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METASTASES EXTRACRANIALS DE TUMORES MENINGENCEFÁLICOS O. RICCIARDI-CRUZ * ROLANDO A. TENUTO ** Caráter contraditório observado na maioria dos gliomas é a alta ma- lignidade contra posta à pequena capacidade de produzir metástases; também causa estranheza a relativa freqüência das metástases no neuro-eixo 4, 1 7 com- parada com a raridade daquelas extracranianas. Os registros de casos, particularmente os que precedem à publicação de Abbott e Love 1 , são, em geral pouco sistematizados, condicionando a inva- lidade de alguns; foram êsses autores os primeiros a procurar uma classifi- cação que permitisse agrupar os casos de forma a assegurar validade cien- tífica. Assim, dividiram os casos registrados na literatura sôbre tumores in- tracranianos metastatizantes em três grupos: 1) casos provàvelmente válidos; 2) casos questionàvelmente válidos; 3) casos incertamente válidos ou invá- lidos, dependendo da documentação histopatológica que cada autor apresen- tava. Esta classificação, utilizada mais tarde por Winkelman e col. 23 , quan- do completada pelo critério mínimo de validade científica proposto por Weiss 24 , permite, a nosso ver, dar um valor seguro e sistematizar êsses re- gistros. Winkelman e col. analisaram 45 casos citados na literatura dentre os quais sòmente 15,5% puderam ser classificados no grupo 1 de Abbott e Love. Dentro dêste mesmo conceito Weiss adotou quatro regras como cri- tério básico de validade científica: 1) presença de tumor único no sistema nervoso central, com estrutura histológica típica de glioma; 2) história clí- nica que indica ser a sintomatologia inicial devida a essa neoplasia do siste- ma nervoso central; 3) necropsia completa e minuciosa permitindo eliminar uma localização primária extracerebral; 4) semelhança entre as estruturas histológicas do tumor primário e das metástases. Com base neste critério de Weiss, as publicações que colhemos recentemente na literatura (Pater- son 17 , Perrin 19 , Dewart e col. 5 , Ehrenreich e Devlin 6 , Ley e col. 14 , Kruse 13 , Strang e col. 20 ) adotam orientação mais segura, pois os autores procuram fazer a análise do valor científico de seus próprios casos; essa conduta atual não encoraja publicações semelhantes às incluídas no grupo 3 de Abbott e Love que, destituídas de documentação histopatológica ou de exame necros- cópico minucioso, não podem ser creditadas. Trabalho da Clínica Neurológica (Prof. A. Tolosa) da Fac. Med. da Univ. de São Paulo: * Neurocirurgião; ** Neurocirurgião chefe.

METASTASES EXTRACRANIALS DE TUMORES … · e o pequeno número de metástases produzidas pelos tumores encefálicos. ... área de captação baixa no lobo esquerdo da tireóide

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METASTASES EXTRACRANIALS DE TUMORES

MENINGENCEFÁLICOS

O. R I C C I A R D I - C R U Z *

R O L A N D O A . T E N U T O * *

Caráter contraditório observado na maioria dos gliomas é a alta ma-

lignidade contra posta à pequena capacidade de produzir metástases; também

causa estranheza a relativa freqüência das metástases no neuro-eixo 4, 1 7 com­

parada com a raridade daquelas extracranianas.

Os registros de casos, particularmente os que precedem à publicação de

Abbot t e L o v e 1 , são, em geral pouco sistematizados, condicionando a inva-

lidade de alguns; foram êsses autores os primeiros a procurar uma classifi­

cação que permitisse agrupar os casos de forma a assegurar validade cien­

tífica. Assim, dividiram os casos registrados na literatura sôbre tumores in­

tracranianos metastatizantes em três grupos: 1) casos provàvelmente válidos;

2) casos questionàvelmente válidos; 3) casos incertamente válidos ou invá­

lidos, dependendo da documentação histopatológica que cada autor apresen­

tava. Esta classificação, utilizada mais tarde por Winke lman e co l . 2 3 , quan­

do completada pelo critério mínimo de validade científica proposto por

Weiss 2 4 , permite, a nosso ver, dar um valor seguro e sistematizar êsses re­

gistros. Winkelman e col. analisaram 45 casos citados na literatura dentre

os quais sòmente 15,5% puderam ser classificados no grupo 1 de Abbot t e

L o v e . Dentro dêste mesmo conceito Weiss adotou quatro regras como cri­

tério básico de validade científica: 1) presença de tumor único no sistema

nervoso central, com estrutura histológica típica de gl ioma; 2 ) história clí­

nica que indica ser a sintomatologia inicial devida a essa neoplasia do siste­

ma nervoso central; 3) necropsia completa e minuciosa permitindo eliminar

uma localização primária extracerebral; 4) semelhança entre as estruturas

histológicas do tumor primário e das metástases. Com base neste critério

de Weiss , as publicações que colhemos recentemente na literatura (Pa te r -

s o n 1 7 , P e r r i n 1 9 , Dewar t e col . 5 , Ehrenreich e D e v l i n 6 , L e y e co l . 1 4 , Kruse 1 3 ,

S t rang e c o l . 2 0 ) adotam orientação mais segura, pois os autores procuram

fazer a análise do valor científico de seus próprios casos; essa conduta atual

não encoraja publicações semelhantes às incluídas no grupo 3 de Abbot t e

L o v e que, destituídas de documentação histopatológica ou de exame necros-

cópico minucioso, não podem ser creditadas.

T r a b a l h o da Clínica N e u r o l ó g i c a ( P r o f . A . T o l o s a ) da Fac . Med. da Un iv . de

S ã o P a u l o : * Neuroc i ru rg i ão ; ** N e u r o c i r u r g i ã o chefe.

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A via seguida pelas células neoplásicas responsáveis pelas metástases

extracranianas constitui problema anátomo-fisiológico. A hipótese de serem

as células veiculadas pelo líquido cefalorraqueano explica satisfatóriamente

as metástases encontradas na intimidade do sistema nervoso central 4, 1 7 , mas

não pode ser lembrada para as que se localizam fora do estojo crânio-ra-

queano. A via linfática, em virtude da ausência de um sistema linfático

encefálico, poderá explicar sómente as metástases provenientes de neoplasias

cerebrais que invadam as partes moles dos envoltórios da cabeça, atingindo

o sistema linfático da região 3 . A via hematogênica, com grande freqüência

responsabilizada por essas metástases, representa aparentemente um para­

doxo, pois existe uma relação inversa entre a intensa vascularização cerebral

e o pequeno número de metástases produzidas pelos tumores encefálicos.

Entretanto, êsse paradoxo deixa de ser se considerarmos o caráter dêsses

vasos; constituídos de paredes finas, as veias cerebrais em suas relações

com os processos expansivos são mais propensas ao colapso que à invasão

tumoral. Por outro lado, os seios da dura-máter são estruturas mais resis­

tentes, tolerando invasões tumorais sem colapso de suas paredes; êsse cará­

ter dos canais venosos durais permite, em alguns casos, a invasão e progres­

são do tumor através de sua luz, atingindo estruturas extracranianas como

foi comprovado nos relatos de Baumann 2 , de James e P a g e l 1 1 e, particular­

mente, no registro de T o w n e 2 3 , no qual o tumor, progredindo pela luz do

seio sagital superior, atingiu a veia cava superior. W o l f e c o l . 2 6 observaram

um caso de metástases extracranianas de glioma cerebral, que teriam sido

veiculados por via artificial — anastomose ventrículo-pleural — realizada em

ato cirúrgico precedente.

Os tumores cerebrais que mais freqüentemente determinam metástases

extracranianas, segundo as revisões de Abbot t e L o v e 1 e de Winkelman e

co l . 2 5 são os meningeomas, seguidos, em ordem de freqüência, pelos gliomas

indiferenciados, tumores pituitarios, tumores originários dos vasos sangüí­

neos e, mais raramente, pelos melanomas e corioepiteliomas. A s sedes mais

freqüentes dessas metastases são, em ordem decrescente: tórax (pulmão,

pleura e m e d i a s t i n o ) 1 ' 3 . 6- 7- 8- 1 2 - 2 1 . 2 2 > 2 4 e 2 5 , sistema ganglionar (gânglios cer-

vicais e do hilo p u l m o n a r ) 1 . 8 . 1 5 . 1 6 4 ' 2 2 , f í g a d o s . 1 0 e 2 4 , o s sos 1 1 p 1 9 , r i n s 2 e

miocardio 9 .

N a quase totalidade dos casos registrados foi feita craniotomia com ex-

tirpação do tumor cerebral primário, sendo a manipulação cirúrgica respon­

sabilizada pela disseminação neoplásica. Entretanto, em um caso observado

por Jurow 1 2 , tanto o tumor cerebral primário como a metástase constituí­

ram achados de necropsia. A única publicação em língua portuguesa re fe ­

rente ao assunto é a de Almeida L ima 1 5 que, a nosso ver, poderia ser incluí­

da no grupo 2 de Abbot t e L o v e .

N a revisão bibliográfica que fizemos, assim como nas mais recentes r e ­

ferências que obtivemos da literatura, é patente a raridade dos tumores ce­

rebrais que provocam metastases, particularmente em nosso meio, fato que

justifica esta publicação. E m nosso Serviço, durante o período de 1945 a

1964 foram operados 912 pacientes com neoplasias intracranianas; t rês

(0 ,33%) destes casos apresentaram metastases extracranianas.

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C A S U Í S T I C A

C A S O 1 — T.C.M. , 22 anos, sexo masculino, branco, in ternado em 24-6-1954 ( R . G . 380086). E m 1950 o paciente foi operado em outro Hospi ta l por apresentar hiper­tensão intracraniana, tendo sido ex t i rpado um tumor da reg ião tempora l esquerda; o e x a m e h is topato lógico reve lou t ratar-se de tumor vascu la r i zado indiferenciado. Três anos após a pr imeira in te rvenção ocor re ram crises de ausências e parestesias no membro superior d i re i to . O e x a m e neuro lóg ico era normal , assim como o e x a m e de fundo de olho. Angiografia cerebral via artéria carótida esquerda: sinais de processo expans ivo na reg ião par íe to-occipi ta l . Operação: c ran io tomia p a r i e t o o c c i ­pital esquerda e exerese de grande tumor encapsulado, aderente à meninge . N o pós-operatór io houve compl icação local , t raduzida por fístula com saída de l íquido cefa lor raqueano que permanecia na ocasião da al ta do paciente. Evolução: durante os 6 meses subseqüentes à segunda in te rvenção c i rúrgica o paciente apresentou dis­cretas paresias no membro superior d i re i to ; a seguir surgiu supuração na incisão e os teomiel i te do re ta lho ósseo da .craniotomia, o que mo t ivou sua reinternação. Foi reoperado, tendo sido rea l izada a seqüestreetomia e plást ica do couro cabeludo por três vezes . N o pós-operatór io da terce i ra in t e rvenção fo r am feitas apl icações de radioterapia an t i tumora l . P o r ocas ião da a l ta hav i a enfa r tamento gang l iona r di re i to que regrediu após a lguns dias. U m ano e 3 meses após a pr imeira inter­venção foi notada es tereoagnosia à direita, recrudescimento das sensações paresté-sicas, hemiparesia direi ta e disartr ia; o e x a m e de fundo de olho permanecia normal ; hav ia abaulamento da reg ião par íe to-occip i ta l esquerda sobre o re ta lho da cranio­tomia. O eletrencefalograma mostrou intensa desorganização da a t iv idade e lé t r ica cerebral na r eg ião par íe to-occipi ta l esquerda. A angiografia cerebral via artéria carótida esquerda r eve lou sinais de processo e x p a n s i v o na r e g i ã o par ie ta l esquerda. Fe i ta a revisão da craniotomia , foi encontrado um cisto e um nódulo mural ade­rente ao couro cabeludo, cuja biopsia resultou no d iagnóst ico h i s topa to lóg ico de ependimoma. O paciente t eve a l ta dois meses após a operação, apresentando afasia motora e discreta hipoestesia no hemicorpo di re i to ; 4 meses depois houve a g r a v a ­mento do quadro cl ínico e neurológico , sendo reinternado, v indo a fa lecer em 6-6-1956.

Exame necroscópico (41.637/56) — P e l e e mucosas sem part icular idades. P a ­nículo adiposo escasso, re levos ósseos salientes. Sistema muscular e esquelét ico, olhos, nariz, ouvidos, boca, ânus e geni ta is externos sem al terações . Cabeça: couro cabeludo com cicatr izes de cranio tomias na reg ião par íe to- têmporo-occ ip i ta l esquer­da; extensas úlceras com aspecto grosse i ramente nodular inf i l t rando todos os planos tegumentares . Dura -máte r aderida ao p lano cor t ical na r eg ião par íe to- têmporo-oc­cipi tal esquerda, substituída, no centro dessa área e ao n íve l do seio sagi ta l supe-perior e foice do cérebro, por tec ido b ranco-avermelhado de consistência f i rme e com 1 cm de espessura. Encéfa lo pesando 1.400 g com sulcos de compressão ao redor das amígda las cerebelares. Vasos sem part icular idades. Solução de continui­dade no cór tex cerebral , em correspondência com a aderência meningo-cor t i ca l . N o s cortes frontais há indícios de ex t i rpação c i rúrgica de tecido nervoso, estando o tr í­gono cola tera l do ven t r ícu lo la tera l esquerdo em comunicação com a superfície externa . N a s áreas occipi tais há tec ido neoplásico semelhante ao j á descrito, po­rém com a lgumas áreas de necrose e outras de hemorrag ia , que inf i l t ram, em focos, o cór tex e a substância branca da face la tera l do hemisfér io . Dois nodulos esbranquiçados, circunscritos, si tuam-se profundamente, p róx imos ao corno occipit-il do ven t r ícu lo . Vent r ícu los la terais d i la tados e assimétricos, predominando em v o ­lume o di re i to . O restante dos hemisfér ios cerebrais, núcleos da base do te lencé-falo , diencéfalo, mesencéfa lo e rombencéfa lo nada apresentam digno de nota. ó r ­gãos do pescoço: l íngua, amígda las , fa r inge , lar inge, esófago e t i reóide sem par t i ­cularidades. Cav idade torác ica : pulmões pesando 550 g à direi ta e à esquerda, de forma, v o l u m e e consistência normais . Coração e aor ta sem par t icular idades d ignas de nota. Cav idade abdomina l : f ígado , rins, uréteres, bex iga e geni ta is internos sem anormal idades . Supra-renais e hipófise normais . Sistema gang l i ona r : aumen­to de v o l u m e e da consistência dos gâng l ios re t roauriculares , cervica is e supracla-

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viculares a té 4 cm de d iâmet ro ; superfície de cor te de côr rósea, f inamente granu­losa, sem brilho, com fa ixas de fibrose dispostas em rede. Exame histopatológico do tecido neoplásico da reg ião par íe to- têmporo-occip i ta l esquerda: ependimoma com áreas de d i ferenciação de células da o l igodendrog l i a ( f i g . 1 ) . Exame histopatoló­gico de um g â n g l i o l in fá t i co : ependimoma metas tá t ico ( f i g . 2 ) .

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C A S O 2 — M . M . A . , 57 anos, sexo feminino, branca, internada em 16-10-1958

( R . G . 5171C9). H á 3 meses cefalé ia intensa, difusa, com i r radiação para a nuca e

g lobo ocular direi to, d iminuição da acuidade visual , diplopia e vômi tos ; a seguir,

f raqueza nos membros inferiores, pr inc ipa lmente à esquerda, instabil idade na mar ­

cha e quedas freqüentes. N o d u l o t i reoidiano duro, sem caracteres de mal ign idade .

O e x a m e neuro lóg ico r e v e l a v a hemiparesia esquerda, es t rabismo convergen te e edema

bi lateral de papila . Angiografia cerebral via artéria carótida direita: quadro su­

ges t ivo de processo expans ivo , vascular izado, na r e g i ã o par íe to-occip i ta l direi ta . Ti-

reoidoisotopometria: área de captação ba ixa no lobo esquerdo da t i reóide. Radio-

isotopometria craniana: área de ma io r captação e m topogra f i a que conf i rma os

dados sugeridos pela ang iog ra f i a cerebral . Eletrencefalografia: sinais de sof r imento

cerebral no hemisfér io direi to, predominando na reg ião tempora l . Operação: cranio-

tomia par íe to-occipi ta l direi ta e ex t i rpação de tumor vascular izado , enucleável , pa-

rassagital , aderido à foice do cérebro. Exame histopatológico: g l iob las toma mul t i ­

fo rme . Evolução: sem anormal idades; a l ta hospi ta lar e m 16-3-1959, mantendo-se a

hemiparesia esquerda. E m maio de 1959 surgiu novamen te s índrome de hiper tensão

intracraniana, entrando a paciente em coma, pelo que foi reinternada, v indo a fa­

lecer em 11-5-1959.

Exame necroscópico (51177/59) •— P e l e e mucosas sem part icular idades. Ca­

beça: no couro cabeludo incisão c i rúrgica na r eg ião par íe to-occipi ta l direi ta . Ossos

da ca lota craniana sem par t icular idades s a lvo sinais de cranio tomia osteoplást ica.

Encéfa lo deformado com grande massa tumoral na r eg ião par íe to-occipi ta l d i re i ta

aderida à foice do cérebro e re lacionada a uma grossa ve i a af luente do seio sagi ta l

superior. Exame histopatológico: g l iob las toma mul t i fo rme, ó r g ã o s do pescoço e ca­

v idade torácica sem part icular idades. Cavidade abdomina l : e s tômago , duodeno, in­

testinos e páncreas sem par t icular idades; no f ígado, massa tumoral com caráter

neoplásico, tendo o e x a m e h is topato lógico most rado tratar-se de metástase de g l i o ­

blas toma mul t i fo rme .

C A S O 3 — C . G . C . , 6 anos, sexo feminino, branca, internada em 26-1-1959 ( R . G . 542990). H á 3 meses e meio , cefaléia , v ô m i t o s e d iminuição da acuidade v isual . O e x a m e mostrou hemiparesia esquerda e a t rof ia bi la tera l das papilas. Angiografia cerebral via arteria carótida direita: sinais de processo expans ivo na r eg ião par ie ta l direi ta . Operação: c ranio tomia f ronto-par íe to- tempora l di re i ta e ex t i rpação de tu­mor i n f i l t r a t ivo invadindo a dura-máter e o osso da r eg ião par ie ta l ; exerese parc ia l da neoplasia e das estruturas inf i l t ra tadas . Exame histopatológico: as t roblas toma. Evolução: mediante te lecobal to terapia houve regressão parcial da hemiparesia . U m mês após a operação, reaparec imento da hemiparesia, abau lamento do re ta lho do couro cabeludo e presença, à esse n íve l , de nodulos que f is tu l jzaram demonstrando continuidade com o tumor que invadia t a m b é m a r eg ião correspondente à ar t icula­ção t êmporo-mandibu la r direita. A seguir a paciente entrou em coma, apresentan­do compl icação pu lmonar interpretada como broncopneumonia . ó b i t o e m 5-3-1959.

Exame necroscópico (51580/59) — P e l e e mucosas sem par t icular idades . Cabe­ça: couro cabeludo com incisão c i rúrgica na r eg ião f ron to- têmporo-par ie ta l direi ta . Ausência do re ta lho ósseo da c ran io tomia . A dura-máter e o tecido subcutáneo do couro cabeludo encontram-se invadidos por massa tumora l esbranquiçada. Encéfa lo deformado, hemisfér io d i re i to destruido e, em parte , substituído por tecido neoplá­sico. Exame histopatológico: as t roblas toma. ó r g ã o s do pescoço: massa tumora l es­branquiçada ao nível dos gâng l io s cerv ica is . Exame histopatológico: as t roblas toma. Cavidade torác ica : na pleura ex i s tem vá r ios nodulos de pequeno tamanho e côr amare lada . Exame histopatológico: as t roblas toma. Cav idade abdomina l : e s tômago , duodeno, intest ino e f ígado sem par t icular idades . Uréteres , rins, supra-renais, bex i ­ga e geni ta is internos sem part icular idades dignas de nota. Pancreas : duas áreas nodulares de côr branca e aspecto neoplásico. Exame histopatológico: as t roblas toma.

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C O M E N T A R I O S

O trabalho de Abbot t e L o v e 1 sobre tumores intracranianos metastati-

zantes foi o primeiro a sugerir um cri tério de seleção de casos; a termino­

logia adotada pelos autores mostra a cautela desse critério e sugere um

senso crít ico rigoroso para as futuras publicações. N a revisão feita por A b ­

bott e L o v e 1 dos 16 casos compilados na literatura, 6 foram considerados

inaceitáveis, 7 casos questionáveis e 3 cientificamente válidos. Da mesma

forma, a revisão de Winke lman e c o l . 2 5 considerando 45 casos, admite 14

como inaceitáveis, 23 questionáveis e 8 casos válidos. Recentemente Kruse 1 3 ,

atualizando a revisão de Winke lman e co l . 2 5 , selecionou 20 casos provavel­

mente válidos aos quais junta dois próprios. O relato mais recente é o de

Strang e co l . 2 0 , com ampla documentação histopatológica. Disto se conclui

que existem publicações cuja documentação permite considerar alguns casos

como "provavelmente válidos".

O cri tério adotado para a seleção de nossos casos apoia-se nos trabalhos

de Abbot t e L o v e 1 e de Weiss 2 4 . A impossibilidade circunstancial de apre­

sentarmos documentação fotomicrográfica dos aspectos histopatológicos dos

casos 2 e 3, nos obriga a classificá-los dentre os casos questionàvelmente

válidos. Todavia esses dois casos se enquadram dentro das exigências ou­

tras do cri tério mínimo de validade científica de Weiss, mot ivo que nos leva

a incluí-los neste trabalho, submetidos como o foram, a uma crítica prévia.

O caso 1, a nosso ver, não tem restrição quanto a validade científica,

demonstrando, a par de muitos já descritos na literatura, a possibilidade de

metastases extracranianas das neoplasias intracranianas. E m todos os nossos

casos houve manipulação cirúrgica. Nos casos 1 e 3 houve invasão tumoral

do couro cabeludo, abrindo assim ampla via de acesso aos linfáticos dessa

região. N o caso 2 a aderência do tumor à foice do cérebro e sua relação

com uma grossa veia afluente do seio sagital superior permite supor que a

via venosa tenha veiculado as metastases extracranianas; existe, neste caso,

grande semelhança com aqueles descritos por Tompkins e c o l . 2 2 e T o w n e 2 3 .

Os casos 2 e 3 são de difícil avaliação científica; no entanto, o seguimento

clínico-patológico demonstra que a sintomatologia foi primária no encéfalo

e secundária nos órgãos afetados pelas metastases.

R E S U M O

Os autores apresentam 3 casos de tumores intracranianos com metásta­

ses extracranianas; no primeiro caso o quadro clínico e a documentação his­

topatológica permitem sua inclusão dentre os casos provávelmente válidos.

Os outros dois casos são admitidos como questionàvelmente válidos.

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S U M M A R Y

Intracranial tumors with extracranial metastases.

One case of ependymoma with widespread metastases in the cervical

lymph nodes and in the lungs is reported. This case is considered by the

authors as a probable example of metastasizing intracranial glioma. T w o

other cases are presented and are considered questionable.

R E F E R Ê N C I A S

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Clínica Neurológica — Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

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