejá-lo.

- Insetos e escorpiões. Querida, ninguém tem uma conversa mais romântica que você - disse com a voz arrastada.

Depois de alguns segundos de surpresa, ela começou a rir. Ficou aliviada, e ele sorriu, mas o som vivo de sua risada o machucou por dentro.

Então ela sussurrou:- Também tenho um creme de aloe e lavanda para suas cicatrizes. Parece

que você precisa de algo para aliviar a dor. Nunca concluiu a cirurgia plástica de que precisava, não é?

Hana arruinou a ligação entre eles ao mencionar sua deformidade. Ele se afastou, tentando não demonstrar como era difícil não tocá-la.

- Não. - Foi tudo o que conseguiu dizer.Como se tivesse ouvido seus pensamentos, ela se afastou.- Precisamos sair em uma hora. Só há uma saída do vilarejo que não

estará vigiada, onde ficam os cães selvagens. Será perigoso, mas normalmente eles dormem até o amanhecer. Há um pequeno caminho que podemos tomar bordeando um antigo córrego seco, onde haverá sombras para dormimos durante o dia.

- Tudo certo - respondeu ele perguntando-se se ela ficara enojada ao vê-lo nu e tratar suas queimaduras, como ninguém fazia desde que saíra do hospital particular em Berna, há três anos.

Fechou os olhos, apertando-os. Não era de espantar que estivesse tão fria, rejeitando o apelido de estrela da alvorada. Ele era um monstro que ousava olhar sedento para uma bela mulher que jamais possuiria.

Hana não era do tipo que permitiria que ele a tocasse apenas por causa de sua riqueza.

- Vou pedir para um dos homens da vila separar algumas roupas para você. Não podemos levar muita coisa. Precisamos de espaço para água e

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remédios. Tenho frutas secas e barras energéticas na mochila. Levaremos um cantil com chá de salgueiro para sua dor. Você terá de economizar.

Ele pensou com praticidade, escondendo o turbilhão de desejo e a aceitação daquela rejeição.

- Viajar à noite ajudará. Tenho ibuprofeno na mochila: Apenas uma dúzia de comprimidos, mas...

Ela se sentou na beira da cama.- Excelente. - Sorriu para ele, fazendo aquele coração se contorcer ao ver

seu olhar sem nenhuma piedade, apenas aprovação.Mesmo que fosse um sorriso de alívio por ele não gemer até o campo de

refugiados, Alim aceitaria. Aceitaria qualquer migalha de felicidade que ela oferecesse. E isso talvez significasse que não se sentia tão enojada.

Alim não sabia o que acontecera com ela que fizera desaparecer a mulher feliz que fora, mas teria, ao menos, uma semana para descobrir.

CAPÍTULO TRÊS

Eram quase três da manhã quando saíram da cabana. Luzes que brilhavam ao longe mostravam a Alim como o vilarejo estava sendo vigiado de perto.

- Precisamos nos mover em silêncio - alertou Hana. - Eles têm de acreditar que os aldeões não sabem de nada, apenas que meu marido apareceu sem avisar ontem e nós desaparecemos à noite. - Entregou-lhe algumas roupas. - Vista isso. Você precisa se camuflar.

Alim viu as roupas bege, sujas de terra e poeira, e sentiu ainda mais admiração por ela. Hana pensava em tudo.

- Pode virar de costas? - perguntou asperamente, ainda incapaz de esquecer a repulsa que ela sentira por seu corpo.

Hana assentiu e virou-se. Alim acreditou sentir uma onda de dó emanando dela, mas suas palavras práticas o fizeram se questionar se não era apenas fruto de sua imaginação paranóica.

- Não poderá usar suas roupas até sairmos do alcance de Shellah.Quando ele se virou para responder, ela tirou o traje rapidamente, e ele

não pôde respirar ao se lembrar de seu belo corpo curvilíneo de camisola.Engoliu a decepção. Claro que ela usava jeans, camiseta de manga

comprida e tênis! Não conseguia distinguir a cor deles na escuridão, mas provavelmente

eram marrons. Ela guardou a roupa na mochila e escondeu a trança debaixo de um boné também marrom.

Com a mochila nas costas, jogou-se no chão e começou a rastejar.- Vamos.Ignorando a dor latejante em sua cabeça e a febre que ainda não baixara,

ele se deitou e seguiu-a.Levaram trinta penosos minutos para sair dos limites do vilarejo e chegar

ao território dos cães selvagens. Alim seguiu Hana em direção à única saída 19

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possível, concentrado em apenas duas coisas: ficar em silêncio e tentar ao máximo não tossir ou espirrar. O lenço que usava sobre o nariz estava tão pesado de poeira que era difícil respirar. Suas cicatrizes coçavam e repuxavam.

- Molhe a bandana com o mínimo de água possível e torça - sussurrou ela, entregando-lhe um cantil. - Temos de rastejar até chegarmos ao leito do rio. Essa será nossa última chance de encher os cantis por cinqüenta quilômetros. Mova-se devagar e não deixe o suor pingar no chão. Não podemos fazer barulho ou emanar odores. Os cães não têm armas, mas podem acabar conosco em segundos.

Ele precisou lutar contra a maldita excitação com que seu corpo respondeu ao escutar aquelas palavras ao pé do ouvido. Assentiu e continuou a segui-la silenciosamente.

A hora seguinte foi uma tortura. Respirar através da bandana molhada, não se mover muito rápido, não tossir ou espirrar, não coçar, não transpirar, não fazer barulho. Ou virarei comida de cachorro. Precisava segui-la, mas queria ir à frente e protegê-la, embora soubesse que esse era o território dela. Apenas ela sabia como escapar do perigo.

Pela primeira vez na vida, Alim tinha de confiar em uma mulher numa situação fatal, mas, a julgar por tudo que Hana já fizera sem reclamar; sabia que era a única mulher em quem poderia confiar sem medo.

Finalmente, começaram a descer por um pequeno declive. A poeira ficou mais grossa, a terra, áspera, com a lama endurecida do riacho seco. Ao ouvir Hana suspirar, ele percebeu que haviam superado a primeira ameaça.

Alim tirou a bandana do rosto e inspirou profundamente, sem falar. Respirar nunca fora tão importante.

- Não tem água - entristeceu-se Hana. - Nossa missão ficou mais difícil, e você continua machucado. Tem certeza de que é capaz? Quando souberem que você sumiu, não haverá como voltar atrás.

- Vou conseguir - repetiu.Será que ela achava que ele não daria conta do recado só por causa de

uma pancada na cabeça e uma febre à toa?- Temos de virar para o norte assim que pudermos.Aquelas palavras dançaram no ouvido dele, fazendo seu corpo tremer

numa reação sensual.- Ainda faltam cinqüenta quilômetros até o caminhão.- Talvez seja melhor abandoná-lo e ir para o sul, em direção ao campo de

refugiados - sussurrou ele. - Caso tenham encontrado o caminhão, estarão esperando por nós.

- Você não conseguirá chegar ao campo com a concussão. A falta de descanso só será pior. E os territórios dos comandantes mudam quase diariamente. Se cruzarmos um limite invisível, você está morto, e logo eu também estarei, quando Shellah acabar comigo.

- Vamos levar mais três dias para chegar ao caminhão, e depois teremos de voltar. Aí serão 160 quilômetros cruzando linhas inimigas num caminhão nada discreto.

Ela o fitou com os olhos frios e calmos. Alim não sabia como aquela mulher podia afetá-lo tanto, mesmo coberta de poeira, usando roupas esfarrapadas e um boné imundo.

- Vamos.20

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O alívio extremo de poder se levantar e caminhar de novo o invadiu até se tomar uma dor de cabeça insuportável. Não disse nada até a parada seguinte.

Depois de tomar alguns comprimidos com água, ela disse:- Já caminhamos quase tudo que podíamos antes do nascer do sol. - Viu

que ele tentava se coçar discretamente. - Como está sua pele? Coçando com toda essa poeira?

Ele contraiu o maxilar e parou. Outro comentário: a Bela estava relembrando a Fera o que sentia por ele.

- Estou bem. - Não quero envergonhá-lo, mas você não conseguirá caminhar à noite se

os enxertos ou as queimaduras abrirem, sangrarem ou coçarem. Rastejamos por mais de cinco quilômetros. Certamente acabou se machucando.

- Disse que estou bem. - Foi mais ríspido do que ela merecia, mas não conseguia evitar. - Dê-me o creme, e passo quando precisar.

Hana suspirou.- Tem maneiras de passar o creme que aumentam a sensação de conforto.

Também pode ajudá-lo a dormir melhor. Vejo que não ficará à vontade se eu fizer, mas temos quatro dias de caminhada pesada pela frente, dormindo no chão e na lama, o que é pior para sua pele, e...

Alim ouviu os dentes rangendo, antes de dizer:- Não vai parar de falar até fazer do seu j eito, não é?- Acho que não - concordou, findo gentilmente.Parecia que havia um foguetório em sua cabeça, punhaladas de dor o

atingiam desde o pescoço até os olhos. Não conseguiria mais coçar as cicatrizes, nem que quisesse.

- Pode passar:Aquelas palavras pareciam ordens de um senhor para seu servo, mas ela

não reclamou.- Fique parado e feche os olhos. - Sua voz era gentil, penetrando sua

cabeça latejante com uma ternura suavizante.Alim a sentiu abrindo os botões de sua camisa. Oh, Deus, ajude-me a

evitar uma reação masculina a esse toque delicado. O sol estava começando a nascer.

- Ficar tenso não ajuda. Respire fundo, relaxe e me deixe cuidar de você.Ela podia estar falando com uma criança, mas aquelas mãos quentes e

úmidas contra suas cicatrizes em chamas, embebidas em óleos aromáticos, eliminou a capacidade dele de falar. Alim respirou fundo e sentiu a irritação abandoná-lo, deixando apenas a excitação.

- Isso, muito melhor. Lamento não poder usar água para tirar a sujeira, mas o óleo está ajudando. - Suas mãos eram mágicas, esfregando-o suavemente, movendo-se em lentos e longos círculos. Seus dedos passeavam sobre aquela pele, com vigor e delicadeza. - Esta solução tem cinqüenta por cento de azeite de oliva, quarenta por cento de pura essência de aloe e dez por cento de óleos de lavanda, alecrim e néroli. Faço dez litros por mês para vítimas de queimaduras ou cicatrizes. Tem um vilarejo com comércio livre a quarenta quilômetros do campo de refugiados que encomenda tudo de que preciso.

- Entendi.Ela podia estar recitando o alfabeto ou a lista telefônica, não importava.

Sua voz era como o canto da sereia, seu toque trazia um alívio doce, 21

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felicidade, livrando-o das amarras do movimento limitado e dando-lhe liberdade para levantar o braço enquanto ela o movia para massagear a pior parte das cicatrizes. Embora não fizesse ou dissesse nada que uma enfermeira não faria, fazia-o sentir-se homem novamente, porque o tratava como tal.

- Está se sentindo melhor? - perguntou ela delicadamente, parecendo estranha.

- Claro - murmurou completamente relaxado, como se estivesse flutuado.Hana observava seu corpo enquanto o massageava, e não sentia repulsa

alguma. Na luz rosada da alvorada, seus olhos pareciam mais profundos e delicados. Sua respiração estava mais rápida.

Então o fitou com as bochechas coradas e os lábios úmidos um pouco entreabertos num ar exuberante de surpresa. Em sua expressão, ele viu algo que nunca viu no rosto de uma enfermeira.

Era algo que nunca vira em mulher alguma. Aqueles belos olhos amendoados escondiam algo como uma languidez inocente, um desejo ardente. O bom e velho impulso de uma mulher por um homem.

Quando ela o viu arregalar os olhos, seu próprio olhar desapareceu, como se nunca tivesse existido.

- Que bom, fico feliz que tenha ajudado - disse, buscando um tom neutro. - Se vista. Se me lembro bem, tem uma boa saliência a alguns quilômetros, onde poderemos dormir.

- Por que não dormimos aqui? Você parece cansada, e foi um dia longo e exaustivo para nós dois.

- Ainda estamos muito perto do vilarejo. - Agora era ela quem falava entre dentes. - Depois que chegarmos ao caminhão, você manda. Mas aqui é meu território. Se quiser viver, vai fazer as coisas do meu jeito.

Incapaz de buscar outro argumento, uma vez que ela o salvara de novo esta noite, Alim cedeu. Mas odiava que ela tivesse razão sem que pudessem discutir, sem que ele pudesse tomar à dianteira e protegê-la.

- Três dias - disse delicadamente. - Depois eu vou mandar, pode acreditar. Vou levá-la sã e salva ao campo de refugiados, Hana, juro. Mas você vai me obedecer sem fazer perguntas. - E vamos explorar aquele olhar que você acabou de me lançar, pensou, exultante.

Ela assentiu, com um brilho suspeito nos olhos.- Vou obedecê-lo alegremente, meu senhor, pois sou uma mulher frágil e

preciso de sua força. - Zombando-o, fez uma mesura. - Deve ser por isso que nunca saí do vilarejo antes. Estava esperando que viesse me guiar.

- Então vamos indo - respondeu ele, engolindo uma risada diante daquele inesperado senso de humor.

Hana sorriu e fez outra mesura, antes de continuar:- O dia clareou. Devíamos rastejar novamente.Aquela perspectiva o fez esquecer a tentação presente. Alim gemeu e

deitou-se de bruços, com Hana serpenteando à sua frente.Se estivesse em qualquer outro lugar, se ela fosse outra mulher... Mas

estavam rastejando em meio à lama, no território dos cães selvagens, com capangas armados por todos os lados. E essa era Hana, que merecia seu respeito, e não o peso de um fascínio indesejado de um homem que mais parecia um monstro. E não havia feitiço algum que pudesse mudar aquilo. Essa seria sua aparência para o resto da vida.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

Aquele olhar deve ter sido um equívoco. Era um homem sem raízes, sem posição social. Não tinha nada a oferecer, a não ser sua feiúra e seus arrependimentos.

Independentemente do significado daquele olhar, não era possível que ela o desejasse.

- O leito do riacho é pedregoso durante os próximos quilômetros. Pegue isto - murmurou, entregando-lhe luvas de couro. - Você vai transpirar, mas é melhor do que deixar um rastro de sangue para os cães.

- Obrigado - respondeu, vestindo-as.A pele de suas mãos já estava ralada, e suas roupas começavam a virar

farrapos. Alim pegou um saco plástico que levava na mochila e colocou-o entre a

camiseta e a jaqueta para impedir que as cicatrizes sangrasse.- Vamos - sussurrou ela, impaciente, seguindo caminho.Foram as únicas palavras que trocaram em duas horas.O sol estava mais alto que a borda leste do riacho quando ela parou.- Só estamos a sete ou oito quilômetros do vilarejo, mas este é o melhor

lugar que temos. Vamos comer e dormir um pouco. - Hana estirou-se na saliência e esticou as costas e os ombros, exalando um profundo suspiro. Em seguida, revirou sua mochila.

Recusando-se a fitá-la, já que cada movimento sinuoso de seu corpo curvilíneo era capaz de matá-lo,

Alim sentou-se ao seu lado e também se alongou. Apesar da dor que sentia, com o cérebro latejando dentro do crânio, tinha fome.

Então ficou surpreso quando tudo o que ela lhe deu foi uma barra energética de passas e castanha.

- Coma devagar. É tudo o que podemos consumir. Tinha apenas o bastante para a minha fuga. Então temos de nos contentar com meias porções. - Observou seu rosto e seus olhos. - Você está sentindo dor. Tome uns goles do chá de salgueiro antes de dormir.

- Vou dormir que passa - disse ele, irritado por estar sempre recebendo ordens e sendo tratado como um paciente, mesmo depois da exaustiva jornada.

- Não seja teimoso. Você não conseguirá caminhar à noite se a dor piorar. Tome o chá de salgueiro e o analgésico também.

Ela estava realmente começando a perturbá-lo com seu tom soberbo. Além de sua mãe, nenhuma mulher jamais falara com ele daquela maneira. Mas Hana tinha razão, então ele a obedeceu, bebeu o chá e ingeriu o comprimido.

- Vamos, diga - a incentivou divertindo-se.Alim a fitou e viu um brilho em seu olhar. Seus lábios se contraíam num

sorriso. Nenhuma mulher jamais rira dele, a menos que tivesse contado uma

piada.- O quê?Ela ergueu a mão, tão machucada quanto à dele.- Toda aquela história de “não mande em mim, eu sou o homem” e tal.

Você é o homem grande e forte que quer me colocar no meu lugar. - Sorriu amplamente, mostrando os dentes sujos de poeira.

Aquelas palavras fizeram a raiva dele, murchar e morrer.23

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- Dá para perceber tanto assim?Ela assentiu, rindo suavemente e, mais uma vez, deixando-o fascinado. Se

fechasse os olhos, não veria uma mulher sangrando, coberta de lama da cabeça aos pés. Ela fedia, mas preferia estar ao seu lado à num palácio com uma princesa, porque Hana era real, suas emoções eram sinceras. Ela ria e implicava com ele por sua personalidade autoritária, e, depois que o aborrecimento inicial passou, Alim começou a gostar disso.

- Não tenho o direito de impingir minha autoridade sobre você. - Eram palavras firmes de um homem que não estava acostumado a se desculpar por nada, mas dizer aquilo despertou nele uma sensação muito boa.

A lama endurecida caiu de seu rosto quando arqueou as sobrancelhas.- Essa deve ter doído.Ele suspirou.- Você é realmente australiana, não se submete a homem nenhum. Se seu

pai for do tipo tradicional, deve cortar um dobrado... - Calou-se ao ver o olhar dela.

Desolada. Traída. Devorada por um mundo de dor. E escondida lá embaixo estava à rebeldia. Hana lutava contra algo que ele não via, e duvidava que ela lhe revelasse o que era.

Ela não havia se intrometido em sua vida daquela maneira.- Hana...- Vou dormir. Sugiro que faça o mesmo. Precisamos avançar mais rápido

esta noite. - Virou-se de costas para ele.Aquilo não instigou seu instinto competitivo, apenas o encheu de

remorso. Ela não queria um pedido de desculpas, porque a machucara, a mulher que arriscou sua vida e largou sua casa por ele, um homem que conhecia havia menos de um dia.

Mesmo querendo tocá-la, Alim contentou-se em lhe dizer algumas palavras. E, desta vez, não foi difícil:

- Hana foi uma piada boba, mas eu a magoei. Desculpe-me. Não vou me intrometer novamente.

Depois de um instante, ela assentiu.- Vou dormir agora.- Boa noite - desejou ele, sentindo uma emoção desconhecida, mas que já

se tomava familiar: vergonha.Não dormiu muito; e acreditava que ela também não.Hana acordou com o braço pesado de Alim em torno de si.Era reconfortante. Excitante e bonito. Pela primeira vez em anos, não

acordava sentindo-se totalmente sozinha. No entanto, ceder às vontades e aos desejos de um homem já a subjugara

a ponto de não ter mais vida.- Saia de cima de mim. - Lutou para pronunciar a frase calmamente.Era Alim, não Mukhtar, cujos crimes, egoísmo e obsessão haviam

arruinado sua vida. Mas podia sentir o pânico crescente, as lembranças da noite em que ele

tentou fazer suas mentiras virarem verdade.- O quê? - Alim se aproximou, segurando-a. Estava excitado e encostou-se

às nádegas dela, como se tivesse algum direito.- Disse para sair de cima! - Não era mais um pedido educado. Estava

quase gritando de fúria e pânico.24

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Hana o sentiu se mexendo, desta vez, mais desperto.- O quê? - Ainda meio sonolento Alim ergueu o braço e afastou-se. -

Perdoe-me, eu estava dormindo - murmurou em árabe do Golfo Pérsico.Hana lutou para aparentar serenidade, respirando profundamente e

fechando os olhos. Eu controlo minha vida e minhas decisões. Eu... Estou sozinha. Nenhum homem me controla.

Pronto. Conseguira. Abriu os olhos e falou calmamente:- Tudo bem, eu sei que não teve intenção. - Forçou um sorriso. - Ainda

mais com o esse mau cheiro.- Não é só você, Sahar Thurayya - respondeu numa mistura de inglês e

árabe. - Sou Alim, direto dó chiqueiro. - Riu.Hana desviou o olhar. Seu riso acentuava as cicatrizes, tomando suas

belas feições lindamente perigosas, obscuras e masculinas. Junto à sua habilidade de conversar, não era surpresa que as mulheres caíssem aos seus pés. A surpresa era que ela ainda não tivesse... ...Me apaixonado por ele. Em apenas dois dias, não conseguia mais lidar com aquela situação, e ele nem sequer a tocara. Mas ela o tocara e sabia... Será que ele imaginava o que ela tinha sentido ao colocar as mãos em seu corpo?

Sahar Thurayya, para quantas mulheres dera tão belo nome no passado?- Acho que um apelido mais adequado seria Fedor Poente - disse ela com

leveza, pegando a mochila. - Ou Futum da Noite, porque o sol já se pôs. Está com fome, Chiqueiro, ou quer um analgésico? Precisamos comer rápido e partir. Os homens de Shellah virão atrás de nós. Espero apenas que não tenham adivinhado que você era o motorista do caminhão.

- Gostaria de comida e analgésico, por favor - disse ele, com a voz ainda risonha. - Então você me chama de Chiqueiro, mas nunca pelo meu nome. É uma omissão reveladora - acrescentou delicadamente.

Hana sabia quê ele percebera como reagira a seu corpo na noite anterior e queria testá-la.

Deu-lhe uma barra energética, um analgésico e um cantil, sem fitá-lo. - Já disse. Estou esperando para ver se você honra seu nome.- Bem, eu honro Chiqueiro com certeza. - Tomou o remédio antes de

comer.Ela percebeu que viria outra pergunta.- Você afasta todos os homens ou apenas a mim, Hana?O tom leve não escondia a seriedade da pergunta, embora não fosse

totalmente direcionada a ela. Uma enfermeira treinada era capaz de detectar autocomiseração naquele olhar. Já vira isso muitas vezes em vítimas de queimaduras, o ódio horrorizado de si mesmas ao ver como ficariam para o resto da vida. A certeza de que ninguém jamais as veria sem nojo ou repulsa.

O que podia dizer? Nada, exceto a verdade, que, ao tocar seu corpo, não sentiu repulsa alguma. Algo havia despertado dentro dela, belo como ô primeiro raio de sol da manhã caindo sobre uma flor. Agora, apenas olhar para ele fazia aquele desejo florescer em suas veias.

Sentiu-se ruborizar.- Apenas aqueles que colocam meu vilarejo em risco e me forçam a fugir

de casa - respondeu. Pela primeira vez desde que saiu de Perth, finalmente ela sentia-se a

salvo em Shellah -Akbar, como se pertencesse a algum lugar.

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Era por isso que sentia tanta afinidade por ele? Porque ele também era uma alma perdida? Seguiu-se um longo silêncio, cheio de perguntas que ele não fez.

- Desculpe-me, Hana. Queria ajudar, mas acabei causando mais mal do que bem. Quase nunca faço isso...

Ela ignorou o comentário amargo. Abriu a boca, mas fechou-a em seguida. Apesar de tê-lo visto quase nu, de ter dividido a cama e fingido fazer sexo com ele, além de massagear seu corpo, não o conhecia bem o bastante para consolá-lo.

E mais, sempre que olhava em seus olhos, via um espelho refletindo sua imagem.

Quando vai aprender a se amar, minha Hana? Tinha 11 anos na primeira vez em que em sua mãe lhe fez essa pergunta, que ainda ecoava sem resposta em seu coração. Está sempre tentando provar alguma coisa: que é a mais rápida, a mais esperta, a mais forte, a mais independente, que não precisa de ninguém. E não percebe como isso a deixa vulnerável.

Olhando para Alim, ouvia o eco da tristeza de sua mãe no coração de um homem que conhecia há pouco tempo, um homem nascido em meio à riqueza, criado para comandar uma nação ao herdar o cargo de...

Hana fechou os olhos. Eles eram iguais, analisando-se por meio de um reflexo deformado do que fizeram... Ou deviam ter feito. Ou do que deixaram de fazer. Nada era bom o bastante.

Queria consolá-lo, mas nem sequer sabia como se consolar depois de cinco anos. A única coisa que ele podia fazer para se perdoar era voltar para o mundo que precisava dele, encontrar uma resposta ao lado de sua família e de seu povo.

Mas como Hana podia dizer isso para ele se tampouco conseguia voltar para casa e encarar sua própria família? .

- Vai ser muito ruim para o vilarejo?Ela o fitou e viu que estava pronto para se culpar por qualquer coisa que

acontecesse a Shellah -Akbar.- Vão destruir a vila para encontrar os suprimentos - disse delicadamente.

- Mas já fizeram isso antes e não encontraram nada.Ela achou melhor esconder a pior parte dele, pois sentia necessidade de

protegê-lo. Alim já carregava bastante culpa sobre os ombros.- Eu disse para Malika e Haytham manterem a versão de que você é meu

marido e que fugimos porque ouvimos os homens de Shellah falando sobre os planos dele para mim...

- Eles vão acreditar nisso?Se contassem isso a Shellah, ele me encontraria e o mataria. Ela manteve

o mesmo tom gentil: - Talvez. Se não encontrarem a comida, não terão mais provas.- Onde escondem a comida? - perguntou num tom sério, e ela percebeu

que não conseguira enganá-lo.- Nós nos aproveitamos de uma antiga tradição, o medo dos mortos, e

enterramos tudo em covas, normalmente embaixo dos caixões das crianças - disse cuidadosamente, sem fitá-lo.

- Seu povo faz isso? - indagou perplexo.

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- No início, eles resistiam então eu mesma fazia. Depois, ao ver que os homens de Shellah não incomodavam os mortos e que os espíritos não me destruíram pelo que tinha feito, eles passaram a me ajudar. Descobri que muita gente ignora suas crenças mais aterrorizantes quando se trata de sobrevivência, de salvar seus filhos.

Seus pais teriam feito o mesmo. A família sempre vinha em primeiro lugar; por isso tiveram de escolher: casar Hana rapidamente com um homem ruim ou acabar com as chances de Fátima de conseguir um bom marido. Fátima tinha apenas 17 anos.

Embora entendesse o dilema que seus pais enfrentaram Hana jamais conseguiu perdoá-los por terem se rendido à pressão da comunidade e sacrificado uma irmã pelo bem da outra. Também era inocente!

- O que vai fazer agora, Hana?- Vou para o campo de refugiados.Mas não podia permanecer por muito tempo. Ficaria muito exposta. Seu

pai podia ter mandado alguém para procurá-la, atrás de sua descrição, de seu sotaque australiano.

Era por isso que nunca largava seu véu ou a burca e falava magrebino sempre que possível.

- Então vão me encaminhar para outro vilarejo que precise de enfermeira.- Tem uma nuvem de poeira a uns quatro quilômetros, vindo na nossa

direção - disse ele, virando-se para o sul.- Não deixe nenhum rastro, apague as pegadas com sua jaqueta e vamos

embora - disse tensa. Partiu um pedaço de tecido em quatro e amarrou-os nos tornozelos dos dois. - Não é o ideal, mas o chão está tão seco que assim fica ainda mais difícil seguir nossas pegadas.

- Corremos ou tentamos pular de pedra em pedra?Ela sorriu e teve de prender á respiração quando ele devolveu o sorriso.- Esta noite você mereceu seu nome, Alim. Pelas pedras, o mais rápido

que conseguirmos sem cair.- Tenho boas sacadas, como você, mulher feliz. - Piscou para ela.Hana percebeu que ele estava satisfeito, e seu coração tolo saltitou diante

daquele sorriso, daquela intimidade emocional inesperada e da sensação inexplicável de união que sentia com ele desde o primeiro momento em que o vira. A pior parte era que a reação era tanto emocional quanto física. De alguma forma, sentia-se ligada a ele.

- Temos de ir - advertiu Alim, sorrindo com os olhos calorosos, enquanto sua boca...

- Sim - sussurrou, hipnotizada por aquele sorriso.Uma emoção muito forte a percorreu, fazendo seu corpo oscilar em

direção ao dele.Ele se inclinou para frente, e seu sopro tocou aqueles lábios como um

beijo carinhoso.- Precisamos ir agora, Sahar Thurayya. Não vou deixar que ele a leve.

Desta vez, vou à frente, minha estrela. Sou bom em pular pedras e achar as mais estáveis.

Ela não conseguia falar, ansiando por aquele toque. Mas assentiu.Ele se agachou para apanhar a embalagem da barra energética e fez uma

bagunça no chão, deixando o momento passar. Não, não passou, apenas ficou guardado em seu coração, esperando uma nova chance. E ela sabia que viria.

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Seguiu-o pelas pedras, saltitando como uma cabra, com a mente em redemoinho, o coração e o corpo por... Pelo quê? Não podia haver nada entre eles. Só o conhecia havia dois dias e já ardia de desejo por ele, como jamais por homem nenhum antes.

Ao pedir sua autorização antes de tomar a liderança, ele mostrava que tipo de homem era. Alim; era uma mistura complexa do moderno e tradicional, árabe e homem do mundo. No entanto, apesar de seu sorriso, que a derretia por dentro, ainda era homem, e ela não era livre para se sentir atraída por ele ou sonhar com um futuro.

Estava presa, fosse pela vida em fuga que levava, pela tradição, pelo orgulho de seu pai ou por Mukhtar.

Embora não tivesse feito os votos pessoalmente, seu pai a representou e assinou o contrato de casamento em seu nome. Odiava o homem a quem seu pai a entregara, mas não tinha escolha. Mukhtar se certificara disso.

CAPÍTULO QUATRO

Saltaram e correram por algumas horas, até que o cérebro de Alim começou a pulsar contra o crânio e os pés já não estavam mais firmes.

Parou abruptamente. Hana teria esbarrado nele se não tivesse muito autocontrole, ou se não estivesse atenta a sinais de colapso.

- Analgésico e água? - ofereceu.Sim, estava observando-o, esperando que ele caísse. Podia ser filha de um

minerador, mas uma mulher com a integridade e força de Hana devia ter um destino promissor.

Sua boca e garganta pareciam queimados, ressecados como a terra sob seus pés.

- Quero.- Beba tudo, Alim - orientou, entregando tudo a ele. - Você está

desidratado. Ainda temos quatro cantis, e acho que amanhã à noite chegaremos ao poço.

Ela conhecia os caminhos dessa terra árida. Já havia estudado sua rota de fuga. Suas precauções revelavam mais do que gostaria, e o chamou pelo nome novamente. Desde o momento em que ela o tocou, baixara á guarda. Embora parecesse inacreditável, ela o desejava.

Alim deixou alguns goles de água para ela.- Você também precisa beber ou vai acabar desidratada. Aí como

ficaremos? - provocou ele, mesmo sentindo dor.- Sim, mestre - zombou, fazendo-o rir. - Pegue isso e esfregue na testa.

Vai ajudar até que os comprimidos façam efeito. - Entregou-lhe uma pequena garrafa preta.

Ele pegou a embalagem e cheirou seu conteúdo.- Óleo de hortelã e lavanda?- Exatamente - respondeu, sorrindo. - E não, não vamos usar isso para o

fedor de terra e suor. Precisamos guardá-lo para dor de cabeça quando o

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analgésico acabar. Então use apenas aqui e aqui - indicou, apontando para a testa e tocando seu pulso, num gesto muito frugal.

Esperou até que ele tivesse passado o óleo na testa antes de levar o cantil à boca, sorvendo cada gole rapidamente.

Devia estar mais desidratada que ele, já que lhe oferecera mais água o tempo todo, usando a concussão como desculpa.

- Você gosta de cuidar das pessoas - observou Alim, enquanto ela guardava o óleo e o cantil vazio. - E de mandar - acrescentou.

- É, acho que gosto. - Lançou-lhe um sorriso triste. - Foi por isso que me tornei enfermeira, e porque meu pai não permitiria nenhuma outra profissão sem que me casasse antes. - Uma sombra cruzou seu rosto, e seu sorriso desapareceu. Não disse mais nada.

- Deve ser horrível para você não poder ver sua família - disse ele. Até esse momento, Alim achava que ela era sozinha no mundo. Agora via

que a verdade era ainda mais profunda.- É horrível para você? - a devolveu, com os olhos brilhando no meio da

noite.Alim a fitou sem piscar e decidiu encarar o desafio.- Você sabe quem sou e por que estou na África. - Porque é o mais longe

que consegui chegar da minha vida cheia de regalias, onde jamais procurariam um sheik perdido.

E acabou ficando. Pela primeira vez na vida Alim não era ô segundo herdeiro o substituto de Fadi ou o Sheik Corredor. Ah, desde os membros das ONGs até os aldeões, todos precisavam de suas habilidades para sobreviver, e não para se divertir.

Novamente, Hana se curvou, porém, desta vez, sem zombaria. A delicadeza desapareceu de seus olhos.

- Não foi difícil, meu senhor. Seu rosto é famoso. Seu desaparecimento tomou-se uma história de interesse mundial.

- Principalmente entre nosso povo. - Hana sabia demais sobre ele e seus segredos.

Alim, por outro lado, precisava adivinhar o passado dela por meio de palavras não ditas.

Mesmo na escuridão da noite, viu-a empalidecer.- Pare aqui.- Você é de Abbas al-Din? Está fugindo de seu pai ou do marido que diz

não ter? - pressionou-a, querendo saber mais dela, da vulnerabilidade e da solidão que via por trás daqueles olhos.

- Pare.Ela não o fitava, mas a tensão que sentia era palpável.- Tudo bem. - Depois de uns instantes, ele continuou: - Você sabia quem

eu era desde o início? Foi por isso que me salvou?Ela suspirou.- Soube apenas quando os homens de Shellah chegaram. E foi uma sorte.

Se eu não soubesse, não teria escondido seu rosto, e eles o teriam reconhecido e levado. Eu salvaria qualquer um que precisasse da minha ajuda.

Alim sentiu que cada palavra era verdade. Devia estar grato por sua honestidade, mas doía mais do que imaginava. Havia apenas dois dias que se conheciam, e ela já significava mais para ele do que esperava. Talvez por tê-lo

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salvo tantas vezes, talvez por serem do mesmo povo. E ele não sabia que queria tanto estar com seu povo outra vez.

E, mais provavelmente, porque era Hana, sua estrela da alvorada, que brilhava num mundo escuro: uma mulher honesta que se recusava a mentir, mesmo para se salvar.

- Então está dizendo que sou qualquer um? Um dentre centenas que você já salvou? - Sua voz era áspera, misturando raiva e gratidão.

- Preferiria ter sido salvo só porque sei quem você é?- Não - murmurou.Hana tinha razão. Não queria isso. Então o que queria dela?Esse era o problema. Desde o início, Hana o fascinara. Mas também sabia

quem ele era e não disse nada até ser confrontada.Tratara-o como qualquer outro homem. Rira dele, mandara nele,

desejara-o com um calor sincero. Será mesmo? Será que tudo o que ela fez e disse foi mentira, tentando encantar o adorável e deformado sheik até tomá-lo seu escravo emocional?

- Qual é seu plano para quando voltarmos para o mundo? - perguntou Alim, tentando disfarçar sua fúria repentina. - Deve haver uma boa recompensa para quem me levar de voltar a Abbas al-Din. Ou você quer uma recompensa ainda melhor, talvez como minha amante? Ou minha esposa, se julgar que riqueza e status compensam ter de me tolerar na cama.

Alim não sabia o que esperar dela: um tapa, um banho d’água, protestos de inocência, alegando que o salvara antes de conhecer sua identidade.

Envergonhou-se ao se lembrar disso. Abriu a boca para falar, mas ela se antecipou:

- Você só pode estar brincando - disse, numa gargalhada longa e selvagem. - Eu seduzindo você!

Alim fitou-a em silêncio, chocado.- O que é tão engraçado? - perguntou, enfim.Ela se endireitou, ainda rindo, mas os olhos que o encararam eram duros

como diamantes, brilhando com uma emoção que não agüentava ver nela.- Até recuperar sua identidade e posição em Abbas al-Din, meu senhor,

não tem direito de me exigir respostas. Até lá, só posso prometer que não convocarei a mídia para exigir nenhuma recompensa, e certamente não vou tentar seduzi-lo. Que irônico... - Balançou a cabeça, rindo com um cinismo frio que ele não tinha imaginado ver em sua carinhosa e íntegra salvadora.

Alim não entendeu qual era a ironia, mas uma coisa era clara: algo fez Hana fugir de seu mundo, e ele havia se aproximado dessa verdade em seus ataques de raiva, pensando mal dela mesmo depois de ter sido salvo.

O que tinha feito?- Hana, eu...- Não perca tempo com pedidos de desculpa que não sejam sinceros, já

que não acreditarei.Aquelas palavras frias estilhaçaram as desculpas que se formavam em

seu coração. Alim jogou a mochila nas costas.- Agora é melhor ficar em silêncio. Vamos.Ela estava fria e distante. Tratou-o novamente como faria com qualquer

homem que merecesse seu afastamento. Apesar de saber quem era ele não

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representava uma figura de poder para ela. Era apenas Alim, e ia lhe mostrar as conseqüências de ter aberto a boca.

Desde que a conhecera, ele se metera em sua vida, machucando-a e forçando-a a fugir de seu vilarejo, destruindo sua frágil ilusão de segurança em Shellah -Akbar. Agora acrescentara humilhação à lista, tratando-a como uma predadora mercenária que queria dormir com ele para se beneficiar.

O pior era que sentia que, embora estivesse envergonhado, Hana carregava um peso muito maior por suas acusações impensadas.

O sol estava quase nascendo novamente. Eles caminhavam fazia dez horas e Hana sentia o remorso de Alim pairando entre eles como uma sombra pelas últimas 24 horas.

Sentira sua vergonha durante toda a caminhada noturna, a ansiedade por melhorar as coisas. Percebera sua preocupação na insistência de que bebesse primeiro e comesse uma porção maior, afirmando, entre risadas, que, depois da quarta ou quinta barra energética, já não agüentava mais. Embora não a pressionasse e não tocasse no assunto, ela sabia o que ele queria.

Perdão. Uma palavra simples, mas muito difícil de praticar quando pessoa de quem gostava, em quem acreditava a julgavam mal repetidamente. Com uma aceitação desgastante, sabia que Alim fora acrescentado à lista: pessoas em quem confiava que a haviam traído. Pessoas de quem gostava que acreditassem que ela era...

Oh, céus! Gostava dele. E ver que ele fora capaz de acusá-la de tudo aquilo significava que acreditava nisso. Seu coração parecia uma pedra de gelo queimando em seu peito. A única maneira de sobreviver nos próximos dias e salvá-los eram se isolar até que se despedissem para sempre.

Não podia se arriscar de novo a acreditar e se importar com alguém. Tudo o que podia fazer era fechar as portas de seu coração, não demonstrar emoção alguma e esperar que conseguisse sobreviver a esse vazio mais uma vez.

Enquanto preparavam o desjejum, o silêncio gritava mais alto que o despertar do dia.

A esperança e a necessidade de perdão que emanavam dele revirou seu estômago a ponto de não conseguir engolir mais nada.

Não podia dar a absolvição que ele esperava, mas precisava dizer algo, então deixou escapar a primeira coisa que lhe passou pela cabeça:

- Você não tem usado o óleo há um tempo. Sua pele deve estar coçando. - Pegou o óleo na mochila e entregou-o a Alim.

- Obrigado. Está incomodando. - Com um olhar incompreensível, ele tirou a camisa e passou óleo na pele, esfregando apenas um pouco.

- Pare, assim não vai ajudar - corrigiu-o, com um suspiro impaciente.Hana friccionou as mãos e ajudou-o. Abrindo os dedos, moveu ás mãos

por sua pele lentamente. Cerrou os dentes diante da pressão que se acumulava em sua garganta. O gemido de prazer simplesmente por tocá-lo queria se libertar.

- É assim que se faz - disse ela com a maior frieza possível, tentando esconder sua reação. - Tem de deixar o óleo penetrar nos músculos e na pele e suavizar o tecido cicatrizado, ou ele perde elasticidade.

- Entendi... - disse, num rosnado masculino tão cheio de prazer quanto às palavras dela. Não sabia se era por causa daquelas mãos em seu corpo

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novamente ou pelo alívio físico de sua dor pulsante. - Acho que deve ter sido difícil aprender essa habilidade.

- É, levou um tempo. - Lutando para controlar o desejo e a tentação, Hana engoliu em seco.

Não havia cicatrizes em seu pescoço ou cabelo. Não havia pôr que tocá-lo ali. E a raiva e a traição que sentira por mais de um dia a abandonavam rapidamente.

- Fiz um curso de massagem terapêutica para pacientes com queimaduras depois de trabalhar numa unidade de queimados - contou, lembrando que não devia revelar mais que o necessário. - Quando me formei, era isso que queria fazer, trabalhar na unidade de queimados.

- Não acha repugnante ver a pele deformada?O gelo que envolvia o coração dela rachou, deixando escapar o vapor que

se acumulava lá dentro.- Odeio a agonia interminável da queimadura. Gostaria que houvesse uma

maneira de curar as cicatrizes e fazer a pele não repuxar, limitando os movimentos. Odeio que as pessoas que sofreram queimaduras extensas não se sintam mais humanas. - Continuou movendo as mãos, lenta e firmemente, curando seu corpo e fitando seus olhos. - Mas não, não considero nada em você repugnante, á não ser as coisas hediondas que saem da sua boca.

Ele fechou os olhos, que bruxuleavam intensamente com um brilho sincero.

- Não imagina como me arrependo do que falei.- O que mais doeu é que você falou sério. - E Hana se sentiu muito bem ao

dizer para ele o que não conseguira dizer a seu pai.Alim apoiou as mãos sobre as dela. Hana prendeu a respiração diante

daquela intimidade, fitando seus olhos vulneráveis.- Não é você, Hana. Se pudesse retirar o que eu disse... Ela balançou a cabeça.- Mas não pode e eu não posso esquecer. - Moveu as mãos até que ele a

soltou. - Não posso lhe dar o perdão que gostaria.- Dê-me o que quero e o que mereço - disse delicadamente, erguendo uma

de suas mãos oleosas e beijando-a, não com sensualidade, mas com reverência.

Ela ficou com lágrimas nos olhos, enquanto seu coração saltava, sussurrando as palavras que sua mente se recusava a aceitar.

- Você é honesta comigo, Hana. E me aceita como sou.Ela afastou a mão e ergueu o queixo.- Agora, você é o mesmo que eu Hana, um fugitivo que ajuda os outros a

esquecer o que deixaram para trás. Independentemente do nosso status na sociedade, passaremos a vida toda tentando provar o nosso valor.

Tudo o que Hana tentara alcançar desde que fugira para a África estava diante dela, exposto e sangrando. Não conseguia responder e virou-se de costas, envolvendo-se em seus próprios braços, numa tentativa de confortar a si mesma. Perguntou-se por que aquilo a entristecia tanto.

- Doce Hana... - O murmúrio delicado aproximou-se dela, fazendo-a tremer com um desejo incontrolável. - Forte Hana, que está sempre se doando, salvando os outros. Mas quem ajuda Hana quando ela precisa de um salvador? Qual foi a última vez em que a abraçaram e viram como está sozinha em sua fortaleza?

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

Ela não conseguia respirar. As lágrimas que se acumulavam em sua garganta ardiam em seus olhos.

- Anjo enlameado. - Alim sussurrou tão perto que o calor tocou sua alma. - Você é mais bonita em sua honestidade do que qualquer mulher vestida de seda e diamantes.

Lágrimas escorreram por suas bochechas.- Pare. Quero odiá-lo.Alim chegava cada vez mais perto, até cobri-la com os braços. E

finalmente ela se sentia forte; não estava mais sozinha, pelo menos por um instante.

- Mas não consegue, não é?Lentamente ela balançou a cabeça, e isso doía ainda mais: não poder

odiá-lo.- Não o conheço bem o bastante para odiá-lo.- Não foi Omar Khayyam que escreveu que quando almas se entrelaçam

nunca são estranhas, embora se conheçam há apenas alguns momentos? E, quando almas se repelem, nunca vão se conhecer em toda uma vida? - sussurrou em sua orelha.

- Não conheço poesia. Sou apenas filha de um minerador.- Você é uma rainha na pele de uma enfermeira. - Acariciou sua mão até

sentir seu corpo relaxar. - É minha Sahar Thurayya, minha brava e bela estrela da alvorada. Que bom que não consegue me odiar; mas poderia me desculpar por minha estupidez egoísta?

Ela se aproximou, inclinando-se sobre ele e descansando a cabeça em seu ombro.

- Dê-me uma última chance, Sahar Thurayya, uma chance de confiar em mim novamente. Quero essa oportunidade mais do que já desejei qualquer coisa.

Hana fitou-o, espantada. Como ele podia saber? Como podia adivinhar as palavras que ela ouvira em sua mente mil vezes com a voz de seu pai? Será que ele sabia como o simples fato de ouvir essas palavras, acomodada em seus braços aliviava a dor que sentia?

- Quero uma nova oportunidade mais do que qualquer coisa, exceto uma. E você sabe o que é - acrescentou ele, fazendo a raiva dissolver aquela última barreira. Estava falando de sua tristeza, de seu irmão.

- Sim, eu sei. - A voz dela falhou.Hana não podia dizer algo que não fosse confortá-lo, chavões que não

ajudariam em nada. Só ele podia aceitar a morte de Fadi e encontrar a paz. Mas havia uma coisa que podia lhe dar, e não foi tão difícil quanto imaginava. Apoiou a testa em seu ombro.

- Alim...A escuridão de sua voz desapareceu, dando lugar a um raio de sol.- Obrigado.Nenhum dos dois se mexeu.Após um longo tempo, Hana virou-se em seus braços, tocando a pele

cicatrizada de seus ombros e peito.- Um dia, vai precisar de mais uma cirurgia - disse ela, acariciando-o, e

não massageando.Almas estranhas se entrelaçam com um toque. Confiança.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- É. - Foi tudo o que ele disse, colocando a mão sobre a dela e sorrindo. Curando.

Hana acordou num sulco raso do leito do rio. Mais uma vez, sentiu o calor e o peso dos braços de Alim em torno de sua cintura, mas não era a temperatura de seu corpo ou o suor que escorria por sua testa que mais a incomodavam. Havia algo de errado.

Então ouviu as vozes. Dois homens falando em suaíli se aproximavam.A julgar pela tensão no corpo de Alim, ele estava desperto. Lentamente,

esticou as pernas, mantendo-as tensas e retas. Ela fez o mesmo, até deixá-las a um ângulo de noventa graus com o corpo. Era um movimento íntimo e sensual, porém necessário para mantê-los vivos.

Giraram até que ela se sentou sobre os joelhos dele.- Levante-se e encoste-se na parede - sussurrou Alim em sua orelha

enquanto esfregava as costas nas laterais úmidas do leito do rio. - Leve as mochilas e não respire alto.

Ela assentiu e, olhando primeiro para baixo à procura de pedras soltas que pudessem rolar e denunciá-los, moveu-se com uma lentidão agonizante até se esconder debaixo da saliência da parede do rio, segurando as mochilas com as mãos trêmulas. Encostou-se na parede como se, se misturasse à lama.

O topo de sua cabeça ficava logo abaixo da borda da saliência. Alim era muito alto para se esconder ali.

A ansiedade do que aconteceria a ele dominou-a. Virou a cabeça até conseguir vê-lo e sentiu vontade de rir. Estava estirado na lama grossa, no pior trecho, no qual havia plantas podres e animais rastejando.

Estava mimetizado, não passava de alguns calombos na lama, assim como Hana.

Os capangas do comandante moviam-se como cobras ao longo do rio. O coração dela batia com tanta força que se perguntou se não o escutariam. Falavam logo acima deles, e um dos homens jogou um cigarro no leito do rio. Hana, que não agüentava o cheiro, lutou para não tossir ou engasgar. Finalmente os capangas se foram e continuaram a busca mais adiante.

Alim cutucou-a com o pé, empurrando-a para a parede. Hana sabia o que ele queria.

Fique parada um pouco mais. As costas doíam naquela posição, e ela respirava uma mistura de lama e cigarro. Agüentou mais alguns minutos.

Esperaram até ouvir o som dos motores partindo.- Achei que fosse engasgar. - Alim virou-se e deu um peteleco no cigarro.

Então respirou fundo. - Ah, o ar puro e enlameado! - Sorriu com os dentes brancos se sobressaindo do rosto coberto de lama.

Hana queria rir daquela aparência cômica, mas o medo ainda a dominava. Estava quase tremendo, mesmo num calor de quarenta graus.

- Não podemos nos lavar até chegar ao poço. Então, quer passar um pouco de óleo de lavanda e menta para aliviar a pele?

- Parecia que eu estava deitado num leito de javali. Então quero sim, obrigado. - Alim sorriu.

Hana fitou-o. Seu sorriso estava diferente. Havia algo nele, em seus olhos, que a fez segurar a respiração, quase esquecendo o perigo iminente que enfrentaram.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

Nunca esquecia o perigo que vivia desde que chegara à África. Mas, embora a ameaça fosse mais real do que em qualquer outro momento, seu coração não batia aterrorizado, mas sim excitado...

Mal podia encará-lo ao lhe entregar o frasco. Ao recebê-lo de volta, seus dedos se tocaram. Hana quis fitá-lo para ver se fora intencional, se ele ardia de desejo, se...

- Devíamos seguir em frente - disse ela, maldizendo seu tom ofegante, que devia revelar o desejo de seus olhos.

O que havia nesse homem que a transformava num poço de desejo, aguardando a próxima vez em que ele a fitasse e a tocasse? Será que era porque ele estava fora de seu alcance? Ou estava logo aqui ao seu alcance?

Após um momento, ele balançou a cabeça.- Não, não é hora. - Seu olhar estava escuro e sombrio. - É melhor esperar

escurecer.Como fizera desde que se conheceram, ele estava vendo dentro de sua

alma.- Como quiser chefe. - Ela entregou-lhe um cantil com água semi-limpa. -

Adoraria ter uma câmera agora. Ele franziu o cenho, perguntando sem dizer nada.- É assim que o sheik de Abbas al-Din se esconde do mundo: procura

petróleo em territórios estrangeiros e inexplorados de sua própria maneira. - Hana apontou para ele.

Alim explodiu numa gargalhada silenciosa.Hana fitou-o, hipnotizada por seu rosto belo e imundo. Não conseguiu rir,

apenas encará-lo com um desejo ardente e estranho. Ele riu com vontade, como se não risse de verdade havia muito tempo.

Ela não conseguia tirar os olhos dele. Ele a encarou, e, nesse momento, ela não foi rápida o suficiente para esconder o que sentia. Alim arregalou os olhos.

- Hana, não olhe para mim dessa maneira, a não ser que seja verdade.Ela não respondeu não se virou, apenas continuou a encará-lo, desejá-lo,

esperá-lo. Esqueceu todas as razões pelas quais não conseguia se entregar a um

homem. Tudo o que via era aquele olhar em seus olhos.Ele se levantou e caminhou, aproximando-se dela. Como que por vontade

própria, ela levantou o braço e encostou a mão na dele.- Adorável Hana sempre se doando para os outros - murmurou ele,

entrelaçando os dedos aos dela. - Você me trouxe da morte e da escuridão e me deu uma segunda chance na vida. Não é hora de aprender a viver?

- Alim... - Não conseguia respirar.Com o menor toque, ele seria capaz de prendê-la na corrente mais doce e

inebriante que jamais experimentara.- Adoro ouvi-la dizer meu nome, com vontade - sussurrou.- Ah... – exalou, ela sem conseguir proferir nenhuma palavra. Acariciou

suas mãos, pedindo, implorando. Continue me tocando.Ele acariciou a palma de sua mão com o dedão, lançando por seu corpo

um jorro de vida que nunca havia experimentado: a beleza única entre um homem e uma mulher. Só existia o aqui e o agora. E Alim...

O toque dos dedos dele acariciando seus lábios era sutil como o de uma borboleta, e seus joelhos tremeram. Ela enterrou o rosto em seu peito.

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- Alim, por favor...- O que quer? - murmurou, emaranhado em seu cabelo. - Peça-me, peça e

será seu. - Ele encostou o corpo no dela, provocando um gemido incompreensível de desejo.

- Eu... Não... Mais - sussurrou e acercou-se dele. - Por favor, mais.Aqueles braços fortes a envolviam, aquelas mãos sustentavam suas

costas, aproximando-os tanto que o calor daquele corpo aquecia sua alma. Era como uma luz iluminando os anos que passara se escondendo na sombra.

- Eu estava errado. Seu nome é perfeito para você.O aroma de lama, óleo e calor masculino a inebriava. Sua respiração

tomou-se errática ao fitá-lo.- Por quê?Será que ele via? Será que sabia quanto a afetava?Sua voz era carinhosa e rouca.- Você leva alegria aonde quer que vá, Hana, e a distribui aos outros,

mesmo quando sua vida está em risco. Você me devolveu a vida, encheu minha alma de riso e paixão. - Uma corrente de desejo estendia-se entre eles.

- É mesmo? - Insegura quanto a esses novos sentimentos que invadiam seu corpo, umedeceu os lábios e viu aquele olhar escurecer e clarear ao mesmo tempo.

Queria tocar o sorriso que se formara em seu rosto.- É verdade. Você é boa para mim, Sahar Thurayya.Lenta e gentilmente, ele segurou o rosto de Hana, fazendo com que um

leve gemido escapasse dos lábios dela, que fechou os olhos e respirou, sedenta por esse homem, um estranho alguns dias atrás, um homem tão longe de seu alcance quanto á estrela mais longínqua. Mas isso não importava, pois ele a fazia se sentir como um valioso tesouro, como uma mulher que desejava um homem.

Hana deixou a cabeça pender, aproveitando aquela carícia.- Por que sou boa para você? - perguntou, num sussurro. - Mais, por

favor, continue me tocando.- Você sabe por que, minha estrela da alvorada.- Diga - implorou, passando os dedos por seus braços.- Você me faz rir de mim mesmo - murmurou. - Amplia meus horizontes.

Você abriu meus olhos para o mundo, para problemas bem maiores que os meus. Achei que estivesse sozinho nesse desejo, mas você também me quer, me quer tanto que nem sequer consegue esconder. - Acariciou seu pescoço com dedos leves como borboletas.

Sim, sim, eu sei: Agora Alim sabia como o desejava. Ela se denunciara lhe dera acesso à sua intimidade, lhe mostrara uma pequena parte de seu coração e de seus segredos. Quanto tempo ia levar até que ele soubesse de tudo?

Para Hana, Mukhtar não tinha direitos sobre ela. Seu pai pusera fim ao noivado com Latif como se não importasse, e ele sumiu tão rápido que Hana se perguntou se estava doente. Ninguém acreditara nela. Ninguém.

Ao pensar nisso, o momento passou. Ao pensar em Mukhtar, a chama em seu peito ardeu de dor e traição.

- Hana?Engolindo a decepção, Hana baixou o queixo e afastou-se.- Isso foi irresponsabilidade nossa. - Tentou falar num tom leve. Ele manteve a mão estendida um tempo, e finalmente deixou-a cair.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- Tem razão. - Fitou-a, tentando desvendar seus segredos, como se ela permitisse.

- Precisamos voltar a dormir. - Ouviu um soluço em sua voz. O desejo era algo muito novo para lutar contra ele, e não tinha as armas certas.

- Durma Hana. Um de nós precisa vigiar para o caso de eles voltarem. Não discuta comigo - acrescentou duramente quando ela abriu a boca. - Não sinto quase nada da concussão. Não precisa mais cuidar de mim.

Ela inspecionou seu rosto, procurando sinais de cansaço e estresse.- Faça isso, Hana. Depois que um homem fica tão excitado, é difícil virar

para o lado e dormir. Se ficar acordada, vou entender que quer que eu continue a tocá-la.

As palavras bruscas a chocaram e fascinaram. Ela o excitara com um simples toque na mão e nos braços, apenas encostando o corpo ao seu?

Fiquei excitada apenas pela maneira como ele me fitou.Ela também ainda estava excitada e, uma hora depois, deitada sem se

mexer, se perguntava se homens e mulheres sentiam a mesma coisa, porque não conseguia evitar os solavancos de seu corpo, a pulsação de seu sangue, enquanto a razão de seu doce fardo estava a apenas um metro de distância, envolto no mesmo dilema, guardando seu sono.

CAPÍTULO CINCO

Era engraçado, mas, de todos os ataques que Alim imaginara durante sua fuga, o único que não cogitara era exatamente aquele que podia matá-lo.

Acordou sobressaltado. Finalmente adormecera depois de horas vendo-a dormir.

Porém sabia que ela não estava dormindo. Estava inquieta, sentindo o mesmo desejo que ardia em suas entranhas. Saber disso só piorava as coisas.

Nenhuma mulher jamais teve uma reação tão extrema a nada que ele fazia, fosse um sorriso ou sua pele cheia de cicatrizes.

E com ela, ao falar sobre Fadi, em vez da paralisia e da agonia de sempre, Alim sentia alívio. Não se perdoava, e duvidava que isso acontecesse, mas sorrira ao pensar nele aquela noite. A maneira como seu irmão dera o máximo para mantê-los na pista, os desafios divertidos, o sorriso tranqüilo em seu rosto. Alim não o vira abandonar suas responsabilidades desde que assumira o comando de sua pequena nação, aos 20 anos.

Esquecera a alegria que vivera aquele dia, até que Hana lhe trouxe isso de volta.

Por fim, ela dormiu quando o crepúsculo começou a colorir o céu de vermelho.

Embora soubesse que era hora de partir, ele foi tomado por um sono incontrolável.

Quanto tempo dormira? O dia já sucumbira ao manto da noite. Um barulho na mochila de Hana acordou-o repentinamente. Um pequeno animal havia encontrado seu esconderijo.

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Virou a mochila de cabeça para baixo e ficou furioso ao ver dois roedores tentando roubar seus pertences. As sacolas de plástico que deviam impedir que qualquer cheiro escapasse estavam destruídas, e os ratos já tinham devorado duas barras e atacavam mais duas. Alim mergulhou atrás de um dos animais, que tentava fugir com uma das barras nos dentes.

O barulho acordou Hana.- O que houve?- Ratos! - gritou ele em triunfo ao recuperar a barra, ou o que sobrou

dela.Hana mergulhou atrás do outro, mas ele desapareceu por um buraco no

leito do rio com seu achado. Fechou os olhos, desesperada.- Não podíamos perder nenhuma comida. Só estamos percorrendo de oito

a dez quilômetros por noite. Sem comida, jamais chegaremos ao campo de refugiados.

- Vamos conseguir - disse ele, tocando seu rosto para tranqüilizá-la.Ela recuou rápido.- Acha que ordens reais vão nos proteger da fome num passe de mágica,

meu senhor? - Esfregou os olhos, frustrada e cansada. - Já precisou se preocupar em morrer de fome?

Ele não respondeu. Mesmo em fuga, ainda era um multimilionário que ajudava os outros por escolha própria, mas que podia voltar para casa quando acabassem a comida e os remédios. Ou então dormiria num hotel, tomaria um banho quente e pediria um jantar completo, antes de deitar num colchão macio.

- E você? - devolveu.- Por que acha que não tinha mais barras energéticas? Quando cheguei,

tinha centenas, caixas cheias, e vitaminas também. Gastei todo o meu dinheiro com isso. Dei para os aldeões, para que não alimentassem as crianças com grama. Comemos isso até que veio a primeira colheita e os caminhões de suprimentos começaram a ultrapassar o cerco de Shellah. - Fitou-o sem vacilar. - Acha que conhece o sofrimento? Você nem imagina.

Alim conhecia o sofrimento da perda. Perdeu os pais quando tinha 9 anos, e a morte de Fadi há três anos o destruiu, mas nunca foi dormir com o estômago roncando, nunca sentiu o desespero de viver mais um dia.

Aquele era o pior sofrimento físico que já suportara.Julgava-se forte por não reclamar das barras energéticas e das

caminhadas noturnas, mas nunca estivera mais errado. Ou mais envergonhado.

Para esconder suas emoções, partiu os restos da barra em dois, dando metade para ela.

- Agradeço muito pelo que vamos comer - continuou em tom de conversa, enquanto a ajudava a recolher as sacolas e comidas destruídas. - Uma coisa: não me chame de “meu senhor”. Você sabe meu nome.

- Somos o que somos - disse ela, sem sorrir. - Pode fugir da sua vida e dizer a todos que o chamem de Alim, mas continua sendo o sheik de Abbas al-Din. E não importa quantas vezes me chame de estrela da alvorada, continuarei sendo filha de um mineiro.

Mesmo tomado pela raiva, Alim falou calmamente:- Por que minha brava salvadora está inventando desculpas, se

escondendo atrás de títulos e origens?38

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

Ela deu de ombros.- É isso que as pessoas fazem. Rei ou sheik, policial ou advogado, rico ou

pobre, homem ou mulher. É o que somos. Nossos títulos implicam determinados papéis, o que fazemos com nossas vidas.

- Sim, o que fazemos. E o que você faz salva vidas. Mesmo assim, você se limita por sua origem? Não espero que seja nada além do que é. E gostaria que me visse da mesma forma.

Ela suspirou, mantendo os olhos fechados.- Não é a mesma coisa.- Tem razão, não é. Você está se protegendo de se aproximar demais de

mim, - falou ele lentamente, sem saber ainda o que diria a seguir. - Escolhemos fugir de nossa realidade e levar uma vida pela metade, fingindo que, ao salvar os outros, justificamos nossas escolhas passadas. Se sou o que sou, o mesmo princípio se aplica a você. Onde quer que esteja não poderá negar aquilo que a fez abandonar sua família. - Segurou suas mãos e fitou-a nos olhos. - E qualquer que seja seu status, aos meus olhos, sempre será uma rainha, minha Sahar Thurayya, que salvou minha vida e me fez homem de novo.

Hana o fitou por um momento. Embora não pudesse ver, ele sentiu o sangue pulsando em suas veias e percebeu suas pupilas se dilatando, explicitando o desejo intenso que sentia. Apenas segurava suas mãos, e ela já o desejava.

Então suas palavras o chocaram:- Meus enganos podem ser poucos, meu senhor, mas é tudo o que tenho,

e não estou pronta para abrir mão deles. Então, por favor, me deixe com meus erros que o deixo com os seus.

Palavras simples, que partiram seu coração como uma adaga, destruindo o desejo que crescia entre eles.

A brilhante estrela da alvorada que tornara essa maldita viagem o período mais feliz da sua vida em anos recuava mais uma vez, dando lugar à mulher quieta e silenciosa do primeiro dia.

Nunca aprenderia a não dizer tudo o que pensava?Covarde, covarde. As palavras soavam na mente de Hana como um

alarme, despertando-a dessa vida pela metade, como ele dissera. Fingindo que o que fazemos justifica nossas escolhas passadas.

Será que ele sabia como á magoara?Segurara suas mãos tão docemente, excitando-a e aterrorizando-há ao

mesmo tempo. Então dissecou suas escolhas como um cirurgião emocional, destruindo

sua alma sem saber por que ela fugira. Ao pensar nisso, Hana compreendeu.Não estava se apaixonando por ele. Estava apaixonada por ele. Baixara á

guarda e se apaixonara por um homem que jamais poderia ter. Encontrara uma alma gêmea no pior momento, quando todas as suas fantasias convergiam para um único homem.

Nunca poderá tê-lo. Ficará sozinha para sempre, lembrou-se dolorosamente, deixando a tentação a apenas um palmo de distância.

Hana tentou ao máximo manter certa distância toda noite, enquanto viajavam, mas ele tornava as coisas mais difíceis, caminhando a apenas um passo dela, conversando com ela e sorrindo, fazendo-a desejar saltar em seus braços.

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Três intermináveis dias depois, quando a lua crescente ia alta no céu, o leito do rio que servira como seu esconderijo estava largo e plano, e a pior parte do deserto ficara para trás. Finalmente chegaram à fonte de água.

Ela saiu da sombra das árvores, e ele, como sempre muito próximo, puxou-a para trás.

- Espere Hana. Ela assentiu ao ver o barbante que saía do poço. Era controlado por um

comandante, e podia haver alguém olhando.- Não temos mais água! O que fazemos agora?- Dependemos do experiente engenheiro ambiental para encontrar água. -

Alim sorriu.- Achei que você fosse um pesquisador químico. - Piscou confusa.- Fiz matérias de geologia e ambientalismo para equilibrar meus

conhecimentos. - Voltou para a sombra das árvores. - Procure a árvore mais alta, na qual os arbustos estejam mais próximos.

Com um respeito renovado pelo governante de sua terra natal, que não reclamara nenhuma vez durante aquela viagem desesperadora, ela fez o que ele orientou.

- Rápido e em silêncio - sussurrou. - Duvido que passem a noite toda sem vigiar a floresta. É um esconderijo muito tentador para os inimigos.

Alim estava sendo forte por ela, sabia que Hana se encontrava à beira do desespero.

Ela assentiu e procurou a folhagem mais abundante.Ofegou ao tropeçar sobre ele alguns minutos depois. Alim estava deitado,

cavando rapidamente ao lado de uma árvore cercada de arbustos. Ela ia falar, porém ele balançou a cabeça e apontou para oeste.

Havia luzes em movimento.Ela se ajoelhou e ajudou-o a cavar em silêncio. A terra ficava cada vez

mais úmida.- Não temos tempo para deixar a terra baixar. À água vai ficar enlameada

- murmurou ele em sua orelha, enchendo um cantil com a mão.Hana se arrepiou ao sentir aquela respiração em sua pele. Como aqueles

toques furtivos podiam ser tão íntimos? Como podia desejá-lo tanto, o tempo todo?

- Qualquer água está bom - respondeu ela, ainda cavando.- Vamos, eles estão vindo. O tronco daquela árvore é oco e tem uma

colméia, mas as abelhas já se foram.- E o buraco no chão - murmurou frenética. - Eles vão saber...- Vamos!Hana obedeceu e escorregou para dentro do tronco. Viu-o cobrir o buraco

com galhos e folhas que havia pelo chão, e usou outro galho para limpar as pegadas o melhor possível.

As luzes e vozes se aproximavam. Vamos, Alim, rápido!Como se ouvisse as súplicas de seu coração, ele levantou a cabeça e

escutou. Então, com um salto veloz, subiu em um galho, ficando a um metro do chão.

- O que foi isso? - perguntou uma voz em suaíli. - Ouvi alguma coisa.Alim continuou subindo na árvore, rápida e silenciosamente, agarrando o

tronco com os joelhos e puxando-se para cima de galho em galho, com a mochila pendurada nos ombros. Pulou para um galho, jogando as pernas no ar

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como um ginasta, e aterrissou de barriga para baixo, ficando o mais plano possível. Fez algo com a mochila que ela não conseguiu distinguir, mas agora os homens não o encontrariam.

No entanto, provavelmente conheciam o buraco no qual ela se metera. Hana segurou a respiração, encostou-se ao tronco oco da árvore e esperou.

As luzes pareciam extremamente fortes. Uma dezena de tochas encheu o pequeno bosque.

- Veio de algum lugar por aqui.Então ela ouviu uma risada e mais uma. Quase engasgou de alívio.- Caiu um galho, só isso.Os outros homens gozaram daquele que alertou para o barulho, e, após

uma rápida vistoria da área, foram embora.Logo Hana ouviu o som do jipe se afastando, mas, da mesma forma como

eles fizeram no outro dia, não se mexeu. Durante longos minutos, ouviu apenas o som de um gafanhoto.

- Hana, já peguei a água. Temos de ir.O sussurro silencioso assustou-a. Pulou e gemeu diante da dor que isso

causou. Sentia-se congelada.- Hana? - repetiu ele.Mesmo naquele murmúrio, ela podia ouvir sua impaciência.- Não consigo me mover - respondeu, com um sofrimento que não era

capaz de disfarçar. Estava exausta.- Está com câimbra? - perguntou, surgindo à sua frente.Ela assentiu, sentindo-se ridícula, um peso no momento em que precisava

ser mais forte.- Lamento.- Não se culpe. Era inevitável devido à nossa dieta restrita, a toda essa

caminhada e aos lugares onde temos dormido. - Pegou seus pés. - Deixe-me ajudá-la.

Alim tirou os sapatos dela e, numa posição estranha, massageou as solas, os calcanhares e os tornozelos. Subiu até a panturrilha e o joelho e, lentamente, alongou suas pernas, libertando seus músculos daquela dor.

Foi o toque de um anjo, curando, libertando, excitando... Não porque fosse um príncipe, um líder, mas porque era Alim, porque era o toque de Alim. Porque ela gostava de sua implicância e de suas ordens, de seu riso e seu silêncio.

A dor nas pernas foi substituída por uma dor lânguida. Mais uma vez, sentiu-se mais feminina e mais viva do que nunca.

Ele puxara metade de seu corpo para fora do buraco quando Hana sentiu um espasmo nas costas e gritou de dor.

- Calma, Sahar Thurayya, eu estou segurando você.Ele a tirou do buraco. Virou-a tão carinhosamente que a dor pareceu

suportável. Fez mágica com as mãos em suas costas e seu quadril...Ela se inclinou para trás, encostando a cabeça em seu peito. Chorou de

alegria diante daquele alívio extremo.- Alim... Isso é maravilhoso. - Ouviu sua voz gemendo e pronunciando

aquele nome.O relaxamento de seus músculos era quase tão incrível quanto o

despertar sensual. 41

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Parecia que podia voar, embora estivesse acorrentada a ele. E não era assustador, era perfeito.

- Sim, minha estrela da alvorada; é maravilhoso - murmurou ele em seu ouvido. Massageava os músculos contraídos de seus ombros. - Encoste-se em mim. Confie em mim. Nunca vou magoá-la.

Algo naquelas palavras a fez gaguejar. Mas aqueles dedos incríveis subiram até seu pescoço, relaxando-a e excitando-a.

- Adoro a maneira, como fala comigo - sussurrou ela, com a cabeça quase girando.

- Nunca falei com nenhuma mulher assim antes - afirmou rouco, parecendo surpreso. - Você me inspira.

Ela virou o rosto, sorrindo para ele, embriagada pelo alívio físico e inebriada por aquele toque, pela sensação que ele lhe despertava.

- Isso é lindo, principalmente se dito para uma mulher que cheira pior que esgoto - disse Hana, com os olhos cintilando.

- Acho que perdi meu olfato com a infusão de lama e cigarro. - Alim riu. E, como se fosse à coisa mais natural do mundo, beijou-a na testa. - E devo ter perdido o paladar com as barras energéticas. Não sinto nem a lama em sua pele, só aveia e passas.

Ela estava sonolenta, devia estar sonhando. Só podia ser. Encontrava-se no meio do deserto, sonhando com o homem perfeito num oásis. Alim não podia ser real, um homem incrível que parecia precisar dela.

Estava sonhando com o ídolo de sua juventude, o Sheik Corredor. A qualquer momento, acordaria em Shellah-Akbar, com Malika sacudindo-a, e depararia com as tarefas cotidianas: cuidar das crianças e cozinhar para elas, curar homens e mulheres cuja fome enfraquecia os dentes...

No entanto, ainda não estava pronta para acordar, e gemeu, levantando o rosto.

- Alim...Ele sentiu uma dor prazerosa ao ouvi-la murmurar seu nome, baixando o

rosto, que pairava logo acima do seu.- Hana, nós temos de ir - segredou. Sua respiração acariciava sua boca.Perdida no desejo, na alegria e na esperança que sentia, ela levou alguns

instantes até absorver aquelas palavras. - O quê?Então ela viu que havia uma luz além dos arbustos.- Acho que alguém deixou o jipe vazio. Temos uma chance de pegá-lo. -

Alim calçou seus sapatos e colocou-a de pé, segurando-a. - Está bem?Envergonhada por sua estupidez, ela assentiu. Que ridículo... Queria que

ele a beijasse, enquanto ele pensava em seu bem estar. Em silêncio, apanhou a mochila. Com um galho, ele limpou qualquer vestígio de sua presença.

Hana partiu atrás dele o mais rápido possível, sem fazer barulho. Precisava seguir seus passos, evitando galhos e folhas secas que pudessem denunciá-los.

Alim caminhava rápido, circulando o limite do bosque, afastando-se do poço d’água e aproximando-se de onde estava a luz. Cercados de inimigos, com a noite se apagando, tinham apenas uma chance de escapar: enfrentando o maior risco de todos.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

CAPÍTULO SEIS

Alim não precisou dizer a Hana o que fazer. Ela seguiu-o sem discussão quando ele partiu na frente, procurando sua segurança.

Uma mulher que podia liderar quando necessário, mas entregava as rédeas sem questionamentos quando sabia que alguém era melhor no assunto? Hana era uma mulher rara e forte. Tudo que sua mulher, Elira, nunca fora, independentemente de sua origem.

Hana significava tudo o que ele não merecia a felicidade e a alegria de viver que roubara de Fadi por uma aposta idiota de despedida de solteiro...

Não se culpe, foi o último suspiro de Fadi. Mas como poderia não se culpar?

Alim parou quando chegaram ao fim do pequeno labirinto de arbustos que os protegia. Hana, observando seus movimentos, parou também.

- Qual é o plano? Procuramos a chave ou fazemos ligação direta?- Ambos, se necessário - sussurrou ele de volta, analisando a área. - Não

se preocupe comigo. Sei correr. Eu era a ovelha negra da família, aprendi a escapar quando minha mãe me perseguia com a colher de pau. - Virou-se, sorrindo. - Estranhamente, consigo imaginar.

Ela sorriu, entusiasmando-o com aquele olhar inconstante, de menina travessa.

- Que parte? Que sou rápida?- Não, que era rebelde - retrucou.- Por que pensaria isso de mim? Obedeci todas as suas ordens.- Certo. - Alim resfolegou. - Pare de me fazer rir quando estamos em

perigo.- Vamos brincar e rir, pois podemos morrer esta manhã.Isso o fez querer beijá-la, mas era seu desejo constante, desde a primeira

vez que vira aqueles olhos. Se esse desejo era amigo ou inimigo, não ligava mais. Seus sentimentos por Hana cresciam a cada minuto, e sabia que era recíproco.

Você encontra uma mulher que o quer, e isso o faz esquecer tudo o que não é?

Ela o desejava mesmo depois de ver seu corpo deformado. Era um milagre; Alim não conseguia entender. Mas quando ela o olhava daquele jeito, todo o pensamento, até o ódio por si mesmo, esvaía-se de sua mente, substituído por batidas incontroláveis do coração, pelo corpo ávido, pela esperança...

Pare tolo. Você precisa salvar Hana. Analisou a área e estendeu a mão.- Dê-me sua mochila.- Estou pronta - disse ela, entregando-a e respirando fundo. Alim não tinha como protegê-la agora. Rezou por ela e murmurou:- Fique a mais abaixada possível e corra em ziguezague.Ela assentiu.

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Alim contou até três e correram desesperadamente até o jipe, ziguezagueando, para o caso de terem de enfrentar fogo inimigo. Esteja destrancado, esteja destrancado...

Ele sentiu Hana ao seu lado o tempo todo, como se fosse sua sombra. Separou-se dela na frente do veículo, indo para o lado do motorista. Sua porta estava trancada, e xingou desesperadamente, mas Hana abriu a porta e entrou, destrancando seu lado.

- Não tem chaves. Sabe fazer ligação direta?- Posso tentar - murmurou ele, desejando que seu treinamento incluísse

menos deveres nobres e mais técnicas modernas. - Deixe as portas abertas.Em dois minutos, os fios não criaram faísca. Resmungou frustrado,

enquanto colocou-os no lugar.- Não consegui. E não posso arriscar e correr o risco de não conseguir, ou

eles virão checar o barulho.- Espere. - Hana procurava no porta-luvas e embaixo do console central. -

Procure uma chave reserva, deve haver uma escondida.Eram momentos preciosos para desperdiçar, mas não havia alternativa.- Você procura dentro, e eu, fora - decidiu ele.Pelo menos ela estaria menos exposta.Alim saiu do carro, arrastando-se para baixo dele, procurando

freneticamente.Alguns minutos depois, queria gritar de felicidade: retirou a chave do

escudo do pneu.- Coloque o cinto - disse de volta ao banco do motorista.Ligou o motor, engatou a primeira e começou a dirigir, evitando a região

do poço e a vegetação mais densa, indo para as dunas.Meros, segundos se passaram antes que ouvissem tiros. O terceiro

acertou a janela traseira, espalhando vidro pela cabine. - Abaixe-se, Hana! - gritou Alim, aumentando a velocidade até o motor

gemer.Participara de ralis na areia antes; essa era a única maneira de manobrar

o jipe enquanto dirigia o mais rápido possível.Pisou fundo. O carro reclamou, mas começou a subir a duna.- Encontre um lastro! - tornou a gritar. - Qualquer peso para manter o

equilíbrio na parte de trás.Hana engatinhou até o banco traseiro enquanto outro tiro atingia a porta

de trás.- Posso ficar aqui por alguns... - começou abruptamente.- Não. Ache alguma coisa que não exploda se atingida. - Ou morra,

pensou, mas não disse nada.- Tem dois recipientes de vinte litros de água! - Vagarosamente,

grunhindo de exaustão, ela colocou um na traseira. - Podemos guardar um para beber se escaparmos dessa.

- Se? Está questionando minhas habilidades ao volante ou reclamando da água que achei? - Alim tentou soar tranqüilo, mas estava muito ocupado subindo a duna.

- Apenas continue dirigindo - resmungou. - Vou encher os cantis com água fresca.

Estava certa. Precisavam de toda a vantagem que conseguissem nessa corrida de vida ou morte.

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- Tem armas aqui atrás! - exclamou ela, exultante.- Sabe atirar? - gritou ele, enquanto virava todo o volante para a

esquerda, evitando mais tiros dos dois jipes que os perseguiam, ainda antes da duna.

- Não - admitiu. - Mas posso tentar. Pelo menos, posso assustá-los.- Ou fazer um buraco no nosso teto - berrou, odiando o que disse. -

Qualquer mudança no equilíbrio me obriga a ajustar a direção, e não temos tempo.

- Certo. - Ela engatinhou de volta ao assento da frente, caindo entre os bancos com uma exclamação surpresa enquanto o jipe oscilava.

- Desculpe - gritou por cima do barulho do motor.- Tudo... Bem. - Parecia fatigada demais para ter sido só pela queda.- Você está machucada. - Não foi uma pergunta.- Ombro deslocado - disse, sem fôlego. - Não consigo me mexer.Sou um idiota, Alim se repreendeu. Dependera tanto da inteligência e

engenhosidade dela nos últimos dias que esqueceu que ela não saberia compensar suas mudanças na direção.

- Fique no chão. Deite-se com o ombro machucado para cima.- Certo. - Momento depois, com a voz contaminada pela dor, continuou: -

Diga-me quando o carro for saltar outra vez.Devia estar em agonia e nem sequer reclamou. Era sua bela e corajosa

estrela da alvorada.- Agora! - gritou ele e contou até três antes de virar o volante.Não conseguia ouvi-la por causa do barulho do motor, mas aquelas

movimentações deviam estar deixando-a enjoada.- Você está bem?- Estou. - Hana não disse mais nada, o que mostrava como era difícil falar.- Ainda não posso ajudá-la. Você agüenta até despistarmos esses

palhaços?- Ah... Sim, estou bem. - Mal podia falar, mas tentou, enchendo-o de

orgulho. Ela era incrível, uma mulher em um milhão, uma rainha na pele de uma

filha de mineiro.Mais balas atingiram o carro, mas, como seguia em ziguezague, era

quase impossível que atingissem os pneus ou o tanque. Alim avisava-a antes de cada manobra. Hana estava tão quieta que poderia estar desmaiada de dor. A preocupação aumentava a culpa dele e a pressa para parar.

Restava metade do tanque. Mesmo usando a preciosa reserva para evitar o inimigo e despistá-lo, teria gasolina o bastante para chegar ao caminhão, se estivesse onde Abdel disse que estaria. Se ainda estivesse intacto, tinha um telefone via satélite e poderia ligar para o piloto que vinha três vezes por semana de Nairóbi. Os quatro pilotos de plantão tinham de responder às chamadas de qualquer voluntário com problemas. Poderia encontrá-los mesmo longe do campo de refugiados e salvar Hana.

Subindo uma duna, descendo outra, trocava de marcha de acordo ao terreno, procurando solos mais firmes para ganhar mais velocidade. Essa era a corrida de sua vida, para salvar sua estrela da alvorada.

Hana não o deixara na mão nenhuma vez. Não podia abandoná-la agora.Hana acordou com um lamento de angústia, enquanto a dor mais intensa

que já sentira arrasava seu corpo. Lutou para se levantar, mas algo a impedia.45

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- Fique parada, Sahar Thurayya. Só vou puxar uma vez... - A mão de Alim em seu ombro esquerdo prendeu-a ao chão, enquanto a outra segurava o braço machucado logo abaixo da axila; pela posição do sol, caía à tarde. - Respire fundo e tente relaxar. Um; dois...

E ele puxou seu braço antes de dizer três, antes que pudesse ficar tensa pela expectativa de dor. Ela gritou enquanto o estalar em seu corpo colocava tendões, ossos e músculos novamente no lugar; glóbulos brancos jorravam nos lugares machucados para curar, causando inchaço. Hana tornou a cair no chão, respirando convulsivamente, até que o pior da agonia passou e sua cabeça parou de girar.

- Desculpe - sussurrou ela.- Não tem que se desculpar - falou ele num tom neutro, amarrando

farrapos em torno de seu ombro e fazendo uma tipóia. - Eu é que peço desculpa por ter lhe causado essa dor com minha direção, e por não ter consertado seu braço antes de você acordar.

- Quanto tempo eu fiquei desmaiada? - Arfou, sentindo o mundo girar novamente.

Ele apanhou dois analgésicos e colocou-os em sua boca. Então ergueu-a gentilmente e lhe deu água para engoli-los.

- Quase duas horas. Seria melhor se tivesse sido numa cama. - Tocou sua face. - Você é a mulher mais corajosa que conheço.

O toque mais gentil e a, Terra voltava a girar. Por causa da dor, ela estava muito fraca para lutar contra o desejo.

- Alim... - O gemido estava cheio de um anseio que não podia esconder, tão intenso que excedia sua dor.

Ele aproximou o rosto do dela. Aqueles lábios macios tocaram os seus.- Logo. - Ele suspirou, e ela sentiu a intimidade daquela voz, o desejo que

ele não escondia, combinado com o carinho que ultrapassava suas defesas. - Quando estiver a salvo, minha estrela da alvorada, teremos tempo para ver para onde nossos corações nos guiam. Por agora, devo liderar. Confie em mim, Hana. Juro que vou salvá-la.

Enquanto era erguida nos braços dele e deitada no banco de trás, ela disse suavemente:

- Você já me salvou.- Eles não estão longe - respondeu soturno. - Tive de parar, ou seu braço

ficaria permanentemente ferido. - Puxou o cinto para ela. - Quando eu disser “agora”, segure-se.

Hana sorriu, emocionada por ele estar arriscando a vida por seu braço.- Estou pronta para seguir.Viu o brilho naqueles olhos: era orgulho dela. Engoliu em seco.- Claro que está. Esta é minha Hana. - Alim fechou a porta e deu a volta

para entrar no jipe. - Se tivermos sorte, o vento esconderá nosso rastro, mas terei de ir o mais rápido possível. Tentarei engatar a segunda para reduzir o barulho do motor.

Incapaz de falar, ela assentiu. Minha Hana... Sentiu-se tão querida em seus braços.

Aturdida pela dor e exaustão, Hana fechou os olhos e deixou virem os sonhos.

Ele engatou a primeira, aquecendo o motor. O barulho estava estranhamente acolhedor Ela sentiu-o tentando não fazer o carro saltar, para

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poupar-lhe a dor. Seu coração, por tanto tempo privado desse carinho, transbordou de gratidão.

Quando abriu os olhos, já era noite. Alim dirigia sem faróis, batendo em obstáculos que não via. Não precisava perguntar por quê.

- Você está bem? - perguntou ela, tocando-o com o braço bom.- Estou. - Ele virou o rosto tenso e sorriu para ela. - Você dormiu por seis

horas. Sente-se melhor?Assentiu, antes de perguntar:- Qual é o problema?Como resposta, recebeu uma bússola.- Que tal olhar a bússola? Não enxergo tão bem à noite, e meus óculos

estão no caminhão. Desviar a atenção do caminho para a bússola está me dando dor de cabeça.

- Claro. Mas não podemos parar um minuto para tomar um remédio?- Você tomou o último para o ombro.- Sinto muito - lamentou. - Você ainda não se recuperou da concussão, e a

dor de cabeça pode...- Pode Hana? - interrompeu, rindo. - Sou um homem forte e grande, no

controle, e gosto disso. Mim, Tarzan; você, Jane. Lembra? Então, Jane, eu preciso saber qual é nossa direção atual.

Ela sorriu e checou a bússola.- Estamos indo para noroeste.- Que grau?Hana apertou os olhos para ler e respondeu.- Segure-se, Hana. Preciso ajustar a direção. Estamos dez graus fora de

rota.Ela assentiu, segurando-se firme.O carro virou para o norte. Hana rangeu os dentes, mas a dor foi muito

menor do que esperava. A combinação de músculos e ossos no lugar e a tipóia apertada promoveram uma cura rápida.

Agora estava preocupada com ele.- Você está acordado há 24 horas, Alim. Claro que sente dor de cabeça.

Precisa descansar, e ainda temos o chá de salgueiro.- Preciso de café - disse carrancudo. - Se conseguir para mim, eu ficarei

muito agradecido. Alguns dias sem, e meu corpo está em abstinência.- Você deve estar exausto. Não podemos...- Agora não. Os ventos foram fracos demais para fazer diferença.

Precisamos continuar à frente. Há uma nuvem de poeira cinco ou seis quilômetros atrás. Se eu posso vê-los, eles podem nos ver. E eles podem se revezar na direção.

- Eu poderia dirigir se não tivesse caído. - Hana suspirou.- Se quer ajudar, fale comigo. Mantenha-me acordado. Conte-me algo

interessante.Isso a pegou de surpresa.- Como o quê?- Todos os detalhes sórdidos de sua vida - disse, mas numa voz carinhosa

e provocadora. - O que a fez querer ser enfermeira no Sahel, entre todos os lugares?

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O que pensaria se ela respondesse honestamente? Era o mais longe possível de Perth, e fora do alcance da imaginação de Mukhtar em sua busca por mim.

- Meu carinho pelos pacientes - disse, dando de ombros. - Vi documentários sobre a África, anúncios dos Médicos sem Fronteiras e do CARE Austrália. Queria ajudar.

- Há quanto tempo está na África?Ela olhou pela janela, vendo só escuridão, e sentiu saudade das bonitas

luzes brilhantes da cidade refletidas no rio Swan, em sua querida Perth.- Cinco anos.- Há quanto tempo vivia em Shellah-Akbar?- Seis meses.Seis curtos meses, e ainda assim esteve mais tempo lá do que em

qualquer outro lugar. Estava sempre pronta para desaparecer. Seus superiores esperavam isso, sabiam que fugia de alguém. Suas reservas de comida, seus cantis e a burca que usava apesar de não ir à mesquita eram reveladores, mas ninguém perguntava nada. Realocavam-na sempre que aparecia em um dos campos de refugiados.

Hana esperava permanecer em Shellah -Akbar por mais tempo. Pela primeira vez em anos, sentia-se entre amigos. Apesar do interesse de Shellah por ela, sentia-se parte da família, com aceitação e amizade inquestionáveis dos camponeses. Sentia-se quase segura.

- É um bom lugar para se esconder - comentou Alim num tom cauteloso, enquanto descia uma duna.

Ela se assustou por ele ter lido seus pensamentos. Não respondeu; não poderia fazê-lo sem mentir.

- Obrigado - disse ele, sério. - Estou feliz por não ter mentido para mim.- Devo-lhe mais que isso.Alim pisou fundo para subir outra duna.- Você não me deve nada, Hana. Mas não vai me contar sua história, eu

sei?Não era uma pergunta, então ela não respondeu.- Devemos estar à meia hora do caminhão.- Que bom. - Quanto antes se separasse, mais cedo poderia recomeçar sua

vida sem esses sonhos ingênuos.- Já voltou a Abbas al-Din desde que foi embora quando pequena?- Só duas vezes.Uma vez por três meses, durante o encontro, noivado e casamento de sua

irmã Fátima com o marido; outra para encontrar Latif. Estaria lá ainda, vivendo feliz com Latif, se não fosse...

- Você gostou? - perguntou ele, soando estranhamente intenso.Do nada, Hana ouviu as últimas palavras de Mukhtar, na noite em que

percebeu que tinha de sair dali rápido e nunca mais voltar. Tenho de sair de Abbas al-Din. Você é minha passagem para uma vida nova na Austrália. Odeie-me o quanto quiser, não ligo. Sou rico o bastante para lhe dar uma vida maravilhosa e tomar conta de sua família. Latif não vai tê-la agora. Sua família aceitou que o casamento vai acontecer. Você se casará comigo, Hana!

Ela estremeceu, imaginando se Mukhtar conseguira sair do país sozinho; se Latif encontrara outra esposa...

- Foi tão ruim assim?48

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Hana se mostrou calma; até conseguiu sorrir.- A cultura é maravilhosa, tem belezas estonteantes.Certamente não era culpa do país que um de seus filhos houvesse

incluído drogas nos negócios de importação e exportação da família, e fosse ótimo em esconder isso. Se não o tivesse flagrado negociando quando fora visitar Latif...

- Há quanto tempo você esteve lá pela última vez? - perguntou ela, mudando o rumo da conversa.

Alim fitou-a, sem expressão.- Você sabe, não sabe? O mundo sabe o que aconteceu.Alim havia ido embora há três anos, e nunca voltou. Saiu do hospital um

dia depois do funeral dê Fadi, muito antes de seus transplantes de tecido terminar.

Segundo as notícias, mandou uma carta a seu irmão mais novo, Harun, pedindo que tomasse seu lugar.

- Deve sentir falta de casa. Eu sinto muita falta de Perth.Hana maldisse sua boca desajeitada. Dissera algo inconveniente diante

de toda a dor que ele havia passado.- Então a Austrália é seu lar?Ela impressionou-se com a hábil mudança de assunto.- Cresci lá. Perth é lindo, isolado. Como Abbas al-Din, tem desertos por

todo lado e praias espetaculares. O clima também é parecido, sempre quente. - Sorriu. - Acho que estamos um pouco para oeste de novo.

Ele assentiu. - Tivemos de evitar um terreno ruim... Agora - avisou-a do movimento do

carro.Ela se segurou.- Você se sente australiana?- Sim e não. Crescer entre duas culturas diversas é uma experiência

diferente.- Nunca passei tempo no Ocidente, só depois de adulto - disse ele,

pensativo. - Como foi para você?- Falávamos árabe em casa e inglês em outros lugares. Vestíamo-nos

modestamente, mas com roupas de lá - disse, sentindo-se estranha. - Fomos criados respeitando nossa fé e vivendo em paz com nossos vizinhos, mas ainda éramos... Diferentes, sabe? - Estremeceu novamente. - Eu nunca soube quem ou o que eu era, mas era feliz.

Por isso seu pai a encorajou a voltar a Abbas al-Din para conhecer Latif quando terminou a faculdade de Enfermagem. A Austrália tinha sido boa para sua família, social e financeiramente, mas seus pais queriam que os filhos conhecessem seu país e sua cultura, e morassem onde se sentissem confortáveis.

Seu noivado aconteceu às pressas. Latif era gentil e amável, tinha uns 30 anos, de boa família, bem sucedido e pronto para casar. Ouviu-a e a fez sorrir. Hana se sentia feliz com ele. E, melhor de, tudo, quando Latif prometera respeitar suas opiniões e seus desejos, ela soube que podia acreditar nele. Gostava dele; muito.

Mas ele não me ouviu quando eu disse que Mukhtar estava mentindo, pensou tristemente.

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- Sabe a que lugar pertence agora? - perguntou Alim, interrompendo seu devaneio sombrio.

- Alguém sabe? - Suspirou.- Às vezes, não podemos estar no local ao qual pertencemos.O tom rude não escondia seu sofrimento. Hana o fitou e viu seu maxilar

tenso, os olhos fixos demais no caminho à frente.- Você não pode voltar para casa até se perdoar pelo que aconteceu com

seu irmão, Alim.Ele se virou para ela, deixando-a sem fôlego. Hana viu uma angústia

turbulenta, bela e interminável.- Você não pode voltar, e imagino que só tenha decepcionado sua família.

Eu, por meu lado, tirei a vida de um ótimo líder antes do tempo.- E o que você perdeu? - a indagou, vendo a meia verdade em suas

palavras.Eram as metades mal contadas que os mantinham na África, pessoas pela

metade sofrendo internamente por tudo o que não diziam.Ele reduziu a marcha.- Agora. Hana se segurou novamente, sabendo que ele não diria mais nada, a

menos que o provocasse.- Abbas al-Din perdeu um bom homem, um líder forte, mas a nação

sobreviveu, Alim, seguiu em frente. Você perdeu seu irmão e desistiu de sua vida.

- Fadi era mais do que um bom homem ou líder forte, Hana. Foi um pai para mim e Harun quando nossos pais morreram nosso guia e mentor. Ensinou-me tudo, era meu melhor amigo e confidente. - As próximas palavras vieram carregadas de ódio a si mesmo, e Hana sofreu por ele: - Você não imagina. Fadi está comigo aonde vou, um lembrete constante de que sua morte é culpa minha.

E essa, ela suspeitava, era a primeira vez que ele dizia algo tão emocional desde o acidente.

- Alim...- Não me diga que ele odiaria me ver assim. Sei que iria querer que eu

me tornasse o líder que ele teria sido - disse, interrompendo-a. - Mas não mereço seu lugar. Seria como se andasse por seu túmulo e tomasse sua vida uma segunda vez!

- Entendi - afirmou, depois de longo silêncio. E não disse mais nada. Talvez temesse explorar um lugar há muito esquecido. - Acho que eu sentiria o mesmo. - Apontou para frente. - Olhe por aonde vai.

Alim virou o rosto, viu a grande pedra adiante e desviou.- “Mas”? Tem um “mas” no que você disse.Ela sorriu.- Sim, tem um “mas”. Mas... Isso não é apenas sobre sua mágoa e seus

sentimentos pessoais. Abbas al-Din perdeu um líder bom, forte... No entanto, poderia ter tido um líder que aprendeu com seus erros, aprendeu compaixão sofrendo.

- Meu irmão Harun é tudo isso - disse, rangendo os dentes. - Ele fez tudo certo, até se casou com a princesa a quem Fadi estava prometido.

Perguntando-se por que Fadi arriscara a vida uma semana antes do casamento, ela tocou a mão que apertava o volante.

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- Não posso culpá-lo por recuar. Seria pedir demais de você. Ele arqueou uma sobrancelha.- Obrigado pela absolvição, Sahar Thurayya.As palavras descaradamente sarcásticas não a machucaram. Aquela

mágoa era crua, como se tivesse acontecido ontem.- Mas... Ainda não terminei meu “mas” - acrescentou ela, sorrindo

gentilmente. - Você alguma vez perguntou a Harun o que ele queria, ou só concluiu que ele faria tudo melhor que você?

Um pesado silêncio se seguiu.- O que você não está dizendo? Ela mordeu os lábios.- Entendo por que você não assiste a notícias de casa, mas isso o deixou

com uma impressão equivocada. Seu irmão Harun não está indo bem como você supõe.

Alim pisou fundo no freio, deixando o motor ligado. Virou-se e disse, quase rosnando:

- O que há de errado com meu irmão?Aquela dor e culpa eram muito intensas embaixo da fachada de ódio.

Hana expirou enquanto pensava numa boa maneira de falar.- Conheço alguns trabalhadores da região. As pessoas dizem que Harun

governa bem Abbas al-Din, mas querem você de volta. E enquanto Harun faz seu melhor pelo país, ajudando a nação a progredir novamente depois da morte de Fadi, ele não tem felicidade própria.

- Por que não? - perguntou ele, a voz sombria, a expressão carrancuda. - Amber é linda, uma pessoa genuinamente simpática. Não me diga que ele não gosta dela. Eu vi em seus olhos quando se conheceram. Harum era louco por ela.

Hana respondeu com um suspiro relutante:- Talvez fosse... Mas como Amber se sentiu tendo de casar com o irmão

mais novo semanas depois da morte de Fadi? A tradição diz que você deveria casar com ela, não é?

- Sim.Casar com Amber teria sido repulsivo para ele, como casar com Mukhtar

era para ela, por razões diferentes.- As pessoas no palácio dizem que ele e a princesa Amber estão longe de

ser felizes, Alim. Em três anos, não foram vistos sorrindo um para o outro como amantes, nem se tocando. As damas de companhia juram que Harun não visita seu quarto à noite... - Ela levantou a mão quando ele abriu a boca. - E é comprovado por fatos. Em três anos, ela não engravidou. - Parou para deixá-lo absorver o que dissera antes de continuar: - Se não houver um herdeiro logo, você sabe o que acontecerá.

CAPÍTULO SETE

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Alim fitou a escuridão aparentemente vazia, tão cheia de armadilhas e obstáculos quanto à conversa de Hana. Sabia o que viria a seguir: outras famílias nobres na região, poderosas corporações ocidentais e nações gananciosas por seu petróleo e gás, todos começariam a rondar.

E sabia tudo o que Hana não estava dizendo. Harun estava se afogando nas responsabilidades que herdara quando Alim desapareceu. Por que não estava feliz com a linda princesa com quem... Fora forçado a casar?

Pela primeira vez, percebeu como fora egoísta ao deixar seu irmão mais novo sozinho e aflito. Afogado em seu sofrimento, ignorou as necessidades de Harun. Como Hana dissera tão eloqüentemente, ele esperava que Harun consertasse uma família real e uma nação em seu lugar. Sabia que ô sério e estável Harun faria o certo, e melhor do que ele próprio.

- Obrigado por me contar, Hana - disse, sem conseguir evitar a raiva. Esperava que Hana soubesse que não era raiva dela, mas de um homem

inconseqüente, passional e jovem, que viveu maravilhosamente bem até o dia fatídico em que convenceu Fadi a apostar uma corrida com ele.

- Espero poder ajudá-lo a tomar a decisão certa. - Hana fitou a noite vazia.Sabiam que não havia decisão a tomar. Ele tinha de voltar e perguntar a

Harun o que queria: ser sheik ou não, continuar casado ou não. Talvez Harun e Amber pudessem se acertar...

Então olhou pelo retrovisor e ligou o motor.- Podemos nos encrencar mais cedo do que pensamos se não

continuarmos. Eu não devia ter parado o carro.Hana virou-se e empalideceu.- Eles estão perto.- Quatro quilômetros, talvez mais - corrigiu gentilmente, amaldiçoando-se

por tê-la assustado. - A poeira parece mais perto do que está.Ela assentiu e não falou por um bom tempo. Depois disse, numa voz

tensa:- Não era da minha conta falar sobre seu irmão.- Talvez precisasse ser dito. E talvez eu precisasse conversar sobre isso -

respondeu, surpreendendo-se ao perceber que era verdade.Ela o fez querer viver novamente e parar de fugir apenas ao contar sobre

o sofrimento que causara a seu irmãozinho.- Não comigo, Alim. Não me pergunte, não confie em mim. Não posso

nem arrumar minha própria bagunça.- Talvez não tenha de arrumar, Hana. Talvez a vida, o destino ou Deus nos

tenha juntado por um motivo. Talvez possamos nos ajudar.- Nós nos conhecemos para resolver os problemas um do outro? -

perguntou, com o mesmo sarcasmo que ele usou antes.- Não sei. Não sou profeta.- E eu não sou sábia. Só filha de um mineiro, metade árabe, metade

australiana, que não sabe a que lugar pertence.O ódio naquela voz o impressionou. Não diga mais nada. Mas alguém

tinha de mostrar a ela que o monstro em sua mente não era tão assustador...Só que agora não era a hora, è ele não era o homem certo para isso. Não

podia nem se livrar de seus próprios monstros. Por que Deus mandaria um homem tão falho para ensinar Hana?

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- A ciência e o Corão nos ensinam que somos uma família, Hana, de ancestrais comuns. Então se vê uma divisão entre nós, é só riqueza. A diferença do nascimento existe apenas na sua mente.

Para quebrar a tensão, acrescentou:- Todos nós precisamos comer beber, dormir e usar o banheiro, mesmo

que alguns finjam que não.- Tenho de acreditar nisso depois dos últimos dias. - Ela sorriu. - Minhas

barrinhas energéticas realmente o afetaram, não?- Minhas funções corporais são nosso segredinho, mas, quando

estivermos seguros, juro que nunca comerei outra barrinha - zombou.Aquela risada musical veio agitada, e ele ansiou novamente tocar aquelas

mãos, puxá-la para perto, olhar aqueles olhos e ver seu desejo quando, enfim, provasse aqueles lábios. Em momentos de silêncio, o desejo crescia em proporções insuportáveis.

Por isso intrometeu-se na vida de Hana e permitiu que conhecesse um pouco da sua.

Fazia qualquer coisa para se distrair, porque, se tornasse a tocá-la, perderia o controle. Ainda estava sofrendo por tê-la massageado; tocá-la fazia-o querer bem mais do que uma hora de prazer. Seus dedos naquela pele nua, ouvindo-a murmurar seu nome... Acariciá-la fazia-o se sentir inteiro. Como se estivesse em casa.

Independentemente do passado de Hana, era o primeiro homem a verdadeiramente excitá-la. Não tinha dúvida depois de ver o desejo ardente naqueles olhos quando segurou suas bochechas com as mãos. Um movimento tão simples para uma reação tão inesquecível.

Daria tudo para ter aquele rosto para si pelo resto da vida... Menos a felicidade de seu irmão. Não podia fazer ou dizer nada até saber a direção que o resto de sua vida seguiria. Se tivesse uma vida dali em diante.

- Seja grato pelas minhas pobres barrinhas, elas salvaram sua vida - brincou Hana, para evitar assuntos pessoais.

- Tão grato quanto você foi pela minha água suja? - retrucou, e ela riu novamente.

Não olharam para trás, mas continuaram brincando e rindo. Não falaram sobre como achavam que estariam mortos em menos de uma hora.

- Não estamos longe do caminhão, se segui bem as instruções de Abdel.Ela assentiu.- Esta é uma região desértica, e a vegetação é alta à direita. - Hana

apontou para um muro escuro. - Seria fácil esconder um caminhão ali, se não se importar com arranhões na pintura.

Ele achou graça. Na companhia dela, ria mais do que rira nos três últimos anos... E não sentia mais que traía Fadi ao rir.

- Conhecer você tem sido muito instrutivo - disse ele seriamente.- Vivo para servir - respondeu, reverenciando-o com a mesma seriedade. -

Tento não ser completamente esquecida.Nunca vou esquecê-la, pensou Alim. Mesmo que nunca mais a visse, ela

brilharia em sua memória para sempre, como a estrela da alvorada. Mas ele a veria novamente, tinha certeza disso.

- Talvez não seja totalmente esquecível, só um pouquinho.- Ah, muito obrigada - retrucou, tentando não rir. Demonstrava seus

sentimentos por ele quando falava e quando não falava.53

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- Segure-se firme e fique atenta, Hana. Temos de achar o caminhão. - Virou o jipe para a direita. - Procure uma abertura. Se nos escondermos a tempo, talvez não vejam nosso rastro à noite.

- Lá! - gritou, apontando. - Deixe-me sair. Tem uma passagem à esquerda ali, coberta com galhos, como Abdel descreveu. Vou abri-la para você.

- Será mais rápido se formos juntos. Tente correr por onde o carro passará, assim teremos menos rastros para apagar depois.

Ele parou o jipe, e eles correram para a passagem, retirando galhos e pedras do caminho. O esperto Abdel fizera de tudo pára que o caminhão não fosse descoberto.

- Mantenha os escombros por perto. Precisaremos repô-los depois.Depois que removeram o que puderam, Alim disse:- Entre no carro, Hana. Se for cobrir nossas pegadas, vai machucar o

ombro de novo.Ela ficou frustrada.- No que posso ajudar? - Pode dirigir o veículo? Reto, na primeira marcha, por uns seis metros. -

Apanhou um galho coberto de folhas enquanto falava e correu até onde ousou, considerando que o inimigo estava apenas alguns quilômetros atrás agora.

Hana dirigiu enquanto Alim limpava os rastros trinta metros para trás.- Alim! - gritou urgentemente. - Posso ver poeira se levantando atrás de

nós.- Espere. - Jogou os escombros na passagem, cobrindo o rastro o quanto

podia. - Isso vai atrasá-los um pouco. - Arfou enquanto abria a porta do motorista. Levantou-a e colocou-a no assento do passageiro. - Segure-se, pode ser esburacado.

- Vai!Ele começou a dirigir lenta e silenciosamente para minimizar a poeira.Alim fitou-a enquanto dirigia pela passagem escura. Ela olhava para

frente, calma e determinada. Parecia pálida, como um fantasma de sabedoria e força na noite.

Até agora, não havia entrado em pânico, nem o apressara, sabendo que o deixaria mais nervoso. A tranqüilidade e o bom senso nessas situações valiam mais do que qualquer beleza física que uma mulher poderia ter. Hana era uma em um milhão, nunca acharia outra mulher como essa. E quando tudo terminasse...

- Quando isso terminar e estivermos seguros, vamos nos casar. - Alim ficou surpreso diante de sua própria ousadia.

Planejou dizer como se sentia, mas suas palavras saíram diretas demais. Fitou-a de novo, viu os punhos cerrados, as bochechas brancas e narinas abertas. Xingou-se de tudo o que podia mentalmente.

No entanto, nunca disse nada com tanta certeza. Idiota, não podia ter dito algo romântico e poético para amolecê-la e conquistá-la primeiro?

- Não.A palavra não foi direta nem chocante; foi final. Só aquela palavra

envolvia um mundo de rejeição. Agora era tarde demais, e ela o rejeitara. Sua mente ficou calma e focada, tinha a luta de sua vida em suas mãos, mas tudo bem. Sua vida o esperava, e, finalmente, tinha uma razão para fazê-la falar. Pelo menos esperava.

- Por quê?54

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

Depois de alguns momentos, ela disse:- Apenas não. - Mas havia um tremor revelador naquela voz.- Você se casaria comigo se eu não fosse quem sou? - perguntou, apesar

de saber a resposta.- N... Não. Você não está falando sério.Agora ela balbuciava as palavras. Estava considerando.- Sim, estou. Quero me casar com você.- Bom você não pode. - Sua voz era desesperada. Apesar de estar sentada

ao seu lado, sua mente e seu coração devaneavam.- Não acha que mereço uma explicação, estrela da alvorada? - perguntou

em árabe.Alim notara que ela ficava mais emocional e vulnerável em sua língua

materna, e quando a chamava pelo apelido que amava.- Não há explicação - respondeu, em árabe. - Por favor, pare.- Você gosta de mim - continuou. - Tanto quanto gosto de você.- Sim...Ele não sorriu; a situação era muito séria para gastar tempo

argumentando.- Gostar um do outro é raro, muito melhor e mais forte do que desejo, e é

para sempre. Mesmo assim, você me deseja também, Sahar Thurayya, me quer como eu quero você.

- Pare, por favor. - As palavras eram cruas, feriam. - Isso é ridículo. Pessoas estão tentando nos matar, e você quer conversar sobre isso?

- Eu sei do perigo, Hana. E se nos acharem e nos matarem, esse será nosso último momento juntos. Então fale minha sincera estrela da alvorada. - Deixou-a sem defesas.

- Sim, está bem. Não preciso esconder o que você já vê. Quando sorri para mim, meu coração voa. Quando me toca, eu... Algo em mim queima e não consigo pensar em mais nada, só em você!

Alim lutou contra a gargalhada de felicidade formando-se em sua garganta. Nunca tinha ouvido uma declaração tão intensa dos sentimentos de uma mulher por ele... E nunca significara tanto.

- Então é da minha posição que você não gosta? - Continuou de olho no caminho, mas seus pensamentos estavam completamente focados nela, em fazer isso por ela, em salvá-la. Se o pior acontecesse, ela pelo menos saberia o que ele sentia.

- O problema não é o que gosto ou não. Você sabe que não sou adequada. O país ficaria chocado se você não casasse com alguém que trouxesse vantagem diplomática ou financeira.

Alim sabia disso, mas também sabia combater isso, usar seu poder e a devoção do povo em sua vantagem. No entanto, esse não era o problema real.

- Eu sei e Harun e Amber estão pagando caro por isso. É o que você quer para mim?

- Não!Hana parecia tão frustrada que ele resolveu arriscar:- Qual é o verdadeiro motivo, Hana? O que a machuca tanto que nem

consegue me contar? - perguntou com tanto carinho que a viu engolir em seco e apertar os lábios.

- Pare. Só nos leve até o caminhão.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- Ali está bem em frente. - Não forçou mais; ela estava quase desmoronando. - Vamos, e reze para que não haja outra saída nessa passagem e eles estejam esperando lá.

Hana abriu a porta, apanhou a mochila e correu para o caminhão sem olhar para trás.

Sua postura mostrava como queria estar sozinha.Será que ela sabe como seu corpo demonstra seus pensamentos e suas

emoções? Alim correu atrás dela e jogou-se no caminhão. Achou as chaves e, depois

de checar se as portas estavam trancadas, ligou o motor.- Não será fácil sem os pneus, mas... - Ele xingou mentalmente quando viu

o nível de gasolina.- O que foi? Alim se virou, sabendo que não poderia protegê-la agora... Mas sabia o

que fazer.- Precisamos encher o tanque. Tenho vinte litros e uma mangueira lá

atrás, mas...- Não temos tempo. - Ela ô fitou pálida. - Vamos ser pegos, não é?- Não fomos pegos ainda. Não vamos desistir. - Apanhou o celular do

console. Enquanto dirigia, ele ligou para o primeiro número da Chamada rápida. - Brian, é Alim. Preciso de ajuda. Estou com uma enfermeira de Shellah -Akbar. Ela está ferida e precisa de tratamento.

Escutou enquanto o piloto fazia uma pergunta essencial.- Não, não é local, é australiana. Escapamos do vilarejo alguns dias atrás

e estamos a seis quilômetros para noroeste da vila, perseguidos por homens de Shellah. Precisamos fugir rápido. Tem alguém na região? - Assentiu para a resposta e continuou: - Se precisar, meu sobrenome é El-Kanar. Sim, sou esse Alim El-Kanar. - Viu o olhar questionador de Hana enquanto escutava a resposta. - Obrigado, Brian, vamos até lá. - Desligou. - Vamos encontrar o piloto em vinte minutos. Só teremos um minuto para escapar.

- Você vai voltar para sua vida. - Foi tudo o que ela disse.- Sim. - Fitou-a e entregou-lhe o aparelho. - Caso não consigamos escapar,

quer ligar para alguém, ficar em paz?Ficar em paz no fim da vida era uma tradição em Abbas al-Din, preparava

o coração para a morte. Hana olhou o telefone, dominada por um desejo tão lamentável que o emocionou.

- Não.Soou tão determinada como quando o rejeitou. Pobre estrela da alvorada,

como sofria com seu passado. Quão pequena e solitária parecia, recusando sua ajuda. Quão corajosa e linda, com lama e sangue de tantos arranhões na pele e na boca, com o cabelo caindo da trança. Sua mulher, sua rainha, mesmo se o rejeitasse por toda a vida.

Não vacilou na tarefa à frente. Para salvá-la, faria de tudo, agüentaria o que fosse preciso. E iria salvá-la, dessa situação e do que a machucava tanto. Libertaria Hana, não importava o que custasse.

Vamos lá, pensou quando viu faróis no fim da passagem. Passou a marcha e apertou alguns botões.

- Segure -se - disse e pisou fundo.Hana arfou enquanto iam de encontro ao jipe bloqueando o caminho.- Alim, é impossível passar...

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

Riu insolente.- Quem é o Sheik Corredor aqui? Você nem sabe o que sou capaz de fazer

com essa belezinha. Segure-se e veja; confie em mim.- Mande ver, Alteza. Estou pronta - disse, sorrindo.O caminhão balançava enquanto pisava fundo, aumentando a velocidade.

Tiros atingiram os vidros à prova de bala que Alim produziu no laboratório em sua casa em Kenyan. Hana abaixou-se e gritou, mas emergiu com a mesma risada insolente que ouviu dele minutos atrás. E o caminhão foi em direção ao carro bloqueando o caminho, mais de duas vezes maior e com lâminas afiadas projetando-se nas laterais e na frente.

Os homens pularam do carro segundos antes da batida, tentando se salvar. Mais tiros atingiram o vidro, mas não o quebraram. E o caminhão passou por cima do jipe, amassando-o com seu peso.

Ela ouviu os homens gritando enquanto fugiam e sorriu.- Eles podem nos prejudicar atirando em algum lugar? - perguntou,

preocupada.- Não. Só uma bazuca quebra esta belezinha. Deve ser frustrante para

eles não ter um pneu ou tanque de gasolina para atingir. Teriam de cercar o caminhão para nos deter.

- Eles obviamente não têm bazucas. E se nos cercarem, passamos por cima deles. - Parecia animada, segurando seu braço.

Ótimo, ela não pensou na gasolina. Não queria que ela lembrasse, assim como não contou que a câmara de borracha no lugar dos pneus só duraria cem quilômetros. Quando escapassem, ela estaria a salvo; era tudo o que queria.

- Isso é estimulante para você, estrela da alvorada?Ela riu.- Meus pais diriam que esse era meu destino. Nasci para morrer num

tiroteio ou perseguição. Sempre li livros de suspense e assisti a séries policiais.

Era a primeira vez que mencionava sua família alegremente, mas não havia tempo para se prender a isso.

- Aí vêm eles. Quatro jipes, uns cem quilômetros atrás. Estão provavelmente esperando reforços antes de nos atacar.

- Não vão conseguir nos cercar antes de chegarmos ao avião. - Ela estava exultante. - Conseguimos Alim. Você conseguiu!

Alim lutou para evitar a certeza na voz quando disse:- Não, nós conseguimos. Agora vamos balançar.Ela se segurou quando passaram pelo caminho mais estreito, por cima de

pedras, areia e lama. Balançavam e saltavam dos assentos tantas vezes que o ombro dela devia estar em agonia, mas não dizia nada, só quando ele pediu que checasse o GPS para ter certeza da direção que seguiam.

Havia uma luz piscando a leste, a apenas 30 metros, e se aproximavam do local combinado. O inimigo estava 150 metros atrás.

Alim acendeu os faróis e os fez piscar o sinal de perigo em código Morse. Então parou.

- Rápido Hana. Temos segundos.Ela assentiu e apanhou a mochila.- Deixe aí - disse enquanto abria a porta para ela, exausto por estar

acordado há 36 horas. - Não podemos pesar muito no avião.57

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Ela assentiu, segurou sua mão e correram desesperadamente para o Cessna. O pequeno avião pousou evitando o caminhão. Assim que estabilizou, a porta se abriu.

- Entrem! - gritou o piloto, mas Alim já estava colocando Hana para dentro.

- Vá!Hana arregalou os olhos quando viu que só havia dois lugares; a traseira

estava lotada, e não havia tempo para fazer um lugar para ele. Lutou contra o piloto enquanto ele a colocava para dentro.

- Não, Alim, você não pode fazer isso!- Vá! - Fechou a porta, enrijecendo ao ver aquele rosto desesperado, as

mãos contra a janela.Ficou coberto de poeira quando o avião decolou.- Alim, não faça isso! Alim! - Hana gritava, socando a janela.Lágrimas escorriam dos olhos de sua corajosa Hana, que nunca chorava

ou reclamava.- Alim!- Vou voltar para você, ouviu? Vou encontrá-la Hana! - gritou ele com

tanta convicção que quase acreditou. O avião decolou enquanto os jipes passavam por Alim, os rifles prontos

para atirar...- Meu nome é Alim El-Kanar - anunciou em árabe, calmo, soberbo em

suas roupas sujas e esfarrapadas, rezando para que soubessem árabe o suficiente para entendê-lo antes de matá-lo. - Sou o sheik desaparecido de Abbas al-Din. Valho, pelo menos, cinqüenta milhões de dólares de resgate.

Parecia que todos entenderam o bastante. Vinte rifles mudaram o alvo do céu para seu peito.

CAPÍTULO OITO

Campo de refugiados Compaixão pela Humanidade Noroeste do Quênia Nove dias depois

- Hana, vá ao escritório de Sam - avisou uma das enfermeiras. - Parece que sua transferência chegou.

- Obrigada. - Ela foi até o escritório do diretor, aliviada.Logo estaria longe dali, numa vila remota onde não haveria rádio na

tenda principal repetindo a história do sheik capturado por Shellah, que pedia cem milhões de dólares pela devolução de Alim. Não veria jornais com fotos dele quando foi solto, dois dias atrás, cansado e com machucados no rosto e nos braços, mostrando quão brutalmente fora tratado.

Aonde fosse os voluntários só falavam dele. Nunca haviam visto seu rosto, sempre escondido atrás dos lenços árabes, mas o quieto motorista era o sheik desaparecido!

Mulheres lamentavam ter perdido uma chance com ele. Homens desejavam ter andado naquele caminhão incrível para testar suas habilidades.

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E Hana caminhava pelo campo como um fantasma solitário, esperando ouvir sua voz... Vou voltar para você. Vou achá-la, Hana.

Obviamente isso não ia acontecer. Agora era sheik novamente. Tinha uma vida que nunca a incluiria.

- Você colocou o véu de novo.Ela ficou sem ar. Devagar, virou-se, sem conseguir acreditar, mas ele

estava lá, ao lado da mesa, sorrindo para ela como se tivessem se passado algumas horas desde que se viram pela última vez.

- Você parou de se esconder, eu voltei a me esconder - disse ela quando conseguiu falar. Afastou o véu e o cabelo do rosto, sem pensar em por que fazia aquilo...

- Pelo menos estou limpo.- Você ficou diferente limpo.Um passo, outro, e estavam a centímetros um do outro. Aproximaram-se

rápido demais, tremendo e soluçando lágrimas bobas.- Você veio.Ele sorriu carinhosamente.- Eu disse que voltaria. Sam saiu por dez minutos. Depois disso, alguém

pode entrar e nos ver.Hana mal ouviu. Caminhando até ele, balbuciou:- Eles o machucaram... - Suas mãos tocavam aquele rosto, tremendo,

sentindo a pele quente. Estava vivo. E chorou novamente. - Alim, eu fiquei tão assustada... Você está vivo, vivo.

- Estou vivo - concordou, ainda sorrindo, os olhos escuros emotivos. Tocou sua face, roubando sua alma.

Então, sem avisar, ela o estapeou tão fraco quanto seus joelhos.- Você me assustou tanto, quase morri! - Soluçou, desabando naquele

peito.Aqueles braços envolveram-na pela primeira vez.- Não consegui comer nem dormir de tanta preocupação. Como pôde

arriscar sua vida daquela maneira, Alim? Como?!- Por minha bela e corajosa estrela da alvorada, sacrificaria mais do que

minha liberdade por uma semana.- Não se arrisque por mim, não valho à pena - sussurrou lágrimas rolando

pelo rosto. - Você poderia ter morrido Alim! Seu país precisa de você!- Não tanto quanto preciso de você.Aquelas simples palavras tiraram seu fôlego.Ele checou o caro relógio de pulso.- O avião está esperando. Temos de ir, Hana.- Eu... Entendo. - Afastou-se, e ele viu a devastação em seus olhos.- Acho que não. Uma delegação das Nações Unidas quer falar conosco

sobre nossa experiência, saber das novas fronteiras, do armamento e dos atos de Shellah contra a população da região. Estarão em minha casa em Mombasa amanhã.

Alegria e pânico varreram-na. Estaria com Alim novamente, pelo menos por algum tempo, mas onde apareciam as Nações Unidas, aparecia à imprensa.

- Não posso!Ele segurou suas mãos.

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- Concordei desde que seu rosto e sua identidade ficassem anônimos. Você tem minha palavra, sua identidade não aparecerá nas entrevistas. Mas o que dissermos poderá ajudar pessoas da região de Shellah a escapar desse domínio violento.

Hana sentiu-se pequena, insignificante perto dele, pensando em si enquanto pessoas com as quais se preocupava ainda sofriam bem mais do que ela já sofrerá. Odiava não conseguir encarar sua realidade... E logo teria de contar para Alim por que não poderia casar com ele ou ser sua amante.

- Claro. Vou pegar minhas coisas.- Suas coisas já estão no avião. Não temos escolha, Hana. Sam vai dizer a

quem perguntar que você foi realocada, então não há nenhuma conexão entre nós que possa vazar para a mídia. Falei da enfermeira que salvou minha vida, claro, mas você ainda é seguramente anônima.

Estranho, mas quando ele falou aquilo, mesmo sem emoção, Hana sentiu-se a mais miserável das covardes.

- Obrigada. - Levantou a cabeça, recusando-se a se desculpar ou explicar suas escolhas.

- Há um carro logo atrás da tenda. Preciso que vá até a frente do campo enquanto eu vou para trás. Assim, se eu for reconhecido, não seremos vistos juntos.

Ela assentiu e, percebendo que ainda apoiava as mãos naquele peitoral, ruborizou e tirou-as.

- Está bem.- Conversaremos no avião, Hana. - Seus olhos brilhavam.- Tudo bem. - E ela apressou-se para fora da sala.O diretor fez bem seu trabalho. Pelo menos seis pessoas desejaram-lhe

boa sorte em sua realocação enquanto ia até os portões. Sentiu-se uma mentirosa. Qual era a diferença?

Não era o que tinha sido nos últimos cinco anos?Não posso mentir para Alim. E isso a aterrorizava, pois seria difícil.As janelas do carro eram escuras, Alim já estava sentado. O vidro escuro

entre o motorista e os passageiros estava fechado, criando um clima íntimo.- Não é tão barulhento quanto o caminhão ou o jipe; - comentou-a,

tentando parecer relaxada, o coração batendo forte ao ver o olhar em seu rosto.

Ele se aproximou.- Demora vinte minutos até o aeroporto. Ainda não disse "oi". - Levantou a

cabeça, e, antes que ela pudesse reagir, Alim afastou o véu que ela recolocara depois de deixar o escritório e encostou os lábios nos dela, macios, prolongando-se... - Oi, Sahar Thurayya. Senti saudade... Como pode ver.

O coração dela batia incontrolavelmente; não conseguia nem falar. O primeiro beijo de verdade... Tão gentil e puro...

Fechou os olhos. O desespero a varreu como uma enxurrada, fazendo-a sentir-se suja devido ao desejo que não tinha o direito de sentir. Um beijo e ansiava por ele, mas nunca poderia tê-lo, como marido ou amante. Engoliu a dor, mas ainda não conseguia falar.

Tudo o que pôde fazer foi balançar a cabeça.- Não? - perguntou ele, gentilmente. - Não sentiu saudade? É difícil de

acreditar, considerando a saudação que você me deu. - Os dedos em seu queixo acariciavam-na.

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Ela estremeceu com o poder daquele toque, mais forte do que qualquer Mukhtar.

- Olhe para mim, Hana.Momentos se passaram, mas a dor só crescia enquanto hesitava.- Sei que você disse que não sentia nojo de mim, mas foi numa situação

de vida ou morte. Agora quero que olhe com cuidado. - Ele tirou a camisa, revelando os enxertos rosados sobre as cicatrizes tortas no ombro, metade do peitoral e barriga. - Mais cirurgia pode ajudar, mas não há tanto a fazer por queimaduras de segundo grau. Espero que a enfermeira em você não enjoe me vendo - disse, com uma amargura que partiu coração dela. - Tenho cicatrizes no quadril também, porque alguns dos enxertos vieram de lá.

Ela não precisou perguntar de onde vinha o resto da pele. Fadi está comigo aonde vou, Alim dissera. Orgulho e dor juntos, o lembrete eterno da perda. O corpo do irmão morto fora o doador.

Mais lágrimas rolaram inúteis. Seus dedos trêmulos tocaram aquela pele, quase sentindo a chama que a destruíra.

- Acha-me repulsivo? - perguntou ele, tocando-a. - Não como enfermeira, mas como mulher? Se você acha, acaba aqui. Sou seu eterno devedor, Hana. O que acontecer daqui para frente estará em suas mãos. O futuro é sua escolha.

Ela não ouviu mais nada depois da palavra “repulsivo”. Afastou suas mãos das de Alim e tremeu enquanto o tocava, misturando desejo e dor. Não percebeu que se inclinara sobre ele até que seus lábios tocaram as cicatrizes do ombro, deixando lágrimas salgarem a pele quente. Quando começou, não pôde parar. Alim era lindo, tão absolutamente primoroso que só pensar em não tocá-lo, não beijá-lo, causava-lhe agonia. Precisava, tinha de beijá-lo novamente...

- Alim... - sussurrou ela, com o desejo puro de uma mulher por seu homem, estranho e lindo.

Beijou aquele pescoço, peito e ombro; repetidas vezes, sua boca passeando pelo que ele era agora, pelo que sempre fora, enchendo-se de desejo feminino, porque aquele sofrimento o havia tornado o homem que amava.

Ele levantou seu queixo com as mãos.- Não, não - murmurou Hana num protesto incoerente, palmas e dedos

ainda acariciando-o. - Não, mais, eu preciso de mais...Então ela viu aqueles olhos, cílios pontiagudos por causa das lágrimas.- Minha Hana - disse rouco. - Minha doce estrela, você selou nosso

destino.Exclamando, ela o puxou para si, caindo para trás, com aquele corpo

apoiando-se no seu enquanto seus lábios se encontravam. Seus dedos passearam por aquele cabelo, acariciando o pescoço, movendo-se contra ele e gemendo, ávida, querendo muito mais.

Passara anos sentindo-se quase morta, vivendo só para outros, existindo nas sombras do medo. Agora estava viva, finalmente. Mais beijos, profundos e carinhosos, e, ah, pelo menos sabia como era estar cheia de amor para dar e receber...

O carro estacionou. Estavam na pista. Ele estava sobre ela, sorrindo com tanto carinho que o coração de Hana se estilhaçou, e ela voltou a si. Quem era; o que era?

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O que havia feito com ele... E consigo própria? A felicidade naquele rosto despedaçou-se silenciosamente. Alim ajudou-a a se levantar e vestiu a camisa antes de abrir a porta. Ela ajeitou o véu, baixou os olhos e fechou a boca para evitar palavras. Ainda não. No avião.

Em Mombasa. Em qualquer lugar, menos ali e naquele momento.O avião era um pequeno jato luxuoso. Hana nunca vira nada igual.

Sentada ao lado dele, olhou pela janela, esperando que ele falasse, perguntasse, rezando para que, em algum lugar dentro de si, encontrasse forças para contar.

- Se a conheço bem, voltou a trabalhar logo que chegou ao campo, certo?Soava tão normal. Era uma dádiva; ele estava quebrando a vergonha e o

incômodo, dando-lhe tempo, deixando-a contar quando estivesse pronta. Não pôde conter um sorriso.

- Bom, tomei banho e me troquei antes. Aquela lama não era a melhor coisa para cuidar de ferimentos abertos e pessoas doentes.

- Não confiariam muito em seus métodos de limpeza. Ela riu. A conversa fluía muito bem. Com Alim, podia ser ela mesma, e ele

gostava dela.- Devia ter visto a expressão das pessoas quando cheguei. Uma amiga me

barrou, achando que eu era uma refugiada, de tão suja e esfarrapada.- Você definitivamente cheira melhor agora. Mas sem lavanda. Que

perfume é esse? - perguntou ele, como se sentisse falta da lavanda.- Baunilha. Um sabão local feito de leite de cabra. Você sabe, os locais

trazem carrinhos e vendem.- Devem estar bem de vida para conseguir comprar a essência. - O diretor colocou os produtores originais em contato com a organização

de Comércio Justo, e as vendas foram tão boas que começaram a produzir sabonetes perfumados. Toda a vila participa da produção agora.

- Será que Shellah-Akbar se interessaria por algum projeto parecido?- Eles têm uma nova enfermeira - disse triste.Hana sentia falta dos amigos, da sensação de dever cumprido ao ver os

bebês crescendo, da serenidade de ter um lugar não para se esconder, mas onde pertencia.

- Recebi relatórios de lá. Shellah não está feliz, mesmo com o dinheiro de meu resgate.

Hana sentiu o estômago embrulhar. Sabia o que significava. Shellah estava ansioso para tê-la, e descontaria em quem pudesse.

- Estão todos bem?Ele cobriu o punho cerrado com a mão.- Não se preocupe Hana. Contei a meu irmão que ajudaram a salvar

minha vida, os riscos que correram para apagar nosso rastro. Ontem Harun visitou os cinco vilarejos da região. Ofereceu-lhes proteção ou um novo lar em Abbas al-Din, num vilarejo próprio para eles, numa área segura e arável, com proteção pessoal do sheik. Harun está negociando com o governo para fazer vista grossa enquanto nossas forças os evacuam.

Numa região onde “negociar” significava gastar milhões, ela imaginou o quanto pagaram para salvar essas pessoas que não significavam nada para eles. Segurou a mão dele com força.

- Obrigada.

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- Meu irmão é um bom homem, um líder forte. - Alim beijou sua mão. - Casar comigo tem vantagens, Sahar Thurayya - murmurou provocador. - Você encontrará outras mais para frente.

Ela ficou aturdida com aquelas palavras. Inspirou, afastou sua mão da dele e disse, dura e friamente:

- Não posso me casar com você, Alim.- Por que não? - perguntou calmo o bastante. - Não me diga que não me

ama, Hana. Depois do jeito que me beijou no carro, não vou acreditar.O estômago dela deu um nó, e Hana teve de forçar as palavras:- Já sou casada.

CAPÍTULO NOVE

Um buraco se abriu sob seus pés, sugando seus sonhos e suas esperanças. Alim fitou a única mulher que já amara, pensou em todos os sacrifícios que enfrentou por ela e em como Hana também arriscara sua vida por ele.

- Você me levou a crer que era viúva. - A tradição era que o sheik casasse com uma virgem de alta linhagem, como Amber, mas ele imaginou que pudesse fazer seu povo aceitá-la. Mas agora...

- Eu sei - falou baixo, envergonhada.- Disse que não tinha marido. Você disse isso!- Não - replicou frustrada.- O quê? - Balançou a cabeça, tentando entender. - Ou você tem marido

ou não tem.Hana não conseguia encará-lo.- Casei-me por meio de um representante. Desapareci antes que me

forçassem a casar com ele, e nunca mais voltei. Então sou casada, mas não tenho marido. - Torceu a boca. - Aposto que não conhece nenhuma virgem casada há cinco anos.

- Você contornou a verdade. Levou-me a acreditar que era livre! - Alim sentia-se traído.

- Você me perguntou no primeiro dia, ainda era um estranho. O que esperava? A história da minha vida? - Eram palavras diretas que ô atingiram, em cheio.

- Quando a pedi em casamento...- Você nunca me pediu em casamento, meu sheik, apenas expôs suas

intenções - replicou irônica.Ele não gostava de ser chamado por seu título.- Certo, não foi o pedido mais romântico, mas salvar a sua vida gastou

toda a minha energia. Achei que você entenderia.- E entendo. Você é um homem que sabe o que quer e espera que eu siga

seus comandos, assim como Mukhtar! Ele arruinou meu noivado com o próprio irmão para encobrir o que havia feito. Achou que casar comigo à força compraria meu silêncio. Então disse a meu pai e a Latif que eu o seduzi. -

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Apertou os lábios e afastou-se. - Portanto, sou casada graças às leis machistas da família El-Kanar, que permitem a compra e venda de suas filhas como gado, e sou uma prostituta por tê-lo tocado.

A raiva e traição que Alim sentia se desvaneceram e morreram. Era irônico, como a própria Hana dissera, pois ele a acusara de tê-lo seduzido, exatamente como Mukhtar, mas ela ainda era virgem.

Quando recuperou a voz, ele disse:- Seu noivo acreditou no irmão?Ela assentiu.- E sua família? - perguntou sinceramente envergonhado.Hana deu de ombros.- Mukhtar contou para todo mundo. O escândalo destruiu meus pais e

acabou com as chances de minha irmã mais nova conseguir um bom marido. Para salvar Fátima, papai foi cúmplice do plano de Mukhtar. Uma mulher não pode testemunhar contra o marido em Abbas al-Din - concluiu.

Meu Deus, que bagunça, pensou Alim. Na sociedade de Abbas al-Din, se Hana não casasse com o homem com quem, supostamente, foi para a cama, seria renegada. E a notícia chegaria até sua comunidade na Austrália muito antes que pudesse voltar para lá.

Então, em vez de casar com um homem que odiava, decidira viver como fugitiva e abrir mão de todo.

Ele pensava rápido, tentando encontrar uma solução para ela, sua salvadora, seu amor. Em vez de abraçá-la e dizer que não estava sozinha, perguntou:

- Sabe onde Mukhtar e sua família estão?Ela se contraiu ainda mais.- Sei que quer me ajudar, mas se ele descobrir onde estou... Nem você

pode intervir em assuntos de marido e mulher.Pensar nela como esposa de Mukhtar, entre ardis e mentiras, lançava

ondas de fúria por seu corpo, despertando o desejo de encontrá-lo e destruí-lo. Mas essa era a última coisa de que Hana precisava.

- O que você sabe sobre ele?Ela balançou a cabeça.- Ele é da minha família. Expô-lo poderia destruir a todos.Comovido por sua lealdade, ele esticou a mão para tocá-la. Mas ela não

precisava de seu amor, precisava de...Precisava de um milagre, pensou sombrio. Era um verdadeiro quebra-

cabeça a ser resolvido, mas Alim já tinha muita das peças. Hana não falava com ninguém da família havia cinco anos, então estava apenas seguindo seus instintos.

Alim disse a única coisa que podia sem lhe causar mais sofrimento: - Tudo bem, Hana. Eu entendo. Não vou pressioná-la mais, prometo.Depois de uma longa pausa, ela agradeceu.Estava chorando em silêncio e, devido à sua promessa, ele não podia

consolá-la. Alguns centímetros os separavam, mas pareciam quilômetros. Queria

confortá-la, mas o silêncio era a única, coisa que podia lhe dar.Tinha feito planos para essa noite, mas agora havia outras providências a

tomar.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- Não é uma boa idéia - disse Hana ao entrar na casa de Alim, em Mombasa.

Da grande porta de vidro que dava para a varanda, tinha-se uma vista linda do oceano Índico. As ondas quebrando na praia pareciam seu coração.

A mesa estava posta para dois, com velas e iluminação suave.- Já esquematizei a sua estada numa pousada no fim da rua. - Embora as

palavras de Alim soassem neutras, ela o fitou imediatamente. - Sua reputação é preciosa - disse tranqüilo. - Quanto a tudo isso, havia organizado quando achei que fôssemos nos tornar noivos esta noite. Podemos comer. Meus funcionários jamais dirão a ninguém que você esteve aqui e poderão levá-la à pousada depois do jantar.

O que podia dizer? Ele não a culpava pela destruição de seus sonhos.- Tudo bem. Alim me desculpe...Ele fitou-a com doçura no olhar. Sentou-a á mesa e tirou seu véu com

tamanha delicadeza que ela sentiu vontade de chorar.- Não precisa se desculpar.Ele parou de chamá-la de minha estrela. Mal a tocava. Quando achou que

ela não estava olhando, seus olhos escureceram de dor. Aceitou que tudo estava acabado antes mesmo de começar. Irracionalmente, ela sentia vontade de gritar: não vai lutar por mim?

Mesmo que Mukhtar não existisse, Alim jamais poderia casar com a filha de um mineiro, e não poderiam ser amantes. Isso destruiria sua família e, independentemente do que fizeram, amava-os.

A comida estava deliciosa: arroz apimentado, cordeiro, peixe com batata e banana frita. Infelizmente, nenhum dos dois comeu muito, usando a comida como desculpa para continuar em silêncio.

Uma música suave tocava no rádio, combinando com o pôr do sol, belo e suave.

Depois de um tempo, Alim empurrou a cadeira para trás.- Isso é ridículo - disse com um tom violento.- É - concordou ela, aliviada por finalmente dizer alguma coisa.- Não consigo fingir.- Devo ir embora - disse triste.- Não. - Puxou-a para seus braços antes que ela pudesse se mover. - Não

vá - murmurou, roçando sua bochecha na de Hana. - Odeio ficar com você e saber que não posso tê-la, mas ficar sem você é pior.

Hana queria abraçá-lo, continuar a beijá-lo, mas o momento havia passado. As palavras; sou casada tornaram tudo real.

- Isso só torna as coisas mais difíceis.Ele segurou-a com força.- As coisas mudaram no meu país. Casamentos por meio de

representantes se tomaram ilegais em Abbas al-Din desde que Fadi assumiu. Não sei se seu pai sabia disso...

- Mesmo que seja verdade, não posso repudiar o casamento depois de todos esses anos. Isso humilharia meu pai.

- Ele acabou com você. - As palavras estavam carregadas de raiva. - Acha que fugir do casamento que ele organizou não o desgraçou e o envergonhou publicamente diante de toda a família? Não acha que é melhor resolver esse assunto?

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- Ele nunca vai me perdoar - sussurrou. - É por isso que não posso voltar. E você precisa de uma mulher adequada, uma princesa. - Afastou-se e fitou-o pela última vez. - Por favor, deixe-me ir.

- Não deixo, não sabendo que vive escondida, planejando apenas sua próxima fuga. - Segurou-a pelos ombros, com os olhos ardendo. - Venha para Abbas al-Din. Vou lhe dar uma casa, e podemos...

- Não posso ser sua amante - murmurou, destruída. - Isso arruinaria o nome da minha família.

- Mas foi você que sofreu por causa deles - devolveu. - Depois do que fizeram ainda se importa?

Ela estremeceu e aproximou-se, aconchegando-se nele.- Achei que não me importasse. Quero odiá-los, mas não consigo.A mente de Alim raciocinava com agilidade.- Então nos casamos na África. E ficamos aqui.- Não! - gritou. - Você não pode renunciar à sua posição por mim. Eu

sempre seria a mulher que roubou o sheik de seu povo, e minha família acabaria humilhada.

- Então eles são mais importantes para você do que o que nós temos? Ou está inventando desculpas para me abandonar? O beijo no carro foi uma farsa, uma boa despedida para essa aberração?

- Pare. - Empurrou-o. - Estou fazendo isso por você. Sabe o que sinto, mas não tem jeito. Sou a mulher errada para você!

- Você acha que qualquer mulher nobre é melhor para mim? - Por fim, largou-a. - Sabe que já me casei com uma princesa, não? Foi um pesadelo. Disseram que ela morreu de uma forma rara de pneumonia, mas a verdade é que Elira se matou depois que os médicos disseram que ela não podia ter filhos. Diante das câmeras, era a esposa perfeita. Mas, em particular, era muito instável e sensível, vivia gritando e chorando, querendo algo que eu não podia lhe dar. Em três anos, ela quase me enlouqueceu. Não me casaria por força do Estado novamente.

As palavras eram frias e amargas.- Nem todas as princesas são iguais. - Hana tentou rir, mas ele se afastou,

com o olhar impassível. - Tivemos um semi-caso de uma semana. Algumas carícias, alguns beijos. Isso não pode virar o amor de uma vida - continuou, tentando sorrir e parecer forte.

- Tenho 37 anos, não sou um garoto. Sei o que quero e quero você. Se não casar comigo porque sou sheik, não serei mais. Harun se tornou um grande líder. As pessoas só clamam por mim porque eu era famoso. Se não casar comigo, Hana eu viverei sozinho.

Ela não sabia se ria ou se chorava.- Mais cedo ou mais tarde, vai encontrar alguém adequado para amar...- Você vai?As duras palavras deixaram-na confusa.- Claro que não, já disse que não posso...- Se ele estivesse morto, me procuraria? Ou buscaria outra pessoa? O que

é um homem adequado para você?- Eu iria para casa - disse calmamente.- E encontraria alguém? - insistiu.Como poderia suportar que outro homem a tocasse depois do que dividira

com ele? 66

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

Foram momentos breves, mas suficientes para não esquecer jamais.- Diga Hana. - Uma ordem crua, que a invadiu com a dor que ele não

sentia vergonha de mostrar.- Não devo - disse, engolindo em seco e olhando para baixo.- Hana, você não fez votos a Mukhtar, então não vai trair seu pai. Mas

apenas me diga se é verdade, se os beijos eram reais, se seu desejo por mim é sincero. Se não for, pode ir, e nunca mais nos veremos.

Alim tinha razão: os votos feitos não eram dela. A dor de Alim fez sua determinação vacilar. Por que não dizia o que sentia apenas uma vez?

Não conseguia encará-lo enquanto dizia o que jamais dissera a homem algum.

- Amo você - declarou-se suavemente. Então ergueu os olhos, que brilhavam com uma alegria sincera, mais bela do que nunca. - Amo você, Alim.

Aqueles olhos estavam cheios de um amor aflito. Pelo que conhecia de Hana, ele sabia que estava se despedindo.

- Amo você, Hana. - Abraçou-a, fazendo com que tudo o que estava morto dentro dela voltasse à vida. - Amo você. - E beijou-a.

Todos os nãos saíram voando pela janela ao envolvê-lo em seus braços e ao intensificar aquele beijo puro e apaixonado. Não se sentia envergonhada ou suja, porque era Alim.

Sentiu enquanto ele a despia de todo o seu traje, revelando a saia de algodão, camiseta cor -de -rosa e sandálias. Hana acariciou o cabelo dele, enquanto segurava-o pela cintura com a outra mão. Abriu os botões de sua camisa e acariciou o homem que amava.

Suspirou enquanto ele passeava com a boca por seu queixo.- Alim, diga mais uma vez, me chame de sua estrela.- Amo você, Sahar Thurayya - sussurrou em seu ouvido. - Minha bela e

brilhante estrela da alvorada, você me iluminou quando estava escondido nas sombras. Você me fez homem de novo.

Ouvindo-o sussurrar seu amor, ela sentiu uma mudança, sua alegria vacilou. Seu amor era como a estrela da alvorada com que ele a comparava: vista por um momento breve e brilhante, porém impossível de reter nas mãos. Era apenas uma serviçal para o rei, uma plebéia para o poeta. Isso não era amor de verdade, era gratidão por ter salvado sua vida. Mas ver que ele pensava que era amor fora suficiente, porque era todo o que poderia ter.

- Tenho de ir - murmurou ao sentir que aqueles beijos ficavam cada vez mais intensos. Era agora ou nunca.

- Fique comigo esta noite - pediu ele, ávido.Hana estremeceu novamente, lutando contra a tentação.- Não posso - respondeu, sentindo uma rajada de dor. - Pare -

interrompeu-o quando ele tentou falar. - Isso só vai piorar tudo.Precisava romper o encanto enquanto ainda havia uma chance de ele

superar. Alim precisava de herdeiros para o bem de sua nação. Além disso, sabia que ele não a amaria para sempre. Não era inesquecível, a julgar pela maneira como Latif saiu correndo de sua vida.

A paixão morreu naqueles olhos, mas o amor e o carinho por ela cresceram.

- Se ele a encontrar, Hana, quer que essa seja sua primeira vez?Ela afastou-se. Se ele soubesse o que acreditava que Mukhtar faria com

ela, nada o impediria de tentar protegê-la ainda mais.67

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- Vou ficar bem, prometo. - Você não pode prometer. Na roleta-russa em que vive, sempre haverá

outro Mukhtar, outro Shellah. - Sua voz era dura, mas não queria atingi-la. - Volte comigo para Abbas al-Din. Juro que será feliz.

Hana foi capaz de sentir o sabor da felicidade no coração e na alma, mas aquela isca era fatal.

- Vou ficar bem. Sobrevivi 26 anos antes de conhecê-lo. - Forçou uma piscadela simpática. - Sei que vou seguir em frente depois... - As palavras secaram, e fechou os olhos. Não conseguia pronunciar aquilo. Depois que você for embora.

- Por 37 anos, vivi tudo o que o mundo me ofereceu: educação, viagens, aventura. E jamais me doei de coração, Hana. Então conheci você, e foi como se toda à minha vida tivesse passado em alguns dias. Almas estranhas entrelaçadas para sempre, minha estrela. Nosso sentimento ê eterno acredite ou não. - Virou-a e prendeu os olhos aos dela. - Isso não acabou. Não vou deixar. Não vou deixar que se esconda de mim.

Ela piscou com força, mas não conseguiu conter as lágrimas.- Tem de acabar. Por favor, não peça de novo - soluçou.Alim acariciou-a, enxugando suas lágrimas que não paravam de cair.- É sério, Hana. Isso não acabou. Vou encontrar uma solução para nós.

Recuso-me a viver sem você. - Sorriu para ela, forte e carinhoso ao mesmo tempo, enquanto outro soluço escapava daqueles lábios, um soluço de perda. - Você está cansada. Vou pedir a Yandi que a leve para a pousada - murmurou depois de um longo silêncio.

Alim ajudou-a a vestir o traje, seu único escudo, que agora começava a parecer um inimigo, simbolizando tudo o que deixara para trás. Mais uma vez.

Yandi estava esperando por ela fora da casa. Alim abriu a porta, e ela quase correu.

No topo da escada, virou-se, lançando-lhe um olhar pela última vez.- Isso não acabou. Vou encontrar uma saída para nós - disse baixo e

intenso.Ela balançou a cabeça.- Volte para casa. Seja o homem que lhe foi destinado. E seja feliz, Alim.

Preciso que seja feliz.Ela desceu as escadas antes de fazer alguma besteira, como dizer que

mudara de idéia, que daria tudo para passar mais um dia com ele. Mais um instante.

CAPÍTULO DEZ

Na tarde seguinte A Delegada das Nações Unidas olhou diretamente para ela. Alim via como Hana ficava desconfortável quando alguém a fitava. Permaneceu em silêncio durante as três horas de entrevista, a menos que lhe fosse feita uma pergunta.

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- Hana, você foi muito corajosa ao salvar o sheik El-Kanar. Se precisar de alguma ajuda, me ligue - disse ela, entregando-lhe seu cartão.

- Obrigada. - Levantou-se.Ele se perguntou se todos conseguiam ver como Hana queria sair dali.- Vou deixá-los agora.- Hana? - Alim alcançou-a na porta.- Não sei se ficaria mais decepcionada ou aliviada se não tivesse me

seguido - revelou, sorrindo.- Eu disse que isso não tinha acabado - continuou ele, levando-a para fora

e fechando a porta. - Por favor, pare - sussurrou Hana, com o olhar angustiado. - Não

podemos fazer isso, Alim, você sabe.Seus olhos ardiam, mas ele falou gentilmente:- Fiz alguns telefonemas ontem à noite. Preciso lhe contar algumas

coisas. - Alim tirou um maço de papéis do bolso.Ela ergueu os olhos e o fitou por um instante. Lentamente, pegou os

papéis.- “Considero que a cerimônia de casamento entre Mukhtar Said e Hana

al-Sud, assinada por Malikal-Sud em nome de sua filha Hana al-Sud, é ilegal de acordo com a Emenda 1.904, do ano de 2001, do Líder Supremo in memoriam, Sheik Fadi El-Kanar, e, portanto, declaro o casamento nulo. Assinado, Mahet Raad, Corte Suprema de Justiça da nação de Abbas al-Din.”- Hana lera o documento, escrito em árabe, com a voz entrecortada. Fitou-o em choque. - O casamento foi anulado? Como? Eu disse que minha família...

- Encontrei Mukhtar - respondeu Alim, sombrio. - Ele foi persuadido a me entregar uma confissão por escrito de suas mentiras e de como enganou seu pai e o chefe da mesquita. Ele falsificou sua assinatura no acordo de noivado, para que acreditassem que o casamento era legal. - Entregou-lhe outro papel, a confissão de Mukhtar. Não mencionou as desculpas sinceras de Latif. Não queria nenhum fantasma entre eles.

Quando Hana terminou de ler o segundo papel, colocou a mão trêmula na testa.

- Alim, eu estou livre?Deram-se as mãos, despertando uma sensação inexplicável de

familiaridade.- Você está livre, Sahar Thurayya. Livre para fazer o que quiser.- Minha família já sabe? - indagou, com o olhar preocupado. - Sabe. Estão esperando por você. Você vai para Abbas al-Din comigo... -

Olhou para o relógio. - Daqui a cinco horas.- O quê? Não ouvi. - Estava aturdida.- Muitas surpresas em poucos minutos - disse ele, abraçando-a.Alim abriu a porta e, sem se importar com as outras pessoas, levou-a ao

quarto de hóspedes e deitou-a na cama. Removeu o véu que a escondia do mundo e acariciou sua face.

- Subestimei sua força, minha estrela. Descanse um pouco até á hora de partir.

Olhos cheios de incerteza o encaravam.- O que você disse antes?Realmente não tinha ouvido. Alim sentou-se ao seu lado na cama e tomou

sua mão.69

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- Consegui toda a informação em poucas horas. O plano de fuga de Mukhtar falhou quando você foi embora, e ele acabou preso. Foi persuadido a contar a verdade em troca de sua transferência para uma penitenciária de baixa segurança. - Não mencionou as horas de negociação com o advogado de Mukhtar, que exigia liberdade em troca da confissão. - Falei com seu pai ontem à noite. Sua família está em Abbas al-Din, visitando sua irmã. Eles sabem que você disse a verdade e querem vê-la. Partimos em cinco horas.

Um calafrio percorreu-lhe o corpo. Hana não parecia feliz. Balançou a cabeça lentamente.

- Não. - Era sua palavra final.- Com relação a quê? - perguntou perplexo. Passara a noite negociando a

liberdade de Hana, e agora sua mente estava perdida.- A tudo. - Virou-se. - Preciso ir.- Não, não precisa! Você não vai fugir covardemente de novo, Hana. -

Alim perdeu a cabeça, e ela o fitou com os olhos arregalados, com uma mistura de incerteza, teimosia e intriga.

Ele sabia que ela queria dizer sim. Mas Hana nunca aceitaria ordens, a menos que confiasse nele, que o amasse e o desejasse o bastante a ponto de acreditar que poderiam ter um futuro juntos.

Mas, para ele, era doloroso reconhecer que, caso ela pensasse em uma vida juntos, não estava pronta para admiti-lo. Podia querer um futuro com ele, mas não acreditava nisso. Porém, se fossem juntos para Abbas al-Din, ele lhe mostraria que seus maiores medos não tinham mais fundamento.

- Nos últimos cinco anos, você passou pelas piores provações, Hana. Então por que está sendo covarde agora? - Manteve a voz dura de propósito. - Está livre de Mukhtar. Sua família tomou a decisão errada e a magoou, mas todos a amam. Chegou á hora de parar de fugir. É hora de perdoá-los.

- Você não entende - murmurou.- Imagina como foi difícil encarar Harun sabendo o que o fiz passar nos

últimos três anos? Ainda assim, ele pagou meu resgate sem hesitar e veio ao meu encontro imediatamente. Eu merecia que ele me deixasse morrer nas mãos de Shellah.

- Não estou pronta para isso.- Acha que eu estava pronto para encarar Harun? - A carícia que fazia em

seu queixo não combinava com o tom descompromissado de sua voz. - Quando estará pronta para perdoá-los? Quer escolher um dia quando terá coragem de fazer a coisa certa?

- Quando você estaria pronto se não tivesse sido forçado pelas circunstâncias? - perguntou ela, revelando olhos excitados e furiosos.

Era consumida pelo desejo, por causa de um simples movimento daqueles dedos.

- Que circunstâncias? - indagou, rindo. - Quer dizer que escolhi salvar sua vida e arriscar a minha? Está se referindo a essas circunstâncias?

Ela fez uma careta teimosa.- Estou pagando para ver, Hana. Venha comigo ou conto para sua família

como você vem arriscando sua vida há cinco anos em vez de encará-los. E então os mando para cá.

Ela o fitou com uma mescla de desejo, fúria e ressentimento.- Isso vai acontecer então aceite e siga em frente.

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Antes que ela pudesse argumentar, ele inclinou-se e beijou-a apaixonadamente.

Usaria todos os meios disponíveis para convencê-la a voltar com ele. Ela precisava se reconciliar com sua família, e ele precisava encarar Harun e se desculpar pelo pesadelo que criara para seu irmão ao desaparecer.

Ficou em êxtase ao ouvir o gemido dela e sentir seus braços envolvendo-o numa chama ardente de paixão. Hana arqueou o corpo contra o dele, movendo-se num atrito delicioso, passando a mão em seu cabelo, acariciando-o, sedenta. Agora ela o desejava! Seu fogo lhe pertencia, e ele faria o possível para manter tudo assim pelo resto da vida.

Agora Alim não podia fazer nenhuma promessa para ela. Ainda não sabia o que o futuro lhe reservava ou que posição ocuparia nele. Mas não haveria futuro algum se não conseguisse convencê-la a voltar para Abbas al-Din com ele.

- Partimos em cinco horas. - Alim a afastou, porém ainda acariciando-a gentilmente e vendo-a estremecer. Queria gritar de alegria ao ver como Hana o desejava. - Durma algumas horas. Você vai precisar. Quando acordar, passearemos na praia e conversaremos.

Aqueles olhos ardiam de raiva e desejo. Ao vê-los, ele soube que vencera: ela iria para Abbas al-Din e encararia sua família, mas, quanto a casar-se com ele, a batalha não havia terminado.

O pôr do sol estava incrível, com um tom rosado colorindo as ondas e as palmeiras balançando com a brisa suave. Uma estrela brilhou no céu, a primeira da noite.

- É tão bonito, não é? - murmurou Hana, esquecendo sua raiva por um momento. - A África é um lugar de contrastes impressionantes. Há tanta beleza e fé, e também muita guerra e sofrimento.

- É igual em todos os lugares, com pessoas boas e ruins - respondeu Alim. - Petróleo na Nigéria, ouro e diamantes na África do Sul, Mali e Moçambique despertam a cobiça. Mas a beleza...

Ele segurou a mão de Hana. Ela adorava essa ligação com Alim e estava se perguntando por que ele não a tocava durante o passeio na praia.

- É apenas por causa dessa beleza singular da África que continuo voltando. Isso me traz paz.

Você me traz paz.Hana não sabia de onde viera aquele pensamento. Nunca tivera um

amigo com quem pudesse rir com quem pudesse ser ela mesma, um homem que a ouvisse e não fosse arrogante a ponto de não aprender com uma mulher, um homem cujo sorriso alegrava seu dia, cujo toque a tirava de seu esconderijo emocional. Ele via dentro de sua alma turbulenta e acalmava as tempestades, lhe trazia confiança e carinho em vez de escuridão.

Se ela o trouxe de volta à vida, ele lhe deu a vida. Podia ser o que sempre quis; uma mulher normal, vestindo calça e camiseta, descalça na praia, de mãos dadas com o homem que...

Não conseguia resistir.E era por isso que ia para Abbas al-Din. Muito mais do que apenas desejá-

lo, precisava dele. Ela o amava, tinha de estar ao seu lado. Era simples assim, e impossível.

Impossível. Tudo ao redor dele mostrava isso, como os guardas armados que os observavam a uma distância discreta. Sua localização atual podia ser

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segredo, mas a mídia não demoraria muito a descobrir e ia querer saber quem ela era. Quanto tempo levaria para que soubessem? Um dia? Uma semana? Ex- mulher de chefão do tráfico é a salvadora do nosso sheik.

Essas seriam suas últimas horas, sozinhos e ela, queria aproveitá-las.- Entendo por que você ama Mombasa - disse ela, por fim, com o coração

dividido pelo amor e pelo fatalismo. Corra. Corra o mais rápido que puder. Não o abandone jamais...

- Vou ficar com esta casa. A família da minha empregada vai cuidar de tudo enquanto eu estiver longe, e lhes dei a casa dos fundos para morarem permanentemente. Você me ensinou a ver além de mim mesmo, Hana. Achei que estar aqui ajudando fosse suficiente para justificar minha existência, e poderia manter minha vida separada. Agora sei que não poso, e não quero.

Palavras maravilhosas, mas parecia uma despedida mesmo antes de embarcarem no avião. No entanto, ele sorria.

- Não fiz nada - disse ela, fitando seus lábios, com o corpo ardendo.Ainda com um doce sorriso nos lábios, virou-a para ele. Seu coração batia

como as ondas que quebravam na costa. O beijo foi delicado, gracioso, perfeito... E acabou rápido demais.

- Você é assim - murmurou ele, apontando para as estrelas no céu. - Como a história daqueles homens que foram guiados ao messias cristão. Eu estava perdido na escuridão do ódio, e você me mostrou o caminho para a redenção, a alegria de viver, sem nem se dar conta.

- Você fez o mesmo por mim, você me salvou - sussurrou Hana, sem conseguir evitar devolver aquele beijo.

- Nós nos salvamos. - Descansou a testa sobre a dela. - Aceite a verdade: somos almas enlaçadas, Sahar Thurayya. Precisamos um do outro.

Sim, suas almas estavam entrelaçadas. E, por ela, estariam para sempre. Mas como podia acreditar que isso não passava de uma adorável fantasia, um sonho romântico?

Quando chegassem a Abbas al-Din, tudo mudaria. Teria responsabilidades com a sua família, e Alim descobriria que é um sheik e que seu país precisa dele. E precisaria de uma mulher, uma rainha em todos os sentidos. Quando isso acontecesse, Hana se despediria dele com um sorriso, esforçando-se para que ele não soubesse que sua vida terminara.

Mas agora era Alim, cuja alma fazia parte da sua, que roubara seu coração antes que ela percebesse. Sorriu.

- Sim - murmurou, desejando que aquele sonho ainda não acabasse.- Um dia, você vai acreditar em nós, minha estrela - sussurrou Alim em

seu ouvido, fazendo-a estremecer. - Talvez quando estivermos casados por dez anos e tivermos sete filhos.

Aquela compreensão perfeita de suas emoções deixou-a incomodada. - Se quer sete filhos, deverá pari-los. Com certeza não passo de quatro.Ele riu e beijou-a no rosto.- Que seja, contanto que um deles seja menina.Ela não respondeu, embarcando naquele devaneio.Ele olhou as horas.- Temos de ir para a pista de pouso. - Guiou-a de volta a casa.Quando chegaram, tudo já estava devidamente organizado na limusine. O

motorista abriu a porta para Hana.

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- Estou horrível - protestou ela, relutando em entrar no carro, malvestida e com os pés sujos de areia. - Tem uma mangueira por aqui para eu lavar os pés?

O motorista, que pediu desculpas por tê-la feito se sentir mal ao olhar sem querer para os pés dela, lhe ofereceu uma toalha, o que a fez sentir-se ainda pior.

Hana meneou a cabeça.- Ele não devia limpar minha sujeira, Alim. Não sou ninguém importante. -

Com os olhos baixos, ela caminhou até o jardim e abriu uma torneira, tirando à areia dos pés.

- Viu o que eu disse? - Alim, atrás dela, riu. - Você me ensina mediante exemplos a não ser arrogante. - Colocou o pé debaixo d’água para limpar-se também.

- O carro é seu, pode fazer o que quiser - murmurou, ruborizando.- Sim, posso, mas por você. - Segurou suas bochechas, acariciando-a,

fazendo-a esquecer-se de todos que os observavam. - Você pensa em todo mundo. É algo que nunca tive de fazer. Nossos pais nos ensinaram a tratar todos como iguais, e nossa posição significa que servimos as pessoas, mas algumas lições precisam de reforço; - Beijou sua mão.

De repente, ela foi invadida pela lembrança de tudo o que haviam vivido juntos, e percebeu como precisava dele.

- Alim...Ele entendeu, e seu olhar intensificou-se.- Quando entrarmos no carro; serei todo seu, Sahar Thurayya.Sem pensar, ela entrou na limusine sem aguardar pela ajuda do

motorista. Quando Alim se juntou a ela, mal esperou a porta fechar para se jogar em seus braços.

- Abrace-me - pediu.O carro arrancou, e a paixão naqueles olhos parecia cada vez mais gentil,

à medida que ele se aproximava dela. Alim abraçou-há por muito tempo.- Foi um período difícil para você.Ela assentiu.- Quando o levaram, achei que você fosse morrer. Então você volta para

mim, mas coberto de machucados. Eles o feriram por minha causa, e Abbas al-Din perdeu milhões para me salvar, porque você se sacrificou por mim. Agora você me devolve para minha família, me devolve minha liberdade. - Soluçou.

- Dê-me uma chance. Serei todo o que você quiser ou precisar, minha estrela. Posso lhe dar um final feliz, não com um príncipe, mas com um simples sheik.

Simples? Numa limusine absurdamente luxuosa? Prestes a embarcar num jato de primeira classe? Hana engoliu uma risada.

- Pode me chamar de Cinderela. Sou praticamente uma gata borralheira.- Seu final pode ser tão feliz quanto o dela, não precisa ser trágico - disse

Alim, com o olhar deliberadamente carinhoso.- Talvez não seja trágico. Só não me vejo dentro da história da princesa e

do príncipe, ou do sheik. Nunca fez parte dos meus sonhos.Ele parou, e ela entendeu a pergunta silenciosa.- Eu sonhava com um homem que chegasse a casa à noite, e jogaríamos

xadrez ou gamão, e ele seguraria minha mão enquanto assistíamos ao jornal.

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Brincaria com as crianças e, às vezes, traria o jantar - disse calmamente. - Sempre quis um homem normal, que pudesse me aceitar como sou.

- Você pode ter tudo isso - respondeu com a mesma calma, acariciando-a. - Nunca tentei mudá-la, Hana, apenas as circunstâncias ao seu redor, para o seu bem. - Ergueu seu queixo e beijou-a. - Moveria montanhas se isso a fizesse feliz.

- Já moveu - sussurrou. Era isso que dificultava as coisas. - Mas normal é uma coisa que você nunca será.

Em nenhum sentido, pensou com tristeza.- Posso ser. Fui exatamente isso nos últimos três anos. - Afagou seu

cabelo, fazendo-a transbordar de amor. - Se Harun quiser continuar como sheik, podemos voltar para cá e... - Franziu o cenho ao vê-la balançar a cabeça. - Agora que o mundo sabe onde estou, sei que será mais difícil, mas podemos encontrar uma solução.

- É inútil - disse, com pesar. - Você sabe Alim. Você é uma pessoa conhecida e não vai passar despercebido. Á culpa não é sua, mas sua vida será um circo. Você teve uma chance de desaparecer e conseguiu, mas não vai funcionar de novo.

- Então podemos criar uma ONG assistencial e gerenciá-la. Sou multimilionário por mérito próprio, por causa das corridas. Podemos viver com conforto mesmo que eu doe noventa por cento de meu patrimônio.

Ela suspirou e balançou a cabeça novamente. Ele continuou:- Não diga que não me ama, Hana. Você sabe que me ama.- Não consegui dormir nada nas duas últimas semanas, Alim. Estou

cansada e com medo. E, em duas horas, terei de encarar minha família, sendo que ainda não sei como perdoá-los. E você está me pedindo para mudar minha vida por você.

Alim congelou.- Na verdade, estou oferecendo mudar minha vida por você - afirmou

áspero. - Você não parece disposta a ceder. Isso mostra o que significo para você, além do desejo. Isso mostra o que minha declaração de amor representou para você. Não vale a pena lutar pelos seus sentimentos, Hana?

Um rubor envergonhado invadiu suas bochechas.- Chegamos à pista - murmurou.Ele saiu do carro, ajudando-a educadamente, como se ela fosse um

dignitário, e não uma enfermeira descalça, com a calça suja de areia. Caminharam até o avião pelo tapete vermelho, o sheik descalço è sua salvadora em silêncio.

CAPÍTULO ONZE

Alim observava enquanto Hana empalidecia os dedos contraindo-se mais a cada quilômetro percorrido em direção a Abbas al-Din.

Forçou-a á fazer isso e agora encarava as conseqüências. Como Hana dissera, não estava pronta para encontrar uma família ansiosa por se

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desculpar e compensar os cinco anos de solidão insuportável que lhe causaram.

E como poderiam compensar? Mesmo se Hana encontrasse perdão em seu coração, como poderia confiar neles novamente?

Então Alim percebeu que seu próprio pé também tamborilava no chão. Não sabia se Harun confiaria nele novamente. Deixara seu irmão à própria sorte, assim como a família de Hana fizera com ela. Além disso, quando o abandonou, forçou-o a casar com uma mulher que ele, Alim, não conseguiu encarar como esposa. Harun não encontrou felicidade com Amber, e isso também era culpa sua.

Que Deus ajudasse a ambos; esse certamente seria o pior reencontro de suas vidas.

Quando uma criada trouxe a bagagem com uma muda de roupas e sapatos, Hana agradeceu e entrou no banheiro sem dizer uma palavra. Reapareceu numa linda saia longa da cor do sol e uma blusa de cor creme de manga comprida, bordada com pequenas contas brilhantes. Calçava sandálias simples. Seu cabelo estava trançado. Não usava jóias nem maquiagem. Alim ficou sem fôlego.

Ao se sentar ao lado dele no avião, ela não o encarou. Colocou o cinto de segurança e viu Alim usando o típico traje escarlate e dourado esperado...

O que representava? Um irmão pródigo, um sheik fugitivo?Ela fitou-o de soslaio e baixou os olhos para as próprias roupas, tão

simples e modestas.Ele sentiu a distância crescer entre os dois, sem uma palavra verbalizada.Ainda sou Alim, queria gritar. Olhe para mim, toque-me, ainda respiro e

sofro. Alim acreditara que ela era a única pessoa que podia enxergar através das aparências e vê-lo.

Parecia que nunca esteve mais errado.Quando o jato começou sua descida, Hana lutou para não vomitar. A

dualidade de amor e traição, anseio e raiva partiam seu coração.A mão de Alim tocou a sua, cessando os tremores.- Vai ficar tudo bem, Hana.Aproveitando a desculpa para aliviar horas de angústia acumulada, ela se

voltou para ele.- Está dizendo isso para mim ou para si mesmo? Pense no seu próprio

encontro com seu irmão e a mulher que devia ser sua, porque não tem idéia do que sinto agora!

Ele virou o rosto.- Como posso saber o que você esconde de mim? Seu coração é como

água que oscila entre quente e fria, me queimando e congelando.A cabeça dela girava, mas continuou orgulhosa em sua cadeira. Tinha o

bastante para pensar sem deixar a vergonha apoderar-se dela. Ele salvara sua vida, fizera esse reencontro possível, tirara Mukhtar de sua vida e...

- Só estou tentando facilitar a nossa despedida - sussurrou tão suavemente que ele quase não ouviu, mas assim saberia como estava fraca e carente, como ansiava por consolo.

Cedo demais, o jato pousou, e eles andaram por outro tapete vermelho até mais uma limusine. Alim deve ter negado qualquer festa de recepção, pelo que ela era grata.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

Enquanto o carro levava-os pelas ruas, Hana encolhia-se em seu assento, sentindo-se péssima. Ninguém parecia saber que Alim voltara. Não havia fanfarra, multidões, e, ainda assim, sentia-se uma fraude miserável.

Um sussurro em sua orelha:- O caminhão custou duas vezes o preço deste carro. Era importado. Você

não parecia desconfortável nele.Ela virou-se, pensativa.- Parecia todo estragado.- Chamar atenção não era meu objetivo. Comprei-o para ficar a salvo

numa corrida difícil. Gostei de tirar todas as placas que mostravam o fabricante, fazê-lo parecer velho. Martelar os painéis e arranhá-lo... Foi bem divertido. Deve haver martelos, cinzéis e lixas em algum lugar em casa. Terei de checar no porão ou perguntar ao carpinteiro.

Ela franziu as sobrancelhas, meneando a cabeça num gesto questionador.- Se só ficar confortável com quem eu sou se me vir como um homem

normal, Hana, quando meus carros estão quebrados, e eu, coberto de lama e machucado, vou ter de providenciar isso.

A casualidade das palavras a fez ruborizar.- Você me faz parecer esnobe.- Não sou eu quem está julgando, não é? Não sou eu quem não está dando

uma chance, ou dizendo que você não é boa o bastante.Ela engasgou.- Nunca disse que você não era bom o bastante!- Não, você disse que você não era. Você se julga, mas também me julgou.

Você diz o quê preciso na vida sem saber como será meu futuro.Hana abriu a boca e a fechou. Ele a dissecara novamente e, mais uma

vez, estava certo. Sua honestidade natural demandava que parasse de argumentar, então virou de costas e olhou pela janela novamente. Viu pessoas apontando para o brasão nas portas do salão, especulando... Acenando...

- Tenho um presente para você.Hana se virou surpresa, e respondeu sem hesitar:- Não quero.Um pequeno sorriso formou-se nos cantos de sua boca.- Não julgue meu presente antes de vê-lo. - Ele entregou-lhe uma caixa

lindamente embrulhada.Envergonhada, ela fixou o olhar na caixa enquanto a abria e começou a

rir. Dentro da caixa de madeira adornada havia um cartão que dizia “Kit de Fuga Emergencial para Hana”. Embaixo, algumas barras energéticas, quatro cantis e dois frascos de lavanda.

Ela fitou-o, ainda rindo.- Obrigada! Alim inclinou-se e beijou-a.- Aceito que, em breve, você vai querer fugir, minha estrela. Mas, como

diz a canção, se você me deixar, posso ir também?- Eu gostaria disso.- Ficaremos bem, Sahar Thurayya. - Beijou-a de novo. - Almas

entrelaçadas são mais fortes do que uma sozinha.A felicidade brilhando naqueles olhos tirou seu fôlego. Tocou aquela mão.- Obrigada. Obrigada por me aceitar como sou.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

Então ela viu que já tinham passado pelos portões e estavam na entrada privada atrás do palácio.

De repente, Hana entendeu o que ele havia feito por ela. Ajudou-a á parar de pensar em sua família quando já não agüentava mais. Planejou o presente antes de ela concordar em vir, sabendo que precisaria de ajuda para esvaziar a mente.

- Obrigada por me distrair - murmurou, com o estômago embrulhado. Antes que desistisse, beijou-o. - Você é um homem verdadeiramente bom, Alim El-Kanar.

Aqueles olhos, emocionados pelo beijo, tomaram-se sombrios.- Queria poder acreditar. - Assim que o carro parou, ele saiu sem esperar

que um criado abrisse a porta como demandava o costume. Dispensou o criado e ajudou-a. - Sua família esta à espera na sala à esquerda.

Suas pernas amoleceram, queria vomitar. Segurou a mão dele, tentando respirar.

- Venha comigo, Alim. Por favor - implorou.Ele a conduziu pelas largas escadas de mármore e pelas portas de

carvalho.- Não posso ficar muito. Tenho meus próprios fantasmas para encarar. -

Beijou-a. - Vamos sobreviver, Hana. Podemos nos encontrar depois.Entraram na sala.Cinco pessoas sentadas em sofás luxuosos ficaram de pé assim que as

portas se abriram. Cinco pessoas vestidas com suas melhores roupas, para impressionar Alim ou ela, não sabia. Pessoas que já significaram tudo. E seu coração acelerou como se dissesse o que queria esquecer: ainda significavam... Demais.

- Hana... - murmurou sua mãe, emocionada. Sua aparência rechonchuda havia diminuído; o rosto estava vincado, os olhos, cansados e cheios de lágrimas. Estendeu a mão para Hana e deixou-a ali, como se perguntasse algo que palavras não podiam expressar.

- Oi, mãe - cumprimentou, meneando a cabeça. A palavra saiu enferrujada pelo desuso. Deixou as mãos ao lado do corpo, mantendo uma distância segura.

Agora não conseguia não olhar para seu pai. Uma olhadela, apenas o bastante para ver a culpa e o anseio de compensá-la em seus olhos. E olhou para longe.

- Amai e Malikal-Sud, este é... - Agora seu olhar incerto virava-se para Alim. Como apresentá-lo?

- Alim El-Kanar. - Alim continuou tão naturalmente que parecia capaz de terminar suas frases. Aproximou-se e estendeu a mão para seu pai. - Muito prazer em conhecê-los. Vocês criaram uma filha de imensa força e coragem.

Depois que seguraram os cotovelos um do outro com as mãos, um sinal de respeito, e Alim fez uma reverência para sua mãe, houve um momento constrangedor.

- Hana - repetiu sua mãe, dando um passo para frente.Hana fechou os olhos, balançou a cabeça. Não queria contato. Eles lhe

deram força e coragem, mas ninguém além de Alim a segurara, a consolara em anos. Esteve sozinha.

Uma quente e forte mão pousou em seu ombro: Alim.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

- Já serviram café? - perguntou ele, dando há ela tempo e espaço para a emoção.

Hana queria apoiar-se nele, segurar sua mão e agradecer por, novamente, salvá-la.

Como a conhecia bem, mesmo quando fez seu melhor para afastá-lo. E ela sabia agora que aquela acusação no jato havia sido uma distração para seu próprio bem: seu coração estava exposto para ele.

- Sim, obrigado, senhor. - A voz de seu pai, as primeiras palavras que ouvia dele desde aquela noite fatídica. Você desposará Mukhtar, Hana, pelo bem de sua irmã. Não é culpa de Fátima se não soube controlar suas paixões!

- Não posso fazer isso. Eu... Tenho de... - Hana virou-se para a porta.- Hana, não vá. Por favor. Amamos você. Sentimos muito a sua falta...Era a voz de Fátima, engasgada. Hana congelou. Vagarosamente, cerrou

os punhos.- Pelo menos, vocês tinham um ao outro. - Palavras simples; bloqueando

sua irmã. Não tinha alternativa, a menos que quisesse chorar. - Espero que tenha, tido um ótimo casamento, Fátima. Melhor que o meu... Pelo que ouvi. Perdi a festa. Talvez possamos celebrar a anulação em família. Gostaria muito de estar presente para celebrar um evento importante da minha vida.

Outro silêncio. Hana sentiu aquela dor deles como a sua própria, tentou endireitar-se, endurecer o coração. Sentiu que ia se partir...

- Está mais magra, filha - balbuciou sua mãe, trêmula.Hana ainda não podia fitá-los.- Às vezes, não tinha comida suficiente - disse suave e sombria ao mesmo

tempo. - No Sahel, ou você endurece ou quebra.- Você serviu no Sahel - disse Fátima, tímida. - É o lugar mais perigoso do

mundo...- Como eu disse você endurece quando encontrar comida para cada dia

passa a ser seu maior desafio. Faz com que outros problemas, como ser forçada a casar com um contrabandista de drogas, pareçam... Insignificantes.

- Com licença. Tenho de encontrar meu irmão - informou Alim, e deixou a sala.

Hana viu-o partir e odiou-o por deixá-la com essas pessoas... Sua família, apenas antigos conhecidos agora.

- Você salvou a vida dele - murmurou seu irmão Khalid. - Minha irmãzinha salvou nosso sheik e o trouxe de volta para seu povo.

Hana não respondeu. Falar de Alim parecia difícil demais.- Está sendo chamada de heroína nacional - disse sua mãe, trêmula,

emocionada, e levantou a mão novamente, procurando-a.Hana afastou-se, sofrendo, zangada.- Isso só vai durar até a mídia saber sobre Mukhtar. Aí serei uma

desgraça nacional. Vão me renegar de novo quando isso acontecer?- Hana, por favor - suplicou seu pai. - Sei o que fiz com você. Quando

Mukhtar foi preso, e soubemos que você não mentiu, eu a procurei... - Ah, só então? Não tentou me procurar antes para me forçar a voltar ao

meu mestre por direito e evitar mais vergonha na família? Quanto tempo demorou em descobrirem que eu não mentia que não poderia ter dormido com o irmão do meu noivo?!

Sua irmã mais velha, Tanihah, disse:

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- Hana, acabou agora, sabemos quem você é. Agora você está conosco de volta, onde pertence. Não podemos seguir em frente?

- Não pertenço a lugar nenhum. - Hana balançou a cabeça. Apenas não chore... - Não há para onde seguir. Vocês não conseguem entender o que é viver como vivi nos últimos cinco anos. Sempre correndo, com medo de ser forçada para a cama de Mukhtar... O mal está feito, Tanihah. - Dizer o nome de sua irmã machucou-a. - Tenho de ir.

Hana correu para a porta, abriu-a, voando até a entrada da frente, procurando a saída mais próxima.

Um guarda robusto a bloqueou.- Senhorita al-Sud, meu Sr. sheik pediu que o aguardasse em sua câmara

privada quando seu encontro terminar.O olhar do homem, calmo e implacável, mostrava que não havia opção.

Alim antecipou sua fuga e garantiu que não fugiria. Empinou o queixo, assentiu e seguiu o homem até a outra sala, sabendo que sua família a observava pela porta aberta. Sentiu a dor e a culpa consumindo-os.

No entanto, se não fosse pelo que acontecera, não teria conhecido Alim...Com todo o seu coração, ansiava por voltar àquela sala, dizer a eles que

estava tudo bem, que os perdoava que seria parte da família novamente. Mas a família havia se despedaçado cinco anos atrás e, mesmo que fizessem as pazes, sempre existiriam problemas.

O mal está feito.- Bem vindo Alim - saudou Amber com seu jeito tímido.Alim sentiu a emoção reprimida.- É bom tê-lo de volta.E? Ele sorriu e entrou no jogo de sua linda e fria cunhada. Estavam

varrendo a sujeira para debaixo do tapete é fingindo que nada acontecera.- Obrigado, Amber.Essa era a sala onde Fadi recebia dirigentes estrangeiros. Alim pensou

que seria muito difícil estar ali, mas o encontro doloroso de Hana havia mudado as coisas para ele.

Sentia-se consolado pelas memórias... Mesmo ainda não tendo se perdoado por sua culpa na morte de Fadi, e talvez nunca se perdoasse, sabia que era hora de ficar. Era disso que Fadi gostaria; que cumprisse seu dever e cuidasse do povo como cuidaram de seu irmão mais novo...

Viu Harun observando Amber, cauteloso, reservado. O orgulho escondia a ansiedade que apenas Alim reconheceria.

Harun percebeu Alim a observá-lo. Já haviam tido seus trinta segundos de emoção quando Shellah o libertou, então disse:

- Saí de seu quarto, Alim. Está pronto para você, como escritório, para quando quiser voltar aos seus deveres.

Alim sentiu a selvageria reprimida em seu irmão, um caldeirão fervente de ressentimentos.

- Não vamos fingir. Não fale como se eu tivesse passado algumas semanas, doente. Desapareci por anos e deixei toda a mágoa e os deveres para você. Harun...

Seu irmão estremeceu sem falar tudo o que queria.- Não foi tão ruim.Não? Alim viu a distância entre marido e mulher, árida como um pedaço

do Sahel.79

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- A escolha é sua agora. Você fez um trabalho magnífico administrando o país, ajeitando tudo depois da morte de Fadi e de meu desaparecimento. Se quiser permanecer sheik...

- Não.O rosnado surpreendeu-o. Veio de Harun e de Amber simultaneamente.

Alim olhou para Amber; era mais fácil. Certamente as razões dela seriam mais fáceis de ouvir do que as dele.

Ela ruborizou e olhou para Harun. Mexeu as mãos, o pé, e estourou:- Não vou fingir ser a esposa alegre do sheik por ninguém. Cansei de

fingir que está tudo bem. Não ligo mais para o que meu pai quer. Quero o divórcio! - Virou-se e saiu da sala graciosamente, como se não tivesse jogado uma bomba entre os irmãos.

Chocado, Alim mal podia fitar Harun, mas, quando o olhou, viu que Harun não parecia surpreso.

- E foi por isso que eu disse não. Também estou cansado de fingir que está tudo bem, Alim. Estive em seu lugar desde antes que Fadi morreu, ajudando a administrar o país enquanto você bancava a estrela das corridas, e de novo quando foi bancar o herói. Vivi sua vida por anos, Alim, incluindo na equação a esposa que queria você, não a mim. Deixei tudo o que você precisa saber em seu escritório. Agora quero minha própria vida. O pais é seu, meu irmão.

Harun saiu, deixando Alim encarar as conseqüências dos anos que passara amando e respeitando seu irmão sem enxergá-lo de verdade.

- Fadi, onde você está? - A recepção do filho pródigo fora bem diferente do que esperava.

Quando Alim entrou no escritório onde ela o esperava, viu que o reencontro dele havia sido tão devastador quanto o seu próprio. Os olhos vazios partiam seu coração.

Lançou-se naqueles braços.- Foi tão ruim assim?Ele beijou-a na cabeça.- Provavelmente pior. E você?- Horrível.- Harun e Amber vão se separar. Harun espera que eu assuma meus

deveres imediatamente.Ela abraçou-o, sem palavras para consolá-lo.- Minha família quer que eu siga em frente e os perdoe, voltando a ser

uma família.- Eles esperam que nos comportemos como se todos esses anos não

tivessem acontecido. Eu mereço isso. Mas você... - Segurou-a mais perto.- Quero perdoá-los, Alim. Só não consigo olhar para eles... - Talvez devesse fechar os olhos e falar bem rápido. Depois de dizer tudo,

veja como se sente.- Eu... - Fitou-o, pasma. - Pode funcionar. - Segurou sua mão e marchou

até a sala onde sua família ainda esperava.Conheciam-na, sabiam que não ficaria contra eles por muito tempo, não

importava o que tivessem feito.- Hana querida, se você ouvir...

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Ela levantou uma mão trêmula, interrompendo sua mãe numa tentativa de melhorar o irremediável. Fechou os olhos e segurou á mão de Alim enquanto dizia:

- Eu os perdôo. Quero ser parte da família novamente, mas não quero ser apressada. Não me sufoquem nem esperem que eu abrace vocês como se estivesse tudo bem.

- Entendemos, nuur il – ‘en. Se tentar encontrar o verdadeiro perdão em seu coração algum dia, poderemos esperar.

Nuur il – ‘en luz dos meus olhos. Seu pai não a chamava assim desde o dia em que Mukhtar...

De repente, Hana teve dificuldade para respirar; soluçou repetidamente e começou a chorar, dizendo com dificuldade:

- Vocês pensaram que eu poderia trair Latif semanas depois do noivado, machucar vocês, arriscar o futuro de minha irmãzinha. Acreditaram num estranho, não em sua própria filha. Sacrificaram-me por Fátima quando não fiz nada errado. Por que acreditaram nele?!

Depois de um momento, seu pai disse triste:- Você tem tanto em seu coração a oferecer, nuur il - ‘en... Sempre

soubemos que, quando desse seu coração, seria para sempre... Mas você não deu seu coração para Latif. Só aceitou casar-se com ele para agradar a todos. Quando Mukhtar apareceu, dez anos mais novo charmoso e bonito... No começo não acreditamos, até que Latif disse que sempre soube que você não o amava, e que você e Mukhtar se davam muito bem...

Hana congelou, encarando a verdade que não queria ouvir. Nunca amou Latif.

Estava disposta a privá-lo de uma esposa verdadeiramente amorosa para satisfazer a todos. E, sim, achou Mukhtar engraçado no começo, antes de descobrir a verdadeira pessoa por trás daquele charme. Por isso Mukhtar foi tão convincente.

Então as palavras de seu pai martelaram sua alma. Quando desse seu coração, seria para sempre.

Braços fortes seguraram-na quando seus joelhos amoleceram. Hana virou-se para o corpo quente e forte de Alim, tentando se recompor, mas não conseguia parar de chorar.

Desde que o conhecera, toda a emoção que guardou dentro de seu coração fluiu, e algo dentro dela dizia que nunca conseguiria se afastar novamente. Dera seu coração para Alim e nunca o teria de volta.

- Meu senhor, você e nossa filha parecem muito; próximos - disse a mãe de Hana timidamente.

Alim sentiu em si o olhar de Amai al-Sud questionador. Realmente, todos o observavam. Hana se moveu e escapou daqueles braços, mas ele a segurou.

- Sim, somos. - Não se desculpou.- Devem ter passado por uma experiência de vida transformadora - disse

Khalid, pensativo. - Mas, senhor, sabe...- Sabe que somos pessoas comuns - concluiu seu pai. - A felicidade de

nossa filha é mais preciosa agora do que nunca.- Também quero a felicidade dela, porque foi isso que ela me trouxe. -

Alim pensou no significado de seu nome e sorriu para Malik al-Sud. - Já a pedi em casamento, senhor.

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- Você me ordenou isso sim. - O murmúrio charmoso veio do fundo do peito, mas foi alto o bastante para fazer a família toda se espantar.

Ele riu e acariciou seu cabelo.- Ela está certa, ordenei. E vou me casar com ela. - Sorriu para Hana,

sabendo o efeito que isso lhe causava. - Assim que ela aceitar.

CAPÍTULO DOZE

- Você não pode casar com ela - disse Malik al-Sud, com um tom reverente, porém firme, parecido com o de Hana. - É impossível, uma fantasia, meu senhor. O país não a aceitará como sua esposa.

- Foi isso que eu disse - concordou Hana, pela primeira vez em sintonia com o pai.

- Foram apenas algumas semanas. Vocês não têm como saber se isso é real, o que querem o que estão sentindo - completou a mãe.

Seus irmãos concordaram. Alim viu o mesmo ceticismo em seis pares de olhos, principalmente nos de Hana. Ficou furioso por ela não acreditar neles dois, mas se controlou.

- Se não acredita em nós, Sahar Thurayya, então terei de acreditar pelos dois, porque vou casar com você. - Inclinou-se e beijou-a, sentindo-a prender o fôlego.

Ergueu a cabeça e sorriu para Malik al-Sud, vendo os olhos irados do sogro.

- Você criou uma mulher educada e de princípios, senhor - disse calmamente. - Uma mulher que é uma rainha em todos os sentidos, menos em sua origem. Se ela não casar comigo, o povo terá de se contentar com meu irmão como herdeiro, porque não me casarei com outra.

Seu anúncio foi seguido por um silêncio devastador. Então Hana escapou de seus braços.

- Alim, já disse que isso é ridículo. Você acha que me ama, mas acabou de voltar para casa. E eu já disse que tipo de homem eu quero. - Mas deixou escapar um soluço que a denunciou.

- Quando desse seu coração, seria para a vida inteira - repetiu Alim as palavras do pai dela, balançando a cabeça. - Você o deu para mim, Hana. E já disse isso.

- Isso foi antes de chegarmos - respondeu, com o olhar frio. - Cresci numa casa do tamanho desta sala. Às vezes, sou mais australiana que árabe. Não é só por causa da reação do povo ou da imprensa, Alim. Gosto de você, mas não quero essa vida!

Ele viu uma sinceridade absoluta naquele olhar, e algo morreu dentro dele. Os olhos de Hana se inundaram de lágrimas.

- Vivi cinco anos em cabanas, trabalhando com pessoas que não tinham nada. Não posso ser o que não sou Alim. Não poderia viver dessa forma sabendo que amigos, pessoas que amo...

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Era estranho, mas não havia imaginado como a casa de sua infância afetaria uma mulher que viveu ao lado da morte por inanição durante os últimos cinco anos. Ele estava muito ocupado pensando em suas famílias, em fazê-la ver que tinham de ficar juntos.

Finalmente estava em paz com a morte de Fadi e aceitara seu futuro. A única questão que ainda o assombrava era quando Hana aceitaria se casar com ele.

Agora via o palácio por meio dos olhos dela, as paredes douradas e cobertas de tecido e todos os detalhes milionários usados para impressionar dignitários de outras nações.

Lembrou-se dos cheques multimilionários que ganhava para pilotar um carro de um milhão de dólares, do petróleo que mudou a imagem de seu país no cenário mundial.

Riqueza, poder, as armadilhas do dinheiro estavam por todos os lados.Então viu o povo de Shellah-Akbar arriscando suas vidas para salvá-lo.

Viu Hana com seu véu salvando sua vida, sacrificando-se por ele.A menos que devolvesse suas obrigações para Harun, estaria perdido.

Pela primeira vez na vida, Alim ficou sem palavras.- Acho melhor irmos para a casa de minha irmã - disse Hana

tranquilamente.- Você está fugindo de novo. Pode ir para qualquer lugar do mundo,

escolher a vida que quiser, mas será sempre uma fuga da opção mais difícil.- Eu sei - murmurou, dando-lhe as costas.Ele a virou de frente outra vez.- Posso não ter outra escolha, mas, por dentro, ainda sou o sujeito do

caminhão. Esta vida não é como você imagina. Sim, é uma vida de luxo, mas liderar um país é tão difícil quanto o que você fazia no Sahel.

- Eu sei Alim. Você é um homem maravilhoso - disse com os olhos brilhando, com uma mescla de lágrimas e orgulho.

Ele se recusava a acreditar naquela despedida.- Meu trabalho seria mais fácil com alguém ao meu lado, uma mulher que

conhece e entende as pessoas, que já viveu com aqueles que mais sofrem. Uma recordação permanente, para eu não esquecer, para não me tomar arrogante. - Beijou-a novamente. - Pode escolher o caminho mais fácil, ou o mais difícil. Salvar uns poucos com suas mãos ou salvar centenas de milhares com sua coragem e seu coração. Pode assumir outro trabalho com um desafio real, trabalhando dia è noite para o bem de muitos.

Viu um lampejo de dúvida nos olhos dela.- Estarei aqui esperando, Hana.- Não. Não espere por mim, Alim. - Sua voz desmoronou. - Obrigada pelo

kit de fuga. Obrigada por tudo...E ela se foi.- Obrigado - respondeu ele para o vazio. Percebeu o aroma de lavanda

que ela deixou no ar e sentiu uma perda dolorosa.Como Hana previu a mídia mundial não demorou muito para descobrir

sua história, e ela se tomou uma celebridade e uma desgraça ao mesmo tempo.

Salvadora do sheik é ex-mulher de chefão do tráfico!Não precisava ler os jornais para saber que tudo o que fizera nos últimos

anos não importava mais. Até ter salvado a vida de Alim significava menos que 83

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o escândalo que podiam criar para vender a notícia. Encontraram e entrevistaram Mukhtar na prisão.

Descobriram sobre Latif, que se recusou a falar sobre o assunto, mas a história sórdida foi publicada assim mesmo, acrescentando especulações de seu relacionamento com Alim.

Sexo vende.Queria rir e chorar ao mesmo tempo. Que ironia! A virgem que dormiu

com dois irmãos e seduziu um sheik. O que faria a seguir?Alim também dominava os jornais. Havia realocado os aldeões para perto

de Sar Abbas e lhes deu terra com nascentes de água, além de tudo o que precisavam para recomeçar a vida. Fez uma palestra para uma rede de TV, relatando sua vida nos últimos três anos. A paixão com que falava da vida no Sahel encheu o coração de Hana de angústia. Oh, como o amava...

Estava criando uma fundação em prol das pessoas esquecidas, arrecadando fundos para enviar engenheiros e geólogos para encontrar água, para comprar bombas e geradores para que todos os vilarejos tivessem uma fonte de água. Falou do tempo que passou em cativeiro e de como odiava pensar que seu resgate seria usado para perpetuar o ciclo de miséria dos inocentes.

Alim era bom com as palavras. Usava sua posição para ajudar os outros.Pela primeira vez em anos, Hana sabia qual era a sensação de estar

fisicamente presa. Estava entocada na casa de sua irmã, com centenas de pessoas do lado

de fora, e não podia fugir ou se esconder.Pela primeira vez em anos, tinha de lidar com seus sentimentos, em vez

de escondê-los atrás dos problemas dos outros. Minha Hana, sempre almejando ser a mais forte, a mais esperta, a mais rápida, a melhor. Quando vai aprender a se amar?

As palavras de sabedoria de 14 anos atrás finalmente faziam sentido. Vendo-se presa na casa de Tanihah, não havia mais desculpas. Não podia se esconder atrás do trabalho ou da burca, da traição familiar ou de sua origem simples.

Alim tinha razão: era uma covarde. Escolhera casar com Latif por segurança; fugira de Mukhtar e estava fugindo de Alim, usando sua origem e uma mentira para manter-se longe dele. Mas, desta vez, isso não estava ajudando. Amava-o mais a cada dia e sofria ao lembrar que a única coisa que os mantinha afastados era seu medo.

Quando der seu coração, será para a vida toda...Quase duas semanas após a história ter saído nos jornais, estava no

quarto de sua sobrinha, na cama que dividia com Atiya. Ao cair da noite, ao término das orações, sentou-se para comer com a família e respondeu a algumas de suas perguntas, com total honestidade. Finalmente a campainha parara de tocar, mas os tubarões continuavam rondando a casa, aguardando uma fofoca picante.

Para sua própria surpresa, não se odiava tanto quanto temia. Era uma covarde, mas havia salvado vidas. Sim, fugia da emoção quando as coisas ficavam difíceis, mas agora estava encarando a emoção mais difícil de sua existência. Escondeu-se atrás de sua origem, atrás da origem de Alim, para não ter que dizer sim, eu vou parar de fugir e casar com você...

Agora, para mudar isso, teria de encarar Alim.84

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O que faria? Perguntou a si mesma. Não tinha como contornar os fatos apresentados pela mídia. Sua origem nunca seria boa o bastante, seu casamento falso deixaria Alim fora de seu alcance, a menos que fizesse as mudanças, sozinha.

Se não casar comigo, viverei sozinho.Tenho 37 anos, não sou garoto. Sei que quero você:Vou esperar.Tudo se resumia ao seguinte: podia ser uma covarde solitária para o resto

da vida ou poderia, finalmente, viver. Viver com o homem que amava e fazer diferença para o mundo.

Esperou um momento de silêncio durante o jantar familiar e soltou a bomba:

- Quero contar a verdade à mídia. Tudo: sobre Mukhtar e por que estava no Sahel.

Todos a fitaram, até as crianças.Hana encarou seu pai com o mesmo olhar impenetrável que ele lhe

dirigia.- Amo Alim. - Hana sentiu-se muito bem ao tirar isso do peito. - Quero ter

um futuro com ele.- Isso não vai acontecer enquanto as pessoas pensarem o pior de você -

concordou seu pai.- Muitos não acreditam nessas atrocidades, Hana. As cartas dos leitores

aos jornais são totalmente á seu favor - defendeu sua mãe.Ela hesitou, mas decidiu continuar:- Vai envergonhar a família, fazer de vocês os vilões.Seu pai observou todos ao redor da mesa.- Fiz escolhas que acredito que os demais entenderão. E, se não

entenderem, mereço ser julgado. A responsabilidade é minha.- Pai... - murmurou Hana, dizendo essa palavra pela primeira desde que

retornara.Ele sorriu.- Você precisa dizer ao sheik o que sente. Deixe a história comigo.

Acredite em mim, nuur il - ’en. Não vou decepcioná-la desta vez.Com lágrimas nos olhos, Hana se levantou, aproximou-se do pai e tocou

seu braço.- Obrigada, pai. Só havia uma solução. Hana ligou para ò número no cartão que recebera

do motorista de Alim, o número particular dele.- Oi, sou eu. Estou presa na casa da minha irmã, cercada pela mídia. Pode

mandar um carro me buscar, com alguns homens para conter a multidão?- Claro. - A voz de Alim soou reservada e cansada. - Precisa de mais

alguma coisa?- Preciso vê-lo. Temos de conversar. - Pigarreou, tentando proferir as

próximas palavras: - Posso ir até aí? - Eu vou até aí.- A casa está cercada, Alim. No palácio, eles não poderão nos alcançar.

Diga para os seguranças entrarem pela porta dos fundos e baterem quatro vezes.

- Tudo bem. Vou esperá-la no meu escritório. - Parecia neutro.

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Harlequin Especial nº 67 O Destino de um Sheik Melissa James

Esta noite, Hana não ia ceder ao medo. Não precisava mais se proteger da dor. Fizera isso por muitos anos e recebera em retorno apenas solidão. Desligou e correu para o banho.

Quinze minutos depois, estava pronta quando ouviu uma batida na porta dos fundos. Abriu-a, e dois guardas a escoltaram pela frente da residência. A imprensa ouvia o anúncio de seu pai avidamente, mas correu atrás dela ao vê-la passar.

- A Srta. al-Sud não tem comentários - gritaram os seguranças.A viagem até o palácio foi seguida por uma dúzia de carros e algumas

motos com paparazzi.Os portões se abriram. O carro deu a volta, e os seguranças a levaram até

a entrada. Abriram a porta para ela, revelando uma sala belamente decorada, na

qual Alim a esperava ao lado da lareira.- Oi - disse quando os seguranças fecharam a porta.Ele não levantou os olhos, não se virou para ela.- Oi.Parecia tão cansado que o coração de Hana acelerou.- Dias difíceis?- Semanas difíceis - concordou. - Estou exausto, Hana. Então, vamos

resolver logo isso.Pela primeira vez desde o resgate, Alim não estava abrindo o coração

para ela. Esperava ser dispensado. Ou talvez fosse isso que quisesse...Não vou fugir. Não serei uma covarde de novo! Alim merecia saber o que

ela sentia.Ao se aproximar dele, acovardou-se.- Achei que você devia saber que meu pai está com a imprensa, contando

a verdade sobre Mukhtar, Latif e mim... E você. - Deu mais um passo, com o coração em chamas.

- Meu assessor de imprensa me disse. Já está passando na TV. Que bom para o seu pai. Seu nome está limpo, todos vão amá-la novamente.

- Mas não foi por isso que vim! - explodiu com raiva de si mesma por ser tão fraca. - Vim lhe dizer... - Suspirou, fechou os olhos e começou a falar: - Não posso mais fazer isso, Alim. Não posso mentir para mim e fingir...

- Fingir o quê, Hana? - perguntou, esgotado. - Enquanto você ficou escondida com sua família, eu enfrentei a imprensa, o povo e o trabalho. Harun e Amber foram embora ao mesmo dia que você. Ele está incomunicável e me largou aqui com tudo. Estou fazendo tudo sozinho e dormindo menos de três horas por noite. Então, podemos acabar com isso?

Ela percebeu naquelas palavras a honestidade de um homem prestes a desmoronar, que precisava dela desesperadamente, mas não repetiria isso. Alim esperava que ela fugisse e se recusasse a lutar. Aceitou-a como ela era inclusive nessa situação...

Hana esqueceu seus medos e suas necessidades e correu para seus braços. Colocou a caixa que trouxera sobre a mesa e abraçou-o.

- Você não está sozinho. Eu estou aqui - sussurrou, beijando sua face, segurando-o. E a sensação de se doar sinceramente era ótima. - Vim lhe dar uma coisa.

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- Algo que eu quero? - murmurou, sem largá-la, respirando profundamente.

Ela sorriu.- Espero que sim. - Pegou a caixa e estendeu-a. - Abra.Ele olhou para a caixa de madeira que lhe dera no carro algumas

semanas atrás.- Por quê?- Abra - insistiu suavemente. Não podia mais esperar.Ele abriu. Em cima do kit emergencial de fuga estava sua burca. Alim

olhou para o conteúdo e então para ela. Havia uma interrogação em seu rosto.- Leia o bilhete - pediu tranqüila.Hana não pode fugir sem isto. Alim a fitou novamente. Ou não estava entendendo ou queria que ela

falasse em voz alta.- Estou dando isso para você. Estou lhe entregando meus tesouros, Alim.

Não vou fugir sem isto, é não quero fugir sem você. Você é minha paz, meu melhor amigo, meu amor. Se você não pode mais desaparecer, eu também não posso. - Segurou seu rosto e continuou: - Não serei mais covarde. Amo você, Alim, e serei tudo o que precisar de mim.

Com um movimento rápido, ele largou a caixa.- Hana... - disse, beijando sua boca. - Minha estrela, eu espero que isso

seja sério porque nunca vou lhe devolver esta caixa.- Que bom - respondeu, transbordando com toda a emoção que escondera

dele durante esse tempo. Agora finalmente se entregava a ele, e nunca mais se esconderia. - Preciso tanto de você, Alim. Preciso estar ao seu lado todos os dias da minha vida. Se o povo não nos deixar casar...

Ele se afastou e sorriu para ela.- Você não tem lido os jornais, tem? Houve um grande retrocesso nas

histórias contra você. O povo sabe que eu não voltaria se não fosse por você. Você salvou minha vida e me devolveu a eles. Isso é muito mais importante para eles do que qualquer linhagem real. Mas eu casaria com você mesmo que todo o país fosse contra, Sahar Thurayya. Eles podem precisar de mim, mas eu preciso de você.

- E eu preciso de você. E o amo muito. - Ela se derreteu. - Preciso que me beije - murmurou, aproximando-se dele.

O beijo longo e intenso foi exatamente o que ela havia sonhado nas duas semanas mais longas de sua vida, que passara sem ele.

- Estava enlouquecendo sem você - disse ele entre um beijo e outro. - Achei que você nunca fosse voltar que eu não tivesse nada a lhe oferecer que fosse fazê-la ficar.

Beijou-o sem parar.- Você, Alim... Você é tudo o que preciso. Vê-lo na TV, forte, corajoso e

sozinho... -- Então você aceita o cargo? - perguntou, juntando seu corpo ao dela. -

Não será fácil, Sahar Thurayya. Mas podemos mudar o mundo daqui. Podemos ajudar a melhorar as coisas.

- É uma oferta irresistível para uma pessoa louca por controle como eu. - Riu, beijando-o de novo. - Mas eu aviso meu amor, não sei ser uma rainha de enfeite. - Eu, uma rainha, pensou maravilhada.

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Estava sonhando ou vivendo um conto de fadas? Mas Alim sentia-se extremamente real ao lado dela.

- Sabe que não vou me curvar às regras o tempo todo, não é?Ele riu, beijando-a de novo.- Acha que não sei disso? Eu a conheço, minha estrela.Alguém bateu na porta e abriu-a.- Meu senhor, a uma coisa que precisa ver. - O homem arregalou os olhos

ao ver seu líder nos braços da mulher que salvara sua vida e começou a sair da sala, desculpando-se.

- Peço que deixe tudo em suspenso a menos que seja uma emergência nacional, Ratib. Estou namorando minha futura esposa.

- Sim, claro, meu senhor. - E fechou as portas.- Em dez segundos, todo o palácio ficará sabendo. - Na gaveta da mesa,

Alim pegou uma caixa grande, de veludo vermelho, e abriu-a. - Seu presente de noivado - disse gentilmente. - Quando minha mãe soube que estava morrendo, escolheu isto para a minha futura esposa, esperando que ela gostasse de diamantes. Guardei isto comigo como um talismã nas últimas semanas, tentando acreditar que você voltaria para mim.

Hana engasgou, olhando para o anel com um diamante solitário, além da pulseira, dos brincos e do colar.

- Oh, Alim...Ele segurou sua mão esquerda e, com um sorriso, deslizou o anel por seu

dedo. Já havia adaptado o tamanho ao dedo de Hana, com a ajuda de sua família, com quem mantinha contato diário.

- Finalmente não há mais dúvidas. Não vamos mais fugir.- Nunca - respondeu ela, com o rosto brilhando de amor e desejo. - Alim,

amo você e o quero muito. Não me faça esperar por um casamento majestoso - implorou, com a voz engasgada de desejo.

- Não temos muita escolha com relação a isso, minha estrela. Você será esposa de um líder, o equivalente a uma rainha. O povo espera dividir conosco a corte tradicional. Também temos de marcar uma data em que os chefes de Estado que desejam comparecer estejam disponíveis. Não podemos ofender ninguém. Vai levar, pelo menos, de quatro a seis meses.

Ela cerrou os olhos, apertando os lábios.- Achei que fosse dizer isso. - Suspirou, abatida. - Mas vai ser tão difícil

esperar tantos meses por você. Quero você agora. - Afundou o rosto corado em seu peito. - Desculpe, sei que não sigo o modelo tradicional que deveria, mas não consigo evitar. Amo você e o desejo muito.

Ela se referia à antiga tradição, em que a mulher devia resistir ao homem e não se deixar ser possuída, para provar sua castidade e inocência. Mas Alim já sabia disso e muito mais sobre sua corajosa e adorável estrela da alvorada. Ela o curara, na alma e no coração, tomando-o homem e líder novamente. Pela primeira vez na vida, finalmente sentia-se inteiro.

- E nunca foi quebrada uma tradição que signifique mais para mim - respondeu, beijando-a no nariz e na boca. - Nada em nossa relação seguiu a tradição, minha estrela, mas agora temos de obedecê-la. É importante que o povo veja nossa corte como algo puro e honrado.

Ouviu-a engolir em seco.- Tudo bem. Então não podemos ficar sozinhos até o casamento, porque

basta apenas que você me toque para que eu estremeça e arda de desejo. - Ela 88

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o segurou com força enquanto ele devaneava na intensidade de sua felicidade. - Quero ficar com você o tempo todo e tocá-lo. E, quando o toco, tudo o que quero é fazer amor com você.

Como poderia não amar e adorar esta mulher? Alim ergueu o rosto para fitá-la.

- Hana, o nome que seus pais lhe deram é perfeito, porque você é a minha felicidade.

Ela sorriu.- E seus pais também tinham razão, porque você foi muito inteligente em

tudo o que fez por mim, em esperar por mim. - Ficou na ponta dos pés para beijá-lo. – Quero estar ao seu lado todos os dias e noites pelo resto da minha vida.

- Você estará - murmurou ele, virando-a para colocar o colar de diamantes em seu pescoço e a pulseira em seu pulso: os símbolos tradicionais de um noivo que ama sua futura esposa. Ao colocar o véu dourado e âmbar sobre a cabeça de sua noiva, a parte final do primeiro presente de noivado estava completa, e ele tornou a murmurar: - Você estará.

EPÍLOGO

Oito anos depois- Ela é toda amassada e enrugadinha - disse o pequeno Tariq, de 4 anos.

Ele observava sua única irmã, nascida na noite anterior, fazendo careta.- É assim mesmo, bobo. Os bebês são feios, mas ela vai ficar bonita; e

você ainda é feio - implicou Fadi, o irmão mais velho, de 6 anos.Irritado, Tariq deu um empurrão em Sami, fazendo o menininho de 2

anos, choramingar indignado.- Meninos, mamãe está muito cansada para isso, e vocês vão acordar

Johara - repreendeu Alim, com um ar indulgente, segurando ô caçula nos braços para confortá-lo.

Manter as crianças ao seu lado o tempo todo, quando não estavam imersos em assuntos de Estado, era uma tradição a que Hana dera início com o nascimento de Fadi.

Ignorou qualquer comentário contra a amamentação de seus filhos e insistiu que os pais deviam passar, no mínimo, algumas horas com eles por dia. A família também fazia as refeições junta todas as noites, quando não havia visitas.

Como os meninos eram crianças normais, que sabiam se comportar, pelo menos na maioria das vezes, quase toda a nação estava convencida da sabedoria de Hana. A resistência inicial ao casamento, proveniente do setor mais tradicional e antiquado da nação, logo desapareceu quando viram como Hana amava o marido. O povo amava Hana por ser uma deles, por lembrar-se de suas raízes e se orgulhar delas. Alim adorava que seus filhos se sentissem livres para subir em seu colo em vez de procurar a babá ou o tutor.

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As crianças podiam rir brincar e gritar quando estavam em família, e sabiam que eram amadas pelos pais.

E Alim sabia que sua esposa o adorava. Hana fizera alguns meses de aulas de protocolo real, mas não durou muito. Fora um desastre em discrição real em público, falando o que pensava, e o povo a amava por defendê-los contra os interesses da minoria elitizada.

Os dois filhos mais velhos continuaram brigando até que Alim ergueu a mão.

- Eu disse que mamãe está cansada. Fadi, você já é grande para conseguir se controlar pelo bem de sua mãe. Ela está sentindo dor.

Fadi acalmou-se, olhando ansiosamente para Hana.- Está doendo, mamãe?Hana deu um sorriso cansado e amoroso para as crianças. Fora um parto

rápido, porém doloroso, e, como sempre, não solicitara nenhum analgésico.- Sempre dói ter um bebê, meu anjo, mas valeu a pena por Johara. Valeu a

pena por todos vocês.Uma hora depois, ao ver que Hana lutava para manter os olhos abertos,

Alim chamou Raina, a babá, que levou as crianças depois de muitos beijos e abraços.

Os meninos iam passar a noite com os pais de Hana, na magnífica casa perto do palácio que Alim comprara para eles como presente para sua noiva. Os irmãos e as irmãs de Hana, e suas famílias, iam se juntar a Malik e Amai para comemorar o nascimento de Johara. Harun e Amber também viriam, de onde quer que estejam no mundo. Harun, finalmente livre para seguir suas vontades, lutara por seu casamento e reconquistara Amber. Para sua surpresa, descobriu que a esposa que mal conhecia também amava História Antiga. Então, quando retomou os estudos de Arqueologia, ela ficou ao seu lado.

Agora, dentro das próximas 12 semanas, teriam seu terceiro filho, enquanto navegavam juntos pelo passado.

E Alim não podia estar mais feliz por ele.Colocou a filha no berço ao lado da cama e cobriu-a carinhosamente. Ao

sair do quarto para cuidar da montanha de trabalho que esperava por ele no escritório, viu que sua mulher o observava com olhos desejosos. Mentalmente, jogou o trabalho pela janela e deitou-se ao seu lado na cama, abraçando-a.

- Você está bem?Ela emitiu um som de alegria ao se aconchegar a ele, acomodando a

cabeça em seu ombro.- Agora estou.O tom sonolento em sua voz era contagiante, e logo ele também estava

bocejando.- Talvez eu possa tirar um cochilo.Embora Hana tivesse cuidado do bebê na noite anterior, ele acordara

com ela na maioria das vezes e ajudara trocando fraldas. Não conseguia resistir a alguns momentos com a filha nos braços, admirando-a e amando-a.

Ao ouvir aquelas palavras, Hana rolou até o telefone e discou quatro, o número de sua assistente pessoal.

- Roula, eu peço que não nos incomode por uma hora, por favor. Eu e meu marido estamos muito cansados. Sim, obrigada. - Voltou para os braços dele,

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sorrindo para Alim, com os olhos amorosos e exaustos. - Agora, silêncio. Logo Johara vai acordar para mamar.

Aninhou-se a ele. Adoravam dormir assim. Hana dizia que eram como coalas, que dormiam em forma de conchinha.

Acordados ou dormindo, quando estavam sozinhos, se ele não a estava tocando, era ela quem o tocava. Adoravam ficar juntos. Mesmo ainda sentindo dores do parto, logo Hana estaria contando os dias para que pudessem fazer amor.

Não quero quartos reais separados. Quando estivermos casados, vou dormir junto de meu marido, dissera firmemente, uma semana depois do noivado, causando o primeiro escândalo com seu pronunciamento. O segundo escândalo viera logo depois, quando ela o arrastava para salas particulares para beijá-lo nos longos meses que precederam o casamento, levando os empregados a intermináveis dores de cabeça enquanto tentavam encontrá-lo. Mas, desde a noite do casamento, dividiam o mesmo quarto, e ela amava e cuidava de sua família de uma maneira que poucas esposas de líderes haviam feito antes.

As crianças adoravam vê-la brincando no chão com elas, inventando coisas, e até mostrando como deviam se comportar em situações sociais e políticas, usando bichinhos de pelúcia para simular os chefes de Estado.

Alim era o homem mais feliz do país. Sua esposa carinhosa e nada convencional era tudo com que havia sonhado, mas nunca acreditou que seria tão abençoado a ponto de encontrá-la.

Finalmente encontrara a paz com a morte de Fadi, graças a Hana. Aceitara as alegrias e responsabilidades de seu cargo e encontrou uma felicidade profunda, que jamais imaginara, ao lado de sua família. Em troca, ajudara-a a se reaproximar de seus parentes, fazendo o perdão transbordarem de seu coração. Alim também amava a família de Hana, e agradecia muito a eles. E era grato a Mukhtar. Se não fosse por ele, ela ainda estaria casada com Latif, e nunca teriam se conhecido.

- Alim - murmurou Hana, meio adormecida.Perdido num labirinto de sonhos, Alim respondeu com outro murmúrio.- Não é nada - sussurrou, descansando a cabeça em seu peito. - É só...

Meu Alim. Meu.Estava quase dormindo, e um sorriso dominou seus lábios.- Sempre. - Ele a puxou para bem pertinho e mergulhou em seus sonhos.Eles ainda estavam na mesma posição quando sua filha os acordou, quase

duas horas depois.

Fim

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