242
SÉRIE-ESTUDOS Periódico do Mestrado em Educação da UCDB

Memórias - Maria Teresa Cunha

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Memórias - Maria Teresa Cunha

SÉRIE-ESTUDOSPeriódico do Mestrado em Educação da UCDB

Page 2: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDB, n. 25(junho 2008). Campo Grande : UCDB, 1995.

Semestral

ISSN 1414-5138

V. 23,5 cm.

1. Educação 2. Professor - Formação 3. Ensino 4. PolíticaEducacional 5. Gestão Escolar.

Indexada em:BBE - Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília, Inep)EDUBASE - UNICAMPCLASE - Universidad Nacional Autónoma de México

Solicita-se permuta / Exchange is requested

Tiragem: 1.000 exemplares

Série-Estudos publica artigos de caráter teórico e/ou empírico na área de educação, comênfase em educação escolar e formação de professores .

Page 3: Memórias - Maria Teresa Cunha

Missão Salesiana de Mato GrossoUNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO

Instituição Salesiana de Educação Superior

SÉRIE-ESTUDOSPeriódico do Mestrado em Educação da UCDB

Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDB. Campo Grande-MS, n. 25, p. 1-241, jan./jun. 2008.

Page 4: Memórias - Maria Teresa Cunha

Chanceler: Pe. Lauro Takaki ShinoharaReitor: Pe. José MarinoniPró-Reitor Acadêmico: Pe. Dr. Gildásio Mendes dos SantosPró-Reitor Administrativo: Ir. Raffaele Lochi

Série-Estudos – Periódico do Mestrado em Educação da UCDBPublicada desde 1995Editora ResponsávelMargarita Victoria Rodríguez ([email protected])

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCOInstituição Salesiana de Educação Superior

Direitos reservados à Editora UCDB (Membro da Associação Brasileira das Editoras Universitárias- ABEU):Coordenação de Editoração: Ereni dos Santos BenvenutiEditoração Eletrônica: Glauciene da Silva Lima SouzaRevisão de Redação: Edilza GoulartVersão e Revisão de Inglês: Barbara Ann NewmanBibliotecária: Clélia Takie Nakahata Bezerra - CRB n. 1/757Capa: Helder D. de Souza e Miguel P. B. Pimentel (Agência Experimental de Publicidade)

Av. Tamandaré, 6.000 - Jardim SeminárioCEP: 79117-900 - Campo Grande - MSFone/Fax: (67) 3312-3373e-mail: [email protected]://www.ucdb.br/editora

Conselho EditorialAdir Casaro NascimentoLeny Rodrigues Martins TeixeiraMariluce BittarRegina Tereza Cestari de Oliveira

Conselho CientíficoAmarílio Ferreira Junior - UFSCarCelso João Ferretti - UNISOEmília Freitas de Lima - UFSCarFernando Casadei Salles - UNISOGraça Aparecida Cicillini - UFUHamid Chaachoua - Universidade Joseph Fourier/FrançaHelena Faria de Barros - UCDBJorge Nagle - UMCJosé Luis Sanfelice - UNICAMP/UNISOLuís Carlos de Menezes - USPManoel Francisco de Vasconcelos Motta - UFMTSonia Vasquez Garrido - PUC/ChileSusana E. Vior - UNLu/ArgentinaVicente Fideles de Ávila - UCDBYoshie Ussami Ferrari Leite - UNESP

Page 5: Memórias - Maria Teresa Cunha

Editorial

A Série-Estudos apresenta, no número 25, um Dossiê que aborda a história da educação,especificamente traz artigos relacionados com as instituições escolares a partir de diversasabordagens. As instituições escolares como objeto de pesquisa têm ganhado importância naprodução acadêmica da área da educação, e o Periódico tem como objetivo dar a conheceralguns dos trabalhos produzidos por grupos de pesquisas nacionais e internacionais queestudam a história das instituições escolares.

O dossiê “História das Instituições Educacionais”, organizado pela professora MargaritaVictoria Rodríguez, reúne treze artigos, sendo que dez desses trabalhos discutem o processode instuticionalização da educação pública no Brasil, no período imperial e republicano. Trêsartigos abordam as instituições educacionais em outros contextos históricos e geográficos:um dos artigos apresenta resultados de pesquisa sobre as institucionais educativas religiosas,no Chile, na primeira metade do século XX, um enfoca os mosteiros na Idade Média e suafunção educativa, e o outro trata das instituições escolares no período do Império e da Repúblicaem Roma.

Conselho EditorialJunho/2008

Page 6: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 7: Memórias - Maria Teresa Cunha

Sumário

Ponto de vistaHistória das instituições escolares: desafios teóricos .....................................................................11History of school institutions: theoretical challenges ............................................................................................................ 11

José Luís Sanfelice

Dossiê “História das Instituições Educacionais”História e memória: contribuições dos estudos das Instituições Escolares para aHistória da Educação .................................................................................................................................21History and memory: Contributions from the Educational Institutions Studies to theHistory of Education ...................................................................................................................................................................................................... 21

Margarita Victoria Rodríguez

A institucionalização da instrução pública no Paraná: um estudo a partir de fontes .........31The institutionalization of public education in Paraná: a study based on surces ............................... 31

Maria Elisabeth Blanck Miguel

A institucionalização escolar entre 1879 e 1930 ...........................................................................43School institutionalization between 1879 and 1930 .............................................................................................................. 43

Sérgio Castanho

Tempos vividos na Escola Militar: memórias de um aluno (1897-1900) .................................57The vivid times in the Naval School: memories of the a student (1897-1900) ........................................ 57

Maria Teresa Santos Cunha

Entre escolarização e instituições escolares na historiografia da educação: aemergência dos grupos escolares no Brasil da República Velha (1889-1930) ......................67Relation between the schooling process and educational institutions in thehistoriography of education: the emergence of scholastic groups in Brazil in theOld Republic (1889-1930) ........................................................................................................................................................................................ 67

Geraldo Gonçalves de LimaDécio Gatti Junior

A segunda escola profissional para o sexo feminino (Rivadávia Corrêa) do DistritoFederal ou a trajetória de sua diretora – Benevenuta Ribeiro (1913-1961) ..........................85The second professional school for women (Rivadávia Corrêa) of the Federal Districtor the trajectory of its principal - Benevenuta Ribeiro (1913-1961) ...................................................................... 85

Nailda Marinho da Costa Bonato

Ideário de formação de professores: Colégio Sagrado Coração de Jesus ................................ 103Ideal of teachers education: the “Sagrado Coração de Jesus” School ..............................................................103

Henrique Alves de LimaRosa Lydia Teixeira Corrêa

Page 8: Memórias - Maria Teresa Cunha

A escola normal de Mato Grosso no século XIX ............................................................................ 123The primary teacher training school of Mato Grosso in the nineteenth century .............................123

Ana Paula da Silva XavierNicanor Palhares Sá

Professores e instituições escolares no contexto do regionalismo mato-grossense .......... 133Teachers and school institutions in the context of the Mato Grosso region .......................................133

Marisa BittarAmarilio Ferreira Jr

O trabalho didático nos grupos escolares Joaquim Murtinho e Luís de Albuquerque(Mato Grosso, 1910-1950) ................................................................................................................... 157The didactic labor in two primary schools: Joaquim Murtinho and Luís de Albuquerque(Mato Grosso, 1910-1950) ...................................................................................................................................................................................157

Silvia Helena Andrade de Brito

Iniciativas de modernização escolar em Mato Grosso: grupos escolares e formaçãodocente – o sul do estado (1910-1950) .......................................................................................... 171School modernization initiatives in Mato Grosso: school groups and teacher training –the south of the state (1910-1950) ..........................................................................................................................................................171

Regina Tereza Cestari de OliveiraArlene da Silva Gonçalves

Los Orígenes del Hogar de Cristo en Chile ...................................................................................... 193The origins of El Hogar de Cristo in Chile .........................................................................................................................................193

Jaime Caiceo Escudero

Os mosteiros e a institucionalização do ensino na Alta Idade Média: uma análise dahistória da educação ............................................................................................................................... 207The monasteries and the institucionalization of the teaching in the high-middleage: an analysis of the history of education .................................................................................................................................207

Terezinha Oliveira

Estado Romano e instituições escolares .......................................................................................... 219Roman state and school instituitions ...................................................................................................................................................219

José Joaquim Pereira Melo

Page 9: Memórias - Maria Teresa Cunha

Ponto de vista

Page 10: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 11: Memórias - Maria Teresa Cunha

História das instituições escolares: desafiosteóricosHistory of school institutions: theoretical challenges

José Luís Sanfelice

Professor titular em História da Educação UNICAMP/FE/DEFHE; Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas -HISTEDBR.e-mail: [email protected]

ResumoO presente artigo, reconhecendo a importância que os estudos históricos das instituições escolares vêmadquirindo no campo da historiografia educacional mais recente, busca realizar uma breve reflexão sobreos riscos teórico-metodológicos que podem comprometer o alcance de resultados cientificamente significa-tivos para a área de conhecimento. Sem censurar as inovações, indica que é preciso entendê-las no campodo confronto ideológico que envolve a escolha de referenciais científicos. Espera-se trazer uma contribui-ção ao debate, com um posicionamento no âmbito do materialismo histórico-dialético.

Palavras-chaveCiência da história. História da educação. História de instituições escolares.

AbstractThis paper, acknowledging the relevance that the studies about the history of school institutions have beenacquiring in the field of the most recent educational historiography, aims to briefly discuss about thetheoretical-methodological risks that can compromise the extent of scientifically significant results for thearea of knowledge. Instead of criticizing the innovations, it points out that they must be viewed in the lightof the ideological confrontation that involves the choice of scientific reference points. This work expects tobring some contribution to the debate, taking a position in the scope of the historical-dialectical materialism.Key wordsHistory science. History of education. History of school institutions.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 11-17, jan./jun. 2008.

Page 12: Memórias - Maria Teresa Cunha

12 José Luís SANFELICE. História das intituições escolares: desafios teóricos

[...] o evento, o indivíduo e até a retomadade algum estilo ou modo de pensar opassado, não são fins em si mesmo, masmeios de esclarecer alguma questão maisampla, que ultrapassa em muito o relatopart icular e seus personagens.(HOBSBAWM, 1998, p. 202)

Produzir o estudo da história das ins-tituições escolares tornou-se uma práticabastante comum entre os historiadores daeducação mais recentes. Já se somam àscentenas os trabalhos que se abrigam sobeste tema de investigação. Nosella e Buffa(2006) observaram, por exemplo, que essaspesquisas se desenvolveram, sobretudo, apartir dos anos 1990. Os motivos seriam aconsolidação da pós-graduação, que levoua uma maior institucionalização da pesqui-sa acadêmica, e o estímulo favorável deuma possível crise de paradigmas, propicia-dora de pluralismo epistemológico e temá-tico, privilegiando o estudo de objetos sin-gulares.

Pressupondo que Nosella e Buffa(2006) estejam corretos, quero entender queo estudo da história de uma instituição es-colar é o estudo de um objeto singular, mas,como os mesmos autores sinalizaram, tam-bém um estudo que pode resultar de umapossível fragmentação que dificulta a com-preensão do fenômeno educacional em suatotalidade.

Toda vez que observo o embate dasposturas que os autores citados registraram,procuro deixar logo claro: nenhum objeto,por mais singular que seja, está interditadoa um pesquisador que queira se compro-meter com a visão de totalidade histórica;os objetos são o que são e se manifestampela sua aparência e/ou essência.

As abordagens visando captar osobjetos podem e devem ser múltiplas, poissão como instrumentos do pesquisadorempenhado em captar o real tal como eleé. O alcance e os limites de cada aborda-gem se diferenciam e, em alguns casos, seesgotam já na constatação tão somenteda aparência. O senso comum, por exemplo,pode ser resultante de uma abordagemmais precária, enquanto o bom-senso resul-ta de maior elaboração. O bom-senso podedar origem ao conhecimento científico cadavez mais complexo, mas novas mediaçõessão necessárias.

No sentido que acabo de explicitar,não vejo maiores dificuldades em aceitar apossibilidade de pesquisas voltadas paraobjetos singulares. Mais do que isso: vejo apossibilidade de se construir um conheci-mento verdadeiro dos objetos. Um conheci-mento verdadeiro para o(s) sujeito(s) queconhece(m) e que têm, sempre, certa relati-vidade, pois não seria a apreensão da tota-lidade da verdade. Mas, ainda assim, conhe-cimento verdadeiro e, portanto, sem a possi-bilidade de se constituir apenas em verdadesubjetiva, ou seja, o relativismo da verdadede cada um: uma verdade, enfim, relativa,objetiva/subjetiva.

Preservados os espaços acadêmicosdemocráticos, nos quais os pesquisadoresnecessitam de liberdade para escolheremos seus objetos de pesquisa e fazerem suasopções de abordagens, gosto de lembrarque essa democracia e liberdade costumamter condicionantes que as limitam. Cito trêsexemplos: a) objetos de estudo que se en-contrem fora da moda acadêmica hegemô-nica podem não encontrar grande recepti-

Page 13: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 11-17, jan./jun. 2008. 13

vidade nas agências de fomento às pes-quisas, quando os pesquisadores deman-dam recursos para seus projetos de investi-gação, pois as agências estabelecem priori-dades; b) objetos e abordagens não con-templados pelo manto sagrado das linhasde pesquisa ou os grupos de pesquisa nãocredenciados podem ser consideradas pes-quisas relevantes, bem propostas, mas paraas quais não estão previstos recursos; c)difundem-se, entre os pesquisadores, certosmodismos que sugerem a necessidade dese estar atualizado. Há uma sensação deque não aderir à moda ou à última influên-cia da cultura européia ou norte-americanapor aqui divulgada, torna-nos ainda maissubdesenvolvidos e dependentes. Há umolhar de desdém para com as resistênciase os resistentes começam a ter seus espa-ços de debates, de apresentação de traba-lhos em colóquios, jornadas, simpósios, se-minários e congressos cada vez mais dimi-nuídos. Uma boa desculpa nos dias de hojepara evitar a participação dos indesejadose/ou inoportunos é alegar que os ditos cujosnão fazem a interlocução com a produçãomais atual da área.

As observações acima não me im-pedem de constatar que o tema “históriadas instituições escolares”, no sentido emque apontei, está na moda, entre outros.Isso significa dizer que o tema tem bonsespaços nas áreas acadêmicas, nas agên-cias e nas editoras, por exemplo. Sem ne-nhum pudor, tenho orientado vários traba-lhos, desde os de conclusão de curso (TCC),de mestrado ou mesmo de doutorado, es-pecificamente tratando do tema em pauta.1

Assim posto, relembro que conside-ro o estudo da história de uma instituiçãoescolar o estudo de um objeto singular; queo estudo de um objeto singular não estáinterditado ao pesquisador que deseja secomprometer com uma visão de totalidadehistórica, e que o estudo de um objeto sin-gular pode ser também a opção por umapostura epistemológica fragmentada.

A questão central, a partir de agora,passa a ser a seguinte: que implicaçõesdecorrem de cada uma das opções acima?Trata-se, portanto, de uma reflexão episte-mológica.

Segundo Nosella e Buffa (2006, p. 3),a postura epistemológica fragmentada vemse caracterizando por privilegiar temas como

[...] cultura escolar, formação de professo-res, livros didáticos, disciplinas escolares,currículo, práticas educativas, questões degênero, infância e, obviamente, as institui-ções escolares. A nova história, a históriacultural, a nova sociologia, a sociologiafrancesa constituem as matrizes ou a telade fundo teórica das pesquisas realizadas.

Para os autores citados, a expressãocultura escolar, por exemplo, vem sendousada como categoria abrangente e funcio-nam como categorias de análise:

o contexto histórico e as circunstânciasespecíficas da criação e da instalação daescola; seu processo evolutivo: origens,apogeu e situação atual; a vida da escola;o edifício escolar: organização do espaço,estilo, acabamento, implantação, reformase eventuais descaracterizações; os alunos:origem social, destino profissional e suasorganizações; os professores e administra-dores: origem, formação, atuação e organi-zação; os saberes: currículo, disciplinas,livros didáticos, métodos e instrumentos

Page 14: Memórias - Maria Teresa Cunha

14 José Luís SANFELICE. História das intituições escolares: desafios teóricos

de ensino; as normas disciplinares: regi-mentos, organização do poder, burocra-cia, prêmios e castigos; os eventos: festas,exposições, desfiles e outros. (Nosella eBuffa, 2006, p. 4)

Baseados na vasta experiênciavivenciada na área da História da Educaçãoe sendo profundos conhecedores do temaaqui abordado, Nosella e Buffa ponderam:

Constatamos que este tipo de pesquisaapresenta sérios perigos metodológicos,porque o envolvimento do estudioso é fácil;o difícil é produzir um resultado final crí-tico e proveitoso. Freqüentemente, o pes-quisador resvala em reducionismos teóri-cos tais como particularismo, culturalismoornamental, saudosismo, personalismo,descrição laudatória ou apologética.(NOSELLA e BUFFA, 2006, p. 5)

Da minha parte, eu já havia apresen-tado trabalho na V Jornada do HISTEDBR2,afirmando que os caminhos de que o pes-quisador dispõe para ingressar na históriade uma instituição escolar são inúmeros.Conseguindo acessar a referida história, portoda e qualquer porta que se abra (enten-da-se a diversidade de fontes) é necessáriomontar o quebra-cabeça a ser decifrado(entenda-se, compreendido e analisado).Mas, o mais importante naquela comuni-cação era minha preocupação em sinalizarcomo o pesquisador, após mergulhar pro-fundamente no objeto singular, sai dele, ouseja, algo que Nosella e Buffa chamaramde “final crítico e produtivo”.

Tenho que reconhecer, como os au-tores citados fizeram que

[...] estudos e pesquisas que retratam, deforma curiosa, aspectos singulares da ins-tituição escolar, em tempos diversos, sãofascinantes e até sedutores. Quem não

gosta de saber como eram vestidas eeducadas as crianças dos séculos passadose suas brincadeiras ou como as normalis-tas representavam a relação diploma-ca-samento? Ou ainda, quem não gosta dever enaltecidos os fundadores de umaescola significativa para sua própria cida-de? Ou, finalmente, quem não gosta dever, consagrados em livros, nomes e foto-grafias de seus antepassados?

Estudos como estes agradam a inúmerosleitores. (NOSELLA e BUFFA, 2006, p. 5)

Até seria possível fazer uma conside-ração, neste momento, sobre o sucessoeditorial e mercadológico que as pesquisasque contemplam novos objetos e novasabordagens conseguem, mas seria umadigressão um tanto grande. Persigo, então,a continuidade da reflexão3.

O pesquisador da História da Edu-cação não necessita furtar-se à abordagemdo objeto singular, embora, como já dito,haja riscos metodológicos e vacilos quecomprometem o trabalho científico. É pre-ciso enfrentar o desafio nodal:

[...] por mais sedutoras que sejam essaspesquisas, não se pode admitir que adescrição pormenorizada de uma dadainstituição escolar deixe de levar o leitor àcompreensão da totalidade histórica. Adificuldade principal reside exatamente aí:conseguir evidenciar, de forma conveni-ente, o movimento real da sociedade [...].(NOSELLA e BUFFA, 2006, p. 5)

Corroborando perspectiva teórico-metodológica indicada acima, lembro daminha insistência contida no trabalho apre-sentado à V Jornada do HISTEDBR:

[...] a dimensão da identidade de uma ins-tituição somente estará mais bemdelineada quando o pesquisador transi-tar de um profundo mergulho no micro e,

Page 15: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 11-17, jan./jun. 2008. 15

com a mesma intensidade, no macro. Asinstituições não são recortes autônomosde uma realidade social, política, cultural,econômica e educacional. Por mais quese estude o interior de uma instituição, aexplicação daquilo que se constata nãoestá dada de forma imediata em si mes-ma. Mesmo admitindo que as instituiçõesadquirem uma identidade, esta é fruto doslaços de determinações externas a elas e,como já dito, ‘acomodadas’ dialeticamenteno seu interior. (SANFELICE, 2007)

De forma enfática, como foi sinteti-zado: “Defendemos uma linha metodoló-gica que descreve o particular, explicitandosuas relações com o contexto econômico,político, social e cultural, dialeticamente rela-cionados” (NOSELLA e BUFFA, 2006, p. 8).

Diante do exposto, posso sugerir ajá constante imagem que nos é semprelembrada. O pesquisador, quando está defrente para uma imensa floresta, pode terduas posturas metodológicas: a) pretenderconhecer a totalidade da floresta e, realmen-te, é uma pretensão inicial; b) ou já encan-tar-se com o primeiro arbusto e tornar-seum especialista daquele arbusto, esquecen-do a floresta que nem mais vê. Enquantono segundo caso a especialização levará àpobreza de interpretação, pois se perde adimensão das relações múltiplas do arbustocom o conjunto da floresta, a primeiraopção também pode começar pelo arbusto,mas caminha na direção do conhecimentoda floresta: trata-se de atender à pretensãoinicial.

O mesmo acontece com a históriadas instituições escolares. Como um arbus-to da “floresta” social, política, cultural e eco-nômica, a história de cada instituição esco-lar pode ser escrita, narrada, apresentada

em múltiplos e infinitos detalhes que são,muitas vezes, interessantíssimos e/ou curio-sos. A pesquisa pode se deter aí, mas parauma opção metodológica dialética, não.Após o exaustivo levantamento e apresen-tação dos dados empíricos de um objetosingular – a instituição escolar – é aindanecessário explicitar suas múltiplas relaçõescom o contexto. Repito: um contexto social,político, cultural e econômico, entre outros.

Por difícil que pareça a apreensão dadialeticidade da relação entre estrutura esuperestrutura, entre sociedade e escola,fica claro que seu evidenciamento é oobjetivo da ciência [...]. (NOSELLA e BUFFA,2006, p. 13)

Resta-me, portanto, insistir na ques-tão metodológica e/ou epistemológica, ouseja, na necessidade de se fazer da históriadas instituições escolares objetos singulares,um excelente exercício para que se possainiciar e praticar as exigências da ciênciada história. O objeto singular não se explicaem si mesmo, por mais que eu possa narraramplamente as características constitutivasde sua identidade. Uma instituição singu-lar é instituída, por exemplo, por um ouvários grupos sociais, ou por uma classesocial que, freqüentando-a, levam para oseu interior um mundo já estabelecido foradela. O mesmo acontece com o conjuntode educadores que por ela transita. Masnão é só isso, pois as instituições escolaresrespondem a ordenamentos jurídicos e le-gais sobre os quais não tiveram poder deescolha. E há muito mais: há as políticaseducacionais, há o Estado e, em última ins-tância, há a determinação de um mundoda produção material sobre o qual as ins-

Page 16: Memórias - Maria Teresa Cunha

16 José Luís SANFELICE. História das intituições escolares: desafios teóricos

tituições e os homens se organizam eestabelecem suas conflituosas e antagôni-cas relações. É preciso atentar para o fatode que a instituição escolar exerce apenasuma parcela das práticas educativas quecada sociedade desenvolve. E, só se justifi-ca o estudo histórico do objeto singular, nocaso, a história das instituições escolares,se tais esforços trouxerem mais luzes paracompreendermos o fenômeno educativogeral de uma sociedade historicamente de-terminada. Se assim não for, estudaremoso arbusto sem conseguir enxergar a floresta.

Novamente utilizo-me das palavrasdo autor já citado na epígrafe para sintetizaruma possível conclusão:

A nova história dos homens e das menta-lidades, idéias e eventos pode ser vista maiscomo complementar que como substitutada análise das estruturas e tendênciassocieconômicas. (HOBSBAWM,1998, p. 205)

Logo, passa a ser possível afirmarque tomar o complementar pelo principal

não é nenhuma necessidade da ciência dahistória, mas um embate que, em nome daciência, se traduz, de fato, no campo dasideologias.

Notas1 Alguns exemplos: ANANIAS, M. As escolas para opovo em Campinas: 1860-1889. Origens, ideário econtexto (Dissertação de Mestrado) – UniversidadeEstadual de Campinas, Campinas, 2000. ALMEIDA,C. C. A. de. Origem e fundação da 1ª Faculdade deEngenharia de Sorocaba: FACENS (Dissertação deMestrado) – Universidade de Sorocaba, Sorocaba,2006. DESSOTTI, I. C. C. História da educação deVotorantim: do apito da fábrica à sineta da escola(Dissertação de Mestrado) – Universidade deSorocaba, Sorocaba, 2007. SILVA, F. C. A Faculdadede Tecnologia de Sorocaba: antecedentes e primei-ros anos (1971-1981) (Dissertação de Mestrado) –Universidade de Sorocaba, Sorocaba, 2008.2 V Jornada do HISTEDBR – Grupo de Pesquisas“História, Sociedade e Educação no Brasil”, realizadade 9 a 12 de maio de 2005, na Universidade deSorocaba – Uniso. Cf. Sanfelice (2007).3 Cf. Sanfelice (2006).

Referências

HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Companhia da Letras, 1998.

LOMBARDI, José C.; CASIMIRO, Ana Palmira B. S.; MAGALHÃES, Livia Diana R. (Orgs.). História,cultura e educação. Campinas: Autores Associados, 2006.

LOMBARDI, José C.; NASCIMENTO, Maria Isabel M. (Orgs.). Fontes, história e historiografia daeducação. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR; Curitiba: PUCPR; Palmas: UNICS; PontaGrossa: UEPG, 2004.

NOSELLA, Paolo, BUFFA, Ester. As pesquisas sobre instituições escolares: balanço crítico. In:Navegando na história da educação brasileira. Disponível em: <www.histedbr.fae.unicamp.br>.Acesso em: 23 abr. 2008.

SANFELICE, José Luís. História das instituições escolares. In: NASCIMENTO, Maria Isabel. M.;SANDANO, Wilson; LOMBARDI, José C.; SAVIANI, D. (Orgs.). Instituições escolares no Brasil.Conceito e reconstrução histórica. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR; Sorocaba: Uniso;

Page 17: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 11-17, jan./jun. 2008. 17

Ponta Grossa: UEPG, 2007. p. 75-93.

______. História, instituições escolares e gestores educacionais. In: Revista Histedbr On-Line.Número especial, ago. de 2006. Disponível em: <www.histedbr.fae.unicamp.br>. Acesso em: 20abr. 2008.

______. Perspectivas atuais da história da educação. In: SCHELBAUER, A. R.; LOMBARDI, J. C.;MACHADO, M. C. G. (Orgs.). Educação em debate. Perspectivas, abordagens e historiografia.Campinas: Autores Associados, 2006. p. 23-52.

Recebido em 30 de abril de 2008.Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 18: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 19: Memórias - Maria Teresa Cunha

Dossiê “História dasInstituições Escolares”

Page 20: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 21: Memórias - Maria Teresa Cunha

História e memória: contribuições dos estudos dasInstituições Escolares para a História da EducaçãoHistory and Memory: contributions from the EducationalInstitutions studies to the History of Education

Margarita Victoria Rodríguez

Dra. em Educação pela UNICAMP, professora do Programade Pós-Graduação - Mestrado em Educação (UCDB).e-mail: [email protected]

Desde os anos de 1990, verifica-se a expansão de diversos grupos de pesquisas deeducação, tanto no âmbito nacional como internacional, que desenvolvem investigaçõessobre a história das instituições escolares a partir de diversos enfoques teóricos metodológicos.Além disso, também se detecta uma notável produção científica sobre o mencionado obje-to de investigação apresentada em eventos acadêmicos de diferentes naturezas, encontros,congressos, seminários, colóquios, entre outros. Sendo assim, este Dossiê apresenta traba-lhos que discutem historicamente as instituições escolares, a partir de diferentes aborda-gens, com o intuito de contribuir para o debate da História da Educação.

A educação, inicialmente, acontecia de modo natural, espontânea e inconsciente,na própria produção humana e reprodução da natureza, ou seja, de modo informal.Lentamente, porém, esta forma de educar foi sendo deixada apenas para as aprendiza-gens que visavam uma socialização primária, e a educação formal foi ocupando umlugar central na produção e reprodução do conhecimento socialmente construído. Emdecorrência disso, foram criadas instituições especializadas responsáveis por produzir,sistematizar e socializar conhecimentos.

A socialização e construção de conhecimentos institucionalizados adquiriramcentralidade, e a instituição escolar foi adotada como a principal modalidade educativana sociedade contemporânea. Os estudos que visam compreender e analisar a constituiçãodessas instituições têm ganhado relevância na historiografia da educação.

De modo geral, pode-se afirmar que as escolas e o sistema educacional, por mais heterogêneosque sejam, aparecem como localidades que não podem ser negligenciadas como amostra signi-ficativa do que realmente acontece em termos educacionais e em qualquer país, e, especial-mente no Brasil, onde as análises governamentais têm a tendência de obscurecer a problemá-tica real de seu sistema escolar.

Nesse sentido, seja na formulação de interpretações ou análises que dêem conta do presente oudo passado, as escolas apresentam-se como locais que portam um arsenal de fontes e deinformação fundamentais para a formulação de interpretações sobre elas próprias e, sobretudo,

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 21-29, jan./jun. 2008.

Page 22: Memórias - Maria Teresa Cunha

22 Margarita Victoria RODRÍGUEZ. História e memória: contribuições dos estudos das...

sobre a história da educação brasileira. (GATTI, 2002, p. 4)

Nesses termos, compreende-se a educação como um processo histórico e socialque envolve opções políticas de produção e socialização de conhecimentos. Estas opçõesse materializam nas práticas educativas, nos projetos formativos, bem como nas formasinstitucionalizadas de ensino. Deste modo, “A história da escola e das instituições educativasse configuraria como campo de estudos referidos aos lugares formais de educação comuma consideração especial exatamente para a escola (RAGAZZINI, 1999, p. 25)”.

A instituição educativa é uma organização social que se constitui tanto no planohistórico quanto no plano pedagógico como uma totalidade e recebe a influência sociale cultural do meio em que se encontra. A instituição também é marcada pela própriacultura pedagógica presente no ideário e nas práticas de diversa natureza, e é dirigidapor indivíduos oriundos de diferentes camadas sociais.

Magalhães (1999, p. 70) considera que,A história das instituições educativas constitui um processo epistêmico que medeia entre a(as)memórias(s) e o arquivo, não se limitando a memória às dimensões orais, mas incluindo ascrônicas e outros textos afins e não se confinando o arquivo à documentação e informaçõesescrita. Totalidade em organização e construção, uma instituição educativa não é estática, nem apercepção de conjunto se obtém a partir de uma única fonte ou de uma só vez. Se a primeiraaproximação à história de uma instituição educativa se obtém a partir de um olhar externo, é,todavia à medida que o historiador mergulha na sua interioridade a partir de informações quelhe permitam uma análise sistemática, sob um mesmo conjunto de fenômenos, que a históriaestabelece hipóteses-problemas e esboça um sentido para as suas investigações. Uma compreensão,uma hermenêutica que se processa de forma gradual e para a qual os primeiros contactos como arquivo são fundamentais. O arquivo, tal como se encontra organizado, quando o investigadorinicia o seu trabalho, constitui uma informação multidimensional e uma representação muitoaproximada da evolução, das dimensões e do sentido que a instituição empresta ao seu quotidianoe ao seu destino.

É difícil explicar a história da educação levando apenas em consideração dimen-sões isoladas, sejam elas as políticas, as institucionais, os saberes pedagógicos ou asidéias pedagógicas. Por tal motivo, é primordial articular todos estes aspectos, frisandoque o recorte histórico que o pesquisador realiza, evidentemente, focaliza uns dessesaspectos, porém leva em consideração a relação dialética entre o singular e o universal.

Ragazzini (1999, p. 25) afirma que é necessário superar o enfoque tradicional deestudos que pretende explicar a história da educação segundo uma única perspectiva:

O enfoque tradicional voltado aos aspectos constitutivos de ordem legislativa mostra-se, por si só,parcial e insuficiente. Não poderá ser esquecido o complicado processo que leva dos comporta-mentos comuns às normas sociais e às normas jurídicas formais (lá onde existe um Estado euma prática legislativa e jurídica de tipo moderno); contemporaneamente, não poderá ser esque-cido também o simétrico e diferentemente complicado processo que se interpõe entre as normasjurídicas e as práticas sociais... [o autor alerta que] a história das instituições não pode se limitaraos aspectos estritamente normativos: a instituição é governada (com formas de gerenciamento

Page 23: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 21-29, jan./jun. 2008. 23

e decisões políticas, periféricas e centrais); é definida por espaços organizados, tempos adminis-trados e modalidades internas de funcionamento; possui figuras profissionais e usuários próprios;possui relações externas com outras instituições, com os contextos ambientais e a dinâmicasocial.

O estudo das instituições escolares enfrenta problemas de ordem epistemológicaporque o conceito de instituição é ambíguo e extremamente complexo:

[...] usamos instituição para indicar uma única escola e também para indicar o sistema escolar eo que dizer das competências educativas da “instituição” municipal, das atividades da instituiçãoeclesiástica, daquela militar? E não poderíamos chegar até as atividades formativas dos partidose dos sindicatos? E em determinados contextos históricos, certos eventos, festas ou ritos – religio-sos, civis, esportivos, de diversão etc. –, não têm talvez um caráter ou um significado do institucional?E, enfim, não se diz, também, que a família é uma instituição social? Eis que a história da escolae das instituições educativas se alarga até a história social de educação. (RAGAZZINI, 1999, p. 26)

Com efeito, o estudo histórico das instituições educacionais deve considerar osdiversos aspectos envolvidos para podermos compreendê-las nos âmbitos social einstitucional. Focalizar as instituições escolares, nos estudos da História da Educação,implica também detectar as possíveis vinculações e articulações com a história da políti-ca educacional, considerando os aspectos escolares internos e seus condicionantes docontexto histórico, visando a compreensão dos “modelos” sociais, culturais e religiosospresentes nesses contextos. Portanto, é imprescindível desvendar os interesses de classe eas lutas travadas pelas elites regionais e nacionais presentes no âmbito da disputas pelocontrole ideológico do aparelho escolar, bem como apreender os movimentos e concep-ções educacionais presentes, tanto nas definições das políticas quanto nos modelos deorganização pedagógicas das instituições (WERLE, 2002).

Sendo assim, os estudos das instituições escolares levam em consideração as idéiaseducativas, além de compreender o papel desempenhado pelos intelectuais e/ou grupos/tendências pedagógicas presentes no recorte histórico definido pelo pesquisador, de acordocom seu referencial teórico-metodológico. Essa opção lhe permite identificar as relaçõesexistentes entre os projetos políticos e os discursos educativos, explicitados no âmbito dahistória da educação.

Assim, também, em muitas pesquisas de História da Educação são desenvolvidosos estudos da memória. O conceito de memória historicamente foi objeto de estudosfilosóficos e científicos. Este conceito foi modificado e adequado conforme o devir históri-co, assumindo diversas funções nas sociedades e adotou diferentes explicações de acor-do com as necessidades sociais de produção de conhecimentos de cada período histórico.

Na atualidade, este conceito tem adquirido um novo interesse, especialmente nosestudos realizados por pesquisadores das ciências físicas e biológicas que focam o funcio-namento da memória e oferecem importantes contribuições para o campo das CiênciasSociais e Psicológicas, áreas do conhecimento que pesquisam temas vinculados à memóriacoletiva e individual. Esses estudos discutem conceitos como retenção, esquecimento,

Page 24: Memórias - Maria Teresa Cunha

24 Margarita Victoria RODRÍGUEZ. História e memória: contribuições dos estudos das...

seleção. Nesse sentido, a memória é sempre uma construção feita no presente a partir devivências/experiências ocorridas no passado.

No campo da história, os trabalhos de Maurice Halbwachs (1990) contribuempara compreender a relação existente entre a sociedade e a memória pessoal. O autorconsidera que a memória aparentemente mais particular nos conduz indefectivelmente aum grupo social humano. Ou seja, a lembrança do indivíduo está sempre interagindocom a sociedade, seus grupos e instituições. É no contexto dessas relações que se cons-troem as lembranças. O rememorar como ato individual só é possível na urdidura dasmemórias dos diferentes grupos com a qual o sujeito se relaciona. Portanto, a memóriado sujeito fica impregnada das memórias dos seres humanos que o rodeiam, mesmoque não se tenha consciência da presença deles.

O lembrar e a percepção do mundo circundante se constituem como conseqüênciade intrincadas experiências, que inicialmente são captadas de modo confuso, porémlogo se organizam como uma unidade que parece ser só do próprio sujeito. Halbwachsconsidera que as lembranças se nutrem das diversas memórias proporcionadas pelogrupo, chamadas de ‘comunidade afetiva’, que serve como marco referencial. Assim, sejanos processos de produção da memória, ou na sua rememoração, o outro tem um papelbasilar.

A memória se modifica e se rearticula conforme a posição que o sujeito ocupa e asrelações que estabelece nos diversos grupos dos quais participa. Como já manifestado,as memórias individuais alimentam-se da memória coletiva e histórica e incluem elementosmais amplos do que a memória construída pelo indivíduo e seu grupo. Nesse processode relações entre seres humanos, a linguagem é um dos elementos mais importantes,que afirma o caráter social da memória, ou seja, lembrar e narrar são elementosconstitutivos da linguagem. A linguagem é um instrumento socializador da memóriaporque reduz, unifica e aproxima, num mesmo espaço histórico e cultural, diversas vivências,recordações e experiências.

Também, a memória envolve todo um processo de luta de classes na disputa pelocontrole do que deve ser lembrado ou esquecido. Implica, logo, numa pugna que seexpressa no uso de mecanismos de controle de um grupo sobre o outro. Desse embateresultam, por exemplo, as escolhas dos documentos a serem preservados, dos fatos quemerecem ser estudados e das datas que devem ser comemoradas, entre outros aspectos.Um outro elemento constitutivo da memória é o espaço de referência ela se organizaconforme as referências espaciais dos grupos, ou seja, o habitat social.

Como afirma Hobsbawm (1998, p. 22),Todo ser humano tem consciência do passado (definido como o período imediatamente anterioraos eventos registrados na memória de um indivíduo) em virtude de viver com pessoas maisvelhas. Provavelmente todas as sociedades que interessam ao historiador tenham um passado,pois mesmo as colônias mais inovadoras são povoadas por pessoas oriundas de alguma socieda-

Page 25: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 21-29, jan./jun. 2008. 25

de que já conta com uma longa história. Ser membro de uma comunidade humano é situar-seem ralação a seu passado (ou da comunidade) ainda que apenas para rejeitá-lo. O passado é,portanto, uma dimensão permanente da consciência humana. O problema para os historiadoresé analisar a natureza desse “sentido do passado” na sociedade e localizar suas mudanças etransformações.

Desse modo, que um sujeito recorde determinadas situações ou fatos e que fiquemregistrados na sua memória, implica uma ação seletiva e portanto parcial e comprometi-da com uma opção política e filosófica. Porém, isto não impede que os estudos históricostenham como objetivo especialmente recuperar essa “memória”. Os dados que ficammaterializados nos documentos (leis, artefatos arqueológicos, utensílios, entre outros) tam-bém são preservados de maneira seletiva. Não existe a intenção, portanto, de eliminar ouatenuar esta condição presente em qualquer tipo de depoimento, seja oral, escrito ouartefato, senão alertar sobre esta condição seletiva que deve ser observada pelo historia-dor ao se aproximar do objeto de pesquisa.

A preservação da memória não significa apresentá-la como fato histórico, acredi-tando que existe uma memória histórica objetiva, parcialmente perdida ou eclipsada eque precisa ser “recuperada”, desconsiderando que a história é um processo de constru-ção coletiva. É evidente que as recordações não são imparciais e que estão carregadasde subjetividade, porém elas podem contribuir para o conhecimento histórico. Assim,

Ao situarem a memória simultaneamente como fonte de alternativa e resistências vernáculas aopoder estabelecido e como objeto de manipulação ideológica hegemônica por parte das estrutu-ras do poder cultural e político, os historiadores fizeram muito mais do que simplesmenteincorporar a memória à sua coleção de ferramentas, fontes, métodos e abordagem. A própriamemória coletiva vem se convertendo cada vez mais em objeto de estudo: ela tem sido entendi-da, em todas as suas formas e dimensões, como uma dimensão da história com uma históriaprópria que pode ser estudada e explorada. (THOMSOM, FRIXCH, e HAMILTON, 2001 p. 77)

Deste modo, esta recuperação não parte de um sujeito abstrato – seja a sociedadeou a humanidade – que adota um caráter de divindade capaz de conservar e manter aslembranças até o presente. Tampouco pode se considerar que exista um ser humano queconserva no seu interior a totalidade dos fatos dos quais participaram todos os sujeitos eque no presente devem ser descobertos ou resgatados, porque esse sujeito abstrato quecontém no seu seio toda a memória histórica não existe, seria apenas um ente metafísico.

A história como ciência não é apenas memória, porque não significa somente arecordação do passado. Ela utiliza-se de métodos para a interpretação, reconstrução eordenação dos diversos tipos de documentos que permanecem no presente. Portanto, aHistória é produto do entendimento racional e não só da memória individual ou coletiva,pois a memória ou amnésia tem como suporte o cérebro humano (singular) de cada ho-mem. Assim, a memória consegue conservar aquilo que cada homem singular experimen-tou ou viveu, ou seja, envolve aquilo que afeta diretamente sua trajetória ou atuação nasociedade. História então não se reduz à memória, mas esta faz parte daquela.

Page 26: Memórias - Maria Teresa Cunha

26 Margarita Victoria RODRÍGUEZ. História e memória: contribuições dos estudos das...

Evidentemente, a preservação da memória histórica pessoal (parcial e seletiva),considerada aqui como uma lembrança do mundo histórico que cada sujeito ou grupoviveu ativamente, não pode pretender ser uma história objetiva ou total. A memóriahistórica só poderá se aproximar da imparcialidade quando deixa de ser memória epassa a ser simplesmente história; enquanto as memórias pessoais – lembranças, fatosou episódios – ultrapassam o mero interesse individual e afetam outros homens adquirindoentão importância geral e pública, superando o mero interesse privado (LE GOFF, 1996).

Por conseguinte, as pesquisas que adotam esta abordagem não procuram ape-nas “preservar” a memória, mas objetivam priorizar uma leitura da história que implicaromper com versões reducionistas e encarar um empreendimento de coleta e organiza-ção de documentos, artefatos e depoimentos orais, dispersos e ou desarticulados, com ointuito de contribuir para o conhecimento da história da educação e das políticas educa-cionais, mediante o resgate e catalogação das fontes que, às vezes, se encontram emarquivos pessoais.

Enfim, não se pretende apenas incorporar a memória à história, porque se conside-ra que o processo de compreender e dar sentido ao passado é complexo, sendo “enten-dido como uma capacidade mais geral, expressa de várias formas e modos, que podemser mais bem entendidos como organizados em vetores de diferentes espectros, em vezde estarem agrupados em torno de noções polarizadas de história e memória” (THOMSOM,FRIXCH e HAMILTON, 2001, p. 78).

Por considerar que a historiografia da educação oferece um rico conjunto de docu-mentos, todavia não suficientemente explorado como objeto de pesquisa e destacandoos esforços das diferentes instituições e pesquisadores por organizar centros e núcleosque sistematizem arquivos, entende-se que esta coletânea de artigos reunidos neste dossiêcontribuirá para o debate da história da educação e das instituições escolares, na medi-da em que são disponibilizados aos leitores trabalhos realizados por pesquisadores quetêm como objetivo a preservação de fontes históricas como patrimônio social, visando oconhecimento da história, da sociedade e do próprio homem.

Os trabalhos aqui reunidos trazem investigações históricas sobre a história da edu-cação, pensamento pedagógico, assim como das políticas educacionais e seus possíveisdesdobramentos e influência na decisão da criação das instituições escolares.

Na sessão Ponto de Vista, o professor José Luís Sanfelice, no artigo “História dasinstituições escolares: desafios teóricos”, reflete sobre as pesquisas que abordam as insti-tuições escolares e os problemas de cunho epistemológico e metodológico que o pesqui-sador deve enfrentar no seu trabalho. Além de alertar que, na produção acadêmica, estápresente sempre o confronto ideológico, tanto na escolhas das fontes históricas, comonos referenciais científicos que servem de marco teórico para as análises.

Na sessão artigos são apresentados treze trabalhos que analisam a história dasinstituições escolares a partir de diversas abordagens:

Page 27: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 21-29, jan./jun. 2008. 27

Maria Elisabeth Blanck Miguel, no artigo “A institucionalização da instrução públicano Paraná: um estudo a partir de fontes”, discute a institucionalização da instrução pública,as concepções pedagógicas e a materialização das instituições escolares na província doParaná, no período imperial. O trabalho “A institucionalização escolar entre 1879 e 1930”,de Sérgio Castanho, destaca a expansão da institucionalização da escola no final doImpério e da Primeira República no Brasil, no contexto da modernização da nação, edistingue os embates políticos e ideológicos entre as diversas facções das camadas do-minantes pelo controle político e instrucional do país.

O artigo de Maria Teresa Santos Cunha, “Tempos vividos na Escola Militar: Memó-rias de um aluno (1897-1900)”, discute as práticas cotidianas que caracterizavam umacultura escolar de época mediante a análise das memórias escritas por Lucas AlexandreBoiteux, estudante na Escola Naval de Rio de Janeiro. Geraldo Gonçalves de Lima eDécio Gatti Junior, no trabalho “Entre escolarização e instituições escolares na historiografiada educação: a emergência dos grupos escolares no Brasil da República velha (1889-1930)”, realizam uma reflexão a respeito das mudanças operadas no campo da históriae da historiografia da educação e analisam suas influências nas pesquisas acadêmicas,voltando sua apreciação para a implantação dos Grupos Escolares no Brasil enquantoinstituições de ensino que respondiam ao ideário republicano, caracterizado pelas idéiasliberais de instrução pública, laica, gratuita e universal.

No trabalho “A segunda escola profissional para o sexo feminino (RIVADÁVIACORRÊA) do Distrito Federal ou a trajetória de sua diretora – Benevenuta Ribeiro (1913-1961)”, escrito por Nailda Marinho da Costa Bonato, apresenta-se a trajetória da EscolaRivadávia Corrêa como instituição educativa destinada ao sexo feminino, dando desta-que à participação da diretora Benevenuta Ribeiro que foi elogiada pelo sucesso peda-gógico da escola, além ser uma das participantes da primeira Conferência pelo ProgressoFeminino, em 1922. Henrique Alves de Lima e Rosa Lydia Teixeira Corrêa, no artigo “Ideáriode formação de professores: Colégio Sagrado Coração de Jesus”, apresentam a pesquisana qual analisam o percurso histórico da mencionada instituição e tentam compreendero ideário de formação de professores sustentado pela escola mediante a análise dedepoimentos orais, de documentação do Colégio e jornais em circulação, no período1970 a 1980.

A seguir quatro trabalhos deste Dossiê são o resultado de pesquisa sobre institui-ções escolares no estado de Mato Grosso no Período Imperial e Republicano: Ana Paulada Silva Xavier e Nicanor Palhares Sá, no artigo “A Escola Normal de Mato Grosso noséculo XIX”, analisam a institucionalização da formação de professores normalistas noperíodo 1837 e 1889, destacando as vicissitudes e lutas pela implantação da EscolaNormal em Mato Grosso, instituição que teve como objetivo incutir os valores políticos emorais apregoados no período. O artigo “Professores e instituições escolares no contextodo regionalismo mato-grossense”, escrito por Marisa Bittar e Amarilio Ferreira Jr., discute a

Page 28: Memórias - Maria Teresa Cunha

28 Margarita Victoria RODRÍGUEZ. História e memória: contribuições dos estudos das...

relação entre regionalismo, disputas políticas entre as elites agrárias de Mato Grosso e asinstituições escolares da primeira metade do século XX. Os autores demonstram, a partirdo estudo dos depoimentos das professoras cuiabanas, a influência deles na educaçãodo sul do estado. Também salientam que as instituições escolares contribuíram para quea população mato-grossense incorporasse valores em defesa do regionalismo.

Silvia Helena Andrade de Brito, no artigo “O trabalho didático nos Grupos Escola-res Joaquim Murtinho e Luís de Albuquerque (MATO GROSSO, 1910-1950)”, apresenta apesquisa que analisa a organização do trabalho didático nos dois grupos escolares edestaca que esta forma de escolarização permitiu a materialização da forma/conteúdosmais acabados e organizados de maneira gradual e sistemática. O trabalho de ReginaTereza Cestari de Oliveira e Arlene da Silva Gonçalves, “Iniciativas de modernização esco-lar em Mato Grosso: Grupos Escolares e formação docente – o Sul do Estado (1910-1950)”, analisa o processo de organização da educação primária pública, materializadonos Grupos Escolares implantados em Campo Grande e focaliza a dimensão das políti-cas educativas no período republicano.

O artigo de Jaime Caiceo Escudero, “Los Orígenes del Hogar de Cristo en Chile”,aborda as origens do Hogar de Cristo e a contribuição educativa dessa instituição paraformação das crianças e jovens. Ademais, destaca a influência social e política da IgrejaCatólica no contexto da sociedade chilena em meados do século XX. Terezinha Oliveira,no trabalho “Os monastérios e a institucionalização do ensino na alta idade média: umaanálise da história da educação”, considera que os Mosteiros medievais, da mesma for-ma que as escolas contemporâneas, foram responsáveis em divulgar e preservar os co-nhecimentos, além de formar os homens e a sociedade de seu tempo. Por fim, no artigo“Estado romano e instituições escolares”, José Joaquim Pereira Melo reflete a respeito darelação entre o Estado e as instituições escolares durante o período da República e oImpério Romano. Distingue a importância da iniciativa privada para a educação dascrianças e jovens e evidencia a interferência do Estado, seja na organização e/ou nosconteúdos das instituições.

Referências

GATTI JUNIOR, Décio. A história das instituições educacionais: inovações paradigmáticas etemáticas. In: ARAUJO, José Carlos Souza e GATTI JUNIOR, Décio. Novos temas em história daeducação brasileira: instituições escolares e educação na imprensa. Campinas, SP: AutoresAssociados; Uberlândia, MG: EDUFU, 2002.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

LE GOFF, J. História e Memória. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.

Page 29: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 21-29, jan./jun. 2008. 29

MAGALHÃES, Justino Pereira de. Breve apontamento para a história das instituições educativas.In:. SANFELICE, José Luís, SAVIANI, Dermeval e LOMBARDI, José Claudinei (Orgs.). História daeducação: perspectivas para um intercâmbio internacional. Campinas, SP: Autores Associados;HISTERDBR,1999.

RAGAZZINI, Dario. Os estudos histórico-educativos e a história da educação. In: SANFELICE,José Luís, SAVIANI, Dermeval e LOMBARDI, José Claudinei (Orgs.). História da educação: pers-pectivas para um intercâmbio internacional. Campinas, SP: Autores Associados; HISTERDBR,1999.

THOMSOM, Alistair; FRIXCH, Michael e HAMILTON, Paula. Os debates sobre memória e história:alguns aspectos internacionais. In. FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO Janaína (Orgs).Usos e abusos da história oral. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.

WERLE, Flávia Obino Corrêa. História das instituições escolares: de que se fala? In: LOMBARDI,José Claudinei e NASCIMENTO, Maria Isabel Moura (Orgs.). Fontes, história e historiografia daeducação. Campinas: Autores Associado; HISTEDBR: PUCPR;UNICS; UEPG, 2002.

Margarita Victoria RodríguezOrganizadora do Dossiê “História das instituições escolares”

Page 30: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 31: Memórias - Maria Teresa Cunha

A institucionalização da instrução pública noParaná: um estudo a partir de fontesThe institutionalization of public education in Paraná:a study based on surces

Maria Elisabeth Blanck Miguel

Dra. em Educação pela PUC-SP; Professora do Programade Pós-Graduação – Mestrado em Educação (PUC-PR).e-mail: [email protected]

ResumoO artigo trata da institucionalização da instrução pública no Paraná, principalmente no período provincial(1854-1889). Aborda o tema enquanto processo de construção social e considera as interferências sofridas,quer por meio do Estado, quer pelas próprias demandas criadas pela sociedade. Fundamenta-se naanálise de fontes documentais como os Relatórios da Instrução pública, os Ofícios e os Requerimentos. Daanálise das fontes e da contextualização dos fatos surgem as categorias: a materialidade da instruçãopública e as concepções ou idéias sobre a instrução pública e sua disponibilização para a população.Também aponta a modificação que o discurso sobre a instituição escolar pública sofre nos diversos níveissegundo o sujeito que o redige: o professor, o inspetor paroquial, o inspetor provincial e o presidente daProvíncia.

Palavras-chaveInstitucionalização escolar. Instrução pública. Educação provincial paranaense.

AbstractThe article deals with the institutionalization of public education in the state of Parana, specially during theprovincial period (1854-1889). It covers the theme as a social construction process and considers theinterferences caused, either by the State or by the demands created by society. It is fundamented on theanalysis of documental sources such as Public education reports, Official letters and Pettitions. From thesources analysis and contextualization of the facts that they inform, categories are raised: the materiality ofpublic education and the conceptions or ideas about it and its availability to the population. It also showsthe change that the discourse about the public school institution had in several levels, according to whowrites it: the teacher, the parochial inspector, the provincial inspector and the president of the province.

Key wordsInstitutionalization of school. Public education. Provincial education in Parana.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 31-41, jan./jun. 2008.

Page 32: Memórias - Maria Teresa Cunha

32 Maria Elisabeth Blanck MIGUEL. A institucionalização da instrução pública no...

Fundamentalmente, as instituiçõesescolares podem ser estudadas consideran-do-se dois aspectos: a história de uma ins-tituição escolar em particular e a históriada institucionalização de um determinadonível de educação. Em relação à primeiraabordagem considera-se sua organizaçãoe funcionamento e, nesta perspectiva, estáimplícita a vida na escola, sua função nacomunidade na qual esta inserida, os livrosutilizados, a história dos professores, enfimaspectos bem específicos da instituição emquestão. Em relação à segunda abordagem,considera-se o contexto no qual se insere ainstitucionalização da instrução, quer públi-ca ou particular, as influências recebidas eo modo como a sociedade e o Estado inter-ferem na viabilização da instituição.

Este artigo focaliza a instituição esco-lar no seu processo de construção social e asinterferências sofridas do Estado ou das de-mandas da sociedade. Toma como objeto ainstitucionalização da instrução pública noParaná enquanto Província, no período de1854 a 1889, a partir das fontes documen-tais: Relatórios, Ofícios e Requerimentos da ousobre a instrução pública.

As fontes: ponto de partida para oconhecimento da história dainstrução pública

Os relatórios e ofícios da instruçãopública aliados às leis do período constitu-em um amplo e profícuo manancial dequestões importantes para se compreendero modo como a educação paranaense, in-serida no contexto nacional e internacionalfoi se configurando e adquirindo certos con-

teúdos responsáveis pela forma como a ins-trução pública foi vivenciada. Tais questõesconstituem-se em aspectos pouco ou aindanada estudados concernentes à história daeducação local e regional. O estudo de te-mas tais como a obrigatoriedade escolar eo conceito de cidadania de então, a distân-cia entre as intenções legais e as necessida-des reais da população, a influência dasrelações econômicas e políticas da naçãono delineamento das políticas públicas deeducação, a organização da escola, a for-mação do professor, a relação professor-aluno, as carências dos alunos em relaçãoao material escolar, os conteúdos aborda-dos, enfim a vida da escola, emergem dasfontes. Como afirmou Farge (1989), as fon-tes nos levam ao conhecimento de fatosque possibilitam construir um objeto novo,uma outra forma de saber.

Assim, o historiador tem nelas seuprincipal meio de pesquisa. Elas se consti-tuem a matéria-prima para indagar o pas-sado, questionar o presente e lançar hipó-teses para o futuro. Mais do que isso, sepressupõe-se que o conhecimento, mesmoaproximado de fatos remotos, contribui paranovos posicionamentos em relação àsquestões que perpassam a educação.Como diria o Presidente da Província doParaná, Dr. Antônio Luiz Affonso de Carva-lho, no Relatório que apresentou à Assem-bléia Legislativa do Paraná, em 15 de feve-reiro de 1870, fazendo uma apreciaçãosobre as causas da insuficiência da instru-ção pública: “Sem querer culpar a ninguém,porque não trato de esmerilhar o passado,mas de curar o presente e prevenir o futuro[...]” (PARANÁ. Relatório oficial [n.p.]).

Page 33: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 31-41, jan./jun. 2008. 33

A tomada de decisões não dependeapenas de conhecer o passado, do qual asfontes são emissárias relativas, pois os fatosse deram em determinados contextos his-tóricos delimitados por fatores econômico-políticos e socioculturais, próprios de deter-minado período. Elas constituem-se comoapoio ou suporte para as investigações,sejam documentos ou outros “vestígios” dahistória (BLOCH, 2001).

Além de considerar os contextos dosquais os documentos ou outro qualquervestígio do passado tenham sido oriundos,faz-se necessário verificar sua veracidadepela comparação com outras fontes quetratem ou retratem o mesmo objeto ou fe-nômeno. Este processo pode revelar dife-rentes perspectivas sobre a mesma questãoou ainda mostrar o modo como a percepçãomuda conforme os sujeitos tenham ocupa-do diferentes lugares e posições na socieda-de. Esses procedimentos (hermenêutica dasfontes) fazem parte das críticas às fontes, esão fundamentais para que o historiadorse aproxime, tanto quanto possível, do pas-sado.

As peças documentais, pela análisedas informações que comunicam(MARROU, 1954), propiciam não somenteo acesso às informações, mas podem reve-lar questões importantes hoje negligencia-das, porém outrora significativas, que con-tribuíram para questões educacionais queainda persistem. Destarte, tais questõespodem estar na origem de tendências edu-cacionais responsáveis por políticas e açõesintervenientes no meio escolar. As pesqui-sas com fontes de arquivos locais ou regio-nais, por sua vez, facilitam a compreensão

de “diversidades e peculiaridades regionaiscapazes de contribuírem para complemen-tar ou enriquecer a história da educação,permitindo que a identificação das peculi-aridades e sua compreensão no contextonacional possibilitem uma nova síntese”(MIGUEL, 1999, p. 87).

A ausência de uma ou outra docu-mentação fez com que se tornasse neces-sário recorrer a um outro tipo de documen-tação que retrata problemas não resolvidos,como abaixo-assinados de pais pedindoprofessores nas escolas ou então professo-res solicitando materiais para os alunos ousalários não recebidos. Essas fontes com-plementam ou esclarecem o que calam asfontes oficiais. As considerações até aquiexpostas subsidiam o presente estudo.

A institucionalização da escolapública no Paraná

Quando nos debruçamos sobre aleitura de Relatórios, Ofícios e demais do-cumentos do passado, temos a sensação,tal como já afirmou Farge (1989), de quenos aprofundamos em sensações que ul-trapassam a materialidade dos arquivos esuas fontes para penetrarmos nos pensa-mentos, motivos e argumentações daque-les que redigiram os conteúdos dos docu-mentos e conhecer as condições em queviviam. Desta feita, os conteúdos das fon-tes consultadas nos levaram a perceber di-ferentes perspectivas dos autores, segundoo lugar social que ocupavam. Mais ainda,é possível perceber suas concepções sobrea instrução pública e sua institucionalização,pelo Estado, pertinentes à educação que

Page 34: Memórias - Maria Teresa Cunha

34 Maria Elisabeth Blanck MIGUEL. A institucionalização da instrução pública no...

haviam recebido. Os Presidentes da Provín-cia, autores dos Relatórios da InstruçãoPública, traduzem em linguagem mais ela-borada a concepção liberal de educaçãomuito mais pertinente às sociedades euro-péias do que à nacional. A recorrência aosexemplos de implantações de leis daHolanda e da França é comum e traduzleituras das quais não partilham os inspe-tores gerais da instrução pública, os paro-quiais e os professores.

A institucionalização da instruçãopública, nos documentos consultados, sur-ge eivada por diferentes concepções epermeada por problemas como a criaçãode escolas e seu não provimento, a forma-ção do professor, as ingerências políticasnas nomeações de professores e inspetores,a pobreza da população, a falta de paga-mento dos salários para os mestres e a es-cassez ou falta total de bancos e mesasescolares, de livros e demais materiais emétodos. Tais questões constituem catego-rias como a materialidade da instituiçãoescolar e as concepções sobre a instruçãopública.

Quanto à materialidade da institui-ção escolar, os depoimentos registradosinformam que as questões referentes à ins-tituição podem ser compreendidas quandoos ofícios dos professores ou inspetores de-nunciam a falta de condições para a ins-trução pública e demandam condições, demodo que a instrução possa chegar à po-pulação. Esta, embora exígua no territórioparanaense, muitas vezes procura freqüen-tar as aulas como está registrado nos do-cumentos consultados.

Cabe-me por agora louvar ao Sr. FernandoPeiteado Rosas, Inspetor da instrução pri-mária desta freguesia, – este digno Inspe-tor pobre e verdadeiro pai da mocidadeque cuidadoso tem cooperado para o pro-gresso da educação da mocidade, já colo-cando professores e procurando casa paranela haver ensino, procurando todos osmeios para prosperar aqui a instruçãoprimária, já surtindo com papel, penas,tinta e mobília, porque a aula normal destafreguesia sempre gemeu com o peso danecessidade, tudo sempre lhe faltou, aNação nunca lhe prestou socorro algumpara as meninas pobres e por isso tam-bém alguns pais pobres deixam de porseus filhos na aula.

Os meninos cometem imensas faltas, ospais tiram-os por um e dois meses em-pregando-os já na roça. (PARANÁ. Relató-rio oficial, 1854, [n.p.])

O redator do ofício continua infor-mando que “é útil que haja uma casa pró-pria para o ensino público, ao contrário tudofenece porque, havendo neste lugar qual-quer festividade os proprietários tomamposse das casas e o professor está na rua,e os alunos privados de receber a instru-ção primária” (PARANÁ. Relatório oficial,1854, [n.p]).

Ainda em 1854, na recém instaladaProvíncia do Paraná, na localidade de Por-to de Cima, o Inspetor Manoel FranciscoCorrêa Júnior comunica ao Presidente pro-vincial a solicitação dos professores quejustificavam a indisciplina dos alunos por-que eles acomodavam-se nos corredores,visto não caberem na sala de aula instala-da na casa do professor. Queixava-se tam-bém o Inspetor de que “A falta de utensíli-os é bem sensível em todas as salas deaula da Província e muito mais nas deste

Page 35: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 31-41, jan./jun. 2008. 35

Município, onde pouco foi reclamado, enunca foi atendido [...]”(PARANÁ. Relatóriooficial, 1854, [n.p.]).

Os inspetores do distrito dirigem re-querimentos ao Inspetor Geral da InstruçãoPública solicitando escolas:

[...] julgo mais conveniente que o Exmo.Governo da Província, conforme lhe foiautorizado pela Lei ultima, se digne criarnaquele bairro, já bem populoso, umaescola pública, onde os habitantes commais facilidade e comodidade possam fa-zer aprender seus filhos, e então se lheconceda os auxílios possíveis e necessári-os. (PARANÁ. Relatório oficial, 1854, [n.p.])

Em 1866, os primeiros sinais de racio-nalização relativos à distribuição de escolas(cadeiras) começam a aparecer. Segundoo Relatório do Presidente, Dr. André dePádua Fleury, dirigido à Assembléia Legis-lativa provincial do Paraná, em 15 de feve-reiro, a situação das cadeiras em relação àfreqüência dos alunos, desde o ano de1861, era a seguinte:

1861 39 com 15831862 32 com 14541863 38 com 16011864 41 com 16051865 46 com 15321

O Presidente atribuía aos professo-res a causa do insucesso e do atraso dainstrução pública, discurso corrente em to-dos os relatórios das autoridades, e mani-festava-se afirmando:

Em vez de ocupar-nos em multiplicar ca-deiras mesquinhamente retribuídas, aolado que o são com generosidade, cure-mos de depurar o ensino, tirando ao pro-fessorado o caráter de especulação que o

enfeza, para restituir-lhe o de sacerdócioque o empobrece.

A fim de conseguirmos tal melhoramentoconvém:Suprimir as escolas não freqüentadasReorganizar a inspeçãoPreparar pessoal habilitado

1ª A multiplicidade das escolas deve terpor limites os recursos financeiros da Pro-víncia, e a insuficiência de seu pessoal.Exagerá-la é entregar o ensino à igno-rância e à inépcia, incumbindo-as de ins-truir o povo. Sendo admitido que só umadécima parte da população livre está nascondições de freqüentar as escolas, onúmero destas tem de proporcionar-se a8749; donde resulta que a cada uma das54 atuais correspondem 160 habitantes.Se entendermos, porém, que na França,onde a população é 36 vezes mais densae na Holanda 50, se adota a proporção de1000 e 2000 por escola, concordais que éexcessivo o número de 54 para 8749.(PARANÁ. Relatório oficial, 1866, [n.p.] ).

O Presidente era de parecer que aresposta para as péssimas condições ma-teriais e de funcionamento da instruçãopública seriam resolvidas com a inspeçãoescolar e a formação de professores que,em cursos de dois anos, poderiam estudar“Caligrafia, Gramática Portuguesa e Práticada Aritmética até proporções inclusive, Sis-tema métrico de pesos e medidas, Noçõeselementares de Geografia, Agrimensura enivelamento, princípios da doutrina da reli-gião do Estado e História do Brasil”(PARANÁ. Relatório oficial, 1866, [n.p.] ).

A categoria da materialidade da es-cola, entendida como as cadeiras regidaspor um professor, o seu espaço físico e ascondições de sua viabilização aparece

Page 36: Memórias - Maria Teresa Cunha

36 Maria Elisabeth Blanck MIGUEL. A institucionalização da instrução pública no...

imbricada, na ótica das autoridades, com aformação do professor. Ao tratarem dessaformação e das questões materiais da ins-trução, manifestam a concepção de edu-cação.

Em 15 de fevereiro de 1870, em Re-latório apresentado à Assembléia Legisla-tiva do Paraná, o Presidente, Dr. AntônioLuiz Affonso de Carvalho, afirmava a dis-tinção entre educação e instrução. Segun-do ele: “A educação tem por fim desenvol-ver as faculdades morais, a instrução for-mar e enriquecer as faculdades intelectu-ais”. E justificava, dizendo que: “Para formaros bons costumes é necessário dar princí-pios: estes somente se estabelecem pelainteligência: a instrução contribui pois paraa educação, como esta pelos seus hábitosde ordem, de regularidade e de trabalhopara a instrução”(PARANÁ. Relatório ofici-al, 1870, [n.p.]).

O discurso de Antônio Luiz Affonsode Carvalho traduz a compreensão de que,por meio do cultivo da inteligência e dapropagação das luzes do saber, a Provínciapromoveria seu desenvolvimento. Assim,para ele:

As constituições por mais liberais quesejam, não podem erguer a moral do povoe felicitá-lo, quando há ausência de luzes,uma das causas primordiais dos maioreserros que afligem a humanidade.

Aqui no Paraná tem-se escrito muito so-bre a instrução pública: largas dissertaçõesencontro nos documentos oficiais, os quaisatestam a alta ilustração de seus autorese bons desejos, de que estavam possuídos.Mas, é necessário que não dissimulemos:se muito se tem escrito, aconselhando olegislado, pouco se tem praticado e infe-

lizmente neste ramo de serviço público,mais que em todos os outros, os momen-tos perdidos não se recuperam (PARANÁ.Relatório oficial, 1870, [n.p.] ).

No entanto, apesar do discurso ma-nifestar um tom de crítica ao que até entãohavia sido ou não realizado, o autor tam-bém atribui ao professor a causa dos pro-blemas da instrução pública, pois, segundoele, a falta de formação dos professoresconcorria mais para o abandono da instru-ção do que o desleixo dos pais. O remédioseria a criação da Escola Normal, em doisanos, de matrícula gratuita. Aparece entãoreferência às casas escolares, independenteda casa do professor. É possível afirmar quejá existe em germe a idéia de agrupar asaulas em casas próprias, prenúncio dos fu-turos grupos escolares republicanos. Diziaele, a respeito: “Uma das idéias complemen-tares à propagação da instrução primáriaé sem dúvida alguma a adoção de casasescolares convenientemente edificadas epreparadas para o estabelecimento dasaulas. Essas casas devem ser feitas às cus-tas dos cofres provinciais e conterem os mó-veis, utensílios e objetos indispensáveis aoensino” (PARANÁ. Relatório oficial, 1870,[n.p.] ).

Recomendava ainda não ser neces-sário, a princípio, construir mais do que duasou três casas escolares, por ano. “Cada umadessas casas deve ser calculada para 60discípulos” (PARANÁ. Relatório oficial, 1870,[n.p.] ).

Quanto ao método empregado nasclasses, os professores relatam o que apli-cavam em sala de aula e, na maioria dasvezes, justificavam que assim o faziam por-

Page 37: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 31-41, jan./jun. 2008. 37

que o método empregado era o que melhorauxiliava seus alunos no processo de apren-dizagem.

O prof. Jerônimo Durski, em 30 denovembro de 1868, informava ao Inspe-tor Geral da Instrução Pública reger trêsclasses e:

Na leitura achei o método de soar as le-tras muito preferível de que silabar e etc.

Os alunos de 2ª classe quando entraramnesta escola, sabiam tanto que nada. Emtrês meses conseguiram até a leitura dequalquer palavra, (seja que vagaroso) masassim mesmo é muito.

Como este método é mais simples e maisclaro do que qualquer outro, por isso tantoo professor como os alunos ganham muitono tempo e por isso é recomendável atodos os professores. Em este sentido fal-tam os livros com boa prática para a 1ªleitura. Esta falta incitou-me para acabarum livro correspondente a este método –o que já 8 anos tem principiado. Em es-paço de 4 a 5 meses quero apresentar aV. Sª digne-se dar sua atenção e reco-nhecimento – e se merecer sua valiosa erespeitável recomendação para a impren-sa. (DURSKI, 1868)

O relatório do Professor JerônimoDurski difere dos relatórios dos professoresatuantes nas classes de então. Assim comoos demais professores que provinham daEuropa e atendiam os imigrantes, o referidoprofessor demonstrava conhecer um poucomais das questões pedagógicas e até es-crevia um livro que esperava ver publicadopara aplicação nas demais classes para-naenses.

Em dezembro de 1868, o ProfessorMoericofer, da Colônia de Assungüi, dirigerelatório ao Inspetor Geral da Instrução

Pública informando que o ensino era simul-tâneo, que o número de alunos no princí-pio do ano era

31 – 21 do sexo masculino, 10 do sexofeminino. Eles freqüentavam a aula bas-tante regular somente no primeiro e se-gundo trimestre; com o mês de junho to-dos os alunos maiores, que podem servirna lavoura abandonam a escola, da ma-neira que restam somente os menores.

Acabados os trabalhos da roça, todos tor-nam a voltar no mês de janeiro, repetindoo que tem esquecido nos seis meses pas-sados. Para o ano seguinte já estão avisa-dos um bom número de novos alunos.(MOERICOFER, 1868)

O Professor Moericofer informavatambém haver feito seus estudos na Euro-pa, estar estabelecido no Império (Brasil)desde os dezoito anos; ter 22 anos de prá-tica no seu ofício e haver obtido bons resul-tados, fato que não o livrava da ameaçade ser enviado de volta ao seu país de ori-gem, uma vez que sofria perseguição, cer-tamente política, no local onde atuava. In-formava ainda que os colonos alemães,como os “Seonharo, Obladenm Rwolph etc,que desejam muito mandar seus filhos paraa escola, porém a grande distância e mauestado dos caminhos são obstáculos quesó podem vencer por um internato, como oSr. Diretor da colônia já tem proposta”(MOERICOFER, 1868).

Conforme é possível perceber-sepelos depoimentos contidos nos relatóriose ofícios, não era somente a deficienteformação do professor a causa do fracassoda instrução pública, mas também as con-dições materiais que conformavam e limi-tavam a freqüência às classes simultâneas

Page 38: Memórias - Maria Teresa Cunha

38 Maria Elisabeth Blanck MIGUEL. A institucionalização da instrução pública no...

existentes. Mesmo que o professor tivessemelhor formação, não dava conta de ven-cer os problemas sociais que perpassavama escola.

Ainda referente ao método aplicadonas escolas, encontra-se no relatório doProf. Maurício Décio da Costa Lobo, redigi-do em 1º de dezembro de 1868 e endere-çado ao Inspetor Geral da Instrução Públi-ca, Dr. Ernesto Francisco de Lima Santos,entre demais informações, a seguinte:

O método do ensino é o simultâneo so-corrido pelo mútuo, quanto ao uso de mo-nitores, que são nomeados de entre osalunos da 3ª classe, segundo o seu adian-tamento intelectual e conduta moral.

As classes são 3, constando a 1ª de 11, a2ª de 37 e a 3ª de 32 alunos, inclusivePedro da Sª Arouca, que continua a fre-qüentar a escola, cuja coadjuvação temsido de muita utilidade.

Requereu o mesmo Arouca uma gratifi-cação ao Exmº Governo pelo seu trabalhonesta escola na qualidade de aluno-mes-tre, porém não foi atendido (LOBO, 1868).

O método era o simultâneo, uma vezque o professor atendia alunos em diferen-tes níveis de aprendizagem. Como erammuitos os alunos, ele aplicava o métodomútuo previsto em lei, que permitia o auxí-lio de monitores. O fato novo era o monitorsolicitar pagamento ao governo, uma vezque mesmo os professores tinham dificul-dade em receber seus proventos.

Talvez um quadro mais aproximadoda realidade das classes e dos problemascom os quais os professores se defronta-vam seja o relatado pela professora deMorretes, Maria Josefina Mangin, em 30 denovembro de 1868. Dizia a professora: “ As-

sim pois desde 8 de janeiro tenho visto cairdos desapiedados golpes das tantas enfer-midades conhecidas com os nomes deCâmara de sangue e Tifo muitas daquelasque seus pais tem confiado a meus cuida-dos, a fim de receberam a educação queestá ao alcance de minha fraca inteligên-cia, e curtas habilitações” (MANGIN, 1868).E mais adiante suas palavras deixavamentrevar a real função que a escola exercianaquele local:

Reconheço que poderia ter me evitadoparte destes trabalhos. Destes sofrimentosconstantes, que a todo o município preju-dicara. Mas, como? Obrigando os pais ouprotetores a ir tratar seus doentes fora deminha casa. Não seria desumanidadeprivá-los do único recurso que temos; poisque a maior parte, habitantes de outroslugares, não tem aqui conhecimento; equando os tivesse, cada um lutará comos mesmos males no terrível quadro queatravessamos, seria, pois imprudência osaumentar-lhe. E, além disso, prende-mea amizade a esses entes, que, ao menospor algum tempo, fazem parte de minhafamília; e cuja recordação sempre conser-varei. (MANGIN, 1868)

Ao lado da afetividade feminina tan-tas vezes decantada na literatura e motivode atribuição do papel de substituta da mãeà professora, o espaço da escola se con-funde com o espaço doméstico, não só porser a sala de aula na casa do professor,mas também porque as funções que seriamde outras instâncias sociais, como a dasaúde, são realizadas pela instância esco-lar e, mais propriamente, pela professora.Faria Filho (2000), ao tratar da instruçãoelementar no século XIX, afirma o diminu-to papel do Estado nas Províncias e o pró-

Page 39: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 31-41, jan./jun. 2008. 39

prio lugar da escola. Segundo ele,A presença do Estado não apenas eramuito pequena e pulverizada como, al-gumas vezes, foi considerada perniciosano ramo da instrução. Há que considerar,também, que nem a própria escola tinhaum lugar social de destaque, cuja legiti-midade fosse incontestável. Foi precisoentão, lentamente, afirmar a presençanessa área e produzir, paulatinamente, acentralidade do papel da instituição esco-lar na formação das novas gerações. (FA-RIA FILHO, 2000, p.135-36)

Apesar das leis que regularizavamformalmente a instrução pública, as fontesdocumentais demonstram a afirmação doautor acima citado e ratificam a distânciaentre as intenções legais e as necessidadesreais da população (MIGUEL, 1999).

No final do Império, em 1888, o re-latório que o Vice-Presidente da Provínciaapresentou na transmissão de cargo mos-trava ser desolador o estado da instruçãopública, segundo a comissão designadapara elaborar as bases da reforma do ensi-no público provincial. Dizia a comissão:

À bem desoladora situação está reduzidaa instrução pública desta província. Absor-vendo mais de um terço das rendas dasrendas provinciais, insignificantes são osresultados colhidos pelo ensino públicoem relação aos grandes sacrifícios pecu-niários que seu custeio impõe.

Antes de tudo é de notar-se a defeituosaestrutura do organismo do ensino públicoprovincial.

Compõe-se sua constituição de uns tan-tos extensos regulamentos, nada menosde 4, uns em vigor e outros não, promul-gados em datas diversas, além de muitosoutros atos e instruções presidenciais.

Atestando esses diversos regulamentos eatos a competência e os altos intuitos deseus autores, não formam eles, entretanto,um organismo lógico e completo, extremede sensíveis lacunas e de grandes defeitos.

Urge, pois, tomando a sério o assunto,encará-lo de alto e em seu conjunto esem demora assentá-lo em suas largas everdadeiras bases.

Aproveitando os bons elementos existen-tes, cumpre quanto antes coordená-losconvenientemente e desenvolvê-los demodo a produzir satisfatórios efeitos.(PARANÁ. Relatório oficial, 1888, [n.p.])

Assim, a institucionalização da edu-cação pública foi se configurando à medidaque os meios de produção da vida materialcriaram novas relações sociais e a escolatornou-se necessária na perspectiva do Es-tado e da população. Quando na organi-zação do estado republicano, a participaçãomais efetiva da população foi solicitada aparticipar da força de trabalho. Após a liber-tação da escravatura, a educação popularconstituiu-se, ao menos no discurso, comoo meio de implantação do novo modelo.

No Paraná, a partir de 1920, iniciou-se a organização escolar sob os princípiosda racionalização de meios e sistematiza-ção de fins. Este fato decorreu também dasmudanças no contexto social, econômico,político e cultural que o estado do Paranásofreu, com a vinda dos imigrantes, o pro-cesso de migração interna, e o início dacultura do café, a partir de 1940 (BALHANA,MACHADO, WESTEPHALEN, 1969). Porém,a instituição básica carecia de recursos eda formação dos professores. O Estadopreocupou-se, a partir de 1920, com a for-mação de professores implantando a

Page 40: Memórias - Maria Teresa Cunha

40 Maria Elisabeth Blanck MIGUEL. A institucionalização da instrução pública no...

Reforma na Escola de Professores deCuritiba. A partir de 1940, implantou novasescolas acompanhando a ocupação deterras e a formação de novos núcleospopulacionais.

Notas1 Conforme consta no Relatório citado.

Referências

BALHANA, Altiva. P.; MACHADO, Brasil P.; WESTEPHALEN, Cecília M. História do Paraná. Curitiba:Grafipar, v. 1, 1969.

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

FARGE, Arlette. Le goût de l’archive. Paris: Editions du Seuil, 1989.

FARIA FILHO, Luciano M. Instrução elementar no século XIX. In: LOPES, Eliana M.; FARIA FILHO,Luciano M.; VEIGA, Cynthia G. 500 anos de educação no Brasil. Autêntica: Belo Horizonte, 2000.

MARROU, Henri-Irenee. De la connaissance historique. Paris: Éditions du Seuil, 1954.

MIGUEL, Maria Elisabeth B. O significado da educação pública no Império (Paraná-Província).In: FARIA FILHO, Luciano M. (Org.). Pesquisa em história da educação: perspectivas de análise– objetos e fontes. Belo Horizonte: Edições HG, 1999. p. 87-94.

Fontes Documentais

PARANÁ, Relatórios

______. Relatório Oficial do Inspetor Manoel Francisco Corrêa Júnior. Curitiba: DEAP, 1854.

______. Relatório Oficial do Presidente da Província André de Pádua Fleury. Curitiba: DEAP, 1866.

______. Relatório Oficial do Vice-Presidente Agostinho Ermelino de Leão apresentado ao Presi-dente da Província Polidoro Cesar Burlamaque. Curitiba: DEAP, 1866.

______. Relatório Oficial do Presidente da Província Antônio Luiz Affonso de Carvalho. Curitiba:DEAP, 1870.

______. Relatório apresentado pelo Prof. Jerônimo Durski ao Inspetor Geral da Instrução Pública.Curitiba: DEAP, 1868.

______. Relatório apresentado pelo Prof. Carlos Moericofer ao Inspetor Geral da Instrução Pública.Curitiba: DEAP, 1868.

______. Relatório apresentado pelo Prof. Maurício Décio da Costa Lobo ao Inspetor Geral daInstrução Pública. Curitiba: DEAP, 1868.

Page 41: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 31-41, jan./jun. 2008. 41

______. Relatório apresentado pela Profa. Maria Josefina Mangin ao Inspetor Geral da Instru-ção Pública. Curitiba: DEAP, 1868.

______. Relatório apresentado pelo Vice-Presidente Ildefonso Pereira Correia ao Presidente daProvíncia José Cesário de Miranda Ribeiro. Curitiba: DEAP, 1888.

Recebido em 30 de abril de 2008.Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 42: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 43: Memórias - Maria Teresa Cunha

A institucionalização escolar entre 1879 e 1930School institutionalization between 1879 and 1930

Sérgio Castanho

Doutor em Educação pela UNICAP; Professor do Programade Pós-Graduação; Educação – Mestrado e Doutorado naUNICAMP.e-mail: [email protected]

ResumoO que se pretende com esta comunicação é verificar como, no período do final do Império e da PrimeiraRepública no Brasil, a educação torna-se progressivamente uma prática institucional-escolar, isto é, reali-zada na instituição que historicamente especializou-se na tarefa educativa, a saber, a escola. No decorrerdo processo de institucionalização escolar são observadas especificidades, de maneira que, a par de umaprofunda arritmia social, ocorrem também discrepâncias entre os diversos níveis e modalidades educacio-nais. No decorrer do século XIX, esse processo conheceu grande aceleração para, no seu final, desabro-char, embora com mais brilho e positividade no discurso dos intelectuais, como transparece dos Pareceresde Rui Barbosa, de 1882, e nas proclamações de textos legais. Com a República, a institucionalizaçãoescolar avança a largos passos. Em conclusão: a institucionalização escolar realmente foi um fenômenoque caracterizou fortemente a quadra final do século XIX e a inicial do século XX, muito embora comantecedentes que remontam ao período colonial.Palavras-chaveHistória da Educação. Institucionalização escolar. Final do Império. Primeira República.

Abstracthe intention of this communication is to verify how, during the final period of the Empire and the FirstRepublic in Brazil, education became progressively the practice of school institutionalization; that is, educationtaking place in an institution that historically specialized in the task of education, that is to say the school.During the process of school institutionalization, distinctions can be observed where, in a certain way,along with a profound social pace, they also occurred as discrepancies between diverse educational levelsand modalities. During the Nineteenth Century this process was greatly accelerated so that at its end itblooms more brilliantly in the discourse of intellectuals like in the transparency of the Pareceres (Opinions)of Rui Barbosa in 1882 and in the proclamations of legal texts. With the Republic, school institutionalizationtakes giant steps. In conclusion: school institutionalization was actually a phenomenon that stronglycharacterized the last quarter of the Nineteenth Century and the beginning of the Twentieth Century,although it had antecedents that occurred in the colonial period.

Key wordsHistory of Education. School Institutionalization. End of the Empire. First Republic.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 43-56, jan./jun. 2008.

Page 44: Memórias - Maria Teresa Cunha

44 Sérgio CASTANHO. A institucionalização escolar entre 1917 e 1930

O que se pretende com esta comuni-cação é verificar como, no período indicadono título, ou seja, final do Império e PrimeiraRepública no Brasil, a educação torna-seprogressivamente uma prática institucional-escolar, isto é, realizada na instituição quehistoricamente especializou-se na tarefaeducativa, a saber, a escola.

O processo de institucionalizaçãoescolar dá-se no decorrer do Império brasi-leiro, observadas as especificidades com res-peito aos níveis e modalidades educacio-nais. Há, com efeito, a par de uma profundaarritmia social nesse processo, de jeito quediferentes camadas da sociedade praticamformas diversas de educação, também rit-mos diferentes, dependentes dos primeiros,marcando a institucionalização escolar nosdiversos níveis e modalidades em que serealiza. Tentaremos, com os devidos cuida-dos que essas dessincronias impõem, pro-por o quadro histórico em que se dá talprocesso.

Antes, porém, tentemos explorar umpouco mais a questão da instituição escolarou, como prefere Justino Magalhães, da “ins-tituição educativa”. De fato, instituiçãoeducativa é termo mais amplo e abrangenão apenas a escola como a conhecemosno seu evolver histórico, mas também ou-tras formas societais duradouras em quese desenrola o processo de transmissão cul-tural. Nesse sentido, a expressão usada pelohistoriador da educação português é maisampla. Mas, no meu entender, essa ampli-tude se presta a equívocos. Veja-se a defi-nição proposta por Magalhães: “No planohistórico, uma instituição educativa é umacomplexidade espaço-temporal, pedagógi-

ca, organizacional, onde se relacionam ele-mentos materiais e humanos, mediantepapéis e representações diferenciados...”(1968, apud GATTI JÚNIOR, PESSANHA,2005). Tal definição se presta perfeitamenteà escola. E talvez se preste a outras institui-ções que são educativas, porém não demaneira especializada, como a família, porexemplo.

Isso não significa, em absoluto,desconsiderar as pistas abertas por JustinoMagalhães nessa área da história institucio-nal da educação. Pelo contrário. Veja-se aclareza de Magalhães quando define anossa disciplina: “A história da educação éum discurso científico sobre o passado edu-cacional, nas suas diversas dimensões eacepções, tendendo para uma história to-tal . . . ” (MAGALHÃES, 2005, p. 97) . Ecomplementa:

A história das instituições educativas é umdomínio do conhecimento em renovaçãoe em construção a partir de novas fontesde informação, de uma especificidadeteórico-metodológica e de um alargamentodo quadro de análise da história da edu-cação, conciliando e integrando os planosmacro, meso e micro. (Idem, ibidem, p. 98)

Essa integração dos planos macro,meso e micro, que em outro registro se podedesignar como um movimento teórico en-volvendo o global, o particular e o singular,é que permite que a história institucionalda educação não seja uma mera descriçãointerna das unidades educativas, mas evo-lua para um conhecimento totalizante dofenômeno educacional que, sem embargo,inclui a vida de tais unidades. É o que reco-nhece Magalhães (p. 102).

Page 45: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 43-56, jan./jun. 2008. 45

Antonio Viñao Frago sentencia:Afirmar que a escola, entendido este ter-mo no seu sentido amplo, é uma institui-ção, eis algo óbvio. Igualmente é óbviodizer que existe uma cultura escolar. Pre-cisamente porque a escola é uma insti-tuição, podemos falar de cultura escolar,e vice-versa. Mais difícil é se pôr de acor-do sobre o que implica a escola ser umainstituição e sobre o que seja a tal culturaescolar – ou se não seria preferível falar,no plural, de culturas escolares. (VIÑAOFRAGO, 1995, p. 68)

Uma outra forma de abordar a ques-tão é a de Guy Vincent que leva em consi-deração uma pluralidade de “formas” edu-cacionais, entre as quais a “forma escola”ou “forma escolar”. Refere-se ele a

[...] uma forma escolar, ou seja, um localseparado de todos os outros, compreendi-dos os locais de culto; um espaço organi-zado de maneira a que os mestres e osescolares possam [...] cumprir os seus de-veres; um tempo regrado por um empre-go do tempo que é princípio de ordemmais que de eficácia; um mestre laico pelomenos em sua função (antes mesmo queo ensino fosse laicizado); exercícios pelosquais a conformidade aos princípios con-ta mais que os próprios resultados; enfimmeios de manter a ordem escolar.(VINCENT, apud BOTO, 2004, p. 474)

Trata-se, claramente, dessa instituiçãonascida com a modernidade e que teve emComênio o seu primeiro grande sistema-tizador, especialmente na Didactica Magna(1985). A escola moderna deve-lhe, em ter-mos de pensamento pedagógico, seus de-lineamentos mais claros. Segundo GilbertoLuiz Alves,

[...] o educador morávio pressupunha umaorganização para a atividade de ensino,

no interior da escola, que visava equipa-rá-la à ordem vigente nas manufaturas,onde a divisão do trabalho permitia quediferentes operações, realizadas por tra-balhadores distintos, se desenvolvessemde forma rigorosamente controlada, se-gundo um plano prévio e intencional queas articulava, para produzir mais resulta-dos com economia de tempo, de fadiga ede recursos. (ALVES, 2001, p. 83)

Essa racionalidade que marca a es-cola, à semelhança da manufatura, pres-supõe agentes especializados (os professo-res, que, mesmo podendo ser religiosos emsua confissão, são laicos em sua função,como apontou Vincent na citação feita),procedimentos próprios (a didática, quepara Comênio era a “arte universal de ensi-nar tudo a todos”), recursos instrumentaispertinentes (especialmente o manual didá-tico), além de espaço adequado.

A implantação da escola, com essaracionalidade específica, compreende o pro-cesso de escolarização que é, para DavidHamilton (1992), a terceira e mais desenvol-vida forma de inserção das novas geraçõesna cultura social. As outras duas são a “so-cialização” e a “educação”. Observe-se queHamilton reserva o termo “educação” paraa forma já institucional, porém pré-escolar,de inserção cultural.

Isso posto, cabe indagar: houveescolarização no Brasil antes do períodoconsiderado neste trabalho, ou seja, antesdo quarto final do século XIX? Ou teriamocorrido apenas “antecipações” de umaforma que iria eclodir plenamente no finaldo Império? Creio que esta última hipóteseseja a mais plausível, com a condição denão se considerar o termo “antecipação”

Page 46: Memórias - Maria Teresa Cunha

46 Sérgio CASTANHO. A institucionalização escolar entre 1917 e 1930

dentro de uma visão evolutiva linear. Oscolégios e seminários jesuíticos e de outrasordens, assim como as aulas régias e suassucessoras pós-coloniais, foram momentosde um longo processo em que se formou aescola no Brasil. No decorrer do século XIX,esse processo conheceu grande aceleraçãopara, no seu final, desabrochar, embora commais brilho e positividade no discurso dosintelectuais e nas proclamações de textoslegais do que propriamente nas realizaçõespráticas.

Nesse longo processo, a própria “es-cola” teria conhecido realizações diversas,como aponta Faria Filho em trabalho espe-cífico sobre o assunto (FARIA FILHO, 2004),no qual alude à “rede de escolarização do-méstica, ou seja, do ensino e aprendizagemda leitura, da escrita e do cálculo, mas so-bretudo daquela primeira”, que “atendia aum número de pessoas bem superior aoda rede pública estatal” (id., ibid., p. 524).Seriam realizações efetivamente “escolares”?No sentido de escola moderna a que atrásnos referimos? O assunto é pelo menos dis-cutível. O que é fora de discussão – quer selhe dê a amplitude que esse trabalho lheconcede, quer se a considere restritivamente– é que, no final do século XIX e início doséculo XX, a escolarização ganha seu esta-tuto de centralidade na vida cultural brasi-leira.

A escola primária, por exemplo, tinhasido objeto, no período imperial, de intensaproclamação. Assim é que a lei geral daeducação, de 1827, previa a criação emnível nacional de uma rede de escolas ele-mentares que adotassem o método mútuo.Pouco depois, no entanto, com a reforma

constitucional de 1834, a atribuição dessenível de ensino à competência legislativadas províncias invalidou o primeiro atoconstitutivo de um sistema nacional de ins-trução básica. Os pesquisadores da históriada educação brasileira são, em sua maioria,concordes em que, apesar da intensa ativi-dade legislativa provincial nesse nível, arealização efetiva foi pouca. Sobre essa fúrialegiferante, nunca é demais revisitar os clás-sicos trabalhos de Primitivo Moacyr, A ins-trução e o Império (1939, 1940), cujos trêsvolumes tratam do período de 1823 a 1889,ou seja, da Constituinte de 1823 à procla-mação da República, em 1889, e A Instru-ção e as províncias (1939, 1940), que, tam-bém em 3 volumes, abarca o período de1834, ano da edição do Ato Adicional, a1889, ano da proclamação da República,ou pesquisas recentíssimas como a deAnanias (2005), que aborda a legislaçãopaulista sobre a instrução pública, de 1834,ano da reforma constitucional e sua descen-tralização educacional, a 1868, ano da edi-ção da lei provincial n. 54 que promoveuampla reforma no ensino, centrada na priva-tização. Segundo XAVIER (1980), a escola-rização elementar ampliada, que se auto-denominava “educação popular” no discur-so das elites liberais do século XIX, não serevestia do caráter de uma necessidade prá-tica, reduzindo-se, assim, a uma proclama-ção ideológica. A classe dominante no Bra-sil pós-Independência não tinha a educaçãopopular entre seus objetivos reais e, portan-to, suas proclamações dobravam-se “às exi-gências ideológicas nascidas do momentocrítico e decisivo por que passava” (id., ibid.,p. 132).

Page 47: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 43-56, jan./jun. 2008. 47

Diferente era a situação no tocanteao ensino superior:

Este, de fato, em especial no que se refereaos cursos jurídicos, representava um inte-resse real e uma necessidade prementena complementação do rompimento coma Metrópole. Era inconcebível que o novoEstado Nacional não estivesse em condi-ções de formar o pessoal para compor osseus quadros dirigentes [...]. (Id., ibid., p.132)

A mesma autora se refere à impor-tância que teve no período imperial o ensi-no secundário. Comparando-o – juntamen-te com o superior – ao primário, afirma:

O mesmo abandono não sofreram os en-sinos secundário e superior. O primeirocresceu, naturalmente dentro dos limitesque lhe conferiam a sua finalidade pri-mordial – a de ser um curso de base aosestudos superiores – graças à iniciativaparticular, na imitação dos modelos oficiais.O modelo oficial por excelência foi o Colé-gio D. Pedro II, criado na Corte em 1836,cuidadosamente montado e destinado aservir de padrão de ensino secundário.(Id., ibid., p. 134)

O período imperial não é um mo-nólito, como bem se sabe. A partir de mea-dos do século XIX, a expansão da cafeicul-tura de exportação na Região Sudeste doPaís, conjugada com a substituição, de iní-cio tímida, do braço escravo pelo trabalholivre dos imigrantes, determinará importan-tes mudanças na sociedade, com inequívo-cas repercussões na esfera educacional.Entre elas, a expansão da escolarização. Omaior motor dessa expansão foi a privati-zação do ensino ou, em linguagem da épo-ca, o “ensino livre”. A classe dominante agrá-rio-exportadora, no âmbito das províncias,

dava passos maiores do que o Estado im-perial. Maria de Lourdes Mariotto Haidaresclarece:

Nos anos 60 e 70 foi o ensino primário esecundário declarado livre em quase todasas províncias do Império. Ainda com ointuito de estimular a contribuição priva-da celebraram-se as mais variadas moda-lidades de acordo [do Estado] com a inicia-tiva particular [...]. A idéia de confiar inteira-mente à iniciativa particular o oneroso eimprofícuo ensino secundário provincial,consagrada em 1868 em São Paulo, se-duzia a muitas províncias. (HAIDAR, 1972,p. 178-79)

Foi na esteira dessa “liberdade deensino” que um grupo de cafeicultores ealiados urbanos, reunidos em torno damaçonaria, em Campinas, decidiu, no anoseguinte, precisamente a 6 de fevereiro de1869, tornar pública a criação de uma asso-ciação denominada Sociedade Culto àCiência, para a construção de um colégiona cidade. A importância desse aconteci-mento radica neste entendimento de Car-men Sylvia Vidigal Moraes:

[...] como um grupo político, representanteda nova classe emergente assentada emrelações capitalistas de produção, oriundodo Oeste paulista e designado como grupodos ‘republicanos históricos’, transplantoupara a educação as suas aspirações polí-ticas. (MORAES, 1981, p. I)

Cinco anos depois o colégio tinhasido edificado e era inaugurado no dia 12de janeiro de 1874. Na solenidade inaugu-ral, o secretário da Sociedade e futuro pre-sidente da República, o maçom e bacharelem Ciências Jurídicas e Sociais pela Acade-mia de São Paulo, Manoel Ferraz deCampos Sales, discursou com veemência:

Page 48: Memórias - Maria Teresa Cunha

48 Sérgio CASTANHO. A institucionalização escolar entre 1917 e 1930

O cidadão já não se limita a esperar doEstado aquilo que pode fazer por si e queconstitui uma indeclinável necessidade sua.Os meios não faltam. Quando a vontadeindividual não basta, convoca-se o esforçocomum e forma-se a associação para le-vantar a escola. Se isto não é tudo, pelomenos prenuncia a próxima solução domais importante problema social, porquesignifica o despertar da consciência pública.[...] Não se espere, pois, indolente, pela açãooficial. Que o povo se associe para educaro povo. (PAULA, 1946, p. 14-15)

Uma crítica ideológica desse discursoencontraria aí pérolas como esse “Que opovo se associe para educar o povo”. Masnão é nosso objetivo agora proceder àdécoupage discursiva. E, sim, deixar ver queo processo de escolarização, com o Estadoou sem o Estado, deveria, a partir dessaquadra do século XIX, prosseguir célere. Nocaso, sem o Estado, para preparar a futurafacção dirigente da classe dominante.Quando essa facção se tornar dirigente, oprocesso se dará a partir do Estado. Issoocorrerá com a República.

Um caso particular de escolarizaçãoé o da formação de professores. Após areforma constitucional de 1834, esta mo-dalidade de ensino passou para o âmbitodas províncias, a reboque do ensino de pri-meiras letras para o qual deveria forneceros quadros docentes. A trajetória da escolade formação de professores para a instru-ção primária no Brasil tem início precisa-mente no ano seguinte ao Ato Adicional,ou seja, em 1835, através do decreto nú-mero 10 da Assembléia Provincial do Riode Janeiro, datado de 1º de abril de 1835,que criou a escola normal de Niterói(NOGUEIRA, 1938, p. 20). A escola, inclusive

no nome, seguiu o modelo francês, inspi-rando-se em Joseph Lakanal, autor do pro-jeto de 1793, ano em que também se apro-vou a Constituição republicana na Françarevolucionária, da escola normal de Paris,que tinha essa denominação, ligada aolatim norma, regra, porque deveria servir detipo, de modelo, de regra ou norma paraas demais que se viessem a fundar. Maisremotamente, tal tipo de escola remonta aJean Baptiste de La Salle1, fundador do Ins-tituto dos Irmãos das Escolas Cristãs eidealizador de um estabelecimento em Pa-ris para formação de professores, que nãoprosperou. La Salle foi também o introdutordo método de ensino simultâneo. Mas nãofoi este o método adotado pela escola nor-mal de Niterói e sim o mútuo, baseado nomanual do Barão de Gérando (BASTOS,1999). Quanto à motivação política da cria-ção desse estabelecimento, Villela atribui-aà necessidade de consolidação do GrupoSaquarema no poder provincial, o que umavez mais nos leva à disputa entre facçõesda classe dominante como desencadea-dora da criação de instituições educativasno aparentemente plácido século XIX(VILLELA, 1990). As vicissitudes por quepassa a escola normal de Niterói, com su-cessivas aberturas e fechamentos, são co-muns a vários desses estabelecimentos, nodecorrer do século XIX, ao sabor das dispu-tas políticas entre facções das classes domi-nantes. Um dos ressurgimentos gloriososda escola de Niterói é o que se dá durantea gestão do diretor José Carlos de AlambaryLuz, de 1868 a 1876, considerado por He-loísa Villela um “período inovador” e assimcaracterizado: “Fase de transição entre o

Page 49: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 43-56, jan./jun. 2008. 49

modelo ‘artesanal’ de formação de profes-sores, em que predominaram elementos dacultura pragmática, e o modelo ‘profissio-nal’, baseado na separação racional entreconhecimento teórico e prático, alargamen-to do conteúdo acadêmico, domínio demétodos específicos e aquisição de umethos condizente com a profissão” (VILLELA,2002, p. vi). No meu entender, essa instabi-lidade, que marca também a escola normalde São Paulo, fundada pela primeira vezem 1846, encerrada e refundada três vezesaté 1880, além das inúmeras trocas denome e de locação física (MONARCHA,1999, p. 13), é prova da fragilidade daescolarização dessa modalidade educacio-nal no período. Tanto assim que um autor,ao tratar das “formas de institucionalização”da escola normal no século XIX, afirma:

Antes de fundarem propriamente umaEscola Normal, muitas províncias criaramum Curso Normal anexo ao Liceu simples-mente pela adição de uma cadeira dePedagogia ao currículo, aligeirando-se aparte de formação geral e reservando-sea prática profissional para ser exercidajunto a alguma escola primária pública.(KULESZA, 1998, p. 65)

O mesmo autor, na conclusão doartigo, coincide com as linhas de institucio-nalização que vínhamos traçando com re-ferência a essa modalidade:

Acompanhando as transformações sociaisque ocorriam em todo o território brasi-leiro, as Escolas Normais, gradativamente,conformam-se aos projetos políticos dasoligarquias locais, cada vez mais imbuídosda necessidade de uma educação primáriapara as classes populares. Apesar dos an-seios de renovação estimulados peloadvento do regime republicano, que ge-

raram um breve ‘entusiasmo pela educa-ção’ voltado para a alfabetização capaz dehabilitar os eleitores ao direito de voto,percebe-se muito mais uma continuidadedo que uma ruptura com as iniciativastomadas no final do Império, no que tangeao desenvolvimento institucional doEnsino Normal. (Id., ibid., p. 69)

É ainda Kulesza quem observa, jáadentrando o período republicano, a predo-minância do modelo institucional de escolanormal adotado pela oligarquia paulista:

À medida que o regime se estabilizavano plano federal em direção à chamada‘política dos governadores’, cujo ingredi-ente básico consistia em assegurar o do-mínio das oligarquias nos Estados, as Es-colas Normais orientavam-se, de formacrescente a partir da virada do século, pelaestruturação adotada em São Paulo. NesseEstado, o modelo adotado estava baseadoem escolas anexas, que serviram de em-brião aos futuros grupos escolares e queconstituíram uma fonte importante da pró-pria clientela da Escola Normal. A valoriza-ção crescente da prática profissional e aadaptação da formação geral ao contextolocal, ensaiadas em São Paulo, são caracte-rísticas comuns encontradas nas EscolasNormais de todo o país por volta de 1910.(Id., ibid., p. 69)

O certo é que a institucionalizaçãodessa modalidade se fortalece a partir dadécada de 1870, evidenciando “o papel dasescolas normais no desenvolvimento quan-titativo e qualitativo do ensino primário”(TANURI, 2000, p. 66). Um marco foi a Re-forma Leôncio de Carvalho (Dec. 7.247, de19/4/1879), que autorizou o governo cen-tral a criar ou subsidiar escolas normais nasprovíncias. Embora nada de prático tivesseresultado dessa autorização, seu significa-do, no nível ideológico, é indiscutível.

Page 50: Memórias - Maria Teresa Cunha

50 Sérgio CASTANHO. A institucionalização escolar entre 1917 e 1930

Uma das conseqüências no plano daelaboração teórico-ideológica foi a represen-tada pelos Pareceres de Rui Barbosa, de1882, gerados pela análise do decreto deLeôncio de Carvalho. A importância dessespareceres está nessa elaboração teórico-ideológica, pois, no nível das realizaçõesimediatas, com o arquivamento de seuspareceres-projetos, as coisas acabaram pornão acontecer. Isso não significa que nãotiveram conseqüências práticas. Ao contrá-rio: a institucionalização escolar daí para afrente sofre o pujante influxo da ideologiaeducacional liberal e cientificista de RuiBarbosa. Segundo Maria Cristina GomesMachado, no livro que resultou de sua tesede doutorado, para Rui Barbosa o “princípiovital do sistema de ensino em geral seria aintrodução da ciência desde o jardim dainfância até o ensino superior” (MACHADO,2002, p. 117). Aponto a seguir algumasidéias de Rui Barbosa, colhidas na obracitada, que tiveram impacto decisivo na es-colarização do final do Império e início daRepública: 1) O ensino secundário deveriadeixar o modelo dos preparatórios aos exa-mes do ensino superior e adotar o sistemade liceus nos quais se desenvolvesse umbacharelado em Ciências e Letras, liceusesses gratuitos quando mantidos pelo Es-tado; 2) Paralelamente ao ensino secundá-rio, deveria oferecer-se um preparo técnicode natureza profissionalizante, sem visar aoensino superior; 3) O próprio ensino superi-or deveria alargar sua abrangência, comnovos cursos adequados ao desenvolvi-mento econômico; 4) Quanto ao ensino ele-mentar, propunha uma completa reestrutu-ração, abrangendo desde a esfera meto-

dológica até a construção de prédios segun-do preceitos higiênicos, passando pelo mo-biliário e pelo material didático; 5) Quantoao sistema de ensino, propunha sua coor-denação por um órgão especial, o Ministé-rio da Instrução Pública; 6) Antecipando-seà reforma republicana, indicou as vanta-gens da escola leiga; 7) Metodologicamen-te, posicionou-se contrária ao catecismo eà memorização, batendo-se por um novométodo, o intuitivo, chegando a traduzir eadaptar o livro de Calkins, Lições de coisas;8) Dividiu o ensino primário em três cursos:escola primária elementar, de 7 a 9 anos,escola primária média, de 9 a 11 anos, eescola primária superior, de 11 a 13 anos;9) Refletindo as necessidades de uma soci-edade que se urbanizava e em que seampliava a classe que vivia do trabalho,propôs a criação do jardim da infância,como preliminar à escola primária, onde osfilhos dos trabalhadores poderiam estardurante o trabalho dos pais; 10) Enfatizoua importância da escola normal a cargo doEstado, com duração de quatro anos, fixan-do-lhe um programa compatível com o daescola popular.

Com a República – e as exigênciasque a economia capitalista em sua fase mo-nopolista e imperialista punha à educação– a institucionalização escolar avança alargos passos. Para ficar num caso exem-plar, a reforma paulista de 1892 (antecedi-da pela reforma da escola normal de 1890e prosseguida com a criação do grupo es-colar em 1893), que serviu de modelo e ins-piração para a reformulação da instruçãopública em outros estados da novel federa-ção, abrangeu todos os níveis de ensino,

Page 51: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 43-56, jan./jun. 2008. 51

apesar de enfatizar o primário e o normal.O primário foi dividido em dois ciclos, o pre-liminar, de 4 anos, que foi implementado, eo complementar, de outros 4, que não che-gou a se implementar como fase superiordo primário, mas como escola de formaçãode professores, a partir de 1895. O normalprevia, a par do alargamento do conheci-mento científico, o treinamento nos maismodernos processos pedagógicos atravésda Prática de Ensino na Escola-Modelo(REIS FILHO, 1981). O “ensino para as eli-tes”, na expressão de Casemiro dos ReisFilho, se deu com a criação do Ginásio doEstado, que, sem vinculação com a escolapreliminar, voltava-se “à preparação espe-cífica de uma elite que se destinava ao en-sino superior” (id., ibid., p. 185). A lei é de1892. A implantação do Ginásio do Estadona capital paulista é de 1894 e deveria ser-vir de modelo aos demais ginásios que se-riam implantados “nas cidades mais prós-peras do interior paulista”. A lei n. 284, de14 de março de 1895, dispunha: “Fica cria-do um ginásio para o ensino secundário,científico e literário, na cidade de Campinas”(PAULA, 1946, p. 37). Instalado no prédiodo antigo Colégio Culto à Ciência, criado,como vimos, pelos “republicanos históricos”,o Ginásio de Campinas foi uma das primei-ras realizações dessa elite quando se tornoudirigente. A inauguração da escola deu-sea 4 de dezembro de 1896 (id., ibid., p. 38).Ainda para a educação das elites, a reformapaulista primeiro-republicana logrou insta-lar a Escola Politécnica.

O processo de institucionalizaçãoescolar na Primeira República conheceu ummomento particularmente significativo com

as escolas primárias graduadas, os gruposescolares considerados “templos de civiliza-ção” no estudo de Rosa Fátima de Souza(1998) e teve um novo impulso com as re-formas estaduais dos anos de 1920. Jánesse período, a especificidade profissionaldos educadores crescia. A criação da Asso-ciação Brasileira de Educação – ABE – noRio de Janeiro, em 1924 – e a divulgaçãopor ela do ideário educacional liberal comênfase na função regeneradora e salvíficada escola (CARVALHO, 1989), a partir deintensos debates entre os intelectuais quea compunham, são momentos dessa extre-ma valorização escolar que finalmente des-ponta no Manifesto dos Pioneiros, de 1932.

A primeira dessas reformas foi a deSampaio Dória, em São Paulo, em 1920,com ênfase na educação popular, medianteconcentração de esforços na alfabetizaçãoe na instrumentação para a aquisição cien-tífica, mas paradoxalmente com a reduçãoda duração da escolarização primária paradois anos (ANTUNHA, 1976). As demaisreformas estaduais, na esteira do avançoda pedagogia escolanovista, puserammaior ênfase nos aspectos qualitativos doensino (NAGLE, 1974).

Seja como for, a escolarização, enten-dida como fenômeno de institucionalizaçãoda educação e também como centralidadeescolar no âmbito cultural, isto é, nas con-seqüências culturais da escola, firmou-sedecisivamente no país. E isso, como vimos,em todos os níveis e modalidades da edu-cação. Na educação superior, além da ex-pansão desse nível na Primeira República,como acentuou com propriedade LuizAntônio Cunha (1986), ocorreu também o

Page 52: Memórias - Maria Teresa Cunha

52 Sérgio CASTANHO. A institucionalização escolar entre 1917 e 1930

fenômeno, relevante quando se cuida dainstitucionalização, de sua universitarização,de início com as universidades passageiras,depois com as que esse autor denomina“sucedidas”. Tal fenômeno atinge seu pon-to de inflexão com a edição, em 1931, nobojo da assim chamada Reforma FranciscoCampos, do Estatuto das UniversidadesBrasileiras (Decreto 19.851, de 11 de abrilde 1931). É dentro dos limites do Estatutoque se criará, em 1934, a Universidade deSão Paulo, uma das principais responsá-veis pela consolidação do modelo.

Resta tratar da institucionalização daeducação profissional.

O Brasil se incorporou ao mundocapitalista desde sua colonização, apesarde sua produção se fazer mediante o em-prego do trabalho escravo. A preparaçãopara o trabalho, em decorrência, fez-se nasfrestas do sistema escravista, lá onde podiaexistir o trabalho não compulsório. A prepa-ração para os ofícios nessa sociedade sedeu não pela escolarização, que pressupõea “virada instrucional” a que alude HAMIL-TON (2001), mas pela aprendizagem, típicado artesanato conforme o tematiza RUGIU(1998), no seio das corporações de artes eofícios que na Colônia se estabeleceram naesteira do regimento lisboeta (FONSECA,1986).

Um fato importante a destacar é que,apesar do sistema econômico predominan-te não incentivar a preparação para os ofí-cios em larga escala e como um dever es-tatal, este acabou surgindo no século XIX,em decorrência da discreta, mas persisten-te ampliação da produção manufatureira.Não, porém, como política governamental,

mas como decorrência de ações “bene-merentes” no âmbito da sociedade civil.Surgiram assim “sociedades civis, com vis-tas a amparar órfãos e ao mesmo tempopropiciar a oferta de aprendizagem das ar-tes e dos ofícios” (SANTOS, 2000, p. 209).

Foram sociedades civis que funda-ram escolas e colégios para o ensino aca-dêmico e também liceus específicos paraartes e ofícios, na segunda metade do sé-culo XIX, desenvolvendo o processo deescolarização que vimos rastreando nestetrabalho. A Sociedade Propagadora dasBelas Artes, criada por nobres, burgueses emembros da burocracia estatal, no Rio deJaneiro, em 1857, chamou a si a adminis-tração do primeiro Liceu de Artes e Ofícios,na capital do Império, efetivamente inau-gurado em 1858. O curso destinava-se aindivíduos livres, sendo vedado a escravos.Não possuía oficinas próprias para aulaspráticas, o que só veio a ocorrer no iníciodo regime republicano.

Identicamente, em São Paulo, a So-ciedade Propagadora da Instrução Popu-lar, de 1873, instalou em 1874 o curso pri-mário gratuito com aulas noturnas e, em1882, também com aulas noturnas, o Li-ceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

Ambas as entidades, com o passardo tempo, passaram a receber doações esubsídios do poder público.

Além dos liceus de artes e ofícios doRio e de São Paulo, foram criados outrosem províncias diversas, nas seguintes datase mantidos pelas seguintes sociedades:Salvador, 1872, Associação Liceu de Artese Ofícios; Recife, 1880, Sociedade dos Artis-tas Mecânicos e Liberais; Maceió, 1884,

Page 53: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 43-56, jan./jun. 2008. 53

Associação Protetora de Instrução Popular;e Ouro Preto, 1886, Sociedade ArtísticaOuropretana (cf. quadro em CUNHA, 2000,p. 122, acrescido de nota de rodapé em quealude à criação, ainda no Império, de liceuscongêneres na cidade mineira de Serro, em1879, em Florianópolis, em 1883, e emManaus, em 1884).

Esse quadro permaneceu até o fimdo Império. Com a República, as coisas co-meçam a mudar. E a educação profissional,que tinha um caráter de “formação compul-sória” na medida em que se voltava paraórfãos e desvalidos, passou para uma novafase, tanto da parte da oferta quanto daprocura. A grande imigração, a urbanização,a industrialização e – por que não dizer? –a disponibilidade dos ex-escravos, forjaramuma força de trabalho com perfil diversodo imperial, mais reivindicativa, maisassociativa, e que incluía, em seu peticio-nário, acesso irrestrito à educação, não sógeral, mas também profissional. Da parteda oferta, a classe dominante, no Estado efora dele, tinha todo o interesse numa edu-cação profissional que, além de sua finali-dade ostensiva, a preparação para o tra-balho nas novas condições de urbanizaçãoe industrialização, também concorresse paraa contenção das “idéias exóticas” quepunham em risco a necessária harmoniaentre o capital e o trabalho. Por isso, o Esta-do empenhou-se tanto na educação profis-sional a partir do surto republicano. Só em1909, o presidente Nilo Peçanha, que jáhavia instituído 4 escolas profissionais em1906, criou 19 escolas de aprendizes e artí-fices, que já estavam instaladas em 1910.A par das iniciativas estatais, também no

setor privado e, especificamente, no confes-sional, a expansão do ensino profissionalfoi considerável. Os padres salesianos no-tabilizaram-se nesse âmbito. Ao findar doséculo XIX já tinham posto a funcionar es-colas com esse objetivo em São Paulo,Lorena, Campinas, Cuiabá, Recife e RioGrande. Os salesianos buscavam apoio nosafortunados da época, seguindo as pega-das de seu fundador, Dom Bosco, comoconsta numa carta sua de 18772. O com-ponente ideológico dessas iniciativas nãodeixava de existir. O mesmo Dom Bosco,dirigindo-se a esses abastados doadores,num estabelecimento de artes e ofícios emLyon, assim se expressa: “A salvação dasociedade está, ó senhor, nos vossos bolsos.Estes meninos mantidos pelas Obras dasEscolas Profissionais esperam os vossosauxílios. Se agora vos retirais, se deixais queesses meninos tornem-se vítimas das teo-rias comunistas, os benefícios que hoje lhesrecusais, eles virão a pedir-vos um dia, nãomais com o chapéu na mão, mas colocan-do a faca no vosso pescoço e talvez, junta-mente com vossos bens, haverão de querertambém a vossa vida” (AZZI, apudNEGRÃO, 1999, p. 200).

O fato é que, a partir da República e,mais fortemente, após a Revolução de 1930e, no bojo desta, com a legislação conhecidacomo Reforma Capanema, que incluiu, en-tre outras disposições interessantes para aeducação profissional, o decreto-lei que criouo SENAI – Serviço Nacional de Aprendiza-gem Industrial e a Lei Orgânica do EnsinoIndustrial, ambos de 1942, a educação pro-fissional será cada vez mais atrelada ao setorprivado, embora o Estado a encampe como

Page 54: Memórias - Maria Teresa Cunha

54 Sérgio CASTANHO. A institucionalização escolar entre 1917 e 1930

dever, cada vez mais escolarizada e, mantida,embora como modalidade apartada, cadavez mais enlaçada à educação geral.

Em conclusão: a institucionalizaçãoescolar realmente foi um fenômeno que ca-racterizou a quadra final do século XIX e ainicial do século XX, muito embora com ante-cedentes que remontam ao período colonial.

Notas1 Jean Baptiste de La Salle (1651-1719) é autor deConduite des écoles chretiennes, cuja terceira parteé intitulada “Formação dos novos mestres” (NOGUEI-RA, 1938, p. 14-15).2 A carta referida é de Dom Bosco ao Dr. EduardoCarranza e consta do Epistolário, III, p. 221, confor-me informa Negrão (1999, p. 200).

Referências

ALVES, Gilberto Luiz. A produção da escola pública contemporânea. Campo Grande, MS: Ed.UFMS; Campinas, SP: Autores Associados, 2001.

ANANIAS, Mauricéia. A legislação da instrução pública primária na Província de São Paulo(1834-1868): fontes e historiografia. Tese (Doutorado) – FE-UNICAMP, Campinas, SP, 2005.

ANTUNHA, Heládio C. G. A instrução pública no Estado de São Paulo: a reforma de 1920. SãoPaulo: FE-USP, 1976.

BASTOS, Maria Helena C. A formação de professores para o ensino mútuo no Brasil: o CursoNormal para professores de primeiras letras do Barão de Gérando (1839). In: BASTOS, M. H. C.,FARIA FILHO, L. M. de (Orgs.). A escola elementar no século XIX: o método monitorial/mútuo.Passo Fundo, RS: Ediupf, 1999.

BOTO, Carlota. Sobrevivências do passado e expectativas de futuro: a tradição escolar na cultu-ra portuguesa. In: MENEZES, M. C. (Org.). Educação, memória, história: possibilidades, leituras.Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.

CARVALHO, Marta M. C. de. A escola e a república. São Paulo: Brasiliense, 1989.

COMÊNIO, João Amós. Didáctica magna. 3. ed. Porto: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.

CUNHA, Luiz Antônio. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. São Paulo: Ed.UNESP; Brasília, DF: Flacso, 2000.

______. A universidade temporã: da Colônia à era de Vargas. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro:Francisco Alves, 1986.

FARIA FILHO, Luciano M. Processo de escolarização no Brasil: algumas considerações e pers-pectivas de pesquisa. In: MENEZES, M. C. (Org.). Educação, memória, história: possibilidades,leituras. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.

FONSECA, Celso Suckow da. História do ensino industrial no Brasil. Rio de Janeiro: SENAI/DN/DPEA, 1986. 5 v.

GATTI JÚNIOR, Décio; INÁCIO FILHO, Geraldo (Orgs.). História da educação em perspectiva: en-

Page 55: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 43-56, jan./jun. 2008. 55

sino pesquisa, produção e novas investigações. Campinas, SP: Autores Associados; Uberlândia,MG: EDUFU, 2005.

GATTI JÚNIOR, Décio; PESSANHA, Eurice Caldas. História da educação, instituições e culturaescolar: conceitos, categorias e materiais históricos. In: GATTI JÚNIOR, D., INÁCIO FILHO, G.(Orgs.). História da educação em perspectiva: ensino pesquisa, produção e novas investiga-ções. Campinas, SP: Autores Associados; Uberlândia, MG: EDUFU, 2005.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-leira, 1968.

HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O ensino secundário no império brasileiro. São Paulo:Grijalbo, EDUSP, 1972.

HAMILTON, David. Mudança social e mudança pedagógica: a trajetória de uma pesquisa his-tórica. Teoria & Educação, n. 6, 1992, p. 3-32.

______. A virada instrucional: construção de um argumento. São Paulo: PEPG Educação – PUC-SP, 2001. Texto de trabalho para seminário (fac-símile).

KULESZA, Wajciech A. A institucionalização da Escola Normal no Brasil (1870-1910). RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 79, n. 193, p. 63-71, set.-dez 1998.

MACHADO, Maria Cristina Gomes. Rui Barbosa: pensamento e ação: uma análise do projetomodernizador para a sociedade brasileira com base na questão educacional. Campinas, SP:Autores Associados; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2002.

MAGALHÃES, Justino. A história das instituições educacionais em perspectiva. In: GATTI JÚNIOR;Décio; INÁCIO FILHO, Geraldo. (Orgs.). História da educação em perspectiva: ensino pesquisa,produção e novas investigações. Campinas, SP: Autores Associados; Uberlândia, MG: EDUFU,2005.

MOACYR, Primitivo. A instrução e o Império: subsídios para a história da educação no Brasil.São Paulo: Nacional, 1939, v. 1, v. 2, 1940, v. 3 (Coleção Brasiliana).

______. A instrução e as províncias: subsídios para a história da educação no Brasil. São Paulo:Nacional, 1939, v. 1, v. 2, 1940, v. 3 (Coleção Brasiliana).

______. A instrução pública no estado de São Paulo: primeira década republicana: 1890-1900.São Paulo: Nacional, 1942, v. 1, v. 2, 1942.

MONARCHA, Carlos. Escola Normal da Praça: o lado noturno das luzes. Campinas, SP: Ed.UNICAMP, 1999.

MORAES, Carmen S. V. O ideário republicano e a educação: o Colégio “Culto à Ciência” deCampinas (1869 a 1892). São Paulo: Faculdade de Educação (Dissertação de Mestrado) – USP,1981.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU; Rio de Janeiro:Fundação Nacional de Material Escolar, 1974.

Page 56: Memórias - Maria Teresa Cunha

56 Sérgio CASTANHO. A institucionalização escolar entre 1917 e 1930

NEGRÃO, Ana Maria Melo. Educar para a cidadania através de valores católicos: o Liceu SalesianoNossa Senhora Auxiliadora. In: NASCIMENTO, T. A. Q. R. do (et al.). Memórias da educação:Campinas (1850-1960). Campinas, SP: Ed. UNICAMP: CMU, 1999.

NOGUEIRA, Lacerda. A mais antiga escola normal do Brasil (1835-1935): esboço de históriaadministrativa e episódica. Niterói, RJ: Ofic. Gráf. do Diário Oficial RJ, 1938.

PAULA, Carlos Francisco de. Culto à Ciência: colégio, ginásio e colégio estadual: monografiahistórica. Campinas, SP: s. ed., 1946.

REIS FILHO, Casemiro dos. A educação e a ilusão liberal. São Paulo: Cortez: Autores Associados,1981.

SANTONI RUGIU, Antonio. Nostalgia do mestre artesão. Trad. Maria de Lourdes Menon. Introd.Dermeval Saviani. Campinas, SP: Autores Associados, 1998.

SANTOS, Jailson Alves dos. A trajetória da educação profissional. In: LOPES, Eliana Marta T.;FARIA FILHO, Luciano M.; VEIGA, Cynthia G. (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. BeloHorizonte: Autêntica, 2000.

SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada noEstado de São Paulo: (1890-1910). São Paulo: Ed. UNESP, 1998.

TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação, n.14, maio-ago 2000, p. 61-88.

VILLELA, Heloísa de O. S. Da palmatória à lanterna mágica: a Escola Normal da Província do Riode Janeiro entre o artesanato e a formação profissional (1868-1876). Tese (Doutorado) - FE-USP, São Paulo, 2002.

______. A primeira escola normal do Brasil: uma contribuição à história da formação de profes-sores. Dissertação (Mestrado) – UFF, Niterói, 1990.

VIÑAO FRAGO, A. Historia de la educación e historia cultural: posibilidades, problemas, cuestiones.Revista Brasileira de Educação, Anped, n. 0, set-dez 1995, p. 63-82.

XAVIER, Maria Elizabete S. P. Poder político e educação de elite. São Paulo: Cortez Editora:Autores Associados, 1980.

Recebido em 14 de abril de 2008.Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 57: Memórias - Maria Teresa Cunha

Tempos vividos na Escola Militar: memórias deum aluno (1897-1900)The vivid times in the Naval School: memories of the astudent (1897-1900)

Maria Teresa Santos Cunha

* Doutora em Educação/História e Filosofia pela USP; Profa.do Programa de Pós-Graduação em Educação da UDESC

e-mail: [email protected]

ResumoEste texto tem por objetivo problematizar, a partir da História da Educação, a importância de estudos sobrememória escolar, através da análise dos escritos de Lucas Alexandre Boiteux (1880-1966), historiadorcatarinense. Entre janeiro e junho de 1955, ele escreveu, no “Jornal do Comércio/RJ”, uma série de oito (8)artigos intitulados Bordejos sobre meio século de Marinha, em que narrou suas memórias de estudantena Escola Naval do Rio de Janeiro. A partir desse material busca-se aprofundar conhecimentos sobre acultura escolar da época que se fazem portadores/ produtores de sentido para a História da EducaçãoBrasileira.

Palavras-chaveHistória da Educação. Cultura Escolar. Memória.

AbstractThe principal aim of this paper is the problematic related to the Cultural History of Education, the importanceof studies about school memory, through the analysis of the writing of Lucas Alexandre Boiteux (1880-1966), who was a catarinense historian. Between January and June in the year 1955, he wrote in “Jornal doComércio/RJ” one serie of 8 articles entitled Bordejos sobre meio século de Marinha, where he tells hismemories as a student at the Naval School of Rio de Janeiro. From that material. on there is a search inorder to deefen the notions of the school culture of the epoch, that make themselves porters/producers ofsense for the History of Education.Key wordsHistory of Education. School Culture. Memory.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 57-66, jan./jun. 2008.

Page 58: Memórias - Maria Teresa Cunha

58 Maria Teresa Santos CUNHA. Tempos vividos na escola Militar: memórias de...

Ao escrever faz-se uma escolha como aopintar. Escolhem-se palavras, frases, par-tes de diálogos, como se escolhem coresou se determina a extensão e a direçãodas linhas. (JOSÉ SARAMAGO/ Manual dePintura e Caligrafia)

O papel em branco, para muitos,pode causar pânico. Macular a página, peloato da escrita é também um ato de cora-gem, uma forma de exposição pública deidéias, uma ação imprevisível, já que muitasvezes é iniciada sem final previsto. A escritaé, igualmente, uma das maneiras de estarno mundo, uma forma de registro e refúgiodo “eu” no mundo. Escreve-se pelos maisvariados motivos; conversar, seduzir, infor-mar, registrar, agradecer, pedir, segredar, con-tar-se, contar da vida pelas e com as letras.

Lucas Alexandre Boiteux, o protago-nista deste estudo, pode ser consideradocomo um homem de letras1. Um homemque viveu a escrita como uma necessidadevital haja vista a quantidade e a variedadede textos escritos (datilografados, manus-critos, muitos publicados outros ainda iné-ditos) que nos legou e que hoje vêm sendocuidadosamente estudados em seu acervoprivado, de posse do Instituto Histórico eGeográfico do Estado de Santa Catarina,localizado na cidade de Florianópolis e ago-ra investigado nessa pesquisa. Mas, quemé este protagonista, apenas anunciado?

Lucas Alexandre Boiteux nasceu nacidade de Nova Trento (Santa Catarina), em1880, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro,em 1966. Descendia pelo lado paterno, desuíços e franceses e, pelo lado materno, erade origem açoriana. Ingressou na EscolaNaval, no Rio de Janeiro, em 1897, e seguiua carreira militar na Marinha do Brasil até

chegar ao posto de Contra-Almirante, situa-ção alcançada no ano de 1951. Celebrizou-se como autor de numerosas obras sobrea História de Santa Catarina, pertenceu adiversas entidades culturais como o Insti-tuto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Ins-tituto Histórico e Geográfico de Santa Cata-rina e a Academia Catarinense de Letras,notabilizando-se também como historiadorde temas navais com vasta produção histo-riográfica. Desde 1911, passou a residir nacidade do Rio de Janeiro e, na então CapitalFederal se fez articulista constante do “Jor-nal do Comércio”, no qual publicou, entre1911 e 1959, cerca de 200 artigos2, princi-palmente sobre história naval brasileira ehistória de Santa Catarina. Entre os mesesde janeiro a junho de 1955, Lucas Alexan-dre Boiteux escreveu, no referido jornal, umasérie de oito (8) artigos intitulados Bordejossobre meio século de Marinha, nos quaisapresentou suas memórias de estudantena Escola Naval, situada na Ilha das Enxa-das, no Rio de Janeiro, no período entre1897 e 1900. Essas memórias foram escri-tas e publicadas cerca de 60 anos apósterem sido vivenciadas e nos permitem con-siderar o texto memorialístico aqui apresen-tado como uma construção que comportaimagens e referências, uma representaçãodo passado, uma prática de escrita quepode ser considerada como “um dos meiospara alcançar não só o tempo que passa,mas também uma representação estávelde si” (HÉBRARD, 2000, p. 30). Assim, asanálises das práticas de escritura memoria-lista apontam para uma interpretação pers-pectivada do passado, ao mesmo tempoem que ampliam as fontes para o estudo

Page 59: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 57-66, jan./jun. 2008. 59

da cultura escolar do período, consideran-do que

A escola é um lugar de memória. Quandoo olhar pode atravessar a espessura dotempo, distingue vestígios reconhecíveisde sua história [...] O inventário e a evolu-ção desses espaços, práticas e técnicasconstituem um dos mais interessantesobjetos da história e da etnografia escolar[...] A memória dos alunos foi assim umamemória tecida em função de perspecti-vas. (SOUZA, 2000, p. 7-8)

O trabalho com esse material auto-biográfico tornou possível buscar evidênciasde como o autor viu e representou aspectosde sua formação escolar e, mais amplamen-te, examinar a relação entre o escrito e me-mória. Nos relatos feitos é possível encon-trar algumas práticas cotidianas que carac-terizavam uma cultura escolar de época queengloba toda “a vida escolar; fatos, idéias,mentes, corpos, objetos e condutas, modosde pensar, dizer e fazer” (VIÑAO FRAGO,1995, p. 69). A natureza desses documen-tos publicizados pelo jornal implica entendê-los como discursos que formalizam práti-cas e veiculam representações sobre elas(CHARTIER, 2005, p. 54).

Neste texto, a atenção estará centra-da nas descrições feitas pelo autor que tra-tam do primeiro dia de aula – experiênciade ruptura, transformação da criança/ado-lescente em adulto – nas reminiscências darede de amizade bem como aspectos dasaulas e dos professores, em torno dos quaisé tecida a memória do autor. São marcas,rupturas, mudanças que despertam a ne-cessidade de escrita para complementaçãoda experiência vivida. Pode-se pensar que,ao escrever sobre sua vida escolar, Lucas

A. Boiteux tentou superar a fragilidade dopresente e, ao mesmo tempo, arrojar-secontraditoriamente para fora de si e assim,a nós, seus leitores do século XXI, é permi-tido pensar sobre uma “história dos dese-jos (não) consumados, dos possíveis (não)realizados, das idéias (não) consumidas”(SEVCENKO,1989, p. 21).

Sobre o título / Bordejos.. .

A série de escritos Bordejos sobremeio de século de Marinha, que constitui omaterial principal de apoio para a constru-ção desse texto, era sempre publicada àsquintas-feiras, em uma periodicidade quevariava de duas a três semanas no “Jornaldo Comércio” do Rio de Janeiro, entre janei-ro e junho de 1955.

Considerando-se o título como umaprimeira cerimônia de apropriação da lei-tura, um vir-a-ser do texto, (CUNHA,1999,p. 49) é bastante significativo a presençada palavra Bordejos titular o conjunto detextos memorialistas sobre sua vida escolar.A escolha deste termo – marítimo, por exce-lência – sinaliza um teor para seus escritos.

O verbo bordejar significa navegarmudando com freqüência o rumo, segundoa direção do vento. Dessa forma, ele parecesinalizar que suas memórias não obedece-rão, necessariamente, uma direção fixa, elaspoderão vagar, daí não encontrar-se nessaescrita uma direção cronológica precisa.Embora o primeiro texto comece com a lo-calização temporal: “Rompera anuviado oano de 1897, que seria o de provação daturma de Aspirantes de segunda classe, ma-triculados no Curso prévio da nossa Escola

Page 60: Memórias - Maria Teresa Cunha

60 Maria Teresa Santos CUNHA. Tempos vividos na escola Militar: memórias de...

Naval”3, não se encontra nos demais tex-tos essa preocupação em seguir uma cro-nologia precisa dos fatos. Homem do mar,viajante, seus textos, quer de caráter histó-rico, quer de caráter mais literário estão sem-pre a ele referenciados, como se pôde per-ceber pelo uso abundante de metáforasmarítimas presentes em seus escritos: sãodias anuviados, noites de proa, amigos deleme, horizontes políticos, por exemplo. Eleescreve de uma perspectiva minuciosamen-te descritiva como se estivesse posicionadoem mirantes, colinas, varandas, mastros oufaróis, tendo como horizonte o mar.

Como toda escrita memorialista elaé lacunar, comporta o esquecimento; épolifônica e pressupõe uma intuição queopera escolhas e seleção. Ela foi desenca-deada de um lugar e se situa no presente(a escrita se faz pela memória do presentee do ausente) daí ser uma representaçãoescrita daquilo que foi vivido, rememoradopelo autor cerca de cinqüenta e oito anosdepois de vivenciadas. Bordejando, LucasA. Boiteux traz registros de um tempo, umaforma de ampliar e redimensionar o espaçoescolar, agora lembrado com certo exercí-cio de alteridade que cria possibilidades de“de poder descrever o outro sem que elenos desalojasse necessariamente da nossagramática e da nossa terminologia, nos for-çasse a sair da nossa língua com o risco deficarmos, talvez por muito tempo, sem pa-lavras” (GAGNEBIN, 1992, p. 18).

Apesar do tempo passado, o Almi-rante Boiteux parece ter sido dono de umamemória prodigiosa. Além de fazer umadescrição física da Escola Naval (localizaçãogeográfica precisa, arquitetura escolar, espa-

ços disponíveis corpo administrativo, docen-te e discente) recorda, com detalhes, aconte-cimentos, nomes, características físicas e in-telectuais de professores e colegas, preocu-pando-se em apontar a trajetória e indican-do o rumo que cada um dos citados tomouna vida. Nestas memórias é possível encon-trar relatos da dieta alimentar servida aosalunos da Escola Naval; organização do cur-rículo escolar; maneiras (por vezes hiláriase picarescas!) como eram ministradas as au-las; o trote aos calouros; os apelidos dados;constrangimentos impingidos aos aspiran-tes. Na grande maioria das vezes, seu relatodescontraído cruza a representação porme-norizada com fatos pitorescos que envol-vem os personagens, todos seus colegasnaquela instituição docente e militar.

Neste texto, em especial, três aspec-tos serão mais enfocados: as instalaçõesfísicas/arquitetônicas do prédio escolar navisão do memorialista, o “impacto” da che-gada à escola através das lembranças deseu primeiro de aula na Escola Naval e o adescrição do trote aos calouros, densamen-te relatado e recriminado por Boiteux, quesinaliza para a cultura escolar daquele pe-ríodo. Privilegiar tais aspectos objetiva co-locar em cena histórias de formação escolar/memórias escolares ainda pouco conside-radas nos estudos educacionais, segundoLOPES E GALVÃO (2000):

Temas como a cultura e o cotidiano esco-lares, a organização e o funcionamentointerno das escolas, a construção do co-nhecimento escolar, o currículo e as dis-ciplinas, os agentes educacionais (profes-sores, professoras, mas também os alunose alunas), a imprensa pedagógica, os livrosdidáticos, etc. têm sido crescentemente

Page 61: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 57-66, jan./jun. 2008. 61

estudados e valorizados. Desloca-se, cres-centemente, o interesse dos pesquisado-res da investigação das idéias e da legis-lação educacionais para as práticas, os usose as apropriações dos diferentes objetoseducacionais (p. 40).

É importante destacar que é nestaperspectiva que o presente estudo se anco-ra, ou seja, encontra, na singularidade deum escrito aparentemente “ordinário”, umdiscurso, uma memória, uma história a con-tar. Importa considerar também que o acer-vo privado desse historiador catarinense,alvo maior desse Projeto de Pesquisa, vemabrindo muitas outras possibilidades deestudo4. A série Bordejos, por exemplo, antesde ser publicada no Jornal do Comércio,aparece dispersa em cadernos escolaresque compõem o arquivo pessoal do histo-riador. Escrita em letra manuscrita, muitocorrigida e alterada à mão, parece ter sofri-do significativas mudanças antes de suadivulgação pública.

O Prédio escolar nas memórias doex-aluno Lucas:

Desde o início do século XIX, com acriação da Academia Real Militar (1810), apreocupação com a formação militar foiassumindo um aspecto mais sistemático eforam se constituindo até finais do séculoXIX centros de difusão importantes do en-sino científico no Brasil. A este respeito ex-pressou-se, em alentado estudo, a historia-dora da educação Claúdia Maria CostaALVES (2002, p. 126):

A Escola Militar sintetizou, melhor do quequalquer outra instituição, determinadostraços do panorama intelectual do períodofinal do Império e inicial da República. Acrença de que a ciência poderia apresentar

soluções seguras para os problemas hu-manos encontrava ali um campo de difu-são preparado por um ensino tradicional-mente ligado aos conhecimentos científi-cos que estiveram na base de moderni-zação das guerras e, conseqüentementena formação militar, desde o século XVIII.

Segundo o minucioso histórico tra-çado pelo próprio Lucas em seus Bordejos,a Ilha das Enxadas, onde estava situada aEscola Naval:

abrigou uma casa para recolher pólvora,uma enfermaria destinada às guarniçõesda divisão naval inglesa, um hospital delázaros e uma propriedade particular quefoi vendida para o Ministério da Fazenda,em 1871. Esta propriedade foi transferida,em 1883, para o Ministério da Marinha,que ali instalou a Escola Naval.5

A educação militar era uma tradiçãona família de Lucas Alexandre Boiteux, cujoirmão também havia freqüentado a EscolaNaval. Seus filhos recebiam nomes de gran-des figuras militares, em geral comandantes,(Nelson, Norton, Yan, Bayard) e dois delestambém seguiram carreira militar. O próprioLucas mereceu o epíteto de historiador navale tem obras sobre a participação de SantaCatarina em guerras, com descrições primo-rosas das estratégias militares, o que o qua-lifica como um detalhista na escrita de ce-nas. Esta característica está impregnada emsuas memórias com a utilização de constru-ções frasais longas, adjetivação abundante,vocabulário rebuscado e certa tendência lau-datória. Isto pode ser observado tanto nadescrição da arquitetura do prédio da EscolaNaval quanto nos relatos da vida cotidianada escola com seus colegas e professores.

Sobre o local do prédio escolar é pos-sível destacar lembranças como: “Poucas

Page 62: Memórias - Maria Teresa Cunha

62 Maria Teresa Santos CUNHA. Tempos vividos na escola Militar: memórias de...

árvores, um belo tamarineiro, duas ou trêsfigueiras bravas, algumas nogueiras, cerca-das de assentos de cimento, e uma meiadúzia de coqueiros da Bahia, davam som-bra e alegria à saudosa Ilha6.

O alojamento dos novos alunos-as-pirantes foi descrito como um “amplo salãosituado a leste do edifício [...] compartimentocom janelas gradeadas [...] portas gradea-das7, janelas rasgadas para o quadranteleste e o de norte, grossas paredes e os in-defectíveis mafuás ao gosto artístico dosdiretores do estabelecimento”8. A mesa doprofessor, as cadeiras alinhadas, as salasde aulas calorentas, os corredores mal ilumi-nados, os horários delimitados, a separaçãodos alunos em classes por faixa etária, eaté o galinheiro, o chiqueiro e a pequenahorta constantemente depredadas, faziamparte da própria arquitetura escolar e cons-tituem monumentos com significações dis-ciplinares, por onde não se podia andar des-preocupadamente e, sobre elas, reafirma omemorialista: “As construções existentes, em1897, que retenho ainda de memória epoderia delas fazer um tosco levantamento,seriam com algumas remodelações, as pri-mitivas. e os dias foram passando”9.

Todos estes elementos descritos estãoa demonstrar que havia uma organizaçãoescolar objetivada na descrição dos móveise visível na sua disposição em sala de aula;na racionalização do tempo expressa pelafixação e controle dos horários de aula eda divisão dos espaços. O relato, enfim,coloca em destaque algumas característicasque expressavam uma “essência” modernada instituição educativa notadamente adivisão dos alunos por faixa etária sinali-

zando para uma “possibilidade de homo-geneização dos alunos a partir da gradua-ção do ensino”(FARIA FILHO, 2000, p. 33).

O primeiro dia de Escola e o trotenos calouros

O dia da chegada à nova Escola, apreparação para esta chegada, a monta-gem do enxoval, os primeiros contatos comos futuros colegas são ritos de iniciação eno fluxo das memórias têm destaque espe-cial. Lucas Boiteux escreve muito sobre esteperíodo; ouso ter a impressão que poderiaser uma forma de “exorcizá-lo”, haja vistauma sensação de desamparo que a leituradessa parte das memórias causa. Faz lem-brar a historiadora que alerta sobre estemomento, “a alegria desaparecia diante dequalquer coisa grave e terrível que se criava,porém, assim que se cruzava o portão daescola. O desamparo se instalava no fundoda alma de cada um, diante da suspeitade algo terrível que ainda não se sabia, masque se viria logo a saber: a transformaçãoda criança em adulto” (SOUZA, 2000, p. 8-9). Aqui se pode encontrar a transforma-ção gradativa do adolescente em adulto.

Sobre este período as memórias sãocaudalosas. Vão desde a expectativa dapublicação dos nomes dos selecionadosnos jornais da cidade “cujas relações asfolhas diárias faziam questão de publicar enós de comprovarmos”10, à compra e en-comenda dos enxovais e, muito especial-mente, as reações sobre esta experiênciasignificante que definia a entrada na EscolaNaval, cujo terror era o “trote aos calouros”.

Segundo Boiteux, a turma de aspi-rantes de 1897 era composta de 86 jovens

Page 63: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 57-66, jan./jun. 2008. 63

qualificados como débeis criaturinhas quevinham lutar pela vida11 e que recebeu oapelido de ‘Briosa’. Sobre a faina do prepa-ro dos enxovais e do uniforme, que antece-dia a entrada naquele ambiente escolar eera condição obrigatória para ser admiti-do, o autor conta:

[...] os alfaiates Zieglier e Riecken se afa-digavam. A fábrica de malas Marinho, darua Sete de Setembro, não tinha mãos amedir no preparo de duas malas retangu-lares. Tínhamos que providenciar a com-pra de uma cama de ferro, um colchão,um travesseiro de capim ordinário, umaresma de papel almaço e um botijão detinta azul “Sardinha” para o expediente daSecretaria.12

A espera para o início efetivo das ati-vidades escolares recebe do memorialistaexpressões de júbilo, expectativa e desconfi-ança expressas em termos como “nadáva-mos em contentamento”; “vibrávamos emuníssono”; “estavam todos mais ou menosnervosos, para culminar com a viagem atéas dependências da Escola Naval onde “em-barcaram todos, sobre as malas e a reboquede uma das lanchas a vapor do estabeleci-mento rumaram para a Ilha das Enxadas”13.

Após a chegada na Ilha das Enxa-das, o autor apenas enumera, sem entrar emmaiores detalhes, a seqüência de atividadesdaquele momento: “Recebemos nesse 1º diaas instruções necessárias sobre a vida esco-lar: dependências do estabelecimento, limi-tes de recreio, sala de estudos, alojamentos,aulas, horários, ranchos, formaturas, revistase outras ordens em vigor”14.

Nas memórias de Boiteux, a alegriainicial, a vibração conjunta pelo começo deuma nova etapa da vida escolar parecia

desaparecer após o cruzamento da portagradeada do alojamento. De todo o con-junto de textos (totalizando seis artigospublicados), o autor dedica três deles a falarsobre o cotidiano com os colegas na escolae, muito especialmente, relatando minucio-samente a prática do trote aos calouros, emque os alunos mais velhos submetiam osmais novos a sevícias, rasteiras incivilida-des, remoques chulos, brutezas sádicas,ofensas, humilhações, tudo relatado comopráticas crudelíssimas e desumanas, nassuas próprias palavras. É a parte do textomemorialístico mais destacado, o que per-mite pensar como isso deixou marcas aponto de ser rememorado cinqüenta e oitoanos após ter acontecido. Segundo o au-tor, “o trote ou aporrinhação (assim chama-do na Escola Militar Naval) era admitidoem todos os estabelecimentos de ensinosuperior, embora aceito com bastante re-pugnância pelos bichos ou calouros, comoé natural”15. Ele registra em pormenores aprimeira surpresa desagradável ocorridalogo no primeiro dia de aula, após o de-sembarque na Ilha das Enxadas e que foilongamente relatada:

Ao chegarmos no alojamento, amplo sa-lão situado à leste do edifício, a fim dearmarmos nossos leitos, sofremos grandedecepção;os veteranos iludindo a vigilân-cia do pessoal de serviço, haviam dadoum grande benefício em nossa bagagem,tinham desarticulado todas as camas,amontoado ao léu nossos colchões e tra-vesseiros e sacolejado copiosamente asmalas antes de empilhá-las a um canto.Quando as abrimos para retirar lençóis,fronhas, toalhas e camisolões (os pijamasainda não tinham entrado em uso) sofre-mos novo choque: tudo revolvido, frascos

Page 64: Memórias - Maria Teresa Cunha

64 Maria Teresa Santos CUNHA. Tempos vividos na escola Militar: memórias de...

de dentifrício, da loção, de tinta derrama-dos, roupas brancas manchadas Verda-deiro desastre! Houve lamentos, pragas.Para quem apelar?16

Dando seqüência ao relato dos pri-meiros dias na escola e as cerimônias deiniciação pelas quais o calouro deveria pas-sar, conta o narrador:

As primeiras noites dormidas na escolaforam de verdadeiro sobressalto. Os vetera-nos invadiam furtiva e cautelosamente odormitório dos calouros. Cometendo todasorte de diabruras e perversidades: viravame trocavam as malas. Destrambelhavamas camas, pintavam a cara de uns, arreba-tavam as cobertas de outro, aplicavam vi-olentas palmadas aos que dormiam.17

De certo modo, pode-se pensar queeste tipo de “socialização” realizada pelaEscola poderia ter efeitos inesperados, umavez que o próprio narrador finaliza estaparte de suas memórias, admitindo que:

É um interessante tributo que paga abisonhice de novato; é um processo deadaptação mais ou menos rápido ao am-biente escolar e de incorporação à turma.Revela e define índoles, modalidades detemperamento, caracteres. Torna-se qua-se sempre, é bem verdade, a origem dasamizades, de indiferenças e também deincompatibilidades futuras, pois o trotedepende sobremaneira, do processo, dahabilidade de aplicá-lo e também da situ-ação, no momento, e do temperamento eda educação de quem o recebe.18

Fazendo parte de uma cultura esco-lar da época, o trote aos calouros criavasituações de adesão e crítica e, de sua vio-lência e parcialidade advinha o efeito defazer tanto os indivíduos internalizarem acultura quanto torná-la objetiva; criava as-sim possibilidades múltiplas de os indiví-

duos se posicionarem de diferentes formasem relação a ela (SOUZA, 2000, p.30).

Ainda sobre o cotidiano escolar apa-recem muitas outras descrições sobre amesa empoeirada do professor, os profes-sores negligentes, os conteúdos ministradose, ao final, a confissão de que a hierarquiae a ordem comumente associadas às prá-ticas do ensino militar devem ser relativiza-das, pois que “apesar de tratar-se de umaescola militarizada (...) a justiça era umacoisa que só existia ali no nome”.19

No último artigo da série Bordejos20

publicado no Jornal do Comércio, LucasA.Boiteux encerra suas lembranças escola-res apontando para as trajetórias de seuscolegas e é perceptível a nostalgia com queo faz como a criar um passado com o qualpudesse conviver:

Nem todos, os 86 que éramos, logravam,infelizmente, a meta almejada. E pouco apouco a turma foi se despovoando me-lancolicamente. Hoje, cinqüenta e oito anosvolvidos, um terço ainda, rijo e forte àmercê dos céus, alonga a vista enevoadapor lágrimas esquivas, para o passadoremoto pejado de esperanças que se es-vaecem, no sol-pôr da vida.

Há um tom melancólico em suaspalavras finais, a escola habita a memóriae a memória se decanta nos lugares emque vive e, para o historiador, isso funcionacomo um ponto de partida, um despertar,uma esperança, uma possibilidade de no-vas leituras para inventar outros presentes.

É possível considerar que certa nos-talgia por épocas passadas se explique pelofato de que, a distância, sempre projetemuma imagem já atualizada pelas vivênciasposteriores aos fatos relatados. Os Bordejos

Page 65: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 57-66, jan./jun. 2008. 65

se caracterizam como uma via importantepara conhecer práticas e saberes escolarespela via da memória de um homem de le-tras. Com linguagem rebuscada, idílica ecertamente idealizada, Boiteux deixa con-firmação de sua existência, constrói umaimagem para si próprio e para os outros,além de evidenciar aspectos da história daeducação já escolarizada nos finais do sé-culo XIX.

As memórias oferecem novas e inte-ressantes possibilidades para iluminar as-pectos da cultura escolar em que foramsocializados futuros militares. As descriçõespermitem reconhecer valores, crenças e vi-sões de mundos singulares que contribuí-am para a formação escolar de um dadoperfil profissional. Ao mesmo tempo, taisrelatos alimentam o empenho de continuarlocalizando, reunindo e selecionando docu-mentos que ajudem a iluminar aspectos daeducação escolarizada no Brasil e assimbuscar novas e outras indagações sobre avida, a escola, a vida na escola e a escolaem nossas vidas (MIGNOT, 2003). O cará-ter efêmero (veiculadas em velhos jornais)e o desprestígio que tais escritas suscitam(destinadas, quase sempre, ao fogo e/ouao lixo) dificultam sua conservação e po-dem explicar seu relativo esquecimento. Daía importância do historiador em torná-lasvisíveis como expressão e como veículo deum tempo e um lugar social.

Notas1 Estou tomando como referência o estudo de GiselleMartins Venancio que, a partir de R. Chartier, afir-ma “ao analisar como, durante o século XVII, al-guns intelectuais definiram os homens de letras ,

Chartier demonstrou que os letrados foram carac-terizados como indivíduos voltados para o estudo, aescrita, a leitura e a vida em gabinetes” (In: BASTOS,M.H.C; CUNHA M.T.S. e MIGNOT, A.C.V. Destinos dasletras. História, Educação e Escrita Epistolar. PassoFundo: 2002. p. 218.)2 A obra historiográfica de Lucas Alexandre Boiteux,publicada no Jornal do Comércio foi levantada porCunha, M.T.S. A produção historiográfica de LucasAlexandre Boiteux no Jornal do Comércio do Rio deJaneiro – 1911-1959. Dissertação (Mestrado em His-tória) – UFSC, 1982.3 Bordejos sobre meio século de Marinha/ Jornal doComércio/ RJ, 16/1/1955.4 O acervo está depositado no Instituto Histórico eGeográfico de Santa Catarina, em Florianópolis enele encontram-se muitos documentos como, pas-tas com artigos, bilhetes, recortes, anotações pessoaismanuscritas em cadernetas, folhas avulsas, cartasrecebidas, além de um imenso acervo fotográficoque já foi alvo de um trabalho, disponível emwww.imagensdeumpresente.udesc.br.5 BOITEUX, L.A. Bordejos sobre meio século de Ma-rinha. Jornal do Comércio: RJ, 16/1/1955.6 Idem.7 BOITEUX, L.A. Bordejos sobre meio século de Ma-rinha. Jornal do Comércio. RJ, 30/1/1955.8 Idem9 Idem10 BOITEUX, L.A. Bordejos sobre meio século de Ma-rinha. Jornal do Comércio. RJ, 16/1/195511 Idem, 30/1/195512 Idem13 BOITEUX, L.A. Bordejos sobre meio século de Ma-rinha. Jornal do Comércio. RJ, 13/2/1955.14 BOITEUX, L.A. Bordejos sobre meio século deMarinha. Jornal do Comércio: RJ, 30/1/1955.15 Idem.16 Idem.17 BOITEUX, L.A. Bordejos sobre meio século de Ma-rinha. Jornal do Comércio. RJ, 13/3/1955.18 BOITEUX, L. A. Bordejos sobre meio século deMarinha. Jornal do Comércio. RJ, 13/2/1955.19 Idem.20 BOITEUX, L. A. Bordejos sobre meio século deMarinha. Jornal do Comércio. RJ, 5/6/1955.

Page 66: Memórias - Maria Teresa Cunha

66 Maria Teresa Santos CUNHA. Tempos vividos na escola Militar: memórias de...

Referências

ALVES, Claudia Maria C. Cultura e política no século XIX: O Exército como campo de constitui-ção de sujeitos políticos no Império. Bragança Paulista: EDUSF, 2002.

BOITEUX, Lucas Alexandre. Bordejos sobre meio século de Marinha. Jornal do Comércio. Rio deJaneiro. (16/1; 30/1; 13/2; 13/3; 24/4; 5/6/1955).

CHARTIER,Roger. Pluma de ganso. Libro de letras, ojo viajero. México: Universidad Iberoamericana,2005.

CUNHA, Maria Teresa S. Armadilhas da sedução. Os romances de M. Delly. Belo Horizonte:Autêntica, 1999.

______. A produção historiográfica de Lucas Alexandre Boiteux no Jornal do Comércio do Rio deJaneiro (1911/1959). Florianópolis, 1982. Dissertação de Mestrado (História) - UniversidadeFederal de Santa Catarina.

FARIA FILHO, Luciano M. Dos pardieiros aos palácios. Cultura escolar e urbana em Belo Hori-zonte na Primeira República. Passo Fundo: UPF, 2000.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. O início da História e as lágrimas de Tucídides. Margem/ Narradorese Intérpretes. São Paulo: Educ, n.1, 1992.

HEBRARD, Jean. Por uma bibliografia material das escritas ordinárias. A escrita pessoal e seussuportes.In: MIGNOT, A.C.V., BASTOS, M.H.C. e CUNHA, M.T.S. Refúgios do Eu. Educação, Históriae Escrita Autobiográfica. Florianópolis: Editora Mulheres, 2000. p. 29-61.

LOPES, Eliane Marta T. e GALVÃO, Ana Maria O. História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

MIGNOT, Ana Christina V. Papéis guardados. Rio de Janeiro: UERJ/Rede Sirius. 2003.

SARAMAGO, José. Manual de pintura e caligrafia. Lisboa: Moraes Editora, 1977.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. São Paulo: Brasiliense, 1989.

SOUZA, Maria Cecilia Cortez Christiano de. Escola e memória. Bragança Paulista: EDUSF, 2000.

VENANCIO, Gisele Martins. Sopros Inspiradores. Troca de livros, intercâmbios intelectuais epráticas de correspondência no arquivo privado de Oliveira Vianna. In: BASTOS, Maria HelenaC.; CUNHA, Maria Tereza S. e MIGNOT, Ana Christina.V. (Orgs). Destinos das letras. História,educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p.217-41.

VIÑAO FRAGO, A. Historia de la educación e historia cultural. Revista Brasileira de Educação.v.1, n. 0, p. 63-82, set./dez 1995.

Recebido em 30 de abril de 2008.

Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 67: Memórias - Maria Teresa Cunha

Entre escolarização e instituições escolares nahistoriografia da educação: a emergência dosgrupos escolares no Brasil da República Velha(1889-1930)Relation between the schooling process andeducational institutions in the historiography ofeducation: the emergence of scholastic groups inBrazil in the Old Republic (1889-1930)

Geraldo Gonçalves de Lima*Décio Gatti Junior**

* Mestre em Educação pela UFU; Prof. do Instituto Superiorde Educação Berlaar (IBerlaar), do Centro Universitário doCerrado Patrocínio (UNICERP) e da Faculdade Patos deMinas (FPM).e-mail: [email protected]** Doutor em Educação pela PUC-SP; Prof. do Programa dePós-graduação da UFU.e-mail: [email protected]

ResumoTrata-se de reflexão na direção de compreender o processo de renovação no campo da pesquisa e daescrita em História da Educação, com foco no exame da relação existente entre escolarização e a invençãodas instituições escolares públicas estatais na Modernidade, notadamente sobre os processos de criação ede difusão dos grupos escolares no Brasil da República Velha. Observa-se que a historiografia educacionaltem se movimentado em termos teóricos e metodológicos na direção da construção de interpretações queapanhem a dialética entre escolarização, compreendida como imbricada à invenção do Estado Moderno, eas experiências dos indivíduos nas instituições escolares criadas e mantidas pelo mesmo. Conclui-se queos grupos escolares inserem-se na nova ordem social que se instaura no Brasil Republicano, com desta-que para a propaganda em torno de seu papel na superação da ordem social anterior.Palavras-chaveHistória da Educação. Historiografia. Escolarização. Instituição Escolar.

AbstractThis paper is a reflection for the purpose of understanding the process of renewal in the field of researchand writing on the History of Education with a focus on examining the relationship that exists between theschooling process and the invention of state public school institutions in the Modern era, notably regarding

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 67-84, jan./jun. 2008.

Page 68: Memórias - Maria Teresa Cunha

68 Geraldo G. de LIMA; Décio GATTI JÚNIOR. Entre escolarização e instituições...

Introdução

Nas últimas décadas, o Brasil vemconhecendo um significativo movimento derenovação da historiografia educacional, nosentido de revisão dos conceitos teóricosutilizados como matrizes na elaboração detrasua função na comunidade na qual estainseridabalhos acadêmicos, da própriaconceituação do objeto de estudo, bemcomo o questionamento acerca dasmetodologias de pesquisa.

De fato, é imprescindível uma abor-dagem mais profunda a respeito destastransformações a fim de melhor compre-ender as mais recentes tendências no cam-po da pesquisa e da escrita da História daEducação. Até mesmo porque consiste emuma área que vem gradativamente con-quistando autonomia e consolidando seucampo de atuação perante outras áreasacadêmicas, sobretudo a História do Pensa-mento Pedagógico ou a própria Filosofiada Educação. Assim, há um intenso traba-lho de buscar um posicionamento maissolidificado e um aprofundamento das pes-quisas, demonstrando sua importância nacompreensão das instituições escolares.

A História e a Historiografia da Edu-cação passam por uma articulação em quea subjetividade é resgatada e passa a ocu-par lugar de destaque no processo de pes-quisa. Há, portanto, uma ampliação daspossibilidades de abordagem de objetos depesquisa: a História das Instituições Esco-lares, num sentido particular, bem como aquestão da Cultura Escolar, num sentidomais global, demonstram uma possibilida-de maior de análise histórica. Contudo, en-fatiza-se também a importância de se reali-zar todo um trabalho de síntese e reflexãosobre a questão das evidências das fonteshistóricas.

Este trabalho tem por objetivo com-preender o movimento de renovação daHistória e da Historiografia da Educação,efetuando uma análise de seus efeitos noprocesso de pesquisa realizado nos meios,sobretudo acadêmicos. Além do mais, tempor objetivo situar de maneira exemplar operíodo da Primeira República no Brasil esuas determinações específicas no campoda História da Educação. Será dada priori-dade à gênese dos primeiros Grupos Esco-lares como instituições de ensino voltadaspara a propagação dos ideários republica-

the processes of the creation and spread of scholastic groups in Brazil in the Old Republic. It can be seenthat educational historiography has moved its theoretical and methodological terminology in the directionof constructing interpretations that take up the dialectic between the schooling process, understood asaccompanying the invention of the Modern State, and the experiences of individuals in school institutionscreated and maintained by the Modern State. It can be concluded that scholastic groups take part in thenew social order established by the Brazilian Republic with an emphasis on the propaganda regardingtheir role in moving beyond the previous social order.

Key wordsHistory of Education. Historiography. Schooling. Educational Institution.

Page 69: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 67-84, jan./jun. 2008. 69

nos que atendem os ideais liberais de ins-trução pública, laica, gratuita e universal.

Em um primeiro momento, “Históriada Educação e Cultura Escolar” revela sucin-tamente a importância da ampliação daabordagem histórica da educação das ins-tituições escolares, inaugurando a concep-ção de Cultura Escolar. A investigação daCultura Escolar acaba promovendo umareformulação ampla da Historiografia daEducação, centrando sua perspectiva nopróprio ambiente escolar, lugar de destaqueem que ocorre boa parte da chamada edu-cação formal de uma população.

Em seguida, há a descrição de algu-mas das principais categorias de análiseutilizadas no transcorrer do ato de investi-gação da pesquisa intitulada “Uma Histó-ria das Instituições Escolares”. A ênfase recaisobre as principais questões de método,esclarecendo a expansão de técnicas varia-das de verificação que, conjuntamente, for-necem os dados empíricos necessários paraa formulação dos resultados da pesquisa.

Por fim, na terceira parte, “A invençãodos Grupos Escolares”, a preocupação re-fere-se ao sentido de descrever a implanta-ção das chamadas escolas agrupadas eesclarecer a importância que a instruçãopública estatal assume no Brasil, nas pri-meiras décadas do século XX.

1 História da Educação e CulturaEscolar

No âmbito da História da Educação,há sempre o interesse em compreender umfenômeno de caráter social presente empraticamente todas as culturas ao longo do

tempo/espaço e sua interligação com ou-tros fatos sociais: o processo educacional.A educação consiste em acontecimentoque, por natureza, abarca várias facetas econdicionamentos. Neste sentido, nas soci-edades ditas modernas, as instituições es-colares ocupam um papel central no quese refere ao processo educacional formal,demonstrando o importante papel das es-colas em geral no universo social. Essa atu-ação das escolas acabou provocando osurgimento de todo um conjunto de nor-malizações e de mentalidades inculcadasno imaginário social, também conhecidocomo cultural escolar.

Percebe-se claramente a iniciativa deuma reformulação da escrita da História daEducação, com a intenção de melhor pro-porcionar os meios e as condições necessá-rias para a formulação de uma investiga-ção centrada na Escola, tida como institui-ção imprescindível para a realização da edu-cação popular.

1.1 Instituições escolares e Cultura Escolar

A História da Educação foi marcada,por um lado, por um corte que a alinhavaa uma História do Pensamento Educacionale, por outro lado, a uma descrição detalha-da de fatos da legislação educacional. As-sim, de um lado, abordava a trajetória dasteorias pedagógicas – como cada pensadorabordava particular e originalmente a edu-cação como fenômeno social – e, de outro,as mudanças legais pelas quais a educa-ção escolar passou ao longo do tempo.

Ao buscar a forma como se realiza-vam as atividades educacionais em diversas

Page 70: Memórias - Maria Teresa Cunha

70 Geraldo G. de LIMA; Décio GATTI JÚNIOR. Entre escolarização e instituições...

sociedades e em diversas épocas e regiões,percebe-se que a educação dava-se dediversas formas, sobretudo na própriaconvivência social, sendo que a aprendiza-gem ocorria de maneira espontânea, carac-terizando-se, muitas vezes, pelo modo nãosistemático.

Com o surgimento das instituiçõesescolares, há uma ampliação das oportuni-dades de se realizar uma educação quegradativamente vai atingindo todos os se-tores da sociedade. As escolas têm a capa-cidade de desenvolver uma normatizaçãodos processos de ensino/aprendizagem eassim tornar a educação algo profunda-mente regulamentado.

Como toda instituição humana decaráter essencialmente social, as escolassão formadas para atingir determinadosobjetivos e podem se encontrar no interiorde uma situação de conflitos de interessesclassistas. No Ocidente, as primeiras expe-riências de realização de uma educação par-tiram da organização do conjunto de insti-tuições mantidas e controladas pela IgrejaCatólica Apostólica Romana em fins daIdade Média. Com a Modernidade, as insti-tuições escolares aos poucos foram difun-dindo-se pelo mundo como um instrumen-tal capacitado para organizar de maneiraformalizada a realização da educaçãosocial.

Percebe-se que a educação é um pro-cesso complexo capaz de ser realizado emdiversos setores e ambientes da sociedade.

Mas, para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar, em um sentido maisamplo, modos de pensar e de agir larga-mente difundidos no interior de nossas

sociedades, modos que não concebem aaquisição de conhecimentos e de habili-dades senão por intermédio de processosformais de escolarização [...]. (JULIA, 2001,p. 11)

É necessário reconhecer que as insti-tuições escolares tornaram-se um espaçode destaque como agentes capazes deexercer o controle e a realização de parteda educação como processo de socializa-ção e sobretudo de humanização. A edu-cação como fato social responsável pelarealização das atividades de ensino e deaprendizagem não permanece restrita àsinstituições escolares. Mesmo assim, por serum agente destacável e central, as escolasacabaram formando toda uma mentalida-de popular em torno de normalizações ca-pazes de exercer pressão sobre a sociedadecomo um conjunto, bem como o estímuloa práticas responsáveis por uma transmis-são tradicional de experiências e saberes.

O conceito teórico que melhor repre-senta este conjunto de fatos sociais consis-te no de “cultura escolar”. Assim, conformeDominique Julia (2001, p. 10), pode-se com-preender

[...] cultura escolar como um conjunto denormas que definem conhecimentos aensinar e condutas a inculcar, e um con-junto de práticas que permitem a trans-missão desses conhecimentos e a incor-poração desses comportamentos; normase práticas coordenadas a finalidades quepodem variar segundo as épocas (finali-dades religiosas, sociopolíticas ou simples-mente de socialização).

Ao realizar uma História da Educa-ção voltada centralmente para a cultura es-colar, há a possibilidade de se realizar umaabordagem mais global e totalizante a res-

Page 71: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 67-84, jan./jun. 2008. 71

peito do conjunto de forças e contextua-lização responsáveis pela formação detoda uma consciência e mentalidades emtorno do fenômeno educacional no interiordas sociedades. Assim,

A construção da escola como objectohistoriográfico, em muito assegurada poruma etnohistoriografia da educação apartir da escola, tem revelado que a esco-la, como a educação são construções histó-ricas, devendo-se assim falar-se de escola-rização, por um lado e de escola, culturaescolar, gramática escolar por outro – umjogo dialéctico e discursivo que sumaria-mente confronta procura e oferta, mas queessencialmente se constrói e revela umapermanente tensão entre as capacidadesinventivas dos indivíduos e das comuni-dades, por um lado e as normas, os cons-trangimentos, as resistências por outro. Aestrutura escolar é em essência a relaçãoque se estabelece, entre os quadrosinstitucional, grupal e individual, articu-lando acção (práticas), representação, apro-priação. (MAGALHÃES, 1998, p. 55)

Percebe-se, desse modo, a tendênciaem realizar um tratamento da escolarizaçãoe das instituições escolares como partes im-bricadas de um fenômeno complexo e fun-damental para a manutenção da dinâmicade uma determinada sociedade, com aoportunidade, por parte dos pesquisadores,em realizar uma investigação mais comple-ta acerca da história, dos objetivos e dascaracterísticas próprias das instituições es-colares em geral.

1.2 Renovação na pesquisa e na escritada História da Educação

Percebe-se um movimento dos pes-quisadores em realizar uma experiência derenovação do processo analítico do fenô-meno histórico-educacional, no sentido deproporcionar a superação da abordagemexcessivamente teórica ou meramente des-critiva. Por isso, ao revitalizar a crítica educa-tiva, há a possibilidade inclusive de se retor-nar à realidade com novos elementos ca-pazes de rearticular a própria realidade so-cial a partir do conhecimento da realidadeescolar. Neste sentido,

Com o desenvolvimento da historiografiacentrada sobre as questões de educaçãona sua pluridimensionalidade e na com-plexidade, indo ao encontro de novospúblicos e de novos objectos e mergu-lhando no interior dos quadros epistê-micos interdisciplinares, revela-se neces-sário especificar os campos, as temáticase os quadros conceptuais de abordagem,por um lado, e, por outro lado, construiruma historiografia mais explicativa dos fe-nômenos e das realidades educativas, nãoapenas das mudanças, como também dasresistências e permanências. (MAGA-LHÃES, 1998, p. 53)

Esta reformulação da Historiografiada Educação se tornou necessária até mes-mo porque, em todas as áreas do conheci-mento, sempre há uma tendência de cons-tante revisão dos próprios objetos de inves-tigação, dos pressupostos teóricos, bemcomo do conjunto de métodos utilizadospara se chegar às conclusões do processode pesquisa e de construção de novos co-nhecimentos. Atendendo às urgências teó-rico-metodológicas, percebe-se

Page 72: Memórias - Maria Teresa Cunha

72 Geraldo G. de LIMA; Décio GATTI JÚNIOR. Entre escolarização e instituições...

[...] que a pesquisa histórico-educacionalbeneficiou-se muito da renovaçãohistoriográfica recente, sofisticando suasferramentas de trabalho e ampliando seuleque temático. Neste sentido, há umasérie de procedimentos historiográficosque vem se tornando comuns no tratodas instituições educacionais, estabelecen-do, dessa forma, condições mais favorá-veis para o entendimento dos processosde escolarização vivenciados no país.(GATTI JR, 2004)

A reformulação da Historiografia daEducação é efetuada levando-se em con-sideração algumas necessidades de conso-lidação dos meios utilizados para a realiza-ção de uma pesquisa abrangente a respeitodo processo de educação, principalmentea partir da escola.

Inicialmente, há a urgência de umalargamento do objeto de estudo a ser in-vestigado no campo das ciências ligadasà educação, abrangendo inclusive novastendências de temáticas e de perspectivas,bem como a busca de novos atores/indiví-duos envolvidos direta e indiretamente coma nova Historiografia da Educação. Todoconhecimento pressupõe que seja bemdeterminado o próprio objeto a ser investi-gado, pois a pesquisa se inicia e se conso-lida somente a partir de problemáticas bemdelimitadas.

Simultaneamente, há uma necessida-de também muito clara de se realizar a re-visão da metodologia envolvida com a pes-quisa acerca da educação. A metodologiaé importante para proporcionar os instru-mentais teóricos e os técnicos, no intuito debuscar constantemente novas evidênciaspara a solução da problemática delinea-

dora. Por isso, a tendência atual é a de bus-car variados procedimentos que em con-junto promovam uma visão mais amplado objeto investigado, relacionada à pro-blemática. Assim, devem ser levados emconsideração tanto elementos quantitativosquanto elementos qualitativos; tanto sociaisquanto particulares; provas tanto documen-tais quanto orais, e assim por diante.

Procura-se também valorizar aspec-tos ligados à memória popular, que bus-quem elementos significativos ligados à re-presentações sociais, bem como vivênciasligadas à temporalidade, com estímulo nabusca de diversificadas fontes de informa-ções que expressem diferentes experiênciase que ofereçam um contexto amplo das vá-rias situações ligadas à dinamicidade social.

Também podem ser levados em con-sideração os elementos ligados ao estudolingüístico dos discursos de interpretação ede reconstrução dos acontecimentos a par-tir de uma análise histórica realizada pelosestudiosos com a intenção de melhor re-tratar a realidade. Dessa forma,

A história das instituições educativas, to-madas na sua pluridimensionalidade enuma lógica multimodal de espaço e detempo, constitui um domínio de investi-gação sobre o qual permanecem grandeslacunas, uma vez que uma revisão meto-dológica com vista à superação da histo-riografia de base cronística e memorialista,se apresenta em muito comprometida pelainexistência de fontes de informação. Noplano metodológico, a focalização da ins-tituição educativa a partir de uma meso-abordagem é uma via de confluência comoutras ciências da educação, também elasvoltadas para a conversão da instituiçãoeducativa em objecto de investigação e

Page 73: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 67-84, jan./jun. 2008. 73

de acção. (MAGALHÃES, 1998, p. 59)

A História das Instituições Educativasmanifesta-se como um desafio que envol-ve a investigação de inúmeras áreas doconhecimento científico, sendo uma tarefaextremamente interdisciplinar. Desse modo,torna-se necessária

Uma nova dialética entre a hermenêuticae a heurística: a história da educação temconstituído um desafio epistemológico aoimaginário e ao inventivo, instituindo novosobjetos de estudo, como as histórias de vida,as memórias coletivas e individuais, as bio-grafias, a imagem, a representação, a apro-priação. (MAGALHÃES, 1998, p. 59)

1.3 Uma dialética entre o geral e oparticular a partir das instituições escolares

A importância de se abordar a insti-tuição escolar como ponto central da inves-tigação em História da Educação tem comocritério maior a própria História das Institui-ções Escolares, bem como o papel atual queelas desempenham no mundo modernoocidental. A educação na Modernidade temcomo ponto de referência principal a pró-pria centralização do processo educativo noespaço escolar, sendo que parte considerá-vel dos conteúdos educativos é transmiti-da pela escola.

Percebe-se que a renovação da histo-riografia ocorrida recentemente tem comopressuposto a necessidade de uma funda-mentação a partir de algumas orientaçõesepistemológicas. A primeira se refere à con-sideração inerente pelo sujeito do conheci-mento aos elementos internos e externosdo fenômeno escolar e à consideração dosaspectos culturais ligados ao restante dasociedade. Por outro lado, deve-se também

levar em consideração os fatos contextuaisda história geral ligada à realidade. Assim,

Esta etnohistoriografia, centrada na insti-tuição educativa (a escola ou similar) per-mite novos debates no interior das ciênciasda educação, não apenas pelo cruzamentointerdisciplinar e pelos contributos ao nívelda conceptualização, mas também porquese revela útil para a formação de pedago-gos, educadores, ou outros técnicos e espe-cialistas. A escola ora é tomada em simesma como um todo em organização,instituído num contexto, ora é tomadacomo o principal referente e como eixode estruturação de uma racionalidadepedagógica e formativa, estando reserva-da à abordagem historiográfica uma ex-plicação e a inscrição da realidadeeducativa em quadros sócio-culturais epolítico-ideológicos mais amplos. (MAGA-LHÃES, 1998, p. 55)

Historicamente, a centralidade daanálise dada prioritariamente ao espaçoescolar, pode ser justificada através de uma

[...] orientação epistemológica de naturezaexterna que procura uma explicação parao fenômeno escolar a partir de quadrosconceptuais e paradigmáticos muito am-plos, ou acentuadamente político-ideoló-gicos acentuadamente político-ideológicos,assim liberalismo, capitalismo, marxismoou acentuadamente objectuais e de rela-ção, assim reprodução, construção, autono-mização. A centralização das análises emolhares externos tem proporcionado deba-tes muito ricos em torno do estatuto histó-rico, da construção e da função da escolana modernidade e na contemporaneidade.Algumas teses mais radicais tem chamadoa atenção para a escola como meio e ins-trumento de normatização, controlo/disciplinação, estatalização das sociedades.Nesse sentido, relevam as teses que apre-sentam a escola como reprodutora e ratifi-

Page 74: Memórias - Maria Teresa Cunha

74 Geraldo G. de LIMA; Décio GATTI JÚNIOR. Entre escolarização e instituições...

cadora do status quo social (designada-mente Bourdieu, Passeron); as teses qyerelevam a função de controlo e de discipli-nação (Foucault e seus seguidores); asteses mais radicais que denunciam umatailorização da escola; as teses mais recen-tes que procuram assinalar que a moder-na escola escolarização de massas é pro-duto de uma combinação, levada a efeitopelo estado, do modo burocrático de gover-nar com o modo cristão de conduta pes-soal (Hunter, com comentário de TomásTadeu da Silva). (MAGALHÃES, 1998, p. 55)

2 A História das InstituiçõesEscolares

Assim, a fim de realizar uma aborda-gem paradigmática acerca das peculiarida-des das instituições escolares, torna-se ne-cessária, como já enfatizado, a consolida-ção de uma série de categorias teóricas fun-damentais para o embasamento da inves-tigação a respeito das instituições escolares,bem como a afirmação de alguns procedi-mentos básicos para a sua consolidação.

2.1 Categorias de análise na História dasInstituições Escolares

Para garantir o embasamento da in-vestigação a ser realizada, obrigatoriamen-te o pesquisador deve estar munido de umasérie de elementos teóricos que o direcionampara as etapas subseqüentes na aborda-gem da situação-problema. Em qualquersegmento do conhecimento científico, as ati-vidades desenvolvidas devem ter um direcio -namento capaz de garantir as necessáriascondições de abordagem da realidade.

Como a Cultura Escolar se consolidacada vez mais como objeto-problema no

campo da Historiografia da Educação, ascategorias teóricas a serem utilizadas comoembasamento são necessariamente interli-gadas à questão contextual.

De acordo com os pressupostos doinvestigador, há várias possibilidades de serealizar a pesquisa sobre a realidade esco-lar, constituída como elemento central damaior parte do processo de educação ocor-rido na sociedade.

A atitude do pesquisador se revelacomo a de um sujeito responsável pela in-terpretação sobre os elementos reais queconstituem a intricada realidade ligada àrealidade escolar. A partir dos dados capta-dos, o historiador tem o papel de reconstru-tor da história ao apropriar-se do objeto exa-minado e, posteriormente, realizar-se-á umasíntese das dimensões que compõem a rea-lidade escolar.

Magalhães aponta como categoriasde análise importantes e imprescindíveis nodelineamento das atividades investigativasem relação às instituições escolares:

O espaço (local/lugar, edifício, topografia);o tempo (calendário, horário, agenda an-tropológica), o currículo (uma acepção es-treita, que resulta de uma justaposiçãode categorias analíticas e objetos instituin-tes da realidade escolar, correspondendoao conjunto das matérias lecionadas erespectivos métodos, tempos, etc. (esta aacepção adotada no Colóquio sobre Currí-culo que teve lugar em Granada em 1996),ou uma acepção transversal à cultura e àrealidade escolar, visão sintética de influ-ência anglo-saxônica e norte-americana,em que currículo corresponde a racionali-dade da prática (desenvolvimento curricu-lar), uma verdadeira política educativa; omodelo pedagógico escolar, a construção

Page 75: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 67-84, jan./jun. 2008. 75

de uma racionalidade complexa que arti-cula a lógica estruturante interna com ascategorias externas que a informam econstituem – um tempo, um lugar, umaação; os professores, formas de recruta-mento, profissionalização, organização,formação, mobilização, por um lado, suashistórias de vida, itinerários, expectativas,decisões, compensações, representações– espaços de liberdade do professor; ma-nuais escolares, sua construção e apro-priação, por outro; públicos, culturas, for-mas de estimulação e resistências; dimen-sões, níveis da apropriação, transferênci-as da cultura escolar, escolarização, alfa-betização, destinos de vida. (MAGALHÃES,1998, p. 56)

No Brasil, por seu turno, ainda quemediante dificuldades, devido à inexistênciade repertórios de fontes organizados, al-guns historiadores e educadores têm-se lan-çado à tarefa de historiar a educação esco-lar brasileira. Há uma construção de interpre-tações acerca das principais instituições es-colares espalhadas pelas diversas regiõesbrasileiras, com destaque para a aborda-gem a partir da categoria trabalho, presentenos textos de Ester Buffa e Paolo Nosella.Em suas investigações recentes (1996,1998, 2000), tomam o conceito de trabalhocomo categoria fundamental, pois, para eles,o trabalho influiu nos processos educativosdos homens e na configuração das institui-ções escolares. A relação escola-trabalhonão se reduz, porém, nem à preparaçãoprofissional, nem à imediata qualificaçãode mão-de-obra. Existe uma complexaintegração histórica entre o mundo do tra-balho e a escola, sem que cada um percasuas especificidades e sua autonomia, oque pode significar, por exemplo, que a dis-

tinção social e não o trabalho torna-se oprincipio educativo em algumas instituiçõesescolares (BUFFA e NOSELLA, 1996).

Além disso, diante do debate entreas visões gerais e particulares, em que asprimeiras são demasiadamente genéricase paradigmáticas e, as segundas, mera-mente curiosas, os dois pesquisadores consi-deraram o particular como expressão dodesenvolvimento geral, no interior de umaconcepção de história que supera o factuale o descritivo. Mas é, sobretudo, interpre-tativa, pois na História de uma InstituiçãoEscolar, de fato, encontram-se datas, nomes,fatos interpretados à luz de uma concepçãofilosófica. Isso se deve à confluência da filo-sofia com a história. Essa confluência é pos-sível quando se acredita que a filosofia éfilha da história. Ou seja, quando se conce-be a filosofia da educação menos comoproduto abstrato de pensadores geniais emais como resultado das instituições esco-lares. Em termos teórico-metodológicos, afir-mam que antes “da exposição formal, pelaqual se desvelará o movimento real da his-tória, o método dialético exige o rastrea-mento dos dados empíricos, suas váriasformas de evolução e suas mútuas cone-xões” (NOSELLA E BUFFA, 2005, p. 366) ecomplementam:

No movimento do real da história, a paixão,a vontade humana, os conflitos, os dis-sensos, as relações de propriedade e deprodução não fazem parte de um jogoabstrato, predefinido, bem comportado,mas, ao contrário, são ingredientes de umadura luta social, arriscada, cujo resultadofinal não se conhece. Por isso [...] a insti-tuição escolar não é vista a priori como aeterna reprodutora dos desequilíbrios so-

Page 76: Memórias - Maria Teresa Cunha

76 Geraldo G. de LIMA; Décio GATTI JÚNIOR. Entre escolarização e instituições...

ciais, nem como a redentora de todos osseus males: dialeticamente, a escola é umimportante espaço de luta social pelahegemonia (NOSELLA e BUFFA, 2005, p.364).

Os pesquisadores referenciadosexplicitam ainda que estabeleceram comocategorias de pesquisa o exame dos se-guintes aspectos das instituições educativas:1. Origem, criação, construção e instalação.2. Prédio (projeto, implantação, estilo e or-

ganização do espaço).3. Mestres e funcionários (perfil).4. Clientela (alunos, ex-alunos).5. Saber (conteúdos escolares).6. Evolução.7. Vida (cultura escolar: prédio, alunos, pro-

fessores e administradores, normas).Vinculam-se a essas categorias, evi-

dentemente, outras, como a organização evida econômica, política e cultural da cida-de e, sobretudo, o destino profissional dosalunos, pois, segundo Nosella e Buffa(2005, p. 365) é “[...] essencial tanto indagara origem social e o destino profissional dosatores de uma instituição escolar para sedefinir seu sentido social, quanto analisaros currículos utilizados para compreenderseus objetivos sociais)”.

Dessa maneira, tanto as interpreta-ções construídas por pesquisadores estran-geiros quanto por brasileiros têm seguidoum roteiro de pesquisa bastante similar, emque se destacam preocupações com os pro-cessos de criação e do desenvolvimento(ciclo de vida) das instituições educativas;a configuração e as mudanças ocorridasna arquitetura do prédio escolar; os proces-sos de conservação e mudança do perfil

dos docentes; os processos de conservaçãoe mudança do perfil dos alunos; os desti-nos profissionais e pessoais dos alunos, asformas de configuração e transformação dosaber veiculado nessas instituições de en-sino etc.

2.2 Uma questão de método: arquivo oumemória?

O significado da renovação da Histo-riografia da Educação na atualidade passapela iniciativa de tentar resgatar a importân-cia que a escola possui para a explicaçãodo processo de educação ocorrido na mo-dernidade. Isso demonstra que a Historio-grafia procura dar sentido aos complexosprocessos sociais que proporcionaram amanutenção de um contexto responsávelpelas questões estruturais e sistêmicas deanálise.

A escrita da História da Educaçãoprocura se consolidar através da expansãode métodos que ultrapassam as tradicio-nais maneiras de abordar a realidade a serestudada e reconstruída, pois

Nas últimas décadas, a pesquisa históricapassou por um intenso processo de reno-vação teórico-metodológico, no qual vemsendo valorizada a utilização tanto dosaportes teóricos oriundos do campo daHistória quanto das evidências, sendo queestas não se limitam mais aos documen-tos escritos, mas abarcam fontes orais, ico-nográficas, etc. (GATTI JR, 2004)

Com o avanço dos métodos de pes-quisa, uma das principais questões que seabordam atualmente em referência à pes-quisa histórico-educacional consiste na for-ma como as várias fontes serão analisadase tratadas a fim de buscar as evidências

Page 77: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 67-84, jan./jun. 2008. 77

utilizadas na verificação das hipóteses. Asevidências podem ser constituídas a partirdo tratamento de uma série de fontes con-seguidas a partir de inúmeros procedimen-tos metódicos: formulação de elementosfactuais e memorialistas a partir dos docu-mentos oriundos da história oral; documen-tação originada de arquivos públicos ouparticulares; patrimônios da iconografia,como fotografias, estátuas, gravuras, etc;manipulação de documentos impressos emanuscritos, arquivos pertencentes aos jor-nais, revistas, e outros órgãos de imprensaperiódica.

A proposta mais aceita hoje pelosestudiosos ligados à História da Educaçãoestá na conciliação entre evidências de di-versos procedimentos metódicos, tantoorais como arquivísticos. Neste sentido,

O historial das instituições educativas está,em regra povoado, de representações ememórias contraditórias e algumas mes-mo de sentido contrário, mas que consti-tuem para o historiador um estímulo aoquestionamento e uma boa aproximaçãoao clima e aos contextos em que foramtomadas e assumidas designadamentecertas decisões estratégicas. [...] A históriade uma instituição educativa constrói-seentre a materialidade, a representação ea apropriação. As instituições educativase por conseqüência a sua história consti-tuem a representação discursiva, memorís-tica e antropológica das mais complexasdialéticas educacionais. (MAGALHÃES,1998, p. 64)

3 A invenção dos gruposescolares

Com o advento da Modernidade, oEstado Moderno se edifica com intensaimbricação com a escolarização moderna(que, assim, rompe com os limites da esco-la medieval). Empreendimento que encon-trou difusão mundial, marcado pelo cará-ter transitório dos séculos XVI a XVIII naEuropa Ocidental, com aproximações con-sideráveis do cristianismo, seja de base pro-testante ou da contra-reforma católica, naorganização das instituições escolares quesuportaram o ideário e as práticas em dire-ção a uma ordem social inovadora (HA-MILTON, 2001, p. 48).

O Iluminismo, doutrina de ruptura emmeio ao período de transição, marcante naEuropa desde o século XVIII, apresenta umcaráter revolucionário perante a velhaordem existente e a ordem de transiçãoestabelecida. O projeto iluminista procuraentão oferecer suportes teóricos para justi-ficar a investida burguesa ao poder, defen-dendo determinados valores que vão seconfrontar com os interesses arraigados noaparelho estatal da nobreza e do clero. Aburguesia passa a defender idéias comoas de igualdade jurídica, liberdade pessoale social, tolerância religiosa e filosófica e odireito à propriedade privada, como o in-tuito de resguardar as condições básicaspara que o comércio seja dinamicamenterealizado.

Este projeto burguês culminará comas chamadas Revoluções Burguesas,principalmente a Francesa (1789-98),modelo máximo da empreitada rumo à

Page 78: Memórias - Maria Teresa Cunha

78 Geraldo G. de LIMA; Décio GATTI JÚNIOR. Entre escolarização e instituições...

consolidação da conquista também dopoder político. Para manter e garantir suasconquistas, a burguesia passa a sustentarbandeiras com a expansão universal doensino gratuito, universal e laico em todosos países ocidentais. O investimento naexpansão de ideologias de caráter educa-cional está vinculado ao interesse da bur-guesia de propagar o s ideais republicanos.

3.1 Implantação e papel da instruçãopública

Aqui, no Brasil, surgiram alguns mo-vimentos no final do século XIX inspiradosna luta e nos ideais republicanos da bur-guesia a fim de permitir que o país final-mente se adaptasse e se tornasse uma ex-pressão viva de uma civilização renovada,alinhando-se aos países europeus e ameri-canos, considerados avançados política esocialmente.

Segundo o Positivismo de AugusteComte, escola filosófica que teve forte in-fluência sobre os principais líderes brasilei-ros do movimento republicano, seria possí-vel a reformulação de todas as estruturassociais, visando garantir a Ordem, estabele-cida conforme o Progresso. Neste sentido,havia a crença de que seria necessária umaampla reforma intelectual, a fim de garantirbases suficientes para a renovação moraldos diversos meios, afirmando a amplitudesocial da reforma. O projeto positivista acre-dita na primazia da educação enquantoagente e instrumental necessário para arevitalização da ideologia de um povo.

Os partidários dessa tendência polí-tica viam no republicanismo a oportunida-

de mais eficaz de consolidar toda uma men-talidade que já vinha se afirmando ao lon-go da modernidade, principalmente em paí-ses europeus. Por isso, os positivistas tinhamcomo inspiração os movimentos já ocorri-dos na Europa. Viam a necessidade de su-perar os modelos arcaicos da monarquia eo bem como do tradicionalismo religioso,sobretudo de tendências católicas romanas.Em outras palavras,

A escola laica e pública, após a RevoluçãoFrancesa, torna-se um agente socializadorextremamente importante para a consecu-ção do Estado Moderno, para a construçãode uma identidade nacional e de cidada-nia. No século XIX, era de primordial im-portância para o Estado-Nação a constru-ção social da idéia de pátria como umasegunda família, pois as novas delimita-ções territoriais – na Europa – precisavamdiluir a concepção enraizada de ascen-dência através da etnicidade e, também, oEstado-Nação necessitava que emergisseuma nova concepção de autoridade, pau-tada na formalidade da nova representa-ção (sufrágio universal). Além disso, a es-fera do mercado, pautando novas relaçõessociais e de produção e, galopantemente,tornando-se autônoma, requeria do sa-ber letrado uma nova instrumentalidade,assim como sua popularização, por meiode um novo prestígio social positivo. (RI-BEIRO e SILVA, 2003, p. 7)

Com a proclamação da República,houve forte tendência de se impor mudan-ças radicais no campo educacional. O sis-tema escolar mantido pela monarquia eraconsiderado pelos republicanos arcaico eprecário e possuía um caráter clara e ex-cessivamente dualista, privilegiando únicae exclusivamente a elite, que se preparavapara estudar posteriormente na Europa. Era

Page 79: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 67-84, jan./jun. 2008. 79

necessário promover uma ampla mudançanas bases educacionais a fim de consoli-dar o movimento republicano. Além do mais,todo movimento recente precisa ter a preo-cupação de ampliar sua influência e umadas maneiras mais eficientes consiste naexpansão ideológica promovida sobretudopela educação formal oferecida primordi-almente em escolas, em seus mais diver-sos níveis de instrução.

Acredita-se que, para realmente ga-rantir a consolidação destas tendências, erapreciso negar o passado e lutar por ideaisrenovados. Um dos pontos mais cruciais se-ria justamente a defesa de uma escola ofe-recida gratuitamente, sobretudo para asmassas populares, e mantida pelo Estado.Além do mais, obrigatoriamente, deveria serlaica, universal e centralizada.

Percebe-se também o interesse emformar um sistema nacional de ensino como intuito de melhor controlar o currículo ofe-recido nas escolas, dominando assim o pró-prio crescimento da rede escolar. Por outrolado, atendia simultaneamente à deman-da de um forte sentimento de cidadaniapor parte da população, bem como a neces-sidade de uma classe trabalhadora instruídae preparada para o exercício de suas ativi-dades econômicas. A organização do sis-tema escolar poderia também constituir-seuma expressão da tentativa de se superara tradição rural do país e inaugurar a ex-pansão da modernidade urbana, tão pro-clamada pelos burgueses e republicanos.Por isso,

[...] a emergência da escola no espaço ur-bano redefiniu as práticas das liderançaspolíticas. Diferentes vozes passaram a pro-

clamar mudanças intra-escolares que con-templassem os interesses da modernidadecapitalista em ascensão. (GONÇALVES,2004, p. 03)

Um movimento que demonstrasseser contrário a uma longa tradição secularcertamente não seria promovido sem entrarem conflito com interesses estabelecidos.Percebe-se que toda essa dinâmica históricareflete inclusive o interesse de outras institui-ções de se constituir uma referência para oespectro social. A escola foi proclamada,pelo menos teoricamente, para ser o instru-mento por excelência de difusão da ideo-logia republicana e para garantir a consoli-dação da mentalidade popular, preservan-do a coesão social. Em conformidade comestes interesses,

A escola, em meio a todas estas transfor-mações, incorporou a prerrogativa de for-mação do futuro. Diferentes instituiçõesforam acionadas para o convencimentode que a nova ordem burguesa e modernadeveria ser imposta a qualquer custo. Aescola foi, sem dúvida, a instituição-cha-ve, utilizada pelas elites dirigentes, no sen-tido de enraizar nas subjetividades novasconcepções de tempo, espaço, postura, dis-ciplina, racionalidade etc. (GONÇALVES,2004, p. 05)

A valorização da cidade como expres-são por excelência da Modernidade é pro-clamada em diversos setores ligados aorepublicanismo. A cidade representaria oespaço social em que as manifestaçõespolíticas seriam preservadas e estimuladas.A urbe representaria o auge do desenvolvi-mento capitalista e a emancipação de umanova imagem do país, alinhado finalmen-te com as principais potências capitalistasdo mundo ocidental. Com isso,

Page 80: Memórias - Maria Teresa Cunha

80 Geraldo G. de LIMA; Décio GATTI JÚNIOR. Entre escolarização e instituições...

No início do período republicano, a cida-de apresentava um quadro conjunturalque justificava a atenção do governo doestado de Minas e a preocupação em pro-mover a organização do ensino elemen-tar através de uma Reforma de Ensinonos moldes que os estados do Rio de Ja-neiro e São Paulo vinham promovendo.(CRESPO e YAZBECK, 2003, p. 3)

A preocupação em torno da expan-são da escola pública estatal, além do cum-primento de interesses ideológicos republi-canos, tinha também como objetivo ofere-cer um suporte de instrução para os traba-lhadores a fim de garantir a formação deuma mão-de-obra mais bem qualificada.Isso estava de acordo com as mudançaseconômicas que o país vinha sofrendo navirada do século XIX, quando a cafeicultu-ra estava consolidando-se como a princi-pal atividade econômica, voltada inclusivepara o mercado exterior. Com o adventoda I Guerra Mundial (1914-8), houve o iní-cio de uma industrialização no país, exigin-do uma classe de trabalhadores mais bempreparada e instruída. A escolarização gra-tuita e oferecida pelo Estado surgiria comoum mecanismo para atender também àsdemandas de mão-de-obra da Primeira Re-pública.

3.2 A implantação de um modelo escolarprimário na República Velha Brasileira

A escola pública surge com a fun-ção de difusão dos valores republicanosexigidos para a consolidação de um novoregime; é considerada uma escola da Repú-blica para garantir a República. Consolida-se, então, como um projeto cuja finalidadese caracteriza como sendo cívica, moralizan-

te e instrumental, que precisa, necessaria-mente ser reinventada, a fim de superar omodelo em vigor desde o Império.

A origem das chamadas escolasagrupadas, mais conhecidas como gruposescolares, dar-se-á em um contexto de pro-jeto político republicano interessado empromover uma ampla renovação social.Segundo Souza (1998, p. 38):

No Brasil, a escola graduada de ensinoprimário, compreendendo múltiplas salasde aula, várias classes e alunos e váriosprofessores, aparece pela primeira vez noensino público, no Estado de São Paulo,na década de 1890. (SOUZA, 1998, p. 38)

Para a autoraEm várias cidades dedicaram-se à promo-ção de conferências educacionais, criaçãode escolas populares, cursos noturnos paraadultos e fundação de escolas profissionais.Nesse esboço impetuoso de iniciativa par-ticular, os republicanos fizeram da educa-ção popular um meio de propaganda dosideais liberais republicanos e reafirmarama escola como instituição fundamentalpara o novo regime e para a reforma dasociedade brasileira. (SOUZA, 1998, p. 30)

Assim, a gênese dos grupos escolaresrepresentava uma importante inovaçãoeducacional no país e estava diretamenteligada às necessidades de reorganizaçãoda escola primária. Até então, ela estavacompletamente desarranjada e sem unifor-midade. As escolas primárias eram, em suamaioria, escolas isoladas mantidas por pro-fessores mal remunerados e sem controlede um Sistema Nacional de Ensino. Muitasvezes, aqueles que possuíam melhores con-dições de vida alfabetizavam e instruíamseus filhos ao contratar um professor pralecionar em suas residências. Já os que não

Page 81: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 67-84, jan./jun. 2008. 81

tinham a mesma oportunidade eram con-denados ao analfabetismo, problema es-trutural muito presente ao longo da Histó-ria da Educação brasileira. Porém,

[...] em relação à divisão social do trabalho,a educação deve separar as gerações emfunção dos meios específicos para os quaisse destinam. Trata-se de renovar os órgãosdo corpo social que realizam funções es-senciais para a sobrevivência do conjunto.Como diz Durkheim, a educação da cidadenão é a mesma do campo, e nem a doburguês é a mesma do operário. Ele nosdiz que cada profissão constitui um meioambiental sui generis que pede atitudese conhecimentos específicos, onde reinamdeterminadas idéias, hábitos e maneirasde ver o mundo; e como a criança deveser preparada com vistas à função quepreencherá, a educação, a partir de umacerta idade, já não pode ser a mesma paratodos. Aos ramos especializados da divisãodo trabalho correspondem educações es-pecíficas e complementares. A seleção dosconteúdos a serem estudados não pareceoferecer problemas maiores do que os deuma adaptação funcional às necessidadesda divisão do trabalho. Os valores centraissão distribuídos pela educação de acordocom os ramos complementares da divisãodo trabalho. A exigência fundamental deharmonia social e, ao mesmo tempo, adivisão funcional do trabalho, constitui aestrutura e os principais determinantesda escola como agentes de seleção. Destaestrutura decorre a seleção da base morale dos conhecimentos, técnicas e formasde pensamento próprias de cada funçãosocial. Tem-se, portanto, promoção e mobi-lidade vertical de acordo com as aptidõesde cada um. (CARVALHO e CARVALHO,2003, p. 9)

O interesse em expandir o modeloescolar definido pelos grupos escolares alia-se à própria idéia de racionalização dos re-

cursos estatais. Simplesmente reunir todosos alunos de uma cidade ou de uma re-gião em uma única escola resultaria certa-mente em economia de recursos públicos.Simultaneamente, a centralização das ativi-dades escolares em um único ou em pou-cos prédios viabilizaria a própria fiscaliza-ção e o controle das atividades pedagógi-cas dos mestres-professores.

A implantação dos grupos escolaresconfirma o princípio liberal de igualdade deoportunidades entre os sexos, ao garantirvagas equivalentes para meninos e meni-nas. Houve também um processo de cen-tralização e padronização dos currículos le-cionados nos grupos escolares, além daspróprias regras legais referentes à disciplina,aos calendários, aos exames e às provas,bem como outras normatizações com vistasà organização legal do cotidiano escolar.

Com a criação de grupos escolares ea valorização da escola primária urbana,houve um revigoramento da própria figurado professor como agente social, pois

A valorização social do professor e o inícioda profissionalização do magistério primá-rio constituem dois aspectos significativosdas transformações educacionais verifica-das no final do século XIX [...]. A importân-cia dada à educação popular nesse perío-do propiciou a constituição de representa-ções sobre a profissão docente nas quais oprofessor passou a ser responsabilizado pelaformação do povo, o elemento reformadorda sociedade, o portador de uma nobremissão cívica e patriótica. Era pelo profes-sor que se poderia reformar a escola elevá-la a realizar as grandes finalidades daeducação pública. (SOUZA, 1998, p. 61)

Percebe-se também que a política emtorno das escolas agrupadas acabou

Page 82: Memórias - Maria Teresa Cunha

82 Geraldo G. de LIMA; Décio GATTI JÚNIOR. Entre escolarização e instituições...

favorecendo ou privilegiando as cidades,desconsiderando muitas vezes a zona rural.Isso demonstra, mais uma vez, o quanto oprojeto ligado aos grupos de tendênciasclaramente modernizantes. Porém, é preci-so considerar que, aproximadamente seten-ta por cento da população brasileira, du-rante a Primeira República, habitavam azona rural. Dessa forma, é importante reco-nhecer também que as escolas isoladaseram necessárias para atender, sobretudo,às populações rurais. Contudo, o que sepôde perceber foi o abandono e o descasodo governo em relação às escolas rurais.Apesar de existir um projeto reconhecido eproclamado de modernização da socieda-de brasileira, os projetos educacionaisinúmeras vezes foram seguidamente pos-tos em segundo plano.

Em Minas Gerais, o interesse em im-plantar os Grupos Escolares surge comotentativa de seguir os exemplos das refor-mas educacionais já em realização nos es-tados de São Paulo e do Rio de Janeiro.Seguindo essa tendência,

Através do grupo escolar, era possível pa-dronizar o ensino primário. Organizandoo ensino de uma única forma, o Estadopassaria a controlar todos os “aconteci-mentos” ocorridos dentro do grupo escolar.Estabeleceria o quê, quando e como ensi-nar. Neste contexto, através da Lei nº 439de 28 de Setembro de 1906 é instituídoem Minas Gerais o modelo de ensino pri-mário denominado “grupo escolar”.(AGUIAR e DURÃES, 2003, p. 3)

Considerações finais

Procurou-se refletir com o objetivo decompreender o processo de renovação nocampo da pesquisa e da escrita em Históriada Educação, focalizando, particularmente,a relação existente entre escolarização e ainvenção das instituições escolares públicasestatais na Modernidade.

Desse modo, conferiu-se prioridadeao exame dos processos de criação e dedifusão dos grupos escolares no Brasil daRepública Velha, momento em que o dis-curso republicano vigente no país procurademonstrar a necessidade de superaçãodos limites da educação elitista levada acabo no Período Imperial.

Nota-se que a historiografia educa-cional tem se movimentado em termos te-óricos e metodológicos na direção da cons-trução de interpretações que apanham adialética entre escolarização, compreendi-da como imbricada a invenção do EstadoModerno, e as experiências dos indivíduosnas instituições escolares criadas e mantidaspelo Estado.

Conclui-se, desse modo, que os gru-pos escolares inserem-se na nova ordemsocial que se instaura no Brasil Republica-no, com destaque para a propaganda emtorno de seu papel na superação da ordemsocial anterior. Notadamente, pelo desinte-resse pela educação popular demonstradapelo Império Brasileiro que enfatizou o de-senvolvimento do ensino secundário, coma idéia clara de viabilizar a formação das“elites condutoras”do país.

Page 83: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 67-84, jan./jun. 2008. 83

Referências

AGUIAR, Fátima Rita Santana e DURÃES, Sarah Jane Alves. Grupo Escolar Gonçalves Chaves:Um Novo Projeto Escolar na Cidade de Montes Claros/MG, (1906-1927). In: II CONGRESSO DEPESQUISA E ENSINO EM EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS. Uberlândia. Anais... Uberlândia-MG:EDUFU, 2003. CD-ROM.

BUFFA, Ester e NOSELLA, Paolo. Schola Mater: a antiga Escola Normal de São Carlos - 1911-1933. São Carlos/SP: EDUFSCar, 1996.

______. Industrialização e Educação: a Escola Profissional de São Carlos, 1932-1971. São Carlos/SP: EDUFSCar, 1998.

______. Universidade de São Paulo - Escola de Engenharia de São Carlos, os primeiros tempos:1948-1971. São Carlos/SP: EdUFSCar, 2000.

CARVALHO, Carlos Henrique de; CARVALHO, Luciana Beatriz O. B.. As Singularidades do GrupoEscolar Júlio Bueno Brandão no Processo de Construção da Modernidade (Uberabinha - MG1911-1929). In: II CONGRESSO DE PESQUISA E ENSINO EM EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS.Uberlândia. Anais... Uberlândia-MG: EDUFU. CD-ROM.

CRESPO, Ana Maria Beraldo e YAZBECK, Dalva Carolina de Menezes. Os Primeiros GruposEscolares em Juiz de Fora. In: II CONGRESSO DE PESQUISA E ENSINO EM EDUCAÇÃO EMMINAS GERAIS. Uberlândia. Anais... Uberlândia-MG: EDUFU, 2003. CD-ROM.

GATTI JR, Décio. A situação da pesquisa histórica sobre as Instituições Educacionais Brasileiras.Disponível em: <http://www.ufmt.br/revista/arquivo/rev17/his_educ_deciogatti.htm>. Acesso em:15 ago 2004.

GATTI JR., Décio. História e Historiografia das Instituições Escolares: percursos de pesquisa equestões teórico-metodológicas. Educação em Questão. v. 28, n.14, p. 172-91, jan./jun. 2007.

GONÇALVES, Mauro Castilho. A configuração do campo pedagógico: cultura urbana e culturaescolar (décadas de 10, 20 e 30). Disponível em: <http://www.unitau.br/ prppg/publica/huma-nas/download/aconfiguracao-N1-2002.pdf>. Acesso em: 15 ago 2004.

HAMILTON, David. Notas de lugar nenhum: sobre os primórdios da escolarização moderna.Revista Brasileira de História da Educação. n. 1, p. 45-73, 2001

JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História daEducação. Campinas: Editora Autores Associados, n. 1, p. 9-43, jan./jun 2001.

MAGALHÃES, Justino. Um apontamento metodológico sobre a história das instituiçõeseducativas. In: CATANI, Denice B. et. al. (Orgs.) Práticas educativas, culturas escolares, profissãodocente. São Paulo: Escrituras, 1998

NOSELLA, Paolo e BUFFA, Ester. As pesquisas sobre instituições escolares: o método dialéticomarxista de investigação. EccoS – Revista Científica. São Paulo, v. 7, n. 2, p. 351-68, jul.-dez.2005.

Page 84: Memórias - Maria Teresa Cunha

84 Geraldo G. de LIMA; Décio GATTI JÚNIOR. Entre escolarização e instituições...

RIBEIRO, Betânia Laterza e SILVA, Elizabeth Farias da. Primórdios da escola pública republicanano Triângulo Mineiro. In: II CONGRESSO DE PESQUISA E ENSINO EM EDUCAÇÃO EM MINASGERAIS. Uberlândia. Anais... Uberlândia-MG: EDUFU, 2003. CD-ROM.

SOUZA, Rosa Fátima. Templos de Civilização: a implantação da escola primária graduada noEstado de São Paulo (1890/1910). São Paulo: EDUNESP, 1998.

Recebido em 30 de abril de 2008.

Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 85: Memórias - Maria Teresa Cunha

A segunda escola profissional para o sexofeminino (Rivadávia Corrêa) do Distrito Federalou a trajetória de sua diretora – BenevenutaRibeiro (1913-1961)1

The second professional school for women (RivadáviaCorrêa) of the Federal District or the trajectory of itsprincipal - Benevenuta Ribeiro (1913-1961)

Nailda Marinho da Costa Bonato**Dra. em Educação pela UNICAMP. Professora do Progra-ma de Pós-Graduação em Educação da UNIRIO.e-mail: [email protected]

ResumoEste artigo apresenta a trajetória da Escola Rivadávia Corrêa como instituição educativa destinada ao sexofeminino. Tem sua origem na Escola Pública da Freguesia de Sant’Anna criada no século XIX para o ensinoprimário de ambos os sexos e constituindo uma das oito “Escolas do Imperador”. No período republicano iráocupar o prédio daquela escola primária como Escola Profissional Feminina instituída em 1913. Nessemomento, é dirigida por Benevenuta Ribeiro, uma das participantes da primeira Conferência pelo ProgressoFeminino, evento organizado em 1922, pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino que tinha comopresidente Bertha Lutz. A diretora permaneceu à frente da “Escola Profissional Feminina Rivadávia Corrêa” até1961.

Palavras-chaveEscola Rivadávia Correa. “Escolas do Imperador”. Educação Feminina. Primeira Conferência pelo ProgressoFeminino – 1922. Benevenuta Ribeiro. Bertha Lutz.

AbstractThis paper traces the trajectory of the Rivadávia Corrêa School as an educational institution for femininesex. This educational institution emerged from the Freguesia de Sant’Anna Public School in the nineteenthcentury as a primary education for both sex and was considered one of the eight “Schools of the Emperor”.Then it was characterized as Feminine Professional School in the Republican Age. At that moment it wasmanaged by Benevenuta Ribeiro, one of the participants of the first Conference for the Women Progress,organized in 1922 by the Brazilian Federation for Feminine Progress, whose president was Bertha Lutz. Theprincipal managed “the Rivadávia Corrêa Professional School for Women” until 1961.

Key wordsSchool Rivadávia Correa. “Schools of the Emperor”. History of the women’s education. First Conference forthe Women Progress – 1922. Benevenuta Ribeiro. Bertha Lutz.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 85-102, jan./jun. 2008.

Page 86: Memórias - Maria Teresa Cunha

86 Nailda Marinho da Costa BONATO. A segunda escola profissional para o...

A “Escola Pública da Freguesia deSant’Anna”: uma “Escola doImperador”

Antenor Nascentes, de acordo comNelson Costa (1958), no jornal EfemeridesCariocas, em 14 de março de 1877, infor-ma que foi inaugurada no município daCorte a Escola Pública da Freguesia deSant’Anna, atual Escola MunicipalRivadávia Corrêa. O prédio onde iria se alo-jar teve sua pedra fundamental lançada em5 de outubro 1874, com a presença doImperador, do Ministro do Império, de Se-nadores, do Inspetor Geral da InstruçãoPrimária e Secundária do Município daCorte, entre outras personalidades. Na Atade lançamento, lê-se:

Aos cinco dias do mês de outubro do nas-cimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de1874 às 5:12 horas da tarde, em presençado povo, foi por S.M. o Imperador o Sr. D.Pedro II lançada a pedra fundamental des-te edifício, planejado pelo engenheiro Dr.Francisco Pereira Passos, destinado paraescola pública de ambos os sexos daFreguesia de Sant’Ana desta muito Leale Heróica Cidade de São Sebastião do Riode Janeiro, no local do Campo de Aclama-ção, entre as Ruas de S. Pedro [PresidenteVargas] e Larga de São Joaquim [atualMarechal Floriano] oficiando a cerimôniareligiosa o Revem. Monsenhor Felix Mariade Freitas e Albuquerque...”2 (Grifo meu)

Consta que a escolha do local –Campo de Santana deve-se principalmen-te ao fato de ser aquele lugar o centro po-lítico-administrativo da capital do Império,ponto estratégico onde se localizavam vá-rios prédios representativos do Poder. Nelejá existia a Estação da Estrada de Ferro D.

Pedro II, o Quartel-General do Exército, aCasa da Moeda, o Edifício do Senado e oPaço Municipal.

Essa escola se inseria como sendouma das oito “Escolas do Imperador”3 cons-truídas com o produto da coleta de dinheiroa expensas oficiais e donativos do povodestinados à estátua do imperador D. PedroII4 a ser erguida em sua homenagem de-pois da guerra do Paraguai com a vitóriabrasileira, em 1870, se ele houvesse concor-dado. A negativa para a honraria fez comque o dinheiro fosse destinado para a cons-trução de escolas no Rio de Janeiro (AZE-VEDO, 1969; PRIMITIVO, 1936).

A instrução pública existia em prédiosalugados, com pagamento de aluguéis ele-vados, o que provocava mudanças e des-pesas constantes. O governo imperial tam-bém subvencionava algumas escolas par-ticulares. Sendo assim, o ato do Imperadorera louvado, dizia Frei José de Santa Amaral,inspetor da Inspetoria Geral da InstruçãoPrimária e Secundária da Corte que:

[...] ao generoso impulso imperial espera-mos ver surgir à época em que a Cidadedo Rio de Janeiro e as principais do Impé-rio apontem para os edifícios da educa-ção popular como os mais belos mo-numentos da glória nacional . (SME/CREP, 2005, p. 18) (Grifo meu)

Entre 1870 e 1877 foram fundadasoito escolas destinadas à instrução primáriade meninos e meninas no Município daCorte, sendo instaladas em prédios monu-mentais5 construídos em importantes loca-lidades do espaço urbano, como foi o casoda “Escola Pública da Freguesia deSant’Anna”, que teve seu prédio construído6

Page 87: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 85-102, jan./jun. 2008. 87

por iniciativa do Ministério do Império, po-rém contou com donativos de particulares.Só uma das oito escolas fora construídacom verba exclusiva do governo central.(Ibid., pp.24 e 50). De acordo com Mograbi7,na apresentação do livro intitulado “Esco-las do Imperador”:

Nessas escolas, a instrução era gratuita,separada e diferenciada por sexos. As me-ninas aprendiam as letras, matemáticas eprendas domésticas. Os meninos, além dasletras e matemáticas, as ciências. (Ibid., p. 7)

No prédio dessa Escola irá se instalar,em 1915, a “2ª Escola Profissional Feminina”.

A “Segunda Escola ProfissionalFeminina”

No ano de 1888, o edifício da EscolaPública da Freguesia de Sant’Annapassou a ser usado pela Escola Normal8 que,sem lugar definitivo para instalar-se, ocupouo espaço até 1914. Nesse período, funda-se,em 1913, a “2ª Escola Profissional Femi -nina”, instalada provisoriamente na Esco-la José Bonifácio de nível primário, localiza-da num prédio9 de arquitetura privilegiada,de grandes dimensões, como mais uma dasoito “Escola do Imperador”10.

A Escola surge por força do decreton. 838, de 20 de outubro de 1911, quedetermina, entre outras coisas, a criação deuma rede de vinte escolas profissionais, dasquais dez destinadas ao sexo masculino edez ao sexo feminino. Dois anos depois, porforça do decreto n. 912, de 10 de maio de1913, do prefeito general Bento Ribeiro11,seguindo a lógica da denominação dadaàs escolas primárias da época separadaspara meninos e meninas12, são criadas a

“1a Escola Profissional Feminina”13 e a “2a

Escola Profissional Feminina”, nos moldesdo já existente Instituto Profissional Femi-nino14, em regime de externato e devendoser regida e dirigida por mulheres15.

A escola pública profissional, seguin-do o sistema educativo da época, foi divi-dida em escola para o sexo feminino16, es-cola para o sexo masculino17 e escola mista.

Segundo a ata transcrita abaixo, a2a Escola Profissional Feminina foiinaugurada em 8 de julho de 1913.

Aos oito dias do mês de julho de mil nove-centos e treze, nesta cidade do Rio de Ja-neiro, Capital Federal da República dosEstados Unidos do Brasil, presentes osSenhores General Bento Ribeiro CarneiroMonteiro – Prefeito do Districto Federal, odirector geral de Instrucção Publica Mu-nicipal, e mais pessoas gradas que subs-crevem esta Acta, foi solemnemente inau-gurada a 2a Escola Profissional Femi-nina no pavimento superior da Esco-la José Bonifácio, sito à rua da Harmo-nia n. oitenta. E para constar e comme-morar esta inauguração, foi lavrada a pre-sente Acta, que vai assignada pelas pes-soas presentes.

General Bento Ribeiro Carneiro Monteiro [...].18

A direção ficou a cargo de Beneve-nuta Ribeiro Carneiro Monteiro 19, so-brinha do prefeito. No ano do decreto queinstituiu a criação das escolas profissionais,em 1911, era nomeada datilógrafa da Di-retoria de Estatística no Ministério da Agri-cultura, onde ficou até ser chamada peloprefeito marechal Bento Ribeiro20 para diri-gir a Escola Profissional Rivadávia Correa.

Em 27 de outubro de 1915, passa adenominar-se E s c o l a P r o f i s s i ona lRivadávia Corrêa, em homenagem ao

Page 88: Memórias - Maria Teresa Cunha

88 Nailda Marinho da Costa BONATO. A segunda escola profissional para o...

prefeito, conforme ofício enviado pelo Dire-tor Geral de Instrução Pública MunicipalAzevedo Sodré para a diretora.

Comunico-vos para os devidos fins quedenominei por acto de hontem, 27 do cor-rente, “Escola Profissional RivadaviaCorrea” o estabelecimento profissional quedirigia.

Saudações.

A . Sodré21

É no prédio da Escola Pública daFreguesia de Sant’Anna , após as devi-das adaptações, que foi instalada a Esco-la P rofissional Rivadávia Corrêa, des-tinada exclusivamente ao sexo feminino,em 1915. Seu patrono, Rivadávia Correa,22

entendia que “naquele casarão da Praçada República” seria dada a “disciplina con-veniente ao sexo feminino”.

A adaptação pela qual passou o pré-dio, naquele ano, teve o apoio financeirode terceiros, incluindo empresas e políticos,por isso, muitas de suas salas foram“batizadas” com os nomes de seus benfei-tores e políticos. Conforme Freitas (1954),em 1915, as salas das oficinas de costura,de pintura, de chapéus, de desenhos, de arteculinária, de modelagem, entre outras, fo-ram instaladas a expensas do livreiro Fran-cisco Alves, Vilas Boas & Cia, Leandro Mar-tins e The Rio de Janeiro Light and Power.

A presença de empresas na escolaera uma constante, fazendo-se visível comsuas contribuições e interesses. Essa relaçãoé demonstrada nos ofícios passados pelaDiretoria Geral de Instrução Pública, em 24de junho em 1913, comunicando à diretorao desconto de 50% nas passagens das alu-nas através de passes dados pela Light and

Power Co, pela Companhia Ferro Carril doJardim Botânico, depois de pedido feito pelaDiretoria de Instrução.

A Companhia Ferro Carril do Jardim Botâ-nico, a pedido desta Directoria, resolveuconceder as alumnas de vossa escola pas-ses com 50% de abatimento, que serãoexpedidos, á vista do cartão de matriculapor vós visado, para uso desses nos dias ehoras de funcionamento das aulas da es-cola sob vossa direção, o que vos commu-nico para os devidos fins.

Saudações

O Director Gerall23

Dr. B. F. Ramiz Galvão24.

Pela legislação, o ensino públicomunicipal ministrado nas escolas primáriase profissionais deveria ser livre, leigo e gra-tuito, devendo o ensino profissional ser dis-tribuído inicialmente ao longo de três anos,em conformidade com o regulamento quelhes era dado. O curso profissional para osexo feminino abrangeria: modelagem, de-senho, pintura, gravura, litogravura, fotogra-fia, datilografia, escritura mercantil, esteno-grafia, tipografia, costura a mão e a má-quina, rendas a mão e a máquina, flores esuas aplicações, chapéus e coletes parasenhoras, gravatas.

No adestramento das atividadesmanuais, a mulher era mais indicada paraisso. Para Louro, a escola profissional femi-nina dedica: “intensas e repetidas horas aotreino das habilidades manuais de suasalunas produzindo jovens ‘prendadas’, ca-pazes dos mais delicados e complexos tra-balhos de agulha e pintura” (Louro, 1997,p. 62). No caso da Escola ProfissionalRivadávia Corrêa, as imagens de Malta re-

Page 89: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 85-102, jan./jun. 2008. 89

gistraram as oficinas de costura, chapéu,bordado, colete, entre outras, reforçando aimportância dada a esse tipo de aprendi-zagem. Constituindo-se como uma escolade “sucesso” na formação profissional paraas meninas que, para nela se matricularteriam que possuir idade entre 12 e 20 anose conhecimento, de pelo menos, parte dasmatérias do ensino primário, demonstradoem exame de admissão, ficando muitascandidatas aguardando vagas (CarneiroLeão, 1926).

O “sucesso” da Escola ProfissionalRivadávia Corrêa na primeiraConferência pelo ProgressoFeminino representado na figurade sua diretora Benevenuta Ribeiro

Em 1922, Benevenuta Ribeiro Car-neiro Monteiro participou, como represen-tante do Distrito Federal e diretora da EscolaProfissional Feminina Rivadávia Corrêa, daprimeira Conferência pelo Progresso Femi-nino, organizada no Rio de Janeiro pelaFederação Brasileira pelo Progresso Femi-nino25, instituição que tinha como presidenteBerta Lutz26. As perguntas que se coloca-vam eram as seguintes: Por quê a diretoradessa escola participou de um evento orga-nizado por uma entidade que lutava pelaemancipação feminina? De que forma elaparticipou?

No ano que também ficaria marca-do pelas comemorações do Centenário daIndependência do Brasil com a organizaçãoda Exposição Universal no Rio de Janeiro,capital do país, pela fundação do PartidoComunista Brasileiro, pela Revolta do Forte

de Copacabana, pela organização da Se-mana de Arte Moderna, Bertha Lutz convo-cava para a primeira Conferência pelo Pro-gresso Feminino27 que tinha como tese ge-ral: “A colaboração da Liga pelo ProgressoFeminino na educação da mulher nobem social e aperfeiçoamentos humanos”e apresentava como um de seus objetivos:“[...] deliberar sobre questões praticas deensino e instrução feminina [...]” (Grifomeu).

Em uma correspondência, a feministaconvida o Diretor de Instrução Pública doDistrito Federal Antonio Carneiro Leão (1922-1926)28 no qual, “confiando na [sua] es-clarecida orientação”, toma a liberdade detambém solicitar a indicação de delegadasdaquela Diretoria para fazer parte da Co-missão de Instrução e Educação29 daConferência “afim de que os trabalhos se-jam orientados pelos elementos profissionaismais competentes que existem entre nós”30.

As indicadas da Diretoria da Instru-ção Pública do Distrito Federal foram asprofessoras Esther Pedreira de Mello, Inspe-tora Escolar; Benevenuta Ribeiro, Dire-tora da Escola Profissional FemininaRivadávia Correa; Maria Xaltrão Gaze,Diretora da Escola de Aplicação, que junta-mente com outras delegadas da Federaçãona Conferência viriam a compor a Comis-são de Educação e Instrução31. Assim,a diretora se inseria entre os “elementosprofissionais mais competentes que existementre nós, no que se refere ao campo daeducação”, conforme solicitação de Berthalutz a Carneiro Leão.

Aqui cabe outra pergunta: Por que adiretora da Escola Profissional Feminina

Page 90: Memórias - Maria Teresa Cunha

90 Nailda Marinho da Costa BONATO. A segunda escola profissional para o...

Rivadávia Corrêa foi reconhecida pelo di-retor da Instrução Pública como um dos“elementos profissionais mais competentesque existem entre nós, no que se refere aocampo da educação”? Se uma representan-te da Liga Paulista pelo Progresso Femini-no na Conferência, Branca de Canto deMello informava haver em São Paulo umaEscola Profissional Feminina bem-sucedida,desejando que “com o correr dos tempos, aEscola venha a ter os seus cursosaugmentados, de accordo com as diferen-tes aptidões profissionaes que as operáriasvenham a revelar”, a Escola dirigida porBenevenuta não ficava atrás em termos de“sucesso” no campo do ensino profissionalpara o sexo feminino.

Criada em 1913, já em 1916 o “su-cesso” do ensino oferecido às meninas soba batuta de Benevenuta Ribeiro mereceriaelogios da imprensa escrita. Em um texto deum periódico da época, se destaca: “Na Es-cola Rivadávia Corrêa acham-se reunidos osensino práticos de corte, confecções de cha-péus e flores, espartilhos, datilografia e cozi-nha, preparando donas de casa e operáriassob uma orientação moderna e prática”.Nota-se no texto a visão projetada sobre opapel da mulher”(SME/CREP, 2005, p. 51).

Constatei em minha pesquisa dedoutoramento que essa Escola profissionaladquiriu grande visibilidade imagética atra-vés das lentes de Augusto Malta32, fotógra-fo contratado para registrar as transforma-ções urbanas levadas a cabo pelo entãoprefeito Francisco Pereira Passos (1902-1906), no Distrito Federal. A Escola se inse-ria como prova de um modelo de educaçãoprofissional para o sexo feminino, dentro

do projeto modernizador da cidade do Riode Janeiro. O ensino profissional oferecidoàs meninas pobres e de classe média baixada capital e do país nos moldes dos paísescivilizados visando ao trabalho no lar, sejacomo dona-de-casa ou mesmo como em-pregada doméstica especializada, na in-dústria e no comércio, se apresenta comoparte das ações do Estado no que se refereà educação.

O motivo de se dar grande visibilida-de imagética a Escola, entre outras possibi-lidades, residia no fato de estar o prédiolocalizado em um ponto privilegiado e es-tratégico da cidade, como visto no iníciodesse trabalho. Suas imagens ocuparamcom destaque as páginas de jornais e re-vistas como a Revista da Semana33, inclu-sive na forma de cartão-postal34. As ima-gens valorizavam, sobretudo, o edifício mo-numental para uma escola e as atividadesmanuais ensinadas e aprendidas nas ofici-nas e as aulas de prendas domésticas daEscola dirigida por Benevenuta Ribeiro:

[...] sobretudo os trabalhos manuais de-senvolvidos nas diversas oficinas e aulasde prendas domésticas, corte-costura,pintura, confecção de chapéus, desenhos,modelagem, arranjos de flores e o materialnecessário para seu desenvolvimento, va-lorização expressa no registro das exposi-ções de final de ano com o produto dotrabalho das alunas. Também se registraas aulas de datilografia e as atividadesfísicas. (Bonato, 2003, p. 117)

Segundo Freitas (1954), assim comono Instituto Profissional Feminino, a EscolaProfissional nasceu tendo como objetivo aeducação física, visando ao bem-estar docorpo feminino, atendendo a sua anatomia,

Page 91: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 85-102, jan./jun. 2008. 91

a intelectual e moral, e práticas necessárias,tanto para o bom desempenho das profis-sões designadas no seu Regulamento,como também para tornar menos difíceisos encargos do lar doméstico.

Esse tipo de ensino profissional,doméstico e agrícola era discutido naConferência pelo Progresso Feminino, soba responsabilidade da Comissão de Edu-cação e Instrução que tinha em sua com-posição a diretora da Escola ProfissionalRivadávia Corrêa. Os temas debatidos eramapresentados em forma de teses no âmbi-to da Comissão para que seus membrosdessem parecer quanto a sua apresenta-ção no plenário da Conferência.

Benevenuta Ribeiro participou ativa-mente da discussão ligada a educação einstrução da meninas, propôs teses e deupareceres favoráveis a várias outras paraque fossem levadas ao plenário da Confe-rência. No que tange ao ensino profissio-nal, doméstico e agrícola, cinco “thesesespeciais” foram apresentadas; 1) Como pri-meiro passo para o ensino profissional deve-se difundir largamente o ensino do dese-nho a mão-livre? 2) Deve ter a mais ampladifusão o estudo da economia domésticacom as suas aplicações à agricultura e nasindústrias rurais? 3) Deve se promover lar-gamente a criação de escolas para mãesde família onde se ensinem além da eco-nomia e prendas domésticas as noçõesessenciais de higiene e medicina infantil?4) O ensino profissional deve ser obrigató-rio? Quais os trabalhos especiais que de-vem ser cultivados pelo sexo feminino equais os modelos que devem ser ministra-dos? 5)Como se deve resolver a questão

da obrigatoriedade do ensino profissionalpara as mulheres? Em que casos podemser dispensadas do aprendizado, de artese ofícios?

Benevenuta Ribeiro deu parecer fa-vorável às teses como as de GuilherminaVieira da Matta35, delegada do Espírito San-to, referentes ao “Ensino profissional e agrí-cola” que tratavam da necessidade “decreação de estabelecimentos de ensinopara a preparação de orphãos e filhas delavradores para os mistéres da vida, docultivo dos campos”; que se proceda “umestudo acurado das necessidades do agri-cultor para o amparo de suas filhas sem orisco de abandono por ella dos labores paraa busca de occupação nas cidades”; e da“creação de aulas livres nas escolas prima-rias, onde se ministre o ensino agrícola demodo pratico e efficiente”. Questões queafligiam as mulheres reunidas naqueleevento.

Por outro lado, a diretora defendeua seguinte tese: “Ensino do desenho profis-sional e a mão livre nas escolas profissio-naes femininas.” No âmbito da Comissãode Educação e Instrução teve o parecer fa-vorável de Corina Barreiros, delegada daFederação pelo Distrito Federal, que foi apro-vado por unanimidade. Assim se pronun-ciou a congressista: “Seja o programma daEscola Rivadavia Corrêa publicado e espa-lhado largamente, officialmente”36.

Apresentada ao plenário da Confe-rência, este conclui pela necessidade do“Ensino de desenho a mao livre obrigató-rio por ser base essencial do ensino profis-sional” e da fundação de mais escolas pro-fissionais femininas. Neste sentido, a “Con-

Page 92: Memórias - Maria Teresa Cunha

92 Nailda Marinho da Costa BONATO. A segunda escola profissional para o...

ferência recomenda a diffusão do ensinoprofissional, reconhecido, porém, que porenquanto não é possível a obrigatorieda-de”37. Assim embora fosse um tipo de esco-la criticada na citada Conferência de 1922por algumas das participantes, como a fei-ta pela já citada delegada da Liga Paulistaem relação a ênfase dada no plano de es-tudos dessas escolas às atividades de cos-tura, chapéu, bordado, colete, era uma es-cola reivindicada naquele fórum de discus-são feminista.

Pensando no mercado de trabalhoque se constituía, dizia a delegada da LigaPaulista que o tipo de ensino ministrado nasescolas profissionais não explorava e estimu-lava outras possibilidades do trabalho, comoa da ourivesaria, gravação, fotografia, deco-rações internas, desenhos geométricos, de-senhos característicos de estilos retrospecti-vos diversos, que muito auxiliam a indústriade fiação e tecidos, desenhos arquitetônicosetc. Assim sendo, na Conferência, a escolaprofissional também foi pensada como for-madora da mão-de-obra feminina que ser-ve ao lar, à indústria e ao comércio, condiçãoque vai se consolidando ao longo de tem-po, como constatado nas palavras de AfrânioPeixoto, Diretor de Instrução Pública no perío -do de 1916 a 1917, em seu livro A Educa-ção da mulher, uma obra de 1936, a se ex-pressar da seguinte maneira em relação àescola profissional feminina: “[...] A escola pro-fissional, depois de Azevedo Sodré, [1915-1916] dá produtos, procurados nas industriasfemininas e no comercio da indumentária”(1936, p. 111).

Ora, ao indicar Benevenuta Ribeiro,o educador pernambucano, estava não

apenas reconhecendo a sua “competência”na direção da Escola, mas também apre-sentando uma experiência, segundo ele,bem sucedida para as mulheres daquelaConferência em relação ao ensino profissio-nal que a sua gestão na Diretoria de Ins-trução Pública do Distrito Federal estavaproporcionando ao sexo feminino; a pró-pria solicitação feita a ele por Bertha Lutz,presidente da entidade organizadora doevento, já demonstrava esse reconhecimen-to por parte da Federação.

A Carneiro Leão eram dirigidos elo-gios de educadores estrangeiros em rela-ção ao ensino profissional feminino propor-cionado pela sua Diretoria. O professoramericano da Universidade de Columbia I.L. Kandel que, em 1922, visitou a Escola,expressou-se, segundo o próprio Diretor, daseguinte forma: “O Sr. deve estar orgulhosoda sua escola, essa orientação é magnífica.”(1926, p. 191).

A Escola recebia freqüentemente, porum motivo ou outro, visitas de personali-dades e autoridades nacionais e internacio-nais. Prefeitos e presidentes da Repúblicatambém a prestigiaram. O próprio CarneiroLeão e o prefeito Alaor Prata eram presen-ças freqüentes nas solenidades constante-mente registradas por Augusto Malta edivulgadas em jornais e revistas da época.

Como visto, Benevenuta Ribeiro de-fendia naquela Conferência a necessidadedo “Ensino do desenho profissional e a mãolivre nas escolas profissionaes femininas.”,sendo esse tipo de ensino um exemplo daescola por ela dirigida para todas as outrasescolas. Entendida por Carneiro-Leão comopossibilidade de demonstrar o “sucesso”

Page 93: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 85-102, jan./jun. 2008. 93

pedagógico dessa escola, ele destaca acapacidade das alunas para o ensino dedesenho e, na sua percepção, a felicidadecom que as alunas realizavam tal tarefa:

Nellas o desenho e a modelagem são abase de tudo. Trabalho algum é executadoantes de devidamente projectado e dese-nhado pela alumna; E é interessante veri-ficar com que precisão e alegria desenhamum chapéo, modelam um figurino. (Ibid.)

Uma das críticas feitas por Carneiro-Leão, já na década de 1920, ao InstitutoProfissional Feminino, era a falta de umacadeira de desenho com a mesma quali-dade da existente nas escolas RivadáviaCorrea e Paulo de Frontin. Um memorandodo secretário-geral de Instrução Públicapassado à diretora Benevenuta Ribeiro daEscola Rivadávia Corrêa, datado de 20 dedezembro de 1915, solicita que essa Escola,por empréstimo, ceda “para o Curso de De-senho do Instituto Profissional Orsina daFonseca á cargo do Prof. Luiz Dumont, asplanchetas existentes nessa Escola”. Isso sejustifica, pois o ensino e a aprendizagemdo desenho eram um dos motivos deelogios da Escola.

A “disputa pedagógica” aparece nasimagens referentes à prova de desenho,como a datada de 27 de novembro de1925, no interior da “Sala Dr. BenedictoRaymundo”, em “Exame de desenho”. Noresultado final, vem escrito nos desenhos onome da aluna e “Exame: de memória emhora e meia”. As imagens parecem quererrevelar as habilidades das alunas ao dese-nhar modelos de vestuário feminino emmoda na cidade, em estilo europeu. A ima-gem registrada em 17 de novembro de

1923, onde aparecem quatro alunas empé sobre as pranchetas desenhando e amestra supervisionando o trabalho de umadelas, torna-se prova visual dessa capaci-dade. Nas revistas onde eram publicadas,observamos muita propaganda do vestuá-rio feminino aliado a segredos de beleza.

Um outro fator também era motivode elogios à Escola Profissional Feminina.Enaltecendo a competência e o sucesso dasescolas profissionais para o sexo feminino,em relação às escolas profissionais para osexo masculino, informa que a evasãoescolar38era maior nessas do que naquelasescolas. Dizia o educador em seu Relatóriode 1926:

Funcionaram aqui, o anno passado, qua-tro escolas profissionais masculinas com800 matriculas e duas femininas com maisde 900.. . Nas escolas masculinas épequeníssimo o numero daquelles queterminam o curso, nas femininas, entre-tanto, esse número é grande e cada vezmaior. (CARNEIRO LEÃO, p. 193)

O Diretor se referia às escolas Paulode Frontin e Rivadávia Corrêa.

Voltando à Conferência, consideradaa “ciência do lar”, a educação domésticapara as meninas não foi esquecida. Essetipo de ensino era incentivado segundo “osmais modernos modelos americanos e eu-ropeus. Reivindicava-se que fosse destina-do nas escolas um tempo maior dedicadoa esse estudo entendido como tão impor-tante para a formação da mulher comouma perfeita dona-de-casa quanto ler eescrever. Mas, se a Escola Doméstica deNatal, dirigida pela americana Miss James,era a referência, o plano de estudos daEscola Profissional Rivadávia Corrêa

Page 94: Memórias - Maria Teresa Cunha

94 Nailda Marinho da Costa BONATO. A segunda escola profissional para o...

contemplava a educação doméstica. Comoexemplo, uma imagem de 1922 da aulade artes culinárias acontecendo na co-zinha doméstica denominada “Sala MabelPearson”. Nela as alunas trajando uniformecom touca de pano na cabeça e as mes-tras usando avental, o fotógrafo tenta de-monstrar a preocupação com a higiene nafeitura dos alimentos. Segundo propagadopelas mulheres na Conferência, ou pelomenos por algumas delas, o sexo femininoprecisava, entre outras coisas, conhecer oscuidados e o asseio individual, da casa esua dependências e dos animais; saber es-colher e preparar os alimentos, seu valornutritivo e econômico; preocupar-se com oregime alimentar das crianças, dos adultose dos enfermos39.

Para Rodrigues (2000), o plano deestudos das escolas profissionais, entre elasa Escola Profissional Rivadávia Corrêa, con-templava a aprendizagem das prendasdomésticas, com isso essas escolas produ-ziam jovens “aptas” para o casamento, amaternidade e a vida no lar, considerandoo papel imputado à mulher naquele perío-do, mas também profissionais para o em-prego doméstico.

Se a idéia da escola do trabalho nãofoi tão enfatizada por Carneiro Leão em suaproposta educativa, e sim por Fernando deAzevedo, ambos concordavam que a es-cola profissional era importante para a for-mação das meninas, principalmente das“desamparadas” do Distrito Federal.

Da memória imagética da Escola Pro-fissional Rivadávia Correa, a mais extensae preservada, pela quantidade de fotogra-fias encontradas, aliado a outros documen-

tos, podemos dizer que a maioria é a relati-va às atividades ligadas ao trabalho ma-nual, às atividades profissionalizantes. Semdúvida, pela sua importância para a escolae para a formação de uma mão-de-obraseja para o trabalho no lar ou externo aele. Na Conferência, a delegada da LigaPaulista reforça esse pensamento citandoalguns trechos da conferência sobre “Edu-cação Profissional” proferida pelo professorAprígio Gonzaga no Conselho de Educaçãode São Paulo. [Convidado por CarneiroLeão para ajudar na Reforma Educacionalno Distrito Federal; declinou do convite de-vido ao acúmulo de trabalho em São Pau-lo.] Para o citado educador:

A escola tem de encarar a mulher sobduas faces: a mulher casada e a mulhersolteira. A missão principal da mulher éde ser: “mãe de família, esposa, quandonecessário for, trabalhadora ao lado dohomem, para se manter, sem dependên-cias ou humilhações. 40

Porém, nem todas as mulheres secasam, indo para o mercado de trabalho, ea escola tem de considerar essa realidade,continua a reflexão; e estabelecendo a dife-rença entre as moças ricas e pobres, enfatizaa necessidade que essas últimas têm daeducação doméstica, como salvação, quemsabe, para encontrar “um bom marido” emanter assim um “bom casamento”.

[...] Os pais, quando ricos, dão-lhes educa-ção de salão: piano, canto, esporte, dançase outras prendas que estão muito bemnas ricas (eu acho até que nem as ricastêm o direito de desconhecer o trabalhoda educação dos filhos e a direção do lar);mas para a classe pobre, só na escoladoméstica está a salvação. Na escola do-

Page 95: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 85-102, jan./jun. 2008. 95

méstica a mulher deve aprender a serboa dona de casa.41

O projeto republicano visava tirar amassa ignara do atraso deixado pelo anti-go regime, segundo seus ideólogos. Nesseentendimento, a educação, principalmentea instrução primária, se faz essencial. Nes-se nível de instrução, o ensino profissionalé pensado para ser oferecido às classesmenos favorecidas considerando a des-centralização do ensino trazido pela Repú-blica que resulta num sistema educacionalsem unidade. Nesse caminho, às classespopulares, o ensino primário, normal e téc-nico-profissional e, à elite, o ensino secun-dário e superior. Assim, esse hiato sócio-educacional provindo do Império se man-tém no novo regime, no dizer de Saffioti:

O hiato entre a rede primária de ensino ea instrução superior já implantado noImpério [...]. Justapunham-se, sem ligaçãovertical, o sistema primário, normal e téc-nico-profissional, de um lado, e o sistemasecundário e superior de outro. Constitu-indo o primeiro o sistema de educaçãopopular e o segundo o sistema de educa-ção da elite [...]. (SAFFIOTI, 1979, p. 214)

Quanto ao ensino profissional, do-méstico e agrícola, como conclusões daConferência de 1922, temos, entre outras:

Trabalhar pela creação e desenvolvimentode Escolas Profissionaes, de modo aformar operárias artifices ou artistas emqualquer dos ramos de actividade manualpara o qual revelem aptidão ou vocação.

Fomentar a disseminação do ensino deEconomia Domés t i ca em todos oscollegios existentes no territorio da Repú-blica, de modo a formar do melhor modopossível e de maneira homogenea a donade casa e a mãe de família brasileira.42

Benevenuta Ribeiro participa da Con-ferência como representante de uma Esco-la Profissional Feminina que não deixavaquase nada a desejar em relação ao ensinoprofissional reivindicado para o sexo femi-nino naquele espaço de discussão. Ensinoesse ministrado sob sua direção na EscolaProfissional Rivadávia Corrêa tendo em vis-ta as necessidades do Estado Educadordentro das exigências da pedagogiamoderna e do mercado profissional quese constitua na capital federal.

A Escola segue após a Conferência

Após a primeira Conferência peloProgresso Feminino, Benevenuta Ribeirocontinua dirigindo com “sucesso” a EscolaProfissional Rivadávia Corrêa. Seu Plano deEstudos também contemplava aulas deginástica, atividades culturais e passeiosque foram alvos das lentes de Malta. Sãoexemplos a apresentação, no pátio da es-cola, da dança “Na Terra de Carmen”, coreo-grafada pelas alunas em trajes típicos e aapresentação teatral “Toselli – Serenata”, em1923, conforme identificação feita pelo pró-prio fotográfo na superfície das imagensregistradas; as visitas de estudos e passeioscomo ao morro do Corcovado (Cristo Re-dentor) e ao Museu Histórico, em 1926,sempre acompanhadas por professoras epela diretora que participou da Conferência.

A imagem de Benevenuta Ribeiro éfigura central em muitos dos registros pro-duzidos por Malta, com o mesmo “status”dos prefeitos, diretores de Instrução Públicae outras personalidades que visitaram aEscola. Sua vida se confunde com a história

Page 96: Memórias - Maria Teresa Cunha

96 Nailda Marinho da Costa BONATO. A segunda escola profissional para o...

da instituição educativa a qual dirigiu. Areportagem do jornal A Nação, de 1938,destaca sua “competência” à frente da es-cola, até aquele ano, da seguinte maneira:“A direcção atual do estabelecimento estaa cargo do desvelo e competência da pro-fessora Benevenuta Ribeiro...”43 Além de tra-zer a imagem do prédio da então EscolaT e chn i c a S e cunda r i a R i v adav i aCorrêa, traz a do seu fundador Bento Ri-beiro, apontando ainda a importância dadaà escola como “Cartão-pedagógico” à socie-dade carioca.

Está de parabéns o magistério desta cida-de e, em particular, o ensino público daPrefeitura do Districto Federal, pelo trans-curso na data de hoje, do jubileu de pratada E s co l a T e chn i ca Se cunda r i aRivadavia Corrêa, estabelecimento edu-cacional de maior prestígio, das melhorestradições da capital da República. Fundadaa 10 de maio de 19134 4 , na adminis-tração do então prefeito marechal BentoRibeiro, sob a denominação de 2a EscolaProfissional Feminina, o conhecido edu-candário teve como sede, inicialmente, o2o andar da Escola Primária “JoséBonifácio”, no bairro da Saúde. Em 15 denovembro de 1915, já então na adminis-tração do prefeito Rivadávia Corrêa, trans-feriu-se para o prédio da Praça da Repu-blica, especialmente construída para essefim [...].45

Outra reportagem do Jornal do Brasil,datada de 10 de maio de 1973, intitulada“Colégio Rivadávia Correia chega aos 60anos com um acervo de objetos raros”, des-tacando o trabalho pedagógico desenvolvi-do na escola sob a batuta da diretora, nosinforma que, sob sua administração, se, em1915, o número de alunas matriculadas erade 35, em 1916, já era de 200, havendo

então um aumento significativo de um anopara outro. Naquele espaço educativo:

As meninas aprendiam a cozinhar, a fazerenfeites de flores, a bordar, a fazer chapé-us. De 1913 a 1961 o colégio foid i r i g i do po r Dona Benevenu taMonteiro , que morreu aos 80 anos,poucos dias depois de deixar a dire-ção do colégio. (Grifo meu)

De acordo com a reportagem,Benevenuta Ribeiro permaneceu à frenteda direção até o ano de 1961, morrendodias depois de deixar o cargo. Enquantoesteve à frente da escola, a diretora nãopermitiu o ingresso de alunos, o que veio aocorrer tão logo decidiu retirar-se, em 1961.Nessa década, a instituição educativa passaa chamar-se “Colégio Estadual RivadáviaCorrêa”.

Em um requerimento datado de maiode 1974, um deputado estadual comunicaque requereu à Mesa, na forma regimen-tal, voto de congratulações ao Colégio Es-tadual Rivadávia Corrêa, na pessoa de seudiretor, prof. João Baptista Chagas Filho,pela passagem do 61o aniversário de fun-dação. Justificando a importância docolégio, traça um histórico chamando aten-ção para a sua atuação como escola parao sexo feminino; neste sentido, se expressada seguinte forma: “[...] Outrora se dedicouà orientação e à cultura da mulher brasilei-ra, através de aulas de artesanato, culiná-ria, corte e costura, bordado etc”46.

A partir de 197547, passou a chamar-se Escola Municipal Rivadávia Corrêa e per-maneceu com essa denominação até osdias atuais. O prédio histórico, do século XIX,foi tombado como patrimônio cultural dacidade do Rio de Janeiro, pelo Decreto

Page 97: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 85-102, jan./jun. 2008. 97

Municipal n. 9414/90, de 21 de junho de1990.

A Escola ocupou até 1998 o prédiohistórico47 que, como visto, foi construídooriginalmente para abrigar a Escola Públicada Freguesia de Sant’Anna, no século XX,como uma das “Escolas do Imperador”.Naquele ano foi transferida para um prédioanexo “construído no final dos anos 1920,fruto de uma trágica concepção arquitetô-nica, sem qualquer compromisso estéticocom o antigo sobrado” (SME/CREP, 2005,p. 52). Conforme as fontes consultadas paraa tese, a Escola teve sua arquitetura altera-da com a construção de um anexo de cincoandares, em 1929, por conta da ReformaFernando de Azevedo, não sem oposiçãoda diretora Benevenuta Ribeiro. Revoltadacom o projeto, decidiu ausentar-se, viajan-do para diversos países, chegando até oEgito. Enquanto viajava, o anexo foi cons-truído, naquele momento, possuindo a Es-cola os cursos Industrial, Doméstico e Co-mercial.

O prédio histórico do século XIX, apartir de outubro de 2002, passou a abrigaro Centro de Referência da Educação Públi-ca da Cidade do Rio de Janeiro, “um localpara pesquisas e publicações sobre educa-ção, para exposições fotográficas e icono-gráficas de temas relacionados também àeducação e eventos culturais” (SME/CREP,2005, p. 52), conforme divulgado no livro“Escolas do Imperador”.

Notas1 Esse artigo foi constituído por partes alteradas,sendo que majoritariamente do terceiro capítulo daminha tese de doutorado intitulada “A Escola Profis-

sional para o Sexo Feminino através da imagemfotográfica”, defendida em agosto de 2003, naUnicamp; e por alguns resultados da investigaçãoque venho desenvolvendo desde 2005 através doprojeto institucional “As concepções da FederaçãoBrasileira pelo Progresso Feminino sobre a educa-ção feminina” apoiado pela FAPERJ em 2007.2 Fonte: Acervo da Escola Municipal Rivadávia Corrêa– EMRC.3 A primeira escola foi a “Escola da Freguesia deSant’Anna – Escola São Sebastião, cujo prédio foidemolido em 1938. A essa escola se seguiram: aEscola da Freguesia de Nossa Senhora da Glória –Escola José de Alencar – Colégio Estadual AmaroCavalvanti; a Escola da Freguesia de Santa Rita –Escola José Bonifácio – Centro Cultural José Bonifácio;a Escola da Freguesia de São Cristóvão – EscolaGonçalves Dias; Escola da Freguesia de São Fran-cisco Xavier do Engenho Velho – Escola Orsina daFonseca; a Escola da Freguesia de São José – EscolaSão José, cujo prédio foi demolido em 1920; a Esco-la da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição daGávea – Escola Luiz Delfino; e a Escola da Fregue-sia de Sant’Anna – Escola Rivadávia Corrêa. (SME/CREP, 2005, p.19)4 D. Pedro II subiu ao trono imperial em 1840, per-manecendo até 1889.5 Com exceção da Escola da Freguesia da Gávea,atual Luiz Delfino, de proporções menores. (SME/CREP, 2005, p. 24).6 Planejado pelo engenheiro Pereira Passos, queseria no futuro prefeito da República no DistritoFederal no período de 1902-1906.7 Sonia Maria Corrêa Mograbi, então Secretária Mu-nicipal de Educação do Rio de Janeiro, na apre-sentação do livro intitulado “Escolas do Imperador”elaborado a partir da exposição homônima “quemarcou a inauguração do Centro de Referência daEducação Pública da Cidade do Rio de Janeiro, ocor-rida em 18 de outubro de 2002“. (SME/CREP, 2005,contracapa).8 O Edifício teve seu projeto original modificado em1896 pelo engenheiro Antonio de Paula Freitas. Em1914, a Escola Normal foi transferida para a EscolaEstácio de Sá, na rua S. Cristóvão e, em 1930,transferida para o prédio próprio na rua Mariz e

Page 98: Memórias - Maria Teresa Cunha

98 Nailda Marinho da Costa BONATO. A segunda escola profissional para o...

Barros, na Tijuca, prédio construído na administra-ção do prefeito Antonio Prado Júnior, sendo Diretor-Geral de Instrução Pública Fernando de Azevedo. Odecreto n. 3.810, de 19 de março de 1932, extinguea Escola Normal e cria o Instituto de Educação.(BONATO, 2002 e 2003).9 Situada à rua da Harmonia, n. 80, no bairro da Saúde.10 Pelo decreto n. 844, de 19 de dezembro de 1901,o ensino do Distrito Federal compreendia o ensinoprimário, o normal e o profissional.11 No governo de marechal Hermes da Fonseca foi,de novembro de 1910 até novembro de 1914, pre-feito do Distrito Federal. Faleceu em 20 de agostode 1921. (Fonte: Acervo da Escola Municipal BentoRibeiro).12 As escolas primárias separadas para meninos emeninas eram denominadas, por exemplo, como: 1a escola primária para o sexo feminino do 1o distrito.13 Conforme Freitas (1954), essa escola foi instaladade forma experimental, em 10 de maio de 1913, noandar superior da escola de instrução primária Joséde Alencar (hoje Amaro Cavalcanti), no Largo doMachado. Porém, de acordo com a ata, a Escola foiinaugurada em 7 de julho de 1913. (Fonte: AcervoAGCRJ). Um ofício datado de 4 de julho de 1913 daDiretoria Geral de Instrução Pública, assinado porRamiz Galvão, convida a diretora da 2a Escola Pro-fissional Feminina [Rivadávia Corrêa], BenevenutaRibeiro, para a inauguração da 1a Escola ProfissionalFeminina [Bento Ribeiro]. (Fonte: acervo da EscolaMunicipal Rivadávia Corrêa). Os cursos começarama funcionar em 8 de julho do mesmo ano. Porém, éa data de 10 de maio que ficou consagrada às come-morações do aniversário da Escola. Conforme o atode 26 de outubro de 1915, assinado pelo então Di-retor Geral de Instrução Pública, Antonio AugustoAzevedo Sodré, na gestão do prefeito RivadaviaCorrea, atribuiu-se àquela Escola o nome de seufundador, passando a denominar-se “Escola Profis-sional Bento Ribeiro”, em homenagem ao ex-pre-feito. (Fonte: Acervo da Escola Municipal Bento Ri-beiro).14 No âmbito da educação oficial, esse tipo de esco-la para o sexo feminino é marcado pela criação doInstituto Profissional Feminino, em 1898.15 Por conta do decreto de Bento Ribeiro, foi criada

ainda a Escola Profissional Paulo de Frontin, em1919, hoje Colégio Estadual Paulo de Frontin.16 Como utilizado na época para se referir às esco-las onde as meninas estudavam.17 O Instituto Profissional Masculino João Alfredo(inaugurado em 1875, como “Asilo dos Meninos Des-validos”), Ferreira Viana e a Escola Visconde de Mauá.Quanto a essas escolas ver a tese elaborada porMaria Ciavatta Franco para o Concurso Público paraProfessor Titular de Educação e Trabalho, da Univer-sidade Federal Fluminense, intitulada A Escola dotrabalho: história e imagens. Niterói, 1993.18 Fonte: Acervo AGCRJ.19 Benevenuta Carneiro nasceu em 26 de outubrode 1878, no município de Uruguayana no Rio Grandedo Sul, filha de Severino Ribeiro Carneiro Monteiroe Maria Rachel Ribeiro Carneiro Monteiro, neta pelolado materno dos barões de São Borja. Seu avô, omarechal Bento Manoel Ribeiro, foi um dos militaresem destaque na guerra Farroupilha, em 1835. Fezseus estudos secundários no colégio de ReligiosasS. José, em São Leopoldo.20 Bento Manuel Ribeiro Carneiro Monteiro, filho dotenente Vitorino Jose Carlos Monteiro e de D.Benevenuta Carneiro Monteiro, barões de S. Borja,nasceu no dia 2 de setembro de 1856, em Jaguarão,Rio Grande do Sul. Em março de 1875, ingressou noExército. Aluno da antiga Escola Militar da Praia Ver-melha, em 1878, passou por todos os postos da car-reira e, em 1920, era marechal graduado. Fez o cur-so de Engenharia e bacharelou-se em Matemática eCiências Físicas. Como engenheiro militar construiulinhas telegráficas de valor estratégico em Mato Grossoe Rio Grande do Sul, sobressaindo a que une a cida-de do Rio Grande a Santa Vitória do Palmar. Em 1904,comandava a Escola Militar do Rio de Janeiro. Nogoverno de Nilo Peçanha foi chefe do Estado-Maiordo Exército e no do marechal Hermes da Fonseca, denovembro de 1910 até o fim de 1914, prefeito doDistrito Federal. Faleceu em 20 de agosto de 1921.Fonte: acervo da Escola Municipal Bento Ribeiro.21 Fonte: Acervo EMRC.22 Rivadávia da Cunha Corrêa nasceu em Santanado Livramento, RS, em 1866. Fez Direito pela Facul-dade de São Paulo, 1884. Foi Deputado Constituintepelo seu estado, em 1916, senador na vaga de Pinhei-

Page 99: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 85-102, jan./jun. 2008. 99

ro Machado. Ministro da Justiça no governo deHermes da Fonseca e depois Ministro da Fazenda.No governo de Wenceslau Brás, foi nomeado pre-feito do Distrito Federal. Prefeito do Distrito Federal,de 16 de novembro de 1914 a 5 de maio de 1916.Dedicou-se à regulamentação do ensino nos Insti-tutos Profissionais e na Escola Normal (Decreto n.058, de 29/1/1916). Teve como diretor de InstruçãoPública Antonio Augusto de Azevedo Sodré, que osucedeu na Prefeitura, de maio de 1916 a janeirode 1917. Faleceu em 1920.23 Fonte: Acervo EMRC.24 Fonte: Acervo EMRC.25 Fonte: Fundo FBPF/AN. A entidade tinha comomembros de sua diretoria: Bertha Lutz; Stella Durval;Jeronyma Mesquita; Cassilda Martins; Esther FerreiraVianna; Evelina Arruda Pereira; Berenice MartinsPrates, entre outras. No Dicionário Mulheres do Bra-sil: de 1500 até a atualidade, biográfico e ilustrado,encontramos verbetes de algumas dessas mulhe-res, a saber: Bertha Lutz (ver p. 106-12); Stella Durval(ver p. 502); Jeronyma Mesquita (ver p. 290-91);Evelina Arruda Pereira (ver p. 214-15). Mantive osnomes grafados como aparecem no documento ori-ginal. No Dicionário também encontramos um ver-bete referente à Federação Brasileira pelo Progres-so Feminino-FBPF (ver p. 217-25).26 Ber tha Maria Júlia Lutz (1894-1976). Nasceuem São Paulo-SP, filha da enfermeira inglesa AmyFowler e do médico-cientista Adolfo Lutz. Após es-tudos na Europa, volta ao Brasil, em 1918. Biólogaconcursada, é nomeada, em 1919, para alto cargono Museu Nacional. Realizou ações “impensáveis”para as mulheres do seu tempo como, por exemplo,estudar em Paris, formando-se em Biologia naSorbonne. Influenciada pelas lutas das mulhereseuropéias e americanas iniciou uma luta pelo su-frágio feminino entre nós, sendo esta a principalbandeira da Federação. Juntamente com outrasmulheres, criou a Liga para Emancipação Intelectualda Mulher que seria o embrião da Federação criadaem 1922, ano em que organizou a primeira Confe-rência pelo Progresso Feminino. A Federação se tor-naria uma das referências do movimento feministabrasileiro na primeira metade do século XX, comdestaque especial para a conquista do sufrágio fe-

minino alcançado em 1932.27 Além da primeira Conferência pelo Progresso Fe-minino, a Federação tem importante papel na orga-nização de mais dois Congressos Feministas reali-zados no século passado, no Rio de Janeiro, entãoDistrito Federal, a saber: o II Congresso Internacio-nal Feminista, em 1931 e o III Congresso Internaci-onal Feminista, em 1936.28 Antonio Carneiro Leão, então diretor da InstruçãoPública do Distrito Federal, como nacionalista queera, visava à preparação técnica “das novas gera-ções brasileiras”. Via a necessidade de instrução pri-mária do povo como solução para que o país saíssedo atraso em que se encontrava diante das naçõesmodernas. Dizia ele, ao término de sua gestão naDiretoria Geral de Instrução Pública: “A orientaçãoimpressa ao ensino primário [...] e, sobretudo, aindicada nos novos programmas, patenteiam apreoccupação de uma educação de actividade, deuma preparação technica das novas gerações bra-sileiras.” No seu entendimento, essa preparação téc-nica não vinha ocorrendo de forma satisfatória nacapital do país. Embora mais preocupado com a pri-mária, a escola profissional não deixou de ser alvo.29 Conforme consta do Programa, a Conferência foiestruturada em Comissões como: Organização; Edu-cação e Instrução; Carreiras e Campos de Ativida-des Apropriadas à Mulher; A mulher na Indústria,no Comércio e no Funcionalismo Público; Direitosda Mulher; Assistência e Proteção à Mulher e áCriança; O Papel da Mulher na Civilização.30 Fonte: Fundo FBPF/AN.31 Na Comissão de Educação e Instrução foram dis-cutidos diversos temas referentes à educação e ins-trução das mulheres, a saber: a nacionalização doensino público, ensino profissional, doméstico eagrícola, a formação para o magistério, o ensinoprimário, o ensino secundário e superior; além dequestões como o alto índice de analfabetismo entreas mulheres e a co-educação dos sexos.32 Fotógrafo oficial do Distrito Federal, no período de1903 a 1936, Augusto Malta nasceu em Alagoas,em 14 de maio de 1864. Depois de viver no Recife,veio para o Rio, por volta de 1888, passando a traba-lhar inicialmente como “auxiliar de escrita” em umestabelecimento comercial da rua Larga de São Joa-

Page 100: Memórias - Maria Teresa Cunha

100 Nailda Marinho da Costa BONATO. A segunda escola profissional para o...

quim. Foi casado com Laura de Oliveira Campocom quem teve cinco filhos: Luttgardes, Arethusa,Callestenis, Aristocléa e Aristógiton. A esposa mor-reu em 1904. Casado pela segunda vez comVerschueren Malta Campos, teve quatro filhos: Eglé,Dirce, Amaltea e Uriel. Faleceu aos 93 anos, deinfarto, no Rio de Janeiro, em 30 de junho de 1957,e, conforme depoimento da filha Amaltea ao Mu-seu da Imagem e do Som, como paradoxo do desti-no, embora ateu, foi enterrado com o hábito da Ve-nerável Ordem Terceira da Penitência.33 Encontramos fotos da Escola nos v. 17, n. 46, p.50-51, de 23 de dezembro de 1916; e v. 19. n. 30, p.6, de 31 de agosto de 1918.34 Armando Martins de Barros (1997) desenvolveusua tese de doutorado nesta persepctiva. Ver refe-rência no final desse texto.35 Participaram da Conferência representantes de vá-rios estados da federação, como: Pernambuco,Paraíba, Bahia e Sergipe, Pará, Santa Catarina, Ama-zonas, Espírito Santo e também do Distrito Federal.E diversos colaboradores, entre eles senadores, de-putados, médicos e advogados. Dela também parti-ciparam algumas Associações, entre elas a Liga deProfessores, a Cruzada Nacional Contra a Tubercu-lose, o Centro Social Feminino, a Cruz Vermelha, aLegião da Mulher Brasileira, a União dos Emprega-dos no Comércio. Teve como delegada de honraMrs. Carrie Chapman Catt, Presidente da AliançaInternacional pelo Sufrágio Feminino e da Associa-

ção Pan-Americana de Mulheres.36 Fonte: Fundo FBPF/AN.37 Ibid.38Como a escola oferecia logo uma formação, ouseja, o aluno aprendia um ofício, este ia em buscade ser absorvido pelo mercado de trabalho pelanecessidade econômica; sendo absorvido, não con-tinuava os estudos. Constatamos esse dado no tra-balho de Ciavatta sobre a escola profissional mas-culina: “Em todas elas, poucos alunos terminavamo curso, se “diplomavam”, como registram os docu-mentos, o é confirmado pelos professores entrevis-tados. As razões eram a pobreza e a necessidadedos adolescentes de trabalhar e ajudar nas despe-sas da família tão logo adquirissem conhecimentosque lhes permitisse o exercício inicial de uma pro-fissão.” (CIAVATTA, 1993, p. 30).39 Fonte: Fundo FBPF/AN.40 Fonte: Fundo FBPF/AN.41 Idem.42 Mantive a escrita do documento original em vári-as citações.43 Fonte: Acervo EMRC.44 Data que ficou consagrada ao seu aniversário.45 Fonte: Acervo EMRC.46 Fonte: Acervo EMRC47 Devido à fusão do estado do Rio de Janeiro com oEstado da Guanabara.48 O prédio histórico que ora se encontra na Aveni-da Presidente Vargas, n. 1314.

Referências

ARAÚJO, Rosa Maria Barboza de. A vocação do prazer: a cidade e a família no Rio de Janeirorepublicano. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.

ARQUIVO Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Augusto Malta: catálogo da série negativo emvidro. Aristógiton Malta. Coord. Elizabeth Cristina Marques de Loureiro. Rio de Janeiro: Secreta-ria Municipal de Cultura; Departamento Geral de Documentação e Informação e Cultura;Divisão de Editoração, 1994. (Biblioteca carioca; v. 29. Série Instrumentos de Pesquisa).

AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. SãoPaulo: Edições Melhoramentos, 1963.

AZEVEDO, Moreira de. O Rio de Janeiro – sua história, monumentos, homens notáveis, usos ecuriosidades. 3. ed. v. II, 1877/1969.

Page 101: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 85-102, jan./jun. 2008. 101

BARROS, Armando Martins de. Da pedagogia da imagem às práticas do olhar: uma busca decaminhos analíticos. Tese (Doutorado em Educação, 2v.) - Universidade Federal do Rio deJaneiro, Rio de Janeiro, 1997.

BONATO, Nailda Marinho da Costa. A Escola Normal: uma escola para mulheres? A formaçãode professores/as para o ensino primário no Rio de Janeiro do Império à República. In. Campos,Maria Christina Siqueira de Souza, Silva, Vera Lucia Gaspar da (Orgs.). Feminização do magis-tério: vestígios do passado que marcam o presente. Bragança Paulista: EDUSF, 2002. p.163-91.

______. A escola profissional para o sexo feminino através da imagem fotográfica. Tese (Douto-rado em Educação) – Unicamp, Campinas-SP, 2003. Orientada pelo Prof. Dr. José ClaudineiLombardi.

______. O Fundo Federação Brasileira pelo Progresso: uma fonte múltipla para a história daeducação das mulheres. Acervo: revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,v. 18, n. 1-2 (jan./dez. 2005).

CARNEIRO LEÃO, Antonio. O ensino na Capital do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal doCommercio, 1926.

CIAVATTA, Maria. A escola do trabalho: história e imagens. Tese (livre docência) - UniversidadeFederal Fluminense, Faculdade de Educação, Niterói-RJ, 1993.

COSTA, Nelson. Rio de ontem e de hoje . Rio de Janeiro: Leo Editores, 1958. (Coleção Estácio de Sá I)

FLEIUS, Max. Fundação da Cidade do Rio de Janeiro – Districto Federal: resumo didactico. SãoPaulo: Companhia Melhoramentos; IHGB, 1928.

FREITAS, Zoraide Rocha de. História do ensino profissional no Brasil. São Paulo, 1954.

HAHNER, June Edith. Emancipação do sexo feminino: a luta pêlos direitos da mulher no Brasil,1850-1940. Tradução de Eliane Lisboa; apresentação de Joana Maria Pedro. Florianópolis: Ed.Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista.2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. (Em co-edição com a Confederação Nacional dos Trabalhadoresem Educação).

MOACYR, Primitivo. A instrução no Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, v. II, 1937.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU – Editora Pedagó-gica e Universitária; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar, 1974.

PEIXOTO, Afranio. A educação da mulher. São Paulo: Companhia Editora Nacional, v. II, 1936.

PINTO, Céli Regina Jardim.Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora FundaçãoPerseu Abramo, 2003.

RIBEIRO, Maria Luísa Santos. História da educação brasileira. São Paulo: Moraes, 1988.

RODRIGUES, Rosane Nunes. Educação doméstica e a produção de imagens femininas (DF-

Page 102: Memórias - Maria Teresa Cunha

102 Nailda Marinho da Costa BONATO. A segunda escola profissional para o...

1920-1930). In: Caderno de resumos do I Congresso Brasileiro de História da Educação. Educa-ção no Brasil: história e historiografia. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de História da Edu-cação. 6 a 9 de nov. 2000. p. 345-6.

SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed.Petrópolis-RJ: Vozes, 1979.

SCHUMAHER, Schuma, BRAZIL, Érico Vital. (Orgs.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até aatualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO - SME/CREP. Escolas do Imperador. Rio de Janeiro:Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro, 2005.

Acervos e fontes

ACERVO DO ARQUIVO NACIONAL. Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. 1902-1979.

ARQUIVO NACIONAL. Inventário sumário do Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Femi-nino. 1902-1979. Organizado em 1989.

ACERVO da Biblioteca Nacional

ACERVO do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

ACERVO da Escola Municipal Rivadávia Corrêa

ACERVO da Escola Municipal Bento Ribeiro

BOLETIM MENSAL do Colégio Estadual Bento Ribeiro. 60 anos a Bem da Educação, Rio deJaneiro, n. 2, maio de 1973.

DOCUMENTOS parlamentares. Instrução pública. v. 9 Rio de Janeiro. Curso Polytechnico –curso médico-escolas agrícolas e commerciais e outras de natureza technica (1891-1919). Typ.do Jornal do Commercio. Senado Federal, Sessão de 17/12/1906.

PREFEITURA da Cidade do Rio de Janeiro. Departamento Geral de Administração. Divisão deDocumentação. Cadastro de escolas municipais. Rio de Janeiro: SME/DGA/DD, s.d. (Dat.).

PREFEITURA do Districto Federal. Lei do Ensino Primário, Normal e Profissional. Decreto n. 981de 2 de set. de 1914. Modifica, de acordo com a autorização contida no Decreto legislativo n.1619 de 15 de julho de 1914, o decreto n. 8838 de 20 de out. de 1911 (Ensino público Muni-cipal) Rio de Janeiro. Typ. do Instituto Profissional João Alfredo, 1914.

Recebido em 26 de abril de 2008.

Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 103: Memórias - Maria Teresa Cunha

Ideário de formação do professores: ColégioSagrado Coração de JesusIdeal of teachers education: the “Sagrado Coração deJesus” School

Henrique Alves de Lima*Rosa Lydia Teixeira Corrêa**

* Mestre em Educação pela PUCPR.e-mail: [email protected]

** Dra. Doutorado em História Econômica pela US. Profes-sora do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Edu-cação/PUCPR.e-mail: [email protected]

ResumoEste é um estudo sobre o Colégio Sagrado Coração de Jesus, localizado no município de Canoinhas, Estadode Santa Catarina. Analisa historicamente essa Instituição, considerando sua criação para compreendê-la,no contexto de 1970 a 1980. A pesquisa centra-se na formação de professoras pelo Curso Normal, com ointuito de compreender o ideal de formação. Para tanto, realizamos um estudo bibliográfico, depoimentosorais, análise de documentação do Colégio bem como fazemos uso de jornais em circulação no período. Aorganização e veiculação da formação de professoras por meio do Curso Normal, nesse período, nãopodem ser feitas sem que se considerem as reformas educacionais empreendidas pelo Estado e o fato deque o projeto de formação de professoras do Colégio vincula-se ao da Congregação Franciscana de MariaAuxiliadora. Resultados apontam para a presença de um ideário de formação mesclando princípios religio-sos com outros, como tecnicista, por exemplo.Palavras-chaveFormação de professoras. Concepções de educação.

AbstractThis is a study about Sagrado Coração de Jesus School, located in the city of Canoinhas, Santa CatarinaState. It historically analyses this Institution since its set up, aiming at understanding and contextualizing itin the period between 1970 and 1980. The research is centered in the teachers’ formation through the“Normal” Course with the intent to comprehend the ideal of the formation. For this, it were carried outstudies of the bibliography, of verbal testimonies, of works with the school documentation, and mainly withthe use of newspapers printed at that period. The organization and propagation of the teachers’ formationby means of the “Normal” Course at this period cannot be done without considering the educationalreforms carried out by the State and the fact that the teachers’ formation project of the school is linked tothe Maria Auxiliadora Franciscana Congregation. Results point to the presence of an ideal of formationmixing religious principles with others released on a technicality, for example.Key wordsTeachers’ Formation. Conceptions of Education.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 103-122, jan./jun. 2008.

Page 104: Memórias - Maria Teresa Cunha

104 Henrique A. de LIMA; Rosa Lydia T. CORRÊA. Ideário de formação de professores:...

1 Introdução

Neste trabalho fazemos uma reflexãosobre ideário e/ou concepção presente naformação de professores em uma institui-ção existente na cidade de Canoinhas, noEstado de Santa Catarina, o Colégio Sagra-do Coração de Jesus, destacadamente entreas décadas de 1970 e 1980.

O texto aqui apresentado resulta depesquisa que foi desenvolvida por meio deprojeto de pesquisa em nível de Mestrado.Destaque-se que a abordagem aqui reali-zada se vincula aos limites deste artigo.

Nesse sentido, buscamos resposta àseguinte indagação: Que ideário esteve pre-sente, naquele período, na formação deprofessoras do Curso Normal do ColégioSagrado Coração de Jesus? Trata-se subs-tancialmente de buscar entender o proces-so de formação de sujeitos no universo deuma Instituição para, a partir dela, de religio-sas e ex-alunas, compreender também oque o processo significa, na tentativa desaber o papel e a função social daquelaInstituição de ensino por meio do curso deformação de professoras, na região deCanoinhas.

O ideário de formação é visto comointegrante da cultura escolar do ColégioSagrado Coração de Jesus, levando emconta a referência de cultura escolar que,segundo Dominique Julia (2001), se mani-festa como:

Um conjunto de normas que definemconhecimentos a ensinar e condutas ainculcar, um conjunto de práticas quepermitem a transmissão desses conheci-mentos e a incorporação desses compor-tamentos: normas e práticas coordenadas

a finalidades que podem variar segundoas épocas (finalidades religiosas, sociopo-líticas, ou simplesmente de socialização).Normas e práticas não podem ser analisa-das sem se levar em conta o corpo profis-sional dos agentes que são chamados aobedecer a essas ordens e, portanto, autilizar dispositivos pedagógicos encarre-gados de facilitar sua aplicação, a saber,os professores primários e os demais pro-fessores. [...].

O ideário está sendo analisado pormeio de documentos manuscritos e impres-sos sobre o colégio, de depoimentos oraisobtidos de ex-alunas, bem como pela im-prensa local do período no qual se situaeste estudo.

Foram realizadas três importantesentrevistas. A primeira foi concedida peloprofessor que trabalhou no Colégio SagradoCoração de Jesus com diversas disciplinas,entre elas a disciplina de Filosofia. Posterior-mente, foi o responsável pela transiçãocomo diretor do Curso de Magistério naFUNPLOC1 e que, neste trabalho, será men-cionado pela denominação de Mattos. Aoutra entrevista foi concedida pela ex-alu-na e ex-professora do Curso Normal, aquidenominada professora Silva. A terceiraentrevista foi realizada com uma das Irmãsda Congregação, aqui mencionada comoIr. Auxiliadora, que é uma das Irmãs res-ponsáveis pela organização de todo o ma-terial histórico da Instituição, e também pelabiblioteca e pelos materiais do acervo daCongregação. Essa Irmã é autora de mui-tos relatos manuscritos e mimeografadosa respeito da Instituição, além de um livrosobre os 85 anos do Colégio. Sua históriapessoal confunde-se com a história da Ins-

Page 105: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 103-122, jan./jun. 2008. 105

tituição, pois, muitas vezes, quando faz osregistros da história da Instituição, usa ex-pressões em primeira pessoa como se oColégio fosse ela mesma.

O uso de depoimentos de pessoasligadas à história do Colégio Sagrado Cora-ção de Jesus nos forneceu novas perspecti-vas para o entendimento do passado recen-te e possibilitou o conhecimento de diversasversões sobre o tema (FREITAS, 2002). Esserecurso se deveu à tentativa de superar al-gumas dificuldades de acesso a outras fon-tes bibliográficas sobre essa instituição deensino. Assim, ter acesso a testemunhos deex-professores, alunas e Irmãs da Congre-gação ofereceu a oportunidade depossibilidades de análise para além do quealguns trabalhos já traziam sobre o colé-gio. Desse modo, passemos então à apre-sentação de dados sobre o colégio e, naseqüência, a uma breve apreciação sobreseu ideário de formação de professoras.

2 O Colégio Sagrado Coração de Jesus

A fundação do Colégio Sagrado Co-ração de Jesus foi possível com o apoio nãosó religioso, mas também financeiro e in-condicional do Vigário, que também eraprofessor da primeira escola do vilarejo, masque dava conta somente da educação demeninos. Da fundação participaram asIrmãs: Maria Coleta Holleinstein, LúciaMaluche, Maria Carolina Gross, FidelisMarder, Gertrudes Gruber. Todos os traba-lhos eram dirigidos pela irmã Carolina Gross,conforme consta nos documentos do ar-quivo pessoal da Ir. Auxiliadora. “A primei-ra turma teve 171 alunos inscritos e o pri-

meiro estudante matriculado foi João Ma-ria dos Santos” (TOKARSKI, 2002, p. 29). Ocolégio funcionou inicialmente no “EdifícioStüber”, um sobrado em madeira na RuaEugênio de Souza, diante da Praça LauroMuller. Antes, no local, funcionara a Prefei-tura, a Câmara de Vereadores, o Fórum e acadeia pública. O casarão foi construídopelo polonês João Tomaschitz.

Em 16 de maio de 1921, o Colégio rece-beu as bênçãos em uma solene inaugu-ração. Sobre a imagem do Sagrado Cora-ção de Jesus que foi enviada ao Colégio,a Ir. Auxiliadora escreve: “Sou o Patrono –Sagrado Coração de Jesus. Por mim, co-migo e para mim tudo existe e tudo sub-siste... Abençôo todos aqueles que aquichegam.”

Desde o principio está. Tudo depende doalicerce. As primeiras Irmãs colocaram amodesta escola que fundaram, em 1921,sob a proteção do Coração Divino. Nãopodiam prever o alcance deste feliz saltono escuro. Como mulheres de fé e doEvangelho inculcaram nos alunos grandeconfiança e amor ao Sagrado Coração deJesus, cuja imagem lhes foi enviada, pe-las Irmãs de Gaissau-Austria, para a datada inauguração do Colégio. Como depen-deu da benção do Para, chegou fins deagosto de 1921. Hoje a veneramos comorelíquia. (WELTER, 2006, p. 34)

No ano de 1936, passou a chamar-se Escola Normal Sagrado Coração deJesus, passando a funcionar com o CursoNormal. Nesse ano recebeu, pelo DecretoEstadual número 147, a equiparação àsEscolas Normais. A 1ª turma de normalistasconcluiu o curso em dezembro de 1940. Noano de 1957, foi oficializado o cursoginasial.

Page 106: Memórias - Maria Teresa Cunha

106 Henrique A. de LIMA; Rosa Lydia T. CORRÊA. Ideário de formação de professores:...

Com o progresso e desenvolvimen-to da cidade e o aumento do número dematrículas, em 1939, sob a ordem da IrmãMadre Maria Albertina Bischop e com oobjetivo de melhorar a situação, uma novaala juntou-se ao prédio já construído e aInstituição recebe uma nova nomenclatura:Instituto de Educação Sagrado Coração deJesus. Ir. Auxiliadora afirma, escrevendo otexto na primeira pessoa, como se o Colégiofalasse por seu intermédio: “Fui muito bemconstruído. Meus fundamentos são de pe-dras e as paredes de tijolos maciços. Queroservir longos anos.” No ano de 1947, foicriado o Ginásio de Sistema Federal. Em 27de janeiro de 1953, o Curso Primário, parti-cular que passou a ser estadual com onome de Grupo Escolar Sagrado Coraçãode Jesus e que, em 1971, recebeu o nomede Escola Básica Sagrado Coração deJesus, com efetiva mudança somente noano de 1974. A este respeito, Ir. Auxiliadora,falando na primeira pessoa, diz:

Poucos anos decorridos, e tornei-me pe-queno novamente, tão grande era a pro-cura. Novas alas juntaram-se às existen-tes: uma, duas... Eis como eu cresci. Em1949 inaugurou-se o segundo pavilhãode alvenaria, a atual cozinha e refeitóriodas Irmãs (1971). Que bom! Construírampara servir as Irmãs... Não paro de crescer.Em 1955 foi construído o 3º bloco ondeatualmente funciona o laboratório, a bi-blioteca e a sala dos professores. Ali fun-cionou a capela para as Irmãs então in-ternas.

Até o ano de 1960, a escola tambémfuncionava no regime de internato e abri-gava anualmente entre sessenta e oitentainternas. Ir. Auxiliadora prossegue:

O meu objetivo é servir... e ser útil... Tam-bém realizo as grandes aspirações dosmeus moradores. Por isso em 1958 foierguido o quarto bloco de alvenaria, alaque abrange atualmente a grande Cape-la e a portaria do Colégio. Em 1959 reali-zou-se a solene benção da linda capela.Foi comovente a cerimônia, especialmen-te a consagração do altar. Sou o encontrodos alunos. Todos gostam de orar aqui.Eu lhes falo no silêncio ao coração.

No ano de 1965, a construção do 5ºbloco de alvenaria estendeu o Colégio atéa rua Marechal Floriano, com 7 salas deaula, perfazendo um total de áreaconstruída de 2.665,41 m2. “... para a glóriade Deus e engrandecimento da cidade deCanoinhas [...] falo somente de crescimentomaterial porque o intelectual, o espiritual, éindescritível, eterno, divino...”, confirma aIrmã. Segundo relatos da Ir. Auxiliadora, aimagem do Sagrado Coração de Jesus en-comendada pelas Irmãs demorou algumtempo até chegar a Canoinhas, pois elasesperaram que a imagem passasse porRoma para a bênção do Papa, antes deser enviada ao local onde deveria permane-cer, no Colégio Sagrado Coração de Jesus.O colégio teve sempre, ao longo de sua his-tória como casa de formação, o lema: “Edu-car a infância e a juventude”.

Referindo-se à estrutura e à cor doprédio, a Ir. Auxiliadora, que foi aluna doCurso Normal, posteriormente, professora dePsicologia e também diretora, diz:

A minha coluna vertebral. Desde o nasci-mento, até hoje, é a força deste monu-mental colégio. Sou o sustentáculo inque-brantável, sempre novo e atual... Sou pre-sença, sou amigo, sou mestre, luz, conso-lo [...]. A minha cor acinzentada – muitos

Page 107: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 103-122, jan./jun. 2008. 107

poemas os meus alunos escreveram so-bre “O Meu Colégio Cinzento” ou cinza; éassim que estou vestido. Majestoso e im-ponente brilha o meu colégio cinzento ailuminar a minha mente.

Quanto à sua construção e espaçofísico, muitos detalhes na estrutura e arqui-tetura do colégio perpetuam práticas eacontecimentos que eram comuns duran-te o regime de internato e que permanecemmesmo nas duas décadas finais do curso,quando o internato não mais existia.

No interior do colégio, tudo era con-trolado pelas Irmãs. Da hora da chegadaaté a saída. Os vidros acinzentados nas ja-nelas impediam uma visão ampla da saca-da, não permitindo ver nem as pessoas quepassavam nas ruas e nem as meninas quecirculavam pelos corredores. Tudo era minu-ciosamente pensado para nada importu-nar ou chamar a atenção das meninas quetinham que se comportar conforme o esta-belecido pelas Irmãs e pela abordagem re-ligiosa da Congregação.

As alunas eram controladas em suasatitudes. As imagens dos santos colocadasem pontos estratégicos nos corredores pa-reciam vigiar para cuidar de todas as mo-vimentações no interior da instituição, nosseus corredores, nas salas de aula. Disso sepode depreender um olhar que vigia. As-sim, para Foucault (2003, p. 218):

O olhar vai exigir muito pouca despesa.Sem necessitar de armas, violências físi-cas, coações materiais. Apenas um olhar.Um olhar que vigia e que cada um, sen-tindo-o pesar sobre si, acabará por inte-riorizar, a ponto de observar a si mesmo;sendo assim cada um exercerá esta vigi-lância sobre e contra si mesmo. Fórmula

maravilhosa: um poder contínuo e de cus-to afinal de contas irrisório.

O anjo de cimento, presente no jar-dim e já envelhecido pelo tempo, as ima-gens do Sagrado Coração de Jesus com umolhar contemplativo suspensas na partesuperior dos quadros-negros em todas assalas de aula cuidavam das ações dasmeninas o tempo inteiro. “Todas as coisaspareciam ter um olhar de observação e decuidado a nos vigiar o tempo todo”, con-forme relata a ex-normalista Costa o quepode ser comparado às palavras deFoucault (2003, p. 162) “A inspeção funcio-na constantemente. O olhar está alerta emtoda parte”.

Sobre as relações de poder e de con-trole, Foucault (2003), se refere aoPanoptismo e dá exemplo do mecanismo,no qual se evidencia a eficiência no contro-le de pessoas a partir de observação cons-tante. Sobre a arquitetura do Colégio é pos-sível observar que as janelas que davampara o lado de fora do prédio eram altasou davam para uma outra parede ou paralugares vazios em que não circulavam pes-soas ou qualquer coisa interessante a servista além dos muros e jardins. Ou então,do outro lado das salas de aula, as janelasvoltadas para os corredores que, por suavez, tinham também amplas janelas numaposição que limitava qualquer tentativa dese ver mais longe. Segundo Foucault (2003,p. 143-4):

O exercício da disciplina supõe dispositivoque obrigue pelo jogo do olhar, um apa-relho onde as técnicas que permitem verinduzam a efeitos de poder, e onde, emtroca, os meios de coerção tornem clara-

Page 108: Memórias - Maria Teresa Cunha

108 Henrique A. de LIMA; Rosa Lydia T. CORRÊA. Ideário de formação de professores:...

mente visíveis aqueles sobre quem seaplicam. Lentamente, no decorrer da épo-ca clássica, são construídos esses “obser-vatórios” da multiplicidade humana paraas quais a história das ciências guardoutão poucos elogios. Ao lado da grandetecnologia dos óculos, das lentes, dos fei-xes luminosos, unida à fundação da físicae da cosmologia novas, houve as peque-nas técnicas de vigilâncias múltiplas eentrecruzadas, dos olhares que devem versem ser vistos; uma arte obscura da luz edo visível preparou em surdina um sabernovo sobre o homem, através de técnicaspara sujeitá-lo e processos para utilizá-los.

Esse sistema utilizado em escolas,por muito tempo, permite que os indivíduossejam constantemente observados em to-das as suas ações ou até mesmo anteci-pando intenções que possam vir contraaquilo que está estabelecido. O fato de oindivíduo se sentir observado garante amanutenção da ordem e da obediência eo cumprimento do que se está hierarquica-mente determinado. Instala-se assim umaconsciência do controle que será obrigato-riamente cumprida pelos observados. Nes-se sentido, há uma limitação de ações eatitudes quanto ao comportamento. A açãoserá limitada à garantia da realização da-quilo que não infrinja qualquer regra ounão seja capaz de ferir qualquer valor. Docontrole, passa-se ao adestramento.

O poder disciplinar é, com efeito, um po-der que, em vez de se apropriar e de seretirar, tem como função maior “adestrar”;ou sem dúvida adestrar para retirar e seapropriar ainda mais e melhor. Ele nãoamarra as forças para seduzi-las; procuraliga-las para multiplicá-las e utilizá-lasnum todo. Em vez de dobrar uniforme-

mente e por massa tudo o que está sub-metido, separa, analisa, diferencia, levaseus processos de decomposição até assingularidades necessárias e suficientes[...] A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é atécnica especifica de um poder que tomaos indivíduos ao mesmo tempo como ob-jetivos e como instrumentos de seu exer-cício. (FOUCAULT, 2003, p. 143)

Mattos (2006) mencionou que todasas meninas matriculadas no Curso Normaldo Colégio Sagrado Coração de Jesus ti-nham que estar cientes dos compromissoscom a escola e o cumprimento de todos osdeveres e determinações impostas pelasIrmãs de acordo com aquilo que elas acha-vam estar correto. A educação, como umprocesso dinâmico, algumas vezes não eralevada em consideração, quando por exem-plo se insistia numa prática tradicional.Concepções que ultrapassaram o tempoainda aconteciam no processo de ensino-aprendizagem, nas regras de comporta-mento, nas cobranças de atitudes duranteas aulas e até fora delas, ou durante o pe-ríodo de estágio ou de atividades que dizi-am respeito ao colégio e às alunas a elevinculadas.

As questões alusivas ao Colégioeram rigorosamente avaliadas pelas Irmãs,em particular matérias a serem publicadasem jornais locais da época, na emissora derádio ou em eventos nos quais pudessemser mostradas as atividades realizadas noColégio, no Curso Normal. As matérias ti-nham que ter como característica ressaltara marca do colégio como um educandárioexemplar e tradicional, no sentido histórico.Tudo o que se falasse em termos do cursode professoras e alunas havia que eviden-

Page 109: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 103-122, jan./jun. 2008. 109

ciar a grande organização, o bom traba-lho, o bom desempenho, enfim, os valorese os pontos positivos da Instituição.

A palavra amor estava presente nosdiscursos. Aparece quando se fala sobre oamor ao trabalho, amor à Pátria, amor àfamília, amor aos estudos, amor própriocomo mulher, amor a Deus e aos manda-mentos da Igreja, conforme diz Ir.Auxiliadora:”é preciso mais que formação,é preciso mais que vocação, é preciso amor,é preciso muito amor àquilo que se propõea fazer. O amor é incondicional”.

A educação para o amor, no seu sen-tido mais amplo e como parte do ideal, eranotada constantemente nos textos elabo-rados por alunas do colégio: “[...] Estamosnos preparando para a nossa maior meta:o Amor...”

É este o nosso lema no decorrer desde1971. Lema este, que nos levará a umcrescimento global da nossa personalida-de. Somente uma verdadeira educação,partindo do nosso esforço em colaboraçãocom nossos mestres concretizará o objeti-vo: “Educar é construir”. Só construirei namedida em que eu me educar, e só edu-carei quando houver mudança na perso-nalidade de outrem. Construir é iluminar,é abri novos horizontes é fazer algo cres-cer... Em qualquer momento em queestamos transmitindo a v e r dade i r aeducação, estamo-nos preparandopara a nossa meta: o AMOR. É precisotransmitir algo de bom para que sintamoso efeito do amor humano, amor este quenem o tempo conseguirá apagar. Amorem que dois ou mais seres comungam acompreensão, o carinho. Amor este quefaz com que a criança sorria sempre. Edu-car... construir... é o mais nobre lema parao currículo escolar. “Se não podes ser um

sol no caminho, sê uma estrela; se umalamparina no caminho dos teus seme-lhantes”. (NUNES, aluna da 3ª Série Nor-mal Colégio Sagrado Coração de Jesus.Correio do Norte, 01 de maio de 1971);(grifo nosso)

Em uma edição do Jornal Coração deEstudante, o que mais chama a atenção é apublicação de um artigo que é o resultadode uma pesquisa realizada pelas Irmãs epelas alunas sobre o que a sociedade pen-sa do Magistério do Colégio Sagrado Cora-ção de Jesus. A matéria traz perguntas e res-postas dadas por alunos de outros colégios,pais, “pessoas mais velhas”, alunos destecolégio, professores e até diretores de outrasinstituições de ensino da cidade. Note-se queas perguntas se referem ao magistério e nãomais ao Curso Normal, portanto o Curso jáestaria sob a vigência da lei 5.692/71.

O que você pensa do curso de Ma-gistério do Colégio Sagrado Coraçãode Jesus? Em primeiro lugar é um cursoprofissionalizante. Se tratando de um cursode 2º grau é um dos cursos mais comple-tos da cidade. / Um curso bom, com bonsprofessores, direção firme e consciente. /O curso de nível médio e que antigamenteestava melhor, com a nova direção, modifi-cou bastante, mas para melhor. / Um óti-mo curso, pois além de aprender, tem tam-bém a incumbência de transmitir a outroso que aprendeu. / Um curso gratificanteque nos dá boas experiências para a vida.

Conforme dados fornecidos por Ir.Auxiliadora, desde o ano de sua fundação,em 1921, o Colégio Sagrado Coração deJesus teve, até o ano 2001, 45.392 alunosmatriculados, considerando todos os níveisde ensino; 656 professores leigos, 116 Ir-mãs da Congregação sendo que, destas,

Page 110: Memórias - Maria Teresa Cunha

110 Henrique A. de LIMA; Rosa Lydia T. CORRÊA. Ideário de formação de professores:...

14 passaram pelo cargo de diretora daInstituição. Quanto ao número de Irmãs, foipossível notar uma marcante queda dadécada de 70 para a de 80, pois nos anos70, foram 35 Irmãs que trabalharam noColégio, número que se reduz para 17, nadécada posterior. Isso confirma as dificul-dades encontradas por elas para seremsubstituídas por pessoas da própria Con-gregação Religiosa. Isso leva a crer que foiesta mais uma das causas para o fecha-mento do Curso Normal nos últimos anosda década de 1980.

Ainda sobre o número de alunos,encontramos em documento da bibliotecado Colégio Sagrado Coração de Jesus oseguinte, conforme demonstrado no qua-dro abaixo:

Número de alunas concluintes doCurso Normal, 1970 a 1980.

1970 – 291971 – 431972 – 561973 – 361974 – 371975 – 411976 – 331977 – 271978 – 371979 – 351980 – 43

Fonte: Biblioteca do Colégio Sagrado Coração deJesus

Observa-se que o número de alunasconcluintes em nove anos ultrapassa umpouco a casa dos quatrocentos, o que podenão estar distante do crescimento popula-cional de uma cidade do interior catarinensenaquele período.

No ano de 1980, a escola foi reco-nhecida como Estabelecimento de ensinode 1º grau, com a denominação de EscolaBásica Sagrado Coração de Jesus. Quantoao fim do Curso Normal, no Colégio, o epi-sódio está relacionado com a crise econô-mica, conforme foi encontrado em docu-mentos mimeografados no arquivo parti-cular da Ir. Auxiliadora (1991) No final doano de 1987, a Associação Educacional eCaritativa (ASSEC), mantenedora do 2ºgrau – habilitação para o magistério da 1ªa 4ª Série (Curso Normal) do Colégio Sagra-do Coração de Jesus, por motivos diversos,fez a transferência do mesmo curso para aFundação das Escolas do Planalto Catari-nense (FUNPLOC). Portanto, a partir de 1ºde março de 1988, o curso particular, 2ºGrau, Habilitação para o Magistério de 1ªa 4ª série do Colégio Sagrado Coração deJesus, iniciou sua atividades na FUNPLOC.

3 O ideal de formação deprofessoras do Colégio SagradoCoração de Jesus

No período de duração do CursoNormal, de 1936 a 1987, se pode depre-ender, de modo geral, um ideário mescla-do pela moral religiosa que pode ser carac-terizado como tradicional, como a existên-cia de nuances tecnicistas.2 Assim, no perío-do das décadas de 1970 e 1980, a educa-ção apresenta características tecnicistas emvirtude da legislação, Lei 5.692/71 e domomento histórico em que o país vivia. Otecnicismo característico da época aparecetimidamente no Curso Normal do ColégioSagrado Coração de Jesus, segundo objeti-

Page 111: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 103-122, jan./jun. 2008. 111

vos específicos de formação para o merca-do de trabalho. Ao mesmo tempo, a mesclade ideário parece indicar que o ColégioSagrado Coração de Jesus vai mudandoseu modo de conceber a formação escolar.

O trabalho pedagógico desenvolvi-do no Colégio Sagrado Coração de Jesusconsistia no professor-orientador indicativoda centralidade da atuação deste, que re-produzia os ideários de formação impostospela congregação religiosa assentados nadisciplina.

A avaliação era pessoal e principalmentea mais rigorosa era aquela aplicada pelosprofessores de didática e prática de ensinoque agiam no estilo de discurso que asalunas tinham que incutir antes de suaprática: “Vocês não podem errar... vocêsnão podem errar”. A rigorosidade da disci-plina e da ênfase em se cumprir o que seestava estabelecido nos planos anuais detrabalho fazia com que a escola se distan-ciasse muito da realidade. Tudo pareciaum grande sonho diante da realidade desala de aula, nas escolas multisseriadas,escolas isoladas e outras escolas que fun-cionavam com muita escassez de materi-al e de recursos, segundo relatos de ex-normalistas que já trabalhavam em salade aula e que buscavam o Curso Normalpara se qualificar e se aperfeiçoar.

Ao mesmo tempo, a religião, forte-mente presente nos ideários de formaçãodas normalistas, permite-nos trazer as afir-mações de Geertz (1989), quando faz umacomparação entre a perspectiva religiosa ea perspectiva do senso comum, como umaocorrência das mais óbvias na prática soci-al. Assim, para os ideários do Curso Normal,em Canoinhas, toda educação deve dar-sepelos ensinamentos da Igreja. E, mesmo osenso comum da religiosidade deveria ser

moldado de forma que se somasse a outrossaberes pertinentes no processo educacio-nal e de formação das normalistas.

Stroebel (2006), ex-normalista, relata:“Nós tínhamos como uma das melhoresaulas as aulas de religião. Tínhamos tam-bém as tardes de formação: aí sempre eramfrisadas questões a respeito da mulher en-quanto mãe, esposa, professora.” E, aqui nocontexto da década de 1970, as referênciassobre a mulher são feitas ainda com ênfasemuito forte na formação de professoras doCurso Normal, somando-se sempre com areligiosidade, de questões sobre fé, vivênciadentro dos ensinamentos cristãos e bomexemplo, conforme segue a mesma ex-aluna:

Aconteceu um fato muito importante numdia em que foi arrumada a capela comdestaque para a bíblia. Era no mês desetembro quando nós alunas e as Irmãscomemorávamos o mês da bíblia. Então,a bíblia foi colocada sobre uma torinha,um pedaço de madeira que foi achadopelas meninas em um monte de lenha. Amadeira aparentemente seca em algunsdias apareceu com um belo broto e comfolhas muito verdes e lindas... Isso tudofez com que tivéssemos por durante mui-tos dias diversas aulas sobre fé, sobre des-pertar para a vocação, vivência nos pre-ceitos cristãos e no bom exemplo enquan-to futuras mães e professoras.

As Irmãs enfatizavam fervorosamen-te abordagens sobre vivência dentro dasdeterminações da Igreja por intermédio dasaulas de Religião, palestras, apresentaçõespúblicas. No rol de conceitos de Religião, ea considerar pelo trato dado pelas Irmãsdo Colégio, é possível, segundo Geertz(1989, p. 140), “entender a religião como

Page 112: Memórias - Maria Teresa Cunha

112 Henrique A. de LIMA; Rosa Lydia T. CORRÊA. Ideário de formação de professores:...

uma determinação da cultura, das relaçõessociais e também de comportamentos”.

A aluna Ribas (2005), que foi inter-na na década de 1960, último período emque a Instituição ofereceu esse sistema, ementrevista, forneceu também alguns ele-mentos da vida cotidiana das alunas noColégio naquele período:

No internato a vida era metódica. O dia seiniciava às 05h30minutos, quando as in-ternas, em silêncio deveriam vestir seuuniforme de saia azul impecavelmentepregueada, blusa branca com gravatinhaazul, sapatos pretos baixos e meias bran-cas ¾, para assistir à Santa Missa na Ca-pela do Colégio. Às 7 horas tomava-se ocafé da manhã, com pão e manteiga, quedeveria ser fornecido pelos pais. Em se-guida, ainda em silêncio, em fila, pelasescadarias, as alunas se dirigiam aos dor-mitórios para arrumar suas camas, depoisà sala de estudo para tomar seu materialescolar e posteriormente às respectivassalas de aula aonde se entrava em conta-to também com as alunas externas, com-partilhando o mesmo ensino/aprendiza-gem. Após a aula os uniformes eram guar-dados e sobre simples vestidos e anáguasse vestia um amplo guarda-pó azul comum cinto e bolsinho bordado para identifi-cação. Aos domingos se assistia uma Mis-sa na Matriz Cristo Rei da cidade e paralá se dirigiam as internas, em silêncio eem fila ostentando o uniforme de galaem lã beije, com um bíblico na cabeça,gravata bordeaux, larga faixa plissada nacintura e mocassins reluzentes, terço etexto católico nas mãos. A volta da missapelas ruas da cidade também era em fila.Somente em comemorações cívicas oumunicipais, as alunas tinham oportuni-dade de se avistar de longe com os rapa-zes das escolas masculinas o que se tor-nava um momento significativo, emocio-nante e glamuroso. (RIBAS, 2005)

O costume de freqüência às missasdominicais perdurou nas décadas de 1970e 1980 em substituição às missas diáriasque ocorriam durante o período de inter-nato, o que não quer dizer que diminuíramas cobranças quanto ao exercício da fé,pois todas as atividades se fundamenta-vam nos requisitos da religião. Para as Ir-mãs da Congregação, a boa profissionalformada pela Instituição deveria ser exem-plo de compromisso com a Igreja e com asexigências da religião católica.

Na educação católica, o enfoque principaldizia respeito à formação religiosa dos alu-nos. Os colégios tinham como finalidadeespecifica a formação de bons cristãos,dentro dos padrões vigentes na época: aprática sacramental era considerada comoexpressão mais importante da vida cristã.A missa freqüente, e até diária, constituíauma prática comum. Às alunas era exigidaa fiel participação em associações religio-sas, como o apostolado da oração e a con-gregação mariana. A orientação moral eramuito rígida, havendo controle dos livrose revistas lidos pelos alunos. Nos interna-tos, até as cartas enviadas ou recebidaspelos alunos passavam por uma censuraprévia. As visitas de pais e parentes erammuito limitadas. Outro aspecto bastanteimportante era a formação intelectual. Osprofessores, em geral competentes, esti-mulavam os alunos a uma intensa vidade estudo. (LIMA, 1995, p. 35)

A religião, segundo as Irmãs do Colé-gio Sagrado Coração de Jesus, deveria fazerparte de qualquer decisão consciente. Nessesentido, cabe destacar que, no ano de 1968,em 16 de outubro, as Irmãs da Congrega-ção receberam uma carta do Bispo DomOneris Marchiori para que fosse trabalhadocom as alunas o tema “Consciência Política”.

Page 113: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 103-122, jan./jun. 2008. 113

O teor da carta evidencia um pedido departicipação da população nas eleições demodo que se valorizasse o bem-estar e obem comum da população.

Estamos vivendo a realidade de um anopolítico, um ano de eleição [...] O bem co-mum exige que todos os cidadãos partici-pem do processo político, social, cultural eeconômico do País. Ninguém pode omi-tir-se. A participação política é uma dasformas mais nobres do compromisso aserviço dos outros e do bem comum.Muitas são as formas de participação navida política do país. Por exemplo: educan-do-nos para a política, entendida no bomsentido da palavra; conhecendo a realida-de política do país, seus problemas; estu-dando as exigências cristãs de uma ordempolítica, confrontando a realidade políticacom o evangelho, fonte de o nosso agircristão; lutando para tornar mais humanae mais cristã a nossa sociedade. Outraforma de participação é o VOTO. [...] quedever ser CONSCIENTE, LIVRE e SECRETO.(grifos no original)

A carta acima se encerra com um cha-mado aos eleitores para que conheçam oscandidatos e seu engajamento com o bemcomum; divulga ainda uma lista de políticose lideranças políticas que votaram a favorou contra o aborto e reitera: “A igreja nãotem partido, nem tem candidatos. Ela vêcom simpatia os leigos cristãos assumiremo seu compromisso.” Note-se que essa soli-citação talvez se dê muito mais por questãopolítico-religiosa do que propriamente polí-ticas já que esse ano é de intensa repres-são à participação política pelos militares.

Em depoimento, uma das Irmãsrelata:

Queríamos formar professoras responsá-veis, pontuais, honestas, exigentes. Se eu

pedisse para trazer uma folha verde paraa aula seguinte, no outro dia ainda nafila, antes de eu solicitar para mostrar omaterial pedido eu já sabia pelo compor-tamento das meninas e pelas suas atitu-des qual delas havia esquecido ou nãohavia cumprido o combinado. “A profes-sora tem que ser verdadeira, precisa tercompromisso e cumprir com os seus com-promissos”. (Ir. Auxiliadora , 2006)

Com referência à presença e ao tra-balho das Irmãs no processo de educaçãode Canoinhas, Mattos, (2006) em depoi-mento, afirma que havia muita cobrança,muita rigidez nas suas atitudes. Tudo tinhauma base axiológica. O caráter, a moral, aética, os bons costumes, eram valores maio-res e mais exigidos. Os valores implícitosna formação das Irmãs por pertencerem auma Congregação Religiosa eram rigorosa-mente passados e cobrados das alunas. Ocuidado com o material, com os pertencesparticulares, com a forma e o tamanho dasroupas – tudo era levado em conta. Desdea distribuição das alunas em turmas seguin-do-se uma classificação econômica, até aposição das carteiras. Tudo tinha que estardentro dos padrões por elas determinadoso que novamente remete a Foucault:

Na disciplina, os elementos são intercam-biáveis, pois cada um se define pelo lugarque ocupa na série, e pela distancia queos separa dos outros. A unidade não é,portanto nem o território (unidade de de-nominação), nem o local (unidade de resi-dência), mas pela posição na fila: o lugarque alguém ocupa numa classificação, oponto em que se cruzam uma linha euma coluna, o intervalo numa série deintervalos que se pode percorrer sucessi-vamente. A disciplina, arte de dispor emfila, e da técnica para a transformação dos

Page 114: Memórias - Maria Teresa Cunha

114 Henrique A. de LIMA; Rosa Lydia T. CORRÊA. Ideário de formação de professores:...

arranjos. Ela individualiza os corpos poruma localização que não os implanta, masdistribui e os faz numa rede de relações.(2003, p. 125)

Mas, vale a pena referir algumas exi-gências para ingresso no Curso Normaldessa instituição. A aluna Ribas (2006), dis-cente do Curso Normal na década de 1960,diz que a seleção das meninas ocorria pormeio de um teste:

Um requisito básico para o alunado erade que tivesse condições de arcar com asdespesas de um colégio particular e de-monstrar boa formação moral e religiosae em caso de transferência ter conquista-do boas notas nos períodos antecedentes.Ao se ingressar no curso ginasial, as alu-nas eram submetidas a um Exame deAdmissão3 com número de vagas limitado.Era uma Instituição dirigida por freirasfranciscanas e tinha no corpo docentesomente as Irmãs da congregação. O úni-co professor masculino e leigo era PedroRaitz que ministrava latim, três vezes porsemana. O Colégio Sagrado Coração deJesus era referência na região, abrigandouma elite de alunos no ensino particular.Grande parte das professoras do antigoginasial e Curso Normal eram européiase se propunha proporcionar uma educaçãoformativa e incutir bons hábitos de condu-ta às meninas que o freqüentavam.

A afirmação acima busca ilustrar afinalidade da classificação das turmas, queeram organizadas conforme o resultadoobtido nos testes de ingresso. Mesmo de-pois, quando os testes já não eram maisnecessários, era a aptidão e conhecimentodas alunas que garantia a classificação edistribuição conforme o nível da turma.

Falando sobre a idade das alunas que fre-qüentavam o curso, de suas aptidões, eopção de escolha e vocação, tanto para pro-

fessora como para assumir com responsa-bilidade o que a vida lhe impunha, a Ir.Auxiliadora diz: elas tinham mais ou me-nos 16 anos. Não era exigida muito a idade,apenas que preenchessem os requisitosbásicos. Além disso, elas faziam um peque-no teste para descobrir a tendência delas.No teste elas demonstravam as suas apti-dões, se a tendência era ser advogada elaera encaminhada a fazer o curso. Se nãotinha habilidades era sugerido procurar ou-tro curso. Elas diziam: eu vim para fazer ocurso para a formação pessoal e para afamília. E também tinham em vista isto:não querendo ser professora você vai serboa mãe; bom pai de família. Após o testeaquela que não demonstrasse tendênciaera encaminhada a outro curso. E se optas-se por ficar no Curso Normal que assumis-se. Tinha que assumir tudo como normal,as aulas, as tarefas, os estágios, tudo. Elassabiam, e ficavam conscientes disso. Elastinham opção e ficavam conscientes disso.

Além daquela formação geral, a in-tenção das religiosas do Colégio SagradoCoração de Jesus era educar as meninas,futuras mães e esposas, que se respon-sabilizariam pela educação das geraçõesfuturas. Lima (1995) afirma que “a educaçãoministrada nos colégios católicos, a maioriados quais dirigidos por Irmãs de congrega-ções religiosas, tinha como finalidade espe-cífica não apenas preparar a mulher paraos cuidados do lar, mas, na medida do pos-sível, buscava também atrair as jovens paraa vida conventual”.

O objetivo do Colégio, em especial, oCurso Normal foi promover o homem nasua integridade desenvolvendo-lhe todasas suas potencialidades como escreveWelter, (2006, p. 41).

No Regulamento da Escola NormalSagrado Coração de Jesus, a finalidade do

Page 115: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 103-122, jan./jun. 2008. 115

colégio era proporcionar uma educaçãosolidamente moral e religiosa. Uma instru-ção completa, adaptada às necessidadese conhecimentos práticos de tudo aquiloque faz da donzela cristã uma jóia de seular e a torna capaz de honrar, com sua con-duta fina e delicada, a religião de Cristo.Que ela possa constituir a felicidade de seuslares, senão também a honra da sociedadee a glória da Pátria.

Seguindo esse ideário, em 1971, ojornal Correio do Norte publicou a progra-mação prevista para a comemoração docinqüentenário do colégio. Destaca as diver-sas atividades que seriam realizadas duran-te todo esse ano, desde o mês abril, quandoseriam lançadas as flâmulas, até o mês deoutubro, com a Semana Franciscana. Alémdisso faz alusão à educação:

[...]. É preciso construir personalidade, masde que maneira? Através da educação...Educação é, portanto, construir caracteres,personalidades fortes que não se abalamdiante dos obstáculos; que, pelo contrario,enfrentam tudo, quando se trata de algobom, nobre, digno da pessoa humana. Aeducação é o material que todos devemusar para construir suas vidas.., vidas quese destinam ao amor, à fraternidade..., aotrabalho que engrandece..., que dignifi-ca..., que torna o homem e o mundo me-lhor... O material instrutivo deve ser com-pletado com os tijolos da virtude, da mo-ral do reto viver... O edifício da construçãonão se mantém se não tiver o alicerce daformação. É preciso alicerçar... É precisosolidificar a educação que diariamenterecebemos... Fazendo parte do imensonúmero de edifícios que estão se proje-tando no mundo..., edifícios que vão su-bindo para o aperfeiçoamento, para a vidaque estamos destinados... Se todos se cons-

cientizassem que são responsáveis pelaconstrução de suas vidas, iriam procurara instrução, a educação, os materiais maissólidos, mais fortes, para que o edifício desua existência jamais desabe na cidadehumana...Procurando a luz da instruçãoestaremos fazendo jus às palavras do pre-sidente: É tempo de construir. (Educar éconstruir. Alunos da 4ª serie ginasial,Correio do Norte, 8/5/1971).

A palavra consciente faz parte dodiscurso das Irmãs, principalmente na déca-da de 1980. Algumas questões que afronta-vam os ideais e valores morais e religiosos,conforme era estabelecido pela congrega-ção e executados pelas Irmãs, agora nãoeram cobrados de forma incontestável. Aorientação nesse período era fazer com queas alunas fossem conscientes de todos osseus atos e reconhecessem os seus acertose principalmente eventuais erros. Se forenfatizado aqui o teor da Lei educacionalem vigor no período, com referência ao ter-mo consciente aqui abordado, Valle (1996,p. 24) destaca “a Lei 5.692/71 estabeleceucomo objetivo: do ponto de vista individu-al, a auto-realização, do ponto de vista in-dividual, social, político e econômico, a qua-lificação para o trabalho; e, como aspectopredominante social, o preparo para o exer-cício consciente da cidadania. Seus efeitosabrangeram, fundamentalmente, a organi-zação dos sistemas de ensino e a delimita-ção de suas esferas de competência”. Tomarconsciência, às vezes era ser privado dealguma atividade ou de algum evento. Mas,algumas vezes custava muito caro e fazialembrar os velhos tempos de castigos e derigidez na tomada de decisões por partedas Irmãs. Isso pode ser evidenciado no

Page 116: Memórias - Maria Teresa Cunha

116 Henrique A. de LIMA; Rosa Lydia T. CORRÊA. Ideário de formação de professores:...

depoimento da ex-aluna Nuremberg (2006),que, pelo fato de não cumprir e não acom-panhar os rituais da Igreja Católica, porcultuar outra religião, foi reprovada no últi-mo ano do curso:

Eu fui apunhalada pelas costas. Em mo-mento algum tive oportunidade de me de-fender ou de dar a minha opinião ou jus-tificativa de minhas atitudes. Até mesmoa minha família se posicionou contra mim.As Irmãs mantinham sempre contato comas famílias das alunas e colocavam a ver-são delas para as coisas. Como as palavrasdelas vinham carregadas de justificativase de apelos a aquilo que era pecado pe-rante a religião, conseguiram convenceros meus pais que eu era incapaz de sereducadora; pois, segundo elas, uma profes-sora precisa cumprir ordens e ser bomexemplo na vida religiosa. E eu, por nãoacompanhar os rituais de uma religiãoque não me pertencia, fui rotulada derebelde. Isso tudo mudou a minha vida,me causou enormes constrangimentos,mas as Irmãs foram irredutíveis.

Suas afirmações são bastante parti-culares, é obvio. Mas, alguns relatos deoutras alunas indicam que a questão deoutra religião tinha um tratamento veladoe muito criterioso por parte das Irmãs daCongregação e que, teoricamente, elas nãotinham nenhuma restrição.

Nos relatórios de atividades das alu-nas do Curso Normal elaborados nos anosiniciais da década de 1970, foram encon-tradas diversas abordagens sobre 14 siste-mas trabalhados nas aulas de Religião ede Estudos Regionais, na seguinte seqüên-cia: parentesco, sanitário, manutenção, leal-dade, lazer, viário, pedagógico, patrimonial,produção, religião, segurança, política, jurí-dico, procedência. Segundo anotações de

uma das Irmãs nos planos de trabalho doperíodo, com ênfase a essas questões há aseguinte afirmação: “A falha de um destessistemas produz desequilíbrio na pessoa ena sociedade”. Destes dados se observauma compreensão funcionalista de educa-ção o que anuncia uma possibilidade deinfluência tecnicista, bem como de dese-quilíbrio que, nessa lógica, representaria terentre o rebanho, no caso as formandascatólicas, outras não pertencentes a essareligião.

Em trabalhos elaborados pelas alu-nas e arquivados na biblioteca da escola,foi possível verificar que, junto com os qua-torze sistemas, eram abordados temascomo o conhecimento a respeito de perso-nalidades importantes para a sociedadecanoinhense; (bispos da diocese de Caça-dor), as Irmãs (enfatizando-se as Irmãs daCongregação e do Colégio); políticos degrande importância histórica. Nos trabalhos,são relacionadas também as obras e ben-feitorias para a cidade. Também há detalhessobre sistemas de produção, ou seja, firmas,empresas, indústrias e outras questõeseconômicas e políticas da cidade de Canoi-nhas. Assim, aqueles sistemas faziam arti-culação entre a vivência das alunas doColégio Sagrado Coração de Jesus e a rea-lidade da sociedade política e econômicada cidade de Canoinhas, sem deixar de teruma relação particular com a religião.

Enquanto economicamente o paísvivia o chamado “milagre econômico” dosanos de 1970, o Município também des-frutava de um bom momento com relaçãoà economia de acordo com os dados en-contrados em documento manuscrito. Traz

Page 117: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 103-122, jan./jun. 2008. 117

detalhes sobre Canoinhas, sua situação his-tórica, política, econômica e cultural. O refe-rido documento foi elaborado por profes-sores de diversas instituições de ensino deCanoinhas, sob orientação da Coordena-doria Municipal e Regional de Educação,por solicitação da Prefeitura Municipal deCanoinhas (Cfr. Esboço Histórico deCanoinhas. Biblioteca do Colégio SagradoCoração de Jesus).

A organização política do país eracaracterizada pelo bipartidarismo e, emCanoinhas, a Câmara Municipal tinha 11vereadores, 6 da ARENA e 5 do MDB, den-tre os quais havia duas mulheres4.

A cidade de Canoinhas dependia naépoca da produção do campo, da extraçãode erva-mate e madeira, acompanhandouma tendência nacional. Desse modo, paraHabert (1996, p. 16) em âmbito nacional,“no campo, consolidou-se a grande empre-sa capitalista favorecida pelo financiamen-to, isenções e incentivos fiscais, créditos ejuros baixos para aquisição de máquinase implementos”. O país vivia o processo decapitalização do campo, com a mecaniza-ção da produção, o predomínio do trabalhoassalariado e a concentração da proprie-dade de terra. Esse processo foi acompa-nhado por violenta expropriação e expulsãode milhões de pequenos proprietários e tra-balhadores rurais das terras e das fazendase pelo intenso êxodo para as cidades.

Dentre os principais objetivos da Lei5.692/71 está o de adequação da educa-ção escolar às exigências de uma socieda-de industrial e tecnológica. A modernizaçãose daria por meio das modernas tecnolo-gias. A escola teria um papel relevante na

formação de pessoal qualificado paraoperá-las como para produzi-las. Nesse sen-tido, essa educação é então entendidacomo um investimento individual e socialque daria resultados no bojo do desenvol-vimento capitalista industrial. Vale lembrarque a Lei 5.692/71 transforma o curso nor-mal em uma das habilitações profissionaisdo 2º grau, obrigatoriamente profissiona-lizante que, segundo Candau (2001), “vaise tornar uma habilitação de segunda cate-goria e ao qual se dirigem alunos commenos possibilidades de fazer cursos commais status”5.

Na década de 1980, ocorrem as mo-bilizações pró-diretas e os movimentos so-ciais que demonstraram a intenção de elei-ção popular para presidente do Brasil. Noano de 1988, a promulgação da Constitui-ção Federal trouxe uma nova expectativapara a nação. No ano seguinte, houve anova oportunidade de eleger o presidentedo país. Mas os anos de 1980 também trou-xeram a abertura política que se fez sentirobviamente na cidade de Canoinhas. Elatambém atravessa o discurso educacionalexposto pela imprensa local. Assim, o JornalCorreio do Norte, em artigo, fala sobre ademocratização da Educação:

A democratização da educação trata-se deuma proposta de rumos para a educaçãocatarinense e de caminhos a serem per-corridos com a participação de toda asociedade isto é, pais, alunos, professores,órgãos representativos de classe, enfim,toda a comunidade. A idéia principal desteprocesso visa: – Desejo de mudança pelacomunidade. – Participação da comunidadenos meios educacionais. – Aplicação demaior volume de recurso. Descentralização

Page 118: Memórias - Maria Teresa Cunha

118 Henrique A. de LIMA; Rosa Lydia T. CORRÊA. Ideário de formação de professores:...

da administração educacional. – Outraspropostas que venha enriquecer o pro-cesso. (A democratização da Educação.Correio do Norte, 12/5/1984)

A publicação segue com outras su-gestões, como o zelo para que as discussõesocorressem em todos os níveis educacio-nais, para que cuidassem que as escolasapresentassem os seus relatórios, divulgas-sem e mobilizassem a população para adiscussão nas escolas, abordando-se as se-guintes questões:

Que entendemos por Democratização daEducação? Qual a validade dos processosprogressivos no processo educacional, damaneira como está sendo aplicado? Ademocratização do ensino é a solução paraa educação? Como a escola poderá formarlideranças autênticas? O que é participarda Escola? O que deveria ser feito para amaior participação dos Pais? Por que háevasão escolar (exemplo: época de safra)?Como adaptar a escola à realidade, voltadapara as necessidades locais e regionais?Como a comunidade pode sensibilizar opoder público para a solução dos proble-mas? O que poderia ser feito para melhoraro nível de ensino? Existe participação efe-tiva da Unidade de Coordenadoria Regio-nal de Ensino nas unidades escolares? Oprofessor tem sido valorizado no processoeducacional? Há necessidade de implan-tação de cursos de formação de professo-res a nível universitário para atendimen-to as necessidades locais e regionais?(idem)

No final da década de 1980, nosanos finais de existência do Curso Normal,no Colégio Sagrado Coração de Jesus deCanoinhas, segundo as ex-alunas entrevis-tadas, todas eram obrigadas a ter um ca-derno com coletâneas de poesias e textosalusivos a todas as datas comemorativas

do ano. Era obrigatório para as alunas tam-bém a elaboração de um caderno com re-gistro de jogos e brincadeiras cantadas eoutro com muitas sugestões e temas paraa produção de textos. Os cadernos exigidostinham a finalidade de preparar a profes-sora para o exercício do magistério e depermitir que ela, mesmo enquanto aluna,tivesse orientação de como trabalhar comcrianças. Assim, segundo Mello:

A preparação da criança se fará por meiode atividades experiências: jogos livres,espontâneos ou organizados, materiaisvivos, canto, desenho, musica, dança, ex-ploração do meio, interação com a comu-nidade sempre partir do interesse e aspi-rações reais de cada criança. (1982, p. 25)

Por fim, de depoimentos das alunase do trecho acima, tudo leva a crer que idéiasda Educação Nova também adentraram aformação de professoras daquele Colégio.Os princípios da experiência, o da atividade,se contrapõem ao da passividade e rigidezpróprios da pedagogia tradicional católica.

À guisa de considerações finais

Dissemos na introdução deste traba-lho que buscávamos resposta à seguinteindagação: Que ideário de formação de pro-fessoras esteve presente no Curso Normaldo Colégio Sagrado Coração de Jesus noperíodo deste estudo? Nos limites desteartigo trouxemos apenas alguns dados quenos permitem dizer que: de 1936, quandofoi criado o Curso Normal, até 1987, quandolá deixou de funcionar já como Curso deMagistério, há a presença do ideário religio-so de cunho moral que se assenta na disci-plina rígida marcada pelo controle rigoroso

Page 119: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 103-122, jan./jun. 2008. 119

do comportamento. Há, por isso, o ideal dabusca do ser perfeito. Paulatinamente,quando as exigências legais e sociais vãose impondo, manifesta-se a necessidade deque a instituição se conforme aos novostempos. Daí sua aproximação a uma pro-posta de formação mais técnica, cuja orien-tação funcionalista se faz presente por meioda compreensão de sistemas integrados deinterpretação que devem orientar aprendi-zagem no sentido de que ela se torne efici-ente, correspondendo assim aos ditames damodernização social. Formação religiosa esocial se confundem, dando espaço tam-bém para uma compreensão de educaçãoque prima pelas relações democráticas, pelaliberdade, pela participação do aluno noprocesso de aprendizagem. Há aqui indí-cios da educação nova que, de modo tar-dio adentra a instituição, sem perder de vistao propósito maior de formação da mulherpara viver em sociedade tanto pela via pro-fissional como doméstica. Desse modo, acultura escolar tende, aos poucos a sofreralterações, sendo sua base, no caso, a reli-giosa, abalada por fatores que vão desdeos custos do curso, às idéias modernizantes.Presumivelmente, a pouca demanda de alu-nas, numa época em que as conseqüênciasda emancipação feminina certamente en-contram eco em lugares longínquos, comoCanoinhas, pode ter concorrido tambémpara o término do Curso de Formação deProfessoras no Colégio Sagrado Coraçãode Jesus.

Notas1 Fundação das Escolas do Planalto Catarinense.2 Ver nesse sentido SAVIANI, D. Escola e Democracia.3 Vale lembrar que exame de admissão não eraprerrogativa dessa instituição. Constituía-se umaexigência para ingresso no curso ginasial.4 A Câmara Municipal de Canoinhas, na adminis-tração do prefeito Benedito Therézio de CarvalhoNetto, que administrou o Município, de 1977 a 1981,contava com o trabalho das vereadoras Selma C.Pieczarcka e Stelitta P. Costa, que pertenciam aoMDB (Fonte: Relatório sobre a história da cidade deCanoinhas abordando os 14 sistemas – Arquivo daBiblioteca do Colégio Sagrado Coração de Jesus).5 Em Canoinhas, no final da década de 1960 e iní-cio da década de 1970, os professores que preen-cheriam vaga no magistério público da cidade epara trabalhar nas diversas escolas do município, anomeação era por decreto. Era realizada a classifi-cação dos professores em ordem decrescente, deacordo com Decreto n. 276/68 do Dr. BeneditoTherézio de Carvalho Netto, Prefeito Municipal deCanoinhas,. Decreta Regulamento para Concursode Ingresso de Professores Municipais. Art.1º: A ins-crição para o Concurso de ingresso à classe inicialda carreira de professor Normalista, Regente deensino primário, Ginasiano, complementarista ha-bilitado especializado e não titulado habilitado de-verá ser feito anualmente, após inscrição compe-tente, [...] uma vez exista vaga em Escola IsoladaMunicipal. Art.2º: Normalistas do 2º ciclo, regentesde ensino primário, ginasianos, complementaristas,portadores de certificados de especialização e habi-litados mediante provas. Art3º: O Concurso deveráser de titulo e provas, [...] Constarão das seguintesmatérias: linguagem nacional, matemática, culturageral, em testes do sistema objetivo. [...] Os candida-tos que possuírem certificado de conclusão de Cur-so de administração ou especialização de ordemtécnica escolar, grau primário, terão 10 pontos acres-cidos à média final. Em 04/03/68 Dr. BeneditoTherézio de Carvalho Netto Prefeito. Decreto n. 303/69 O Sr. Benedito Therésio de Carvalho Netto, Pre-feito Municipal de Canoinhas, [...] Ficam abertas, apartir de 10 de março de 1969, as inscrições para oConcurso de ingresso a classe inicial da carreira de

Page 120: Memórias - Maria Teresa Cunha

120 Henrique A. de LIMA; Rosa Lydia T. CORRÊA. Ideário de formação de professores:...

professor Normalista, REP, Ginasiano, Comple-mentarista, Habilitado Especializado e não titulado,habilitado, para provimento às escolas isoladas domunicípio de Canoinhas. Art2º: Poderão ser inscritosao Concurso, Normalistas, Regentes de Ensino Pri-mário, Ginasianos, complementaristas, portadoresde Curso de especialização e habilitadores, medianteprovas legais §Terá prioridade na escolha das vagasde que trata este artigo a ordem de nível culturaldecrescente. Em, 07/03/70 Benedito Therésio de Car-valho Netto Prefeito Municipal Decreto Nº 326/70.O Sr. Alcides Schumacher, Prefeito de Canoinhasde acordo com a nova Constituição Federal e Esta-dual. Decreta Art. 1º: Ficam abertas, a partir de 12de março de 1970, as inscrições para o Concursode ingresso a classe inicial da carreira de professor

Normalista, REP, Ginasiano, Complementarista, Ha-bilitado Especializado e não titulado, habilitado, paraprovimento às escolas isoladas do município deCanoinhas [...] acordo com o nível cultural NormalistaR.E.P, Ginasianos, Complementarista e Não TituladosHabilitados. Art.3º: Poderão ser inscritos ao Concur-so de que trata o artigo anterior, Normalistas, Re-gentes de Ensino Primário, Ginasianos, Comple-mentaristas, portadores de Curso de especializaçãoe o nível de formação escolar (Normalistas, Gina-sianos e Complementaristas), e inclusive um grupodenominado de “Não Titulados Habilitados” que eramas pessoas nomeadas por indicação política. Essaspessoas que exerciam o cargo de docentes possuíamtambém o direito de concorrer, em grau de igualdadecom qualificados, com o pretexto de suprir as vagasexistentes.

Referências

CANDAU, Vera Maria. (Org). Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Vozes, 1998.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 19. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

GEERTZ, Clifford. As interpretações das culturas. Rio de Janeiro: Editora LTC – Livros Técnicos eCientíficos, 1989.

FREITAS, Sonia Maria de. História oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo: Humanitas/FFLCH / USP: Imprensa Oficial do Estado, 2002.

GURZYNSKI, Matilde. Colégio “Sagrado Coração de Jesus“ – 75 anos de história. Canoinhas.Monografia (Latu Sensu em Educação) – Universidade do Contestado, 1996.

JORNAL CORREIO DO NORTE. Edições de 1970 a 1989. Edição Comemorativa – 50 anos deCanoinhas.

______. Edição Histórica. Canoinhas 90 anos .

JORNAL O PLANALTO. Canoinhas. Jornal Barriga Verde. Edições 1970 -1980

JORNAL CORAÇÃO DE ESTUDANTE. Ano I, n. 01, Junho/85;

______. Ano I, n. 02, Setembro/85.

JORNAL O ESTADO. Canoinhas. Edição Especial comemorativa ao 68º. Aniversário de Canoinhas,12 de Setembro de 1979.

JULIA, Dominique. A Cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História daEducação. Campinas, SP: Editora Autores Associados, n. 1, janeiro/junho, 2001.

Page 121: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 103-122, jan./jun. 2008. 121

LIMA, Severina Alves. Caminhos novos na educação. São Paulo: FTD, 1995.

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Xamã, 1996.

RIBAS, Sinira Damasco. Resgate de Memórias – Papanduva em histórias. Florianópolis: Insular,2004.

SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 8. ed. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1985.

TOKARSKI, Fernando. Cronografia do Contestado – Apontamentos históricos da região do Con-testado e Sul do Paraná – IOESC – Florianópolis, 2002.

VALLE, Ione Ribeiro. Burocratização da Educação: Um estudo sobre o Conselho Estadual deEducação do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: Editora da UFSC, 1996.

WELTER, Carmen. História do Colégio Sagrado Coração de Jesus: 1921-2006. 85 anos educan-do. Xanxerê/SC: News Print Gráfica e Editora, 2006.

Fontes Orais:

COSTA. D. Memórias do Curso Normal e do Colégio Sagrado Coração de Jesus de Canoinhas.Depoimento concedido a Henrique Alves de Lima. Canoinhas, 5 maio/ 2006.

Ir. Auxiliadora. Os ideais de formação e a influência cultural do Colégio Sagrado Coração deJesus. Entrevista concedida a Henrique Alves de Lima. Canoinhas, 8 maio/ 2005.

Ir. Auxiliadora. O Curso Normal do Colégio Sagrado Coração de Jesus: um importante marcohistórico na formação dos sujeitos de Canoinhas e sua influência cultural. Entrevista concedi-da a Henrique Alves de Lima. Canoinhas, 11 junho/ 2005.

Ir. Auxiliadora. O Curso Normal e a presença franciscana em Canoinhas: a formação da mu-lher para a formação cultural em Canoinhas. Depoimento concedido a Henrique Alves deLima. Canoinhas, 18 junho/2006.

MATTOS, H. M. Período de transição e processo de transferência do Curso Normal do ColégioSagrado Coração de Jesus para o Curso de Magistério da FUNPLOC: quais foram as mudançasque ocorreram em relação a filosofia do curso, concepções e saberes. Entrevista concedida aHenrique Alves de Lima. Canoinhas, 18 outubro/2006.

NUREMBERG, C. E. A presença de normalistas de outras confissões religiosas no Colégio dasIrmãs. Depoimento concedido a Henrique Alves de Lima. Canoinhas, 15 julho/2005.

RIBAS, S. D. Comentário sobre a Educação na Região do Contestado nas décadas de 50 e 60em comparativo aos anos 70 e 80 do século XX. Depoimento concedido a Henrique Alves deLima. Papanduva, 8 abril/2005.

SILVA, C. F. P. Em que e como o processo educacional ministrado no Curso Normal do ColégioSagrado Coração de Jesus contribuiu ou influenciou para a formação cultural e formação damulher região de Canoinhas? Entrevista concedida a Henrique Alves de Lima. Canoinhas, 28

Page 122: Memórias - Maria Teresa Cunha

122 Henrique A. de LIMA; Rosa Lydia T. CORRÊA. Ideário de formação de professores:...

setembro/2006.

STOLKER, F. M. Os cursos de formação de professores em Canoinhas nos anos de 1970 e 1980.Entrevista concedida a Henrique Alves de Lima. Canoinhas, 16 outubro/2006 STROEBEL, O. S.A religiosidade presente em todos os trabalhos das professoras e alunas: as tardes de forma-ção uma proposta “democrática” na formação das meninas. Entrevista concedida a HenriqueAlves de Lima. Canoinhas, 15 março/2006.

TREVISAN, R. J. O colégio Sagrado Coração de Jesus e o Curso Normal: muitas histórias. Entre-vista concedida a Henrique Alves de Lima. Canoinhas, 8 de maio de 2006.

Recebido em 28 de abril de 2008.

Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 123: Memórias - Maria Teresa Cunha

A escola normal de Mato Grosso no século XIXThe primary teacher training school of Mato Grosso inthe nineteenth century

Ana Paula da Silva Xavier*Nicanor Palhares Sá**

* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em EducaçãoUFMG.e-mail: [email protected]

** Dr. em Educação pela UNICAMP. Professor do Programade Pós-Graduação em Educação – Mestrado Doutorado/UFMT.e-mail: [email protected]

ResumoEste artigo busca discutir as tensões presentes no processo de institucionalização do magistério em MatoGrosso, entre os anos de 1837 e 1889. Os professores leigos que ingressavam na carreira do magistérioinventavam o seu fazer pedagógico, evitando que a profissão docente fenecesse. A permanência dessesprofissionais fez com que o processo de profissionalização docente estivesse sempre em voga nas discus-sões políticas e administrativas da província, abrindo espaço para sua consolidação ocorrida por meio da“Reforma de 1910”, que criou e pôs em plena atividade a Escola Normal de Cuiabá.Palavras-chaveEscola Normal. História da educação em Mato Grosso. Século XIX.

AbstractThis article aims to discuss the problems resulting from the process of institutionalization of the teachershipin Mato Grosso, between 1837 and 1889. The laic teachers joined the teachership and invented theirpedagogical to do, preventing the teacher profession from extinction. The permanence of these professionalskept the process of profissionalization of the teachers constantly in the discussions on administrativepolicies of the province, enabling its consolidation, which happened through the “Reform of 1910”, thatcreated and put to work the primary teacher training school of Cuiabá.Key wordsPrimary teacher training schools. History of the education in Mato Grosso. Nineteenth Century.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 123-132, jan./jun. 2008.

Page 124: Memórias - Maria Teresa Cunha

124 Ana Paula da S. XAVIER; Nicanor Palhares SÁ. A escola normal de Mato Grosso...

A Escola Normal, criada no cenárioeducacional mato-grossense no século XIX,sofreu avanços e retrocessos em seu pro-cesso de consolidação como instituição des-tinada à formação do corpo docente da ins-trução primária, que em sua maior parteera considerada leiga, já que não possuíaformação específica na área. As dificulda-des financeiras e administrativas pelas quaisa Província passava fizeram com que a Es-cola Normal não subsistisse no períodoImperial. Contudo, esses profissionais con-tinuavam a exercer a profissão do modocomo sabiam, de sorte que o processo deprofissionalização docente sempre estevena pauta das discussões políticas e admi-nistrativas da região.

De maneira geral, a Escola Normaloriginou-se com o movimento reformistaprotestante. No entanto, foi somente coma Revolução Francesa que surgiu e foi con-cretizada a idéia de criação de uma institui-ção pública e laica destinada à formaçãode professores para o ensino primário(SILVA, 2000, p. 17).

No Brasil, os primeiros estabelecimen-tos dessa natureza foram instituídos a par-tir do Ato Adicional de 12 de agosto de1834, por meio do qual o Governo Centralse responsabilizou apenas pelo ensino dacapital imperial e pelo curso superior emtodo o país, enquanto as províncias doImpério ficaram encarregadas da adminis-tração educacional de suas unidades.

De acordo com Villela (2003), a cria-ção das escolas normais, a partir das déca-das de 30 e 40 do século XIX, marcou umanova etapa no processo de institucionaliza-ção da profissão docente:

[...] apesar do pioneirismo, durante todo oséculo XIX esse tipo de formação se ca-racterizaria por um ritmo alternado deavanços e retrocessos, de infindáveis refor-mas, criações e extinções de escolas nor-mais. [...] A adesão dos professores a esseprocesso de estabilização não ocorre semcontradições. Se, de um lado, estão subme-tidos a um controle ideológico, de outrotêm meios de produzir um discurso próprioe de se organizar como categoria profissio-nal [...]. (VILLELA, 2003, p. 100-1)

Esses “acertos” e “desacertos” fizeramparte das tensões administrativas das pro-víncias, por não possuírem estrutura paracriar e manter em funcionamento as esco-las de formação de professores.

A primeira Escola Normal brasileiranasceu em Niterói, capital da província doRio de Janeiro, em 1835, com o intuito depropiciar uma melhoria em termos quanti-tativos e qualitativos relativamente à for-mação dos profissionais da educação, vis-to que, naquele período, o número de pro-fessores era insuficiente e os que existiamnão possuíam qualificação formal. SegundoVillela (2003, p. 104), pode-se constatar“uma seqüência de atos de criação dessasescolas em vários pontos do país: Provínciade Minas Gerais (1835), Rio de Janeiro(1835), Bahia (1836), São Paulo (1846)”.

Julia (2001), ao afirmar a importânciade se proceder à avaliação do papel desem-penhado pela profissionalização docente edos critérios de recrutamento de professorespor meio do estudo da cultura escolar asse-gura que, “Na análise histórica da culturaescolar, parece-me de fato fundamentalestudar como e sobre quais critérios preci-sos foram recrutados os professores de cadanível escolar: quais são os saberes e o

Page 125: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 123-132, jan./jun. 2008. 125

habitus requeridos de um futuro professor?”(JULIA, 2001, p. 24).

Seguindo esta indicação de Julia, oprocesso de profissionalização do trabalhodocente de Mato Grosso, no século XIX,pode ser investigado, pois o recrutamentodos professores foi perpassado com baseem saberes que influenciaram hábitos, ati-tudes, habilidades e valores tanto do pro-fessorado como dos educandos.

As primeiras experiências de implan-tação das escolas normais no Brasil ocor-reram na tentativa de se igualar o país àsnações civilizadas:

[...] Assim, ‘derramar a instrução por todasas classes’ não significava que todas asclasses deveriam chegar ao mesmo está-gio de ‘adiantamento’, mas, apenas, quedeveriam ascender, independentementeumas das outras, a estágios mais avança-dos da ‘civilização’. Por trás de frases comoessas, sonoras e de grande efeito retórico,não havia uma intenção de subverter aordem estabelecida, mas, ao contrário, opropósito de unificar certos padrões soci-ais, difundindo o que aqueles homensdenominavam uma ‘moral universal’.(VILLELA, 2003, p. 103)

O pano de fundo do ensino primáriobrasileiro no século XIX configurava-se apartir dos interesses dos dirigentes políticosdo Brasil em construir o ideário de naciona-lidade, no que se incluía o recrutamento dosprofessores, que, dessa forma, deveria aten-der aos interesses do Estado. Criar “a car-reira do magistério era, antes de tudo, tor-nar o professor primário um poderoso agen-te de governo do Estado” (MATTOS, 1987,p. 269, grifo do autor).

Em Mato Grosso, o Regulamento de30 de setembro de 1854, que trazia disposi-

ções regulamentares da Lei Provincial de1837, pretendia estabelecer a educação ea instrução do nascente cidadão e assegu-rar que os princípios estatais fossem trans-mitidos pelos governantes, através de umdiscurso moralizador e civilizatório harmo-nicamente elaborado (CASTANHA, 1999).

Esse tipo de discurso pode ser apre-ciado em muitos documentos oficiais daépoca, caso do pronunciamento do Inspe-tor Joaquim Gaudie Ley:

A instrução primária não é só uma dívidasocial para o povo; é também uma necessi-dade pública: sem ela a religião, as luzes, aordem e a segurança pública dificilmenteserão conservadas; pois é certo que em to-dos os tempos e lugares a ignorância temsido a mãe de todos os crimes. (MATO GROS-SO, Inspetoria Geral da Instrução, 1859)

Nessa fala, o dirigente evidencia suaposição em relação à finalidade que atribuíaà Instrução Pública Primária, demonstrandoque os objetivos emanados da sociedadeatendiam ao interesse de construção doEstado-Nação e tinham na figura do profes-sor um dos principais agentes do Estado.

Para assegurar a adesão de profes-sores à carreira do magistério e concretizaro ideal da implantação da Escola Normalem Mato Grosso, a Lei n. 8 de 5 de Maiode 1837 (primeira Lei Provincial de MT) au-torizou o Governo local a contratar umapessoa de outra localidade, devidamentecapacitada. Caso não houvesse alguémapto, a autoridade competente poderia,então, enviar uma pessoa da própria loca-lidade para se instruir na Escola Normal daprovíncia do Rio de Janeiro.

No que diz respeito a tais autoriza-ções de contratos, o Art. 6º prescreve:

Page 126: Memórias - Maria Teresa Cunha

126 Ana Paula da S. XAVIER; Nicanor Palhares SÁ. A escola normal de Mato Grosso...

[...] o Governo é autorizado desde já a con-tratar com um cidadão brasileiro a regên-cia da cadeira pelo tempo que for conve-niente, e com o vencimento de que sefará menção no título segundo, além daindenização da viagem caso tenha lugar;e quando nenhum apareça com reconhe-cida aptidão, poderá contratar com quemvá instruir-se na Escola Normal da Provín-cia do Rio de Janeiro, e venha reger acadeira, tomando em todo o caso as ne-cessárias cautelas para que não seja aFazenda Pública lesada, ou a Provínciailudida. (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 12)

Na tentativa de materializar o quefora legalmente proposto, o Governo deMato Grosso, em 1838, enviou à provínciade Niterói o professor Joaquim Felicíssimode Almeida Louzada, a fim de que obtivesseuma adequada formação profissional e, porocasião do seu retorno, regesse a EscolaNormal, em Cuiabá.

Essa disposição governamental foidescrita no relatório proferido pelo Presiden-te Estêvão Ribeiro de Rezende e enviado àAssembléia Legislativa Provincial, em 1º demarço de 1840:

No último Relatório comuniquei o queentão ocorria sobre o aproveitamento docidadão Joaquim Felicíssimo de AlmeidaLouzada, que, por contrato com o Governo,foi instruir-se na Escola Normal da cidadede Niterói para vir reger uma outra nestaCapital: tenho, pois, agora a acrescentarque, havendo-me ele participado deverultimar os seus estudos em princípios docorrente ano e regressar para esta Provín-cia em abril próximo seguinte, mandei-lhe dar um tempo no Rio de Janeiro aajuda de custo, que lhe garantiu o con-trato celebrado para as despesas da suaviagem. (MATO GROSSO, Presidência daProvíncia, 1840)

Com a volta do Professor Louzada,pretendia-se, então, implantar a Escola Nor-mal; no entanto, não foi o que aconteceu.

A precariedade de profissionais habi-litados para atuarem nos diversos setorespúblicos e administrativos da província deMato Grosso fez com que esse professor,por seu prestígio e formação adquiridos naCorte, passasse a responder pela Secretariado Governo da Província, deixando de ladoaquele projeto.

Mesmo sem contar com a adminis-tração de Louzada, a Escola Normal deCuiabá foi instalada em 1840, e foi extintaquatro anos depois, por não haver um qua-dro de professores capacitados para o exer-cício do cargo, por falta de espaço físico ade-quado para o funcionamento da escola, epor não haver verbas provinciais suficien-tes para a manutenção da instituição.

A extinção da Escola Normal deMato Grosso foi descrita pelo Presidente daProvíncia, Ricardo José Gomes Jardim, daseguinte forma:

Lei Provincial de 5 de maio de 1837, queregulou o modo de inspeção sobre as esco-las e a habilitação, concurso, preferência,provimento e demissão dos professores.Muitas das cadeiras criadas de primeirasletras estão vagas e quase nenhuma dasprovidas é freqüentada por grande númerode discípulos, o que tudo explica-se pelosdiminutos ordenados marcados aos profes-sores, e pela falência de pessoas versadasnas matérias que eles devem ensinar ecabe aqui participar-vos que a Escola Nor-mal estabelecida nesta cidade com o fimde acautelar este obstáculo, habilitandocandidatos ao professorado das escolas pú-blicas, deixou de existir no dia 9 de novem-bro do ano passado próximo, em que se

Page 127: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 123-132, jan./jun. 2008. 127

findara o prazo contratado pelo respectivoprofessor que, por doente e desgostoso dopequeno número de discípulos aplicados,não desejou continuar, como aliás lhe seriafacultado de ulterior deliberação Vossa. (MA-TO GROSSO, Presidência da Província, 1845)

Com essa extinção, a instrução ele-mentar na Província passou a enfrentar obs-táculos cada vez mais sérios para subsistir.A falta de habilitação necessária ao exercí-cio da profissão era acompanhada de bai-xos salários e precárias condições de traba-lho. Nas palavras de Gomes Jardim, os prin-cipais problemas “consistem principalmen-te na falta de pessoas dedicadas e habili-tadas para o ensino primário, na insufici-ência dos ordenados marcados para osmestres, que demais não podem hoje serpagos pontualmente” (MATO GROSSO, Pre-sidência da Província, 1846).

O Presidente sucessor, Joaquim Joséde Oliveira, declarou que a deficiência doCofre Provincial fazia com que a InstruçãoPública não tivesse “apresentado desenvol-vimento algum por falta de mestres” devidoaos “mesquinhos ordenados”, e aos “paga-mentos sempre atrasados” (MATO GROS-SO, Presidência da Província, 1848).

A inexistência de uma Escola Normalfazia com que pessoas sem qualificação naárea de educação fossem designadas parao cargo de professor, bastando que apre-sentassem alguma experiência empíricadas seguintes habilidades: saber ler e es-crever e realizar alguns cálculos.

Também em decorrência dessa falta,o professor ensinava o que sabia e fazia-oem local improvisado, chegando, em mui-tos casos, a utilizar como escola um cômo-do de sua própria casa.

Para o Presidente da Província, oCapitão de Fragata Augusto Leverger, naabertura da sessão ordinária da AssembléiaLegislativa Provincial, “Alguns professoreshá que mal sabem aquilo que devem ensi-nar”. Porém, Leverger ponderava se nãoseria preferível os alunos receberem a pou-ca instrução que os docentes transmitiama viverem em “ignorância absoluta” (MATOGROSSO, Presidência da Província, 1851).

Diante das necessidades que impe-ravam no provimento das cadeiras de pri-meiras letras, o governo não podia ou sen-tia-se constrangido em exigir desempenhomaior por parte do professorado:

Os atuais Professores Públicos, com muipoucas exceções, não têm todos os conhe-cimentos necessários para o Magistério;exigi-los, porém, desde já para o provi-mento das Cadeiras que forem vagando,seria o mesmo que deixá-las sem con-correntes, e a mocidade privada do EnsinoPrimário, sempre útil, ainda quando dadoimperfeitamente. (MATO GROSSO, Presi-dência da Província, 1862)

Os editais de concursos para cadeirasde primeiras letras eram fixados pela As-sembléia Legislativa e pela Presidência daInstrução Pública, porém muitas delas dei-xaram de ser providas por falta de profes-sores, pois os poucos que atuavam aindasofriam com a falta de pagamento. Dessaforma, os concursos avaliavam e conside-ravam mais o grau de moralidade e deidoneidade dos candidatos do que seu ní-vel de instrução.

Quanto a tal grau de idoneidade, oInspetor Joaquim Gaudie Ley afirma que“se os professores existentes em sua maio-ria não têm habilitações que fora para de-

Page 128: Memórias - Maria Teresa Cunha

128 Ana Paula da S. XAVIER; Nicanor Palhares SÁ. A escola normal de Mato Grosso...

signar-se, ao menos, considero todos idô-neos pelo lado da moralidade e dedicaçãoaos seus deveres” (MATO GROSSO, Inspe-toria Geral da Instrução, 1866).

Em relatório elaborado no ano se-guinte, Gaudie Ley aponta que dois terçosdos professores não possuíam habilitaçãonecessária ao exercício do magistério, poislhes faltavam vocação e indispensável ins-trução para “ensinar aos menos ler e escre-ver corretamente”. Contudo, convinha man-tê-los nos cargos para que houvesse instru-ção, mesmo que realizada de modo imper-feito. Na realidade, esses professores sóeram nomeados pela falta absoluta de pes-soal e por causa dos baixos salários a quese submetiam (MATO GROSSO, InspetoriaGeral da Instrução, 1867).

O Regulamento de 4 de julho de1873, em conjunto com o Regimento inter-no das escolas públicas, datado de 7 dedezembro do mesmo ano, previa que a Pro-víncia fornecesse aos mestres da capitalcasas com acomodações para o desenvol-vimento das aulas e para moradia, pelasquais se pagariam mensalmente. As demaislocalidades que foram excluídas dessasimportantes vantagens tinham que se ocu-par das despesas dessa natureza.

No relatório apresentado ao Presi-dente da Província de Mato Grosso, Joséde Miranda Reis, o Inspetor dos Estudos,Pe. Ernesto Camilo Barreto, em 14 de abrilde 1874, denuncia que tanto a falta de edi-fícios apropriados às escolas quanto a faltade mobília prejudicavam o avanço educa-cional da Instrução Pública de Mato Grosso,pois, a “falta deles não só prejudica umagrande parte da questão do ensino, como

a higiene, o ensino obrigatório, a EducaçãoFísica e o método, e torna-se um dos maio-res obstáculos à marcha e desenvolvimentoda mesma instrução” (MATO GROSSO, Ins-petoria Geral da Instrução, 1874).

O Inspetor ainda alega que cada pro-fessor ensinava “pelo modo por que apren-deu, e cada um aprendeu pelo que maislhe convém” (MATO GROSSO, InspetoriaGeral da Instrução, 1874).

Com a implantação do método si-multâneo, através do Regulamento de1873, sanou-se em partes a carência deprofessores, pois os alunos mais adianta-dos auxiliavam-nos quando os mestres seocupavam de outra atividade.

Em 1874, foi sancionada a Lei n. 13,autorizando a criação do Curso Normal naProvíncia de Mato Grosso, cujo funciona-mento deveria ocorrer em imóvel com insta-lações adequadas (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p.79-80).

Conforme o Presidente da Província,Brigadeiro Alexandre Manuel Albino deCarvalho, a “Escola Normal: Acha-se instala-da nesta capital desde o dia 3 de fevereiroúltimo, a Escola Normal criada pela Lei Pro-vincial n. 13, de 9 de julho de 1874, a qualfunciona no edifício provincial sito à rua doCoronel Peixoto, e para esse fim destinado”(MATO GROSSO, Presidência da Província,1875).

No relatório acima descrito, o Presi-dente utilizou o termo “Escola Normal” paradesignar o “Curso Normal”. Silva (2000, p.23) adverte, porém, que ambas as designa-ções diferem entre si. Para a autora, a Esco-la Normal é entendida como o “estabeleci-mento de ensino que oferece o curso de

Page 129: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 123-132, jan./jun. 2008. 129

formação de professores”. Já o Curso Normalé concebido como “o conjunto de matérias,com a finalidade de formar professores”. Nosrelatórios de dirigentes da época, opta-seem geral pelo termo “Curso” para caracteri-zar as duas situações, indistintamente, en-quanto na legislação educacional a distin-ção procede.

Inaugurado em fevereiro de 1875, oCurso Normal passou a funcionar em pré-dio próprio, período em que o currículo foiorganizado e definida a duração de três anospara o seu cumprimento. As cadeiras quecompunham as disciplinas de ensino eramGramática da Língua Nacional, Pedagogia,Matemáticas Elementares, Geografia e His-tória. O corpo discente era formado por alu-nos ouvintes e alunos mestres, sendo o qua-dro de professores integrado por AntônioCatilina da Silva, Dormevil José dos SantosMalhado, José Estevão Corrêa e José Robertoda Cunha Bacelar (SILVA, 2000, p. 22).

Nesse sentido, o General HermesErnesto da Fonseca afirma que,

Enquanto a Escola Normal não der nú-mero suficiente de professores habilitados,e que estes se resignam a aceitar o magis-tério nos confins da Província é de neces-sidade aceitar-se quem possa ensinar oque sabe: ensine-se ao menos a ler, escre-ver e fazer as quatro operações ordináriasda aritmética, embora sem preceito; antesisto do que deixar analfabeta a geraçãoque se está desenvolvendo. (MATOGROSSO, Presidência da Província, 1877)

Dessa forma, enquanto a EscolaNormal não preparava bons professores, osdirigentes da Província mato-grossense te-riam que aceitar, para o exercício do magis-tério, pessoas que soubessem ao menos os

rudimentos da leitura, da escrita e do cálculo.O Liceu de Línguas e Ciências, criado

em 3 de dezembro de 1879 e inauguradono dia 7 de março de 1880, compreendeuo primeiro estabelecimento público se-cundário da Província de Mato Grosso(SIQUEIRA, 2000, 185), o qual era compostopor dois cursos de humanidades, a saber:

O Curso Normal, que se restringe à gra-mática da língua nacional, filosofia e lite-ratura pátria, pedagogia e metodologia,matemática elementar, geografia geral ehistória do Brasil; e o Curso chamado deLínguas e Ciências preparatórias, queabrange, além das disciplinas que consti-tuem o curso Normal, com exceção depedagogia e metodologia, as seguintesmatérias: latim, francês, inglês, filosofiaracional e moral, retórica, e história univer-sal. O primeiro destes dois cursos tem porfim preparar professores e professoras parao magistério do ensino primário; o segun-do habilitar os aspirantes à matrícula noscursos superiores do País. (MATO GROSSO,Presidência da Província, 1880)

O fortalecimento do Curso Normal,por meio da junção dos cursos Normal ede Línguas Preparatório, coincidiu com aimplantação do ensino misto no cenáriomato-grossense, momento em que “foidada preferência, na regência das escolasmistas, às mulheres”. Contudo, “durantetodo o Império, à mulher coube transitarapenas no espaço do ensino primário, sen-do que o secundário era território masculi-no por excelência” (SIQUEIRA, 2000, p. 146).

Siqueira (2000, p. 160) esclarece quea presença feminina, tão rara no ensinopúblico da década de 70, multiplicou-se nade 80, configurando uma extensão dopapel doméstico: ser filha, mãe e esposa,

Page 130: Memórias - Maria Teresa Cunha

130 Ana Paula da S. XAVIER; Nicanor Palhares SÁ. A escola normal de Mato Grosso...

atribuindo à professora o status de serdessexuada e maternal.

O papel e o status atribuídos a essaprofissional podem ser verificados nas falasdos dirigentes da época, a exemplo do queilustram as palavras do Presidente da Pro-víncia, João José Pedrosa:

Melhor seria, por certo, que as escolasmistas pudessem ser regidas por senhoras,de preferência aos homens. A mulher temo instinto da educação, como observa Gréard(Rapport sur l’enseignement primaire), es-tuda melhor os temperamentos e as incli-nações das crianças: como filha, como irmã,como esposa, como mãe, principalmente,ela está habituada à abnegação, ao sacrifí-cio. Sua constância, impregnada de ternu-ra, cativa às crianças. (MATO GROSSO, Pre-sidência da Província, 1879)

Nesse momento, a discussão da co-educação estava em voga, e sobre isso Si-queira (2000, 191) esclarece que a feminili-zação do magistério primário coincidiu “coma introdução de competentes e vigorososdiscursos favoráveis à co-educação”. Duran-te o século XIX e, principalmente, a partirde 1870, foi se construindo a idéia de que“a mulher tinha ‘naturalmente’ e por seumaternalismo, vocação para o magistério”.

O Curso Normal ficou incorporadoao Curso de Línguas e Ciências Preparató-rias até o ano de 1889 e ganhou indepen-dência com o advento da Reforma SouzaBandeira, que designou a criação do Exter-nato Feminino, com o objetivo de formarprofessores primários e cujo quadro era omesmo que o do Liceu, sendo que essesdocentes não recebiam nenhuma remune-ração pela carga horária extra de trabalho(SILVA, 2000, p. 24).

Siqueira (2000, 191) informa que o“antigo Curso Normal transfomar-se-ia noExternato do Sexo Feminino”, tornando-seuma instituição destinada excepcionalmen-te à formação de professoras. Prosseguindoem suas análises, diz que

As matérias ministradas no Externato Fe-minino eram: Gramática Portuguesa, Arit-mética e Geografia Plana, Pedagogia, Fran-cês, noções de História Natura, Religião,Música Desenho e Ginástica. Nesse mes-mo período, as escolas primárias deCuiabá deveriam servir de modelo paraas demais no interior. Durante o períododa manhã, deveriam cursar a escola pri-mária as crianças de até 9 anos, sendoque o da tarde, era dedicado à preparaçãodas mestras. (SIQUEIRA, 2000, p. 191)

Já em 1892, o Curso Normal retornouao prédio do Liceu, do qual, porém, foi no-vamente separado, após dois anos, peloPresidente Joaquim Murtinho, tendo inter-rompido o seu funcionamento, de sorte queo ideal de consolidação da Escola Normalde Mato Grosso só se tornou possível naprimeira década do século XX.

Ao se esboçar a trajetória dos profis-sionais da educação no século XIX, fica evi-dente que o processo de profissionalizaçãodo trabalho do professor primário da Provín-cia de Mato Grosso apresentou contradiçãoem relação à forma de construção de sabe-res. A Escola Normal, que seria a instituiçãoformadora do quadro docente da época,não conseguiu manter um funcionamentoefetivo, prejudicando os avanços da Instru-ção Pública. E, embora não houvesse a de-vida capacitação dos professores quanto aosconhecimentos requeridos para o exercíciodo magistério, foram considerados os princi-

Page 131: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 123-132, jan./jun. 2008. 131

pais agentes do Estado na inculcação devalores políticos e morais da época, bemcomo na difusão de práticas civilizatóriasapregoadas no século XIX. Ademais, mes-mo não sabendo instruir bem os alunos, elesingressavam na carreira do magistério inven-tando um fazer pedagógico junto aoseducandos e evitando que a profissão fene-cesse. Na realidade, havia um espaço decontradição entre os valores comunais ex-pressos pelos professores leigos e aquelesque a escola deveria propagar para impor a

civilização e com isso combater a barbárie.Nesse sentido, a permanência dos

profissionais leigos na Instrução Pública deMato Grosso foi importante para o proces-so de profissionalização docente, pois as“falhas” em suas práticas fizeram com quea discussão acerca da questão sempre es-tivesse em voga nas pautas das políticasadministrativas do Governo, abrindo espa-ço para sua consolidação no século seguin-te, sem que se operasse uma imposiçãounilateral dos valores dominantes.

Referências

CASTANHA, André Paulo. Pedagogia da moralidade: o Estado e a organização da InstruçãoPública na Província de Mato Grosso (1834-1873). Dissertação (Mestrado em Educação) –Programa de Pós-Graduação em Educação, Instituto de Educação, Universidade Federal deMato Grosso, Cuiabá, 1999.

JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como Objeto Histórico. Traduzido por Gizele de Souza.Revista Brasileira de História da Educação, Campinas-SP, n. 1, p. 9-38, 2001.

MATO GROSSO. Inspetoria Geral dos Estudos. Relatório. O Inspetor Pe. Joaquim Gaudie Leyapresenta relatório ao Presidente da Província, Coronel Antônio Pedro de Alencastro. Cuiabá,29 jan. 1859. APMT – Caixa 1859.

______. Relatório. O Inspetor Geral dos Estudos, Joaquim Gaudie Ley, apresenta relatório aoPresidente da Província, Tenente Coronel Albano de Souza Osório. Cuiabá, 12 dez. 1866. APMT– Lata 1866 D, n. 23, não paginado.

______. Relatório. O Inspetor Geral dos Estudos, Joaquim Gaudie Ley, apresenta relatório ao Presi-dente da Província, Dr. José Vieira Couto Magalhães. Cuiabá, 28 mar. 1867. APMT – Livro n. 227.

______. Relatório Inspetoria. In: ______. Presidência da Província. Relatório. O presidente apre-senta relatório à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 3 maio 1874. Anexo 3. APMT –Microfilme 1865-1875.

______. Presidência da Província. Discurso. O Presidente da Província, Ricardo José Gomes Jar-dim, apresenta discurso na abertura da sessão ordinária da Assembléia Legislativa Provincial.Cuiabá, 1 mar. 1845. NDIHR – Microfilme rolo 1 (R.P.P.), 1835-1864, p. 17-19.

______. ______. Discurso. O Presidente da Província, Ricardo José Gomes Jardim, apresentadiscurso na abertura da sessão ordinária da Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 10 jun.1846. NDIHR – Microfilme rolo 1 (R.P.P.), 1835-1864.

Page 132: Memórias - Maria Teresa Cunha

132 Ana Paula da S. XAVIER; Nicanor Palhares SÁ. A escola normal de Mato Grosso...

______. ______. Fala. O Presidente da Província, General Hermes Ernesto da Fonseca, apresentafala de abertura da 2ª sessão da 21ª Legislatura da Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá,3 maio1877. APMT.

______. ______. Relatório. O Presidente da Província, Estevão Ribeiro de Rezende, apresentavarelatório à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 1 mar. 1840. NDIHR – Microfilme, rolo 1(R.P.P.), 1835-1865, p. 6-9.

______. ______. Relatório. O Presidente da Província, Joaquim José de Oliveira, apresenta relató-rio à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 30 set. 1848. NDIHR - Microfilme rolo 1 (R .P.P.),1835-1864.

______. ______. Relatório. O Presidente da Província, Augusto Leverger, apresenta relatório àAssembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 10 maio 1851. NDIHR – Microfilme rolo 1 (R.P.P.),1835-1864, p. 22-24.

______. ______. Relatório. O Presidente da Província, Herculano Ferreira Penna, apresenta rela-tório à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 3 maio 1862. NDIHR – Microfilme, rolo 1(R.P.P), 1835-1864.

______. ______. Relatório. O Presidente da Província apresenta relatório à Assembléia LegislativaProvincial. Cuiabá, 3 maio 1875. APMT – Microfilme Relatórios Presidentes de Província, 1875, p. 7-8.

______. ______. Relatório. O Presidente da Província, João José Pedrosa, apresenta relatório àAssembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 1 out. 1879. APMT – Microfilme 1879, p. 134-148.

______. ______. Relatório. O Presidente da Província de Mato Grosso, General Barão de Maracaju,apresenta relatório à Assembléia Legislativa Provincial. Cuiabá, 1 out. 1880. ACBM – Biblioteca.

MATTOS, Ilmar Rohloff de. A formação do povo. In: O tempo saquarema. São Paulo: HUCITEC;[Brasília, DF]: INL, 1987. (Estudos Históricos).

SÁ, Nicanor Palhares; SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. Leis e regulamentos da instrução públi-ca do império em Mato Grosso. Campinas, SP: Autores Associados; SBHE, 2000. 203 p.

SILVA, Elizabeth Figueiredo de Sá Poubel e. Escola Normal de Cuiabá (1910-1916): contribuiçãopara a história da formação de professores em Mato Grosso. Dissertação (Mestrado em Educa-ção) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Instituto de Educação, Universidade Federalde Mato Grosso, Cuiabá, 2000. 120 fl.

SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. Luzes e sombras: modernidade e educação pública em MatoGrosso (1870-1889). Cuiabá: INEP; COMPED; EdUFMT, 2000. 282 p.

VILLELA, Heloisa de Oliveira Santos. O Mestre-escola e a Professora. In: LOPES, Eliane MartaTeixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de Educação noBrasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 79-134.

Recebido em 30 de abril de 2008.

Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 133: Memórias - Maria Teresa Cunha

Professores e instituições escolares no contextodo regionalismo mato-grossenseTeachers and school institutions in the context of theMato Grosso region

Marisa Bittar*Amarilio Ferreira Jr**

* Dra. em História Social pela USP. Professora do Departa-mento de Educação da UFSCar.e-mail: [email protected]

** Dr. em História Social pela USP. Professor do Departa-mento de Educação da UFSCar.e-mail: [email protected]

ResumoEste artigo discute a relação entre regionalismo, disputas políticas entre as elites agrárias de Mato Grossoe as instituições escolares na primeira metade do século XX. Aborda a influência das “professoras cuiabanas”na educação do sul do Estado e a percepção dos professores sobre dois momentos políticos na história deMato Grosso: 1- a adesão de Campo Grande a São Paulo na insurreição de 1932; 2- o período de 1946 a1965, quando a oligarquia pecuarista do sul se torna hegemônica na política estadual, estabelecendo apolaridade partidária entre a UDN e o PSD. Nos dois momentos, nossa intenção é revelar como elesinfluenciaram a vida das instituições escolares no sul de Mato Grosso e a percepção dos professores sobrea relação desses dois contextos políticos com o regionalismo que culminaria na divisão de Mato Grosso.Palavras-chaveInstituições escolares. Professores. Regionalismo.

AbstractThis article discusses the relationship between regionalism, political disputes between the agrarian elite ofMato Grosso and the educational establishments of the first half of the twentieth century. It discusses theinfluence of “cuiabanas teachers” education in the southern State and the perception of teachers on twosignificant political moments in the history of Mato Grosso: 1- the accession of São Paulo to Campo Grandein the uprising of 1932, 2- the period from 1946 to 1965, when the oligarchy pastoralist southern becomeshegemonic policy in the state, setting the party polarity between the PSD and UDN. On two occasions, theintention of this article is to reveal how they influenced the life of educational establishments in the southof Mato Grosso and the perception of teachers on the relationship of these two political contexts with theregionalism that culminate in the division of Mato Grosso.Key wordsEducational institutions. Teachers. Regionalism.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008.

Page 134: Memórias - Maria Teresa Cunha

134 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

Introdução

Tendo sido fator determinante na his-tória de Mato Grosso, durante o século XXaté a data da divisão do estado (1977), oregionalismo moldou a cultura políticamato-grossense da época e influenciou acriação ou não de instituições escolares, tan-to na Região Norte quanto na Sul. Elementointrínseco da formação do sul de MatoGrosso, o regionalismo sulista acabou seconvertendo em demanda da classe dosgrandes proprietários de terras dessa regiãodo antigo estado que, na disputa estabele-cida com a elite nortista, acabou reivindican-do a secessão de Mato Grosso de modo asatisfazer seus interesses de classe. O sulde Mato Grosso, desde a ocupação do solopor mineiros, paulistas e gaúchos, no finaldo século XIX, caracterizava-se pelo agra-rismo, pela pecuária, pelos grandes latifún-dios estendidos na imensidão do território,classificado de “vazio” pela geopolítica daépoca. Essa ocupação foi discrepante emrelação à do norte, que datava do séculoXVIII e que, portanto, já havia sedimentadoum núcleo povoador em Cuiabá e cercanias,região esta que, na verdade, não se situavano norte, mas no centro do antigo Estado.

Ocorreu, porém, que, no jargão sulista,o que se convencionou chamar de norte,era nada mais nada menos do que a capital,pois a disputa das elites agrárias sulistaspelo poder político tinha em Cuiabá o seualvo: arrebatar a sua condição de capitalpassou a ser obsessão sulista. Desse modo,a disputa simplificou e cristalizou no termo“norte” toda a rejeição da elite sulista de sergovernada por Cuiabá. Na década de 1940,

com o sul economicamente superior aonorte, a rivalidade se acentuou, prenuncian-do a divisão.

Em meio a esse aspecto histórico, asinstituições sociais, culturais e políticas foramincorporando elementos de regionalismoque impregnaram todo o tecido social. Ini-cialmente, nascido da hegemonia econô-mica e, depois política, da elite latifundiáriasulista, o regionalismo moldou a psicologiasocial das populações do sul e do norte,marcando as esferas da vida pública doEstado, inclusive da educação. No que dizrespeito às instituições escolares, a RegiãoNorte, por sediar a capital, foi mais precocena sua criação, fato que ocorreu mais tar-diamente no sul, gerando um sentimentode que o governo estadual não tinha inte-resse pela educação pública dessa região,o que se tornou um ingrediente a mais noantagonismo norte-sul.

As escolas criadas nas primeiras dé-cadas do século XX e o ambiente em queatuaram os seus professores refletiam acultura regionalista que dominava o sul deMato Grosso. É sobre esta questão que tra-taremos neste artigo focalizando principal-mente a cidade de Campo Grande, anta-gonista de Cuiabá na saga divisionista,para mostrarmos essa relação entre institui-ções escolares e vida política no então MatoGrosso uno em dois momentos históricosdistintos: 1- a primeira metade da décadade 1930, quando Campo Grande aderiu aomovimento paulista contra Getúlio Vargase gerou uma nova elite política que passoua reivindicar a divisão do estado; 2- o perío-do de 1946 a 1965, quando a elite políticasulista se torna hegemônica no Estado,

Page 135: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 135

suplantando a força da elite nortista, fatocomprovado pelos resultados eleitorais doperíodo.

De que maneira este contexto foipercebido pelos professores que atuaramnas instituições escolares do sul? Para eluci-darmos este aspecto, adotamos o seguinteprocedimento teórico-metodológico: parti-mos do princípio segundo o qual as institui-ções escolares do sul do Estado foram cria-das sob o contexto político geral do regiona-lismo, que se refletia na disputa entre aselites do sul e do norte pelo poder estadual.Este poder, mais sensível às demandas dacapital, retardou a criação de escolas públi-cas no sul, o que gerou duas conseqüências:a) a iniciativa particular para fundar escolas,suprindo a ausência do poder público; b) acriação relativamente tardia de escolas pú-blicas no sul, o que ocorreu inclusive poriniciativa de professores que já atuavam nosetor público, como foi o caso do GinásioCampo-Grandense. Essa segunda tendên-cia ficou consagrada na iniciativa de MariaConstança de Barros, que sintetizou umoutro traço da criação dessas instituiçõesno sul de Mato Grosso: o papel das profes-soras cuiabanas. Desse modo, não deixade ser interessante o fato de que, mesmosob forte regionalismo que estigmatizavaCuiabá, a educação da época foi beneficia-da pela ação enérgica, competente e mar-cante das professoras cuiabanas.

Para demonstrarmos essa relaçãoentre as instituições escolares da época e oambiente regionalista, optamos por utilizardepoimentos dos próprios professores queatuaram na região entre 1910 e 1970, poisnossa hipótese é a de que eles exerceram

papel de mediação entre os dois fenôme-nos. Portanto, por meio de sua atuação, as-pectos de regionalismo poderiam ou nãoestar presentes nas instituições escolares.Buscamos conhecer o seu pensamento e asua atuação, recorrendo ao livro Memóriada cultura e da educação em MatoGrosso do Sul , de Maria da Glória Sá Rosa,que contem 29 depoimentos na íntegra,sem interpretação da autora. Em seguida,nós os estudamos de acordo com os temasque nos interessavam e os submetemos aocotejamento entre memória e história, pois,a memória é uma reconstrução psíquica eintelectual baseada na representação sele-tiva do passado, portanto nunca é absolu-tamente segura. Consideramos ainda quea memória nunca é somente individual,mas de um indivíduo inserido num contextosocial; assim, toda memória é, por definição,coletiva. De acordo com James Fentress eCris Wickham (1992, p. 41-42), a memóriasocial como expressão da experiência cole-tiva, quando necessário, deve ser confronta-da com fontes documentais. Neste sentido,a memória social é uma fonte de conheci-mento. Respaldados nessa teoria, analisa-mos os depoimentos de forma a responderà indagação que propusemos: de que ma-neira os professores viveram e interpretaramesses dois momentos políticos na históriade Mato Grosso?

“Nem um livro e nem um tinteirodo Estado”

A precocidade da formação históricado chamado norte de Mato Grosso, que, nadesignação dos divisionistas compreendia

Page 136: Memórias - Maria Teresa Cunha

136 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

simplesmente Cuiabá, explica a antecedên-cia das instituições escolares naquela regiãodo Estado em relação ao sul, cuja ocupaçãopor mineiros, paulistas e gaúchos ocorreupelo menos um século mais tarde. Cuiabá,tendo sido fundada no século XVIII, estavaà frente nessa e em outras questões, o quefez com que, tão logo se formassem os pri-meiros núcleos povoadores no sul de MatoGrosso, no século XIX, os seus habitantesse sentissem negligenciados pelo poder es-tadual, gerando antagonismo com a capi-tal. O fato, porém, se explica pelo hiato entreuma formação e outra, além da extremadificuldade de comunicação entre as duaspartes de um território cuja configuração eratotalmente alongada no sentido norte-sul.O isolamento de uma em relação à outrapropiciou o regionalismo como elementointrínseco à própria formação histórica dosul de Mato Grosso. Nessa história, sul enorte jamais foram termos fictícios, e essamesma história mostra que a projeção eco-nômica do sul faria com que ele acabasselogrando êxito em fazer de sua principalcidade a capital de um novo estado.

Mas muito antes disso, Paranaíba,Nioaque e Miranda eram os raros núcleosurbanos do sul. Corumbá também figuravanesse rol, embora, historicamente, pelos la-ços de afinidade cultural com Cuiabá, nãotenha se integrado ao antagonismo entresulistas e nortistas. Campo Grande aindanão existia. Fundada em 1872, transitou dearraial perdido no sertão, vila caipira, entre-posto comercial de gado e cidade que ga-nhou impulso com a chegada dos trilhos,começando a sobrepujar Nioaque, o prin-cipal centro político e urbano do sul de Mato

Grosso, na segunda década do século XX.Seu destino, segundo escreveu José de Meloe Silva em 1947, era promissor, portanto,não se poderia medir Campo Grande peloque ela era, mas, sim, pelo que ela viria aser. No início dessa mesma década, visitan-do a cidade, Getúlio Vargas havia declaradoque ela já se tornara o centro econômico detodo o estado. A “profecia” de Melo e Silvacomeçava a se concretizar e seria culminadaem 1977, quando a cidade viesse a se tornara capital de Mato Grosso do Sul.

Um dos traços de nascença de Cam-po Grande foi o fato de ela ter sido vistacomo negligenciada pelo poder público,desde a sua fundação até a divisão deMato Grosso. Este fator – verdadeiro ou não– se constituiu em um dos elementos fun-damentais da própria divisão. Observatórioprivilegiado desta ausência do poder públi-co era a educação, sempre citada em dis-cursos das lideranças sulistas para atacaro governo “de Cuiabá”, tal como denomina-vam o governo estadual que, segundo eles,relegava o sul do estado ao esquecimentoe abandono. O primeiro mestre-escola deque se tem notícia na cidade, por exemplo,foi José Rodrigues Benfica, um gaúcho re-manescente da Guerra do Paraguai (1865-1870), o primeiro que alfabetizou no “po-voado abandonado nos sertões” e cuja per-manência na freguesia só foi possível por-que os seus moradores, por meio de umabaixo-assinado de 15 de setembro de1895, mostraram interesse “pela educaçãoda mocidade campo-grandense” (apudRODRIGUES, 1980, p. 64) conforme regis-trou José Barbosa Rodrigues no livro His-tória de Campo Grande1 . O teor do do-

Page 137: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 137

cumento é o seguinte:Os abaixo assinados interessando-se pelaeducação da mocidade campo-grandense,uns por terem seus filhos, outros por teremparentes ou órfãos a quem lhes cabe odever sagrado de educá-los e sem quepossa ao menos dar-lhes as primeirasluzes de instrução por falta de um profes-sor que, sendo os vencimentos que oGoverno autoriza insuficientes para suasubsistência, não se sujeitam a aceitar oemprego, resolvem unanimemente a pro-moverem a presente subscrição que emauxílio a tão justo fim subscrevem com asquantias adiante declaradas que serãopagas mensalmente ao atual professor,Sr. José Rodrigues Benfica. Campo Grande,15 de setembro de 1895. (apudRODRIGUES, 1980, p. 64)

Conforme lemos, ficou consignada aintenção dos próprios moradores arcaremcom uma parte dos vencimentos do primei-ro professor de Campo Grande, pois o queo governo pagava era insuficiente para asua subsistência. Neste, e em outros docu-mentos da mesma época, observamos amesma iniciativa de suprir a ausência dopoder público, o que começou a definir aimagem que a cidade tinha de si mesmacomo um lugar “abandonado” pelo gover-no “de Cuiabá”, embora devamos cogitaraté que ponto essa imagem era verdadeira,pois, na mesma época, a construção da fer-rovia Noroeste do Brasil, não atingiuCuiabá, mas integrou o sul de Mato Grossoa São Paulo e à Bolívia, favorecendo prin-cipalmente Campo Grande e gerandosentimento de frustração na capital. Jornaisda época revelam apreensão dos cuia-banos com este “abandono” e favoreci-mento do sul.

Quando Campo Grande foi elevadaà condição de cidade, em 1918, discursouo seu primeiro juiz de direito, Arlindo deAndrade, recém-chegado do Nordeste,enaltecendo as possibilidades do “povoa-do”. Em meio a grandes festas comemora-tivas, realizadas nos dias 26 de agosto e 7de setembro, no palanque armado no Jar-dim (atual Praça Ari Coelho), exaltou o pro-gresso da cidade que nascia:

Festejamos hoje um acontecimento me-morável, para nós habitantes deste muni-cípio, feliz recanto da Pátria, nas terrasavançadas da Fronteira. Fomos um povoa-do abandonado nos sertões até 1911; vilaque fez-se graças à boa vontade de seusmoradores, somos a cidade de hoje comum grande futuro decorrente da sua situa-ção topográfica dominadora (...) a civiliza-ção marchando com o trem de ferro (...)transformou o vilarejo dos caboclos, doscatiras e mutiruns plantado no dorso daserra de Maracaju, nesta alegre cidade,banhada de sol e perfumada de flores delaranjeiras, que nós muito queremos porser uma obra nossa (...). O progresso denossa cidade depende de nós. (apud MA-CHADO, 1988, p. 38-40)

Observemos as expressões: “feliz re-canto da pátria”, “terras avançadas da fron-teira”, “povoado abandonado nos sertões”,“obra nossa”, “depende de nós”, todas elasdenotando o sentimento de que CampoGrande não deveria esperar nada do gover-no estadual, mas fazer-se por si mesma, porobra de seus moradores. Neste sentido,Arlindo acrescentava que no futuro ela se-ria o “que fizermos por ela”, tanto nos servi-ços urbanos quanto na questão rural.

A cidade adentrou o século XX en-frentando problemas no setor educacional

Page 138: Memórias - Maria Teresa Cunha

138 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

e embalada pelo mesmo discurso sobre oseu abandono em contrapartida às açõespúblicas que privilegiavam unicamenteCuiabá. Em 1921, exercendo Arlindo deAndrade a intendência (cargo de prefeito),o problema era sério. Segundo PauloCoelho Machado, havia quase dois milcandidatos às escolas e Campo Grandecontava

com funcionamento apenas de seis esta-belecimentos estaduais com 197 alunos,3 municipais com 67 alunos e dois colé-gios particulares, além do InstitutoPestalozzi, subvencionado pela municipa-lidade, com 306 alunos, a Escola Republi-cana com 157, e onze escolas primáriasparticulares, espalhadas pela campanhacom 206 alunos. Na cidade, a freqüênciatotal era de 727 alunos. Um déficit superiora mil vagas. (MACHADO, 1988, p. 45)

Ainda segundo o autor, Arlindo come-çou a enfrentar vários setores da adminis-tração, “num esforço enorme, diante dos exí-guos recursos (...) e a completa indiferençado governo estadual” (MACHADO, 1988, p.44-45). Havia então, segundo seus registros,pouco mais de 10 mil habitantes na cidadee cerca de 50 mil moradores em todo omunicípio, que contava com dois jornais, OSul e O Correio do Sul e “outros sinais deprogresso”, como um cinema permanente,um banco e inúmeros estabelecimentos co-merciais, além de dois colégios com cursosecundário (MACHADO, 1988, p. 41).

Considerando o déficit educacional,o intendente contratou a construção doGrupo Escolar Joaquim Murtinho, na Ave-nida Afonso Pena, que se tornaria uma dasescolas mais emblemáticas da cidade. Des-de 1912, na presidência de Costa Marques,

o Grupo Escolar estava criado, mas nãosaía do papel, ou melhor, não saía da “pe-dra fundamental”, que havia sido lançadaem 1918, na intendência de ArnaldoEstevão de Figueiredo, quando da visita dopresidente D. Aquino a Campo Grande, deonde, durante dez dias, “governou MatoGrosso da Avenida Afonso” (RIBEIRO, s/d,p. 297). De acordo com o intendente, D.Aquino discursou afirmando que naqueleato “estava sendo sepultada a ignorânciae erigida nova fase cultural do Estado”, en-quanto ele próprio enfatizou que “naquelalaje, sob frondosa árvore, como última resis-tência do sertão à obra de civilização”, dava“como enterrado o analfabetismo em Cam-po Grande” (RIBEIRO, s/d, p. 297). Constata-mos que os políticos da elite dirigente sulistarelacionavam “civilização” a “alfabetização”,no entanto, estava longe se ser enterradoo analfabetismo em Campo Grande.

Coube à administração municipalseguinte, exatamente a de Arlindo deAndrade, contratar a construção do GrupoEscolar, conforme escreveu Paulo CoelhoMachado, enaltecendo a sua iniciativa e es-tabelecendo o contraste da situação do sulcom a do norte. Conforme podemos ler, ci-dades do norte já estavam dotadas de insti-tuições escolares, enquanto o sul achava-se carente delas:

Nossa população era bem maior na épocado que Rosário Oeste, Poconé e Cáceres,cidades já dotadas dessas modernas unida-des de ensino. Para não perder tempo, ointendente alugou um prédio particular,antes da construção, e o Grupo foi instaladoprovisoriamente. No seu relatório de fimde ano, Arlindo alude à necessidade deser criado um instituto para o curso

Page 139: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 139

secundário completo e Escola Normal, cominstalações modernas, equiparado ao Li-ceu Cuiabano, devendo ter auxílio dos co-fres públicos. (MACHADO, 1988, p. 45)

Para termos uma idéia mais precisasobre a educação mato-grossense da épo-ca, lembremos que, até 1914, só havia umginásio em Mato Grosso: o Liceu Cuiabano.O sistema de ensino de então era tão sele-tivo que o ginásio representava um graude escolaridade ao qual pouquíssimos estu-dantes chegavam. Em Campo Grande, porexemplo, existiam poucas escolas primáriaspara as quais afluíam crianças de famíliasabastadas e mestres normalistas recém-for-mados que foram, também, os primeiros alecionar nos ginásios criados nos anos 1920e, mais tarde, nos raros secundários de quea cidade dispunha. Quem eram esses mes-tres? Relembremos um pouco de suas vi-das, do seu ofício e das suas escolas paraque possamos compreender a educação daépoca.

Inicialmente, tratemos da divergênciasobre ter sido ou não “as professoras cuia-banas” as pioneiras da educação campo-grandense. A literatura sobre a educaçãomato-grossense registra essa presença, mas,discordante desse pioneirismo, o professorLuis Alexandre de Oliveira, que, em 1923,fundou em sua própria casa, em CampoGrande, o Instituto Rui Barbosa, faz ques-tão de citar Arlindo Lima, vindo do Nordestepara Aquidauana e que fundou, em 1915,o Instituto Pestalozzi. Esse Instituto foi trans-ferido para Campo Grande em 1917. Elelembra ainda que, no ano seguinte, ArlindoLima foi a São Paulo contratar professoraspara lecionar no Instituto, o qual funciona-

va numa casa alugada onde hoje é o Co-légio Dom Bosco. Por essa razão, ele foi asemente desse importante colégio bemcomo dos cursos secundários que se segui-ram. Constatamos até aqui que a iniciativaparticular vinha atuando para suprir a au-sência do poder público.

Que São Paulo tenha dado sua con-tribuição para o início da educação cam-po-grandense não resta dúvida, pois essapresença já vinha acontecendo muito an-tes, em Cuiabá. Quem nos relata é MariaConstança de Barros Machado, ao relem-brar a sua trajetória escolar na capital mato-grossense. No livro Memória da Culturae da Educação em Mato Grosso doSul, de Maria da Glória Sá Rosa, ela contaque aprendeu a ler na Escola Barão deMelgaço, pelo método moderno, introduzi-do com as reformas do governador PedroCelestino Correa da Costa:

A professora começava por frases, que eramdecompostas em palavras, escritas no qua-dro-negro. Quando recebíamos o livro, jáconhecíamos uma parte dele. Antes, ascrianças aprendiam a ler pelo método sin-tético, da soletração, decorando letras, re-petindo sílabas. (ROSA, 1990, p. 62)

Depois do primário, cursado com pro-fessoras “cotadas”, ela prestou exame deadmissão para o curso complementar, queconstava de dois anos, e preparava para aEscola Normal. Maria Constança ia pararpor aí não fosse o empenho do então diretorda Escola Normal Pedro Celestino, professorLeovigildo Martins de Melo, que interveiojunto à sua família argumentando queaquilo não podia acontecer de jeito ne-nhum com uma aluna tão aplicada. E foigraças a ele que a menina Constança fez

Page 140: Memórias - Maria Teresa Cunha

140 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

um curso que lhe deu excelente base paratoda a vida, segundo suas palavras. “Issograças à visão do governador Pedro Celes-tino Correa da Costa, que consciente da pre-cariedade dos métodos de ensino da época,contratou seis ou oito normalistas em SãoPaulo para reformar a educação em MatoGrosso. O mais famoso deles foi o citadoprofessor Leovigildo Martins de Melo, no-meado depois diretor da Escola Normal,fundada pelo governador Pedro Celestino,em 1910. Com muita coragem, renovou osistema de alfabetização, mandandobuscar uma cartilha em São Paulo, queintroduzia as crianças diretamente na leitu-ra. Participou da fundação da Escola Nor-mal de Cuiabá e da inauguração de umgrupo escolar em cada cidade de MatoGrosso” (ROSA, 1990, p. 62), afirma MariaConstança.

Se, de fato, foram fundados GruposEscolares “em cada cidade de Mato Grosso”,como ela assevera, não nos foi possívelaveriguar. Quanto à participação paulista,se ela se fez presente na reforma da educa-ção no norte de Mato Grosso, como nãoteria acontecido no sul, muito mais próximode São Paulo geograficamente?

Mas o certo é que a influência deCuiabá não ficou atrás na formação dosprimeiros estabelecimentos de ensino deCampo Grande. Na capital mato-grossense,em 1917, recém-formada pela Escola Nor-mal Pedro Celestino, “ansiosa para ser umaprofessorinha”, chegou a Campo Grandeaquela que se tornaria um dos maiores no-mes da educação de Mato Grosso: MariaConstança de Barros Machado. No livro jácitado, ela relatou que, ao comentar com

parentes e amigos sobre a sua decisão de“tentar a sorte em Campo Grande”, eles seassustaram: “Você está louca? Em CampoGrande, todo dia matam gente na rua, emplena luz do dia. Ao que eu respondia: nãovou para Campo Grande para andar narua. Vou lecionar para crianças numa esco-la”. (ROSA, 1990, p. 63). Coincidentemente,ela desembarcou em 1918, ano em que avila de dez mil habitantes, um matagal, se-gundo suas palavras, foi elevada à cate-goria de cidade. O inspetor do ensino pri-mário, Arlindo de Andrade, deu-lhe possecomo professora primária na primeira es-cola pública isolada do sexo feminino, emCampo Grande.

Depois de quatro anos, foi designa-da para o Grupo Escolar Joaquim Murtinho,que havia sido inaugurado em junho de1921. Junto ao Grupo Escolar foi criada, em1930, a Escola Normal Joaquim Murtinho,destinada à formação de professores. Paraque ela funcionasse como convinha, o go-vernador Aníbal de Toledo “contratou 8 a10 professores em Cuiabá. Foram eles queconstituíram o primeiro corpo docente dainstituição: Simpliciana Correa, HelvecinaReveilleau, Ana Luísa Prado Bastos, OvídioCorrea, entre outros” (ROSA, 1990, p. 64).Todos esses professores trabalharam com“uma abnegação fora do comum” sob asua direção, nos anos 1930, já que, em1937, Maria Constança foi nomeada pelointerventor Júlio Muller vice-diretora do Gru-po Escolar, passando a diretora no anoseguinte “pelo grau de confiança que oGoverno depositava em meu trabalho”(ROSA, 1990, p. 64). Em 1939, ela propôsao interventor a criação de um ginásio

Page 141: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 141

estadual que pudesse resolver os problemasdos que precisavam continuar estudando enão tinham meios de pagar, pois na época,havia apenas três ginásios em Campo Gran-de: Osvaldo Cruz2, Dom Bosco, e Colégio dasIrmãs. Todos os três particulares.

A obtenção da autorização sinalizouo grau de prestígio de que já desfrutava aeducadora cuiabana nessa época. A criaçãodo Ginásio Estadual Campo-Grandense,primeiro ginásio público da cidade, se de-veu à sua dedicação ao ensino público ecapacidade de iniciativa, além, é claro, àsrelações políticas que ela mantinha. De1939 a 1954, o Ginásio funcionou no pré-dio do Grupo Escolar Joaquim Murtinho efoi durante esse período que passou deGinásio a Colégio (1952), um novo feito queMaria Constança conseguiu graças à repu-tação de que gozava com o governadordo estado, Fernando Correa da Costa. Mui-to dedicada aos alunos, pois “tudo que eupodia fazer em benefício deles, principal-mente se eram pobres, eu fazia” (ROSA,1990, p. 64), ela conta que, sensibilizadapela situação dos que desejavam prosse-guir estudos mas, não tinham condições depagá-los, foi “ao Dr. Fernando” e expôs oseu plano, ao que ele lhe fez ver que nãodispunha de recursos para nomear novosprofessores. Foi então que Maria Constan-ça disse que “daria um jeito” (ROSA, 1990,p. 67). O “jeito” consistiu no seguinte: elaconseguiu dos professores do Ginásio queeles se comprometessem a lecionar nocurso colegial sem qualquer acréscimo emseus vencimentos, o que fizeram durantedois anos, denotando um perfil de profes-sor que se sujeitava a trabalhar além de

sua jornada normal sem qualquer remu-neração adicional.

Ainda de acordo com MariaConstança, o Colégio Estadual funcionavaotimamente na parte de ensino e no relacio-namento entre professor e aluno, mas asinstalações eram péssimas. Prédio velho,carteiras quebradas, banheiros precários, oque tornava um sacrifício o processo deensino-aprendizagem, tanto para os profes-sores quanto para os alunos. Em 1954,quando Campo Grande já era a cidademais populosa do estado, foi inauguradoo prédio novo, dentro dos modernos princí-pios da arquitetura, com projeto de OscarNiemeyer, que se tornou orgulho do patri-mônio público da cidade. Além de preciosi-dade arquitetônica, ele logo ganhou famade ser o melhor estabelecimento de ensinosecundário da cidade e, segundo MariaConstança, isso se deveu aos seus profes-sores, “de modo que havia briga entre asfamílias para conseguirem uma vaga”; elagostava de citar também que “muita genteque ocupa cargos importantes passou pe-los bancos do Estadual, como JuvêncioCésar da Fonseca, João Leite Schimidt,Ricardo Brandão, Alan Pithan, Suely Neder,Ricardo Bacha e tantos outros” (ROSA,1990, p. 65). A inauguração do ColégioEstadual Campo-Grandense foi um acon-tecimento memorável na vida de CampoGrande, com a presença de FernandoCorrea da Costa, que havia acompanhadoa diretora Maria Constança em várias eta-pas da construção, conforme seu relato:

Dr. Fernando era muito simples, dinâmico,não tinha etiquetas, ia pessoalmente, semguarda-costas ou assessores inspecionar

Page 142: Memórias - Maria Teresa Cunha

142 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

serviços e obras. Comentei que o banhei-ro das meninas não ficava bem, pois es-tava localizado em frente ao dos meninos,ao que ele retrucou: Ora, Constança, es-sas coisas não existem mais. Estamos noséculo XX, meninos e meninas precisamconviver sem os tabus do passado. (ROSA,1990, p. 67)

Maria Constança imprimiu nessaescola e em toda a educação da época asua marca de educadora enérgica e extre-mamente dedicada, constituindo-se, talvez,em um caso raro de identidade entre umprofissional e uma instituição escolar. Aidentidade era tanta que, no futuro, aquelainstituição, que se conectou com a sua pró-pria vida, haveria de mudar o seu nomepara “Escola Estadual de 1º e 2° grausMaria Constança de Barros Machado”. Esseacontecimento, em 30 de abril de 1971coincidiu com a reforma educacional do re-gime militar, que promoveu a expansãoquantitativa da educação pública criando,em conseqüência, uma nova categoria do-cente. Além disso, 1970 é o marco cronoló-gico final da atuação dos professores cujosdepoimentos estamos utilizando.

“Formamos o batalhão Visconde deTaunay e nos aquartelamos na EscolaNormal”

Conforme assinalamos na introdu-ção, elegemos o momento político de 1932para evidenciarmos a influência do regiona-lismo na vida das instituições escolares nosul de Mato Grosso porque os episódiosque aquele ano gerou configuraram umanova elite política que passou a reivindicara divisão do estado.

Do ponto de vista nacional, 1932constituiu-se numa tentativa paulista defazer voltar ao poder da República as forçasdesalojadas pela Revolução de 1930. SãoPaulo, com o até então inabalável domíniode sua oligarquia cafeeira foi o estado quemais se sentiu prejudicado com a rupturapolítico-institucional promovida com a as-censão de Getúlio Vargas ao poder em1930, o que inaugurou uma nova ordempolítico-econômica no Brasil. ConformeVargas foi nomeando interventores paraassumir o poder estadual em cada unidadefederativa, e com isto, desarticulando asoligarquias regionais, São Paulo ia erguen-do a bandeira da “constitucionalização” dopaís, uma vez que a Constituição de 1889se tornara letra morta tão logo Vargas assu-mira a presidência. Os paulistas viram nissoclaros indícios de autoritarismo: Vargas co-meça a ser chamado de ditador e uma “re-volução” passa a ser a saída paulista paraderrubá-lo. Foi assim que eclodiu o 9 dejulho de 1932.

Para a sua “revolução”, os paulistasestavam certos de que não ficariam sós. DeMato Grosso, esperavam-se cinco mil ho-mens que se juntariam aos paulistas, maso fato é que, de terras mato-grossenses, par-tiram bem menos do que o esperado e istoporque apenas o sul do estado aderiu aSão Paulo, enquanto Cuiabá permaneceulegalista. O mais interessante é que, na elei-ção de 1930, a candidatura de Vargas, quese opunha à oligarquia agrária representa-da por São Paulo e Minas Gerais, foi apoi-ada por Campo Grande enquanto Cuiabáficou com o candidato da situação. Depoisque Vargas assumiu o poder, entretanto, as

Page 143: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 143

elites nortistas mudaram de posição, pas-sando a apoiá-lo abertamente. Esse episó-dio distinguiu claramente as posições polí-ticas divergentes entre as duas elites doestado: o sul se alinhando a São Paulo e onorte permanecendo legalista, fiel ao go-verno federal. Foi o divisor de águas napolítica mato-grossense, pois a partir daí, oregionalismo recrudesceu.

Se a tropa de cinco mil homens quedeveria marchar com a “revolução paulista”nunca chegou a São Paulo, isto não signi-fica que Mato Grosso tenha se ausentadoda luta: batalhões deixaram Campo Grandee seguiram em auxílio dos paulistas. Entreesses batalhões encontrava-se o Gato Preto,comandado por Henrique Barbosa Martins,cujo filho, Wilson Barbosa Martins, relem-brou o episódio declarando que, contami-nado pelas pregações dos revolucionários,fugiu do internato e correu para a estaçãoferroviária na esperança de embarcar comos soldados, mas ganhou um “pito” do paie teve de ficar. Referindo-se a Campo Gran-de, lembra-se de que, atrás dos combaten-tes, ficou “uma grande praça revolucionária”,pois havia enorme mobilização na cidadee o engajamento era total: “Até os pro-fessores davam aulas uniformizados”(MARTINS, 1995, p, 4). As tropas sulistas,sob o comando de Vespasiano BarbosaMartins, se juntaram às paulistas, mas asuperioridade de forças getulistas era cres-cente, o que determinou a sua vitória empouco mais de dois meses: em outubro, ainsurreição estava debelada e Vargas maisfortalecido do que antes. A derrota paulistafoi humilhante, mas a adesão de CampoGrande a esse movimento distanciou a eli-

te política do sul em relação a Cuiabá edeu ao regionalismo o tom de divisionismo:foi após o malogro de 1932 que se criou aLiga Sul-Mato-Grossense, que, pela primeiravez, pleiteou em documento a divisão deMato Grosso. Nascia aí uma nova elite polí-tica, parte dela divisionista.

Mas, como repercutiu o movimentode 1932 no ambiente escolar de CampoGrande que, segundo as lembranças deWilson Barbosa Martins, ficara uma “praçarevolucionária” na qual “até os professoresdavam aulas uniformizados”?

Um desses professores “uniformiza-dos” era Múcio Teixeira Júnior, o então dire-tor da Escola Normal que funcionava noGrupo Escolar Joaquim Murtinho e que nosconta que, na época, era “da política deWashington Luís”, o presidente deposto em1930 por Getúlio Vargas. Ele, que “não tinhamedo de morrer”, se engajou totalmente,escondendo-se em casas alheias, dormin-do debaixo de chuva, pulando muros, sem-pre de fuzil na mão, conforme relatou:

Em 1932, quando rebentou a revolução,eu era diretor da Escola Normal, para aqual fora nomeado em 1929 pelo Inter-ventor do Estado, Antônio Mena Gonçalves.Junto com o comandante da 9ª RegiãoMilitar, Bertoldo Klinger, formamos o ba-talhão Visconde de Taunay e nos aquarte-lamos na Escola Normal. Dali, saímos parao combate. (ROSA, 1990, p. 48)

Faziam parte desse batalhãoVespasiano Barbosa Martins, que, duranteo movimento, instalou um governo parale-lo em Campo Grande e conclamava todosos mato-grossenses, do norte e do sul, a sejuntarem na luta contra a “ditadura”. Suaintenção implícita era transformar Campo

Page 144: Memórias - Maria Teresa Cunha

144 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

Grande em capital de todos os mato-grossenses, caso o movimento fosse vito-rioso.

Quanto a Múcio, foi exonerado docargo de diretor da Escola Normal após aderrota de 1932, mas não foi a demissãoque o indignou e, sim, a atitude de “umtenentinho idiota” que foi à escola recolherarmas sem ao menos lhe falar, conformerelembrou no livro de Maria da Glória SáRosa:

Nunca aceitei imposições. Quando a Revo-lução de 32 terminou, um tenentinho idio-ta entrou no prédio da Escola Normal e,sem falar comigo, deu ordem a um sar-gento para pegar as armas que estavamrecolhidas e levá-las para o Quartel Gene-ral. Aí eu reagi: o senhor não leva armanenhuma! (ROSA, 1990, p. 50)

Outro professor que tomou consciên-cia dos fatos relacionados a 1930 e 1932,embora sem a participação engajada deMúcio Teixeira, foi Luís Alexandre de Oliveira.Ele narrou que, na Revolução de 1930, asua atuação consistiu principalmente emfazer discursos, assim como outras lideran-ças de Campo Grande favoráveis a GetúlioVargas. Em seu entendimento, 1930 trouxeconseqüências duradouras e definitivaspara Mato Grosso. Sintetizando seu signifi-cado, assinala que:

a grande vantagem da revolução de 30foi tornar Campo Grande uma cidade tãoforte quanto Cuiabá. A partir de então,Cuiabá não conseguiu mais fazer políticaindependente de Campo Grande porquetomou consciência da potência desta cida-de. (...). O Norte passou a reconhecer ahegemonia do Sul, que repercutia na vidapolítica de todo o Estado. De sorte que adivisão do Estado não foi essa coisa ab-

surda ou prematura como querem alguns.(ROSA, 1990, p. 36)

A maioria dos professores da época,porém, embora tenha sido contemporâneadesses decisivos acontecimentos, não seenvolveu, deixando de perceber o seu signi-ficado político para a cidade. O fato é maisinstigante no que diz respeito à adesão deCampo Grande a São Paulo, em 1932, poispraticamente todos os professores da cida-de sabiam dela, até porque o Quartel Gene-ral, na Avenida Afonso Pena, situava-se emfrente à principal escola pública campo-grandense: o Grupo Escolar JoaquimMurtinho. A propósito, eis o que relatou aprofessora Luísa Vidal:

Em matéria de acontecimentos políticos,vivíamos alienados, à margem dos fatos,tomando parte em festas e competições,sem discutir, nem comentar o que estavase passando na esfera social, suas causase conseqüências. Na época da RevoluçãoConstitucionalista, participávamos de todasas festas, desfiles alusivos ao fato, masnunca pensamos no que ela significou.(ROSA, 1990, p. 58)

Percebemos uma auto-crítica contidaneste depoimento, especialmente conside-rando que Luísa Vidal declarou que esta-vam “sempre dentro do Quartel” e que atéseu marido havia sido “soldado constitucio-nalista”, mas tanto professores quanto alu-nos não tinham “senso crítico para anali-sar os fatos”. São suas as palavras:

Mato Grosso foi o primeiro estado do Bra-sil a tomar parte na Revolução Constitucio-nalista e por isso estávamos sempre den-tro do Quartel General, de suas festas, ouno Rádio Clube, nas muitas manifestaçõesque ali se faziam. Mas era algo de aparên-cias, não tocava o nosso íntimo, nem o

Page 145: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 145

dos alunos, porque nos faltava senso críticopara analisar os fatos. (ROSA, 1990, p. 58)

Da mesma maneira, MariaConstança confirma essa percepção ao afir-mar que “os professores daquelas longín-quas décadas de 30, 40 e 50 participavampouco ou nada de política. Os movimentosde 30 e 32 passaram por nós sem deixarmarcas em nossas lembranças” (ROSA,1990, p. 66).

De fato, a alusão a festas, comemora-ções cívicas, maratonas culturais, está pre-sente em quase todos os depoimentos dos29 professores entrevistados no livro Me-mória da cultura e da educação deMato Grosso do Sul. A própria MariaConstança deu muito valor a essas ativida-des em seu relato, inclusive na época daditadura Vargas (1937-1945), conformelemos:

Eu me preocupava com a parte culturaldo Ginásio Campo-Grandense. Estimuleia criação do Grêmio Literário Machadode Assis, que promovia festas, com can-tos, discursos, declamações. Como estáva-mos em plena ditadura de Getulio Vargas,essas festas costumavam terminar comas crianças dando vivas ao presidente e àdiretora. No final, a caixa escolar do Grêmiooferecia sanduíches e doces aos alunos econvidados. Tudo terminava em festa.(ROSA, 1990, p. 66)

Quanto à ausência de posição polí-tica, talvez se possa estabelecer uma rela-ção dessa característica com o perfil da pro-fissão na época. Nessa perspectiva, a pri-meira frase do seguinte excerto de MariaConstança é emblemática:

O professorado daqueles anos 30 era deuma abnegação fora do comum. O grupoconstituído por Helvecina Reveilleau, Elisa

Silva, Maria Rita de Oliveira, Benedita Vaz,Vitália Antônia da Silva deixou em todo oEstado uma grande tradição de competên-cia e de responsabilidade. Cada uma cum-pria seu dever, independente de solicita-ção do diretor, de variação de tempo, dobaixo salário. Como resultado, o curso pri-mário fornecia uma base que deixava acriança segura para continuar os estudos,dispondo de conhecimentos gerais, decultura. Essas professoras todas trabalha-ram sob minha direção no Grupo EscolarJoaquim Murtinho. (ROSA, 1990, p. 64)

Outro fator relevante para a aliena-ção política pode ter sido a instabilidadena qual viviam os professores, sempre de-pendendo de nomeações dos governantesdo momento, conforme lemos no depoi-mento de Ayd Camargo César:

Formei-me em 1934, mas só consegui sernomeada em 1938. Enquanto isso, fiqueiem casa dando aulas particulares. Conse-gui uma vaga no Grupo Escolar JoaquimMurtinho, onde convivi com excelentescolegas, como dona Elisa Silva, Dona MariaRita de Oliveira, Dona Augusta CunhaChaves (Zizinha), Dona Joana DaubianFerreira, Dona Simpliciana Correa, todascuiabanas e competentes. (...). Nosso salá-rio era de cento e sessenta mil réis pormês. As professoras andavam bem vesti-das: iam à aula de sapato de salto, vestidode seda. Dona Elisa usava roupas de opala,blusas de cambraia-de-linho. Anos depois,vi professoras dando aulas de chinelo deborracha, com o declínio de nosso padrãoorçamentário. Só consegui ser nomeadapara o Joaquim Murtinho e infiltrar-mena turma das professoras cuiabanas por-que era praticamente sobrinha do prefeito.Elas formavam um reduto privilegiado,protegido pela política do Norte. (ROSA,1990, p. 40)

Page 146: Memórias - Maria Teresa Cunha

146 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

Ainda com relação ao regionalismo,ela acrescenta interessante informação:

O diretor da Escola Normal JoaquimMurtinho era o professor Múcio Teixeira.Se a Escola Normal de Cuiabá era modelo,a nossa deixava a desejar. Tanto o apren-dizado quanto o material didático eramextremamente deficientes. Havia profes-sores esforçados e outros que estavam alisó porque tinham influência política”.(ROSA, 1990, p. 40)

Não dispomos de elementos paraconcluir sobre a distinção de qualidade dasduas escolas, mas o fato é que a EscolaNormal Joaquim Murtinho foi fechada em1940, só voltando a funcionar em 1947,para lamento de outros professores, comoMúcio Teixeira Junior e Maria Constança.Mas, voltando ao relato de Ayd CamargoCésar, ainda tratando da capital, ela afirma:“Cuiabá não cobrava nada de nós, mastambém não fornecia qualquer tipo de aju-da. Se a gente escrevia pedindo orientaçãoou qualquer opinião, recebia o silêncio emtroca” (ROSA, 1990, p. 42).

Tal como no seu depoimento, arecorrência à política do “norte” está presenteem outros relatos, como o do professor LuísAlexandre de Oliveira. Ele conta, por exem-plo, que, em 1930, iria prestar um concursopara professor de Geografia na Escola Nor-mal, em Campo Grande. Mas, sendo “opo-sição”, recebeu um recado do governadorda época, Leônidas de Matos, de que nadaadiantaria se inscrever porque, mesmo sepassasse, não seria nomeado. Ele, porém,avisou que faria o concurso de qualquermaneira, quer fosse aproveitado ou não. Eo resultado foi a não realização do concur-so, por medo de o enfrentarem. Ainda

segundo ele, as candidatas eram “a profes-sora galega (Ana Luísa Prado Bastos) e aprofessora Noêmia Freire, ambas cuiabanase muito bem calçadas na política” (ROSA,1990, p. 33). Luís Alexandre guardou consi-go a tese que preparara abordando aspec-tos da Geografia Astronômica e, desgostosocom a situação, vendeu o Instituto RuiBarbosa e foi para o Rio de Janeiro, ondelecionou e estudou Direito, regressando aCampo Grande em 1937. Quando relatouesses fatos, confessou que ter sido barradono concurso de 1930 foi uma benção emsua vida, pois lhe permitiu “conhecer novoshorizontes e escapar à mediocridade pro-vinciana da época” (ROSA, 1990, p. 33).

Quem sabe o ambiente provincianoao qual ele se refere possa ser compreendi-do pelas palavras de Joana Evangelina deMattos Martins, nascida em Rosário Oeste,que estudou na rigorosa Escola NormalPedro Celestino, de Cuiabá, e depois setransferiu para Corumbá e Três Lagoas. Elaafirmou que “em 1932, vivia as ilusões domeu tempo de moça e não me lembro domovimento separatista, só mais tarde é quevim conhecê-lo através da história” (ROSA,1990, p. 145).

A história, para a qual a professoraJoana não estava atenta, registra que, apóso fracasso de 1932, foi criada a Liga Sul-Mato-Grossense, que postulou a divisão deMato Grosso argumentando que toda asvezes que o sul “tentou entender-se com ospoderes públicos no sentido de obter eqüi-dade (...) só viu crescer contra a si o arbítrioe a intolerância do governo” (Liga Sul-Mato-Grossense, 1934, p, V) . No documentointitulado R e s p o s t a a o G e n e r a l

Page 147: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 147

Rondon, de 1934, os divisionistas denun-ciavam o desprezo e o esquecimento a queo sul era relegado pelo Estado, que nãolhe trazia “auxílio algum” e criticavam vee-mentemente a situação “da instrução pú-blica”, pois, enquanto o governo aparelhavao centro-norte de escolas, o sul se encontra-va sem “um móvel do Estado (...) nem umlivro, nem um tinteiro do Estado. E os profes-sores? São técnicos? Nunca. Um ou outrocom alguma competência” (RONDON, 1934,p. 21-24).

“A tradição do sobe e desce emMato Grosso, de acordo com ospartidos políticos”

Terminada a ditadura Vargas em1945, o Brasil voltou a conviver com ospartidos políticos, mas a democracia políti-ca logo foi limitada pelo contexto interna-cional da Guerra Fria que dividiu, ideologi-camente, o mundo em dois blocos. Este foio traço político definidor da época, que cul-minou, no Brasil, com outro golpe de Esta-do: o de 31 de março, que instaurou a dita-dura militar. E seria exatamente sob estaditadura que Mato Grosso viria a ser divi-dido, contemplando os seculares interessesda elite pecuarista do sul.

Durante esse período, que começoucom o fim da uma ditadura e terminou coma instauração de outra, o nacional-popu-lismo chegou ao auge, isto é, o modelogetulista de desenvolvimento econômicobaseado no nacionalismo tendo o populis-mo como traço da vida política nacional.No sistema partidário, o nacional-populis-mo estava representado pelo Partido Social

Democrático (PSD) e pelo Partido Trabalhis-ta Brasileiro (PTB), ambos getulistas. Já oscontrários a Getúlio se organizaram naUnião Democrática Nacional (UDN). EmMato Grosso, de forma simplificada, pode-mos dizer que o PSD era forte no norte por-que concentrava a elite dirigente de Cuiabá,que, portanto, havia apoiado Getúlio Vargasdesde 1930. Já no sul, a UDN se organizouentre os grandes proprietários de terras, aelite latifundiária sul-mato-grossense, anti-getulista desde 1932. No que diz respeitoao regionalismo, essa classe se dividia entreaqueles que queriam a divisão de MatoGrosso e os que eram anti-divisionistas.Portanto, não havia unidade quanto a estaquestão, pois o divisionismo nunca uniu osgrandes fazendeiros sulistas3.

Exerceu também significativa impor-tância no sul o Partido Trabalhista Brasileiro(PTB), que se organizou principalmente naregião de Dourados, por influência de gaú-chos getulistas, arregimentando liderançaspróximas à esquerda. Durante todo esseperíodo, o PTB funcionou como uma espéciede pêndulo, pois, com a polaridade entreUDN (sul) e PSD (norte), os seus votos deci-diam os pleitos eleitorais em Mato Grosso.Por essa razão, era sempre cobiçado porum dos dois partidos principais em todasas eleições. Além disso, por ter abrigadomilitantes comunistas do PCB depois queeste partido foi posto na ilegalidade (1947),ficou conhecido no período como o partidoda esquerda em Mato Grosso.

Outra importante característica dapolítica mato-grossense da época foi quea elite do sul do estado suplantou definiti-vamente a do norte tanto no poder

Page 148: Memórias - Maria Teresa Cunha

148 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

legislativo quanto no executivo. Para confir-mar esta hegemonia sulista, basta obser-varmos que, dos quatro governadores queMato Grosso elegeu nas eleições de 1947a 1965, apenas João Ponce de Arruda (PSD)era do norte. Os outros três foram do sul:Arnaldo Estevão de Figueiredo (PSD),Fernando Correa da Costa (UDN, dois man-datos) e Pedro Pedrossian (PSD). Além disso,há mais uma peculiaridade que evidenciaa força da oligarquia agrária sulista: as duasvitórias de Fernando Correa da Costa – aprimeira em 1950 e a segunda em 1960 –ocorreram sobre a candidatura de FilintoMüller, cuiabano, o político mais poderosode Mato Grosso e homem da confiança deGetúlio Vargas, cuja maior aspiração era sergovernador de seu estado. Essa hegemoniapoderia desmontar o discurso divisionistada elite sulista sobre a sua alegada sub-representação no cenário político mato-gros-sense, entretanto, o discurso tantas vezesrepetido sobre a sua discriminação pela“política do norte” foi se tornando uma espé-cie de verdade, aceita pelo senso comum epelos professores também, o que revela au-sência de posição própria por parte deles eadesão às idéias veiculadas pela elite daépoca. Mesmo o fato de que o sul de MatoGrosso, desde a década de 40, superavaeconomicamente o norte não desfez a re-presentação dos separatistas segundo aqual a região continuava abandonada pelapolítica de Cuiabá. Esses ingredientes forma-ram, desde os anos 30, a ideologia divisio-nista encabeçada pela classe dos grandesproprietários rurais do sul de Mato Grossoe, embora quase sem chances de ser vitorio-sa, acabaria se conjugando à geopolítica

do regime militar, que, finalmente, em 1977,promoveu a divisão do estado sem qualquerconsulta às partes interessadas.

Mas voltemos ao objetivo central denosso artigo. De que maneira a dualidadepolítica entre a UDN e o PSD se expressa-ram na vida educacional do sul de MatoGrosso? Que elementos do divisionismo po-dem ser captados na compreensão que osprofessores da época tinham da política es-tadual? Se nos reportarmos às entrevistasque estamos utilizando, constataremos quetodos os professores mencionaram a rivali-dade entre os dois partidos como o traçopolítico marcante da época. Entretanto, nãoidentificaram nessa dualidade os reais inte-resses dessa classe, incluindo a obsessãopela divisão de Mato Grosso.

Lembremo-nos inicialmente de MariaConstança, para quem, naquelas longín-quas décadas de 1930, 1940 e 1950, osprofessores trabalhavam muito e ganha-vam pouco, mas mesmo assim participa-vam pouco ou quase nada da política. Ain-da segundo ela:

a vida do professor era feita de inseguran-ça: financeira, política e emocional. Entra-va-se no magistério através da influênciade algum pistolão, mais tarde, se mudavao governo, quem era contra, lia no jornala sua exoneração. Todo mundo era interi-no – não se falava em concurso de efeti-vação, nem tampouco em aumento. Nãose tinha direito a previdência social (...).Apesar disso, ninguém fazia greve, nin-guém se revoltava. (ROSA, 1990, p. 66)

Para exemplificar o ambiente de ins-tabilidade e a forma pela qual os professo-res eram tratados pelos governos, elarelembra um episódio de 1954 em que um

Page 149: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 149

grupo de professores enviou diretamente aogovernador Fernando Correa da Costa umabaixo-assinado solicitando efetivação. Se-gundo ela, “Dr. Fernando devolveu o docu-mento à direção da escola sem dar qualquersatisfação aos professores. Naquele tempo,tudo tinha de ser controlado pela direção.Se o documento não passava pelos canais,retornava ao emissor” (ROSA, 1990, p. 66).

Maria Constança era udenista decla-rada e tinha do governador FernandoCorrea da Costa total apoio em todas assuas decisões, asseverando que ele nuncanomeou ninguém sem a consultar, nem dei-xou de nomear os que ela indicava. Em1954, logo depois da inauguração do Co-légio Estadual, chegava ao fim o primeirogoverno de Fernando Correa da Costa aquem ela era vinculada politicamente, con-forme seu relato:

Como membro ativo da UDN, trabalheimuito pelo partido, indo a todos os comí-cios, visitando os bairros, ajudando a cadas-trar eleitores. Na escola, não permitia queninguém fizesse política, falasse de seuscandidatos com os alunos, como acontecehoje. Infelizmente, a UDN não conseguiua vitória, nosso candidato Rachid SaldanhaDerzi foi derrotado pelo João Ponce deArruda do PSD. (ROSA, 1990, p. 69)

Mas o seu líder político voltaria agovernar Mato Grosso, pois venceria a elei-ção de 1960 derrotando pela segunda vezFilinto Müller. Tal como Maria Constança, oprofessor Luis Alexandre de Oliveira tam-bém pertencia aos quadros da UDN, tendosido eleito deputado pela legenda em 1947.Ele assinala:

Meu partido era a UDN. Era engraçado.UDN e PSD sempre se revesavam, mas

quando o PSD subia, Dr. Fernando faziauma reunião a portas fechadas com o JoãoPonce e dava a ele a lista dos protegidosda UDN, que ele não queria ver demitidos.Se a UDN ganhava, João Ponce fazia omesmo com o Fernando. Quer dizer, cadaum deles tinha sua corriola que nuncasaía do Governo. Os protegidos dos gover-nadores nunca eram demitidos. (ROSA,1990, p. 36)

Seu depoimento esclarece o fato deque alguns professores permaneciam sem-pre nas instituições em que já trabalhavamenquanto outros, sem essa “proteção”, fica-vam à mercê do jogo político-eleitoral, comodescreve, por exemplo, a professoraEsmeraldina Malhado, que, nascida emCuiabá, depois de ter ensinado em Coxipódo Ouro e Cáceres, transferiu-se paraAquidauana, onde, primeiramente lecionouna margem direita do rio, mas depois apolítica a jogou para o lado esquerdo dorio (Anastácio). Essa sofrida professora, quenão escolheu a profissão, mas foi “empur-rada para ela”, por ser cuiabana foi discri-minada nos dois momentos históricos queaqui estamos analisando. Em 1932, foi in-sultada, sua casa alvejada por tiros, segui-dos de “viva Getúlio Vargas”, certamenteporque o sul de Mato Grosso aderiu a SãoPaulo na insurreição anti-getulista enquantoCuiabá permaneceu com Getúlio. Finda aditadura Vargas, ela foi alvo das persegui-ções políticas da UDN, segundo conta:

Os políticos nunca dedicaram atenção aoensino. Só se preocupavam em perseguirprofessores que não eram do partido deles.Eu pertencia ao PSD, era ligada à políticado governador João Ponce de Arruda e,por causa disso, fui perseguida pelo pes-soal da UDN”. (ROSA, 1990, p. 97)

Page 150: Memórias - Maria Teresa Cunha

150 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

Já a professora Magali Baruki, paraquem “a política imperava naquele tempo”,(ROSA, 1990, p. 113) pertencia a uma fa-mília influente de Corumbá, seu pai era filia-do ao PSD, e ela havia subido ao palanquede Filinto Müller na campanha de 1950 naqual vencera Fernando Correa da Costa(UDN), ato que resultou em sua demissãodo Ginásio Dois de Julho e do Grupo EscolarAfonso Pena, em Três Lagoas, e na sua vol-ta à sua cidade natal. Entretanto, já emCorumbá, acabou alçada à condição dediretora do Grupo Escolar Luís de Albuquer-que, em 1951, por indicação do Diretórioda UDN, com a qual concordou o governa-dor eleito. Segundo ela, Fernando Correada Costa foi o melhor governador que osprofessores tiveram, pois ele os respeitavae os aquinhoava com um abono que cor-respondia ao décimo terceiro salário e que,enquanto ele fosse governador, ninguéma tiraria do cargo por ela estar correspon-dendo à sua confiança, o que revela o graude dependência a que os professores eramsujeitos, sem que tivessem, na maioria doscasos, consciência disso.

Em meio a um jogo político tão acir-rado, aqueles que não tivessem posiçãodefinida pela UDN ou pelo PSD, mesmo nãodependendo desse embate para se manterem suas escolas, sofriam grande pressãodo ambiente político e tentavam não ficarcontra nenhum dos dois partidos, como foio caso de Irmã Bartira Constança Gardés,de família rica, nascida em Cuiabá, que setransferiu em 1931 para Campo Grande,onde foi trabalhar no Colégio NossaSenhora Auxiliadora. Ela relatou que nun-ca torceu por nenhum governo ou partido

e que tinha amigos em todos eles, citandopolíticos de partidos opostos no cenáriomato-grossense e concluindo: “cada umcom sua ideologia e eu com a minha”(ROSA, 1990, p. 91). Referindo-se à rivalida-de dos campo-grandenses com Cuiabá, elaacrescentou ainda que, quando chegou aCampo Grande, apesar de ser cuiabana,não foi hostilizada. Ao contrário, como pro-fessora das filhas de Vespasiano BarbosaMartins, o líder político de 1932 que se tor-nou identificado com o divisionismo, elaganhou o afeto de toda a família. Em rarodepoimento que mencionou o episódio erelacionou Vespasiano à divisão, ela relatouque a sua esposa certa vez lhe perguntoude modo apreensivo: “Irmã Bartira, se Cam-po Grande se separar de Cuiabá, a senhorafica conosco? É claro que não saio daqui[Campo Grande]”, respondeu Irmã Bartira.“Ainda bem, porque meu maior medo é quecom a divisão, a senhora quisesse voltarpara Cuiabá”, concluiu Celina BarbosaMartins (ROSA, 1990, p. 91).

Em outros momentos o antagonis-mo do sul contra o norte era percebido nasescolas como Cuiabá representando umpoder ausente delas, como, por exemplo,quando Maria Constança expôs as dificul-dades de nomeação para a Escola Normale para o Colégio Estadual, justificando que,mesmo assim, não havia interrupção dasaulas, pois ela providenciava logo um subs-tituto que aguardava a nomeação dandoaulas meses sem receber, e, por causa dessademora “o pessoal do sul reclamava muitodo norte, havia uma rivalidade incrível entreCuiabá e Campo Grande, que foi crescendoaté explodir na divisão” (ROSA, 1990, p. 91).

Page 151: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 151

O fato é que, na época, a docêncianão era encarada como uma profissão, comseus direitos assegurados, e, por isto, os pro-fessores viviam a instabilidade constante,“a neurose da perda do emprego”, confor-me palavras de Flora Thomé. Ela havia sidoindicada para lecionar no Ginásio Dois deJulho, em Três Lagoas, e confirma que:

assim que mudava o governo, mudavamtodos os cargos de confiança (...). Fuiindicada para trabalhar no Estado, em 1961,pela UDN, quando Dr. Fernando Correada Costa assumiu o poder. Já nesse tempo,quem fosse partidário da situação tinha oseu lugar assegurado. Durante quatro oucinco anos a pessoa podia ficar tranqüila.À medida que as eleições iam-se aproxi-mando, crescia a neurose da perda doemprego porque quando o poder se reve-zava, revezavam-se os cargos, quem nãocomungava da cartilha do poder vigenteia pra rua (...). Em 1965, quando Pedrossianfoi eleito, o grupo de professores do GinásioDois de Julho, que era filiado à UDN, foitodo demitido. Ninguém reclamava, o fatoera aceito até com certa naturalidade. Oprofessor era realmente um porta voz dopoder. O governador era o senhor todopoderoso, o mandão, cabendo ao professorcumprir à risca toda a orientação que vi-nha de Cuiabá. (ROSA, 1990, p. 139)

Constatamos que a instabilidade ea humilhação das demissões que atendiammeramente a interesses político-partidáriosdas elites políticas eram vistas “com natura-lidade” pelas próprias vítimas da injustiça.Enquanto isto, essas mesmas elites iamfortalecendo a sua hegemonia no cenáriopolítico estadual, aprofundando a rivalidadecom Cuiabá e postulando a divisão deMato Grosso para atender, principalmente,aos seus interesses de classe. E, como a ideo-

logia da classe dominante se torna tambéma ideologia dominante de toda a sociedade,o discurso regionalista acabou sendo incor-porado por grandes parcelas da sociedadecomo se representasse também o interessedelas. A própria divisão do estado, umacausa sempre incerta e que nunca unira osgrupos políticos sul-mato-grossenses, aca-bou sendo percebida como uma expectati-va geral da sociedade, segundo notamosno depoimento da professora AdéliaKrawieck, para quem, a divisão “era o nossogrande sonho” (ROSA, 1990, p. 85).

Já aposentada quando concedeu aentrevista, depois de ter trabalhado durantetrês décadas de manhã, à tarde e à noite,Adélia fez duras críticas ao tratamento de“tia” que presenciava nos anos 1980 paradesignar os professores. Depois de sua apo-sentadoria, lembrando da luta de tantosanos de estudos para ser professora, comoaceitar tal tratamento? “Não admito que mechamem de tia. Lutei tanto para conseguirmeu diploma, que quero o meu título deprofessora” (ROSA, 1990, p. 85). Guerreira,ela enfrentou a discriminação por ser negra,mas acabou ingressando como aluna nor-malista em Corumbá, quando, certo dia, per-guntou diretamente à Irmã Anita, que iasaindo do Colégio Imaculada Conceição:“Irmã Anita, tenho muita vontade de estu-dar aí, será que posso?”, ao que ela respon-deu que sim, bastava fazer a matrícula. Masa menina insistiu: “Gente preta assim comoeu pode estudar aí?” E a Irmã arrematou:“Claro, aqui não fazemos diferença de cor”(ROSA, 1990, p. 81). Foi de seu depoimentoque escolhemos o sub-título desta parte denosso artigo, “o sobe e desce” na política

Page 152: Memórias - Maria Teresa Cunha

152 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

mato-grossense, pois ela enfatizou:Fui sempre demitida por motivos políticos.Fiquei como diretora quatro anos no go-verno João Ponce de Arruda. Quandomudou a política e entrou o Dr. FernandoCorrea da Costa, fiquei quatro anos forada direção. Voltei a ser diretora no gover-no do Pedrossian. Como já se estabelece-ra em Mato Grosso essa tradição do sobee desce, de acordo com os partidos políticos,ninguém reclamava, o que valia não eraa competência e sim os tempos eleitorais.Todo mundo se acomodava, não haviaunião de classe, não adiantava gemer.(ROSA, 1990, p. 83)

Conclusão

As instituições escolares da primeirametade do século XX no sul de Mato Gros-so viveram dois momentos políticos signifi-cativos de sua história, mas produzirampercepções parciais deles. No primeiro, osepisódios de 1932 não foram percebidospelos professores da época como uma po-sição clara de eqüidistância do sul em rela-ção ao norte, ou pelo menos de CampoGrande em relação à política estadual. Pou-cos acompanharam e compreenderam oque se passava na cidade, apesar de esta-rem cotidianamente presentes no QuartelGeneral ou muito perto dele, isto é, no GrupoEscolar Joaquim Murtinho. Nenhum dosprofessores entrevistados percebeu cono-tação divisionista no movimento de 1932,nem mesmo os que dele participaram,como foi o caso de Múcio Teixeira Júnior.Para eles, tratava-se de uma oposição àsações ditatoriais de Getúlio Vargas. Tambémnão foi mencionado por nenhum deles queCampo Grande tivesse sediado um governo

próprio durante o episódio. Os professoresdessa época viveram mais engajados emfestividades cívicas, desportivas e culturaisdo que se interessando por política. As suasinstituições escolares, isoladas umas dasoutras pelas enormes distâncias e dificulda-des de comunicação que marcavam a vidaem Mato Grosso, convertiam-se em peque-nos mundos nos quais os professores pas-saram anos a fio unicamente envolvidoscom a tarefa de ensinar, planejar aulas ecorrigir os cadernos de seus alunos, semqualquer apoio ou estímulo do governo es-tadual. Conforme fica claro em seus depoi-mentos, Cuiabá era simplesmente ausente.

Já a época seguinte, que culminoucom o golpe de Estado de 31 de março de1964, foi mais percebida em seus contornospolíticos, porém, naquilo que era mais apa-rente: a disputa renhida entre os dois prin-cipais partidos da época (UDN e PSD) e assuas conseqüências diretas na vida dasescolas. Ficaram claras as percepções deque eles, os professores, eram vítimas dessesembates eleitorais e que nada poderiamfazer contra isso, pois lhes cabia “seguir acartilha” de quem governava, de quemmandava no estado. Além disso, percebe-mos também o conformismo por parte damaioria, que até aceitava as demissõescomo fato natural. A elite dirigente contavacom seus partidos políticos, mas os profes-sores apenas com suas instituições escola-res, sem qualquer entidade que os repre-sentasse. Somente em 1952 foi fundada aAssociação Campo-Grandense de Profes-sores (ACP) que, inicialmente, além de tercaráter mais recreativo do que político, foipouquíssimo citada nos depoimentos. As-

Page 153: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 153

sim, contavam eles unicamente com as suasinstituições escolares, nas quais suas vidastranscorriam, dia a dia, ano a ano, trinta,quarenta, cinqüenta anos de dedicação aoensino, sem comunicação efetiva entre elespróprios, sem reconhecimento por parte doEstado.

Tristes e melancólicos, muitos depoi-mentos demonstraram ex-professoresamargurados pelo esquecimento por partede todos, incluindo até mesmo as suasqueridas instituições escolares, como nar-rou Adélia Krawieck:

Apesar de ter dedicado toda uma vida aoensino, nunca fui convidada para qual-quer solenidade nas escolas em que tra-balhei, nem mesmo na que dirigi durantetantos anos [General Malan]. Parece queo professor é um parafuso na engrenagem– quando não se precisa dele é jogadofora. Também nunca colocaram meu nomeem qualquer escola. Gente que nada fezpela educação, é nome de escola. Eu que,durante anos, trabalhei de graça para oEstado (em Jardim, no Território de PontaPorã), nunca fui lembrada para uma ho-menagem sequer. (ROSA, 1990, p. 85)

Na mesma linha, lembrou AydCamargo: “Não sou chamada para nenhu-ma atividade nas escolas em que trabalhei.Há uma profunda indiferença por parte dopoder público em relação aos aposentados.Depois que deixamos as escolas, ficamostotalmente esquecidos, marginalizados”(ROSA, 1990, p. 85). Com exceção de MúcioTeixeira e Maria Constança, todos os de-poentes revelaram a tristeza de se sentiremesquecidos pelas instituições escolares paraas quais dedicaram as suas vidas, magoa-dos por nunca serem convidados para qual-quer solenidade educacional, e pelo fato de

os seus nomes nunca terem sido dados auma escola. Raro foi o caso da professori-nha cuiabana que chegou a Campo Gran-de em 1918 para, muitas décadas depois,ver o nome “Maria Constança de BarrosMachado” ser conferido à escola que tantoamou, a maior homenagem de sua vida ea que mais lhe comoveu e gratificou. Inver-samente, já quase totalmente cego quandoconcedeu seu depoimento, relatou Luis Ale-xandre de Oliveira:

Trabalhei mais de 50 anos na educaçãodeste Estado e pouco recebi em troca. Nun-ca recebi, por exemplo, um convite paraqualquer solenidade na UniversidadeFederal, apesar de dois reitores de lá teremsido meus alunos: Hércules Maymone eEdgard Zardo (...). Também não tenho ne-nhuma escola com o meu nome. (ROSA,1990, p. 83)

Isolados em suas escolas, sobrecarre-gados pelas suas jornadas de trabalho, em-pobrecendo ano a ano, os professores dosul de Mato Grosso não perceberam que,subjacente às disputas políticas que marca-ram a época, havia fortes interesses de clas-se que transformaram uma causa tênue equase sem possibilidades de vitória numaideologia que justificaria a divisão do esta-do. Mas as instituições escolares e seus pro-fessores não tomaram parte no concertoque culminou no dia 11 de outubro de1977, consagrando vitória à elite agráriasul-mato-grossense que durante todo esseperíodo dispôs da escola, principal institui-ção social da época, como espaço de legiti-mação de sua hegemonia. Além disso, adivisão, ao se efetivar, criando o estado deMato Grosso do Sul, provocou ainda maisdepauperamento salarial a esses professo-

Page 154: Memórias - Maria Teresa Cunha

154 Marisa BITTAR; Amarilio FERREIRA JR. Professores e instituições escolares no...

res que participaram ativamente da criaçãodas suas primeiras instituições escolares,mas, em vez de reconhecimento, foram des-valorizados perante a nova categoriadocente criada na nova unidade federativa,continuando a receber suas parcas aposen-tadorias pelo estado do qual acabavam deser apartados.

Notas1 Não tivemos acesso ao documento original, poristo utilizamos a transcrição de José Barbosa Rodri-gues que menciona os seus signatários, entre osquais os nomes de Bernardo Franco Baís e Manoelda Costa Lima, dois dos maiores fazendeiros do sulde Mato Grosso, que ficariam identificados com oinício da história de Campo Grande, fundada em

1872 por José Antônio Pereira. É interessante notarque duas mulheres assinaram o abaixo-assinado:Maria Cláudia de Freitas e Guilhermina de Freitas.2 O Colégio Osvaldo Cruz chegou a ser dirigido, nadécada de 1930, por Wilson Barbosa Martins e JoséFragelli, que eram sócios e amigos. Os dois se torna-riam políticos marcantes de Mato Grosso e Mato Gros-so do Sul, sendo que o segundo deixou a escola paraingressar na vida política, enquanto o primeiro retar-dou um pouco mais essa decisão, de acordo comdepoimento de José Fragelli: “depois veio a guerra eo Dr. Wilson foi ser soldado [...]. Quase que se podedizer que vendemos o colégio para entrar na política.Pelo menos foi o meu caso. Não tanto o dele, que játinha boa advocacia” (BITTAR, 1997, v. 2, p. 409).3 Sobre o assunto, consultar: BITTAR, Mato Grosso doSul: do estado sonhado ao estado construído, 1997;BITTAR, Geopolítica e separatismo na elevação deCampo Grande a capital, 1999.

Referências

BITTAR, Marisa. Mato Grosso do Sul: do estado sonhado ao estado construído. São Paulo: USP,1997, 548 p. Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e CiênciasHumanas, Universidade de São Paulo, 1997. v. 2.

BITTAR, Marisa; FERREIRA Jr., Amarilio. De freguesia a capital: 100 anos de educação em Cam-po Grande. In: CUNHA, Francisco Antonio Maia da (Coord.). Campo Grande: 100 anos de cons-trução. Campo Grande: Matriz Editora, 1999. p. 169-194.

BITTAR, Marisa. Geopolítica e separatismo na elevação de Campo Grande a capital. CampoGrande: Editora da UFMS, 1999. (Coleção Fontes Novas. Especial 100 anos de Campo Grande).

FENTRESS, James; WICKHAM, Chris. Memória social. Tradução: Telma Costa. Lisboa: EditorialTeorema, 1992.

LIGA SUL MATOGROSSENSE. Pela divisão do estado de Mato Grosso: representação dos sulis-tas ao Congresso Nacional Constituinte. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Cruzeiro do Sul,1934.

MACHADO, Paulo Coelho. Arlindo de Andrade. Primeiro juiz de direito de Campo Grande. Cam-po Grande: Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, 1988.

MARTINS, Wilson Barbosa. Divisão foi um sonho que mobilizou o Sul. Correio do Estado. CampoGrande, 10 out. 1995, p. 4. (Entrevista).

Page 155: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 133-155, jan./jun. 2008. 155

MATO GROSSO. Poder Legislativo. Lei n. 3027, de 28 de abril de 1971. Concede denominaçõesaos Estabelecimentos de Ensino que menciona e revoga a Lei n. 2603, de 28 de janeiro de1966. Diário Oficial, Cuiabá, 30 de abril de 1971.

MELO e SILVA, José de. Canaã do Oeste (sul de Mato Grosso). Campo Grande: Tribunal deJustiça de Mato Grosso do Sul, 1989.

RIBEIRO, Lélia Rita de Figueiredo. O homem e a terra. s/d, s/l.

RODRIGUES, José Barbosa. História de Campo Grande. São Paulo: Editora Resenha Tributária,1980.

RONDON, Antônio et al. A divisão de Mato Grosso: resposta ao general Rondon. Maracajú: LigaSul-Mato-Grossense, 1934. 35 p.

ROSA, Maria da Glória Sá. Memória da cultura e da educação em Mato Grosso do Sul: históriasde vida. Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 1990.

Recebido em 30 de abril de 2008.

Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 156: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 157: Memórias - Maria Teresa Cunha

O trabalho didático nos grupos escolaresJoaquim Murtinho e Luis de Albuquerque (MatoGrosso, 1910-1950)The didactic labor in two primary schools: JoaquimMurtinho and Luis de Albuquerque (Mato Grosso,1910-1950)

Silvia Helena Andrade de Brito

Doutora em educação pela UNICAMP. Professora do Pro-grama de Pós-Graduação em Educação e do Curso deCiências Sociais da (UFMS).e-mail: [email protected].

ResumoO objeto deste artigo são os Grupos Escolares Joaquim Murtinho e Luis de Albuquerque, situados no sul doantigo estado de Mato Grosso, em Campo Grande e Corumbá, respectivamente, e tem como objetivo analisara organização do trabalho didático nos dois grupos escolares, entre os anos de 1910 a 1950. Visando reconstituira história destas instituições, além de fontes secundárias, foram utilizados dados primários (Livros de Atas,Livros de Matrícula, Registros de Matéria, entre outros) e entrevistas com ex-professores e ex-alunos. À guisade conclusão, pôde-se perceber em que sentido os grupos escolares representaram, para a escola estatalmato-grossense, a materialização da forma/conteúdos mais acabados, em termos de organização do trabalhodidático, da escola graduada. Em outras palavras, da instituição que, na sociedade capitalista, seria responsá-vel pela difusão da educação para todos, principalmente crianças e jovens.Palavras-chaveGrupos escolares. GE Joaquim Murtinho, MT. GE Luis de Albuquerque, MT.

AbstractThe object of this article are two schools, Joaquim Murtinho and Luis de Albuquerque, situated in thesouth of the erstwhile state of Mato Grosso in Campo Grande and Corumbá, respectively, and has for itsobjective the analysis and organization of didactic labor in the two schools, between the years 1910 and1950. With the aim of reconstituting the history of these institutions, besides secondary sources, primarysources [such as Act Registers, Matriculation Ledgers, Registers of Subject Matters, among others] andinterviews with ex-professors and former students were used. As a conclusion, the meaning the schoolgroups represented for the Mato Grosso do Sul state schooling, the materialization of the more furbishedform/content in terms of didactic labor was perceived. In other words, the type of institution that in capitalistsociety was responsible for the diffusion of education for everyone, principally children and youth.Key wordsPrimary State Schools. Joaquim Murtinho School [MT]. Luis de Albuquerque School [MT].

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 157-169, jan./jun. 2008.

Page 158: Memórias - Maria Teresa Cunha

158 Silvia Helena Andrade de BRITO. O trabalho didático nos grupos escolares...

Introdução

O objeto deste artigo são os GruposEscolares Joaquim Murtinho e Luis deAlbuquerque, situados no sul do antigoestado de Mato Grosso1, nas cidades deCampo Grande e Corumbá, respectivamen-te. É importante ressaltar que o grupo esco-lar é aqui tratado na sua condição de umadas modalidades de instituição escolar quematerializou, na história da educação noBrasil, a escola moderna, a saber, aquelaque se organizou no interior da sociedadecapitalista e que, junto a essa última vaiassumindo diferentes nuances, em distintosmomentos históricos dessa mesma ordemsocial. Nesse sentido, foi privilegiado o perío-do que abrange a primeira metade do sé-culo XX – 1910-1950 – visto que, nessesanos, as referidas instituições escolares fo-ram implantadas nas principais cidades da-quela região (Campo Grande, Corumbá,Aquidauana, Três Lagoas e Ponta Porã),assumindo as características peculiares auma determinada forma de organização dotrabalho didático.

Assim, o objetivo deste artigo é ana-lisar a organização do trabalho didático nosgrupos escolares em questão, considerandoo papel que essas instituições assumiramneste momento de expansão do ensino pú-blico em Mato Grosso, e como era importan-te, para tal, que essa nova modalidade deescola estivesse presente na região. Tem-seem vista, ainda, que o grupo escolar, porum lado, expressava a forma mais adequa-da de organização do trabalho didáticoproduzida na sociedade capitalista, a esco-la graduada, principalmente diante da ne-

cessidade de universalização do acesso àescola primária. Por outro, representou ain-da o momento histórico em que o ensinosimultâneo começou a se tornar hegemô-nico no interior da escola estatal, pressu-posto para que o citado processo de univer-salização se efetivasse.

Visando reconstituir a história dosgrupos escolares mencionados, além defontes secundárias2, foram utilizados dadosprimários3 – documentos ainda existentesem acervos regionais (Livros de Atas, Livrosde Matrícula, Registros de Matéria, Portari-as e Ofícios Expedidos e Recebidos, entreoutros), bem como entrevistas com ex-pro-fessores e ex-alunos – analisados à luz dascategorias escola moderna e organizaçãodo trabalho didático.

O artigo está dividido em duas partes.Na primeira, é realizada uma rápida recupe-ração do contexto histórico no qual se deuo surgimento e consolidação dos gruposescolares em Mato Grosso, como parte dahistória das instituições escolares nesta re-gião do Brasil, entre 1910 e 1950. Destaca-se, entre os municípios que naquele mo-mento histórico conformavam a região sulde Mato Grosso, as cidades de CampoGrande e Corumbá. Posteriormente, na se-gunda parte do trabalho, serão apresenta-das as informações pertinentes aos GruposEscolares Joaquim Murtinho, em CampoGrande, e Luis de Albuquerque, em Corum-bá, com o intuito de problematizar a organi-zação do trabalho didático no interior des-sas instituições escolares mato-grossenses.

Page 159: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 157-169, jan./jun. 2008. 159

1 Surgimento e consolidação dosgrupos escolares em Mato Grosso

Remontando à história e à históriada educação em Mato Grosso, no períodoque vai dos anos 1910 à década de 1950,trar-se-á à luz alguns elementos para a re-construção do papel da educação e dosgrupos escolares em Mato Grosso, naque-le momento histórico.

Considerando-se a situação de MatoGrosso entre a década de 1870 e os anos1910 – esse último, representando o mo-mento histórico em que surgiram os gruposescolares no cenário educacional do esta-do – pode-se perceber que a região viviauma situação peculiar. Por um lado, a pe-cuária extensiva paulatinamente se afir-mara como a principal atividade econômicaem Mato Grosso, com o esgotamento daatividade de mineração, em princípios doséculo XIX (ALVES, 1984, p. 85 et seq.), econtinuava tendo uma presença significa-tiva no estado, o que fazia da região umterritório ainda marcado pela presença degrandes latifúndios, ocupado por uma po-pulação rarefeita, principalmente em se tra-tando de sua zona rural.

Por outro, graças à diversificação dasatividades econômicas regionais, tambémpossuía importante fração de sua classe do-minante ligada às usinas de açúcar, à in-dústria extrativa (principalmente a erva-mate, a borracha e a poaia) e ao beneficia-mento da carne bovina; ainda mais, contra-ditoriamente, criara as condições para oaparecimento de um homem cosmopolita,como os proprietários de estabelecimentoscomerciais em Corumbá, situada na fron-

teira oeste do estado, afeitos, graças à suaatividade profissional, aos contatos estreitose permanentes com os principais centroseconômicos e sociais do Brasil, da regiãoplatina e do continente europeu. Já no co-meço do século XX, também no sul do esta-do de Mato Grosso, Campo Grande trans-formou-se em um significativo centrocomercial, principalmente após a instalaçãoda rede ferroviária Noroeste do Brasil, em1914. Este processo fez deste município umimportante entroncamento ferroviário e,posteriormente, rodoviário, que passou aatrair grande número de imigrantes (árabes,japoneses, espanhóis, portugueses e italia-nos), além de comerciantes e fazendeirosnacionais, desencadeando, assim, um pro-cesso de modernização e de aumentopopulacional desta parte da região sul doestado (OLIVEIRA, 2006).

Foi nesse contexto sócio-econômico,quando a segurança pública e a posse daterra, bem como a infra-estrutura viária, ain-da eram as grandes preocupações dos su-cessivos governos estaduais (JACOMELI,1998), que o presidente Pedro CelestinoCorrêa da Costa, a partir do ideário republi-cano da “[...] modernidade e civilização, [pen-sado como contraponto] [...] ao estigma da‘barbárie’ predominante nas representaçõessobre o estado na época” (AMÂNCIO, 2000apud SOUZA, 2004, p. 121), começou novoperíodo de reestruturação e reorganizaçãodo ensino primário e secundário em MatoGrosso. Ainda segundo a justificativa queembasava a reforma iniciada em 1908, nosprimeiros vinte anos do regime republicano,a instrução em Mato Grosso continuava in-certa e descuidada, com poucas diferenças

Page 160: Memórias - Maria Teresa Cunha

160 Silvia Helena Andrade de BRITO. O trabalho didático nos grupos escolares...

em relação à época do Império. O grupoescolar, assim, foi pensado como uma pos-sível solução para esses problemas, funcio-nando como pólo irradiador de um movi-mento de modernização da educação pri-mária no estado. Por esse motivo, e em fun-ção do alto custo de sua instalação e manu-tenção, os grupos escolares foram criadosapenas nas cidades econômica, populacio-nal e culturalmente mais significativas deMato Grosso: em Cuiabá (1908), Cáceres,Poconé e Rosário Oeste (1912), no nortedo estado, e em Corumbá (1908), CampoGrande (1912), Aquidauana, Miranda, TrêsLagoas e Ponta Porã, no sul de Mato Gros-so (MATO GROSSO, 1978 apud OLIVEIRA,2006), sendo que, nas quatro últimascidades, foram criados nos anos seguintes,até 1927.

Concomitantemente, uma das pri-meiras medidas da reforma previa a reno-vação do quadro de professores, com a cria-ção de uma nova Escola Normal, junto coma Escola-Modelo Barão de Melgaço, nacapital do estado, Cuiabá, a fim de habilitarprofessores capazes de dirigir e ministrar oensino reformado que se desejava. Para adireção desses estabelecimentos foram con-tratados dois normalistas paulistas,Leowigildo Martins de Mello e GustavoKulhmann (POUBEL E SILVA, 2006, p. 218),que chegaram ao estado em 1910. O Re-gulamento de 1910 também reorganizoua regulamentação pedagógica, a qual ema-naria por todo o estado, estabelecendonovos critérios para a instrução pública.Segundo esta legislação, o ensino primáriodeveria ser leigo, alunos de ambos os sexospoderiam freqüentar a escola, estabelecen-

do-se a obrigatoriedade para as criançasde 7 a 10 anos de idade. Estabelecia-seainda que as escolas não poderiam ultra-passar os 60 alunos e o sistema de de-curiões e monitores (ensino mútuo), bemcomo os castigos físicos, estavam proibidos(JACOMELI, 1998).

Além disso, o mesmo texto legal nor-matizou a ação dos grupos escolares e seufuncionamento, naqueles distritos que os ti-vessem. Os grupos escolares seriam escolascom oito classes seriadas (quatro para meni-nos e as restantes para meninas) e ficariamsubordinados ao Diretor Geral da InstruçãoPública e aos inspetores escolares. Comple-mentarmente, os grupos escolares seriam fis-calizados e inspecionados pelo Presidentedo estado, com a ajuda do Conselho Supe-rior de Instrução Pública e Diretoria Geral daInstrução. Estes órgãos estabeleciam a dura-ção das aulas (cinco horas diárias), o períodode funcionamento (período único) e a con-tratação de professores formados, efetivadamediante concurso público.

Verifica-se, contudo, que essa políticade expansão das práticas educacionais apartir do grupo escolar no estado não sedeu de forma linear, e as descontinuidadesna ação pública sempre estiveram presen-tes, expressas, por exemplo, na morosidadepara a instalação dos estabelecimentos ouna grande dificuldade de se impor uma fis-calização da malha educacional. Nesse sen-tido, o Grupo Escolar de Corumbá4, criadoem 1908, só foi instalado e começou a fun-cionar em 1924 (SENA, 2006). O mesmo sedeu com o Grupo Escolar de Campo Gran-de: a Resolução n. 616, de 17 de julho de1912, autorizou o executivo estadual a criar

Page 161: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 157-169, jan./jun. 2008. 161

um grupo escolar nesta cidade ou no pon-to mais indicado no sul do estado, sem es-pecificar, claramente, onde se localizaria asede da escola. Assim, o Grupo Escolar deCampo Grande5 só foi instalado em 13 dejunho de 1922, após ter sido autorizado pelaResolução n. 866, de 03 de novembro de1921 (MATO GROSSO, 1978 apudOLIVEIRA, 2006).

Na continuidade desses processos, adepressão que se abateu sobre a sociedadecapitalista entre o final dos anos 1920 e adécada de 1930, acrescidas às conseqüên-cias da Segunda Guerra Mundial, contri-buiu para dar continuidade ou iniciar algu-mas modificações na base produtiva doestado, sobretudo na região sul de MatoGrosso, relacionadas ao melhoramento doplantel bovino e à introdução de novas for-mas de criatório (cercamento e divisão dasfazendas, o abandono da organização fa-miliar e a incorporação de alguns padrõesempresariais, utilização de espécies gramí-neas cultivadas nas pastagens etc). Nessecontexto, a cidade de Campo Grande ter-minou por se afirmar como um novo pólode desenvolvimento no sul de Mato Gros-so (BRITO, 2001).

Concomitantemente, a mesma criseeconômica ofereceu as condições necessá-rias para o soerguimento da região frontei-riça: assim, um conjunto de condicionantes,ocorridos entre os anos 1930 e 1950, – comoas mudanças provocadas pela crise dosanos 1930 no setor pecuário, combinadaa condições climáticas favoráveis e ao au-mento de vendas no período de guerra; omovimento em torno da construção do ra-mal ferroviário Brasil-Bolívia, a partir de

1938, além da instalação de novas indús-trias na cidade, como a Sociedade Brasileirade Mineração (SOBRAMIL) – provocaramum efeito multiplicador sobre as atividadesprodutivas em Corumbá (OLIVEIRA, 1998).De forma combinada, esses processos aca-baram alavancando o surto industrial queo município conheceu a partir da segundametade dos anos 1940, reforçado posterior-mente pela chegada dos trilhos da Estradade Ferro Noroeste à cidade, na década de1950. Esta incipiente industrialização, ten-do sido decisiva na conformação de umanova composição social no município, aca-bou por diversificar a própria malha urbana,colaborando para a expansão do ensino,público e privado, em Corumbá.

Foi dentro desse momento histórico,quando o grupo escolar, como modalidadede escola primária, já se encontrava conso-lidado em Mato Grosso, que se deu a cria-ção de mais três grupos escolares em Cam-po Grande, a saber: General Malan (1934),Vespasiano Martins e Nicolau Fragelli(1955) (OLIVEIRA &GONÇALVES, 2007) e,em Corumbá, o Grupo Escolar do CírculoOperário Dom Bosco (1954) (BRITO, 2001;COELHO, 1978).

2 A organização do trabalhodidático nos Grupos EscolaresJoaquim Murtinho e Luis deAlbuquerque

A fim de problematizar as informa-ções já coletadas sobre a organização dotrabalho didático nas duas instituições esco-lares em foco, quais sejam, os Grupos Esco-lares Joaquim Murtinho, situado em Campo

Page 162: Memórias - Maria Teresa Cunha

162 Silvia Helena Andrade de BRITO. O trabalho didático nos grupos escolares...

Grande e o Luis de Albuquerque, sediadoem Corumbá, é necessário inicialmente re-meter-se a análise ao desvelamento dacategoria organização do trabalho didáti-co. Assim, Alves (2005), ao se referir a estacategoria, lembra que:• no interior da ciência da história6, organi-

zação do trabalho didático é uma cate-goria subordinada, uma vez que se refe-re e é produzida no campo da educação.Nesses termos, localiza-se nos limitesentre duas outras categorias centrais den-tro dessa perspectiva teórico-metodoló-gica, a saber, “[...] trabalho e organizaçãotécnica do trabalho, e as implica” (ALVES,2005, p. 10);

• assim, sendo a categoria trabalho é fun-damental para a compreensão de comose organizam as relações sociais emdada sociedade, e considerando que asformas e conteúdos assumidos pelo tra-balho são históricas, da mesma formase pode dizer que cada modo de produ-ção produz formas históricas de organi-zação do trabalho didático, correspon-dentes às funções assumidas pela edu-cação em dado contexto histórico;

• nesses termos,[...] no plano mais genérico e abstrato,qualquer forma histórica de organizaçãodo trabalho didático envolve, sistematica-mente, três aspectos:a) ela é, sempre, uma relação educativaque coloca, frente a frente, uma formahistórica de educador, de um lado, e umaforma histórica de educando(s), de outro,b) realiza-se com a mediação de recursosdidáticos, envolvendo os procedimentostécnico-pedagógicos do educador, astecnologias educacionais pertinentes e os

conteúdos programados para servir aoprocesso de transmissão do conhecimento,

c) e implica um espaço físico com carac-terísticas peculiares, onde ocorre. (ID., p.10-11. Os grifos são do autor)

Considerando esses três aspectos,qual a organização do trabalho didático ins-crita nos grupos escolares mato-grossenses,particularmente nas duas instituições emapreço, neste momento histórico? Em se tra-tando de relação educativa, o que marcoue marca a escola moderna, aquela que seefetivou na sociedade capitalista, é o ensinosimultâneo. Nela são confrontados umadada forma histórica de educador, o profes-sor, e uma dada forma histórica de educan-do, o aluno médio, ou seja, pensado comocoletivo relativamente homogêneo(LANCILLOTTI, 2008). Essa proposta, expres-sa, desde o século XVII, na obra de JoãoAmós Comenius, foi imprescindível parapermitir que a escola chegasse a todos, vis-to que o ensino simultâneo pressupunha obarateamento da escolarização em doissentidos: tornava desnecessária a figura dopreceptor, o educador típico do mundomedieval, e possibilitava a utilização de umprofissional cuja formação e trabalho se-riam simplificados, uma vez que se dirigi-riam a um coletivo de educandos/alunos,simultaneamente, com economia de tempo,espaço físico e esforços (ALVES, 2001). Porisso o grupo escolar, como materializaçãomais desenvolvida do ensino simultâneo,espalhou-se, inclusive em Mato Grosso. Éinteressante notar ainda que, por força dasnecessidades impostas pela universali-zação da escola estatal, tanto no JoaquimMurtinho (OLIVEIRA, 2006) como no Luis

Page 163: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 157-169, jan./jun. 2008. 163

de Albuquerque funcionaram, desde a suaimplantação, as quatro séries do ensino pri-mário (SENA, 2006), posteriormente incluin-do a 5ª série, também conhecida como cur-so de admissão ou curso complementar.Além disso, apesar da proposta inicial enfa-tizar que os grupos escolares funcionariamem apenas um turno, os dois grupos esco-lares já contavam com três turnos (JoaquimMurtinho) e dois turnos (Luis de Albuquer-que), em meados dos anos 1950, o quenaturalmente supunha uma flexibilizaçãopara menos da carga horária de ensino,visando atender a uma clientela cada vezmais abrangente.

Continuando a tratar do ensino si-multâneo, no Luis de Albuquerque as ativi-dades escolares eram conduzidas confor-me as disposições da pedagogia tradicio-nal7 – com presença marcante em todoesse período – onde se destacava a figurado professor que expunha e interpretava amatéria, tendo como principal recurso apalavra (exposição oral). O ato de fazerexercícios repetitivos destinava-se a que osalunos pudessem gravar o conteúdo, quedepois seriam avaliados nas provas: o pro-fessor falava em voz alta e os alunos repe-tiam, ou seja, recebiam as informações etinham como tarefa decorá-las (BRITO &SENA, 2006)8.

Sentados em carteiras duplas enfilei-radas e fixadas no chão, os alunos escuta-vam a exposição oral do professor, enquan-to este último procurava sempre partir daexploração do conhecido para o desconhe-cido e do concreto para o abstrato, conformedispunha o método intuitivo9, já em uso nasinstituições paulistas (SOUZA, 1998, p. 158).

Apesar de o método intuitivo ser uma dasdiretrizes pedagógicas que marcou o mo-mento de criação dos grupos escolares, ain-da era predominante o caráter verbal daaprendizagem, e por isso os recursos maisutilizados em sala de aula eram basicamen-te o quadro negro e o giz (BRITO & SENA,2006).

Neste ponto pode-se destacar o se-gundo aspecto da organização do trabalhodidático nos grupos escolares, isto é, osmateriais didáticos. Remetendo a discussãonovamente a Comenius, a preocupação deensinar tudo a todos que dirigia os esforçosdaquele educador morávio implicou, comovisto anteriormente, na simplificação e obje-tivação do trabalho didático, originando afigura do professor. Ora, esse processo in-cluiu, por um lado, a instauração da divisãodo trabalho no interior da escola (um profes-sor especializado, que veio atender um de-terminado coletivo de alunos, agrupadosem séries) e, por outro, levou também à sim-plificação dos instrumentos de trabalho doprofessor, principalmente pela criação domanual didático. Mais uma vez Comeniuslembrava a necessidade de barateamentodos custos da instalação das escolas, vistoque o manual didático permitiria a qualquerhomem mediano assumir as tarefas do pro-fessor, sem pressupor a demorada e onero-sa preparação que fora exigida para o pre-ceptor medieval (ALVES, 2001). Nos gruposescolares, contudo, segundo Souza (1998,p. 167),

[...] o método intuitivo implicou a necessi-dade de vasto material didático. Porque aconcepção de ensino-aprendizagem pres-suposta no mesmo, considerando-se a

Page 164: Memórias - Maria Teresa Cunha

164 Silvia Helena Andrade de BRITO. O trabalho didático nos grupos escolares...

natureza infantil, os sentidos e o ensinoconcreto, reclamava outras linguagenspara transmissão do conhecimento alémda usual “palavra do mestre”. Surge o im-perativo da imagem, da manipulação deobjetos, isto é, de uma nova “pedagogiado olhar”, uma nova “pedagogia dos sen-tidos”.

Nestes termos, é interessante notarque:1. conforme é destacado pelos insistentes

apelos de diferentes diretores das duasinstituições ao longo de todo este perío-do, tanto no Luis de Albuquerque (MATOGROSSO, 1932), como no JoaquimMurtinho (MATO GROSSO, 1931), era pre-mente a falta de outros materiais didáti-cos que o giz, quadro-negro e o livro di-dático. Como expressão da escola mo-derna, portanto, o grupo escolar vinhaao encontro do pressuposto comenianoe do necessário barateamento da escola-rização, por meio de um trabalho didáticosimplificado e objetivado. Frente às prio-ridades da ação estatal nesse períodohistórico, o livro didático ainda era ad-quirido pelo aluno10, caso possuísse re-cursos para tal; ou, simultaneamente, ma-nuseado pelo professor e repassado aoaluno sob a forma de pontos, copiadosna lousa para os alunos das séries ini-ciais, ditados para os alunos das sériesfinais, como relatam ex-professores doLuis de Albuquerque (ENTREVISTAS A; B;D, 2005). Dessa forma, o ensino nessesestabelecimentos permaneceu “[...] nosmoldes da memorização, do partir doconcreto para o abstrato, do conhecidopara o desconhecido, no qual os alunosdeveriam apenas aprender e o profes-

sor, ensinar” (ALVES, 1994, p. 103), nãosendo de se estranhar que o material di-dático disponível no grupo escolar tenhase resumido ao quadro-negro, giz e, prin-cipalmente, ao livro didático;

2. mesmo a insistência do uso da “pedago-gia do olhar” ou “pedagogia dos senti-dos”, implícita nos pressupostos do méto-do intuitivo e que depois também seriapreocupação do escolanovismo com osmétodos ativos, não parece ter abalado,no contexto do trabalho didático, a cen-tralidade da “palavra do mestre”, ou aimportância de sua autoridade na con-dução do processo de aprendizagem doaluno. Essas preocupações, que implica-riam em alguma medida num ajusta-mento do ensino às características indivi-duais dos alunos, não alcançaram o ecodesejado nos limites do ensino simultâ-neo. Nas palavras de uma ex-professorado Luis de Albuquerque, o professor eraa “autoridade máxima do saber” (ENTRE-VISTA A, 2005), pois ele representava oprofissional habilitado a atuar na escolaagrupada. Além disso, no contexto de umtrabalho didático crescentemente objeti-vado e simplificado pela mediação dolivro didático – e não por acaso sua im-portância vai crescendo para o trabalhodo professor – pode-se dizer que essasuposta autoridade foi arrebatada namedida mesma em que se intensificavaa presença do livro didático em sala deaula.

Ainda sobre o processo de objetiva-ção e simplificação do trabalho didático, éimportante lembrar de outros componentes,como os currículos e programas. Esses pas-

Page 165: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 157-169, jan./jun. 2008. 165

saram, de forma progressiva, das mãos dosagentes educacionais – professores, direto-res e supervisores escolares – para a respon-sabilidade e decisão do Estado, por meioda padronização dos currículos e progra-mas, bem como de controle do materialdidático, sobretudo o livro escolar, comodeclara uma ex-diretora do Luis deAlbuquerque (ENTREVISTA B). Tal tendên-cia, contudo, se esboçará com mais clarezana organização do trabalho didático emMato Grosso, nos anos vindouros, já emmeados dos anos 1950, como aconteceuem todo o país.

Quanto ao espaço físico, uma daspremissas para a instalação dos grupos es-colares, e um dos itens que tornou mais one-rosa a sua expansão, essa se expressavaexatamente na necessidade de construçãode um prédio próprio, ou melhor, especial-mente destinado à atividade educacional,que até então se fizera, majoritariamente,em espaços físicos adaptados ou mesmona casa do professor. Assim, não é fortuito,como observa Oliveira (2006), que o regimedisciplinar identificador do grupo escolarestivesse presente na própria estrutura doprédio da instituição escolar, como foi ocaso no Joaquim Murtinho, segundo atestao depoimento de uma de suas diretoras,Maria Constança de Barros Machado:

Naquele tempo, a disciplina era funda-mental. A separação entre alunos e alunasera tão rígida que até o prédio era cons-truído em forma de U, de modo a abrigarde um lado as classes do sexo masculinoe do outro as do sexo feminino. O recreiodos meninos era de um lado, o das meni-nas de outro. O encontro entre os meninose meninas dava-se apenas nas festas li-

terárias e esportivas, que eram realizadasno salão nobre da escola. Só se admitiamclasses mistas, quando havia número in-suficiente de alunos para separá-los. E olheque naquele tempo as classes tinham até50 e 60 alunos. Quando havia uma clas-se mista, os meninos e as meninas erammuito vigiados, para que não se comuni-cassem entre si. (ROSA, 1990, p.65-6).

Da mesma forma, a edificação doLuis de Albuquerque se destaca entre asoutras construções contemporâneas emCorumbá, com sua arquitetura neoclássicafrancesa. Localizado no centro da cidade,em frente à Praça da República e próximoà Igreja Nossa Senhora da Candelária, elese inseriu naquele espaço como uma escolatipicamente urbana, como um dos mais sig-nificativos prédios públicos11 do município.Da mesma forma

Seu prédio foi construído em forma de “L”,abrigando o porão e dois pavimentos, umtérreo e outro superior. Com salas de aulaamplas, com boa iluminação e ventilação,proporcionada pelas longas janelas predis-postas na fachada principal e lateral do pré-dio. Nas paredes das classes pinturas decora-tivas semelhantes aos desenhos das classesdo Palácio da Instrução de Cuiabá. Os corre-dores são amplos, o que facilitava a circula-ção dos alunos. [...] No nível térreo destinava-se às salas para meninas e no nível superioraos meninos. (SENA, 2006, p. 26)

Note-se, contudo, que o aspecto por-tentoso desses edifícios, afora sua presençamarcante no espaço público citadino, tam-bém representou, na escolha do estilo arqui-tetônico neoclássico, uma preocupação emtornar essas construções mais adequadasa uma utilização para programas de gran-de porte, visando obter melhores resultadosem termos de circulação, ventila ção e

Page 166: Memórias - Maria Teresa Cunha

166 Silvia Helena Andrade de BRITO. O trabalho didático nos grupos escolares...

iluminação dos espaços (CORDEIRO, 1995).Em outras palavras, adequá-los a essanova necessidade de atender a coletivosde alunos, na perspectiva que se impunhacom a escola agrupada. Esse espaço físico,contudo, não era ainda aquele que se ajus-taria à escola moderna, principalmentequando se intensificou o seu processo deuniversalização, a partir de meados dosanos 1970: dada a imperiosa determinaçãode propiciar o acesso de todos à escola es-tatal, impõe-se um estilo arquitetônico pa-dronizado, passível de aliar grandes dimen-sões aos imperativos de edificações simpli-ficadas em termos de processo construtivo,“[...] uma tendência para a produção emsérie e sofisticação tecnológica (IDEM).”

Conclusão

Pelo exposto, pôde-se perceber emque sentido os grupos escolares, na regiãosul de Mato Grosso, representaram, para aescola estatal, a materialização da forma/conteúdos mais acabados, em termos deorganização do trabalho didático, da cha-mada escola moderna. Em outras palavras,da instituição que, na sociedade capitalista,seria responsável pela difusão da educaçãopara todos, principalmente crianças ejovens.

Assim, foi nesse momento histórico,com a implantação da escola graduada: 1.que se fincou de forma gradativa na região,em termos de ensino estatal, a organizaçãodo trabalho didático que tornou específicaa relação educativa na escola moderna,com a objetivação e a divisão do trabalhodidático, que esteve também na base do

processo de organização dos gruposescolares; 2. que se implantou, no ensinoestatal mato-grossense o que, desde o fi-nal do século XIX e início do século XX jávinha acontecendo, por exemplo, nas mai-ores instituições salesianas de ensino do sulde Mato Grosso, situadas em Corumbá(Colégio Santa Teresa, implantado em 1899e Colégio Maria Auxiliadora, criado em1904), ou seja, o ensino graduado.

Notas1 Esta região conformará, a partir de 1979, o atualestado de Mato Grosso do Sul.2 O Grupo Escolar Joaquim Murtinho, situado emCampo Grande, foi objeto de pesquisa em traba-lhos apresentados por Oliveira (2006) e Oliveira &Gonçalves (2007), utilizados neste artigo.3 Trata-se de pesquisa documental realizada no acer-vo do extinto Grupo Escolar Luis de Albuquerque,de Corumbá, entre os anos de 2004 a 2006, peloentão bolsista de iniciação científica Divino Marcosde Sena (2006).4 “Depois de instalado, o Grupo Escolar, por meio doDecreto Presidencial n. 669, de 5 de junho de 1924,passou a denominar-se Luis de Albuquerque, umamenção ao fundador da cidade de Corumbá” (SENA,2006, p. 23).5 O nome da escola foi alterado para JoaquimMurtinho (1848-1911), numa homenagem a essemato-grossense nascido em Cuiabá que foi médico,professor, senador e Ministro da Viação e Fazendana gestão presidencial de Campos Sales (MENDONÇA,1971), pelo mesmo Decreto n. 669, de 5 de junho de1924 (MATO GROSSO, 1978 apud OLIVEIRA, 2006).6 “Mesmo sendo discutível essa denominaçãoconferida por Marx e Engels (1986) em especialporque, depois de utilizá-la, a suprimiram quandoda revisão do texto de A ideologia alemã, ainda épreferível em face de outras expressões alternativascomo marxismo ou materialismo histórico. Marxis-mo insinua as idéias de adesão incondicional auma escola e fidelidade absoluta aos textos de Marx,enquanto materialismo histórico surgiu já no bojo

Page 167: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 157-169, jan./jun. 2008. 167

do processo de emergência do materialismo vulgar e como sua expressão mais acabada. Só paraproblematizar a dificuldade que cerca o empregodessa expressão, afirme-se que Marx jamais a utili-zou em seus escritos. Ciência da história, por seuturno, implica a radical revelação da historicidadedas obras humanas, inclusive da própria concepçãoque a preside, bem como da forma de produzir co-nhecimento que lhe é pertinente.” (ALVES, 2005, p. 3.Os grifos são ao autor.).7 De acordo com Saviani (1985, p. 9-11; 47-49) apedagogia tradicional, constituída historicamenteapós a Revolução Industrial, implicava uma deter-minada forma de organização da escola centradana figura do professor, o qual teria o papel de trans-mitir, “(...) segundo uma gradação lógica, o acervocultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhe-cimentos que lhe são transmitidos.” Na prática es-colar, a memorização era utilizada como uma dasformas de assimilação do conhecimento. Esta foi amais difundida teoria pedagógica que fundamentoua escola brasileira, até os anos 1930, e mesmo de-pois, apesar da grande difusão do escolanovismo.8 Entre os recursos utilizados para reforçar amemorização dos pontos pelo aluno ainda estava apalmatória, que também fazia parte da rotina, se-gundo afirma Magali Baruki, aluna da escola nesseperíodo, apesar dos castigos físicos terem sido proi-bidos na educação pública mato-grossense, desde

o Regulamento da Instrução Pública de 1896(JACOMELI, 1998, p. 134): “A escola fazia parte dosistema autoritário de então. Eu me lembro da pal-matória que ficava pendurada perto da lousa, paraser usada nas competições entre meninos e meni-nas.” (ROSA, 1990, p.112)9 O método intuitivo vinha sendo difundido em MatoGrosso, desde o final do século XIX, constituindo-seinclusive orientação oficial de diversos regulamen-tos que nortearam a instrução pública na Região.Baseava-se no entendimento de que as lições decousas deveriam sobrepor-se sobre o verbalismo,devendo o professor ater-se mais ao caráter prático,concreto da aprendizagem, e menos ao seu aspectointelectual. Cf. Jacomeli, 1998, p. 88 et. seq.10 Deve-se recordar que não se colocava ainda,nesses anos, a questão do fornecimento de materialdidático para o aluno via Estado, que hoje aparececomo atividade indutora importante para a manu-tenção das atividades produtivas de uma dada par-cela do mercado, a indústria gráfica. A esse respeitocf. ARRUDA & SILVEIRA, 2003.11 Segundo Souza (1998, p. 124 apud Sena, 2006, p.26), “aliás, essa era a característica que estava ocor-rendo em todo o Brasil, onde a construção dos gruposescolares se dava próximo à câmara municipal, igre-jas, praças (muita das quais com denominação dePraça da República), cadeia e palacetes, destacandocomo um dos mais bonitos prédios públicos”.

Referências

ALVES, Gilberto Luiz. A produção da escola pública contemporânea. Campinas: Autores Associa-dos; Campo Grande: UFMS, 2001.

______. Mato Grosso e a História: 1870-1929 – ensaio sobre a transição do domínio da casacomercial para a hegemonia do capital financeiro. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo,n. 61, p. 5-81, 2.sem.1984.

______. O trabalho didático na escola moderna: formas históricas. Campinas: Autores Associa-dos, 2005.

ALVES, Laci Maria Araújo. O processo de expansão escolar em Mato Grosso (1910-1946): umaabordagem histórica. 1994. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFMT, Cuiabá, 1994.

Page 168: Memórias - Maria Teresa Cunha

168 Silvia Helena Andrade de BRITO. O trabalho didático nos grupos escolares...

AMÂNCIO, Lázara N. B. Ensino de leitura na escola primária de Mato Grosso: contribuição parao estudo de aspectos de um discurso institucional do século XX. 2000. Tese (Doutorado emEducação) – Unesp/Marília, 2000.

ARRUDA, Élcia Esnarriaga; SILVEIRA, Giovani Silveira da. O impacto da expansão escolar nomercado de material didático-pedagógico. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUI-SAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL, 6. 2003, Campinas. Anais... Campinas:Unicamp, 2003.

BRITO, Silvia Helena Andrade de. Educação e sociedade na fronteira Oeste do Brasil: Corumbá(1930-1954). 2001. Tese (Doutorado em Educação) – Unicamp, Campinas, 2001.

BRITO, Silvia Helena Andrade de; SENA, Divino Marcos de. Rituais escolares e civismo no GrupoEscolar Luis de Albuquerque, Corumbá/MT (1930-1970). In: ENCONTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DO CENTRO-OESTE, 8. 2006. Anais... Cuiabá: UFMT, 2006. p. 1-15.

COELHO, Walmir. Incidências educacionais no desenvolvimento histórico de Corumbá nosúltimos 200 anos. Corumbá: 1978.

CORDEIRO, Caio Nogueira H. Arquitetura escolar de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: pri-meiras aproximações. Intermeio, Campo Grande, v. 1, n. 1, p. 16-24, 1. sem. 1995.

ENTREVISTAS A; B; D (depoimentos orais). Entrevistador: Divino Marcos de Sena. Corumbá:UFMS, 2005. 8 fitas cassetes (480 minutos).

JACOMELI, Mara Regina Martins. A instrução pública primária em Mato Grosso na PrimeiraRepública: 1891-1927. 1998. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual deCampinas, Campinas, 1998.

LANCILLOTTI, Samira Saad Pulchério. A constituição histórica do processo de trabalho docente.2008. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008.

MATO GROSSO. Governo do Estado. Secretaria de Educação e Cultura. Departamento de Edu-cação. Projeto Levantamento e Arrolamento de Fontes. Catálogo n. 1, Grupo Escolar e EscolaNormal Joaquim Murtinho. Cuiabá: 1978.

______. Governo do Estado. Relatório apresentado ao Secretário Geral do Estado, pelo professorFranklin Cassiano da Silva, Diretor Geral da Instrução Pública, em 29 de agosto de 1931.Cuiabá: 1931.

______. Grupo Escolar Luis de Albuquerque. Livro de Registro de Cópias de ofícios e ofícioscirculares, expedidos pelos diretores do GELA: período: 27/2/1924 a 07/5/1932. Corumbá: 1932.

MENDONÇA, Rubens de. Dicionário biográfico mato-grossense. 2.ed. Cuiabá: 1971.

OLIVEIRA, Tito Carlos Machado de. Uma fronteira para o pôr-do-sol: um estudo geo-econômicosobre uma região de fronteira. Campo Grande: UFMS, 1998.

OLIVEIRA, Regina Teresa Cestari de. Os grupos escolares no sul do estado de Mato Grossocomo parte da política educacional (1910-1950). In: SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS EPESQUISAS, 7., 2006, Campinas, SP. Anais... Campinas: HISTEDBR; Unicamp, 2006. p. 1-25.

Page 169: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 157-169, jan./jun. 2008. 169

OLIVEIRA, Regina Teresa Cestari de; GONÇALVES, Arlene da Silva. A educação primária no suldo estado de Mato Grosso: organização e expansão dos grupos escolares em Campo Grande– 1910-1950. In: JORNADA DO HISTEDBR, 7., 2007, Campo Grande, MS. Anais... Campo Grande:HISTEDBR, 2007. p. 1-20.

POUBEL E SILVA, Elisabeth. O florescer de uma cultura escolar no ensino mato-grossense. In:VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Grupos escolares: cultura escolar primária e escolarização dainfância no Brasil (1893-1971). Campinas: Mercado das Letras, 2006. p. 215-32.

ROSA, Maria da Glória. Memória da cultura e da educação em Mato Grosso do Sul. CampoGrande: UFMS, 1990.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 6.ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1985.

SAVIANI, Dermeval et al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: AutoresAssociados, 2004.

SENA, Divino Marcos de. A organização do trabalho didático-pedagógico no Grupo EscolarLuis de Albuquerque (1950-1970). Corumbá: 2006. Relatório de Iniciação Científica/PIBIC/UFMS-CNPq.

SOUZA, Rosa Fátima de. Lições da escola primária. In: SAVIANI, Dermeval et al. O legadoeducacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 109-61.

______. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no estado de SãoPaulo (1890-1910). São Paulo: Unesp, 1998.

Recebido em 30 de abril de 2008.Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 170: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 171: Memórias - Maria Teresa Cunha

Iniciativas de modernização escolar em MatoGrosso: grupos escolares e formação docente - osul do estado (1910-1950)1

School modernization initiatives in Mato Grosso:school groups and teacher training – the south of thestate (1910-1950)Regina Tereza Cestari de Oliveira*Arlene da Silva Gonçalves**

* Doutora em Educação pela UNICAMP. Professora do Pro-grama de Pós-Graduação – Mestrado em Educação/UCDB.e-mail: [email protected]

** Mestranda do Programa de Pós-Graduação – Mestradoem Educação/UCDB.e-mail: [email protected]

ResumoO objetivo deste artigo é analisar as iniciativas de modernização escolar pública em Mato Grosso, com acriação de grupos escolares, e, em decorrência, as ações voltadas à formação docente, destacando a organi-zação desses grupos no sul do Estado de Mato Grosso – atual Estado de Mato Grosso do Sul (MS), de modoespecífico, no município de Campo Grande – atual capital do estado de MS –, nas primeiras décadas doséculo XX. A investigação baseou-se em fontes primárias constituídas por leis, decretos, regulamentos, men-sagens presidenciais, relatórios, além de jornais da época. O novo modelo de escola fez parte da políticaeducacional empreendida pelos governos do período, estreitamente associada aos ideais republicanos.Palavras-chaveOrganização escolar pública. Grupos escolares. Formação docente.

AbstractThe aim of this article is to analyze the government school modernization initiatives in Mato Grosso, with theformation of school groups, and, due to this, actions directed towards teacher training, giving emphasis to theorganization of these groups in the south of the State of Mato Grosso – the present State of Mato Grosso do Sul(MS) and specifically in the municipality of Campo Grande – the present capital of the State of MS – in the firstdecades of the 20th. century. The investigation is based on primary sources made up of laws, decrees, regulations,presidential messages, reports, as well as newspapers of that time. The new school model was part of theeducational policy put into practice by the governments of the period, strictly associated to republican ideals.Key wordsOrganização escolar pública. Grupos escolares. Formação docente.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008.

Page 172: Memórias - Maria Teresa Cunha

172 Regina T. C. de OLIVEIRA; Arlene da S. GONÇALVES. Iniciativas de modernização...

Introdução

Este artigo tem como foco a educa-ção primária em Mato Grosso, a partir dacriação de grupos escolares, e, em decor-rência, a formação docente, no âmbito dapolítica educacional, destacando o sul doestado (atual estado de Mato Grosso doSul)2 , de modo especial, o município doCampo Grande3, no período de 1910 a1950. Para isso, considera-se necessário,inicialmente, configurar o movimento repu-blicano e nele situar o papel da educação.

A proclamação da República noBrasil, em substituição ao regime Imperial,aprofundou os conceitos de modernidadee progresso do país e atribuiu à educaçãoda população um lugar de destaque, namedida em que era condição necessáriapara o novo modelo de sociedade que sealmejava construir.

As primeiras décadas do século XXforam marcadas, no campo econômico esocial, pela ideologia liberal fundamentadanos princípios da individualidade, da liber-dade, da propriedade, da igualdade e dademocracia. Assim, a noção de que o res-peito a desigualdades “naturais”, se con-substanciava numa sociedade hierarquiza-da, porém justa e para tanto “aberta”, “[...]desembocou na defesa da ‘Escola Pública,Universal e Gratuita’, como condição indis-pensável para garantia da igualdade de di-reitos e oportunidades que justificava, emúltima instância, a desigualdade social‘justa’ porque ‘natural” (XAVIER, 1990, p. 60-61).

As dificuldades econômico-financei-ras estavam associadas à falta de patrio-

tismo de um lado, e de cultura ‘prática’ oude formação técnica, de outro. Assim sen-do, a escolarização era consideradainsubstituível como formadora do espíritonacional, isto é, do caráter e do civismo docidadão brasileiro, bem como inigualávelmatriz que transformava simples indivídu-os em força produtiva. Nessa perspectiva,a luta pela reconstrução nacional assenta-va-se na seguinte constatação: a miserávelsituação do ensino no país, sendo a suadifusão a mais importante obra nacional,uma vez que se constituía o grande pro-blema nacional (NAGLE, 2001, p. 146).

Em outros termos, “[...] diante das mo-dificações setoriais, da efervescência ideo-lógica e dos movimentos político-sociais, aescolarização foi percebida como um instru-mento de correção do processo evolutivo ecomo uma força propulsora do progressoda sociedade” (NAGLE, 2001 p. 165).

O movimento de transformação dasociedade provocou mudanças na próprianatureza da escola primária. O estado deSão Paulo, que detinha a hegemonia eco-nômica pelo fato de ser o principal produ-tor e exportador de café, assim como ahegemonia política, por ter o controle doaparelho do Estado, foi o pioneiro no pro-cesso de implantação e organização da ins-trução pública que se empreendeu por meiode uma reforma ampla da instrução her-dada do período imperial.

A reforma da instrução públicapaulista, portanto, implementada entre1890 e 1896, foi pioneira na organizaçãodo ensino primário na forma de gruposescolares criados pela Lei n. 169, de 7 deagosto 1893 e Decreto n. 248, de 26 de

Page 173: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008. 173

julho de 1894 (SOUZA,1998, p. 45).Esses estabelecimentos de ensino foramcriados para reunir em um só prédio dequatro a dez escolas, compreendidas noraio da obrigatoriedade escolar (2 km parao sexo masculino e 1 km para o feminino,distantes da escola). Essa reunião de es-colas era feita a critério do Conselho Supe-rior. Em cada Grupo Escolar existia umdiretor e tantos professores quantas fossemas escolas (classes, como mais tarde serãochamadas) reunidas. Além desses funcio-nários existiam também os adjuntos, pro-fessores auxiliares, em número variávelde acordo com as necessidades, a critériodo diretor do Grupo Escolar (REIS FILHO,1981, p. 119).

O modelo escolar paulista dissemi-nou-se para os demais estados da federa-ção e, conforme Souza (2004, p.118-119),não se deve somente à hegemonia políti-ca e econômica de São Paulo, mas, princi-palmente, “a visibilidade e força exemplardos novos métodos de ensino e instituiçõesde educação pública, sintonizada com asinovações educacionais empreendidas nospaíses europeus e nos Estados Unidos, es-treitamente associados aos ideais de mo-dernização da sociedade brasileira”.

Assim, a reforma que instaurou umnovo modelo de organização escolar e seestendeu para outros estados da federação,no decorrer das duas primeiras décadas doséculo XX, entre 1900 e 1920 (VIDAL, 2006,p. 7), marcou “[...] a organização pedagógicada escola elementar que se encontra emvigência, atualmente, nas quatro primeirasséries do nosso ensino fundamental. Comcerteza é esse o principal legado educacio-nal que a fase inicial do ‘longo século XX’nos deixou” (SAVIANI, 2004, p. 29).

A Organização da InstruçãoPública em Mato Grosso: ainstitucionalização dos gruposescolares

No caso do estado de Mato Grosso,os governantes buscaram inserir-se no pro-jeto nacional desencadeando a moderni-zação das cidades, sua urbanização, a im-plantação de serviços de encanamento deágua, melhoria da iluminação, construçãode estradas, ferrovias, pontes, entre outros,com a intenção de propiciar o desenvolvi-mento do Estado.

Pedro Celestino Corrêa da Costa, pre-sidente do estado (12/10/1908 a 15/8/1911) apresentou um programa governa-mental com o objetivo de industrializar oestado, oferecendo a infra-estrutura neces-sária. No entanto, vinculou o alcance desseobjetivo à necessidade de reformar o siste-ma escolar, investindo na reorganização dainstrução primária e na formação de pro-fessores. Em mensagem à AssembléiaLegislativa, ao instalar-se a 2ª sessão, em13 de maio de 1910, o referido presidentereferiu-se à reforma da instrução primária,destacando a falta de professores nas dife-rentes localidades do estado e a importân-cia de sua formação:

Nenhuma reforma efficaz é possível nainstrucção primaria sem a convenientehabilitação das escolas dessa categoria, esem o mais que se reger para a proficui-dade dellas. Está o governo apparelhadopara melhorar a parte material da ins-trucção, proporcionando-lhe todos os re-cursos necessários, mas faltam-lhe bonsprofessores para todas as localidades, comoé para desejar, e isso só se conseguirácom o tempo, preparando moços para o

Page 174: Memórias - Maria Teresa Cunha

174 Regina T. C. de OLIVEIRA; Arlene da S. GONÇALVES. Iniciativas de modernização...

magistério publico que deve tornar-seattrahente e de real proveito para a socie-dade. (MATO GROSSO, Mensagem..., 1910b)

Desse modo, autorizou a reorganiza-ção da Instrução Pública de Mato Grossopor meio da Lei n. 533, de 4 de julho de1910, com as seguintes especificações:

a. Desmembrar a Diretoria Geral do LiceuCuiabano que passará a ter sua própriadiretoria;

b. Criar na capital um curso normal misto,tendo dependentes duas escolas primá-rias e um jardim de infância;

c. Sujeitar os institutos particulares de en-sino a Diretoria da Instrução Pública,quanto a ‘estatística, higiene e moral’;

d. Promover acordo com os governos mu-nicipais, para fins de propaganda e fis-calização da instrução primária;

e. Extinguir o curso complementar pri-mário;

f. Restabelecer as gratificações adicionaisde antiguidade, aos professores que ti-vessem mais de dez anos de efetivo ser-viço no magistério, até o máximo de50% dos respectivos vencimentos;

g. Dar nova organização ao Conselho Su-perior de Instrução Pública. (Apud LEI-TE, 1971, p. 116).

No entanto, foi o Regulamento paraa Instrução Primária de Mato Grosso, expe-dido por meio do Decreto n. 265 de 22 deoutubro do mesmo ano, a ser observado apartir de 1911, que estabeleceu: o ensinoprimário deveria ser leigo, gratuito, ministra-do à custa dos cofres estaduais, a todos osindivíduos, de ambos os sexos, sem distin-ção de classes nem de origem (Art. 1º); asescolas primárias seriam criadas em todasas cidades, vilas e povoados do Estado que

tivessem 25 meninos nas condições parafreqüentar a escola; a obrigatoriedade doensino para crianças de sete aos 10 anosde idade (Art. 5º); a obrigação da escolaprimária restringir-se-ia aos meninos resi-dentes no circulo traçado pelo raio de umquilometro médio da sede da escola (Art.9º); as escolas se dividiriam em escolas dosexo masculino, regidas de preferência porprofessores e escolas do sexo feminino,regidas por professoras; podendo tambémhaver nas pequenas freguesias e povoa-ções, escolas mistas regidas, de preferência,por professoras (Art. 10º) e nenhuma escolaprimária poderia ter mais de setenta alunosmatriculados (Art. 16º) (MATO GROSSO,1910a).

Além disso, essas escolas se dividi-riam em dois graus e nelas deveriam serministradas as seguintes disciplinas:

• Escola do 1º grau: leitura, escrita, cál-culo aritmético sobre números inteirose frações, língua materna, geografia doBrasil, deveres cívicos e morais e traba-lhos manuais apropriados a idade e aosexo dos alunos;

• Escola do 2º grau: as mesmas do 1º emais, gramática elementar da línguaportuguesa, leitura de prosa e verso, es-crita sob ditado, caligrafia, aritmética, atéregra de três, inclusive sistema legal depesos e medidas, morfologia geométri-ca, desenho a mão livre, moral práticae educação cívica, geografia geral e his-tória do Brasil, cosmografia, noções deciências físicas, químicas naturais e lei-tura de música e canto (Art. 4º)

O ensino nas escolas primárias de-veria ser prático e intuitivo, devendo o pro-fessor partir nas suas lições do conhecidopara o desconhecido e do concreto para o

Page 175: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008. 175

abstrato, evitando perturbar a inteligênciada criança com o estudo de regras e defini-ções e esforçando-se para que os seus alu-nos, sem se fatigarem tivessem interessepelos assuntos tratados (Art. 12º), sendoabsolutamente proibido o castigo corporal,ou qualquer outro que pudesse abater obrio à criança (Art. 29º).

Com a adoção do método intuitivo,segundo Valdemarin (1998, p. 80),

[...] pretende-se educar a criança a partirde novos padrões intelectuais, que têmsua origem numa nova concepção sobreo conhecimento, que postula a origemdas idéias nos sentidos humanos e que,aplicada ao ensino, pretende formar indi-víduos que usem menos a memória emais a razão e que valorizem a observaçãoe o julgamento próprios como meios deconstrução do conhecimento e da imple-mentação das atividades práticas.

Não poderiam, também, ser admiti-dos nas escolas públicas do Estado outroslivros e compêndios que não fossem osaprovados e mandados adaptar pelo Con-selho Superior da Instrução Pública (Art.29º) e, quanto ao mobiliário, em cada umadas escolas primárias, além da mobília pró-pria fornecida pelo Estado, haveria tambémum relógio de parede, um armário envidra-çado, uma coleção de cartas geográficas,modelos de escrita, cabides para chapéu,talha e copos para água e finalmente quais-quer outros objetos indispensáveis paraserviço interno da escola, conforme Art. 212º(MATO GROSSO, 1910a).

A principal inovação da Reforma foia criação do grupo escolar que teve comocaracterística fundamental o fato de reunirem um só local várias escolas avulsas ou

isoladas. Segundo o Regulamento de 1910,o grupo escolar deveria reunir em um sóprédio seis escolas, no perímetro fixado paraobrigatoriedade de ensino (de dois quilô-metros quadrados, distantes da escola) teroito classes, quatro para meninos e quatropara meninas, sendo que cada classe deve-ria ter entre 16 e 45 alunos (MATO GROSSO,1910a). Porém, no mesmo ano, a Lei n. 580alterou a redação quanto à exigência donúmero de escolas, passando a ser de nomínimo três e no máximo seis escolas.

O ensino nos grupos escolares teriaa duração de quatro anos e o aluno deveria,obrigatoriamente, ter idade de sete anos eprovar, com atestado médico, que era vaci-nado e não sofria de nenhuma moléstiacontagiosa (Art. 15º). Os professores deve-riam ministrar o ensino da música, do de-senho, dos trabalhos manuais e da ginástica(art. 46º).

Os professores deveriam, ainda, sernomeados de acordo com as normas regu-lamentares que estabeleciam, por sua vez,o concurso realizado perante a DiretoriaGeral da Instrução. Somente quando nãose inscrevessem alunos-mestres habilitadospela Escola Normal, se admitiria outros can-didatos para o concurso (Art. 121º).

Cada grupo teria um diretor, um pro-fessor auxiliar para cada classe, um porteiroe dois serventes. (Art. 41º). Além disso, emsua organização com alunos em uma únicaclasse, sob a autoridade do professor, quesubstituiu as classes de alunos em diferentesníveis de aprendizagem, introduziu-se a fi-gura do diretor, considerado a peça fun-damental para o sucesso da nova Institui-ção e subordinado hierarquicamente aos

Page 176: Memórias - Maria Teresa Cunha

176 Regina T. C. de OLIVEIRA; Arlene da S. GONÇALVES. Iniciativas de modernização...

administradores da Instrução Pública(MATO GROSSO, 1910a).

O cargo de diretor de grupo escolarseria de comissão, nomeado pelo governodo estado na seguinte ordem (Art. 48º): emprimeiro lugar, um normalista; em segundo,um bacharel em ciências e letras; e, em ter-ceiro, qualquer cidadão de provada com-petência e aptidão (MATO GROSSO, 1910a).Com efeito,

O trabalho executado por ele compreen-dia, além da função de professor, tambéma burocrática, o que obrigava a apresentar,anualmente, um relatório no qual descre-via minuciosamente as condições da es-cola, as atividades desempenhadas pelosprofessores, a justificativa das ações imple-mentadas, além de denúncias, reclama-ções e reivindicações, que nem semprese davam em condições amigáveis [...]. (REISe SÀ, 2006, p. 58)

Embora cada grupo escolar funcio-nasse sob uma única direção, teria divisãocompleta de sexos (Art. 39). Assim, deveriamter oito classes, quatro para meninos e qua-tro para meninas, sendo em cada classeentre 16 e 45 alunos (MATO GROSSO,1910a).

O artigo acima evidencia que a Re-forma de 1910 atendeu o princípio da igual-dade da educação entre os sexos, ao esta-belecer o mesmo número de classes parameninos e meninas. No entanto, limitou aco-educação ao separar os dois sexos, im-pedindo a sua convivência. A esse respeito,Jacomeli (1998, p. 131-32) assinala que, noRegulamento de 1910, estavam presentesos princípios da escola pública, tais como agratuidade do ensino, a obrigatoriedade, aco-educação (com restrições) e a liberdade

de ensino, exceto a laicidade. Em sua análi-se, “[...] provavelmente, a Igreja tenha influen-ciado tal decisão, pois ficou clara a sua par-ticipação ativa na política mato-grossense”.Enfatiza, também, “que apesar do ideáriorepublicano postular a laicidade na instru-ção pública, o Estado brasileiro incorporouuma atitude de conciliação, no decorrer dosanos, entre a ideologia liberal e a católica”.

Para iniciar a prática das modernasidéias contidas no novo Regulamento, a pri-meira providência adotada foi à contrata-ção de professores normalistas, na qualida-de de técnicos. Nas palavras do presidentedo estado:

Convencido da necessidade urgente quehá de cuidarmos do futuro da instrucçãopopular (...) e convencido também que oprimeiro passo a dar para esse fim é aformação de bons professores, mandeicontractar dois normalistas em São Paulo,com o fim de crear aqui uma Escola Nor-mal de que havemos mister para a reali-zação desse importante objectivo: espe-rando que me habilitareis para leval-o aeffeito nas condições desejáveis. (MATOGROSSO, Mensagem..., 1910b)

Dessa forma, chegaram ao estado,em outubro de 1910, os professoresLeowigildo Martins de Mello e GustavoKuhlmann e assumiram imediatamente aReforma Educacional do Ensino Primário,começando com a criação da Escola Normale de dois grupos escolares na capital, sen-do nomeado diretor da Escola Normal eModelo anexa o Professor LeowigildoMartins de Mello (REIS e SÀ, 2006, p. 43).Na definição do referido professor:

O Grupo Escolar é um curso primário, se-riado em quatro classes distintas paraambos os sexos. Por essas classes, primeira,

Page 177: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008. 177

segunda, terceira e quarta distribuem-segradativamente, os conhecimentos queconstituem a instrução primária, propria-mente dita. As matérias ensinadas da pri-meira à quarta classe obedecem a umplano uniforme, de tal natureza que oeducando, ao iniciar seu curso na primei-ra classe, recebe conhecimentos dosadospedagógicamente, de todas as disciplinasconsagradas no programa geral do GrupoEscolar. O Grupo Escolar apresenta umauniformidade perfeita em suas aulas eimpossibilita completamente o desenvol-vimento maior de uns em prejuízo deoutros conhecimentos. (MATO GROSSO,Mensagem..., 1911, p. 9-10)

A instalação de grupos escolares foipermitida nas cidades mais prósperas doestado em 1910, Grupo Escolar do PrimeiroDistrito de Cuiabá e Grupo Escolar do Se-gundo Distrito também em Cuiabá. Em1912, Grupo Escolar de Cáceres, de Poconée de Rosário Oeste e D. Pedro II em Cuiabá.De modo específico, no sul do estado, Gru-po Escolar de Corumbá e Grupo Escolar deCampo Grande, ambos em 1912. Além dosgrupos escolares de Aquidauana, TrêsLagoas e de Ponta Porã (MATO GROSSO,1978).

Em decorrência, o funcionamento doprimeiro grupo escolar no estado foi autoriza-do pelo Decreto n. 258, de 20 de agosto de1910, inaugurado em 23 de setembro de1910 em Cuiabá, e conferiu a este tipo deestabelecimento, em caráter provisório, o re-gulamento e o programa adotados no es-tado de São Paulo (MARCILIO, 1963, p. 133).

No governo do presidente MárioCorrêa da Costa (1926-1930), um novoRegulamento da Instrução Pública foi expe-dido por meio do Decreto n. 757, de 22 de

abril de 1927 classificando as escolas daseguinte forma: escolas isoladas rurais, loca-lizadas a mais de 3 km da sede do municí-pio; escolas isoladas urbanas, localizadasaté 3 km da sede do município; escolas iso-ladas noturnas, destinadas aos meninosmaiores de 12 anos que não pudessem fre-qüentar cursos diurnos; escolas reunidas,funcionando num raio de 2 Km, três oumais escolas isoladas, com uma freqüênciatotal de 80 alunos, reunidas num só estabe-lecimento com o máximo de sete classes eo mínimo de três (MATO GROSSO, 1927a).

Além disso, segundo o Regulamentode 1927, o ano letivo começava em primeirode março e terminava em 30 de novembro(Art. 81) com um intervalo de vinte dias queseria determinado a juízo do governo (Art.82). As aulas aconteceriam com duraçãode quatro horas e meia diárias, nos estabe-lecimentos que funcionassem em um únicoturno, com interrupção de 40 minutos parao recreio dos alunos ao ar livre. Para aquelesque funcionassem em dois turnos, haveriauma interrupção de apenas 30 minutospara recreio (Art. 83), também, ao ar livre,enquanto os prédios deveriam atender, tan-to quanto possível, as condições de: capa-cidade; situação em relação ao solo e à vi-zinhança: ventilação; iluminação; instala-ções sanitárias (Art. 86).

Quanto aos grupos escolares, aexigência passou a ser de que fossem cria-dos com pelo menos 250 crianças em ida-de escolar, num raio de dois quilômetros, ecom, pelo menos, oito classes (Art. 34) eestabeleceu o funcionamento anexo a cadaEscola Normal, de um grupo escolar mo-delo destinado à observação e prática

Page 178: Memórias - Maria Teresa Cunha

178 Regina T. C. de OLIVEIRA; Arlene da S. GONÇALVES. Iniciativas de modernização...

pedagógica dos normalistas e ao ensaio edivulgação dos novos métodos de ensino(Art. 35).

No seu trabalho educativo, portanto,os professores deveriam observar as se-guintes normas:

• passarão sempre, no ensino de qual-quer disciplina, do concreto para o abs-trato, do simples para o composto e ocomplexo, do imediato para o mediato,do conhecido para o desconhecido;

• farão o mais largo emprego da intuição;• conduzirão a classe às regras e às leis

pelo caminho da indução;• conservarão de vista a finalidade educa-

tiva e procurarão o melhor caminhopara alcançá-la;

• empregarão, no ensino da leitura, ométodo analítico;

• estudarão os seus alunos para os con-duzir de acordo com a capacidade decada um;

• promoverão pela instrução, o desenvol-vimento harmonioso de todas as facul-dades infantis;

• transformarão os seus alunos em cola-boradores;

• tornarão as suas lições interessantes;• educarão pela palavra e pelo exemplo;• evitarão a rotina e acompanharão de

parte as lições, a experiência didática eda ciência pedagógica ( Art. 91).

Esse artigo evidencia que o métodode ensino intuitivo continuou sendo preco-nizado pela legislação, trazendo a necessi-dade de material didático, em função daconcepção de ensino-aprendizagem subja-cente a esse método.

Os materiais didáticos difundidos nesteperíodo compreendem caixas para ensinodas cores e das formas, gravuras, coleções,

objetos variados de madeira, aros, linhas,papéis, etc. em substituição ao velho livrode textos para serem memorizados. Mas achave para desencadear a pretendida reno-vação é a adoção de um novo método: con-creto, racional e ativo, denominado ensinopelo aspecto, lições de coisas ou ensinointuitivo ...]. (VALDEMARIN, 1998, p. 68)

No que se refere aos docentes, o re-ferido Regulamento definia, em seu Art. 58,que as classes de grupos escolares deve-riam ser preenchidas por professores quecontassem com: um ano de exercício efetivoem escola urbana; dois anos em escola ru-ral; e por professores normalistas com trêsanos de exercício interino (MATO GROSSO,1927a).

Ao iniciar a década de 1930, a men-sagem do Presidente do estado, Dr. AníbalToledo (22/1/1930 a 30/10/1930) assegu-rava que:

O ensino é um dos serviços públicos maisefficientes no nosso Estado. Iniciada em1910 a adopção dos methodos pedagógi-cos modernos com a introducção de pro-fessores paulistas, a semente se desen-volveu nesta capital, como em terreno fér-til, e propagou pelas cidades principaesem grupos escolares que vão apresen-tando resultados compensadores do es-forço e dos encargos que impõem aoThesouro […].

O ensino primário é ministrado em Matto-Grosso por grupos escolares, escolas reu-nidas e escolas isoladas, divididas estasem urbanas, rurares e ambulantes.

Grupos escolares temos 11, sendo 2 nacapital e 1 em cada um dos seguintesmunicipios: Rosário Oeste, Poconé, Cáceres,Corumbá, Aquidauana, Miranda, CampoGrande, Três Lagoas e Ponta-Porã, nosquaes se matricularam o anno passado

Page 179: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008. 179

3.391 alumnos. Os mais freqüentados fo-ram os de Cuyabá, Campo Grande eCorumbá, com 1.423, 480 e 304 alunoscada um respectivamente, e o de menosnúmero de matrículas foi o de São Luizde Cáceres com 143 apenas.

Os de Cuyabá, Corumbá, Ponta Porá eCampo Grande estão installados em pré-dios especialmente construídos. Para o deAquidauana, o meu antecessor deixoucontractada a construcção do edificio res-pectivo. E os demais estão em prédios alu-gados. (MATO GROSSO, 1930)

Como se verifica, os grupos escolares,construídos a partir da Reforma de 1910foram instalados, até 1927, somente nasprincipais cidades do estado, em função deseu número de habitantes e maior desenvol-vimento econômico. Na análise de Jacomeli(1998, p. 143-4):

[...] numa região como a mato-grossense,com uma população em 1927 de 296.968pessoas, onde existiam grandes latifúndiosnas mãos de poucas pessoas, onde o poderpolítico, também concentrado nas mãosde poucos, era representado por fraçõesde classes ligadas ao comércio, às usinasde açúcar ou aos latifúndios (criação degado; extração de erva-mate), uma pressãopopular por escolas era praticamente in-significante. A maioria dos trabalhadores,esparramada pelo vasto território mato-grossense, desenvolvia seu trabalho nasfazendas. A parcela de trabalhadores urba-nos era relativamente pequena em rela-ção aos trabalhadores rurais. Dessa forma,foram criados grupos escolares justamentenas cidades mais desenvolvidas economi-camente e, também, naquelas que ser-viam como reduto eleitoreiro, por inge-rência de algum ‘coronel”, marca doclientelismo político no Estado.

Ao assumir o governo do estado deMato Grosso, na função de interventor4 ,

Julio Strubing Muller (1937-1945), iniciouum novo período no ensino mato-grossen-se. Criou, pelo Decreto n. 53, de 18 de abrilde 1941, cem escolas de instrução primária.“Ficariam essas escolas, mais tarde, conhe-cidas pelo nome de ‘As Presidentes Vargas’,em virtude das determinações do art.2ºdaquele decreto, que mandava se desse auma das que fossem distribuídas em cadamunicípio, a denominação de ‘PresidenteVargas’. Delas, receberam esse nome, deze-nove estabelecimentos” (MARCILIO, 1963,163).

No entanto, o relatório do Interventorfederal encaminhado à Assembléia Legisla-tiva refere-se à tentativa de substituição deprofessores leigos por professoresnormalistas para assumir a função, ou seja,professores formados pela Escola Normale, por isso, considerados aptos, para o exer-cício do magistério5.

Tem-se procurado substituir os professo-res leigos por normalistas, e êsse objetivose vai conseguindo, plenamente, exceçãofeita de algumas escolas rurais, cujo afas-tamento dos centros de população, tornadifícil o seu preenchimento por norma-listas, o que, não obstante, se fará poucoa pouco, aproveitando-se para tanto, cadaoportunidade que se oferecer. (MATOGROSSO, Relatório..., 1939-1940, p. 14).

A formação de professores continuouobjeto de preocupação do Executivo e, em1950, a mensagem do governador Dr.Arnaldo Estevão de Figueiredo à Assem-bléia Legislativa assinalava que houve [...]“um crescimento no corpo docente primárioproporcional à criação de escolas”. Assim,em 1º de janeiro de 1947, havia 479 pro-fessores estaduais e, em 1º de janeiro do

Page 180: Memórias - Maria Teresa Cunha

180 Regina T. C. de OLIVEIRA; Arlene da S. GONÇALVES. Iniciativas de modernização...

corrente ano, esse número era de 1.136(MATO GROSSO, Mensagem..., 1950).

Na gestão seguinte, o governadorFernando Corrêa da Costa (1951 a 1956),em mensagem à Assembléia Legislativa,em 1952, destaca a importância do profes-sor, cuja tarefa era preparar os cidadãos re-publicanos.

(...) à escola cabe a função de instruir e deeducar, isto é, preparar na infância homensaptos para a vida, então, o seu problemaculminante que é o do professor a quemcabe a execução dessa magna tarefa.

Porque ensinar, mesmo que sejam noçõesapenas dos programas de ensino implicater conhecimentos que não se cifram só-mente à leitura, à escrita e à contabilidade,mas de higiene, saúde, domínio da terrae dos assuntos sociais mais de interesseda coletividade em que atua o professor,a quem também não se dispensa o sensopsicológico. Recrutar elementos portadoresdesses predicados, numa terra onde asaptidões são chamadas a atividades maisatraentes, quer sob o aspecto da labutaquer sob o prisma econômico, é o crucian-te trabalho que se depara à administração.(MATO GROSSO, Mensagem.., 1952, p.26).

Nesse sentido, apresentou como es-tratégia para introduzir os professores leigosaos conhecimentos pedagógicos, assimcomo atualizar os professores diplomados,o oferecimento de “cursos de férias”, na capi-tal (Cuiabá), assim como nos municípios deDourados e de Campo Grande, localizadosno sul do estado.

Somos forçados a reconhecer que o ensinoem Mato-Grosso está sofrendo uma peri-gosa involução, um resultante retrocesso.

É verdade que para as escolas das cida-des especialmente das que oferecemmelhores condições de conforto e de pro-

gresso, ainda se obtém professoras, o quenão se registra quando se trata do preen-chimento das unidades rurais.

Diante dessa contingência, as mais dasvezes vimos guindados à posição de profes-sores criaturas semi-alfabetizadas.

Para adestrar leigos nos conhecimentospedagógicos e atualizar os dos diplomados,foram instituídos cursos de férias, que seiniciaram em julho passado na capital,Campo Grande e Dourados e prossegui-ram nas férias de fim de ano. (MATOGROSSO, Mensagem..., 1952 p. 26)

Os Grupos Escolares em CampoGrande, no Sul do Estado de MatoGrosso

É preciso dizer, inicialmente, que aproximidade dos centros mais adiantadosdo país levou à expansão e a moderniza-ção, com rapidez, da cidade de CampoGrande, devido, principalmente, à amplia-ção da rede ferroviária, que aumentou ofluxo migratório de estrangeiros (árabes,japoneses, espanhóis, portugueses, italia-nos), além de fazendeiros nacionais, inte-lectuais e artistas diversos, vindos de SãoPaulo e de Minas, transformando-se nomaior centro comercial da região e promo-vendo, dessa forma, sua modernização eaumento populacional6. “A maioria era pro-veniente de Corumbá, cujo comércio come-çava a declinar com a perda dos aliadoscomerciais que se serviam da Cidade Bran-ca e passaram a abastecer-se em CampoGrande” (COSTA, 1999, p. 74).

Registra-se que, em 31 de agosto de1914, quando a cidade já contava comcerca de 1.800 habitantes, realizou-se o

Page 181: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008. 181

encontro dos trilhos da estrada de ferro que,dos respectivos pontos de início das cons-truções - Bauru, no Estado de São Paulo ePorto Esperança em Mato Grosso, projeta-ram-se até a junção, que se deu ao córregoTaveira, não distante de Campo Grande, eque, pelo ocorrido, passou a chamar-se ‘li-gação’ (BRASIL, 1958, p.117).

No final da década de 1920, os aresde modernidade estavam presentes e a ci-dade já ganhava projeção:

[...] a vocação urbana de Campo Grandejá estava delineada com 21.360 habitantes,o que revelava a acelerada dinâmica popu-lacional da cidade. Por essa mesma épocaela substituiu a luz dos ’30 lampeões offe-recidos pelo commércio’, que ficavam co-locados nas esquinas. Veio, então, a luzelétrica sendo a segunda localidade mato-grossense a dispor desse serviço [...] Osseus traços citadinos vão se mesclando ámatriz rural [...]

A luz elétrica e as locomotivas integram apaisagem cotidiana, mas isso não significao banimento das charretes, das carroçase dos animais de serviço. Quanto às ruassem calçamento, no inverno lançam a poei-ra vermelha, que fez Campo Grande sera Cidade Morena [...]

Sintonizada com o seu tempo, aberta àsnovidades, já em 1924, conta com a possi-bilidade de captar as ondas do rádio: é fun-dado o Rádio Clube, inicialmente voltadopara a reunião noturna, quando se ouviamemissoras de rádio nacionais e estrangeiras.Uma sensação! (BITTAR, 2004, p.10).

Nesse contexto, D. Francisco deAquino Correa, Bispo de Prusiade, Presidentedo estado de Mato Grosso, em 3 de no-vembro de 1921, sancionou a Resoluçãon. 846, criando três grupos escolares, no suldo estado, da seguinte forma:

Art. 1 – Em commemoração ao centená-rio da nossa Independência, ficam creadoscom a mesma organização dos actuaes,três grupos escolares com sede nas cida-des de Campo Grande, Três Lagoas eAquidauana.

Art. 2 – O Governo providenciará sobre asua installação provisória e os fará inau-gurar no começo do piodo letivo do annocentenário si as municipalidades daquellascidades contribuírem com os prédios ne-cessários ao bom funcionamento delles,enquanto não construídos os próprios.

Art. 3 – Ficam desde já abertos os créditosnecessários à aquisição do mobiliário esco-lar respectivo e à execução desta lei (MATOGROSSO, 1921).

Assim, o primeiro grupo escolar emCampo Grande7, foi instalado em 13 de ju-nho de 1922, apesar de ter sido autorizadopelo Executivo, pela Resolução n. 616, em17 de julho de 1912 e após ter sido autori-zado pela Resolução n. 866, de 3 de junhode 1922.

Obedecendo ainda ao programa do levan-tamento do nível da instrucção publica doestado foram inaugurados os grupos es-colares de Campo Grande e Três Lagoas,a 13 de junho passado, devendo ser ins-tallados neste anno mais os de Corumbá,Aquidauana e Miranda, tão logo se con-siga o apparelhamento necessário. Algu-mas outras cidades, como as de Ponta Poráe Bella Vista, reclamam também a adopçãodesses institutos de ensino, com os quaesopportunamente serão servidos. (MATOGROSSO, Mensagem..., 1923, p.35)

O Grupo Escolar de Campo Grandefuncionou, inicialmente, em uma casaalugada na avenida Afonso Pena, sendotransferido definitivamente para seu prédio,em 18 de julho de 1926, na mesma

Page 182: Memórias - Maria Teresa Cunha

182 Regina T. C. de OLIVEIRA; Arlene da S. GONÇALVES. Iniciativas de modernização...

avenida, na área central da cidade, dia emque foi solenemente inaugurado8. (REVIS-TA FOLHA DA SERRA, 1933). Foram seusprimeiros diretores os srs. Bartolomeu Lopesdos Santos, Evraldo Coelho, Estácio CorreaTrinidade e Alrio Reveilleau. Em 1930 assu-miu a direção do Grupo João Tessitore Jr.(JORNAL ENFOQUE, 1986).

Seu nome foi alterado para “JoaquimMurtinho”9 por meio do Decreto n. 669, de5 de junho de 1924 (MATO GROSSO, Men-sagem, 1925, p.25-26).

O Presidente do Estado de Matto-Grosso,considerando que os grupos escolares,quando algum titulo recebam, devem tiral-o dos annaes pátrios;Considerando que a denominaçãorecommendavel para taes estabelecimentosde educação e culto do civismo é a dosvarões notáveis, que se tenham impostoà veneração da posteridade, de preferên-cia a de personagens cuja benemerênciaainda esteja sujeito a revisão crítica doscontemporâneos.Considerando que entre os primeiros so-bre Luiz de Albuquerque de Mello Pereirae Cáceres Caetano Pinto de MirandaMontenegro, capitães generaes que, emfecunda magistratura, fundaram Corumbáe Miranda: Augusto Leverger, consummadogeographo e hábil defensor de Cuiabá,em grave conjuntura, que se lhe perpe-tuou na fé de olheiro, nobilitando com otítulo de Barão de Melgaço, Dr. AffonsoAugusto Moreira Penha, em cujo governoa construção da Estrada de Ferro Noroes-te do Brasil tomou considerável impulso,desviando-se para Três Lagoas, onde porseus esforços, tiveram então início os tra-balhos preliminares. Drs. Joaquim DuarteMurtinho, Antonio Corrêa da Costa eManoel Esperidião da Costa Marques,mattogrossenses que se nobilitaram, além

de outros serviços relevantes prestados àPátria, por se terem dedicado ao magisté-rio, o primeiro no ensino superior e osoutros no secundário, que o segundo re-formou efficientemente.

Decreta

Art. 1º A Escola Modelo desta capital pas-sará a denominar-se, de 13 de junho cor-rente em diante, Escola Modelo “Barão deMelgaço”, continuando annexa à Normal,o Grupo Escolar de S.Luiz de Cáceres de-nominar-se-à Grupo Escolar “EsperidiãoMarques”; o de Corumbá, Grupo Escolar“Luiz de Albuquerque”; o de Miranda, Gru-po Escolar “Antonio Corrêa”; o de CampoGrande , Grupo Escolar “ JoaquimMurt inho” ; e o de Três Lagôas, GrupoEscolar “Affonso Penna”.Art. 2ª Revogam-se as disposições emcontrário.Palácio da Presidência do Estado emCuiabá, 5 de junho de 1924, 36º da Re-pública.

Pedro C. Corrêa da Costa.Virgílio Alves Corrêa Filho

No ano de 1927, conforme relatóriopresidencial, estavam matriculados 2.712alunos nos grupos existentes em MatoGrosso, sendo 276 alunos no Grupo Escolar“Joaquim Murtinho”, 148 do sexo masculinoe 128 do sexo feminino (MATO GROSSO,1927, p. 142).

A década de 1930 registrou crescenteprocesso de urbanização do município deCampo Grande. O censo de 1940 contou49.629 habitantes, distribuídos, quase igual-mente, entre as zonas rural e urbana. São24.479 (49,3%) na cidade e 25.150 (50,7%)no campo. No entanto, considerando-sesomente a população do distrito da sede,isto é, do atual município, excluindo-se os

Page 183: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008. 183

distritos que formavam Campo Grande,tem-se uma população de 35.170 mora-dores, dos quais 13.054 (65,6%) na zonaurbana e 12.116 (34,2%) na rural.

Essa precocidade do processo de urbaniza-ção da futura capital, consolidado na déca-da de 30, surpreende não só por ser, emsi, um movimento de vanguarda, anteci-pando em trinta anos uma tendência, mas,também, e principalmente, porque issoacontecia m meio a um sertão ermo, dis-tante das principais cidades e dos focosmais ativos da economia brasileira [...].(CABRAL, 1999, p. 42)

O aumento da população provocou,em decorrência, o aumento da demandaescolar e a ampliação de matrículas noGrupo Escolar “Joaquim Murtinho”.

Mesmo assim, com a impossibilidade deprover sufficientemente as coisas do en-sino, a nossa população escolar foi notavel-mente accrescida, sendo que, em algunscasos, como aconteceu nos grupos escola-res “Antonio Correa” e “Joaquim Murtinho”,esse accrescimo foi de mais de 70 porcento. (MATO GROSSO, Mensagem..., 1929,p. 88)

O relatório apresentado ao SecretárioGeral do Estado, pelo professor FranklinCassiano da Silva, Diretor Geral da InstruçãoPública, em 29 de agosto de 1931, de “suaviagem de inspecção aos diversos estabele-cimentos de ensino da zona Sul do Estado”,descrevia as condições do prédio do GrupoEscolar “Joaquim Murtinho”, onde funcio-nava também a Escola Normal, instaladano dia 21 de abril de 1930, pelo presidentedo estado, Dr. Aníbal Toledo (22/1/1930 a30/10/1930).

[...] A situação geral do ensino naquellazona, é lastimável, pela falta quasi que

completa de material didactico assim comopela desorientação em relação ao empregode methodos. (MATO GROSSO, Mensagem..,1931).

[...] Em péssimo estado de conservação seencontra o edifício da Escola Normal ondefunccionam também a escola modelo e ocurso annexo. A impressão que se tem aopenetrar-se nelle é desoladora. Urge umalimpeza geral, assim como a reparação dasvidraças das janelas que se acham todasquebradas.

Edificio acanhado, sem lotação suficientepara nelle funcionar um grupo escolar,pois somente seis salas de aula, sente-sea direção do estabelecimento em sériosembaraços para nele fazer funccionar asduas outras escolas annexas.

No próximo anno, com a promoção dosalunos do 1º anno para o 2º anno nor-mal, não terá a Directoria, uma sala paracollocar esses allunnos.

Funccionando já em dois turnos, para sa-tisfazer constantes pedidos de matrículano grupo [...] construam com urgência maisduas salas.

A lotação actual do edificio é para 240alunnos e só na Escola Modelo a matri-cula é de 541, com frequência de 434 sejuntarmos ainda 24, da Escola Normal e17 do Curso Complementar [...] um totalde 582 alunnos, freqüentando um edificiocom lotação para 240 ou 480, com funcio-namento em dois turnos. (MATO GROSSO,Relatório..., 1931).

Como se pode observar, o prédio doGrupo Escolar “Joaquim Murtinho” estavaem precário estado de conservação, alémde seu espaço ser insuficiente para atenderaos alunos matriculados nos diferentesgraus de ensino, situação agravada com ofuncionamento da Escola Normal no mes-mo espaço.

Page 184: Memórias - Maria Teresa Cunha

184 Regina T. C. de OLIVEIRA; Arlene da S. GONÇALVES. Iniciativas de modernização...

Possuía o Grupo Escolar “JoaquimMurtinho”, agora transformado em EscolaModelo, 77 carteiras para 414 alunos, fre-qüentes, o que já trazia sérios embaraçosà Directoria dos Estabelecimentos.

Mais se accentuou agora essa excassesde material com a creação da Escola Nor-mal e Curso Complementar, pois não foifornecido pelo Governo, até esta data, novomaterial aquelle Estabelecimento.

Não possue ainda gabinetes de Physica eChímica e História Natural, o que aliásnão nos causa tanta admiração, pois aprópria Escola Normal da Capital se achadesprovida de gabinetes.

É seu Director o Dr. Múcio Teixeira Filho(MATO GROSSO, Relatório..., 1931).

[...] O mobiliário existente no grupo é insu-ficiente. Há falta de carteiras, mesas ecathedras para professores e as que exis-tem estão em mau estado de conservação.

É de necessidade adaptar-se esse estabe-lecimento de novos mobiliários de accordocom sua importância. Na situação em quese encontra, pois até os moveis modestosdo gabinete da Directoria são de proprie-dade particular, fica o estabelecimento emposição humilhante diante dos collegiosparticulares, superiormente installados.

Embora esteja o Estado atravessando umaphase dolorosa em sua vida econômica,mesmo assim urge attender com carinhoas necessidades dessa escola. Os moveisvelhos existentes poderão ser aproveita-dos em escolas isoladas ruraes. (MATOGROSSO, Relatório..., 1931).

Além de criticar as condições inade-quadas do prédio e do mobiliário, o referidoprofessor expôs também a sua crítica àcontratação de docentes, considerando-osdespreparados para o desempenho da fun-ção, uma vez que não tinham a formação

específica para o exercício do magistério,condição indispensável para o novo mo-delo de ensino.

Entregue geralmente as direcções dosestabelecimentos às pessoas leigas, semtirocinio no magistério, transformou-seassim o cargo de director de Grupo, deuma funcção essencialmente techinicapara a de simples burocracia.

[...] na maioria dos Grupos Escolares, ocorpo docente é quasi todo constituido depessoas sem preparo techinico, necessario,dahi a confusão, a falta de orientação se-gura, que se note, geralmente nos referidosestabelecimentos. (MATO GROSSO, Rela-tório..., 1931)

Ainda enfatizava que a contrataçãode professores leigos comprometia o pro-cesso ensino-aprendizagem, pelo desconhe-cimento e uso inadequado do método di-dático, outro requisito exigido pelo modelode ensino.

[...] O emprego do methodo analyticosynthetico no ensino de linguagem produzgrande resultado quando o professor co-nhece o processo e o emprega com enthu-siasmo, mas é de effeito nullo quandoempregado por um professor que o nãoconheça perfeitamente.

Dahi a razão por que se escolhe para osprimeiros annos os professores mais dedi-cados, mais aptos, mas enthusiastas pelaprofissão.

No Sul do Estado fazem justamente o con-trario. Aos professores leigos e menos ha-bilitados se entregam as classes dos pri-meiros annos! Urge uma reforma geralnos processos de ensino empregados pelosnossos professores. (MATO GROSSO, Rela-tório..., 1931)

Diante da situação relatada, o Diretorda Instrução Pública finalizava o seu rela-

Page 185: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008. 185

tório, propondo algumas medidas, entre asquais destacavam-se a necessidade de umplano de carreira no magistério e a forma-ção e experiência profissional de cinco anoscomo professor, para assumir o cargo dedireção escolar.

Entre outras medidas tomo a liberdade depropor a V. Excia. o seguinte:a. Seja estabelecida carreira no magistério,

exigindo-se condições especiaes para aspromoções.

b. Effectividade nas direcções dos gruposescolares que só poderão ser dirigidosrespeitados os direitos adquiridos, porprofessores com cinco annos de exercí-cio em grupos escolares.

c. Os cargos de inspectores de ensino de-vem ser de promoção e preenchidos porpessoas que tenham exercido o cargode direcção nos estabelecimentos deinstrucção.

d. Creação de Almoxarifado da instrucção,afim de se attender com mais prestezaaos pedidos de material.

e. Creação de uma delegacia regional de-pendente da Directoria Geral, para atten-der as necessidades do ensino no Sul.

f. Augmento de attribuições da DirectoriaGeral que poderá transferir, concederlicencças para tratamento de saúde atétrês meses, nomear professores interinospara as escolas ruraes, etc.

g. Seja permitido aos leigos a inscrição aoconcurso, em falta de professores diplo-mados, para preenchimento effectivo dasescolas ruraes;

h. Creação de uma secção de estatísticaannexa à Directoria Geral;

i. Doptação de uma verba especial, desti-nada às despezas com a publicação da“Revista do Ensino” do Estado.

São estas Exmº Snr. As medidas mais ur-gentes que tomo a liberdade de propor a

V. Excia. Continuando ao seu dispor parapessoalmente fornecer-lhe todos os infor-mes que V. Excia julgar convenientes.

Saudações,

Franklim C. Oliveira.

De acordo com o relatório de 1939-1940 elaborado pelo interventor Federal deMato Grosso, Bel. Júlio Strúbing Muller (11/9/1937 a 30/10/1945), o prédio foi ampli-ado “para a instalação do Liceu Cam-pograndense, foi edificado um pavilhão nosterrenos do Grupo Escolar ‘JoaquimMurtinho’ em Campo Grande, com o qualse despenderam cinquenta e seis contos deréis (56:000$000)” (MATO GROSSO, Relató-rio..., 1940).

Segundo Marcílio (1963, p. 184), osprédios do Grupo Escolar “JoaquimMurtinho” receberam melhoramento ape-nas no ano de 1956, no governo de JoãoPonce Arruda (31/01/1956 a 31/01/1961),ou seja, vinte e cinco anos depois do relatocontundente das condições precárias parao seu funcionamento.

A criação de um segundo Grupo Es-colar, em Campo Grande, atendeu solicita-ções provenientes da Câmara e do Coman-do da nona região do município, tendo emvista o aumento da população infantil, nobairro Amambaí10 do município, conformeapontou o interventor federal CapitãoManoel Ary da Silva Pires (9/3/1937 a 13/9/1937) em sua mensagem à AssembléiaLegislativa, na abertura da 3ª sessão ordi-nária da sua 1ª Legislatura, em 13 de junhode 1937.

Ainda uma providencia que me cumpresugerir: a criação de um segundo grupoescolar em Campo Grande, no bairro

Page 186: Memórias - Maria Teresa Cunha

186 Regina T. C. de OLIVEIRA; Arlene da S. GONÇALVES. Iniciativas de modernização...

Amambahy, conforme solicitações que meforam dirigidas pelo snr. Presidente daCâmara daquelle município e pelo snr.Cmte. da nona região solicitações essasmotivadas pela verificação do constantecrescimento da população infantil naquellaprospera zona sulina. (MATO GROSSO,Mensagem..., 1937, p. 15)

A população de Campo Grande atin-giu, em 1950, 57.033 habitantes, mais dedois habitantes por quilômetro quadrado,sendo 29.276 homens e 22.757 mulheres.Desse total, 16.275 pessoas eram analfabe-tas, sendo 7.381 homens e 8.894 mulheres(BRASIL, 1958, p. 126).

Nesse ano, em função do aumentodo número de alunos no Grupo EscolarJoaquim Murtinho11 foi autorizado, excep-cionalmente, o funcionamento da institui-ção em mais um turno.

A duração do período escolar dos GruposEscolares de quatro anos, funcionando emdois turnos, a matutino e o vespertino,exceção feita ao Grupo Escolar JoaquimMurtinho, da Cidade de Campo Grande,que devido ao grande número de alunosmatriculados, superior à capacidade desuas instalações vem funcionando três-dobrado, de acordo com horários especiaisatendendo de modo excepcional às neces-sidades locais. (MATO GROSSO, Mensa-gem.. , 1953, p.39)

Cabe assinalar que, nos anos 1950,foram instaladas mais duas escolas emCampo Grande, implantadas como gruposescolares: “Vespasiano Martins” e “NicolauFragelli”. Este último, em 25 de maio de1955, pelo governador do estado FernandoCorrêa da Costa. Sua instalação foi registra-da em ata, relacionando-o diretamente ànecessidade do combate ao analfabetismo.

Coube a realização de mais êsse empre-endimento magnifíco à administração doDr. Fernando Corrêa da Costa, que comalta visão, inteligência e patriotismo vemdesenvolvendo um programa de incenti-vação do Ensino primário a todos os recan-tos do Estado. Administrador de grandevulto é, a ele a quem devem ser endereça-dos todos os aplausos e todos os agradeci-mentos por esse ato de verdadeiro civismode combate ao analfabetismo neste rincãodo nosso Brasil. (ATA DE INSTALAÇÃOGRUPO ESCOLAR NICOLAU FRAGELLI,1955, p. 1-2)

Enfim, para acompanhar o ensinocriou-se um Departamento Municipal deEducação. O primeiro município a implantaresse Departamento foi Campo Grande, con-forme palavras do governador.

Nota-se em todos os municípios do Estado,grande preocupação a respeito da monta-gem do ensino primário municipal, con-soante prescrição da Constituição Federale Estadual. O Departamento da Educaçãoe Cultura ainda não possue dados sobreesse animador movimento educativo, a nãoser do município de Campo Grande, quecriou o Departamento Municipal de Educa-ção aparelhado devidamente, e manteveno município, em 1947, cerca de dezenoveescolas. Campo Grande foi o único municí-pio a entrar em contato com o Departamen-to de Educação e Cultura a respeito nalouvável iniciativa constitucional do estabe-lecimento do ensino primário municipal.

As demais unidades municipais de MatoGrosso tem aquele Departamento dirigidoa respeito da matéria, a fim de organizarum controle geral, de indiscutível importân-cia pedagógica. (MATO GROSSO, Relatório..,1948, p. 64)

Page 187: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008. 187

Considerações finais

Em síntese, pode-se dizer que a polí-tica educacional instaurada no Brasil apartir do final do século XIX teve como prin-cipal direção à organização da educaçãoprimária pública em torno dos grupos es-colares, ao lado da Escola Normal para for-mar professores, ancorada no projeto polí-tico republicano, cuja prioridade era aerradicação do analfabetismo no País.

Pode-se afirmar que Mato Grossoseguiu a tendência nacional, buscando amodernização das cidades e do ensino pelaimplantação dos grupos escolares comoforma de organização da educação escolarprimária pública, em contraposição ao es-tigma do “estado atrasado”. Porém, essaimplantação aconteceu somente nas cida-des que mais se destacaram economica-mente, vinculada à expectativa de progres-so e desenvolvimento econômico do esta-do, como é o caso de Campo Grande, loca-lizada no sul do estado e, de modo geral,foi lenta e parcial. Isso, de certo modo, seexplica pelo fato de que:

Naquelas regiões brasileiras em queacumulação de capital se iniciava, emborade modo incipiente, como no caso de SãoPaulo, as inovações aos poucos iam encon-trando suporte sócio-econômico para seconcretizar. As outras regiões fechavam-se dentro de seu próprio atraso, marginali-zando-se pelo processo de modernização.(REIS FILHO, 1981, p. 188)

O novo modelo de escola, que reuniaem um mesmo prédio alunos, professorese outros funcionários (porteiro, serventes),sob a orientação e a administração de umdiretor, era considerado um projeto inova-

dor para a época, na medida em que repre-sentava “(...) a materialização do ideal derenovação pedagógica, defendido por in-telectuais e administradores do ensino pú-blico mato-grossense e entendido comocondição para a modernização da escolapública, responsável pela formação do cida-dão republicano” (REIS e SÁ, 2006, p. 39), oque exigia, por sua vez, professores forma-dos pela Escola Normal.

No caso de Campo Grande, apesarde o prédio do Grupo Escolar JoaquimMurtinho, transformado em Escola Modelo,ter sido construído especialmente para o seufuncionamento, caracterizou-se como umaedificação modesta e suas condições físicasnão corresponderam, ao novo modelo deensino adotado, na medida em que os es-paços para atividades administrativas (dire-toria, secretarias, sala de professores) e pe-dagógicas (biblioteca, sala de aula, pátio)eram deficientes e insuficientes. Esse modelode escola exigia elevados recursos financei-ros para construção e manutenção de edifí-cios próprios, conhecidos como “Palácios dainstrução” com características determinadas(estrutura, forma, ventilação), ou seja, compadrões de conforto e higiene almejadospela escola republicana, além de mobiliá-rio moderno, material didático adequado eprofessores habilitados, como aconteceuem São Paulo e em outros estados brasilei-ros, que, por sua vez, representavam a formamais avançada da economia brasileira, as-sentada em bases industriais.

Finalmente, apesar de a implanta-ção dos grupos escolares no estado deMato Grosso ter acompanhado o desenvol-vimento urbano e aumento populacional,

Page 188: Memórias - Maria Teresa Cunha

188 Regina T. C. de OLIVEIRA; Arlene da S. GONÇALVES. Iniciativas de modernização...

a expansão do ensino primário foi lenta edependente das escolas isoladas e particu-lares12, atendendo, portanto, necessidadessociais e culturais, condicionadas às particu-laridades econômicas e políticas de um es-tado criador de gado e marcado pela explo-ração de grandes latifúndios.

Notas1 A pesquisa contou, também, com a participaçãode Lucélia Gonçalves Cavalcante, bolsista PIBICCNPq/UCDB, no período de 2005-2006.2 O Estado de Mato Grosso do Sul foi criado, a partirda divisão do estado de Mato Grosso, no governo dopresidente Ernesto Geisel (1974-1979), por meio daLei Complementar n. 31, de 11 de outubro de 1977. Ainstalação do Governo Estadual de Mato Grosso doul ocorreu em primeiro de janeiro de 1979. Situa-sena Região Centro-Oeste e faz fronteira, a sudoeste,com as Repúblicas do Paraguai e da Bolívia; a Sudes-te, com os Estados de Minas Gerais e São Paulo; aoSul, com o Paraná; e, ao norte, com Mato Grosso eGoiás. Possui 78 municípios distribuídos numa áreade 358.158,7 Km e conta com uma população de2.075.275 habitantes, conforme censo do IBGE (2000).3 O município de Campo Grande foi criado pelaResolução n. 225, de 26 de agosto de 1899. A eleva-ção da vila à categoria de cidade deu-se no ano de1918, de acordo com a Lei estadual n. 772, de 16 dejulho. Situa-se na região central de Mato Grosso doSul, nas imediações do encontro das bacias dos riosParaguai e Paraná. Tem uma área de de 8.096 Km²,dos quais 4,3% são considerados região urbana.Sua população, segundo estimativa do Instituto bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em julho de2005, atingiu um total 749.768 habitantes. Com adivisão do Estado de Mato Grosso, em 11 de outubrode 1977 e a instalação do governo estadual de MatoGrosso do Sul, o município tornou-se a capital donovo estado.4 Assinala-se que no decorrer dos anos 1930, aoinstaurar o golpe de Estado em 1937, o presidenteGetúlio Vargas (1930-1945), por meio do Decreto n.1.468, de 6 de março de 1.93,7 determinou “a Inter-

venção Federal no Estado de Matto-Grosso, nos ter-mos do Art. 12, § 6, letra B, ultima parte da Consti-tuição da Republica” (MATO GROSSO, Mensagem...,1937, p.15).5 Cabe lembrar que a Escola Normal sofreu muitasinterrupções e esteve desativada por vários anos,prejudicando a formação de um quadro regular deprofessores.6 Conforme Alves (2003, p.70) “Em definitivo até 1914,quando da chegada dos trilhos da Estrada de FerroNoroeste do Brasil a Porto Esperança, Corumbá era,basicamente, o grande entreposto comercial do Es-tado, onde aportavam navios de médio calado, pro-cedentes de Buenos Aires, Montevidéu e Assunção.As mercadorias transportadas por via fluvial abarro-tavam os armazéns de suas casas comerciais paraseguirem em barcos de pequeno calado, oportuna-mente, para o norte e para o interior do estado [...].7 Esse Grupo foi o sétimo de uma lista de onzeestabelecimentos criados em Mato Grosso no perío-do de 1910-1927, a partir das reformas da instruçãopública empreendidas na primeira gestão de PedroCelestino Correa da Costa. (MATO GROSSO, 1978).8 Junto ao referido Grupo Escolar, em 21 de abril de1930, instalou-se a Escola Normal pelo presidentedo estado, Dr. Aníbal Toledo (22/1/1930 a 30/10/1930), sendo a primeira instituição sul-mato-grossense dessa natureza e a segunda do estado,antecedida somente pela Escola Normal PedroCelestino de Cuiabá.9 Joaquim Murtinho (1848-1911), nasceu em Cuiabá,estudou Medicina no Rio de Janeiro, dedicou-se aotratamento homeopático. Foi professor, ingressandona política como senador por Mato Grosso, em 1891(MACHADO, 2000).10 Ressalta-se que o Grupo Escolar “Amambaí” pas-sou a denominar-se Grupo Escolar “General Malan”,por meio do Decreto n. 746, de 12 de setembro de1949 (MATO GROSSO, 1949).11 Vale registrar que o Decreto n. 1.517, de 18 dejunho de 1973, integrou a Escola Normal “JoaquimMurtinho” à Escola Modelo “Joaquim Murtinho, pas-sando a denominar-se Escola Estadual de I e II graus“Joaquim Murtinho”. Além disso, o prédio do GrupoEscolar “Joaquim Murtinho” foi demolido no gover-no de José Fragelli (1971-1974).

Page 189: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008. 189

12 Conforme dados do IBGE (BRASIL, 1958, p. 126),em 1956, em Campo Grande, havia 73 estabeleci-mentos de ensino, dos quais 29 estaduais, 26 mu-nicipais e 18 particulares, ocupando 262 professo-

res. Segundo as categorias eram: quatro gruposescolares estaduais, três escolas reunidas munici-pais, 15 escolas particulares equivalentes a gruposescolares e 51 escolas isoladas.

Referências

ALVES, Gilberto Luís. Mato Grosso do Sul: o universal e o singular. Campo Grande: Ed. UNIDERP,2003.

ATA DE INSTALAÇÃO. Grupo Escolar “Nicolau Fragelli, 1955, p. 1-2.

BITTAR, Marisa. Dos campos grandes à capital dos ipês. Campo Grande: Editora Alvorada. 2004.

BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Enciclopédia dos muni-cípios brasileiros. Planejada e orientada por Jurandyr Pires Ferreira. v. XXV. Rio de Janeiro, 1958.

CABRAL, Paulo Eduardo. Formação étnica e demográfica. Campo Grande: 100 anos de cons-trução. Campo Grande: Matriz Editora, 1999, p. 27-62.

COSTA, Celso. Evolução urbana. In: Campo Grande: 100 anos de construção. Campo Grande:Matriz Editora, 1999.

JORNAL ENFOQUE. Joaquim Murtinho. (1986).Campo Grande, ano I, n. 1, jun. 1986.

MACHADO, Paulo Coelho. Pelas ruas de Campo Grande: a grande avenida. Campo Grande(MS): Prefeitura Municipal de Campo Grande, FUNCESP – Fundação Municipal de CulturaEsporte e Lazer, UBE – União Brasileira de Escritores (MS), 2000.

MARCILIO, Humberto. História do ensino em Mato Grosso. Cuiabá: Secretaria de Educação,Cultura e Saúde, 1963.

MATO GROSSO. Regulamento da Instrução Pública Primária do Estado de Mato Grosso. Decre-to n. 265 de 22 de outubro de 1910. Cuiabá: Arquivo Público de Mato Grosso. Livro 213, p. 119-53. 1910a.

______. Mensagem do Coronel Pedro Celestino Corrêa da Costa à Assembléia Legislativa aoinstalar-se a 2ª sessão, em 13 de maio. Rolo n. 055 planilha, microfilme cópia no Centro deDocumentação Tekio Arandiu/NEPPI/UCDB, 1910b.

______. Mensagem do Coronel Pedro Celestino Corrêa da Costa à Assembléia Legislativa aoinstalar-se a 2ª sessão, em 13 de maio. Rolo n. 055 planilha, microfilme cópia no Centro deDocumentação Tekio Arandiu/NEPPI/UCDB, 1911.

______. Resolução n. 846, de 1921. Cuiabá: Typographia Official, 1921.

______. Mensagem apresentada à Assembléia legislativa pelo Coronel Pedro Celestino Corrêada Costa, presidente do Estado de Mato Grosso, em 21 de maio. Rolo n. 055 planilha, microfilmecópia no Centro de Documentação Tekio Arandiu/NEPPI/UCDB, 1923.

Page 190: Memórias - Maria Teresa Cunha

190 Regina T. C. de OLIVEIRA; Arlene da S. GONÇALVES. Iniciativas de modernização...

______. Mensagem apresentada à Assembléia legislativa pelo Sr. Dr. Estevão Alves Corrêa. 1ºvice-presidente do Estado, em 13 de maio. Rolo n. 055 planilha, microfilme cópia no Centro deDocumentação Tekio Arandiu/NEPPI/UCDB, 1925.

______. Regulamento da Instrução Pública Primária do Estado de Mato Grosso. Decreto n. 759,de 22 de abril de 1927. Cuiabá: Arquivo Público de Mato Grosso. Fls. 163-227, 1927a.

______. Mensagem dirigida a Assembléia Legislativa pelo Sr. Dr. Mario Corrêa da Costa, lida naabertura da sua 1ª sessão ordinária da 14ª legislatura, em 13 de maio. Rolo n. 055 planilha,microfilme cópia no Centro de Documentação Tekio Arandiu/NEPPI/UCDB. 1927b.

______. Mensagem do Presidente do Estado Sr. Dr. Mário Corrêa da Costa à AssembléiaLegislativa, em 13 de maio de1929. Rolo n. 055 planilha, microfilme cópia no Centro de Docu-mentação Tekio Arandiu/NEPPI/ UCDB, 1929.

______. Rolo n. 061 planilha, microfilme cópia no Centro de Documentação Tekio Arandiu/NEPPI/UCDB. Mensagem apresentada à Assembléia 0Legislativa pelo Dr. Annibal Toledo, Pre-sidente do Estado de Matto-Grosso e lida na abertura da 1ª. Sessão Ordinária de sua 15ª.Legislatura. Cuiabá, 13 de maio de 1930.

______. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Secretário Geral do Estado pelo professor FranklinCassiano da Silva. Diretor Geral da Instrução Publica. Cuiabá, 29 de agosto. Rolo n. 061 planilha,microfilme cópia no Centro de Documentação Tekio Arandiu/NEPPI/UCDB, 1931.

______. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa pelo Interventor Federal Manoel Aryda Silva Pires e lida na abertura da 3ª sessão ordinária da sua 1ª Legislatura. Cuiabá, 13 dejunho de 1937. Rolo n. 061 planilha, microfilme cópia no Centro de Documentação TekioArandiu/NEPPI/UCDB, 1937.

______. Relatório do Interventor Federal em Mato Grosso Bel. Julio Strúbing Muller à Assem-bléia Legislativa - 1939-1940. Rolo n. 063 planilha, microfilme cópia no Centro de Documenta-ção Tekio Arandiu/NEPPI/UCDB, 1940.

______. Relatório do Governador do Estado Dr. Arnaldo Estevão de Figueiredo à AssembléiaLegislativa em 13 de junho de 1948. Rolo n. 063 planilha, microfilme cópia no Centro deDocumentação Tekio Arandiu/NEPPI/ UCDB, 1948.

______. Relatório do Governador do Estado Fernando Corrêa da Costa à Assembléia Legislativaem 1952. Rolo n. 063 planilha, microfilme cópia no Centro de Documentação Tekio Arandiu/NEPPI/ UCDB, 1952.

______. Mensagem, apresentada à Assembléia Legislativa pelo Governador do Estado de Matto-Grosso Fernando Corrêa da Costa por ocasião do inicio da Legislatura de 1952. ImprensaOficial. Cuiabá: Arquivo Público de Mato Grosso, 1952.

______. Mensagem, apresentada à Assembléia Legislativa pelo Governador do Estado de Matto-Grosso Fernando Corrêa Da Costa por ocasião do inicio da Legislatura de 1953. ImprensaOficial. Cuiabá: Arquivo Público de Mato Grosso, 1953.

Page 191: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 171-191, jan./jun. 2008. 191

______. Governo do Estado. Secretaria de Educação e Cultura. Departamento de Educação.Projeto Levantamento e Arrolamento de Fontes. Catálogo n. 1, Grupo Escolar e Escola NormalJoaquim Murtinho. Cuiabá, 1978.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. 2. ed. São Paulo: DP&A.

REIS, Rosinete Maria; SÁ, Nicanor Palhares (2006). Palácios da Instrução: institucionalização dosgrupos escolares em Mato Grosso (1910-1927). Cuiabá: Central de Texto: Ed. UFMT, v. 3. 2001.

REIS FILHO, Casemiro. A educação e a ilusão liberal. São Paulo: Cortez/Autores Associados,1981.

REVISTA FOLHA DA SERRA. Campo Grande-Mato Grosso. Ano II n. 23. Ago. 1933.

SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do ‘longo século XX’ brasileiro. In: SAVIANI, Dermeval etal. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, p. 11-57, 2004.

SOUZA. Rosa Fátima. Espaço da educação e da civilização: origens dos Grupos Escolares noBrasil. In: Souza, Rosa Fátima et. al. O legado educacional do século XIX. Araraquara: UNESP –Faculdade de Ciências e Letras, 1998. p. 19-62.

______. Lições da escola primária IN: SAVIANI, Dermeval et al. O legado educacional do séculoXX no Brasil. Campinas: Autores Associados, p. 109-61, 2004.

VALDEMARIN, Vera Teresa. Método intuitivo: os sentidos como janelas e portas que se abrempara um mundo interpretado. In: Souza, Rosa Fátima et. al. O legado educacional do séculoXIX. Araraquara: UNESP – Faculdade de Ciências e Letras, 1998, p. 63-105.

VIDAL. Diana Gonçalves. Tecendo história (e Recriado memória) da Escola primária e da Infânciano Brasil: os Grupos Escolares em foco. In:VIDAL, Diana Gonçalves (Org). Grupos Escolares:Cultura escolar primária e escolarização da infância no Brasil (1893-1971). Campinas, SP: Mer-cado de Letras, 2006.

XAVIER, Maria Elisabete Sampaio Prado. Capitalismo e educação no Brasil: a constituição doliberalismo em ideologia educacional e as reformas do ensino (1931-1961). Campinas: Papirus,1990.

Recebido em 12 de abril de 2008.Aprovado para publicação em 25 de maio de 2008.

Page 192: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 193: Memórias - Maria Teresa Cunha

Los Orígenes del Hogar de Cristo en Chile1

The origins of El Hogar de Cristo in Chile

Jaime Caiceo Escudero** Doutor em Ciências da Educação. Prof. da Universidadde Santiago de Chile e da Universidad Metropolitana deCiencias de la Educación – Santiago de Chile.e-mail: [email protected].

ResumoEl sacerdote jesuita Alberto Hurtado1 se doctoró en Pedagogía en la Universidad de Lovaina en 1935,defendiendo la tesis El sistema pedagógico de Dewey ante las exigencias de la doctrina católica. Al regresara Chile (1936) se dedicó a la educación y realizó una investigación sobre el catolicismo en el país, y lapublicó en un libro ¿Es Chile un país católico? (1941). En este trabajo dio cuenta de las diferentes lacrassociales existentes en el país, lo que lo llevó a recorrer por las noches los puentes del Río Mapocho queatraviesa la ciudad de Santiago, dónde encontró muchos niños y jóvenes abandonados, que dormían bajolos puentes. Ello lo llevó a fundar el Hogar de Cristo en 1944 con el objeto de darles acogida. Para concretarsu obra acudió a familias con recursos, las cuales realizaron los aportes necesarios para iniciar estahermosa obra que ya tiene 62 años de vida y se ha extendido a otras zonas del país. El Hogar de Cristo secircunscribe al ámbito de la educación social, pues en ese lugar no sólo se acoge a los niños y jóvenes decalle, y se les da una buena cama, adecuada alimentación, higiene, ropa y afecto, sino que además, se lesofrece educación, a la cual tienen libre acceso para completar su educación regular (básica y media enChile), la cual se complementa con formación moral, humana, cultural y con un oficio. El objeto de estaponencia es dar a conocer los orígenes de esta institución, analizar el contexto histórico social de Chile amediados del siglo pasado y la educación social entregada en ella con el objeto de insertar a los niños yjóvenes de calle a la sociedad con reales perspectivas de superación e integración. La metodología utiliza-da es la propia de las investigaciones históricas, es decir, se recurrirá a fuentes primarias y secundarias,especialmente documentales.

Palavras-chaveEducación Social. Alberto Hurtado. Instituciones educacionales religiosas.

AbstractThe Jesuit priest Alberto Hurtado2, was doctorated in Pedagogy by The Lovaina University. He presented histhesis project called The Dewey’s pedagogical system and the demands of the catholic doctrine. When hecame back to Chile in 1936, he dedicated his life to education and carried out a research on Catholicismin Chile. After that, he published his book Is Chile a catholic country? (1941). This research deals with thedifferent social classes existing in this country. This situation made him to walk along the bridges of “theMapocho River” – the most important river in Santiago – to meet abandoned children and youth who sleptunder the bridge. These sad events made him found El Hogar de Cristo in 1944 in order to give themshelter. As he wanted to make his dream come true, he talked to wealthy families which gave the neededeconomic support. Nowadays, this institution is 62 years old, and at the same time it has been extended tothe rest of the country. El Hogar de Cristo is related to the social education because of the fact that thisplace, not only gives shelter to homeless children and youth, but also offers free access instruction to

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 193-205, jan./jun. 2008.

Page 194: Memórias - Maria Teresa Cunha

194 Jaime Caiceo ESCUDERO. Los Orígenes del Hogar de Cristo en Chile

I Introducción

A lo largo del siglo XX, la Iglesia Ca-tólica Chilena tuvo una activa participaciónen la vida republicana del país. En efecto,en las dos primeras décadas se dedicó, es-pecialmente desde la Universidad Católicade Chile, fundada en 1888, a difundir elpensamiento social del Papa León XIII,expresado en su Encíclica Re r umNovarum; el Rector Martín Rücker3 entre1915 y 1919 se destacó en ello; estuvo res-paldado en esta labor por el Arzobispo deSantiago, Mons. Juan Ignacio GonzálezEyzaguirre, quien ejerció su cargo entre 1908y 1918. El sacerdote Julio Restat en 1915fundó la Asociación Nacional de EstudiantesCatólicos – ANEC – en donde ayudó en suformación religiosa y social a un sinnúmerode connotados jóvenes, futuros dirigentesen la propia Iglesia y en el mundo social ypolítico chileno4. Mons. Crescente ErrázurizValdivieso, Arzobispo de Santiago entre1919 y 1931 por su parte, tuvo un rol pre-ponderante en la separación Iglesia-Esta-do que se produjo en 1925 con la nuevaconstitución política propuesta por el Presi-dente Arturo Alessandri Palma. En 1931 sefundó la Acción Católica5 a partir de unCongreso de Jóvenes realizado en Valdivia;

complete their primary and high school education (basica and media in Chile), apart from the moral,human, cultural and professional education. The object of this lecture is to enlighten about the origins ofthis institution and analyze the social and historical context of Chile in the previous century, and the socialeducation to insert street children and youth to the society with real perspectives of improvement andintegration. The methodology used in this research is based on the typical methodologies used in thehistorical research; therefore, we are going to use primary and secondary sources, especially documentaries.

Key wordsSocial education. Alberto Hurtado. Religious educational institutions.

a este evento, dirigido por los sacerdotesOscar Larson y Carlos Casanueva, asistierondelegados de Valparaíso, Iquique, LosAndes, Santiago, Chillán, Concepción,Temuco, Valdivia y Osorno6. Esta mismaorganización dirigirá entre 1941 y 1944 elsacerdote Alberto Hurtado, extendiendo suactividad a lo largo del país7; por desave-nencias en cuanto al rol de la Acción Cató-lica con el Obispo Auxiliar de Santiago,Mons. Augusto Salinas8, renunció.

En el ámbito educativo sobresalió laSemana de la Educación realizada en laUniversidad Católica de Chile en 1930 apropósito de la Encíclica Divini I l l iusMagistri, promulgada a fines de 1929, porS.S. Pío XI. En esa jornada académica sediscutió la posición de los católicos frenteal pensamiento pedagógico de la EscuelaNueva que representantes del mundolaicista habían introducido en el país des-de comienzos del siglo9; la mayoría de losexpositores miraba con reserva esapedagogía10, salvo la Srta. Luisa Joerissen,de origen belga, quien señaló textualmente:

Ante todo queremos dejar constancia deque ella en su substancia no es anticris-tiana, como lo es y lo fue la educaciónmoderna oficial en muchos países. LaEducación Nueva prescinde muchas veces,

Page 195: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 193-205, jan./jun. 2008. 195

es cierto, de manifestaciones religiosas,pero no pone obstáculo a que susinnovaciones se reúnan con las basesmás profundas del cristianismo11.

Esta problemática será de muchaimportancia, pues será una de lasmotivaciones que tendrá Alberto Hurtadopara efectuar su tesis doctoral en Lovaina,titulada El Sistema Pedagógico de JohnDewey ante las Exigencias de laDoctrina Católica 12 , en la cual concluyóque existen 14 principios pedagógicos deleducador norteamericano conciliables conel catolicismo13.

I I Contexto Histórico Chilenoalrededor de 1940

La preocupación social de los jóvenescatólicos, gracias a la acción de la Iglesia, talcomo se indicó precedentemente, llevará aque no aceptaran lo que algunos miembrosde la jerarquía establecían en el sentido quelos católicos debían necesariamente militaren el partido conservador; el nuevo Arzobispode Santiago, Mons. Horacio Campillo Infan-te (1931/1939), adhería a tal posición; lasituación fue zanjada por la denominadaCarta Pacelli (1934) del Secretario de Estadodel Vaticano, Cardenal Eugenio Pacelli, futu-ro Pío XII, quien señalaba que no es posibleque un partido político interprete a todos losfieles. Ello condujo a que los jóvenes católi-cos, miembros de la juventud conservadora,se separaran de la misma en 1938, fundan-do la falange nacional, futuro partido demó-crata cristiano (1957)14.

El mismo año 1938, en Chile triunfóel Frente Popular, una alianza políticaencabezada por el partido radical y

apoyada por los partidos socialista y comu-nista; la nueva falange también apoyó algrupo que dirigía Pedro Aguirre Cerda,nuevo Presidente de Chile. Mons. Campillono pudo establecer buenas relaciones conel gobierno del Frente Popular y fuereemplazado por Mons. José María CaroRodríguez (1939/1958), quien se habíadestacado por su preocupación social y porel diálogo con los trabajadores en la nortinaciudad de Iquique como Vicario Apostólico(1911/1925) y, posteriormente, comoObispo de La Serena (1926/1939). Ellopermitió que la Iglesia Católica restablecierael diálogo con el gobierno de tendencialaicista.

Tan pronto regresó a Chile con suDoctorado en Educación (1936), el P.Hurtado se dedicó a la educación formal,tanto en la Universidad Católica de Chile –como profesor de pedagogía –, como en elColegio San Ignacio de Santiago – comoprofesor de religión –; pero, al mismo tiempo,se dedicó a la formación de los jóvenes,realizando retiros y asistencia espiritual. Estecontacto lo llevó a preocuparse por lapráctica del catolicismo en el país y realizóuna investigación científica con los párrocosde toda la nación (respondió el 25%), yplasmó sus lamentables conclusiones en suobra ¿Es Chile un País Católico? (1941).Para poder entender los resultados, hizopreviamente en su libro, un análisis de larealidad chilena, subrayando:

la miseria de nuestro pueblo, que tienecomo primera causa la falta de educación,más otros factores de orden moral yeconómico… No podemos en Chile obtenerreforma alguna sin dar antes solución al

Page 196: Memórias - Maria Teresa Cunha

196 Jaime Caiceo ESCUDERO. Los Orígenes del Hogar de Cristo en Chile

problema de la ignorancia y falta deeducación de nuestro pueblo. Graves sonlos problemas de salario, los problemaspolíticos, la desorganización de la familia,la lucha de clases tan apasionada en estosúltimos años, pero todas ellas encierranla más profunda de sus raíces en la faltade una verdadera cultura de nuestropueblo15.

Por lo mismo, analizó el analfabetis-mo (25%), la constitución de la familia (70%de las mujeres eran analfabetas), ladebilidad de la constitución de la familia(niños abandonados y el 50% de hijos ile-gítimos nacidos fuera del matrimonio),mortalidad infantil (225 por 1.000 nacidos),el problema de la vivienda obrera (verda-deras casas callampas o piezas insalubrespara 8 personas), el problema económicodel pobre (sueldos miserables), el alcoholis-mo, la amargura del pueblo y el consiguienteabandono de la Iglesia16. El propio sacer-dote jesuita concluyó lapidariamente: “Elpueblo, por desgracia, no ha visto en lossectores que se llaman católicos el ejemploque tenía derecho a esperar por la doctrinaque profesaban. El escándalo de los maloscristianos es uno de los grandes responsa-bles de la pérdida de la fe en las masas”17.

Por ello, era esperable la conclusiónque arrojaron los resultados de la encuesta:“Simplificando los resultados llegamos a laconclusión que 9% de las mujeres y 3% delos hombres van a misa los domingos; yque cumplen con la Iglesia en un 14% delos fieles”18.

Con esta situación detectada no fueextraño, por lo tanto, que el Frente Populartriunfara en 1938, pues los gobiernos ante-riores de tendencia liberal o conservadora

(principales partidos políticos desde el iniciode la República, con un porcentaje impor-tante de personas llamadas “católicas”)habían logrado la trágica situación descrita.Los jóvenes católicos percibían esta situa-ción y por esa razón deseaban cambiarla,motivados por la doctrina social de la Igle-sia; he ahí una explicación para la forma-ción de la falange nacional y la separacióndesde el partido conservador.

Esta misma situación de los pobresde Chile, tanto adultos como jóvenes y niños,motivará al P. Hurtado a fundar el Hogarde Cristo.

I I I El Origen del Hogar de Cristo

1 Antecedentes Fundacionales

Entre las múltiples actividades quedesarrollaba el P. Hurtado estaban los reti-ros a jóvenes y adultos de ambos sexos. El17 de octubre de 1944 inició uno a cin-cuenta señoras en el Convento de laCongregación del Apostolado Popular enla calle Lord Cochrane en Santiago, cercanoa la Residencia de los Jesuitas ubicada enAlonso Ovalle con San Ignacio, lugar en quevivía el sacerdote19. Al segundo día del reti-ro, es decir, el 18 de octubre, mientrasexplicaba el trozo del evangelio atingentea la multiplicación de los panes, de prontose detuvo y les indicó que debía decirlesalgo; de esta forma pasó a relatarles lo quehabía vivido la noche anterior, camino a sucasa: Un hombre en mangas de camisa, apesar de la lluvia, con fiebre, con las amíg-dalas inflamadas y tiritando le pidió ayudapara poder alojar en alguna parte. Estehecho le rompió el corazón y se preguntó:

Page 197: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 193-205, jan./jun. 2008. 197

¡Este hombre es otro Cristo y qué hacemosnosotros como partes de la Iglesia Católicapara buscar solución a este drama!. Nada,se contestó; en cambio, los protestantes yahan abierto hospederías para ayudar agente necesitada, como la descrita. Asíterminó su prédica. Sin embargo, minutosantes había dicho con mucha vehemencia:

Tanto dolor que remediar: Cristo vaga pornuestras calles en la persona de tantospobres dolientes, enfermos, desalojados desu mísero conventillo. Cristo acurrucadobajo los puentes en la persona de tantosniños que no tienen a quien llamar ‘pa-dre’, que carecen hace muchos años delbeso de una madre sobre la frente. Bajolos mesones de las pérgolas en quevenden flores, en medio de las hojas se-cas que caen de los árboles; allí tienenque acurrucarse tantos pobres en loscuales vive Jesús. ¡Cristo no tiene hogar!¿No queremos dárselo nosotros los quetenemos la dicha de tener hogarconfortable, comida abundante, mediospara educar y asegurar el porvenir de loshijos?...20

Las señoras muy angustiadas y preo-cupadas reunieron dinero y se lo dieron alsacerdote. Impresionado y pensando quetodo esto era Providencial, habló con suSuperior, quien lo autorizó, previa consultaal Arzobispo de Santiago, para que hicieraalgo al respecto. En 48 horas contaba conambas aprobaciones y, además, la bendi-ción del Pastor. Mandó un artículo al diarioEl Mercurio, proponiendo una obra engrande con el objeto de “dar posada almendigo, darle alimento, darle educación,si fuese posible iniciar a algunos en untrabajo que los haga escapar de su horriblemiseria”21.

Rápidamente consiguió un terrenoque le donó la familia Covarrubias Valdésen calle Bernal del Mercado, cerca de laEstación Central de la capital; era un barriode gente humilde. Allí, el 21 de diciembrede 1944, Mons. José María Caro, Arzobispode Santiago, bendijo la primera piedra delHogar de Cristo, nombre que el sacerdotejesuita le dio a la nueva obra quecomenzaba. Sus pretensiones, sin embar-go, eran de largo aliento y de querer abar-car varios puntos de la ciudad y a los dife-rentes tipos de pobres. Por ello, pronto setomó conciencia que el lugar antes menci-onado era muy pequeño y se optórápidamente por un terreno aledaño a laParroquia de Jesús Obrero que dirigía laCompañía de Jesús en la Avenida GeneralVelásquez22 esquina de Chorrillos -hoy Pa-dre Hurtado-. En 1945, en la calle López535, del barrio Independencia, se adquirióuna casa para instalar en ella un Hogarpara niños en situación de calle; lo mismosucedió prontamente con un nuevo Hogarpara mujeres indigentes y sus hijos, creadogracias a una donación de una casa en lacalle Tocornal 315 del centro de Santiago.

Al visualizar el proyecto futuro delHogar de Cristo y por la necesidad demantenerlo en el tiempo, el P. Hurtadoplanteó la necesidad de que se creara unaFundación de Beneficencia23 dirigida porlaicos24 y que él sólo sería el capellán25 .Como complemento se creó un “Comité deAprovisionamiento” con el objeto de quese encargaran de conseguir los productosnecesarios para recibir a cada uno de quie-nes llegaran al Hogar, otorgándoles comida,baño caliente, cama adecuada, ropa, salud

Page 198: Memórias - Maria Teresa Cunha

198 Jaime Caiceo ESCUDERO. Los Orígenes del Hogar de Cristo en Chile

y educación. A su vez, se ideó la categoríade voluntario para todas aquellas personasque desearan destinar algún día o algunashoras para colaborar, atendiendo a los“huéspedes” en los diferentes Hogares. Tam-bién se creó una sección de Viviendas conel objeto de construir mediaguas que ayu-daran a paliar las construcciones tan defi-cientes de los pobres (verdaderas pocilgas);esto partió en 1948, pero el mayor impulsose tuvo con la llegada desde Bélgica del P.Josse van der Rest, s. j. a partir de 1959.

En la Revista Ercilla , el P. Hurtadoescribió su concepción sobre el pobre, lo cualescandalizaba a muchos:

Yo afirmo que nuestro pueblo es grande,patriota, generoso, altruista, trabajador,piadoso. Es la miseria, son los harapos,los bajos salarios, las pocilgas y lasenfermedades las que anidan toda suamargura, causa de todas sus tragedias…Nosotros, el resto de la sociedad, tenemosla culpa del analfabetismo, de los vicios,de la vagancia y de la delincuencia… Yosostengo que cada pobre, cada vago, cadamendigo es Cristo en persona que cargasu cruz. Y como a Cristo debemos amarloy ampararlo26.

Ya en 1946 hubo que comenzar aorganizar los diferentes lugares en que sehabía establecido el Hogar de Cristo. De estaforma, surgieron las Hospederías para daralojamiento a los adultos, tanto hombrescomo mujeres, en General Velásquez conChorrillos27, la Escuela Granja en Colina28

–lugar situado a 30 minutos al norte deSantiago- para niños de 9 a 14 años y elHogar de la calle López para jóvenes de15 a 20 años29, lugar transformado en sucasa y durante el día salían a trabajar. Acargo de la Escuela Granja quedó en una

primera etapa el sacerdote diocesanoAlfredo Ruiz Tagle, pero a contar de 1948,se responsabilizaron los religiosos Siervosde la Caridad, conocidos como DonGuanella30; permanecieron a cargo de laobra hasta 1976, ayudados por lasFranciscanas Misioneras.

Junto a los Programas deHospederías, pronto surgió la necesidad deatención médica. De esta forma, en lamisma calle Chorrillos un grupo de profesio-nales de la salud (enfermeras, médicos, den-tistas y auxiliares), dirigidos por el Dr. RicardoBenavente, comenzó el Programa de Saluda contar de 1951. En 1959, el equipo, diri-gido en ese año por el Dr. Jorge Darrigrande,constaba de ocho médicos y seis dentistas,además de las auxiliares y las enfermeras.

2 El Hogar y los Niños y Jóvenesen Situación de Calle

Preocupados por los niños en situa-ción de calle, el propio sacerdote jesuitasalía cada noche a recogerlos a los lugaresen que más se juntaban: bajo los puentesdel Río Mapocho, en donde hacían fogataspara pasar el frío; la Piscina Escolar, quetenía paredes calientes, ideales para pasarla noche; en la Alameda frente a Ejército yen la Plaza Italia, arriba de un transforma-dor que les transmitía calor; y en las arcadasde la Vega Central. Al comienzo salía a piey, a partir de 1946, en una camioneta Fordverde, que le regalaron con el objetivo quepudiera recoger más niños en situación decalle diariamente; iba con café y cigarrillos,a fin de atraerlos; se sentaba a conversarcon los grupos o “patotas”, ofreciéndoles un

Page 199: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 193-205, jan./jun. 2008. 199

mejor lugar para pasar la noche o para vivir,si así lo deseaban con el objeto de recibireducación y tener un verdadero Hogar. Alcomienzo los niños o muchachos no que-rían acompañarlo, pero finalmente empeza-ron a hacerlo y, entre ellos mismos, difundíanel Hogar de Cristo. Algunos aceptaban ir sise les permitía llevar a sus fieles acompa-ñantes de la noche, sus perros.

Tal como se indicó precedentemente,al comienzo todos los niños y jóvenes eranllevados a la casa de la calle López a dor-mir, pero pronto se les permitió a quieneslo deseaban permanecer allí por todo el día,a fin de evitarles los peligros de la calle; deesta forma la Hospedería se transformó enHospedería-Hogar. En las primeras sema-nas había 25 niños, pero en 1946 se llegóa 140, de los cuales 50 permanecían todoel día y el resto iba sólo a dormir.

3 La Educación Social y el Hogarde Cristo

El P. Hurtado había concluido que laeducación era la principal causa de la po-breza en Chile; por ello, no se contentó sólocon darles alojamiento a los niños y jóvenesdesamparados; deseaba, además, entregar-les educación, haciéndoles tomar concienciade su dignidad humana y entregándolesun oficio; pretendía formar “ciudadanosútiles” a la patria. Por lo mismo, desde laHospedería-Hogar, los niños eran enviadosa estudiar a los centros del Consejo deDefensa del Niño31 y los adolescentes a laEscuela Pública n. 11 o al Patronato32.

Pero aquello no bastaba; eranecesario algo mejor y con claro objetivo

formativo y de instrucción; motivado por esainquietud, el P. Hurtado comenzó a solicitarayuda para abrir una escuela agrícola eindustrial, a fin de “recuperar a los niñospara una vida honrada y les enseñe atrabajar” 33. De esta forma surgió la EscuelaGranja, la cual se inauguró el 18 de mayode 1947, albergando a 57 niños y prontose llegará a 120.

En ese lugar los niños complemen-taban sus estudios primarios con talleresque los capacitaran para algún oficio (la-bores técnicas) y, además, colaborando enlabores del campo, aprendían, a su vez, esaslabores.

Con los jóvenes el sacerdote jesuitatenía un gran sueño: Construir un pabellónpara albergarlos y enseñarles los oficios dela construcción. Él no pudo verlo realizado,pero al año de su muerte, el 18 de agostode 1953, se inauguró en el mismo sectorde Chorrillos la Casa del Adolescente concapacidad para 150 menores, seis talleres34,una piscina para uso de los residentes y unteatro, el cual también se abría a la comu-nidad. Este lugar reemplazó al Hogar de lacalle López.

A las mujeres que alojaban enChorrillos 3828 se les ofrecía en la tarde delos miércoles y viernes clases de corte yconfección.

Después del deceso del sacerdotejesuita (18 de agosto de 1952) la labor afavor de los niños desamparados continúa.Así, pues, el 18 de julio de 1953 se inauguróel primer Hogar de Niñas, obra muydeseada por el P. Hurtado, a cargo de lasReligiosas del Amor Misericordioso, en calleAmengual 418. Desgraciadamente, en 1958

Page 200: Memórias - Maria Teresa Cunha

200 Jaime Caiceo ESCUDERO. Los Orígenes del Hogar de Cristo en Chile

un incendio destruyó ese Hogar, pero, alaño siguiente (18 de agosto de 1959) seinauguraron dos Hogares en la chacra LosAromos de la zona de Conchalí: Villa Teresitay Villa Bernardita, a cargo de las ReligiosasOblatas Canadienses. Surge, de esta forma,una concepción más familiar de losHogares: Recintos más pequeños. Allí se lesprepara para oficios domésticos y las seño-ritas con más aptitudes, estudian comercio.

A partir de 195635, se inició unanueva política con los Hogares de los niñosy jóvenes. En efecto, se integró ese año a laDirección del Hogar de Cristo el P. CarlosHurtado Echeverría s.j., en calidad de Vice-Capellán, quien, como educador introdujola práctica del Hogar Familiar; en esa políti-ca lo respaldará el P. Josse van der Rest s.j.,a contar de 1958. De esta forma, losHogares masivos son reemplazados porHogares Familiares; esta idea, sin embar-go, se concretó sólo a contar de 1962. Lanueva política apuntaba a que unmatrimonio con tres o más hijos, recibieraa doce más, como hijos adoptivos, en unambiente familiar en que se diera afecto ycariño; el papá podía trabajar fuera de lacasa y a la mamá se la contrataba por elHogar de Cristo para que se preocuparade educar a los doce hijos adoptivos,mandarlos a la escuela, preocuparse de susropas y comidas. Se deseaba borrar el am-biente de institución que tendía a estigma-tizar al menor o aislarlo de sus padres; seperseguía que los menores crecieran en unambiente lo más normal posible y queadquirieran experiencias que no habían vi-vido en su propia realidad; se pensaba queesta estrategia conseguiría de mejor forma

la rehabilitación de los niños y jóvenes. Eltrasfondo de esta política era técnico-peda-gógica, respaldada por teorías propias dela educación social. La primera experienciacomenzó en la población Rosita O’Higginsde la ciudad de Chillán con un matrimoniode cinco hijos propios; luego continuó enotras ciudades: Arica, Antofagasta, LosÁngeles, Concepción y Santiago. Para ope-rar, se ubicaban empresas que construíanpoblaciones y se adquirían en diferenteslugares tres casas pegadas, se unían y setransformaban en una gran casa quepasaba a ser un Hogar Familiar. Hasta1967 se mantuvo tal política, pero a contarde ese año, por razones presupuestarias, seelevó, por parte del Directorio del Hogar deCristo, el número de niños por Hogar dedoce a veinte, lo cual produjo la renunciadel sacerdote impulsor de esa política.

Esta experiencia significó que el P.Carlos Hurtado fuera invitado a tresCongresos de Menores efectuados en Eu-ropa (España, Italia y Francia) para queexpusiera la política de los Hogares Familia-res antes descrita, la cual fue muy bienacogida.

IV Evolución Histórica de laInstitución

La situación del Hogar de Cristo sefue manteniendo de la misma forma des-crita en los años siguientes en todas susobras (hospederías, hogares, viviendas,salud), pero extendiendo su accionar espe-cialmente a las Regiones, llegando a teneral año 2005 el 80% de sus actividades fuerade la capital y a lo largo de todo el país.

Page 201: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 193-205, jan./jun. 2008. 201

Ello significó que la institución se fuerahaciendo cada vez más compleja ynecesitando más socios que aportaranmensualmente una cantidad de dinero parael sustento de la misma, pues ésa es lamayor fuente de financiamiento.

Un hecho relevante en la historiainstitucional lo constituyó la visita de S.SJuan Pablo II a la sede central del Hogarde Cristo y a la tumba del P. Hurtado en suviaje a Chile en 1987.

El 23 de octubre de 2005, el PapaBenedicto XVI concretó solemnemente enRoma la canonización del P. AlbertoHurtado, logrando así formalizar lo que enChile se tenía por seguro: la santidad delfundador del Hogar de Cristo. Por lo mismo,este hecho fue relevante no sólo para lainstitución por él fundada y para laCompañía de Jesús, de la cual era miembro,sino que para todo el país. Para tener unavisión del avance de la institución en suscasi 61 años de vida, a esa fecha, se mos-trará a continuación un detalle de las obrasa lo largo del país en sus diferentes tiposde atención36 (enfermos terminales; adul-tos mayores; personas con discapacidad fí-sica o mental; atención a personas sin techo;atención a personas con vulnerabilidadsocial; y hombres, jóvenes y niños ensituación de calle albergados diariamenteo atendidos con apoyo educativo).

El Directorio de la Fundación del Hogarde Cristo estaba compuesto por: AntonioTusset, Presidente; P. Agustín Moreira, s.j.,Capellán; Marcos Lima, 1er. Vice-Presidente;Oriana Zanzi, 2ª Vice-Presidenta; José Zabala;Javier Beytía; Jorge Carey; Enrique García yMónica García de la Huerta, Directores.

Para cumplir objetivos complemen-tarios a su labor inicial, el Hogar de Cristoha creado otras Fundaciones dependientesde ella; entre ellas se destacan:1. Fundación Viviendas, nacida en los

primeros años de vida institucional, cuyoobjetivo es construir mediaguas para darsoluciones habitacionales rápidas y debajo costo a los sin techo.

2. Fundación “Ayuda y Esperanza”, creadaen 1966 con el objeto de entregar micro-créditos a personas pobres que deseanemprender actividades a fin de superarsu situación económica. También se apoyaa jóvenes emprendedores en situación depobreza costeándoles carreras técnicas.

3. Fundación para la Discapacidad Física“Esperanza Nuestra”, creada en 1970 porel P. Aldo Giachi s.j., con el propósito deacoger y entregar rehabilitación integrala adultos con discapacidad física ensituación de pobreza.

4. Fundación Educacional “Padre ÁlvaroLavín”, creada en 1993, a fin de centralizaren ella, la integración social de niñas,niños y jóvenes entre 11 y 17 años deedad, con acentuado retrasopedagógico, en situación de pobreza ode riesgo social; se persigue darleseducación de calidad y una formaciónintegral con recuperación de estudiosformales y capacitación laboral a fin deintegrarlos a la sociedad con compe-tencias laborales.

5. Fundación para la Discapacidad Mental“Rostros Nuevos” , creada como uncompromiso de un importante voluntariodel Hogar de Cristo que falleció, RodrigoZaldívar; en ella se acoge y rehabilita a

Page 202: Memórias - Maria Teresa Cunha

202 Jaime Caiceo ESCUDERO. Los Orígenes del Hogar de Cristo en Chile

personas de extrema pobreza condiscapacidad psíquica, integrándolos atrabajos remunerados.

6. Fundación Paréntesis, creada con el ob-jeto de integrar programas y acciones depersonas en vulnerabilidad social, talescomo: alcohólicos, drogadictos, excon-victos.

La institución en sus años de existen-cia se ha extendido a lo largo de Chile, através de sus 13 Regiones, teniendo en cadauna de ellas sedes37, de las cuales han sur-gido filiales y localidades. Al año 2005, lasituación era la siguiente38:

Page 203: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 193-205, jan./jun. 2008. 203

V Conclusiones

Al llegar al final de este trabajo sepuede concluir que los objetivos del mismose han logrado, pues se han expuestodetalladamente los orígenes del Hogar deCristo y, especialmente, la preocupación dela institución por los niños y jóvenes ensituación de calle; se ha descrito no sólocómo eran atendidos sino que también laforma de sacarlos de su estado, dándoleseducación formal, formación humana ymoral e instrucción en determinados oficiospara que cuando sean adultos puedanintegrarse a la sociedad formando unafamilia y teniendo acceso al mercadolaboral; en el fondo, se ha explicitado en laacción concreta la educación social.

Especial relevancia se dio a la des-cripción y análisis de la situación social deChile en la década del 40 del siglo pasado,la cual motivó al sacerdote Alberto Hurtadoa fundar el Hogar de Cristo, aplicando ladoctrina cristiana que señala que en el rostrode cada pobre se encuentra el rostro de Cris-to. En ciertos momentos históricos aparecenpersonajes que están a la altura de lostiempos y son capaces de impulsar con susideas y acciones las respuestas a determina-dos problemas; el P. Hurtado es uno de ellos.

Notas1 Ponencia para ser presentada en ISCHE 29 arealizarse en la Universidad de Hamburgo entre el25 y el 28 de julio de 2007.2 Canonizado en el 2005 por S.S. Benedicto XVI,transformándose en el segundo santo chileno.3 Canonized in 2005 by S.S. Benedicto XVI. He becamethe second Chilean Saint.4 Su mayor énfasis social le costó, sin embargo, lasalida de la Rectoría, pero fue nombrado, posterior-mente, Obispo de la Diócesis de Chillán.5 Entre ellos cabe destacar, entre otros, a EmilioTizzoni, Eduardo Cruz-Coke, Clotario Blest, EduardoFrei, Manuel Larraín, Alberto Hurtado, Oscar Larson,Jaime Eyzaguirre, Guillermo Viviani, etc.6 El Episcopado Nacional la formaliza en una CartaPastoral fechada el 25 de octubre de 1931, fiesta deCristo Rey.7 Cfr. Aliaga, F. Itinerario Histórico: De los Círculosde Estudios a las Comunidades de Base, p. 65/8.8 Cfr. Idem, p. 86/90.9 Antiguo condiscípulo suyo en la Escuela de Derechode la Universidad Católica de Chile.10 Cfr. Caiceo, J. “Algunos Antecedentes de la Pre-sencia de la Escuela Nueva en Chile durante elSiglo XX” en TEBETO XVIII, p. 371/88.11 Entre ellos cabe mencionar a Monseñor MiguelMiller, don José Maria Cifuentes, Monseñor Gilber-to Fuenzalida, Sra. Carmen Fernández, MonseñorJuan Subercaseaux, Sr. Pedro Lira Urquieta, Sr.Guillermo González Echeñique y el Presbítero Os-car Larson. Mayores antecedentes en Caiceo, Jaime“Influencia Pedagógica de Dewey en Chile” enEstudios Paraguayos, v. XVIII, n. 1-2, diciembre 1990-1995, p. 261/304.12 Joerissen, L. “Ideas Principales de la EducaciónNueva y su Influencia en la Escuela“, en RevistaUniversitaria, n. 8, Noviembre 1930, p. 1080.13 Traducida por el autor de este trabajo y publicadapor el Instituto Profesional de Estudios SuperioresBlas Cañas en 1990 y por la Universidad CatólicaBlas Cañas en 1994 en Santiago de Chile.14 Entre ellos sobresalen: El fin de la educación esindividual y social; el educando es un todo integradoen su personalidad, existiendo pensamiento y acción;los intereses del niño son el punto de partida del

Page 204: Memórias - Maria Teresa Cunha

204 Jaime Caiceo ESCUDERO. Los Orígenes del Hogar de Cristo en Chile

proceso educativo; el profesor es sólo un guía especia-lizado del alumno; valorar el juego y los trabajosmanuales como medios pedagógicos; importancia dela educación moral; importancia de la educación dela voluntad; una concepción más amplia de la discipli-na escolar; la escuela debe preparar para la vidademocrática y es un instrumento de reforma social.15 Cfr . Caiceo, J . Maritain, la Polí t ica y elSocialcristianismo en Chile.16 Hurtado, A. ¿Es Chile un País Católico? en ObrasCompletas, tomo 1, p. 117.17 Cfr. Idem, p. 117/28.18 Idem, p. 127.19 Idem, p. 131.20 Cfr. Magnet, A. El Padre Hurtado, p. 272/76.21 Prédica del P. Hurtado, citada en Rojas, H. Historiade un Milagro, p. 10/12.22 El Mercurio, citado por Magnet, A. Op. cit., p. 275.En esa frase está explícita la noción de educaciónsocial que se practicará en el Hogar de Cristo.23 Había sido donado a la Iglesia Católica por undestacado intelectual conservador, don Francisco deBorja Echeverría y, posteriormente, traspasado a laCompañía de Jesús.24 El Ministerio de Justicia de Chile le otorgó lapersonalidad jurídica en abril de 1945 con el nombrede Fundación de Beneficencia Hogar de Cristo,estableciendo en sus estatutos “que está entregadoal cuidado y dirección de la Compañía de Jesús”,institución de la cual era miembro el P. Hurtado.25 El primer Consejo estuvo compuesto por el R. P.Alberto Hurtado Cruchaga s.j., Capellán, y los laicosRamón Venegas Carrasco, Presidente; Rebeca Julliande Franke, María Covarrubias de Irarrázaval, Euge-nio Browne Verluys y Rodolfo Valdés Phillips. Suprimera sesión se realizó el 25 de mayo de 1945 enAlonso Ovalle 1471, Casa Provincial de la Compañíade Jesús y lugar de residencia del P. Hurtado. Apartir de 1949, el número de Directores se elevó de5 a 7. A contar de 1977, el Consejo, por una refor-ma a los Estatutos pasó a denominarse Directorio.Desde 1990, el Directorio ha estado recibiendo per-manentemente el aporte de los Consejos de Äreaso Comités, los cuales se dedican a estudiar ámbitosespecíficos del trabajo que se realiza en el Hogar.26 Los Capellanes Generales en la Historia del Hogarde Cristo han sido: R.P. Alberto Hurtado Cruchaga, s.j.

(1944/1952); R.P. Guillermo Balmaceda Mackenna, s.j.(1952); R.P. Alvaro Lavín Echegoyen, s.j. (1952/1962);R.P. José Cifuentes Grez, s.j. (1963/1966); R.P. AlvaroLavín Echegoyen, s.j. (1967/1980); R.P. Renato HeviaRivas, s.j. (1980/1981); R.P. Renato Poblete Barth, s.j.(1982/1999) y R.P. Agustín Moreira Hudson (2000 a lafecha). Hubo un período que existieron Vice-Capellanes: R.P. Carlos Hurtado Echeverría, s.j. (1956/1966) y R.P. Josse van der Rest, s.j. (1967).27 Ercilla, citado por Magnet, A. Op. cit., p. 279.28 El 26 de octubre de 1946 se inauguró formal-mente esa Hospedería para acoger diariamente a180 indigentes: En Chorrillos 3828 para atender a100 mujeres y en Chorrillos 3850 para acoger a 80hombres. El P. Hurtado estableció que cada huéspedhiciera un aporte diario (20 centavos de dólar pornoche), pues pensaba que esa suma simbólica edu-caba y salvaguardaba la dignidad del pobre. Prontose anexa una nueva construcción en Chorrillos 3715,con el objeto de aclimatar a los menores antes dellevarlo al internado; ese lugar será llamado “La Po-sada“ o el “Aguachadero” y existirá en ese lugar hasta1960. Allí, durante dos meses vestían sus propiasropas (harapos) y salían cuando querían; despuéseran vestidos con ropas nuevas y llevados a la EscuelaGranja para recibir un oficio y que ése fuera su Hogar .29 Gracias a una donación de 12 cuadras de JavierErrázuriz Letelier.30 Sin embargo, al comienzo se recibían allí de to-das las edades (5 a 19 años), y se les daba comidacaliente, cama con sábanas limpias y desayuno, conla presencia diaria del P. Hurtado. Al cabo de dosaños hubo que hacer la diferenciación por edades,pues los intereses de cada grupo eran diferentes yla preocupación por ellos también.31 Esta congregación llegó a Chile traída desde Romapor el propio P. Alberto Hurtado, quien, en un viaje,se lo solicitó a su Superior General, P. Luigi Alippi.32 Entidad pública33 Entidad privada, fundada en el espíritu de la IglesiaCatólica de acoger a los más necesitados, desdecomienzos del siglo XX.34 Citado por Rojas, H. Op. cit., p. 18.35 Entre otros, se ofrecían talleres de carpintería,hojalatería y carpintería, relacionados con laconstrucción. Posteriormente, se agregarán los de

Page 205: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 193-205, jan./jun. 2008. 205

mecánica (1953), desabolladura y pintura deautomóviles (1960).36 Cfr. Hurtado, C. Entrevista; Rojas, H. Op. cit., p. 31/32.37 Cfr. Hogar de Cristo. Cuenta Anual de Actividades

2005.38 Cada Sede tiene su propio Directorio.39 Fuente: Hogar de Cristo. Cuenta Anual deActividades 2005.

Referencias

ALIAGA, Fernando. Itinerario Histórico: de los Círculos de Estudios a las Comunidades de Base.Santiago de Chile: Equipo de Servicios de la Juventud, Talleres Gráficos Corporación Ltda., 1977.

BARRIOS, Marciano. Historia de la Iglesia en Chile. Santiago de Chile: Ed. Pedagógicas Chile-nas, S.A., 1987.

CAICEO, Jaime. “Algunos Antecedentes sobre la Presencia de la Escuela Nueva en Chile du-rante el Siglo XX”. In: TEBETO XVIII: ANUARIO DEL ARCHIVO HISTÓRICO INSULAR DEFUERTEVENTURA, Islas Canarias, España, 2006, pp. 371/388.

______. Influencia Pedagógica de Dewey en Chile. Estudios Paraguayos, Asunción del Paraguay:Universidad Católica Nuestra Señora de la Asunción, v. XVIII, n. 1-2, p. 261/304, diciembre 1990-1995.

______. Maritain, la Política y el Socialcristianismo en Chile. Santiago de Chile: Ed. Facultad deFilosofia, Pontificia Universidad Católica de Chile, 1994.

HOGAR DE CRISTO. Cuenta Anual de Actividades 2005. Santiago, 2006.

HURTADO, Alberto. El Sistema Pedagógico de Dewey ante las Exigencias de la Doctrina Católica.2. ed. (Traducción de Jaime Caiceo). Santiago: Ed. Universidad Católica Blas Cañas, 1994.

______. Obras Completas. 2. ed. 2 Volúmenes, Santiago de Chile: Dolmen Ediciones, 2003.

HURTADO, Carlos. Entrevista. Santiago de Chile, 4 de junio de 2007.

JOERISSEN, L.. Ideas Principales de la Educación Nueva y su Influencia en la Escuela. RevistaUniversitaria, Santiago de Chile: Universidad Católica de Chile, n. 8, noviembre 1930, p. 1080.

MAGNET, Alejandro. El Padre Hurtado. 4. ed. Santiago de Chile: Ed. del Pacífico, S.A., 1977.

OVIEDO, Carlos. Los Obispos de Chile 1561-1978. Ed. Salesiana, Santiago de Chile, 1979.

ROJAS, Haydée. Historia de un Milagro. Ed. Fundación Hogar de Cristo, Santiago de Chile, 1995.

Recebido em 12 de dezembro de 2007.Aprovado para publicação em 02 de fevereiro de 2008.

Page 206: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 207: Memórias - Maria Teresa Cunha

Os mosteiros e a institucionalização do ensinona Alta Idade: uma análise da história daeducaçãoThe monasteries and the institucionalization of theteaching in the High-Middle Age: an analysis of thehistory of education

Terezinha Oliveira

Dra. em História pela UNESP-Assis. Professora do Depto.de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEMe-mail: [email protected]

ResumoEste artigo tem como objetivo examinar o papel dos Mosteiros enquanto instituição educativa na Alta IdadeMédia ocidental, buscando ressaltar a sua importância. A perspectiva adotada nesse exame percorre oscaminhos apontados pela história, guiando-nos nas interpretações aqui explicitadas. Com efeito, conside-rar a construção das leis e das instituições humanas do passado são premissas essenciais para se enten-der os caminhos que as leis, as instituições e a educação percorrem no presente. Assim, por entender aeducação e seus diferentes lugares de realização de saberes, do passado e do presente, como espaçosespeciais de civilização e de construção de identidades sociais, é que analisaremos, neste trabalho, umadas principais, senão a mais importante, instituições educativas da primeira Idade Média: o mosteiro.

Palavras-chaveHistória da Educação. Mosteiros. Instituições Educativas. Alta Idade Média.

AbstractThis paper aims at investigating the role of the Monasteries, as centers of education of the Western High-Middle Age, trying to emphasize their relevance to education. The perspective adopted in our analysistravels all over the ways pointed out by history, thus guiding us in the interpretations reported in thepresent study. In fact, considering the form laws were made and ancient human institutions were constructedenable us to understand laws, institutions and education in the present days. Therefore, based on theassumption that education, and the different places for working the knowledge, either in the past or in thepresent days, as special spaces for being civilized and for constructing social identities, the focus of thisstudy will be on the analysis of one of the most relevant, or perhaps the most relevant educationalinstitution of the first Middle Age: The Monastery.

Key wordsHistory of the Education. Monasteries. Educational Institutions. High-Middle Age.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 207-218, jan./jun. 2008.

Page 208: Memórias - Maria Teresa Cunha

208 Terezinha OLIVEIRA. Os mosteiros e a institucionalização do ensino na alta...

Entre um estado histórico novo e o que oantecedeu, não há um vazio, mas sim umestreito laço de parentesco, pois, num certosentido, o primeiro nasceu do segundo(DURKHEIM, 2002, p. 24)

Estudar a História e a Filosofia daEducação em uma dada época história im-plica analisar a realidade social, política ecultural que produziu um dado modeloeducativo sem omitir o passado que propi-ciou seu surgimento. Nesse sentido, consi-derar a construção das leis e instituiçõeshumanas do passado é fundamental parase conhecer os caminhos que as leis, as insti-tuições e a educação percorrem no presente.

Assim, partindo do entendimento deque a educação e seus diferentes lugaresde realização de saberes, tanto no passadocomo no presente, constituem espaços es-peciais de civilização e de construção deidentidades sociais, analisaremos uma dasprincipais, senão a principal, instituiçõeseducativas da primeira Idade Média: o mos-teiro. Nesse exame procuraremos salientaralgumas das suas características educati-vas e que o tornou o espaço especial depreservação da vida, da cultura e da escritano Ocidente medievo, após o declínio doImpério Romano.

Para a análise dessa instituição edu-cativa retomaremos, além de estudiosos dahistória e filosofia da educação, dois docu-mentos do período que tratam da formaçãodo mosteiro como lócus de preservação davida e da cultura/ensino. São as regras deSão Bento, publicadas no Brasil sob o títu-lo Regra de São Bento e o capítulo 30 dasInstituições, de Cassiodoro, que versa So-bre os copistas e a recordação da ortogra-

fia. Deste documento, valer-nos-emos datradução feita por Lauand.

Escolhemos essas duas fontes primá-rias por julgarmos que elas expressam, commuita clareza, as duas questões que pre-tendemos examinar neste trabalho: o ensi-no como elemento essencial à preservaçãodo ser intelectivo e a necessidade da exis-tência de um lócus que preserve a vida e,concomitantemente, possibilite a preserva-ção dos saberes antigos, sua memória e,por sua vez, enseje a construção de saberesnovos e de novas relações sociais.

A nosso ver, os mosteiros medievaisproporcionaram aos homens justamenteessas duas coisas, na medida em que sepreocuparam em salvaguardar a vida sobseus dois aspectos essenciais: a sua integri-dade física e intelectiva.

Principiemos nossa discussão seguin-do os passos dados pelos estudiosos dessainstituição e, com isso, permitiram que ahistória fosse preservada em nossas me-mórias.

Segundo os estudiosos da História eFilosofia da Educação, (DURKHEIM, 2002;GRABAMANN, 1949; LAUAND, 1998;PIEPER, 1973; NUNES, 1979), o mosteirofoi o primeiro espaço de organização e pre-servação dos saberes na Idade Média. ElesSalientam que a concepção que temos deum local especialmente destinado à siste-matização do ensino e do conhecimentonasceu da idéia cristã de evangelizaçãopresente no mosteiro e nas escolas cristãsdessa época. Afiançam que a palavraescolare deu origem não só a escola, masque o conceito filosófico que norteou o ensi-no, ao longo do medievo, deriva dessa siste-

Page 209: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 207-218, jan./jun. 2008. 209

matização do conhecimento. Em razão dis-so recebeu o nome de Escolástica. Dessemodo, a instituição escola, os escolares quefreqüentavam essas escolas e o filosofarque emanava e, ao mesmo tempo, dirigiao sistema de ensino do período estavamimbricados a ponto de só podermos enten-der a existência de um em função dosdemais.

O estudioso alemão do início do sé-culo XX, especialista em Filosofia Medieval,Martin Grabmann, destaca a estreita vin-culação existente entre os escolares e o filo-sofar escolástico.

Por la aparencia y la forma externa, lafilosofía cristiana de la Edad Media nosaparece, según lo indica ya el nombre deEscolástica [...]

En la Alta Edad Media scholasticus es elmaestro de las artes liberales, de las sietedisciplinas libres del Trivium (Gramática,Lógica o Dialética, Retórica) y elQuadrivium (Geometria, Aritmética, Astro-nomia y Música). La palabra scholasticustiene también a veces hasta el siglo XII lasignificación de discípulo o escolar. Mástarde se llama escolástico en general atodo aquel que da enseñanza en lasescuelas, especialmente de Filosofia yTeología (GRABMANN, 1949, p. 34-6)

No trecho acima, Grabmann explicitaque a natureza do ensino medieval encon-tra-se diretamente vinculada à sua sistema-tização na escola, seja ela monástica oucatedraliça. Além disso, é esta sistematiza-ção da escola que enseja o surgimento dafilosofia cristã denominada Escolástica.

Se em Grabmann verificamos a es-treita relação entre os escolares e a filoso-fia cristã, em Durkheim, por seu turno, nasua consagrada obra Evolução Pedagógica,

encontramos uma estreita relação entre asescolas cristãs e monacais da Primeira Ida-de Média e as escolas contemporâneas noque diz respeito à sua organização e aosseus fundamentos. Segundo o autor, o sis-tema escolar contemporâneo principiou aexistir na Primeira Idade Média, seja pelaatuação da Igreja, seja pela presença dosmosteiros. Em suma, foi engendrado pelasinstituições cristãs entre os séculos V e VII.

O próprio autor estabelece um para-lelo importante entre os propósitos das es-colas daquele período histórico e o seu con-temporâneo. Evidentemente, os propósitosteóricos das escolas no século XIX não eramos mesmos da primeira Idade Média, es-pecialmente quanto ao caráter religioso.Contudo, a essência formadora permanecea mesma, não só até o século XIX, mastambém até os nossos dias. Continuamosa entender a escola como um lócus de for-mação geral, de estímulo e desenvolvimen-to de um pensamento universalizante e re-flexivo, de compreensão das questões so-ciais que o medeiam, em última instância,que ensine o filosofar e não somente con-teúdo programático.

Ora, para inculcar práticas, um simplesadestramento basta ou até é o único efi-ciente, mas idéias e sentimentos não po-dem comunicar-se senão através do ensi-no, quer esse ensino seja dirigido ao co-ração ou à razão, ou a ambos ao mesmotempo. Por isso é que, logo que foi funda-do o cristianismo, a prédica, desconhecidana Antigüidade, assumiu um lugar impor-tante; pois predicar, é ensinar. (DURKHEIM,2002, p. 29)

As palavras do autor exemplificamo sentido da educação que consideramos

Page 210: Memórias - Maria Teresa Cunha

210 Terezinha OLIVEIRA. Os mosteiros e a institucionalização do ensino na alta...

essencial para a formação dos homens emsua totalidade, ou seja, não se deve ensinarum conteúdo de forma isolada e mecanica-mente, caso pretendamos formar pessoase não indivíduos. Na verdade, existe umaprofunda diferença entre essas duas finali-dades da educação. Quando procuramosformar pessoas, estamos, na verdade, bus-cando formar seres capazes de estabelecerpremissas sociais, inquietos com os proble-mas que o cercam, que buscam construiridentidades coletivas. Pretendemos indiví-duos voltados para um bem comum dasociedade. Quando nos preocupamos emformar indivíduos, no sentido de despejarconteúdos, estamos também formandohomens, mas não estamos construindoidentidades coletivas, princípios universali-zantes direcionados à sociedade como umtodo. Enfim, não estamos integrando esteser em uma comunidade. Insistimos namáxima aristotélica, seguida por Tomás deAquino, de que o homem é um animal po-lítico que nasceu para viver socialmente. Noentanto, não damos aos nossos alunos osentido mais importante do ser humano, oser coletivo, o ser que só existe mediante aexistência e convivência com seus pares. Emúltima análise, não ensinamos ou, então, oque é ainda mais grave, retiramos de nossascrianças o sentido de pertencimento social.

Reside neste aspecto a característicaessencial das escolas cristãs e monacais daprimeira Idade Média. Premidos pela neces-sidade de dar ao que restará do Impérioromano (instituições e homens) e aos po-vos do norte (migrações nômades) queassolavam esse espaço uma forma de so-ciedade, os teóricos cristãos viram-se diante

da urgência de sistematizar um novo modode vida e, com ele, um sistema de ensinoque possibilitasse o desenvolvimento de umsentido de pertencimento social. Em suma,precisavam construir uma comunidade so-cial que integrasse os homens e lhes des-sem um sentido de universalidade.

Essa proposta de universalidade so-cial, de integração dos homens, é transpos-ta para o sistema de ensino adotado nasescolas cristãs e nos mosteiros. É ele queprocura dar a esses seres uma identidadee o sentido vital de pertencimento e vínculoa uma comunidade, condição sine qua nonpara a existência dos homens em qualquerperíodo histórico. Eis como isso aparece ní-tido na análise de Durkheim.

Na Antigüidade, o aluno recebia sua ins-trução de professores diferentes uns dosoutros e sem nenhuma ligação entre eles.O aluno ia aprender a gramática na cassado gramatista ou do literato, a música nacasa do citarista, a retórica na casa doretor, etc. Todos esses diversos ensinamen-tos juntavam-se nele, mas ignoravam-semutuamente. Era um mosaico de ensina-mentos diferentes cuja ligação era mera-mente externa. Vimos que a situação eratotalmente oposta nas primeiras escolascristãs. Todos os ensinamentos reunidoseram dados num mesmo local e, portanto,submetidos a uma mesma influência,auma mesma direção moral. Era a que ema-nava da doutrina cristã; era a que fazia asalmas. À dispersão de outrora sucedia-se,portanto, uma unidade de ensinamento.O contato entre os alunos e o professordava-se, entretanto, a todos os instantes.[...] Ora, essa concentração do ensinamentoconstitui uma inovação fundamental, quetestemunha a profunda mudança ocorri-da na concepção que se tinha da nature-za e do papel da cultura intelectual.(DURKHEIM, 2002, p. 34)

Page 211: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 207-218, jan./jun. 2008. 211

Ao salientar as diferenças existentesentre o ensino na Antigüidade e o ensinonas nascentes escolas cristãs, Durkheim evi-dencia a preocupação que os teóricos cris-tãos tiverem em estabelecer uma forma deensino que agregasse as crianças, diferen-temente do que acontecia no ensino antigo.Cumpre ressaltar que essa inquietação nãonasceu somente de um preceito religioso edogmático de converter todos ao cristianis-mo, mas da imperiosa necessidade de seerigir uma sociedade.

Nesse sentido, faz-se necessário con-siderar as diferenças existentes entre essesdois estados sociais. Assim, na Antigüidade(Polis grega, República e Império Romano),as instituições, as leis e o governo assegura-vam a existência dos homens e, portanto,havia algo que os unia e definia a identida-de coletiva, bem como o sentido de perten-cimento social. Na sociedade cristã que emer-gia, ao contrário, a única coisa perceptívelera o caos das instituições romanas e a ruínaprovocada pelos saques e pilhagens dasmigrações nômades que adentravam o es-paço geográfico e social do que restara domundo romano. Nesse cenário de crise social,a religião cristã assume o papel de governoe principia a construção de uma nova co-munidade a partir daquilo que ela tem con-dições de erigir, ou seja, conta com os res-quícios das instituições romanas, com o povoromano e os povos que emigram do norte.

Exatamente por estarem criandouma nova sociedade e novas identidadescoletivas, os teóricos cristãos propõem umaforma original de ensino, bastante distinta,como nos mostra a passagem de Durkheim,do modelo greco-romano. Nessas escolas

nascentes, os escolares aprendiam, num úni-co local e em conjunto, além dos conteúdosdas sete artes liberais, as premissas funda-mentais da universalidade cristã. Em últimainstância, apresentava-se para a sociedadeum projeto de escola e de ensino no qual apreocupação primeira era agregar a pessoadentro de um princípio geral. Desse modo,aí nasciam as raízes de uma instituição queconserva essas premissas até hoje: a de umaformação integralizadora e universal.

Os mosteiros são, pois, oriundos des-se espírito de preservação, construção eintegração universalista que permeava osideais cristãos nos séculos V e VI da primeiraIdade Média. Cumpre ressaltar que os mos-teiros, então, expressavam, efetivamente,um momento novo e original na históriado Ocidente, pois expressavam o lócus depreservação da cultura e da vida, como jáfoi dito anteriormente.

Segundo Pieper, os mosteiros, antesde tudo, especialmente o fundado porBento de Núrsia, simbolizaram o início daIdade Média. O autor define o ano de 529como um momento de transição entre asduas formas de filosofar, pois, nesse ano,Justiniano fecha a academia de Platão, ex-pressão do filosofar antigo, e Bento deNúrsia funda o mosteiro que construiu onovo filosofar, prenhe do espírito cristão.Para ele, a escolha dessa data não é alea-tória, mas uma evidência de que os homensnão podem viver sem espaços destinadosao saber. No momento em que a antigaforma do saber, expressão do conhecimentogreco-latino se encerra, os homens erigemum novo espaço, que possibilita o desen-volvimento dos novos saberes, portanto, do

Page 212: Memórias - Maria Teresa Cunha

212 Terezinha OLIVEIRA. Os mosteiros e a institucionalização do ensino na alta...

novo filosofar, o cristão.Naturalemente es imposible especificar unmomento determinado, una fecha, parael comienzo de la Edad Media. No obstantese suele citar un año que posee un signifi-cado especial, simbólico por así decir. Esel ño 529. [...]. En el año 529 un edicto delemperador cristiano Justiniano cierra laAcademia platónica en Atenas, [...] SanBenito funda Montecasino; es decir, entreRoma y Nápoles, sobre un alto y junto auno de las rutas estratégicas de la invasiónde los bárbaros, surge el primer monas-terio benedictino. Com ello se ponde demanifiesto en realidad algo así como unlímite en el que se tocan mutuamentedos edades, una pasada y outra quecomienza. Sin embargo, la contraposicióntiene un múltiple significado que no sededuce sin más de los acontecimientosdel año 529, aunque éstos apunten aaquél (PIEPER, 1973, p. 19-20).

A fundação do mosteiro de SãoBento é a constatação de que a nova socie-dade que então emergia não sobreviveriasem um espaço próprio de preservação davida e do conhecimento.

Durkheim, no texto já mencionado,também destaca a importância dos mostei-ros da primeira Idade Média na preserva-ção e construção dos saberes cristãos.

[...] O mundo parecia estar a ponto de aca-bar: orbis ruit, o mundo desaba para todosos lados, e multidões escapavam para lo-cais desertos. Desde o início, porém, o cris-tão monacal distinguiu-se do hindu mona-cal, por exemplo, na medida em que ja-mais foi contemplativo. É que o cristão éobrigado a cuidar não só de sua salvaçãopessoal como também a da humanida-de.[...]. A verdade que possui não pode serpiedosa ou zelosamente conservada sópara ele, mas deve ser difundida ativa-mente ao seu redor. Deve abrir à luz os

olhos que não vêem, deve levar a palavrade vida ao que a desconhecem ou não aouviram, deve recrutar novos soldados paraCristo. Para isso é indispensável que nãose encerre num isolamento egoísta; é pre-ciso que, ao mesmo tempo em que fogedo mundo, mantenha relações com ele.Assim é que os monges não foram sim-ples solitários meditativos, mas sim ativospropagadores da fé, pregadores, conver-sores, missionários. Assim é também queao lado da maioria dos mosteiros ergueu-se uma escola, na qual não só os candi-datos à vida monacal como também ascrianças de todas as condições e de todasas vocações vinham receber instrução aomesmo tempo religiosa e profana.(DURKHEIM, 2002, p. 30 – Grifo nosso)

Acreditamos que as palavras deDukheim contradizem determinadas defini-ções de monges que temos da Idade Médiacomo seres fechados e isolados em si mes-mos e que viviam somente para a medita-ção. O autor nos descreve uma realidadecontrária a essa imagem. Ao mesmo tempoem que os monges se isolam do mundo,um mundo em ruína, ressalte-se, eles tam-bém se aproximam dele para disseminaras idéias cristãs, cuidar dos povos, abrigaros viajantes, criar escolas para atender nãosó aqueles que pretendem seguir a regra,mas também aqueles que buscam umaformação.

Não podemos nos esquecer igual-mente que os mosteiros eram consideradoslocais sagrados nessa primeira Idade Mé-dia, o que os protegia, em geral, dos saquese pilhagens que assolavam os demais espa-ços sociais. Em função dessas característi-cas, os monges conservam o sentido doviver em comum, sentimento que é essen-cial para a existência da sociedade. Ao

Page 213: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 207-218, jan./jun. 2008. 213

mesmo tempo em que se isolam da socie-dade, criam para e nela uma possibilidadede integração social por meio da proteçãoe do ensino.

As palavras de Ullmann não nos dei-xam dúvidas acerca dessas funções dosmosteiros e, especialmente, das escolasmonacais.

A atividade dos fundadores das primeirasescolas monacais e episcopais [...] estavavinculada a uma clara determinação polí-tica e religiosa, isto é, despertar na popu-lação a consciência de pertença ao impé-rio que estava surgindo. E, embora poucostivessem acesso ao ensino ministrado, aeles se deve, contudo, o fato de o cristianis-mo não ter permanecido no nível quasemitológico. Pode-se dizer, também, que aformação dos Estados europeus, mais tar-de, reside na consciência profana de eman-cipação adquirida nas escolas.

Cada convento beneditino possuía a suabiblioteca e um scriptorium ou sala decopistas, onde os monges reproduziam tex-tos antigos. Harmonizavam sua divisa –ora et labora – com trabalho manual, inte-lectual e oração.

[...]

As escolas monacais e os mosteiros nãoviviam isolados. Além da troca epistolar,matinham intercâmbio de códices, os quaiseram copiados para enriquecer os tesourosdas bibliotecas. Salvaram-se, assim, muitasobras, que, sem o labor persistente dosmonges, para sempre teriam desaparecido.Graças a eles, sobreviveram as humanida-des clássicas. (ULLMANN, 2000, p. 35-37)

Ao descrever os principais papéis de-sempenhados pelos monges, este autor nosaponta para características que considera-mos essenciais a qualquer instituição quedesempenhe atividades voltadas para a

construção de uma dada sociedade e, porconseguinte, para o bem comum dos ho-mens.

O primeiro aspecto que considera-mos fundamental a essa instituição vincula-se à clareza com que cria e desenvolve umprojeto político pedagógico de organizaçãoe direção social. Sob esse aspecto as escolasmonacais não deixam margem para dúvi-das, pois, desde o seu nascimento, estiveramdirecionadas para o ensino e para desenvol-ver nos homens um sentimento de pertenci-mento social. O segundo aspecto, e de nãomenor relevância, foi o cuidado com queos monges se dedicaram à preservaçãodos conhecimentos antigos por meio dotrabalho dos copistas. Essa preocupação foiessencial à conservação das obras greco-latinas, mas, fundamentalmente, despertouo espírito da leitura, da escrita, da preser-vação da língua latina. Como salientaUllmann, graças a eles, “sobreviveram ashumanidades clássicas”. São elementosessenciais para a preservação da cultura econdição básica para o ensino. Um terceiroaspecto a ser ressaltado diz respeito aocaráter democrático (usamos esta palavrapor ser a que melhor expressa o que pre-tendemos destacar aqui, mas não deve serinterpretada no sentido que lhe damoshoje) dos mosteiros. As escolas monacaisnão acolhiam somente aqueles que se des-tinavam à vida na Regra, mas cuidou decriar dois espaços destinados ao ensino: umpara os futuros monges e o outro para acomunidade em geral.

Os mosteiros tinham um caráter pa-radoxalmente aberto, pois, ao mesmo tem-po em que seu viver implicava isolamento,

Page 214: Memórias - Maria Teresa Cunha

214 Terezinha OLIVEIRA. Os mosteiros e a institucionalização do ensino na alta...

as suas escolas abertas à comunidade, oseu papel de hospedeiros e a sua propostapolíticasde de universalização do cristianis-mo os tornavam instituições abertas parao conjunto da sociedade. Mais do que isso,criadora de princípios agregadores, destina-dos à construção de um bem comum. Es-ses aspectos, indubitavelmente, tornam osmosteiros locais de propagação do ensinoe do viver social. Eis as razões porque osconsideramos exemplos fundamentais àsnossas atuais instituições de ensino.

A regra de São Bento

Para Ullmann, e seguramente ele nãoé o único, “O movimento monástico atin-giu a culminância com São Bento (480-543), verdadeiro fundador das escolasmonacais, em sentido estrito” (ULLMANN,2000, p. 34). As palavras do autor explicitama importância de Bento de Núrsia para adivulgação do modelo monacal em todo oOcidente. Ao longo de toda a Idade Média,e até os nossos dias, encontramos mongesbeneditinos. As suas regras tornaram-se pre-ceitos educativos para toda a Idade Média,não só no interior dos mosteiros, mas regu-lou relações humanas na sociedade.

O espírito de São Bento era difundiruma organização da vida baseada nos pre-ceitos religiosos e construir, por meio da edu-cação, da submissão e do conhecimentointelectual, a comunidade cristã, na qual omosteiro era a sua sólida fundação. Já noPrólogo da Regra ele destaca a função dela:“Devemos, pois, constituir uma escola doserviço do Senhor” (REGRA, 1993, p. 14).Esta concepção norteou todas as regras,

desde a que cuida da oração, da proprieda-de, do trabalho e da submissão até a esco-lha do abade. Em síntese, toda a vida e asescolhas do monge e dos homens devemser feitas a partir da idéia do conhecimentoe do projeto cristão de sociedade.

Desse modo, ao definirmos comouma de nossas fontes a proposta de educa-ção cristã presente nas regras de São Bento,no século VI, acreditamos que poderemosentender um pouco mais sobre a educaçãono seu sentido mais geral, pois os 73 pre-ceitos da Regra tratam diretamente do com-portamento humano.

Evidentemente essa proposta estáprenhe de conteúdo religioso, pois o homemque se pretendia formar por meio dos pre-ceitos era um ser, não só cristão, mas tam-bém um homem que se devotasse integral-mente a Deus e à religião cristã. Ora, se essaproposta educativa é tão distinta das atuais,em que medida então conhecer e analisaressa proposta nos permitiria conhecer aeducação em um sentido mais geral?

O argumento que podemos oferecera essa indagação, além dos já menciona-dos anteriormente, quando analisamos ahistoriografia da educação e da filosofia,só pode ser entendido a partir de nossacompreensão dos fundamentos da educa-ção. Ou seja, de que a educação é um acon-tecimento total que acompanha os homensnos seus mais diferentes momentos da vidae que, insistentemente, procura inserir acriança no meio social em que ela vive.

Não podemos nos esquecer de queA Regra de São Bento apresenta uma pro-posta de educação para um momentomuito peculiar e particular da história do

Page 215: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 207-218, jan./jun. 2008. 215

Ocidente. O século VI, século da criação domosteiro de São Bento, é marcado pelo pro-cesso de desestruturação das instituiçõesromanas, pela contínua chegada de migran-tes nômades que assolam o Império Roma-no do Ocidente, desde fins do século IV; lo-go, é um período de grande comoção social.

É, pois, nesse cenário de perturbaçõesque assistimos ao nascimento do mosteirode São Bento e de sua regra. Por conse-guinte, tanto o mosteiro como a Regra (queestamos tratando como proposta pedagó-gica) surgem em reposta a um dado mo-mento histórico em que os homens preci-sam buscar caminhos e soluções para osnovos problemas que surgem. Essas solu-ções passam, de acordo com São Bento,pelo bem viver cristão. Já no capítulo 4 daRegra, intitulado Quais são os instrumentosdas boas obras, São Bento apresenta 78máximas que devem fazer parte do vivermonástico. Nelas, ressalta atitudes compor-tamentais que são importantes para o con-vívio social.

[...]3. Em seguida, não matar;4. Não cometer adultério;5. Não furtar;6. Não cobiçar;7. Não dar falso testemunho;8. Honrar a todos os homens;18. Prestar socorro na tribulação;22. Não satisfazer à ira;24. Não guardar a falsidade no coração;34. Não ser orgulhoso;36. Não ser guloso;38 Não ser preguiçoso;

47. Ter diariamente a morte como possí-

vel diante dos seus olhos;

51 Guardar sua boca das palavras másou depravadas;

53. Não falar palavras vazias ou que sósirvam para o riso;

73. Voltar à paz antes do pôr-do-sol comquem se teve uma discórdia;

78. A oficina onde trabalharemos comdedicação nisso tudo são os claustros domosteiro. (REGRA, 1993, p. 23-26)

Mencionamos algumas das 78 parase ter uma idéia de que as máximas propos-tas por Bento tinham por finalidade edu-car os homens para um determinado modode vida que, em última instância, assegura-va a existência da comunidade. Afinal, nãofurtar, por exemplo, implica um compor-tamento moral que assegura a existênciada propriedade e da liberdade do outro.Não dar falso testemunho é um crime atéhoje punido por lei, mas que implica tam-bém não mentir, ser reto. Não falar pala-vras vazias implica fazer uso da razão, re-fletir antes de falar, ou seja, fazer uso daprincipal qualidade humana, o intelecto.Aliás, a máxima 78 é um exemplo típico deque Bento entendia os trabalhos no mos-teiro como um elemento importante paraa estabilidade da comunidade.

Ao considerarmos essas máximasque fazem parte de uma das regras e asdemais regras apresentadas por Bento, po-demos observar que muitas delas são im-portantes para o convívio de qualquer co-munidade: é-lhes indiferente se viver reclusono mosteiro, se viver na Idade Média ouna atualidade. São preceitos educativosgerais que devem fazer parte da formaçãodo homem desde o seu nascimento. Logo,

Page 216: Memórias - Maria Teresa Cunha

216 Terezinha OLIVEIRA. Os mosteiros e a institucionalização do ensino na alta...

imprescindíveis a qualquer pessoa que pre-tenda exercer atividades pedagógicas, poisnos ensinam, antes de tudo, que o papelda escola é dedicar-se ao ensino e ao saberpara formar pessoas capazes de conviverem comunidade.

Se as Regras de São Bento ensinammáximas que preparam os homens para oconvívio social por meio de preceitos quedevem observar enquanto integrantes deuma comunidade, as Instituições deCassiodoro revelam a importância dosmosteiros não só como local de proteçãodos homens, os viajantes, mas tambémcomo de difusão do saber, valorizando asatividades do copista (Capítulo 30).

Cassiodoro (c. 485-580)Instituições - Cap. 30. Sobre oscopistas e a recordação daortografia

De acordo com Lauand, “[...] a grandecontribuição de Cassiodoro foi perceber queesse componente fundamental para a edu-cação, a skholé – as condições (exteriorese interiores) de tranqüilidade e abertura daalma para o estudo –, só podia dar-se, naépoca, no mosteiro” (LAUAND, 2006, p. 1).

Cassiodoro funda, em 555, o mos-teiro de Vivarium, iniciando um intenso tra-balho de preservação do conhecimentoantigo e, fundamentalmente, de ensinodesta cultura ao lado do escritos sagradosdo Cristianismo. Exatamente por ter emmente a preservação da cultura e do ensi-no, ele estimulou neste mosteiro as ativida-des do copista. A nosso ver, é por valorizaresta atividade que Cassiodoro dedica o ca-

pítulo 30 às atividades do copista, chaman-do a atenção para o fato de que, de todasas funções existentes no mosteiro, a docopista é a que mais lhe agrada.

Quanto a mim, eu vos manifesto minhapredileção: entre as tarefas que podeis rea-lizar com esforço corporal, a dedicação doscopistas, se escrevem sem erros, é – etalvez não injustamente – o que mais meagrada. Pois, relendo as Escrituras divinas,instruem de modo salutar sua mente ecopiando espalham por toda parte os pre-ceitos do Senhor. (CASSIODORO, Institui-ções, cap. 30)

Na atividade do copista, três aspec-tos necessários à formação do homem daprimeira Idade Média se destacam. Em pri-meiro lugar, a valorização do trabalho. Afi-nal, ao copiar os escritos, os monges traba-lham. Em segundo lugar, a difusão do saber:ao copiar um escrito sagrado ou profano,o monge copista divulga e conserva a me-mória do conhecimento produzido peloshomens. Em terceiro lugar, o copista contri-bui para a formação das pessoas, especial-mente dentro do espírito cristão, pois disse-mina o evangelho.

Ao prosseguir em sua reflexão sobrea atuação do copista, Cassiodoro salientaque ele desempenha um papel fundamen-tal no processo de construção da identida-de cristã, pois sua atividade é “[...] o pregaraos homens com a mão, abrir línguas comos dedos, dar em silêncio salvação aosmortais e – com a cana e a tinta – lutarcontra as ilícitas insinuações do diabo.”(CASSIODORO, Instituições, cap. 30) Aomostrar que o copista, mesmo em silêncio,divulga a palavra cristã e propicia a salva-ção das almas, Cassiodoro nos mostra

Page 217: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 207-218, jan./jun. 2008. 217

quanto esta atividade foi importante paraa construção do ideal cristão, pois contri-buiu para a difusão desta idéia tanto quan-to os demais pregadores do cristianismo.

Mais à frente, em suas reflexões,Cassiodoro explicita algo fundamental noprocesso educativo, ou seja, a idéia de queo copista dissemina o conhecimento mes-mo estando ausente e distante daquele queo recebe.

[...] Ele, permanecendo em seu lugar, per-corre diversas províncias com a dissemina-ção de suas obras. Seu trabalho é lido emlugares santos. Os povos ouvem e podemrenunciar à sua vontade perversa e serviro Senhor com mente pura. Com seu tra-balho, ele age, mesmo estando ausente.(CASSIODORO, Instituições, cap. 30)

Destacaremos dois últimos elemen-tos desse capítulo de Cassiodoro acerca daatividade do copista. A primeira é quandoassocia a palavra livreiro à idéia de justiça“[...] Muitas coisas podem se dizer desta tãoilustre arte, mas basta chamá-los de livreiros[librarios], que se consagram à libra [balan-ça] da justiça do Senhor” (CASSIODORO, cap.30). O copista, ao difundir o conhecimento,estaria também contribuindo para o equilí-brio da justiça, pois os homens, de possedo conhecimento das palavras sagradas,agiriam de forma reta, contribuindo, assim,para o convívio social.

A segunda é quando valoriza a qua-lidade de artista do copista.

Acrescentamos a esses autores, artistasdoutos na cobertura de livros para que abeleza das letras sagradas se vestisse porcima com ornato: imitando talvez de algummodo aquele exemplo da párabola doSenhor, que cobriu com vestes nupciais

àqueles que julgava que deviam ser con-vidados ao banquete celestial em Sua gló-ria. (CASSIODORO, Instituições, cap. 30)

Afinal, as iluminuras que o mongefazia ao copiar as palavras, especialmenteas letras iniciais, serviriam para embelezara palavra do senhor e, com isso, valorizá-laainda mais. Não podemos nos esquecerque naquele momento da primeira IdadeMédia, os homens com os quais os teóricoscristãos contavam para erigir a sociedadecristã eram os povos nômades e a pleberomana. Daí a importância de destacar obelo, inclusive como uma forma de atrair esensibilizar esses dois povos que viriamconstruir a nova sociedade.

As palavras de Cassiodoro sobre oscopistas, do mesmo modo que as regrasde São Bento sobre o convívio diário dosmonges, nos servem de grandes exemplos.Neles está presente o sentimento do queseja uma escola. Ou seja, ela precisa difun-dir o conhecimento como os copistas o fi-zeram; ela precisa estabelecer regras deconvívio social como os monges o fizeram;e, acima de tudo, apresentar aos seres quea freqüentam ou convivem em suas ime-diações caminhos e idéias capazes de con-servar, construir e consolidar ideais coletivosde sociedade/comunidade. Evidentementenão estamos nos referindo somente à es-cola da nossa rua, embora ela tambémdeva desempenhar esses papéis, mas, fun-damentalmente, à Instituição maior que con-duz as crianças de um país, de um conti-nente. Afinal, os mosteiros medievais, domesmo modo que nossas escolas atuais,se difundiram por todo o Oriente e peloOcidente, mas foi no Ocidente que eles se

Page 218: Memórias - Maria Teresa Cunha

218 Terezinha OLIVEIRA. Os mosteiros e a institucionalização do ensino na alta...

transformam na instituição formadora dehomens, pois que é a instituição que tam-

bém forma a sociedade.

Referências

CASSIODORO, Sobre os copistas e a recordação da ortografia – Cap. 30. In: LAUAND (Trad.)Cassiodoro e as institutiones: o Trabalho dos Copistas. Disponível em: <www.hottopos.com>.Acesso em: 13 fev. 04.

DURKHEIM, Emile. A evolução pedagógica. São Paulo: Artmed, 2002.

GRABMANN, Martin. Filosofia Medieval. Barcelona: Labor, 1949.

NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo: Edusp, 1979.

OLIVEIRA, Terezinha. Escolástica. São Paulo/Porto: Mandruvá/Instituto Jurídico Interdisciplinar,2005. Coleção Nontandum – Série Libro 4.

PIEPER, Josef. Filosofía Medieval y Mundo Moderno. Madrid: Rialp, 1973.

ULLMANN, Reinholdo Aloysio. A Universidade Medieval. Porto Alegre: Edipucrs, 2000.

Recebido em 29 de abril de 2007.Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 219: Memórias - Maria Teresa Cunha

Estado Romano e instituições escolaresRoman state and school instituitions

José Joaquim Pereira Melo

Doutor em História pela UNESP – Assis. Prof. do Depto. deFundamentos da Educação e do Programa de Pós-Gradu-ação em Educação da UEM.e-mail: [email protected]

ResumoObjetivou-se com o presente trabalho fazer algumas reflexões acerca das instituições escolares romanasdurante a República e o Império. Nas pegadas dessas instituições, discutiu-se, primeiramente, o fenômenoeducativo nas esferas familiar e militar, para, em seguida, centralizar a discussão no papel assumido pela“iniciativa privada” nesse processo, o qual se deu em três níveis: elementar, médio e superior que, influen-ciados pela educação grega, tiveram a mesma estrutura, programas e métodos. Ainda marcando os seuslimites, o Estado esteve presente nos seus quadros formativos, quer para controlá-los quer para adaptá-losàs suas necessidades práticas e imediatas. Quando o Estado assumiu a educação como encargo público,essa ação se configurou mais como uma estratégia propagandística do que uma política pública.

Palavras-chaveInstituições escolares. Ensino. Roma.

AbstractThe aim of this work was to make an analysis about the Roman school institutions during the Republic andEmpire period. Following the path of these institutions, the educational phenomenon in the family andmilitar sphere was firstly discussed, for then, centralize the debate in the role of the “private institution” inthis process, that occurred in three levels: elementary, medium, higher; which, influenced by the Greekeducation, had the same structure, programs and methods. The State, still marking its boundaries, wasinvolved in the formation scene, either to control or to adapt it to its practical and immediate needs. Whenthe State took control of the education as public charge it was more like a propagandist strategy than apublic policy.

Key wordsSchool institutions. Teaching. Rome.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 219-231, jan./jun. 2008.

Page 220: Memórias - Maria Teresa Cunha

220 José Joaquim Pereira MELO. Estado Romano e instituições escolares

O apreço romano pela tradiçãomores maiorum, costumes dos antigos,criou as condições para que a família, en-quanto célula-máter da sociedade, assumis-se papel essencial na formação de criançase jovens sob sua tutela. Mesmo quando,mais tarde, com o advento das “escolas pri-vadas”, ela continuou tendo espaço signifi-cativo nesse processo.

Essa importância da família no fenô-meno educativo, para o orador e políticoCícero (106 a 43 a.C.), residia no fato de serela “o princípio da cidade, o seminário darepública” (Dos deveres I, XVII).

Como não podia ser diferente, a im-portância do papel formativo da famíliaevidenciou-se no sentido que foi dado aoseu conceito de educação: a palavra latinaeducatio, com a qual os romanos denomi-navam a educação, expressava um conteú-do semelhante ao termo grego trophé, evi-dente quando se tem em conta a origemdo verbo educo e um de seus significados:“alimentar”. Educatio era, pois, a “criação”física e moral que tornava a criança apta aadentrar o mundo dos adultos.

A partir de determinado momento, apalavra educatio passou a ser acompanha-da de outros termos, educatio et disciplinaou educatio puerilis, num indicativo de quea formação humana compunha-se deduas etapas: uma no lar e outra na escola.

A educação familiar

A educação romana, na sua fase re-publicana (509 a 27 a.C), caracterizava-sebasicamente pela paulatina iniciação nomodelo de vida tradicional, cujos princípios

eram o respeito e a assimilação dos costu-mes ancestrais: os mores maiorum. O ins-trumento de inserção nessa esfera até mes-mo sagrada, ou seja, o marco que respon-dia por essa formação, de forte tonalidadeética, era a família, conforme consideramestudiosos do tema:

Todos los historiadores del derecho seconplacen en subrayar la sólidaconstitución de la familia romana, laautoridad soberana de que está investidoel paterfamilias, el respeto de que es ob-jeto la madre romana: en ninguna parteel papel de esta célula social aparece contanta evidencia como en la educación. Ajuicio de los romanos, la família es el meionatural donde debe crecer y formarse elniño. (MARROU, 1988, p. 320)

Na esfera do lar, o processo formati-vo e os cerimoniais de passagem dos filhosdas famílias aristocratas destacadas e im-portantes, desde os primeiros momentos,eram plenos de simbolismos: logo após onascimento, o menino era colocado aos pésdo pai, que, ao tomá-lo nos braços e levan-tá-lo, tollere, suscipere, indicava a sua procla-mação como seu filho. Esse reconhecimentopor parte do pai tinha para o filho um valorpara além do simbólico, visto que o gestodo pater famílias, filium tollere ou suscipere,não significava apenas o reconhecimentoda legitimidade do filho, mas fazia dele osuus heres e, por ele, o pai se comprometiaa criá-lo, educá-lo e garantir-lhe os meiosde subsistência.

Aos oito dias do seu nascimento, acriança recebia o nome e, como presente, abulla, uma espécie de pequena cápsulametálica, de dez a setenta e cinco cm dediâmetro, redonda ou lenticular, que guar-

Page 221: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 219-231, jan./jun. 2008. 221

dava algumas substâncias especiais a quese atribuíam certas virtudes.

Esse primeiro presente paterno eracolocado no peito do menino, sobre a rou-pa, preso por uma corrente ou fio. O jovemsomente era despojado da bulla por voltados dezessete anos, juntamente com a togapraetexta, a roupa de gala dos meninos,momento em que ele era revestido da togavirilis. Essa cerimônia de troca de indumen-tária tinha o sentido de sinalizar a passa-gem do jovem aristocrata da infância paraa adolescência, que deixava a vida domés-tica para entrar na vida pública. Tambémera o momento em que deveria escolhersua futura carreira (REDONDO; LASPALAS,1997).

Enquanto importante rito de passa-gem, comemorava-se com grande festa,conforme as exigências do momento consa-gradas pela tradição e o destaque da famí-lia de que o jovem fazia parte.

Durante os primeiros sete anos davida da criança, cabia à mãe a responsabi-lidade por sua educação, o que envolviaos aspectos biológico, intelectual e moral.Quando ela se encontrava impossibilitada,por algum motivo, de exercer a sua função,buscava-se, entre os parentes respeitados,uma instrutora para ser a primeira mestra(PEREIRA, 2002). O recurso ao serviço deuma ama-de-leite era vigente já durante aRepública. No Baixo Império, com a genera-lização do uso da língua grega, tambémse tornou comum a contratação de aias epedagogos gregos para compartilharemcom os pais as tarefas próprias da educa-ção doméstica.

A partir dos sete anos, tinha início aintervenção específica do pai na educaçãodo filho, enquanto a filha permanecia emcompanhia da mãe, participando dos tra-balhos domésticos. Os pobres preparavamos filhos para o trabalho, enquanto os ricosensinavam-lhes a leitura (caso isso já nãotivesse sido feito pela mãe), a escrita, o cál-culo, as leis das Doze Tábuas – que todoromano devia conhecer –, os exercícios físi-cos e o manejo das armas, além do culto àsvirtudes morais e cívicas. A essa instruçãorudimentar eram, às vezes, acrescentadasnoções de geografia, de astronomia e deagrimensura. Como Roma nunca abando-nou o ideal que consagrava o indivíduo aoEstado, em todas as suas atividades e fun-ções, nos seus passeios e visitas, o pai fazia-se acompanhar dos filhos, a fim de, por meioda própria vida, prepará-lo para a vida.

Dessa maneira, cabia ao pai a intro-dução gradual do filho na vida profissionale pública. Ainda que, com o tempo, tivessehavido a participação de mestres “profissio-nais” na educação familiar, o verdadeiroeducador era sempre o pai.

A esse respeito, o historiador gregoPlutarco (45 a 125), lembrando o censorromano Catão (234 a 149 a.C), fala da in-cansável dedicação paterna “en la recomen-dable obra de formar y ensayar a su hijopara la virtud” (Vidas pararelas, “MarcoCatón”, 20,9).

Rigorosamente, durante toda a vida,mesmo depois de adultos e quando ha-viam galgado os mais altos postos públicos,os filhos ficavam submetidos ao pátrio po-der. Considerando-se então essa organiza-ção familiar e jurídica, é compreensível a

Page 222: Memórias - Maria Teresa Cunha

222 José Joaquim Pereira MELO. Estado Romano e instituições escolares

ausência do Estado romano em matériaeducacional. A liberdade de ensino era com-pleta e nada se sobrepunha ao poder dafamília na formação das novas gerações.

A conclusão da etapa doméstica daeducação ocorria entre os 16 e 17 anos eera marcada por um cerimonial em que oadolescente, conforme já mencionado, des-pojando-se da túnica com uma franja co-lorida, toga praetexta, e das insígnias quesimbolizavam a infância, envolvia-se comoutra, completamente branca, a toga civilis,com a qual fazia sua apresentação no foro.Era este um sinal de seu reconhecimentocomo cidadão e de integração à vida pú-blica. Isso não significava que a sua for-mação havia terminado, pois antes de darinício ao serviço militar, o jovem deveriadedicar-se por um ano ao tirocinium fori, a“aprendizagem da vida pública”. Salvo ex-ceção, o pai já não participava diretamentee recomendava o filho a algum ancião no-tável, próximo da família (PEREIRA, 2002),que gozasse de experiência e das honrasque a idade proporcionava. Findo o anodo tirocinium fori propriamente dito, semque isso afetasse a continuidade da “apren-dizagem da vida pública”, o jovem enga-java-se no exército.

A educação militar

A aprendizagem prática da vida mi-litar era gradativa: num primeiro momento,o jovem prestava serviço como soldadosem distinção, quando aprendia a obedecer,podendo até mesmo obter algum ferimentoglorioso ou realizar alguma façanha herói-ca, o que somaria pontos para uma futura

carreira política. O segundo momento eradedicado à prestação de serviço como oficialdo Estado Maior, tribunus militum. A fasefinal da formação era realizada com oassessoramento de algum alto persona-gem, ou do seu próprio pai, cujos passos ojovem aristocrata devia seguir e a quemdevia prestar respeito e veneração.

A condição de soldado foi uma neces-sidade criada pela produção da vida: era pre-ciso conquistar novas terras cultiváveis, tendoem vista que os recursos eram insuficientespara atender à população, que crescia diaapós dia. À medida que seus domínios seexpandiam, fazia-se necessário defendê-losde possíveis invasores – daí o espírito desacrifício, a disciplina, a audácia e a energiaserem qualidades ensinadas no exército.

Assim sendo, a educação, comoqualquer outro aspecto da vida, era, emgeral, controlada pelas necessidades práti-cas mais imediatas. Tudo era uma questãode sobrevivência, pois a utilidade constituíao fim principal dos atos do cidadão. A vidalhe fora concedida para que fosse colocadaa serviço da pátria e da sociedade, não paraser desfrutada com prazeres improcedentes(VIEIRA, 1984).

À medida que a influência da paidéiagrega foi se efetivando na educação roma-na, a educação informal foi perdendo ter-reno para a educação escolar.

A educação escolar

Importa lembrar que a escola, emRoma, nasceu com um caráter particular epor longo tempo permaneceu na esfera doprivado e livre, como instituição subsidiária

Page 223: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 219-231, jan./jun. 2008. 223

da ação educadora da família que seguiuassumindo plenamente – agora tambémpor meio da escola – sua função educado-ra. Em todo o caso, no período republicano,a educação era privada e livre. A esse respei-to Cícero fez algumas considerações:

Considerai agora, além disso, de quemodo se procurou assegurar aos cidadãosuma vida pura e honesta na sociedade,vida que é sua primeira causa, e o queos indivíduos da República devem esperardas instituições e das leis. Pelo que serefere ao primeiro de educação das crian-ças de condição assíduos dos gregos, eponto em que o nosso hospede Políbioacusa as nossas instituições de negligência,não se quis que se fixasse pelas leis, nemque fosse público o ensino, nem que paratodos fosse o mesmo. (Da República, IV, 3).

Os estudos literários e científicos, aenkyklios paidéa, eram constituídos por trêsníveis: elementar, médio e superior. Influen-ciados pela educação grega, tinham a mes-ma estrutura, os mesmos programas e osmesmos métodos da Hélade.

Respondem por essas escolas trêscategorias de educadores “profissionais”: omestre elementar, o gramático e o retórico.

Elucidativa, nesse sentido, foi a ca-racterização feita por Apuleio (século II), parademonstrar a efetividade e a contribuiçãodesses ‘profissionais’ no processo formativo.

Se cita a menudo la frase que pronuncióun sabio a propósito de un banquete: “Laprimera copa es para aplacar la sed; lasegunda, para la alegria; la tercera, parael placer; la cuarta, para la locura”. En cam-bio, inviertiendo los términos, la copa delas Musas, cuantas más veces se apura ymás puro es su vino, tanto más ayuda ala sabiduría del alma. La primera copa, laque nos brinda el maestro de escuela,

nos saca de la ignorancia; la segunda, ladel gramático, nos provee de conocimientos;la tercera, la del rétor, nos proporciona lasarmas de la elocuencia. La mayoría secontenta con beber hasta éste límite. Yohe apurado además otras copas en Atenas:Poesia, henchida de límpida transparencia;la de la música, llena de dulzura; la de laDialéctica, un tanto austera; y, sobre todo,la de la Filosofia universal, rebosantesiempre de inagotoble néctar. (Flórida, 20,1-4)

Mesmo destacando a importânciadesses profissionais do ensino no processoformativo, o escritor latino lembra que, aexemplo da enklyklios paidéia grega, havianecessidade da dedicação pessoal no cul-tivo dos conteúdos mais complexos, durantetoda a vida.

Escola elementar

A primeira escola elementar – oludus, a schola – de que se tem notícia emRoma, apareceu por volta de 449 a. C, des-tinada a alunos dos 7 aos 12 anos. Eraatendida pelo pimus magister, ludimagisterou litterator, um similar do gramatista grego.Os professores responsáveis por essas es-colas podiam ser antigos escravos, velhossoldados ou ainda indivíduos que haviamperdido todas as suas propriedades. Elesalugavam um pequeno ambiente chama-do pergula para instalar a sua “loja de ins-trução”. Semelhantemente a outros “negó-cios”, essas lojas eram instaladas no Foro,entre tantas outras tendas de “mercadorias”ali existentes. Com essa localização, era co-mum que todos os ruídos da rua chegassematé elas. As suas precárias instalações com-punham-se de alguns bancos para os

Page 224: Memórias - Maria Teresa Cunha

224 José Joaquim Pereira MELO. Estado Romano e instituições escolares

alunos e de uma cadeira para o professor.O deficitário material didático era constituí-do por algumas esferas, alguns cubos epoucos mapas. Com o recurso da vara, oprofessor obrigava seus alunos a repetireminterminavelmente lições referentes ao tex-to das Doze Tábuas.

A condição de professor, em relaçãoa qualquer outra que recebia salário, situa-va-se num plano de inferioridade e sofria omenosprezo do cidadão romano. Além dis-so, a insignificância do salário obrigava oeducador a ampliar a sua jornada de tra-balho com outras atividades, como a decopista, por exemplo.

Outro complicador do seu ofício, pelomenos no princípio, era a falta de autoriza-ção legal para a cobrança do serviço, mes-mo quando se tratava de presentes oferta-dos pelos alunos. Mesmo que, com o tempo,os presentes se convertessem em saláriofixo, recebido das famílias dos alunos, asleis não se modificaram e continuaram igno-rando a existência desse pagamento. Assim,até o final do Império, não era possível recla-mar juridicamente contra pais que se negas-sem a pagar os ensinamentos recebidospelos seus filhos. O quadro foi um poucodiferente em relação aos professores doensino médio e aos do ensino superior.

Enquanto as dimensões do ImpérioRomano ainda eram pequenas, os setoresdominantes contentavam-se com essa edu-cação deficitária; porém, à medida que ocomércio e as guerras avançaram e os ro-manos foram tendo contato com outrospovos, criaram-se novas necessidades eaquela instrução precária deixou de aten-der aos seus interesses.

A escola média

O ensino secundário latino teve iní-cio tardiamente e pode ser explicado pelainfluência grega que veio a sofrer, a qualfundava seu processo educativo na explica-ção de grandes poetas, particularmenteHomero e Hesíodo. No caso de Roma, nãohavia uma literatura nacional para dar res-paldo à educação, como na Grécia. Com aimportância que isso assumiu, pode-se atépensar que a poesia latina resultou dessaexigência, ou seja, ela surgiu para substituiro material grego utilizado, bem como pararesponder a uma exigência do nacionalis-mo romano, provavelmente insatisfeitocom um conteúdo educativo exclusivamen-te grego (MARROU, 1998).

Importa lembrar que nem todos osjovens participavam desse modelo de ensi-no, pelo fato de o caráter aristotélico da so-ciedade romana fazer do saber privilégiodos setores dominantes. Essa característicatornou a escola secundária menos difundi-da que a escola elementar.

Em face desse perfil, as escolas se-cundárias eram freqüentadas por jovensaristocratas, com idade entre 11 e 16 anos,que ficavam a cargo do grammaticus oulitteratus, cuja respeitabilidade e remunera-ção eram maiores que a do ludimagister.

Cabia a esses “profissionais” do ensi-no a formação de seus discípulos, a qualcompreendia o estudo da gramática e daliteratura, bem como da exposição, análisee comentários dos autores privilegiados. Aesse ensino eram agregados os da música,geometria, astronomia e a oratória.

No ensino literário, destaque era dado

Page 225: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 219-231, jan./jun. 2008. 225

aos seus aspectos gramaticais e filológicos,a partir de obras gregas e latinas, por meioda lectio (leitura), da enarratio (exposição,explicação), da emendatio (correção) e dojudicium (avaliação) (CAMBI, 1999), confor-me fora consagrado desde a sua fundação,portanto, deveriam ser preservados paragarantir a efetividade da tradição.

A escola superior

O ensino superior, na sua forma pre-dominante, a retórica, de orientação latina,surgiu em Roma, no século I da era cristã.

A primeira escola de retóricos latinosremonta ao ano de 93. No ano seguinte àsua fundação, foi fechada por um éditocensório, acusada de ser uma inovação con-trária aos mores maiorum. O espírito queanimava a nova escola inquietava setoresconservadores romanos. Afinal, idealiza-dores/teóricos desse modelo de ensino “mo-derno” mostravam-se opostos à retóricaclássica das escolas gregas, e mesmo quan-do nela buscavam inspiração, posiciona-vam-se contra a acumulação de regras, oque resultava no estabelecimento de rela-ções entre ensino, prática e vida.

Exemplo disso pode ser tirado dofato de temas tradicionais, como a decla-mação, serem constituídos de conteúdos davida cotidiana de Roma: questões relativasao direito marítimo e sucessório e, particu-larmente, debates que versavam sobre avida política daquele momento histórico.

Não resta dúvida de que nem todosos temas abordados diziam respeito à atua-lidade romana de então, ou de que todasas questões discutidas eram favoráveis aos

populares. Também não há dúvida de queo clima geral dessas escolas refletia os in-teresses ideológicos de seus idealizadores/teóricos.

Ademais, o ensino tradicional da re-tórica, pela sua relação direta com a línguagrega que exigia estudos longos e detalha-dos, ia ao encontro dos setores conserva-dores da sociedade romana. A proibição doensino retórico latino tinha, para eles, o sen-tido de preservar para seus filhos os bené-ficos da prestigiada arte do falar, que ago-ra estava sendo posta ao alcance de jo-vens ambiciosos dos segmentos populares(MARROU, 1998).

Essa modalidade de escola estavasob a responsabilidade do rhetor, que tinhaa incumbência do ensino da retórica e dadialética, e de outros “profissionais” versa-dos em direito e Filosofia.

A respeitabilidade social e as condi-ções econômicas de “profissionais” desseporte era variada, importando lembrar quenunca foi expressiva, salvo exceções, comofoi o caso do mestre da retórica Quintiliano(35-95).

Ao ensino da gramática e da retóricaagregava-se o da história, cujos objetivoseram o estudo dos modelos de estilo, assimcomo a memorização de uma gama deexempla destinadas a favorecer a memóriado orador.

Especificamente, o Direito e a Filosofiaconstituíam-se especialidades, e requeriam,sobretudo a Filosofia, uma vocação parti-cular.

A orientação dada à oratória, nosentido de buscar um setor da vida prática,o exercício do direito, expressou a

Page 226: Memórias - Maria Teresa Cunha

226 José Joaquim Pereira MELO. Estado Romano e instituições escolares

originalidade romana. Nesse caso, o fim daformação retórica era preparar para a carrei-ra do foro e para altos cargos na estruturaadministrativa do Estado Romano (RE-DONDO; LASPALAS, 1997), vocação quetrouxe consigo uma alta especialização dos“profissionais” dessa área do conhecimento.

Collegia Iuvenum

Com o novo perfil assumido pelo Im-pério (27 a.C. a 476 d.C), coube a Augusto(23 a.C a 14 d.C) dar à efebia grega a suaequivalente romana, os collegia iuvenum,colégios juvenis, cujos palcos principais fo-ram muitas cidades do ocidente do Império,o que significa uma demonstração do esfor-ço despendido para a restauração dos valo-res patrióticos, já desgastados entre osromanos.

Ao que tudo indica, a preocupaçãode Augusto era a juventude dos setoressenatorial e eqüestre, a qual deveria sernovamente despertada para o gosto pelapreparação militar, pelos exercícios físicose, em especial, pela equitação, atividadesaparentemente deixadas de lado no perío-do de Cícero. Colocam-se “em destaque asqualidades físicas, e a educação é, antesde tudo, utilitária. Nesse sentido, os exercíciosnão têm como fim a beleza do corpo, masformar o soldado” (VIEIRA, 1984, p. 104).

O seu alunado era composto de jo-vens oriundos das melhores famílias doImpério, objeto dos favores dos imperado-res de origem aristocrática. Com o tempo,mudanças de conteúdo foram efetuadaspelos soberanos não procedentes da no-

breza, motivadas, ao que parece, pelo re-ceio de que os colégios pudessem albergaruma oposição aristocrática.

Não há dúvida de que estes colégiosde jovens tiveram um papel político, mes-mo que isso tenha ocorrido apenas na esfe-ra das cidades.

Em decorrência da sua origem itálica,os collegia iuvenum ofereciam atividadesde ordem religiosa. Muitos deles consa-gravam seus cultos a uma divindade, aHércules, em especial (MARROU, 1998).Não é de estranhar que seus cultos, procis-sões, sacrifícios e banquetes rituais tivessemum caráter de festa e de acontecimentoprofano, porém, a atividade fundamentaldestas escolas, a exemplo da efebia grega,era a desportiva. Não eram jogos de está-dio, mas de circo e anfiteatro.

Durante o Império, o caráter parami-litar, ou pré-militar, dos collegia iuvenum foimodificado: eles passaram a ser, antes detudo, clubes aristocráticos (ABBAGNANO;VISALBERGHI, 1969), onde a juventude seiniciava na vida social e nos desportos tidoscomo elegantes e próprios para a nobreza.Essa nova orientação dos collegia iuvenumnão se aplicou a outras instituições quesurgiram a partir do século II, nas regiõesao longo do Reno e do Danúbio e na África.

O Estado e a política escolar

A expansão do sistema educacionaltrouxe consigo a necessidade de adoção,por parte do Estado romano, de uma polí-tica de intervenção e patronato nas escolas.Ao contrário do que acontecia nas cidadeshelenísticas, não existia em Roma um órgão

Page 227: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 219-231, jan./jun. 2008. 227

– “magistratura” – especial, responsávelpela supervisão ou inspeção dos estabele-cimentos de ensino.

Os incentivos fiscais adotados porCésar (100-44 a.C.) ou por Augusto foramdirecionados aos mestres estrangeiros, numesforço para atrair docentes gregos paraRoma.

Não obstante, foi Vespasiano (9-79)quem elaborou uma verdadeira política deisenção fiscal que beneficiou os mestres doensino secundário e superior. Iniciativas se-melhantes foram tomadas por outros impe-radores, mas a prática se consolidou ape-nas com o Código de Constantino. Entretan-to, como outras profissões tidas igualmentecomo de utilidade pública também forambeneficiadas, após esse período foram sen-do criadas medidas para restringir a esferade abrangência dessa política. Antonino(86-161) normatizou a questão, estabele-cendo números para os quadros públicos,embora as cidades tivessem a prerrogativade deliberar sobre os seus beneficiários.

el emperador distingue tres categorías deimportancia creciente que el jurisconsultoModestino identifica con las metrópolis deprovincia, las sedes de un distrito judicial y,en último término, las ciudades ordinarias.Según las categorías respectivas se admiten10, siete o cinco médicos; cinco, cuatro otres retóricos y el mismo número degramáticos. (MARROU, 1998, p. 411)

A política de isenção fiscal foi deixan-do de ser adotada quando, depois da eraCaracala (188-218), foi estendida aos alu-nos. Entre os que deixaram de ser beneficia-dos estavam os mestres primários, os doensino técnico, os de direito fora de Romae, em alguns casos, os filósofos (REDON-

DO; LASPALAS, 1997). A imunidade fiscalque Caracala concedeu aos estudantesdesencadeou uma situação de abusos, aqual, por sua vez, deu origem ao severoregulamento de 370. Segundo essa peçajurídica, os jovens das províncias que fos-sem estudar em Roma deveriam obter umaautorização prévia da autoridade compe-tente da sua região, com a qual eram recen-seados na capital. Entre as exigências, cons-tava a obrigatoriedade de comparecer pe-riodicamente no gabinete da autoridaderesponsável por essa migração. Sujeito auma severa vigilância, o estudante podiaser expulso da capital, caso seu comporta-mento não fosse compatível com as normasestabelecidas.

O limite máximo de idade para per-manecer estudando em Roma era até osvinte anos. Essa restrição parece contraditó-ria quando se tem em conta que, no BaixoImpério, o curso de retórica exigia longosanos de estudos e o de direito dificilmenteseria concluído antes dos vinte e cinco anos.

Outro aspecto da política educacio-nal dos imperadores refere-se às cátedrasoficiais. O primeiro a pôr essa política emprática foi Vespasiano, criando as cátedrasoficiais de retórica latina e grega, subvencio-nadas pelo fisco imperial, mas apenas paraRoma, e não para o restante do Império.

Vespasiano foi imitado por MarcoAurélio (121-180), em Atenas, onde foi cria-da, a expensas das arcas imperiais, umacátedra de retórica e quatro de filosofia,correspondentes às quatro linhas filosófi-cas: platônica, aristotélica, epicurista eestóica. Segundo Henri Marrou, a remune-ração dos mestres ocorria de acordo com a

Page 228: Memórias - Maria Teresa Cunha

228 José Joaquim Pereira MELO. Estado Romano e instituições escolares

importância da sua área de atuação: “Losfilósofos recebían anualmente unaremuneración de 60000 sextercios; elretórico 40000” (MARROU, 1998, p. 412).

Existem indicativos de que a dinastiaantonina adotou uma política em benefíciodos jovens. Destacam-se as instituições ali-mentares fundadas por Trajano (53-117), asquais eram mantidas pelos tributos debeneficiários de um sistema de créditoimobiliário e cujo objetivo era promover aeducação de um certo número de crianças,sem distinção de sexo. Acrescente-se a issoa preocupação em reagir, no plano eco-nômico e demográfico, à decadênciaromana.

De imperadores mecenas ao estadointerventor

Apesar das iniciativas já menciona-das, não se observa, por parte dos impera-dores, uma disposição para que a educa-ção fosse assumida pelo Estado. O AltoImpério não conheceu uma educação es-tatal. Mais do que uma política destinadaao bom funcionamento de um serviço pú-blico, as iniciativas dos imperadores, quasecomo um mecenato, eram propagandísti-cas, representavam formas de autopro-moção. Posteriormente, o Estado passou anecessitar de maneira especial da ciênciados administradores e, ao se integraremjurisconsultos ao Conselho do Imperador,revelava-se, de maneira clara, qual era operfil de especialistas necessário à burocra-cia estatal (PONCE, 1991). Por extensão, co-loca-se a necessidade de uma ação nessesentido.

O mesmo pode ser dito das cátedrasoficiais, que eram criadas pelo Imperadorem sua condição de mecenas, e não en-quanto responsável pelo bem público. As-sim, a criação das primeiras cátedras esta-tais pode ser relacionada ao conjunto deações que conferem a Vespasiano o cará-ter de um mecenas, protetor das artes e dasletras. Adriano (76-138) não fugiu à regra:suas iniciativas não indicam preocupaçãocom a reforma do ensino, mas sim, a deconceder, enquanto mecenas, pensões aretóricos célebres e favores aos gruposepicuristas de Atenas.

Na época do literato Plínio, o Moço(61-112) (GUILLEMIN, 1946), inúmeras ci-dades mantinham escolas públicas, gramá-ticos e retóricos como titulares das cátedraspúblicas. Esse quadro não foi uma caracterís-tica apenas do Ocidente latino, mas era co-mum também no mundo grego, conformese pode constatar na cidade de Atenas, ondeAntonino, antecipando-se a Marco Aurélio,criou uma cátedra pública de eloqüência.Apesar desse aspecto mecenático ou buro-crático estatal que cercou a organização dosistema educacional em Roma, pode-se di-zer que, à medida que a preocupação edu-cacional do mundo helenístico disseminou-se no Império Romano, ela se caracterizoucomo uma tendência geral. Esse clima favo-rável à educação ampliou-se a ponto deparecer cada vez mais necessário que todacidade importante mantivesse uma escolapública. No século IV, esse tipo de escola,então mantido com maior ou menor regu-laridade pelo orçamento público, surgiu pra-ticamente em todos os lugares: era aschola publica ou municipalis.

Page 229: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 219-231, jan./jun. 2008. 229

Apesar da expansão do ensino pú-blico em Roma, nem todas as escolas che-garam à condição de oficiais, pois conti-nuou a vigorar o ensino privado. Como omodelo de ensino era baseado na livre con-corrência, muitos professores, mesmo go-zando de notoriedade, viveram uma situa-ção econômica precária.

Desde Antonino, os imperadores vi-nham intervindo mais constantemente naeducação, objetivando despertar nas autori-dades municipais o interesse por abrir escolaspúblicas em suas cidades, bem como fixar ovalor dos honorários docentes (GAL, 1968).

Não obstante, essa intervenção so-mente se efetivou no Baixo Império, comJuliano (332-363). Esse imperador, ao queparece, sabia exatamente o que pretendia:preocupado em impedir que os cristãosassumissem o ensino do Império, tomou adecisão de nomear professores. A partirdesse momento, o imperador passou a in-tervir na educação de modo oficial e regu-lar, tornando o ensino, pela primeira vez nahistória da humanidade, um encargo doEstado (PONCE, 1991).

Um decreto de Juliano determinavaque o exercício da docência só era possívelpor meio da aprovação prévia do conselhomunicipal, devidamente referendada peloImperador. Dessa forma, ele assumiu a super-visão do ensino em todo o Império. Leis da-tadas de 376 determinavam que as grandescidades selecionassem os melhores retóricose gramáticos para a educação dos jovens.Ao que parece, com essas medidas, o Impe-rador não tinha por objetivo restringir o direitodas demais cidades de escolher seus mestres,mas sim, fixar, entre outros aspectos, o valor

de sua remuneração.con cargo al presupuesto municipal debíanabonarse 24 anonas a los retóricos, 12 alos gramáticos, latinos o griegos, en la ca-pital de Téveris estas cifras se elevan a 30y 20 (para el gramático latino; su colegagriego, en el supuesto de que hubieraalguien capaz de remplazarle, debíaconformarse con 12 anonas). (MARROU,1998, p. 418)

Essa política de intervenção teve seuponto alto com a constituição de 27 de fe-vereiro de 425, por meio da qual TeodósioII (401-450) fundou uma universidade es-tadual em Constantinopla, monopolizandotambém o ensino superior.

Os cursos deveriam ser oferecidosnos recintos dispostos em êxedras, ao nor-te da praça do Capitólio, sendo que aosmestres era vedado ministrar aulas parti-culares. O corpo docente tinha a seguintecomposição: “tres retóricos y 10 gramáticospara atender la enseñanza de las letras la-tinas; cinco retóricos y 10 gramáticos paralas letras griegas y, en materia de estudiossuperiores, un profesor de filosofía y dos dederecho” (MARROU,1998, p. 419).

Com Teodósio e Valentiano (425-455), o monopólio do ensino chegou aoextremo de proibir qualquer iniciativa quenão fosse a estatal.

Segundo Anibal Ponce (1991), oficia-lizando-se a tutela estatal do ensino, de for-ma que o imperador escolhia cuidadosa-mente professores do mesmo modo queescolhia seus oficiais, não tardou a aparecera comparação do ensino com o exército: oquadro de professores era um regimentoque defendia, como o militar, os interessesdo Estado, ou seja, caminhava na mesma

Page 230: Memórias - Maria Teresa Cunha

230 José Joaquim Pereira MELO. Estado Romano e instituições escolares

marcha e em busca dos mesmo objetivos.À medida que os exércitos romanos ocupa-vam um novo território, os professores insta-lavam suas escolas perto das tendas dossoldados. Do mesmo modo que o profes-sor seguia as pegadas do general vitorioso,o general acompanhava as pegadas doscomerciantes.

Assim, ao estabelecer a comparaçãoentre professores e capitães, o Estado dire-cionava a ação dos primeiros, colocando-os a serviço dos setores dominantes roma-nos, quer para docilizar os inimigos externosdo Império conquistador, quer para desar-ticular, internamente, movimentos rebeldes(PONCE, 1991) que pudessem comprome-ter ainda mais a segurança e a ordem doImpério nesse processo de transformação.

Dessa forma, consagra-se a convoca-ção da educação para resolver os proble-mas que se colocavam na sociedade. Ointeresse do poder público romano pelaeducação pode ser entendido, em certamedida, como parte do processo de buro-cratização que marcou o desenvolvimentodo Império. Promovia-se uma educaçãopara a formação de “funcionários”, os quaisdeveriam atender às demandas do Impérioburocratizado, principalmente em termos deconquista, expansão do império e desen-volvimento do comércio. Nesse quadro denecessidades, o ensino progressivamenteperdeu a sua preocupação com um cursushonorum de magistratura, direcionando-se,por conseguinte, para uma formação con-dizente com a possibilidade de se fazer car-reira na burocracia imperial.

Em decorrência da necessidade deformar funcionários para o Estado, as dis-

posições imperiais previam, além de esco-las voltadas para a preparação dos altosescalões, escolas especiais destinadas auma categoria de funcionários mais modes-tos, os “escrivães” (taquígrafos), cujo statuscresceu paulatinamente.

Importa considerar que, nesse mo-mento, a prodigiosa influência grega naformação do cidadão romano, com toda ariqueza e complexidade de suas exigênciasformativas, já havia sido abandonada; to-davia, os seus reflexos ainda se faziam pre-sentes, pois não se negava o ideal de umaformação total e harmoniosa. Os critériospara se considerar uma educação comosendo de qualidade e os métodos educacio-nais aproximavam-se cada vez mais da-quilo que caracterizava a educação do“escriba”, com a valorização e o predomínio,mais do que no passado, da mnemotecnia,dos exercícios mecânicos e da disciplinacoercitiva (REDONDO; LASPALAS, 1997).Apesar disso, o ideal clássico conseguiusobreviver o suficiente para deslumbrar osbárbaros invasores, haja vista a preocupa-ção que demonstravam os reis bárbaroscom a promoção da cultura clássica, o quese cristalizou na educação refinada quedavam a seus filhos.

Muito provavelmente, o que restouda estrutura educativa escolar, estatal e“municipal” do Império Romano pode serincluído entre os fatores que tornaram pos-sível, no Ocidente, a formação dos chama-dos reinos bárbaros. Com a derrocada finaldo Império, liquidou-se também toda a tra-dição da educação laica. A educação so-mente sobreviveu com a força do exercíciode universalização da mensagem cristã.

Page 231: Memórias - Maria Teresa Cunha

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 219-231, jan./jun. 2008. 231

Referências

ABBAGNANO, Nicola; VISALBERGHI, Aldo. Historia de la pedagogia. México: Fondo de CulturaEconómica, 1969.

APULEYO. Florida. Madrid, Gredos, 1980.

CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.

CÍCERO, Marco Túlio. Da República. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Coleção Os Pensadores.

FONTÁN, Antonio. Artes ad humanitatem. Ideales del hombre y de la cultura en tiempos deCicerón. Pamplona: Publicaciones del Estudio General de Navarra, 1957.

GAL, Roger. História de la educación. Buenos Aires: Editorial Paidos, 1968. 19.

GUILLEMIN, Anne-Marie. La culture de Pline le Jeune. Paris, 1946.

MARROU, Henri–Irénée. Historia de la educación en la Antiguedad. Buenos Aires: Eudeba,1970.

PEREIRA, Maria Helena Rocha. Estudos de História da cultura clássica. Cultura romana. v. II.Lisboa: Fundação Calouste Gulbendian, 2002.

PLUTARCO ‘Marco Catón’. Vidas paralelas. Barcelona: Vegana, 1962.

PONCE, Anibal. Educação e luta de classe. São Paul: Cortez Editora, 1991.

REDONDO, Emilio, LASPALAS, Javier. Historia de la educación: Edad Antigua. Madrid: Dykinson,1997.

VIEIRA, Mara Rodrigues. Educação na Roma antiga. Calíope. Presença clássica, Rio de Janeiro:UFRJ, v. 1, p. 103-9, jul./dez., 1984.

Recebido em 18 de abril de 2008.Aprovado para publicação em 26 de maio de 2008.

Page 232: Memórias - Maria Teresa Cunha
Page 233: Memórias - Maria Teresa Cunha

233

Normas para publicação na Revista Série-Estudos –Periódico do Programa de Mestrado em Educaçãoda UCDB

1) SÉRIE-ESTUDOS – Periódico do Programa de Mestrado em Educação da UniversidadeCatólica Dom Bosco – está aberta à comunidade acadêmica e destina-se à publicaçãode trabalhos que, pelo seu conteúdo, possam contribuir para a formação e odesenvolvimento científico, além da atualização do conhecimento na área específicada educação.

2) As publicações deverão conter trabalhos da seguinte natureza:• Artigos originais, de revisão ou de atualização que envolvam abordagens teóricas

e/ou práticas referentes à pesquisa, ensino e extensão e que atinjam resultadosconclusivos e significativos.

• Traduções de textos não disponíveis em língua portuguesa que constituamfundamentos da área específica da Revista e que, por essa razão, contribuam paradar sustentação e densidade à reflexão acadêmica.

• Entrevistas com autoridades que vêm apresentando trabalhos inéditos, de relevâncianacional e internacional, na área específica da Educação, com o propósito de mantero caráter de atualidade da Revista.

• Resenhas de produções relevantes que possam manter a comunidade acadêmicainformada sobre o avanço das reflexões na área educacional.

3) A publicação de trabalhos deverá passar pela aprovação do Conselho de Pareceristasda Revista.

4) Caberá ao Conselho Editorial da Revista selecionar trabalhos com base nestas normase encaminhá-los para os pareceristas da área.

5) A entrega de originais para a Revista deverá obedecer aos seguintes critérios:• Os trabalhos deverão conter, obrigatoriamente: título em português e inglês; nome(s)

do(s) autor(es), identificando em nota de rodapé o endereço completo e o eletrônico,a titulação e a instituição a que pertence(m);

• Os artigos deverão conter, ainda, resumo em português (máximo dez linhas) e abstractfiel ao resumo, acompanhados, respectivamente, de palavras-chave e key words,ambas em número de três;

• Nas citações, as chamadas pelo sobrenome do autor, pela instituição responsávelou título incluído na sentença devem observar as normas técnicas da ABNT – NBR

Page 234: Memórias - Maria Teresa Cunha

234

10520, agosto 2002. Exemplos: Saviani (1987, p. 70). (SAVIANI, 1987, p. 70);• As notas explicativas devem ser usadas para comentários, esclarecimentos ou

explanações que não possam ser incluídos no texto e devem constar no final dotexto, antes da referência bibliográfica.

• A referência bibliográfica, no final do texto, em ordem alfabética, deve seguir asNormas Técnicas da ABNT, NBR 6023, agosto 2002. Os elementos essenciais ecomplementares da referência devem ser apresentados em seqüência padronizada,de acordo com o documento. O nome do autor, retirado do documento, deve serpor extenso.

6) Os trabalhos deverão ser encaminhados dentro da seguinte formatação: uma cópia emdisquete, editor Word for Windows 6.0 ou superior; duas cópias impressas, com textoelaborado em português e rigorosamente corrigido e revisado, devendo ser uma delassem identificação de autoria; limite aproximado de cinco a vinte laudas para artigos,cinco laudas para resenhas, dez laudas para entrevistas e quinze laudas para traduções;a fonte utilizada deve ser Times New Roman, tamanho 12, espaço entrelinhas 1,5.

7) Eventuais ilustrações e tabelas com respectivas legendas devem ser apresentadasseparadamente, com indicação, no texto, do lugar onde serão inseridas. Todo materialfotográfico deverá ser em preto e branco.

8) Os artigos recusados ficarão à disposição dos autores na Editora.9) Ao autor de artigo aprovado e publicado serão fornecidos, gratuitamente, três

exemplares do número correspondente da Revista.10) Uma vez publicados os trabalhos, a Revista se reserva todos os direitos autorais,

inclusive os de tradução, permitindo, entretanto, a sua posterior reprodução comotranscrição e com a devida citação da fonte.

11) Os artigos representam o ponto de vista de seus autores e não a posição oficial daRevista ou da Universidade Católica Dom Bosco.

12) Os artigos devem ser encaminhados para o seguinte endereço:Universidade Católica Dom BoscoPrograma de Pós-Graduação – Mestrado em EducaçãoConselho Editorial da Revista Série-EstudosAV. Tamandaré, n. 6000Bairro Jardim SeminárioCampo Grande-MS 79.117-900

Page 235: Memórias - Maria Teresa Cunha

235

Lista de periódicos que fazem permuta com aRevista Série-Estudos

PERMUTAS NACIONAIS

1) Akrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAR / Universidade Paranaense-UNIPAR / Umuarama-PR

2) Argumento – Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras ePsicologia Padre Anchieta / Sociedade Padre Anchieta de Ensino / Jundiaí-SP

3) Asas da Palavra / Universidade da Amazônia-UNAMA / Belém-PA4) Avesso do Avesso / Fundação Educacional Araçatuba / Araçatuba-SP5) Biomassa e Energia / Universidade Federal de Viçosa / Viçosa-MG6) Bolema – Boletim de Educação Matemática / UNESP – Rio Claro / Rio Claro-SP7) Boletim de Educação Matemática e Ciência e Educação / Universidade Estadual

Paulista / Rio Claro-SP8) Caderno Brasileiro de Ensino de Física / Universidade Federal de Santa Catarina-

UFSC / Florianópolis-SC9) Caderno Catarinense de Física / Universidade Federal de Santa Catarina / Florianópolis-

SC10) Caderno de Estudos e Pesquisas / Universidade Salgado de Oliveira-UNIVERSO / São

Gonçalo-RJ11) Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais / Faculdades do Brasil-

UniBRasil / Curitiba-PR12) Cadernos / Centro Universitário São Camilo / São Paulo-SP13) Cadernos da Graduação / Universidade Federal do Ceará-UFC / Fortaleza-CE14) Cadernos de Educação / UNIC-Universidade de Cuiabá / MT15) Cadernos de Educação / Universidade Federal de Pelotas-UFPel / RS16) Cadernos de Educação Especial / Universidade Federal de Santa Maria-UFSM / RS17) Cadernos de Pesquisa / Universidade Federal do Maranhão / São Luís-MA18) Caderno de Pesquisa / Fundação Carlos Chagas / São Paulo-SP19) Cadernos de Pesquisa - Turismo / Faculdades de Curitiba / Curitiba-PR20) Cadernos de Pesquisa em Educação PPGE / Universidade Federal do Espírito Santo-

UFES / Vitória-ES21) Cadernos do Centro Universitário São Camilo / Centro Universitário São Camilo /

São Paulo-SP22) Cadernos de Psicologia Social do Trabalho / Universidade de São Paulo-USP / SP23) Cadernos do UNICEN / Universidade de Cuiabá-UNIC / MT

Page 236: Memórias - Maria Teresa Cunha

236

24) Caderno Interciências de Pesquisa e Extensão / Universidade Ibirapuera / Moema-SP

25) Caesura / Universidade Luterana do Brasil-ULBRA / Canoas-RS26) Cesumar Saúde / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR27) Cesur em Revista / Faculdade do Sul de Mato Grosso / Rondonópolis-MT28) Ciências da Educação / Centro Universitário Salesiano-UNISAL / Lorena-SP29) Conhecendo a Enfermagem / Universidade do Sul de Santa Catarina / Tubarão-SC30) Diálogo / Centro Universitário La Salle-UNILASALLE / Canoas-RS31) Diálogo Educacional / Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUCPR / PR32) Educação – Revista de Estudos da Educação / Universidade Federal de Alagoas -

UFAL / Maceió-AL33) Educação & Realidade / Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS / RS34) Educação e Filosofia / Universidade Federal de Uberlândia-UFU / MG35) Educação e Pesquisa / Universidade de São Paulo-USP / SP36) Educação em Debate / Universidade Federal do Ceará / Fortaleza-CE37) Educação em Foco / Universidade Federal de Juiz de Fora-UFJF / MG38) Educação em Questão / Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN / RN39) Educação em Revista / Universidade Federal de Minas Gerais / UFMG / MG40) Educação UNISINOS / Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS / São Leopoldo-

RS41) Educar em Revista / Universidade Federal do Paraná-UFPR / Curitiba-PR42) Educativa / Universidade Católica de Goiás-UCG / GO43) Em Aberto / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais / Brasília-DF44) Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências / Universidade Federal de Minas

Gerais-UFMG / MG45) Ensaio / Fundação Cesgranrio / Rio de Janeiro-RJ46) Ensino em Re-vista / Universidade Federal de Uberlândia-UFU / MG47) Espaço Pedagógico / Universidade de Passo Fundo / RS48) Estudos – Revista da Faculdade de Ciências Humanas / Universidade de Marília-

UNIMAR / Marília-SP49) Estudos - Universidade Católica de Goiás-UCG / GO50) Foco – Revista do Curso de Letras / Centro Universitário Moura Lacerda / Ribeirão

Preto-SP51) Fragmentos de Cultura / Universidade Católica de Goiás-UCG / GO52) Gestão e Ação / Universidade Federal da Bahia / Salvador-BA53) Ícone / Centro Universitário do Triângulo / Uberlândia-MG54) Inter-ação / Universidade Federal de Goiás-UFG / GO55) Intermeio – Revista do Mestrado em Educação / Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul-UFMS / Campo Grande-MS56) Justiça e Sociedade / Universidade do Oeste Paulista / Presidente Prudente-SP57) Letras Contábeis / Faculdades Integradas de Jequié - FIJ / Jequié-BA58) Letras de Hoje / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS / RS

Page 237: Memórias - Maria Teresa Cunha

237

59) Linguagem em Discurso – Revista Científico-literária dos Cursos de Mestradoem Ciências da Linguagem e de Graduação de Letras da Unisul - Universidadedo Sul de Santa Catarina-UNISUL / Tubarão-SC

60) Linhas Críticas / Universidade de Brasília-UnB / DF61) Métis / Universidade de Caxias do Sul-UCS / RS62) Movimento / Universidade Federal Fluminense-UFF / Niterói-RJ63) Natureza e Artifício / Sociedade Civil de Educação Braz Cubas / Mogi das Cruzes-SP64) Nuances / Universidade Estadual Paulista-UNESP / SP65) Os Domínios da Ética / Universidade de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG66) Palavra – Revista Científica do Curso de Comunicação Social da Unisul -

Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL / Tubarão-SC67) Paradoxa / Universidade Salgado de Oliveira-UNIVERSO / Rio de Janeiro-RJ68) PerCurso: Curitiba em Turismo / Faculdades de Curitiba / PR69) Perspectiva – Revista do Centro de Ciências da Educação / Universidade Federal

de Santa Catarina / Florianópolis-SC70) Philósophos – Revista de Filosofia / Universidade Federal de Goiás-UFG / GO71) Phrónesis – Revista de Ética / Pontifícia Universidade Católica-PUC-Campinas-SP72) Poiésis – Revista Científica em Educação / Universidade do Sul de Santa Catarina-

UNISUL / Tubarão-SC73) Presença – Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente / Universidade

Federal de Rondônia - UNIR / Porto Velho-RO74) Pró-Discente / Universidade Federal do Espírito Santo-UFES / ES75) Pro-Posições / Faculdade de Educação-UNICAMP / SP76) Psicologia Clínica / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUCRJ / RJ77) Psicologia da Educação / Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP / SP78) Publicações ADUFPB / Universidade Federal da Paraíba / João Pessoa-PB79) Revista 7 Faces / Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira-FUNCESI / MG80) Revista Alcance / Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI / Itajaí-SC81) Revista Ambiente e Educação / Fundação Universidade Federal do Rio Grande / Rio

Grande-RS82) Revista Anamatra / Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho83) Revista Baiana de Educação Física / Salvador-BA84) Revista Brasileira de Educação Especial / Universidade Estadual Paulista / Marília-SP85) Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais / MEC / DF86) Revista Brasileira de Gestão de Negócios / Fundação Escola do Comércio Álvares

Penteado / São Paulo-SP87) Revista Brasileira de Tecnologia Educacional / Associação Brasileira de Tecnologia

Educacional / Brasília-DF88) Revista Caatinga / Escola Superior de Agricultura de Mossoró / RN89) Revista Cadernos / Centro Universitário São Camilo / São Paulo-SP90) Revista Cadernos de Campo / Universidade de São Paulo-USP / SP

Page 238: Memórias - Maria Teresa Cunha

238

91) Revista Cesumar / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR92) Revista Ciências Humanas / Universidade de Taubaté-UNITAU / SP93) Revista Científica / Centro Universitário de Barra Mansa / Barra Mansa-RJ94) Revista Ciência e Educação / UNESP-Bauru / Bauru-SP95) Revista Científica da Unicastelo / Universidade Camilo Castelo Branco-Unicastelo /

São Paulo-SP96) Revista Colloquim e Justiça e Sociedade / Universidade do Oeste Paulista / Presidente

Prudente-SP97) Revista Contrapontos – Revista do Mestrado em Educação / Universidade do

Vale do Itajaí-SC98) Revista da Educação Física / Universidade Estadual de Maringá / Maringá-PR99) Revista da Faculdade Christus / Faculdade Christus / Fortaleza-CE100)Revista da Faculdade de Educação / Universidade do Estado de Mato Grosso /

Cáceres-MT101)Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade / Universidade do Estado da

Bahia / Salvador-BA102)Revista da FAPA / Faculdade Paulistana - FAPA / São Paulo-SP103)Revista da Faculdade de Santa Cruz / União Paranaense de Ensino e Cultura /

Curitiba-PR104)Revista de Administração / Centro de Ensino Superior de Jataí-CESUT / GO105)Revista de Ciências Sociais e Humanas / Centro de Ciências Sociais e Humanas /

Universidade Federal de Santa Catarina / Florianópolis-SC106)Revista de Contabilidade do IESP / Sociedade de Ensino Superior da Paraíba / João

Pessoa-PB107)Revista de Direito / Universidade de Ibirapuera / São Paulo-SP108) Revista de Divulgação Cultural / Fundação Universidade Regional de Blumenau-

FURB / SC109)Revista de Educação / Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC-Campinas /

SP110)Revista de Educação CEAP / Centro de Estudos e Assessoria Pedagógica-CEAP /

Salvador / BA111)Revista de Educação Pública / Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT / MT112)Revista de Letras / Universidade Federal do Ceará / Fortaleza-CE113)Revista de Negócios / Fundação Universidade Federal de Blumenau-FURB / SC114)Revista de Psicologia / Universidade Federal do Ceará-UFC / Fortaleza-CE115)Revista do CCEI / Universidade da Região da Campanha / Bagé-RS116)Revista do Centro de Educação / Universidade Federal de Santa Maria / Santa

Maria-RS117)Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos / Instituição Toledo de Ensino-ITE /

Bauru-SP118)Revista do Mestrado em Educação / Universidade Federal de Sergipe-UFS / São

Cristóvão-SE

Page 239: Memórias - Maria Teresa Cunha

239

119)Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação / Universidade Federal deSanta Maria-UFSM / RS

120)Revista dos Expoentes / Universidade de Ensino Superior Expoente-UniExp / Curitiba-PR

121)Revista Educação / Porto Alegre-RS122)Revista Educação e Movimento / Associação de Educação Católica do Paraná /

Curitiba-PR123)Revista Educação e Realidade / Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Porto

Alegre-RS124)Revista Ensaios e Ciências / Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da

Região do Pantanal / Campo Grande-MS125)Revista Espaço / Instituto São Paulo de Estudos Superiores / São Paulo126)Revista Estudos Lingüísticos e Literários / Universidade Federal da Bahia / Salvador-

BA127)Revista Fórum Crítico da Educação / Instituto Superior de Estudos Pedagógicos -

ISEP / Rio de Janeiro-RJ128)Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos / Universidade do Vale do Rio dos Sinos-

UNISINOS / São Leopoldo-RS129)Revista Horizontes / Universidade São Francisco-USF / Bragança Paulista-SP130)Revista Idéias & Argumentos / Centro Universitário Salesiano de São Paulo-UNISAL131)Revista Informática na Educação – Teoria e Prática / Universidade Federal do Rio

Grande do Sul-UFRGS / RS132)Revista Intertemas / Associação Educacional Toledo-Presidente Prudente-SP133)Revista Integração / Universidade São Judas Tadeu / São Paulo-SP134)Revista Jurídica da FURB / Fundação Universidade Regional de Blumenau-FURB / SC135)Revista Jurídica – FOA / Associação Educativa Evangélica / Anápolis-GO136)Revista Jurídica da Universidade de Franca / Universidade de Franca / Franca-SP137)Revista Jurídica Cesumar / Centro Universitário de Maringá / Maringá-PR138)Revista Mimesis / Universidade do Sagrado Coração / Bauru-SP139)Revista Montagem / Centro Universitário “Moura Lacerda” / Ribeirão Preto – SP140)Revista O Domínio da Ética / Fundação Centro de Analises, Pesquisas e Inovações

Tecnológicas / Manaus-AM141)Revista O Eixo e a Roda / Universidade Federal de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG142)Revista Paidéia / Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto / Ribeirão

Preto-SP143)Revista Pedagogia / Universidade do Oeste de Santa Catarina-UNOESC / SC144)Revista Plures / Centro Universitário Moura Lacerda / Ribeirão Preto-SP145)Revista Prosa / Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal

/ Campo Grande-MS146)Revista Psicologia Argumento / Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUCPR /

PR147)Revista Quaestio / Universidade de Sorocaba-UNISO / Sorocaba-SP

Page 240: Memórias - Maria Teresa Cunha

240

148)Rev i s ta Rec r iação (Rev i s ta de Re fe rênc ia de Es tudos da In fânc ia eAdolescência) / Universidade Federal de Mato Grosso do Sul / Campo Grande-MS

149)Revista Reflexão e Ação / Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC / RS150)Revista Semina / Universidade de Passo Fundo / Passo Fundo-RS151)Revista Sociedade e Cultura / Departamento de Ciências Sociais / Goiânia-GO152)Revista Tecnologia da Informação / Universidade Católica de Brasília-UCB / Brasília-

DF153)Revista Teoria e Prática / Universidade Estadual de Maringá / Maringá-PR154)Revista Trilhas / Universidade da Amazônia-UNAMA / Belém-PA155)Revista UNIABEU / Associação Brasileira de Ensino Universitário-UNIABEU / Belford

Roxo-RJ156)Revista Unicsul / Universidade Cruzeiro do Sul-Unicsul / SP157)Revista UNIFIEO / Centro Universitário-FIEO / Osasco-SP158) Scientia / Centro Universitário Vila Velha-UVV / Vitória-ES159) Seqüência 45 – Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC /

Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC / SC160) T e C Amazônia / Universidade de Minas Gerais / Belo Horizonte-MG161) TEIAS – Revista da Faculdade de Educação da UFRJ / Universidade do Estado do

Rio de Janeiro / Rio de Janeiro-RJ162) Textura – Revista de Educação, Ciências e Letras / Universidade Luterana do

Brasil-ULBRA / Canoas-RS163) Tópicos Educacionais / Universidade Federal de Pernambuco-UFPE / Recife-PE164)UNESC em Revista / Revista do Centro Universitário do Espírito Santo-UNESC / Colina-

ES165)UniCEUB em Revista / Centro Universitário de Brasília-UniCEUB / Brasília-DF166)UniCiência - Revista Científica da UEG / Fundação Universidade Estadual de

Goiás-UEG / Anápolis-GO167) UNICiências / Universidade de Cuiabá-UNIC / MT168) Unimar Ciências / Universidade de Marília-UNIMAR / Marília-SP169)UNIP Press – Boletim Informativo da Universidade Paulista / Universidade

Paulista-UNIP / São Paulo-SP170)Universa / Universidade Católica de Brasília-UCB / DF171)UNOPAR Científica – Ciências Humanas e Educação / Universidade Norte do

Paraná-UNOPAR / Londrina-PR172)Ver a Educação / Universidade Federal Pará-UFPA / Belém-PA173)Veritas – Revista de Filosofia / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul-PUCRS / RS174)Virtus – Revista Científica em Psicopedagogia / Universidade do Sul de Santa

Catarina-UNISUL / Tubarão-SC175)Zetetiké / UNICAMP / Campinas-SP

Page 241: Memórias - Maria Teresa Cunha

241

PERMUTAS INTERNACIONAIS

01) AILA – International Association of Applied Linguistic / Open university / Unitedkingdom – Ukrainian

02) Anagramas. Rumbos y Sentidos de la Comunicación / Universidad de Medellín /Medellín – Colômbia

03) Anthropos – Venezuela / Instituto Universitario Salesiano “Padre Ojeda” (IUSPO) –Venezuela

04) Confluencia: ser y quehacer de la educación superior mexicana / ANUIES -Asociación Nacional de Universidades e Instituciones de Educación Superior / México

05) Cuadernos de Administración / Pontifícia Universid Javeriana / Bogota – Colombia06) Infancia en eu-ro-pa / Associación de Maestros Rosa Sensat. / Barcelona – España07) Revista de Investigaciones de la Unad / Universidad Nacional Abierta y a Distancia

– Unad / Bogotá – Colombia08) Learner Autonomy: New Insights / ALAB – Associação de Lingüística Aplicada do

Brasil – Belo Horizonte-MG09) Lexis / Asociación de Institutores de Antioquia – Adida / Medellín – Colombia10) Nexos / Universidad EAFIT / Medellín - Colombia11) Padres/Madres de alumnos/alumnas / CEAPA / Madrid – España12) Política y Sociedad / Universidad Complutense de Madrid / Madrid – España13) Proyección investigativa / Universidad de Córdoba / Montería – Colombia14) Revista Contextos Educativos / Universidad de La Rioja / La Rioja – España15) Revista de ciencias humanas / Universidad Tecnológica de Pereira / Risaralda –

Colombia16) Revista de La CEPA / Comisión Economica para América Latina y El Caribe / Santiago –

Chile17) Revista de pedagogía / Universidad Central de Venezuela / Caracas - Venezuela18) Revista Universidad EAFIT / Universidad EAFIT / Medellín – Colombia19) Revolución Educativa al Tablero / Centro Administrativo Nacional (CAN) / Bogota –

Colombia20) Salud Pública de México / Instituto Nacional de Salud Pública / Cuernavaca, Morelos,

México21) Santiago: revista de la Universidad de Oriente / Universidad de Oriente / Santiago

de Cuba – Cuba22) Signos Universitarios / Universidad del Salvador / Buenos Aires – Argentina23) Thélème - Revista Complutense de Estudios Franceses / Universidad Complutense

Madrid / Madrid – España

Page 242: Memórias - Maria Teresa Cunha