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Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: reconhecer os conceitos de signo à luz das teorias estudadas; classificar os signos de acordo com as abordagens peirceana e bakhtiniana; utilizar seus conhecimentos e experiências anteriores para a identificação de signos ideológicos. Apresentar as definições e características do signo à luz das concepções de Charles Sanders Peirce e Mikhail Bakhtin. Meta Objetivos 4 aula O SIGNO NA VISÃO PEIRCEANA E BAKHTINIANA

Meta - nead.uesc.brnead.uesc.br/arquivos/Letras/MOD1-VOL3-INTROD-EST-LING/AULA4.pdf · 60 Módulo 1 I Volume 3 EAD ... 1884 e o ano de sua morte, em 19 de abril de 1914, Peirce escreveu

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Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

• reconhecer os conceitos de signo à luz das teorias

estudadas;

• classificar os signos de acordo com as abordagens

peirceana e bakhtiniana;

• utilizar seus conhecimentos e experiências

anteriores para a identificação de signos

ideológicos.

Apresentar as definições e características do signo à

luz das concepções de Charles Sanders Peirce e Mikhail

Bakhtin.Meta

Objetivos4 au

la

O SIGNO NA VISÃO PEIRCEANA E BAKHTINIANA

59Letras VernáculasUESC

Aul

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AULA IVO SIGNO NA VISÃO PEIRCEANA E BAKHTINIANA

1 INTRODUÇÃO

Você viu na aula passada os principais conceitos de signo,

desde a Antiguidade Clássica (com importantes filósofos, como:

Platão, Aristóteles, Crátilo, os estoicos, dentre outros) até o

século XX com Ferdinand Saussure. Agora vamos complementar

as reflexões sobre o signo no século XX, trazendo para as

discussões dois teóricos imprescindíveis para a compreensão

plena do assunto em questão: Charles Sanders Peirce e Mikhail

Bakthin. Antes, porém, vamos ver um pouquinho sobre a

origem do termo Semiótica.

60 Módulo 1 I Volume 3 EAD

O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos

2 ORIGEM DO TERMO SEMIÓTICA

Embora o estudo sobre o signo não seja tão recente, o

projeto para a criação de uma “ciência dos signos” data do início

do século XX com Saussure, como você viu na aula anterior, e

com Peirce.

Apesar de a inspiração filosófica dos estudos sobre os

signos estar bem patente nas definições que surgem desde

o século XVIII com John Locke, é a partir do século XX que

os estudos nessa área tornam-se mais demarcados. A “nova

ciência” origina-se em duas diferentes tradições: uma de

tradição europeia, iniciada por Saussure (a Semiologia), e

a outra, de tradição anglo-saxônica, iniciada por Peirce (a

Semiótica). Conquanto tenham o mesmo radical (semeion,

que se pode traduzir por “signo” ou “sinal”), as duas palavras

traduzem, no entanto, modos diferentes de entender a “ciência

dos signos”.

A Semiologia é concebida por Saussure, no Curso de

Linguística Geral, como uma ciência que estuda a vida dos

signos no seio da vida social; ela faria parte da Psicologia Social

e, por conseguinte, da Psicologia Geral; para o linguista, esta

ciência “chamar-se-ia ‘semiologia’ (do grego semeion, signo).

Ela ensinar-nos-ia em que consistem os signos, que leis os

regem [...]” (p. 89). Assim, para Saussure a linguística não é

senão uma parte desta ciência geral, a Semiologia.

Serra (2009), em seu texto eletrônico, informa que a

Semiótica, por sua vez, é definida por Peirce num texto de 1897,

nos seguintes termos: “Em seu sentido geral, a lógica é, como

acredito ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica,

a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos”.

Vários autores de diferentes correntes teóricas têm

assinalado distinções entre estas duas tradições. Jürgen

Trabant (1980, p. 13) coloca que a diferença fundamental entre

Semiologia e Semiótica está nas diferentes tradições de que

são originárias: a Linguística e a Filosofia. A tradição linguística

enfatiza, como o próprio nome reflete, os signos linguísticos e

tende a projetar a Semiologia como uma extensão analógica

da Linguística; ocupar-se-ia dos vários aspectos da cultura,

preocupando-se sobretudo com o papel da linguagem no

conhecimento.

61Letras VernáculasUESC

Aul

a4

Roland Barthes (1977, p. 144), refletindo sobre a relação

entre Semiologia e Linguística, proposta por Saussure, sugere:

“Em suma é necessário admitir a partir de agora a possibilidade

de inverter um dia a proposição de Saussure: a linguística não é

uma parte, mesmo privilegiada, da ciência geral dos signos, é a

semiologia que é uma parte da linguística [...]”. A este respeito,

observe-se que esta ideia de Barthes já, de certa maneira, é

prevista no próprio Curso de Linguística Geral (p. 47), quando

Saussure afirma que “a língua, o mais complexo e difundido

dos sistemas de expressão, é também o mais característico de

todos; neste sentido a lingüística pode tornar-se o padrão geral

de toda a semiologia, ainda que a língua não seja senão um

sistema particular”.

A despeito dessas diferenças, as duas tradições vão

confluir na formação de uma mesma “ciência dos signos”.

Assim, Pierre Guiraud (1978, p. 98) reconhecia, na década de

70, que: “[...] as palavras semiologia e semiótica recobrem

hoje a mesma disciplina, sendo o primeiro termo utilizado pelos

europeus e o segundo pelos anglo-saxões”.

A essa disciplina, dá-se, hoje, habitualmente, o nome de

Semiótica - o que denota a absorção da semiologia linguística

pela semiótica filosófica.

3 A CONCEPÇÃO PEIRCEANA DE SIGNO

PARA

CO

NH

ECER

Charles Sanders Peirce nasceu no ano de 1839, em Cambridge, Massachussets, nos EUA, no dia 10 de setembro e, sob influência paterna, formou-se na Universidade de Harvard em física e matemática, conquistando também o diploma de químico na Lawrence Scientific School. Paralelamente ao seu trabalho no observatório astronômico de Harvard, Charles Peirce se dedicava ao estudo da filosofia, principalmente à leitura de “A crítica da razão pura”, de Kant. Entre 1879 e 1884 lecionou na Universidade John Hopkins. Considerado uma pessoa de hábitos excêntricos, além de descuidado e solitário, Peirce não evoluiu na carreira universitária. Em 1887, mudou-se com sua segunda esposa para a cidade de Milford, na Pensilvânia, isolando-se ainda mais. Entre 1884 e o ano de sua morte, em 19 de abril de 1914, Peirce escreveu cerca de 80 mil páginas de manuscritos, vendidos por sua esposa à Universidade de Harvard, e que vem sendo publicados há várias décadas.

Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/charles-sanders-peirce.jhtm.

Figura 1 - Charles Sanders Peirce, uma das principais referências nos estudos sobre o signo.

Fonte: http://media-2.web.britannica.com/eb-media/04/127704-004-3163A0E3.jpg.

62 Módulo 1 I Volume 3 EAD

O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos

São várias as definições de Signos apresentadas por

Peirce. Vejamos quatro das mais importantes apresentadas por

Serra, em seu texto digital de 2009:

1- Um signo, ou representamen, é aquilo que, sob

certo aspecto ou modo, representa algo para alguém.

Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa

pessoa um signo equivalente, ou talvez um signo

mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino

interpretante do primeiro signo. O signo representa

alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não

em todos os seus aspectos, mas com referência a um

tipo de ideia que eu, por vezes, chamei fundamento do

representamen. “Ideia” deve ser aqui entendida num

certo sentido platônico [...].

2- Um Signo é tudo aquilo que está relacionado com

uma Segunda coisa, seu Objeto, com respeito a uma

Qualidade, de modo tal a trazer uma Terceira coisa, seu

Interpretante, para uma relação com o mesmo objeto,

e de modo tal a trazer uma Quarta para uma relação

com aquele objeto na mesma forma, ad infinitum. Se

a série é interrompida, o Signo, por enquanto, não

corresponde ao caráter significante perfeito.

3- Um Signo, ou Representamen, é um Primeiro que

se coloca numa relação triádica genuína tal com um

Segundo, denominado seu objeto, que é capaz de

determinar um Terceiro, denominado seu Interpretante,

que assume a mesma relação triádica com seu objeto

na qual ele próprio está em relação com o mesmo

objeto.

4- Signo: qualquer coisa que conduz alguma outra coisa

(seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual

ela mesma se refere (seu objeto) de modo idêntico,

transformando-se o interpretante, por sua vez, em

signo, e assim sucessivamente, ad infinitum. [...] Se

a série de interpretantes sucessivos vem a ter fim,

em virtude desse fato o signo torna-se, pelo menos,

Aul

a4

63Letras VernáculasUESC

imperfeito.

Estas definições permitem identificar, na tríplice relação

que possui o Signo, três elementos, como ilustra o triângulo

abaixo:

a) o Signo propriamente dito ou representamen: aqui

podemos estabelecer uma breve relação com o conceito de

significado saussureano;

b) o Interpretante ou “imagem mental”: é o signo criado

na mente de alguém (o “intérprete”) pelo representamen; o

conceito de significante saussureano cabe como paralelo neste

ponto;

c) o Objeto: é aquilo (algo) que é representado (porque

este objeto é representado, pelo signo, não na sua totalidade,

mas de certo ponto de vista, em relação apenas a determinados

aspectos).

Em outras palavras, Signo, para Peirce, é algo que

está no lugar de (representa) outra coisa para alguém; este

pensamento converge para o conceito tradicional de signo

proposto por Santo Agostinho: aliquid stat pro aliquo, ou seja,

uma coisa que está por outra. Desta forma, o signo designa

o próprio signo, o objeto e o interpretante, ou seja, a “coisa

significada” e a “cognição produzida na mente”. A partir da

relação do signo com o objeto é que se determina ou se produz

um interpretante.

SIGNIFICANTEOBJETO

REPRESENTAMEN

64 Módulo 1 I Volume 3 EAD

O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos

O interpretante é um representante, pois constitui o

nome do objeto perceptível e, como nome, servirá como novo

signo ao receptor. Esse processo é infinito e é denominado

“semiose”. Infinito porque a produção de um “interpretante” é

uma representação e, por isto, um novo signo, que produzirá

um novo interpretante... e, assim, sucessivamente.

A fecundidade da noção peirceana nos fornece uma

classificação dos signos que a Semiótica ainda não conseguiu

resolver dada a amplitude de signos existentes. Entretanto, de

acordo com Eco (1981), o único pensador que até hoje tentou

uma classificação global foi Peirce e, apesar de sua classificação

ter ficado incompleta, muitas das suas distinções são referências

na Semiótica até o presente momento.

3.1. A classificação dos signos conforme

Peirce

De acordo com Eco (1994), os signos podem ser

classificados a partir de vários pontos de vista. Agora, veremos

os três tipos mais comuns que têm relação com o objeto: Ícone,

Índice e Símbolo.

- Ícone: “é um signo que se

refere ao objeto que denota

apenas em virtude dos seus

caracteres próprios, caracteres

que ele igualmente possui quer

um tal objeto realmente exista

ou não”; “qualquer coisa, seja

uma qualidade, um existente

individual ou uma lei, é Ícone de

qualquer coisa, na medida em

que for semelhante a essa coisa e

utilizado como um seu signo” (p.

21). São exemplos: fotografias,

esculturas, desenhos, diagramas, fórmulas lógicas e algébricas,

imagens mentais etc.

Nessa concepção, a foto acima não apresenta as flores em

si mesmas, enquanto objetos originais, mas uma representação

destas.

Figura 2: Fotografia de Orquídeas.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Orquidea.jpg

65Letras VernáculasUESC

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a4

- Índice: “é um signo que se refere ao objeto que denota

em virtude de ser realmente afetado por esse objeto” (p. 37).

Constitui-se não pela relação de similitude, como o Ícone, mas

pelos indícios que fornece, pela conexão física com o objeto. São

exemplos: fumaça como sintoma do fogo, erupções cutâneas,

pronome /este/, referindo-se a um objeto, enrubescimento da

face etc.

Todas as vezes que vemos o céu azul (cf. a figura 3),

temos indícios de que o dia será ensolarado. De igual modo,

por dedução, se vemos fumaça e corpo de bombeiros (como na

figura 4), sabemos que há incêndio próximo.

- Símbolo: “é um signo que se refere ao objeto que denota

em virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias

gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja

interpretado como se referindo àquele objeto” (p.43). São

exemplos: todas as palavras, frases, livros e outros signos

convencionais, como a balança simbolizando justiça, a cor

branca indicando paz etc.

Figura 5 - Rosário católico.http://fmmissionarios.blogspot.com

/2009_05_01_archive.html.

Figura 6 - Símbolo de amorhttp://sol.sapo.pt/blogs/brendamarie/

default.aspx?p=2.

Figura 7 - Símbolo da paz

http://www.sxc.hu/photo/1195513.

Figura 4 - “Onde há fumaça, há fogo!”.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/

File:Queimada_ABr_04.jpg.

Figura 3 - Céu azul, um signo indicial.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/

File:C%C3%A9u_Azul.JPG.

66 Módulo 1 I Volume 3 EAD

O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos

Para você perceber melhor o funcionamento daquela que

Peirce considera ser a mais importante divisão dos signos, veja

o exemplo, dado por ele mesmo, que ilustra a relação entre os

signos na linguagem do cotidiano:

Neste exemplo, você deve entender que o braço apontado

para o ar funciona como um Índice (denota um individual),

a bolha de sabão funciona como um Ícone, e as palavras

funcionam como Símbolos.

Peirce defende a ideia de que a relação entre Índices,

Ícones e Símbolos pode estar presente em qualquer enunciado,

sendo impossível encontrar uma sentença, por mais simples

que seja que não utilize pelo menos dois desses tipos de signos.

4 A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DE SIGNO

PARA

CO

NH

ECER

Mikhail Mikhailóvitch Bakhtin nasceu em Orel, ao sul de Moscou, em 1895. Aos 23 anos, formou-se em História e Filologia na Universidade de São Petersburgo, mesma época em que iniciou encontros para discutir linguagem, arte e literatura com intelectuais de formações variadas, no que se tornaria o Círculo de Bakhtin. Em vida, publicou poucos livros, com destaque para Problemas da Poética de Dostoiévski (1929). Até hoje, porém, paira a dúvida sobre quem escreveu outras obras assinadas por colegas do Círculo (há traduções que as atribuem também a Bakhtin). Durante o regime stalinista, o grupo passou a ser perseguido e Bakhtin foi condenado a seis anos de exílio no Cazaquistão (só ao retornar, ele finalizou sua tese de doutorado sobre cultura popular na Idade Média e no Renascimento). Suas produções chegaram ao Ocidente nos anos 1970 - e, uma década mais tarde, ao Brasil. Mas Bakhtin já havia morrido, em 1975, de inflamação aguda nos ossos.

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/filosofo-dialogo-487608.shtml.

Figura 9 - Mikhail Bakhtin, um dos maiores filósofos da linguagem do século XX.

Fonte: 4.bp.blogspot.com/.../s400/mikhail_bakhtin.jpg.

Figura 8 - Signos, Ilustração: Sheylla Tomás

Fonte: UAB - UESC

67Letras VernáculasUESC

Aul

a4

No início do século XX, mais precisamente meados dos

anos 20, foi publicada em Leningrado uma obra que se tornou

bastante polêmica porque aliava ideias que seriam consideradas

inicialmente contraditórias: as ideias marxistas e as ideias

linguísticas. Era o Marxismo e filosofia da linguagem, obra de

importância decisiva para os estudos sobre a linguagem, sendo

referência na área até os dias atuais.

Esta obra foi tão surpreendentemente original que

antecipou muitos estudos contemporâneos, tangendo disciplinas

como a Sociolinguística e a Análise do Discurso. O livro, hoje

considerado um clássico indispensável, é a obra em que Bakhtin

mais assume uma perspectiva marxista.

E é com base nessa perspectiva que Bakhtin desenvolve

a ideia de que a língua é um produto sócio-histórico e o

mundo das ideias não existe fora dos quadros da linguagem.

Para o filósofo, o estudo da ideologia não pode prescindir do

estudo do signo; todo signo é ideológico e sem o signo não

existe ideologia, a ideologia se materializa através do signo.

E a palavra, signo verbal, é a instância privilegiada em que se

podem perceber as tensões da sociedade, figurando como uma

espécie de arena dos conflitos sociais. Em outras palavras, a

palavra é o fenômeno ideológico por excelência e o meio mais

puro e sensível de interação social.

4.1 A palavra: signo ideológico

Bakhtin postula que a palavra, enquanto signo, é o

principal veiculador da ideologia, devido à sua capacidade de

refletir e refratar as condições de produção sócio-histórico-

culturais presentes no discurso. Ela reflete e refrata o âmbito

social porque não é simplesmente como um espelho, refletindo,

mas também pode distorcer; pode ser entendida de diversas

formas, por diferentes prismas. O autor defende que a

palavra constitui a consciência, o pensamento, a ideologia, e,

consequentemente, os sujeitos, pelo fato de ela ser o resultado

das interações socio ideológicas.

Por causa dos vários sentidos atribuídos à palavra

interação, assume-se, neste material, a concepção bakhtiniana

que apresenta os seguintes pressupostos:

Ideologia: De acordo com o Dicionário digital Aulete, o termo pode ter os seguintes significados: s.f. 1. Ciência da formação das ideias e de um sistema de ideias. 2. Fil. Pol. Rel. Soc. Sistema articulado de ideias, valores, opiniões, crenças etc., organizado como corrente de pensamento, como instrumento de luta política, como expressão das relações entre classes sociais, como fundamento de seita religiosa etc. 3. Fil. No marxismo, o conjunto das formas de consciência social que tem por finalidade legitimar a classe dominante ou, no lado oposto, os interesses revolucionários da classe proletária. 4. Hist. Conjunto das ideias e convicções próprias de uma época, uma sociedade, uma classe etc., e que caracterizam uma situação histórica.

68 Módulo 1 I Volume 3 EAD

O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos

a) a interação acontece entre os sujeitos, no processo

dialógico, no amplo sentido do termo diálogo, ou seja,

na enunciação ou em enunciações reais, na relação

entre o “eu” e o “outro”, através da mediação do signo

verbal ideológico;

b) os indivíduos são constituídos enquanto sujeitos, no

processo de interação verbal social, dentro de níveis

ou graus de sociabilidade; quanto maior for o grau

de suas interações verbais sociais, maior será o

grau de consciência dos indivíduos, o que, por sua

vez, implicará um maior grau de constituição dos

indivíduos em sujeitos sociais; com isso, define-se

que os sujeitos são socialmente orientados;

c) além de se considerar a linguagem como atividade

constitutiva dos sujeitos e de suas consciências, na

relação dialógica, o signo verbal social – a palavra

– é o elemento ideológico puro, pois transita

dialeticamente tanto na infraestrutura econômica

quanto na superestrutura dos sistemas ideológicos

constituídos.

Assim, é a partir do signo - material, verbal, social

e ideológico - que se constroem sentidos e veiculam-se

ideologias. Ressalte-se que nenhuma outra teoria linguística faz

a abordagem da palavra considerando-a como elemento puro

da ideologia. A natureza da palavra, estando estreitamente

vinculada com a ideologia, produz uma diferença substancial

nas análises decorrentes desse pressuposto fundamental, qual

seja, da materialidade da palavra e de seu caráter específico de

manifestação ideológica, calcada na sua materialidade social.

As ideias de Bakhtin foram de encontro a muitas teorias

que estavam vigentes no início do século passado. As ideias

que predominavam na linguística naquela época tinham como

base as reflexões de Saussure, que privilegiava, na famosa

dicotomia langue/parole (língua-fala), o estudo da língua.

Nessa perspectiva teórica tradicional, não há interação verbal

entre os sujeitos, pois a linguagem não é concebida como uma

via de mão dupla entre os envolvidos no processo. Privilegia-se

69Letras VernáculasUESC

Aul

a4

apenas o locutor ou o emissor, a categoria do eu, ao mesmo

tempo em que se exclui a categoria do outro no processo

linguístico ou discursivo.

Opondo-se às ideias saussurianas, Bakhtin defendeu

que a ênfase na análise linguística deveria ser dada à fala,

examinando as condições de interação social. Assim sendo, se

o signo para Bakhtin é o elemento de realização material da

ideologia, evidencia-se o desmascaramento da “neutralidade”

da linguagem; para o filósofo, o signo não tem natureza

neutralizante em razão da sua função social e as escolhas

do sujeito enunciador marcam a sua posição ideológica no

mundo.

Isto significa que só nos comunicamos via signos porque

eles são produtos da sociedade e é somente através deles que

veiculamos nossa maneira de ver o mundo, a nossa ideologia.

Assim, ao longo dos seus escritos, Bakhtin insiste que um signo

não existe apenas como parte de uma realidade; ele também

reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade,

ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico

etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica

(isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom etc.). O

domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são

mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra,

encontra-se também o ideológico. “Tudo que é ideológico possui

um valor semiótico“ (BAKHTIN, 1992, p. 83).

São exemplos de signos ideológicos:

1. a maneira como você se veste (uma camiseta com

personagens históricos, por exemplo, Che Guevara);

2. a suástica (símbolo do nazismo);

3. a maneira como trata as pessoas;

4. o uso da estrela de Davi;

5. as palavras que usa para manifestar suas opiniões,

valores etc.

Assim, o signo, na concepção teórica bakhtiniana, deverá

ser estudado em dois planos:

no primeiro plano, o descritivo. Compreende-se o

estudo do signo dentro do sistema estrito da língua

aceito como um sistema abstrato; é o que se faz

normalmente com a frase, no nível da norma, da

gramática normativa;

no segundo plano, o discursivo. O signo será

compreendido em sua dinamicidade, por sua relação

dialógica com o outro na situação de interação.

Nesse sentido, o plano discursivo espelha uma das mais

importantes lucubrações sobre a linguagem. Em qualquer

trabalho de interpretação linguística com enfoque sócio-

histórico ou sociocultural, sob a perspectiva bakhtiniana, toda

e qualquer produção linguística ou enunciativa, seja ela oral ou

escrita, pode ser considerada como diálogo ou discurso. Quer

ver um exemplo?

Em setembro último, algumas famílias ligadas ao MST

(Movimento dos Sem-terra) invadiram a fazenda de uma

multinacional e tal fato ecoou na mídia. Aproveitando-se da

repercussão, uma professora do ensino fundamental II distribuiu

o seguinte texto para os seus alunos:

Polícia vai pedir prisão de sete sem-terrasexta-feira, 9 de outubro de 2009 | 5:21

Por Maurício Simionato, na Folha

A Polícia Civil de Borebi (311 km de SP), responsável pelo inquérito que apura crimes relacionados à invasão do MST na fazenda da multinacional Cutrale, disse ontem que vai indiciar e pedir a prisão temporária de integrantes do movimento. Sete deles já foram identificados, sendo três líderes.A fazenda havia sido invadida por 250 famílias ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 28 de setembro e só foi desocupada anteontem, após decisão judicial de reintegração de posse. A saída foi pacífica, mas a fazenda apresentava sinais de destruição e depredação.Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/policia-vai-

pedir-prisao-de-sete-sem-terra/.

Após leitura silenciosa, a professora colocou no quadro a

seguinte questão:

71Letras VernáculasUESC

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ATIVIDADES

Como podemos ver, os sem-terra ficaram sem razão.

Questão: Explique o porquê de usarmos hífen em sem-terra e não usarmos em sem razão.

Percebeu o desperdício? A professora poderia ter

trabalhado interpretação, outra modalidade de leitura, e até

gramática com enfoque sócio-histórico, explorando as várias

possibilidades que o texto traz em termos de temática; poderia,

ainda, promover trabalhos com intertextualidade e proporcionar

aos seus alunos a percepção de que os discursos, naturalmente,

dialogam com outros.

Vamos às atividades!

1- Defina o signo de acordo com a o pensamento de Peirce e Bakhtin.

2- Classifique os signos abaixo de acordo com o que estudamos sobre o signo peirceano: índice, ícone e símbolo.

a. Uma dentadura_______________________________________b. Erupções cutâneas____________________________________c.

_____________________________________

d. O celular vibrando dentro do bolso________________________e.

_________________________________________

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cruz_julian.jpg.

72 Módulo 1 I Volume 3 EAD

O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos

f. _________________________________________

g.

_________________________________________

h. A Mona Lisa (Da Vinci) ______________________________________i. Nuvens negras no céu ______________________________________j.

___________________________________________________

Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1209823

k. Foto sua com o seu ídolo ____________________________________l.

_____________________________________________________________

m. Bandeira do Brasil _________________________________________n. Impressão digital numa arma ________________________________

3- Você viu que Bakhtin considera:

a. que é exatamente no momento da interação social, por meio da linguagem, que os interlocutores terão a possibilidade de se elevar enquanto seres sociais;

b. que a linguagem não é neutra, pois ela é o campo de encontros e desencontros, de choques de interesses opostos, de conflitos diversos, enfim, de lutas, visando à conservação de determinados sentidos, excluindo-se, consequentemente, a veiculação de outros sentidos.

Levando em consideração essas afirmações, responda: em que ponto as teorias bakhtiniana e saussuriana confrontam-se a respeito do signo?

4- Cite dez signos ideológicos recorrentes em seu cotidiano (podem ser linguísticos ou não).

73Letras VernáculasUESC

Aul

a4

Nesta aula, você viu que:

● A Semiologia é concebida por Saussure, no Curso de Linguística Geral,

como a ciência que deve estudar a vida dos signos no seio da vida social; ela faria parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral.

● A Semiótica, por sua vez, é definida por Peirce, num texto de 1897, nos seguintes termos: “Em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos”.

● Os signos são classificados, de acordo com Peirce, em: a) ícone - pela relação de similitude com o objeto; b) índice – pelos indícios que fornece; c) símbolo - normalmente por uma associação de ideias gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo a algo.

● Bakhtin postula que a palavra, enquanto signo, é o principal veiculador da ideologia, devido à sua capacidade de refletir e refratar as condições de produção sócio-histórico-culturais presentes no discurso. Ela reflete e refrata o âmbito social porque não é simplesmente como um espelho, refletindo, mas também pode distorcer; pode ser entendida de diversas formas, por diferentes prismas.

RESUMINDO

LEITURA RECOMENDADA

Para complementar esta aula, recomendo a leitura das obras de BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992b e de PEIRCE, Charles S. Semiótica. Trad. de: The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.

Na próxima aula... conheceremos as importantes e famosas dicotomias saussurianas. Veremos em que consiste e quais as características de cada uma, além, claro, da importância delas para os estudos linguísticos. Até lá!

74 Módulo 1 I Volume 3 EAD

O signo na visão peirceana e bakhtinianaIntrodução aos estudos linguísticos

RE

FE

NC

IAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. de Maria E. G. G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Hucitec, 1992b.

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. Trad. de Izidoro Blikstein. Lisboa: Edições 70, 1977.

CABRAL, L. S. Introdução à Lingüística. Porto Alegre: Globo, 1976.

CAMARA, J. Mattoso. Princípios de Lingüística Geral. Rio de Janeiro: Padrão, 1989.

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro: Presença, 1987.

DUCROT, Oswald, Todorov, Tzvetan. Dicionário das Ciências da Linguagem. Trad. de Emygdio José David Leitão. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1978.

ECO, Umberto. O Signo. Enciclopédia Einaudi. vol. 31 (O Signo). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.

ECO, Umberto. O Signo. Lisboa: Editorial Presença, 1981.

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Suas anotações

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