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Especial Ilhabela - Mergulho »Por: Janaína Quitério l Fotos: Fernando de Santis [email protected] Mergulhar em Ilhabela foi um exercício de imersão — no modo de viver oferecido por uma ilha costeira, num mundo para mim até então desconhecido e no interior de mim mesma. Mergulhar não é só um passeio. É um descobrimento. É mais além Pesca Brasil l 90

Mergulhar é do outro mundo"

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Matéria publicada na Revista Pesca Brasil 16, em fevereiro de 2009. (Txt sem aplicação da Nova Ortografia) Mergulhar em Ilhabela foi um exercício de imersão — no modo de viver oferecido por uma ilha costeira, num mundo para mim até então desconhecido e no interior de mim mesma. Mergulhar não é só um passeio. É um descobrimento. É mais além

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Especial Ilhabela - Mergulho »Por: Janaína Quitério l Fotos: Fernando de Santis [email protected]

Mergulhar em Ilhabela foi um exercício de imersão — no modo de viver oferecido por uma ilha costeira, num mundo para mim até então desconhecido e no interior de mim mesma.

Mergulhar não é só um passeio. É um descobrimento. É mais além

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De repente, o silêncio: a ausência que faz frontei-ra com um mundo novo

— extraterreno. Até que o barulho borbulhante da própria respiração desperta o mergulhador-iniciante para a nova realidade. Ao submer-gir, leva um tempo para o cérebro se convencer de que é possível respirar embaixo d’água. Foi por isso que, ao mergulhar, prendi a respiração. Puro instinto. A estranheza de submer-gir para explorar o fundo do mar deve ser a mesma que tive ao ser empurrada do ventre materno de-pois de a bolsa d’água romper no trabalho de parto. Se, ao nascer, chorei, ao mergulhar arregalei os

olhos sob a máscara, e precisei controlar a ansiedade e medo re-velados como ferroada. Mas ir-rompi na nova experiência: meu cérebro deve ter se recordado que fiquei submersa no líquido amnió-tico durante nove meses. No mergulho autônomo, o equipamento scuba veste no cor-po do mergulhador movimentos de astronauta — cambaleante, lento, flutuante. Não é à toa que o trei-namento de astronautas é execu-tado em piscinas, pois a água é o exemplo mais próximo da ausência de gravidade que há no espaço. Para mim, a máscara era uma redoma de vidro, protegia-me de um mundo que não era meu.

Transformei-me em E.T. Mas, à medida que ia descendo, fui es-quecendo o barulho da respiração, ambientei-me na gravidade e me comunicava por meio visual. Olho no instrutor, olho no parceiro, olho no olho do peixe. Essas sensações estão dentro do esperado, segundo o instrutor de mergulho da Colonial Diver, Filipe Lott. “O iniciante sen-te muita ansiedade, principalmente por ser um ambiente novo e pelo fato de não poder voltar à super-fície, o que pode causar um pouco de claustrofobia em algumas pes-soas. Eu costumo não ter pressa para descer ao fundo do mar com os iniciantes”.

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Especial Ilhabela - Mergulho

Para aqueles que nunca mergulharam como eu, é possível fazer um “test-dive” antes de se ma-tricular em um curso de mergulho autônomo básico (Open Water Diver). Na Colonial Diver [localizada em

frente à Ilha das Cabras, em Ilhabela-SP], chama-se Discovery — mergulho autônomo, acompanhado de um profis-sional, com duração de duas horas. O iniciante rece-berá instruções básicas sobre segurança, sobre o uso do equipamento scuba (self-contained underwater breathing apparatus) — composto de cilindro, colete e regulador —, e instruções de como respirar e de como lidar com a pressão. Para mergulhar, não é necessário saber nadar, apenas ter afinidade com a água. Mas, para alugar equipamento de mergulho autônomo, é obrigatório ter certificado do curso básico. “É um esporte radical, e como todo esporte radical, é requerida uma série de regras e de procedimentos de segurança que temos que obedecer”, explica Filipe.

Um santuário do mergulho em Ilhabela Ilhabela tornou-se um dos locais mais simpá-ticos para mergulho no país, tanto o mergulho livre — chamado snorkeling, realizado na superfície — quanto o mergulho autônomo. Os 130 quilômetros de costa permitem a imersão em diversos locais compostos de abundante vida marinha e charmosas paisagens sub-marinas. Um local privilegiado localiza-se na Ilha das Cabras, pelo fato de ser um parque marinho. Na dé-cada de 1990, uma lei municipal instituiu o Santuário Ecológico da Ilha das Cabras, com a finalidade de ga-rantir e proteger a fauna marítima. A Ilha fica perto da praia das Pedras Miúdas, próximo à praia de Barra Velha, onde aportam as balsas que chegam de São Sebastião. Na Ilha das Cabras só não é bem-vindo o mergulho predatório: desde a instituição da Ilha como santuário é proibido caçar e pescar no local. “Nós da Colonial temos uma preocupação em proteger esse espaço, pois nós, mergulhadores, somos os embaixa-dores desse mundo submarino; cabe a nós defendê-lo. Quando os mergulhadores pegam conchinhas no fundo, a gente não deixa levar. Só se leva coisas do fundo do mar por meio da memória ou dentro da má-quina fotográfica”. A Ilha das Cabras é um oásis no canal de São Sebastião. Apesar de toda a costa sofrer ações poluidoras, a formação da reserva ecológica, associada

a fatores naturais como a dinâmica das correntes maríti-mas — que levam os sedimentos poluidores para outros lugares —, ajudam a vida marinha a se proliferar. O que é possível encontrar naquele mundo submerso? Aproximadamente 112 espécies diferentes, entre tartarugas, invertebrados etc. O importante é, durante o mergulho, deixar tudo acontecer naturalmen-te, sem forçar o contato com os habitantes marítimos. Ilhabela também é conhecida como o maior cemitério de navios da costa brasileira. São 21 nau-frágios — entre veleiros, transatlânticos e petroleiros — que atraem grandes grupos de mergulhadores mais experientes, apaixonados pela descoberta do mundo submerso e interessados em ter contato com a his-tória: dos naufrágios e do modo de construção dos antigos navios. É um museu a mar aberto.

Filipe Lott, instrutor da Colonial Diver, explica o funcionamento do equipamento de mergulho autônomo

Ilhas das Cabras

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Meu melhor amigo: um peixe — Sabe, eu já fui ami-go de uma garoupa. Era uma garoupa pequena que comecei a alimentar na praia do Curral — conta o instrutor Filipe com um sorriso de canto, bem cal-mamente como se estivesse mergulhando. Olhei-o de lado, meio incrédula. Quando descemos ao mundo das águas pela pri-meira vez ainda vemos os pei-xes e seres marítimos como criaturas inanimadas, como uma pedra ou produtos em exposição. Mas o experiente mergulhador ia me convencen-do de que, não, os peixes po-dem interagir com você. — Eu separava limpas de peixes, de lula e de outras

sobras, que seriam descarta-das pelos restaurantes, e le-vava para baixo d’água. Essa garoupa começou a ficar mui-to amiga minha. Aí percebi que ela começou a me seguir. Aonde eu ia, ela me seguia. Comecei a achar estranho. Como biólogo, sei que peixe não costuma ter esse com-portamento. Aí fiz um teste. Desci com um amigo até onde a garoupa ficava. Pedi para ele sair nadando, e a garoupa ficou parada na minha frente. Saí nadando, e a garoupa saiu calmamente atrás de mim. O sorriso do instrutor estava rechonchudo e orgu-lhoso: a harmonia das águas também nos traz amizades com os habitantes do lugar.

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Especial Ilhabela - Mergulho

Mergulhar no oceano interior Depois de superar o es-tranhamento em entrar no outro mundo, os sentidos se ajustam ao ambiente. Chega a hora em que ficamos tão confortáveis embaixo d’água que passamos a fazer par-te daquele meio. Os peixes, curio-sos, medem-nos de cima a baixo, olham-nos nos olhos, observam nossas vestimentas. Nossos cabe-los flutuantes confundem-se com algas, e os seres instigam-se a se aproximarem. A Ilha das Cabras ofe-rece um caminho rodeado por cordas para o mergulhador se localizar nos sete metros de pro-fundidade. Passamos por uma caminhonete afundada, por uma âncora — com apenas a haste vi-sível —, e o percurso submarino acabou ao localizarmos a estátua de Netuno, lá fundeada como um presente pela constituição do santuário ecológico. Mesmo segurando as cor-dinhas para não emergir — os mo-vimentos do mergulhador-iniciante ainda se parecem com o andar aprendiz de uma criança ou com

um nado de saci —, não consegui equilibrar a cintura, e subi. Não tive coragem de submergir nova-mente sozinha: alguém perceberia que não estava lá embaixo. Esse é o ofício do “dupla” — mergulhador acompanhante. “O que você está fazendo aqui em cima?”, salvou-me o instrutor Filipe. Desci mais

calmamente para entender a dan-ça silenciosa dos peixes. É harmo-nia. É música dos oceanos. Nesse mundo aquático, prestei atenção nos meus limites, entendi o ritmo da respiração. “É, o mergulho ajuda as pessoas a se tornarem mais equilibradas, e faz as pessoas se conhecerem me-lhor”, define Filipe: mergulhar é procurar o autoconhecimento, a socialização. Um mergulho no inte-rior de cada um. Quem mergulha há muito

tempo consegue perceber a dife-rença do próprio comportamento quando está na terra e quando está dentro d’água. Filipe diz que é outra pessoa quando no planeta água: “Aqui fora sou meio sério, um pouco durão. Embaixo d’água me divirto, converso comigo mesmo, dou risada sozinho”. Filipe sente-se sem peso quando está submerso, e torna-se livre para dar cambalho-tas, alheio ao trânsito, à correria e à gritaria do mundo terrestre. De volta ao ar, o instrutor orgulha-se por ter iniciado mais dois mergulhadores — o fotógrafo da equipe e eu. Nasci de novo ao rom-per de dentro d’água, e iniciei-me em uma nova travessia, como escreveu o poeta Fernando Pessoa: “Há um tempo em que é preci-so abandonar as roupas usadas, que já têm a forma de nosso corpo, e es-quecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ou-sarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. Agora entendi porque o mergulho é um esporte que a cada dia traz novos adeptos.

Depois de 40 minutos mergulhando, entendi os movimentos e saquei os

gestos — “jóia” para subir; polegar com indicador para

dizer “tudo bem”

Caranguejo - aranha

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Apnéia: ato de inspirar e prender a respiração no mergulho livre (ver snorkeling).

Ar comprimido: ar que respiramos contido em um cilindro de mergu-lho sob determinada pressão.

Aqualung: equipamento de respira-ção na água, com uso de suprimen-to de ar em alta pressão e regula-dor. Foi desenvolvido na década de 1940 por Jacques Cousteau e Emile Gagnan.

Certificado: documento que com-prova a formação do mergulhador. É emitido por organizações oficiais

de mergulho (cerfificadoras).

Dive: mergulho em inglês. Diver = mergulhador.

Equipamento básico: conjunto de máscara, snorkel, nadadeira e cin-tro de lastro.

Lastro: pequenas peças de chumbo com a finalidade de regular a flutu-abilidade do mergulhador.

Neoprene: material utilizado princi-palmente para a fabricação de rou-pas de mergulho. Com o neoprene, a água entra na roupa e se trans-forma em uma camada de prote-ção, para manter o calor do corpo.

Snorkeling: quando o mergulho é feito com apnéia, utilizando equi-pamento básico.

Colonial Diver

(12) 3894-9459 ou 3894-1565

Avenida Brasil, 1751 - Praia das Pedras Miъdas - Ilhabela - SP

www.colonialdiver.com.br

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