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Mergulhar

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Page 1: Mergulhar

Sozinho na noite um barco ruma para onde vai? Uma luz no escuro, brilha a direito ofusca as demais. E mais que uma onda, mais que uma maré Tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé Mas vogando à vontade, rompendo a saudade, vai quem já nada teme, vai o homem do leme E uma vontade de rir nasce do fundo do ser E uma vontade de ir correr o mundo e partir a vida é sempre a perder No fundo do mar jazem os outros, os que lá ficaram. Em dias cinzentos descanso eterno lá encontraram.

Tim (Xutos & Pontapés), 1986

Nesta 7ª edição da Semana da Leitura, o Plano Nacional de Leitura lançou a todas as escolas o desafio de celebrar a leitura e o mar. Ao longo dos séculos os poetas portugueses cantaram o mar. Muitos mares: o mar afável das praias, o mar duro da faina dos pescadores ou ainda esse mar que levou os navegadores quatrocentistas à descoberta de novos mundos. Mergulhar nas pala-vras, convocando a leitura, a escrita e a relevân-cia histórica do mar na construção da nossa iden-tidade, serviu de motivação a esta brevíssima antologia.

Biblioteca

O HOMEM DO LEME

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Ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo! E ai, Deus!, se verrá cedo! Ondas do mar levado, se vistes meu amado! E ai Deus!, se verrá cedo! Se vistes meu amigo, o por que eu sospiro! E ai Deus!, se verrá cedo! Se vistes meu amado, por que hei gran cuidado! E ai Deus!, se verrá cedo!

Martin Codax [jogral sec. XIII]

Buarcos, 13 de Junho [de 1943] – Dia entre pesca-dores. Eles a pescarem sardinha para a fome or-gânica do corpo, e eu a pescar imagens para uma necessidade igual do espírito. Tisnados de saúde, os homens olham-me; e eu, amarelo de doença, olho-os também. Certamente que se julgam mais justificados do que eu, e que o mundo inteiro lhes dá razão. Mas da mesma maneira que eles, sem que ninguém lhes peça sardinha, se metem às ondas, também eu, sem que ninguém me peça poesia, me lanço a este mar de criação. Há uma coisa que nenhuma ideologia pode tirar aos artis-tas verdadeiros: é a sua consciência de que são tão fundamentais à vida como o pão. Podem acu-sá-los de servirem esta ou aquela classe. Pura calúnia. É o mesmo dizer que uma flor serve a princesa que a cheira. O mundo não pode viver sem flores, e por isso elas nascem e desabro-cham. Se olhos menos avisados passam por elas e as não podem ver, a traição não é delas, mas dos olhos, ou de quem os mantém cegos e incultos.

Miguel Torga

[Portugal, 1907-1995]

"Assim fomos abrindo aqueles mares, Que geração alguma não abriu, As novas ilhas vendo e os novos ares, Que o generoso Henrique descobriu; (…) "Contar-te longamente as perigosas Coisas do mar, que os homens não entendem: Súbitas trovoadas temerosas, Relâmpados que o ar em fogo acendem, Negros chuveiros, noites tenebrosas, Bramidos de trovões que o mundo fendem, Não menos é trabalho, que grande erro, Ainda que tivesse a voz de ferro.” Luís Vaz de Camões [Portugal, ca. 1524-1580]

OS LUSÍADAS

DIÁRIO [PREFÁCIO]

ONDAS DO MAR DE VIGO

Sob a noite mais escura e sombria as tuas ondas sossegam-me e orientam-me.

O teu brilho, a tua paz, a tua melodia, tudo em ti me faz flutuar. Trazes-me a alegria de um novo dia.

O teu cheiro a maresia logo pela manhã é um alívio, é uma lufada de ar fresco em que o próprio vento, a própria brisa se maravilham quando pas-sam por ti.

Aqui, nesta noite, te escrevo, olhando para ti e maravilhando-me com a tua beleza. As estrelas agrupam-se formando uma nova constelação em tua honra. Acho que também elas estão maravilhadas contigo.

Tudo faz sentido contigo aqui, ao meu lado.

Joana Lobo [ 10º LH3, Escola Secundária José Régio]

Navego em mares de contentamento, por mares nunca antes navegados. Perco-me nas sinuosidades do oceano infindo. Saudosismo irrequieto de ideias pré-concebidas por mim. Respiro um pouco do sal que me banha, estendendo-me nas profundidades do mar tantas vezes desbravado.

Nunca espero a chegada de um adamastor mascarado de onda que me atemoriza as esperan-ças. Navego, navego. Confiante de que encontrarei o que há para lá da linha horizontal. Excedo as mi-nhas expectativas, fatigo-me, acabrunho as minhas antigas desconfianças daquelas águas impávidas e serenas. Por fim, prostro-me como se me tivessem derrotado vinte mil homens com afogamentos im-precisos e descabidos. Pacifico-me. Deixo-me flutu-ar em espaços mansos por onde andaram os que marcaram a minha história, a nossa história. Sonho redescobrir o caminho marítimo para a Índia. Anu-lar feitos e entranhar feitios. Defino em mim o do-loso ser humano. Oiço as ondas esbaterem na areia, entoarem na barra. Sinto a morte e a vida. Vejo os tesouros escondidos nas profundezas de um tesou-ro. O meu medo de me encontrar no seio da perdi-ção. As trinta mil léguas percorridas por cavalos marinhos que me enfeitam as braçadas com risadas de dor. Vejo os barcos, as barcas, os navios. As lan-chas velhas e cansadas de humidade. Os pescadores engelhados, agastados de precipitação, amarrados por trovões que lhes tiram o brio. Guilhotinados pela água que se lhes entranha nas próprias entra-nhas. E eles espirram, como quem pede piedade. E eu nado. Sonho. Rio. E choro. Volto a navegar. Rasgo todas as metades de mar que me prometem a morte trémula e tímida. E finalmente me venço, no meu mar de frustrações.

João Paulo Maio

[10º LH3, Escola Secundária José Régio]

MAR

NAVEGAR

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O mar tem dias, às vezes quer tudo, outras vezes não quer nada, é difícil compreendê-lo. Quando está calmo parece solitário, divagando na abstração do tempo, parecendo fazer com o sol uma parceria de amizade. Os seus murmúrios ecoam nos ouvidos como um fundo de beleza sonora, dando a sensação de ouvir a espuma a espreguiçar-se. É bonito ter o mar nos ouvidos, é como tê-lo na mão no sentido de o usufruir. Mas o mar é inconstante, tem o seu lado negro, e mais vale não desafiá-lo em dias de raiva por onde as ondas andam loucas. Quantos? Quantos e quantos não morreram por desafiar o mar! Quan-tos… foram tantos, meu Deus, perderam a vida na aventura de ganhar a vida. É impossível condenar alguém que morre a ganhar a vida, o mar tem des-tas coisas, estas mudanças repentinas de humor que apanha desprevenidos os que navegam na sua pleni-tude.

O mar é um mistério que guarda segredos nos seus fundos abismos, tesouros e embarcações que ficaram a meio do caminho, peixes de que nunca ouvimos falar, silêncios para sempre mergulhados. A beleza das profundidades dos oceanos ultrapassa a imaginação, cinge uma dimensão inimaginável.

Delfim Carvalho [ Escola Secundária José Régio]

Sobre o mar, É um poema que tenho de fazer É azul, grande e salgado E nada mais há para dizer. Quanta vida lá não há? Quanta esperança lá não nasce? Quanta luz lá se reflete? Qual o barco que com ele não compete? Sobre o mar, É um poema que tinha de fazer É azul, grande e salgado E muito mais ainda sobra para dizer.

Filipa Lamares [12º CT4, Escola Secundária José Régio]

Roses are red Oceans are blue I tried to make a poem But Poseidon din’t let me to!

André Silva [12º LH2, Escola Secundária José Régio]

METAMORFOSES DO MAR

MAR

OCEANS

Naquela época eu tinha medo do silêncio e não per-cebia que não havia mal nenhum em ficar em silên-cio a meio de uma conversa, ou mesmo em não ha-ver conversa entre duas pessoas que vão lado a la-do. O silêncio é como o mar. Envolve-nos, e pode submergir-nos, se não soubermos lidar com ele, mas pode também embalar-nos, se perdermos o medo e nos deixarmos ir. Em ambos, mar e silêncio, nada pior do que esbracejar de pânico. Rui Zink [Portugal, 1961]

Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. Fernando Pessoa [Portugal, 1888-1935]

Mar Metade da minha alma é feita de maresia. Mar De todos os cantos do mundo Amo com um amor mais forte e mais profundo Aquela praia extasiada e nua, Onde me uni ao mar, ao vento e à lua. (…) Espero sempre por ti o dia inteiro, Quando na praia sobe, de cinza e oiro, O nevoeiro E há em todas as coisas o agoiro De uma fantástica vinda. As ondas quebravam uma a uma Eu estava só com a areia e com a espuma Do mar que cantava só para mim. Sophia de Mello Breyner Andersen [Portugal,1919-2004]

A ESPERA

MAR PORTUGUÊS

MAR

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O espraiado imenso… A areia de oiro sem fim, des-maiada pouco e pouco e envolta no fundo em pó das ondas - o mar infinito, verde-escuro, verde-claro, rolos sobre rolos, e por fim, num côncavo junto ao cabo, desfazendo-se em espuma e brancu-ra. Ao norte, névoa leitosa e viva, que sobe ao ar como um grande clarão branco. Água sem limites – céu sem limites – areia sem limites – e a voz imen-sa, o lamento eterno, dia e noite, mais baixo, mais alto, mas que nunca cessa de pregar(…) Tenho diante de mim o fulvo areal, a agitação do mar até onde a vista alcança e a agitação humana num quadro mais restrito. São quatro companhas e cada companha tem noventa e seis partes, entre homens que vão ao mar, homens da terra e mulhe-rio para os cestos. Junta-se mais gente que acode à venda, regatões e almocreves, mulheres de saia arregaçada, chapéu e xaile, com as xalavaras e os baldes à cabeça. E este movimento repete-se e re-dobra, à medida que os barcos entram e saem, por-que fazem três e quatro lanços cada dia. Aumenta a labuta com o lavar das redes no mar, com a sua condução pelo areal, suspensas em bambinelas, às costas de cinquenta raparigas, em cordão e aos pa-res, com um carro de bois à frente que traz o saco encharcado.

Raul Brandão [Portugal, 1867-1930]

Tudo era claro:

céu, lábios, areias.

O mar estava perto,

fremente de espumas.

Corpos ou ondas:

iam, vinham, iam,

dóceis, leves - só

alma e brancura.

Felizes, cantam;

serenos, dormem;

despertos, amam,

exaltam o silêncio.

Tudo era claro,

jovem, alado.

O mar estava perto

puríssimo, doirado.

Eugénio de Andrade [Portugal, 1923-2005]

OS PESCADORES

MAR DE SETEMBRO

Homme libre, toujours tu chériras la mer!

La mer est ton miroir; tu contemples ton âme

Dans le déroulement infini de sa lame,

Et ton esprit n'est pas un gouffre moins amer.

Tu te plais à plonger au sein de ton image;

Tu l'embrasses des yeux et des bras, et ton coeur

Se distrait quelquefois de sa propre rumeur

Au bruit de cette plainte indomptable et sauvage.

Vous êtes tous les deux ténébreux et discrets:

Homme, nul n'a sondé le fond de tes abîmes;

Ô mer, nul ne connaît tes richesses intimes,

Tant vous êtes jaloux de garder vos secrets!

Et cependant voilà des siècles innombrables

Que vous vous combattez sans pitié ni remords,

Tellement vous aimez le carnage et la mort,

Ô lutteurs éternels, ô frères implacables!

Charles Baudelaire

[França, 1821-1867]

He always thought of the sea as 'la mar' which is

what people call her in Spanish when they love

her. Sometimes those who love her say bad things

of her but they are always said as though she were

a woman. Some of the younger fishermen, those

who used buoys as floats for their lines and had

motorboats, bought when the shark livers had

brought much money, spoke of her as 'el mar'

which is masculine.They spoke of her as a contest-

ant or a place or even an enemy. But the old man

always thought of her as feminine and as some-

thing that gave or withheld great favours, and if

she did wild or wicked things it was because she

could not help them. The moon affects her as it

does a woman, he thought.

Ernest Hemingway

[EUA,1899-1961]

L´HOMME ET LA MER

THE OLD MAN AND THE SEA

Page 5: Mergulhar

NECESITO del mar porque me enseña:

no sé si aprendo música o conciencia:

no sé si es ola sola o ser profundo

o sólo ronca voz o deslumbrante

suposición de peces y navios.

El hecho es que hasta cuando estoy dormido

de algún modo magnético circulo

en la universidad del oleaje.

No son sólo las conchas trituradas

como si algún planeta tembloroso

participara paulatina muerte,

no, del fragmento reconstruyo el día,

de una racha de sal la estalactita

y de una cucharada el dios inmenso.

Lo que antes me enseñó lo guardo! Es aire,

incesante viento, agua y arena.

Pablo Neruda

[Chile, 1904 – 1973]

EL MAR

Vila do Conde espraiada Entre pinhais, rio e mar! - Lembra-me Vila do Conde, Mais nada posso lembrar. Bom cheirinho dos pinheiros..., Sei de um que quase te vale: É o cheiro da maresia, - Sargaços, névoas e sal - A que cheira toda a vila Nas manhãs de temporal. Ai mar de Vila do Conde, Ai mar dos mares, meu mar!, Se me não vens cá buscar, Nenhum remédio me vale, Nenhum remédio me vale, Nem chega a remediar… Abria, de manhãzinha, As vidraças par em par. Entrava o mar no meu quarto Só pelo cheiro do ar. Ia à praia, e via a espuma Rolando pelo areal, Espuma verde e amarela Da noite de temporal!

José Régio [Portugal, 1901-1969]

ROMANCE DE VILA DO CONDE

Aí!, o berço da tua voz, e esse jeito de mãos que tens nas ondas, Mar! Quando eu cair exausto sobre as conchas da praia e fique ali doente e sem ninguém, hás-de ser tu quem me trate, quero que sejas tu a minha Mãe. Há – de embalar-me a tua voz de berço, pra que a febre me deixe sossegar; e hás-de passar, ó Mar! pelo meu corpo em chaga, as tuas mãos piedosas comovidas, pra que sintas por mim as minhas dores e eu sinta só o bálsamo nas minhas feridas.

Sebastião da Gama [Portugal, 1924-1952]

Somos um país pequeno e pobre e que não tem senão o mar muito passado e muita História e cada vez menos memória país que já não sabe quem é quem país de tantos tão pequenos país a passar para o outro lado de si mesmo e para a margem onde já não quer chegar. País de muito mar e pouca viagem.

Manuel Alegre [Portugal,1936]

“Queremos a ilusão grande do mar Multiplicada em suas malhas de perigo” (1) Queremos sentir a brisa do ar E escondermo-nos nesse grande abrigo. Porque lá no fundo, lá no fundo, Existem pequenos mistérios A brilharem no escuro, Nas memórias que partiram. - Mar misterioso de frescura valente, Por que impedes o toque e escondes mistérios? Deixa-te vencer pelo fogo ardente! (1)Cecília Meireles

Dinis Ramos, Fábio Marques, Rui Vaz e Renato Gomes [9ºE, Escola Secundária José Régio]

VERSOS AO MAR

PAÍS DE MUITO MAR

MANTO AZUL

Page 6: Mergulhar

Não sou surfista, muito menos um peixe, mas, tal como para todos eles, o mar é um porto de abrigo, é algo que me inspira, é alguém com quem posso contar e confiar, é alguém a quem conto os meus segredos, os meus medos, as minhas alegrias e tristezas, e mesmo não me dando nenhum conse-lho, está lá para me ouvir e não desvenda nem uma palavra do que lhe foi dito.

O mar não tem corpo, é apenas água, também não é gente, é uma simples paisagem, mas acredito que tem coração, pois tal como deixa que o amem, também ama quem o venera. Não preciso de uma prancha, não preciso de uma barbatana, não preci-so de nenhum equipamento aquático, preciso ape-nas de coração e alma porque, afinal, tudo está nas mãos do mar.

Anabela Fortunato

[12º CM, Escola Secundária José Régio]

Ondas que se enrolam, Que se contorcem, Em mil e uma formas. Tantas, quantas eu desejar, Quantas eu, assim, sonhar ! Mar tenebroso !... Mar esplendoroso !.. Rei do Universo, Elemento primordial ! Quando em ti navego, Quando em tuas águas sonho, Belas são as tuas formas, Que maravilhoso é sonhar ! Águas cristalinas e puras, Águas lúgubres e dantescas, Que tudo destroem, Numa fúria imensa, Que tudo criam, Numa calma intensa. Como é bom sonhar! Em tuas águas viver! Nas ondas do mar, Aprender a sofrer, Aprender a querer, Aprender a amar, Nas ondas do mar…

Mafalda Taveira de Gouveia

[10º CT2, Escola Secundária José Régio]

BIG WAVE

MAR ONÍRICO

Crepúsculo. A minha sombra no areal desenha-me gaivota desgarrada, alma de Ícaro - ébria do sonho de voar!- estendendo frágeis asas secretas. Maré de mim. Purifico-me no alvo sal cautério desta chaga amordaçada, a quilha do meu corpo a navegar singulares ondas inquietas. Catarse. Submersa no limbo primordial sereia de algas, bailo, enfeitiçada ... transmudo-me nua concha nesse mar que me dá à costa em ilhas desertas. Demiurgo, o vento esculpiu-me dedos de coral pintados em matizes de alvorada, e é em mim que vêm descansar estrelas caídas, reflexo dos poetas.

Helena Maia [Escola Secundária José Régio]

Meti a mão na água e molhei a cara evitan-do que as gotas escorregassem para a minha boca. Erro! A frescura na pele só fez aumentar a sede. Tinha de beber ou enlouqueceria antes de o dia acabar.

Existia uma hipótese extrema e já a ponde-rara. Aproximei-me dum prego mais saliente do bote. Estava enferrujado e parte da cabeça dobrada para o exterior. Aproximei o meu pul-so da cabeça do prego e cerrei os dentes. Eu acabaria por comer a minha própria mão até ao tutano se continuasse com sede. Antes esta solução!

Cortei com rapidez. Corte de papel, que só senti já estava a sugar o meu sangue. Era sal-gado mas não tão salgado como o mar e deve-ria dar-me mais um tempo emprestado do que a água do oceano. Dessendentei tão concentra-do que só me apercebi no limite. Algo estava errado com o mar. Era uma sensação de silên-cio que cresce e o ritmo nunca é o que se espera. E de repente, lá estava, a caminho, o castigo de Deus pela transgressão que eu aca-bara de cometer. Um segundo dilúvio, uma parede de água imensa que se erguia. Vi, mes-mo à distância a que me encontrava, os peixes presos naquela parede de água, de olhos esbu-galhados, sem compreenderem porque a sua própria casa os aprisionava como um túmulo de pedra andante, compacto e translúcido.

(…)Ela vinha a caminho, a morte do mar, por outra via que não a antecipada. Não de sede nem de desespero lento mas de afogar, esmagado pela tromba de água.

A.M.P.Rodriguez

[Escola Secundária José Régio]

MARÉ DE MIM

PENA DE PAPAGAIO