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Hospital Militar de Área de São Paulo
(HMASP)
Endereço: Rua Ouvidor Portugal, 230,
Vila Monumento, SP.
Classificação: Órgão das Forças Armadas
Identificação numérica: 094-08.016
Responsável pelo atendimento aos soldados e à população em geral da região
de São Paulo, o Hospital Militar de Área de São Paulo (HMASP) é uma das mais
antigas instituições de atendimento médico da capital, tendo sido criado ainda durante
o período colonial em 07 de abril de 1766. Sua primeira sede foi o Palácio de Governo
da Capitania de São Paulo, que ocupava o antigo Colégio dos Jesuítas1; mas o
HMASP teve, posteriormente, outras sedes em distintas regiões da capital: de 1801
até 1832 funcionou no Vale do Anhangabaú, no atual Palácio dos Correios, sendo
depois desativado e instalado, como Enfermaria Militar, na região de Santana, onde
permaneceu até 03 de maio de 1920. Nesta data o comandante da 2ª Região Militar
inaugurou o novo hospital do Exército localizado no Morro da Pólvora, no bairro do
Cambuci. O HMASP, cujo edifício foi modernizado no ano de1986, atende mais de 5
mil pessoas por mês e funciona em uma área de 140 mil m2, sendo que 35 mil m2 são
de área verde preservada. Além de ocupar distintas sedes ao longo de seus mais de duzentos anos, o
Hospital também foi conhecido por diferentes nomes: Em 1803 foi intitulado como Real
Hospital Militar, e no mesmo ano elaborou o primeiro regulamento hospitalar da
América Latina, formando, no ano seguinte, a primeira turma de cirurgiões. Como
1 O Colégio dos Jesuítas foi edificado em 1554 pelo padre Manoel de Paiva e por José de Anchieta e serviu de residência aos padres da Companhia de Jesus até a expulsão da Ordem em 1759, quando Marquês de Pombal publicou em Portugal um decreto que os expulsava da Corte e de suas colônias, confiscando também os bens da Ordem. A edificação passou então a servir de residência aos Governadores da Capitania de São Paulo, passando a ser denominado de “Palácio do Governo”. Para mais informações, ver o portal interativo dos Jesuítas em: http://interativo.jesuitasbrasil.org/timeline/.
Memorial da Resistência de São Paulo
PROGRAMA LUGARES DA MEMÓRIA
2
mencionado, da década de 1830 o Hospital foi convertido em Enfermaria Militar, só
retornando à categoria de hospital em 1890, quando Marechal Deodoro o nomeia
Hospital Militar de 3ª Classe. Em 1920 passou a ser conhecido como Hospital Militar
de São Paulo, em 1953, Hospital da 2ª Região Militar, em 1955, Hospital Geral de São
Paulo e, finalmente, em 2010 passou a denominar-se Hospital Militar de Área de São
Paulo2.
2 Para essa apresentação sobre a história da instituição foram consultados o portal do HMASP, disponível em: http://www.hmasp.eb.mil.br/index.php?option=com_content&view=article&id=119&Itemid=311; e o vídeo institucional, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q6BODwAtoJk. Acessos em 03/11/2015.
Imagem 01: Fazenda
Santana em 1915. Uma
importante propriedade
dos Jesuítas em São
Paulo, confiscada pelo
Marques de Pombal. A
edificação foi
posteriormente ocupada
pelo Hospital Militar.
Hoje o local abriga o
Centro Preparatório de
Oficias da Reserva de
São Paulo. Foto: Autor
desconhecido. Fonte:
Acervo Fotográfico do
Museu da Cidade de
São Paulo.
Imagem 02: Sede do Hospital
anterior à reforma da década de
1980. Foto: Autor desconhecido.
Fonte: Hospital Militar da Área de
São Paulo.
3
O HMASP é uma organização de saúde do Exército brasileiro diretamente
subordinado a 2ª Região Militar do Comando Militar do Sudeste. É responsável pelo
atendimento hospitalar de militares da força terrestre, seus dependentes, pensionistas
e de servidores civis do Exército. Além disso, o HMASP atua na capacitação e
atualização profissional dos militares da área da saúde, sendo um espaço médico de
referência do Exército, realizando 300 cirurgias por mês, 7000 exames diagnósticos e
internação em 236 leitos3.
3 Informações divulgadas pelo HMASP por meio de seu vídeo institucional, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q6BODwAtoJk. Acesso em 03/11/2015.
Imagem 03: Sede atual do HMASP, cuja inauguração oficial ocorreu em dezembro de 1986.
Foto: Autor desconhecido. Fonte: Hospital Militar da Área de São Paulo.
Imagem 04: Estrutura
Organizacional do
Comando Militar do
Sudeste com destaque
ao HMASP. Fonte:
Comando Militar do
Sudeste. Destaque da
autora.
4
A ligação organizacional do Hospital com a 2ª Região Militar do Sudeste
rendeu a esse espaço memórias da repressão e resistência durante o período da
ditadura civil-militar no país (1964-1985). A Comissão Nacional da Verdade (CNV),
criada pela Lei 12.528/2011, investigou entre 2012 e 2014 denúncias de graves
violações de Direitos Humanos ocorridas no Brasil entre 18 de setembro de 1946 e 05
de outubro de 1988. Em seu relatório final4, a CNV identifica a entrada de sete
militantes da esquerda no HMASP, alguns dos quais vieram a morrer nesse hospital
devido às torturas sofridas em outras dependências do aparato repressivo, como o
DOI-Codi e o Deops em São Paulo5. Destacamos cada um desses militantes
juntamente com a passagem do relatório da CNV que registra a vinculação do Hospital
com agentes da repressão:
1. João Domingos da Silva: operário com atuação na Vanguarda Armada
Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Morto em 23 de setembro de
1969.
A CEMDP [Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos], ao julgar o processo relativo ao caso, entendeu, a partir do
confronto entre os dados do laudo de exame de corpo de delito com
os dados do laudo de exame necroscópico, que João Domingos,
preso com um ferimento no tórax e levado ao Hospital das Clínicas,
foi submetido a tortura e maus tratos ao ser transferido para o HGE
[Hospital Geral do Exército], onde morreu em consequência de
“ferimentos perfuro-contundentes no abdômen”6.
2. Olavo Hanssen: operário metalúrgico com atuação no Partido Operário
Revolucionário Trotskista (PORT). Morto em 09 de maio de 1970.
Os presos políticos exigiram que fosse chamado um médico para lhe
prestar assistência, o que só foi realizado em 6 de maio. Além dos
ferimentos visíveis por todo o corpo, ele apresentava sinais evidentes
de complicações renais, anuria e edema das pernas. O médico que o
assistiu, José Geraldo Ciscato, lotado no DOPS/SP, na época,
recomendou somente que ingerisse água, providenciando curativos
em alguns ferimentos superficiais. [...] Somente em 8 de maio,
quando Olavo já se encontrava em estado de coma, Ciscato voltou a
vê-lo, dando ordens para que fosse removido para um hospital,
deixando claro que ele não tinha a mínima chance de sobrevivência.
4 Relatório disponível em http://www.cnv.gov.br. Acesso em 04/11/2015. 5 Para informações sobre o DOI-Codi, órgão das Forças Armadas utilizado como centro clandestino de tortura, e o Deops/SP, presídio político da ditadura civil-militar, conferir os documentos produzidos pelo Memorial da Resistência de São Paulo e disponível no site da instituição em: http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/. 6 BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV, 2014, Volume 3, p.336.
5
Foi levado às pressas para o Hospital do Exército no bairro do
Cambuci7.
3. Raimundo Eduardo da Silva: operário metalúrgico com atuação na Ação
Popular (AP). Morto em 05 de janeiro de 1971.
[...] no dia 23 de novembro de 1970, o operário Raimundo fora
golpeado por um pontaço de faca, em uma briga comum. Fora
operado, estava internado em uma casa de saúde, sendo retirado do
leito hospitalar por investigadores quando ainda necessitava de
tratamento médico. Apurou mais que o rapaz morrera cerca de um
mês e meio depois de haver recebido a facada, no dia 5 de janeiro,
no Hospital do Exército em São Paulo, onde se encontrava a
disposição do CODI, conforme documentos oferecidos pelo DEOPS
e que se encontram às folhas 138 e 1418.
4. Luiz Eduardo da Rocha Merlino: jornalista com atuação no Partido Operário
Comunista (POC). Morto em 19 de julho de 1971.
[...] a penúltima vez que eu soube do Merlino, foi um torturador,
Oberdan, [...] ele me contou a versão da morte do Merlino. [...] Ele
me disse o seguinte, “olha, seu amigo esteve aqui e ele quis dar uma
de durão, acabou com as pernas gangrenadas e foi levado para o
Hospital do Exército”. Ele disse Hospital do Exército exatamente. “E
de lá telefonaram dizendo que precisavam amputar as pernas dele
para ele sobreviver. O Major Ustra fez aqui uma votação, eu votei”,
diz ele, o torturador, “votei para amputarem as pernas e salvarem a
vida dele, mas fui voto vencido”. Vê a conversa do cara. “E venceu a
ideia de deixar ele morrer. Foi assim que seu amigo que esteve aqui
morreu”9.
5. Juan Antônio Carrasco Forrastal: estudante sem atuação em organização
de esquerda. Suicídio em 28 de setembro de 1972.
Ao saber da prisão do irmão [durante a invasão do Conjunto
Residencial da USP em 1968] Juan Antônio seguiu ao II Exército à
sua procura e também acabou preso. Na prisão, arrancaram-lhe a
bengala e a prótese que utilizava na perna em razão da hemofilia; os
golpes sofridos lhe causaram derrames pelo corpo inteiro. [...] O
cônsul boliviano em São Paulo, Alberto Del Caprio, solicitou que o
jovem fosse removido para o Hospital das Clínicas, onde
7 Ibidem, p.442. 8 Sobre o caso de Raimundo Eduardo da Silva a CNV informa que essa afirmação consta na Apelação nº 38.650, no Superior Tribunal Militar (STM), referente à defesa do padre Giulio Vicini e da assistente social Yara Spadini. Entretanto, o irmão do resistente, Hélio Jerônimo da Silva, contestou que a morte tivesse ocorrido no Hospital Geral do Exército. Segundo Hélio, na ocasião em que foi ao referido hospital procurar notícias sobre o irmão, foi informado por um agente da repressão, não identificado nominalmente, que Raimundo estava, na verdade, no DOI-Codi. BRASIL. op. cit., Volume 3, p.510. 9 Depoimento de Joel Rufino dos Santos à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” e incluída no Relatório final da Comissão Nacional da Verdade. BRASIL. op. cit., Volume 3, p.654.
6
permaneceu por curto período, retornando em seguida para a guarda
do Exército, no Hospital Militar do Cambuci. Mesmo internado e
debilitado, Juan continuou submetido a torturas psicológicas. Tiros
disparados na madrugada e ameaça à vida dos seus pais faziam
parte da rotina10.
6. Helber José Gomes Goulart: datilógrafo e apontador com atuação na Ação
Libertadora Nacional (ALN). Morto em 16 de julho de 1973.
De acordo com testemunhos, Helber foi visto no DOI-CODI por
presos políticos dias antes de sua morte. Com a saúde fragilizada em
função das torturas a que fora submetido [...] foi levado para ser
atendido no Hospital Geral do Exército [...]. De acordo com o laudo
necroscópico, o corpo de Helber apresentava equimoses e a causa
da morte teria sido “choque hemorrágico oriundo de ferimento
transfixiante do pulmão no seu lobo inferior”. Consideradas as
características do ferimento descrito no laudo, o relator chamou
atenção para o fato do disparo que causou a morte de Helber ter sido
feito de cima para baixo, característica de disparo efetuado contra
corpo caído ao chão. Na foto do corpo, em que Helber aparece sem
barba, são visíveis marcas de ferimentos na altura do pescoço que
não são mencionadas no laudo11.
7. Tito de Alencar Lima: frei da Igreja Católica. Suicídio em 10 de agosto de
1974.
Após três dias seguidos de interrogatórios e torturas, Tito acordou na
sexta-feira, dia 20 de fevereiro de 1970, atormentado pela
perspectiva de que seus irmãos pudessem sofrer o mesmo destino
que ele [...] valeu-se de uma lâmina de barbear para levar adiante o
ato de coragem. Inconsciente, depois de muito sangue perdido, foi
levado ao Hospital das Clínicas de São Paulo e, em seguida, ao
Hospital Central do Exército. Lá, ouviu o desespero do capitão
Maurício, que gritava com os médicos que Tito não poderia morrer de
jeito nenhum. Ficou sob a guarda de seis soldados da Oban e, desde
que acordou, enfrentou severa pressão psicológica de seus
torturadores, que passaram a chamá-lo de “padre terrorista e
suicida”. Teve a sensação de que os militares buscavam enlouquecê-
lo, como uma estratégia para fugir da responsabilidade por sua
eventual morte. No hospital, recebeu a visita do juiz auditor Nelson
da Silva Machado Guimarães, acompanhado de um padre e do bispo
auxiliar de São Paulo [...]12.
Os casos mencionados acima se referem ao levantamento realizado pela
Comissão Nacional da Verdade sobre os mortos e desaparecidos durante a ditadura,
no entanto, destacamos a existência de outros casos de tortura nas dependências do
Hospital, que, ainda que não tenham levado à morte da vítima, revelam-se como
10 BRASIL. op. cit., Volume 3, p.1067-1068. 11 Ibidem, p.1269. 12 Ibidem, p.1717-1718.
7
ações de violação aos direitos humanos. Destacamos, como exemplo, o testemunho
de Francisco Ferreira de Oliveira ao Memorial da Resistência de São Paulo:
Aí eu fiquei 15 dias lá [no DOI-Codi], depois eles me mandaram pra
cá [Deops/SP]. Mandaram pra cá pra montar o processo. Mas o...
esse delegado que eu falei pra você – eu tava internado no Hospital
Militar – ele foi lá, me torturou, me deu choque elétrico, porque ele
disse que não podia montar o processo porque não tinha os objeto,
que era a matéria, que era os fuzis [...]. Foi quando ele me marrou
um cordinha do testículo e ficava batendo o punhal no meu testículo
e falou assim: “Eu vou te castrar seu fila... – com licença da palavra –
Seu fila da puta!” E deu um corte em mim assim. E eu tenho o corte
até hoje, e eu fui pro Hospital Militar, eles não costuraram, sarou e
ficou aquela parte branca no testículo assim, sarou sem costurar13.
O encaminhamento dos presos políticos para o Hospital Militar de Área de São
Paulo está relacionado à necessidade, por parte dos agentes da repressão, de
manterem os militantes sempre sob vigilância, ainda que hospitalizados. Assim, os
presos mais severamente debilitados pelas torturas decorrentes dos interrogatórios, ou
que procuraram resistir a elas em tentativas de suicídio, eram encaminhados ao
HMASP garantindo a permanência deles nas “mãos” do Exército, que controlava os
cuidados e visitas que os militantes recebiam. Mas, o mais importante, era que, dentro
das dependências militares, os agentes da repressão poderiam manter os presos
políticos sob tortura psicológica ou até mesmo física (ainda que praticada de forma
menos evidente), o que seria mais difícil caso eles fossem encaminhados a outros
hospitais. Quando o paciente não falecia nas dependências do Hospital, o objetivo dos
militares era fazê-los retornarem às prisões e, consequentemente, às sessões de
interrogatórios (e torturas), como nos casos destacados pelo Relatório da CNV e dos
testemunhos colhidos pelo Memorial da Resistência de São Paulo. Outro ponto
importante na manutenção dos presos hospitalizados sob a custódia militar está
relacionado ao controle da produção e circulação da documentação gerada sobre a
entrada dos militantes no Hospital, o que tinha por objetivo dificultar o acesso dos
familiares aos seus entes.
O DIFÍCIL ACESSO AOS DOCUMENTOS DAS FORÇAS ARMADAS
Em relação a esta sensível questão dos documentos produzidos pelos órgãos
de repressão é importante destacarmos que esses arquivos são importantes fontes
documentais para os familiares de mortos e desaparecidos, que podem buscar e
13 OLIVEIRA, Francisco Ferreira de. Entrevista sobre militância, resistência e repressão durante a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista concedida Karina Alves e Marcela Boni Evangelista em 24/05/2013.
8
acessar informações que os ajudem a localizar os restos mortais de seus entes e rever
as falsas versões de morte legitimadas pelos médicos legistas colaboradores da
ditadura14. Mas os documentos produzidos por essa instituição também são
fundamentais para a sociedade como um todo, pois se constituem como fontes de
pesquisa para investigações sobre a colaboração de distintos setores sociais com os
órgãos envolvidos na repressão política, ampliando ainda o debate sobre os alcances
da ditadura civil-militar no país.
A Comissão Nacional da Verdade, durante os seus dois anos de investigação
sobre as violações de direitos humanos praticadas pelo Estado brasileiro durante a
ditadura, tratou de solicitar informações e arquivos produzidos pelas Forças Armadas.
Em 2012 foram cinco ofícios ao Ministério da Defesa, sendo quatro referentes à
solicitação de informações. A estes ofícios o Exército e a Marinha responderam não
terem localizado os documentos solicitados. A CNV destaca ainda, como importante
solicitação, o Ofício n. 405 de 6 de dezembro de 2012 por meio do qual foi solicitado o
envio, em dez dias, de documentos relativos ao Departamento de Ordem Política e
Social do Rio Grande do Sul (DOPS/RS), arquivos da Divisão de Segurança e
Informações do Ministério da Educação e Cultura (DSI/MEC), cópia de termo de
inventário e de termo de transferência dos documentos classificados como
ultrassecretos e listagem dos documentos classificados como ultrassecretos e
secretos e reavaliados. Ao responder a tal requerimento, o Exército informou não
possuir os documentos do DOPS/RS e a Marinha aduziu não ter encontrado registros
sobre documentos recebidos da DSI/MEC15. Em 2013 foram 27 ofícios ao Ministério
da Defesa, sendo 23 referentes a solicitação de informações, um de encaminhamento
de informações requeridas pelo Ministério da Defesa, dois concernentes a diligências
e um envio de resposta. O objetivo da CNV era ter acesso às folhas de controle dos
militares da reserva, com vistas à identificação de estruturas, instituições, órgãos e
locais associados às graves violações de direitos humanos16.
Apesar dos esforços da CNV em reunir a documentação das Forças Armadas,
avançando nas pesquisas e investigações sobre as violações do Estado, o retorno às
suas solicitações deu poucos resultados, apontando para a direção de que a
promoção da verdade a partir da abertura dos arquivos da repressão ainda é um
caminho a ser percorrido na luta por memória, verdade e justiça no país.
O direito à verdade é um direito fundamental a ser exercido por todo e qualquer
cidadão de receber e ter acesso às informações de interesse público que estejam em
14 Para esse tema ver o documento sobre o Instituto Médico Legal (IML) produzido pelo Memorial da Resistência de São Paulo e disponível no site da instituição. 15 BRASIL. op. cit., Volume 1, p.63. 16 Idem.
9
poder do Estado. Este é um dever do Estado, que “deve revelar e esclarecer às
vítimas, aos familiares e à sociedade as informações de interesse coletivo sobre os
fatos históricos e as circunstâncias relativas às graves violações de direitos humanos
praticadas nos regimes de exceção”17.
Além dos pedidos de informação junto aos arquivos militares, buscou-se
também, através da CNV, que as Forças Armadas instaurassem sindicância para a
averiguação da prática de violações aos direitos humanos em dependências militares.
O Ofício da CNV – acompanhado de relatório que demonstrava que dependências
militares foram palco de graves violações de direitos humanos durante a ditadura –
solicitava que as Forças Armadas apurassem “de que forma sete instalações militares
localizadas nos estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco
foram utilizadas contínua e sistematicamente para a prática de tortura e execuções
durante o regime militar”18.
Em 17 de junho de 2014, por meio do Ofício no 6.749/MD, foram
encaminhados à CNV pelo Ministério da Defesa os relatórios das três
sindicâncias, nos quais, de forma homogênea, se concluiu não ter
havido nenhum desvio de finalidade quanto ao uso daquelas
instalações. No relatório do Exército, asseverou-se que “não foram
encontrados, no acervo pesquisado, registros formais que permitam
comprovar ou mesmo caracterizar o uso das instalações dessas
organizações militares para fins diferentes dos que lhes tenham
prescritos em lei” (fl. 168 do relatório do Exército). Já no relatório da
Marinha, a conclusão se deu na forma seguinte: “[...] como podemos
verificar no tópico ‘USO DA ILHA DAS FLORES PELA MARINHA’, o
uso das mesmas instalações não se constituiu, de modo algum, em
desvio de finalidade, tendo em vista que, ao ser criado pelo aviso
ministerial no 3.907 de 26 de dezembro de 1968, o destacamento
especial da ilha das Flores recebeu como missão principal o
acautelamento de presos, sendo esta, portanto, a sua principal
finalidade. Nesse mesmo diapasão, a alocação de militares para o
desenvolvimento das atividades relacionadas ao recebimento e à
guarda de presos se deu por meio do aviso no 3.908 do Ministério da
Marinha, também de 26 de dezembro de 1968, onde foi fixada a
lotação de pessoal para o funcionamento do destacamento especial
da ilha das Flores” (fl. 255 do relatório da Marinha). Por fim, em seu
relatório, a Aeronáutica concluiu que “[...] a análise histórica dos fatos
documentados descreve a efetiva realização de diversas missões
pelas unidades aéreas sediadas na Base Aérea do Galeão, servindo
de demonstração de estrita obediência às determinações legalmente
17 DOS SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça e SOARES, Ricardo Maurício Freire. As Funções do Direito à Verdade e à Memória. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n.19, jan./jun. 2012, p.273. 18 BRASIL. op. cit., Volume 1, p.64.
10
expressas, sem qualquer referência a uso diverso do regularmente
destinado” (fl. 135 do relatório da Aeronáutica).
Diante da resposta das Forças Armadas observa-se a relutância dos militares
em reavaliar a atuação da corporação na perpetuação da violência política no país
entre 1964 e 1985. As Forças Armadas foram um dos pilares de sustentação e ação
de um regime ditatorial que levou à morte 434 pessoas das quais 210 ainda seguem
desaparecidas (o que significa que os corpos jamais foram entregues às famílias) e 33
tiveram seu paradeiro posteriormente localizado, permitindo serem enterrados
conforme os desejos de seus familiares, que, finalmente, puderam viver o luto dessa
perda19. Isso sem avaliar a enorme quantidade de exilados e banidos que tiveram que
abandonar o país sob o risco de vida, a incalculável cifra de torturados e as graves
violações perpetradas contra camponeses e povos indígenas, o que resulta, portanto,
em um quadro de violência generalizado no Brasil durante os 21 anos de governo
militar que produziu um expressivo número de vítimas.
Além disso, é importante ressaltar que as respostas enviadas pelos
comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica – afirmando não ser possível o
reconhecimento oficial pelas Forças Armadas de graves violações de direitos humanos
cometidas em instalações militares – contradiz as atuais ações do Estado brasileiro no
campo das políticas públicas de memória que têm empreendido uma série de esforços
no sentido de promover reparações às vítimas e à sociedade pelas violências do
período ditatorial. Há nesse sentido um conflito entre as Forças Armadas e o Estado
Brasileiro no que tange a temática da “responsabilização pelos crimes da ditadura civil-
militar”, pois não compartilham da mesma avaliação histórica.
Diante do quadro apresentado, destacamos o Hospital Militar de Área de São
Paulo como um lugar de memória por sua vinculação a atos de repressão durante a
ditadura civil-militar. As dependências médicas militares colaboravam com a ditadura
na medida em que permitiam a manutenção do isolamento de presos políticos assim
como não evitaram ações de tortura (psicológica ou física) em pacientes bastante
debilitados pela tortura, como eram os casos dos militantes enviados para os
hospitais. A partir dessas violações, o HMASP atuou no sentido de aumentar ainda
mais as angústias das vítimas, permitindo que o ambiente hospitalar tivesse seus
propósitos invertidos: ao invés de ser um espaço para a reabilitação do paciente,
tornou-se uma extensão do cárcere, mantendo as violências policiais.
19 Dados do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade reconhecido pelo Estado brasileiro como número oficial de mortos e desaparecidos no país.
11
ATUALMENTE E/OU ACONTECIMENTOS RECENTES:
Mesmo diante das políticas públicas de memória, o Hospital, por estar
diretamente subordinado a 2ª Região Militar do Comando Militar do Sudeste, recusa-
se a oferecer documentos aos familiares, cabendo a eles a luta pela abertura desses
arquivos e a revelação da verdade sobre a cooperação entre o hospital e a repressão
militar entre 1964-1985.
Em janeiro de 2011, o Hospital Militar de Área de São Paulo lançou o livro "244
anos de Medicina Militar – Hospital Militar de Área de São Paulo 90 anos de história"
que conta a história da medicina militar buscando entrelaçá-la à história da medicina
em São Paulo e no Brasil por meio de imagens e relados de membros da própria
instituição. A intenção do livro é apresentar o HMASP como um hospital escola de
excelência no campo de saúde militar.
ENTREVISTAS RELACIONADAS AO TEMA
O Memorial da Resistência possui um programa especialmente dedicado a registrar,
por meio de entrevistas, os testemunhos de ex-presos e perseguidos políticos,
familiares de mortos e desaparecidos e de outros cidadãos que
trabalharam/frequentaram o antigo Deops/SP. O Programa Coleta Regular de
Testemunhos tem a finalidade de formar um acervo, cujo objetivo principal é ampliar o
conhecimento sobre o Deops/SP e outros lugares de memória do Estado de São
Paulo, divulgando, desta forma, o tema da resistência e repressão política no período
da ditadura civil-militar.
- Produzidas pelo Programa Coleta Regular de Testemunhos do Memorial da
Resistência
LOPES, Guiomar Silva. Entrevista sobre militância, resistência e repressão
durante a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista
concedida a Karina Alves Teixeira e Paula Salles em 08/04/2014.
OLIVEIRA, Francisco Ferreira de. Entrevista sobre militância, resistência e
repressão durante a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo,
entrevista concedida Karina Alves e Marcela Boni Evangelista em 24/05/2013.
RODRIGUES, Darcy. Entrevista sobre militância, resistência e repressão durante
a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista concedida
a Ana Paula Brito e Paula Salles em 11/03/2014.
12
Outras entrevistas JOVEM PAN. Medicina militar comemora 244 anos de vida. Entrevista de José Luiz
Menegatti com o coronel-médico Fernando Storte. São Paulo, 14 de janeiro de 2011.
Disponível em < http://jovempan.uol.com.br/noticias/medicina-militar-comemora-244-
anos-de-vida.html >. Acesso em 03/11/2015.
JORNAL DA GAZETA. Lançamento do Livro HMASP. Entrevista de José Luiz Filho
com o Diretor do HMASP, Marcelo Paiva de Oliveira, e o coronel-médico Fernando
Storte. São Paulo, gravado em 21 de janeiro de 2011 e exibido em 16 de fevereiro de
2011. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=_o0LmHyEuIY >. Acesso
em 03/11/2015.
REMISSIVAS: Quartel General do II Exército; Departamento Estadual de Ordem
Política e Social de São Paulo (Deops/SP).
REFERÊNCIAS
BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Comissão Nacional da Verdade.
Brasília: CNV, 2014.
DOS SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça e SOARES, Ricardo Maurício Freire. As
Funções do Direito à Verdade e à Memória. Revista Brasileira de Direito
Constitucional, n.19, jan./jun. 2012.
HMASP. Histórico. Hospital Militar de Área de São Paulo. Disponível em:
http://www.hmasp.eb.mil.br/index.php?option=com_content&view=article&id=119&Item
id=311. Acesso em 03/11/2015.
HMASP. Vídeo Institucional. Hospital Militar de Área de São Paulo. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=q6BODwAtoJk. Acesso em 03/11/2015.
COMO CITAR ESTE DOCUMENTO: Programa Lugares da Memória. Hospital Militar
de Área de São Paulo (HMASP). Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo,
2015.