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Mesmo antes de falarmos do Poetry Slam. Vamos falar de como ocupas o teu tempo. Quais são as tuas áreas de interesse. As áreas que desenvolves alguma atividade para além da área profissional. A resposta é um bocado vaga porque me interessa o conhecimento. Interesso-me, basicamente, por conhecimento. Gosto de saber de tudo para poder ter a minha opinião. Tendencialmente interesso-me mais pelo lado espiritual do que propriamente material. Os assuntos que me interessam mais vão para a natureza humana, esoterismo também. Neste momento é um interesse teu estar próximo da natureza, das atividades relacionadas com a terra. É uma constatação eu não podes estar separado de ti próprio. Separados da terra estamos separados de nós próprios, deixaste de olhar para quem te ensina – que é a natureza – e tirar a capacidade de ler os sinais. Porque ela todos os dias grita à tua volta. No aspeto mais circunscrito da cultura, da arte, que tipo de atividades gostas de fazer? Ultimamente zero de chamamentos culturais. E outros? Agora estou a fazer um curso de teatro. E em casa? Em casa, ultimamente, vi um ou outro filme. Leio, por acaso já há algum tempo que não escrevo. Mas, ultimamente, temporalmente estou com 33 e desde dos meus 28 deixei de sentir que não sair à noite, estava a perder qualquer coisa. Tens que te adaptar à sociedade, há outras formas alternativas. Lês poesia? Sim. Tens algum autor ou algum livro de referência? Como disse há pouco eu leio livros, basicamente, de conhecimento. Leio poesia mas não sou aquela pessoa que já leu os conhecidos todos. Há um (inaudível) do Cesário Verde, foi na altura da escola. Depois é mais a filosofia. Então, neste momento, na atualidade a leitura de poesia não é… Pode ser um autor qualquer, um amigo… Neste momento estou com os gostos um bocado condicionados. Não sei se já ouviste falar de (inaudível) Já, já… Em 2012 pediu (inaudível) peças no Brasil (inaudível)

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Mesmo antes de falarmos do Poetry Slam. Vamos falar de como ocupas o teu tempo.

Quais são as tuas áreas de interesse. As áreas que desenvolves alguma atividade

para além da área profissional.

A resposta é um bocado vaga porque me interessa o conhecimento. Interesso-me,

basicamente, por conhecimento. Gosto de saber de tudo para poder ter a minha opinião.

Tendencialmente interesso-me mais pelo lado espiritual do que propriamente material. Os

assuntos que me interessam mais vão para a natureza humana, esoterismo também.

Neste momento é um interesse teu estar próximo da natureza, das atividades

relacionadas com a terra.

É uma constatação eu não podes estar separado de ti próprio. Separados da terra

estamos separados de nós próprios, deixaste de olhar para quem te ensina – que é a

natureza – e tirar a capacidade de ler os sinais. Porque ela todos os dias grita à tua

volta.

No aspeto mais circunscrito da cultura, da arte, que tipo de atividades gostas de

fazer?

Ultimamente zero de chamamentos culturais.

E outros?

Agora estou a fazer um curso de teatro.

E em casa?

Em casa, ultimamente, vi um ou outro filme. Leio, por acaso já há algum tempo que

não escrevo. Mas, ultimamente, temporalmente estou com 33 e desde dos meus 28

deixei de sentir que não sair à noite, estava a perder qualquer coisa. Tens que te

adaptar à sociedade, há outras formas alternativas.

Lês poesia?

Sim.

Tens algum autor ou algum livro de referência?

Como disse há pouco eu leio livros, basicamente, de conhecimento. Leio poesia mas

não sou aquela pessoa que já leu os conhecidos todos. Há um (inaudível) do Cesário

Verde, foi na altura da escola. Depois é mais a filosofia.

Então, neste momento, na atualidade a leitura de poesia não é… Pode ser um autor

qualquer, um amigo…

Neste momento estou com os gostos um bocado condicionados.

Não sei se já ouviste falar de (inaudível)

Já, já…

Em 2012 pediu (inaudível) peças no Brasil (inaudível)

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Onde é que se arranja isso?

Agora tenho ali a de 2013. Cada pessoa que participa recebe uma gratuita. Já em 2012

foi assim. E foi a última vez que estive a ler poesia. E foi agora aqui, num bar, foi lá um

brasileiro – agora recentemente – o gajo ouviu-me a dizer a cena e começou “E

Camões”. Eu, às vezes, tenho problemas na própria interpretação daquilo que eu

escrevo e às vezes sinto que não fui eu que escrevi aquilo, é uma cena estranha…

É o óbvio, nós somos canais.

Sim, sim, sim.

Se o copo estiver vazio, recebe. Se não estiver vazio, não recebe.

(Inaudível) tu não

Eu costumo dizer, em tom de piada, deve-se muito dinheiro aos negros (?).

(Inaudível) Nunca tinha pensado nisso! Eles podiam sair da crise se nós lhe

pagássemos os direitos de autor

(Inaudível)

Tu sabes que este coletivo que eu tenho com o Bruno e com a Rita foi muito por

causa disso, estávamos num grupo que é a Oficina de Poesia, em Coimbra, e

começamos a dizer: “Vamos fazer poemas todos juntos”, ninguém queria, “Saem

coisas brutais, nós somos todos tão diferentes. Vai sair uma coisa espetacular.” Mas

ninguém queria, então decidimos fazer umas coisas, os três, para podermos fazer

isso. E para podermos ver como é que íamos reagir ao facto de não haver autoria: eu

escrever uma frase e vem o Bruno, que se quiser, risca e põe outra. E isso ensinou-

nos muita coisa a cada um de nós.

Podiam pintar assim, experimentem pintar!

Ai não, sou um zero à esquerda nisso!

Não, a sério, é a mesma coisa! Estou aqui a fazer uma árvore…

Tu aprendes a estar numa maneira diferente nas coisas.

Há várias formas de conhecer-te que não são tão simples, tão óbvias.

Mas os poetas, normalmente, são muito possessivos e muito agarrados à autoria

Aaaah… caminho é caminho.

Ainda bem que tu existes pode ser que influencies mais alguém.

Compras livros de poesia, neste momento?

Não.

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Lês poesia na internet?

Já li mais.

O último livro que comprei? Sei lá… Têm-me oferecido livros (inaudível). Está tudo em

ti e essa é que é a verdadeira magia.

Escreves poesia?

Dizem que sim.

Quando é que começaste?

2006, em Setembro. (inaudível)

Por causa dessa experiência?

(Inaudível) só que nunca tinha sido publicado. Ainda agora sou um bocado preguiçoso.

Ainda agora crio umas mnemónicas para me lembrar.

O nosso pensamento acaba por nos isolar, por nos convencer que estamos isolados.

Um registo em que és muito exigente contigo. Para mim, ir ao Slam, foi meramente um

desafio para ir para a frente do público, falar, dizer as coisas tuas. Juntar-te ao

julgamento. Ainda assim há coisas latentes, aqueles sentimentos do “ah, não

ganhaste” ou “devias ter ganho”. Os pensamentos continuam a passar. Não dizer que

passam é não dizeres que nunca pensaste no 10.

Sempre muito por isso, sentir que nós continuamos a existir como os criadores do

grande conflito, não sinto – muitas vezes – que a arte cumpra o seu objetivo: que cure

as pessoas.

Vês, na arte, esse objetivo?

É o que vejo como missão. Acho que deve servir para cura. Eu vou ali ao Slam, ouço

uma pessoa dizer um poema e aquilo desperta em mim um caminho que me permite

resolver, modificar o passado. É a única coisa que conseguimos fazer em relação às

coisas que nos prendem, que nos magoam, que nos condicionam. A memória emotiva

que temos e não devíamos ter guardamos as emoções todas e o recalcamento. Acho

que é um bocado por aí, a poesia, mandar qualquer coisa cá para fora.

Partilhas a tua poesia no Slam, partilhas noutro suporte? No papel, na internet…

Sim, quando comecei a escrever decidi logo partilhar para não haver filmes de estar a

guardar. Pronto, o desapego.

E partilhavas onde?

Num site Brasileiro. Curiosamente comecei a partilhar no Fotolog. Depois fui para um

trabalho que a net estava bloqueada, na caixa, e encontrei esse site brasileiro, comecei

lá a postar e fiz um dueto com uma poeta, uma senhora de Minas Gerais, com 50 e tal

anos – a idade da minha mãe – e fizemos (inaudível) quarenta e tal vezes.

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Ela mandava-me um poema e eu metia nas entrelinhas ou ela mandava-me a primeira

parte e eu ficava com a segunda. Foram umas coisas giras. Também para começar a

criar o tal novo mundo, não é?

Que tipo de eventos culturais frequentas agora?

Slam, ultimamente.

Antes desta nova fase, que te encontras, frequentavas outro tipo de eventos

culturais?

Digamos que eu sou do meio alternativo e nessa altura, saía como se não houvesse

amanhã, também não vinha para a cidade, ia para o meio do mato. As famosas festas

trance. Mais música.

Mais uma vez estas culturas – ou subculturas – começam por algum motivo. Como a

luta do conhecimento científico contra o empírico, baseia-se muito no que é palpável e

a ciência não “espera lá que isto (inaudível) ” mas tudo que não é medido já não existe.

É um bocado a mesma coisa, com outro nome. O que me levou a ir a estas festas foi

não gostar do ambiente da cidade, do empurra (inaudível) e violência e blá, blá. Sítios

onde pessoas desconhecidas tinham vontade de comunicar, não é ser forçado, é haver

vontade em conhecer as pessoas que estão ali. Também era um meio mais pequeno:

mil pessoas já começa a ser um número considerável mas onde tudo partilhava um

bocado da mesma ideia. Foi um dos percursores do Boom Festival.

Já organizaste algum evento, deste tipo, cultural?

(Inaudível) Associação espíritos livres. Basicamente a malta alugava salas, o grupo

desportivo da Mouraria, e era um bocado do mesmo – na essência – o que o Slam

tenta transmitir. Que é permitir a qualquer pessoa aparecer e partilhar.

Partilhar qualquer área artística ou havia uma área específica?

Qualquer área artística.

Depois, claro, há sempre o conflito de pessoas que acham que deve haver o mínimo de

qualidade. Depois começa a guerra, não é? E depois a poesia mostra que isso é como a

propriedade, como a autoria. É uma perfeita estupidez. Eu percebo, tu podes estar a

dizer não ao Michael Jackson só porque o gajo estava nervoso e não conseguiu

partilhar a sua cena. Ou, às tantas, ainda não é um diamante mas vai tornar-se um

diamante. E acho que é essa a ideia do Slam, como é da (inaudível) poética, como acho

que deve ser.

E além dos eventos que organizaste nessa associação há mais algum que tenhas feito

ou organizado e que queiras referir?

Neste momento desenvolvo o meu projeto que envolve permacultura. Começou

agora, em janeiro ou fevereiro, na Ericeira.

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E como é que estão a fazer isso, em termos de dinheiro, com parcerias? ~

Nada.

As pessoas aderem mesmo que não haja dinheiro envolvido?

Sim, é incrível.

E como artistas estás a participar em quê, neste momento?

Numa peça de teatro, nuns sketches de teatro.

Para quando vai ser esse teatro?

A peça? 19 Ou 20 de abril. No Teatro Dão Filipe Nunes.

Quando é que ouviste falar do Slam pela primeira vez?

2010. Setembro de 2010.

Como?

Através de uma pessoa conhecida que me mandou (inaudível) pela net.

Quando ficaste a saber que existia o Poetry Slam o que é que te levou a ficar

interessado?

Pela partilha. E depois é uma mistura de tudo, não é?

Mas antes de participares porque é que disseste: “vou ali ver aquilo.”?

Anteriormente tinha tentado, tinha concorrido a alguns concursos de poesia, em

câmaras municipais e realmente achei que o Slam tinha muito mais a ver comigo do

que estar a compilar poemas e depois a enviar. O caráter informal se calhar permite

que apareçam as tais pessoas que poderão não aparecer se estivermos com esse

formalismo todo.

Achas que há uma relação na forma que tu vives a cultura e a arte e a aproximação

que tiveste ao Slam?

Acho que sim. Acho que há uma tendência, nos seres humanos, para resolver tudo,

para definir as coisas. As próprias palavras são o que são, valem o que valem. Penso

que, à partida, tu defines, no sentido de estar atento, a água vai apodrecendo porque

ficou numa poça e não continua a fluir. E definir o que é arte acaba por tirar muita

gente.

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Achas que, no fundo, no Slam isso não acontece. Não há a necessidade de definir as

coisas?

Há o perigo do elitismo, depois as pessoas começam-se a dar melhor umas com as

outras e, às tantas, é normal que se apreciem mais uns ou outros. Há pessoas que

poderão não ser compreendidas, há pessoas que poderão ser compreendidas mas de

forma errada. É o mundo…

Mas, essencialmente, o mais importante de tudo é que una as pessoas só que depois

tens sempre o teu ego, não é? É a dualidade: sábio durante a noite, burro durante o

dia.

Conheces Slams de outros pontos do país?

Sim, estive no Porto. Na primeira edição do Porto, além do de Lisboa e de Almada.

Além de estares, já viste coisas na internet, já ouviste falar?

Sim, sim.

E de outros países?

Também já pesquisei.

E o que é que estiveste a ler?

(inaudível) Conheci Harry Macmilson (?) também tem umas coisas giras, aqui no braço

de prata, também tem umas coisas giras. Vi alguns vídeos da copa do mundo onde o

Harry ganhou. Vi de outros que participaram. Basicamente é o que consigo encontrar

na internet e vi o campeonato de Slam, de jovens, nos Estados Unidos.

É, é o “Youngs Poetry Slam”. É uma coisa que eu queria ter cá mas as escolas mas,

infelizmente, em Portugal ninguém está para aí virado.

É realmente importante, fazia os miúdos pensar.

Já fiz muitos workshops em escolas mas ninguém está disponível para haver um

programa regular.

Também participei no Campeonato Nacional de Escrita Criativa. Foi fixe, foi fixe. Saber

a opinião de um leitor compulsivo. Um professor de Português e um Escritor. O Pedro

Freita chagas ou Pedro Chagas Freitas. Acho que escreveu onze livros de seguida,

cenas assim.

Que semelhanças, para ti, existem entre os Slams em que participaste?

De uma regra geral são iguais, as regras são as mesmas. Por acaso, uma vez em que

estive, a regra não foi a mesma: aquela história de tirares a nota maior e a nota mais

baixa.

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E não vês diferenças?

Há diferença nas pessoas que apresentam, são pessoas diferentes. Em Almada sempre

tive a impressão eu vai mais gente. Mas parece-me que o Poetry Slam de Lisboa

continua a ser o que é mais informal. Depois também é o sítio, acaba por influenciar,

em Almada toda a cena é incrível, mas é muito ruidoso, o público.

E Lisboa, Porto?

Porto só estive na 1ª edição, não estava muita gente, o sítio era (inaudível). Era

totalmente diferente, a cidade, o edifício todo traça antiga.

Achas que influencia a dinâmica o local onde é feito?

Completamente. O espaço é determinante, se estivéssemos numa sala esta entrevista

seria muito diferente.

Como é que tu descreverias o Poetry Slam?

É um sítio de partilha, basicamente. Onde as pessoas partilham emoções, são

momentos – supostamente – de catarse. Depois sei como é que ele surgiu e surgiu

com algum propósito, não é? A história dos operários que se estão a manifestar, coisas

que estão erradas e deviam mudar. Não é que eu não goste de ouvir poemas sobre

Lisboa mas podemos estar-nos a masturbar e estar a ouvir. (risos)

Realmente o que me agrada mais é o conteúdo, podes ir lá fazer uma plasticidade de

sons, com palavras, que é divertido, mas eu sinto que sinto mais as coisas que têm

conteúdo.

Para além do Poetry Slam já houve outros eventos em que leste a tua poesia?

Uns saraus que fiz com o espírito livre, nestas apresentações da (inaudível) poética. O

meu paradoxo é ir ao movimento (inaudível) mas acho que toda a gente sente isso. E

depois também percebo que deva ouvir e partilhar, não tem muito sentido estar

fechado. Por isso é que eu comecei a participar no Poetry Slam.

Para ti o que é que significa ser slammer?

É alguém que avia poesias, é quase um médico.

Mas podias escrever poesias e não ser slammer.

Sim, isso é um poeta. Realmente nunca pensei o que é para mim ser slammer.

Slammer é uma outra extensão do poeta, slammer pode ser a varina que está a vender

peixe e que está a partilhar o banco, que o peixe vai-te fazer bem. Sim, vejo como uma

extensão do poeta.

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Como é que tu escolhes os textos que vais ler num Slam?

É no último momento. Eu não gosto de dizer coisas repetidas e é por isso que não vou

tão frequentemente. Apesar de saber que, no contexto de teres sucesso – de ganhares

– há pessoas que escolhem uns 3 ou 4, ganham e é aquilo. Aborreço-me um bocado

porque, pelo menos a mim, soa-me a um bocado repetitivo. Eu próprio não me sinto

bem e tento diversificar, e muitas vezes a coisas que eu levo são muito em cima do

joelho e algumas coisas são poemas que se fundem, tendencialmente. Acabo sempre

por falar do mesmo.

Uma banda faz uma tour e leva sempre a s mesmas músicas. Achas que isso não faz

sentido no mundo do Poetry Slam?

As coisas que as pessoas dizem, todas as vezes que as ouço, ouço-as diferentes. Podes

não estar com atenção, mas mesmo estando com atenção, as coisas vão-te dizendo

coisas diferentes porque tu vais crescendo. E também sei, que apesar de me fazer

confusão eu estar a dizer a mesma coisa, sei que eu por vezes também tenho outra

interpretação daquilo que estou a dizer como as outras pessoas que poderão nunca ter

ouvido, mesmo as que ouviram. Até porque nós temos muita dificuldade em ouvir, já

te apercebeste disso.

Do teu ponto de vista, quando estás a fazer a tua performance, não te agrada tanto

fazeres muitas vezes o mesmo texto. É isso?

É porque apesar de eu sentir que pode haver assa possibilidade, haver novas

interpretações, haver novas exposições ao vivo, parece-me que eu ao aperfeiçoar

tanto o texto vai mais ao encontro de querer ganhar do que querer alcançar alguém.

Quando tens os textos, que vais levar ao Slam, preparaste de alguma forma?

A vez que me preparei mais foi dois dias antes, por isso é que a interpretação fica

sempre aquém. Só da última vez que fiz o Slam, foi na Music Box, é que me senti

mesmo à vontade e apreciei o palco. Das outras vezes estava sempre com uma pressa

danada de sair lá de cima. Depois não respiro, a voz fica mais aguda.

Nessa noite o que é que foi diferente?

Não sei, também já fui ao Music Box umas três vezes.

Estavas a falar da vez que te preparaste mais. Ficaste com vontade de voltar a fazer

esse tipo de preparação ou, pelo contrário…

Sim, sim. É necessário tu preparares-te. Acho muito mais interessante tu estares a

recorrer à tua memória do que propriamente a um papel. Isto é puramente ótico

porque tu estares com um papel. Eu prefiro que as pessoas decorem. Em princípio não

há-de ser difícil porque é uma coisa tua.

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Isso é uma coisa que fazes habitualmente?

Quando digo sem recurso a papel, sim. Interessante seria tu conseguires improvisar.

Nós, lá em Coimbra, estamos a pensar fazer um Slam Jam.

Sim, acho que sim.

Consideras-te poeta?

Considero-me poeta, mas é um bocado estupides. Acho que todos somos poetas.

Porquê?

Porque temos qualquer coisa para contar.

Quando participas no Slam também te vês como parte do público?

Sim.

Porque é que escolhes o Poetry Slam em relação a outras coisas que poderias fazer

ou outros eventos culturais?

Para já a possibilidade de conhecer as pessoas do Slam, são mais reais, no sentido que

estão ali e que gostam de poesia. Eu também gosto de poesia, mas não gostar de

poesia no sentido de Florbela Espanca, é um gosto puro, por tentares tocar noutra

pessoa. No fundo é conhecer, se nós não aproximarmos vai ser muito difícil

conseguirmos começar a comunicar.

Depois, basicamente, o que eu procuro no Poetry Slam – como procurava nas festas

onde ia para o meio do mato – o facto de eu estar aqui, é isso. Estar aqui a dar uma

entrevista, mas às tantas é muito mais importante conhecer a Liliana do que

propriamente a entrevista.

Já fizeste parte do júri?

Não.

Vês-te a participar num Slam na vertente da organização?

Quem sabe? Se não me parecerem os Slams da Ericeira…

Achas que o Slam é só uma coisa urbana?

Acho que não, até porque existe Slam (inaudível). Tu vais a um Slam e vês que a

tendência é para a coisa crescer e há-de chegar um ponto que não é bem um Slam, já

há sítios que começam a roçar isso.

Então fazia sentido um Slam na Ericeira, por exemplo?

Sim, descentralizar o máximo possível.

O que é que tu achas do formato da competição?

(Inaudível) A competição é um isco e o peixe só lá vai se tiver isco.

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Então achas que se não houvesse competição e só houvesse o microfone aberto as

pessoas não iam?

Ia ser diferente.

Achas que a competição cumpre algum objetivo que tu aches importante?

Tipo jogar a feijões (inaudível) nós estamos moldados de uma forma (inaudível) nós,

desde miúdos: “tiveste as melhores notas”, “recebeste um prémio da escola”. Fazer

desporto, ganhar ou perder. As pessoas vêm com aquela tanga do “O que interessa é

participar” não é assim, vamos deixar de ser hipócritas. Isto do Slam com tudo, não é?

Então, para ti, a competição no Slam é semelhante às outras competições nos outros

campos da vida?

Sim, estar a dizer que não… Senão não se dizia que era competição. Não é importante

aquilo que se vai lá dizer, às tantas.

Mas, para ganhar, o que é que precisas de fazer?

Isso é subjetivo, não é? (inaudível) nem sei se as pessoas são conhecidas ou se são

desconhecidas. Aceito perfeitamente aquela cena, acho que é perfeitamente natural,

se eu já te conheço, já li. Depois é a tal cena de eu já ter ouvido mais que uma vez e

chego a uma conclusão, quando tu estás a ouvir ali uma pessoa durante três minutos,

que está nervosa ou que se esqueceu, que se engasgou.

Mas achas que não se tenta cumprir aquele princípio das pessoas sugerirem

(inaudível) pessoas a participar?

Não, não, não acho isso.

Essa, supostamente, é uma das regras.

Sim, sim, sim.

Não costuma acontecer?

Comigo já houve uma vez que não aconteceu. Uma minha amiga foi do júri apesar de

deu dizer “não quero que tu sejas do júri”.

O que eu acho é que devia haver vontade das pessoas se juntarem, só. OK, a

competição é saudável mas há tantas formas de te divertires e sentires valorizado e

sentires contente e com vontade de continuar (inaudível).

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Mas tu, há bocado, disseste que é um isco. Achas que isso faz com tenha alguma

importância?

Pois, eu contra mim falo, é sempre apetecível, não é?

Estavas a dizer que serve como isco. Como isco para as pessoas se exporem à poesia,

pode ser mais válida ou não?

Quando digo isco não é no sentido pejorativo. Acho que, pronto, começaram dessa

forma por alguma razão. Continua a valorizar a competição, não a cooperação, vá. No

sentido de unir as pessoas, das pessoas se começarem a conhecer realmente e

começar a fazer do movimento válido (?). (inaudível) Agora estamos na fase do tem

que haver a competição. Mas isso não é o que importa, tu sentes, tu sentes a energia.

Por oposição, e o microfone aberto?

São pessoas que já estavam para ir à cena, não são pessoas que vão ali por ir. Que às

vezes: “olha, tenho aqui um poema vou partilhar”. Até porque nós continuamos muito

fechados em nós e isolados.

A primeira vez que eu participei num Slam – Mic Oeiras, já não me lembro – “Ah, eles

agora vão dizer um pequeno poema antes do Hugo” vou já gastar (inaudível). “Entre

lamentos e conclusões todos são santos e todos são cabrões”. É muito este registo,

continuamos focados no lado negativo. Pela dor aprendes de certeza, pela alegria é

muito complicado.

Eu acho isso tão Português: “Só se aprende com o sofrimento”

Não tem nada a ver com isso, tem a ver que quando tu estás feliz não estás tão atenta.

Mas voltando ao microfone aberto, identificas-te mais com esse formato? Mesmo

nunca tendo visto um grande microfone aberto?

Sim, a primeira vez que eu vi um microfone aberto foi o de Lisboa, foram lá pessoas de

Loures. Em Almada parecei-me haver mais essa possibilidade, primeiro. Há a cultura da

palavra falada em Almada. As pessoas improvisam, tu percebes que a pessoa está a

improvisar e pode surgir coisas muito boas porque há pessoas que não se importam,

que não se identificam com o estilo de competição, não se sentem bem a estarem a

ser julgadas.

Mas achas que as pessoas aderem mais à competição ou ao microfone aberto? Que é

que tu sentes?

Olhando por Almada parece que a coisa está equilibrada. Eu acho que,

tendencialmente, as pessoas vão ao Poetry Slam para participar. Levam amigos e às

tantas até pode haver um ou outro que não quer participar, mas, no fim até se sente à

vontade e vai ler um poema dele ou vai ler um poema de outra pessoa. Continua ainda

a persistir o sentimento do julgamento “ah, depois vou lá…”, “ah, tenho vergonha…”

porque eu sinto isso.

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O que é que tu achas do papel, da função, do júri?

Acho que é importante. É importante para o que se está a fazer, para a competição,

tem que se dar notas. O júri não dá notas, não há competição.

Achas que deviam ser dados critérios às pessoas do júri?

Não, mas também não fazia grande sentido.

Porquê?

Porque o informal começa a ser muito formal. Às tantas começas a chamar pessoas

que percebem de poesia, o que é que é isso?

Depois também há um bocado aquele sentimento de “Oh pá, eu não gosto!” e não

estás a ser imparcial, é porque não gostas! “Ah, não gosto de poemas de amor!” Um

gajo vai lá dizer um poema de amor, por mais (inaudível) vai para o caralho!

Eu já levei um 3,6 e o pessoal ficou naquela: “nunca tinha levado uma nota tão baixa!”

Já tiveste a experiência do mesmo texto ter sido bem recebido num Slam de

determinado local e não tão bem noutro? Ou, na mesma leitura, alguém que gostou

muito e alguém que nem por isso?

Sim, já aconteceu. Sim, sim, tive 10 num e tive 3,6.

No mesmo texto?

Sim.

O que é que tu achas dessa diversidade?

Acho que, muitas vezes, não é diversidade. É infelicidade.

Achas que isso devia ser evitado?

Não consegues controlar. Nem é esse o objetivo.

Achas que a imprevisibilidade é importante ou não?

Vais lá dizer uma coisa que a malta que lá está se identifica porque, se calhar, no

momento está a pensar sobre isso, ou já teve experiências que permitem perceber

aquilo que estás a dizer. Há pessoas que ouvem e não compreendem e acham

aborrecido.

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Mas concordas que seja assim ou que se devia arranjar outra forma das coisas

acontecerem?

Acho que se devia acabar com a competição e ser só uma partilha. E, se calhar,

combinar forças.

Na tua opinião o que levou à criação de um evento como o Poetry Slam?

As razões devem ser as mesmas, as antigas, da injustiça da opressão, basicamente.

Sempre foi isso que eu deduzi do movimento operário. E, provavelmente, teriam Slams

que falavam sobre os problemas. Acho que é isso, deve-se utilizar a arte para a função

que acho que ela tem. Que é resolver, no sentido, de cura.

E achas que a criação do Poetry Slam se enquadra?

Acho que pode ser esclarecedor! Falar sobre o assunto, para as pessoas que ouvem e

sem dúvida que devia ser o Poetry Slam do que “A Casa dos Segredos”. Mas a malta

continua a gostar mais de falar sobre pessoas do que sobre ideias. As ideias são

aborrecidas, às vezes.

Qual é a tua opinião sobres os textos que são lidos nos Poetry Slams?

Bons, muito bons. Já ouvi coisas muito boas. Na essência, quando é importante, todas

as pessoas percebem porque toca a todos. Acho que o objetivo é fazer as pessoas

sentir, temos esta máquina, para sentir.

Achas que á um tipo de texto, um tipo de poesia específico do Poetry Slam?

É sem dúvida o Slam, é como estares a rebocar uma parede. Estás a chapar massa, só

tens de mandar para lá. A mensagem tem de ser poderosa, tem de tocar – senão não é

Slam – é tipo como os filmes à antiga. Que essencialmente é isso, o Slam transmite o

falar de ideias que são incomodativas e que ninguém quer pensar e que todos

partilhamos. Partilhamos sofrimentos, sofrimentos no sentido da opressão que existe.

No mundo que rodeia: “faz assim, faz assado”. São conversas de horas, não é? Poemas

que abordam tudo. Mas, basicamente, acho que deve ser essa a função. Por isso é que

eu digo, tenho poemas muito giros “o mel escorre pela pele” e essas coisas, eróticos,

coisas…

Isso não serve para o Slam, é isso?

Até se pode adequar mas no sentido de masturbação poética. Agora no sentido de

abanar, de relembrar aquilo que tu sabes que deves mudar.

Na tua opinião que os textos que se ouvem no Slam…

A tal da cura.

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O que é que gostas mais no Poetry Slam?

As pessoas.

O que é que gostas menos?

Não gosto da competição. Há uma parte, em ti, que gosta e há outra parte em ti que

desvaloriza, que não é verdadeiramente importante. Só que quem valoriza é quem

joga.

Se tiveres que convidar alguém para ir a um Slam, que ainda não sabe o que é, o que

é que lhe dizes?

Primeiro é uma coisa que é diferente que a malta está habituada a ver. Por acaso

nunca tive essa cena. Basicamente quando tive que explicar a amigos disse que são

pessoas que vão dizer poesias da sua autoria – supostamente – num contexto

informal. Normalmente quando falas de poesia as pessoas associam logo àqueles

encontros (inaudível) com pessoas mais experientes.

E que relação é que existe entre a poesia e a experiência dessas pessoas?

(inaudível) de alguma forma… Aos 18 anos tendencialmente (inaudível) 50 anos isso

não acontecia.

Mas achas que vais escrever melhor aos 50 anos?

Não, não associo a idade. O facto de a pessoa ter 60 anos não quer dizer que a pessoa

seja muito experiente. E até há pessoas que são jovens, olhando para o corpo delas, e

já têm mais experiência que muita gente com 50. Estive uma vez num encontro, no

Barreiro, com pessoas dessa faixa etária – com pessoas dos 40, 60 – pelo menos

parece que as pessoas são mais exclusivas no sentido de se aproximarem. Ser uma

vontade maior de comunicar, mas foi isso que eu senti: havia a necessidade de

comunicar. Já estive em outros Slams que não.

Não se fala, as pessoas não falam umas com as outras, é isso?

De uma forma geral, não é só nos eventos do Slam, é uma coisa que eu verifico. És

capaz de estar 7 anos a apanhar o mesmo autocarro, com as mesmas pessoas, e não as

conheces.

Quando perguntam qual é que o teu sonho - no Poetry Slam – agora já consigo

verbalizar, mas das primeiras vezes é quase como o “que é que tu queres ser quando

fores grande?”. Vejo o sonho não como uma coisa individual, a troca de sonhos não

pode ser uma coisa singular. Realmente o meu sonho envolve toda a gente.

O que é que tu pensas da obrigatoriedade dos textos serem da autoria da própria

pessoa que o lê?

Se assim não fosse tu ias escolher poemas obviamente bons, ou então não, levavas

poemas… eu ia levar lá o da Água, que gosto bué, (inaudível) “dos folhos e entre

folhos, lava as sérias e as putas, lava os agriões e os quilhões…”

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Gostas de fazer rima?

Ya. Tudo tem vida (inaudível) parece que chamam uma pelas outras. Pode-se tornar

tudo obsessivo, tem de ficar tudo em rima.

É um trabalho interior conseguires perceber a beleza e a feiura de todas as coisas.

Porque é que achas que é importante os textos serem da autoria da própria pessoa?

Senão cada um escolhe uma coisa bonita, vão lá. Pode ser bom no sentido que isto já

aconteceu, no Music Box, o André Gago, mostrar (inaudível) de Carvalho. Se calhar

pode haver um misto. Se bem que de todos os formatos que eu conheço o único que

sinto mais superficial é o (inaudível). Mas é o que eu sinto, é o mais superficial no

sentido que já está ali algo para rentabilizar a casa e não é isso “o Music Box não pode

estar fechado à quinta-feira”. E também acho interessante haver a presunção em que

se valoriza mais o espaço que a próprio criador, ou pseudo-criador.

Na tua opinião para que é que serve o Poetry Slam?

Para cura.

Achas que já existe uma comunidade em torno do Poetry Slam?

É como te digo, estou um pouco mais afastado. Conheço algumas pessoas que

entraram no de Lisboa, ficou-se só pela conversa. As coisas não são tão simples como

gostaríamos que fosse, isto muitas vezes por opção ou autoimposição das pessoas.

Vejo isso também em mim. Ficou só por aí.

Então achas que não há uma comunidade?

Há uma comunidade, malta que já é mais próxima, já convivem mais. Como eu estive

poucas vezes não me sinto tão enturmado. As coisas rolam como rolam, há pessoas

que são mais abertas, há pessoas que são mais fechadas. Sou uma pessoa extrovertida

que às vezes fico um bocado fechado, pode dar a impressão que sou um bocado

fechado. No fundo é olhar para fora também.

Achas que o Poetry Slam é influenciado por outras áreas artísticas?

Sim, sim, sim. Música, principalmente, há vários Slammers que repetem o som, fazer

som com a própria palavra. O que é giro.

Baseando-te na tua experiência de frequentador de outros eventos de poesia pedia-

te para fazeres uma comparação entre o Poetry Slam e outros eventos do género.

É óbvia! É a competição. Estas (inaudível) e estes saraus é só partilha (inaudível). Da

para perceber uma maior dificuldade para as pessoas aparecerem. Não te sentes que

tens valor (inaudível) ele está associado, um bocado, à competição. O que não quer

dizer que se uma pessoa preferir a competição é uma pessoa má! Não quer dizer que

este seja o caminho certo, é um caminho, está lá. É um caminho onde as pessoas se

acabam por sentir melhor mas não há tanto reconhecimento, tu disseste um poema

muito bonito.

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O pessoal fica condicionado pela competição.

Achas que o poema é uma coisa de egos?

Como a vida, isto é como tudo. Está associado, o quero aparecer, é muito ténue a

linha. Mas, às vezes, dá-me a sensação que há uma necessidade de apareceres, o que

não é mau. O problema não és tu, é o que tu fazes contigo. O problema não é quereres

aparecer, é a forma como tu te dás, a quem entregas, não é?

Podes falar-me de como correu o primeiro Poetry Slam que organizaste?

O primeiro Poetry Slam, em dezembro de 2011. Fizemos uma promoção massiva da

coisa, precisamente por ser o primeiro, para as pessoas perceberem o que é que é,

qual é o conceito. Em Coimbra ainda não havia nada disso, a maior parte das pessoas

que conhecíamos não conhecia o conceito e então explicávamos isso tudo.

Cartazes pela rua, Facebook, mails, que é uma coisa que tentamos não fazer – pelo

menos eu sou contra fazer: “roubar” listas de e-mails, etc. – tudo isto fez com que

aparecesse bastante gente. É claro que se olharmos para as fotografias vemos que a

coisa está cheia e é claro que estava muito cheio, com gente em pé e tudo a fazer um

círculo à volta do microfone porque um dos participantes eram dez pessoas. Foi um

coletivo de dez pessoas, uma coisa nunca vista! Que nunca mais se repetiu,

infelizmente.

O primeiro correu bastante bem, acho eu, até por ter sido o primeiro. Houve coisas

que falharam ou que correram menos bem e que se foram aprimorando ao longo do

tempo. Também foi havendo, ao longo do tempo, mais à vontade até o próprio

processo de cronómetro: iniciar o cronómetro, parar o cronómetro, dar as pontuações,

fazer as contas. A dinâmica do Slam tem ali toda uma série de coisas que não são

complicadas mas que é preciso gerir. A primeira vez é capaz de ter sido um bocado

mais atabalhoado mas acho que resultou porque muita gente continua a aparecer, não

é? E cada vez tentamos levar mais gente porque sabes que resultou.

No que toca à criação do Slam e à organização e à própria continuação que situações

ou circunstâncias é que tu vês como obstáculos ou dificuldades?

Há uma coisa que eu costumo dizer, que tem muito a ver com o Slam e tem também…

Que é: a malta, no geral, às vezes queixa-se “ah, não acontece nada” eh pá, se não

acontece nada a malta que se está a queixar que comece a organizar coisas, não é?

Associado a essa queixa, sempre na mesma linha, há quem diga: “ah, não há espaço

para fazer coisas.” É verdade que às vezes não existe (inaudível), existem certas

resistências a certo tipo de coisas, etc., etc., mas assim no geral eu nunca tive a

experiência de querer fazer uma coisa, ir bater a uma porta e fecharem-ma e ir bater a

mais dez e fecharem-me sempre! Curiosamente o nosso Slam foi no primeiro sítio

onde pedimos, ficamos. Quando mudamos de sítio o primeiro sítio onde pedimos,

ficamos. É óbvio que já sabíamos, mais ou menos, que sítios é que podiam aceitar

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mas… isto para dizer que as pessoas das instituições ou das casas também querem que

aconteçam coisas e às vezes até estão de braços abertos as pessoas é que não vão

bater a essas portas. Nós tivemos sorte porque nos abriram portas mas acredito que

possa ser uma dificuldade arranjar um sítio isto porque uma organização de Slam está

sempre dependente de outras pessoas e isso pode ser a morte da coisa, no nosso não

foi.

O que é que identificas como dificuldade ou coisa menos positiva no…

No nosso, em concreto, tivemos alguns problemas com o primeiro sítio onde

estivemos e portanto entra nessa lógica do estar dependente dos outros, quando se

ouve a mesma canção – como diz o Rui Veloso – isso pode estragar o evento, por aí.

Depois, os participantes – público e Slammers – nós temos tido a sorte de ter gente

sempre, nestes catorze Slams que já fizemos só uma ou duas vezes é que não houve o

mínimo que nós estabelecemos para haver competição Slam que são quatro

participantes. Houve dois, outras vezes houve três, uma coisa qualquer assim. Nessas

noites nós também não deixamos de fazer coisas. Fazemos open mic, só. Se estou

menos participantes, Slammers, também está menos público. E portanto acho que não

há muito o hábito de participação, é um reflexo, eu vejo isto assim: um reflexo da

sociedade, da individualização em que vivemos. Porque aqui os Slammers podem ser

individuais mas têm que ser participativos, tem que estar em comunidade e portanto

acho que isso pode, também… é, enfim, é uma dificuldade. Às vezes estarmos, à última

da hora, a falarmos com pessoas que conhecemos que já participaram ou amigos que

sabemos que escrevem, etc. para virem participar. Isso é uma dificuldade, mais que

não seja porque cria stress mesmo que depois se acabe por resolver e haver número

suficiente.

Depois, dificuldades materiais também há algumas. Porque, enfim, a organização do

Slam Coimbra foi arranjando o material por si próprio os bares por onde passamos

também têm material mas não têm todo. Agora que vejo filmes onde há bandas a

desmontar palcos eu nunca tinha pensado nisso… realmente são as bandas que levam

os materiais deles e é um grande investimento e nós não somos pobrezinhos

comparados com os outros, é exatamente a mesma coisa! A dificuldade pode ser é que

uma banda cobra dinheiro para ir a um sítio tocar e nós não geramos receita nenhuma

e portanto essa também é uma dificuldade específica do Slam de Coimbra. É por

carolice, amor à camisola.

E coisas que tu identificas como facilitadoras ou que promovem que o Slam aconteça

ou que tenham sido uma ajuda?

As pessoas, pá! É sobretudo as pessoas, isto é o que eu já estou farto de dizer: vem

uma pessoa assistir e a seguir traz mais cinco pessoas para assistir. Vem uma pessoa

participar e a seguir traz mais dois amigos para participar, logo no mês a seguir. O as

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pessoas dizerem: “Eh pá, no sábado passado estive em determinado sítio…” Ao ver-se

um cartaz, quando há cartazes, que é uma nossa dificuldade, também, lá está. Por

razões económicas e por não estarmos lá para os afixar, quando se vê um cartaz dizer-

se: “Conheces aquilo e tal e tal. Isto é fixe e não sei quê.” Portanto eu acho que as

pessoas e o boca a boca é um dos nossos grandes trunfos que tem sido o sucesso do

Poetry Slam. Acho que pode ser mesmo por aí.

Existiram ou existem apoios e parcerias na criação e na organização do Slam?

Existem. Temos sempre como parceiros, em primeiro lugar logo o bar onde

organizamos, e depois, desde o início, a Rádio Universidade de Coimbra que divulga os

nossos eventos de duas formas: uma com o spot publicitário – e já se fez duas

entrevistas, também: uma no início e outra por altura do primeiro aniversário – e

também dentro do programa Culturama uma segunda estratégia de divulgação que

vem nessa parceria com a Rádio Universidade de Coimbra que é passarem os

Slammers vencedores. Vão lá gravar os poemas, dois ou três poemas, e depois são

transmitidos na rádio.

Depois, outros parceiros: fizemos uma parceria na altura do aniversário em que

trouxemos convidados, neste caso um Slammer de Almada a Raquel Lima, fizemos

uma parceria com um hostel, o Coimbra Dream Hostel, que deu a hospedagem à poeta

que veio de fora. Depois, mais recentemente, temos o apoio do Fila K Cineclube – na

pessoa do Gonçalo Barros, salvo o erro – que, para já, tem-nos emprestado o projetor

para as questões dos cronómetros e de alguns vídeos que nós passamos e que vamos

desenvolver coisas que não posso, para já, divulgar. Depois temos a parceria com o

Poetry Slam Lisboa com a divulgação.

O Poetry Slam Coimbra costuma ter convidados?

Sim, teve no primeiro aniversário, como eu estava a dizer há bocado. Uma série de

convidados excelentes! A Raquel Lima a fazer Slam, o João e a Joana com desenhos e

artes plásticas. O Eduardo Conceição e o Bruno Gonçalves também com poesia, com

trabalho plástico ou trabalho plástico com palavras e fotografia e montagem e vídeos

transmitidos do Alexandre (inaudível) e acho que foi só, no primeiro aniversário.

De resto fizemos uma open call (?) de poesia visual e fizemos uma exposição com esses

trabalhos em que tivemos trabalhos de alguns autores, não muitos mas de alguns

autores.

Temos coisas preparadas para trazer mais gente mas estão a andar, estão a dar os

primeiros passos.

Para a organização do Poetry Slam Coimbra é importante ter a participação de

pessoas de outras áreas artísticas?

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É, senão não teríamos tentado fazer o que fizemos no aniversário. Toda aquela

diversidade e às vezes pode parecer: “É um aniversário, é uma ocasião especial vamos

aqui meter mais umas artezinhas.” Mas nós não gostamos disso nem vemos isso como

“hoje vai ser a apresentação do livro, vamos tocar um bocadinho de acordeão.” Ou

“vamos fazer uma noite de encontro de arquitetos e vamos meter, à hora da bucha,

uns gajos a ler uns poemazinhos.”, “vamos fazer umas conferências e na hora do

coffee break vamos meter aqui umas performances e umas pessoas a desenhar”. Não,

nós não acreditamos nisso. Acreditamos mesmo nesse caráter híbrido, nessa

multidisciplinaridade e nesse cruzamento. O aniversário não foi um evento especial

com aquelas coisas todas, ou seja: não reunimos aquelas coisas todas para ser

especial, foi até uma experiência para começarmos a desenvolver estas sessões

paralelas que eu já falei. É, é um bocado difícil, lá está – é uma das dificuldades –

porque implica gerir mais pessoas que não nós próprios e o espaço. Mas temos

tentado diversificar um bocadinho para outras artes também. É óbvio que há sempre

pontos de contato mas até acho que nascem de uma maneira mais ou menos natural.

Têm a ver com as nossas áreas de interesse e acabam por estar, de alguma maneira,

meio ligados à palavra.

Que tipo de reações e comentários tens tido, da comunidade, em relação ao Poetry

Slam Coimbra?

As pessoas voltam, não é? Logo aí está um aval, está um feedback e acho que é o mais

forte de todos que permite continuar. Se alguém disser: “ah, sim está giro.” E nunca

mais voltar a aparecer quer dizer que o que estava a dizer, naquela altura, não era

verdade.

Depois há pessoas que não conheciam o conceito e dizem: “que giro!”, Há pessoas que

são um bocado: “Ah, Slam mas isso é uma competição, mas vamos competir, como

assim? O mundo é todo feito de competição e aqui também te que haver

competição?” Têm um bocadinho de ressalvas, de receio, e depois veem e percebem

que não. É competição, sim, o que está lá por trás é muito mais importante que isso: é

partilha, é comunidade, etc.

Há pessoas que às vezes não voltam ou que não gostam do conceito e isso também é

normal, acho eu, não estou a dizer que toda a gente adore e não sei o quê. Uma vez

lembro-me de falar com uns amigos meus, logo no início do Slam, e era naquela altura

que num mês podia dar para fazer mas no outro a seguir era preciso fazer uma força

muito grande para lá teres Slammers suficientes e lembro de falar com eles e

perguntar: “mas o que é que vocês acham? Digam-me o que é que acham porque

estão de fora podem ter uma visão importante sobre a coisa. Digam-me porque é que

acham que as pessoas não voltam.” E o feedback deles foi sincero, foi dizer: “Aquilo é

fixe e é giro mas não quer dizer que seja uma coisa para se ir todos os meses ou que se

prefira estar num evento de Slam a estar a beber copos na esplanada.”. Pronto, isso é

a opinião concreta daquelas pessoas mas acredito que se expanda a mais pessoas

também.

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Como é que descreves a relação entre os Poetry Slams que existem em Portugal?

Olha eu tenho pena que não haja mais trânsito, mais circulação. Por mim próprio, não

conheço todos o Slams, não conheço metade dos Slams, conheço mais um ou dois

Slams, de ter estado lá. E penso que isso se aplica aos Slammers, também. Há uma

coisa muito interessante, há um sentimento de pertença – positivo – no sentido de

“este Slam X é da minha comunidade”. Como eu já tenho sentido em conversa com

malta de outras organizações e há também um sentimento de pertença dos Slammers

em relação à sua comunidade onde atuam mais vezes. Outros nem conheceram outras

comunidades, porque há gente que é de Coimbra e é de Coimbra, não vai participar ao

Porto. Mas era giro que se fizesse isso e sei de pessoas da comunidade de Coimbra que

já foram a outros lados. Por exemplo o Zé Eduardo é do nosso Slam mas já foi ao

Porto, ele é de Santo Tirso, passou por lá, foi lá. Eu acho isso muito positivo e acho que

uma rede de Slam era muito positivo também nesse sentido de criar um Slam nacional

em que as pessoas se conhecessem e, enfim, picassem para haver mais circulação

entre os Slam locais das várias cidades. Porque eu acho que é esse o caminho: a

comunidade dentro de uma cidade e por sua vez essa comunidade pertence a uma

comunidade maior que são os Slammers que estão a fazer coisas em Portugal e depois

pertence a uma comunidade maior, enfim… Até porque há eventos internacionais, não

é? São estas pequenas coisas, não só o gosto pelo Slam, pelo formato, por pesquisar

coisas sobre os outros lados que faz as pessoas terem algo em comum e haver essa

comunidade. Mas é, efetivamente, conhecer essas pessoas e circular. Acho que era um

passo muito importante.

Como é que tu vês o futuro do Poetry Slam Coimbra?

Ir continuando. É uma coisa que nós falamos desde o início, é ir fazendo o Slam à

medida que formos conseguindo e seguindo esta linha que temos vindo a traçar. Isto

não quer dizer que vamos fazer sempre a coisa igual e sem mudar nada. Como te disse

há bocado estamos a tentar criar sessões paralelas com outras artes ou com outras

visões e perspetivas dentro da própria poesia, dentro do próprio Slam. Estamos a

tentar dinamizar a inda mais a coisa e de resto é continuar a crescer, continuar a

chegar a cada vez mais pessoas e a trazer mais pessoas para esta comunidade.

E como é que vês o futuro do Poetry Slam em Portugal?

Ultimamente tenho visto o Slam a crescer, não é? Nascem como cogumelos, em várias

cidades. Neste último ano acho que nasceram pelo menos quatro Slams, existem, já

para aí, uns doze e portanto acho que a coisa se está a desenvolver, está cada vez mais

gente interessada. Se isto é um passa a palavra estamos a conseguir chegar a cada vez

mais gente. Quantas mais cidades houver daqui a pouco já há nas vilas e eu acho isso

bué de positivo porque estes valores do Slam são interessantes e é bom ver as pessoas

envolvidas neles. E, portanto, como é que eu vejo em Portugal? Vejo a crescer cada vez

mais, a aparecerem mais cidades, mais Slams locais no mapa e gostava de ver a

aparecer uma rede efetiva não só informal – não estou a dizer formal, formal de

burocrática e não queremos aqui um funcionalismo real, não queremos aqui um

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comité central, uma coisa desse género – mas uma rede que estivesse efetivamente

organizada e que organizasse coisas. Eu acho que era muito interessante, não era

necessário mas era giro ver essa rede a ser criada em Portugal com outra perspetiva do

que aquela que tem no momento.

Tu és Slammer?

Sou. Nunca participei em muitos porque não vamos participar em competições

porque… Uma resposta tão grande para dizer que sim, sim, já fizemos open mic e o

Festival do Silêncio.

Já fizeste performances, já leste a tua poesia, o teu trabalho, noutros eventos?

Sim.

O que é que significa, para ti, ser Slammer?

Eu acho que ser Slammer é falar da minha experiência mas também de ver as outras

pessoas. Ou seja: como organizador, como público, como quisermos. Ser Slammer é

ter coisas escritas que se trouxe de casa, tremer um bocado das pernas à frente do

microfone e partilhar a coisa com o público, com as pessoas que tens ali à tua frente,

ao teu lado, às vezes quase em cima de ti.

E fazer isso sem esperar nada em troca até no sentido em que é uma competição e há

um prémio mas o mais importante é aquele momento de partilha, de ação no espaço e

de estares ali a ouvirem-te e ouvires, tu também, o outro. Acho que é isso ser

Slammer.

O que é que é a escrita do Poetry Slam? Como é escrever para participar num Slam?

A escrita do Poetry Slam pode não ser diferente das outras mas, ainda assim na minha

perspetiva pessoal há sempre uma diferença entre o texto que é para estar escrito –

ser lido visualmente – e o texto que vai ser perfomatizado, lido, um texto que vai ser

lido oralmente. Lido por quem está à tua frente auditivamente. Isto não é só uma

questão de formalismo ou o que quer que seja é uma questão que o suporte influencia

o texto, o corpo da coisa, e isso influencia também a própria escrita logo à partida.

Eu acredito muito nisso, que um texto que é para ser lido é diferente de um texto que

é para estar escrito, em qualquer que seja o suporte.

Como é que tu escolhes os textos que vais usar num Slam?

É o que tiver! É um tipo de processo, são processos diferentes quando se vai sozinho…

se for sozinho se calhar é uma coisa que já foi escrita – que não foi escrita para aquilo –

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enfim, que achei que tinha o tal interesse de ter uma ação, de ser lido, achei que de

alguma maneira aquilo podia ser lido e fazia sentido.

Já escrevi uma coisa que era propositado para ali, acho eu, escrevi uma coisa que

depois trabalhei de modo a que – já que no Slam a única coisa que se pode utilizar é a

voz e o corpo – pudesse expandir, levai ao máximo esse limite, essa questão.

Há tão pouca gente a usar o corpo, porque não estalar os dedos? É interessante

porque eu ainda não tinha visto ninguém a fazer ritmo com o corpo. Depois no

“Aranhiças e Elefantes” o nosso processo é o “escangalhanço”, podem ser textos que

já foram escangalhados na net, podem ser textos que já foram escangalhados por nós

seja nessa tarde, no Slam de Coimbra é à noite… Sábado à tarde trabalhamos isso e

depois, à noite…

Como é que vocês escolheram os textos que levaram ao Festival do Silêncio?

Talvez aqueles que, primeiro de tudo aqueles que tínhamos. Um deles, pelo menos, já

tínhamos feito performance ao vivo com aquele texto e então escolhemos porque

achamos que resultava bem. Porque eu acho que há isto no Slam também, esta

dimensão de… não é que nós precisemos constantemente do aval do outro mas haver

um feedback é bom para o próprio texto e para encontrar os nossos caminhos. Mais

que não seja: “ninguém gostou então é mesmo isto que eu quero fazer!” Não tem que

haver um aval, ser bem recebido, mas acho que é interessante é uma forma de

democracia.

Um dos textos que levamos ao Silêncio já tínhamos feito publicamente e portanto

achamos que resultava e voltamos a trabalhar, talvez de outra forma, para o levar ali

também. Lembro-me que havia um que era mais fraquinho e então deixamos para o

fim, acabou por ser o nosso poema da final.

Preparaste de alguma forma para a participação no Slam?

Preparamos, pois! Para além de preparar os textos fazemos exercícios de aquecimento

de voz, chá de menta. Eu, às vezes bebo umas cervejas, depende do grau de

nervosismo… E não fazemos nada basicamente (risos) às vezes combinamos coisas

assim à última da hora.

Tirando a performance que vamos fazer…

Isso significa que levam textos cuja performance já está pensada previamente?

Duas coisas que acontecem, às vezes ao mesmo tempo. Há uma base sempre que é

acordada antes e depois conforme ensaiamos menos ou mais ou é mais virado para a

experimentação pode haver mais improvisação ou não. Mas sim, há uma base que é

definida à partida. Quem é que entra onde, no texto, e quem é que faz o quê, que

função: quem é que está a gaguejar, quem é que está a gritar, quem é que está a

sussurrar. E, aliado a esta última coisa, os volumes de som mas isso também é um

bocadinho de ouvido, da altura.

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Não expliquei mas era o que estava implicado há pouco: sim preparamos os sons

vários e portanto temos uma pauta, uma anotação, não é bem uma pauta porque não

vai acontecer exatamente assim, é só uma base.

Consideraste poeta?

Sim. Escrevo poemas! É a única resposta que há a isso.

Tu também participas no Poetry Slam como parte do público?

Sim, às vezes estou do outro lado porque vou lá meter o cronómetro. Isso também é

ser público, acho eu.

Agora a sério: sim, considero-me público. Sou organizador e sou público, como sou

organizador e sou Slammer. Mas acho que público toda a gente é porque esse conceito

de público mistura-se com isso da comunidade. Eu acho que estas fações que existem

– organizadores, júris, Slammers, público – não são partes distantes porque são uma

comunidade, há uma mistura.

Mas há uma coisa engraçada, quando estou num Slam meu há alturas que estou só

focado no que se está a fazer e nesses momentos, se calhar, não sou público sou só

organizador.

O que é que tu pensas sobre o formato da competição?

Primeiro: é mais dinâmico do que o open mic ou se fosse só open mic. Segundo: talvez

por ser mais dinâmico é mais estimulante para quem participa porque se calhar leva-te

a preparar as coisas de outro modo, a reveres mais, a escreveres mais ou… Por teres

três minutos acredito que existam pessoas que queira ocupar esses três minutos. Para

mim é um bocado uma surpresa quando vejo que há pessoas que só usam cinquenta

segundos mas a verdade é que os três minutos não interessam para nada, é só o

tempo máximo.

E o que é que tu pensas do open mic?

O open mic é um espaço que é interessante que existe depois do Slam. Há pessoas que

não querem participar na competição, pelos seus motivos, ou quem tem só tem

mesmo um poema e então também não vai participar na competição porque depois

pode passar à segunda ronda e não tem nada para ler.

Acho que é importante que exista, é bom e é bastante participado.

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É bom para a s pessoas que vão ao Slam e têm mais qualquer coisa para ler, para as

pessoas que ficaram pela primeira ronda e que nós desafiamos diretamente: “ficaste

pela primeira ronda então tens aí mais poemas. Embora aqui ler!”. Tenho sentido que

as pessoas curtem esse chamamento e fico contente com isso.

É fixe quando há open mic. No início cheguei a pensar, como disse há pouco sobre a

competição, “Eh pá, tudo é competição e agora vamos pegar nisto e vamos fazer

competição.”. Mas a competição é a maionese que liga tudo, que dá a dinâmica, que

impõe – impõe num bom sentido – um ritmo, marca passo.

A competição tem uma dinâmica própria e até entusiasmante: “Quem é que vai passar

e tal. Será que eu vou ler a seguir?”. Eu lembro-me quando participei havia esse

sentimento. Agora como público ou como organizador não vês tanto isso, não sinto

isso, mas como Slammer eu lembro-me disso! Dá sempre outra pica à coisa. Muito

positivo e não, não tem nada a ver com a retórica industrial do capitalismo da

competição e do vai à luta tu mesmo, vai vender pipocas, não é essa lógica industrial

do vamos competir uns com os outros para ver quem é o melhor, o maior daqui sou

eu, sou eu, sou eu. Não tem nada a ver com isso, quem assiste e quem participa lendo

tem noção disso.

E o que é que tu achas do papel do júri?

O júri são uns bacanas! Às vezes fazem-se de esquisitos mas eles, no fundo, estão ali

para ser júri.

E o que é que tu achas de isso, de ser júri?

Eu nunca fui júri. Mas no Poetry Slam Coimbra, no início, depois de dar a boa noite às

pessoas começamos a picar malta para saber quem se oferece para ser júri. Porque é

importante, para nós, que o júri não tenha pessoas que sejam amigas de outras

pessoas que vão participar como Slammers. Há malta que se oferece, há malta que

tem vergonha mas também faz, desemprenha o seu papel que é dar pontuação de

acordo com o seu gosto. Mas já me disseram, uma vez, que devíamos estabelecer

critérios para saber o que se está a avaliar mas não há critérios para marcar uma

posição, o Slam também marca uma posição que é dizer às pessoas que qualquer

pessoa daquelas, do público, pode ser júri. Qualquer pessoa tem uma opinião, tem

gosto, tem uma visão das coisas, tem interesses e portanto pode falar sobre isso, neste

caso através de uma pontuação.

Achas que deviam ser dados critérios prévios ao júri?

Não. Acho que são dados os dois instrumentos, um é dizer: “o que interessa é o teu

gosto.” E outro é dizer, que muitas vezes nem é dito: “o que é vai ser avaliado,

performance e conteúdo”. Eu nem gosto muito de dizer isso porque… primeiro por

esta questão poética, não é? Não existe diferença entre forma e conteúdo,

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performance, ação e o que está a ser dito. Tudo é só uma coisa. Já temos dito e acho

que está no nosso regulamento que o que júri tem de ter em conta é isso e tem que

ter em conta o público que não é júri pode influenciar o júri que não é público. Sei lá…

vaiando uma pontuação, aplaudindo efusivamente uma pontuação. Mas nunca

ninguém fez isto, não percebo porquê.

O que é que tu achas sobre a condição dos textos que são usados serem produzidos

pelo próprio Slammer?

É um dos pontos mais importantes do Slam para mim. Para dar voz àquela voz que

está naquele texto. Uma coisa é abrir espaço público para leituras de poesia, outra

coisa é abrir esse espaço para pessoas que não teriam esse espaço se nós não

estivéssemos a organizar isto. Ou seja: para mim é política da boa e é um dos pontos

fundamentais até porque se fosse cada um lê o que quer, que haja aquele preconceito,

aquele medo, aquela vergonha de ler as coisas próprias de parte de muitas pessoas e

iam ler coisas de outros. Outras pessoas nem sequer apareciam, se calhar, e nunca

chegávamos a conhecer os seus textos e eles nunca chegavam a mostrá-los e a

pertencer à comunidade. Se calhar apareciam uns quantos “diseurs” a ler a coisa de

um modo que já sabemos que se lê e que sabemos que é muito giro e que as

professoras de Português, deles, na escola disseram que eles leem muito bem e então

iam para ali fazer isso. E só se ia ler Camões e Pessoa e Florbela Espanca e essas coisas

todas. E assim sendo não, assim sendo está-se, verdadeiramente, a fazer uma mossa

nas instituições ou o que quer que isso seja. E está-se, verdadeiramente a divulgar

coisas novas e que estão a ser feitas pela voz de quem as faz. Eu acho que isso é muito

importante e fundamental no conceito da coisa.

Qual foi a razão que levou à criação do Poetry Slam?

Olha, não sei… Já li algumas coisas sobre isso mas pensando assim abstratamente no

que é que pode estar na origem, para mim o que pode estar na origem do primeiro

Slam, do Lounge, que depois passou para o Green Mill ou quê. O que me parece que

está na origem disso é o que me parece que está hoje na origem dos nossos Slams que

é a vontade de haver algo na comunidade, participado pela comunidade, composto

pela comunidade. Uma ação quotidiana, uma ação que acontece num ambiente

descontraído e onde cada traz as suas coisas, partilha as suas coisas, enfim… sei lá…

porque a história é sempre de bares, não é?

Agora estes Slams maiores já vão para teatros porque já tens esse espaço para encher

mas, se calhar, são fixes enquanto performances mas esse ambiente não é o mesmo,

não sei… também fiquei com curiosidade de saber como é que é.

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O que acho que está na origem é o sentimento de comunidade, o sentimento de

querer fazer alguma coisa e de criar espaço, abrir espaço, criar fenda. Parece-me que é

isso.

Achas que há um tipo de texto, um tipo de poesia do Poetry Slam?

Não, não, não acho. Tenho pena que as pessoas confundam um bocado isso, às vezes

pensam e confundem o género com o formato como já tinha dito. Eu próprio já

confundi isso, no início, antes de saber bem o que é que era o Slam. As primeiras vezes

que ouvi falar do Slam eu pensava, basicamente, que era género, estilo, tal como o

spoken word. Às vezes confundem-se um bocado: o Rap sem beat é spoken word –

também não tem que ser, não é? Mas pronto – mas é mais assim e pronto.

Há uma confusão de estilo com formato. Formato, o Slam é um formato, é o modo

como as coisas acontecem, é uma baliza. No meio existem todos os tipos de estilo,

todos os tipos de maneiras de fazer, todos os tipos de poética. E isso é interessante,

que existam esses estilos todos.

O que é que tu gostas mais no Poetry Slam?

Eu acho que é isto que eu estava a falar. Haver uma comunidade que tem esse

sentimento de comunidade e que está a fazer alguma coisa em comum, pessoas que

inclusive não se conheciam antes, ou que não se conhecem noutro contexto que não

aquele, mas estão a participar numa coisa comum. E sendo que isto é, de facto, aberto

a todos. Não só a todas as pessoas mas a todos os estilos. Este caráter democrático e

quase autossustentável neste sentido que a comunidade que faz parte é que suporta

tudo e é que faz verdadeiramente a ação. É isso que me interessa mais.

E o que é que gostas menos no Poetry Slam?

Olha, se calhar de fazermos muita coisa ao mesmo tempo e sermos só dois! Mas não é

o fim do mundo. Eu não quero ser individualista se até estou a fazer a apologia da

comunidade e se é isso que me interessa. Mas que nós enquanto organização, ou a

comunidade – no fundo é a comunidade – estar dependente de outras pessoas que

não são organização. Não estou a falar dos Slammers, estou a falar da casa, nesta casa

onde estamos agora temos muita sorte, eles são muito fixes. Às vezes há percalços,

como tudo na vida, às vezes pode não haver uma coisa, material, ou terem roubado a

poesia visual das paredes.

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Agora chegarmos a um sítio onde vamos fazer um evento e não estarem à nossa

espera, mostrarem que não querem saber de nós para nada quando nós até lhes

enchemos a casa e fazemos com que eles vendam coisas, é um murro no estômago. E

não é nada bom.

Quando falas do Poetry Slam com pessoas que ainda não estão familiarizadas com o

conceito o que é que tu dizes?

Eu digo: “Eh pá é muito giro! Não conheces?”. Depende de onde estou. Se estiver em

Lisboa digo: “É muito fixe, há aqui dois. Há o Music Box e há outro em vários sítios, o

Poetry Slam Lisboa.”. sou uma publicidade ambulante, sou um bocadinho.

Digo que é um evento aberto às pessoas. Em que se inscrevem e participam. Muitas

vezes quando falo do conceito é para divulgar a alguém que eu saiba que escreve, para

aparecer no Slam de Coimbra ou para ir a um dos outros. Ou é para divulgar, mesmo,

para as pessoas saberem que existe e aparecerem como público. Digo que é um

evento aberto basicamente é informal e descontraído e é uma competição de poesia

em que cada poeta traz os seus poemas de casa, depois tem um conjunto de regras –

nada que seja constrangedor – só para dar a dinâmica à coisa, posso explicar essas

regras. Também já fiz a distinção entre Poetry Slam e Spoken Word. Basicamente é

esta a apresentação que eu faço, isto sempre dizendo que é muito giro, muito

dinâmico e bebem-se uns copos, assiste-se ou participa-se numas coisas e que é um

ambiente fixe e que a pessoa está convidada a aparecer, seja no meu seja noutro.

Na tua opinião o que é que atraí as pessoas ao Poetry Slam?

O que atraí é esse ambiente descontraído. É ir ali, beber uns copos e assistir a uma

coisa que por acaso é diferente do que costuma acontecer. Portanto acho que isso é

logo a primeira coisa que atraí. Depois os Slammers com certeza que têm interesse em

mostrar as suas coisas, em agir. E o público, o que atraí é que muitas vezes são amigos

dos Slammers, é mesmo assim, mas também não vão contrariados, com certeza,

alguns terão algum interesse na poesia e outros não têm mas se calhar passam a ter.

mas o facto de ser um ambiente descontraído, de copo na mão e completamente

informal acho que é atraente e faz as pessoas ir, gostar e voltar muitas vezes.

As pessoas que se oferecem para participar no júri eu acho sempre graça porque

acontece pouco e portanto acho particularmente graça porque eu não tenho que

saber as razões porque é que as pessoas se ofereceram mas parece que há uma

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vontade de participação, mesmo, como há dos Slammers mas uma vontade de fazer

parte da coisa e ainda mais do que estar só a assistir.

Para que é que serve o Poetry Slam?

Se calhar não serve para nada! Se calhar serve para tudo… sei lá, não sei… se calhar

serve para passar um bom par de horas, para as pessoas estarem a ver uma coisa

diferente um bom par de horas. Com isto estou a dizer que a coisa é entretenimento,

também é, se calhar. Serve para as pessoas agirem publicamente e repara que agora já

estou a dizer que é o contrário do entretenimento, que é política, no sentido de ação

de espaço público. Portanto acho que é isto tudo ao mesmo tempo e serve para tudo e

serve para nada.

Tendo em conta o mundo da poesia o Poetry Slam é um evento mainstream ou

underground?

Depende.

Do quê?

Para já da posição geográfica. Em Portugal não é mainstream, na América penso que

não é só mais conhecido que em Portugal mas já é mainstream. Já há uma série só

sobre Slam e fala-se de Slam. Imagino que em países como a Alemanha, ao olhares

para o mapa da rede de Slams, será mais mainstream no sentido de ser mais

conhecido, que é mais de massa. Porque o que faz uma coisa ser mainstream ou não é

só ponto de vista do alcance de pessoas. Eu tenho visto algumas tentativas de tornar o

Poetry Slam mais conhecido que às vezes socorrem-se de estratégias e de meios que

de certo modo desvirtuam um bocadinho o que é o Slam. Não quero, com isto, dizer

que o Slam seja de contra cultura eu acho que o conceito em si – o facto de ser aberto,

o facto de não haver imposições déspotas – eu acho que tem um peso forte mas não

digo que isso seja contra cultura, propriamente. O Slam tal como é aberto qualquer

pessoa pode ir lá ler um poema com uma temática de outra cultura ou ir lá ler um

poema com uma temática completamente da ideologia dominante, etc.

Mas no sentido da poesia, qualquer coisa que tu faças que seja diferente do paradigma

dominante é contra cultura. Ele existe, está ali, tem voz, toma uma ação e obviamente

que essa ação é contra esse paradigma dominante. O Slam, nesse sentido, é contra

cultura, contra as instituições que fazem da poesia uma coisa chata é contra as

instituições que querem fechar a poesia em alguns sítios.

Pode ser mainstream porque pode chegar a toda a gente. Consigo imaginar um Slam a

existir em cada sítio, nesse sentido de massas.

Porque é que achas que existe uma comunidade à volta do Slam?

Existe uma comunidade em torno do Poetry Slam Coimbra e existe uma maior, que era

interessante trabalhar, porque as pessoas têm este interesse comum que é a poesia,

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que é a palavra dita dentro deste formato que é o Poetry Slam e isso une as pessoas e

as pessoas vão falando e vão-se conhecendo dentro desse gosto em comum.

Depois a comunidade mais presencial, enfim, há umas pessoas que já se conheciam,

veem amigos teus, veem amigos meus e começou um bocadinho por aí. Acredito que

o facto de as pessoas conhecerem o que é o Poetry Slam e voltarem também cria ali

uma certa ligação e que se vai reformulando ao longo do tempo.

O Slam é uma comunidade porque é um conjunto de pessoas que que se juntam para

ler coisas, assistir e participar ativamente na mesma coisa. Que é precisamente a

contra cultura que estávamos a fale há bocado. O evento só existe para as pessoas que

participam nele, portanto se não existisse comunidade não existia evento. Portanto

acho que a comunidade é isso: é o suporte da coisa. E é comunidade precisamente por

isso, porque suporta a coisa, tem aquele interesse em comum e aquela ação em

comum que é fazer o Poetry Slam todos os meses.

Achas que há grupos ou comunidades em torno de outros tipos de poesia, de outros

tipos de eventos de poesia?

Há, acho que sim.

Tens assim algum exemplo de…

Não, mas em todo o lado, em todas as coisas as pessoas se unem por conhecimento ou

por gostos comuns ou por interesses ou por que seja lá o que as pessoas unem-se.

Portanto, na poesia a coisa é igual. Há pessoas que pesquisam coisas semelhantes e

portanto unem-se. Há pessoas que não é por andarem a pesquisar e falarem umas

com as outras, é a vontade de quererem fazer algo em comum, como coletivo. Pessoas

que se unem em grupos, em coletivos, em tertúlias, em conversas, que se unem no

café, há de tudo. Há para qualquer tema para a poesia é igual, não vejo diferença para

as outras coisas.

Vês no Poetry Slam influência de outras áreas artísticas?

Eu acho que sim. No Slam de Coimbra já apareceram pessoas que têm poemas

musicados, estão com ritmo, um Hip Hop e são lidos ao ritmo do Hip Hop e aí acho que

há uma influência, não sei se será uma influência no sentido que aquilo é um estilo,

uma cena, um fazer poética. É as duas coisas ao mesmo tempo ou não há diferença

entre essas entidades, não interessa que exista.

Eu sei que o Emanuel faz teatro e não sei se o facto de ele ser um dos que fala baixinho

é uma influência. Ele faz teatro, se calhar sabe projetar a voz e pelo menos não perde

com isso. E acredito, eu não sou particularmente fã do teatral na poesia, daquela

forma mais… ara dar o teatro na poesia, da expressão corporal etc. mas o corpo existe,

pode e deve ser utilizado na performance do Slam – está isso no regulamento - e

portanto o uso do corpo imagino que possa ser uma cena muito fixe para uma

performance do Slam. Alguém que venha do teatro pode marcar pontos nesse sentido,

trazer já estratégias corporais, etc.

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As artes influenciam, mais que não seja ao nível subliminar, sempre as pessoas.

Tendo em conta a tua experiência de frequentador de eventos de poesia podes-me

fazer uma comparação entre o Poetry Slam e outros tipos de eventos em que haja

leitura ou performance de poesia?

Antes de mais o Poetry Slam é um só formato. Pode ser desenvolvido de uma maneira

muito diferente dependendo das pessoas que o estão a organizar – ocorre sempre de

maneira diferente – e isso nota-se. Mas, no fundo, o Slam é um formato só. Outros

eventos de poesia são outros tipos de formato: pode haver leituras de poesia, pode

haver tertúlias de poesia, pode haver clubes do livro da poesia.

Normalmente um evento de poesia que não o Slam é um formato fechado, é fechado

aos intervenientes, a quem toma a ação, a quem toma a palavra. E no Slam não, a

primeira coisa e fundamental. Este caráter aberto da coisa faz com que exista

movimento, movimento, movimento no evento de Slam que às vezes não existe numa

leitura de poesia. Mas uma leitura de poesia também pode ser de muitos tipos e

também pode ter muito movimento, pode ser muito dinâmica, mais dinâmica té que

um Slam porque o Slam também são vários momentos. Eu consigo pensar numa

performance poética, experimental, a ser ainda mais dinâmica que um Slam. Porque

um Slam são pessoas que até podem não se conhecer entre elas e participar como

Slammers. São momentos de instante: agora vou eu, depois vais tu, tudo com esta

dinâmica das regras, da estrutura das rondas etc.

Às vezes as leituras de poesia são chatas e ponto final. Apresentações e ler poesia são

chatas e são coisas para entreter. Lança-se um livro de poesia e então vai-se ler uns

poemas e é chato, mesmo que os poemas sejam muito bons aquilo é muito chato! É

uma seca, é uma treta e isso no Slam pode acontecer mas acontece de outra forma,

isto é: pode vir um “diseur” dizer os mesmos poemas que lê na apresentação do livro

mas é aquele momento dele e faz isso mas há um retorno do público. Há uma espécie

de uma justiça poética, até e isso a mim interessa-me como poeta, não como

organizador. É óbvio que eu fico muito mais contente de fazer parte de uma

comunidade de Slam que é ultra experimental, que forma coletivos e que está sempre

a trabalhar os limites das regras e que vem malta com ritmo de Hip Hop e que vem

malta com ritmo de Grunge é óbvio que me interesso muito mais por isso que por uma

comunidade de “diseurs” e essas coisas todas líricas e constitucionais e essas coisas

todas. Mas isso é a minha opinião em quanto poeta e não como organizador e não há

contra senso nenhum nisso. Não posso obrigar os outros a comer aquilo que eu gosto.

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