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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS MEMORIAIS DE EUGENIO GARCÍA E OUTROS (VÍTIMAS)

MEMORIAIS DE EUGENIO GARCÍA E OUTROS (VÍTIMAS)derecho.uncuyo.edu.ar/cuyum/upload/rv-n-4421.pdf · 2 REFERÊNCIAS TRATADOS E OUTROS DOCUMENTOS BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto

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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

MEMORIAIS DE EUGENIO GARCÍA E OUTROS

(VÍTIMAS)

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1

SUMÁRIO

REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 2

TRATADOS E OUTROS DOCUMENTOS ...................................................................... 2

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ....... 2

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE EUROPÉIA DE DIREITOS HUMANOS ...................... 4

DOCUMENTOS DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ...... 5

DOUTRINA .................................................................................................................... 5

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................ 6

1. EXPOSIÇÃO DOS FATOS .............................................................................................. 7

1.1 Do Estado de Malbecland ........................................................................................... 7

1.2 Sobre Eugenio García e outros .................................................................................... 7

1.3 Sobre o processo judicial frente à jurisdição interna do Estado de Malbecland ............. 7

1.4 Do trâmite frente ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos .............................. 9

2 ANÁLISE JURÍDICA DO CASO.................................................................................... 10

2. 1 Providências preliminares ........................................................................................ 10

2.1.1 Legitimidade ad causam ..................................................................................... 10

2.1.2 Dos danos concretos sofridos individualmente por cada vítima ...................... 13

2.2 Da violação pelo Estado de Malbecland dos arts. 8.1 e 25.1, combinado com os arts. 1.1,

11, 17 e 19 da CADH, contra Eugenio García e suas filhas ............................................... 17

2.2.1 Da violação dos arts. 8.1 e 25.1 da CADH ............................................................ 17

2.2.2 Da violação dos arts. 17 e 19 da CADH ................................................................ 24

2.2.3 Da violação dos arts. 1.1 e 11 da CADH ............................................................... 29

2.3 Da violação do art. 2º da CADH combinado com os arts. 19, 8.1, 25.1 e 1.1 ................. 33

3 REPARAÇÕES E CUSTAS ............................................................................................ 37

4 SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA ......................................... 39

5 PEDIDOS ...................................................................................................................... 39

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2

REFERÊNCIAS

TRATADOS E OUTROS DOCUMENTOS

BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera

o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm>. Acesso

em: 30 jul. 2019.

CONVENÇÃO sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em

20 de novembro de 1989.

CONVENÇÃO sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia

Geral da ONU em dezembro de 2006.

DECLARAÇÃO Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Assembleia Geral das

Nações Unidas em Paris. 10 dez. 1948. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-

content/uploads/2018/10/DUDH.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2019.

DECLARAÇÃO Universal de Direitos Humanos. Assembleia Geral das Nações Unidas em

Paris. 10 dez. 1948.

OEA. Conselho Permanente. Regulamento da Corte Americana de Direitos Humanos

sobre o Fundo de Assistência Legal às Vítimas. Doc. CP/RES. 963 de 11 de novembro de

2009.

OMS. CID-11. Caregiver-child relationship problem (QE52.0). Disponível em:

<https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http://id.who.int/icd/entity/547677013>. Acesso em:

22 jul. 2019.

ONU. Comissão de Direito Internacional. Responsabilidade dos Estados por atos

internacionalmente lesivos. In: Anuário da Comissão de Direito Internacional, 2001, vol.

II, parte dois. Disponível

em:<http://legal.un.org/ilc/texts/instruments/english/draft_articles/9_6_2001.pdf>. Acesso

em: 27 jul. 2019.

___. Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Situação da População Mundial

2019. Um trabalho inacabado: a busca por direitos e escolhas para todos e todas. UNFPA,

2019.

PACTO Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Assembleia Geral das Nações

Unidas a 16 de dezembro de 1966.

PACTO Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Assembleia Geral

das Nações Unidas a 19 de dezembro de 1966.

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

CORTE IDH. Asunto L.M. respecto Paraguay. Resolución de la Corte Interamericana de

Derechos Humanos de 01 de julho de 2011............................................................................21

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3

CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de

24 de fevereiro de 2012. Série C Nº 239.....................................20, 21, 25, 26, 30, 31, 32 e 38

CORTE IDH. Caso Barbani Duarte y otros Vs. Uruguay. Mérito, Reparações e Custas.

Sentença de 13 de outubro de 2011. Série C Nº 234...............................................................17

CORTE IDH. Caso Cantos Vs. Argentina. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28 de

novembro de 2002. Série C Nº 97...........................................................................................22

CORTE IDH. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Exceções Preliminares. Voto

concorrente do Juiz A. A. Cançado Trindade. Sentença de 4 de setembro de 1998................12

CORTE IDH. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Mérito, Reparações e Custas. Sentença

de 30 de maio de 1999. Série C Nº 52.....................................................................................34

CORTE IDH. Caso Cayara Vs. Perú. Exceções Preliminares. Sentença de 3 de fevereiro de

1993.......................................................................................................................................13

CORTE IDH. Caso Chitay Nech e outros Vs. Guatemala. Exceções Preliminares, Mérito,

Reparações e Custas. Sentença de 25 de maio de 2010. Série C Nº. 212.................................27

CORTE IDH. Caso “Cinco Pensionistas” Vs. Perú. Mérito, Reparações e Custas. Sentença

de 28 de fevereiro de 2003. Série C Nº 98...............................................................................24

CORTE IDH. Caso Costa Artavia Murillo y otros Vs. Costa Rica. Exceções Preliminares,

Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28 de novembro de 2012......................................36

CORTE IDH. Caso Duque Vs. Colômbia. Exceções preliminares, Mérito, Reparações e

Custas. Sentença de 26 de fevereiro de 2016, par. 93.............................................................29

CORTE IDH. Caso Fairen Garbi y Solis Corrales Vs. Honduras. Exceções Preliminares.

Sentença de 26 de junho de 1987............................................................................................24

CORTE IDH. Caso Fornerón e Hija Vs. Argentina. Mérito, Reparações e Custas. Sentença

de 27 de abril de 2012. Série C Nº 242.............................................14, 22, 23, 25, 27, 28 e 38

CORTE IDH. Caso Furlan y Familiares Vs. Argentina. Exceções Preliminares. Mérito,

Reparações e Custas. Sentença de 31 de agosto de 2012. Série C Nº 246................20, 27 e 37

CORTE IDH. Caso García y Familiares Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas.

Sentença de 29 novembro de 2012. Série C Nº 258........................................................24 e 38

CORTE IDH. Caso Garibaldi Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e

Custas. Série C Nº 203. Sentença de 23 de setembro de 2009.................................................10

CORTE IDH. Caso Garrido y Baigorria Vs. Argentina. Reparações e Custas. Sentença de 27

de agosto de 1998. Série C Nº 39....................................................................................34 e 39

CORTE IDH. Caso Hilaire, Constantine y Benjamin y otros Vs. Trinidad y Tobago. Mérito,

Reparações e Custas. Sentença de 21 de junho de 2002. Série C Nº 94...................................21

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4

CORTE IDH. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras. Exceções Preliminares, Mérito,

Reparações e Custas. Sentença de 7 de junho de 2003. Série C Nº 99.....................................22

CORTE IDH. Caso Nadege Dorzema y otros Vs. República Dominicana. Mérito, Reparações

e Custas. Sentença de 24 de outubro de 2012. Série C Nº 251.................................................17

CORTE IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala.

Reparações e Custas. Sentença de 26 de maio de 2001. Série C Nº 77....................................38

CORTE IDH. Caso Ramírez Escobar y otros Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas.

Sentença de 9 de março de 2018. Série C Nº 351.............................13, 18, 26, 27, 31, 33 e 38

CORTE IDH. Caso Rosendo Cantú e outra Vs. México. Exceções Preliminares, Mérito,

Reparações e Custas. Sentença de 31 de agosto de 2010. Série C Nº 216...............................31

CORTE IDH. Caso Valle Jaramillo y otros Vs. Colômbia. Mérito, Reparações e Custas.

Sentença de 27 de novembro de 2008. Série C Nº 192.........................................................21

CORTE IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Mérito. Sentença de 29 de julho de

1988. Série C Nº 4...........................................................................................................29 e 30

CORTE IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Reparações. Sentença de 21 de julho

de 1989. Série C Nº 4..............................................................................................................37

CORTE IDH. Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Sentença de 04 de julho de 2006. Série C Nº

149.........................................................................................................................................17

CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-4/84 del 19 de enero de 1984. Propuesta de

Modificación a la Constituición Política de Costa Rica relacionada con la naturalización.

Série A Nº 4............................................................................................................................30

CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-8/87 del 30 de enero de 1987. El Habeas Corpus bajo

Suspensión de Garantias (arts. 27.2, 25.1 e 7.6 Convención Americana sobre Derechos

Humanos). Série A Nº 8.........................................................................................................17

CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-17/02 del 28 de agosto de 2002. Condición Jurídica y

Derechos del Niño. Serie A, Nº 17......................................................................12, 20, 25 e 27

CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-21/14. Derechos y garantías de niñas y niños en el

contexto de la migración y/o en necessidad de protección internacional. Resolución del 19

de agosto de 2014...................................................................................................................36

CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-24/17. Identidad de género, e igualdad y no

discriminaçión a parejas del mismo sexo. Resolución del 24 de noviembre de

2017......................................................................................................................... 25, 37 e 38

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE EUROPÉIA DE DIREITOS HUMANOS

CORTE EDH. Caso Salgueiro Mouta Vs. Portugal. Tribunal (Quarta Seção). Nº 33290/96.

Sentença de 21 de dezembro de 1999..............................................................................31 e 32

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5

DOCUMENTOS DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

CIDH. Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Assinada na Conferência

Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de

novembro de 1969.

CIDH. Resolução n°59/81. Caso 1954. Uruguay (16/10/1981).

CIDH. Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2003.

CIDH. Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 2009.

CIDH. Derecho del niño y la niña a la familia. Cuidado alternativo. Poniendo fin a la

institucionalización en las américas. [Preparado por la Relatoría sobre los Derechos de la

Niñez de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos]. (OAS. documentos

oficiales), 2013.

CIDH. Hacia la garantía efectiva de los derechos de ninãs, niños y adolescentes: Sistemas

Nacionales de Protección. Aprobado por la CIDH el 30 de noviembre de 2017 (OAS.

Documentos oficiales), 2017.

DOUTRINA

BEJARANO, Carolina R.; ARMIJO, Deiner S. A. El plazo razonable en el marco de las

garantías judiciales en Colombia. Memorando de Derecho, Calle, ano 2, n. 2, 2011.

CANCADO TRINDADE, A. A. Las clausulas petreas de la proteccion internacional del ser

humano: El acceso directo de los individuos a la justicia a nivel internacional y la

intangibilidad de la jurisdiccion obligatoria de los tribunales internacionales de derechos

humanos. In: El Sistema Interamericano de Proteccion de los Derechos Humanos en el

Umbral del Siglo XXI (23-24 nov. 1999). 2. ed. San Jose, Costa Rica: CADH, 2003.

CASTILLA, Karlos. La proteccion de los derechos humanos de ninas y ninos en el

Sistema Interamericano de Derechos Humanos. Barcelona: Universidad Pompeu Fabra,

2015.

CHOUHY, R. Función Paterna y familia monoparental. Cuál es el costo de prescindir del

padre? Perspectivas Sistémicas, v. 66, n. 13, 2001.

GONTIJO, André P. Os caminhos fragmentados da proteção humana: o peticionamento

individual, o conceito de vítima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas

interamericano e europeu de proteção dos direitos humanos. Brazilian Journal of

International Law, Brasilia, v. 9, n. 4, 2012.

GONZÁLEZ SERRANO, André G. Excepciones Preliminares. Una mirada desde la Corte

Interamericana de Derechos Humanos. Prolegómenos. Derechos y Valores, Bogotá, v.

XIV, n. 28, jul./dez. 2011.

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6

MEDINA QUIROGA, Cecilia. La Convención Americana: teoría y jurisprudencia.

Vida, integridad personal, libertad personal, debido proceso y recurso judicial. Centro de

Direitos Humanos da Faculdade de Direito. Santiago: Universidade de Chile, 2003.

MOLINA DE JUAN, Mariel F. Constitucionalismo Multinível. Principio de Igualdad y

Derecho Familiar Argentino. Actualidad Juridica Iberoamericana, Espanha, n. 10, fev.

2019.

PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SEGURA, C.; GIL, M.J.; SEPÚLVEDA, M.A. El síndrome de alienación parenteral: una

forma de maltrato infantil. Cuad Med Forense, v. 12, p.117-128, 2006.

SIRI, Andrés J. R. El concepto de reparacíon integral en la jurisprudencia de la Corte

Interamericana de Derechos Humanos. Revista Internacional de Derechos Humanos, São

Paulo, ano 1, nº 1, 2011.

STEINER, Christian; GRANADOS URIBE, Patricia (coord.) Convención Americana

sobre Derechos Humanos: comentada. México: Suprema Corte de Justicia de la Nación;

Colombia: Fundación Konrad Adenauer, Programa Estado de Derecho para Latinoamérica,

2014.

STEINER, Christian; FUCHS, Marie-Christine (editores); GRANADOS URIBE, Patricia

(coord.) Convención Americana sobre Derechos Humanos: comentada. 2. ed. Colombia:

Fundación Konrad Adenauer, Programa Estado de Derecho para Latinoamérica, 2019.

VALLEJO ORELLANA, R.; SANCHEZ-BARRANCO VALLEJO, F.; SANCHEZ-

BARRANCO VALLEJO, P. Separación o divorcio: Trastornos psicológicos en los padres y

los hijos. Rev. Asoc. Esp. Neuropsiq., Madrid, n. 92, p. 91-110, out./dez. 2004.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo

CADH Convenção Americana de Direitos Humanos

CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos

Corte EDH Corte Europeia de Direitos Humanos

Nº Número

OEA Organização dos Estados Americanos

OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

p. Página

par. Parágrafo

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7

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ PRESIDENTE DA BENEMÉRITA CORTE

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS:

1. Em virtude da audiência do caso Eugenio García e outros contra o Estado de

Malbecland, os procuradores constituídos, das vítimas Eugenio García e filhas, vêm

respeitosa e tempestivamente apresentar o presente memorial à Corte Interamericana de

Direitos Humanos (Corte IDH), mediante a exposição dos fatos, considerações preliminares

e alegações de mérito, a seguir apresentados:

1. EXPOSIÇÃO DOS FATOS

1.1 Do Estado de Malbecland

2. O Estado de Malbecland, situado no sudoeste do continente americano, conta com

sete milhões de habitantes e apresenta uma das dez economias mais desenvolvidas da região.

Membro de respeitáveis instituições mundiais, dentre elas a OEA e a ONU, Malbecland

ratificou importantes tratados internacionais, entre eles a Convenção Americana de Direitos

Humanos (CADH) em 1990, reconhecendo a competência contenciosa da Corte IDH.

3. Tais tratados têm hierarquia constitucional (art. 6º da Carta Magna) e prevalência na

ordem interna, o que, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Federal do Estado,

faz com que as sentenças da Corte IDH sejam cumpridas obrigatoriamente pelo Estado.

1.2 Sobre Eugenio García e outros

4. Eugenio García e Amalia Ramírez foram casados, tendo resultado dessa união três

filhas. Em 10/11/2004 separaram-se de fato, ocasião em que García mudou de endereço,

passando a residir com o companheiro Javier e seu filho adolescente.

1.3 Sobre o processo judicial frente à jurisdição interna do Estado de Malbecland

5. Em 12/02/2005, ambos os genitores requereram o divórcio na Vara de Família de

Villaflores, cidade interiorana de Malbecland.

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8

6. Em 01/03/2005, a Sra. Ramírez ajuizou ação em face do Sr. García, pleiteando a

guarda unilateral das três filhas, sendo que, à época, T. contava com 12 anos de idade, N.

com seis e S., portadora de Síndrome de Down, com três anos de idade. García apresentou

reconvenção, também requerendo a guarda. A demanda foi julgada procedente em favor da

mãe, em 08/05/2005, e na mesma decisão foi estabelecido o regime de visitas entre García e

suas filhas. Embora o juízo não tenha estabelecido uma quota alimentar, García realizava,

voluntariamente, um aporte mensal regular, destinado a sustentar parte dos gastos das filhas.

7. Três meses depois, a Sra. Ramírez requereu à Vara de Família a suspensão da

convivência paterna, alegando que as filhas recusavam-se a ver o pai. O juiz acatou o pedido,

sendo que após o resultado do diagnóstico interdisciplinar de interação familiar, a Justiça

ordenou o restabelecimento do convívio na residência da avó paterna, e ainda a submissão

de todos os membros da família a tratamento psicológico.

8. À época da separação, a Sra. Ramírez estava grávida de A., fruto de técnica de

reprodução assistida, mediante a doação de material genético. Como nasceu após o divórcio,

A. foi registrado apenas como filho da Sra. Ramírez, sem filiação paterna. O Sr. García,

judicialmente, solicitou a inclusão no regime de visitas do contato com A., a que Ramírez se

opôs. A Justiça nunca se posicionou sobre o pedido.

9. A Sra. Ramírez não providenciou o tratamento psicológico das filhas, nem

compareceu às duas audiências agendadas, assim como não atendeu à sanção de multa

aplicada pelo juiz. Nesse período de tempo, o pai ficou sem contato com as filhas, tendo

insistentemente acionado a via judicial para ver as crianças, porém sem sucesso.

10. Em 16/08/2008, Ramírez levou as filhas para exame psicológico, o qual demonstrou

a influência da mãe sobre o mau relacionamento das filhas com o pai e concluiu sobre a

necessidade do restabelecimento do contato paterno. Com base nesse laudo, o Sr. García

solicitou a guarda unilateral das filhas. O pedido foi indeferido, mantendo-se o status quo.

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9

11. A Sra. Ramírez mudou-se para Medina, sem comunicação ao Sr. García ou à Justiça

e, tão logo soube da mudança, este registrou ocorrência nos órgãos competentes em

Malbecland. Ramírez obteve medida para continuar residindo em Medina, até a audiência de

05/12/2010, à qual compareceu sem as filhas, descumprindo mais uma ordem judicial.

12. Em 30/03/2011, o magistrado de Villaflores publicou a sentença, mantendo a guarda

materna em Medina e estabelecendo novo regime de visitas ao pai. Após recursos, as

instâncias superiores de Malbecland confirmaram a decisão de primeiro grau em 10/10/2013.

13. As tentativas do Sr. García para visita e contato com as filhas persistiram infrutíferas

durante o ano de 2013, assim como foi ineficaz o pedido de execução do regime de

comunicação interposto em Medina, com confirmação da decisão em 15/12/2015.

1.4 Do trâmite frente ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos

14. Em 01/03/2016, o Sr. García peticionou, em seu detrimento e de suas filhas, perante

a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), contra o Estado de Malbecland,

com base nos arts. 8.1 e 25.1 da CADH, combinados com os arts. 1.1, 11, 17 e 19 da mesma

Convenção. Também observou que o Estado descumpriu a obrigação de adotar disposições

de direito interno (art. 2 da CADH), combinado com os arts. 19, 8.1, 25.1 e 1.1 da Convenção.

15. O Estado, em sua contestação, alegou irregularidade de legitimação no polo ativo e

obscuridade na determinação dos danos sofridos pelas vítimas, associado à adequação das

condutas do juízo de primeiro grau. Em 30/11/2016, a CIDH admitiu a causa,

responsabilizando o Estado pelas violações referidas e recomendando a reparação dos danos.

O Estado, por sua vez, requereu a remessa do caso à Corte IDH, que protocolou a petição e

iniciou o procedimento, designando audiência para 04/11/2019.

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10

2 ANÁLISE JURÍDICA DO CASO

2. 1 Providências preliminares

16. O Estado de Malbecland, no exercício dos direitos previstos nos arts. 61.1 da CADH

e 36 do Regulamento da Corte IDH1, submeteu o caso à Corte IDH, trazendo, dentre outras

fundamentações de defesa, as exceções preliminares de: (a) falta de legitimidade ad causam;

(b) obscuridade quanto aos danos concretos sofridos individualmente por cada vítima.

17. Conforme dispõe a jurisprudência da Corte IDH, as exceções preliminares têm o

intuito de impedir a análise de mérito sobre o aspecto questionado ou do caso como um todo2,

sendo que a sua proposição pode possibilitar a não continuidade regular do processo, pela

falta de preenchimento de aspectos formais3. Sobre as exceções alegadas passa-se a discorrer.

2.1.1 Legitimidade ad causam

18. O Estado argumentou que o Sr. García não possuía legitimidade ad causum com

relação às filhas, pois não contava com o consentimento destas para interpor petição na

CIDH. Contudo, os arts. 44 da CADH e 23 do Regulamento da CIDH4 preveem a faculdade

de qualquer pessoa apresentar petição à CIDH, quando da ocorrência de violação aos direitos

humanos reconhecidos pela Convenção. Na última disposição normativa, há a possibilidade

de interposição de demanda em nome próprio ou no de terceiros, o que legitima o Sr. García

a peticionar perante a Comissão em nome das filhas, que, enquanto terceiras, tiveram seus

direitos humanos violados, conforme será detalhadamente abordado em momento posterior.

19. Nesse sentido, citando o entendimento desta Corte no Caso Castillo Petruzzi y otros

Vs. Perú, Gontijo5 explana que a legitimidade do direito de petição estende-se a todo e

1 CIDH. Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos. CIDH. 2003. 2 CORTE IDH. Caso Garibaldi Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Série C Nº

203. Sentença de 23 de setembro de 2009, par. 17. 3 GONZÁLEZ SERRANO, André G. Excepciones Preliminares. Una mirada desde la Corte Interamericana

de Derechos Humanos. Prolegómenos. Derechos y Valores, Bogotá, v. XIV, n. 28, jul./dez. 2011, p. 236. 4 CIDH. Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. CIDH. 2009. 5 GONTIJO, André P. Os caminhos fragmentados da proteção humana: o peticionamento individual, o

conceito de vítima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de

proteção dos direitos humanos. Brazilian Journal of International Law, Brasilia, v. 9, n. 4, 2012, p. 13.

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qualquer peticionário, o que amplia a eficácia de sua abrangência, na medida em que confere

o direito a qualquer pessoa poder peticionar, não necessitando, imperativamente, ser vítima,

ao passo que pode resguardar o direito de terceiros.

20. Corrobora Cançado Trindade6, ao destacar que a legitimidade ad causam, pode

prescindir, até mesmo, de qualquer manifestação por parte da vítima. Ao encontro, já afirmou

esta Corte, "que quien denuncia un hecho violatorio de los derechos humanos ante la

Comisión Interamericana de Derechos Humanos no requiere de autorización de la víctima"7.

21. Ou seja, "[e]l texto convencional no exige que quien peticione ante la Comisión lo

haga en representación de la víctima, ni tampoco que cuente con su consentimiento. Es decir,

no es un requisito la existencia de vínculo alguno entre peticionario y víctima. Así lo declaró

la Comisión en un caso contra Uruguay en que el Estado solicitó la reconsideración de la

Resolución No 17/81 del 6 de marzo de 1981, en la que la Comisión IDH había declarado la

responsabilidad de la República Oriental del Uruguay por la violación del artículo I de la

DADDH, argumentando que la víctima nunca había prestado su consentimiento para que el

caso fuera denunciado ante la Comisión"8.

22. Ademais, no recente Caso Patricio Oscar Estrella y Otro c. El Estado de

Malbecland9, também tal previsão foi respeitada, tendo sida admitida a legitimidade de uma

clínica de atendimento a migrantes para representação em seu nome perante a CIDH. Isto

posto, o Sr. García pode tanto denunciar a violação dos seus direitos, como também os das

6 CANCADO TRINDADE, Antônio Augusto. Las clausulas petreas de la proteccion internacional del ser

humano: El acceso directo de los individuos a la justicia a nivel internacional y la intangibilidad de la

jurisdiccion obligatoria de los tribunales internacionales de derechos humanos. In: El Sistema

Interamericano de Proteccion de los Derechos Humanos en el Umbral del Siglo XXI (23-24 nov. 1999).

2. ed. San Jose, Costa Rica: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2003, p. 28. 7 CIDH. Consideração n°2 da Resolução n°59/81. Caso 1954, Uruguay, 1981. 8 STEINER, Christian; GRANADOS URIBE, Patricia (coord.) Convención Americana sobre Derechos

Humanos: comentada. México: Suprema Corte de Justicia de la Nación; Colombia: Fundación Konrad

Adenauer, Programa Estado de Derecho para Latinoamérica, 2014, p. 769. 9 Caso hipotético da Competição Internacional de Direitos Humanos, Cuyum, 2017.

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suas filhas, não precisando do consentimento destas para alegar a transgressão dos direitos

consubstanciados na CADH, conforme preceitua esta egrégia Corte.

23. Outrossim, resta esclarecer que Cançado Trindade já manifestou a importância do

locus standi, considerando-o: "[...] uno de los grandes avances logrados por la Convencion

Americana, en los planos tanto conceptual y normativo, asi como operativo[...]. El derecho

de peticion individual, asi ampliamente concebido, tiene como efecto inmediato ampliar el

alcance de la proteccion, sobre todo en casos en que las victimas (v.g., detenidos

incomunicados, desaparecidos, entre otras situaciones) se vean imposibilitadas de actuar por

cuenta propia, y necesitan de la iniciativa de un tercero como peticionario en su defensa"10.

24. No presente caso, é importante reiterar que García é pai das três demais vítimas, as

quais, à época dos fatos, eram menores de idade, não possuindo total grau de maturidade para

entender as consequências do ocorrido. Nessa acepção, prevê a CIDH que, devido às suas

condições especiais, a criança depende dos adultos para o efetivo acesso e desfrute de todos

seus direitos, assim como para o exercício das ações jurídicas que os garantam11. "En razón

de su inmadurez y vulnerabilidad, requieren protección que garantice el ejercicio de sus

derechos dentro de la familia, de la sociedad y con respecto al Estado"12.

25. Deste modo, a demanda apresentada pelo pai em nome das filhas, encontra amparo

na CADH (art. 19) e no art. 3.1 da Convenção sobre os Direitos da Criança13, uma vez que é

direito e dever da família a defesa e proteção do maior interesse dos menores. Ainda, já

asseverou a Corte que o sistema interamericano de direitos humanos, no âmbito da proteção

do interesse público, do qual fazem parte a família, enquanto elemento natural e fundamental

10 CORTE IDH. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Peru. Exceções Preliminares. Voto concorrente do Juiz A.

A. Cançado Trindade. Sentença de 4 de setembro de 1998, pars. 26 e 28. 11 CIDH. Derecho del niño y la niña a la familia. Cuidado alternativo. Poniendo fin a la institucionalización

en las américas. (OAS. documentos oficiales), 2013. p. 13-14. 12 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-17/02 del 28 de agosto de 2002. Condición Jurídica y Derechos del

Niño. Serie A, Nº 17, par. 62. 13 CONVENÇÃO sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro

de 1989.

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da sociedade, e o interesse das crianças, "[...] permite la presentación de peticiones por

cualquier persona, así como el inicio de la tramitación de una petición de oficio por parte de

la Comisión, sin que necesariamente tengan que participar las presuntas víctimas"14.

26. Apenas como forma de esgotar a discussão, é importante destacar que a Corte IDH

afirmou ser "un principio comunmente aceptado que el sistema procesal es un medio para

realizar la justicia y que esta no puede ser sacrificada en aras de meras formalidades. Dentro

de ciertos limites de temporalidad y razonabilidad, ciertas omisiones o retrasos en la

observancia de los procedimientos, pueden ser dispensados, si se conserva un adecuado

equilibrio entre la justicia y la seguridad jurídica"15.

27. Diante disso, resta claro que o Sr. García, não somente na condição de pai, mas

também com o intuito de proteger terceiros (suas filhas) e resguardar os direitos elencados

na CADH, bem como nas demais convenções ratificadas por Malbecland, é parte legítima

para configurar no presente caso e em defesa das filhas. Como já demonstrado e tanto

reiterado, o peticionamento à CIDH não tem como requisito o consentimento da vítima,

justamente por se tratar da denúncia de violação de direitos humanos. Tão logo, fica evidente

que a alegação de ilegitimidade ad causum do Estado de Malbecland não merece prosperar.

2.1.2 Dos danos concretos sofridos individualmente por cada vítima

28. Como questão preliminar, o Estado de Malbecland invocou também a falta de clareza

quanto à qualidade ou condição de vítimas das filhas e do Sr. García, e a inexistência de

explicação quanto aos danos concretos e individualizados sofridos por cada uma delas.

29. Inicialmente, utilizando-se do referenciado pela Corte Europeia de Direitos

Humanos, é considerada vítima toda pessoa atingida pelo ato do objeto litigioso, abarcando

tanto aquelas que já tenham sofrido como as que estejam em risco de suportar seus efeitos16.

14 CORTE IDH. Caso Ramírez Escobar y otros Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 9

de março de 2018. Série C Nº 351, par. 44. 15 CORTE IDH. Caso Cayara Vs. Peru. Exceções Preliminares. Sentença de 3 de fevereiro de 1993, par. 42. 16 GONTIJO, 2012, p.14.

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30. Empregando tal definição no presente caso, resta evidente que tanto o Sr. García,

quanto T., N. e S., que à época do início do processo eram todas menores17, sofreram as

consequências das violações cometidas pelo Estado, o qual não foi eficiente na proteção dos

seus direitos humanos.

31. Especificamente no que tange às últimas, assim como qualquer outra pessoa sujeita à

jurisdição do Estado, "[l]os niños y las niñas son titulares de los derechos establecidos en la

Convención Americana, además de contar con las medidas especiales de protección

contempladas en su artículo 19, las cuales deben ser definidas según las circunstancias

particulares de cada caso concreto"18. Isso posto, negar a condição de vítima das filhas do Sr.

García condiz em preterir as violações que sofreram, deixando de reconhecê-las como

sujeitos de direito e titulares de direitos inalienáveis e inerentes à sua condição humana,

ferindo, desse modo, as disposições da CADH e desta Corte.

32. Nesse âmbito, enquanto sujeitos de direitos, nos casos Ramírez Escobar y otros Vs.

Guatemala, Atala Riffo y Niñas Vs. Chile e Fornerón e Hija Vs. Argentina, os filhos,

separados do convívio com seus genitores biológicos por responsabilidade atribuída ao

Estado, também foram considerados vítimas, em conjunto com seus pais, o que reforça a

condição de vítimas de T., N. e S. e do Sr. García.

33. Por conseguinte, quanto aos danos sofridos individualmente por cada uma das

vítimas, estes restaram amplamente demonstrados durante o andamento do processo, através

do desgaste sofrido em função das obstruções de Amália e de um processamento tão

prolongado, do tratamento diferenciado sofrido pelo Sr. García em virtude da sua orientação

sexual, da inobservância dos laudos psicológicos apresentados e, principalmente, da inércia

do Estado diante da família que se decompunha.

17 A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) define criança como “todo ser humano com menos de 18

anos de idade, a não ser que, pela legislação aplicavel, a maioridade seja atingida mais cedo” (art. 1º). 18 CORTE IDH. Caso Fornerón e Hija Vs. Argentina. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de abril

de 2012. Série C Nº 242, par. 45.

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34. Acerca destes, ressaltam-se os seguintes fatos: “Respecto del progenitor, se concluyó

que, “no obstante su condicion sexual”, sus estandares eran “normales”, se encontraba

vinculado positivamente con sus hijas y que no representaba riesgo alguno para su desarrollo.

[...] Por ello, el tribunal de familia ordenó que el contacto debía realizarse en la vivienda de

la abuela paterna de modo que las hijas no tuvieran ningún acercamiento a la pareja del padre

(...)”19. “El 20 de diciembre de 2008, el psicologo presento su informe, en el que explicaba

que la actitud de la madre respondía a una firme determinación por su parte, y que esta

decisión estaba condicionando la decisión de las hijas y afectando relación con el padre.

Concluía que las niñas habían emulado a la madre y que su negativa empeoraría aún más si

continuaban sin tener contacto con el”20. “N. se mostro muy angustiada y enojada porque la

habían llevado a Villaflores para ir al tribunal. Manifestó que no quería tener encuentro

alguno con ese señor. [...] S. dijo que ella quería lo mismo que su hermana, pero luego agregó

que no sabía quién era Eugenio García. Ordenada una pericia psicológica, se concluyó que

no obstante los escasos recuerdos que S tenía de su padre, denotaba una vinculación positiva

con el mismo”21.

35. Deste modo, individualizando os danos sofridos por cada uma das vítimas, no que

compete ao pai, frisa-se a perda do vínculo afetivo com as filhas e a ruptura dos laços

familiares, na medida em que não só as visitas foram deferidas apenas na casa da avó, como

também não foram efetivadas, ante a atitude obstrutiva da mãe; a discriminação sexual

sofrida pelo Sr. García, eis que o mesmo foi impedido de conviver com seu companheiro no

mesmo ambiente que sua prole; o desgaste emocional e as consequências da alienação

parental, já que restou claro nos laudos que a mãe influenciava a decisão das filhas, causando-

lhe, ainda, um sentimento de injustiça e descrença no Estado; e, ainda, o abalo e estresse

19 Caso Eugenio García e outros Vs. Estado de Malbecland, 2019. Cuyum, par. 15. 20 Ibidem, par. 23. 21 Ibidem, par. 33.

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sofridos em decorrência de um processo judicial tão prolongado, envolvendo questões

familiares que, devido a sua singular importância, são protegidas enquanto direitos humanos

pela CADH e mereciam uma resolução mais célere e efetiva.

36. Já em relação às crianças, estas sofreram diretamente e de forma semelhante as

consequências dos atos do Estado, conforme também restou apontado nos laudos

psicológicos. Quanto a estas, destaca-se a perda do afeto e do convívio com o pai, já que a

mãe obstruiu todas as tentativas de contato entre estes, impedindo que as crianças crescessem

com a presença do pai; o rompimento familiar; a discriminação pela orientação sexual do pai;

a ofensa ao direito de serem ouvidas e de participarem do processo ao qual tinham interesse;

e, por fim, o sofrimento em virtude da alienação parental efetuada pela mãe.

37. Cabe salientar, que diversos estudos têm apontado as consequências psicossociais da

ausência da figura paterna no crescimento e desenvolvimento das crianças. Chouhy (2001),

ao descrever várias destas pesquisas, menciona que "[l]a ausencia del padre es entonces un

factor de riesgo en lo que hace al proceso [...] de emancipacion. [...] el riesgo de disfuncion

psicologica (problemas emocionales y/o de conducta) es significativamente mas alto para

ninos que han crecido sin padre (entre 2 y 3 veces mas alto). [...] El nino que crece sin padre

presenta un riesgo mayor de enfermedad mental, de tener dificultades para controlar sus

impulsos, de ser mas vulnerable a la presion de sus pares y de tener problemas con la ley"22.

38. Deste modo, tais danos, tantos aqueles sofridos pelo pai, quanto os sofridos pelas

filhas, representam manifesta violação dos direitos à família (arts. 17 e 11), à proteção da

infância (art. 19), à proteção judicial (art. 25.1) e às garantias (8.1), com inegável

descumprimento da obrigação máxima dos Estados-Partes de respeitarem os direitos postos

na CADH (art. 1.1) e de adotar disposições de direito interno (art. 2), o que carece de

responsabilização e reparação por parte do Estado de Malbecland.

22 CHOUHY, R. Función Paterna y familia monoparental. Cuál es el costo de prescindir del padre?

Perspectivas Sistémicas, v. 66, n. 13, 2001, p.2.

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2.2 Da violação pelo Estado de Malbecland dos arts. 8.1 e 25.1, combinado com os arts.

1.1, 11, 17 e 19 da CADH, contra Eugenio García e suas filhas

2.2.1 Da violação dos arts. 8.1 e 25.1 da CADH

39. Os institutos consagrados nos arts. 8 e 25 da CADH são considerados pilares de uma

sociedade democrática, uma vez que protegem o direito do acesso à justiça23. Embora

distintos, constituem disposições processuais que visam amparar a efetivação dos demais

direitos humanos previstos na Convenção. Nesse sentido, as garantias judiciais (art. 8) dizem

respeito “al conjunto de requisitos que deben observarse en las instancias procesales a efectos

de que las personas esten en condiciones de defender adecuadamente sus derechos ante

cualquier acto del Estado que pueda afectarlos”24, ou seja, correspondem à exigência do

devido processo legal. Por sua vez, a proteção judicial tem por finalidade proteger todos os

direitos reconhecidos pelas constituições e leis dos Estados-Partes e pela Convenção, por

meio de um procedimento judicial simples e breve25.

40. Dentro do rol de garantias, o art. 8.1 da CADH estabelece, dentre outros preceitos,

que toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo

razoável. O direito de ser ouvido não se restringe à manifestação oral do interessado, mas

sim de forma mais ampla, a um procedimento justo, com as devidas garantias, no qual o

orgão jurisdicional, diante do caso concreto, efetue “un examen apropiado de las alegaciones,

argumentos y pruebas aducidas por las partes, sin perjuicio de sus valoraciones acerca de si

son relevantes para su decision”26.

23 CORTE IDH. Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Sentença de 04 de julho de 2006. Série C Nº 149, par. 192. 24 CORTE IDH. Caso Nadege Dorzema y otros Vs. República Dominicana. Mérito, Reparações e Custas.

Sentença de 24 de outubro de 2012. Série C Nº 251, par. 156. 25 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-8/87, de 30 de enero de 1987. El Habeas Corpus bajo Suspensión de

Garantias (arts. 27.2, 25.1 e 7.6 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Série A Nº 8, par. 32. 26 CORTE IDH. Caso Barbani Duarte y otros Vs. Uruguay. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 13 de

outubro de 2011. Série C Nº 234, par. 121.

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41. Tal direito não foi adequadamente respeitado por parte do órgão jurisdicional de

Malbecland, uma vez que os argumentos trazidos pelo Sr. García na disputa da guarda das

filhas não foram examinados de forma oportuna. A decisão apoiou-se em um estereótipo de

gênero sobre a distribuição das responsabilidades parentais, à semelhança do evidenciado no

Caso Ramírez Escobar y otros Vs. Guatemala27, "en cierta medida presumiendo e insinuando

que un padre no tiene las mismas obligaciones o derechos que una madre, ni el mismo interés,

amor y capacidad para bridar cuidado y protección a sus hijos".

42. Na dinâmica familiar que os genitores tinham à época, o Sr. García era o responsável

pelas tarefas de cuidado com as crianças e possuía maior tempo à sua disposição (já que

trabalhava apenas meio turno, ao contrário da Sra. Ramírez, que viajava frequentemente a

trabalho), sendo, desse modo, quem dispunha de maior convivência e conhecimento sobre o

cuidado das filhas, inclusive de S. que, pela sua condição, carecia de cuidados peculiares.

43. Ainda, o Código de Família de Malbecland (art. 478), vigente na época dos fatos,

previa a guarda unilateral em caso de separação dos pais, com o desempenho, por parte do

guardião, das funções relativas à responsabilidade parental, enquanto o outro mantinha o

direito de visita e supervisão da educação. Embora tal modelo de guarda possa não conseguir

atender ao melhor interesse da criança, como será abordado em momento posterior, restava

claro ser o Sr. García o genitor mais adequado a assumir a responsabilidade parental, uma

vez que já desempenhava as funções de cuidado previamente à separação do casal. Estipulava

a referida norma, também, a preferência materna até a idade de cinco anos, sendo que apenas

S. possuía idade dentro do limite preferencial na época da separação, sendo mister ressaltar

que se trata de uma preferência e não uma obrigação à guarda materna.

44. Deste modo, não obstante tais argumentações, o juízo concedeu a guarda à mãe,

motivando a decisão no fato das filhas, desde a separação, terem ficado sob os cuidados

27 CORTE IDH. Caso Ramírez Escobar y otros Vs. Guatemala, 2018, par. 298.

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maternos (período que totalizou apenas 4 meses da separação à interposição do pedido de

guarda), aliado ao pressuposto de que a deficiência de S. recomendaria a guarda materna.

45. Nesse sentido, a decisão não enfrentou os argumentos trazidos pelo Sr. García,

concernentes as melhores condições de que dispunha para a assunção da responsabilidade

parental. Também, a regra preferencial do cuidado materno relativa à idade da criança não se

aplicava às outras duas filhas, não tendo o magistrado se manifestado sobre o assunto.

46. Sob essa perspectiva, já assinalou a Corte que "las decisiones que adopten los órganos

internos que puedan afectar derechos humanos deben estar debidamente fundamentadas,

pues de lo contrario serían decisiones arbitrarias, ya que la motivación demuestra a las partes

que éstas han sido oídas, que sus alegatos han sido tomados en cuenta y que el conjunto de

pruebas ha sido analizado"28.

47. Posteriormente, diante do laudo psicológico29 que identificava a influência negativa

da mãe sobre a relação das filhas com o pai, novamente o Sr. García acionou o poder estatal,

solicitando a guarda das menores. Seu pedido restou indeferido, sem processamento

adicional, baseado no litígio existente, o que violou, novamente, o seu direito de ser ouvido

e de defender seus interesses de forma efetiva e em condições de igualdade processual.

48. Ainda, especificamente no que se refere às filhas do Sr. García, estas não tiveram o

direito de serem ouvidas pelo juízo de origem, não tendo a oportunidade de se manifestarem

sobre seus direitos, garantias e preferência quanto à guarda, tendo sido sua oitiva designada

somente pelo Tribunal de Apelações, sete anos após o início da disputa pela guarda das

menores, o que feriu, claramente, o disposto nos arts. 8.1 e 19 da CADH e nos arts. 9.2 e 12

da Convenção sobre os Direitos da Criança30. Assim, o art. 12, "no sólo establece el derecho

28 STEINER, Christian; FUCHS, Marie-Christine (editores); GRANADOS URIBE, Patricia (coord.)

Convención Americana sobre Derechos Humanos: comentada. 2. ed. Colombia: Fundación Konrad

Adenauer, Programa Estado de Derecho para Latinoamérica, 2019, p. 286. 29 Caso Eugenio García e outros Vs. Estado de Malbecland, 2019. Cuyum, pars. 23 e 24. 30 CONVENÇÃO sobre os Direitos da Criança, 1989, art. 9.2: "Em qualquer procedimento em cumprimento

ao estipulado no parágrafo 1 deste artigo, todas as partes interessadas devem ter a oportunidade de participar e

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de cada niño de expresar su opinión libremente en todos los asuntos que lo afectan, sino el

artículo abarca también el subsiguiente derecho de que esas opiniones se tengan debidamente

en cuenta, en función de la edad y madurez del niño"31.

49. Cabe ressaltar que Cançado Trindade, no seu voto à OC-17/02, destacou que "[l]as

limitaciones de la capacidad jurídica en nada subtraen a la personalidad jurídica. El titular de

derechos es el ser humano, de carne y hueso y alma, y no la condición existencial en que se

encuentra temporalmente"32. Assim, a criança carece ser tratada enquanto verdadeiro sujeito

de direitos, com personalidade própria e distinta da de seus pais, de modo a serem

preservados seus direitos substantivos e processuais, o que não ocorreu no presente caso.

50. Sobretudo e especificamente, o Comentário Geral nº 12 de 2009 do Comitê da ONU

sobre os Direitos da Criança destacou a relação entre os "melhores interesses da criança" e o

direito a ser ouvido, afirmando que "no es posible una aplicación correcta del artículo 3

[(interés superior del niño)] si no se respetan los componentes del artículo 12. Del mismo

modo, el artículo 3 refuerza la funcionalidad del artículo 12 al facilitar el papel esencial de

los niños en todas las decisiones que afecten su vida"33.

51. Carece destacar ainda, que tais disposições são igualmente aplicáveis às crianças com

deficiência34, sendo que S. sustentava os mesmos direitos que as irmãs. Ademais, nos casos

em que estão presentes conflitos de interesses entre os pais, a Corte prevê ser função do

de manifestar suas opiniões"; art. 12: "1. Os Estados Partes devem assegurar à criança que é capaz de formular

seus próprios pontos de vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos

relacionados a ela, e tais opiniões devem ser consideradas, em função da idade e da maturidade da criança. 2.

Para tanto, a criança deve ter a oportunidade de ser ouvida em todos os processos judiciais ou administrativos

que a afetem, seja diretamente, seja por intermédio de um representante ou de um órgão apropriado, em

conformidade com as regras processuais da legislação nacional". 31 CORTE IDH. Caso Furlan y Familiares Vs. Argentina. Exceções Preliminares. Mérito, Reparações e

Custas. Sentença de 31 de agosto de 2012. Série C Nº 246, par. 230. 32 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-17/02, 2002. Voto concurrente del Juez Cançado Trindade, par. 6. 33 CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 24 de fevereiro

de 2012. Série C Nº 239, par. 197. 34 CORTE IDH. Caso Furlan y Familiares Vs. Argentina, 2012, par. 230; CONVENÇÃO sobre os Direitos

das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2006, art. 7.3.

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Estado, sempre que possível, garantir que os interesses do menor de idade sejam

representados por alguém alheio à lide35, o que também não ocorreu.

52. Além do direito a ser ouvido, estabelece ainda o art. 8.1 da CADH a prerrogativa de

que o órgão jurisdicional decida os casos submetidos a seu conhecimento em um prazo

razoável, sendo que "una demora prolongada puede llegar a constituir por si misma, en ciertos

casos, una violacion de las garantias judiciales"36.

53. Nos cenários de adoção, guarda e custódia de crianças que se encontram na primeira

infância, manifestou-se a Corte que os processos "[...] deben ser manejados con una

diligencia y celeridad excepcional por parte de las autoridades. Lo anterior revela una

necesidad de cautelar y de proteger el interes superior del nino, asi como de garantizar los

derechos en posible riesgo hasta tanto no se resuelva la controversia sobre el fondo y de

asegurar el efecto util de la eventual decision que se adopte"37.

54. Assim, há de se observar que houve excessiva demora nos trâmites processuais do

caso em discussão, demora esta que corroborou para a perda do vínculo entre pai e filhas.

Mesmo diante da urgência que exigia o caso e das demandas insistentes do Sr. García perante

o juízo, uma solução definitiva só restou evidenciada cerca de 10 anos após o início da

demanda, sem um resultado útil à proteção da família que estava sob amparo judicial.

55. Importa destacar que para averiguação da razoabilidade do prazo, a Corte IDH

estabelece a consideração de quatro elementos: a) a complexidade do assunto; b) a atividade

processual do interessado; c) a conduta das autoridades judiciais; e, d) o efeito gerado pela

duração do procedimento na situação jurídica da pessoa envolvida no processo38.

35 CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile, 2012, par. 199. 36 CORTE IDH. Caso Hilaire, Constantine y Benjamin y otros Vs. Trinidad y Tobago. Mérito, Reparações e

Custas. Sentença de 21 de junho de 2002. Série C Nº 94, par. 145. 37 CORTE IDH. Asunto L.M. respecto Paraguay. Resolución de la Corte Interamericana de Derechos

Humanos de 01 de julho de 2011, par. 16. 38 CORTE IDH. Caso Valle Jaramillo y otros Vs. Colombia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de

novembro de 2008. Série C Nº 192, par. 155; BEJARANO, Carolina R.; ARMIJO, Deiner S. A. El plazo

razonable en el marco de las garantías judiciales en Colombia. Memorando de Derecho, Calle, ano 2, n. 2,

2011.

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56. No caso em análise, quanto ao item "a", embora a ação relativa à guarda de menores

envolva uma diligência maior no processamento da causa, tal atributo, por si só, não justifica

a morosidade no julgamento39, conforme já estabelecido no Caso Fornerón e Hija Vs.

Argentina: "En relación con el primer elemento, los procesos analizados involucran,

respectivamente, la guarda de una niña que está siendo reclamada por su padre biológico y

el establecimiento de un régimen de visitas que permita crear vínculos entre ambos. Tales

cuestiones, si bien son de gran relevancia y requieren de un cuidado especial, están

enmarcados en procesos que no presentan especiales complejidades y que no son inusuales

para los Estados"40.

57. Quanto ao segundo elemento, estabelece a Corte que deve ser avaliada a "conducta

procesal del propio interesado en obtener justicia"41, observando-se se este participou

ativamente do processo, fazendo o possível para a resolução do mesmo. Resta claro que o Sr.

García cumpriu todas as implicações judiciais solicitadas, interpondo os recursos previstos

em lei para a resolução da demanda, tendo participado ativamente do processo.

58. No que tange à conduta das autoridades judiciais, são avaliados os comportamentos

que, por ação ou omissão, afetam o prolongamento da atuação judicial interna42. Assim, a

conduta omissiva do Estado de Malbecland, ao não incutir sanções efetivas capazes de coagir

a Sra. Ramírez ao cumprimento das determinações, contribuiu para a delonga da causa.

59. Relativamente aos efeitos, o entendimento da egrégia Corte é de que nas situações

em que o transcurso do tempo influir de forma relevante na situação jurídica dos envolvidos,

torna-se necessário que o procedimento tramite com mais diligência e brevidade. Assim,

considera-se que não se respeitam os requisitos do prazo razoável quando não são levados

39 CORTE IDH. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e

Custas. Sentença de 7 de junho de 2003. Série C Nº 99, par. 130. 40 CORTE IDH. Caso Fornerón e Hija Vs. Argentina, 2012, par. 67. 41 CORTE IDH. Caso Cantos Vs. Argentina. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28 de novembro de

2002. Série C Nº 97, par. 57. 42 Ibidem, par. 57.

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em conta os direitos e interesses em jogo no processo, ou os efeitos significativos,

irreversíveis e irremediáveis que o atraso na decisão judicial pode gerar na situação jurídica

e nos direitos das pessoas envolvidas no processo43.

60. Diante de tal acepção, evidencia-se a violação do prazo razoável contido no art. 8.1

da CADH em prejuízo do Sr. García e suas filhas, na medida em que o transcurso do tempo

influiu de forma irreversível na vida familiar, com perda do vínculo afetivo paternal, com a

impossibilidade do acompanhamento do crescimento das filhas e do desempenho da figura

paterna, que tão importante é no desenvolvimento das crianças.

61. A citada violação do prazo já fora identificada no Caso Fornerón e Hija Vs.

Argentina, também relativo à guarda judicial, no qual a Corte se manifestou: "Con base en

todo lo anterior, la duración total de los procedimientos de guarda judicial y de régimen de

visitas, de más de tres y diez años, respectivamente, en el presente caso, sobrepasan

excesivamente un plazo que pudiera considerarse razonable en procedimientos relativos a la

guarda de una niña y al régimen de visitas con su padre, por lo que constituyen una violación

del artículo 8.1 de la Convención, en relación con los artículos 17.1 y 1.1 del mismo

instrumento en perjuicio del señor Fornerón y de su hija M, así como en relación con el

artículo 19 de la misma en perjuicio de esta última"44.

62. Nessa linha, por diversas vezes o Sr. García recorreu à justiça, tendo, diante da

negativa de guarda, intentado insistentemente a regulamentação do regime de visitas e

convívio com suas filhas (amparado legalmente no art. 478 do Código de Família de

Malbecland), não tendo tido resguardo estatal efetivo no alcance de seu direito.

63. Apesar do Estado de Malbecland, por meio do seu poder jurisdicional, ter

determinado algumas diligências objetivando o cumprimento do regime de visitas por parte

da Sra. Ramírez, estas não foram eficazes, omitindo-se o Estado no seu dever de aplicar

43 CORTE IDH. Caso Fornerón e Hija Vs. Argentina, 2012, par. 76. 44 CORTE IDH. Caso Fornerón e Hija Vs. Argentina, 2012, par. 77.

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outros recursos necessários e cabíveis à situação, uma vez que as ações da Sra. Ramírez

evidenciavam clara obstrução de justiça e dos direitos do Sr. García e das filhas.

64. Nesse sentido, a posição da Corte é de o que "os Estados-Partes são obrigados a

fornecer recursos judiciais efetivos às vítimas de violações de direitos humanos (art. 25),

recursos que devem ser fundamentados de acordo com as regras do devido processo legal

(art. 8.1), todos dentro da obrigação geral dos mesmos Estados de garantir o livre e pleno

exercício dos direitos reconhecidos pela Convenção a qualquer pessoa sob sua jurisdição"45.

65. Ou seja, "además de la existencia formal de los recursos, [es necesario que] éstos den

resultados o respuestas a las violaciones de derechos"46 previstos na Convenção, na

Constituição ou nas leis, devendo ser úteis, efetivos, dado que, à luz do entendimento do

magistrado Cançado Trindade, “las obligaciones de proteccion judicial por parte del Estado

no se cumplen con la sola emision de sentencias judiciales, sino con el efectivo cumplimiento

de las mismas”47. Isto posto, restou claro que os recursos empregados por Malbecland não

foram efetivos em garantir o direito à família e à convivência entre pai e filhas, tendo o Sr.

García observado, impotentemente, a relação parental com as filhas sucumbir ano após ano.

2.2.2 Da violação dos arts. 17 e 19 da CADH

66. Para além das violações abordadas até o momento, o Sr. García e suas filhas alegam,

ainda, ofensa aos arts. 17 e 19 da CADH, isto porque Malbecland descumpriu,

respectivamente, sua obrigação de proteção da família e dos direitos da criança, direitos estes

intimamente relacionados no que tange à proteção estatal48.

45 CORTE IDH. Fairen Garbi y Solis Corrales Vs. Honduras. Exceções Preliminares. Sentença de 26 de

junho de 1987, par. 90. Tradução livre de: "Under the Convention, States Parties have an obligation to

provide effective judicial remedies to victims of human rights violations (Art. 25), remedies that must be

substantiated in accordance with the rules of due process of law (Art. 8 (1)), all in keeping with the general

obligation of such States to guarantee the free and full exercise of the rights recognized by the Convention to

all persons subject to their jurisdiction (Art. 1)". 46 CORTE IDH. Caso García y Familiares Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 29 de

novembro de 2012. Série C Nº 258, par. 142. 47 CORTE IDH. Caso “Cinco Pensionistas” Vs. Perú. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28 de

fevereiro de 2003. Série C Nº 98. Voto concorrente do Juiz A. A. Cançado Trindade, par. 3. 48 STEINER; FUCHS; GRANADOS URIBE, 2019, p. 501.

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67. A família, enquanto elemento natural e fundamental da sociedade, deve ser protegida

pelo Estado49. Sua proeminência no âmbito internacional dos direitos humanos relaciona-se

com a sua consideração como vínculo interpessoal e natural de ligação entre os homens, a

propiciar o desenvolvimento integral de todos os seus membros e, em especial, das crianças

pela sua singular condição50. No tocante a estas últimas, o direito internacional de direitos

humanos reconhece o direito que as crianças têm de viver com a sua família, considerando

esta como núcleo central de proteção da infância e da adolescência, a qual está chamada a

satisfazer as necessidades materiais, afetivas e psicológicas dos menores de idade51.

68. Neste aspecto, esta Corte já asseverou que a CADH não determina um conceito

familiar fechado ou apenas um modelo "tradicional" protegido, já que sua conceptualização

tem variado e evoluído conforme as mudanças sociais52. Deste modo, o termo família deve

ser entendido em seu sentido amplo, o qual envolve todas as pessoas vinculadas por um

parentesco próximo, não reduzido unicamente ao matrimônio, mas sim, abarcando outros

laços familiares de fato, onde as partes têm a vida juntos, fora do casamento53.

69. Neste entendimento, qualquer que seja o modelo familiar adotado, há de ser protegido

pela sociedade e pelo Estado54. Assim, embora a separação do Sr. García e da Sra. Ramírez

tenha alterado a estrutura familiar vigente até então, a família construída até aquele momento,

formada pelos progenitores e suas filhas, continuava a ser titular de proteção por parte do

Estado, conforme determina o art. 17 da CADH.

49 CADH, art. 17; DECLARAÇÃO Universal de Direitos Humanos. Assembleia Geral das Nações Unidas em

Paris. 10 dez. 1948, art. 16.3; PACTO Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Assembleia Geral das

Nações Unidas a 16 de dezembro de 1966, art. 23.1; PACTO Internacional sobre Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais. Assembleia Geral das Nações Unidas a 19 de dezembro de 1966, art. 10.1. 50 CIDH. Derecho del niño y la niña a la família, 2013, p. 16. 51 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-17/02, 2002, par. 71; CORTE IDH. Caso Fornerón e Hija Vs.

Argentina, 2012, par. 46; CIDH. Derecho del niño y la niña a la família, 2013, p. 17. 52 CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile, 2012, par. 142; CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-

24/17. Identidad de género, e igualdad y no discriminaçión a parejas del mismo sexo. Resolución de 24 de

noviembre de 2017, par. 177; MOLINA DE JUAN, Mariel F. Constitucionalismo Multinível. Principio de

Igualdad y Derecho Familiar Argentino. Actualidad Juridica Iberoamericana, Espanha, n. 10, fev. 2019, p.

464. 53 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-17/02, 2002, par. 69. 54 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-24/17, 2017, par. 179.

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70. Contudo, dito asilo não ocorreu, observando-se dos fatos, pelo contrário, uma

desintegração familiar, que culminou na ruptura dos laços afetivos e do convívio entre seus

membros, tendo o Estado falhado no seu dever de velar pela unidade e proteção familiar.

71. E, dentro deste âmbito de proteção, a garantia do desfrute mútuo da convivência entre

pais e filhas deveria ter sido assegurada, eis que é elemento fundamental da vida familiar55,

sendo que a Convenção sobre os Direitos da Criança considera a separação como medida

excepcional e, preferencialmente, temporal, estabelecendo, no art. 9º: 1. Os Estados Partes

deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos,

exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em

conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao

interesse maior da criança [...]. 3. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja

separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato

direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança [...]56.

72. Sob esse aspecto, os dois laudos psicológicos57 demonstraram que o pai não

representava risco ao desenvolvimento das filhas e que era imperativo o restabelecimento do

contato paterno. Ou seja, na ausência de condições que justifiquem tal separação, a

preservação do vínculo afetivo familiar deve ser um dos objetivos da tutela estatal nos casos

de guarda de menor, a fim de resguardar o melhor interesse da criança.

73. Nessa perspectiva, tal interesse estará preservado quando os direitos da criança forem

garantidos de forma integral, isto é, quando, com sua dignidade e necessidades especiais de

proteção (art. 19 da CADH), a criança for considerada enquanto sujeito titular de todos os

direitos contidos na CADH. Assim, "[l]a Corte ha afirmado reiteradamente que tanto la

Convencion Americana como la Convencion sobre los Derechos del Nino forman parte del

55 CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile, 2012, pars. 169 e 171; CORTE IDH. Caso Ramírez

Escobar y otros Vs. Guatemala, 2018, par. 151. 56 CONVENÇÃO sobre os Direitos da Criança, 1989. 57 Caso hipotético da Competição Internacional de Direitos Humanos, Cuyum, 2017, pars. 15 e 23.

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corpus juris internacional de proteccion de los ninos"58, devendo ambos serem observados

de forma conjunta e complementar, a fim de atender ao melhor interesse das crianças.

74. Nesse sentido, deliberou a Corte: “la prevalencia del interes superior del nino debe

ser entendida como la necesidad de satisfacción de todos los derechos de la infancia y la

adolescencia, que obliga al Estado e irradia efectos en la interpretación de todos los demás

derechos de la Convencion [Americana] cuando el caso se refiera a menores de edad”59.

75. Isso posto, qualquer decisão que envolva uma possível limitação aos direitos da

criança deve ter por garantia o princípio supracitado, de tal maneira que a limitação só será

considerada legítima se fundamentada no interesse superior da criança60.

76. Sobretudo, quando se trata de crianças que estão em risco de perder os cuidados

parentais adequados, como ocorre no caso de separação dos progenitores, a proteção destas

por parte do poder estatal se torna ainda mais importante, uma vez que a família tem papel

primordial na vida de uma criança, sendo que sua limitação coloca-a em uma situação de

especial vulnerabilidade, podendo afetar todos os seus direitos, incluindo os direitos à vida e

ao desenvolvimento integral61.

77. Por conseguinte, "la Corte ha señalado que la determinación del interés superior del

niño, en casos de cuidado y custodia de menores de edad se debe hacer a partir de la

evaluación de los comportamientos parentales específicos y su impacto negativo en el

bienestar y desarrollo del niño según el caso, los daños o riesgos reales, probados y no

especulativos o imaginarios, en el bienestar del niño"62.

58 CORTE IDH. Caso Chitay Nech e outros Vs. Guatemala. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e

Custas. Sentença de 25 de maio de 2010. Série C Nº 212, par. 165. 59 CIDH. Derecho del niño y la niña a la familia, 2013, p. 69. 60 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-17/02, 2002, par. 65; CORTE IDH. Caso Fornerón e Hija Vs.

Argentina, 2012, par. 48; CORTE IDH. Caso Furlan y Familiares Vs. Argentina, 2012, par. 126. 61 CIDH. Derecho del niño y la niña a la familia, 2013, p. 15-16. 62 CORTE IDH. Caso Ramírez Escobar y otros Vs. Guatemala, 2018, par. 153.

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78. Desta maneira, diante da influência psicológica sobre as filhas e ilegal limitação do

direito ao convívio paterno, exercida pela Sra. Ramírez, cabia ao Estado de Malbecland o

dever de garantir o exercício dos direitos humanos (arts. 17 e 19 da CADH) que tanto pai

quanto filhas tinham direito. Sua omissão (ferindo os arts. 8.1 e 25 da CADH) levou ao

enfraquecimento do vínculo familiar existente, sobretudo com relação à filha menor, que

devido à tenra idade, poucas lembranças guardou da figura paterna.

79. Reitera-se que a ofensa ao direito de serem ouvidas, a falta de razoabilidade

processual e efetividade em uma demanda que também lhes dizia respeito, a violação à

proteção familiar de que gozavam e da convivência com ambos os genitores, a violência

psicológica relacionada às condutas maternas e as consequências sofridas pela discriminação

em virtude da orientação sexual do pai, são todos danos sofridos por T., N. e S., que vão

notavelmente de maneira contrária aos direitos defendidos tanto pela CADH quanto pela

Convenção sobre os Direitos da Criança.

80. Isto posto, em caso semelhante, em que o Estado omitiu-se diante da separação de pai

e filha, já asseverou a Corte a violação do direito à proteção familiar destes, conforme se

observa: "[...] el hecho que en todos estos años M [nombre de niña] no haya tenido contacto

o vínculos con su familia de origen no le ha permitido crear las relaciones familiares que

jurídicamente corresponden. Por ende, la imposibilidad de M de crecer con su familia

biológica y la ausencia de medidas dirigidas a elacionar al padre con su hija afectó el derecho

a la identidad de la niña M, además de su derecho a la protección familiar"63.

81. Corrobora, nesse contexto, Castilla (2015), ao dissertar sobre a sui generis função

estatal na proteção dos direitos da criança: "[...] al Estado, como estructura juridica creada

para asegurar el respeto y garantia de los derechos humanos, es elobligado permanente de

velar porque la familia y la sociedad satisfagan los derechos de los ninos y las ninas, ademas

63 CORTE IDH. Caso Fornerón e Hija Vs. Argentina, 2012, par. 123.

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de ser el coadyuvante y subsidiario principal de las obligaciones que no puedan ser cumplidas

por la familia y la sociedad, asi como elgarante permanente de que dicha familia y sociedad

no violen, afecten, ni vulneren los derechos de los que todas las ninas y ninosson titulares"64.

82. Por fim, diante de tais argumentos, ressalta-se o descumprimento de Malbecland em

seu dever de proteção da família e das crianças, em prejuízo do Sr. García e suas filhas.

2.2.3 Da violação dos arts. 1.1 e 11 da CADH

83. O conteúdo normativo estabelecido no art. 1.1 da CADH é pedra angular que orienta

todo o sistema de direitos, garantias e liberdades previstas na Convenção, obrigando os

Estados Partes a respeitá-lo e a garantir seu livre exercício, sem qualquer discriminação65,

indo ao encontro do tratamento igualitário previsto em outros tratados internacionais66.

84. O dever de respeito implica “la obligacion del Estado y de todos sus agentes,

cualquiera que sea su carácter o condición, de no violar, directa ni indirectamente, por

acciones u omisiones, los derechos y libertades reconocidos en la Convencion”67. Por sua

vez, a obrigação de garantia "implica el deber de los Estados Partes de organizar todo el

aparato gubernamental y, en general, todas las estructuras a traves de las cuales se manifiesta

el ejercicio del poder publico, de manera tal que sean capaces de asegurar juridicamente el

libre y pleno ejercicio de los derechos humanos"68.

85. Nesse sentido, a violação das garantias e proteção judicial, da família e da criança,

direitos estes que foram abordados anteriormente e de que são titulares o Sr. García e suas

filhas, expressa o não cumprimento por parte do Estado de Malbecland do seu dever de

64 CASTILLA, Karlos. La proteccion de los derechos humanos de ninas y ninos en el Sistema

Interamericano de Derechos Humanos. Barcelona: Universidad Pompeu Fabra, 2015, p. 51. 65 CORTE IDH. Caso Duque Vs. Colômbia. Exceções preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de

26 de fevereiro de 2016, par. 93. 66 DECLARAÇÃO Universal de Direitos Humanos, 1948, arts. 2º e 7º; DECLARAÇÃO Americana dos

Direitos e Deveres do Homem. Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris. 10 dez. 1948, art. 2º; PACTO

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 1966, art. 2.1; PACTO Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, 1966, art. 2.2. 67 STEINER; GRANADOS URIBE, 2014, p. 47. 68 CORTE IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Mérito. Sentença de 29 de julho de 1988. Série C

Nº 4, par. 166.

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respeitar e garantir que tais sujeitos tivessem seus direitos humanos resguardados. Corrobora

nesse entendimento a Corte IDH, ao destacar que toda alegação de violação de algum dos

direitos estipulados na CADH, implica na constatação de que o art. 1.1 da mesma Convenção

também fora violado69, uma vez que constata a falha do Estado em respeitar e/ou garantir o

exercício dos direitos nela contemplados.

86. Isto posto, por diversas vezes houve uma passividade estatal perante as condutas

obstrutivas da Sra. Ramírez, de forma que não basta a proteção de direitos em uma ordem

normativa, sendo imprescindível, que seja assegurada o real e eficaz exercício destes70.

87. Ainda, quando da realização do diagnóstico de interação familiar e da determinação

do regime de visitas ao Sr. García, evidencia-se que o mesmo foi vítima de discriminação

devido a sua opção sexual por parte dos agentes estatais de Malbecland. O laudo produzido

apontou, quanto ao Sr. García, que "no obstante su condición sexual, sus estándares eran

normales” e, o juiz, ao estipular o regime de visitas, determinou que "el contacto debia

realizarse en la vivienda de la abuela paterna de modo que las hijas no tuvieran ningún

acercamiento a la pareja del padre"71, evidenciando-se, em ambas as situações, um tratamento

diferenciado em virtude da sua condição sexual.

88. Deste modo, feriu tal determinação os arts. 1.1 e 11 da CADH. O primeiro, como

norma de caráter geral que possui, aplicável a todas as disposições do tratado, é claro quanto

a sua incompatibilidade com qualquer tipo de discriminação72, sendo que, em outra

oportunidade, já se manifestou a Corte acerca de que "[u]n derecho que le está reconocido a

las personas no puede ser negado o restringido a nadie y bajo ninguna circunstancia con base

en su orientación sexual. Ello violaría el artículo 1.1. de la Convención Americana"73.

69 CORTE IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Mérito, 1988, par. 162. 70 STEINER; GRANADOS URIBE, 2014, p. 49. 71 Caso Eugenio García e outros Vs. Estado de Malbecland, 2019. Cuyum, par. 15. 72 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-4/84 del 19 de enero de 1984. Propuesta de Modificación a la

Constituición Política de Costa Rica relacionada con la naturalización. Série A Nº 4, par. 53. 73 CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile, 2012, par. 93.

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89. Ao encontro, o art. 11 da CADH protege a honra e a dignidade dos sujeitos,

consagrando, ainda, a proteção do domicílio, a reserva de comunicações e expressão sexual,

o direito à vida privada ou à intimidade74, amparando os indivíduos contra ingerências

arbitrárias ou desnecessárias de terceiros e Estado.

90. Nesse sentido, a orientação sexual do Sr. García não deveria ter sido considerada em

um processo relativo à guarda, uma vez que, de maneira análoga, já sustentou a Corte no

Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile que a opção sexual não está relacionada com a qualidade

ou capacidade de desempenho das responsabilidades parentais: ""El Tribunal constata que

durante el proceso de tuición, a partir de una visión estereotipada sobre los alcances de la

orientación sexual de la señora Atala, se generó una injerencia arbitraria en su vida privada,

dado que la orientación sexual es parte de la intimidad de una persona y no tiene relevancia

para analizar aspectos relacionados con la buena o mala paternidad o maternidad [...]"75. "[...]

Por tanto, no pueden ser admisibles las especulaciones, presunciones, estereotipos o

consideraciones generalizadas sobre características personales de los padres o preferencias

culturales respecto a ciertos conceptos tradicionales de la familia"76.

91. Referido entendimento também já foi manifestado pela Corte Europeia de Direitos

Humanos (Corte EDH) que, diante da constatação de que a homossexualidade do pai

consistiu em um fator influenciador na decisão acerca da guarda de uma menina,

responsabilizou o Estado de Portugal pela discriminação e violação da vida privada do

genitor (arts. 14 e 8º, respectivamente, da Convenção Europeia de Direitos Humanos)77.

74 STEINER; FUCHS; GRANADOS URIBE, 2019, p. 352; CORTE IDH. Caso Rosendo Cantú e outra Vs.

México. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 31 de agosto de 2010. Série C Nº

216, par. 119. 75 CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile, 2012, par. 167. 76 CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile, 2012, par. 109; CORTE IDH. Caso Ramírez Escobar y

otros Vs. Guatemala, 2018, par. 153. 77 CORTE EDH. Caso Salgueiro Mouta Vs. Portugal. Tribunal (Quarta Seção). Nº 33290/96. Sentença de 21

de dezembro de 1999, pars. 27 a 36.

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92. Neste caso europeu, dentre outras condutas, foi considerada discriminatória a decisão

do juízo que, ao deliberar sobre o direito de contato do pai com a filha, advertiu o genitor a

não adotar comportamentos que pudessem fazer a criança perceber que ele estava morando

com outro homem, situação muito semelhante à conduta adotada pelo juízo de Malbecland,

quando buscou evitar o contato das filhas com o companheiro do pai78.

93. Neste âmbito, embora o Estado alegue que as condutas dos seus agentes foram

adequadas para com as partes, é inegável que García recebeu um tratamento diferenciado por

parte destes. E quanto a isso, incumbe destacar "que para comprobar que una diferenciación

de trato ha sido utilizada en una decisión particular, no es necesario que la totalidad de dicha

decision este basada “fundamental y unicamente” en la orientacion sexual de la persona, pues

basta con constatar que de manera explícita o implícita se tuvo en cuenta hasta cierto grado

la orientación sexual de la persona para adoptar una determinada decisíon"79.

94. Sobretudo, o influente preconceito exercido pela Sra. Ramírez sobre as filhas

correlaciona-se claramente com a violação dos arts. 17, 1.1, 11 e 19 da CADH, isto porque

tal conduta implicou diretamente na ofensa ao direito à proteção familiar, à não discriminação

e à honra e dignidade das filhas, indo de encontro ao melhor interesse das mesmas. Salienta-

se que a não participação na vida das filhas afetou não só o direito do pai, mas também o

direito das meninas de conviverem e compreenderem que há diferentes formas de família e

distintas formas de amor, o que findou na rejeição, por parte dessas, quanto ao novo modelo

familiar constituído pelo pai.

95. Sobre esse assunto, no Caso Ramírez Escobar y otros Vs. Guatemala, a Corte

enfatizou que "[e]n el caso especial de niñas y niños, la prohibición de discriminación debe

ser interpretada a la luz del artículo 2 de la Convención sobre los Derechos del Niño. El

referido artículo 2 establece que las niñas y niños tienen derecho a no ser discriminados en

78 CORTE EDH. Caso Salgueiro Mouta Vs. Portugal, 1999, par. 35. 79 CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile, 2012, par. 94.

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razón de la condición, actividades, opiniones o creencias de los integrantes de su familia. (...)

En el mismo sentido, el Comité de los Derechos del Niño ha aclarado que las niñas y los

niños pueden sufrir las consecuencias de la discriminación de la cual son objeto sus padres"80.

96. Enfim, já atestou a Corte que em toda situação que envolva crianças, devem ser

aplicados e respeitados, de forma transversal, quatro principios orientadores: “i) la no

discriminación; ii) el interés superior del niño; iii) el derecho a ser oído y participar, y iv) el

derecho a la vida, supervivencia y desarrollo"81. Destes quatro princípios, em relação a T.,

N. e S., conforme abordado até aqui, apenas o direito à vida e sobrevivência foram

respeitados pelo poder jurisdicional do Estado de Malbecland.

2.3 Da violação do art. 2º da CADH combinado com os arts. 19, 8.1, 25.1 e 1.1

97. O art. 2º da CADH estabelece a obrigação dos Estados Partes de adotarem disposições

de direito interno, sejam legislativas ou de outra natureza, a fim de outorgar a efetividade dos

direitos e liberdades dispostos nos tratados internacionais, sobretudo, quanto aos direitos

reconhecidos na referida Convenção. Medina Quiroga (2003), ao abordar as consequências

do art. 2º da CADH, diz que "o Estado é obrigado a desenvolver em sua legislação aqueles

direitos que em sua formulação internacional carecem da precisão necessária para que

possam ser aplicados pelos órgãos do Estado e, especialmente, para que possam ser

invocados perante os tribunais de justiça"82.

98. Nesse sentido, os Estados não têm somente o dever positivo de adotar as medidas

legislativas necessárias para o exercício dos direitos consagrados na CADH, possuindo,

80 CORTE IDH. Caso Ramírez Escobar y otros Vs. Guatemala, 2018, par. 274. 81 CORTE IDH. Caso Ramírez Escobar y otros Vs. Guatemala, 2018, par. 152. 82 MEDINA QUIROGA, Cecilia M. La Convención Americana: teoría y jurisprudencia. Vida, integridad

personal, libertad personal, debido proceso y recurso judicial. Centro de Direitos Humanos da Faculdade de

Direito. Santiago: Universidade de Chile, 2003, p. 25.

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também, a obrigação de evitar a promulgação de normas que impeçam o livre exercício de

tais direitos e a modificação ou extinção daquelas que já os protejam83.

99. Tal obrigação implica que as medidas de direito interno sejam efetivas, a fim de que

os ditames estabelecidos na CADH achem-se cumpridos no ordenamento jurídico interno.

Referida efetividade é vista quando a comunidade, em geral, adapta a sua conduta às normas

da Convenção, recebendo, do contrário, sanções efetivas quando do seu descumprimento84.

100. No presente caso, as medidas sancionatórias de direito interno não foram hábeis a

fazer cumprir as decisões judiciais determinadas à Sra. Ramírez, o que constituiu um dos

grandes motivos para o afastamento entre pai e filhas. O Estado de Malbecland utilizou-se

somente da sanção multa, sem lançar mão de outras medidas judiciais capazes de obrigar à

mãe a comparecer ao tratamento psicológico com as filhas, às audiências designadas e a não

ausentar-se da comarca sem ciência do Sr. García e do juízo.

101. Essa falta de disposições internas sancionatórias efetivas fere o disposto no art. 2º da

CADH, em consonância com os arts. 8.1 e 25.1 da mesma Convenção, já abordados

anteriormente. Corrobora tal afirmação o entendimento da Corte, que considera que "la

obligación de adaptar la legislación interna es, por su propia naturaleza, una obligación de

resultado. Esto implica que una norma por mejor diseñada que se encuentre, si en la realidad

no garantiza efectivamente los derechos y libertades no cumplirá con los estándares que

establece el artículo 2º de la Convención85.

102. Ainda no que se relaciona às atitudes da Sra. Ramírez, o laudo psicológico evidenciou

que a mesma exercia importante influência sobre a recusa das filhas em manter contato

paterno, configurando o que se denomina por Síndrome da Alienação Parental. Tal síndrome,

83 CORTE IDH. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30 de

maio de 1999. Série C Nº 52, par. 207. 84 CORTE IDH. Caso Garrido y Baigorria Vs. Argentina. Reparações e Custas. Sentença de 27 de agosto de

1998. Série C Nº 39, par. 69. 85 STEINER; GRANADOS URIBE, 2014, p. 78.

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identificada por Gardner, ocorre quando um dos pais dirige os filhos contra o outro genitor,

sem que haja uma justificativa razoável para tal conduta. Esse comportamento é altamente

prejudicial para as crianças vitimizadas, para o genitor objeto dos danos e as relações entre

eles, minando seriamente a paternidade compartilhada86, o que levou a Organização Mundial

da Saúde (OMS) a incluir a referida síndrome no Código Internacional de Doenças87.

103. Especificamente no que tange às consequências da alienação parental para as

crianças, Segura, Gil e Sepúlveda (2006) destacam que estas coincidem com os sintomas

descritos em crianças que sofrem maltrato emocional, citando a possibilidade de transtornos

de ansiedade, do sono, alimentação e de conduta88.

104. Neste cenário, visando à defesa do melhor interesse da criança e da sua proteção

contra qualquer tipo de violência, cabia ao Estado adotar disposições de direito interno

atinentes a evitar a ocorrência de alienação parental, responsabilizando o genitor que exerce

essa reprovável conduta, com o propósito de atender às disposições do art. 19 da CADH.

105. Sobre o assunto, afirma a CIDH que "[l]a obligación de protección especial contenida

en el artículo 19 de la CADH se vincula con el artículo 1.1 de la CADH en lo relativo a las

obligaciones de respeto y garantía, y con el artículo 2 de la CADH referido al deber de adoptar

disposiciones de derecho interno de la índole que fueran necesarias y adecuadas para dar

efectividad a este deber de protección especial a la niñez"89.

106. Ademais, a previsão da guarda unilateral no Código de Família de Malbecland, como

regra a ser aplicada nos casos de custódia de menores, afronta a proteção do vínculo familiar

de que as crianças têm direito, uma vez que estas têm a garantia de viver com seus pais e de

86 VALLEJO ORELLANA, Reyes; SANCHEZ-BARRANCO VALLEJO, Fernando; SANCHEZ-

BARRANCO VALLEJO, Pablo. Separación o divorcio: Trastornos psicológicos en los padres y los hijos.

Rev. Asoc. Esp. Neuropsiq., Madrid, n. 92, p. 101, out./dez. 2004. 87 OMS. CID-11. Caregiver-child relationship problem (QE52.0). 88 SEGURA, C.; GIL, M.J.; SEPÚLVEDA, M.A. El síndrome de alienación parenteral: una forma de maltrato

infantil. Cuad Med Forense, v. 12, p.117-128, 2006. 89 CIDH. Derecho del niño y la niña a la familia, 2013, p. 15.

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serem cuidadas por ambos90. Deste modo, outras modalidades de guarda devem ser previstas

na legislação interna (como a coparentalidade, isto é, a divisão da responsabilidade parental),

as quais, diante das particularidades e possibilidades de cada caso, hão de ser aplicadas

visando atender ao melhor interesse da criança. Cabe ressaltar, que "el derecho de la nina o

del nino a la proteccion de la familia, y en particular al disfrute de la vida de familia

manteniendo la unidad familiar en la mayor medida posible, siempre prevaleceria excepto en

aquellos casos en los cuales la separacion de la nina o del nino de uno o ambos progenitores

seria necesaria en funcion de su interes superior"91.

107. Por conseguinte, considera-se também necessária a adoção de normativa por parte do

Estado de Malbecland quanto aos direitos das crianças nascidas por técnicas de reprodução

humana assistida, uma vez que a filiação e regime de comunicação do menino A., por falta

de regulamentação legal interna, nunca foi enfrentada pelo órgão jurisdicional estatal.

Ressalta-se que os direitos reprodutivos integram o rol de direitos humanos92 e têm recebido

especial proteção por parte da ONU93, sendo que a proibição de fecundação in vitro já foi

analisada pela Corte IDH, com a devida responsabilização estatal94.

108. Outrossim, importa ressaltar que, segundo já abordado, as crianças gozam de todas

as medidas especiais de proteção que a sua condição requer, sem discriminação por motivo

de filiação, nascimento ou qualquer outra condição95. Ainda, a Convenção sobre os Direitos

da Criança96 resguarda, explicitamente, direitos específicos nessa acepção, que envolvem o

90 CIDH. Hacia la garantía efectiva de los derechos de ninãs, niños y adolescentes: Sistemas Nacionales de

Protección. Aprobado por la CIDH el 30 de noviembre de 2017 (OAS. Documentos oficiales), 2017, par. 388. 91 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-21/14. Derechos y garantías de niñas y niños en el contexto de la

migración y/o en necessidad de protección internacional. Resolución de 19 de agosto de 2014, par. 274. 92 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 332. 93 ONU. Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Situação da População Mundial 2019. Um

trabalho inacabado: a busca por direitos e escolhas para todos e todas. UNFPA, 2019. 94 CORTE IDH. Caso Costa Artavia Murillo y otros Vs. Costa Rica. Exceções Preliminares, Mérito,

Reparações e Custas. Sentença de 28 de novembro de 2012. 95 CADH, art. 19; CONVENÇÃO sobre os Direitos da Criança, 1989, art. 2.1; DECLARAÇÃO Universal de

Direitos Humanos, 1948, art. 25.2; PACTO Internacional sobre Direitos Civis e Politicos, 1966, art. 24.1;

PACTO Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966, art. 10.3. 96 CONVENÇÃO sobre os Direitos da Criança, 1989.

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registro logo após o nascimento, com conhecimento dos pais e o direito de ser criado por eles

(art. 7º), e, a proteção da identidade da criança (art. 8º). Deste modo, a utilização de

disposições internas pelo Estado poderá evitar que outras crianças em situação semelhante à

A. sofram violação nos seus direitos à identidade, à proteção familiar e ao direito à filiação.

109. Por fim, atendendo a obrigação geral de garantia dos direitos contidos na CADH, sem

qualquer tipo de discriminação (art. 1.1), considera-se imperativa a adoção, pelo Estado de

Malbecland, de medidas voltadas a evitar ou reduzir situações discriminatórias em prejuízo

de indivíduos com orientação sexual e identidade de gêneros diversas. Nesse propósito,

determina a OC-24/17: "Los Estados estan obligados a adoptar medidas positivas para

revertir o cambiar situaciones discriminatorias existentes en sus sociedades, en perjuicio de

determinado grupo de personas. Esto implica el deber especial de proteccion que el Estado

debe ejercer con respecto a actuaciones y practicas de terceros que, bajo su tolerancia o

aquiescencia, creen, mantengan o favorezcan las situaciones discriminatorias"97.

3 REPARAÇÕES E CUSTAS

110. Diante dos fatos e das considerações jurídicas apresentadas, e de acordo com o art.

63.1 da CADH e disposições da Comissão de Direito Internacional da ONU98, os

procuradores do Sr. García e filhas (T., N. e S.) solicitam que o Estado de Malbecland seja

considerado responsável pelas violações de direito, incumbindo-lhe medidas de reparação99.

111. Deste modo, solicita-se: a) a publicação da sentença desta honorável Corte no diário

oficial, na página da web do Estado e em um jornal de grande circulação100; b) a realização

97 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-24/17, 2017, par. 65. 98 ONU. Comissão de Direito Internacional. Responsabilidade dos Estados por atos internacionalmente

lesivos. In: Anuário da Comissão de Direito Internacional, 2001, vol. II, parte dois, arts. 1º e 2º. 99 CORTE IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Reparações. Sentença de 21 de julho de 1989.

Série C Nº 4, par. 25 e 26; SIRI, Andrés Javier Rousset. El concepto de reparacíon integral en la

jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Revista Internacional de Derechos

Humanos, São Paulo, ano 1, nº 1, 2011; STEINER; GRANADOS URIBE, 2014, p. 53. 100 CORTE IDH. Caso Furlan y Familiares Vs. Argentina, 2012, par. 335.

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de um ato público de reconhecimento da responsabilidade internacional101; c) a adoção das

medidas necessárias para facilitar o restabelecimento dos vínculos familiares entre o Sr.

García e as filhas, incluindo o oferecimento de atenção psiquiátrica e psicológica gratuitas e

de forma imediata102; d) a verificação, de acordo com a norma disciplinaria pertinente e em

conformidade com o direito, da conduta dos funcionários que interviram nos distintos

processos internos relacionados com o presente caso, estabelecendo as responsabilidades que

correspondam103; e) a implementação de um curso obrigatório em relação às crianças,

destinado a operadores judiciais e outros funcionários estatais vinculados à administração da

justiça, o qual inclua, dentre outros, as normas internacionais em matéria de direitos

humanos, em particular no que diz respeito aos direitos da criança e proteção do seu melhor

interesse104; f) o emprego de medidas voltadas a evitar ou reduzir situações discriminatórias

em prejuízo de indivíduos com orientação sexual e identidade de gêneros diversas105; g) a

adoção de normativa quanto aos direitos das crianças nascidas por técnicas de reprodução

humana assistida; h) a previsão de outras modalidades de guarda na legislação interna; i) a

adoção das medidas necessárias à preservação da integridade psicológica da criança ou

adolescente submetido à alienação parental, com a formulação de instrumentos processuais

aptos a inibir ou atenuar seus efeitos106; j) a fixação de indenização por danos materiais107

sofridos pelo Sr. García, uma vez que este, desde o início do processo, mobilizou-se

incansavelmente para tentar reverter as decisões que vulneraram seus direitos e de suas filhas

e buscar justiça, o que implicou em numerosas horas de dedicação e deslocamentos à Medina;

k) a fixação de indenização a cada uma das vítimas pelos danos imateriais sofridos108, em

101 CORTE IDH. Caso García y Familiares Vs. Guatemala, 2012, par. 240. 102 CORTE IDH. Caso Ramírez Escobar y otros Vs. Guatemala, 2018, par. 436, item 11. 103 CORTE IDH. Caso Fornerón e Hija Vs. Argentina, 2012, par. 218. 104 CORTE IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile, 2012, par. 314. 105 CORTE IDH. Opinión Consultiva OC-24/17, 2017. 106 A exemplo de outros países, como o Brasil (Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010). 107 CORTE IDH. Caso Ramírez Escobar y otros Vs. Guatemala, 2018, pars. 413 e 416. 108 CORTE IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Reparações e

Custas. Sentença de 26 de maio de 2001. Série C Nº 77, par. 84.

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atenção às circunstâncias do caso, às violações cometidas, sofrimentos ocasionados, tempo

transcorrido, a denegação de justiça e disfrute mútuo de convivência, a afetação nos projetos

de vida, assim como as restantes consequências de ordem imaterial sofridas; l) e, por fim, a

consideração das custas e gastos legais decorrentes da tramitação do presente caso109.

4 SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA

112. Devido a escassez de recursos econômicos para sustentar os custos do litígio perante

a Corte IDH, as vítimas do presente caso solicitam que lhe seja aplicado o Regulamento da

Corte IDH sobre o Fundo de Assistência Legal às Vítimas, concedendo-lhes o referido

benefício, a fim de subsidiar as custas processuais e de transporte para a audiência perante a

Corte IDH110.

5 PEDIDOS

113. Perante o exposto, os procuradores solicitam, respeitosamente, que a Corte IDH: a)

rejeite as exceções preliminares apresentadas pelo Estado; b) reconheça e declare a

responsabilidade internacional de Malbecland pela violação, em prejuízo do Sr. García e suas

filhas, dos arts. 8.1 e 25.1 da CADH, combinados com os arts. 1.1, 11, 17 e 19 da mesma

Convenção, e do art. 2, combinado com os arts. 19, 8.1, 25.1 e 1.1 do mesmo documento; c)

aplique as medidas de reparação impetradas; d) empregue as medidas necessárias para a

supervisão do efetivo cumprimento da sentença proferida por este Tribunal.

109 CORTE IDH. Caso Garrido y Baigorria Vs. Argentina, 1998, par. 79. 110 OEA. Conselho Permanente. Regulamento da Corte Americana de Direitos Humanos sobre o Fundo

de Assistência Legal às Vítimas. Doc. CP/RES. 963 de 11 de novembro de 2009.