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1 MESTRADO EM DIREITO DIREITOS HUMANOS LUIZ ALBERTO DE VARGAS DIREITO À REABILITAÇÃO PROFISSIONAL: FUNDAMENTALIDADE E CONTEÚDO JURÍDICO Porto Alegre Fevereiro, 2016

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MESTRADO EM DIREITODIREITOS HUMANOS

LUIZ ALBERTO DE VARGAS

DIREITO À REABILITAÇÃO PROFISSIONAL:FUNDAMENTALIDADE E CONTEÚDO JURÍDICO

Porto Alegre Fevereiro, 2016

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LUIZ ALBERTO DE VARGAS

DIREITO À REABILITAÇÃO PROFISSIONAL:FUNDAMENTALIDADE E CONTEÚDO JURÍDICO

Dissertação apresentada no

Mestrado acadêmico em Direito comárea de concentração em DireitosHumanos da Uniritter LaureateInternational Universities, comorequisito para obtenção do grau deMestre.

Orientador: Prof. Dr.

Paulo Gilberto Côgo Leivas

Porto Alegre Fevereiro, 2016

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) V297d Vargas, Luiz Alberto de.

Direito à reabilitação profissional: fundamentalida-de e conteúdo jurídico / Luiz Alberto de Vargas. – 2016.

166 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário Ritter

dos Reis, Faculdade de Direito, Porto Alegre - RS, 2016.Orientador: Prof. Dr. Paulo Gilberto Cogo Leivas.

1. Direitos Fundamentais. 2. Direito do Trabalho. 3.Reabilitação Profissional. I. Título. II. Leivas, Paulo Gilberto Cogo.

CDU 349.2

Ficha catalográfica elaborada no Setor de ProcessamentoTécnico da Biblioteca Dr. Romeu Ritter dos Reis

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LUIZ ALBERTO DE VARGAS

DIREITO À REABILITAÇÃO PROFISSIONAL:FUNDAMENTALIDADE E CONTEÚDO JURÍDICO

Dissertação apresentada e aprovada como requisito parcial para a obtençãodo título de Mestre.

Porto Alegre, 16 de fevereiro de 2016.

BANCA EXAMINADORA

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨Prof. Dr. Paulo Gilberto Côgo Leivas (Uniritter)

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨Prof. Dr. Roger Raupp Rios (Uniritter)

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨Profa. Dra. Dolores Sanches Wünsch (Ufrgs)

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À minha esposa, Lílian Monks Duarte de Var-gas e a meus filhos, Luiz Antônio Duarte deVargas e Leila Duarte de Vargas.

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Ao Professor Doutor Paulo Gilberto Côgo Lei-vas, orientador, pela condução segura e oapoio generoso durante todo o período de ela-boração dessa dissertação.À Professora Doutora Dolores Wünsch San-ches, que inspirou e colaborou decididamentepara a realização deste trabalho.Aos Professores Doutores José Felipe Ledur eRoger Raupp Rios, também integrantes daBanca de Qualificação, pelas valiosas contri-buições e críticasA todos os professores do Curso de Mestradoem Direitos Humanos da Uniritter.Aos meus colegas, pelo incentivo e pela cama-radagem que tornaram o curso uma alegre einesquecível jornada de conhecimentos e reali-zações.

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“Reconhece a quedaE não desanima.Levanta, sacode a poeiraE dá a volta por cima.”(Paulo Vanzolini)

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RESUMO:

Discute-se a existência, conteúdo e limites de um direito fundamental à

reabilitação profissional completa e efetiva associado ao direito ao trabalho previsto na

Constituição Brasileira. Faz-se uma descrição crítica do atual modelo de reabilitação

profissional em nosso país, tributário de preocupações com os impactos financeiros dos

benefícios previdenciários e menos preocupado com os direitos sociais que deveriam ser

assegurados pelo ordenamento jurídico pátrio. A efetividade, a aplicabilidade direta e os

efeitos sobre terceiros dos direitos fundamentais são problematizados, abordando-se,

também, a teoria de proibição da insuficiência de Robert Alexy e a teoria da proibição

do retrocesso social. Por fim, preconizam-se critérios para alteração normativa que

satisfaça a proteção devida do direito fundamental à reabilitação profissional.

ABSTRACT:

This work discusses the existence, content and limits of the fundamental

right to full and effective professional rehabilitation as a result of a connection to the

right to work ensured by the Brazilian Constitution. It makes a critical description of the

current vocational rehabilitation model in our country, so concerned with the financial

impacts of social security benefits and less concerned with the social rights that should

be guaranteed by the Brazilian legal system. The effectiveness, the direct applicability

and the effect on third parties of the fundamental rights are questioned. It the Robert

Alexy’s theory is mentioned as well as the prohibition of the social regression. Finally,

it prescribe criteria in order to satisfy the due protetionor changing rules that satisfies

the due protection of the fundamental right to vocational rehabilitation.

PALAVRAS-CHAVE: Reabilitação Profissional – Direitos

sociais – Direitos Fundamentais – Direito ao trabalho – Previdência Social

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES:

Figura 1 - Avaliação (WÜNSCH, 2013)....................................................147

Figura 2 - O programa de reabilitação (WÜNSCH, 2013).........................148

Figura 3 - O programa de reabilitação (reinserção laboral) (WÜNSCH,

2013)..............................................................................................................................149

Figura 4 - Desligamento do programa (WÜNSCH, 2013).........................150

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LISTA DE SIGLAS:

AET - Análise Ergonômica do Trabalho

APS - Agências de Previdência Social

CID - Código Internacional de Doenças

CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade Saúde

CPES - Cobertura Previdenciária Estimada

CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

CRP - Centro de Reabilitação Profissional

DORT - Doença Ocupacional Relacionada ao Trabalho

EPI - Equipamento de Proteção Individual

INSS - Instituto Nacional da Seguridade Social

LER - Lesão por Esforço Repetitivo

LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social

LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social

M.T.E. –Ministério do Trabalho e Emprego

NTEP - Nexo Técnico Epidemiológico

OIT - Organização Internacional do Trabalho

OMS - Organização Mundial de Saúde

ONU - Organização das Nações Unidas

PcD - Pessoa com deficiência

PRONATEC –Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

STF - Supremo Tribunal Federal

SUS - Sistema Único de Saúde

TJRS - Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

TNU - Turma Nacional de Uniformização da Justiça Federal

TRF - Tribunal Regional Federal

TST - Tribunal Superior do Trabalho

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SUMÁRIO:

1.1 NORMAS ATINENTES À REABILITAÇÃO PROFISSIONAL.....................................16

1.2 A REABILITAÇÃO PROFISSIONAL COMO ENCARGO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL..33

1.2.3.1 Auxílio‐doença e auxílio‐doença acidentário.......................................................43

1.2.3.2 Auxílio‐acidente....................................................................................................46

1.2.3.3 Aposentadoria por invalidez................................................................................47

 1.2.4.1 A constatação da incapacidade e a reabilitação.................................................50

1.2.4.2 O difícil retorno ao mercado de trabalho e o inexistente acompanhamento da 

reinserção laboral do trabalhador....................................................................................56

1.2.4.3 Uma experiência bem sucedida de um programa de reabilitação profissional. .66

1.3 CRÍTICAS AO MODELO DE REABILITAÇÃO PROFISISONAL BRASILEIRO: 

INSUFICIÊNCIAS, OBSTÁCULOS E A REABILIAÇÃO INCOMPLETA.................................................69

1.3.3.1 Definição insuficiente do conceito de incapacidade laborativa..........................75

1.3.3.2 Insuficiente proteção do direito à reinserção no trabalho: a reabilitação 

incompleta........................................................................................................................80

1.3.3.3 Proteção insuficiente a uma reabilitação efetiva: garantia de acesso do 

reabilitado à ocupação efetiva em um posto de trabalho voluntário, decente, 

compatível com sua situação pessoal e suficientemente remunerado...........................83

2.1 O DIREITO AO TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL..............................93

2.1.3.1 ‐ A força vinculante da Constituição..................................................................102

2.1.3.2 – A vinculação dos particulares às normas constitucionais...............................103

2.1.3.3 – Os direitos sociais como pretensão a uma atuação estatal............................105

2.1.3.4 – A indivisibilidade dos direitos civis, políticos e dos direitos sociais................107

2.1.3.5 – Os direitos sociais como normas jusfundamentais.........................................109

 2.1.3.6 – As dificuldades de concreção dos direitos fundamentais sociais..................111

2.1.3.7 ‐ A proibição da proteção não‐suficiente...........................................................115

 2.1.3.8 – O princípio de não‐retrocesso dos direitos fundamentais sociais.................118

2.2 O direito à uma reabilitação profissional efetiva e completa.........................121

2.3 A PROTEÇÃO SUFICIENTE AO Direito fundamental À reabilitação efetiva e 

completa.....................................................................................................................................131

2.3.3.1 Proteção deficiente e a insegurança do trabalhador reabilitando quanto à sua 

situação jurídica perante à empresa de vínculo e à Previdência social.........................134

2.3.3.2 Insuficiente definição de capacidade.................................................................135

2.3.3.3 Insegurança jurídica perante à empresa de vínculo:.........................................136

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2.2.3.4 A proteção contra medidas discriminatórias.....................................................138

2.3.3.5 A reabilitação completa, a proibição do retrocesso social e a interpretação 

conforme sem redução de texto....................................................................................140

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INTRODUÇÃO

Dados do Anuário Estatístico da Previdência Social (PREVIDÊNCIA

SOCIAL, 2015)1 registram que a reabilitação profissional do INSS atingiu 53,8 mil

pessoas, o que correspondeu a um aumento de 3,48% em relação ao ano anterior. O

número de trabalhadores encaminhados para a reabilitação profissional pela perícia é

relativamente baixo em relação ao número de trabalhadores afastados do trabalho por

incapacidade, considerados cerca de 300 mil auxílios-doença acidentários e mais de 2,5

milhões de auxílios-doença deferidos em 2013.

Dos trabalhadores segurados que tiveram avaliação inicial conclusiva quanto à

necessidade de reabilitação, 7,95% retornaram ao trabalho; 22,93% foram considerados

inelegíveis e 69,12% elegíveis para a reabilitação2. Apenas 16,7 mil trabalhadores

considerados elegíveis pelo programa foram reabilitados (31%), o que correspondeu a um

decréscimo de 3,89% em relação a 2012. A média mensal de trabalhadores segurados do

programa aumentou 11,5% e o valor dos recursos materiais aumentou 86,39% no período.

Tais números preocupam, pois demonstram que apenas um número pequeno

de trabalhadores elegíveis efetivamente alcançam a reabilitação. À tal preocupação devem

somar-se outras duas: o pequeno número de trabalhadores tidos como reabilitados que,

efetivamente, logra sua inserção efetiva ao mercado laboral e a subnotificação dos

acidentes ocorridos3.

Do último tema brevemente se ocupará o presente trabalho, que procurará

enfatizar os outros dois pontos, ou seja, a insuficiência material dos serviços de

reabilitação profissional que se expressa em uma carência geral de estrutura, serviços e

pessoal que atende insuficientemente a demanda existente por reabilitação profissional; e,

em especial, a inexistência de uma reabilitação completa e efetiva.

No presente trabalho, discute-se a existência e conteúdo de um direito

fundamental a uma reabilitação efetiva e completa intimamente associada ao direito ao

trabalho previsto na Constituição Brasileira. Sustenta-se que, em ambas as situações,

descritas, o direito fundamental ao trabalho previsto no art. 6º da Constituição Federal não

está sendo suficientemente cumprido.

1 Os dados previdenciários referem-se apenas ao mercado formal de trabalho. In: BRASIL. INSS. AnuárioEstatístico da Previdência Social. 2013. Disponível em http://www.previdencia.gov.br/aeps-2013. Acessoem 1/7/2015. 2 Ver figura 1, anexo.

3 Como reconhecido pelo próprio INSS na seção “Acidentes de Trabalho” no próprio Anuário referido.

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De fato, o modelo atual de reabilitação profissional não se mostra suficiente

quando, por deficiências materiais, pessoais e técnicas, atende um número pequeno de

trabalhadores necessitados, baseando-se em uma visão biomédica e deixando de

considerar os obstáculos psicológicos, sociais e econômicos à reabilitação profissional;

quando não oferece segurança jurídica no retorno do trabalhador à empresa de vínculo;

quando deixa de acompanhar e apoiar o processo de reinserção laboral; e também quando

a Previdência Social dá por finalizado o processo de reabilitação profissional pela mera

assunção ou retorno do trabalhador a um posto de trabalho, mesmo quando ele se mostra

inadequado; ou, mesmo, quando a Previdência Social, sem lograr uma colocação efetiva

do trabalhador, abandona o trabalhador, entendendo que este deve prosseguir, por sua

conta e risco, sua integração no mercado laboral.

O direito fundamental ao trabalho tampouco é atendido quando a integração ao

trabalho se faz de modo insatisfatório, o que ocorre quando o posto de trabalho não é

adequado às reais necessidades do trabalhador. Propõe-se que, em um dos seus aspectos

mais relevantes, o direito fundamental ao trabalho não pode ser compreendido sem um

correspondente direito a uma ocupação efetiva em um posto de trabalho digno, de eleição

do trabalhador, adequado e compatível com sua situação pessoal, suficientemente

remunerado e que lhe permita uma real inserção no mercado de trabalho e na sociedade.

Para tanto, analisa-se o atual modelo de reabilitação profissional, procurando

demonstrar que este não atende o dever de proteção contido em tal direito fundamental,

sendo que as causas desta reabilitação, definida coo incompleta e não-efetiva, situam-se na

inexistência de uma legislação que assegure efetividade ao direito fundamental ao trabalho

do reabilitando. Nesse sentido, pretende indicar alguns pontos que podem ser objeto de

consideração em um reforma legislativa futura.

Inicialmente, descreve-se o processo de reabilitação profissional no Brasil de

hoje e apresenta-se um panorama do arcabouço legal existente e dos serviços prestados

pela Previdência Social, constatando que longe se está de se assegurar ao reabilitando uma

perspectiva alvissareira de reintegração profissional e social, sendo, infelizmente, bastante

comum ao fracasso da reabilitação, seja na forma de abandono do reabilitando à sua

própria sorte, seja na forma de uma indesejada aposentadoria por invalidez.

A seguir, considerando o direito da reabilitação profissional como decorrência

do direito fundamental ao trabalho, descrever-se-á as origens e o contexto histórico em

que este direito foi produzido e sua aceitação pelo ordenamento jurídico nacional,

buscando identificar seu conteúdo e seus possíveis desdobramentos como, provavelmente,

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o mais importantes direitos sociais, dos quais todos os demais se originam. Nesse sentido,

enfrentar-se-á a inevitável polêmica a respeito das possibilidades, na efetivação dos

direitos sociais, suas garantias, sua aplicabilidade imediata e seus efeitos sobre terceiros.

Defende-se a tese de que o direito à reabilitação profissional é um relevante

desdobramento do direito fundamental ao trabalho, sustentando-se sua

jusfundamentalidade e, a partir daí, indicando-se concretamente em que o atual modelo de

reabilitação profissional não oferece uma proteção adequada a tal direito fundamental,

deixando de assegurar ao reabilitando uma real inserção social e laboral.

Indo um pouco além, preconizam-se alterações legislativas no rumo uma

reabilitação profissional efetiva e completa que propicie, de fato, aos acidentados e

adoecidos uma reabilitação profissional que represente uma real inclusão profissional e

social.

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CAPÍTULO 1: A INSUFICIENTE PROTEÇÃO ATUAL AO

TRABALHADOR REABILITANDO: DESCRIÇÃO CRÍTICA DO

ATUAL MODELO LEGAL

1.1 NORMAS ATINENTES À REABILITAÇÃO PROFISSIONAL

Analisam-se aqui o conceito de reabilitação profissional e as principais normas

aplicáveis à reabilitação profissional e às pessoas com deficiência, nas normas

internacionais, no direito comparado e no ordenamento jurídico brasileiro.

Pretende-se demonstrar que, com base em normas internacionais,

perfeitamente aplicável aos reabilitados profissionais as normas atinentes à habilitação

profissional das pessoas com deficiência.

1.1.1 O conceito de reabilitação profissional

A reabilitação profissional é um conceito amplo que vem sendo utilizado para

designar um processo de intervenção sobre situações que envolvem a redução da

capacidade para o trabalho a partir de agravos sobre a saúde do trabalhador (WÜNSCH,

2013).

Na doutrina trabalhista, conceitua-se a reabilitação profissional como “um

conjunto de medidas tendentes a aproveitar a capacidade residual do indivíduo incapaz por

doença ou acidente, para torna-lo membro ativo da produção” (CARDONE, 1989, p. 115).

Trata-se de um conceito superado, já que centrado no mero aproveitamento da força

laborativa do trabalhador como mero fator produtivo.

Uma definição mais adequada é de Ângelo Márcio Ferreira (2009), pela qual

“a reabilitação profissional é um programa estruturado para desenvolver atividades

terapêuticas e de profissionalização que abrange a integralidade do indivíduo,

fortalecendo-o para lidar e superar as dificuldades impostas por suas incapacidades”.

Ou, ainda, em uma mais completa, a proposta pelo projeto de lei nº. 7.207, de

2010 (Dep. Jô Moraes, PCdoB – MG e outros), ao redefinir o art. 89 da Lei nº 8213/914:

4 A íntegra do projeto em anexo, assim como a relação de projetos de lei que tratam de reabilitaçãoprofissional que tramitaram no Congresso Nacional de 2010 a 2015.

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A reabilitação profissional deve proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial outotalmente para o trabalho o desenvolvimento de atividades terapêuticas e deprofissionalização que abranjam a integralidade do indivíduo, de forma a superar os limitesimpostos por sua incapacidade, visando à estabilização física e à ampliação de movimentos eforça, atuando no processo de estabilização psicossocial e possibilitando a integração nasrelações sociais, cotidianas e de trabalho.

Ao se propor um direito à reabilitação profissional, pode-se entender a

existência um processo complexo, que envolve prestações fáticas consistentes de ações de

saúde (preventivas e corretivas), de previdência e de assistência sociais (“direito a algo”)

como também a um processo de intervenção prestado pelo Estado através de políticas

públicas capazes de levar a um resultado reabilitatório eficaz, ou seja, a uma reabilitação

profissional efetiva e completa. Do ponto de vista laboral, a eficácia da reabilitação

profissional importa na assunção/manutenção de um posto de trabalho ou, pelo menos, a

capacidade efetiva de obter um posto de trabalho em um mercado competitivo.

Há uma aproximação importante entre as situações jurídicas dos incapacitados

laborais e das pessoas com deficiência, já que ambos são suscetíveis a processos de

habilitação e/ou reabilitação profissionais destinados à integração social por meio do

trabalho. Assim, as normas da Organização Internacional do Trabalho –OIT (OIT, 2015)

tratam em conjunto destes dois temas, muitas vezes assimilando a figura do trabalhador

incapacitado como “pessoa deficiente”, ou seja, “todas as pessoas cujas possibilidades de

obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem

substancialmente reduzidas” (Convenção OIT 159, art. 1º).

O trabalhador reabilitando é alguém que padeceu de um infortúnio, de um

acidente ou de uma doença, que o incapacitou parcial e permanentemente para o trabalho.

Tratando-se o reabilitando de trabalhador com sequelas (incapacidade parcial permanente)

e, por esta condição, incapaz de exercer funções que habitualmente realizava, há de se

proceder sua reabilitação, ou seja, a capacitação para função diversa, de forma a propiciar

sua participação ativa no mercado profissional competitivo e na sociedade. Já as pessoas

com deficiência também uma restrição de capacidade laboral e, para a promoção de seu

direito ao trabalho, devem ser capacitadas (habilitadas) para sua efetiva integração no

(pelo) trabalho e na sociedade. Em ambos os casos, há uma incapacidade permanente que

limita a inserção no mercado de trabalho, com a diferença de que, ao contrário da pessoa

com deficiência, o reabilitando já teve condições plenas de participação e, justamente por

tê-la perdido em parte, precisa de apoio para sua reinserção. O dado essencial de distinção,

portanto, reside na existência de sequela, ou seja, em uma redução de capacidade

adquirida no curso da atividade laboral.

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Sob o ângulo de um objetivo comum – o da efetiva inserção laboral do

trabalhador portador de um déficit de capacidade laboral -, assimilam-se as figuras do

reabilitando e da pessoa com deficiência, de forma que boa parte da legislação protetiva à

pessoa com deficiência é aplicável ao reabilitando profissional. Tal assimilação está

presente nas normas internacionais a respeito da inserção laboral de pessoas com

deficiência e, como mencionado, fundamenta-se na literalidade do art. 1º da Convenção nº

159 da OIT.

Diferenciam-se os conceitos de habilitação e de reabilitação profissionais

tendo em conta se o trabalhador esteve ou não anteriormente inserido no mercado laboral.

De forma simples, pode-se dizer que a habilitação visa a inserção do trabalhador no

mercado de trabalho, enquanto que a reabilitação visa o reingresso do trabalhador no

mercado de trabalho. Nesse último caso, há de se caracterizar a impossibilidade de retorno

à mesma função anteriormente exercida ou a existência de sequela que seja definitiva.

Assim, do ponto de vista do processo em si, pode-se dizer que não há diferenças

significativas entre a habilitação e a reabilitação.

Porém, não se confundem os conceitos de deficiência e incapacidade. Como

esclarece Cláudia Angélica Gonçalves Dias (2015), a deficiência traz como consequência

uma incapacidade, pois significa uma restrição física, mental ou múltipla que possui uma

natureza transitória ou permanente, limitando o exercício de atividades diárias; já a

incapacidade é uma barreira cultural, física ou social sofrida por pessoas com deficiência

que impede o acesso a diversos sistemas que estão à disposição dos demais cidadãos.

Logo, incapacidade se tem como a “perda ou limitação das oportunidades de ser incluído

em uma vida em comunidade de forma igual com os demais cidadãos” (DIAS, 2015). Por

tal conceito, pode-se enquadrar o trabalhador incapacitado laboral como uma pessoa com

deficiência que, igualmente, enfrenta obstáculos culturais, físicos ou sociais que impedem

seu acesso ao trabalho com igualdade aos demais cidadãos.

A reabilitação da capacidade funcional do trabalhador, inicialmente

denominada como “readaptação profissional” ou “reaproveitamento do empregado

acidentado”, tinha como objeto restituir, parcial ou totalmente, a todo incapacitado para o

trabalho a “capacidade na primitiva profissão ou em outra compatível com as suas novas

condições físicas” (MAENO, 2010, p. 87). Tinha-se, assim, uma visão restritivamente

laboral, voltada primordialmente ao melhor e mais imediato aproveitamento da força de

trabalho residual do reabilitando.

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Modernamente, a reabilitação profissional se propõe a viabilizar a reinclusão

de pessoas incapacitadas na sociedade através de sua integração ao mercado produtivo e,

assim, uma participação ativa na sociedade, mediante procedimentos de educação,

reeducação, treinamento e readaptação dos interessados, incluindo atenções médicas,

terapias, tratamentos, cessão de aparelhos, ou seja, mecanismos que possam a viabilizar o

resgate das condições de trabalho (MARTINEZ, 2002, p. 135).

No que diz respeito à habilitação e à reabilitação profissional, os serviços são

cometidos essencialmente à Previdência Social, ainda que, em tese, a melhor política

pública indicaria a necessidade de uma articulação de várias instituições públicas,

encarregadas da saúde, da assistência social, do seguro social e do trabalho.5

1.1.2 Normas internacionais atinentes às pessoas com deficiência e

aplicáveis à habilitação e à reabilitação profissionais

O ano de 1981 foi proclamado pela Organização das Nações Unidas (ONU)

como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Um primeiro relatório mundial sobre

deficiência foi realizado em 1969 pela Rehabilitation International, uma rede mundial de

pessoas com deficiência, provedores de serviços e órgãos governamentais destinados a

melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência. Por tal relatório, uma pessoa

em cada 10 possuía algum tipo de deficiência. Estudos da Organização Mundial de

Saúde, organismo ligado à ONU, na década de 70, confirmaram as proporções

encontradas pela Reabilitation International. No relatório da OMS (6º Relatório sobre a

Situação da Saúde no Mundo, abrangendo o período de 1973 a 1977) previu-se que, no

ano 2000, 10% da população mundial seria portadora de algum tipo de deficiência física,

mental ou sensorial (SASSAKI, 2001).

A maior pesquisa sobre pessoas com deficiência foi realizada em 2002-4 pela

OMS através de sua Pesquisa Mundial de Saúde (OPAS, 2015) e estima uma taxa média

de prevalência de incapacidade de 15,6%, ou seja, cerca de 650 milhões de pessoas dos

estimados 4,2 bilhões de adultos com idades de 18 ou mais, pesquisados em 59 países

(GOVERNO DO ESTADO DE S. PAULO, 2012). O censo demográfico brasileiro de

2010 aponta que 45,6 milhões de pessoas declararam ter algum tipo de deficiência, o que

5 “Tendo como modelo integrador da funcionalidade e incapacidade, a reabilitação pode ser entendida comouma dentre quatro estratégicas de saúde que inclui também a prevenção, cura e suporte” (STUCKI, 2007, p.64).

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corresponde a 23,9% da população brasileira. Dos 44 milhões de deficientes que estão em

idade ativa, 53,8% estão desocupados ou fora do mercado de trabalho. A população

ocupada com deficiência representava 23,6% (20,3 milhões) do total ocupado (86,3

milhões). O percentual de trabalhadores com deficiência ocupados que tem carteira

assinada (40,2%) é bem abaixo do índice dos ocupados em geral com carteira assinada

(49,2%)6

No plano internacional, o direito das pessoas com deficiência foi objeto de

diversas normas, devendo ser citadas como das primeiras, a Resolução 71 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção 111 da OIT, sobre a igualdade de 1966

(OIT, 2015). De 1975, a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, da Organização

das Nações Unidas (Resolução 3447). Em 1981, o Ano Internacional das Pessoas

Deficientes e o Programa de Ação Mundial (ONUBR, 2015). Nestes, pela primeira vez,

foi definido o conceito de desvantagem (handicap) da pessoa deficiente na sua relação

com seu meio. Outro marco foi a Década das Nações Unidas para as Pessoas com

Deficiências (1983-1992).

Em 1993, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução n. 48, na qual

definiu-se reabilitação como o processo destinado a permitir que as pessoas com

deficiências consigam alcançar e manter os seus melhores níveis funcionais, do ponto de

vista físico, sensorial, intelectual, psíquico e/ou social, de maneira a dotá-las de meios que

lhes permitam modificar a sua própria vida, adquirindo uma maior independência.

Na regulamentação da Resolução n. 48, em 1996, adotaram-se as “Normas

para equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência”, a reabilitação é

considerada como um conceito fundamental da política em matéria de deficiência. Ênfase

especial é dada à reabilitação profissional, devendo os Estados apoiar ativamente a

integração das pessoas com deficiências no mercado de trabalho, adotando, entre outras

medidas, esquemas de quotas baseados em incentivos, emprego protegido, empréstimos

ou subsídios para pequenas empresas, isenções fiscais, supervisão contratual ou outro tipo

de assistência técnica e financeira às empresas que empregam trabalhadores com

deficiências. Além disso, os Estados devem garantir a prestação de adequado apoio

financeiro às pessoas com deficiências que, devido à deficiência ou a fatores com ela

relacionados, hajam sofrido uma perda ou redução temporárias dos seus rendimentos ou se

tenham visto privadas de oportunidades de emprego. Finalmente, os subsídios de apoio

aos rendimentos “devem manter-se enquanto persistir o estado de deficiência, de maneira

6 Jornal O Estado de São Paulo, “Brasil tem 45,6 milhões de deficientes”, 29/6/2012, Disponível emwww.estadao.com.br. Acesso em 01/7/2015.

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a que não resultem numa falta de incentivo à procura de emprego por parte das pessoas

com deficiências. Tais subsídios só devem ser reduzidos ou retirados quando essas pessoas

conseguirem obter um rendimento adequado e seguro” (art. 8.6 -grifado).

Em 2007, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Convenção sobre

os Direitos de Pessoas com Deficiência (Resolução 61/611 de 2006), que, entre seus

consideranda, reconhece “que a deficiência é um conceito em evolução e que a

deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às

atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na

sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.7

A Convenção define pessoa deficiente como sendo “aquela que têm

impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,

em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na

sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (art. 1º). Entre os

princípios gerais da Convenção (art. 3º), citam-se: o da não-discriminação (alínea “b”), o

da plena e efetiva participação e inclusão na sociedade (alínea “c”) e o da igualdade de

oportunidades (alínea “e”). Os Estados se comprometem a “assegurar e promover o pleno

exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas

com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, bem

como a “adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza,

necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção” e “levar

em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos direitos

humanos das pessoas com deficiência”.

Há um artigo específico sobre Habilitação e Reabilitação (art. 26) e outro

sobre Trabalho e Emprego (art. 27). Os Estados comprometem-se a tomar medidas

efetivas e apropriadas para que as pessoas com deficiência conquistem e conservem o

máximo de autonomia e plena capacidade física, mental, social e profissional, bem como

plena inclusão e participação em todos os aspectos da vida. Para tanto,

“organizarão, fortalecerão e ampliarão serviços e programas completos de habilitação ereabilitação, particularmente nas áreas de saúde, emprego, educação e serviços sociais, demodo que esses serviços e programas: a) comecem no estágio mais precoce possível esejam baseados em avaliação multidisciplinar das necessidades e pontos fortes de cada pessoa;b) apoiem a participação e a inclusão na comunidade e em todos os aspectos da vida social,sejam oferecidos voluntariamente e estejam disponíveis às pessoas com deficiência o maispróximo possível de suas comunidades, inclusive na zona rural (Convenção dos Direitos dePessoas com Deficiência, art. 26.1)”.

7 A Convenção, inclusive seu Protocolo Facultativo, foi ratificada pelo Brasil e aprovada pelo Decreto n.6.949, de 25 de agosto de 2009.

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Em relação ao trabalho e emprego, os Estados reconhecem o direito ao

trabalho das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as

demais pessoas, abrangendo o direito de se manter com um trabalho de sua livre escolha

ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e

acessível a pessoas com deficiência. Os Estados, em especial, devem salvaguardar e

promover a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido

uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com

o fim de, entre outros:

a) Proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questõesrelacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação eadmissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres detrabalho; b) Proteger os direitos das pessoas com deficiência, em condições de igualdade com as demaispessoas, às condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo iguais oportunidades e igualremuneração por trabalho de igual valor, condições seguras e salubres de trabalho, além dereparação de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho; c) Assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seus direitos trabalhistas esindicais, em condições de igualdade com as demais pessoas; d) Possibilitar às pessoas com deficiência o acesso efetivo a programas de orientação técnicae profissional e a serviços de colocação no trabalho e de treinamento profissional econtinuado; e) Promover oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com deficiênciano mercado de trabalho, bem como assistência na procura, obtenção e manutenção doemprego e no retorno ao emprego; f) Promover oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo, desenvolvimento decooperativas e estabelecimento de negócio próprio; g) Empregar pessoas com deficiência no setor público; h) Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante políticas emedidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outrasmedidas; i) Assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local detrabalho; j) Promover a aquisição de experiência de trabalho por pessoas com deficiência no mercadoaberto de trabalho; k) Promover reabilitação profissional, manutenção do emprego e programas de retorno aotrabalho para pessoas com deficiência. (Convenção dos Direitos de Pessoas com Deficiência,art. 27)

Em 2008, o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência, bem como seu Protocolo Facultativo. O documento foi aprovado conforme o

procedimento do parágrafo 3º do art. 5º da Constituição, pelo que tem equivalência de

emenda constitucional. Ao nível regional, mencione-se a Convenção Interamericana para

a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de

Deficiência, também conhecida como Convenção da Guatemala, que foi promulgada pelo

Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001.

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A respeito da proteção da pessoa deficiente no âmbito do trabalho, há de se

mencionar outras normas da Organização Internacional do Trabalho: as Recomendações

87 (sobre a orientação profissional), 88 (sobre formação profissional), 99 (sobre

habilitação e reabilitação profissional de deficientes), 111 (sobre discriminação no

emprego e na profissão) e a 168 (sobre readaptação profissional e emprego de pessoas

deficientes). De suma importância a Convenção 159 (sobre reabilitação profissional e

emprego de pessoas deficientes), que estabelece que “a finalidade da reabilitação

profissional é a de permitir que a pessoa deficiente obtenha e conserve um emprego e

progrida no mesmo, e que se promova, assim, a integração ou a reintegração dessa pessoa

na sociedade”.

Nos termos da Convenção 159, art. 1º, considera-se “pessoa deficiente” toda e

qualquer pessoa, cujas perspectivas de encontrar e de conservar um emprego conveniente,

assim como de progredir profissionalmente, estão sensivelmente diminuídas em

consequência de uma deficiência física ou mental devidamente reconhecida. Assim, o

objetivo da readaptação profissional é o de “permitir aos deficientes obterem e

conservarem um emprego conveniente, de progredir profissionalmente e, portanto, de

facilitar a sua inserção ou reinserção na sociedade (art. 2º).

Para tanto, os Estados-membros se obrigam a, de acordo com suas condições e

suas práticas nacionais e em função de suas possibilidades, formular, executar e rever

periodicamente uma política nacional respeitante à readaptação profissional e ao emprego

de deficientes, tornam-lhes acessíveis medidas de readaptação profissionais apropriadas,

bem como promover as possibilidades de emprego no mercado livre de trabalho (art. 3º).

Aplicando-se a todos os tipos de deficiência (art. 4º), do ponto de vista da OIT, ou seja,

em relação às dificuldades de acesso ao mercado profissional, os Estados estão

comprometidos a proteção tanto dos trabalhadores incapacitados em decorrência do

trabalho como os trabalhadores com deficiência, podendo-se interpretar que ambos estão

contidos no conceito de “pessoa deficiente” e, portanto, abrangidos pela Convenção.

Esta política deverá assentar sobre o princípio da igualdade de oportunidade

entre os trabalhadores deficientes e os trabalhadores em geral, mas de forma que não

entenda como discriminatórias medidas especiais que visem garantir a igualdade efetiva

de oportunidades aos trabalhadores deficientes (art. 4º). Além disso, as organizações

representativas dos trabalhadores e dos empregadores e as organizações representativas

dos deficientes devem ser consultadas sobre a execução dessa política (art. 5º).

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Finalmente, a Convenção determina que os serviços de readaptação profissional não se

limitem a zonas urbanas, mas que atinjam as zonas rurais a as coletividades isoladas.

1.1.3 A habilitação profissional da pessoa com deficiência no direito

comparado8

As políticas de proteção às pessoas com deficiência incluem diversas medidas

visando à habilitação profissional e são extensíveis à reabilitação profissional. Tratam-se

de políticas muito diversas, que variam de país para país, mas que permitem evidenciar

um nível de proteção ainda insuficiente em nosso país comparativamente a outros

ordenamentos jurídicos. Em geral, as providências adotadas envolvem a reserva

obrigatória de vagas, incentivos fiscais às empresas e contribuições empresariais em favor

de fundos públicos destinados ao custeio de fundos públicos destinados ao custeio de

programas de formação profissional, no âmbito público e privado.

Em muitos países, adota-se um sistema de cotas de empregos reservados a

pessoas com deficiência. Quando as empresas não podem cumprir a cota, podem optar

por, alternativamente, contribuir para um fundo, pagando por trabalhador não-empregado.

As empresas que superarem a cota, têm direito a postular bônus e deduções junto ao

governo. É bastante utilizado o recurso à isenção do valor das contribuições

previdenciárias a cargo do empregador. Existem proteções especiais contra a despedida de

um trabalhador com deficiência, em alguns casos, a dispensa somente pode ocorrer com

autorização do órgão competente que analisa o motivo dado pelo empregador para

justificar a despedida. A título meramente exemplificativo, a seguir, demonstram-se como

as cotas e os incentivos à contratação variam de país para país:

- Alemanha: cota de 6% dos cargos das empresas públicas e privadas com

mais de 16 empregados;

- Itália: 7%, para empregadores públicos e privados, no caso de empresas com

mais de 50 empregados; duas pessoas, em empesas entre 36 a 50 empregados; uma para

empresas entre 15 e 35 empregados (Lei n. 68/99, art. 3º);

8 Este quadro comparativo baseia-se nos estudos realizados por Gláucia Gomes Vergara Lopes (LOPES,2005, p. 32-52), de Marcelo Neri, Alexandre P. Carvalho e Hessi G. Costilla (NERI, 2002), Clara AngélicaGonçalves Dias (DIAS, 2012), Marco Antonio César Villatore (VILLATORE, 2000) e no site do Ministériodo Trabalho e Emprego (M.T.E. 2015).

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- Argentina: cotas apenas para o setor público, incluindo as empresas públicas,

num percentual de 4% (Lei n. 25.687/98);

- Portugal: cota de até 2% de trabalhadores com deficiência para a iniciativa

privada e de 5% para a administração pública;

- Espanha: 2% dos empregos em empresas com mais de 50 empregados (Lei n.

66/97). Há uma redução de 50% no valor das contribuições sociais a cargo dos

empregadores (Lei n. 63/97);

- França: o sistema de cotas abrange tanto o setor público como o privado em

um percentual de 6% das vagas (Código de Trabalho Francês, Lei n. 3231), que são

contadas por estabelecimento. São isentas de tal obrigação empresas com menos de 20

empregados e empresas de alguns setores específicos. O pagamento por vaga não-

preenchida ao fundo varia de 1900 a 2700 euros anuais (dado de 2007);

- Áustria: cota de 4% das vagas para trabalhadores em empresas que tenham

mais de 25 empregados. Como na Alemanha há um controle administrativo severo para as

demissões de pessoas com deficiência.

- Holanda: percentual varia de 3% a 7%, estabelecido por negociação coletiva,

dependendo do ramo de atuação e do tamanho da empresa. Existem incentivos financeiros

e reembolsos às empresas pelos custos estimados pelo emprego de pessoas com

deficiência. Em caso de não-manutenção do emprego, os empregadores são obrigados a

devolver, inteira ou parcialmente, a quantia recebida. Também está prevista uma “ajuda de

custo de reintegração” paga às pessoas com deficiência com intuito de as encorajar na

busca de trabalho e capacitação profissional.

- Estados Unidos da América: não há sistema de cotas e a proteção se situa,

basicamente, no combate à discriminação, havendo toda uma legislação voltada para

empresas com mais de 15 empregados (Americans with Disabilities Act – ADA). Há de se

citar decisões judiciais que, comprovando estatisticamente a falta de correspondência entre

o número de empregados com deficiência existente na empresa e aquele que se encontra

na respectiva comunidade, concluem pela existência de discriminação indireta9 e

condenam as empresas à adoção de políticas afirmativas.

Inglaterra: desde 1944, existem leis de proteção ao emprego das pessoas com

deficiência. Em 1995, a reforma da legislação concentrou-se no combate à discriminação

em substituição à reserva de vagas. De acordo com a nova lei (também conhecida como

DDA), pune os empregadores que discriminem pessoas com deficiência e também prevê

9 A respeito de discriminação indireta (“disparate impact”), em especial no direito norte-americano, RIOS,2008, p. 119-126.

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incentivos aos empregadores que os empreguem. Como nos Estados Unidos, o Poder

Judiciário, constando discriminação indireta, pode fixar cotas às empresas;

- Irlanda, a cota é de 3%, sendo aplicável somente para o setor público. No

setor privado, vigora um sistema que permite às empresas, caso contratem uma pessoa

com deficiência com produtividade mais baixa (entre 50% e 80% do que produz uma

pessoa com deficiência) possam pagar o mesmo salário do que não tem deficiência,

recebendo o diferencial de produtividade do governo através de um sistema de bônus

Sistemas de cotas fixadas em lei também estão presentes na Colômbia (Lei

361/97), El Salvador (Decreto Legislativo n. 888), Honduras (Decreto 17/91), Nicarágua

(Lei n. 185), Panamá (Lei nº 42/99), Peru, Uruguai (Lei nº 16.095), Venezuela, Japão e

China.

Portanto, se é possível estabelecer comparações entre modelos de inserção

social tão diversos, duas campos de atuação podem ser claramente visualizados: um

sistema de cotas obrigatórias associado com incentivos aos empregadores e um modelo

situado no combate à discriminação contra a pessoa com deficiência, com ênfase na

(re)integração ao mercado de trabalho e na proteção contra a despedida imotivada.

No Brasil, como se verá, a legislação prevê de 2%`a 5% de acordo com o

número de empregados, mas não há incentivos econômicos para a contratação de

reabilitados ou pessoas com deficiência, nem uma adequada proteção contra a despedida

imotivada visando a manutenção desses empregos.

1.1.4 As normas sobre deficiência no ordenamento jurídico brasileiro

aplicáveis à habilitação e à reabilitação profissionais.

No plano interno, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do

trabalho são fundamentos do Estado Brasileiro, conforme a Constituição Brasileira (art. 1º,

III e IV), estabelecendo, ainda, que a valorização do trabalho humano com a finalidade de

assegurar a todos uma existência digna é um dos fundamentos da ordem econômica (art.

170).

A habilitação e reabilitação profissional é expressamente mencionada no art.

203, IV da Constituição como um direito à assistência social. A proteção às pessoas com

deficiência e. extensivamente, aos reabilitandos profissionais pode também ser deduzida

de vários outros dispositivos constitucionais, seja o geral princípio de igualdade (art. 5º, I),

seja os direitos específicos de acesso, permanência e atendimento especializado na escola

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(art. 206, I e art. 208, III), da garantia da eliminação das barreiras arquitetônicas (§2º, do

art. 227 e art. 244).

O direito à saúde está previsto no art. 196 da Constituição, entendida esta

como um dever de Estado, de implementar políticas sociais e econômicas que visem à

redução do risco de doença e de outros agravos, assegurando o acesso universal e

igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

Também como dever do Estado, o dever de proteção ao direito da pessoa com

deficiência à saúde e à assistência social (art. 23); o de concessão de um benefício mensal

às pessoas com deficiência que não disponham de recursos para prover a própria

manutenção (art. 203, V); a possibilidade de adoção de critérios diferenciados para

concessão de aposentadoria (art. 40, parágrafo 4º, I) e acessibilidade à transporte público e

a logradouros e prédios de acesso público (art. 224 e 227, parágrafo 2º).

Como direitos dos trabalhadores, há de se mencionar os incisos XXII (redução

dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança), XXXI

(proibição de discriminação por motivo de deficiência) e XXVIII (seguro contra

acidentes) do art. 7º da Constituição. Trata-se, aqui, de assegurar ao trabalhador um meio

ambiente laboral sadio e equilibrado, configurando um direito fundamental, de eficácia

horizontal, a vincular diretamente tanto particulares quanto o Poder Público (EBERT,

2012).

Importante norma constitucional está contida no art. 37, VIII, que determina

que a lei reserve percentual de cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência.

Tal norma tem sido aplicada também aos casos de reabilitação profissional,

exemplificando a assimilação da figura do reabilitando à normatividade originalmente

concebida apenas aos casos de pessoas com deficiência.

Um marco na regulamentação do dever do Estado na proteção aos direitos das

pessoas com deficiência é a Lei n. 7853/89 (Política Nacional para Integração da Pessoa

Portadora de Deficiência), que, entre outras medidas, em seu art. 2º, inciso III, letra “d”,

prevê

“a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho, em favordas pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da Administração Pública e do setorprivado, e que regulamente a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado detrabalho, e a situação, nelas, das pessoas portadoras de deficiência”.

Além disso, vários direitos da pessoa com deficiência à habilitação e do

trabalhador incapacitado à reabilitação, assim como a promoção de sua integração à vida

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comunitária encontram guarida na legislação de assistência social e previdenciária. Assim,

constituem um dos objetivos da assistência social, assim definidos na Lei Orgânica de

Assistência Social (Lei n. 8.742/91 -LOAS). Nos termos do Decreto n. 3298/99, art. 15, os

órgãos e as entidades da Administração Pública Federal estão obrigados a prestar direta ou

indiretamente à pessoa com deficiência, entre outras prestações sociais, reabilitação

integral (assim entendida como o desenvolvimento de suas potencialidades, destinada a

facilitar sua atividade laboral, educativa ou social); formação profissional e qualificação

para o trabalho. Nesse Decreto, que regulamenta a Lei n.7853/99, define-se

I - “deficiência”, como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro dopadrão considerado normal para o ser humano;II – ‘deficiência permanente”, como aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um períodode tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesarde novos tratamentos; e III – incapacidade, como uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social,com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoaportadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estarpessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

O conceito de pessoa com deficiência (“pessoa deficiente”) está contido

também na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS): aquela que tem impedimentos de

longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com

diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as

demais pessoas. São considerados impedimentos de longo prazo aqueles que incapacitam

a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho por prazo mínimo de

dois anos.

A interface entre as figuras da pessoa com deficiência e o reabilitando

profissional ocorre na definição de “incapacidade” (item III) quando esta de uma

deficiência permanente (que ocorreu ou se estabilizou em um período de tempo suficiente

para não permitir se em recuperação ou ter probabilidade de alteração apesar de novos

tratamentos – item II) relativamente ao meio ambiente laboral.

O conceito de deficiência (item I), entendida como toda perda ou

anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere

incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal,

representa um avanço em relação ao adotado pelo Decreto n. 3298/99, que define

deficiência como aquela que se enquadra nas categorias física, auditiva, visual, mental ou

múltipla conforme parâmetros de avaliação biomédica.

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O art. 4º, I do Decreto n. 3298/99 exclui das deficiências físicas as

deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções

(perda de falange dos dedos, cicatrizes, marcas na pele), já que não reduzem a capacidade

laborativa. Porém não considera que há dificuldades reais para que estas pessoas

obtenham emprego em função do preconceito desmedido de boa parte dos empregadores

brasileiros, revelado em anúncio de vagas de emprego que trazem como requisitos “boa

aparência”, “jovialidade”, “fácil comunicação” (LOPES, 2005, p. 104).

Nesse mesmo Decreto, há diversas disposições em prol da habilitação

profissional da pessoa com deficiência e que são plenamente aplicáveis à reabilitação

profissional: acesso à educação profissional (art. 28); direito à habilitação e reabilitação

profissional independentemente de vínculo previdenciário (art. 30-3); política de emprego

voltada à inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho ou sua incorporação

ao sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido (art. 34); reserva de

empregos (art. 36) e reserva de cargos em concursos na Administração Pública (art. 37).

Finalmente, foi aprovada recentemente pelo Congresso Nacional, a Lei n. Lei

n. 13.146/2015 – Lei Brasileira e Inclusão da Pessoa com Deficiência (também

denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência, publicada em 6/7/2015, entrando em

vigor 180 dias depois de sua publicação), destinada a assegurar e a promover, em

condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa

com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Expressamente baseada na

Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (homologada pela

Assembleia Geral da ONU em 13/12/2006 e assinada em 2007 e ingressada no direito

nacional pelo Decreto 6949 de 2009), a nova lei altera consideravelmente o conceito de

pessoa deficiente que passa a ser “aquela que tem impedimento de longo prazo de

natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais

barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de

condições com as demais pessoas” (art. 2º). Para tanto, a avaliação da deficiência será

biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará,

além dos impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo, os fatores socioambientais,

psicológicos e pessoais, além da limitação no desempenho de atividades e a restrição de

participação (art. 2º, parágrafo 1º). No inciso III do art. 3º conceitua-se como “tecnologia

assistiva” ou ajuda técnica que deve ser propiciada à pessoa com deficiência “produtos,

equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que

objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e a participação da pessoa

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com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência

com segurança, qualidade de vida e inclusão social”. No inciso IV do mesmo artigo,

define-se como “barreiras” qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que

limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo e fruição e o exercício

de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à

comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre

outros”10. Destaque-se, ainda no mesmo artigo, no inciso VI, que expressamente se

conceitua como “adaptações razoáveis” aquelas adaptações, modificações ou ajustes

necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando

requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou

exercer em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os

direitos e liberdades fundamentais”.

A lei claramente se afasta do modelo biomédico e se aproxima do modelo

social11, na esteira da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o que

tem significativa relevância também na reabilitação profissional. Tal aproximação, como

se verá, tem importantes consequências para a construção de um modelo adequado de

reabilitação profissional.

À pessoa com deficiência – e, consequentemente, ao reabilitando profissional -

é reconhecido, entre tantos outros, o direito à profissionalização, ao trabalho, à

previdência social, à habilitação e à reabilitação (art. 8º). O processo de habilitação e

reabilitação, como um direito da pessoa com deficiência, tem por objetivo “o

desenvolvimento de potencialidades, talentos, habilidades e aptidões físicas, cognitivas,

sensoriais, psicossociais, atitudinais, profissionais e artísticas que contribuam para a

conquista da autonomia da pessoa com deficiência e de sua participação social em

igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas” (art. 14).

Na avaliação do processo de habilitação ou reabilitação está expressamente

prevista que esta seja multidisciplinar (art. 15), observadas, entre outras, as seguintes

diretrizes: diagnóstico e intervenção precoces (inciso I); atuação permanente, integrada e

articulada de políticas públicas que possibilitem a plena participação social da pessoa com

10 Essa definição é baseada na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) daOMS que é complementar ao Código Internacional de Doenças (CID).

11 Tal abordagem deixa claro que as deficiências não indicam, necessariamente, a presença de uma doençaou que o indivíduo deva ser considerado doente. Assim, a falta de acesso a bens e serviços deve sersolucionada de forma coletiva e com políticas públicas estruturantes para a equiparação de oportunidades.(SECRETARIA DOS DIREITOS HUMANOS, 2010, p 16).

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deficiência (inciso III) e prestação de serviços próximos ao domicílio da pessoa com

deficiência, inclusive na zona rural (inciso V).

Especificamente para os trabalhadores necessitados de habilitação e de

reabilitação profissional são garantidos “organização, serviços, métodos, técnicas e

recursos para atender às características de cada pessoa com deficiência” (art. 16, inciso I)

e “tecnologia assistiva, tecnologia de reabilitação, materiais e equipamentos adequados e

apoio técnico profissional, de acordo com as especificidades de cada pessoa com

deficiência (art. 16, inciso III)12.

Importante modificação foi implementada, também, ao alterar o art. 1º da Lei

n. 9029/95, que é a lei que proíbe a prática de atos discriminatórios nas relações de

trabalho, ao inserir, entre as práticas proibidas, a discriminação por motivo de deficiência

e reabilitação profissional. Nos termos do modificado artigo 2º da referida Lei, o ato

discriminatório, além de constituir crime, sujeita o infrator às penas de multa

administrativa e de proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições

financeiras oficiais. Já no novo artigo 3º, aproveitando para corrigir equívoco da lei

anterior (que equivocadamente mencionava o direito do discriminado a ser “readmitido”),

o legislador claramente estabelece, em caso de despedida discriminatória, o direito à

reintegração com “ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante

pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros

legais”.

Finalmente, há de se citar a reserva de mercado de trabalho tanto para

deficientes físicos como para reabilitados profissionais13, prevista pelo artigo 37, VIII da

Constituição. A reserva de vagas já estava prevista no art. 172 do revogado Decreto n.

48/959-A, de 1960, estabelecendo a cota para empresas com vinte ou mais empregados. A

cota para pessoas com deficiência, elevado ao nível constitucional (art. 37, VIII), prevista

também na Lei n. 7853/89, foi objeto de regulamentação pelo art. 93 da Lei n. 8213/91

que isentou as empresas com menos de cem empregados. Tal norma não foi modificada

pela Lei n. 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência), também

chamada Estatuto da Pessoa Deficiente14. Por ela, tanto incapacitados pelo trabalho como

12 Esse atendimento é prestado através do Sistema Único de Saúde (SUS),

13 Pedro Kalume critica tal opção do legislador ordinário, pois, nos termos previstos pela Constituição e pelaLei n. 7853/89, se exigiria uma legislação especial que, efetivamente, assegurasse um reserva de mercado detrabalho em favor das pessoas com deficiência – e não apenas simples “adoção” da legislação já existente.(KALUME, 2008, p. 53).14 O Estatuto da Pessoa com Deficiência, na versão aprovada pelo Congresso Nacional e objeto de vetopresidencial, previa a obrigatoriedade das empresas com mais de 50 (cinquenta) a 99 (noventa e nove) de ter,pelo menos, um empregado incapacitado ou com deficiência, texto que foi vetado pela Presidência da

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deficientes compartilham um sistema de cotas de emprego que prevê que as empresas com

100 ou mais empregados estão obrigadas15 a preencher de um por cento a cinco por cento

de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência, na seguinte

proporção16:

I – de 100 (cem) até 200 (duzentos) empregados, 2% (dois por cento) do total de empregados; II – de 201 (duzentos e um) a 500 (quinhentos) empregados, 3% (três por cento) do total deempregados; III – de 501 (quinhentos e um) a 1.000 (mil) empregados, 4% (quatro por cento) do total deempregados; IV – mais de 1.000 (mil) empregados, 5% (cinco por cento) do total de empregados17.

Para assegurar a existência mesmo de tais empregos18, prevê-se que a empresa,

em contratos por prazo indeterminado ou por prazo determinado de mais de 90 (noventa)

dias, somente pode dispensar imotivadamente um trabalhador reabilitado ou deficiente

habilitado depois de contratar um substituto de condição semelhante19. Não há, em

realidade, nenhuma estabilidade ou garantia de emprego, mas apenas uma certa restrição

ao poder empresarial de despedir, que, supostamente, reduz o risco de que a despedida

seja discriminatória, ou seja, seja motivada justamente pela condição laboral reduzida do

trabalhador. Na verdade, não se elimina tal risco, já que nada impede que o substituído

tenha uma condição de trabalho menos desfavorecida do que o trabalhador despedido,

nem se exige que o novo empregado seja contratado para trabalhar na mesma função

(LAZZARI, 2012, p. 220).

A jurisprudência tem entendido que os trabalhadores reabilitados integram a

cota de pessoas com deficiência, tanto que, quando do retorno do trabalhador acidentado,

este preenche a cota do art. 93 da Lei n. 8.213/91.20 Talvez fosse mais apropriado que as

cotas fossem distintas para reabilitados profissionais e pessoas com deficiência, evitando-

se que as empresas pudessem optar por preencher a cota totalmente com pessoas com

República.

15 O descumprimento de tal obrigação importa em multa administrativa proporcional ao tamanho da empresae ao número de trabalhadores que deixaram de ser contratados (art. 133 da Lei n 823/91).16 Redação conforme projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e vetado pela Presidente da República.17 Para melhor compreender a complexidade que envolve o cálculo das cotas de deficientes, ver KALUME, op. cit. p. 63).18 Também se denomina “emprego protegido” ou, conforme Pedro Kalume, “abertura protegida da possibilidade de emprego”. (Ibid., p. 52-4)19 O descumprimento por parte do empregador enseja a reintegração do trabalhador despedido. Processos TST - 5ª.T.- RR - 346/1998-401-04-00.8, Rel. João Batista Brito Pereira, Julg. 27.05.2009 e 5ª. T. - RR 1619003920045170006 Rel. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – Julg. 21.11.2007.20 TST 4ª T RR 2657000420038.04.5.02.0038 Rel. Milton Moura França, Julg. 26.8;2011.

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deficiência ou com trabalhadores reabilitados, conforme suas conveniências.21 Admitida o

sistema de cota única, uma vez que os trabalhadores acidentados dispõem de uma garantia

de emprego de um ano (art. 118 da Lei n. 8.213/91), melhor seria que estes não fossem

simplesmente computados na cota única – e sim acrescidos à cota, o que representaria

uma penalização ao empregador que permite a ocorrência de acidentes no ambiente

laboral.

Como já se mencionou, também na Administração Pública existe a previsão

constitucional de reserva de cargos em favor da pessoa com deficiência, o que é

concretizado pelo artigo 37, parágrafo 1º do Decreto n. 398/99 que estabelece um

percentual de 5% das vagas em concursos públicos.

1.2 A REABILITAÇÃO PROFISSIONAL COMO ENCARGO DA

PREVIDÊNCIA SOCIAL

Procurar-se-á, neste item, apresentar o atual modelo de reabilitação

profissional no Brasil, como encargo da Previdência.

1.2.1 Histórico da reabilitação profissional no Brasil

A reabilitação social surgiu no Brasil como um direito trabalhista e

previdenciário das classes assalariadas urbanas e, assim, marcado pela concepção da

“cidadania regulada”, ou seja, como direito vinculado ao contrato dos trabalhadores com o

setor privado acoplado com um seguro gerenciado pelo Estado – e, portanto, dependente

da inserção formal no mercado de trabalho (FERREIRA, 2009). Dessa forma, desde o

início, não se formou como um direito universal, mas restrito àqueles trabalhadores com

vinculo previdenciário.

Inicialmente como seguro privado, coberto pelas Caixas de Aposentadoria e

Pensões desde 1943, a reabilitação profissional somente passou para a Previdência Pública

em 1967, quando tornou-se obrigação legal a cargo do INSS, Criam-se os Centros de

Reabilitação Profissionais (CRPs). Em 1976, a legislação tornou a reabilitação

profissional obrigatória nos casos de acidentes do trabalho em que o acidentado se torna

incapaz para o exercício da sua atividade. A partir de 1980, a rede de atendimento à

reabilitação profissional expandiu-se, alcançando todas as capitais e as cidades de grande

21 Proposta legislativa nesse sentido foi apresentada, em 2011, pelo Deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), Projeto de lei n. 7218/10.

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porte. Foi um período de expansão da reabilitação profissional, ainda que esta nunca tenha

adquirido a dimensão e a estrutura necessárias para atendimento integral das demandas de

reabilitação profissional.

A partir dos anos 90, iniciou um processo de implementação de políticas

liberalizantes que, a médio prazo, levaram a um verdadeiro desmonte da reabilitação

profissional no âmbito da Previdência Social (MAENO, 2010, p. 88-92). A reabilitação

profissional do INSS foi alvo de intensas mudanças, de nítida inspiração neoliberal, pelas

quais abandonou-se uma concepção sócio-política de incapacidade para uma visão

biomédica das lesões e suas causas, culminando com o programa REABILITA em 2001

(SIMONELLI, 2015, p. 65). Entre 1993 e 1994, houve um curto período contra

tendencial, concomitantemente à emergência dos movimentos sociais e à implementação

do SUS, surgiram significativos experimentos conveniados, locais e regionais, de natureza

interdisciplinar e interinstitucional, como o projeto terapêutico a Grandes Amputados, o

projeto da Equipe de Doenças Profissionais e o projeto da Equipe de LER (Lesão por

Esforços Repetitivos), desenvolvidos no CRP-Campinas.

Porém, o desmonte prosseguiu em uma nova fase, de 1995 a 2000, com o

advento do Plano de Modernização Profissional do INSS, consolidou-se a hegemonia de

um modelo reducionista da atenção, de delegação da reinserção ao trabalho às empresas e

de completo desmonte dos CRPs22. Tais tendências foram mantidas quando da

implantação do Projeto Reabilita, em 2001, cuja principal característica foi o desmonte

das equipes de reabilitação profissional, atribuindo responsabilidade no processo de

colocação do reabilitado no mercado profissional a orientadores profissionais. Conforme

tal programa, o INSS não se responsabiliza pela reabilitação efetiva do trabalhador,

resumindo-se o programa de reabilitação profissional ao encaminhamento do trabalhador

supostamente fisicamente recuperado de volta à empresa de vínculo para função

compatível com sua nova condição e/ou a realização de curso de requalificação

profissional ou de elevação da escolaridade quando a empresa não oferece função ou

quando o trabalhador não tem vínculo anterior. Em resumo, não há obrigatoriedade de

colocação no emprego pelo programa público de reabilitação profissional.

Da mesma forma, seguindo uma lógica privatizante, promoveu-se um

desmonte nas estruturas dentro do INSS e a delegação da inserção dos trabalhadores às

empresas (MAENO, 2010, p. 87).

22 Conforme Takahashi, houve uma substancial redução dos serviços oficiais de reabilitação profissional; em1993 eram 46 centros profissionais que, em1994, abrigavam 2.122 profissionais em todo o Brasil. Com acriação do Reabilita esses serviços foram totalmente desativados (TAKAHASHI, 2000).

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Apesar de algumas alterações positivas, substancialmente tal modelo perverso

ainda persiste, especialmente quanto ao descompromisso estatal relativamente à efetiva

colocação do reabilitado no mercado de trabalho.

Há de se registrar que, felizmente, nos últimos anos, tem-se observado uma

inversão desse processo liberalizante. Conforme Angela Simonelli, o INSS, pressionado

pelo movimento sindical e por pesquisadores das questões relacionadas com o mundo do

trabalho, passou a discutir um modelo de revitalização do Reabilita (2008), que permitisse

a integração das várias instituições que fazem interface com a saúde do trabalhador: saúde,

previdência e trabalho e emprego. Tal medida, reputada como essencial pelo próprio

INSS, permite uma articulação das diversas instituições (INSS, Ministério da Saúde,

Ministério do Trabalho e Emprego) para intervir preventivamente no processo produtivo,

de forma a garantir o não-adoecimento de outros trabalhadores (SIMONELLI, 2010, p.

66). Assim, como consequências dessa nova tendência, houve a ampliação do corpo

técnico e a realização de convênios, bem como a formação de parcerias para

oferecimento de cursos profissionalizantes com Senai, Sesc e outras entidades do chamado

“Sistema S”, com o escopo de possibilitar a formação profissional. Além disso, a partir de

2007, o INSS adotou nova metodologia para a notificação de acidentes baseada no Nexo

Técnico Epidemiológico (NTEP), visando combater a subnotificação acidentária. No

mesmo sentido, em 2009, determinou-se que, na avaliação da incapacidade, além da

análise médica, também fossem considerados os aspectos sociais e pessoais para fins de

concessão de benefícios de prestação continuada. Ainda que não se refira à reabilitação

profissional, trata-se de um avanço na compreensão da necessidade de uma avaliação

social para concessão de todo e qualquer benefício previdenciário. Em outubro de 2011, o

INSS publicou um novo manual de Reabilitação Profissional, implementando novos

critérios a serem adotados nos serviços prestados nas agências da Previdência Social.

Por fim, em 2013, o Projeto “Reabilitação profissional: articulando ações em

saúde do trabalhador e construindo a reabilitação integral”, que se propõe, através da

intersetorialidade (articulação das políticas públicas de saúde, assistência social,

previdência social, trabalho e emprego), “amparar e assistir o cidadão e sua família em

situações de vulnerabilidade, como a velhice, a doença, o desemprego, entre outros”

(BRASIL, 2013). O Projeto reconhece que o trabalho de reabilitação profissional é uma

ação interdisciplinar a ser desenvolvido por equipes multiprofissionais “com vistas a

ampliar a percepção individual e a dimensão coletiva, considerando o trabalho como

fundante para a construção do ser social”. Entre outros pressupostos, o Programa elenca a

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prevenção dos riscos ocupacionais, o reconhecimento individualizado das capacitações do

reabilitando, a valorização da sua participação ativa no processo e o direito à informação.

Para a consecução de tais propósitos, se pretende iniciar uma “ampla articulação com os

diversos setores sociais e as administrações públicas e privadas, na perspectiva de articular

uma rede de serviços que busquem e implementem soluções para a reabilitação

profissional. Ao menos em termos de boas intenções, há de se reconhecer que o projeto

em questão aponta um rumo promissor para a reconstrução de um sistema de reabilitação

profissional no país.

1.2.2 O modelo de reabilitação profissional

Pela teoria do risco social, cabe à sociedade assegurar o sustento ao indivíduo

vítima de uma incapacidade, já que toda a coletividade deve prestar solidariedade ao

desafortunados. Tal objetivo é alcançado através da “redistribuição dos riscos sociais

horizontalmente (entre grupos profissionais distintos) e verticalmente (entre gerações)

pelo equacionamento da economia coletiva” (ROCHA, 2004, p. 28), cumprindo a

Previdência Social este papel relativamente aos indivíduos ocupados em uma atividade

laborativa remunerada.

Entretanto, o seguro social não esgota as necessidade da população mais

carente, justamente aquela que não possui uma ocupação definida no mercado formal de

trabalho, ou mesmo, no mercado informal, quando reconhecida a atividade laborativa.

Assim, a assistência social e a proteção à saúde não são objeto da Previdência Social, mas

são concessões gratuitas de serviços sem exigência de contrapartida por parte da grande

maioria dos beneficiários (LAZZARI, 2012, p. 40).

Tal como na maioria dos países ocidentais, a reabilitação profissional foi

atribuída à Previdência Social, sob o argumento de que o sucesso dos esforços na

reabilitação leva à redução dos custos previdenciários, enquanto que o insucesso, ao

contrário, implica, em geral, em uma aposentadoria por invalidez considerada dispendiosa

(TAKAHASHI, 2010). Tal designação da reabilitação profissional como benefício

previdenciário torna potencialmente problemática a universalização de políticas

públicas de reabilitação profissional.

A cobertura previdenciária ao reabilitado se refere ao “risco da incapacidade”,

ou seja, à cobertura pecuniária do risco da incapacidade, o que, na forma da legislação

brasileira, se consubstancia nos riscos da doença e da invalidez. Além desse, o sistema de

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seguridade social deve dar conta também no “risco do desemprego”. Assim, a cobertura

previdenciária do “risco da incapacidade” é feita através dos benefícios do auxílio-doença

e da aposentadoria por invalidez, enquanto que a do “risco do desemprego” é feita pelo

“seguro-desemprego”.

A reabilitação profissional, constitucionalmente atribuída à Previdência Social,

é um serviço social destinado à otimização da capacidade laboral do trabalhador. Nesse

contexto, a atribuição do serviço prestado pelo Estado de reabilitação profissional à

Previdência Social se justifica como complementar aos benefícios previdenciários, para o

propósito de garantir a “temporalidade da fruição do benefício de auxílio-doença e a evitar

a fruição prematura de um benefício em princípio permanente: a aposentadoria por

invalidez” (BILHALVA, 2007, p. 461). Assim, é encarada do ponto de vista do

interesse do Erário Público – e não de uma prestação derivada do direito constitucional

ao trabalho.

Constitucionalmente, a Seguridade Social é definida como “um conjunto de

ações estatais que compreendem a proteção dos direitos relativos à saúde, a previdência e

a assistência social’ (art. 194) e, nesse sentido, justifica-se a proteção social dos

incapacitados parcial ou totalmente para o trabalho de forma que a estes se garantam

meios para sua reeducação e readaptação profissional. Para tanto, os órgãos que compõem

a Seguridade Social (Saúde, Assistência Social e Previdência Social) devem elaborar

políticas e programas de inclusão da pessoa com incapacidades no mercado de trabalho,

buscando a igualdade de oportunidades, o que equivale dizer que é preciso buscar

diminuir as barreiras físicas dos espaços públicos e privados, ter programas de

qualificação, conscientizar a sociedade sobre a inclusão dessas pessoas no âmbito familiar

e nos diversos meios sociais (FERREIRA, 2009).

As leis n. 8212/91 (Lei de Organização da Previdência Social) e 8213/91 (Lei

de Benefícios) são a base da organização da Seguridade Social brasileira e dispõem que a

Previdência Social tem por fim assegurar ao seus beneficiários meios indispensáveis de

manutenção por motivo de diversos riscos ali elencados, entre os quais se inclui a

incapacidade. Entre os princípios e diretrizes da organização da Previdência Social estão a

universalidade, valor da renda mensal de benefício não inferior a um salário mínimo e

preservação do valor real dos benefícios (Lei n 8212/91, art. 3º, parágrafo único, “a”, “b” e

“d”).

Tais leis denominam o processo de (re)integração dos trabalhadores parcial ou

totalmente incapacitados como de Habilitação e Reabilitação Profissional e Social, com o

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propósito dotá-los das condições materiais e intelectuais necessárias à inclusão ou à

(re)inclusão ao mercado de trabalho e do contexto onde vivem, proporcionando-lhes os

meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social (Lei n 8212/91, art. 89,

“caput”).

As normas previdenciárias diferenciam os conceitos de Habilitação

Profissional e de Reabilitação Profissional. Assim, habilitação profissional é “a preparação

do inapto para exercer atividades em decorrência da incapacidade física adquirida ou

deficiência hereditária”. Já a reabilitação profissional pressupõe que “a pessoa ter tido

aptidão ou tê-la perdido por motivo de enfermidade ou acidente, pois tecnicamente, o

deficiente não é reabilitado e, sim, habilitado” (MARTINEZ, 1992).

Uma outra definição é dada por Marcelo Leonardo Tavares (2007, p. 53), pela

qual “a habilitação difere conceitualmente da reabilitação por se referir a serviço que tem

por fim inserir pessoa pela primeira vez no mercado laboral, enquanto que a segunda via a

reintrodução do trabalhador alijado”.

Assim, tanto a Habilitação como a Reabilitação Profissional, constituídas da

(re) adaptação profissional e da assistência (re) educativas são serviços prestados

Previdência Social a pessoas que se encontrem parcial ou totalmente incapacitadas para o

trabalho e a pessoas com deficiência ainda que sem vínculo previdenciário (Decreto

3.048/99, art. 136 e Decreto 3298/99, art. 17). Tem por finalidade primária a de garantir

direitos previdenciários e, secundariamente, de assegurar o (re) ingresso e inclusão no

mercado de trabalho. São prestadas em caráter obrigatório e independentemente de

carência (Lei n. 8213, art. 26, V) pela Previdência Social.

A obrigatoriedade aqui se refere ao dever da Seguridade Social de prestar

assistência aos segurados, do que se pode entender o caráter facultativo para os não-

segurados. Essa é a literalidade do art. 90 da Lei n. 8.213/9123, o que parece ser

confirmado pelo contido no art. 136, parágrafo 1º do Decreto n. 3.048/99 quando

menciona que a prestação a dependentes se faça “de acordo com as possibilidades

administrativas, técnicas, financeiras e as condições do órgão”. No mesmo sentido, a

Instrução Normativa INSS/PRES n. 77/2015, de 27 de março de 2015, artigos 399 e 400,

que diz que são obrigatoriamente atendidos:

I - o segurado em gozo de auxílio-doença, acidentário ou previdenciário;

23 Lei n. 8.213/91, Artigo 90 - A prestação de que trata o artigo anterior é devida em caráter obrigatório aossegurados, inclusive aposentados e, na medida das possibilidades do órgão da Previdência Social, aos seusdependentes.

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II - o segurado sem carência para a concessão de auxílio-doença previdenciário, incapaz parao trabalho;III - o segurado em gozo de aposentadoria por invalidez;IV - o segurado em gozo de aposentadoria especial, por tempo de contribuição ou idade que,em atividade laborativa, tenha reduzida sua capacidade funcional em decorrência de doença ouacidente de qualquer natureza ou causa.

E, atendidos, conforme as possibilidades administrativas, técnicas, financeiras

e às características locais:

V - o dependente pensionista inválido;VI - o dependente maior de dezesseis anos, portador de deficiência; eVII - as Pessoas com Deficiência - PcD, ainda que sem vínculo com a Previdência Social.

No entanto, tratando-se de uma prestação assistencial, a universalidade da

prestação social prevista no art. 203, IV da Constituição24 indica não ser melhor

intepretação da expressão “segurados” contida no art. 90 da Lei n. 8213/91 como a sendo

a que restringe a reabilitação profissional apenas aos trabalhadores com vínculo

previdenciário, ainda que sem prazo de carência. De fato, uma interpretação mais generosa

da norma constitucional permite o reconhecimento da possibilidade de políticas públicas

que não se limitem aos segurados, mas que se estendam também aos demais

trabalhadores.

A obrigatoriedade da prestação assistencial de habilitação e de reabilitação

profissional está também garantida pela recente Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, que,

em seu art. 16, prevê que a toda a pessoa com deficiência é garantida

I - organização, serviços, métodos, técnicas e recursos para atender às características de cadapessoa com deficiência;

II - acessibilidade em todos os ambientes e serviços;

III - tecnologia assistiva, tecnologia de reabilitação, materiais e equipamentos adequados eapoio técnico profissional, de acordo com as especificidades de cada pessoa com deficiência;

IV - capacitação continuada de todos os profissionais que participem dos programas eserviços.

Também há obrigatoriedade da submissão do trabalhador ao processo de

reabilitação quando considerado “insuscetível de recuperação para sua atividade habitual”

24 Constituição, Art. 203 – A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente dacontribuição à seguridade social, e tem pro objetivos:(...) III- a promoção da integração ao mercado detrabalho.

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(Lei n. 8213/2004, art. 6225). Tal obrigação constitui-se em “dever de curar-se”26 e está

prevista no art. 101 da mesma lei, sob pena de suspensão - e não cancelamento - do

benefício previdenciário27. A participação no processo compreende a submissão a exame

médico a cargo da Previdência Social; os procedimentos por ela determinados e custeados

e todo o tratamento gratuitamente dispensado, exceto cirurgias e transfusão de sangue que

são facultativos. Além disso, deve o reabilitando acatar e cumprir as normas estabelecidas

nos contratos, acordos e convênios, bem como pautar-se no regulamentos daquelas

organizações (art. 315, parágrafo 2º). Assim, a recusa comprovada de tratamento não

invasivo ou a negativa de submissão à reabilitação profissional enseja “a imediata

suspensão administrativa do benefício, que somente retornará, e apenas dali para diante, se

e quando o segurado atender ao que lhe foi determinado pela autarquia” (BARROS JR.,

2012, p. 114).28

A assistência prevista é ampla e inclui o fornecimento de próteses, órteses e

instrumentos de auxílio à locomoção (art. 89, parágrafo único, alíneas “a” e “b”29), assim

como o transporte urbano do incapacitado (art. 89, parágrafo único, alínea “c”). Tais

prestações são mais detalhadas no Decreto 3048/99, art. 137 parágrafo 2º) e na Instrução

Normativa INSS n 77. Assim, no art. 402 desta, se estabelece, ainda, a possibilidade de

pagamento de diárias, auxílio-alimentação (almoço ou jantar, quando o programa

profissional tiver oito horas) e de auxílio-transporte urbano (inclusive intermunicipal ou

interestadual), se entender o órgão previdenciário indispensável para o programa de

reabilitação profissional. Da mesma forma, os instrumentos de trabalho imprescindíveis à

formação ou treinamento profissionais e os implementos profissionais (material didático,

uniforme, instrumentos e equipamentos técnicos, EPIs e outros).30

O modelo não reconhece maiores diferenças ou particularidades no processo

em si de (re)habilitação de incapacitados e deficientes. De fato, considerado o conceito

25 Art. 62 – O segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para sua atividade habitual,deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará obenefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta asubsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez.26 “A este direito à saúde corresponde o chamado dever de curar-se que o indivíduo tem frente a si mesmo efrente à sociedade. Dever que se encaixa perfeitamente na reabilitação profissional, que é ao mesmo tempoum direito e um dever” (LEÑERO, Jose Perez. Ideario de la rehabilitación profesional de los inválidos”apud BILHALVA, 2007, p. 471)27 A Lei 13.063/2014 modificou o art. 101 da Lei 8213/91, isentando o aposentado por invalidez desubmeter a exame pericial após completar 60 anos de idade.28 Ver, também, art. 316 da Instrução Normativa n.77/2015.29 O direito à órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção como um direito das pessoas comdeficiências está previsto, também no inciso XI do parágrafo quarto do art. 18 da recente lei n. 13.146/2015. 30 Ou, ao menos, deveria ser feito, pois é atribuição do SUS, no âmbito da seguridade social, a assistência à saúde e o fornecimento de órteses e próteses e a reabilitação física, fisioterapia, assistência à saúde, etc.

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internacional da OIT de “deficiente”, este deve ser entendido como “pessoa com

perspectivas sensivelmente diminuídas de encontrar ou conservar um emprego

conveniente – ou de progredir profissionalmente – em decorrência de uma deficiência

física ou mensal devidamente reconhecida”. Assim, no que tange ao dever estatal de

inserir o incapacitado, total ou parcial, ao mercado laboral, não deveria haver diferenças

entre deficientes habilitados e incapacitados reabilitados. No plano legal, a diferença,

radica na existência ou não de um vínculo previdenciário anterior: no primeiro caso, trata-

se tecnicamente de uma questão de seguro social; no segundo, trata-se de uma prestação

de benefício sem custeio, que, tecnicamente, seria enquadrado como assistência social.

Tanto a avaliação da deficiência como do grau de incapacidade são feitas por

perícia médica e pelo serviço social do INSS. A análise médica da deficiência e do grau de

incapacidade “considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e a

análise social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais; ambas com a

observância do grau de desempenho das atividades e a restrição da participação social,

segundo suas especificidades” (BARROS JR., 2012, p. 203).

A responsabilidade pela reabilitação profissional é da União, através do INSS,

mas pode ser delegada a entidades especializadas em recuperação de trabalhadores ou,

mesmo, à própria empresa em que opera o empregado (MARTINEZ, 2002, p. 135).

Em geral, a possibilidade de realização de cursos é fortemente limitada pelo

nível de instrução do reabilitando e pelo pequeno interesse das empresas na reabilitação de

seus empregados31. No caso de estágios em empresas conveniadas, os custos e obrigações

são suportados integralmente pelas entidades, sem encargos previdenciários para as

empresas. Fica expressamente afastada a possibilidade de caracterização de vínculo

empregatício. Ao final do período, embora haja a perspectiva de contratação do

profissional, o que, teoricamente, beneficiaria a empresa32 ou entidade, a maioria das vezes

isso não ocorre.

Nos termos do art. 92 da Lei n. 8213/91, ao término do processo, se emitirá

Individual para a função para a qual o reabilitando foi capacitado profissionalmente, sem

prejuízo do exercício de outra para a qual se julgue capacitado. Aqui, claramente, não se

está diante de uma “reabilitação plena”, que somente se configuraria quando houvesse a

31 Há uma tendência para a reabilitação do trabalhador em funções menos qualificadas (serviços de portaria,tarefas manuais simples, etc.) ou, mesmo, não lhe cometer trabalho algum. Um depoimento sobre asdificuldades para a efetiva reinserção laboral do reabilitado em GESTO-UFRN, 2013.32 O benefício da empresa decorreria do aproveitamento de um trabalhador já treinado à medida, bem comopelo preenchimento da cota legal. Sobre as razões pelas quais as empresas contratariam umincapacitado/pessoa com deficiência, ver BATISTA, 2003.

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efetiva reinserção laboral, com a assunção de um posto de trabalho. O modelo se

conforma com a constatação de que o trabalhador está capacitado profissionalmente, sem

que tal decisão administrativa tenha de ser, necessariamente, posta em prática: somente

dever-se-ia entender como concluída a reabilitação quando o trabalhador obtivesse um

posto de trabalho.

Tal certificado individual também é emitido quando concluído o processo de

habilitação ou reabilitação social e profissional, indicando as atividades que poderão ser

exercidas pelo trabalhador, de acordo com suas possibilidades físicas e sua formação

profissional. Nada impede que o reabilitado exerça outra atividade para a qual se

capacitar, não constituindo obrigação da Previdência Social a manutenção do segurado no

mesmo emprego ou sua colocação em outro para o qual foi reabilitado (Decreto 3048/99,

art. 140 parágrafo 1º). Tal documento será apresentado pelo reabilitando às empresas e à

sociedade na busca de um emprego.

Entendendo por concluído o processo de reabilitação, já que, munido com o

certificado e beneficiado com a lei de cotas para pessoas com deficiência, o reabilitando já

está capacitado para concorrer no mercado laboral, a Previdência Social dá por esgotadas

suas obrigações com o reabilitando33.

33 Ao contrário do que dispunha o Ato Normativo n 43, que, ao disciplinar o programa de reabilitaçãoprofissional, definia que o mesmo somente se completaria com o retorno do segurado ao trabalho.

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1.2.3 Os benefícios previdenciários no processo de reabilitação

profissional.

1.2.3.1 Auxílio-doença e auxílio-doença acidentário

Os benefícios por incapacidade são pagos mensalmente às pessoas que não

podem exercer sua atividade devido a uma doença, seja mental, seja física, ou sofre um

acidente de qualquer natureza. São eles:

1- Auxílio Doença (espécie 31) 2- Aposentadoria por Invalidez (espécie 32) 3- Auxílio Doença Acidentário (espécie 36) 4- Acidente de Trabalho (espécie 91) 5- Aposentadoria por Invalidez por Acidente de Trabalho (espécie 92) 6- Auxílio Acidente por Acidente de Trabalho (espécie 94) 7- Benefícios de Prestação Continuada da Assistência Social à pessoa com deficiência – BPC– LOAS (espécie 87)

Aqui, tratar-se-á especialmente do auxílio-doença acidentário, do auxílio-

acidente e da aposentadoria por invalidez por acidente do trabalho, pela suas diretas

conexões de tais benefícios com a reabilitação profissional.

O reabilitado profissional, como segurado da INSS tem direito a determinados

benefícios previdenciários durante o processo de reabilitação, findo o qual duas situações

por ocorrer: a) supõe-se que o trabalhador está preparado para retornar com sucesso à

atividade laboral; ou, b) está incapacitado definitivamente para o trabalho, fazendo jus a se

aposentar por invalidez.

O trabalhador incapacitado percebe, inicialmente, o auxílio-doença34 (art. 59

da Lei n. 8.213/91) após os primeiros quinze dias de afastamento que são pagos pelo

empregador. Trata-se, inicialmente, de um benefício provisório, concedido até a

consolidação da situação clínica do trabalhador, quando o órgão previdenciário concluirá

sobre a concessão definitiva do auxílio-doença. O benefício é percebido por prazo

indeterminado até a alta previdenciária que ocorre quando da recuperação da saúde do

trabalhador. Corresponde a 91% do salário-de-benefício, o que importa em um decréscimo

de sua na renda mensal. A partir da inclusão do parágrafo 10 no art. 29 da Lei n. 8.291/91

34 Art. 59 – O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o períodode carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual pormais de 15 (quinze) dias consecutivos”.

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(Lei n. 13.135/15), o benefício não pode ultrapassar a média aritmética dos doze últimos

salários de contribuição.

O perito procede uma avaliação da capacidade laborativa do trabalhador, ou

seja, da possiblidade de desempenho de “funções específicas de uma atividade ou

ocupação, em consequência de alterações morfotrópico-fisiológicas provocadas por

doenças ou acidente”.35 É uma avaliação difícil36 e marcada pela tensão e pela

desconfiança37, baseada em informações médicas, mas que exige do Perito amplos

conhecimentos interdisciplinares ao realizar uma difícil estimativa do potencial laborativo

do avaliado em relação às atividades ou ocupações que habitualmente exerce. Idealmente,

deveria haver a interlocução de vários saberes além do médico, envolvendo outros

profissionais, numa soma de conhecimentos para a compreensão da incapacidade em

diversos parâmetros: grau (parcial ou total), duração (temporária ou permanente) e

abrangência (uniprofissional, multiprofissional e omniprofissional) (SCHMIDT;

BARBOSA, 2014, p. 61). Entretanto, é a perícia médica quem decide, praticamente,

sozinha a sorte do trabalhador acidentado.

Na realidade, a avaliação feita por médicos não parece ter como foco a doença,

mas apenas a capacidade laborativa do trabalhador, isto é, trata-se de um prognóstico se

este tem condições de continuar trabalhando apesar da doença (FERREIRA, 2013). O

resultado dessa avaliação define o retorno ao trabalho, cessando o auxílio-doença, ou a

aposentadoria por invalidez.

Os acidentes de trabalho podem ser típicos ou não. Considera-se acidente

típico aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício

do trabalho dos segurados, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause

a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho

(art. 19 da Lei n. 8.213/91)38.

São considerados acidentes não-típicos as doenças profissionais e as doenças

do trabalho. As doenças profissionais são aquelas produzidas ou desencadeadas pelo

exercício do trabalho peculiar a determinada atividade (art. 20, I da Lei n.8.213/91). As

35 “Neste definição destacam-se quatro componentes: alterações mórbidas presentes, exigênciasprofissionais, dispositivos legais pertinentes e risco de vida para si ou para terceiros, que a permanência ematividade pode acarretar”. (BARROS JR., 2012, p. 66).36 Sobre as dificuldades metodológicas da perícia de reabilitação profissional, ver SIMONELLI, 2010, p. 66.

37 Sobre a complexa relação perito-periciado, em que a desconfiança é a tônica e a ênfase do procedimentose volta para a prova do afirmado pelo segurado – e não no diagnóstico médico ver BARROS JR., 2012, p.58.38 Tal conceito é criticado por CASTRO e LAZZARI, para os quais as características do acidente do trabalhosão a exterioridade da causa do acidente, a violência, a subtaneidade e a relação com a atividade laboral.(LAZZARI, J. B. CASTRO, C.A., 2012, p. 194),

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doenças do trabalho são as adquiridas ou desencadeadas em função de condições especiais

em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente (art. 20, II da Lei

n.8.213/91). Assim, as doenças profissionais estão diretamente ligadas à profissão do

trabalhador; já as doenças do trabalho estão mais ligadas ao meio ambiente do trabalho.

Estão descritas, no anexo III do Regulamento da Previdência Social (Decreto

n. 3048/99 e anexos), as lesões que autorizam a concessão do auxílio-doença acidentário,

o que torna a concessão do benefício, conforme a doutrina “a questão mais controvertida

no direito infortunístico brasileiro em face do poder legiferante das medidas provisórias e

da confusão criada entre redução da capacidade funcional e laborativa e impedimento para

o exercício de qualquer atividade” (Monteiro: Bertagni39 apud OLIVEIRA, 2005, p. 252).

Tanto as doenças profissionais e as doenças de trabalho constam da relação

elaborada pela Previdência Social. Tal listagem de doenças ocupacionais não é exaustiva,

pois é possível o enquadramento por doença não prevista na relação elaborada pelo

Ministério da Previdência. Essencial é que exista nexo causal entre a enfermidade e o

exercício do trabalho, ou seja, que haja vínculo fático que ligue o efeito (incapacidade

para o trabalho ou morte) à causa (acidente do trabalho ou doença ocupacional)

(CASTRO; LAZZARI, 2012, p. 52).

Em se tratando de acidente de trabalho ou afastamento por doença

ocupacional, é obrigatória a emissão, pelo empregador, da Comunicação de Acidente de

Trabalho (CAT), documento que serve de comunicação à Previdência Social da ocorrência

do acidente de trabalho (art. 22 da Lei 8213/91).40

Na avaliação em que concede ou não o benefício, o perito médico do INSS

deve enquadrar a enfermidade como benefício acidentário (código 91 – b91) ou benefício

previdenciário (código 31 – b31), ou seja, reconhece ou não a natureza acidentária do

benefício, o que afeta substancialmente a situação jurídica do trabalhador. Somente o

benefício acidentário confere ao trabalhador a garantia de emprego de doze meses prevista

no art. 118 da Lei n. 8.213/91, além de assegurar ao trabalhador, durante o período de

suspensão do contrato de trabalho, a integralidade dos depósitos do FGTS (art. 15,

parágrafo 5º da Lei n. 8.036/90).

39 MONTEIRO, Antonio Lopes. BERTAGNI. Roberto Fleury de Souza. “Acidentes do trabalho e doençasocupacionais. 2ª edição atual. São Paulo: Saraiva. 2000. pg. 36. 40 São grandes as queixas dos sindicatos a respeito da “subnotificação acidentária” por parte das empresas.(SALVADOR, 2007). Para um estudo de caso, de uma subnotificação em massa, ainda que mantidos ossalários do período de afastamento dos trabalhadores, tudo para não chamar à atenção sobre a altaprevalência das doenças no ambiente fabril, ver MAENO; WUNSCH FILHO, 2010, p. 53-63).

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Além disso, embora não seja decisivo para tanto, o reconhecimento

previdenciário da natureza acidentária do benefício tem papel relevante no

reconhecimento da ocorrência do próprio acidente de trabalho em eventual pedido judicial

de responsabilização do empregador.

Restabelecido plenamente o trabalhador, este retornará ao trabalho, recebendo

a alta previdenciária, devendo apresentar-se à empresa para retomada de sua atividade

laboral. Entretanto, constatada pela Perícia a incapacidade do trabalhador para a retomada

de suas atividades habituais, mantém-se o pagamento do benefício. Além da definição

quanto ao prosseguimento do pagamento do benefício, a avaliação deve dar conta da

questão de ser a incapacidade é parcial ou total, bem como da existência de sequelas

resultantes do acidente ou enfermidade.

Da mesma forma, se a perícia constatar a existência de sequelas, será avaliada

a necessidade do trabalhador submeter-se à reabilitação profissional.

1.2.3.2 Auxílio-acidente

Quando constadas do acidente sequelas que impliquem a redução da

capacidade laborativa habitual do trabalhador41, este tem direito a um auxílio-acidente42

previstos nos artigos 29 e 86 da Lei n. 8.213/91. Para fins de deferimento do auxílio-

acidente, nos termos do art. 104 do Decreto 3048/99, caracteriza-se tal redução quando a

lesão implique em uma das seguintes situações: a) maior esforço para o desempenho da

mesma atividade da época do acidente; b) impossibilidade do desempenho da atividade

que exercia à época do acidente, porém permitindo o desempenho de outra, após processo

de reabilitação profissional. Trata-se de uma indenização tarifada43, consistente de uma

renda mensal vitalícia no valor de 50% do salário-de- benefício. Por seu caráter

indenizatório, esse valor pode ser inferior ao salário mínimo, a despeito no contido no art.

41 Por habitual se compreende a última atividade laborativa desenvolvida pelo segurado, (tida como funçãode origem em relação à concessão do benefício), salvo se, peculiarmente, o segurado tenha desenvolvidooutro tipo de atividade laborativa durante praticamente toda a sua vida profissional (BILHALVA, 2007, p.476).42 Não se confundem auxílio-acidente com auxílio-doença acidentário: o primeiro é uma indenização pelaperda da capacidade para o trabalho; o segundo, uma indenização pelos salários do período em que otrabalhador ficou afastado por motivo da enfermidade.43 “A proteção previdenciária não é plena, mas tarifada pela Lei de Benefícios. Não cobre, por exemplo,lucros cessantes e danos emergentes. Não há imposição da recuperação do “status quo ante” (CASTRO;LAZZARI, 2012, p. 53).

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201 parágrafo 2º da Constituição44, já que o salário-de-benefício45 é que não pode ser

inferior ao salário mínimo46.

Tratando-se de parcela indenizatória – e não remuneratória-, a recuperação

parcial da capacidade produtiva não importa em redução do benefício, “pouco importando

se a redução do desempenho em exercer a atividade habitual venha a ser superada pelo

esforço próprio do trabalhador, por processo de reabilitação profissional ou por qualquer

outro tipo de cura ou recuperação” (BILHALVA, 2007, p. 497).

Também ocorre incapacidade parcial quando o trabalhador não é recuperável

para a atividade habitual, mas é suscetível de reabilitação para outra atividade laborativa.

Quando o trabalhador tiver mais de uma atividade concomitante e em apenas

uma ou em alguma delas for considerada incapaz sem possibilidade de recuperação, o

auxílio-acidente será pago indefinidamente, até o trabalhador se aposentar ou falecer.

Araújo e Rubin (2013, p. 85) constatam “certa relutância” do INSS em

determinar administrativamente a concessão do auxílio acidente. Especialmente em

sequelas menores e de funções de menor complexidade, há um tendência de negar o

benefício, o que acarreta sérias consequências para a vida do trabalhador. Na hipótese do

órgão previdenciário indevidamente recusar a concessão do auxílio-doença acidentário e

determinar o retorno prematuro do trabalhador, se criará uma injusta situação em que este

será devolvido ao mercado de trabalho, com déficit funcional permanente, sem qualquer

contrapartida do sistema, como se estivesse 100% apto para todo e qualquer trabalho.

1.2.3.3 Aposentadoria por invalidez

Tecnicamente, há de se diferenciar quatro formas de incapacidade:

uniprofissional (única e exclusivamente para aquela atividade laborativa que o segurado

habitualmente exercia); pauciprofissional (para poucas atividades laborativas);

pluriprofissional (para a maioria das atividades laborativas) e omniprofissional ou

invalidez (para toda e qualquer atividade laborativa). No caso das três primeiras, há

incapacidade parcial e pode ser necessária a reabilitação profissional. Somente no caso da

última, a incapacidade é total e a consequência é a aposentadora por invalidez. Nos

44 Art. 201, parágrafo 2º - Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento dotrabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.45 Salário-de-benefício é calculado com base no salário-de-contribuição e é utilizado para cálculo da rendamensal inicial, que é um percentual aplicado sobre o salário-de-benefício.46 TJRS, 10ª Câm.Cível. PRLF Nº 70052297199 2012/CÍVEL.

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demais casos, como se viu, o benefício previdenciário a ser concedido é o auxílio-

acidente.

A aposentadoria por invalidez é devida ao trabalhador quando este é

considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para atividades que lhe garantam a

subsistência e dependerá de exame médico-pericial a cargo da Previdência Social (Lei n.

8213/91, art. 42). A aposentadoria será concedida pelo reconhecimento da incapacidade

total e definitiva para o trabalho (Lei n. 8213/91, art. 43), ou seja, “uma situação que

impossibilita o segurado da previdência social de exercer atividade laborativa, ficando o

mesmo sem condições de garantir a sua mantença por meio do trabalho” (MUSSI, 2011).

A aposentadoria por invalidez, assim, também pode ser entendida como uma certificação

oficial de que o trabalhador não tem mais condições de manter-se por si só, com a

inevitável consequência do estigma social que tal fato acarreta.47 Assim, a aposentadoria

por invalidez não pode ser interpretada como um “benefício” concedido ao segurado –

nem um “direito” do incapacitado, mas a consequência incontornável de um infortúnio

que se abateu sobre o trabalhador.

O valor do benefício a ser pago ao trabalhador aposentado por invalidez é

calculado na base de 100% do salário de benefício (artigos 24 e 44 da Lei n. 8.213/91),

acrescido de 25% quando o aposentando tiver necessidade de assistência de outra pessoa

(art. 45). Tal benefício tem sempre caráter provisório, devendo o trabalhador se

apresentar para exames médicos periódicos para revisão até que complete 55 anos de

idade.

Há um incentivo ao trabalhador aposentado por invalidez para que retorne ao

trabalho, inclusive voluntariamente (artigos 46). A partir da edição da Súmula n. 160 do

Tribunal Superior do Trabalho (TST)48, dando nova interpretação ao art. 475 da CLT e do

art. 47 da Lei n. 8.213/91, prevaleceu o entendimento que o trabalhador tem direito a

retornar ao emprego, após cancelada a aposentadoria por invalidez, mesmo após cinco

anos, facultado, porém, ao empregador indenizá-lo na forma da lei. Superada, assim, a

Súmula 217 do STF49, que admitia a possibilidade de retorno do empregado somente

47 “O homem tem de ser capaz de viver e garantir o seu sustento por si mesmo e de forma mais adequada àsua natureza e destino: quer dizer, com o seu trabalho, e não com esmola e subsídio” (LEÑERO, Jose Perez.Ideario de la rehabilitación profesional de los inválidos”, p. 38, apud BILHALVA, 2007, p 471.48 Súmula 160 TST: “Cancelada a aposentadoria por invalidez, mesmo após 5 anos, o trabalhador terá direitode retornar ao emprego, facultado, porém, ao empregador, indenizá-lo na forma da lei.”49 Súmula 217 do STF: Tem direito de retornar ao emprego, ou ser indenizado em caso de recusado empregador, o aposentado que recupera a capacidade de trabalho dentro de cinco anos, a contarda aposentadoria, que se torna definitiva após esse prazo.

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dentro de cinco anos, entendendo que a aposentadoria por invalidez se tornava definitiva

após tal prazo.

Assim, verificada a recuperação da capacidade para o trabalho, cessa o

pagamento do benefício, de acordo com os seguintes critérios (art. 47):

I – ocorrendo a recuperação dentro do período de cinco anos, a contar do início daaposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que o antecedeu sem interrupção.

Nesse caso, o benefício cessará: - de imediato, para o empregado que tiver direito a retornar à função que

desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da legislação trabalhista, valendocomo documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela Previdência Social;

- após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-doença ou daaposentadoria por invalidez, nos demais casos, ou seja, quando o trabalhador não tiver direitoa retornar ao emprego;

II – quando a recuperação for parcial, ou ocorrer fora do período de cinco anosprevistos no inciso I, ou ainda quando o trabalhador for declarado apto para o exercício detrabalho diverso do que habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, da volta àatividade, nos seguintes percentuais:

- no valor integral (100%), durante seis meses contados da data em que for verificadaa recuperação da capacidade;

- com redução de 50% no período seguinte de seis meses;- com redução de 75%, também por igual período de seis meses, ao término do qual

cessará definitivamente.

Assim, nos primeiros cinco anos de percepção da aposentadoria, por invalidez,

em caso de retorno ao trabalho do aposentado (como no caso do acidentado do trabalho), o

benefício cessa de imediato. Porém, quando o trabalhador não tem esse direito assegurado,

terá direito a uma prorrogação do benefício por tantos meses quantos foi percebido o

benefício.

Se o aposentado retornou depois de cinco anos, se a capacidade foi recuperada

apenas parcialmente ou, ainda, se a reabilitação ocorreu para trabalho diverso do que

anteriormente ocupava, o benefício será mantido, integralmente, por seis meses; após esse

período, pago pela metade por outros seis meses; e pago no valor de um quarto por ainda

mais seis meses. Somente, então, será cancelado.

O legislador, assim, procura assegurar alguma segurança econômica ao

trabalhador que retorna de uma aposentadoria por invalidez, esperando que, ao cabo de um

tempo, este recupere integralmente sua capacidade de competir no mercado de trabalho.

A aposentadoria por invalidez nunca pode ser considerada definitiva, tendo em

conta o progresso da medicina e os avanços da reabilitação profissional (SOUZA, 2011, p.

109). Por isso, o art. 42 da Lei n. 8213/91 claramente menciona a transitoriedade da

incapacidade e da transitoriedade da reabilitação e, assim, a provisoriedade do pagamento

do benefício.

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Como se deduz das hipóteses do art. 47, o pagamento continuado da

aposentadoria cessa imediatamente quando o trabalhador se recupera totalmente dentro de

um período de cinco anos do início do pagamento do benefício previdenciário (auxílio-

doença ou aposentadoria por invalidez) percebido sem interrupção.

1.2.4 O processo de reabilitação profissional

1.2.4.1 A constatação da incapacidade e a reabilitação 50

Há um grande número de casos em que a reabilitação profissional é

improvável, devido ao grau de deficiência adquirida, sendo considerados “não elegíveis”

para a reabilitação; em outros casos, a dificuldade de reinserção no mercado laborar

decorre do baixo nível de escolaridade do reabilitando. Em tais situações, não resta outra

opção a esses trabalhadores que não a da aposentadoria por invalidez.

O processo de reinserção do reabilitando é complexo51 e exige uma abordagem

multidisciplinar e abrangente, com o objetivo de a “construção de um contexto inclusivo

de trabalho” que compreende tanto serviços de apoio ao reabilitando como ações dirigidas

à sociedade, destinadas à eliminar as barreiras sociais e físicas no ambiente e no local de

trabalho (BUENO, 1993).

Há grande queixas de que a Previdência Social recusa o processo de

reabilitação a muitos trabalhadores que o necessitariam. Conforme Rossal e Rubin,

“tem-se como evidente no Brasil que o INSS não vem cumprindo a contento a determinaçãolegal, não existindo uma clara orientação para que nas perícias de rotina, prorrogadoras debenefício de auxílio-doença, se encaminhe à reabilitação profissional toda uma gama desegurados que se enquadra nas disposições do art. 62 da Lei n. 8.213/91 c/c art. 137 doDecreto n. 3048/99.” (ARAÚJO; RUBIN, 2012, p. 93)

O fato se reveste de gravidade, já que, em tais casos, a perda da capacidade

laborativa é permanente, não haverá plena recuperação e o passar do tempo dificulta ainda

mais a reinserção laboral. Conforme os autores citados, há casos que o trabalhador

permanece em auxílio-doença comum por longuíssimo tempo (às vezes, por quatro, cinco

50 Ver figura 2, em anexo.51 “A reintegração dos trabalhadores que se encontram parcialmente incapacitados, por motivo de doença ouacidente, é um processo complexo que depende do padrão de interação entre as várias instâncias:trabalhador, INSS, empresa e família”. (CESTARI; CARLOTTO, 2012, p. 93-115).

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ou mais anos), só fazendo tratamento clínico ou fisioterápico, sem o devido

encaminhamento técnico pela estrutura previdenciária.52

O INSS também não reconhece a existência de incapacidade em muitos casos

em que, apesar da menor gravidade da lesão, esta inviabiliza a reinserção do empregado

na função que ocupava. É o caso, por exemplo, de trabalhadores com LER/DORT de

menor gravidade (níveis 1 e 2), somente determinando a reabilitação em casos mais graves

(nível 3) (LOPES, 2005, p. 104).

Nesses casos, há uma clara insuficiência na compreensão do órgão

previdenciário quanto às reais condições de reinserção laborativa do trabalhador. Tal

limitação na avaliação clínica também se estende à avaliação das dificuldades psicológicas

e sociais da sua reinserção no mercado laboral.

Nesse sentido, o atual processo de reabilitação está muito aquém do que se

poderia ou deveria esperar. Pois, exatamente no momento difícil da recuperação do

trabalhador, em que se exige deste um grande esforço de adaptação e força de vontade

para retomada de um novo ciclo existencial produtivo, é razoável entender que cabe aos

órgãos públicos dispor de estrutura material e pessoal adequadas para, rapidamente,

reconhecer tais necessidades e, prontamente, colocar seus recursos à disposição da melhor

reabilitação profissional possível, em benefício do trabalhador e, também, da sociedade.

Idealmente, ao se propor ao reabilitando a aceitação de um novo horizonte

profissional, adequado à sua nova condição laboral, há de se fazer, dessa encruzilhada

existencial, um momento de descoberta e de tomada de consciência, de autoconhecimento

e de esperança, fornecendo-lhe um amplo leque de possibilidades, dando-lhe o apoio

necessário para a decisão que será adotada. Conforme Carla Leite Ribeiro Bueno:

“A reabilitação profissional promove a descoberta do mundo do trabalho e a tomada dedecisão em relação à vida profissional para cada pessoa envolvida no programa. Descobrir omundo do trabalho significa conhecer as opções profissionais, profissões e funções existentes;conhecer as normas que regem este mundo do trabalho e aprender a lidar com estas normas;desenvolver o comportamento profissional, hábitos e atitudes no trabalho”. (BUENO, 1993).

Por isso, a responsabilidade das equipes multiprofissionais é ampla e abrange

tanto aspectos médicos como socioprofissionais. Conforme Hélio Gustavo Alves (2015, p.

84-85), são duas as etapas que compõem as funções das equipes multiprofissionais:

funções médicas (avaliação de perdas e restrições funcionais físicas; definição de

potencialidades, habilidades e prognóstico de retorno ao trabalho; identificação da

necessidade de reabilitação profissional; solicitação de exames e pareceres especializados,

52 Citam os autores, como exemplo, jurisprudência do TJRS, 9ª Cam Cível, ARN 70035347798, Rel. TassoCauby Soares Delabary, julg. Em 21/7/2010).

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bem como prescrição de próteses e órteses e análise da adequação do posto de trabalho à

saúde do trabalhador) e funções socioprofissionais (avaliação de perdas e restrições

funcionais, escolaridade, faixa etária, experiências profissionais, vínculos empregatícios e

mercado de trabalho; definição de potencialidades, habilidades e prognóstico de retorno ao

trabalho; busca de condições para a readaptação do trabalhador na empresa de vínculo ou

orientação para a escolha consciente de nova função/atividade; encaminhamento para a

preparação profissional; acompanhamento do programa de reabilitação e realização de

pesquisa de fixação).

No entanto, ao contrário do que ocorre na avaliação dos benefícios

previdenciários das pessoas com deficiência53, a avaliação prevista no INSS se limita a

uma análise de cunho objetivista, de avaliação do “potencial laborativo” do trabalhador,

com vistas a proporcionar-lhe os meios de adaptação às funções compatíveis com suas

limitações (Decreto n. 3048/99, artigo 137, incisos I). Escapam da análise os aspectos

sociais tão ou mais limitativos do que os aspectos biomédicos na efetiva reinserção laboral

do trabalhador.

Constatado pelo órgão previdenciário que o trabalhador não é suscetível de

recuperação para sua atividade habitual54, este é encaminhado ao processo de reabilitação

profissional, mantendo-se o benefício até que o trabalhador seja considerado habilitado ou

se aposente por invalidez (Lei n. 8213/91, art. 62). O encaminhamento para a reabilitação

também pode ser, além dos órgãos periciais e do Serviço Social do INSS, pelas empresas,

pelas entidades sindicais e pelo órgãos e instituições que firmaram convênio e/ou acordo

de cooperação técnico-financeira.

Em caso de convênio, o INSS poderia colaborar, inclusive, para a

complementação das instalações e equipamentos das entidades de habilitação e

reabilitação profissional ou fornecer outros meios para a melhoria do padrão de

atendimento aos beneficiários (ALVES, 2015, p. 81).

O objetivo do processo de reabilitação é a adaptação do trabalhador a uma

nova profissão, de forma que este possa voltar ao mercado de trabalho, deixando de

receber o benefício.

53 Como se verá mais adiante, item 1.3.2.1.

54 A lei não define critérios mais claros do que se entende por “incapacidade insusceptível de recuperação daatividade habitual”, deixando margem ao alto grau de subjetividade do Perito, conforme crítica de ÂngeloFerreira (2009).

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O treinamento para a reabilitação profissional pode ser feito, tanto em

empresas como em oficinas protegidas55 que simulem as condições de trabalho em um

ambiente real. Entretanto, em geral, os convênios para esse tipo de treinamento priorizam

mais empresas que necessitam cumprir a cota de pessoas com deficiência e não tanto as

que efetivamente disponham de condições adequadas para levar a cabo eficientemente o

processo de reabilitação do trabalhador, como determina o Decreto n. 3048/99, art. 137,

parágrafo 1º (ALVES, 2015, p. 81).

Em geral, o processo de reabilitação deve ser feito na localidade de residência

do trabalhador (ou “no contexto em que vive”, na forma do art. 89, “caput” da Lei n.

8213/91), de forma a não afastá-lo da família e da sociedade na qual se insere, sob pena

de, ao invés de preservar sua dignidade, macular a integridade do reabilitando

(BILHALVA, 2007, p. 485).

Além disso, por diversas razões, a reabilitação deveria ser, preferencialmente,

realizada, o mais breve possível, no mesmo ambiente de trabalho ocupado anteriormente

pelo trabalhador: menor o tempo de angústia e incerteza do trabalhador; mais fácil será

sua reinserção no ambiente da empresa; menos desatualizado em termos de atualização de

técnicas e rotinas de produção; menores os custos do processo de reabilitação.

Porém, o treinamento através de subcontratos (especialmente quando

intermediados com Centros de Reabilitação Profissional) oferece algumas vantagens, em

especial porque define os parâmetros de qualidade e produtividade que são utilizados

como critério para avaliação do nível de competitividade de cada trabalhador em

treinamento, bem como medida da elegibilidade do emprego (BUENO, 1993).

A avaliação na reabilitação profissional, até 2010, deveria ser procedida por

uma equipe multiprofissional, encarregada de, além de mensurar a capacidade laborativa

residual do trabalhador; autorizar, se necessário, a aquisição de órteses, próteses e

instrumentais de trabalho e estabelecer um roteiro de treinamento do trabalhador para uma

nova função; pesquisar o mercado, em um prognóstico quanto ao potencial de

empregabilidade do avaliando; orientar e acompanhar sua programação profissional, bem

como promover articulação com a comunidade projetos de reabilitação profissional. De

preferência, o trabalhador deveria ser encaminhado ao Centro de Reabilitação Profissional

(CRP) (BARROS JR., 2012, p. 67) ou para uma empresa ou instituição conveniada, com

55 Oficina protegida de produção é a unidade que funciona em relação de dependência com entidade públicaou beneficente de assistência social, que tem por objetivo desenvolver programa de habilitação profissionalpara adolescentes e adultos portadores de deficiência, provendo o com trabalho remunerado, com vista àemancipação econômica e pessoal relativa (art. 35, § 4º, do Decreto nº 3.298/99).

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capacidade de promover uma ampla assistência ao reabilitando tornando possível sua

reinserção laboral e social, sob acompanhamento e supervisão da Previdência Social.

Entretanto, a partir dos anos 90, em função da já referida política de

transferência de responsabilidades, os CRPs foram completamente desativados e a

reabilitação passou a ser, em sua maioria, delegada às empresas, mesmo com “fortes

indícios de que ela não ocorreria de fato” (MAENO; VILELA, 2010, p. 92).

Assim, com a IN 45/2010, verificou-se, além do desmonte das equipes

multidisciplinares e da delegação da reabilitação profissional às empresas, a limitação do

acompanhamento e assistência do reabilitado no processo de reinserção laboral à mera

orientação. Em relação a esse ponto, introduziu-se a figura do “orientador profissional”,

como se o dever do Estado com a inserção social e profissional do trabalhador se

resumisse a mero aconselhamento. Conforme Maeno e Vilela:

“Muitos desses orientadores profissionais não tem familiaridade com o mundo do trabalho reale com as suas exigências. Seus procedimentos restringem-se à homologação de um processoprecário de readaptação que não fica sob a coordenação geral do INSS, mas sim a cargo daempresa de vínculo, com pouca interferência do Estado. Não há sequer um programa dereabilitação profissional para cada caso. Com frequência, seus procedimentos restringem-se aentrevistar o reabilitando e a encaminhá-lo à perícia do órgão, solicitando à empresa devínculo informações sobre o cargo a lhe ser oferecido. Sem uma avaliação criteriosa daatividade laboral oferecida pela empresa, promove-se um estágio que, cumprido de algumaforma, resulta na homologação da reabilitação do segurado, independentemente das condiçõesreais de efetiva reinserção no ambiente de trabalho” (MAENO; VILELA, 2010, p. 91).

Alentador que, recentemente, o INSS, oficialmente assumindo as críticas ao

modelo de reabilitação profissional,56 tem alterado em certo sentido o rumo da política até

então assumida, tendo editado a Instrução Normativa 77/2015, que promove algumas

mudanças significativas.

A principal diz respeito ao atendimento aos reabilitandos, que, até então, era

realizado de forma descentralizada e apenas “preferencialmente” nas Agências de

Previdência Social (APS)57; agora, nos termos da nova Instrução Normativa, tal

atendimento “funcionará” necessariamente nas APS, o que indica a Previdência Social não

pode mais delegar sua responsabilidade para a reabilitação profissional para terceiros a

pretexto de “atendimento descentralizado". Ou seja, ainda que o órgão previdenciário

atribua a terceiros a tarefa de reabilitação profissional, não pode deixar de acompanhar e

supervisionar todo o processo. Em segundo lugar, reverte-se a tendência de desmonte das

56 Conforme documento de 2013, o INSS admite as críticas de que a reabilitação profissional falta aoatendimento à saúde dos trabalhadores e tem um modelo reducionista de avaliação da incapacidade (INSS.2013).

57 IN 77/2015, artigo 401, que alterou o artigo 388 da IN 45/2010.

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equipes multidisciplinares de atendimento prestado pelas APS, substituindo-se expressão

“por equipes técnicas constituídas por peritos médicos e por servidores de nível superior”

por “equipes multiprofissionais”.

Há de se esperar que tais determinações sejam efetivamente cumpridas.

Atualmente, apesar da clareza da norma, atualmente as unidades de atendimento à

reabilitação profissional resumem-se a um perito-médico e um orientador profissional

(WÜNSCH, 2013).

Outro ponto a ser destacado o art. 404 da IN 77/2105, que introduz um

parágrafo único ao art. 370 da IN 45/2010, pelo qual “todas as modalidades previstas neste

artigo deverão ser monitoradas pela equipe de Reabilitação Profissional”, o que, ao menos

em tese, indica que a Previdência Social não pode mais deixar de interessar-se pelo

resultado da reabilitação profissional, delegando suas responsabilidades a terceiros, como

parecia admitir a normatividade anterior.

Até o advento do Decreto-lei n. 66 de 1966, que deu nova redação ao art. 24

da Lei n. 3807/60 (LOPS), era assegurada a plena reabilitação profissional, ou seja, a

percepção de auxílio-doença até o momento em que houvesse a efetiva recolocação

profissional ou o emprego do reabilitando, conforme revogada redação do art. 171, alínea

“g”, inciso I do Decreto n. 48.959/60.58 A partir daí, passou-se a admitir que o benefício

previdenciário cessasse no momento em que o órgão previdenciário considere que o

reabilitando está apto para o exercício de qualquer atividade que lhe garanta a subsistência

– mesmo quando tal não ocorre na prática.

Tal situação criou o paradoxo da “reabilitação incompleta”, nome dado por

Jaqueline Michels Bilhalva (BILHALVA, 2007, p. 494) para o estado de desamparo do

trabalhador que, não efetivamente reabilitado de modo a regressar competitivamente no

mercado laboral, recebe da Previdência Social uma “certificação de reabilitado”. Trata-se

de uma mera declaração escrita formal que pouco lhe serve para obter um emprego ou

uma ocupação adequada no, em geral, altamente competitivo mercado laboral. Diante

dessa situação, consideravelmente mais destrei, a referida autora sustenta ser possível

questionar a constitucionalidade de tal alteração normativa por violação do princípio de

“proibição do retrocesso” (BILHALVA, 2007, p. 491).

58 Art. 171. A prestação da reabilitação profissional será realizada pelas instituições, de acordo com asnormas gerais que forem expedidas pelo Departamento Nacional da Previdência Social, com a audiência doConselho de Medicina da Previdência Social e a participação das instituições de previdência social, as quaisobedecerão, entre outras, às seguintes bases técnico-administrativas:

g) acompanhamento do caso até a plena reabilitação profissional;

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1.2.4.2 O difícil retorno ao mercado de trabalho e o inexistenteacompanhamento da reinserção laboral do trabalhador 59

A reabilitação ocorre quando há incapacidade laborativa para a atividade

habitualmente exercida – mas há capacidade para outra função -, estando as lesões já

consolidadas60, ou seja, não-agraváveis. Ao final do afastamento previdenciário,

constando-se a aptidão do trabalhador para nova profissão, este volta ao mercado de

trabalho, deixando de receber o benefício previdenciário. Pode-se pensar que, considerada

o trauma ocorrido e as dificuldades intrínsecas de retorno ao trabalho, o processo de

reabilitação profissional seja sempre indispensável, mesmo que seja simples certificação

de uma perfeita adaptação do trabalho a sua nova condição laboral.

Há de se diferenciar reabilitação e readaptação. Ambos os procedimentos

ocorrem quando há o comprometimento parcial da saúde física e/ou psíquica do

trabalhador para as atividades relativas suas atividades habituais. Porém a readaptação

profissional visa tornar o indivíduo apto a retornar às atividades habituais, proporcionando

meios de adaptação à(s) função(ões) compatível(eis) com suas limitações. Já a reabilitação

profissional compreende, além de readaptação, toda a assistência educativa e reeducativa

necessária para o reingresso de incapacitado no mercado de trabalho e no contexto em que

vivem (SUS, 2012). A reabilitação profissional compreende, ainda, a correção do posto de

trabalho, à assistência à recuperação e capacitação do trabalhador e, também, eventual

treinamento às atividades profissionais (SAMPAIO, 2005, p. 31).

Um processo efetivo de reabilitação profissional não pode se limitar à mera

adaptação do trabalhador a um posto de trabalho, ainda que este seja adequado a sua

capacidade. Deve haver, também, um processo de reeducação do trabalhador para que

assuma competentemente sua nova atividade, procedimento que envolve, além do

treinamento, a assistência, a motivação, a qualificação profissional, a conscientização

franca e objetiva de suas potencialidades e suas dificuldades em seu futuro profissional.

Além disso, a adaptação deve ter a preocupação ergonômica de, tanto quanto for possível,

adequar o posto de trabalho ao trabalhador – e não o contrário -, de forma a propiciar o

bem-estar no ambiente de trabalho e facilitar sua reinserção laboral.

As dificuldades de colocação em um mercado de trabalho, por si só altamente

competitivo, são consideravelmente maiores para o reabilitado, constituindo-se em óbices

59 Ver figuras 3 e 4, em anexo.

60 “As lesões são consideradas consolidadas quando o quadro clínico está estabelecido, não havendopossibilidade de se agravarem ou melhorarem os sinas ou sintomas por si só, ainda que necessitem detratamento posterior” (BARROS JR., 2012, p. 115).

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para uma reinserção exitosa. São muitos os obstáculos para o emprego enfrentados no

dia-a-dia por pessoas com deficiência e incapacitados profissionais, que vão desde a falta

de transporte adaptado ao desconhecimento das deficiências e doenças por parte da

população em geral (FERREIRA, 2009).

Uma parte de tais obstáculos decorre objetivamente da perda da capacidade

laboral do trabalhador e de sua possível menor produtividade em relação à dos demais

trabalhadores. Tal defasagem será, provavelmente, maior relativamente quanto menor for

o nível de instrução do reabilitando. Assim, parece bastante plausível que, a par da

obrigação de empregar/manter o emprego de trabalhadores reabilitados, o empregador

seja incentivado financeiramente à manutenção do emprego de trabalhadores

reabilitados. Tal incentivo poderia ser feito deduzido do cota patronal da contribuição

previdenciária e teria como justificativa a de compensação dos possíveis prejuízos com a

contratação de trabalhadores, ao menos em tese, menos produtivos.

Entretanto, uma parte também importante dos obstáculos na reinserção do

trabalhador reabilitado decorre, não de fatores reais, mas de visões equivocadas, fruto do

preconceito contra o trabalhador que adoeceu ou sofreu um acidente de trabalho e que, em

função disso, tem sequelas que requerem sua readaptação funcional. A deficiência ou a

redução da capacidade laboral pode dar origem a situações de discriminação que exigem a

adoção de ações e medidas que melhorem substancialmente a situação desses

trabalhadores (FERREIRA, 2009).

Como conceito constitucional de discriminação, a definição de Roger Raupp

Rios (2008, p. 20), como sendo

“qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha o propósito ou o efeito deanular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitoshumanos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou qualquercampo da vida pública”.

No ambiente laboral, o preconceito toma forma do estigma do “trabalhador

bichado”, ou seja, a ideia de que se trata de um trabalhador irremediavelmente inapto e que não

mais poderá apresentar um desempenho profissional satisfatório. Conforme pesquisa realizada

em 1980, na cidade de Bauru (BUENO, 1993), para verificar a atitude do empregador com

relação à contratação de pessoas com deficiência, as justificativas apresentadas para a não-

admissão foram calcadas em uma visão preconceituosa em relação ao potencial laborativo

destes trabalhadores. Assim, entre as respostas mais frequentes, estavam as de que pessoas com

deficiência produzem menos; apresentam maior índice de absenteísmo; criam uma imagem

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negativa para a empresa; apresentam “risco de contágio”; são mais suscetíveis de sofrer

acidentes e gerar altos custos para a empresa; exigem adaptações no local de trabalho

excessivamente dispendiosas; “tiram o emprego” de pessoas sem deficiência

No retorno do trabalhador reabilitado constatam-se os mesmos preconceitos que

aparecem quando da contratação de pessoas com deficiência. Não raro, trabalhadores com

restrições passam a ser “cidadãos de segunda classe” nos locais de trabalho (MAENO;

VILELA, 2010, p. 92). Em um contexto de uma sociedade capitalista, por si só desigual, o

estigma do incapacitado torna-se instrumento de ampliação da desigualdade, de maior

exploração do trabalho e de exclusão do trabalhador (MACHADO; DORNELLES, 2007, p.

123).

A visão preconceituosa não se restringe ao empregador, mas, muitas vezes, é

compartilhada pelos colegas, pela comunidade e, mesmo, por familiares. Como bem aponta

Lopes (2005, p. 112), a perda incomensurável representada pela perda da capacidade laboral

exige que se encontrem saídas de auxílio e medidas de reabilitação que devem envolver toda a

sociedade. Trata-se de um desafio à toda a sociedade, o de provocar uma mudança do ponto de

vista sociocultural (FERREIRA, 2009). Para tanto, a realização de campanhas de

conscientização com a participação de entidades engajadas na promoção e defesa dos direitos

de pessoas com deficiência e incapacitados podem ser importantes instrumentos para superação

do estigma que recai sobre esse coletivo de trabalhadores.

Por outro lado, o retorno ao trabalho, em função diversa da que

desempenhava, por si só, representa um quebra na autoestima do trabalhador, pela perda

de uma posição profissional que possuía e que constituía parte de sua identidade e de uma

história da qual se orgulhava (BREGALDA; LOPES, 2011, p. 255). A reabilitação

profissional, assim, passa também como um desafio de superação ao trabalhador, de

aceitação de sua nova condição laboral. Depois de um período de afastamento, há sempre

um recomeço, um novo “modus operandi”, decorrente de atuação de um outro papel

profissional, adaptado a novas atribuições: há limites que devem ser incorporados e

aceitos, novas relações interpessoais e intergrupais que se estabelecem do novo átomo

social instituído (gerências, colegas de trabalho, a organização, a equipe, entre outros)

(SCHMIDT; BARBOSA. 2014).

Em teoria, o retorno às atividades laborativas deveria se dar em ambiente e

função adequados, sem risco de reexposição às mesmas condições de trabalho que

vitimaram o trabalhador. Para tanto, de fundamental importância o acompanhamento do

programa de reabilitação profissional, para que seja analisado se está ou não havendo uma

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melhora da incapacidade/enfermidade do reabilitado na função disponibilizada (ALVES,

2014, p. 84). Assim, o acompanhamento previsto no inciso IV do art. 137 do Decreto

3048/9961 não pode ser interpretado como uma mera função estatística, pois “fixar o

trabalhador no mercado não é lhe arranjar uma colocação qualquer” (GONÇALVES;

GONÇALVES, 2010).

Ainda em tese, a reabilitação deve ser a mais rápida possível.62 Uma das

maiores dificuldades para a reinserção do trabalhador no anterior ambiente laboral é a

existência de uma distância temporal, tecnológica e organizacional a ser superada:

“O afastamento do trabalhador em decorrência de lesões por acidente ou por doençasocupacionais expõe o trabalhador a constrangimentos de ordem pessoal pelas limitaçõesfísicas, decorrentes de lesão, psicológicas, pelo trauma sofrido, e de ordem social, por excluí-lo (mesmo que temporariamente) do trabalho. Esses constrangimentos são agravados, quandode seu trabalho após o processo de reabilitação, por mudanças ocorridas nos processos deprodução ou na organização. Assim, o deslocamento entre as expectativas do trabalhador e anova realidade do ambiente de trabalho dever ser tanto maior quanto for o tempo deafastamento” (SIMONELLI, 2010, p. 73).

Teoricamente, o melhor cenário é aquele em que o trabalhador utilizasse esse

momento dramático de sua vida para habilitar-se em uma profissão melhor remunerada,

através de cursos de capacitação que lhe dessem uma melhor condição de competir no

mercado de trabalho. Entretanto, a prática demonstra grande dificuldade de atingir tal

desiderato, tendo em conta a baixa instrução de grande parte dos reabilitandos63.

Na maior parte dos casos, durante a reabilitação, o trabalhador está com seu

contrato de trabalho suspenso e, concedida a alta, retorna ao emprego anterior, devendo a

empresa recebê-lo e submetê-lo a um processo de recolocação em função distinta da que

habitualmente desempenhava na empresa.

Ao contrário do que ocorre em outros países, por exemplo, Portugal, onde o

Código de Processo do Trabalho, art. 4464, expressamente prevê a responsabilidade da

empresa pela reabilitação profissional, não há norma expressa a esse respeito, ainda que se

possa deduzir que tal responsabilidade do próprio contrato de trabalho e do dever patronal

de proteção do trabalhador contra os riscos da atividade produtiva.

61 Art.137. O processo de habilitação e de reabilitação profissional do beneficiário será desenvolvido pormeio das funções básicas de: (...)IV - acompanhamento e pesquisa da fixação no mercado de trabalho.62 A reabilitação profissional deveria ser realizada no menor tempo possível para evitar efeitos práticos esimbólicos do seu desligamento do mundo do trabalho. (MUELLER, J.L. Returning to work through jobaccommodation. AAOHN Journal, v. 47, n.3, p. 120-131, 1999 apud BERNANDO, 2006, p. 26).63 Um estudo sobre a relação entre reinserção profissional de acidentados e baixa escolaridade com base empesquisa realizada nas Varas do Trabalho de Salvador – Bahia em NERY, 2014. 64 Código de Processo do Trabalho de Portugal; Art. 44, I – O empregador deve assegurar a reabilitação profissional do trabalhador e a adaptação do posto de trabalho que sejam necessárias ao exercício das funções (PGDL, 2015).

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Na impossibilidade de retornar à sua atividade laboral de origem, cabe à

empresa a recolocação do trabalhador, oferecendo-lhe uma variedade de postos de

trabalho, dando-lhe o acolhimento apropriado, promovendo as mudanças necessárias nos

vários aspectos do trabalho, tudo dentro de uma política e de um programa definidos com

o objetivo de se ampliar as suas possibilidades de reinserção (MAENO; VILELA, 2010, p.

94).

Ao desenvolver tais políticas, a empresa não pode agir seguindo apenas seus

interesses exclusivos, já que está, por delegação do órgão previdenciário, a promover um

processo de reabilitação profissional de relevante interesse público, que deve ser

desenvolvido de forma acordada entre reabilitando, empresa, demais trabalhadores e

órgãos governamentais.

Embora a preferência seja para reabilitação em “empregos competitivos”, ou

seja, sem nenhuma adaptação relacionada à deficiência (como é recomendado pela

Convenção 159 da OIT, art. 3º), a reabilitação, em geral, necessita de alguma adaptação

do emprego a ser realizada pela empresa. A lei não apresenta qualquer parâmetro para

a definição a respeito da obrigação do empregador em realizar tais alterações, nem

quando tais modificações, por serem excessivamente onerosas para o empregador,

deixam de ser exigíveis pelo empregado. Tampouco se prevê qualquer compensação

pecuniária ao empregador aos custos de adaptação do posto de trabalho.

Compete ao médico da empresa declarar a capacidade do trabalhador para

reassumir seu posto de trabalho ou indicar as modificações necessárias para seu

reaproveitamento na empresa (readaptação). Poderá ocorrer de o reaproveitamento

somente ser possível em função completamente diversa, implicando uma modificação de

condição essencial ao contrato de trabalho. Em tais casos, é recomendável que tal

alteração contratual seja feita não apenas com a expressa anuência do empregado, mas

também com ciência do sindicato profissional (MARTINEZ, 2002, p. 139).

A inevitável mudança de função do trabalhador reabilitado deve, tanto quanto

for possível, manter o nível profissional do trabalho. Entretanto, é curial que o trabalhador

reabilitado, como o trabalhador com deficiência, provavelmente terão uma produtividade

inferior da dos demais trabalhadores. Como se viu anteriormente (item 1.1.3), no direito

comparado, tal questão foi resolvida com um subsídio à empresa para compensação pela

perda de produtividade. Em comparação com o previsto no ordenamento jurídico de

outros países, são reduzidos os incentivos à empresa para cumprir a cota de emprego

de pessoas com deficiência ou reabilitados.

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Na forma do art. 471 da CLT, o empregado afastado tem assegurado, quando

de sua volta, todas as vantagens que, em sua ausência, tenham sido deferidas à categoria a

que pertencia na empresa. Mesmo o aposentado por invalidez que tenha sua aposentadoria

cancelada por recuperação da capacidade de trabalho tem assegurado o direito à função

que ocupava ao tempo da aposentadoria (art. 475, parágrafo 1º, CLT).

Queixam-se os empregadores que a volta do trabalhador reabilitado pode ter

repercussões negativas no ambiente de trabalho. Do ponto de vista do gerenciamento de

pessoal, a situação pode, de fato, tornar-se incômoda para o empregador. O trabalhador

tem direito à percepção do mesmo salário, ainda que o cargo designado tenha um padrão

remuneratório inferior.65 Pode haver o descontentamento dos demais trabalhadores que,

desempenhando a mesma função, recebam salários menores. De qualquer sorte, não há

dúvidas quanto à legalidade do procedimento empresarial, de manter, a despeito do

contido no art. 461 da CLT, trabalhadores exercendo a mesma função com salários

diferentes, tendo em conta o contido no parágrafo 4º do mesmo artigo:

Art. 461 - Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmoempregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo,nacionalidade ou idade:(...)§ 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mentalatestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins deequiparação salarial.

Até recentemente, se entendia pela possibilidade de redução salarial do

trabalhador retornado quando este, trocando de função ou profissão, tivesse renda

equivalente ao salário anterior somando-se o novo salário e o auxílio-acidente. Entendia-

se que o trabalhador não poderia alegar a inalterabilidade das condições contratuais

previstas no art. 468 da CLT. Nesse sentido, a Portaria M.T.E. n. 3046/72, que

regulamentava o artigo 118 da Lei n. 8213/91, na sua antiga redação66:

1- É permitido ao empregador alterar o contrato de trabalho, trocando a função ouprofissão do empregado acidentado por outra para a qual tenha sido o referido empregadoreadaptado através de programa de reabilitação profissional, levado a efeito pelo InstitutoNacional de Previdência Social.

2- Fica estabelecido que a troca de função ou profissão só poderá ser feita por outrade nível inferior, quando o valor da remuneração, atribuído a essa função ou profissão somadoao auxílio-acidente, fixado pelo Serviço Atuarial do Ministério do Trabalho e Previdência

65 Hélio Gustavo Alves considera essa possibilidade “absurda”, porque, ainda que preserve o nível salarialdo trabalhador em um primeiro momento, na verdade o prejudica irreparavelmente em caso de despedida,pois, em novo emprego, terá de se submeter ao padrão salarial de mercado (ALVES, 2015, p. 72).66 Art. 118, parágrafo único (antiga redação): “O segurado reabilitado poderá ter remuneração menor do que a da época do acidente, desde que compensada pelo valor do auxílio-acidente, referido no § 1º do art. 86 desta lei”.

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Social, resultar em renda total não inferior àquela que o referido empregado recebia antes doacidente.

Porém, a partir da Lei n. 9093/95, que revogou o parágrafo único do art. 118

da Lei n. 8213/91, o valor do auxílio-acidente não pode mais ser descontado do salário

pago pelo empregador ao empregado, entendendo-se o auxílio-acidente não tem natureza

substitutiva do salário, nem natureza alimentar, revestindo-se de natureza indenizatória

(sendo devido em virtude dos danos causados ao trabalhador) (BILHALVA, 2007, p.

495). Assim, o salário do trabalhador não pode ser descontado porque tal redução afronta

a garantia de irredutibilidade salarial prevista no inciso VI do artigo 7º da Constituição.

Em geral, as empresas consideram o retorno do trabalhador como um encargo,

a ponto de cogitarem, como primeira medida a ser adotada, a orientação ao empregado

para recorrer administrativamente da cessação do pagamento do benefício em virtude do

fim da reabilitação ou, elas mesmas, tomam essa providência, Além disso, o mais provável

é que a vaga do reabilitado não mais exista, pois já preenchida por um substituto, sendo a

despedida do trabalhador reabilitado, uma das opções que, lamentavelmente, o

empregador, na prática, lança mão, ainda que com risco das consequências de uma

sentença trabalhista que decrete a nulidade da despedida (MARTINEZ, 2002, p. 138-9).

Como bem apontam Maeno e Vilela (2010, p. 95), para que haja real

reabilitação, “é fundamental que haja uma relação de confiança entre o reabilitando, a

equipe de reabilitação profissional e a empresa, além de uma relação trabalhista por tempo

prolongado”, pois se assim não for, “fácil compreender que, se as possibilidades de

demissão forem grandes, a busca de uma aposentadoria por invalidez passa a ser uma

alternativa, mesmo que inicialmente não desejada pelo trabalhador”.

As visitas de equipes do programa de reabilitação profissional aos postos de

trabalho são “pontuais e restritas aos casos de sistemática resistência no retorno ao

trabalho”, constando-se uma fragilidade estrutural para negociar novos postos de trabalho

com as empresas (desconhecimento dos riscos existentes no ambiente, no processo de

trabalho e nas relações de trabalho), do que resulta um baixo nível de fixação dos

trabalhadores nas novas funções e na ineficácia da reabilitação profissional (SIMONELLI,

2010, p. 67).

O Ministério do Trabalho e Emprego não tem qualquer participação na

conferência da compatibilidade da nova função com as condições originais do

contrato de trabalho do trabalhador, o que representa uma grande responsabilidade das

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equipes responsáveis pela reabilitação profissional ao concluir uma certificação

(SIMONELLI, 2010, p. 66).

Uma das consequências dessa omissão é o não-conhecimento das reais

condições de trabalho que vitimam os trabalhadores em acidentes de trabalho e doenças

ocupacional, o que dificulta sobremaneira a implementação de políticas de prevenção.

Poder-se-ia pensar em uma articulação dos programas de reabilitação profissional, não

apenas com o Ministério do Trabalho, mas também o acompanhamento pelas Comissões

de Acidentes de Trabalho (CIPAs) das empresas e com os sindicatos de trabalhadores

como um interessante fator de prevenção dos infortúnios laborais.

Além disso, não basta apenas a colocação no emprego, sendo imprescindível

para o sucesso de um emprego competitivo que haja também treinamento e capacitação

no local de trabalho, avaliação contínua e acompanhamento para a retenção do

emprego.67

O estabelecimento de um ambiente estável e com perspectivas de sucesso

profissional é indispensável para recuperar a autoestima e infundir a confiança necessárias

para superar o trauma e dissipar as dúvidas criadas por um episódico traumático que

interrompeu a trajetória profissional do trabalhador e reduziu-lhe a capacidade laboral.

Assim, não há boas perspectivas de efetiva reinserção laboral em emprego que não

assegura um mínimo de garantia de emprego por um tempo razoável.

Prevê-se a garantia de emprego, por um ano, do trabalhador vítima de acidente

do trabalho ou doença profissional (art. 118 da Lei n. 8.213/9168). A lei menciona que a

garantia inicia após o término do auxílio-doença acidentário, o que tem levado à

jurisprudência a não admitir estabilidade em casos de acidentes de trabalho que não levam

à percepção do benefício previdenciário, que somente é concedido após um prazo mínimo

de quinze dias de afastamento do trabalho – período que o empregador deve pagar pelos

dias parados.69 Não há estabilidade quando a doença não é ocupacional, ou seja, não

tem relação com o ambiente laboral e o benefício não é acidentário. No caso de

67 Estes são os componentes necessários para um emprego apoiado, segundo Wehman e Moon (WehmanPaul e Moon. M. Sherril, Vocational Reabilitation and supported emplayment, Baltimiore: Paul H.Brookes,1988 apud BUENO, 1993).68 Art. 118 – O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, amanutenção de seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário,independentemente de percepção do auxílio-acidente.69 SUM-378 ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº8.213/1991. (,,,) II - São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e aconseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doençaprofissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte - ex-OJ nº 230 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001).

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trabalhador que retorna de aposentadoria por invalidez, a garantia de emprego somente

ocorre se esta decorreu de acidente de trabalho.

Apesar do contido na lei, por conta do preconceito existente na sociedade, não

há segurança do trabalhador no posto de trabalho reassumido, sendo bastante provável que

este seja despedido tão logo se esgote o período de garantia de emprego.

No Brasil, em que não há proteção geral contra a despedida imotivada, a

despeito do contido no art. 7º, I da Constituição Federal70, em relação ao reabilitado

profissional que não se enquadre art. 118 da Lei n. 8.213/91, há de se a despedida não foi

discriminatória, ou seja, se não foi motivada pela capacidade laboral reduzida do

trabalhador, caso em que configura a despedida deve ser considerada prática proibida, já

que limitativa do direito de acesso do trabalhador à relação de trabalho.

Ainda que se constate algum avanço a partir do novo Estatuto do Deficiente e

a inclusão do reabilitado profissional entre as hipóteses de discriminação vedadas pela Lei

nº 9029/05, a dificuldade de demonstração probatória de que o ato patronal de despedida

tenha tido motivação discriminatória, torna quase inócua tal disposição legal.

A despedida discriminatória ocorre, com especial frequência, sobre coletivos

mais vulneráveis de trabalhadores, no caso os mais idosos, grandes lesionados e os de

menor nível de instrução.

Por vezes, apesar da boa-vontade e dos esforços do empregador em oferecer

um posto de trabalho ao reabilitado, efetivamente, não há, no quadro de atividades da

empresa, uma função satisfatória, criando-se um impasse: o trabalhador detém uma

garantia de emprego de doze meses, mas não tem como ser aproveitado na empresa. Tal

poderá ocorrer por diversos motivos: as funções existentes são inadequadas ao potencial

laborativo do trabalhador; são por ele justificadamente recusadas por muito aquém de seu

nível de instrução/qualificação ou insuficientemente remuneradas; porque a reabilitação

profissional foi feita em área completamente diversa da do emprego anterior; porque as

atividades anteriormente desempenhadas criaram um trauma psicológico insuperável;

porque as adaptações necessárias são de tal monta que não podem ser razoavelmente

exigidas do empregador; etc.

Em todos esses casos, a reintegração no emprego anterior deixa de ser a

melhor solução e, nesse caso, a garantia de emprego assegurada pelo art. 118 da Lei n.

8.213/91 perde sua finalidade. Talvez fosse possível cogitar de um arranjo jurídico, pelo

70 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de suacondição social: (...) I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nostermos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

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qual esse trabalhador possa ser cedido, no período de garantia de emprego, a outro

empregador, que se responsabilizaria pela ocupação do trabalhador e pelo pagamento de,

pelo menos, parte dos salários. A outra parte poderia ser paga pelo empregador original, o

que, certamente, representaria um custo menor do que pagar os salários do trabalhador

deixando-o em casa sem trabalhar ou - a pior das soluções- sem ocupação efetiva, em

situação de verdadeiro assédio moral

Quando não é possível a reinserção na empresa, são buscadas outras opções

em outras empresas e, mesmo, formas alternativas de emprego domiciliar, trabalho

autônomo, atividade ocupacional no lar, emprego em atividade rural e cooperativas

(BUENO, 1993). Conforme Daniel Pulino71 (apud BILHALVA, 2007, p.483), devem ser

levadas em consideração as condições pessoais do segurado, entre as quais, a

escolaridade; a formação e a experiência profissional; a idade e a dificuldade do mercado

de trabalho).

Em tais casos, uma eficácia das medidas de integração no mercado de trabalho

exige dos profissionais encarregados da reabilitação profissional um conhecimento

aprofundado das alternativas de emprego existentes na comunidade, suas tendências e

peculiaridades, pelo que se exige o levantamento do mercado laboral; a identificação do

tipos de empresa e dos negócios existentes na área industrial, comercial, rural e urbana; a

identificação e análise das funções, critérios para contratação e os requisitos necessários

para desempenho das funções existentes; identificação se a empresa já contratou

trabalhadores deficientes no passado; identificação de que, na empresa, tem autoridade

para contratar os empregados para fins declarados; qual a filosofia da empresa e a atitude

da pessoa responsável pela contratação; quais as exigências da empresa em relação à

capacitação e experiência (BUENO, 1993).

Muitas72 vezes não se logra o reemprego do trabalhador, nem mesmo sua

recolocação profissional73. Nesses casos, há grande possibilidade de que o órgão

previdenciário conclua, mesmo assim, que o trabalhador esteja apto para sua inserção no

mercado laboral, dando por concluída a tarefa da reabilitação profissional. Em tais casos,

71 PULINO, Daniel. “A aposentadoria por invalidez no Direito Positivo Brasileiro”. São Paulo: LTr, 2001, p.127 apud BILHALVA, 2007, p.483.

72 Um impressionante estudo sobre as condições de trabalho do trabalhadores informais em MATSUO, 2009.

73 Recolocação profissional é mais ampla que o reemprego, ambos conceitos diretamente ligados à ideia depostos de trabalho no marcado laboral. A recolocação abrange não apenas o emprego propriamente dito, mastambém todas as outras formas de exercício profissional ou laborativo (BILHALVA, 2007, p. 481).

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infelizmente, pesam mais critérios de mero cálculo econômico, ainda que isso represente o

abandono do trabalhador à sua própria sorte.

Outras vezes, a solução é buscada na qualificação para trabalho em

modalidade por conta própria.74 Conhecidas as dificuldades do empreendedorismo no

Brasil, em boa desses casos não se logra um resultado satisfatório, mas apenas se

direciona o reabilitado a um trabalho precário ou incerto, em geral mal remunerado e

informal.

Em todos esses casos não se responsabiliza a Previdência Social, que,

nesses casos, se limita à expedição do certificado individual de habilitação (art. 140

parágrafo primeiro, Decreto 3048/99)75. Restará ao trabalhador, apenas, requerer a

concessão de benefício assistencial ou a aposentadoria por invalidez que, caso indeferida,

poderá ser buscada judicialmente.

Não precisaria ser necessariamente assim. Quando o trabalhador não logra

uma reinserção satisfatória no mercado de trabalho, não é justo que seja jogado ao

desemprego com a supressão do benefício previdenciário. Se não encontra trabalho, não

pode ser entendido como reabilitado. Se o trabalho que encontra não é adequado e

suficientemente remunerado, da mesma forma, não se pode aceitar que haja supressão

total do benefício previdenciário. Nesse último caso, poder-se-ia cogitar de um benefício

progressivo, que protegesse a reinserção laboral no caso do trabalhador não ser

absorvido pelo mercado.

Para exemplificar como o modelo legal se mostra insuficiente, traz-se o relato

de um programa de reabilitação profissional reconhecidamente bem-sucedido, mas que, na

voz dos seus próprios responsáveis, mostra-se insuficiente e deve ser aperfeiçoado por

medidas que implicam, em parte, em alterações legislativas.

1.2.4.3 Uma experiência bem sucedida de um programa de reabilitaçãoprofissional

A seguir, relata-se uma experiência de um programa de reabilitação

profissional que tem sido destacado como dos melhores do país, o da agência do INSS de

Jundiaí, fruto de um trabalho conjunto da Previdência Social, da Prefeitura de Jundiaí e da

74 Assim considerado o trabalho autônomo, cooperativado ou em regime de economia familiar, com vista àemancipação econômica e pessoal (art. 35, III do Decreto n. 3298/99). 75 Art. 140 § 1º - “Não constitui obrigação da previdência social a manutenção do segurado no mesmoemprego ou a sua colocação em outro para o qual foi reabilitado, cessando o processo de reabilitaçãoprofissional com a emissão do certificado a que se refere o caput.”

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Coordenadoria de Pessoa com Deficiência (PREFEITURA DE JUNDIAÍ. 2015).. Num

esforço de envolvimento de toda a comunidade de Jundiaí e de outras oito cidades da

região, o programa se dedica ao convencimento das empresas para que desempenhem seu

papel social, abrindo espaço para a contratação de pessoas com incapacidade ou com

deficiência. Ao segurado é garantida a manutenção do benefício previdenciário até ser

efetivamente contratado, período no qual é encaminhado a estágio de, no mínimo, 60 dias em

alguma empresa, que pode ou não ser o local onde ele trabalhava. Ainda proporciona formação

profissional através de convênios com o Sesc e Senai por meio do programa Pronatec. As

empresas são encorajadas a cumprir sua função social oferecendo contratos por experiência

para habilitandos e reabilitandos, ao final dos quais pode haver a contratação definitiva. Mesmo

depois que esta acontece, há o acompanhamento da vida profissional do ex-segurado por parte

do programa.

A seguir, descreve-se o procedimento padrão do Programa de Reabilitação

Profissional de Jundiaí. 76

Em geral, a inserção do reabilitado ao trabalho ocorre em duas situações

distintas, dependendo se o trabalhador tem ou não um vínculo empregatício.

No primeiro caso, a empresa é contatada, por ofício, para providenciar a

readaptação do trabalhador que a ela retorna. O retorno pode ser para a mesma função, o

que, naturalmente, o que exigirá adaptações do ambiente para acomodar o trabalhador que,

agora, apresenta restrições em relação à capacidade funcional que anteriormente detinha.

Ou pode ocorrer para função diversa, o que exigirá esforços adaptativos treinamento

maiores, tanto do trabalhador como da empresa. Em qualquer caso, um período de

adaptação do trabalhador à nova atividade é sempre necessário. Em muitos casos, será

necessária a elevação da escolaridade e a realização de cursos profissionalizantes e/ou de

elevação de aperfeiçoamento e qualificação profissional. Assim, a empresa é formalmente

solicitada a readaptar o trabalhador em função compatível com suas restrições, pelo que a

empresa deve indicar, se for o caso, uma nova função, o que será avaliado pela equipe do

programa, após a oitiva do trabalhador. Nesse ponto, eventuais dúvidas podem justificar a

inspeção do posto de trabalho pela equipe do programa. Como o procedimento

naturalmente causa grande angústia no trabalhador (medo, insegurança e desvalorização

pessoal), em alguns casos, há o atendimento por psicólogos e terapeutas ocupacionais.

A partir da aprovação do emprego proposto, estipula-se um período de

treinamento de trinta dias. Todo o processo de treinamento é acompanhado por terapeutas

76 Resumo baseado no detalhado relato da experiência de reabilitação profissional do programa da agênciade Jundiaí do INSS em BREGALDA; LOPES, 2011.

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ocupacionais, com visitas à empresa com a finalidade de verificação das reais condições

de treinamento e/ou se o mesmo deve ser interrompido a fim de se construam outras

estratégias para reinserção do trabalhador no mercado laboral.

Ao final do treinamento, a empresa envia ao Programa relatórios de frequência

e de avaliação, concluindo pela aptidão ou inaptidão do trabalhador à função.

Caso a empresa considere apto o trabalhador, nova perícia é agendada e, se há

concordância do trabalhador e da equipe do Programa, dá-se o trabalhador como

reabilitado, emitindo-se o Certificado de Reabilitação Profissional.

No caso do trabalhador ser considerado inapto, a equipe do Programa avalia

se, efetivamente, não foram oferecidas condições favoráveis à reabilitação. Se tal ocorreu,

busca um consenso entre trabalhador e empresa para o retorno em outra função disponível.

Tal estratégia depende da boa-vontade da empresa que concorde com em disponibilizar ao

trabalhador outro posto de trabalho.

Se tal não for possível, opta, em geral, pela realização de atividades de

qualificação profissional em área de interesse do trabalhador, ainda que não relacionada ao

cargo exercido ou ao ramo de atuação da empresa. A tônica é a busca de alguma atividade

compatível com as condições de trabalho presentes do trabalhador e que lhe possibilite

angariar recursos para o sustento próprio.

O segundo caso é o do trabalhador que não tem vínculo empregatício. Tal

como no trabalhador com vínculo não-aproveitado na empresa de vínculo, a estratégia é

de buscar, a partir do interesse do trabalhador, ações que levem o trabalhador a outra área

de atuação profissional, com ênfase na elevação de escolaridade do trabalhador e no

encaminhamento/acompanhamento em cursos em variadas áreas de interesse.

O programa não prevê a efetiva inserção no mercado formal de trabalho ou o

acompanhamento do desenvolvimento do trabalho autônomo para o qual o trabalhador se

qualificou. Há uma Pesquisa de Fixação para acompanhamento da inserção dos

reabilitados depois de um ano de desligamento do programa, apenas para fins estatísticos

visando o aperfeiçoamento do sistema. Também há um acompanhamento do trabalhador

readaptado na empresa de vínculo para fins de cumprimento da garantia de emprego

prevista no art. 118 da Lei n. 8113/91. Em caso de constatação de descumprimento, há

comunicação do fato à fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e ao Ministério

Público do Trabalho.

Do relato conclui-se que tal programa busca aproveitar ao máximo as

possibilidades que permitem um modelo de reabilitação profissional insuficiente regulado.

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Tal como corretamente apontam Bregalda e Lopes (2011, p. 253), há uma insuficiência da

legislação atual que não determina a obrigatoriedade da efetivação da reabilitação

profissional por parte da empresa, nem estabelece um procedimento razoável em caso de

efetiva inexistência de funções compatíveis na empresa para acolhimento do trabalhador

reabilitando. Constatam os autores, como fatores que reduzem significativamente as

chances de reabilitação dos trabalhadores com vínculo empregatício a indisponibilidade

da empresa em reinserir seu funcionário com capacidade laborativa reduzida, a

inexistência de um programa empresarial para receber os funcionários que retornar da

licença previdenciária, além do descaso e/ou despreparo de grande parte das empresas

para lidar com essas questões. (BREGALDA; LOPES, 2011, p. 253, grifado).

1.3 CRÍTICAS AO MODELO DE REABILITAÇÃO PROFISISONAL

BRASILEIRO: INSUFICIÊNCIAS, OBSTÁCULOS E A REABILIAÇÃO

INCOMPLETA.

Da própria apresentação do modelo atual de reabilitação profissional é

possível constatar grandes insuficiências que, a partir de agora, são aprofundadas em

relação a, pelo menos três aspectos: insuficiências materiais, insuficiência de fomento à

criação/manutenção de empregos para reabilitados profissionais e insuficiente proteção

jurídica. Em relação a esta última, abordam-se os aspectos da insuficiente conceituação de

incapacidade laborativa, a insuficiente proteção do direito do reabilitado em sua reinserção

profissional e a insuficiente proteção a uma reabilitação efetiva, assim entendida como a

garantia de acesso, em ocupação efetiva, a um posto de trabalho adequado (voluntário,

decente, compatível com a situação pessoal do reabilitado e suficientemente remunerado).

1.3.1 Insuficiências materiais

O desmonte da reabilitação profissional no Brasil e do processo de resgate da

capacidade para o trabalho ocorrido dentro da Previdência Social brasileira nos últimos

quarenta anos, consistiu, conforme Hélio Gustavo Alves, numa das maiores afrontas à

dignidade humana (ALVES, 2015, p.15). Assim, o modelo de reabilitação profissional

tem sido caracterizado como um mero “mecanismo burocrático para redução de custos

com benefícios previdenciários”77.

77 Expressão utilizada por Maeno e Vilela (2010, p. 87)

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Em 2012, dados do Instituto Nacional de Previdência Social (BRASIL, 2013)

davam conta que 18% das aposentadorias concedidas eram por invalidez, percentual que o

órgão estima como muito elevado; na verdade, o dobro do que o próprio INSS considera

como razoável. Por tais cálculos, metade desses aposentados poderia voltar ao mercado de

trabalho se a reabilitação profissional fosse mais eficaz. Além disso, os próprios serviços

de reabilitação profissional são subdimensionados, já que, embora alcancem 22 mil

trabalhadores por ano, com um despesa anual de R$15 milhões, estima o próprio INSS

que poderiam ser ampliados para atingir 600 mil trabalhadores. É relativamente pequeno o

número de municípios que contam com Centros de Reabilitação Profissional e, nos

existentes, há grandes insuficiências materiais e pessoais na prestação dos serviços.

Manifestando sua preocupação com a importância social do tema e, também,

com o impacto econômico sobre as contas da Previdência Social, o governo, em 2013,

buscando melhorar as condições de retorno dos acidentados ao mercado de trabalho,

anunciou a adoção do Cadastro Nacional de Trabalhadores Reabilitados e a

implementação do Programa Nacional de Reabilitação Profissional. Tratam-se de medidas

recentes que ainda não permitem uma melhor avaliação sobre sua efetividade na resolução

do identificado problema de baixa eficiência do modelo de reabilitação profissional na

reinserção do acidentado no mercado profissional, mas que podem iniciar um processo de

mudança no modelo de reabilitação profissional que altere substancialmente uma triste

realidade que os números oficiais parecem claramente indicar: para um número

inaceitavelmente alto de brasileiros vítimas de acidentes de trabalho ou doenças

profissionais não lhes é oferecida uma real oportunidade para reinserção no mercado de

trabalho, não lhe restando outro caminho do que uma precoce aposentadoria por invalidez,

com valores reduzidos e sem perspectivas de retorno à vida laboral.

De fato, constatadas as inconsistências do programa REABILITA, observou-

se, nos últimos anos, uma salutar mudança de rumos na legislação previdenciária

buscando constituir uma rede de proteção mais eficaz ao trabalhador reabilitado.

Entretanto, ainda são grandes as insuficiências da atual política pública, em especial no

que concerne ao descompromisso do Estado com a efetiva ocupação do trabalhador em

um emprego digno, estável e adequado às suas reais condições de trabalho como

reconhecimento de seu direito fundamental ao trabalho assegurado pela Constituição

brasileira.

A reabilitação profissional deve ser um programa para desenvolver atividades

terapêuticas e de profissionalização que abranjam a integralidade do indivíduo,

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fortalecendo-o para lidar e superar as dificuldades impostas por suas incapacidades,

visando, além de sua estabilização física e a ampliação de movimentos sociais, cotidianos

e de trabalho através de uma identidade (CESTARI, 2012, p. 95). Para isso, o objetivo do

programa de reabilitação profissional somente pode ser tido como alcançado quando

resulta na inserção da pessoa em um trabalho que permita sua integração social plena.

São grandes as insuficiências na prestação assistencial e previdenciária no que

diz respeito à habilitação e à reabilitação profissionais: há falta de profissionais

especializados em reabilitação profissional; relutância no fornecimento de equipamentos

imprescindíveis ao processo de reabilitação (FERREIRA, 2009); dificuldades de acesso

aos serviços de saúde78; demora no encaminhamento aos serviços de reabilitação; não são

realizadas pesquisas eficientes que retratem as exigências atuais do mercado de trabalho

(DIAS, 2006). Em decorrência de problemas orçamentários, a realidade constatada em

todo o país é a da falta dos serviços de reabilitação profissional na maior parte das cidades

brasileiras. Onde estes existem, tais serviços não são prestados suficientemente: faltam

equipes multiprofissionais, médicos especialistas, peritos, verba para concessão os

auxílios previstos em lei aos reabilitandos, recursos para pesquisas e para

acompanhamento dos estágios nas empresas (COSTA, 2013, p. 112).

Mais grave, ainda, é a adoção de política pública privatizante com a

preocupação prevalente com os custos previdenciários, como ocorrido a partir dos anos

90, culminando com o programa REABILITA em 2001, que implicou em um verdadeiro

desmonte da reabilitação profissional no país, com o sucateamento da capacidade

instalada e dos recursos humanos anteriormente existentes nos CRPs (MAENO; VILELA,

2010, p. 87-92). Medidas particularmente grave – e, aparentemente já em vias de reversão,

como se viu - foram a extinção das equipes multidisciplinares na avaliação do processo de

reabilitação e a completa desobrigação da Previdência Social e sua delegação – sem

qualquer acompanhamento e supervisão-, às empresas na inserção do trabalhador no

ambiente laboral.

Capítulo especial reserva-se à problemática do reconhecimento da ocorrência

de acidente de trabalho ou de doença profissional, tanto pelas empresas como pelos órgãos

previdenciários, fenômeno conhecido como “subnotificação” acidentária. O não-

reconhecimento do acidente do trabalho tem grande impacto sobre o contrato de trabalho,

pois a descaracterização da enfermidade como acidentária fragiliza o trabalhador perante a

78 Em parte por conta da incorreta compreensão da reabilitação profissional apenas como um benefício daPrevidência Social – e não um cuidado à saúde. (TAKAHASHI, 2008)

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empresa, seja pelo não-asseguramento da garantia de emprego, seja na assunção pela

empresa de suas responsabilidades de oferecer ao trabalhador reabilitado nova função.

Da mesma forma, a própria inscrição nos processos de reabilitação

profissional é deficiente, seja porque não é feita a devida eleição para participação no

processo, seja pela inexistência de oferta suficiente de programas de reabilitação

profissional.

Por outro lado, há enormes queixas quanto ao encerramento prematuro do

processo de reabilitação profissional, dando-se por “completo” a partir tão-somente da

alta médica, não se atentando para as reais condições materiais e sociais do trabalhador

retornar ao mercado de trabalho.

Não há dúvidas de que há um enorme caminho a percorrer na construção de

uma política integrada, envolvendo a Saúde, a Previdência Social, a Assistência Social e o

Ministério do Trabalho e Emprego no sentido de construir políticas integradas

consistentes, em projetos nacionais e locais, com o envolvimento da comunidade e com

apoio de políticas públicas complementares no campo da educação, da prevenção da

saúde, do combate ao trabalho inseguro e precário, entre outros.

Do ponto de vista jurídico, cabe indagar quais as possibilidades do cidadão

alcançar de forma suficiente e tempestiva os serviços de reabilitação profissionais que lhe

promete a Constituição e a legislação ordinária quando tais serviços não são prestados de

forma satisfatória pela Previdência Social.

A par da possibilidade de judicialização dos conflitos decorrentes de tais

insuficiências materiais, a medida mais efetiva é a reforma imediata de um modelo

preocupado com os custos orçamentários para outro, que coloque no centro de suas

políticas o melhor interesse do reabilitando e da sociedade, proporcionando ao trabalhador

a melhor assistência possível.

1.3.2 Insuficiente fomento ao emprego para os reabilitados profissionais

Entre o elenco de possíveis medidas legislativas que podem ser adotadas,

destaca-se um possível aperfeiçoamento da lei de cotas e na criação de um incentivo

pecuniário com vistas a assegurar efetividade à reserva de percentual de postos de trabalho

das empresas para pessoas com deficiência e reabilitados profissionais (art. 93 da Lei n.

8213/91).

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Como visto, atualmente a cota de empregos existentes é obrigatória apenas

para empresas com mais de cem empregados, quando são as pequenas empresas as que

empregam pessoas com deficiência – e não as grandes.79 Faltam incentivos às empresas

para cumprimento da lei de cotas e nos estágios profissionais. Embora exista isenção de

encargos previdenciário para o aproveitamento de reabilitados/habilitados em estágios em

empresas conveniadas, este não existe nos contratos de emprego. Este é um dos motivos

pelos quais, em geral, os estagiários não são contratados ao final do estágio.

Deve-se reconhecer que a legislação existente não tem obtido bons resultados,

constando-se um “flagrante descumprimento da reserva de vaga por grande parte dos

empregadores” (LOPES, 2005, p. 113). Algumas empresas preferem, mesmo, sofrer

sanções a cumprir a cota de contratação de reabilitados/pessoas com deficiência. Villatore

(apud LOPES, ob. cit., p. 110) denuncia a “pseudocontratação”, na qual muitas empresas

simulam um contrato de trabalho apenas para cumprir a cota de pessoas com deficiência,

remunerando o trabalhador mas não permitindo que exerça qualquer função.

Em algumas empresas, o trabalho de pessoas com deficiência é difícil – ou

mesmo impossível -, em decorrência da atividade que desenvolvem (trabalho em minas e

subsolo, de alto grau de insalubridade, por exemplo), já que nestas se exige que o

empregado que esteja em perfeitas condições físicas, e até psíquicas, para o exercício da

função. Em tais casos, seria perfeitamente aplicável o exemplo do direito comparado (item

1.1.3), permitindo que tais empresas pudessem, alternativamente, contribuir para

determinado fundo que seria revertido para custear uma melhor estrutura material para os

centros de reabilitação. Seria uma maneira de angariar recursos para ampliar e melhorar a

estrutura dos serviços de reabilitação profissional. O mesmo poderia se pensar como

opção alternativa para empresas que tenham comprovada dificuldade de cumprir a cota,

ficando claro que o valor de tal contribuição alternativa deva ser de tal monta que tal

possiblidade não represente uma porta para um injustificado descumprimento tolerado da

lei.

Gláucia Lopes (2005, p.113) detecta a falta de incentivo e facilitação às

empresas para adaptações dos locais de trabalho e aquisição de equipamentos. Além disso,

no reaproveitamento do trabalhador reabilitado, há a necessidade de articular os cursos de

capacitação às reais necessidades das empresas, permitindo convênios em que as

empresas, em troca de contribuições a entidades especializadas possam utilizar desta mão-

79 Trinta e um por cento (31%) do total dos pessoas com deficiência encontram-se empregados em empresascom menos de cem (100) empregados. (NERI, Marcelo. CARVALHO, Alexandre Pinto de. COSTILLA,Hessi Guillermo. “Política de cotas e inclusão trabalhista das pessoas com deficiência. Site BNDES.Disponível em http://www.bndespar.com.br. Acesso em 13/4/2015)

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de-obra treinada “a la carte” em postos de trabalho que necessitem. (LOPES, 2005, p. 109-

110). É apropriado que, nesse processo, haja um incentivo financeiro (seja por subsídio,

seja por isenção fiscal) às empresas que dele participassem80.

Na Argentina e Espanha, há uma isenção de 50% das contribuições patronais.

Na Itália, um desconto entre 50 e 100% (conforme o grau de incapacidade do trabalhador)

das contribuições previdenciárias e assistenciais durante um período que varia entre cinco

e oito anos. Além disso, o empregador tem reembolso parcial para as transformações

ocorridas em melhoria das condições de trabalho das pessoas com deficiência ou para

remoção de barreiras arquitetônicas (I.SOCIAL, 2015). A comparação com outros países

evidencia o atraso da legislação brasileira nesse sentido, o que afeta negativamente o êxito

do programa de inserção laboral do reabilitando em, pelo menos, três aspectos:

- não se incentiva a contratação, apenas se cria uma obrigação ás empresas,

apostando-se em medidas coercitivas, ao invés de promocionais;

- exige-se de todas empresas a contratação, quando nem sempre é possível,

não se oferecendo uma alternativa, que poderia ser uma compensação econômica que

reverteria a um fundo de fomento ao emprego de pessoas com deficiência e em

reabilitação profissional;

- incentiva a contratação em geral, mas não se incentiva a manutenção do

emprego, já que basta ao empregador substituir o reabilitando por outro, com deficiência

ou reabilitado, deixando o reabilitado despedido às vicissitudes do desemprego.

No caso brasileiro, em que a contribuição previdenciária é relativamente

elevada, haveria um espaço para isenção de parte da cota previdenciária patronal em

contratos em reabilitação profissional, o que teria um significativo impacto na

contratação desses trabalhadores. A certeza desse tipo de incentivo decorre no sucesso

desse tipo de política premial obtida por legislações recentes.

Assim, no Brasil, a isenção dos descontos previdenciários patronais para

incentivar a contratação de reabilitados e de pessoas com deficiência seria uma medida

recomendável, mesmo que fosse provisória. Marco Antônio Villatore admitiria até uma

isenção que variasse entre um ano e dezoito meses. Através dela poder-se-ia

“criar a aplicação e, por consequência, uma mais rápida conscientização dos empregadoressobre o ótimo trabalho desempenhado pelas pessoas portadoras de deficiência, desde quecontratadas em situações compatíveis, pois para cada deficiência normalmente existe, emcontrapartida, uma hipereficiência”.81

80 Maria Aparecida Gurgel chega a sugerir que, para incentivar as empresas, nesses casos, possa oempregador computar duplamente este posto de trabalho, tanto para fins da cota de pessoas com deficiênciaou reabilitados profissional, como também na cota dos aprendizes (art. 429, CLT) (LOPES, op. cit., p. 110).81 VILLATORE, op. cit.

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A contrapartida de tais incentivos por parte dos empresários será a da

manutenção/criação de empregos para incapacitados e pessoas com deficiências, o que

justificaria um controle mais estrito a respeito de despedidas imotivadas e de medidas

imputadas como discriminatórias.

1.3.3 Insuficiências de proteção jurídica

1.3.3.1 Definição insuficiente do conceito de incapacidade laborativa

O conceito de reabilitação profissional, no âmbito da Previdência Social, é

demasiadamente restritivo e marcado pelo modelo biomédico, cuja tônica é a da

avaliação pericial pelo médico do INSS.

A avaliação da capacidade do trabalhador, no âmbito do setor de perícias da

Previdência Social, é uma operação marcada pela precariedade de informações82 e pela

desconfiança recíproca entre os atores decorrente de

“uma pré-compreensão equivocada e deturpadora das relações havidas entre médicos esegurados: os primeiros, mesmo subconscientemente, prejulgam os segundos comofalsificadores da realidade, aumentando as doenças e seus sintomas, e os segundos, na pré-compreensão de que os peritos são seus verdadeiros inimigos, únicos responsáveis peloindeferimento de suas pretensões” (COSTA, 2013, p. 112).

Sob tais condições, há de se reconhecer as grandes dificuldades para que o

Perito Médico do INSS consiga manter um equilíbrio entre os interesses tão contrastantes

em uma relação tensa e de tão graves consequências pessoais e sociais. Assim, os exames

periciais são realizados em um clima de desconfiança por parte dos profissionais de saúde

de que o trabalhador possa estar simulando os sintomas de sua doença, o que causa

inegável sofrimento ao trabalhador que, por conta de tal desconfiança, carrega “o peso de

uma dor não compreendida e nem aceita pelos outros”.83

Entretanto, a principal dificuldade reside na existência de um modelo

biomédico da deficiência que sustenta haver uma relação de causalidade e dependência

entre os impedimentos corporais e as desvantagens sociais vivenciadas pelas pessoas com

deficiência.

EDMILSON BARROS critica o modelo biomédico, relatando que, até

recentemente, a análise da capacidade para fins de assistência exigia que, para

82 “Nessa relação, o paciente tenta, ao máximo, omitir determinadas informações sobre os fatos que lheconvêm. Não há cooperação, tampouco confiança entre os envolvidos na perícia” (BARROS, 2012, p. 56).83 NARDI, H.C. “Saúde, trabalho e discurso médico” a relação médico-paciente e o conflito capital-trabalho.São Leopoldo: Ed. da UNISINOS, 1999. 140 p. apud BERNARDO, 2006, p. 27.

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comprovação da deficiência, o periciado possuísse, além de uma doença incapacitante

para toda e qualquer profissão (omniprofissional), ainda incapacidade para os atos da vida

independente (não se alimentar nem se higienizar sozinho, por exemplo, necessitando

permanentemente de terceiros). A partir de decisões judiciais, passou-se a considerar, para

fins de comprovação de deficiência e como definição de incapacidade para a vida

independente, a incapacidade econômica de prover a própria manutenção por outros meios

que não o trabalho; bem como deixar de avaliar, para fins de comprovação da deficiência,

critérios e características relacionados à incapacidade para os atos da vida diária, entre os

quais a higiene, alimentação, vestuário, locomoção, instrução, excretores, manutenção

permanente de cuidados médicos, de enfermagem ou de terceiros. Tal mudança aproxima

significativamente, para fins de assistência social, o reconhecimento da situação de

incapacidade das pessoas com deficiência da que ocorre no caso dos incapacitados

profissionais. Em ambas, foca-se como principal fator de reconhecimento de déficit para

uma vida independente a ser reconhecido pelos órgãos assistenciais e previdenciários

exatamente o da incapacidade econômica de prover a própria manutenção pelo trabalho.

Apesar de tal avanço na compreensão das dificuldades de inclusão das pessoas com

deficiência, tal visão ainda é limitada, pois ainda permanece presa a critérios

eminentemente médicos, não considerando o ambiente social em que a pessoa com

deficiência está inserida.

A tese do modelo biomédico é contestada pelo modelo social que gerou a

Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e, assim, “não

apenas desafiou o poder médico sobre os impedimentos corporais, mas principalmente

demonstrou o quanto o corpo não é um destino de exclusão para as pessoas com

deficiência” (DINIZ, 2009).

O modelo internacional da CIF se constitui em um instrumento de avaliação

mais adequado para identificar as reais barreiras para a integração social do indivíduo

incapacitado ou com deficiência. Por este modelo, são analisadas, as funções e as

estruturas do corpo (fisiológicas e psicológicas), as atividades e a participação social,

aferindo-se holisticamente a incapacidade como resultante da interação entre a disfunção

apresentada pelo indivíduo (orgânica e estrutural), a limitação de suas atividades e a

restrição na participação social, correlacionando-se com os fatores ambientais que possam

atuar como facilitadores ou dificultadores do desempenho das atividades e da participação

(COSTA, 2013, p. 132).

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A ideia básica do modelo social de incapacidade desenvolvido no Reino Unido

desde a década de 60 é que a incapacidade não deve ser entendida como um problema

individual, mas como uma questão eminentemente social. O ponto de partida teórica é que

a incapacidade “é uma experiência resultante da interação entre características corporais

do indivíduo e as condições da sociedade em que ele vive, isto é, da combinação de

limitações impostas pelo corpo com algum tipo de perda ou redução da funcionalidade

(lesão) a uma organização social pouco sensível à diversidade corporal”84. Assim, o

modelo social aposta em uma resposta política, de mudança de um ambiente não-

acomodatório trazido por atitudes e outras características do ambiente social

(SIMONELLI, 2010, p. 67).

Oliver critica os modelos de avaliação que superestimam a funcionalidade,

subestimando a subjetividade dos que vivem a experiência da deficiência ou da

incapacidade: ao procurar curar e manter dentro do funcionamento “normal” os

indivíduos, confunde-se incapacidade ou deficiência com doença e trata-se indivíduos

como se formassem um grupo homogêneo. Assim, uma incapacidade não significa,

necessariamente, não ter saúde (SIMONELLI, 2010, p. 67).

Como alternativa ao modelo biomédico, José Ricardo Caetano Costa propõe

uma investigação antropológico-filosófico existencial, de matriz fenomenológica em que

se procure “conhecer o outro” – ao invés de procurar-se o desvelamento do que ele é “a

partir do que (se pensa) que ele não é” (COSTA, 2013, p. 113). Para tanto, o “ato pericial

não pode se esgotar somente na avaliação das funções e estruturas do corpo” mas evoluir,

em uma mudança paradigmática, para uma “perícia complexa” que incorpore os novos

conceitos de incapacidade trazidos pela CIF e pela Convenção Internacional sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência, fornecendo um modelo etiológico das condições de

saúde em que se avalie, além das estruturas do corpo, as atividades e a participação

(SIMONELLI, 2010, p. 67, p. 117-13). A perícia complexa, assim, se situaria na transição

do modelo biomédico para o modelo social, calcada em uma nova visão sobre a

deficiência e a incapacidade.

Conforme Débora Diniz,

“há, pelo menos duas maneiras de compreender a deficiência. A primeira a entende como umamanifestação da diversidade humana. Um corpo com impedimentos é o de alguém quevivencia impedimentos de ordem física, intelectual ou sensorial. Mas são as barreiras sociaisque, ao ignorar os corpos com impedimentos, provocam a experiência da desigualdade. Aopressão não é um atributo dos impedimentos corporais, mas resultado de sociedades nãoinclusivas. Já a segunda forma de entender a deficiência sustenta que ela é uma desvantagem

84 OLIVER, M. “The politics of disablement”. London: Macmillan, 1990 apud SIMONELLI, 2010, p. 67.

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natural, devendo os esforços se concentrarem em reparar os impedimentos corporais, a fim degarantir a todas as pessoas um padrão de funcionamento típico à espécie. Nesse movimentointerpretativo, os impedimentos corporais são classificados como indesejáveis e nãosimplesmente como uma expressão neutra da diversidade humana, tal como se deve entender adiversidade racial, geracional ou de gênero. Por isso, o corpo com impedimentos deve sesubmeter à metamorfose para a normalidade, seja pela reabilitação, pela genética ou porpráticas educacionais. Essas duas narrativas não são excludentes, muito embora apontem paradiferentes ângulos do desafio imposto pela deficiência no campo dos direitos humanos.”(DINIZ, 2009).

Assim, ao contrário de considerar um corpo com impedimentos como objeto

de saberes biomédicos, muitas vezes obrigatórios, em uma lógica de “medicalização dos

impedimentos”85, o modelo social de deficiência visa garantir a igualdade entre as pessoas

com e sem impedimentos corporais não se resumindo à oferta de bens e serviços

biomédicos, mas entendendo-a como uma questão de direitos humanos (DINIZ, 2009).

Através da adoção da CIF, supera-se “uma classificação de corpos por lesões

para uma avaliação complexa da inter-relação indivíduo e sociedade: uma pessoa com

doença não é simplesmente um corpo com lesões, mas um ser humano com lesões,

vivendo em um ambiente que normalmente oprime e segrega” (DINIZ, 2009).

Como já se mencionou, os conceitos mais avançados da Convenção

Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência foram incorporados pelo

recente Lei n. 13.146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência, o que preconiza uma

significativa mudança na avaliação da incapacidade pelo órgãos previdenciários.

Conforme a nova lei,

“O processo de habilitação e de reabilitação tem por objetivo o desenvolvimento depotencialidades, talentos, habilidades e aptidões físicas, cognitivas, sensoriais, psicossociais,atitudinais, profissionais e artísticas que contribuam para a conquista da autonomia da pessoacom deficiência e de sua participação social em igualdade de condições e oportunidades comas demais pessoas.”

Assim, não é mais possível sustentar a manutenção de conceito superado de

incapacidade laborativa que se limite às avaliações biomédicas e subestime a avaliação

social.

O início desse processo de revisão do conceito de incapacidade laborativa já

começou, ainda antes do novo Estatuto. Assim, em 2008, para fins de concessão de

benefícios de prestação continuada, o Decreto n. 6564/08 já determinava que a avaliação

médica da deficiência e do grau de incapacidade considerasse as funções e estruturas de

corpo; que a avaliação social considerasse os fatores ambientais, sociais e pessoais; e que

85 “A presença somente da patologia não é pressuposto de uma incapacidade ou invalidez”. Por outro lado,“é possível que o indivíduo não tenha nenhuma patologia e seja considerado incapaz, haja vista uma série debarreiras sociais, limites pessoais e familiares, por exemplo, que o conduzem a esta condição” (COSTA,2013, p. 132).

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ambas considerassem a limitação do desempenho de atividades e a restrição da

participação social, segundo suas especificidades. Conforme Instrução Normativa n. 45,

de 6 de agosto de 2010, art. 385, parágrafo 4º, “a avaliação social em conjunto com a

avaliação médica da pessoa com deficiência, consiste num instrumento destinado a

caracterização da deficiência e do grau de incapacidade, e considerará os fatores

ambientais, sociais, pessoais, a limitação do desempenho de atividades e a restrição da

participação social dos requerentes do Benefício de Prestação Continuada”.86

Os pressupostos do modelo CIF, ao adotar um modelo biopsicossocial em

substituição ao modelo biomédico, deve servir de parâmetro para uma avaliação de

incapacidade profissional que não se limite ao enquadramento formal de uma aptidão

funcional em abstrato para o trabalho, mas para uma concreta verificação das reais

condições do trabalhador de inserção no mercado laboral, identificando, além das

limitações biológicas e psicológicas, também as barreiras econômicas, ambientais e

sociais à efetiva reintegração.87

Outro importante aspecto na alteração do modelo médico para o modelo

social baseado na CIF é a compreensão de que o fator limitador é o meio em que a pessoa

está inserida - não a deficiência em si. Tal abordagem deixa claro que as deficiências não

indicam, necessariamente, a presença de uma doença ou que o indivíduo deva ser

considerado doente. Assim, a falta de acesso a bens e serviços deve ser solucionada de

forma coletiva e com políticas públicas estruturantes para a equiparação de oportunidades.

A isso se denomina “invalidez social”, conceito que tem embasado inúmeras ações

judiciais bem-sucedidas contra o INSS.88

Além disso, na abordagem da adaptação das condições de trabalho quando do

retorno do trabalhador ao seu local de trabalho, também há de se ter em conta uma

avaliação abrangente, compreendendo o trabalho em suas dimensões física, cognitiva e

organizacional, para o que tem relevante papel a análise ergonômica do trabalho (AET)

(SIMONELLI, 2010, p. 70). Esta é “uma abordagem de situações de trabalho que

86 Texto mantido pela IN 77/2015, conforme 409, parágrafo 4º.

87 Uma aplicação prática da CIF como modelo de avaliação de capacidade funcional em TOLDRÁ, 2011, p.10-22.88 A esse respeito, como exemplo, o caso de um trabalhador de 38 anos, amputado do braço direito, comescolaridade até a quinta série do primeiro grau, pedreiro e que sempre trabalhou em atividades braças aquem foi deferido benefício assistencial por ser reconhecida sua total incapacidade para prover seu sustentoe pela improbabilidade de sua reabilitação profissional (Processo da Justiça Federal- PR, 1ª T.Rec. n.201070610006935, Rel. José Antonio Savaris, 31/5/2010).

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privilegia a relação entre as condições de trabalho e as atividades desenvolvidas pelos

operadores privilegiando estes últimos como foco central da análise”.89

Conforme Verbrugge90, a incapacidade, compreendida como um “gap” entre a

capacidade pessoal e a demandas das tarefas, pode ser reduzida por dois tipos de

intervenção: incrementando a capacidade das pessoas, seguindo o modelo biomédico mais

frequentemente usado ou ajustando a demanda das tarefas e, nesse caso, seguido os

pressupostos do modelo social da deficiência e da análise da atividade. Assim, na AET,

são analisadas as dimensões fática, cognitiva e organizacional do trabalho, finalizando

com um diagnóstico explicativo que possibilita uma intervenção adequada que permita

regular e administrar a distância do que foi proposto pela organização e o que é realmente

feito pelo operador. Situam-se, nessa regulação, as distâncias temporal, tecnológica e

organizacional entre a saída do trabalhador do seu local de trabalho antes do afastamento

por acidente ou doença ocupacional e seu retorno após a liberação pelo INSS. Trata-se,

portanto, de adaptar as exigências do trabalho à capacidade de quem o realiza, analisando

as atividades de trabalho, compreendendo adaptações dos meios físicos, seus conteúdos

organizacionais e processos técnicos às pessoas, reduzindo a distância entre a

incapacidade funcional e os objetivos da produção (SIMONELLI, 2010, p. 70).

Por fim, a AES pode, também, ser um auxiliar poderoso na identificação de

desequilíbrios entre o processo de trabalho e o ser humano para fins de prevenção de

adoecimentos, despertando um olhar crítico sobre outros processos e situações que ainda

apresentem potencial risco à saúde (SIMONELLI, 2010, p. 72).

Parece urgente que os avanços já acolhidos na avaliação de incapacidade para

concessão de benefícios de prestação continuada sejam também estendidos na avaliação

da incapacidade laboral para fins de concessão de reabilitação profissional ou da

aposentadoria por invalidez.

1.3.3.2 Insuficiente proteção do direito à reinserção no trabalho: a reabilitaçãoincompleta

A atual legislação não assegura ao trabalhador em processo de reabilitação o

acesso a uma efetiva recolocação profissional ou a um emprego concreto, dando-se por

finda a responsabilidade da Previdência Social quando esta entende que o trabalhador já se

89 GUERIN, et al. “Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia”, 2ª ed, São Paulo:Edgar Blucher, 2007, p. 331-342, apud SIMONELLI, 2010, p. 67.90 VERBRUGGE, L.M; JETTE, A.M. The disablement proces. “Social Science Medicine”, v. 38, n. 1, p. 1-14, 1994 apud SIMONELLI, 2010, p. 67.

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encontra apto para ser reinserido no mercado laboral. Assim, dá-se por terminado o

processo de reabilitação antes de que o processo de reinserção laboral efetivamente se

complete, ou seja, de que o reabilitando acesse realmente a um posto de trabalho. Tal

decisão é marcadamente arbitrária, baseada em considerações predominantemente

biomédicas e afastada de uma avaliação das reais condições sociais e pessoais do

reabilitando

Ao contrário do que se poderia esperar de uma legislação suficientemente

protetiva ao direito ao trabalho do reabilitando, atribui-se a responsabilidade de tal

insucesso ao próprio trabalhador, desconhecendo a existência de múltiplos fatores que

inviabilizam a reinserção laboral e que configuram uma situação psicossocial que se pode

caracterizar como uma verdadeira “invalidez social”. Por isso, como bem expressa

Jaqueline Michels Bilhalva, trata-se de uma reabilitação incompleta, que representa uma

situação consideravelmente menos protegida da prevista no ordenamento jurídico

brasileiro anterior a 1977. De fato, o revogado artigo 24 da Lei n. 3807/60 assegurava a

“plena reabilitação profissional”, garantindo ao trabalhador em reabilitação a percepção do

auxílio-doença até a efetiva recolocação profissional ou o emprego do reabilitando, o que

leva a mencionada autora a sustentar ser possível questionar mesmo a constitucionalidade

de tal alteração normativa por violação ao princípio de “proibição do retrocesso”

(BILHALVA, 2007, p. 491). Em tais casos, a Justiça, muitas vezes, reconhecendo a

reabilitação incompleta, determina a continuidade do benefício ou a aposentadoria por

invalidez do trabalhador.

A citar, jurisprudência do TRF da 4ª. Região:

“Restando demonstrada nos autos a incapacidade do autor para o exercício de sua profissãohabitual, e mostrando-se inviável – face às condições pessoais desfavoráveis – sua reabilitaçãoprofissional, defere-se o benefício de aposentadoria por invalidez. Precedente desta Corte.”(TRF-4, AC 1070 RS 2001.71.01.001070-9, 12/1/2005).

No mesmo sentido, decisão da Turma Nacional de Uniformização da Justiça

Federal:

“A interpretação sistemática da legislação permite a concessão da aposentadoria por invalidezse, diante do caso concreto, os fatores pessoais e sociais impossibilitarem a reinserção dosegurado no mercado de trabalho, conforme livre convencimento do juiz que, conforme obrocardo judex peritus peritorum é o perito dos peritos, ainda que a incapacidade seja parcial.Na concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, a incapacidade para o trabalhodeve ser avaliada do ponto de vista médico e social. (...) Segurado com 62 anos de idade,portador de hipertensão arterial e doença degenerativa. Baixa escolaridade. Baixíssimaperspectiva de reinserção no mercado de trabalho. A aplicação do princípio da dignidade dapessoa humana e a interpretação sistemática da legislação que trata da incapacidade conduzemà aposentadoria por invalidez, ainda que atestada a capacidade parcial do ponto de vistaestritamente médico.” (JUSTIÇA FEDERAL, TNU, 200583005060902, Julgamento17/12/2007).

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Muitas vezes a reabilitação profissional sequer começa e o trabalhador-

segurado é dado como “apto” e jogado às vicissitudes do mercado laboral, com cessação

da percepção do auxílio-doença. Também nesses casos não se pode dizer que se

desrespeita o direito fundamental ao trabalho, negando-se o direito à uma reabilitação

profissional completa.

Lembrando o duro alerta de Robert Castell em relação aos “inválidos pela

conjuntura” (CASTEL, 2000, p. 68), ou seja, os excluídos do competitivo mercado laboral

imposto pela globalização econômica, Miguel Horvath Júnior propõe a criação de uma

“aposentadoria diferida por invalidez social” como um benefício previdenciário

continuado destinado a trabalhadores que comprovassem a sua não-absorção após tantos

meses pelo mercado de trabalho, apesar dos esforços para o retorno à atividade laboral

(HORVATH JR., 2008).

Por outro lado, o direito à aposentadoria por invalidez não pode ser encarado

como um sucedâneo adequado à uma reabilitação profissional, tendo em conta que o

direito ao trabalho não se limita à retribuição remuneratória, já que o trabalho é em si

mesmo um meio de autorrealização pessoal.

É equivocado pensar que a aposentadoria por invalidez representa uma saída

satisfatória para tal impasse. Tal pensamento é tributário da compreensão equivocada de

que o incapacitado, tal como a pessoa com deficiência, deva ser tratado de forma

assistencialista, ou seja, de que deva ficar permanentemente assistido por instituições não-

governamentais ou pelo Estado, o que caracterizaria “um cunho excessivamente

paternalista que acaba por tolher ou retirar mesmo, o inarredável direito de cidadania

plena, como constituir família, exercitar suas vocações ou inibindo seu desejo – e mesmo

necessidade – de entrar no mercado de trabalho” (FONSECA, 2000).

Mais importante é considerar a grave limitação existencial que caracteriza uma

aposentadoria precoce, uma verdadeira abdicação do trabalhador de uma dimensão de vida

tão importante como o trabalho, quando, pelo avanço das técnicas assistenciais e pela

evolução mesmo das formas de prestação laboral, tal abdicação não é, muitas vezes,

necessária. Nas palavras de Ricardo Tadeu Marques da Fonseca,

“o que hoje é consenso é a inexistência de limitações que não possam ser superadas com aconcessão de instrumentos adequados, instrumentos esses que retiram o deficiente da condiçãode assistido, colocando-o na de cidadão produtivo e contribuinte inclusive da SeguridadeSocial, útil à sociedade e ao país” (FONSECA, 2000).

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Dessa maneira, a negação do direito ao trabalho pode ser dar tanto pela

negativa de eleição do trabalhador ao processo de reabilitação profissional, como pela

prestação incompleta do direito à reabilitação profissional plena, mas, também, pela

aposentadoria precoce e desnecessária, que se constitui, dessa forma, outra forma de

reabilitação incompleta.

Se a aposentadoria por invalidez pode ser a única alternativa nos casos de uma

reabilitação profissional impossível, há de se ter claro que tal decisão deva ser adotada em

última instância, como um reconhecimento do fracasso coletivo, também da sociedade e

do Estado, em obter a reinserção laboral do trabalhador.

Pelo exposto, há de se questionar se a legislação atual protege suficientemente

o trabalhador e, assim, cumpre o direito fundamental ao trabalho do reabilitado

profissional.

1.3.3.3 Proteção insuficiente a uma reabilitação efetiva: garantia de acesso doreabilitado à ocupação efetiva em um posto de trabalho voluntário, decente, compatívelcom sua situação pessoal e suficientemente remunerado.

Há grande incertezas quanto à definição da situação jurídica do reabilitando

durante todo seu processo de reabilitação, desde seu enquadramento de seu benefício

como acidentário ou previdenciário; quanto à manutenção de seu benefício previdenciário

em reavaliações; quanto ao seu direito à reintegração funcional no emprego de origem;

quanto à assunção de um posto de trabalho adequado no seu retorno à empresa; quanto ao

seu concreto aproveitamento nesse posto de trabalho; quanto à manutenção de seu

emprego. Algumas dessas incertezas tomam contornos mais graves e exigem imediata

regulamentação legal.

A primeira questão a ser enfrentada diz respeito à insegurança do trabalhador

quanto à sua situação jurídica no retorno ao trabalho, o que muitos autores, denominam de

“limbo jurídico” (MASSONI, 2012. Não raro, cria-se uma grave situação de insegurança

jurídica para o trabalhador já no retorno ao emprego de vínculo. Após a alta

previdenciária, o trabalhador se apresenta na empresa, e esta deve providenciar sua

reintegração ao emprego, podendo, para tanto, se necessário alterar as condições de

trabalho para bem de reaproveitar o trabalhador na mesma função ou readaptá-lo para

função diversa. Porém, muitas vezes, os empregadores se recusam a proceder à

reintegração apesar da alta previdenciária. Contrariando o laudo oficial, as empresas

negam o retorno do trabalhador com base em declaração de incapacidade do médico da

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empresa e criam um impasse: o INSS considera o trabalhador apto para retornar ao

trabalho, mas, com isso, a empresa não concorda e, por isso, não permite o retorno do

trabalhador. Na maior parte das vezes, o médico da empresa declara a incapacidade do

trabalhador e reencaminha o trabalhador de volta ao INSS. Tal retorno, quando

formalizado, implica (ou deveria implicar) a continuidade do pagamento de salários

durante o período de afastamento do trabalhador até a data em que o órgão previdenciário

reestabeleça o pagamento do auxílio-doença, se tal ocorrer91. Assim tem entendido a

jurisprudência:

“PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DO PERÍODO DE AFASTAMENTO POR MOTIVO DESAÚDE NO QUAL O DIREITO AO BENEFÍCIO JUNTO AO INSS NÃO ÉRECONHECIDO. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. Os efeitos das decisõesdivergentes entre a empresa e o INSS quanto à aptidão do empregado para o trabalho nãopodem ser meramente transferidos a ele, sob pena de impor-se ao empregado situação de totalinsegurança e de desprovimento dos meios para sua subsistência, em nítida afronta aoprincípio da dignidade da pessoa constitucionalmente assegurado. Invocada a responsabilidadesocial das empresas e a função social do contrato como respaldo à atribuição deresponsabilidade da empregadora. (TRT da 04ª Região, 6a. Turma, 0000290-94.2012.5.04.0733 RO, em 21/08/2013, Desembargadora Beatriz Renck - Relatora.Participaram do julgamento: Desembargador José Felipe Ledur, Desembargadora MariaCristina Schaan Ferreira)”

"SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIOPREVIDENCIÁRIO. DEVER DE REINTEGRAÇÃO IMEDIATA DO EMPREGADO.Dispõe o artigo 63, da Lei n. 8.212/91, cujo redação é transcrita no artigo 80, do decreto3.048/99 que "O segurado empregado em gozo de auxílio-doença será considerado pelaempresa como licenciado". Considerando-se que o empregado em auxílio-doença éconsiderado licenciado tem-se, como única peroração lógica que, "contrario sensu", findo obenefício previdenciário, cessa o período de suspensão e o contrato tem sua vigênciaretomada incontinente e, por consequência, devem ser adimplidas todas as obrigaçõeslegais e contratuais existentes entre as partes, eis que se considera de forma automática oempregado à disposição do empregado"(TRT-SP-2ª Região-Proc.00285006920095020361-Ac. 4ª Turma 20110199043-Rel. Desemb. Ivani ContiniBramante-Publ. no DOE de 04.03.2011).

EMENTA: RETENÇÃO SALARIAL INJUSTIFICADA - CONDENAÇÃO AOPAGAMENTO DOS SALÁRIOS RETIDOS MANTIDA. Esgotado o período de suspensãodo contrato de trabalho, a regra impositiva de pagamento de salários volta a ter eficácia,mormente quando há prova inconteste, como “in casu”, de que o obreiro se apresentouimediatamente ao serviço para retorno às atividades laborais. Nesse contexto, se aempregadora entendia que o empregado ainda não teria condições de saúde adequadas auma rotina laboral, caberia a ela, para se eximir de sua obrigação de pagamento de salários,recorrer contra a decisão do INSS de cessação do referido benefício previdenciário, da qualresultou o término do período de suspensão do contrato de trabalho. Não tendo a reclamadaassim procedido, deve arcar com a indenização relativa aos salários injustificadamenteretidos, nos termos da condenação imposta em primeiro grau"((TRT da 3.ª Região;Processo: 00577-2011-065-03-00-1 RO; Data de Publicação: 11/11/2011; Órgão Julgador:Primeira Turma; Relator: Marcus Moura Ferreira; Revisor: Convocado Eduardo Aurélio P.Ferri; Divulgação: 10/11/2011. DEJT. Página 127)

91 Se o exame de retorno ao trabalho resultar na inaptidão para a nova função, um atestado de saúdeocupacional (ASO) de inaptidão deve ser lavrado pelo empregador (Ibid., p. 140).

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RESPONSABILIDADE POR SALÁRIOS DE EMPREGADO CONSIDERADO INAPTOPELA EMPRESA APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA É DO EMPREGADOR TRT/SP - Altamédica do INSS. Recusa do trabalhador pela empresa. Impossibilidade Data da publicação dadecisão - 27/10/2010. PREVIDÊNCIA SOCIAL Auxílio-doença Alta médica do INSS.Recusa do trabalhador pela empresa. Impossibilidade. A alta médica é um ato administrativo eeste goza de presunção de boa-fé e correção. Não pode o particular (empregador) descumpriro ato administrativo e impedir o acesso da trabalhadora ao trabalho e respectivos salários. Se aempresa entende que não deve receber o empregado nas suas dependências porque ainda estádoente, deve questionar a alta médica no Juízo competente. E, até obter decisão favorável,deve pagar os salários do período. O que não se admite é que, diante da alta do INSS, com acessação do benefício previdenciário e a recusa do empregador e ausência de salários, oempregado fique à própria sorte, sem obter sua subsistência de qualquer dos lados. Recursoordinário não provido. (TRT/SP - 00585200831202007 (00585200831202007) - RO - Ac. 3ªT20101083593 - Rel. ANTERO ARANTES MARTINS - DOE 27/10/2010)

Ocorre que nem sempre o retorno à Previdência Social é formalizado pelo

empregador e nem sempre a empresa mantém ou se responsabiliza pelos salários do

trabalhador, deixando-o em um “limbo”. É uma situação de completo desamparo na qual

as saídas possíveis para o trabalhador parecem ser: ou uma difícil, incerta e demorada ação

judicial contra a Previdência Social (recorrendo da decisão que negou a continuidade de

pagamento do benefício ou requerendo a aposentadoria por invalidez) ou o acionamento

do empregador na Justiça do Trabalho (onde é seu o ônus da prova de que houve recusa de

reintegração por parte da empresa – e não o abandono de emprego que, provavelmente,

será alegado pelo empregador).

Há uma proliferação de casos judiciais similares, em que a controvérsia se

situa justamente na definição da situação jurídica do trabalhador retornado, ou seja, na

suspensão ou não do contrato laboral por conta de benefício previdenciário ainda pendente

de decisão administrativa.

Exatamente dessa situação confusa92 têm se aproveitado empregadores mal-

intencionados que, aproveitando-se da dubiedade da situação, deixam de formalizar sua

recusa de reintegração e simplesmente “aconselham” informalmente o trabalhador a

recorrer administrativa ou judicialmente, eximindo-se de qualquer responsabilidade pelo

período de afastamento. Por desconhecimento de seus direitos ou por temor reverencial,

muitos trabalhadores aceitam tal situação e submetem-se a aguardar uma decisão

definitiva, administrativa ou judicial, mesmo sem qualquer salário ou benefício para sua

manutenção durante esse período. Ainda pior: em caso de indeferimento definitivo da

prorrogação do benefício, não raramente os empregadores alegam “abandono de

92 Confusão que se agrava a partir da “alta programada”, modificação introduzida pelo Decreto nº 5.844, de13 de julho de 2.006, que alterou o artigo 78, do Decreto nº 3.048/99 dentro do programa CPES (CoberturaPrevidenciária Estimada).

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emprego”, transferindo a responsabilidade pela inexecução do contrato de trabalho ao

empregado.

Tenha-se em conta o teor da Súmula 72 do TST, pela qual “presume-se o

abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias

após a cessação do benefício previdenciário, nem justificar o motivo de não o fazer”. Tal

entendimento, adotado muitas vezes de maneira acrítica, tem justificado decisões judiciais

que chancelam uma despedida sumária do trabalhador por justa causa em razão de

abandono de emprego. Cria-se uma situação de grave injustiça: o trabalhador doente não

tem prorrogado seu benefício e perde os salários por ter o empregador recusado seu

trabalho depois da alta previdenciária; como reabilitado profissional que não retornou ao

trabalho, perde, também, a garantia de emprego que lhe é assegurada por lei; e, por fim,

não recebe boa parte de seus direitos rescisórios.

Em tais casos, necessariamente a recusa da empresa em reintegrar o

trabalhador deveria ser formalizada à Previdência Social e ao próprio trabalhador através

de comunicado escrito acompanhado do laudo do médico da empresa. A recusa, nesses

casos, deveria tomar a forma de recurso administrativo da empresa sem prejuízo do

recurso que poderia ser feito pelo próprio trabalhador. No período, o contrato seria

entendido como interrompido, sem a prestação de serviços mas com a manutenção do

pagamento dos salários do período. Se a Previdência Social, ao decidir o recurso

administrativo, recusasse a continuidade do pagamento do benefício (confirmando a

decisão administrativa anterior, de não-ocorrência de incapacidade laboral do trabalhador),

os salários do período de afastamento serão de inteira responsabilidade da empresa. Em

caso de decisão favorável ao empregado, o valor dos benefícios retroativos poderão ser

objeto de compensação com os salários pagos pelo empregador.

Nos casos (pouco prováveis) que o empregado, efetivamente, optou por não

trabalhar, assumindo todos os riscos inerentes à essa recusa; em não se apresentar na

empresa para trabalhar; ou na constatação de um (sempre algo duvidoso) “acordo tácito”

entre trabalhador e empresa quanto à não prestação de trabalho; no mínimo, em uma

interpretação mais conforme do direito fundamental ao trabalho, haveria de entender pela

ocorrência de suspensão do contrato de trabalho (sem o pagamento de salários), não se

configurando a hipótese de abandono de emprego.93 A aceitação de tal acordo, como

93 Podem ser citadas decisões nesse sentido: Proc. 00436200926102000 – RO TRT 2ª Reg – 2ª T. - Rel.Rosa Maria Zuccaro) e TRT 12ª Reg. Proc. RO 0002074-22.2013.5.12.0021 – (Ac. 3ª T 17.9.13) – RelªJuíza Lígia Maria Teixeira Gouvêa. TRT-SC/DOE 30.9.13. Data de Publ. 1.10.13)

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garantia de sua idoneidade, poderia ser objeto de homologação necessária do sindicato

profissional.

Urge que se regulamente a situação, definindo claramente as

responsabilidades de INSS e empresas quanto à manutenção dos ganhos do trabalhador

durante o período em que este recorre da recusa de prorrogação do benefício

previdenciário.

Um segundo ponto a ser abordado diz respeito aos problemas que surgem no

processo de reintegração do trabalhador na empresa de vínculo, suas necessidades

adaptativas, seu reenquadramento funcional e a redefinição de tarefas e seu direito à

ocupação efetiva.

Como se viu anteriormente (item 1.2.4.2), o retorno às atividades laborativas

anteriores deveria se dar, o mais breve possível, em atividades isentas do risco de

reexposição aos riscos que vitimaram o trabalhador ou que possam agravar sua

enfermidade/incapacidade. Assim, o trabalhador reabilitado precisa ser acompanhado e

assistido durante todo o processo, tanto em possíveis necessidades de readaptação das

condições laborais na função primitiva, seja no caso de reenquadramento em outra função

dentro da empresa.

Como se constatou dos relatos anteriores, é considerável a resistência das

empresas em reintegrar adequadamente o trabalhador reabilitado quando de seu retorno

com alta previdenciária. Como afirma Toldrá (2011, p. 32), empiricamente

“de maneira geral, quando os trabalhadores retornam ao trabalho são, por vezes, lotados emfunções incompatíveis com seu quadro clínico-funcional e/ou com a sua formação equalificação, ou simplesmente deixados à margem do processo produtivos ou “encostados”,reforçando, às vezes, experiências de fracasso vivenciadas pelos trabalhadores do estudo”.

Embora a legislação laboral preveja o retorno do trabalhador às condições

anteriores como uma simples retomada do curso de um contrato de trabalho suspenso, a

realidade é bastante mais complexa, sem que existam normas adequadas a dar conta de tal

complexidade. A proteção ao trabalhador retornado se faz nos termos da regra geral do art.

468 da CLT, aquele que determina que, em obediência ao princípio da continuidade e

tendo-se em conta que o contrato de trabalho é de trato sucessivo, presume-se que, em

regra, o pactuado anteriormente entre as partes deve-se entender como indefinidamente

prorrogado e insuscetível de alterações unilaterais. Parece evidente a insuficiência de tal

disposição normativa pela simples evidência de, no caso do reabilitado profissional,

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houve, pelo menos, uma alteração fática importante: a modificação das possibilidades de

prestação da obrigação por uma das partes.

Tal artigo, que visa estabelecer limites ao poder de direção empresarial,

embora estabeleça a inalterabilidade das condições essenciais do pacto laboral, não se

destina a estabelecer proteção especial ao trabalho, mas justamente assegurar que, dentro

de parâmetros razoáveis, o contrato de trabalho seja suficientemente flexível para

viabilizar a gestão produtiva. A aplicação direta da referida norma ao caso concreto, sem a

ponderação de outras possivelmente incidentes (como, por exemplo, normas de segurança

de medicina do trabalho, de limitação da jornada ou, mesmo, para contingentes específicos

de trabalhadores, como no caso, do reabilitado profissional), termina por oferecer uma

ampla margem de autonomia ao empregador na determinação no conteúdo da prestação de

trabalho, de forma que, na prática, será o empregador que decidirá qual função e que

atividades prestará o trabalhador no seu retorno. Não existe qualquer disposição legal que

regule, na forma e no conteúdo, tão relevante decisão sobre a vida profissional do

trabalhador reabilitado, deixando nas mãos do empregador – na realidade, na sua boa-

vontade e boa-fé – se o trabalhador retornará ou não à função anterior ou se será designada

para atividades adequadas às suas novas condições.

Também competirá exclusivamente ao empregador decidir sobre adaptações

eventualmente necessárias no processo de reabilitação. Ainda que o inciso VI do artigo

sexto do Estatuto da Pessoa Deficiente mencione o conceito de “adaptações razoáveis”94,

não há uma norma trabalhista que transponha tal conceito para o âmbito laboral,

embasando o direito do reabilitado a compelir o empregador a adaptar o posto de trabalho

às necessidades de suas condições pessoais.

Em caso em que a alteração da função desempenhada pelo trabalhador seja

necessária por conta da incapacidade relativa do trabalhador, não há falar em proibição

das condições essenciais do contrato de trabalho prevista no art. 468 da CLT e a

inexistência de outra norma específica que regule a matéria abre margem à interpretação

de que não haja qualquer limite ao poder de direção empresarial, podendo o empregador

transferir o trabalhador como melhor lhe aprouver. Nesse caso, dever-se-ia entender pela

ocorrência de novação contratual, sendo que a decisão de alterar o conteúdo da prestação

94 Art. 3, VI – “Adaptações razoáveis: aquelas adaptações, modificações ou ajustes necessários e adequadosque não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar quea pessoa com deficiência possa gozar ou exercer em igualdade de condições e oportunidades com as demaispessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais”.

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laboral não poderia caber exclusivamente ao empregador, mas deveria decorrer de um

consenso entre trabalhadores, empresa e Previdência Social.

Como anteriormente mencionado, em muitos casos, o empregador

simplesmente opta por não atribuir ao empregado qualquer função, deixando-o na

“prateleira”, ou seja, em total inatividade, o que tem sido entendido, pela jurisprudência,

como uma lesão ao patrimônio moral do trabalhador, ensejando, mesmo, indenização por

dano moral:

EMPREGADO COLOCADO EM SITUAÇÃO DE OCIOSIDADE NO SERVIÇO.ATENTADO CONTRA A DIGNIDADE DO TRABALHADOR. DANOS MORAIS. Ocontrato de trabalho é contrato de atividade, de trato sucessivo e sinalagmático. As principaisobrigações do empregador são as de oferecer trabalho e de pagar os salários referentes aosserviços realizados. Nessa medida, o trabalho presta-se como veículo de inserção profissionale social, de modo a contribuir para a elevação da dignidade da pessoa que labora (art. 1º, IIIe IV, da CF/88). Então, colocado o empregado em situação de ociosidade, de forma aimpingir-lhe a conotação de que é importante para a consecução dos fins normais da empresa,revela-se patente o contexto vexatório, apto a ensejar a reparação monetária dos danos moraisadvindos da conduta ilícita do empregador. (TRT 3, 3ª. T. -RO 01054201000403001 0001054Rel. Marcio José Zebende- julg. 09/5/2011.

Além disso, a lei não estabelece uma obrigação do empregador de

acompanhar e assistir o empregado em seu processo de reinserção laboral, ainda que se

pudesse razoavelmente concluir que tal pudesse estar inserida em um dever geral de boa-

fé do empregador decorrente do contrato de trabalho. Nesse sentido, há um grande vácuo

legislativo no que concerne à responsabilidade da empresa quanto ao reabilitando, tanto

no que concerne à obrigatoriedade de oferecimento de um posto de trabalho compatível

às condições laborativas do trabalhador, quanto à existência de um programa de

acolhimento do reabilitando, em especial o respeito de seu direito à ocupação efetiva no

posto oferecido.

Por certo, as avaliações, acompanhamento e ajustes necessários em um

processo adaptativo do trabalhador ao posto de trabalho não podem ser atribuição

exclusiva das empresas, tal como foi desenhado institucionalmente no Projeto Reabitado

(2001) mas são, precipuamente, de responsabilidade do INSS, que tem o dever legal de

acompanhamento e supervisão de todo o processo. Nesse sentido, a omissão estatal

termina por deixar a cargo unicamente da empresa todos os encargos de acompanhamento,

o que tem sido também objeto de queixa dos empresários.

Além disso, a obrigação do empregador não se limita ao mero oferecimento do

emprego, mas inclui o dever de dar conteúdo concreto à prestação laboral, o que se

denomina de dever de “ocupação efetiva” a um posto de trabalho adequado (MARRERO,

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1993, p. 27). Assim, pode-se falar de um direito do trabalhador reabilitado a uma

ocupação efetiva.

Tal dever corresponde ao interesse do trabalhador em satisfazer seu direito à

realização profissional através do trabalho. Assim, não se admite que o empregador

injustificadamente mantenha o trabalhador inativo, sem dar-lhe qualquer tarefa, ainda que

pagando-lhe os salários. Tal situação fere a dignidade do trabalhador, abala sua

autoestima, causando-lhe incerteza quanto ao seu futuro, compromete sua imagem e

constitui motivo de desvalorização profissional. Além disso, a ocupação efetiva é

instrumento de efetivação de outros direitos laborais, como a não-discriminação, a

promoção profissional e a participação em assuntos coletivos dos trabalhadores.

Assim, entende-se que a não-ocupação efetiva do trabalhador representa uma

violação do princípio de boa-fé e um abuso de direito por parte do empregador. A

privação do trabalhador de executar tarefas para as quais foi contratado, muitas vezes, é

uma forma de pressioná-lo a pedir demissão, o que configura uma forma de assédio moral.

Um terceiro ponto é ser observado é de que o direito ao trabalho do reabilitado

não pode se resumir ao acesso a qualquer posto de trabalho, o que implica, em tese, na

existência de um direito do reabilitado a, justificadamente, recusar o posto oferecido

quando ele não atende a determinadas condições, sem prejuízo do prosseguimento do

processo de reabilitação, que somente se completa quando, efetivamente, o reabilitando

obtém um trabalho satisfatório.

Curial que a aceitação do posto oferecido pelo trabalhador deve ser voluntária,

de modo que não há como obrigar o reabilitando a trabalhar contra sua vontade, ainda que

seja possível suspender a concessão do benefício previdenciário em caso de recusa

injustificada. A reinserção laboral do trabalhador deve ser real, ou seja, o trabalho a ser

prestado pelo trabalhador deve ter sentido para este, o que implica na afirmação dessa

natureza necessariamente voluntária do direito ao trabalho e, por consequência, em um

direito a recusar justificadamente um posto de trabalho que lhe seja intimamente

incompatível. Como exemplo, pode-se citar evangélico que se recuse a laborar, como

garçom, em uma casa noturna.

A escolha de uma atividade profissional, especialmente em momento crucial

de retomada de uma carreira ou início de um novo ciclo produtivo em atividade diversa é

decisão difícil e de grande peso para o projeto existencial do trabalhador. Assim, há de se

reconhecer uma grande margem de subjetividade na escolha de uma nova profissão ou na

assunção de novas tarefas, sendo admissível a justificativa de que o trabalhador com nova

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atividade não se identifica e nela não se reconhece e que, assim, possa exercer seu direito

de recusa. Por certo, a justificativa não pode se basear em simples capricho ou exigências

excessivas, competindo ao trabalhador aportar razões relevantes que permitam qualificar a

recusa como justa e razoável.

Pode-se elencar outras características de um posto de trabalho adequado, que,

em contrário senso, definiriam as possibilidades de recusa do reabilitando quando tais

condições determinadas não se verificassem.

Antes de tudo, o posto de trabalho deve atender, como requisito mínimo, o de

ser um trabalho decente ou digno dentro dos padrões da Organização Internacional do

Trabalho, ou seja, que respeite os direitos no trabalho, em especial os definidos pela

Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho de 1988 OIT

(OITBRASIL, 2015)95. Também conforme a OIT o trabalho decente deve corresponder

às aspirações do ser humano no domínio profissional, abarcando vários elementos:

“oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa;segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias; melhores perspectivas dedesenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações;organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas; e igualdade deoportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens”. (OIT-Lisboa, 2010).

Não é aceitável, assim, um trabalho oferecido em condições discriminatórias,

degradantes ou que não lhe garantias as condições existenciais mínimas para uma vida

saudável.

Além disso, o posto oferecido deve ser compatível com as condições pessoais

do reabilitando, do que se deduz que não se pode exigir do reabilitando nem que supra as

exigências de capacitação de um posto de trabalho demasiadamente exigente, nem que se

lhe ofereça um posto de trabalho muito abaixo de suas potencialidades laborativas.

De um posto de vista remuneratório, de um posto de vista ideal, o trabalho

oferecido não deve ter um retribuição pecuniária inferior ao da atividade anterior do

reabilitando, mas, ao contrário, deveria ser ainda melhor retribuída que aquela.96 A

retribuição do trabalho anterior do acidentado seria um parâmetro a ser perseguido no

processo de reinserção laboral do reabilitando, tarefa que, no mínimo, deve-se reconhecer

como complexa, tendo em conta as vicissitudes do atual mercado de trabalho e o

conhecido baixo nível de instrução do trabalhador brasileiro.

95 Tais direitos e princípios são: (i) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociaçãocoletiva; (ii)eliminação de todas as formas de trabalho forçado; (iii) abolição efetiva do trabalho infantil; (iv)eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação), a promoção doemprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social. 96 O que, de um ponto de vista, simbólico, representaria uma “volta por cima” do reabilitando!

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Visto sob o ângulo da possibilidade de recusa do trabalhador reabilitando, não

se pode estabelecer a retribuição anterior como um limite rígido, patamar abaixo do qual a

retribuição pecuniária seria considerada insuficiente. O critério de suficiência, assim, pode

ser melhor balizado pela retribuição que perceberia o trabalhador caso se aposentasse por

invalidez.

Em decorrência, pode-se pensar, simetricamente ao direito de recusa

justificada do trabalhador, um dever do empregador oferecer um leque de alternativas de

colocação dentro das possibilidades existentes em seu quadro de pessoal. Por certo não se

pode falar em obrigação do empregador em “criar” um posto de trabalho adequado ao

reabilitado, mas, tampouco, não poderá o empregador, injustificadamente, não oferecer

um posto de trabalho vago, o que, em tese, poderia configurar tratamento discriminatório.

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CAPÍTULO 2 – O DIREITO DO REABILITADO

PROFISSIONAL À UMA PROTEÇÃO LEGAL

SUFICIENTE

Defende-se a existência de um direito fundamental à reabilitação profissional,

ligado ao direito ao trabalho previsto na Constituição. Para tanto, inicia-se com um

necessário breve histórico deste direito e como se apresenta como um dos mais

importantes direitos sociais. Enfrenta-se a polêmica sobre a força normativa das normas

constitucionais, sua vinculação a terceiros, a indivisibilidade dos direitos civis, políticos e

sociais, bem como as dificuldades de concreção dos direitos sociais.

A seguir, abordam-se dois temas que serão relevantes ao analisarmos conteúdo

e limites do direito fundamental à reabilitação profissional no direito brasileiro: o

princípio da proteção não-suficiente e o princípio de não retrocesso dos direitos

fundamentais sociais.

Enfim, analisam-se a fundamentalidade e o conteúdo do direito à reabilitação

profissional e, sustentando que a atual legislação não propicia uma proteção suficiente,

propõem-se alterações normativas que fomentem a criação de empregos adequados ao

trabalhador reabilitado, estabeleçam normas especiais de garantia do emprego e que

garantam uma regulação suficientemente protetiva perante a empresa de vínculo, em uma

definição de (in)capacidade profissional, em situações de discriminação e uma assistência

que assegure a possibilidade de uma reabilitação plena.

2.1 O DIREITO AO TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

2.1.1 Uma compreensão atual do direito ao trabalho.

Conforme Robert Alexy (1997, p. 443-5), os direitos fundamentais sociais são

direitos do indivíduo em face do Estado. Nesse sentido, em função da autopreservação do

ser humano – que se obtém não apenas a partir da liberdade de agir, mas sim de uma

liberdade de fato – há de se ter um conteúdo mínimo a ser provido para assegurar as

condições mínimas de uma vida digna. Por outro lado, se existe um dever fundamental,

deve existir também um dever fundamental de proteção, pois

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“quando o Direito utiliza-se da regulamentação jurídica significa, antes de tudo, que eleservirá como suporte de valor para proteger o homem em seus direitos. Por isso, a declaraçãoe a efetivação dos direitos fundamentais dever ser compreendidas como o ponto de chegada domomento ético de um Estado Democrático de Direito” (DELGADO, 2006, p. 208).

Nos dias de hoje, o direito ao trabalho aparece como um direito fundamental

social no artigo 6º da CF/8821 e também como uma diretriz para ordenar o

desenvolvimento da política urbana no desenvolvimento das funções sociais da cidade e

propriedade urbana. Além disso o trabalho é um “valor social”, conforme prevê o artigo

1º, inc. IV da CF/88.

Os direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se

como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social

de direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes,

visando à concretização da igualdade social, consagrados como fundamentos do Estado

democrático, pelo art.1º, IV da Constituição Federal. (MORAIS, 2014, p. 233)

O direito ao trabalho é um dos mais significativos direitos fundamentais

sociais previstos no sistema constitucional brasileiro, sempre entendido como um mega-

direito, do qual decorrem todos os demais direitos fundamentais do trabalho. Está previsto

no art. 6º, no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais e dele decorrem múltiplas e

relevantes consequências, entre as quais as mais lembradas são a proteção da relação

empregatícia contra a despedida imotivada, a proteção contra o desemprego, assim como

todas as políticas de emprego e renda. De fato, o trabalho pode e deve ser entendido como

“possibilidade de realização das necessidades, autorrealização, participação societária,reconhecimento e construção da subjetividade, fortalecimento da saúde psíquica,escolha e consecução de um projeto de vida, integração cultural e a perspectivacotidiana de transformação das estruturas econômicos sociais. Em suma, uma parcelasignificativa de tudo que ocorre de mais relevante no tempo de vida das pessoas”.(WANDELLI, 2012, p. 222)

Ademais, a prestação do trabalho é indissociável da pessoa do trabalhador e,

assim, a ausência da possibilidade de trabalho é ausência de possibilidade de uma vida

digna ( WANDELLI, Ibid.). Não se confundem os conceitos de “direito ao trabalho” e “direito do

trabalho”. O direito fundamental do trabalho se refere às normas materialmente

fundamentais de proteção ao trabalho. Já o direito fundamental ao trabalho, como conceito

mais amplo e o “primeiro direito social historicamente reivindicado” (AMORIM, p. 87), a

par de uma normatividade própria, também constitui, com outros direitos, o fundamento

desses conteúdos jusfundamentais, nos quais se desdobre e especifica (WANDELLI, p.

223).

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Uma das vertentes da interpretação constitucional das consequências jurídicas

do direito fundamental ao trabalho está em questão menos debatida, ainda que diretamente

relacionada com o conteúdo do trabalho, qual seja, a do atendimento ou não do posto de

trabalho à função social que dele se espera: não apenas garantir de subsistência do

trabalhador e de sua família, mas de ser um efetivo fator de inserção social do trabalho.No caso de trabalhador reabilitado, como se viu no capítulo anterior, este

enfrenta graves obstáculos, materiais e jurídicos, para alcançar uma efetiva reabilitação do

ponto de vista meramente clínico, de obter uma (re) qualificação que lhe propicie sua

reinserção ao mercado laboral e social e, ao final, lograr um trabalho digno e compatível

com suas novas condições laborais. Entretanto, a “via crucis” do trabalhador reabilitado

não termina com sua reintegração ao um posto de trabalho, ainda que, nos limites da

prestação concedida pela Previdência Social, esta declare o término de suas

responsabilidades a partir da entrega do certificado de reabilitação.O retorno do trabalhador ao antigo posto de trabalho é marcado por frustrações

e incertezas, sendo-lhe opostas inúmeras dificuldades, algumas decorrentes do pensamento

discriminatório ainda existente na sociedade relativamente ao trabalhador incapacitado ou

com deficiência; outras, decorrentes da pouca disposição do empregador no processo de

reabilitação do trabalhador, somada à inexistência de uma legislação protetiva mais

detalhada e clara que exija do empregador assegure ao trabalhador uma ocupação efetiva

em um posto de trabalho adequado, bem como faça com que o INSS acompanhe, como

deveria, o processo completo de reabilitação do trabalhador dentro da empresa até sua

reintegração ou, na impossibilidade disso, até que se ofereça ao trabalhador um emprego

satisfatório e compatível com suas condições de trabalho.Aqui, sustenta-se que, como consequência do direito fundamental ao trabalho

contido na Constituição brasileira, existe um direito do trabalhador reabilitado, além do

próprio processo de intervenção assistiva que viabilize sua reabilitação profissional,

também a uma proteção legal suficiente que se expresse em políticas públicas eficazes que

lhe proporcione uma reinserção efetiva e completa no mercado laboral. Tal reinserção

deve se constituir, não apenas no oferecimento de um posto de trabalho adequado, ou seja,

digno, voluntariamente aceito, compatível com suas condições laborais e suficientemente

remunerado – mas, também, no acompanhamento, assistência e apoio econômico que lhe

proporcione uma real integração profissional. Até que se alcance tal integração, não há

falar em reabilitação plena e não cessa o direito do reabilitando ao apoio assistencial e

previdenciário, nem pode o Estado dar por cumprida sua missão constitucional.Nesse sentido, passamos, a seguir, a situar o direito ao trabalho no

ordenamento jurídico brasileiro, iniciando por um breve exposição histórica do surgimento

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desse direito nas Constituições modernas; prosseguindo com a discussão a respeito do

conteúdo e dos limites desse direito para, por fim, relacioná-lo com o tema em debate,

qual seja, o direito à reinserção laboral completa e efetiva.

2.1.2. Evolução histórica do direito ao trabalho

O direito ao trabalho se constitui no primeiro dos direitos sociais no tempo,

podendo-se afirmar que dele se origina todo o direito social. Assim, é comum entendê-lo

como o arquétipo dos direitos sociais (IBARRECHE, 1996, p. 54) e, nessa condição, está

expresso nas principais Constituições modernas, inclusive na Constituição brasileira.

Internacionalmente, o pleno emprego aparece como objetivo político no

preâmbulo da Constituição da OIT de 191997 e, especialmente, na Declaração de Filadélfia

de 1944. O direito ao trabalho, como livre eleição, condições satisfatórias e proteção

contra desemprego surge no artigo 23.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos,

de 10 de dezembro de 1948. Como expressão de um direito ao trabalho livremente

escolhido e suficiente no artigo 6.1 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturas, de 16 de dezembro de 1966. Também o Convênio sobre a política de

emprego n. 122 da OIT, de 1964, completado pela Recomendação n. 122, do mesmo ano,

art. 1. Dentro da âmbito europeu, cita-se a Carta Social Europeia, de 18 de outubro de

1961 (IBARRECHE, 1996, p. 35 -43

Como direito humano fundamental, o direito ao trabalho deve ser situado no

tempo e no espaço, como resultado de processos históricos, que, ao longo dos séculos,

desde a Ilustração (último terço do século XVIII), acompanhou a mudança na concepção e

na valorização do trabalho, passando de uma visão francamente depreciativa para um

reconhecimento do trabalho como princípio e de todo valor e de toda riqueza (SMITH,

1983, p. 17). Como todo direito fundamental, o direito ao trabalho, se forma, primeiro,

como valor no plano filosófico para, em seguida, ser incorporado como direito positivo

(PECEZ-BARBA, 1982, p. 20). Nesse sentido, pode ser entendido na perspectiva de um

processo institucional e cultural capaz de abrir e consolidar espaços de luta pela dignidade

humana (HERRERA FLORES, 2005).

Para melhor entender como se conformou o direito ao trabalho no presente, há

de atentar que tal situação não formou pronta e linearmente, mas foi o resultado de um

largo e heterogêneo processo de reforma global da sociedade, desembocado no século

XVIII que, em muitos aspectos, mostra-se contraditório e incoerente.

97 Textos de convenções internacionais disponíveis em OIT, 2015.

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John Locke, um dos primeiros formuladores do moderno conceito de direito

ao trabalho, vinculou-o ao direito à existência, já que este somente pode ser assegurado

pelo Estado quando também se garanta a todo cidadão o direito de ganhar a vida por meio

do trabalho (LOCKE, 2003, p.40). Além disso, sendo para este autor a propriedade o

principal motivo para a vida em sociedade e, como a propriedade se funda no direito ao

trabalho, este é erigido à condição de um dos direitos naturais que o Estado deve assegurar

para viabilizar o exercício da cidadania. Locke é um dos principais pensadores do então

incipiente pensamento liberal-burguês e, por isso, o direito ao trabalho surge no bojo do

movimento político da burguesia ascendente, que erige o trabalho como o fundamento da

riqueza em uma clara crítica à ociosidade da aristocracia. Portanto, a ênfase de tal direito

não é dada tanto como um “direito natural à existência”, mas como justificativa para a

apropriação privada da riqueza, na medida em que “ao trabalhar a natureza, o homem

transforma e inclui algo a mais nela, apropriando-se legitimamente disso” (SOUZA

ALVES, p. 55).

No início da Idade Moderna, houve um tempo em que, em meio aos embates

da “questão social”, as primeiras reivindicações por tal “garantia de existência” falsamente

coincidiam com os reclamos da burguesia por uma liberação do mercado laboral das

amarras corporativas. Assim, sob a consigna de um “direito ao trabalho” conviviam duas

acepções bastante diferentes desse direito: um ligado às reivindicações obreiras pela

garantia de trabalho a todos que dele necessitassem; outro, da burguesia ascendente, de

que não existissem qualquer limitação à liberdade de contratar.

Tal dicotomia, oriunda da Revolução Francesa, revela as duas concepções que,

historicamente, marcaram o direito ao trabalho. Na visão dos trabalhadores, se trata de

assegurar a todo trabalhador o direito a um posto de trabalho, sendo esta a condição de seu

ingresso ao “status” de cidadão (“portal da cidadania”). Já, na visão dos burgueses, se

pretende, basicamente, a abolição das “corporações de ofício” e das organizações obreiras.

Nessa última acepção, o direito ao trabalho se refere à liberdade de trabalhar, ou seja, à

possibilidade de desenvolver livremente uma atividade laboral sem sujeição aos

condicionamentos e restrições impostos pelos regimes gremiais (IBARRECHE, 1996, p.

26). Historicamente, a vitória coube à segunda alternativa, tanto assim é que o resultado

efetivo foi o desmonte do sistema das corporações de ofício através da Lei Le Chapelier

(14 de junho de 1791), dotando a classe emergente, a burguesia, de uma abundante e

barata mão-de-obra, tão necessária para o florescimento do capitalismo. Para o

proletariado, a abolição do sistema corporativo não significou uma melhoria e, assim,

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apesar dos inegáveis avanços políticos e sociais promovidos pela Revolução Francesa,

esta não deixou de ter graves consequências sociais para os trabalhadores.98

Uma encruzilhada histórica para a conformação atual das ideias de direito ao

trabalho encontra-se no processo revolucionário de Paris (fevereiro a junho de 1848). Na

França empobrecida, marcada pela recessão e pelo desemprego, uma das principais

reivindicações populares feitas ao novo governo revolucionário é a de que o Estado

promova a provisão de emprego remunerado a todos que dele necessitem. Em 25/2/1848,

redigido por Louis Blanc, um decreto editado pelo o Governo Provisório estabelece o

compromisso governamental de assegurar o trabalho a todos os cidadãos.

Tratava-se de dar resposta política à insuportável situação social, do

desemprego massivo e redução dos salários, na linha preconizada pelos socialistas

utópicos (Fourrier, Considérant, Proudhon, Blanc) que apontavam o direito ao trabalho

como o primeiro e fundamento dos direitos humanos. Assim, criam-se as “oficinas

nacionais”, destinadas a dar trabalho público aos desempregados que, logo, são criticadas

pelos liberais por suprimir o gosto pelo trabalho e pela concorrência, por criar um

irrealizável direito para os pobres e, finalmente, por se caracterizar em uma indevida

intervenção do Estado no plano econômico.99

A experiência das Oficinas Nacionais resultou desastrosamente, seguindo o

fracasso do próprio movimento revolucionário. A partir de então, vence o pensamento

liberal e não mais se pensará em “garantir o trabalho por um simples decreto”100, limitando

fortemente a compreensão do direito ao trabalho, que se torna apenas em um direito à

assistência pública.101 Ocorre a desistência tácita de preocupação original de garantir a

todos um posto de trabalho como condição para aquisição do status de “cidadão e sua

98 Conforme R. CASTEL (1998, p. 212), o desmantelamento da estrutura corporativa em si não melhorou –e sim, agravou – a já miserável situação da classe trabalhadora.

99 Os pensadores liberais sempre acreditaram que qualquer intervenção do Estado na esfera econômica éprejudicial ao desenvolvimento natural da economia e do enriquecimento geral da população, de modo que,ao Estado, cabe apenas velar para que o processo econômica nunca se interrompa. (BEZERRA DINIZ,1999, p. 72).

100 De fato, calcado em uma visão individualista, o liberalismo sempre rechaçou um maior envolvimento doEstado na questão social e, quando o admitiu, jamais reconheceu tal intervenção como um direito docidadão. (IBARRECHE, 1996, p. 31)

101 Na visão liberal clássica, a causa da miséria é a carência, cuja resposta é a filantropia. No períodoposterior à organização do proletariado como classe (pós-1835), o pauperismo é visto como mendicância ecrime, que se combate pela repressão e pela reclusão. Já para o pensamento neoliberal (Hayek), opauperismo é um problema individual-pessoal que se “devolve” à filantropia (individual ou organizacional)– ainda que não se exclua uma pontual, e mínima ação estatal na área social -, substituindo esta o direitoconstitucional do cidadão de resposta estatal (keynesianismo). (MONTAGÑO, 2010).

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substituição por um direito de assistência que, na prática e mais concretamente, importa

apenas em uma garantia de remuneração ao trabalhador para sua manutenção vital.

A Constituição francesa de 1848 consagrará apenas que é dever do Estado

assegurar com assistência fraternal a existência dos cidadãos franceses necessitados, seja

procurando-lhes trabalho na medida de suas possibilidades, seja prestando ajuda aos que

não sejam capazes de trabalho ou que não tenham família102

Assim, é a concepção burguesa de direito ao trabalho que vence103,

transmutando-se na solução liberal para a “questão social”, assim entendida a perigosa

instabilidade causada pela inexistência de suficiente trabalho para a sustentação material

de extensos setores da população (CASTEL, 1998, p. 495). Tal pensamento, que está na

raiz também liberalismo de nossos dias, limitam os efeitos práticos do direito ao trabalho

ao assistencialismo e às políticas de pleno emprego, ligadas preferentemente a fatores de

índole econômica (IBARRECHE, 1996, p. 20).

Porém, como direito à existência – e não somente liberdade de trabalhar –

subsiste ainda a primeira concepção de direito ao trabalho, como legítima aspiração

obreira, conservando suas exigências de reconhecimento frente ao Estado da

essencialidade e da dignidade do trabalhador na sociedade.

Conforme PALOMEQUE LÓPEZ (1989, p. 19):

“A legislação obreira, expressão adiantada do Direito do Trabalho, responde prima facie àuma solução defensiva do Estado burguês para, através de uma normativa protetora em favordos trabalhadores, prover a integração e institucionalização do conflito entre o capital e otrabalho em termos compatíveis com a viabilidade do sistema estabelecido. Sem deixar deser por isso o instrumento normativo adequado à dominação, uma vez que certifica aconstituição e reprodução das relações de produção capitalistas (extração da mais-valia) ¨.

Os direitos sociais surgem da convicção de que a evolução e o enriquecimento da

pessoa humana depende de suas condições materiais e estas não podem ser criadas pelo

indivíduo atomizado da sociedade liberal (Canotilho citado por MARTINS ESTAY, 1997,

p. 70). Surgem assim, conforme Maurício Godinho Delgado (DELGADO, 2006, p. 207),

um conjunto de ações estatais protetoras como fruto das lutas anteriores pelo direito ao102 Art. 13 da Constituição francesa de 1848: “A Constituição garante aos cidadãos a liberdade de trabalho ede indústria. A sociedade favorece e encoraja o desenvolvimento do trabalho, pelo ensino primário gratuitoprofissional, a igualdade nas relações entre o patrão e o operário, as instituições de previdência e de crédito,as instituições agrícolas, as associações voluntárias e o estabelecimento, pelo Estado, os Departamentos e osMunicípios, de obras públicas capazes de empregar os braços desocupados; ela fornece assistência àscrianças abandonadas, aos doentes e idosos sem recurso e que não podem ser socorridos por suas famílias”(tradução nossa).

103 À importante pergunta se o Estado deve propiciar individualmente trabalho a todos que dele necessitam, aresposta dos revolucionários franceses foi negativa, pois bastaria criar um marco institucional que garantissea liberdade e a iniciativa dos indivíduos, as quais representariam o melhor estímulo para o trabalho. Dessaforma, a instalação de um livre mercado de trabalho asseguraria, praticamente de forma automática, oemprego para todos (IBARRECHE, 1996, p. 27).

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trabalho, que se incorporam a nossas sociedades como um “patamar mínimo

civilizatório”104, que constituem a possibilidade de integração dos trabalhadores – ainda

que subordinada – à sociedade industrial. De um ponto de vista laboral, tal compromisso

mínimo inclui a ação estatal de promoção da igualdade material, a cobertura dos riscos de

desemprego, de trabalho não-digno e de retribuição insuficiente. Assim, se estabelece um

dever dos Estados de empenhar-se para que todo cidadão tenha acesso a um trabalho livre

e digno e, assim, prover o sustento próprio e de sua familia; de promover a elevação de

vida dos trabalhadores em busca da igualdade efetiva (igualdade material); de mediação

da relação económica entre capital e trabalho105 e de dar assistência aos inválidos ou os

que, querendo, não possam trabalhar.

Mesmo assim, na realidade, longe se está de assegurar a cada pessoa um posto

de trabalho adequado dentro da estrutura produtiva pela simples razão de que a maior

parte da oferta de trabalho está em mãos de particulares, cuja decisão de criar empregos

não está sujeita diretamente às decisões dos poderes públicos. Conforme Manoel-Carlos

Palomeque106 (apud IBARRECHE, 1996, p. 153), o direito ao trabalho efetivo poderia ser

garantido de modo pleno e sem fissuras tão somente na hipótese de uma organização

econômica em que o próprio Estado que proclama o direito subjetivo fosse, ao mesmo

tempo, titular da estrutura ocupacional do país ou, pelo menos, estivesse em condições de

decidir, conjuntamente e de modo significativo, pela criação de empregos.

Desvirtuado de sua concepção original de um direito subjetivo do cidadão

frente ao Estado, é nesse sentido mitigado (de um direito a políticas públicas de promoção

do emprego e de assistência ao desempregado) que se reconhece o direito ao trabalho nas

Convenções internacionais e nas Constituições modernas. De todo modo, tal fato não lhe

retira a importância de representar um dos mais importantes direitos fundamentais

modernos, mormente por indicar ao Estado os deveres sociais com a classe trabalhadora107.

Disposição semelhante foi adotada nas Constituições Mexicana (1917) e de Weimar

(1919). Nesta, consta expressamente o dever de assegurar a todo cidadão a possibilidade

de ganhar seu sustento mediante o trabalho ou, pelo menos, se tal não for possível,

oferecer-lhe um trabalho apropriado, o dever de prover-lhe o indispensável sustento.

104Expressão utilizada em GODINHO DELGADO, M. “Introdução ao direito do trabalho: relações de trabalho e relação de emprego”. 2ª edição. São Paulo, LTr, 1999.

105 Seria uma “jurisdificação do conflito” conforme Palomeque Lopez (1989, p. 19.

106 PALOMEQUE LOPEZ, M.C. “El derecho al trabalho de los penados y la efectividad de los derechosfundamentales”. REDT 42, 1990, p. 308.

107 Conforme Fabio Konder Comparato, o art. 13 da Constituição Francesa de 1848 aponta para a criação doque viria a ser o Estado do Bem-Estar Social no século XX (COMPARATO, 2001, p. 182).

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Como vetores de tal propósito identificam-se as políticas públicas de

promoção da igualdade material, de cobertura de riscos do desemprego, do trabalho

indigno ou da retribuição insuficiente. A esse propósito, pode-se citar, ainda, como

complementares ao compromisso social dos Estados constitucionais modernos, o dever do

Estado promover a elevação do nível de vida dos trabalhadores, na busca da igualdade

efetiva (promoção da igualdade material) e a implicação do Estado na mediação da relação

econômica entre capital e trabalho, em uma lógica de jurisdificação do conflito (direito do

trabalho), bem como um dever do Estado de assistência e previdência contra os riscos do

trabalho (direito de assistência e previdência).

Assim, o que remanesceu, definitivamente, foi um compromisso do Estado,

vinculado às ideias de igualdade e dignidade, com um caráter prestacional fortemente

marcado, com conteúdo difuso que apresenta, como todo direito social, um conjunto de

dificuldades para sua efetivação (IBARRECHE, 1996, p. 73).

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2.1.3 O direito ao trabalho como direito social108

2.1.3.1 - A força vinculante da Constituição

Um dos aspectos mais importantes na análise do valor normativo das normas

constitucionais diz respeito à aceitação ou não de que determinadas normas

constitucionais seriam destituídas de juridicidade, não tendo capacidade de tutelar

qualquer tipo de direito ou de interesse.

Tal equívoco decorre da ideia de que parte da Constituição possa constitui

apenas uma “promessa política”, destituída de força normativa, desconhecendo-se seu

compromisso histórico-institucional e invertendo-se a hierarquia interpretativa, de forma a

dar prevalência à regra ordinária em relação à constitucional (VARGAS, 2010).

Ainda que a exigibilidade não seja direta (ou seja, não configure um direito

subjetivo que possa ser reivindicado diretamente pelo cidadão aos Tribunais), não se pode

deixar de reconhecer que qualquer norma constitucional seja vinculante.

No que tange à Constituição brasileira, é possível interpretar que o seu artigo

6º ali definhada “princípios diretores”, tal como sucede com a Constituição espanhola. Tal

interpretação, porém, não é melhor, na medida em que, ao contrário do que ocorre na

Constituição espanhola, não há na brasileira qualquer disposição que autorize tal

diferenciação entre normas constitucionais. De qualquer sorte, mesmo que assim não

fosse, haveria de se reconhecer que normas contidas no art. 6º. vinculariam, pelo menos,

os poderes públicos.

Conforme Jose Felipe Ledur,

¨a vigência da norma do artigo 6º. da Constituição é direta para o Estado e seus distintosPoderes. Por outro lado, há “vigência indireta” para a Sociedade, a qual poderá fruir dosdireitos previstos nessa norma constitucional na exata medida com que for sendo preenchidade conteúdo. Trata-se de direitos cujo conteúdo em geral terá de ser definido pelo legislador[...] Os indivíduos, a Sociedade possuem o direito de reivindicar esses direitos. Mas é aolegislador que cabe encontrar a solução ante os interesses relativos que entrem em colisão,seguindo um processo público de formação da vontade política¨ (LEDUR, 1998, p. 117).

Nesse contexto, não há mais falar em normas constitucionais destituídas de

valor jurídico, podendo-se dar por superada a polêmica histórica sobre “normas

108 Esta seção incorpora parcialmente estudo apresentado em trabalho anterior (VARGAS, L.A.de. “A auto-aplicabilidade da norma constitucional que prevê o aviso prévio proporcional”. Monografia. Disponível emwww.lavargas.com.br. Acesso em 1/10/2015.

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programáticas” que, tradicionalmente, serviu para “abrir portas” para o ingresso das

teorias constitucionais que, na prática, negam a efetividade de direitos constitucionais, em

especial os direitos sociais.

2.1.3.2 – A vinculação dos particulares às normas constitucionais

A força vinculante das normas constitucionais não afeta apenas a relação

cidadão-Estado, mas também se estende à relação entre particulares, algo que tem

particular relevância em se tratando de normas constitucionais que prescrevem direitos

fundamentais, pois, em caso de violação, o judiciário pode ser acionado para resolver o

conflito.

Esse campo de atuação do Estado, que se aparta da missão tradicional de

proteção dos cidadãos frente ao Estado, cada vez mais assume relevância nos dias atuais,

já que existe um campo abundante para muitos e diversos direitos fundamentais sejam

menosprezados e atacados por outros sujeitos, em especial por particulares (MARTÍN-

RETORTILHO BEQUER, 1991, p. 620).

A aplicabilidade das normas constitucionais, especialmente as que contêm

direitos fundamentais nas relações entre os particulares não foi pacífica, vencendo uma

larga tradição que associa tais direitos unicamente aos conceitos negativos da liberdade,

em oposição ao Estado.

A aplicabilidade das normas constitucionais às relações privadas se relaciona

significativamente com a noção de que papel o Estado deve ter na sociedade: de um lado,

como substituto da “autoproteção privada” e que se adapta perfeitamente à noção liberal

dos direitos fundamentais; de outro, como promotor de determinados valores sociais que a

Constituição é portadora e que são “primordiais e básicos para a vida coletiva” - algo que

não se encaixa perfeitamente na tradição liberal (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p. 98).

Formulada originalmente pela doutrina alemã, a ideia da “eficácia horizontal”

(¨Drittwirkung der grundrechte¨) dos direitos fundamentais constitucionais, estipula que os

direitos fundamentais exercem sua eficácia vinculante, não apenas para todos os poderes

públicos, mas também na esfera jurídico-privada, isto é, no âmbito das relações jurídicas

entre particulares. Explica-se tal efeito pela perspectiva jurídico objetiva dos direitos

fundamentais, de acordo com a qual estes exprimem determinados valores que o Estado

não apenas deve respeitar, mas também promover e zelar pelo seu respeito, mediante uma

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postura ativa, sendo, portanto, devedor de um proteção global dos direitos fundamentais

(SARLET, 1998, p. 335).109

Para o judiciário, a consequência central é a de que os valores constitucionais

que vinculam os juízes operam no direito privado, em uma eficácia indireta ou mediata

(ALEXY, 1997 p. 512-5).

Para ALEXY, em um plano objetivo, as normas jusfundamentais, além de serem

regras, se comportam como princípios que se irradiam a todo sistema jurídico, o que tem

sido denominado como teoria da eficácia irradiante dos direitos fundamentais (CUNHA,

2010, p. 106). Sem desconhecer a realidade das normas infraconstitucionais, os princípios

jusfundamentais “conduzem a direitos e deveres em relações entre iguais que, devido a

vigência destes princípios em relação à Constituição, são necessários, mas que, sem sua

vigência, não o seriam”. Unificando diversas doutrinas sobre a eficácia horizontal das

normas fundamentais (VARGAS, 2010), ALEXY chega à conclusão que, na prática, estas

atuam com eficácia direta ou imediata nas relações cidadão-cidadão.

Para ALEXY, quanto ao efeito sobre terceiros: Há de se excluir, de pronto, duas coisas. Primeiro (...) não é consistente pensar que os direitosdo cidadão frente ao Estado sejam, ao mesmo tempo, direitos do cidadão frente aos cidadãos(...) Segundo, não se pode chegar a um efeito imediato em terceiros, apenas trocando odestinatário dos direitos frente ao Estado. (...) Por efeito imediato em terceiros há de seentender uma terceira coisa. Ela consiste em que, por razões jusfundamentais, na relaçãocidadão-cidadão existem determinados direitos e não-direitos, liberdades e não-liberdades,competências e não-competências que, sem estas razões, não existiriam. Se assim se define oconceito de efeito imediato em terceiros, da teoria dos efeitos mediatos em terceiros e dosefeitos em terceiros através da mediação do Estado, surge um efeito imediato emterceiros. (ALEXY, 1997, p.520).

Esta dupla função que as normas podem desempenhar (como fonte de direitos

subjetivos frente ao Estado ou como emanação de princípios objetivos que alcançam

também as relações privadas) é claramente evidenciada nas situações em que se há de

proteger o cidadão de intervenção de terceiros. Nesse caso, conforme ALEXY, o direito

do cidadão a uma ação concreta do Estado contra a intervenção de um terceiro configura

um “direito à proteção” que se afasta do conceito clássico de “direito de defesa” – que é

um direito frente ao Estado para que este se omita de intervir. No caso, não se pede a

abstenção do Estado, mas, ao contrário, se trata de um direito frente ao Estado para que

este atue contra terceiros, para que estes omitam intervenções. Trata-se, portanto, de

suplantar o pensamento tradicional que resiste a reconhecer que, mesmo no direito privado

109 No âmbito de trabalho, tendo em conta a desigualdade entre as partes, alguns autores chilenos chegam afalar em uma “eficácia diagonal” onde o poder público atua como fator de compensação de um relaçãodesequilibrada (GAMONAL, 2011, p. 28).

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ou penal, é possível sustentar a eficácia horizontal ou imediata das normas constitucionais.

(VARGAS, 2010).

As objeções tradicionais à eficácia dos direitos fundamentais em relação a

terceiros são particularmente maiores no que diz respeito aos direitos sociais110. Para

alguns autores, como Cascajo Castro (1998, p; 67), os direitos socais somente obrigariam

os terceiros privados quando assim o dispusessem os poderes públicos, em especial o

poder legislativo. No mesmo sentido, García Macho (1982, p. 91) quando afirma que a

introdução de particulares no círculo de destinatários dos direitos fundamentais sociais

significaria o fim da liberdade pessoal, da autonomia privada, da liberdade de contrato e

do direito privado. Outros, entretanto, como Perez Luño (1984, p. 22-23), são enfáticos ao

sustentar a eficácia dos direitos sociais frente a terceiros como uma consequência do valor

da igualdade material inerente ao Estado Social de Direito, o que leva à atuação dos

poderes públicos a fim de fazer eficaz a liberdade e a igualdade dos indivíduos.

Apesar das objeções, admite-se, em geral, que as normas constitucionais

prescrevam ao Estado ações positivas, de proteção dos valores sociais básicos, inclusive

contra terceiros. Assim, a polêmica se traslada para a efetividade das normas sociais,

especificamente a respeito de seu conteúdo positivo ou promocional, em especial

relativamente aos direitos fundamentais.

2.1.3.3 – Os direitos sociais como pretensão a uma atuação estatal

Elemento importante do conceito de direito fundamental é o de que o

destinatário destes direitos é o Estado (LEIVAS,2006, p. 89). Os direitos sociais

compreendem os direitos de créditos ou de prestações, ou seja, direitos que tornam o

Estado (e, em decorrência, também os particulares) devedores dos indivíduos,

particularmente os menos favorecidos, exigindo ações concretas com o fim de assegurar a

estes um mínimo de igualdade e bem-estar social.

Citando Alexy, Emerson Garcia (2005, p. 66), diz que longe de interditarem a

ação do Estado, os direitos sociais indicam a necessidade de ação estatal, incumbindo ao

Estado o fornecimento ao indivíduo de certos bens essenciais não disponíveis no mercado

ou que a eles não tivesse acesso por não dispor de meios financeiros suficientes. Assim,

são direitos a ações positivas, que não se limitam às obrigações prestacionais (que

estabelecem uma relação direta entre o Estado e o beneficiário da prestação e que exigem

110 . Um relato expressivo dessas objeções é feito por Martínez Estay (1997, p. 81-3, resumido emVARGAS, 2010)

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a disponibilização de reservas orçamentárias), mas podem implicar em outro tipo de

obrigações, em que o Estado assegura o gozo do direito por outros meios, em que podem

tomar parte ativa outros sujeitos obrigados. Alguns desses direitos podem se caracterizar

pela obrigação do Estado de estabelecer algum tipo de regulação, sem a qual o exercício

do direito não tem sentido. No caso, a obrigação do Estado se situa, não em despender

recursos, mas estabelecer normas que concedam relevância a uma situação determinada ou

assegurar a existência de uma estrutura que se encarregue de pôr em prática uma atividade

determinada. Em outros casos, a obrigação exige que a regulação estabelecida pelo Estado

limite ou restrinja as faculdades das pessoas privadas ou lhes imponha obrigações de

algum tipo. Trata-se de uma regulação que se estende também aos particulares Por

exemplo, o direito do trabalho. Por fim, o Estado pode cumprir sua obrigação provendo a

população de serviços, seja de forma exclusiva, seja através de formas de cobertura mista

que incluam, além de aporte de recursos públicos, uma regulação em que certas pessoas

privadas se vejam afetadas através de restrições, limitações ou obrigações. Como

exemplo, o sistema público de saúde. (VARGAS, 2010).

Autores como Fried van Hoof sustentam a ideia de que o Estado não é o único

a quem cabe satisfazer os direitos econômicos, sociais e culturais. Entendendo que é o

indivíduo o sujeito ativo de todo desenvolvimento econômico e social, de toda forma um

papel crucial na satisfação dos direitos sociais. Assim, incumbiria ao Estado (em um

esquema similar tanto aos direitos econômicos, sociais e culturais como aos direitos civis

e políticos) as obrigações de respeitar, proteger, garantir e promover o direito em questão

(BARRIGUETE, 2008). As obrigações de respeitar se definem pelo dever do Estado de

não interferir, obstaculizar ou impedir o acesso ao gozo dos bens que constituem o objeto

do direito. As obrigações de proteger consistem em impedir que terceiros interfiram,

obstaculizem ou impeçam o acesso a esses bens. As obrigações de garantir supõem

assegurar que o titular do direito aceda aos bens quando não puder fazê-lo por si mesmo.

As obrigações de promover se caracterizam pelo dever de desenvolver condições para que

os titulares do direito acedam ao bem. Nenhum desses níveis pode se caracterizar

unicamente através de obrigações positivas/negativas ou obrigações de resultado/de

meios, o que reforça a unidade entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos,

sociais e culturais.

Os direitos sociais, conforme Oscar Olvera (1998, p. 256-61), são “direitos do

homem contextualizado” (contrapondo-se à concepção abstrata dos direitos humanos), “de

titularidade individual e coletiva”, cuja finalidade é “garantir um piso social básico” (a

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satisfação das necessidades mais importantes e relevantes para a vida humana) e

“de tendência universalista” (de caráter evolutivo, destinam-se a albergar a maior

quantidade possível de necessitados, mesmo que não cidadãos).

Para José Afonso da Silva (2003, p. 285-286), os direitos sociais, como

dimensão dos direitos fundamentais do homem, são “prestações positivas prestadas pelo

Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais que possibilitam

melhores condições de vida aos mais fracos” e, assim, são direitos que se ligam ao direito

de igualdade.

2.1.3.4 – A indivisibilidade dos direitos civis, políticos e dos direitos sociais

Na doutrina tradicional, há uma clara diferenciação entre os direitos sociais

“latu sensu” (englobando os sociais propriamente ditos, econômicos, culturais e, mesmo,

os ambientais) e os direitos civis e políticos. O argumento central dos que diferenciam

essencialmente os direitos sociais dos civis e políticos se refere à natureza supostamente

distinta entre os chamados “direitos de promoção” e os chamados “direitos de defesa”. De

um ponto de vista tradicional, nos direitos de defesa, ao direito de liberdade de um

determinado sujeito corresponde um dever de caráter negativo para todos os demais,

incluído o Estado, que se obriga a não realizar atos que afetem o âmbito da autonomia do

sujeito. Por isso, as possibilidades de o Estado exigir o cumprimento dos deveres de

abstenção seriam altas, porque estes se cumprem por simples inação, o que permite que se

transfira às partes da relação jurídica todo o peso da denotação da vulneração, limitando-

se a ação positiva do Estado à aplicação de alguma medida de caráter coativo que impila o

infrator a cessar sua atividade lesiva quando esta se haja verificado como tal. Em outro

caso, quando se trata de direito a prestações, as ações positivas são mais difíceis, já que

exigem uma complexa atividade estatal para denotação ou comprovação do fato da

violação, algo “suscetível de diversas expressões ou de interpretações também variáveis”,

pois, ao não estar precisamente delimitado o conteúdo do direito envolvido, tampouco se

pode limitar os atos que o vulneram (PEÑA FREIRE, 1997, p. 158-9).

Por outro lado, tal diferenciação se baseia em um critério formal de

diferenciação entre direitos prestacionais (que exigiriam basicamente ações positivas) e

direitos de defesa (que exigiriam basicamente ações negativas). A par dessa diferenciação,

é possível um critério de diferenciação material entre ações positivas e ações omissivas

que dependa da fundamentação do direito, independentemente de ocasionalmente surgir

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uma pretensão a uma ação positiva ou negativa como meio para se alcançar a realização

do direito no material (LEIVAS, 2006, p. 83). Por tal critério, os direitos de defesa em

sentido material são direitos que asseguram uma esfera de liberdade perante o Estado,

independentemente de gerarem um direito a uma ação positiva como meio para se

alcançar a liberdade; já os direitos promocionais em sentido material garantem direitos a

ações positivas – normativas ou fáticas. Convém, assim, adotar uma classificação de

direitos fundamentais com base em um critério material, baseado na fundamentação do

direito – e não mais por um critério formal entre ações positivas ou omissivas (LEIVAS,

2006, p. 83-4).

De tal raciocínio conclui-se que o Estado, como destinatário das normas de

proteção, tem um amplo campo de ação dentro do qual pode eleger como deseja cumprir

com o mandado entre as várias opções disponíveis que importem em uma proteção ou

promoção do direito. Porém, tal dever estatal de proteção existe e essencialmente não é

distinto da proteção da dos direitos de defesa. Os direitos de defesa também necessitam da

proteção do Estado e, portanto, exigem um “fazer” (prestações positivas) – para além da

mera omissão –, o que, por sua vez, também demanda recursos do Erário Público. Se não

fosse assim, sequer se poderia pensar em “direitos” civis e políticos, pois as prescrições

normativas se limitariam a impor obrigações negativas ou sanções (COURTIS, 2009).

Boa parte da motivação para tão drástica diferenciação entre direitos sociais e

direitos políticos decorreriam de uma “tensão pela igualdade” dos primeiros em oposição

a uma “tensão pela liberdade” que caracterizaria os últimos. Trata-se de uma discussão

superada em prol de uma conceituação mais ampla de liberdade – “liberdade real” -, cujo

núcleo envolve também a proteção dos direitos sociais, já que envolve a satisfação dos

direitos civis, políticos e sociais, cujo exercício está vinculado tanto a imunidades

negativas como a faculdades positivas (SCHWARZ, 2013, p. 49-50).

Em realidade, a noção de radical diferença entre direitos sociais e direitos civis

e políticos coincide com a noção liberal de “Estado mínimo”, para a qual ao Estado

incumbiria lidar com as questões de justiça, de segurança pública e de defesa. Dessa

forma, não mais se justifica a pretensão de negar eficácia aos direitos sociais por uma

diferença tipológica com os direitos políticos, nem mesmo no campo do pensamento

liberal. Há claramente uma interrelação entre as obrigações positivas e negativas e tal

ocorre também quanto se trata de garantir a liberdade individual. As instituições políticas,

judiciais, de segurança pública e de defesa necessitam também, para consecução de seus

fins, que exercitem uma larga série de obrigações positivas. Da mesma forma, exige-se

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que o Estado desenvolva um papel ativo na criação das condições institucionais e legais

para consolidação, funcionamento e expansão do mercado. O mesmo ocorre quando se

pensa em outros direitos civis e políticos, como o do devido processo legal, do acesso à

justiça, do direito de casar, de associar-se ou de exercer os direitos eleitorais.

Como resumo, pode-se entender que tal distinção tem um valor meramente

classificatório: alguns direitos, por suas características principais, remetem mais a

obrigações negativas pelo Estado (direitos civis e políticos); outros se caracterizam

fundamentalmente por exigir obrigações positivas do Estado (direitos econômicos, sociais

e culturais).111 No espaço intermediário entre os dois tipos se situam um espectro de

direitos que combinam obrigações positivas e negativas em proporções diversas, sem que

se possa enquadrá-los em um ou outro tipo, exceto como resultado de uma decisão mais

ou menos arbitrária.

Abre-se espaço, assim, a uma concepção mais integradora que proclama a

unidade dos direitos fundamentais em que, essencialmente, se procura garantir o papel

central do cidadão no processo político com um triplo e simultâneo objetivo: a) o respeito

de sua esfera privativa de vida pessoal, não passível de coerção pelo poder político; b) a

elevação do cidadão como “dominus” da coisa pública , sujeito e não objeto da mesma,

mediante sua determinante participação na formação da vontade política do Estado e nas

instâncias pública e socialmente relevantes e c) organização de um sistema de prestações

positivas do Estado em favor do cidadão que tornam permanentemente possíveis sua

existência, seu livre desenvolvimento e a manutenção de seu papel central no sistema

(IBARRECHE, 1996, p. 102).

Finalmente, a indivisibilidade dos direitos civis e políticos também se justifica

ante um visão moderna de direitos humanos, onde se afasta equivocada noção de que

apensa uma classe de direitos (civis e políticos) merece inteiro reconhecimento e respeito,

enquanto outra classe de direitos (a dos direitos sociais, econômicos e culturais) ao revés,

não merece qualquer observância: a ideia da não-acionabilidade dos direitos sociais é

meramente ideológica e não científica. (PIOVESAN, 2004, p. 82).

2.1.3.5 – Os direitos sociais como normas jusfundamentais

111 “Todos los derechos cuestan y deben protegerse” sintetiza Luis Ernesto Vargas Silva (Presidente da CorteConstitucional da Colombia, afirmando que “a sustentabilidade fiscal não é um princípio constitucional, masapenas ferramenta para atingir os fins do Estado Social. (VARGAS SILVA, 2014).

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Os direitos fundamentais sociais explicitam o que corresponde à pessoa

humana ser e ter para que vida com dignidade em uma sociedade livre, justa e solidária

(LEDUR, 2009, p.83).

Conforme Paulo Leivas (2006, p. 87) os direitos fundamentais sociais

integram uma categoria mais ampla, juntamente com os direitos à organização e os

direitos à proteção, a dos direitos prestacionais em sentido amplo, que se caracterizam

como direitos a ações positivas, ainda que cada tipo de direitos tenha suas características

próprias.

Os direitos fundamentais à organização (e procedimento) podem ser tanto

direitos a determinadas normas procedimentais quanto a direito a determinada

interpretação de aplicação concreta de direitos procedimentais. Os direitos fundamentais

de proteção são direitos contra o Estado para que ele proteja os titulares de direitos

fundamentais contra intervenção de terceiros (LEIVAS, 2006, p. 84-5),

Em tal classificação, os direitos fundamentais sociais podem ser denominados

como direitos prestacionais em sentido estrito (LEIVAS, 2006, p. 85) e tem como

principal característica a ser mencionada a de serem direitos e ações positivas fáticas

(“direito a algo”). Não são quaisquer ações fáticas, mas aquelas que, se o indivíduo

possuísse meios financeiros suficientes e, se encontrasse no mercado uma oferta

suficiente, poderia obtê-las também de particulares. À primeira característica importa

acrescer outra, a da importância: nem tudo que pode ser encontrado no mercado pode ser

objeto de direito fundamental, social, mas aquelas ações reconhecidas como fundamentais

(“concepção formal dos direitos fundamentais”), expressando “posições tão importantes

que sua outorga ou não-outorga não pode permanecer nas mãos de simples maioria

parlamentar” (LEIVAS, 2006, p. 88).

Em ALEXY (1997, p. 62), se pode dizer que os direitos fundamentais sejam

aqueles que se extraem de normas de direito fundamental ou jusfundamentais. Os direitos

sociais são um gênero, que inclui diferentes espécies de direito (previdenciários,

trabalhistas, à moradia, à saúde, etc.) e, desde 1967, no Brasil, são considerados

“implicitamente fundamentais” (ACCA, 2013, p. 107).

Em uma definição possível de normas fundamentais, estas são aquelas

expressas nas disposições de direito fundamental contidas essencialmente na Constituição.

Tal definição contém um critério formal ou topográfico de norma fundamental que se

afasta de critérios materiais ou estruturais (que, por exemplo, restringiriam as normas

jusfundamentais àquelas que expressassem os direitos individuais de liberdade ou que

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limitariam essas normas aquelas que conferissem direitos subjetivos). Porém, tal definição

não pode ser estreitamente interpretada, pois é possível argumentar validamente que

outras normas, ainda que não previstas formalmente na Constituição, sejam a ela

associadas (ALEXY, 1997, p. 70) e, assim, sejam também normas jusfundamentais

(LEIVAS, 2006, p.10-1 e 89-90).

É possível identificar os direitos fundamentais sociais, ainda quando não

expressamente expressos na Constituição, como integrados a um conjunto de normas que

constituem uma “ordem objetiva” constitucional, superando-se uma visão tradicional que

procura diferenciar os direitos sociais dos direitos políticos (Canotilho, 1991, p.532).

Desta forma, potencialmente, podem ser utilizados por qualquer pessoa em determinadas

circunstâncias, embasados na consciência social de viver todos em dignidade (fator de

coesão social, com base na solidariedade social).

2.1.3.6 – As dificuldades de concreção dos direitos fundamentais sociais

Intensa polêmica marca o debate quanto à efetividade e à aplicabilidade direta

dos direitos sociais. Quando se trata de fazer valer os direitos sociais constitucionais, em

especial os ligados ao trabalho, a tensão política cresce de dimensão, especialmente no que

diz respeito às suas reais possibilidades de efetivação desse direito constitucional. Alguns

autores, com base na judiciabilidade deficiente dos direitos sociais, negam a eles qualquer

pretensão de vinculação dos poderes públicos, entendendo que a definição de seu

conteúdo é um assunto da política. Outros, como Carl Schmitt (1982), apontam uma

suposta incompatibilidade dos direitos sociais como outros valores constitucionais, como a

liberdade. Ou, pelo menos, identificam um “ciclo de baixa normatividade” dos direitos

sociais (BONAVIDES, 2007, p. 564-565).

Entretanto, as dificuldades de reconhecimento dos direitos sociais não são

maiores que as dos direitos políticos: a identificação das violações dos direitos políticos

não difere essencialmente da dos direitos sociais. Ainda que se reconheça que a carga

promocional dos direitos de defesa crie maiores problemas por razões teórico-estruturais –

o que afeta sua justiciabilidade, tal distinção não é essencial no que tange a um dever de

proteção do Estado. Conforme Alexy (1997, p. 446), a diferença, no caso, radica no fato

de que os direitos de liberdade ou de autonomia assumem a forma de “expectativas

negativas” a que corresponde o dever dos poderes públicos de “não fazer” (proibições), ao

passo que os direitos sociais impõem deveres de “fazer” (obrigações) e sua violação não

se manifesta, como no caso dos de liberdade, na falta de validade de atos (legislativos,

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administrativos ou judiciais) – que podem ser anulados pela via jurisdicional, mas em

“lacunas de disposições e/ou carências que reclamariam medidas coercitivas nem sempre

acionáveis” (FERRAJOLI, 1999, p. 109).

Por outro lado, como se viu, não se pode falar em mera omissão estatal de

agir, seja em face a direitos sociais, seja em face de direitos civis e políticos. Haverá

sempre um campo de ação dentro do qual o administrador poderá eleger sua ação

protetiva, sem que se possa pretender que ser admissível a omissão no exercício de seu

dever de agir (e de, assim, necessariamente, escolher por uma das ações possíveis,

parecendo racional que escolha a que seja mais efetiva!) sob a alegação de que tal escolha

deve ser feita pelo legislador.

O conteúdo promocional das normas sociais pode exigir diversas formas de

intervenção pública para sua concreção. As dificuldades residem, mais uma vez, na

natureza e alcance de tal ação estatal. A inexistência ou a inconveniência de direitos

subjetivos públicos tem sido oposta à efetividade dos direitos fundamentais, em especiais

os direitos fundamentais sociais.

A título de ilustrar essa polêmica, dois autores são trazidos à colação,

problematizando as possibilidades de judiciabilidade dos direitos sociais: PEÑA FREIRE

(1997, p. 154-66) e FERRAJOLI (1999, p. 101-119).

PEÑA FREIRE entende que os direitos subjetivos não oferecem um nível de

garantia adequado aos direitos fundamentais, pois são “expedientes de garantia individual,

reacional, negativo e processual” e, portanto, são uma garantia válida para relações com

estas mesmas características, ao passo que “a centralidade da pessoa que vincula o poder

político e o sistema jurídico” exige-se a “maximização da garantia”, de forma que se atinja

um nível mais elevado de garantia do que a simples habilitação processual. Apontando as

dificuldades para tomar os direitos subjetivos em peça-chave de um sistema de garantia

constitucional, o autor assinala óbices políticos (tendência de maximização não-prevista

na Constituição dos direitos através da atuação do mesmo órgão responsável pelas

garantias); axiológicos (não-adequação do direito subjetivo, próprio para situações de

desigualdade, para proteção e garantia de situações de igualdade) e estruturais (direitos

fundamentais são entendidos como prévios e originários ao ordenamento jurídico; são

faculdades que se usufruem sem necessidade de imputação normativa e, assim, não são

assinaláveis a indivíduos; são indisponíveis, ao contrário dos direitos subjetivos).

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Claramente aposta PEÑA FREIRE no reconhecimento – não de direitos

subjetivos – mas de interesses legítimos112, que, nas suas próprias palavras, se

caracterizariam por sua estrutura imperfeita e por permitir somente uma tutela indireta – já

que se refere ao exercício de uma potestade administrativa em que não são afetados

direitos substanciais. Assim, o interesse legítimo teria uma “natureza instrumental,

vinculada ao procedimento administrativo e somente se veria expressada a partir da

derivação ou exercício ilegítimo do poder público administrativo”.

Em um certo contraponto a tal ceticismo, FERRAJOLI entende que as

dificuldades para as garantias dos direitos sociais não são razão suficiente para negar o

reconhecimento destes como verdadeiros direitos. Para ele, a razão jurídica atual, para

além da tradição juspositivista clássica, beneficiando-se dos progressos do

constitucionalismo do século passado, pode hoje configurar e construir o direito como

“um sistema artificial de garantias constitucionalmente pré-ordenado para a tutela dos

direitos fundamentais”.

Segundo Ferrajoli, em sentido amplo, os direitos fundamentais podem ser

considerados estratégias dirigidas a proteger interesses relevantes, às vezes vitais. A

proteção consiste, basicamente, na invocação desses interesses para que alguém resulte

obrigado a não interferir ou a atuar positivamente na preservação dos mesmos, criando-se,

conforme a formulação e o alcance prático das obrigações, diferentes níveis de garantia

dos direitos. A inexistência ou a insuficiência de tais garantias em alguns desses níveis

pode reduzir os direitos, no melhor dos casos, a simples declarações bem-intencionadas e,

no pior dos casos, em velado instrumento de manipulação de poder. Desde ponto de vista,

não há direitos sem deveres correlatos e, portanto, sem sujeitos que se obriguem a

respeitá-los. Mas, por outro lado, não há sujeitos obrigados sem sujeitos capazes de

obrigar.

Ainda conforme Ferrajoli, os direitos subjetivos se caracterizam como

expectativas de prestações e de não-lesões frente aos poderes públicos e privados. As

garantias, por sua vez, são apresentadas como obrigações destinadas à proteção dos

direitos. Estas obrigações podem assumir conteúdo de deveres positivos (de fazer) ou

negativos (de não fazer). Ferrajoli distingue dois tipos de garantias: as primárias (legais) e

as secundárias (jurisdicionais). As garantias primárias compreendem as obrigações em

que, em matéria de direitos fundamentais, as normas se impõem ao legislador (e,

112 O “interesse legítimo” seria o “irmão menor” do direito subjetivo. “Conforme José Afonso da Silva,citando Barile, ao contrário do direito subjetivo, em que a proteção é direta, plena e específica, a proteção dointeresse é indireta, limitada e genérica” (AFONSO DA SILVA, 2000, p. 170).

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indiretamente, ao administrador). As garantias secundárias, por sua parte, estão

constituídas por deveres em que, também em relação aos direitos, as normas destinam-se

aos órgãos jurisdicionais. A relação entre umas e outras seria de subsidiariedade, ou seja,

as garantias secundárias operariam somente em caso de insuficiência ou não cumprimento

das garantias primárias. Ambas seriam, em suma, deveres a cargo dos poderes públicos,

isto é, garantias em que se estabelece com os direitos uma relação de imputação

normativa, um “dever-ser” do ordenamento jurídico (FERRAJOLI, 1999, p. 12).

Assim, não se deve confundir conceitualmente “direitos subjetivos” (que são

as expectativas positivas - de prestações- ou negativas – de não-lesões-) atribuídas a um

sujeito por uma norma jurídica com as garantias (deveres correspondentes a estes direitos).

A distinção entre as garantias primárias e garantias secundárias se baseia na teoria de

Kelsen (1998, p. 190-2), para quem as primeiras consistem em obrigações (de prestação) e

proibições (de lesões); as segundas são as obrigações de reparar ou sancionar

judicialmente as lesões dos direitos, quer dizer, as violações de suas garantias primárias A

teoria kelseniana é apropriada para explicar os direitos patrimoniais, pois toma estes como

figuras paradigmáticas do direito subjetivo. Entretanto, não pode dar conta dos chamados

sistemas fotodinâmicos em que, teoricamente, é possível tanto a existência de antinomias

(contradições entre normas) como de lacunas (pela ausência de normas que propiciem a

completude). Em tais sistemas – que são próprios para o caso dos direitos fundamentais -,

não se pode meramente negar a existência do direito ante a constatação da presença de

uma antinomia (normas contraditórias) ou de uma lacuna (como a ausência de garantias

secundárias).

Conforme o autor citado, nem sempre se estabelece uma relação normativa

entre as garantias primárias e as garantias secundárias. Assim, ante a inexistência das

segundas não há porque negar a existência das primeiras, mas, ao contrário, há de se

apontar para uma “inobservância dos direitos positivamente estipulados, porque o que

ocorre é uma indevida lacuna que deve ser preenchida pelo legislador”.

Como consequência prática de tais posicionamentos teóricos, nada autoriza

concluir que, tecnicamente, os direitos sociais não sejam garantizáveis do mesmo modo

que os demais direitos porque os atos requeridos para sua satisfação seriam

inevitavelmente discricionais, não formalizáveis ou não suscetíveis de controles e

coerções jurisdicionais. Devem-se buscar as razões da não-efetividade dos direitos sociais,

portanto, no âmbito da vontade política – e não da impossibilidade técnico-jurídica.

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Conclui Ferrajoli que a existência de direitos constitucionais não supõe

somente a obrigação do legislador de preencher as lacunas de garantias com disposições

normativas e políticas orçamentárias orientadas a sua satisfação, mas também “o

estabelecimento de tantas outras diretivas dotadas de relevância decisiva na atividade

interpretativa da jurisprudência ordinária e, sobretudo, na dos Tribunais superiores”.

A discussão a respeito da aplicabilidade dos direitos sociais, especificamente o

direito ao trabalho no contexto do direito alemão, é problematizada também por Robert

Alexy (1997, p. 432-501) que expõe os argumentos favoráveis e contrários em um modelo

de direitos fundamentais sociais. No primeiro sentido, são expostos duas teses: que a

liberdade jurídica não tem sentido se não se transforma na liberdade fática que assegura ao

indivíduo a possiblidade de escolher o que lhe é permitido; que cabe ao Estado assegurar

ao indivíduo o exercício dos direitos fundamentais para que ele possa desenvolver-se livre

e dignamente na comunidade social. No sentido oposto, arrolam-se as teses de que os

direitos sociais não são judiciáveis porque tal implicaria a transferência de decisões

políticas do Parlamento para os Tribunais e de que os direitos sociais mostram-se

inconciliáveis com as normas constitucionais que asseguram os direitos de liberdade.

Como solução, Alexy propõe um modelo de direitos sociais que considere

tanto os argumentos favoráveis quanto os desfavoráveis, sustentando que “os direitos

sociais são tão importantes que sua outorga não pode ficar à mercê de simples maioria

parlamentar” (ALEXY, 1997, p. 432). Assim, através de uma ponderação dos princípios

em conflito, tarefa designada ao intérprete constitucional, é possível determinar dos

direitos sociais definitivos que o indivíduo possui. (LEDUR, 1998, p. 73-7).

2.1.3.7 - A proibição da proteção não-suficiente.

Conforme Paulo Leivas (2006, p. 76), o conceito de proibição de não-

suficiência surgiu na Alemanha e designa a exigência de que o legislador (e também o

administrador), se está obrigado a determinada ação, deve atuar de forma que tal ação

alcance resultados mínimos. Tal conceito é simétrico ao que ocorre com a proibição do

excesso, que obriga o Estado, sua ação, a observar limites máximos (LEIVAS, 2006, p.

76).

A teoria constitucional de Alexy admite que os direitos fundamentais,

compreendidos como mandados de otimização prima facie possam sofrer restrições

mediante outras normas de nível constitucional ou por meio de normas infraconstitucional

autorizadas pela constituição e, nesse caso, decide-se o caso através do exame de

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proporcionalidade (teoria externa das restrições) (LEIVAS, 2006, p. 61-2). No que tange

às obrigações positivas, que necessitam de ação do Estado para serem efetivadas,

questiona-se sobre as possibilidades fáticas de ações positivas adequadas que levem a seu

cumprimento. A análise permite um abordagem dúplice: os direitos à ações positivas

podem ser entendidos como princípios prima facie ou como direitos definitivos. Se as

obrigações positivas são entendidas como princípios, podem ser tomadas como mandados

que ordenam prima facie sua otimização dentro das possibilidades fáticas e jurídicas e,

portanto, constituem mandados de ação universal, ou seja, ordenam todas as ações que

promovam o objeto de otimização. Nesse sentido, a estrutura teleológica desse mandado

de ação universal determina que, ordenado um objetivo Z e existente um meio M que

promove ou alcança o objetivo Z, a utilização do meio M é ordenada. (LEIVAS, 2006, p.

74).

Já as obrigações positivas como direitos definitivos dependem do preceito da

proporcionalidade. Se, nos direitos de defesa, existe a “proibição do excesso”, em relação

aos direitos que exigem ações positivas do Estado, a aplicação do preceito da

proporcionalidade aplica-se a “proibição da não-suficiência”. Tratam-se de conceito

equivalentes que se deduzem-se logicamente do caráter principiológico das obrigações de

ação estatal (LEIVAS, 2006, p. 76).

Considerando a existência de diferentes ações promocionais decorrentes de

diferentes medidas, sendo que muitas delas acabam por eliminar posições jurídicas

constitucionais contrárias, há de se indagar, para cada uma dessas medidas, se e em que

medida, sua aplicação é ordenada pela Constituição. Para tanto, aplica-se a ponderação,

nos seus três preceitos parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade estrita

(LEIVAS, 2006, p. 77).

A adequação no sentido da proibição da não-suficiência implica que uma

medida M será adequada quando for apta para alcançar ou promover o objetivo exigido

pela norma que obriga o Estado a agir (princípio P1); caso contrário, ou seja, caso o meio

M1 não seja apto, ele será proibido, impondo-se que outros meios, adequados, sejam

buscados para a realização do princípio P1.

A necessidade no sentido da proibição da não-suficiência implica que não

exista outro meio pelo qual o objetivo exigido pela norma que obriga o Estado a agir seja

igual ou em maior medida alcançado, porém preservando ou atingindo menos fortemente

posições jusfundamentais colidentes. Assim, existindo, a par de um meio M1, um outro

meio M2, sendo ambos adequados a realização do princípio P1 no sentido da proibição da

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não-suficiência, será preferível o meio que em menor medida prejudica a realização do

princípio colidente P2 e, assim, se este for M2, tem-se que o preceito da necessidade

proíbe a utilização de M1.

A proporcionalidade estrita no sentido da proibição da não-suficiência implica

que se realize uma ponderação segundo a regra de que “quanto maior é o grau de não-

satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior tem de ser a importância da

satisfação do outro”. Trabalha-se, aqui, com princípios dirigidos contra o Estado e que,

por seu caráter teleológico, exigem a ação mais ampla possível no sentido de otimização

de um objetivo. Existindo mais um meio adequado e necessário para promover ou

alcançar o princípio P1, procede-se um juízo com base na regra de ponderação, pela qual

se avalia o grau de afetação ou não satisfação entre os meios concorrentes em relação ao

princípio concorrente P2. A regra de ponderação pode adotar uma escala de

satisfação/afetação triádica (leve, média e grave) ou triádica dupla (leve-leve, leve-média,

leve-grave, média-leve, média-média, média-grave, grave-leve, grave-média ou grave-

grave). Assim, um meio M2 que prejudica a satisfação do princípio concorrente P2 de

forma grave e satisfaz o princípio P1 de forma média, tal meio está proibido, devendo ser

buscados outros meios que promovam ou realizem o princípio P1.

Da ponderação pode ocorrer que nenhum meio satisfaça o princípio P1 e,

portanto, nenhum meio é exigido; ou que apenas um meio satisfaça o princípio P1, o que

determina que este meio seja exigido definitivamente. Existindo mais um meio adequado,

necessário e proporcional em sentido estrito que satisfaça o princípio P1, discute-se se

cabe ao Estado discricionariamente escolher qualquer dos meios ou, então, adotar-se outro

meio de escolha. Considerando que a livre escolha do meio pelo Estado implica a

possibilidade um espaço de ação que permite que este termine por não adotar o meio de

maior assistência (contrariando o mandado de otimização), parece mais correto que se

busque meio alternativos de escolha: a) maximização da intensidade de assistência; b)

maximização da proporção entre intensidade de assistência e intensidade de prejuízo. O

primeiro significa que, abstraindo-se do eventual prejuízo em princípios colidentes,

escolhe-se o meio que oferece a mais alta satisfação do princípio que impõe uma

obrigação de ação positiva do Estado. O segundo implica uma ponderação de segundo

nível, pela qual se metrificam a intensidade da realização e do prejuízo, em um cálculo de

subtração (realização menos prejuízo) ou de proporção (realização dividida por prejuízo),

recaindo a escolha sobre a meio de melhor resultado (LEIVAS, 2006, p. 77-81).

Demonstra-se, assim, que os direitos e as ações positivas são estruturalmente

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determináveis, podendo resultar em obrigações definitivas judicializáveis. Em caso de

duas ou mais ações proporcionais em sentido amplo (adequadas, necessárias e

proporcionais em sentido estrito), tendo em conta as dificuldades para uma aplicação de

segundo nível, prefere-se a ação com a máxima intensidade de assistência (LEIVAS,

2006, p. 82).

2.1.3.8 – O princípio de não-retrocesso dos direitos fundamentais sociais

A ideia originalmente se encontra em Konrad Hesse como irreversibilidade

das conquistas sociais em seu manual de direito constitucional em 1978, mas somente

reaparece mais de dez anos depois, já como o nome de princípio do não-retrocesso social

(ACCA, 2013, p. 100). Em tal período, a Alemanha atravessou período de dificuldade

econômica, tendo-se instalado um debate sobre o futuro do Estado Social alemão e sobre a

legitimidade de restringirem-se e/ou suprimirem-se benefícios sociais assegurados aos

cidadãos (CONTINENTINO, 2015).

Tal princípio preconiza, basicamente, que ganhos sociais garantidos pelo

Estado aos seus cidadãos não podem posteriormente ser suprimidos. De um ponto de vista

prático, trata-se de questionar quais os limites em que uma nova legislação possa suprimir

conquistas sociais, ou, conforme Ingo Sarlet (2005), “saber se e até que ponto pode o

legislador infraconstitucional (assim como os demais órgãos estatais, quando for o caso)

voltar atrás no que diz com a implementação dos direitos fundamentais sociais, assim

como dos objetivos estabelecidos pelo Constituinte (...) ainda que não o faça com efeitos

retroativos e que não esteja em causa uma alteração do texto constitucional”. Cogita-se,

aqui, dos efeitos prospectivos de tais da alteração legislativa, não se confundindo com a

proteção geral a respeito de direitos adquiridos (SARLET, 2005). Além disso, pode-se

interpretar tal princípio como sendo um dever geral de progressidade”, que criaria um

ônus para o administrador e para o legislador de justificar a necessidade das medidas

regressivas, pois, conforme Rodrigo Schwarz (2013, p. 59), ainda que se admita que, em

certas circunstâncias, os poderes públicos promovam certas reformas prima facie

regressivas, “devem sempre demonstrar à cidadania que as alterações que pretendem

promover redundam, ao final, em maior “promoção dos direitos sociais, justificando-as

amplamente”.

De um ponto de vista prático, trata-se de questionar quais os limites em que

uma nova legislação possa suprimir conquistas sociais, ou, conforme Ingo Sarlet (2005),

“saber se e até que ponto pode o legislador infraconstitucional (assim como os demais

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órgãos estatais, quando for o caso) voltar atrás no que diz com a implementação dos

direitos fundamentais sociais, assim como dos objetivos estabelecidos pelo Constituinte

(...) ainda que não o faça com efeitos retroativos e que não esteja em causa uma alteração

do texto constitucional”.

Essa obrigação de não-regressividade em matéria de direitos sociais se

relaciona com uma obrigação de progressividade e, assim, em sua versão mais ampla e

ideológica, configuraria um “princípio da proibição da evolução reacionária”, pressupondo

a inevitabilidade de um progresso, uma direção e uma meta emancipatório e

unilateralmente definidas: aumento contínuo de prestações sociais”. Tal princípio,

aplicado de forma rígida, anteriomente enfatizado por Canotilho (1999, p. 320), foi pelo

mesmo repensado, e passou a ser defendido de forma relativizada (CANOTILHO apud

Continentino, 2015).

No Brasil, o embate também evoluiu para uma posição mais flexível. Entre os

que afirmavam a inconstitucionalidade de qualquer norma que tenha como meta a

relativização, supressão ou aniquilação dos direitos sociais (Túlio Afonso) e os que

achavam que o legislador pode reduzir, mas não suprimir políticas públicas (Cláudia

Gonçalves), surgiu um terceiro grupo.de doutrinadores que aceitava uma redução desde

que não fosse atingido o núcleo essencial do direito social em questão (ACCA, 2013, p.

101-2). Surge, assim, uma doutrina restrita do princípio do não-retrocesso, como base no

inatingibilidade do núcleo essencial dos direitos sociais. 113

A doutrina da garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais foi

especialmente desenvolvida na Alemanha em razão da existência da Lei Fundamental de

Bonn no art. 19.2 de que as leis restritivas de direitos fundamentais não podem atingir o

núcleo dos direitos, verdadeiramente “um espaço de maior intensidade valorativa” (o

“coração do direito”), sem o qual o direito deixa verdadeiramente de existir (ADAMY,

2011, p. 129)

Conforme Ingo Sarlet (2006, p. 25), o princípio do não-retrocesso encontra-se

implícito na Carta de 1988 como decorrência da noção de Estado Democrático de Direito

e em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. Intimamente ligada à

noção de segurança jurídica, a proibição de retrocesso se justifica pela necessidade da

dignidade das pessoas serem suficientemente protegida e respeitada ficando a salvo da

instabilidade jurídica de maneira a terem um mínimo de segurança e tranquilidade,

113 Outros autores, como o português Jorge Novais sustenta uma proibição restrita de normas regressivas,porém com base no princípio da proteção da confiança (NOVAIS, 2014, p 262-262).

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confiança nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e em uma certa

estabilidade de suas próprias posições jurídicas.

Citando Jorge Miranda, Sarlet (2005) afirma a conexão do princípio do não-

retrocesso social com o direito à segurança jurídica, sustentando que

“o legislador não pode simplesmente eliminar as normas (legais) concretizadoras de direitossociais, por isso equivaleria a subtrair às normas constitucionais a sua eficácia jurídica, já queo cumprimento do comando constitucional acaba por converter-se em uma proibição do dedestruir a situação instaurada pelo legislador”.

Portanto, reconhece-se que, uma vez alcançado pelo cidadão um núcleo

essencial de direitos sociais contido na ordem constitucional, que se constitui em um

patamar mínimo de segurança social que não pode ser anulado pura e simplesmente pelo

administrador e, nem mesmo, pelo legislador ordinário, já que corresponde ao núcleo do

direito à um mínimo de existência digna” (SARLET, 2005).

Tal conteúdo mínimo não é alterável mediante interpretação, nem pode ser

disposto por maiorias conjunturais114, de forma que não se pode utilizar a realidade

econômica ou social de um momento dado como critério para que não sejam aplicados os

princípios constitucionais (BERCOVICI, 2004, p. 110). Assim, diversos tribunais tem

desenvolvido a tese da existência de marcos mínimos ou essenciais em matéria de direitos

sociais, obrigatórios tanto para os poderes públicos como para particulares, como por

exemplo, a teoria do mínimo de existência vital pelo Tribunal Constitucional alemão

(SCHWARTZ, 2013, p. 65).

114 Conforme Sarlet (2005), em relação a tal conteúdo mínimo, não se aplicam nem a cláusula da “reserva dopossível”, nem a objeção da separação do poderes.

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2.2 O DIREITO À UMA REABILITAÇÃO PROFISSIONAL EFETIVA E

COMPLETA

2.2.1 O direito ao trabalho na Constituição brasileira

Ao contrário de outras constituições (como a Lei Fundamental de Bonn, por

exemplo), a Constituição brasileira cataloga uma série de direitos sociais, no Capítulo II

do Título II, sendo que este dispõe sobre Direitos e Garantias Fundamentais. Nesse

capítulo estão contidos os artigos 6º (que descreve genericamente os direitos sociais,

enumerando expressamente os relativos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à

segurança, a previdência social, à proteção à maternidade, à infância e à assistência aos

desamparados), 7º (que prevê os direitos trabalhistas), 8º (que dispõe sobre direitos e

garantias às associações sindicais), 9º (que garante o direito de greve), 10º (que assegura a

participação de trabalhadores e empregados, por suas entidades representativas, em

colegiados de órgãos públicos) e 11 (que prevê a eleição de representante dos

trabalhadores em empresas com mais de 200 empregados para fins de entendimento

direto). Por fim, deve-se ter em conta o controvertido art. 10 das Disposições Transitórias

Constitucionais que limita a proteção contida no art. 7º, I “ao aumento para quatro vezes

da porcentagem prevista no art. 6º caput e parágrafo 1º da Lei n. 5.107 de 13 de novembro

de 1966” ou seja, passa a ser uma indenização compensatória no valor de 40% sobre os

depósitos do FGTS

Assim, não deve pairar dúvidas de que, na Constituição brasileira, os direitos

sociais são inequivocamente normas jusfundamentais (SARLET, 1998, p. 255). Optou,

portanto, o legislador constituinte pela inclusão dos direitos sociais no capitulo dos

direitos fundamentais, assegurando-os a todos os trabalhadores urbanos e rurais, ao lado

de outros que visem à melhoria de sua condição social. Pelos mesmos motivos, os direitos

sociais tem aplicação imediata, conforme artigo 5o, parágrafo 1o da Constituição Federal.

Interpretando sistemicamente as normas de proteção ao direito ao trabalho

teríamos, em primeiro lugar, os artigos 6º e 7º da Constituição Federal. Analisando a

eficácia de ambos os dispositivos, Luís Afonso Heck115 afirma que, no art. 6º, situa-se uma

norma relacionada com o direito ao trabalho, enquanto que, no art. 7º, encontram-se

normas relacionadas com o direito do trabalho, ou seja, normas que se aplicam no trabalho

115 In: Prefácio do livro LEDUR, José Felipe. “A realização do direito ao trabalho”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998,

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assentado sobre uma situação jurídica. Do fato, entende o autor que, no primeiro caso, “a

tarefa de interpretação da constituição, histórico-concreta, que não está na obtenção do

sentido por meio uma aproximação reflexiva do problema a ser resolvido, cabe antes ao

legislador do que ao judiciário”. Portanto, para o autor, trata-se de um direito fundamental

que exige, por seu conteúdo indefinido, primeiro, a atividade configuradora do legislativo

e a organizadora do executivo (art. 174). Já quanto ao art. 7º, trata-se de uma relação

jurídica violada e que, assim, está a cargo do judiciário, mesmo no caso de omissão do

legislador. Entretanto, não se pode deixar de considerar que, nesse processo de clivagem

interpretativa, de algum modo se enfraquece o direito como um todo que, como se viu,

deflui diretamente de todo o sistema constitucional, estabelecendo um plano global

normativo para o Estado e da sociedade.

Conforme Ivan Amorin, “o direito ao trabalho, enquanto previsto na

Constituição, não impõe o dever de se garantir emprego para todos, mas se refere à

possibilidade de se exercer licitamente a atividade”. (AMORIN, 2009, p. 85) Assim, não

haveria um direito subjetivo de se exigir uma prestação na obtenção do emprego, nem uma

obrigação do Estado em conseguir trabalho para todos os que estejam desocupados, mas

apenas um compromisso do Estado empregar recursos para proporcionar ocupação aos

que dela careçam (AMORIN, ibidem).

Já Leonardo Vieira Wandelli (2012, p. 224) entende que os diversos direitos

referidos nos artigos 7º a 11 da Constituição são desdobramentos parciais do direito

fundamental ao trabalho contido no art. 6º, que não esgotam todos seus efeitos, já que uma

parte importante do conteúdo desse direito se refere à sua dimensão objetiva, ou seja,

inclui a obrigação do Estado de promover um plexo de normas reguladoras e protetivas da

relação de emprego. Esta é apenas uma das múltiplas facetas do direito ao trabalho.

Assim, qualquer pessoa pode ser titular ao direito ao trabalho, ao passo que somente os

trabalhadores são titulares do direito do trabalho. A importância de tal pensamento é a de

que, especificamente para uma parcela dos trabalhadores (aqueles que já detêm um posto

de trabalho), a proteção contra a despedida tal como prevista no art. 7º constitui, mais de

que um direito individual, é um dever de Estado, emanado diretamente do art. 6º

constitucional.

Tais dispositivos constitucionais devem ser interpretados em conjunto com

outros que também conferem ao trabalho elevado valor social, a ponto de situá-lo,

juntamente com a livre iniciativa, como fundamento da República (art.1, IV), ligado

intimamente à dignidade da pessoa humana (art. 1, III).

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No sentido no sentido constitucional da palavra, como leciona Ingo Sarlet

(2004, 1, p. 59-60), a dignidade é entendida como sendo

“a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor domesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nestesentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contratodo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir ascondições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover suaparticipação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhãocom os demais seres humanos” (SARLET, 2004, 1, p. 59-60).

O princípio constitucional de dignidade não apenas impõe ao Estado e aos

particulares um dever de respeito e abstenção, mas também exige a realização de condutas

positivas por agentes públicos e privados tendentes a efetivar e promover a existência

digna do indivíduo (SOARES, 2010, p. 145).

Há de citar, também, os dispositivos constitucionais que se referem à ordem

econômica (art. 170 a 192), em especial, o art. 170 que funda esta última na valorização

do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo como fim assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social, observados determinados princípios, dentre

os quais, o que mais nos interessa mais aqui é o contido no inciso VIII (busca do pleno

emprego). Como bem observa Rafael da Silva Marques (2007, p. 98), “a livre iniciativa

está referida após a valorização do trabalho humano, donde se conclui que a ordem

econômica deve ter por base, primeiro, a valorização do trabalho humano, em detrimento

dos demais valores econômicos e de mercado”.

Como bem observa Wandelli, o contexto normativo é amplamente favorável

ao fortalecimento do direito ao trabalho por meio de um amplo leque de razões normativas

decorrentes do próprio texto constitucional, desdobrando-se em inúmeros princípios e

direitos parcelares, o que não deve servir de pretexto para a diluição de sua normatividade

autônoma (WANDELLI, 2012, p. 228-9).

2.2.2 Conteúdo e limites do direito ao trabalho do reabilitado profissional

O reabilitado profissional faz parte de um contingente de trabalhadores

vulneráveis, o que justifica uma especial proteção por parte do legislador, tanto

assegurando a efetividade do direito fundamental ao trabalho do reabilitado por meio de

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normas adequadas como prevendo garantias legais116 que possam ser eficazmente

acionadas em caso de lesão desse direito.

Entendida a reabilitação profissional como um conceito complexo, que

abrange prestações fáticas no âmbito da saúde, da assistência social e da previdência

social, o direito social à reabilitação profissional implica em um direito prestacional em

sentido estrito, pelo qual o reabilitando faz jus a ações positivas fáticas por parte do

Estado que lhe assegurem o acesso a bens e serviços que, de outra forma, não lhe seriam

disponíveis. Por outro lado, como direito prestacional, o direito à reabilitação profissional

implica também uma dimensão protetiva, qual seja, uma pretensão normativa de poderes

públicos desenvolvem políticas públicas que visem a uma reinserção laboral adequada,

inclusive com a criação/manutenção de uma legislação suficientemente protetiva que

propicie uma reabilitação plena. O núcleo de tal direito é uma reabilitação plena, ou seja,

simultaneamente efetiva na medida que assegure ao trabalhador a possibilidade de

assunção a um posto de trabalho adequado como completa de forma que o processo

reabilitatório não cesse sem que se complete sem a reinserção real inserção a um posto de

trabalho - ou, configurada sua impossibilidade, sem o asseguramento ao trabalhador de um

prestação assistencial suficiente.

Um tal direito à reabilitação profissional não está expresso na Constituição,

mas sua existência pode ser deduzida como um direito materialmente fundamental, ligado

ao direito ao trabalho, tendo em conta os princípios da dignidade da pessoa humana e de

valorização do trabalho humano com a finalidade de assegurar a todos uma existência

digna. O direito à reabilitação profissional, como direito à assistência social, é

expressamente previsto no art. 204, IV da Constituição. Da mesma forma, como

decorrência do direito à saúde, também deve ser deduzido tal direito, como dever do

Estado de promover políticas públicas igualitárias e universais de promoção, proteção e

recuperação da saúde. Porém, essencialmente como desdobramento do princípio

constitucional da igualdade, configura-se o direito à reabilitação profissional como direito

à uma integração não-discriminada no mercado laboral, o que, em uma visão

substantivista do conceito de antidiscriminação (RIOS, 2008, p. 27-31), implica no direito

a ações afirmativas por parte dos poderes públicos no sentido de compensações das

desvantagens e de remoção dos obstáculos a uma plena reinserção laboral.

116 “As garantias traduzem-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção de seusdireitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade”. (MORAES, 2006, p.171).

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Os tratados internacionais ratificados pelo Brasil e que fazem parte integrante

do ordenamento jurídico brasileiro, reconhecem ao reabilitado profissional uma posição

destacada entre os cidadãos merecedores de proteção e assistência, tendo em conta sua

peculiar situação de ser, simultaneamente, vítima do infortúnio, portador de deficiência

que lhe reduz a capacidade de prover seu próprio sustento e, ainda, potencial alvo de

discriminação (ver item 1.1.2). Da mesma forma, aplicável aos reabilitados profissionais,

no que diz respeito à reinserção laboral, a normatividade prevista na legislação protetiva

aos deficientes físicos, como já se mencionou (ver item 1.1.1). A aplicação das normas

relativas a pessoas com deficiência aos reabilitados profissionais, decorre da assimilação,

no que concerne à tutela específica do tema da inserção laboral, das figuras jurídicas do

reabilitado profissional às pessoas com deficiência, especialmente a partir das normas

internacionais, como no caso da Convenção nº 159 da OIT.

Assim, a ratificação do Brasil à Convenção sobre os Direitos de Pessoas com

Deficiência expressa o compromisso do país em assegurar o pleno exercício dos direitos

humanos e liberdades fundamentais ao reabilitado profissional como portador de

deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por sua deficiência.

Para cumprimento de tal desiderato, o Estado brasileiro deve proibir toda a

discriminação com base na deficiência, garantindo proteção jurídica igual e efetiva contra

a discriminação de qualquer natureza e promovendo a igualdade, eliminando a

discriminação e tomando as medidas apropriadas para garantir a disponibilização de

adaptações razoáveis (art. 3º). Deve, também, adotar todas as medidas legislativas,

administrativas e de qualquer outra natureza apropriadas para a plena inclusão laboral e

social do reabilitado profissional, medidas que, necessariamente, incluem a organização,

fortalecimento e ampliação de programas completos de habilitação e reabilitação

profissional, particularmente nas áreas de saúde, emprego, educação e serviços sociais

(art. 4º).

Há expressa previsão de que tais serviços e programas comecem no estágio

mais precoce possível e que sejam baseados em avaliações multidisciplinar (art. 26, “a”);

que se apoiem nas necessidades e aptidões individualizadas do reabitando e que sejam

voltados para sua inclusão na comunidade (art. 26, “b”). Em especial, devem promover e

salvaguardar o direito ao trabalho, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação,

para que o emprego oferecido seja digno, voluntário, oferecido em condições de igualdade

com as demais pessoas, protegido contra a injustiça, o assédio e a discriminação (art. 27).

Preveem, com ênfase, o acesso efetivo a programas de orientação profissional e técnica

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(art. 27, “c”) e a serviços de colocação no trabalho e de treinamento profissional e

continuado (art. 26, “d”), além da promoção de oportunidades de emprego e de ascensão

profissional, bem como assistência na procura, na obtenção e no retorno ao emprego (art.

26, “e”). Cabe, ainda, destacar a previsão de ações afirmativas, incentivos e outras

medidas que promovam o emprego no mercado regular de trabalho (art. 26, “g” e “h”); do

direito a adaptações razoáveis no local de trabalho (art. 26, “i”) e da promoção da

manutenção do emprego e de programas de retorno ao trabalho (art. 26, “k”).

Como se verificou nas seções anteriores, na legislação brasileira, há diversas

normas que visam desenvolver tais comandos constitucionais, sendo mais destacadas a Lei

n. 8.213/91 e Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015) -, recentemente

aprovado - que tem uma seção dedicada ao tema da reabilitação profissional (ver item

1.1.4). Entretanto, tal normatividade está distante de desenvolver satisfatoriamente todo o

conteúdo prestacional previsto no texto constitucional.

Um dos desdobramento deste direito fundamental ao trabalho do reabilitando

profissional é o de efetiva assistência que, nos termos da lei, deve ser prestada, de forma

integrada, pelos órgãos estatais encarregados da Saúde, da Assistência Social e da

Previdência Social. Outro, o direito a uma proteção suficiente por parte do Estado

consistente em uma regulação estatal que promova eficazmente o direito à reabilitação

profissional.

Portanto, há, no sistema constitucional brasileiro, para o trabalhador

reabilitado um direito fundamental à reabilitação profissional diretamente ligado ao direito

ao trabalho, mais além da afirmação formal do direito a um posto de trabalho que lhe

ofereça o mercado, mas, também, a uma atuação eficaz do Estado (proteção) na

assistência efetiva ao reabilitando profissional e na criação das condições materiais e

jurídicas que propiciem um posto de trabalho adequado que permita reinserção laboral e

social. Há, em tal direito fundamental, uma pretensão fática do tipo prestacional, típica

dos direitos sociais, mas também uma pretensão normativa, ou seja, a uma ação estatal

protetiva que assegure uma regulação eficiente para a consecução da missão constitucional

do Estado de assegurar ao trabalhador uma reabilitação plena.

Decorre daí um direito subjetivo do trabalhador a receber toda assistência à

saude, assistencial e previdenciária durante todo o processo de reabilitação, a começar por

uma avaliação correta de suas condições físicas, psicológicas e sociais por uma equipe

multidisciplinar e pela identificação correta de sua incapacidade e sua devida inscrição no

processo de reabilitação profissional. Em seguida, por designação de um programa eficaz

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de reabilitação profissional, em que o trabalhador receba toda a assistência e orientação

necessárias para sua reabilitação efetiva e sua reintegração ao mercado profissional. Por

fim, o direito do trabalhador receber uma prestação de benefício continuado até que sua

reintegração efetivamente se complete.

Tal direito à uma reabilitação efetiva e completa decorre do direito

fundamental ao trabalho, cabendo, nesse ponto, inteiramente a discussão sobre a

justicibilidade dos direitos sociais em uma visão maximalista, pela qual a jurisdição

constitucional é um instrumento institucional de garantia da efetividade do projeto

constitucional (Lenio Streck, ciado em MELLO, 2004, p. 99). Instrumento a ser utilizado,

não para substituir os órgãos de expressão política, mas “para corrigir os excessos e

omissões que são contrários a uma perspectiva mais elevada que orienta, em seu conteúdo,

os atos de todas as autoridades (ARANGO, 2005, p. 99), pois, conforme Canotilho (1999,

p. 351), se a plena eficácia e exequibilidade dos direitos sociais dependesse apenas da

intervenção configuradora e conformadora do legislativo estar-se-ia diante de um “zero de

garantias”.

Por outro lado, um dos mais importantes conteúdos lembrados do direito ao

trabalho é um possível direito à manutenção do posto de trabalho. Trata-se da delicada

questão de se reconhecer ou não algum tipo de estabilidade do trabalhador ou, pelo menos,

alguma limitação ao poder de despedida do empregador. Algum tipo de proteção, na

forma de estabilidade ou de compensação econômica consta dos sistemas jurídicos da

maior parte dos países, embora muito diferenciada de país para país, sendo objeto de acesa

polêmica tanto na doutrina como na jurisprudência.

A despeito do direito contra a despedida arbitrária ou imotivada estar contido

no art. 7º, I da Constituição, a interpretação literal do art. 10, I ADCT, tem levado a

grande maioria dos doutrinadores a entender que toda a proteção prevista no art. 7º, I se

resume, até a promulgação de lei complementar, à uma indenização compensatória.

Alexandre de Morais (2014, p. 204), por exemplo, comentando o tema, afirma existir um

“direito à segurança no emprego”, mas que este necessita ser regulamentado por lei

complementar. Criticando tal posição, Wandelli (2012, p. 318) sustenta a incidência direta

da norma constitucional, sob pena de esvaziamento do núcleo essencial do direito

fundamental ao trabalho.

No que tange ao reabilitado profissional, o direito à manutenção do posto de

trabalho relaciona-se diretamente ao contido na lei que prevê garantia de emprego ao

trabalhador acidentado que retorna do auxílio-doença-acidentário (art. 118 da Lei n.

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8.213/91) e na inexistência de outra norma legal que assegure qualquer garantia de

emprego nos demais casos. A lei n. 9029/95, que proíbe práticas discriminatórias, tem se

mostrado, sua insuficiência para conferir alguma segurança no emprego de trabalhadores

com deficiência ou reabilitados que retornam de benefício não-acidentário e que sofrem

discriminação por sua condição laboral reduzida. Tampouco satisfatória a proteção a esse

contingente vulnerável de trabalhadores conferida pela Lei de Cotas, que sequer assegura

alguma garantia de emprego, limitando-se a prever que, em caso de despedida do

trabalhador com deficiência ou reabilitado, que seja previamente contratado substituto em

condição semelhante.

Por outro lado, é possível pensar de um conteúdo do direito do trabalho além

do acesso e manutenção a um posto de trabalho, “desenvolvendo dogmaticamente

categorias jurídicas que resgatem o trabalho não só como obrigação contratual, mas como

uma contra força jurídica que dimensione todo o direito do trabalho” (WANDELLI, 2012,

p. 293)

No caso particular do reabilitado profissional, trata-se de uma relação jurídica

que se desenvolve no interior de um contrato de trabalho assalariado, onde

“a normatividade do direito ao trabalho incide diretamente na solução do caso concretopropiciando posições jurídicas subjetivas, seja restringindo o âmbito da incidência de outrosdireitos, seja impondo deveres objetivos ao Estado e a particulares, seja atuando com eficáciaintegradora e interpretativa de direitos já reconhecidos, seja apenas enriquecendo o conteúdoou mesmo reforçando e posicionando mais adequadamente a fundamentação de outros direitose deveres” (WANDELI, 2012, p. 294)

Um dos desdobramentos possíveis ocorre, para além das exigências de

condições mínimas de trabalho nos termos das normas legais, em uma dimensão

meramente negativa de exclusão de aspectos nocivos ao trabalhador, mas também em

dimensão positiva, em que se recupere para o trabalhador o sentido do trabalho.

Em tal contexto, as potencialidades do direito fundamental ao trabalho não se

limitam ao mero reconhecimento do direito do trabalhador a contraprestações decorrentes

do exercício do poder de direção do empregador, mas tendo em conta o trabalho como

instrumento de autodesenvolvimento e de autorrealização. Nas palavras de Wandelli,

assume-se, dessa forma, o direito ao trabalho

em uma dimensão positiva, incluindo parâmetros de conteúdo necessários à atividade, aosprocessos e à organização do trabalho, para que este seja capaz de permitir o desenvolver dascapacidades humanas, em termos de conteúdo significativo, potencialidade para odesenvolvimento das próprias capacidades e dons (art. 1º da Convenção n. 122 da OIT), bemcomo para que seja possível reconhecer-se e ser reconhecido pelo trabalho bem feito ou, emuma síntese precisa, ocupação efetiva e produtiva em condições que garantam as liberdades

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políticas e econômicas fundamentais da pessoa humana (art. 6º do PIDESC)” (WANDELLI,2012, p. 293)

Na realização do direito ao trabalho em sua dimensão positiva, têm também as

empresas um papel a desempenhar, sendo a elas oponível um direito do trabalhador

reabilitado a não apenas ser reintegrado na mesmas funções e no mesmo salário anteriores,

mas, no caso de isso não ser possível, que lhe seja oferecida outra função, compatível com

suas condições profissionais e adequado às suas possibilidades laborativas.

Há uma evidente tensão entre valores constitucionais colidentes, que se deve

resolver com base na ponderação de princípios de Alexy. De um lado, tem-se o direito ao

reabilitação profissional, em sua dimensão positiva do direito ao trabalho, pela qual o

trabalhador tem acesso, não apenas ao posto de trabalho com garantia de emprego, mas a

um trabalho adequado, assim entendido um trabalho decente, voluntariamente assumido,

compatível com a situação pessoal do reabilitando e suficientemente remunerado; por

outro, há o direito de propriedade da empresa, com o consequente poder de gestão e de

auto-organização.

Conforme Alexy, na colisão de princípios conflitantes, há de se aplicar a “lei

de ponderação” que pode ser expressada na seguinte regra: “quanto maior o grau de não-

satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior tem de ser a importância da

satisfação do outro”, o que significa que, segundo o próprio Alexy, que o peso dos

princípios não é determinado em si mesmo ou absolutamente, senão que sempre se pode

falar tão somente em pesos relativos (LEIVAS, ob. cit., p. 49-51).

No caso concreto, há de se ponderar se a satisfação do direito à reabilitação

profissional justifica o prejuízo do direito empresarial pela limitação em seu poder de

gestão e de auto-organização. Como resultado, temos que a importância que a

Constituição atribui ao direito ao trabalho e ao direito à reabilitação profissional

justificam a não-realização parcial do direito de propriedade do empresário e, assim, de

uma imposição de um dever de oferecer ao trabalhador um posto de trabalho adequado,

de ocupação efetiva, dentro de sua estrutura organizacional, que seja voluntariamente

aceito pelo trabalhador e que seja mantido, pelo menos, durante o período de garantia

de emprego. Simetricamente, reconhece-se um direito do trabalhador à recusa de um

posto de trabalho que não atenda tais condições, mas tal recusa deve ser justificada e

razoável, sob pena de desvirtuamento do caráter bilateral que caracteriza o contrato de

trabalho. Sinaliza-se para a necessidade de um acordo entre trabalhador e empresa, o

que se caracteriza como verdadeira novação contratual.

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No mesmo sentido de ponderação entre valores constitucionais contraditórios,

tem direito o trabalhador, também, a uma “readaptação razoável” do próprio posto de

trabalho, na forma de alterações estruturais e organizativas, de modo que, sem que se

imponha ao empregador ônus excessivos, modificar as condições de trabalho de modo a

melhor adequar o trabalho existente às peculiares condições de trabalho do trabalhador

reabilitado.

Não se trata, aqui, de um dever geral do tomador dos serviços de propiciar ao

trabalhador um adequado ambiente laboral, matéria de que trata a ergonomia. A obrigação

do empregador vai além de propiciar condições adequadas para realização da atividade

laborais para os trabalhadores em geral, mas de um dever específico e individualizado

para com o reabilitado profissional de adequar o posto de trabalho às possibilidades

laborativas limitadas do trabalhador. Mais uma vez, a ponderação de princípios

constitucionais colidentes, leva a reconhecer um direito do trabalhador a uma adaptação

razoável, tal como prevê o art. 5º, inciso 3 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas

com Deficiência. Tal adaptação será razoável na medida em que não imponha um

sacrifício, financeiro e/ou organizativo, exagerado ao empregador, admitindo-se a hipótese

também de compensação financeira, parcial ou total, de tais prejuízos por conta do Estado.

Em suma, cabe afirmar a possibilidade o direito subjetivo a prestações fáticas

decorrentes do direito social fundamental à reabilitação profissional e sua plena

judiciabilidade.

Por outro lado, há de se reconhecer, também, o direito à reabilitação

profissional no sentido de uma pretensão normativa à existência de uma legislação

suficientemente protetiva e que assegure garantias suficientes ao exercício desse direito

fundamental. Aplicada a teoria da proibição da proteção insuficiente de Alexy, temos que,

em consonância com o preceito da proporcionalidade estrita, há de se realizar a

ponderação tendo-se em conta a necessidade de buscar a ação estatal mais ampla possível

no sentido de otimização de um objetivo e realizar o princípio constitucional. Existindo

vários meios, todos adequados e necessário para alcançar tal princípio, avalia-se o grau de

afetação ou de não-satisfação entre os meios concorrentes em relação ao princípio

concorrente P2, utilizando-se a escala triádica. A ponderação leva em conta em que grau o

princípio P2 pode ser afetado por cada meio concorrente e, em caso de mais de um meio

cumprir também o critério da proporcionalidade estrita, opta-se por aquele que

proporcione maior assistência (maximização da intensidade da assistência).

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No caso de um proteção suficiente ao direito fundamental à reabilitação

efetiva e completa, a intervenção estatal que proporciona mais intensa assistência é a

construção de uma legislação que, nos termos que seguem, propicie ao reabilitando

maiores e melhores oportunidades de lograr uma reabilitação plena, criando-se uma

legislação que fomente a criação/manutenção de empregos adequados ao trabalhador

reabilitado; que estabeleça uma garantia de emprego por prazo razoável para todo

trabalhador reabilitado e uma reformulação completa da regulação do processo de

reinserção laboral, de forma que se esclareça a situação jurídica do reabilitado após a alta

previdenciária; que adote o modelo CIF nas avaliações de saúde, incapacidade,

funcionalidade e do potencial laborativo, com a definição de benefício de prestação

continuada para os chamados casos de “invalidez social”; que proteja contra medidas

discriminatórias, com especial reforço a coletivos mais vulneráveis e que estabeleça

regras na relação triangular (entre INSS, reabilitado e empresa) que eliminem a atual

insegurança jurídica perante à empresa de vínculo. Por fim, ainda em relação ao término

do processo de reinserção laboral, sustenta-se que a reabilitação somente pode ser

entendida como completa quando da efetiva obtenção de um posto de trabalho, por recusa

injustificada do trabalhador em assumir qualquer posto de trabalho oferecido ou por

aposentadoria por invalidez ou concessão de um benefício previdenciário equivalente.

2.3 A PROTEÇÃO SUFICIENTE AO DIREITO FUNDAMENTAL À

REABILITAÇÃO EFETIVA E COMPLETA

2.3.1 Direito à uma legislação que fomente a criação de empregos

adequados ao trabalhador reabilitado

Como se mencionou anteriormente (item 1.3.2), a legislação brasileira está

longe de cumprir a missão constitucional de propiciar as condições materiais que

fomentem a criação de empregos adequados aos egressos da reabilitação profissional.

Dessa forma, parece altamente recomendável a criação de incentivos

financeiros às empresas para a contratação/manutenção de postos de trabalho para

reabilitados profissionais, também como forma de compensação por possíveis prejuízos

decorrentes de redução de produtividade e para custear despesas com mudanças

adaptativas dos postos de trabalho. Esses incentivos podem tomar a forma de isenções das

contribuições previdenciárias patronais e servirão para constituir um fundo público

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destinado exclusivamente para os serviços de reabilitação profissional. Entre outras

possibilidades de financiamento de tal fundo, pode estar contribuições feitas pelas

empresas que não possuam comprovadamente condições de cumprir a reserva legal de

empregos para incapacitados e pessoas com deficiência (Lei n. 7853/89), podendo

cumprir, como obrigação alternativa, a de pagar uma taxa fixada em lei por emprego não-

oferecido.

Nesse sentido, obter-se-ia uma legislação mais adequada que viria a preencher

a lacuna normativa que torna pouco efetiva a reserva de empregos para deficientes e

incapacitados. Como no direito comparado, seria uma legislação de cunho premial que

procuraria contornar as enormes dificuldades do reabilitando em encontrar um posto de

trabalho, efetivamente fomente o emprego, estabelecendo:

a) Criação de um fundo destinado ao fomento ao emprego para reabilitados profissionais,constituído por empresas que, comprovadamente não puderem cumprir a cota prevista em lei,que, em compensação, pagarão uma taxa substitutiva em valor determinado, por emprego nãooferecido;b) Incentivo fiscal para empresas que contratem reabilitados profissionais;c) Extensão da cota de empregos para reabilitados profissionais às pequenas e mediasempresas sob o enfoque premial;d) Especial proteção para coletivos específicos (idosos, mulheres, grandes lesionados)

Por certo, não há como estabelecer, de plano, quanto deveriam representar

economicamente tais incentivos, mas se pode afirmar, com alguma convicção, que, por

maiores que sejam tais custos para o erário púbico, estes não deverão superar o valor total

de aposentadorias precoces que decorrem, na maior parte dos casos, de reabilitações

desnecessariamente mal sucedidas.

2.3.2 Proteção especial do emprego para os reabilitados profissionais

Por outro lado, a possibilidade de contratação incentivada seria insuficiente se

não acompanhada, também, de medidas de proteção do emprego contra a despedida

discriminatória. Parece curial que os setores mais vulneráveis são vítimas de tratamento

discriminatório não apenas na contratação, mas também na manutenção do emprego. Por

si só tal fato justificaria que a lei, como acontece em outros países, tivesse proteção

específica contra a discriminação contra a despedida relativamente aos reabilitados

profissionais e pessoas com deficiência, como se viu anteriormente (seção 1.1.3)

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É de se lembrar que, no Brasil, o nível de proteção ao emprego em geral é

bastante baixo117, o que agrava a situação dos trabalhadores mais vulneráveis, já que estes

são os primeiros a serem lembrados quando as empresas optam pela redução de pessoal.

A legislação brasileira, como já se demonstrou, é escassa quanto à proteção

contra discriminação no emprego, podendo-se citar apenas a já referida Lei n. 9029/95. As

dificuldades de tornar efetiva a proteção já existente tornam necessário que se reforce a

aparato protetivo através de disposições legais que determinem, nos casos de

discriminação no emprego de pessoas com deficiência e incapacitados, a inversão do ônus

probatório, devendo o empregador demonstrar a necessidade e a proporcionalidade da

medida imputada como discriminatória.

Além disso, no caso em que uma legislação premial fosse adotada, maiores

razões existiriam para que a relação de emprego estabelecida com apoio de isenções

fiscais fosse protegida. Ainda que não se adotasse uma legislação mais rígida (como por

exemplo, condicionar a despedida à autorização administrativa), dever-se-ia, pelo menos,

dotar o reabilitado de uma garantia de emprego por um período relativamente longo (dois

ou três anos no caso do acidentado que retorna do benefício previdenciário e de, no

mínimo, uma ano para benefícios não-acidentários), dando-lhe oportunidade de ter tempo

para sua completa adaptação ao emprego e de mostrar a valia de seu trabalho para a

empresa.

A existência de uma garantia de um ano para acidentados que percebem

auxílio-doença-acidentário contrasta com a situação precária dos reabilitados não-

acidentários, que não dispõem de qualquer garantia de emprego e apenas compartilham a

reserva legal de empregos com os demais reabilitados e com as pessoas com deficiência.

O motivo de tal discriminação decorre de critérios previdenciários – e, portanto, no final,

apenas financeiros -, já que, em face da necessidade de proteção do direito do

habilitado/reabilitado profissionais não se justifica que se diferenciem as situações pela

ocorrência ou não de nexo causal entre a lesão e o ambiente laboral.

Conclui-se que a legislação atual não oferece proteção adequada do emprego

ao trabalhador reabilitado, descumprindo o Estado o direito fundamental ao trabalho ao

deixar de desenvolver normatividade que estabeleça um período razoável de permanência

do reabilitado no emprego, que lhe permita uma melhor adaptação às suas novas

condições laborais, seja exigindo do empregador uma real chance de que o trabalhador

117 Os dados do Banco Mundial (“Doing Bussiness, 2008) mostram que o custo da despedida no Brasil estáabaixo da média dos países da América Latina e, também, da maioria dos países europeus. Custo no Brasil:37 semanas de salário; Custo na Argentina: 139 semanas de salário; Alemanha: 69 semanas de salário;Chile, 52 semanas; Espanha, 56 semanas; Portugal, 95 semanas. (ARAÚJO, 2005)

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reabilitado comprove que suas capacidades e sua valia, em pé de igualdade com os demais

trabalhadores.

Assim, uma proposta legislativa poderia, por coerência, equalizar essa

situação de injustificada discriminação, estendendo a garantia de emprego, hoje somente

assegurada aos trabalhadores que retornam do benefício acidentária a todos os casos de

reabilitação profissional. Admitido que tais empregos sejam fortemente incentivados por

isenções fiscais, razoável que, em contrapartida, o período de garantia de emprego seja

estendido, dos atuais doze meses para, pelo menos, vinte e quatro meses.

Além disso, na esteira da recente modificação da lei n. 9085/95, a nova lei

deve conter especial proteção contra qualquer medida discriminatória contra o

reabilitado profissional, especialmente para coletivos mais vulneráveis como idosos,

grandes lesionados e trabalhadores de baixa instrução.

2.3.3 Proteção jurídica insuficiente pela ausência de normas regulatórias

2.3.3.1 Proteção deficiente e a insegurança do trabalhador reabilitando quantoà sua situação jurídica perante à empresa de vínculo e à Previdência social.

A falta de compromisso dos órgãos públicos com a sorte do trabalhador

reabilitado após a alta previdenciária pouca vezes fica tão evidente como pela ausência de

normas claras que definam claramente sua situação jurídica em relação aos efeitos do

contrato de trabalho a partir do cancelamento do pagamento do benefício previdenciário.

Com o propósito de paliar tão grave situação de insegurança jurídica, não

somente do trabalhador, mas também da empresa, quanto à real situação de

interrupção/suspensão ou continuidade do contrato de trabalho, em geral decorrente de

negativa de prorrogação do benefício (item 2.3.3.1), justifica-se plenamente que haja uma

norma específica que, claramente, exija do empregador uma comunicação formal ao órgão

previdenciário, com cópias ao próprio trabalhador e ao sindicato profissional. Tal

comunicação deveria ser feita dentro dos cinco dias depois da comunicação oficial da alta

previdenciária, esclarecendo:

- se houve ou não apresentação do trabalhador na empresa;- em caso positivo, em que data;- cópia do laudo do médico da empresa sobre a aptidão atual do trabalhador, em especial emrelação à sua reintegração na função anterior, bem como, se for o caso, em nova função dentroda empresa;- comunicação formal ao trabalhador para que se apresente para trabalhar, com data, local efunção determinadas;

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- interesse da empresa na liberação do trabalhador, nesse caso, necessariamente compagamento dos salários do período de afastamento.

A norma, ainda, deverá prever o direito do empregado contestar a decisão

empresarial de não-reintegração (mesmo com o pagamento dos salários), já que, na

prática, tal decisão, em tese, viola o direito do empregado à ocupação efetiva.

Dessa forma, se obteriam regras mais claras, um procedimento mais

equilibrado e uma maior transparência na relação triangular (trabalhador, empresa e

INSS), hoje marcada pela insegurança jurídica.

2.3.3.2 Insuficiente definição de capacidade

Como já se mencionou anteriormente (item 1.3.3.1), não mais se admite a

manutenção de um superado conceito de incapacidade laborativa, limitado à avaliação

biomédica e que desconsidera a avaliação social.

A alteração do modelo biomédico por um mais adequado conceito,

biopsicossocial, que já se iniciou dentro da Previdência Social na avaliação dos benefícios

de prestação continuada, deve também ocorrer nos processos de avaliação da reabilitação

profissional, mormente nos laudos de alta previdenciária, em que as reais condições do

segurado são subestimadas nos seus aspectos sociais.

Para tanto, os conceitos mais modernos de funcionalidade e de incapacidade

saiam do âmbito interno da Previdência Social e sejam albergados na lei, de forma que

proporcione maior certeza às avaliações de incapacidade laboral e maior segurança ao

reabilitando.

Assim, como se mencionou anteriormente (item 1.3.3.1) o chamado modelo

“CIF” deve ser adotado integralmente pela Previdência Social para fins de avaliação no

processo de reabilitação profissional, tal como já ocorre na definição dos chamados

“benefícios de prestação continuada”, não se limitando tão-somente para a concessão de

direitos, mas também na definição de critérios para a adoção de políticas públicas.

Proposta de alteração neste sentido foi apresentada pelo já referido projeto de

lei nº 7207/2010, que, ao dar nova redação ao art. 89 da Lei nº 8213/91, estabelece no

inciso 2º do parágrafo único que

“a avaliação de saúde, da incapacidade, da funcionalidade e do potencial laborativo, tendo

como base a Classificação Internacional de Funcionalidade ( CIF), da Organização Mundial

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de Saúde, sob responsabilidade de equipe multidisciplinar do Instituto Nacional do Seguro

Social (INSS)”.

Com base em tais parâmetros, a ideia de criação de um benefício

previdenciário continuado destinado a trabalhadores, a despeito de todos os esforços, que

não fossem absorvidos pelo mercado (invalidez social), como proposto por Miguel

Horvath Jr. (ver item 1.3.3.2).

2.3.3.3 Insegurança jurídica perante à empresa de vínculo:

Ao contrário do que ocorre em outros países118, não há qualquer norma que

estabeleça um procedimento administrativo de controle no processo de reinserção laboral

do reabilitado na empresa. Atribui-se a responsabilidade unicamente à empresa, o que

desagrada tanto o empregado (já que apenas reforça a assimetria da relação contratual

laboral) quanto o empregador (que se torna responsável único pelo sucesso ou insucesso

do processo de reabilitação).

Assim, parece altamente conveniente a existência de normatividade detalhada

em que se estabeleça critérios objetivos para os quais se justifique eventual recusa

patronal em reintegrar o empregado nas mesmas funções que ocupava antes do

afastamento previdenciário ou, na impossibilidade desta, justifique o não-oferecimento de

outro posto de trabalho na empresa. De outro lado, tal norma também haverá de definir

melhor o conteúdo e os limites do direito do empregado a uma “adaptação razoável” do

posto de trabalho, de forma que tais modificações não impliquem um ônus excessivo para

o empregador. Uma das possibilidades para encontrar, na prática, parâmetros para

determinar a onerosidade excessiva poderia ser um valor proporcional aos incentivos

estatais concedidos ao empregador justamente como prêmio à manutenção do emprego,

que seria concedido nos moldes da legislação holandesa (ver item 1.1.3).

Já a legislação portuguesa (Decreto-lei nº 247/89)119 prevê incentivo financeiro

às empresas para facilitar o acesso de pessoas com deficiência ao trabalho, prevendo

quatro tipos de subsídios:

a) De compensação;b) Para adaptação de postos de trabalho;c) Para eliminação de barreiras arquitetônicas;d) De acolhimento personalizado na empresa.

118 Como no Alemanha e Áustria, como citado no item 1.3.3.

119 Disponível em http://www.inr.pt/bibliopac/diplomas/dl_247_89.htm (acesso em 5/12/2015).

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Diferencia, portanto, a “adaptação de posto de trabalho” da adaptação

necessária para “acolhimento personalizado na empresa”: o primeiro, para compensar as

empresas que empreguem ou mantenham o emprego de pessoas com deficiência e que

“necessitem de adaptar o equipamento ou postos de trabalho às dificuldades funcionais

daqueles trabalhadores”; o segundo, compensando o “acompanhamento e o apoio da

pessoa deficiente no seu processo de integração socioprofissional de adaptação ao

esquema produtivo da entidade empregadora e ao posto de trabalho que lhe foi destinado”.

Ambos os subsídios são pagos por um período de três a seis meses a partir da admissão: o

primeiro pode não pode exceder doze meses o valor da remuneração mínima mensal

garantida no seu valor mais elevado (art. 33); o segundo, não pode exceder em cada mês

duas vezes a remuneração mínima mensal garantida no seu valor mais elevado.

Por outro lado, em caso de não ser possível o aproveitamento do trabalhador

na função anteriormente desempenhada, impondo-se seu reenquadramento no quadro

funcional da empresa, a falta de normatividade implica em atribuir-se ao empregador a

decisão unilateral de tornar ou não viável o exercício do direito ao trabalho do reabilitado

– o que parece inaceitável. Em tal caso, deve haver norma reguladora que determine ao

empregador o oferecimento de um número mínimo de opções ao empregado (todas que

atendam os parâmetros mínimos de um emprego), que livremente optará por um deles,

sempre sob a supervisão e controle de órgão administrativo (que, nesse caso, deverá ser o

Ministério do Trabalho e Emprego).

Propõe-se a edição de uma norma legal detalhada que assegure que as decisões

sobre a reinserção do trabalhador reabilitado na empresa de origem seja feito de forma

consensual entre o próprio reabilitado, a empresa, os demais trabalhadores representados

pelo sindicato, e os órgãos governamentais, em especial a Previdência Social e o

Ministério do Trabalho e Emprego. O processo de reabilitação profissional se

desenvolverá no melhor interesse do reabilitado, que será integralmente assistido e

acompanhado durante todo o processo por equipe multidisciplinar e terá como escopo a

completa e efetiva reinserção laboral do reabilitado em um trabalho digno, voluntário,

suficientemente remunerado e compatível com suas condições pessoais. O treinamento e

capacitação profissional serão objeto de especial atenção, visando, se possível, que a

elevação da qualificação profissional do trabalhador. Todo o processo deverá ser

acompanhado pela Previdência Social, não se limitando a mera apreciação burocrática de

um relatório.

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As obrigações do empregador no caso de reintegração de trabalhador

reabilitado devem estar claramente definidas em norma legal, regulando todo o processo

no intuito de encontrar a melhor forma de reinserção do trabalhador na empresa – e não no

exclusivo interesse produtivo da empresa ou de exonerar, de forma mais breve possível, a

Previdência com os gastos com benefício acidentário. Assim, a lei deverá assegurar o

direito de informação do empregado aos postos de trabalho disponíveis e garantir seu

direito de escolha e, se for o caso de recusa, sem os constrangimentos da ameaça de

imediato corte de pagamento do benefício previdenciário. A lei deverá estabelecer

parâmetros a respeito do conceito de “direito a uma adaptação razoável” do posto de

trabalho, obrigação que deverá ser cumprida pelo empregador, ressalvado seu direito de

oposição quando as modificações necessárias implicarem um custo excessivamente

oneroso para o empregador. Em caso de comprovada e objetiva impossibilidade de

reinserção do trabalhador na empresa de origem ou no melhor interesse do próprio

trabalhador, a lei poderá estabelecer a possibilidade de parcerias interempresariais, nas

quais a empresa poderia ceder o trabalhador, pelo período de garantia de emprego, a outro

empregador, dividindo os custos com os salários. Tendo em vista os custos

previdenciários, seria também plausível que a própria Previdência Social se encarregasse

com parte do pagamento dos salários.

Por fim, a legislação pode e deverá contemplar hipóteses de dura penalização

de empregadores que violarem o direito à ocupação efetiva do trabalhador reabilitado,

pondo fim à nociva prática discriminatória da “prateleira”, atentado inaceitável ao

patrimônio moral do trabalhador.

2.2.3.4 A proteção contra medidas discriminatórias

A deficiência é, sobretudo, uma identidade social, cultural e institucionalmente

construída, na qual as pessoas que são portadoras de algum tipo de deficiência são vistas

não só como diferentes, mas também como excluídas da ordem do “normal”: ocorre,

assim, uma “naturalização” da desigualdade, pela qual a visão do “normal” impõe-se

como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la

(MACHADO; DORNELLES, 2007, p. 119-120).

Em tal contexto, o reabilitado, no seu retorno ao trabalho, é estigmatizado por

fugir dos padrões da normalidade, sendo tal discriminação, muitas vezes, não intencional,

mas previsível, já que baseado em um critério aparentemente neutro que na verdade, é

fruto do fenômeno da transparência e, assim, discriminatório (RIOS, 2008, p. 148). A

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teoria da previsibilidade da consideração diferenciada em práticas aparentemente neutras

oferece um modelo eficaz para reconhecimento da discriminação. Porém é em um modelo

mais substancial, como a teoria das alternativas, parece mais adequado no caso de

discriminação na reabilitação profissional. Por tal modelo, a discriminação poderia ser

presumida, já que, da análise da estrutura do ambiente de trabalho e de organização

marcado pela naturalização de uma maioria “normal” (sem deficiência), haveria de se

adotar uma desconfiança sistemática” diante de todas as decisões e medidas relevantes,

sempre que houver medidas de consideração diferenciada.

Compreendido que a completa reabilitação profissional é um caminho longo e

difícil, há de se dar tempo para que o trabalhador paulatinamente vença todos os

obstáculos para sua reintegração ao mercado laboral. Nesse processo, considerado o

princípio da igualdade, não há justificativa constitucional para discriminar a situação dos

beneficiários acidentários (que possuem garantia de emprego de doze meses) com os que

recebem benefício não-acidentário (que não possuem qualquer garantia). Uma equalização

de benefícios deve ser feita, ao mesmo tempo em que se reconheça que o prazo de um ano

ainda é pequeno para assegurar uma boa chance de reinserção na empresa. Assim, pode

ser uma boa medida a ampliação da garantia de emprego por dois anos, período no qual a

despedida deverá ser motivada pelo empregador com base em razões técnicas, econômicas

ou financeiras, tal como sucede com a estabilidade provisória dos cipeiros (art. 165 da

CLT). Sendo muito provável a oposição dos empresários à medida, há de se pensar em

medidas complementares em sentido oposto; por um lado, reforçando mecanismos de

punição ao empregador que se recusar a cumprir a reserva legal de empregos, dificultar ou

inviabilizar a reinserção laboral de reabilitados, adotar práticas discriminatórias (como a

“prateleira”) ou despedir imotivadamente trabalhador no curso de estabilidade provisória

(nesse caso, adotando-se a inversão do ônus probatório); por outro lado, adotar medidas

premiais, de compensação financeiras significativas aos empregadores que cumprem suas

obrigações com a legislação protetiva ao trabalho do reabilitado profissional e, assim,

além de contribuírem pela redução da desigualdade e do desemprego de setores

vulneráveis, também ajudam a aliviar o Erário Público com custos previdenciários e

assistenciais que, de outra forma, inevitavelmente recairiam sobre a própria Previdência

Social. Sobre o enfoque premial, a reserva de empregos deverá atingir todas as empresas,

em especial as pequenas e médias, que são as que mais empregam no país.

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A lei deverá dedicar especial atenção aos trabalhadores idosos, de baixa

instrução e grande acidentados, mais sujeitos à discriminação e com mais dificuldades de

colocação no mercado laboral.

2.3.3.5 A reabilitação completa, a proibição do retrocesso social e ainterpretação conforme sem redução de texto.

A partir de tal compreensão de que a Constituição brasileira agasalha o

princípio da proibição do retrocesso social (item 2.1.3.7), sustenta-se a revogação do art.

171, alínea “g” do Decreto n. 48.959/60 pela Lei n. 6438/77 configura-se inconstitucional,

já que retira do cidadão reabilitado seu direito ao acompanhamento de seu caso até a

“plena reabilitação profissional”. A partir da revogação de tal dispositivo legal, introduziu-

se a sistemática atual, a da “reabilitação incompleta”, de maneira que, por decisão

unilateral da Previdência Social, o trabalhador é dado por “reabilitado” sem que tenha sido

efetivamente reinserido no mercado laboral, cessando a percepção de auxílio-doença. O

retrocesso é inequívoco, porque, a partir de então, o reabilitando é abandonado à própria

sorte, pois desacompanhado da instituição que lhe deveria assistir, sem ter tido ainda a

“plena reabilitação”, ou seja, a efetiva recolocação profissional ou o emprego do

reabilitando.

A alteração legislativa implicou drástico retrocesso na proteção ao direito

fundamental do reabilitando a ter assistência social, médica e previdenciária até que

realmente encontre um posto de trabalho, implicando em um completo descompromisso

dos poderes públicos com seu dever constitucional de amparar o trabalhador necessitado.

Configura-se uma situação de “supressão do mínimo existencial ou, como leciona Ingo

Sarlet (2004, 2, p.145-6), uma supressão pura e simples do próprio núcleo essencial

legislativamente concretizado de determinado direito social vinculado ao mínimo

existencial, ferindo a própria dignidade da pessoa. Nesse sentido, não há falar de “reserva

do possível”, nem em restrição de direito social, pois se trata de pura e simples extinção

do direito – e não de sua redução.

Não se pode também sustentar que, quando da introdução da possibilidade

legal da Previdência cancelar o benefício previdenciário sem que houvesse real

reabilitação, nenhuma medida foi adotada, como compensação ao direito suprimido.

Assim, é incompatível com o direito fundamental à reabilitação profissional a

interpretação literal do art. 140 parágrafo primeiro do Decreto 3048/99, pelo qual, cessa o

processo de reabilitação profissional pela simples emissão do certificado de habilitação,

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desresponsabilizando-se a Previdência Social com a manutenção do emprego do

trabalhador ou com sua colocação em outro trabalho.

É de se reconhecer a inconstitucionalidade da alteração normativa que revogou

a lei n. 6438/77, dado nova redação ao art. 24 da Lei n. 3807/60 (LOPS), por violação ao

princípio da proibição do retrocesso.

Trata-se, no caso, de inconstitucionalidade material, pela qual a norma (ou

ato), ainda que elaborada em harmonia com os pressupostos formais do texto

constitucional, viola os princípios e o conteúdo da Constituição, pois as políticas públicas,

assim, podem ser controladas, assim, não apenas em seus aspectos de legalidade formal,

mas também no tocante à sua adequação ao conteúdo e aos fins da Constituição

(BERCOVICI, 2004, p. 105).

Porém, em nome da segurança jurídica, sem prejuízo da justiça material, é

possível adotar-se o método da interpretação conforme a Constituição, através de uma

técnica hermenêutica alternativa que promove a conformação constitucional em um dos

sentidos compatíveis com a Lei Maior sem declarar inválida a norma legal (SANGOI;

TESSMANN, 2010, p. 170). Por tal modelo, diante de normas que possuem mais de uma

interpretação, deve-se preferir aquela mais próxima da Constituição120.

Segundo Alexandre de Morais (2014, p. 785-9), há três formas possíveis de

interpretação conforme:

- interpretação conforme com redução do texto, quando for possível, em virtude da redação dotexto impugnado, declarar a inconstitucionalidade de determinada expressão, possibilitando, apartir dessa exclusão de texto, uma interpretação compatível com a Constituição Federal;- interpretação conforme sem redução do texto, conferindo à norma impugnada umadeterminada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade;- interpretação conforme sem redução do texto, excluindo da norma impugnada umainterpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade.

No caso sob análise, de fato, houve a revogação do art. 171, alínea “g” do

Decreto n. 48.959/60, mas não necessariamente o parágrafo primeiro do art. 141 do

Decreto n. 3048/99121 deve ser interpretado como tendo revogado o direito à uma

reabilitação plena. De fato, não constitui obrigação da Previdência a colocação em outro

emprego, mas disso não decorre necessariamente que, enquanto o emprego não for

encontrado, possa o reabilitado ficar desassistido; nem que, em caso de impossibilidade de

120 Conforme o STF, tal técnica “só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as váriasinterpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma éunívoco” (STF - Pleno – ADIN 21344, Rel. Moreira Alves)121 Art. 171 § 1º - Não constitui obrigação da previdência social a manutenção do segurado no mesmoemprego ou a sua colocação em outro para o qual foi reabilitado, cessando o processo de reabilitaçãoprofissional com a emissão do certificado a que se refere o caput.

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obter outro emprego, deixe o reabilitado de ser reconhecido seu direito a uma

aposentadoria por invalidez. Tal interpretação é inconstitucional, por contrariar tanto o

princípio do não-retrocesso social como a proibição da proteção insuficiente. Pode-se, ao

revés, interpretar tal disposição legal como a definição de quando se completa

formalmente o ciclo reabilitatório, ou seja, pela emissão de certificado individual.

Entretanto, a melhor interpretação é a de que se trata de mero ato formal, já que, nos

termos da lei e em respeito ao direito fundamental à reabilitação completa, tal certificado

individual somente pode ser emitido depois de que o reabilitado obtenha um posto de

trabalho.

Assim, em uma interpretação conforme sem redução de texto do art. 171

parágrafo 1º da Decreto nº 3048/99, pode-se excluir a interpretação de que a expressão

“cessando o processo de reabilitação profissional com a emissão do certificado” referira-se

ao término das responsabilidades dos poderes públicos com o reabilitado, implicando a

supressão do pagamento de benefícios previdenciários ou outros tipos de prestação

assistencial. Por outro lado, também em uma interpretação conforme sem redução de

texto, o entendimento que melhor preserva a Constituição do texto legal “não constitui

obrigação da previdência social à manutenção do segurado no mesmo emprego ou à sua

colocação em outro para o qual foi reabilitado” é o de que tal obrigação somente cessa (ou

a inexistência de obrigação somente acontece) quando se mostra inviável a reinserção

laboral do reabilitado (e, nesse caso, há de ser deferida a aposentadoria por invalidez ou

assegurado ao trabalhador benefício previdenciário que assegure sua sobrevivência).

Na esteira de jurisprudência que entende-se como incompleta a reabilitação até

a efetiva obtenção de um posto de trabalho ao reabilitado, em uma interpretação conforme

a Constituição e, assim, deve ser mantida a prestação previdenciária até que se verifique

uma de três possibilidades:

- a obtenção efetiva de um posto de trabalho;

- a recusa injustificada pelo reabilitado de um posto de trabalho compatível com suascondições laborais;

- a aposentadoria por invalidez.

A inconstitucionalidade da alteração legislativa que revogou o direito do

acompanhamento à plena reabilitação profissional também poderá ser superada por edição

de norma legal que reconstitua o texto revogado ou que expressamente preveja o

pagamento de benefício previdenciário até a completa e efetiva assunção a um posto de

trabalho.

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Na primeira hipótese, o futuro texto legal poderia adotar a proposta legislativa

já mencionada (Projeto de lei n º 7207/2010), com introdução de inciso ao art. 89 da Lei nº

7213/91:

Art. 89, § 2º O processo de reabilitação profissional só será concluído quando constatada, peloINSS, a reinserção do segurado no trabalho, em local e atividade que permita sua reintegraçãosocial plena, respeitadas suas limitações físicas, psíquicas e laborais.

Em uma segunda hipótese, o término do processo reabilitatório não implicaria

o fim da percepção do benefício previdenciário. Assim, a recusa do trabalhador a aceitar

um posto de trabalho que não atenda suas necessidades objetivas (decente, compatível

com sua situação pessoal, voluntário, suficientemente remunerado e de ocupação efetiva)

seria admitida, sem que tenha como consequência o cancelamento/redução do benefício

previdenciário.

Nada impede que tal benefício seja progressivo, de modo a não desestimular o

trabalhador na procura do emprego. Porém, em caso de real impossibilidade de

recolocação deve ser garantido o direito à aposentadoria por invalidez, ainda que esta seja

reconhecida como recurso de última instância, já que o valor do trabalho para o ser

humano vai bem além da retribuição econômica.

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CONCLUSÕES:

O ordenamento jurídico brasileiro contempla, como importante

desdobramento do direito ao trabalho previsto constitucionalmente, um direito

fundamental do trabalho a uma reabilitação completa e efetiva.

Assim entendida a reabilitação profissional como um direito fundamental do

trabalhador à reinserção no mercado laboral, há de se reconhecer que esta deva ser

completa, ou seja, deve efetivamente propiciar o acesso a um posto de trabalho. Por outro

lado, não pode ser considerada efetiva se o emprego a ser acessado não oferece condições

mínimas que permitam enquadrá-lo como um trabalho digno, compatível com sua

situação pessoal, voluntário, suficientemente remunerado e se caracterize como de

ocupação efetiva.

Entretanto, o descaso com a reabilitação profissional em nosso país expressa

perfeitamente o “caráter de urgência” na proteção dos direitos humanos de que fala

Arango (2005, p. 93) em um quadro de omissões estatais tipicamente latino-americano. O

direito fundamental à reabilitação profissional não está sendo suficientemente protegido

pela ausência de políticas adequadas de habilitação/reabilitação profissionais públicas e

universais, que não se limitem aos segurados da Previdência Social e que se constituam

em ações integradas de Saúde, Previdência Social e Ministério do Trabalho e Emprego, de

preferência em estrutura própria, dispondo de suficientes recursos materiais e de pessoal

adequadas para, rapidamente, reconhecer necessidades e, prontamente, colocar seus

recursos à disposição da melhor reabilitação profissional possível, em benefício do

trabalhador.

Será importante que se compreenda que pouco se avançará sem o

envolvimento da sociedade e, por isso, serão necessárias campanhas de conscientização com

a participação de entidades engajadas na promoção e defesa dos direitos de pessoas com

deficiência e incapacitados que podem ser importantes instrumentos para superação do estigma

que recai sobre esse coletivo de trabalhadores.

A superação das visões preconceituosas que, infelizmente, ainda estão

presentes no atendimento da Previdência Social devem ensejar procedimentos específicos,

como o adotado recentemente pela Perícia do INSS, de obrigatória apreciação sobre a

natureza ocupacional de acidente de trabalho/doença ocupacional na concessão de auxílio-

doença. Assim, em caso de acidente de trabalho, com o reconhecimento de sequelas, o

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procedimento padrão deve ser o do encaminhamento à reabilitação profissional, na

suposição de que, provavelmente, algum processo de readaptação ao trabalho será

necessário.

Reconhece-se, além disso, a existência de um direito subjetivo do trabalhador,

perfeitamente judicializável, a receber toda assistência à saúde, assistencial e

previdenciária durante todo o processo de reabilitação, a começar por uma avaliação

correta de suas condições físicas, psicológicas e sociais por uma equipe multidisciplinar e

pela identificação correta de sua incapacidade e sua devida inscrição no processo de

reabilitação profissional. Em seguida, por designação de um programa eficaz de

reabilitação profissional, em que o trabalhador receba toda a assistência e orientação

necessárias para sua reabilitação efetiva e sua reintegração ao mercado profissional. Por

fim, o direito do trabalhador receber uma prestação de benefício continuado até que sua

reintegração efetivamente se complete.

Por outro lado, há insuficiente proteção ao direito fundamental do reabilitado

pela insuficiência de normas legais que amparem esse trabalhador em todo o processo de

reabilitação. A carência de tais normas constitui, assim, uma violação do princípio da

proibição da proteção não-suficiente. Sustenta-se o dever dos órgãos públicos em realizar

reforma legislativa imediata que promova a proteção do direito fundamental à reabilitação

profissional, que deverá abordar algumas questões essenciais que envolvem, entre outras

medidas: a adoção de uma política de cotas específica para os reabilitados profissionais; a

previsão de compensações financeiras às empresas para os casos em que sejam necessárias

adaptações no posto de trabalho ou de acolhimento personalizado do trabalhador ao posto

de trabalho, além da criação de incentivos financeiros à empresa com base em uma

política premial que fomente a criação/manutenção de empregos para

habilitação/reabilitação; uma mudança do conceito de incapacidade na avaliação da

reabilitação profissional; ampliação e extensão da garantia de emprego para todos os casos

de reabilitação profissional, mesmo em caso de acidente de trabalho e de doença não-

ocupacionais, bem como maior proteção em caso de despedidas e outras medidas patronais

discriminatórias, com especial ênfase aos coletivos mais vulneráveis, como idosos, grandes

lesionados e trabalhadores com menor nível de instrução; clarificação da situação jurídica

do contrato de trabalho do trabalhador retornado; reinserção laboral consensual, entre o

próprio reabilitando, empresa, sindicato profissional e os órgãos governamentais, feita no

melhor interesse do reabilitando, que deverá contar com ampla assistência e

acompanhamento em todo o processo de reabilitação; de um direito de recusa do

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trabalhador, desde que razoável e justificada, à oferta de um posto de trabalho não-

adequado; de um direito a uma adaptação razoável do posto de trabalho às suas

necessidades; da possibilidade de cedência entre-empresas do trabalhador reabilitado, com

a concordância do trabalhador, de forma que, no período de garantia de emprego, o

cessionário se responsabilizaria pela ocupação do trabalhador e pelo pagamento de, pelo

menos, parte dos salários; a criação de uma “aposentadoria diferida por invalidez social”

como um benefício previdenciário continuado.

Sem dúvida, a criação de tal normatividade será um importante passo para a

efetivação do direito fundamental do reabilitado profissional. Mas será apenas um passo

de uma caminhada a ser feita por toda a sociedade. Hoje, a reabilitação efetiva e completa

desse trabalhador conta basicamente com abnegados profissionais da área de reabilitação

profissionais e dos esforços do próprio reabilitando e de seus familiares que não perdem a

esperança e os sonhos de uma reinserção profissional e social.

.

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ANEXOS:

Figura 1 - Avaliação (WÜNSCH, 2013)

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Figura 2 - O programa de reabilitação (WÜNSCH, 2013)

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Figura 3 - O programa de reabilitação (reinserção laboral) (WÜNSCH, 2013)

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Figura 4 - Desligamento do programa (WÜNSCH, 2013)

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RELAÇÃO DE PROJETOS DE LEI APRESENTADOS NO CONGRESSO NA-

CIONAL SOBRE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL ENTRE 2010 E 2015:

- Câmara dos Deputados:

- PL 2567/2011 – Rodrigo Rollemberg (PSB-DF)

- PL 2037/1999 - Medeiros (PFL-SP)

- PL 7207/2010- Jô Moraes (PCdoB-MG) e outros

- PL 1217/2011 - Tião Viana (PT-AC)

- PL 6587/2013 - Fábio Faria (PSD-RN)

- PL 3163/2008 - Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM)

- PL 325/1999 - Cunha Bueno (PPB-SP)

- PL 7201/2010 - Ricardo Berzoini (PT/SP) e outros

Não foram encontradas proposições no Senado Federal.

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PROJETO DE LEI Nº , DE 2010(Dos Srs. Ricardo Berzoini, Pepe Vargas, Jô Moraes, Paulo Pereira da Silva e

Roberto Santiago)

Altera a Subseção II da Seção VI do Capítulo IIdo Título III da Lei nº 8.213, de

24 de julho de 1991, para dispor sobre aReabilitação Profissional.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º A Subseção II da Seção VI do Capítulo II do Título III da Lei nº8.213, de 24 de julho de 1991, passa a ter a seguinte redação:

“Subseção IIDa Reabilitação Profissional

Art. 89. A reabilitação profissional deve proporcionar aobeneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho odesenvolvimento de atividades terapêuticas e de profissionalização queabranjam a integralidade do indivíduo, de forma a superar os limitesimpostos por sua incapacidade, visando à estabilização física e à ampliaçãode movimentos e força, atuando no processo de estabilização psicossocial epossibilitando a integração nas relações sociais, cotidianas e de trabalho.

§ 1º A reabilitação profissional compreende: I –O processo terapêutico multidisciplinar;

II – A avaliação de saúde, da incapacidade, da funcionalidade e dopotencial laborativo, tendo como base a Classificação Internacional deFuncionalidade ( CIF), da Organização Mundial de Saúde, sobresponsabilidade de equipe multidisciplinar do Instituto Nacional do SeguroSocial (INSS);

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III – O programa de reinserção do segurado na empresa de vínculo, que in-clui ações no indivíduo, no local e no posto de trabalho, na atividade labo-ral;IV – A qualificação do segurado, quando necessária, sob responsabilidadeda empresa e supervisionada pela equipe multidisciplinar do INSS;V – A orientação e avaliação do processo de reabilitação profissional peloINSS, antes da cessação do benefício, após dois meses, seis meses, um anoe dois anos do retorno ao trabalho;VI – O fornecimento, pelo INSS, de aparelho de prótese, órtese e instru-mentos de auxílio para locomoção quando a perda ou redução da capacida-de funcional puder ser atenuada por seu uso e dos equipamentos necessá-rios à reabilitação social e profissional;VII – A reparação ou a substituição, pelo INSS, dos aparelhos menciona-dos no inciso VI deste parágrafo, desgastados pelo uso normal ou por ocor-rência estranha à vontade do beneficiário;VIII – o transporte do acidentado do trabalho, quando necessário;IX – o auxílio para tratamento ou exame fora do domicílio do beneficiário,quando for o caso.

§ 2º O processo de reabilitação profissional só será concluído quando constatada, pelo INSS, areinserção do segurado no trabalho, em local e atividade que permita sua reintegração social plena,respeitadas suas limitações físicas, psíquicas e laborais.

§ 3º Para cumprir as etapas da reabilitação profissional previstas no § 1º deste artigo, o INSSdeve articular-se com o Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério do Trabalho e Emprego, com aSecretaria de Assistência Social, com órgãos formadores, bem como promover internamente aintegração entre os grupos pericial e da reabilitação profissional.

§ 4º A execução das funções previstas neste artigo deverá ser de responsabilidade de equipesmultidisciplinares de reabilitação profissional do INSS nos diferentes níveis de gerência e nas agênciasde previdência social dos municípios com mais de cem mil habitantes.

§ 5º Cada gerência regional deverá ter um plano diretor de reabilitação profissional,elaborado com a participação das gerências executivas e com o Conselho Regional de PrevidênciaSocial, contemplando as necessidades loco- regionais e entidades parceiras, incluindo as locais eregionais.

§ 6º O segurado poderá interpor recurso, conforme art. 126 desta Lei, ao Conselho deRecursos da Previdência Social, caso considere que o seu processo de reabilitação profissional nãoesteja ocorrendo conforme previsto em lei .

§ 7º O benefício por incapacidade só poderá ser cessado quando o segurado iniciarefetivamente suas atividades laborais ou for considerado apto para ser reinserido no mercado detrabalho.

Art. 90. ................................................................................§ 1º O encaminhamento para a avaliação da equipe de reabilitação profissional deverá ser

feito pela perícia nos seguintes casos:I - duração do benefício por incapacidade maior que seis meses, indepen-dentemente dos pedidos de prorrogação e reconsideração;II - três ou mais pedidos de prorrogação de benefício por incapacidade;III - um ou mais pedidos de reconsideração de benefício por incapacidade.

§ 2º A avaliação da equipe de reabilitação profissional deverá ser considerada como períciamultiprofissional.

§ 3º A equipe de reabilitação profissional deverá ter instalações distintas de perícia habitual doINSS.

.............................................................................................Art. 93. A empresa com 50 (cinquenta) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2%

(dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com reabilitados, na seguinte proporção:.............................................................................................§ 3º O trabalhador cuja redução de capacidade laboral for decorrente de acidente de trabalho

ou doença de origem ocupacional, será reabilitado obrigatoriamente na empresa em que trabalhava nadata do início do beneficio.” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

153

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JUSTIFICAÇÃO

A reabilitação profissional é um dos serviços mais complexos prestadospela Previdência Social a seus segurados e dependentes. O texto legal, no entanto, não reflete essacomplexidade, definindo-a de forma bastante sucinta. Esse fato faz com que todo o detalhamento dosprocedimentos de reabilitação profissional seja remetido à regulamentação. O que se tem observado éque essa regulamentação não se dá de forma satisfatória, resultando em serviço ineficiente e ineficaz.

Além disso, o texto original da Lei no

8.213, de 1991, não faz distinçãoentre pessoa com deficiência e trabalhador com redução de capacidade laborativa adquirida já nacondição de segurado, ao tratar, na Subseção II da Seção VI do Capítulo II do Título III, de habilitadose reabilitados.

Essa diferença embora possa parecer sem importância, acaba por gerar umconflito de interesses entre as duas espécies de segurados, pois, na definição das cotas deobrigatoriedade de contratação, as empresas podem optar por cumpri-la totalmente com um ou comoutro tipo de situação, de acordo com suas conveniências.

A presente proposta pretende definir vários procedimentos obrigatórios,para que se tenha a real possibilidade de reinserir no trabalho segurados que apresentam redução decapacidade laboral ao término de seus benefícios por incapacidade. Da mesma forma, visa a resolver aatual situação conflituosa entre o trabalhador com sequela adquirida e a pessoa com deficiência,diferenciando os tipos de procedimentos, de acordo com a realidade própria e individualizada dapessoa com deficiência e o trabalhador reabilitado.

Tendo em vista a relevância da matéria, contamos com o apoio dos ilustrespares para a aprovação desta proposição.

Sala das Sessões, em 28 de abril de 2010.

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