16
TRAJETÓRIA INTELECTUAL E PRODUÇÃO LETRADA DE MADAME DE STAËL E SUA RELAÇÃO CONFLITUOSA COM NAPOLEÃO À LUZ DA OBRA “DE L’ALLEMAGNE” Louise Salles Schaeffer Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De Fora Email: [email protected] Resumo Anne Louise Germaine Necker, posteriormente conhecida como Madame de Staël, célebre escritora franco suíça do século XIX reformulou o conceito de literatura, propagou o romantismo na França, foi responsável pelo intercâmbio cultural entre França e outros países europeus e foi responsável por inúmeros pensamentos libertários do seu período. Sua figura se associa ao pensamento libertário, cuja transformação mudou o rumo da literatura francesa entre os séculos XVIII e XIX. Pela sua maneira de pensar e agir diante de uma França extremamente nacionalista, durante o governo napoleônico, pós revolução francesa, Madame de Staël incomodou. Suas obras de maior fôlego foram o principal fator de desentendimento e conflito entre a escritora e o ditador francês na época e devido a esse conflito, a historiografia francesa e mundial debate acerca da herança em que os escritos e as ideias de Staël deixaram para a posterioridade. Esse artigo tem como principal objetivo mostrar a trajetória de vida e a produção letrada de Madame de Staël a partir do século XIX, dando ênfase para sua obra de maior destaque: De l’Allemagne (1810). É a partir dessa obra, que Madame de Staël sintetizou toda a história da Alemanha, desde os costumes até a política em um contexto histórico onde a França, governada por Napoleão, caminhava em solo extremamente patriota e que a autora desviou completamente com sua obra. Serão destacados, portanto, os pontos que ilustram a relação entre Madame de Staël e Napoleão e esse significativo conflito no contexto político e sócio cultural francês através da sua obra mais icônica recentemente traduzida no Brasil (2016). Seus escritos chegaram ao país e não somente circularam entre as livrarias da corte, como influenciaram fortemente outras mulheres escritoras da época.

Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

TRAJETÓRIA INTELECTUAL E PRODUÇÃO LETRADA DE MADAME DE

STAËL E SUA RELAÇÃO CONFLITUOSA COM NAPOLEÃO À LUZ DA

OBRA “DE L’ALLEMAGNE”

Louise Salles Schaeffer

Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De Fora

Email: [email protected]

Resumo

Anne Louise Germaine Necker, posteriormente conhecida como Madame de

Staël, célebre escritora franco suíça do século XIX reformulou o conceito de literatura,

propagou o romantismo na França, foi responsável pelo intercâmbio cultural entre França

e outros países europeus e foi responsável por inúmeros pensamentos libertários do seu

período. Sua figura se associa ao pensamento libertário, cuja transformação mudou o

rumo da literatura francesa entre os séculos XVIII e XIX. Pela sua maneira de pensar e

agir diante de uma França extremamente nacionalista, durante o governo napoleônico,

pós revolução francesa, Madame de Staël incomodou. Suas obras de maior fôlego foram

o principal fator de desentendimento e conflito entre a escritora e o ditador francês na

época e devido a esse conflito, a historiografia francesa e mundial debate acerca da

herança em que os escritos e as ideias de Staël deixaram para a posterioridade. Esse artigo

tem como principal objetivo mostrar a trajetória de vida e a produção letrada de Madame

de Staël a partir do século XIX, dando ênfase para sua obra de maior destaque: De

l’Allemagne (1810). É a partir dessa obra, que Madame de Staël sintetizou toda a história

da Alemanha, desde os costumes até a política em um contexto histórico onde a França,

governada por Napoleão, caminhava em solo extremamente patriota e que a autora

desviou completamente com sua obra. Serão destacados, portanto, os pontos que ilustram

a relação entre Madame de Staël e Napoleão e esse significativo conflito no contexto

político e sócio cultural francês através da sua obra mais icônica recentemente traduzida

no Brasil (2016). Seus escritos chegaram ao país e não somente circularam entre as

livrarias da corte, como influenciaram fortemente outras mulheres escritoras da época.

Page 2: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

Palavras-chave: Madame de Staël, romantismo, século XIX, Napoleão, literatura

francesa.

O livro De l’Allemagne publicado pela primeira vez em 1810, da autora franco

suíça Madame de Staël é uma de suas obras mais famosas. Referência não somente para

a área das letras, como também da filosofia, história, sociologia e tradução. Essa obra,

escrita durante um longo processo de mergulho e análise no país germânico, rendeu a

Staël o título de responsável pelo intercâmbio cultural entre França e Alemanha e também

a marcou como uma representante do romantismo alemão na França. Grande conhecedora

da língua, costumes, literatura e filosofia alemã, Madame de Staël teve uma importante

rede de sociabilidades com grandes nomes da literatura romântica alemã do período.

Nomes como dos irmãos Schelegel, Schiller e Goethe ilustram perfeitamente esse

convívio intelectual.

Anne Louise Germaine Necker nasceu em Paris no dia 22 de abril de 1766, no

contexto de uma França governada por Luis XV e possuiu uma vida baseada em críticas,

contestações e pensamentos muito à frente do seu tempo. Foi uma mulher determinada,

independente e muito culta, para os parâmetros da época era considerada uma forte

influência na escrita e na produção letrada francesa. Desde muito nova já se interessava

pela vida política e era muito erudita. Sua educação fez com que se tornasse uma escritora

importante, divulgadora fundamental do Romantismo na França e uma das principais

interlocutoras entre as culturas francesa e alemã no início do século XIX (RAVAGNANI,

2013). Germaine recebeu grande influência do Iluminismo e da Revolução Francesa e foi

uma difusora das ideias libertárias no período totalitário, este, que se moldava através de

um nacionalismo exacerbado e um império ditatorial de Napoleão Bonaparte.

A baronesa era filha única de Jacques Necker (1732-1804), banqueiro e ministro

das Finanças de Luis XVI na década de 1788 e de Suzanne Curchod (1737-1794), cuja

participação na sociedade francesa também merece um notável destaque, pois era uma

mulher apaixonada pelas letras e pela escrita e era responsável por um grande salão

literário parisiense do século XVIII, frequentado por grandes personagens como Diderot

e D’Alembert (MISSIO, 2016). Corajosa, Anne Louise não tinha receio de suas ações,

muito ambiciosa sempre buscava difundir o conhecimento através da crítica literária. Foi

introduzida na vida política desde muito nova, estudos apontam que a partir dos 11 anos

Page 3: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

já frequentava os salões literários franceses, inclusive o de sua mãe e praticava leitura de

autores como Montesquieu, Voltaire e Rousseau. Por influência de seus pais, ela se

dedicou fortemente aos estudos e à produção literária, como também ao aprendizado de

outras línguas. Desde pequena, Madame de Staël esteve rodeada de pessoas influentes no

meio literário, como Diderot e d’Alembert e isso permitiu que ela tivesse uma abertura

promíscua no mundo político aristocrático.

Suzane Curchod impôs Anne Louise à uma educação extremamente rígida,

regada de filosofia, literatura e artes, assim como estudos pesados no aprendizado de

outras línguas e na erudição. Algumas biografias a retratam como uma criança de hábitos

“estranhos” e que desde muito nova escrevia textos repletos de um vocabulário fervoroso

e um conhecimento intelectual inenarrável. Sua mãe fez o possível para transformar a

única filha “numa verdadeira biblioteca ambulante”, impondo à filha o aprendizado desde

a matemática até a teologia, lições de dança e declamação. É notoriamente visível que o

investimento de seus pais em sua erudição veio principalmente por parte de interesses

pessoais dos mesmos, afinal, estavam fortemente conectados a uma rede intelectual

influenciável e sua filha, tinha que possuir o mesmo conhecimento. Entretanto, segundo

algumas biografias, essa imposição ao intelecto contribuiu para que Anne Louise

desenvolvesse um quadro depressivo aos 12 anos de idade.

Madame de Staël possui inúmeras obras, peças de teatro, artigos e citações que

marcaram profundamente o século das luzes na França. Ela recebia os melhores estudos

e possuía uma educação digna de baronesa, sua formação através dos livros e estudos

libertários fez com que se tornasse uma das personagens mais estudadas na França nos

anos 2000. É importante apontar e analisar suas principais obras e o contexto histórico

onde elas estão inseridas, portanto, ilustrarei aqui em ordem cronológica suas produções

mais conhecidas.

Além de produções literárias, Madame de Staël escreveu romances, ensaios,

cartas e peças de teatro (PIUCCO, 2014). Durante o período de 1789 a 1799, a França

passava pelos reflexos da Revolução Francesa e é durante essa movimentação política

que Madame de Staël emerge com sua produção. Ainda jovem, durante a adolescência,

entre os anos de 1781 a 1785 ela escreveu três romances Mirza, Adelaide et Théodor e

Pauline que só foram publicados dez anos mais tarde. Em 1786 ela escreveu uma peça de

Page 4: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

teatro, Sophie ou Les sentiments secrets, porém só foi publicada em 1790. Já em 1788

publicou Lettres sur le caractere et les écrits de J. J. Rousseau uma obra que demostra a

influência da filosofia na formação literária, política e pessoal de Staël.

Em 1793, no auge do ano do terror sob à luz dos impactos da Revolução

Francesa, Staël publicou Refléxions sur le procès de la reine onde defendeu a rainha

Maria Antonieta que fora acusada de crimes que não havia cometido. Com intuito de

defender a rainha e livra-la da guilhotina, a baronesa saiu em sua defesa demonstrando

seu papel como mulher e mãe, vítima de calúnias e preconceitos. Essa obra é um exemplo

de como Staël transcendeu os domínios do Romantismo através do seu papel como

precursora do feminismo e defensora das mulheres.

Segundo Janaina Ravagnani, no ano de 1795, a França corria sob os efeitos da

Convenção, cuja repressão aos monarquistas ordenou que Madame de Staël deixasse a

França, assim sendo, o ministro da polícia francesa assinou um mandado de prisão contra

Madame de Staël caso ela voltasse à França. Se refugiando em Coppet, o castelo da

família na Suíça, a francesa publicou De l’influence des passions, obra que trata da

questão da felicidade e do amor dos indivíduos, considerada marco do Romantismo

Europeu. Ainda no mesmo ano, também publicou Essai sur les fictions que ilustra o novo

uso da palavra “literatura” para discutir sobre o que antes era conhecido como Belas-

Artes e onde debate fortemente questões que se transformariam em eixos da teoria

literária nos anos iniciais do século XX (PINO, 2012, p.65).

O início do século XIX foi o mais marcante e importante em relação à produção

de Madame de Staël, isto porque, são publicadas suas obras mais consagradas,

consideradas como fonte historiográfica fundamental do romantismo, liberalismo político

e teoria literária, essenciais principalmente para o campo da literatura. De la Littérature:

Considerée dans ses rapports avec les Institutions Sociales que foi publicada em 1800,

Madame de Staël enfatiza: “Eu me propus a examinar que influência a religião, as leis e

os costumes exercem sobre a literatura, e qual a influência da literatura sobre a religião,

os costumes e as leis” (LOBO, 1987, p. 99).

Page 5: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

Essa obra introduziu o Romantismo na França, a partir das ideias do movimento

alemão Stum und Drang1 e sua principal teoria era segundo Narcelli Piucco, a importância

dada a uma obra literária, cuja abordagem devia tratar da evolução da literatura e do

pensamento filosófico através de diferentes tipos de sociedades.

Segundo a maioria dos biógrafos, alguns aspectos contêm alusões à própria vida

da autora. A posição política da baronesa desencadeou perseguições do governo e o seu

exílio, tendo que passar alguns anos afastada da França. A situação se repetiu com a obra

De l’Allemagne, publicada somente em 1813, pois a primeira edição foi confiscada e

todos seus números queimados por Napoleão, sob a acusação de conter ideias

antipatrióticas. Segundo Edmir Missio, essa obra traz:

Descrições das paisagens naturais, das cidades, dos costumes locais e do

caráter dos escritores e demais artistas germânicos, especialmente daqueles

com os quais a autora teve a oportunidade de conversar; adentrando ainda no

plano da educação, da filosofia e das instituições e expressões religiosas.

(2016, p.XIII)

Uma maior análise e problematização de De l’Allemagne será feita nos

parágrafos a seguir uma vez que, irá tratar da obra inserida no governo Napoleônico,

ilustrando a relação de Madame de Staël com o imperador.

O fim do processo revolucionário francês em 1799 veio a partir do Golpe de

Brumário, cujo resultado instituiu o Consulado (1799 a 1804) na França, ou seja, a

primeira fase do governo de Napoleão. Consequentemente, a história francesa e europeia

se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do

Consulado, o governo napoleônico ainda teve a fase do Império de 1804 a 1814 e o

Governo dos Cem Dias no ano de 1815, quando se finaliza seu governo.

A análise a seguir acontece no contexto da Era Napoleônica, entre 1799 e 1815,

haja vista os inúmeros fatos que marcaram esse governo. Entretanto, o foco será a relação

do imperador com a figura de Madame de Staël na Era Napoleônica, cujo ápice de sua

produção letrada se tornou visível e fez com que sua ligação com Napoleão se tornasse

uma das relações mais odiadas do período na França, fazendo com que a baronesa fosse

considerada inimiga número um do imperador.

1 Movimento pré-romântico alemão dos irmãos Schlegel.

Page 6: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

Baronesa de Staël Holstein foi célebre. Viajou por diversos países da Europa,

entre eles os estados germânicos, Inglaterra, Itália, Polônia e Rússia. Teve contato com

diversas personalidades e mostrou a esse continente a força de sua personalidade. Assim

como seu pai Jacques Necker, ela se interessava por política e pelo destino da França Suas

ideias políticas rodeavam o interesse pela “defesa de uma monarquia estabelecida pela

vontade geral fundada sobre leis que só a nação tem o direito de mudar” (MISSIO, 1997,

p.29). Talvez, devido a essa característica, explica-se uma das razões principais de

Napoleão ter tanta aversão à ela. Mesmo após seu apoio a instauração de uma república

francesa, ela não se posicionou a frente de uma monarquia, ao mesmo tempo em que

defendia, ela também reprovava determinados aspectos de ambas as formas de governo.

Em 1795, “fez um apelo aos moderados republicanos e realistas para se unirem

em favor do bem comum, sob a égide de uma República” (DIESBACH, 1983, p.174). A

escolha por defender tais ideias numa época conturbada, rendeu-lhe um grande

descontentamento de diversas partes da política imperial, resultando em um perigoso

choque contra Napoleão, que não admitia o pensamento dos frequentadores em torno do

salão de Staël. Nesse ano, ela recebeu sua primeira ordem de exílio e seguiu para a Suíça

onde se manteve até o ano seguinte, quando retornou à França. Segundo estudos

realizados sobre a personagem da Madame, a relação da mesma com o imperador não era

uma das melhores, ela criticava fortemente aquilo que ele mais representava, o chamado

despotismo. Além disso, ela ainda criticava ideais do imperador, como por exemplo, o

desejo de reconstrução do Império Bonapartista exaltando o passado e o domínio cultural

da França sobre toda a Europa.

Ainda nos anos iniciais do século XIX, em 1803, mais uma vez sob ordens de

Napoleão, Madame de Staël é exilada da França pela segunda vez e é na companhia de

Benjamim Constant, que ambos viajam para Berlim e Weimar, principais cidades na

Alemanha por onde ela desenvolveu seus estudos. Nesse país, a francesa aprendeu alemão

e se tornou amiga de grandes filósofos como Goethe, os irmãos Schelegel e Schiller. No

país germânico, a baronesa descobriu uma literatura jamais vista na França e ela fez

questão de estudar e divulgar aos franceses essa escrita a partir de uma obra de suma

importância para estudiosos atuais: De L’Allemagne. Na sua obra mais icônica, Staël

escreveu um guia completo apresentando todas as esferas do país, isto é, ela apontou e

Page 7: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

analisou os costumes, a vida, os ambientes, a língua, os estudos e a filosofia, a imaginação

e a realidade, a razão e a religião, os sentimentos e as regiões de todo o país alemão.

Durante sua estadia na Alemanha, Madame de Staël ampliou seus

conhecimentos sobre a filosofia alemã, se aproximando fortemente das teorias de Kant e

Schelling. Além da forte influência dos irmãos Schelegel na contribuição de seus estudos,

August Wilhelm Schlegel o irmão mais novo, se tornou preceptor de seus filhos, um fiel

confidente e um grande colaborador. Sua viagem é interrompida em 1806 devido a morte

de seu pai, obrigando-a à retornar a Coppet na Suíça. Em seguida, ela parte para a Itália

na companhia de seus filhos e de August, onde organiza escritos do importante romance

Corinne (MISSIO, 1997, p. 34). Tal livro incomoda profundamente Napoleão, acusando-

a de atribuir a nacionalidade estrangeira aos personagens principais, que eram

considerados os heróis. Além disso, ele ainda a acusava de valorizar as artes e o passado

dos italianos. Devida essa conjuntura, a baronesa de Staël ainda estava impedida de

retomar a Paris, então ela continua seu projeto sobre a Alemanha fazendo sua segunda

viagem em 1807. No ano seguinte ela retorna a Coppet, coincidindo com o começo de

uma reação anti-napoleônica, havendo inúmeros símbolos de resistência e pessoas

contrárias ao imperador e é nesse contexto que seu salão ressurge com o mesmo brilho de

quando começou restaurando o aspecto cosmopolita de seus frequentadores, como

enfatiza Missio: “este círculo, de predominância protestante, ficaria bastante conhecido

sob a denominação de Grupo de Coppet, notabilizando-se por produções no campo da

tradução, ficções e especialmente no campo da história” (1997, p. 34).

Assim que está pronta para a publicação do De l’Allemagne, Madame de Stael

prepara uma viagem aos Estados Unidos para realizar tal evento, entretanto, seu plano

fracassa e a primeira edição do seu livro é confiscada em 1810, sob a acusação de que

continha ideias antipatrióticas. Depois de ter entregado o manuscrito da obra sobre a

Alemanha ao livreiro que havia impresso Corinne para que ocorresse a publicação, surgiu

um decreto de censura alegando que “nenhuma obra poderia ser imprensa sem ter sido

examinada pelos censores” (STAEL, 2016, p.1). Com isso, Madame de Stael explica em

1813 um importante comunicado:

No momento em que esta obra ia ser lançada, e quando já haviam sido

impressos 10 mil exemplares da primeira edição, o ministro da polícia,

conhecido sob o nome de general Savary, enviou seus guardas à casa do

livreiro, com ordem de despedaçar toda a edição, e de colocar sentinelas nas

Page 8: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

diversas saídas da loja, no temor de que um só exemplar do perigoso escrito

pudesse escapar (STAEL, 2016, p.2).

Ao mesmo tempo em que sua obra estava sendo censurada, Madame de Staël

recebeu uma ordem se sair de Paris dentro de 24 horas, e é aí, que mais uma vez, a

conturbada relação da baronesa com o imperador se fazia presente. A autora só consegue

de fato ter sua obra circulando em 1813, em Londres e ela permitiu aos leitores franceses

um importante panorama da filosofia e literatura para além da França. De l’Allemagne, e

em seguida De La litterature são consideradas as mais importantes criações literária da

escritora.

Napoleão possuía um forte caráter ditatorial e nacionalista, e Madame de Staël

escreveu De l’Allemagne, (cuja escrita e divulgação foi o ápice de todo desentendimento

entre Staël e Napoleão) com base em um estudo minuciosamente aprofundado sobre a

vida e os costumes na Alemanha. Este livro representa o auge de sua crítica literária, onde

se podiam encontrar preocupações com a formação moral do público leitor, a valorização

intelectual da mulher e a relação entre obra literária e instituições sociais. A mediação

cultural provocada por Staël entre França e Alemanha resultou em mais uma insatisfação

política efervescente no Imperador Napoleão, decretando mais uma ordem de exílio à

francesa em 1810. Segundo autores, Napoleão ficou extremamente irritado com o cúmulo

de elogios que as obras de Madame de Staël estavam recebendo, tratava-se de uma

recepção positiva de sua maior inimiga, cuja audácia o desafiou durante todos os anos de

seu governo. Após a destruição de seu livro, ela foi confinada em Coppet e todos seus

amigos ficaram proibidos de visita-la. Entretanto, dois anos depois, em 1812, ela

conseguiu esquivar da polícia imperial e visitou países como a Polônia e a Rússia, e logo

em seguida, Londres, onde ocorreu de fato a primeira publicação, até que por fim

conseguiu retornar à Paris após a abdicação de Napoleão em 1814 e conseguiu a

publicação na versão francesa, devido a queda do imperador.

Madame de Stael acreditava que Napoleão tinha desenvolvido uma estratégia

bonapartista para a conquista de seu poder, e isso ocorreu graças a fraqueza de outros

indivíduos. Segundo Ricardo Vélez Rodrigues:

“(...) para a baronesa, o imperador seguia uma estratégia agressiva do

maquiavelismo dividia em cinco variáveis: cênica, cultural, política, religiosa

e imperial” A primeira variável fazia alusão ao despotismo napoleônico, o qual

os cidadãos se tornariam atores políticos e teriam plena confiança no seu

Page 9: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

déspota. A segunda foi o controle sobre a opinião pública, uma sistemática

repressão sobre aquele que ousassem esboçar críticas a ele, e é nessa variável

que Madame de Staël se encontra, justamente através de seu livro sobre a

Alemanha. A terceira contempla o terror policial, considerada a principal arma

de Napoleão para governar a França sem nenhuma oposição. A quarta variável

é a submissão da estrutura da igreja ao seu absolutismo e a cena mais

característica desse ponto é a sua própria coroação em 1804, quando retira a

coroa das mãos do Papa e coloca em si mesmo. E por fim, a quinta e última

variável diz respeito a submissão às nações estrangeiras perante suas

conquistas, isto é, há o projeto napoleônico com o propósito de unificar toda a

Europa ao seu redor” (2010)

Toda essa análise, embora seja feita por Vélez, é possível de ser encontrada com

maior amplitude no livro Dix Années d’Exil de 1812 de Madame de Staël.

Suas ideias e produção letrada fizeram de sua trajetória política e intelectual ser

duramente contestada na época. Ao mesmo tempo em que publicava suas obras e

participava ativamente de todo o processo político, afinal, estava fortemente inserida

nessa discussão, Madame Staël disseminava seus pensamentos revolucionários de uma

mulher, letrada, culta e totalmente independente. E é por causa dessas características, que

até o próprio Napoleão aceitava a titulação de personagem marcante que ela possuía.

Embora fosse totalmente contrário às suas ideias, o imperador sabia que ela era

influenciável e dona de uma sabedoria invejável.

É interessante nesse momento examinar o debate de alguns pesquisadores sobre

essa obra e o contexto histórico conturbado em que ela estava inserida. Para tal discussão

será necessário fazer uma breve análise a partir de três autores selecionados e que

contribuíram fortemente para a historiografia acerca de Madame de Staël. A primeira

autora de grande referência sobre Madame de Staël é a escritora francesa Simone Balayé

que dedicou vários longos anos de sua vida aos estudos e pesquisas sobre a baronesa.

Logo em seguida será apontado a discussão feita por Michel Winock, biógrafo francês

mais recente de Madame de Staël e por fim, Edmir Missio, pesquisador brasileiro da

UNICAMP que analisou na sua dissertação alguns aportes teóricos e excertos de tradução

da obra, vale lembrar que Edmir também foi o responsável por traduzir De l’Allemagne

para o português em 2016, fazendo com que o livro seja o único de Staël traduzido no

Brasil. Todos os trechos citados por Balayé e Winock nesse artigo, são de minha própria

tradução.

Page 10: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

Simone Balayé nasceu em Versalhes em 1925 e faleceu em 2002, estudou

história e foi jornalista. Também foi uma importante escritora e presidente da Société des

Etudes Staeliennes2 a partir do ano de 1984. Considerada uma das maiores intelectuais

sobre Madame de Staël, dedicou 40 anos da sua vida a essas pesquisas. Balayé foi

responsável por grande parte dos artigos publicados nos Cahiers Staeliennes, inclusive

também se ocupou de reeditar vários escritos da própria Madame, assim como escrever

boa parte dos prefácios e das introduções nessas reedições a partir de 1960. Foi seu amplo

conhecimento da época imperial que chamou à atenção de Madame de Pange3,

descendente direta de Madame de Staël, autora de uma tese dedicada às relações

intelectuais entre sua tataravó e Augusto Wilhlem Schlegel, fundador da Sociedade de

Estudos Stelael (DELON, 2002).

Simone escreveu uma tese de mestrado em 1973 abordando a vida e as obras de

Madame de Staël, além de ter publicado dois importantes livros como Madame de Staël:

Lumières et Liberté em 1979 e Madame de Staël: écrire, lutter, vivre em 1994. As

pesquisas de Simone Balayé representam uma importante contribuição para a herança

literária de Staël não somente na França, mas para todo o mundo.

No prefácio da edição de 1968 de De l’Allemagne, Simone Balayé ilustra o que

a obra contribui para a historiografia como também ressalta o reflexo da crítica intelectual

que Staël fazia no período. Segundo Balayé, relembrar como a baronesa escreveu a obra

é como resumir uma evolução intelectual, cujo esse livro foi uma etapa essencial nesse

processo, a autora cita: “De l’Allemagne não é um manual imparcial e completo, mas uma

obra de uma crítica e escritora vibrante e apaixonada.” (1968). Segundo Balayé, Madame

2 Fundada em 1929, a sociedade de estudos staeliennes conta com uma longa história de trabalhos

de várias gerações de pesquisadores que trabalhabm em função do conhecimento e da influência

do pensamento de Germaine de Stael e do Grupo Coppet. A sociedade organiza eventos,

acompanha pesquisas e supervisiona as publicações do “Ouevres Completes” de Madame de

Stael. Essa revista anual, os cadernos staeliens reúne especialistas e jovens pesquisadores ansiosos

para confrontar suas exigências científicas em torno de um dossiê temático. Todo outono a

sociedade organiza uma reunião pública no Castelo de Coppet e de quatro em quatro anos,

acontece um Simpósio Internacional que dialoga as obras de Stael, Benjamin Constant e seus

herdeiros. A sociedade é um lugar que envolve associações, universidades e pesquisadores e que

aborda além das fronteiras, leitores e especialistas apaixonados por Germaine de Stael. Tradução

própria. Disponível no site www.stael.org 3 Nascida como Pauline de Broglie (1888-1972), era tataraneta de Madame de Staël.

Page 11: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

de Staël possuía uma disposição fundamental para se comunicar com outros autores, de

querer unir ideias e sentimentos. Ela via uma enorme importância em haver um diálogo

entre a Alemanha e a França, essa troca cultural de literatura e o intercâmbio de ideias

que ela tanto defendia. Ela não convidava os franceses a imitar os alemães, mas somente

se inspirar nesse exemplo para encontrar suas próprias riquezas. Segundo a autora:

O livro de Madame de Staël não tem somente como objetivo fazer os franceses

conhecerem a Alemanha. Como nos seus livros anteriores, ela quer

conscientizar os franceses das restrições que eliminam sua literatura, que

esvaziam todo o conteúdo para reduzi-la a uma única forma (1968, p.23).

A ideia central do livro para Simone Balayé, é a ideia de liberdade de pensar e

de escrever, de procurar as ideias e os temas onde eles são bons de encontrar. É enfrentar

essa recusa de preconceitos, restrições e proibições. Esse prefácio de Balayé contribuiu

fortemente para que outros autores contemporâneos à ela também tivessem alguns pontos

em comum. Analisar e discutir esse livro vem sendo entre os intelectuais franceses que

trabalham com a literatura francesa do século XIX, um dos maiores desafios, pois ao

mesmo tempo que são responsáveis pela construção de uma análise essencial sobre a

literatura, também contribuem para a análise história dos conflitos que envolviam a nação

francesa e alemã no período em que a obra foi escrita e publicada.

O segundo autor apontado é Michel Winock, nascido em 1937, historiador e

escritor francês que possui diversas obras que analisam escritores franceses do século

XIX, inclusive um dos seus livros mais conhecidos é uma biografia sobre Madame de

Staël. Publicada em 2010, o livro aborda desde o seu nascimento até as publicações

póstumas da baronesa, de uma maneira cronológica e sistemática de todos os

acontecimentos que moldaram a vida dela. Um fato curioso sobre essa obra é que Michel

Winock ganhou com ela o Prix Goncourt de la Biographie, uma premiação literária para

escritores francófonos:

Assim, tendo saído para investigar o pensamento liberal de Madame de Staël

eu me deixei embarcar nos tormentos de sua carta de ternura. A razão pela qual

ela pretende servir é combinada com entusiasmo e melancolia, irmãs gêmeas,

para formar a mistura de detonação que faz da vida de Germaine de Staël uma

questão sempre em fusão (WINOCK, 2010, p.12).

Como forma de referência, Winock sempre ressalta as análises feitas por Simone

Balayé e os estudos da sociedade staelienne e faz menções tanto de Madame de Staël

como de suas obras, tendo como plano de fundo o debate originalmente começado por

Page 12: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

Balayé. A frase que começa o capítulo sobre De l’Allemagne é justamente uma indagação.

“O que poderia ter de suficiente em um livro que tem como por objetivo apresentar a

cultura alemã aos franceses?” (WINOCK, 2010, p.439).

Assim como Balayé, Winock faz uma reflexão interessante de como a obra

conseguiu influenciar pensamentos e ideias da época e como isso contribuiu para um

reflexo de suma importância para a literatura romântica do século XVIII e XIX. Cita o

autor:

Staël não queria escrever um manifesto político. Seu livro foi originalmente

concebido como uma introdução a uma cultura alemã que ela havia descoberto

e se deslumbrado (2010, p.442).

Ao longo de toda a análise de Madame de Staël sobre o país germânico, Winock

deixa claro que através dos diversos exames que a escritora fez do país, ela traçou uma

espécie de retrato espelhado dos dois países que ela amava e que eram diferentes, ou seja,

a França e a Alemanha. Winock ainda reforça a ideia de que Madame de Staël penetra no

espírito europeu implorando pela comunicação entre as culturas, convencida das

qualidades e dos talentos complementares entre os alemães e os franceses. Ele finaliza

esse capítulo enfatizando:

Madame de Staël, com seu gosto por sistemas gerais, demonstrou os limites da

razão clássica na literatura, traçando para a nova geração uma linha de

distinção entre a estética resultante da renovação em pleno declínio e a nova

sensibilidade que será chamada de romantismo. Mal podemos imaginar, a

influência que este livro terá sobre a nova geração de escritores, para eles, ele

se tornará uma Bíblia (2010, p.457).

O último autor apontado nesse artigo é a única referência brasileira para a

discussão proposta. O pesquisador Edmir Missio, da UNICAMP que escreveu em 1997

sua dissertação de mestrado sobre De l’Allemagne e alguns trechos traduzidos. Edmir

também foi o responsável pela tradução completa e integral do livro para o português em

2016, marcando assim, como a única obra da escritora traduzida para nossa língua

atualmente. É importante ressaltar que o autor em sua dissertação também faz referências

a Simone Balayé, assinalando alguns fatores em comum com a escritora francesa:

Apesar da imensa importância histórica da obra de Madame de Staël,

somente no século XX ser-lhe-iam devotados estudos mais

aprofundados, durante muito tempo negligenciados. Simone Balayé,

que entre vários estudos sobre a autora, contribuiu para a produção da

Page 13: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

edição crítica de De l'Allemagne, aponta, de um modo geral, como

fatores desta negligência, a centralização dos estudos sobre as Luzes e

o Romantismo; a denominação de pré-romântico ao período,

reduzindo-o a uma ponte entre os eventos citados; os conflitos franco-

alemães a partir de 1870, que provocaram uma reação negativa à obra

De l'Allemagne, por parte da crítica "patriota"; e ainda, a oposição a

Napoleão que lhe teria rendido inimigos poderosos que a difamaram

por vários anos; por fim, para agravar todos estes fatores, a misoginia

(MISSIO, 1997, p.35).

Já na tradução feita por Edmir Missio em 2016, o autor também escreve a

apresentação do livro para o público leitor brasileiro e aponta o objetivo da obra e uma

breve análise literária:

Este livro representa o ápice de suas obras de crítica literária, nas quais

já podiam ser vistas sua preocupação com a formação moral do público

leitor, a valorização intelectual da mulher, a relação entre a obra literária

e as instituições sociais que a propiciaram e, ainda, a tese do

aperfeiçoamento do espírito humano, possível apenas com a liberdade

de expressão a ser garantida pelas instituições republicanas (...) Vale

notar pelo termo “literatura” compreendia-se tanto a ficção quanto a

eloquência, a história e a filosofia (2016, p.XII).

Edmir aponta também a importância da mediação cultural que Madame de Staël

propõe em relação com a política, que culminou ferozmente com o conflito direto com

Napoleão. Outras questões também são abordadas brevemente nesse prefácio desde uma

contextualização de como a obra foi idealizada e publicada até uma especificação dos

gêneros poéticos como o romance e o teatro. Através de um trabalho brilhante de

tradução, Edmir contribuiu imensamente para pesquisadores e suas pesquisas nos dias

atuais.

As ideias de Madame de Staël não somente circularam na França e outros países

europeus, como expandiram fronteiras e aportaram no Brasil. Durante a metade do século

XIX, mais precisamente durante os anos de 1850 e 1880 as obras da francesa circularam

fortemente pela corte. No Rio de Janeiro, na rua do Ouvidor, onde se encontrava a livraria

dos irmãos Garnier havia alguns exemplares de De l’Allemagne e Corinne e essa venda

dos livros era sempre anunciada na coluna anúncio de jornais como Diário do Rio de

Janeiro e Jornal do Commercio. Essa circulação cria uma hipótese de que suas ideias

chegaram ao Brasil a partir de um grande número de franceses, como os irmãos Garnier

Page 14: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

que vieram durante a segunda metade do século XIX e que trouxeram consigo uma

pluralidade de livros de grandes escritores franceses do período, como por exemplo

George Sand, Victor Hugo, Lamartine, Diderot, Chateaubriand e Madame de Staël.

Uma conhecida e respeitada escritora brasileira do século XIX que cita Madame

de Staël em seu livro Opúsculo Humanitário publicado pela primeira vez em 1853, é Nísia

Floresta (1819-1885), que com maestria fala amplamente das ideias e convicções da

escritora francesa. Segundo Floresta:

“Uma das duas primeiras escritoras francesas de nosso século, Mme. de Staël,

atribui à facilidade do divórcio entre os alemães a introdução, nas famílias, de

uma sorte de anarquia que nada deixa subsistir em sua verdade nem em sua

força. A ilustre escritora, cujo talento rendemos sempre a mais profunda

homenagem, escrevendo essas linhas abstraiu sem dúvida da anarquia de outra

espécie, e até certo ponto muito mais perigosa, que lavra pelo centro das

famílias de sua nação, a despeito da doutrina dos grandes pensadores,

Montesquieu, Rousseau, Voltaire e Diderot, combatida depois pelos dois

eminentes espíritos, Condorcet e Sieyès, cujas vozes foram sufocadas pelos

três fortes órgãos do século XVIII, Mirabeau, Danton e Robespierre” (1989,

p.18).

Ainda nessa obra de Floresta, a escritora também faz uma interessante análise da

mulher germânica atribuindo sempre algumas comparações que Madame de Staël aponta

em De l’Allemagne. Vejamos:

“Os alemães, baseando a sua felicidade doméstica na moral esclarecida das

mulheres, antes que em um jugo imposto pela lei, as subtraem, em geral, ao

conhecimento de estratagemas que certas mulheres do Sul sabem com raro A

mulher germânica teve sempre grandes vantagens sobre as mulheres antigas e modernas. É ainda na Alemanha que se encontra o verdadeiro tipo do espírito

de família e do respeito tributado à velhice, tão rigorosamente exercido pelos

espartanos, tão menoscabado nas gerações presentes do Sul. Foi uma mulher

germânica o patriarca feminino que mais importância teve na grande

emigração. A história moderna não apresenta um homem cuja eloqüência igual

à que ela desenvolveu então” (1989, p. 19 e 20).

Nísia Floresta foi uma escritora ligada à defesa aos direitos da mulher e suas

ideias não somente se deram na esfera política, como também em diversas outras áreas

em que a mulher poderia e deveria atuar. Floresta proporcionou um interessante diálogo

entre as ideias europeias e o contexto brasileiro de sua época e dedicou amplos estudos

sobre a condição feminina em uma conjuntura extremamente patriarcal e machista. Seus

conceitos partiram em grande medida de uma forte influência de Staël e tanto Nísia

Floresta como Madame de Staël, contribuíram fortemente no reflexo para outras

escritoras posteriores.

Page 15: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

Em suma, falar de Madame de Staël nunca é uma tarefa simples, ainda mais

considerando as poucas pesquisas e estudos sobre a francesa no Brasil. No entanto, é

primordial debater sobre a escritora nos dias atuais para que se possa promover um amplo

debate sobre a literatura francesa que influenciou intensamente a literatura brasileira,

enfatizando principalmente a influência que escritoras francesas tiveram nas obras de

escritoras brasileiras do mesmo período. O artigo tentou brevemente mostrar a trajetória

intelectual e a produção letrada de um dos maiores nomes da literatura francesa do século

XIX durante um conturbado momento político do mesmo período. Staël incomodou não

somente a Napoleão, como inquietou escritores homens contemporâneos a ela. Mostrou

através de suas obras, seus pensamentos libertários e seu amplo conhecimento sobre uma

pluralidade de assuntos. Pesquisar Madame de Staël é pesquisar o movimento romântico

francês e europeu. É interagir com a literatura francesa do século XIX e sua aproximação

com outros países, como Alemanha, Inglaterra e Itália afim de sempre ilustrar a o quão

importante essa escritora era e ainda é para os campos da literatura, da história e muitos

outros. Suas ideias expandiram fronteiras, alcançou escritoras de outros países e foi

determinante para moldar o pensamento dessas mulheres, cujos escritos seguem falando

e enfatizando a importância de se ler Madame de Staël.

Referências Bibliográficas

BALAYÉ, Simone. Le dossier Staël. In: Romantisme: Le romantisme allemand. n°20,

pp. 101-109; 1978.

______________.Comment peut-on être Madame de Staël? In: Une femme dans

l'institution littéraire. In: Romantisme, n°77. Les femmes et le bonheur d'écrire. pp. 15-

23. 1992.

CARVALHO, Silvânia. Biografia e tradução: Madame de Staël - a study of her life and

times. 156 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de

Comunicação e Expressão. Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução,

Florianópolis, 2008.

Page 16: Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz De ... · se transformavam, uma vez, que começava de fato a Era Napoleônica. A partir do Consulado, o governo napoleônico

DELON, Michel. Revue d'Histoire littéraire de la France, 102e Année, No. 4 (Jul. - Aug.,

2002), pp. 699-700.

DE SOUZA, Nabil Araujo. Robespierre a Kant: Mme. de Staël a a “Revolução Alemã”

da crítica francesa. Caligrama. V. 18, n.1, p.211-236. Belo Horizonte, 2013.

DIESBACH, Gislain de. Mme de Staël. Paris: Perrin, 1983.

HEROLD, J. Christopher. Mistress to an Age: A life of Madame de Staël. New York:

Grove Press, 1958.

LOBO, Luiza. Teorias poéticas do romantismo. Introdução, organização, tradução. Porto

Alegre, Mercado Aberto; Rio de Janeiro, UFRJ. Pp. 99-112. 1987.

MISSIO, Edmir. De l'Allemagne de Mme. da Stael: apresentação e tradução de textos

escolhidos. Campinas, SP. n. l, 1997.

NECKER DE SAUSSURE, Madame. Notice sur le caractère et les écrits de Madame de

Staël. Paris: Treuttel et Wurtz, 1820. Tome I.

PIUCCO, Narceli. Corinne ou l’Italie de Mme de Staël: da adaptação à retradução

estrangeirizante. Florianópolis, 2008. 225 f. Dissertação de Mestrado (Pós-graduação em

Estudos da Tradução), UFSC, 2008.

______________. Retradução comentada de Corinne ou l’Italie de Mme. De Stael.

Florianopolis, SC, 2014.

______________. Traduzir Madame de Stael, difusora de identidades literárias da época

romântica. Caligrama, Belo Horizonte, v. 15, n.1, p. 67-84, 2010.

RAVAGNANI, Janaina. Madame de Staël e o Romantismo: Projeto de Tradução.

Curitiba, 2013.

STAEL, Madame de. De l’Alemagne. GF Flammarion, Paris. 1968.

_________________. De la Litterature. GF Flammarion, Paris. 1991.

RODRIGUEZ, Ricardo Veléz. Madame de Staël, precursora do Liberalismo

Doutrinário. Cogitationes, ano 1, n. 1, 2010.

WINOCK, Michel. Madame de Staël. Fayard, 2010.