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Mesmos problemas,novas ideias para educação

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Mesmos problemas, novas ideias para a educação

Claudio de Moura Castro

A mediocridade histórica da educação brasileira

Alguns acham que nossa educação mergulha cada vez mais em um poço sem fundo.

Que está em um poço, concordamos. Mas está assim desde sempre e, nos últimos anos,

começa a fazer força para sair. Essa diferença de interpretação é essencial.

Precisamos saber o que começamos a fazer certo e onde devemos melhorar. Portanto,

vale a pena rememorar os nossos magros sucessos.

Depois de séculos de atraso, mesmo com relação a nossos vizinhos de continente,

conseguimos botar toda a meninada na escola. Não houve aí nenhuma inovação, apenas

um pouquinho mais de força para nos igualarmos ao resto dos latino-americanos.

Mas fizemos algumas coisas interessantes e criativas Dentre o que fizemos bem, destacaria a gigantesca máquina de avaliação. Vai do

segundo ano inicial até ao doutorado, passando pelo IDEB e pelo ENADE (ameaçado,

mas hoje robusto). Há programas de avaliação no governo federal e em seis estados. O

desenvolvimento e aplicação dos testes estão distribuídos em universidades e setor

privado. Não há outro país no mundo com um sistema tão abrangente (e tecnicamente

sério).

Temos uma pós-graduação vigorosa e altamente produtiva. De zero publicações

internacionais, na década de 1950, passamos ao 13º lugar em produção científica

mundial. Além disso, nossos mestres e doutores abastecem amplamente o crescimento

do ensino superior.

O setor privado mostrou criatividade e iniciativa

Quando perguntamos o que o Brasil fez de diferente e que pode servir de exemplo para

outros países, despontam algumas iniciativas do setor privado.

A mais antiga e destacada é o SENAI (e o restante do Sistema S). Graças a uma

execução privada e fundos públicos (no caso, o tributo sobre a folha de pagamentos), o

Brasil tem o melhor sistema de formação profissional do Terceiro Mundo. Mas é mais

do que isso, tem estado dentre os três melhores na competição do World Skills, uma

espécie de Copa do Mundo da Formação Profissional.

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Outra inovação criativa e bem sucedida são as redes ou sistemas de ensino. Diante do

isolamento e fragilidade das escolas privadas, esses sistemas prepararam coleções de

livros bem articulados entre si e detalhando as sequências de sala de aula. Além disso,

preparam os professores para entender melhor suas matérias e para usar os livros mais

produtivamente. Lançadas há pouco mais de uma década, foram um grande sucesso, já

cobrindo próximo de metade da rede privada. Mais recentemente, começaram a ser

adotadas nas redes municipais, com extraordinários ganhos de aprendizado para os

alunos, apesar das vociferações zangadas de alguns.

Uma outra iniciativa de crescente impacto é a filantropia empresarial, assumindo papeis

importantes na educação. Em países de educação atrapalhada, como o nosso, o

empresariado tenta ajudar, trilhando caminhos diferentes. Mais ainda, esses caminhos

têm evoluído ao longo do tempo.

Em um primeiro momento, diante da pobreza das escolas, socorrem na sua manutenção,

promovem festas e dão um dinheirinho aqui ou acolá. Isso é infinitamente melhor do

que nada, pois ajuda no cotidiano e abre portas para outras ações. Mas é pouco.

Com a experiência ganha, as iniciativas se tornam mais ambiciosas, dando lugar a

alguns programas criativos e eficazes, por meio de institutos e fundações empresariais.

Excelente exemplo dessa linha é a Fundação Bradesco que opera uma ótima rede de

escolas, com mais de cem mil alunos.

Contudo, o alcance de iniciativas paralelas é limitado, não podendo mudar o panorama

da educação no país. Com todo o seu poder financeiro e generosidade, essa ambiciosa

linha de apoio do Bradesco apenas ajuda um aluno em cada 500. Diante disso, tomou

corpo outra forma de participação do empresariado na educação, com uma quantidade e

variedade estonteante de propostas – das tolas às geniais. Diante da fragilidade das redes

públicas, chamam atenção os programas para reforçar o seu funcionamento. Trazem

para a escola o que as empresas têm de melhor, ou seja, profissionalismo, pragmatismo,

gestão e foco nos resultados. E principalmente, trazem boas ideias, plasmadas em

programas robustos e bem concebidos.

Algumas contrataram as cabeças mais brilhantes, para criar programas para alunos

repetentes, alfabetização, educação por TV, uso de computadores e revistas

pedagógicas, bem como aperfeiçoamento da gestão. Operando dentro das redes públicas

ou para elas, seu impacto potencial é tão grande quanto o tamanho da rede onde agem.

Ou seja, têm um grande efeito multiplicador, pois uma inovação bem sucedida pode

afetar um número grande de alunos.

Certos programas mais criativos foram concebidos por empresas médias, incapazes de

financiar iniciativas de grande porte. Entram em cena, nesse momento, empresas

enormes, como Petrobrás, Banco do Brasil e Vale do Rio Doce, apoiando sua replicação

em grande escala, dando-lhes assim uma envergadura muitíssimo maior. Trata-se de

uma tríplice aliança: a rede pública, as fundações que desenvolvem os melhores

programas e as fundações das grandes empresas que dão a eles uma escala nacional.

Essa fórmula começa a trazer benefícios concretos e tangíveis para a educação pública.

Como o que interessa são resultados mensuráveis, ilustremos, com exemplos. Boa parte

das 33 melhores escolas brasileiras - selecionadas pela UNESCO/MEC - recebeu apoio

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das fundações empresariais. É também o caso de estados que resolveram dar um salto

na sua educação, como Acre, Pernambuco, Piauí e Sergipe. Dentre as vinte melhores

escolas no ENEM está a escola da EMBRAER que apenas atende alunos egressos de

escolas públicas. O Acelera Brasil (Instituto Ayrton Senna) toma alunos multi-

repetentes e oferece a eles um programa no contra turno da escola. Após um ano, os

participantes aprendem o equivalente ao que aprendem em dois os alunos não-

repetentes.

Área que chama atenção pelo contraste entre público e privado é a gestão. De um lado,

parte do empresariado brasileiro avançou muito na qualidade da sua gestão. De outro, a

maioria das redes municipais dá o exemplo mais rematado de primitivismo

administrativo. Daí, a importância de trazer a elas as boas práticas de gestão

empresarial, passo inicial para que se obtenham bons resultados na educação.

Não obstante esses sucessos, nem sempre boas intenções resultam em bons resultados.

Muitas iniciativas das empresas (ou suas fundações) são feitas com a melhor das

intenções, mas o tiro sai pela culatra. É verdade que a escola pública típica tende a ser

chata. Daí as múltiplas iniciativas de levar a elas atividades mais divertidas, como

esportes, dança, arte e muitas outras. O que pode acontecer é que tais iniciativas ocupem

tempo demais, monopolizem demais as atenções e acabem por tirar a pouca atenção que

se devota aos estudos. As escolas ficam sobrecarregadas com atividades paralelas e sem

tempo e energia para cumprir sua missão primeira. Obviamente, isso não acontece no

Vale do Jequitinhonha, mas nas grandes cidades.

A mágica de integrar: Conspiração Mineira pela Educação

Qualquer iniciativa que se proponha a “integrar” – o que quer que seja – é sempre

saudada como redentora. Contudo, nada há de mais difícil do que juntar instituições

diferentes, sejam privadas ou públicas. Mas foi justamente isso que se propôs a fazer a

iniciativa da Conspiração Mineira pela Educação. Já de nascimento, junta a Fundamig e

a Associação Comercial, entrando também, de quebra, a Amcham. Aproximam-se,

como voluntárias do movimento, universidades e outras instituições.

Sua missão inicial, a pedido do Governo do Estado, foi cuidar das escolas do entorno do

bairro Serra Verde, onde estava sendo construído o Centro Administrativo. Vejam o

tamanho do problema: três instituições sem experiência de trabalho conjunto deveriam

melhorar cerca de 70 escolas, incluindo algumas estaduais e de xxx municípios

circunvizinhos. Muitas estão localizada em locais que mais parecem praças de guerra do

que bairros.

Tamanha cacofonia não podia dar certo. Só que deu.

Vale a pena pesquisar a arqueologia dos caminhos trilhados pela Conspiração, nos seus

cinco anos de vida. Proponho como hipótese de trabalho que o sucesso se deu por conta,

principalmente, de uma única decisão inicial. Boa parte dos primeiros participantes

vinha com uma longa bagagem de trabalhos em educação. Cada um deles seria capaz de

propor muitas experiências e programas bem sucedidos. Acredito que a decisão crítica

foi tomar outro caminho. Em vez de propor programas ou atividades, por que não

perguntar às diretoras das escolas onde o sapato apertava?

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Assim foi feito e logo se verificou que as diretoras quase não falaram de educação

propriamente dita, mas de conflitos no entorno, indisciplina e desmotivação

generalizada. Nesse momento, ocorreu aos organizadores apelar para uma técnica de

origem inglesa chamada Action Learning (não há tradução oficial para o termo).

Como notou seu criador, Reginald Revans, quem conhece os problemas é quem os vive

no cotidiano. Mas como quase sempre ocorre nesses casos, as pessoas convivendo com

os problemas estão soterradas por eles e não tem a perspectiva e o ânimo para resolvê-

los. A técnica consiste, justamente, em criar ambientes e grupos em que essas pessoas

possam se reunir, se apoiar mutuamente, discutir possíveis soluções e implementá-las.

Como há meio século de experiência na aplicação do método, não havia boas razões

para improvisar ou reinventar a roda. Foi localizado um escocês, técnico de uma

consultoria internacional (Caliper), habituado na sua aplicação. Generosamente, George

Brough, se dispôs a trabalhar como voluntário não remunerado, para montar e coordenar

os grupos de Action Learning.

Progressivamente, os grupos de diretores foram se constituindo e escolhendo os

problemas que queriam enfrentar. O que inicialmente parecia uma grande confusão, foi

virando trabalho produtivo e as soluções foram sendo implementadas. Quatro anos

depois, a cena é outra.

Os grupos lançaram raízes e hoje o programa criou seus estilos de trabalho. Já foram

realizadas xxx reuniões em escolas da região. Em cada um desses eventos, a equipe

local mostra a dezenas ou centenas de colegas de outras escolas o que estão fazendo

para melhorar a educação. Rememorando o primeiro encontro da Conspiração com as

diretoras, a temática mudou de forma drástica. Hoje o assunto é educação e não a

choradeira sobre as desgraças da escola.

O mais curioso nisso tudo é que o movimento efetivamente criou algum grau de

integração entre organizações. Os três parceiros iniciais da Conspiração conseguiram

colaborar, sem tropeços. A Secretaria Estadual de Educação apoiou permanentemente

todas as iniciativas, fazendo a sua parte e financiando a logística dos encontros. As

secretarias municipais, pelo menos, não atrapalharam e algumas ajudaram. A Polícia

Militar mostrou uma grande capacidade de interagir com outros parceiros e colaborar

em muitos programas. Para surpresa de todos, a cooperação entre as escolas de

diferentes redes de ensino tem sido exemplar. Recentemente, o Ministério Público se

incorporou ativamente ao processo. Ou seja, a Conspiração ajudou na aproximação de

diferentes órgãos de governo.

Isso tudo não passaria de fogos de artifício, se não levasse a resultados tangíveis.

Obviamente, só com o transcurso do tempo cria-se o intervalo necessário para comparar

dois momentos, usando o mesmo instrumento de avaliação.

Hoje isso já aconteceu. Em 2007, a média nacional do IDEB era de 3,4, enquanto a

média das escolas da Conspiração era de 4,4. Em 2009, o IDEB nacional passou a 3,6,

enquanto as escolas da Conspiração atingiram 5,3. É um salto muito grande, tomando

como comparação a evolução do Brasil nesse indicador.

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São resultados muito impressionantes. Naturalmente, nem tudo se deve à Conspiração

Mineira. Mas na ausência de outras iniciativas paralelas tentando fazer o mesmo,

podemos acreditar que a contribuição do movimento tenha sido o fator predominante.

Portanto, se é verdade que os conspiradores do século XVIII deram com os burros

n’água, sendo presos e punidos, a nova Conspiração parece que está tendo melhor sorte

e dando frutos.