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Radiol Bras 2002;35(2):99–103 99 Ensaio Iconográfico METÁSTASES PULMONARES ATÍPICAS: APRESENTAÇÕES TOMOGRÁFICAS* Larissa Bodanese 1 , Ana Luiza Telles de Miranda Gutierrez 1 , Domenico Capone 2 , Edson Marchiori 3 * Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, e no Departamento de Radiologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ. 1. Médicas Residentes em Radiologia do HUCFF-UFRJ. 2. Médico do Serviço de Radiologia do HUCFF-UFRJ. 3. Professor Titular de Radiologia da UFF, Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Radiologia da UFRJ. Endereço para correspondência: Prof. Dr. Edson Marchiori. Rua Thomaz Cameron, 438, Valparaíso. Petrópolis, RJ, 25685-120. E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 8/8/2001. Aceito, após revisão, em 3/10/2001. INTRODUÇÃO A incidência de metástases para o pa- rênquima pulmonar originadas de neopla- sias primárias extratorácicas varia de 20% a 54% (1) . A freqüência com que metásta- ses pulmonares são encontradas em pacien- tes com neoplasias primárias conhecidas depende do estágio da doença em que o paciente se encontra. Assim sendo, em es- tágios precoces, a prevalência de metás- tases pulmonares é menor (2) . A ressecção cirúrgica de metástases pulmonares tornou-se opção terapêutica bem estabelecida (3) , sendo indicada em casos selecionados de pacientes com im- plantes secundários de tumores sólidos variados. A ressecção completa das metás- tases é imprescindível para se prolongar a sobrevida desses pacientes (4) . Em pacientes com neoplasias que sabi- damente se disseminam para os pulmões, a realização de tomografia computadori- zada de tórax para rastreamento deve ser considerada (5) . De maneira geral, as metástases pulmo- nares podem desenvolver-se por dissemi- nação hematogênica, linfática, através do espaço pleural, pelas vias aéreas ou por invasão direta. Destas, a forma hematogê- nica é a mais freqüente (1) . As metástases hematogênicas comu- mente formam múltiplos nódulos arredon- dados, de tamanhos variados, que predo- minam nas porções inferiores dos pulmões, poupando os ápices (2,5) . Eventualmente, contudo, assumem as- pectos menos típicos, podendo dificultar o diagnóstico radiológico. Os aspectos menos comuns são a cavitação, a calcifi- cação, a ocorrência em regiões pulmona- res atípicas, as formas micronodulares, a confluência e a presença do sinal do halo, entre outras. Cavitação – A freqüência de cavitação em nódulos metastáticos é muito menor do que a observada nos tumores primá- rios (1,6) . Os carcinomas de células escamo- sas são considerados como o tipo de tu- mor que mais freqüentemente causa me- tástases escavadas, compondo cerca de 70% destas (6) . Tumores de cabeça e pescoço em ho- mens, tumores do aparelho ginecológico e do intestino grosso são os sítios primários mais comuns (2) (Figura 1), embora qual- quer tumor primitivo, a princípio, possa originar metástases escavadas (Figura 2). As cavitações provavelmente se origi- nam tanto de necrose tumoral quanto da Figura 1. Múltiplos nódulos pulmonares de paredes espessadas, distribuídos difusamente por ambos os pulmões. Observar que, ao contrário do habitual, os nódulos são todos de pequenas dimensões e na quase totalidade são escavados. Metástases de carcinoma de útero. A B

METÁSTASES PULMONARES ATÍPICAS: APRESENTAÇÕES … · tico de nódulo com densidade de partes moles circundado por halo de atenuação em vidro fosco (sinal do halo)(1) (Figura

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Radiol Bras 2002;35(2):99–103 9 9

Ensaio Iconográfico

METÁSTASES PULMONARES ATÍPICAS: APRESENTAÇÕESTOMOGRÁFICAS*Larissa Bodanese1, Ana Luiza Telles de Miranda Gutierrez1, Domenico Capone2,Edson Marchiori3

* Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, e noDepartamento de Radiologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ.

1. Médicas Residentes em Radiologia do HUCFF-UFRJ.2. Médico do Serviço de Radiologia do HUCFF-UFRJ.3. Professor Titular de Radiologia da UFF, Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Radiologia da UFRJ.Endereço para correspondência: Prof. Dr. Edson Marchiori. Rua Thomaz Cameron, 438, Valparaíso. Petrópolis, RJ, 25685-120. E-mail: [email protected] para publicação em 8/8/2001. Aceito, após revisão, em 3/10/2001.

INTRODUÇÃO

A incidência de metástases para o pa-rênquima pulmonar originadas de neopla-sias primárias extratorácicas varia de 20%a 54%(1). A freqüência com que metásta-ses pulmonares são encontradas em pacien-tes com neoplasias primárias conhecidasdepende do estágio da doença em que opaciente se encontra. Assim sendo, em es-tágios precoces, a prevalência de metás-tases pulmonares é menor(2).

A ressecção cirúrgica de metástasespulmonares tornou-se opção terapêuticabem estabelecida(3), sendo indicada emcasos selecionados de pacientes com im-plantes secundários de tumores sólidosvariados. A ressecção completa das metás-tases é imprescindível para se prolongar asobrevida desses pacientes(4).

Em pacientes com neoplasias que sabi-damente se disseminam para os pulmões,a realização de tomografia computadori-zada de tórax para rastreamento deve serconsiderada(5).

De maneira geral, as metástases pulmo-nares podem desenvolver-se por dissemi-nação hematogênica, linfática, através doespaço pleural, pelas vias aéreas ou porinvasão direta. Destas, a forma hematogê-nica é a mais freqüente(1).

As metástases hematogênicas comu-mente formam múltiplos nódulos arredon-dados, de tamanhos variados, que predo-minam nas porções inferiores dos pulmões,poupando os ápices(2,5).

Eventualmente, contudo, assumem as-pectos menos típicos, podendo dificultaro diagnóstico radiológico. Os aspectosmenos comuns são a cavitação, a calcifi-

cação, a ocorrência em regiões pulmona-res atípicas, as formas micronodulares, aconfluência e a presença do sinal do halo,entre outras.

Cavitação – A freqüência de cavitaçãoem nódulos metastáticos é muito menordo que a observada nos tumores primá-rios(1,6). Os carcinomas de células escamo-sas são considerados como o tipo de tu-mor que mais freqüentemente causa me-tástases escavadas, compondo cerca de70% destas(6).

Tumores de cabeça e pescoço em ho-mens, tumores do aparelho ginecológico edo intestino grosso são os sítios primáriosmais comuns(2) (Figura 1), embora qual-quer tumor primitivo, a princípio, possaoriginar metástases escavadas (Figura 2).

As cavitações provavelmente se origi-nam tanto de necrose tumoral quanto da

Figura 1. Múltiplos nódulos pulmonares de paredes espessadas, distribuídos difusamente por ambos os pulmões. Observar que, ao contrário do habitual, osnódulos são todos de pequenas dimensões e na quase totalidade são escavados. Metástases de carcinoma de útero.

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Figura 3. Volumosa massa única, calcificada perifericamente. Metástase de osteossarcoma.

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formação de mecanismo valvular, devidoa infiltração neoplásica para o interior devias aéreas distais(1). As paredes das cavi-tações mais freqüentemente são espessase irregulares, mas podem também ser fi-nas, semelhantes a cistos(2).

Calcificação – A presença de calcifi-cação em nódulo pulmonar comumentesugere natureza benigna, mais freqüente-mente do tipo granuloma ou hamartoma.Entretanto, calcificação ou ossificação po-dem ocorrer em nódulos metastáticos(6). Aocorrência de calcificação em lesão malig-na pulmonar, no entanto, é achado inco-mum(7). Sarcomas e carcinomas podemproduzir metástases calcificadas; dentre osprimeiros, destacam-se os osteossarcomas(Figuras 3 e 4), os sinoviossarcomas e oscondrossarcomas. Os tipos mais comunsde carcinomas com calcificação são os ade-nocarcinomas mucinosos e os papilares(8).

Sinal do halo na tomografia compu-tadorizada de alta resolução – A presen-ça de hemorragia pode alterar o aspecto dasmargens de nódulos metastáticos, deter-minando o achado tomográfico caracterís-tico de nódulo com densidade de partesmoles circundado por halo de atenuaçãoem vidro fosco (sinal do halo)(1) (Figura5). Tal achado é inespecífico, podendo servisto em várias condições, como aspergi-lose invasiva, granulomatose de Wegener,carcinoma bronquíolo-alveolar, linfoma etuberculoma, dentre outras(6,9). Apesar deincomum(2), angiossarcomas e coriocarci-nomas são as causas mais representativasde metástases hemorrágicas(6). A provávelcausa da hemorragia perinodular é a rup-tura dos vasos neoformados(1,6).

Confluência – De modo semelhante aocarcinoma bronquíolo-alveolar, as metás-tases de adenocarcinoma podem dissemi-

nar-se pelo parênquima pulmonar ao lon-go das paredes alveolares intactas(6,10). As-sim sendo, os adenocarcinomas metastáti-cos podem manifestar-se, radiologicamen-te, como nódulos do espaço aéreo, conso-lidação com broncograma aéreo de per-meio, opacidades em vidro fosco focais ouextensas, e nódulos com sinal do halo(6).A ocorrência deste padrão de crescimentotumoral é rara, tendo sido vista por Gaetaet al. em apenas seis dos 65 pacientes commetástases de adenocarcinomas do tratogastrointestinal por eles estudados(10). Ade-nocarcinomas de mama e ovários tambémpodem mostrar este padrão de metástases(Figura 6).

Metástase solitária – A presença denódulo pulmonar solitário em pacientescom neoplasia maligna conhecida tornanecessária a determinação da sua etiolo-gia(6), uma vez que a probabilidade deste

Figura 2. Múltiplos nódulos pulmonares, de tamanhos variados, alguns com cavitação de paredes espessas e contornos internos anfractuosos. Metástasesde adenocarcinoma de testículo.

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Figura 4. Múltiplos nódulos pulmonares calcificados, de tamanhos variados.Metástases de osteossarcoma.

Figura 6. Múltiplos pequenos nódulos pulmonares, com áreas de confluência nas regiões posteriores de ambos os pulmões. Metástases de adenocarcinomagástrico.

Figura 5. Múltiplos nódulos pulmonares, de tamanhos variados, com atenuação em vidro fosco ao redor de vários deles. Metástases de adenocarcinoma demama.

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nódulo corresponder a metástase é de ape-nas 25%(1,11). Em uma série de 800 pacien-tes com neoplasia extratorácica associadaa nódulo pulmonar solitário, Cahan et al.(11)

observaram que, após confirmação histo-patológica, aproximadamente 500 nóduloscorrespondiam a neoplasia primária pul-monar, e apenas 196 eram nódulos metas-táticos solitários. Em uma série de 426 pa-cientes submetidos a toracoscopia para in-vestigação de nódulo pulmonar, 46% erammetástases solitárias. A freqüência demetástase solitária confirmada cirurgica-mente em pacientes sem história de malig-nidade é de 0,4% a 9%(6).

A probabilidade de um nódulo solitá-rio representar uma metástase pulmonarvaria de acordo com o tipo histológico dotumor, sendo mais freqüentemente visto emmelanoma, sarcomas e carcinomas de có-lon, mama e rim(6) (Figuras 3 e 7).

Distribuição atípica – Os nódulos pul-monares metastáticos mais freqüentemen-te se apresentam distribuídos nas regiõesmais inferiores dos pulmões. Em estudosde autópsia, 82% a 92% dos implantespulmonares secundários se localizam naperiferia dos pulmões, e a maioria (75%)tende a apresentar distribuição nas porçõesmais basais deste órgão(1).

Qualquer alteração vascular que causedesvio do fluxo sanguíneo preferencialpara outras áreas do pulmão que não asbases poderá levar a uma distribuição se-melhante dos nódulos metastáticos. Dessaforma, a ocorrência de nódulos metastáti-cos será maior onde predominar o aportesanguíneo(2) (Figuras 8 e 9).

Padrão micronodular – Usualmente,as metástases pulmonares se apresentamcomo múltiplos nódulos, geralmente de li-mites precisos(12) e de tamanhos variados(1).

As metástases hematogênicas microno-dulares são menos freqüentes e costumamser mais numerosas na periferia e basespulmonares, apresentando distribuição ran-dômica em relação à estrutura lobular(13)

(Figura 10). O diagnóstico diferencial comdoenças granulomatosas pode ser bastantedifícil.

Outros aspectos – Outras formas maisraras de metástases pulmonares incluem asmetástases de tumores benignos, metásta-ses esterilizadas e metástases endobrônqui-cas. As metástases benignas geralmenteoriginam-se de leiomioma uterino, molahidatiforme ou tumor de células gigantesósseo, e têm aspecto radiológico indistin-guível das metástases de tumores malig-nos(6). O termo metástase esterilizada temsido usado para definir um nódulo pulmo-nar que persiste após o tratamento, semalteração de tamanho ou aspecto, represen-

Figura 8. Em A, múltiplos pequenos nódulos pulmonares predominando nos campos superiores. Notar, em B, que as bases estão relativamente preservadas.Metástases de adenocarcinoma de mama.

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Figura 7. Nódulo único, de contornos lobulados, na base do pulmão direito.Metástase de adenocarcinoma de cólon.

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tando tecido fibrótico e/ou necrótico, semevidências de tumor viável(14). A freqüên-cia das metástases endobrônquicas é bai-xa, sendo visíveis macroscopicamente emapenas 2% dos casos(6).

COMENTÁRIOS

Embora a maioria dos casos de metás-tases pulmonares possa ser diagnosticadacom base em achados típicos, o conheci-mento das formas atípicas de apresentaçãoé imprescindível para a diferenciação en-tre doença metastática, neoplasia pulmo-nar primária sincrônica e condições pul-monares benignas.

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13. Naidich DP, Webb WR, Müller NL, Krinsky GA,Zerhouni EA, Siegelman SS. Diffuse lung disease.In: Naidich DP, Webb WR, Müller NL, KrinskiGA, Zerhouni EA, Siegelman SS, eds. Computedtomography and magnetic resonance of the tho-rax. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott-Raven, 1999:399.

14. Ginsberg MS, Griff SK, Go BD, Yoo HH,Schwartz LH, Panicek DM. Pulmonary nodulesresected at video-assisted thoracoscopic surgery:etiology in 426 patients. Radiology 1999;213:277–82.

Figura 9. Múltiplos nódulos pulmonares predominando à direta. Metástases de carcinoma broncogênico do lobo superior esquerdo.

Figura 10. Infiltrado micronodular, difuso e bilateral, com distribuição randômica. Metástases de tumor de tireóide.

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