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Memória da eletricidade Por Lívia Cunha
Padrões brasileiros
58 O Setor Elétrico / Fevereiro de 2010
Até a segunda metade do século XIX, os modelos de tensão e frequência existentes no Brasil ora seguiam as referências europeias, ora as americanas, em virtude do custo, local ou procedência dos equipamentos fornecidos. Essa diversidade só deixou de existir a partir da década de 1960, quando as medidas foram uniformizadas por meio de leis e decretos. Conheça esse processo.
Depois que as técnicas de geração, transmissão e distribuição de energia foram aprimoradas, passou-se a gerar energia elétrica alternada para suprir as necessidades da população a partir de geradores como este, de uma usina hidrelétrica do início do século XX.
produtos alemães. As principais frequências em
questão e que eram usadas no Brasil eram a de 50
Hz e a de 60 Hz. Sendo, de modo geral, 60 ciclos o
adotado pelos americanos e 50 pelos europeus.
O engenheiro eletricista e ex-diretor da divisão
de potência do Instituto de Eletrotécnica e Energia
da Universidade de São Paulo (IEE/USP), Duílio
Moreira Leite, explica que no Brasil “inicialmente
foram adotadas as duas frequências, cuja escolha
dependia dos geradores comprados para as usinas
geradoras”. Essas diferenças eram percebidas até
mesmo nas duas principais cidades brasileiras.
No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, o
fornecimento era feito em 50 Hz, enquanto em São
Paulo, em 60 Hz. Isso até meados do século XX.
Mas isso não só aconteceu com a frequência.
As tensões elétricas utilizadas dependiam mais da
instalação, do fornecimento da empresa elétrica e
dos equipamentos que utilizariam a fonte elétrica.
Ambas as questões foram uniformizadas no Brasil
na segunda metade do século XX, quase 100 anos
após o início do setor no País.
Primórdios
A energia elétrica chegou ao Brasil primeiro
para fornecimento de iluminação pública, mais
eficiente do que as anteriormente adotadas, como
gás ou querosene, em um período histórico que o
País fazia parte do grupo de pioneiros mundiais
na aplicação de energia elétrica. Isso foi graças ao
interesse do imperador Dom Pedro II, um entusiasta
da ciência, pela nova tecnologia surgida depois da
chamada Segunda Revolução Industrial, quando
a eletricidade se firmou como principal fonte
energética, em detrimento das máquinas a vapor.
Em 1879, Dom Pedro II inaugurou o primeiro
serviço de iluminação elétrica permanente do País,
o da antiga estação da Corte, hoje chamada de
Estação Dom Pedro II, na estrada de ferro Central
do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, então
capital federal. Nela, segundo o artigo A energia
elétrica no Brasil, foram instaladas seis lâmpadas
de arco voltaico tipo Jablockhoff, que substituíram
46 bicos de gás. Depois dessas, em 1881, 16
outras lâmpadas foram instaladas no Campo da
O Setor Elétrico / Fevereiro de 2010
Em geral, padrões são definidos por
aqueles que regulam um determinado setor a
partir, principalmente, da utilização de produtos ou
serviços pelos consumidores finais. Sua definição
depende dos interesses envolvidos neste processo;
do período histórico em que tal fato acontece; do
impacto que esta definição deve ter; e do custo da
criação de um padrão, que unifica e uniformiza
produtos, conceitos e mentalidades. Criar um padrão
passa não só pelo estabelecimento de normas e
modelos para a indústria seguir, mas, sobretudo, por
uma mudança de mentalidade da população, técnica
ou leiga, para se adequar às alterações.
Quando as primeiras e pequenas usinas de
geração de energia elétrica se instalaram no
Brasil, na segunda metade do século XIX, não
havia padrões nacionais, fosse para frequência,
tensão ou tipo de corrente adotada. Os modelos,
inclusive, demoraram muitos anos até que fossem
estabelecidos e, mais importante, seguidos. Porque,
cabe lembrar aqui, que, no Brasil, há leis e decretos
que “pegam”, quando são seguidos e cumpridos
como a legislação determina, e outros que “não
pegam”, quando a população continua a viver
como se aquelas leis não existissem.
Até que esse hiato entre a elaboração de uma
legislação que regulamentasse e estabelecesse
padrões de funcionamento no País e o efetivo
cumprimento, o setor elétrico brasileiro se
desenvolveu e consolidou. Da criação da primeira
hidrelétrica brasileira, a usina de Ribeirão do
Inferno, na cidade de Diamantina, em Minas
Gerais, no ano de 1883, até a década de 1970,
quando efetivamente os padrões se tornaram
modelos institucionalizados, muito aconteceu.
Até as décadas de 1960 e 1970, a utilização de
determinada frequência elétrica, por exemplo,
era definida pelas máquinas usadas em cada
empreendimento e não por um padrão nacional.
Cada interessado adotava o utilizado pelos
países que vendiam os equipamentos. Assim, foram
estabelecidos os primeiros padrões estaduais. Quem
comprasse máquinas motrizes dos Estados Unidos
para instalar em uma pequena usina geradora, que,
no início, também era distribuidora e transmissora,
teria padrões diferentes daqueles que adquirissem
Memória da eletricidade 60
Aclamação, hoje Praça da República, também
no Rio de Janeiro, com energia fornecida de um
locomóvel com dois dínamos.
Em seguida, em 1883, a cidade de Campos
dos Goytacazes, litoral norte fluminense, foi a
primeira cidade sul-americana a receber iluminação
elétrica pública. O imperador inaugurou naquele
município uma máquina térmica acionadora por
três dínamos com potência de 52 kW, que era
capaz de fornecer energia para 39 lâmpadas de
duas mil velas cada. Considerando que a lâmpada
elétrica foi inventada por Thomas Alva Edison em
1879, podemos perceber como o Brasil, de fato,
era pioneiro na aplicação dessa tecnologia e seus
experimentos eram contemporâneos aos dos demais
países desenvolvedores de técnicas, equipamentos e
conceitos relativos à eletricidade.
Mas a definição de padrões se fez mais
importante só depois que a energia passou a
ser gerada no País em usinas, que ampliavam
a capacidade produtiva e potencializavam
a distribuição. A primeira usina de geração
hidrelétrica para uso privado também é de 1883.
Ela, a Usina do Ribeirão do Inferno, aproveitava as
águas do afluente do rio Jequitinhonha, localizado
na cidade de Diamantina, em Minas Gerais.
Seis anos depois, em 1889, no ano da
Proclamação da República, foi inaugurada a
primeira hidrelétrica para serviço de utilidade
pública também em Minas Gerais, mas, dessa vez,
no município de Juiz de Fora. A usina, chamada
de Marmelos-Zero, foi instalada no rio Paraibuna,
próxima à estrada União-Indústria, que ligava a
cidade de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, a
Juiz de Fora. Em Marmelos-Zero foram instalados
dois geradores monofásicos de 125 kW cada, com
tensão de 100 V e frequência de 60 Hz.
Com a instalação de usinas, a energia gerada
no País passou a atender, gradativamente, a mais
tipos de consumidores. A iluminação pública, os
transportes públicos, o fornecimento para empresas
e, por último, o atendimento a residências. Aos
poucos, a energia elétrica foi se tornando parte da
vida das pessoas, mas, para que o fornecimento
pudesse atingir cada vez mais consumidores, a
geração tinha que aumentar e os equipamentos a
serem beneficiados por essa energia tinham que
seguir um mesmo padrão de grandezas elétricas.
Assim, as máquinas tinham que estar
preparadas para receber a tensão exata de
fornecimento, caso contrário, poderiam não
funcionar e, inclusive, oferecer risco aos usuários e
deveriam estar também de acordo com a frequência
elétrica correta. Como o Brasil tem dimensões
territoriais, até que isso se tornasse uma verdade no
País, muito tempo e trabalho foram necessários.
Frequência elétrica
A frequência elétrica é uma grandeza física
que indica quantos ciclos a corrente elétrica
completa em um segundo. Se ela não for a
correta, os equipamentos elétricos não funcionam
ou funcionam de modo inadequado. Quando as
empresas de eletricidade começaram a se instalar
no Brasil, elas funcionavam de acordo com as
máquinas importadas, projetadas para determinada
frequência. As advindas da Alemanha funcionavam
em 50 Hz, e as americanas em 60 Hz.
O engenheiro Duílio Leite explica a origem
dessas diferenciações: “sempre houve duas
frequências para o sistema de potência, 50 Hz
na Europa e 60 Hz na América do Norte (Estados
Unidos e Canadá)”. A origem, no primeiro caso,
conta Duílio, é que “os europeus sempre pensaram
no sistema métrico, múltiplos e submúltiplos de
10 (como no caso do metro, decímetro, centímetro,
etc.). Por isso, pensaram que o segundo deve
ter 100 meios ciclos ou 50 ciclos”, surgindo aí a
definição da frequência em 50 Hz, porque ela é
dependente de tempo em segundos.
Por sua vez, “os americanos pensaram que, como
a frequência depende do tempo e o sistema do tempo
sexagesimal é universal, a hora tem 60 minutos, o
minuto tem 60 segundos, portanto, o segundo deve
ter 60 ciclos. Parece lógico, não?”, questiona o ex-
diretor da divisão de potência do IEE/USP.
Mas não só dessas duas faixas de frequência
vivia o mundo e, em especial, o Brasil. A adoção
de uma frequência para o intercâmbio energético
dentro de um mesmo país era imprescindível, mas
como o Brasil é territorialmente muito grande,
as faixas de frequência adotadas até a metade do
século XX eram diversas, como apresenta o livro
Energia elétrica no Brasil. Além da divisão entre 60
Hz e 50 Hz, havia cidades como Curitiba, no Estado
do Paraná, que adotava a frequência de 42 Hz.
Outros exemplos da pluralidade brasileira eram as
cidades de Jundiaí, em São Paulo, e de Petrópolis,
no Rio de Janeiro, que utilizavam 40 Hz e 125 Hz,
respectivamente.
Na Europa, no mesmo período, de acordo com
o livro, coexistiram até 11 frequências diferentes.
Na Alemanha, a frequência utilizada era de 50 Hz.
Assim, as cidades brasileiras que importavam mais
equipamentos alemães utilizavam essa frequência
Memória da eletricidade 62
como padrão, como era o caso da então capital
brasileira, a cidade do Rio de Janeiro.
O documento Companhias interligadas
da região Centro-Sul, da São Paulo Light, de
1964, explicitava os problemas que poderiam
ser causados pela variação dessa grandeza e a
utilização de frequência abaixo do padrão. Diz ele
que “experiências realizadas na França mostraram
que 1% de abaixamento na frequência determinou
abaixamento de 0,7% na carga e 1% na diminuição
na tensão diminuiu a carga em 1,6%”.
Experimentos na zona de concessão da empresa
mostraram, em 1964, que “procurando reduzir o
consumo de água, o Despacho de Carga da São
Paulo Light realizou experiências que indicaram
que com o abaixamento de 60 ciclos por segundo
para 59 há uma queda de aproximadamente 3% na
geração instantânea. Destes, podemos considerar
que cerca de 1% foi devido à queda de tensão
que acompanha o abaixamento de frequência
e os outros 2% devidos à queda de frequência
propriamente”.
Quando as empresas de produção de energia
elétrica começaram a crescer e a incorporar outras
pequenas usinas, começou um processo próprio
de unificação para que elas pudessem fazer um
intercâmbio energético. Não só a definição de um
padrão de frequência era importante para interligar
e conectar usinas e sistemas, era necessário que a
frequência fosse mantida o mais constante possível
para uma melhor eficiência de funcionamento das
geradoras.
A padronização
Essa necessidade de padronização de frequência
ficou ainda mais clara quando o Grupo Light
decidiu interligar as usinas do Rio de Janeiro e
de São Paulo. Acontece que uma parte estava em
50 Hz e a outra em 60 Hz. A solução provisória
adotada foi a criação da estação inversora de
frequência de Aparecida, no Estado de São Paulo,
mas próxima ao Rio de Janeiro, para fazer a
mudança da frequência de um Estado para o outro.
Ela dispunha de um conversor de frequência com
potência de 50 MW.
Antes disso, entretanto, o governo federal
publicou o Decreto-Lei nº 852, de 11 de novembro
de 1938, para padronizar a frequência em todo
o território nacional em 50 ciclos por segundo.
Deu um prazo, improrrogável, de oito anos para
o cumprimento dessa disposição. O engenheiro
eletricista e historiador Gildo Magalhães conta que
As correntes elétricAs
As primeiras experiências de geração de energia elétrica foram feitas por
meio de corrente contínua. Antes da instalação de usinas geradoras, a fonte de
fornecimento da eletricidade provinha de baterias e dínamos elétricos. Estes são
aparelhos que geram corrente contínua convertendo energia mecânica em elétrica,
através de indução eletromagnética, enquanto aqueles são dispositivos que
armazenam energia química e a disponibiliza em forma de energia elétrica.
Nesse período, no final do século XIX, fosse no Brasil ou no restante do
mundo, as instalações que eram abastecidas com energia elétrica a recebiam de
maneira limitada, normalmente, durante só um determinado período do dia e a
fonte geradora precisava estar a uma curta distância da consumidora. Isso porque,
quando se aumentavam as distâncias, eram registradas muitas perdas elétricas,
já que a técnica não estava aprimorada. Era o período inicial de exploração da
eletricidade enquanto fonte energética. Só depois do desenvolvimento comercial
da corrente alternada e de inauguradas as primeiras usinas geradoras com maior
capacidade instalada, gerar, transmitir e distribuidor energia elétrica a um número
maior de pessoas se tornou possível.
A transmissibilidade da corrente alternada, que permite que a energia seja
transmissível e transportável a grandes distâncias com baixas perdas, contribuiu
para que a utilização da eletricidade fosse desenvolvida. O século XX, que
viu o início, o desenvolvimento e diversas crises de eletricidade, foi marcado
pela dominação da corrente alternada sobre a contínua. Entretanto, é possível
encontrar importantes circuitos alimentados por corrente contínua que não
tenham o fornecimento provindo de baterias elétricas. É o caso do linhão de Usina
Hidrelétrica de Itaipu, que tem metade da sua geração em corrente contínua.
“O Brasil tem a linha de mais alta tensão em corrente contínua - existe só mais
uma no mundo (em 600 kV) e certamente a de maior potência (metade da potência de
Itaipu - a que coube ao Paraguai). Está prevista outra linha também em 600 kV para
mandar para o sudeste a energia das usinas em construção no rio Madeira”, pontua
o engenheiro eletricista e ex-diretor da Divisão de Potência do Instituto de Energia e
Eletrotécnica da Universidade de São Paulo (IEE/USP) Duílio Moreira Leite.
Nos primórdios da geração de energia elétrica para utilização humana, eram utilizados dínamos e baterias,
que produziam energia em corrente contínua, como este dínamo de capacidade de geração de 310 A a 7 V
ou 2.170 W, quando rotacionado a 1.400 RPM.
esse decreto não foi obedecido e essa questão foi
se arrastando até a década de 1960, quando foi, de
fato, estabelecido o padrão de 60 Hz.
Há registros de uniformizações estaduais,
como a que aconteceu no Rio Grande do Sul. A
Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE),
concessionária daquele Estado, cerca de quatro
anos após a data do primeiro decreto-lei, alterou
a frequência adotada nas poucas cidades rio-
grandenses que operavam em 60 Hz para 50
Hz, a exemplo de Caxias do Sul, Garibaldi,
Tupanciretã e Rio Grande. Por outro lado, algumas
concessionárias de outros Estados, em especial do
Centro-Sul, continuaram a operar em 60 ciclos por
segundo. Conforme o folheto explicativo da CEEE,
a frequência foi mantida “devido principalmente às
dificuldades criadas pela Segunda Guerra Mundial
e, depois de terminado o conflito, continuaram a
expandir-se na mesma frequência”.
O engenheiro eletricista e mecânico, ex-diretor
presidente da Light e ex-diretor de Operação de
Sistemas da Eletrobrás José Marcondes Brito de
Carvalho acrescenta que o Decreto nº 41.019, de
26 de fevereiro de 1957, estabelecia no artigo 46
que, “nos serviços de energia elétrica será adotada
a corrente alternada, trifásica, sendo admitida,
enquanto não for unificada a frequência no País,
as frequências de 50 e 60 ciclos por segundo, de
acordo com a zona em que estiverem instaladas”.
A delimitação das zonas de frequências ficaria a
critério do Conselho Nacional de Águas e Energia
Elétrica (CNAEE), órgão extinto do Ministério
de Minas e Energia que deu origem à Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Dessa forma, é possível perceber que
definitivamente não havia uma frequência
unificada no País. “A interligação dos diversos
sistemas para um aproveitamento mais racional
de energia gerada exigiu uma solução definitiva
para este problema da unificação da frequência.
Esta situação já trazia preocupações ao governo,
desde 1954, quando instituiu o Plano Nacional de
Eletrificação”, relembra Brito.
O fato é que a frequência de 60 Hz tinha uma
predominância cada vez mais acentuada no País,
notadamente em áreas de grande desenvolvimento
industrial e econômico, como São Paulo e
outras cidades da região Centro-Sul. Este fator,
entre outros, levou o governo federal a adotar
esta frequência como padrão. Foi então com a
publicação, pelo presidente Castelo Branco, da
Lei nº 4.454, de 6 de novembro de 1964, que a
frequência de 60 ciclos por segundo foi adotada.
A lei dispôs sobre a unificação de frequência da
corrente elétrica no País e dizia que o emprego de
frequência seria progressivo, definido pelo MME.
A partir de 1965, a Light iniciou o processo
de conversão de frequência na área do Rio de
Janeiro que levou sete anos, concluído em 1971,
sendo que ela tinha como prazo até 1973. Além
disso, o Estado do Rio Grande do Sul, que alterou
sua frequência com o decreto-lei de 1938 e 26
anos depois, pela lei de 1964, teve que modificar
novamente seus sistemas, aderindo ao novo padrão
por completo em 1978, depois de um trabalho de
conversão de frequência, iniciado em 1969 pela
Eletrobrás, Eletrosul e CEEE.
A lei determinava ainda que nenhuma nova
instalação de geração de distribuição de energia
elétrica para serviços públicos ou de utilidade
pública seria autorizada sem que operasse ou
pudesse operar em 60 Hz, salvo em circunstâncias
excepcionais. Um caso excepcional a ser citado foi
da Usina Hidrelétrica de Itaipu, empreendimento
binacional construído pelo Brasil e Paraguai, no rio
Paraná, em território pertencente aos dois países.
O fato é que o Paraguai, bem como os demais
países do cone sul latino americano (Bolívia,
Chile, Argentina e Uruguai), utiliza como padrão a
frequência em 50 Hz. Como o Brasil divide metade
da energia gerada pela binacional com o país
vizinho, a definição de como essa energia seria
produzida foi uma questão polêmica, das muitas,
envolvendo a obra da usina.
A historiadora Ivone Teresinha Carletto de
Lima, autora de Itaipu: as faces de um mega
projeto de desenvolvimento, explica que “a questão
da frequência não havia sido contemplada
pelo Tratado de Itaipu. Para uma barragem das
proporções de Itaipu, com investimentos grandiosos
e consequências econômicas igualmente relevantes,
esse fator era de vital importância”. Como o
Brasil tinha maior aporte financeiro e seria o que
consumiria maior parte da energia a solução mais
prática seria o Paraguai mudar de frequência.
Contudo, por pressão política, o povo paraguaio
considerava uma questão de supremacia nacional
não se submeter ao desejo brasileiro, e também
uma medida econômica, pois o país pretendia
ainda construir outra usina com a Argentina,
que utiliza a mesma frequência padrão. Assim,
ficou definido que Itaipu teria duas frequências.
Uma metade, referente à energia brasileira, seria
gerada em corrente alternada em 60 Hz, enquanto
a outra metade, referente ao Paraguai, seria em
50 Hz. Como já tinha ficado acertado pelo tratado
Memória da eletricidade 64
O engenheiro Duílio Leite lembra que, nesse
período, “a escolha de padrão 60 Hz para o
Brasil foi pela predominância dos equipamentos
industriais nessa frequência em todo o país. Havia
poucos aparelhos eletrodomésticos que usavam
motores e o custo para os usuários de energia era
pequeno. Muitos funcionavam não tão bem em
outra frequência, mas o usuário não percebia”.
Quando foi estabelecida a lei que determinava
a frequência brasileira tal como é hoje, em 1964,
o País vinha de um período de industrialização
acentuada, do governo de Juscelino Kubitschek,
de 1956 a 1961, e acabaria por entrar em período
conhecido como Milagre Econômico, entre 1969
e 1973, durante o regime militar, quando o Brasil
experimentaria um período de grande crescimento
econômico, puxado, mais uma vez, pelas indústrias
e pelo crescimento populacional.
Tensão
Já na questão do padrão de tensão de
distribuição, o processo se deu de forma um pouco
diferente. A tensão elétrica inicialmente dependia da
companhia distribuidora, que, até a desverticalização
do setor elétrico brasileiro, era realizada pela mesma
empresa que gerava a energia. Nesse período, o que
determinava a tensão, segundo Duílio, era o custo.
Isso porque “quanto maior fosse a tensão, menores
seriam os custos da distribuição e menores também
os custos para os consumidores nas suas instalações
residenciais ou industriais”.
Em São Paulo, por exemplo, existiam três
faixas de tensão: 208 V/120 V, na região central
da cidade, onde há uma instalação subterrânea;
230 V/115 V, o chamado sistema híbrido; e 220
V/ 127 V. Nas regiões em que havia consumidores
residenciais e industriais na mesma área, a São
Paulo Light adotava um sistema híbrido que
fornecia energia trifásica em 230 V e monofásica
em 115 V ou 230 V. Nesse ponto, Duílio relata
que “os transformadores trifásicos ou bancos de
transformadores monofásicos tinham um ponto
central em um dos secundários que não era o
neutro. Deste enrolamento ou deste transformador
com ponto central saíam as alimentações para as
residências e do conjunto de transformadores (ou
de um transformador trifásico) saíam as tensões
trifásicas para as oficinas e fábricas”.
Algumas fábricas recebiam, então, os dois
sistemas: 230 V/115 V, para iluminação, e 230 V,
trifásico, para as máquinas. Essas diversas faixas
de distribuição, entretanto, geravam confusão e
A primeira usina de geração elétrica brasileira estava localizada em Minas Gerais, mesmo Estado desta subestação de energia elétrica localizada na cidade de Uberaba, do início do século XX.
F. G
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de construção da geradora, a sobra da energia
que o país guarani não consumisse seria vendida
ao Brasil. A energia então gerada em 50 Hz é
convertida e transmitida em corrente contínua e,
próxima ao centro de consumo é então convertida
em corrente alternada na frequência de 60 Hz,
pronta para ser transmitida e distribuída aos
consumidores brasileiros.
Influências
É importante ressaltar mais uma vez que
a vitória da frequência de 60 Hz sobre a de 50
ciclos por segundo se deveu também à tardia
industrialização brasileira. Depois do fim do ciclo
do café, em 1930, desenvolvido sobretudo no
Estado de São Paulo, e do início da industrialização
de base, no mesmo período, com Getúlio Vargas,
concentrada também nessa unidade federativa,
diversos empreendimentos industriais foram
desenvolvidos. Isso contribuiu para que a demanda
energética dessa região fosse mais acentuada,
concentrando um maior número de usinas,
empresas e empreendimentos que utilizavam
máquinas motrizes, tais como os motores.
alguns choques aconteciam. Especialmente quando
uma pessoa pegava um fio direto do trifásico (em
230 V) e um terra e aplicava a um novo circuito,
com cerca de 180 V entre fase e neutro. Isso gerava
a queima de lâmpadas e de pequenos aparelhos
monofásicos.
Por conta disso, em muitas cidades, por escolha
da distribuidora local, foram usadas as soluções
220 V/110 V ou 220 V monofásico, 220 V/127
V ou ainda 208 V/120 V. Essas diferentes faixas
geravam para o consumidor comum residencial
uma diferença na duração e no rendimento
das lâmpadas, além de redução da vida útil de
funcionamento dos eletrodomésticos. Só que alguns
desses problemas não são percebidos pelas pessoas
leigas, não conhecedoras dos processos elétricos.
Para tentar criar um padrão, otimizar o
fornecimento, melhorar o rendimento dos
equipamentos e a eficiência energética deles, a
Eletrobrás nomeou, na década de 1970, uma comissão
para escolher um modelo brasileiro de tensão. Essa
comissão culminou na publicação, pelo presidente
Emílio Garrastazu Médici, do Decreto nº 73.080, de 5
de novembro de 1973, que regulamentou os serviços
de energia elétrica e estabeleceu os padrões de tensões
nominais para novas instalações.
De acordo com o texto legal, ficou estabelecido
que, para transmissão e subtransmissão em corrente
alternada, as tensões poderiam ser de 750 kV, 500
kV, 230 kV, 138 kV, 69 kV, 34,5 kV e 13,8 kV. Já
para distribuição primária de corrente alternada em
redes públicas, as tensões padrões deveriam ser de
34,5 kV ou 13,8 kV; e, por fim, para distribuição
secundária de corrente alternada em redes públicas,
poderiam ser 380 V/ 220 V, 220 V/ 127 V, em redes
trifásicas a quatro fios, três fases e um neutro, e
230 V/ 115 V, em redes monofásicas a três fios.
A solução mais econômica encontrada pela
Eletrobrás, de 380 V/ 220 V, era adotada na Europa
e foi adotada em muitos Estados, “mas não se
pode, de uma hora para outra, trocar a tensão onde
havia um número muito maior de consumidores,
em São Paulo, principalmente”, opina o engenheiro
eletricista Duílio Moreira Leite.
Apesar da definição de valores de tensão a
serem seguidos, para o engenheiro eletricista e
historiador Gildo Magalhães, não se pode afirmar,
na verdade, que há uma padronização no País,
porque é possível encontrar diferentes Estados
e regiões com instalações em tensões diferentes.
Apesar de “todos recebermos 220 V em casa, em
duas linhas, que têm diferença de 110 V cada uma
para o neutro e de 220 V entre elas, é possível
ainda hoje fazer instalação de iluminação, por
exemplo, toda em 220 V e ter tomadas em 110
V/127 V ou 220 V”.
Como todas as residências recebem 220 V,
a tensão residencial depende mais da instalação
feita nas casas, do que do fornecimento. Apesar
disso, pode-se dividir algumas cidades por maior
utilização de determinada faixa de tensão. “Sobre
o uso domiciliar de energia elétrica, a alimentação
depende da carga a ser atendida. Na maior parte
do País, nas residências, a ligação monofásica
prevalece, na tensão de 127 V, como é o caso do
Rio de Janeiro, São Paulo, Belém, Belo Horizonte,
Corumbá, Cuiabá, Curitiba, Foz do Iguaçu, Porto
Alegre, Salvador e Santarém. A tensão de 220 V é
usada em Brasília, Florianópolis, Fortaleza, Recife
e São Luís”, pontua o ex-presidente da Light, José
Brito de Carvalho.
A diferença de utilização de tensão fornecida pelas
distribuidoras ao longo do País - por exemplo, mais
instalações em Estados do Nordeste em 220 V enquanto
no Centro-Sul se concentra mais circuitos em 110 V/127
V - pode ser explicado, para Gildo Magalhães, por dois
fatores: um cultural e outro econômico.
Isso porque, para ele, em lugares que há mais
influência europeia e que, por isso, antigamente
adquiria-se mais equipamentos fabricados naquele
continente, encontra-se mais facilmente instalações
de 220 V, já que é o modelo adotado em alguns
países do outro lado do Atlântico. Por outro lado, a
instalação em 220 V é, em teoria, mais econômica,
por isso, é possível que esse tipo de sistema tenha
sobressaído em regiões em que há um percentual
maior de pessoas mais pobres.
Por fim, hoje a Eletropaulo, concessionária que
atende à cidade de São Paulo, vem procurando
substituir os sistemas 230 V/115 V por 220 V/127
V e em outras cidades do Estado de São Paulo
as companhias distribuidoras padronizaram aos
poucos o 220 V/127 V.
Pesquisa
• “A energia elétrica no Brasil” – Bertanha Grupos Geradores • “Energia elétrica no Brasil” – Ed. Biblioteca do Exército• “Companhias interligadas da região centro-sul” – IV Reunião – Palestras proferidas na Usina Henry Borden – Light São Paulo – 1964 • “Fornecimento de energia elétrica em tensão secundária de distribuição – instruções gerais” – Eletropaulo – 1986 • “Fornecimento de energia elétrica – tensão de subtransmissão 88/138 kV” – Eletropaulo – 1988 • “Itaipu: as faces de um mega projeto de desenvolvimento” – Ivone Teresinha Carletto de Lima – Ed. Germânica• “CEEE: a questão da frequência” – Serviço de Relações Públicas – 1966