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Metodologia Do Treino Desportivo

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Índice das matériasPrefácioParte I - Conceitos do treino desportivo 11. O treino e a treinabilidade 61.1. Preparação desportiva precoce 71.2. A especialização precoce 82. A carga e a cargabilidade 92.1. A natureza da carga 92.1.1. Cargas de treino ou de competição 92.1.2. Cargas específicas e não específicas 102.1.3. Cargas em função da época desportiva 102.2. A grandeza da carga 102.2.1. Externos 102.2.2. Internos 102.3. A orientação da carga 112.3.1. Selectiva 112.3.2. Complexa 123. A adaptação e a capacidade de rendimento 133.1. Adaptação rápida 133.2. Adaptação a longo termo 144. A fadiga e a recuperação 154.1. Fadiga evidente 154.2. Fadiga latente 155. O estado de treino e o estado de preparação 16Parte II - Factores do rendimento desportivo 171. Os factores do rendimento desportivo (Matvéiev) 211.1. As capacidades individuais e o seu grau de preparação 211.2. A amplitude do movimento desportivo e as condições sociais 221.3. A eficiência do sistema de treino 222. O modelo teórico de Claude Bouchard 232.1. O sub-grupo das determinantes invariáveis da performance 242.1.1. Contributo da hereditariedade nas estruturas morfológicas 252.1.2. Contributo da hereditariedade nas estruturas orgânicas 252.1.3. Contributo da hereditariedade nas estruturas perceptivas 252.1.4. Contributo da hereditariedade no plano das características psicológicas 252.2. O subgrupo das determinantes variáveis da performance 262.2.1. A eficácia técnica 262.2.2. A influência da inteligência táctico-estratégica 262.2.3. A condição física geral 272.2.4. A condição física específica 272.2.5. Nível de preparação psicológica 272.2.6. A influência do meio social 282.2.7. Conjunto de factores complementares 282.2.8. O repouso, a relaxação, a recreação e os tempos livres 282.3. O subgrupo dos factores da organização e do controlo associado à performance 29VI • Metodologia do treino desportivo I !2.3.1. O sistema organizativo que programa e controla o treino 292.3.2. O dossier de treino e o dossier do atleta 292.3.3. O exame médico geral preventivo ou correlativo do praticante 292.3.4. Avaliação das condicionantes variáveis gerais 302.3.5. Avaliação das condicionantes variáveis específicas 302.3.6. A acção do pessoal técnico e dos especialistas 30Parte III - O exercício de treino desportivo 31Capítulo 1 - Os fundamentos do exercício de treino 331. O processo de treino como vertente fundamental do rendimento desportivo 371.1. O exercício como elemento determinante do processo de treino 371.2. A relação metodológica entre treino e exercício 382. Definição de exercício de treino 393. Caracterização do exercício de treino 393.1. Especificidade 403.1.1. Exercícios específicos determinam respostas biológicas específicas 403.1.2. A base operacional do exercício e a lógica da modalidade desportiva 403.1.3. A dimensão transfer 413.2. Identidade 423.2.1. A dimensão isomórfica e analógica da identidade do exercício 423.2.2. As implicações da inadequação do grau identidade do exercício 434. A natureza do exercício de treino 444.1. O recurso informacional 464.1.1. Definição do termo informação 464.1.2. As fases do tratamento da informação 474.1.3. Os limites do recurso informacional 474.2. O recurso energético 494.2.1. As reacções para a produção de energia 494.2.2. Os limites do recurso energético 504.2.3. As vias de produção energética 504.2.3.1. O processo anaeróbio aláctico 514.2.3.2. O processo anaeróbio láctico 514.2.3.3. O processo aeróbio 524.2.4. As relações entre o custo energético e o gesto motor 524.3. O recurso afectivo 525. A estrutura do exercício de treino 545.1. O objectivo 545.2. O conteúdo 555.3. A Forma 555.4. O nível de performance 566. As componentes estruturais do exercício de treino 576.1. No plano fisiológico 576.1.1. A duração 596.1.2. O volume 606.1.3. A Intensidade 606.1.

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Page 1: Metodologia Do Treino Desportivo
Page 2: Metodologia Do Treino Desportivo

universidade técnica de lisboa FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DO DESPORTO

METODOLOGIA DO

TREINO DESPORTIVO

Textos de apoio (exclusivamente para uso interno)

Jorge Castelo, Hermínio Barreto, Francisco Alves, Pedro Mil-Homens,

João Carvalho, Jorge Vieira

Ciências do Desporto

Edições FMH

Page 3: Metodologia Do Treino Desportivo

II • Metodologia do treino desportivo I !

Ficha técnica

Page 4: Metodologia Do Treino Desportivo

Índice • III

Prefácio

O trabalho que agora se publica deriva de um esforço conjunto, coordenado

pelo Prof. Jorge Castelo, no âmbito da disciplina de Metodologia do Treino da

Licenciatura em Educação Física e Desporto Escolar. Até agora, ainda não

tinha havido capacidade para realizar tal desiderato no âmbito da Cadeira, pelo

que este facto, representa, antes de tudo, um acréscimo da capacidade

organizativa e de intervenção das pessoas que nela intervêm. O que se espera é

que trabalhos desta qualidade e volume possam, também, ser desenvolvidos

por outras disciplinas.

Não podemos ainda de deixar de referir que nesta obra, para além de terem

colaborado diversos professores da FMH, dá-se a circunstância de nela terem

também participado professores externos à FMH que aqui trabalham em

termos pontuais. É um esforço de cooperação entre a FMH - Departamento de

Ciências do Desporto e o Sistema Desportivo que nos apraz referenciar. Na

realidade, todos sabemos que é da conjugação de esforços, entre as diversas

entidades que interagem no Sistema Desportivo, que podem ser dados passos

significativos na procura da qualidade e da excelência.

Finalmente, gostaríamos de concluir referindo que esta obra para além de

satisfazer as necessidades internas do curso, ela poderá, também, ser de grande

utilidade no âmbito do Sistema Desportivo. O conhecimento não é desta ou

daquela pessoa, deste ou daquele organismo ou até sistema. O conhecimento é

um bem universal que deve ser comungado e partilhado por todos, em prol do

desenvolvimento humano. Estão pois de parabéns todos aqueles que

participaram nesta publicação. O futuro vai ser necessariamente diferente

daquele que seria caso não o tivessem feito.

Parabéns

Gustavo Pires

Presidente do Departamento de Ciências do Desporto

Page 5: Metodologia Do Treino Desportivo

IV • Metodologia do treino desportivo I !

Resumo do conteúdo programático da disciplina de Metodologia do Treino I

Conceitos do treino desportivo Parte I

Parte IIFactores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Fundamentos doexercício de treino

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Parte III

Parte IV Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Parte V

Parte VI

Parte VII

Estudo sobrea forca

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O treinadorperfil e competências

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Organigrama 1

Page 6: Metodologia Do Treino Desportivo

Índice • V

Índice das matérias

Prefácio Parte I - Conceitos do treino desportivo 1

1. O treino e a treinabilidade 6 1.1. Preparação desportiva precoce 7 1.2. A especialização precoce 8

2. A carga e a cargabilidade 9 2.1. A natureza da carga 9

2.1.1. Cargas de treino ou de competição 9 2.1.2. Cargas específicas e não específicas 10 2.1.3. Cargas em função da época desportiva 10

2.2. A grandeza da carga 10 2.2.1. Externos 10 2.2.2. Internos 10

2.3. A orientação da carga 11 2.3.1. Selectiva 11 2.3.2. Complexa 12

3. A adaptação e a capacidade de rendimento 13 3.1. Adaptação rápida 13 3.2. Adaptação a longo termo 14

4. A fadiga e a recuperação 15 4.1. Fadiga evidente 15 4.2. Fadiga latente 15

5. O estado de treino e o estado de preparação 16

Parte II - Factores do rendimento desportivo 17 1. Os factores do rendimento desportivo (Matvéiev) 21

1.1. As capacidades individuais e o seu grau de preparação 21 1.2. A amplitude do movimento desportivo e as condições sociais 22 1.3. A eficiência do sistema de treino 22

2. O modelo teórico de Claude Bouchard 23 2.1. O sub-grupo das determinantes invariáveis da performance 24

2.1.1. Contributo da hereditariedade nas estruturas morfológicas 25 2.1.2. Contributo da hereditariedade nas estruturas orgânicas 25 2.1.3. Contributo da hereditariedade nas estruturas perceptivas 25 2.1.4. Contributo da hereditariedade no plano das características psicológicas 25

2.2. O subgrupo das determinantes variáveis da performance 26 2.2.1. A eficácia técnica 26 2.2.2. A influência da inteligência táctico-estratégica 26 2.2.3. A condição física geral 27 2.2.4. A condição física específica 27 2.2.5. Nível de preparação psicológica 27 2.2.6. A influência do meio social 28 2.2.7. Conjunto de factores complementares 28 2.2.8. O repouso, a relaxação, a recreação e os tempos livres 28

2.3. O subgrupo dos factores da organização e do controlo associado à performance 29

Page 7: Metodologia Do Treino Desportivo

VI • Metodologia do treino desportivo I !

2.3.1. O sistema organizativo que programa e controla o treino 29 2.3.2. O dossier de treino e o dossier do atleta 29 2.3.3. O exame médico geral preventivo ou correlativo do praticante 29 2.3.4. Avaliação das condicionantes variáveis gerais 30 2.3.5. Avaliação das condicionantes variáveis específicas 30 2.3.6. A acção do pessoal técnico e dos especialistas 30

Parte III - O exercício de treino desportivo 31

Capítulo 1 - Os fundamentos do exercício de treino 33 1. O processo de treino como vertente fundamental do rendimento desportivo 37

1.1. O exercício como elemento determinante do processo de treino 37 1.2. A relação metodológica entre treino e exercício 38

2. Definição de exercício de treino 39 3. Caracterização do exercício de treino 39

3.1. Especificidade 40 3.1.1. Exercícios específicos determinam respostas biológicas específicas 40 3.1.2. A base operacional do exercício e a lógica da modalidade desportiva 40 3.1.3. A dimensão transfer 41

3.2. Identidade 42 3.2.1. A dimensão isomórfica e analógica da identidade do exercício 42 3.2.2. As implicações da inadequação do grau identidade do exercício 43

4. A natureza do exercício de treino 44 4.1. O recurso informacional 46

4.1.1. Definição do termo informação 46 4.1.2. As fases do tratamento da informação 47 4.1.3. Os limites do recurso informacional 47

4.2. O recurso energético 49 4.2.1. As reacções para a produção de energia 49 4.2.2. Os limites do recurso energético 50 4.2.3. As vias de produção energética 50

4.2.3.1. O processo anaeróbio aláctico 51 4.2.3.2. O processo anaeróbio láctico 51 4.2.3.3. O processo aeróbio 52

4.2.4. As relações entre o custo energético e o gesto motor 52 4.3. O recurso afectivo 52

5. A estrutura do exercício de treino 54 5.1. O objectivo 54 5.2. O conteúdo 55 5.3. A Forma 55 5.4. O nível de performance 56

6. As componentes estruturais do exercício de treino 57 6.1. No plano fisiológico 57

6.1.1. A duração 59 6.1.2. O volume 60 6.1.3. A Intensidade 60

6.1.3.1. As relações entre a intensidade e o volume 61 6.1.4. A Densidade 62 6.1.5. A Frequência 64

6.2. No plano técnico-táctico 64 6.2.1. O número 64

Page 8: Metodologia Do Treino Desportivo

Índice • VII

6.2.2. O espaço 65 6.2.3. O tempo 66 6.2.4. A Complexidade 67

6.2.4.1. No domínio da velocidade de execução 68 6.2.4.2. No domínio do esforço 69

7. A classificação dos exercícios de treino 69 7.1. O factor de treino predominante no conteúdo do exercício 70

7.1.1. Exercícios técnicos 70 7.1.2. Exercícios tácticos 70 7.1.3. Exercícios físicos 70

7.2. Em função do grau de identidade do exercício 72 7.2.1. Exercícios de competição 72 7.2.2. Exercícios especiais 73 7.2.3. Exercícios gerais 74

8. Orientações e tendências dos exercícios de treino 76 8.1. Aumento do volume de treino utilizando exercícios de carácter geral e especial 77 8.2. Maior utilização dos exercícios de treino de carácter específico 77 8.3. Adequação dos exercícios de treino à realidade competitiva. Indivisibilidade dos factores de treino 77

8.3.1. A objectividade 78 8.3.2. A modelação 78

8.4. Estabelecimento das bases científicas dos exercícios de treino 80

Capítulo 2 - Bases conceptuais para a construção dos exercícios de treino 81 1. As relações entre a interpretação da natureza da modalidade e os exercícios de treino 85

1.1. As perspectivas associativistas 86 1.2. As perspectivas da forma 89 1.3. As perspectivas estruturalistas 91

1.1.3. O modelo 92 1.1.3.1. os modelos técnico-tácticos 93 1.1.3.2. o modelo de esforço 93 1.1.3.3. o modelo de ambiente 93 1.1.3.4. o modelo integrativo 94

Capítulo 3 - Bases de aplicação dos exercícios de treino 95 1. Os princípios biológicos 99

1.1. Princípio da sobrecarga 99 1.2. Princípio da especificidade 101 1.3. Princípio da reversibilidade 103 1.4. Princípio da heterocronia 104

2. Os princípios metodológicos 105 2.1. Princípio da relação óptima entre o exercício e o repouso 106

2.1.1. A determinação do exercício óptimo 107 2.1.2. A determinação do momento óptimo de aplicação de um novo exercício 108

2.2. Princípio da continuidade da aplicação do exercício de treino 111 2.3. Princípio da progressividade do exercício de treino 112 2.4. Princípio da ciclicidade do exercício de treino 115 2.5. Princípio da individualização do exercício de treino 116 2.6. Princípio da multilateralidade 116

Page 9: Metodologia Do Treino Desportivo

VIII • Metodologia do treino desportivo I !

2.6.1. A inseparabilidade da preparação geral e da preparação especial 117 2.6.2. O intercondicionalismo do conteúdo da preparação geral e especial 117 2.6.3. A incompatibilidade da preparação geral e especial 118

3. Os princípios pedagógicos 119 3.1. Princípio da actividade consciente 119 3.2. Princípio da sistematização 119 3.3. Princípio da actividade apreensível 120 3.4. Princípio da estabilidade e desenvolvimento das capacidades do praticante 120

Capítulo 4 - Bases de eficácia dos exercícios de treino 121 1. Preocupação de unidade do exercício de treino 125

1.1. Unidade da actividade 125 1.2. Unidade do praticante 125 1.3. Unidade da equipa 126

2. Seleccionar correctamente o exercício de treino 126 2.1. Fazer correlacionar a lógica interna da modalidade com o exercício de treino 127 2.2. Ajustar os níveis de complexidade e dificuldade à capacidade dos praticantes 128

3. Repetição sistemática do exercício de treino 131 3.1. Repetir para consolidar os elementos críticos do exercício de treino 131

4. Corrigir correctamente o exercício de treino 132 4.1. Aspectos chave para a correcção do exercício de treino 132

5. Motivar correctamente para o exercício de treino 134 5.1. Aspectos chave para a motivação no exercício de treino 135

Parte IV - Os factores do treino desportivo 137

Capítulo 1 - Estudo sobre o factor técnico desportivo 139 1. Definição de técnica desportiva 143 2. Objectivos do treino técnico-desportivo 143

2.1. Aquisição de um conjunto de aptidões técnico-desportivas 143 2.2. Aperfeiçoamento e desenvolvimento das aptidões técnico-desportivas 144

3. A importância da técnica nas diferentes modalidades desportivas 144 3.1. As modalidades de força explosiva 144 3.2. As modalidades de resistência 145 3.3. As modalidades de exactidão 145 3.4. As modalidades de estrutura complexa 145

4. Relações entre o factor técnico e o factor táctico desportivo 146 5. As diferentes fases do processo de aprendizagem da técnica desportiva 146

5.1. Fase de generalização ou de coordenação global do movimento 148 5.1.1. A compreensão da tarefa motora 148 5.1.2. A coordenação motora global 149

5.2. Fase de concentração ou da etapa da coordenação fina 150 5.2.1. Melhoramento do programa motor 151 5.2.2. Diminuição da energia necessária para a sua execução 152 5.2.3. Aumento da velocidade, precisão e melhoramento do timing de execução 152 5.2.4. Melhoramento da capacidade antecipativa 153 5.2.5. Aumento da confiança do praticante/jogador em si próprio 153

5.3. Fase de automatização ou da estabilização e aplicação variável do movimento 154

Page 10: Metodologia Do Treino Desportivo

Índice • IX

5.3.1. A evolução técnica desportiva e a sua relação com as modalidades mono e poliestruturais 155

6. Os diferentes aspectos metodológicos do processo de aprendizagem da técnica 157 6.1. Introdução do gesto técnico-desportivo 159

6.1.1. Atrair a atenção de todos os praticantes 159 6.1.2. Posicionamento do grupo de praticantes 160 6.1.3. A adopção de um nome terminologicamente correcto do gesto 160

6.2. A explicação verbal do gesto técnico-desportivo 160 6.2.1. Ser pouco rico em pormenores 161 6.2.2. Objectivar um estado mental positivo 161 6.2.3. Relacioná-la com aprendizagens anteriores 161

6.3. A exemplificação/demonstração do gesto técnico 162 6.3.1. Execução correcta do gesto técnico 162 6.3.2. Correcta velocidade de execução 163 6.3.3. Ritmo de execução apropriado 163 6.3.4. Optar por uma execução completa ou parcial 163 6.3.5. Estabelecer um número de exemplificações/demonstrações 164 6.3.6. Evidenciar um conjunto restrito de instruções-chave 164

6.4. A prática do gesto técnico-desportivo 165 6.4.1. A prática global do gesto técnico-desportivo ou "por partes" 166 6.4.2. A formação de um rítmo-padrão de execução do gesto técnico-desportivo 168 6.4.3. A regulação da velocidade de execução do gesto técnico desportivo 169

6.5. A correcção do gesto técnico-desportivo 169 6.5.1. Profundo conhecimento do gesto técnico desportivo 170 6.5.2. Estabelecer objectivos realistas do gesto técnico desportivo 171 6.5.3. Hierarquizar os erros observados no gesto técnico desportivo 171 6.5.4. A atitude do treinador na correcção do gesto técnico desportivo 172 6.5.5. Aspectos metodológicos a introduzir quando se verifica a consolidação do gesto técnico desportivo com erros 174

6.6. A repetição do gesto técnico-desportivo 175 6.6.1. A estabilização das aptidões técnico-desportivas 176

6.6.1.1. Criação de condições favoráveis 176 6.6.1.2. Exercitar o gesto técnico-desportivo isento de erros 177 6.6.1.3. Não confundir estabilidade com estereótipos rotineiros 178 6.6.1.4. Aproximação gradual aos valores-padrão 178

6.6.2. A diversidade de aptidões técnico-desportivas 178 6.6.2.1. Variação rigorosamente dirigida 180 6.6.2.2. Variação livremente dirigida 180

6.6.3. A segurança das aptidões técnico-desportivas 181 6.6.3.1. Adaptação das aptidões técnicas às condições máximas de manifestação das qualidades físicas no treino 182 6.6.3.2. Modelação de situações psiquicamente tensas e introdução de dificuldades adicionais 182 6.6.3.3. A prática competitiva 183

7. Planeamento da preparação técnico-desportiva 184 7.1. Durante o processo plurianual e anual 184

7.1.1. A fase da preparação técnica de base 184 7.1.2. A fase de aperfeiçoamento técnico 185

7.1.2.1. Primeira fase 185 7.1.2.2. Segunda fase 185 7.1.2.3. Terceira fase 186

Page 11: Metodologia Do Treino Desportivo

X • Metodologia do treino desportivo I !

7.2. O treino técnico durante o microciclo 187 7.3. O treino da técnica desportiva na unidade de treino 188

Capítulo 2 - Estudo sobre o factor táctico desportivo 189 1. Definição de comportamento táctico desportivo 194 2. Objectivo do comportamento táctico desportivo 194 3. A natureza do comportamento táctico desportivo 195

3.1. Ser orientado exigindo a participação da consciência 195 3.2. Exprime um pensamento produtor 196

4. Frequência de ocorrência do comportamento táctico desportivo 197 5. Características do comportamento táctico desportivo 197

5.1. Fluidez 197 5.2. Adaptabilidade 197 5.3. Originalidade 198 5.4. Reestruturação 198 5.5. Antecipação 198 5.6. Execução 198

6. Elementos que influenciam o comportamento táctico desportivo 199 6.1. As características básicas das situações competitivas 199 6.2. A qualidade de observação por parte do atleta/jogador 200 6.3. Os fundamentos reais dos conhecimentos e das experiências dos jogadores 200 6.4. A memória 201 6.5. Solução associativa dos problemas tácticos 201 6.6. A rapidez do atleta/jogador a reconhecer as invariantes da situação competitiva 202 6.7. Os factores emotivo-psicológicos 203

7. As fases do comportamento táctico desportivo 203 7.1. A percepção e análise da situação 206

7.1.1. A percepção do envolvimento 207 7.1.1.1. Definição de percepção 207 7.1.1.2. A percepção como investigação activa do envolvimento 208 7.1.1.3. A estratégia perceptiva 209 7.1.1.4. A atenção selectiva 211 7.1.1.5. Os orgãos da visão 212

7.1.2. Os cálculos óptico-motores 213 7.1.2.1. A antecipação 214

7.1.3. As experiências e os conhecimentos tácticos 218 7.1.3.1. O transfer 220

7.2. A solução mental do problema 221 7.2.1. Os automatismos 223 7.2.2. As acções sensório-motoras 225 7.2.3. A forma superior do acto táctico 226

7.2.3.1. Valor interno 228 7.2.3.2. O valor externo 229

7.3. A solução táctica e as respostas técnicas 231 7.3.1. Um exemplo elucidativo 232

Page 12: Metodologia Do Treino Desportivo

Índice • XI

8. As diferentes fases do processo de aprendizagem da táctica desportiva 235 8.1. 1ª. Fase: aprendizagem e aperfeiçoamento das habilidades motoras inerentes à modalidade desportiva 236

8.1.1. Aprendizagem dos elementos técnicos desportivos 236 8.1.2. Consolidação dos elementos técnicos desportivos 237

8.2. 2ª. Fase: aprendizagem, estabilização e aperfeiçoamento das acções técnico-tácticas determinadas pelas situações competitivas 238 8.3. 3ª. Fase: desenvolvimento, estabilização e aperfeiçoamento da capacidade competitiva global 239

8.3.1. Situações competitivas em treino sob condições facilitadas 239 8.3.2. Situações competitivas em treino sob condições próximas da competição 240 8.3.3. Situações competitivas em treino sob condições mais difíceis do que as colocadas pela realidade competitiva 241

8.4. 4ª. Fase: utilização e aperfeiçoamento da capacidade competitiva global em competições oficiais 241

9. Princípios metodológicos da formação táctica desportiva 242

9.1. Princípio da sistematização 244 9.2. Princípio do carácter alternativo 244 9.3. Princípio da formação táctica elementar e da formação táctica complexa 246 9.4. Princípio da formação táctica individual e da formação táctica colectiva 247 9.5. Princípio da unidade da formação táctica teórica e da formação táctica prática 248 9.6. Princípio da síntese óptima indutiva e da dedutiva 249

Capítulo 3 - Estudo sobre o factor físico desportivo 251 Secção A - Estudo sobre a força muscular 251

1. Definição 251 2. Factores condicionantes da capacidade de produção de força 251

2.1. Factores nervosos 258 2.1.1. Factores nervosos Centrais 259

2.1.1.1. O recrutamento das Unidades Motoras 259 2.1.1.2. A frequência de activação das unidades motoras 260 2.1.1.3. A sincronização das unidades motoras 261

2.1.2. Factores Nervosos Periféricos 262 2.1.2.1. Fuso neuromuscular (FNM) 262 2.1.2.2. Orgão Tendinoso de Golgi (OTG) 264 2.1.2.3. Receptores articulares (RA) 264

2.1.3. Consequências metodológicas para o treino da força, decorrentes dos factores nervosos 265

2.1.3.1. A coordenação intra e inter-muscular 265 2.1.3.2. A activação nervosa e as características da dinâmica da carga 266

2.2. Factores musculares 267 2.2.1. Fisiológicos e bioquímicos 267

2.2.1.1. Área da secção transversal do músculo 267 2.2.1.2. Tipos de fibras musculares 270

2.2.1.2.1. A modificação da percentagem relativa do tipo de fibras no músculo 272

2.2.1.3. Consequências metodológicas decorrentes dos factores musculares 273

Page 13: Metodologia Do Treino Desportivo

XII • Metodologia do treino desportivo I !

2.2.2. Mecânicos (contracção muscular) 273 2.2.2.1. Tipos de contracção muscular 273 2.2.2.2. Relação força-alongamento 275 2.2.2.3. Relação força-velocidade 276

2.3.3. Factores biomecânicos 277 2.3.3.1. A alavanca muscular 278 2.3.3.2. A alavanca da resistência exterior 280 2.3.3.3. Tipos de resistências exteriores 282

2.3.3.3.1. Resistências constantes 282 2.3.3.3.2. Resistências variáveis-progressivas 283 2.3.3.3.3. Resistências variáveis-acomodativas 284 2.3.3.3.4. Resistênciasa isocinéticas 285 2.3.3.3.5. A utilização dos diferentes tipos de resistências-equipamentos 287

3. Componentes e formas de manifestação da força muscular 289 3.1. Força Máxima 289

3.1.1. Definição 289 3.1.2. As componentes da força máxima 289 3.1.3. A força absoluta, relativa e limite 294 3.1.4. A relação da força máxima com as outras manifestações de força 295

3.2. Força Rápida 296

3.2.1. Definição 296 3.2.2. As componentes da força rápida 296 3.2.3. As relações entre Força Máxima e Força Rápida 301

3.3. Força de Resistência 302 4. Os Métodos de Treino 304

4.1. Os Métodos da Hipertrofia Muscular 305 4.1.1. Método da carga constante 307 4.1.2. Método da carga progressiva 307 4.1.3. Método do culturismo (extensivo) 307 4.1.4. Método do culturismo (intensivo) 307 4.1.5. Método isocinético 308

4.2. Os Métodos da Taxa de Produção de Força 311 4.2.1. Método quase máximo 313 4.2.2. Método concêntrico máximo 313 4.2.3. Método excêntrico máximo 313 4.2.4. Método concêntrico excêntrico máximo 314

4.3. Os Métodos Mistos 317 4.4. Os Métodos Reactivos 318

4.4.1. Saltos sem progressão 320 4.4.1. Saltos com progressão 320 4.4.1. Saltos em profundidade 321 4.4.1. Exercícios para tronco e braços 322

Secção B - Estudo sobre a resistência 323 1. Definição de resistência 327 2. Objectivos da resistência 327 3. Factores determinantes da resistência 328

3.1. O sistema nervoso central 328 3.2. Capacidade volitiva 328 3.3. Adaptações aeróbias e anaeróbias 329

Page 14: Metodologia Do Treino Desportivo

Índice • XIII

4. Formas de manifestação da resistência 329 4.1. Quanto à participação do sistema muscular 329

4.1.1. Geral 329 4.1.2. Local 330

4.2. Quanto ao regime de contracção muscular 330 4.2.1. Estática 331 4.2.2. Dinâmica 331

4.3. Quanto à solicitação metabólica 331 4.3.1. Resistência aeróbia 331 4.3.2. Resistência anaeróbia 332

4.4. Tendo como referência a situação de competição 332 4.4.1. Geral ou de Base 332

4.4.1.1. Resistência de Base I 333 4.4.1.2. Resistência de Base II 334 4.4.1.3. Resistência de Base Acíclica 334

4.4.2. Resistência Específica 335 4.4.2.1. Resistência de Curta Duração 336 4.4.2.2. Resistência de Média Duração 336 4.4.2.3. Resistência de Longa Duração 337

4.4.2.3.1. Resistência de Longa Duração I 337 4.4.2.3.2. Resistência de Longa Duração II 337 4.4.2.3.3. Resistência de Longa Duração III 338

5. Métodos de treino da resistência 339

5.1. Método contínuo 339 5.1.1. Método contínuo uniforme 339

5.1.1.1. Método contínuo uniforme extensivo 340 5.1.1.2. Método contínuo uniforme intensivo 340

5.1.2. Método contínuo variado 342 5.2. Método por intervalos 343

5.2.1. Pausa incompleta - Treino intervalado 343 5.2.2. Pausa completa - Treino de repetições 349

5.3. Método de competição ou controlo 350 6. Métodos intervalados versus métodos contínuos 351

Secção C - Estudo sobre a velocidade 353 1. A velocidade como capacidade elementar 358 2. Definição 359 3. Em que modalidades desportivas se manifesta a velocidade 360 4. Formas básicas de estruturação da velocidade 362

4.1. Velocidade de reacção 362 4.2. Velocidade de execução 363 4.3. Capacidade (velocidade) de aceleração 364 4.4. A velocidade máxima 365 4.5. A velocidade resistente 365

5. Factores de que depende a velocidade 366 5.1. Velocidade de propagação dos impulsos nervosos 367 5.2. Elevada quantidade de fibras de contracção rápida 368 5.3. Capacidade de recrutar um número elevado de fibras musculares 368 5.4. Capacidade de alternância de contracção e descontracção musculares 369 5.5. A mobilização da vontade 370

Page 15: Metodologia Do Treino Desportivo

XIV • Metodologia do treino desportivo I !

5.6. Eficiência dos mecanismos bioquímicos 370 5.7. A qualidade técnica 371 5.8. Nível de mobilidade articular 372

6. Conceitos fundamentais no treino da velocidade 372 6.1. Programa temporal 373

6.1.1. Movimentos acíclicos 374 6.1.1.1. Programa temporal de curta duração 374 6.1.1.2. Programa temporal de longa duração 374

6.1.2. Movimentos cíclicos 375 6.2. transferência dos programas temporais 377

7. Orientaçõesmetodológicas para o treino da velocidade 379 7.1. Treino da velocidade elementar 380

7.1.1. Velocidade acíclica elementar 380 7.1.2. Velocidade cíclica elementar 382

7.1.2.1. Intensidade e volume no treino da velocidade elementar 383 7.1.2.2. Recomendações metodológicas 384

7.2. Treino da velocidade complexa 387 7.2.1. Nos jogos desportivos colectivos e nos jogos de combate 389 7.2.2. Recomendações metodológicas 391

7.3. O treino da velocidade de reacção 394 7.4. Treino das capacidades de velocidade no sprint 396

7.4.1. Capacidade de aceleração 396 7.4.2. Velocidade máxima 398 7.4.3. Velocidade resistente 400

Secção D - Estudo sobre a flexibilidade 405 1. Definição 409 2. Importância da flexibilidade 410

2.1. União entre o corpo, a mente e o espírito 410 2.2. Relaxação da tensão e do stress 410 2.3. Relaxação muscular 411 2.4. Auto-disciplina 411 2.5. Forma física, postura e simetria 411 2.6. Dores na região lombo-sagrada 412 2.7. Alívio da dor muscular 412 2.8. Melhoria da capacidade de execução 412 2.9. Prevenção de lesões 413

3. Potenciais desvantagens do treino da flexibilidade 414 4. Tipos de flexibilidade (classificação) 415

4.1. A flexibilidade estática e dinâmica 415 4.2. A flexibilidade activa e passiva 415 4.3. A flexibilidade geral e específica 416

5. Principais factores que condicionam a flexibilidade 416 5.1. Ósteo-articular 416

5.1.1. Superfícies articulares 416 5.1.2. Cartilagens, cápsulas e ligamentos 417 5.1.3. Cápsulas e ligamentos 417 5.1.4. Consequências metodológicas 417

5.2. Muscular (estrutura muscular) 418 5.2.1. a extensibilidade 418

Page 16: Metodologia Do Treino Desportivo

Índice • XV

5.2.2. A elasticidade 419 5.2.3. Consequências metodológicas 419

5.3. Neuromuscular 420 5.3.1. Fusos neuromusculares 420 5.3.2. Os orgãos tendinosos de Golgi 420 5.3.3. Receptores articulares 421 5.3.4. Consequências metodológicas 421

5.4. Outros factores que influenciam a flexibilidade 421 5.4.1. A idade 421 5.4.2. Sexo 422 5.4.3. Factores externos 423 5.4.4. A temperatura muscular 423 5.4.5. A fadiga 423 5.4.6. Estados emotivos 423

6. Métodos e conteúdos do treino da flexibilidade 424 6.1. Métodos dinâmico e estático 425

6.1.1. Argumentos que suportam o método dinâmico 425 6.1.2. Argumentos contra o método dinâmico 426 6.1.3. Argumentos que suportam o método estático 426 6.1.4. Argumentos contra o método estático 427

6.2. Outras formas de classificação 427 6.2.1. Estiramento passivo 427 6.2.2. Estiramento passivo-activo 428 6.2.3. Estiramento activo-assistido 429 6.2.4. Estiramento activo 429

6.3. Método de facilitação neuromuscular proprioceptiva (PNF) 431

6.3.1. Bases fisiológicas do método PNF 431 6.3.1.1. Vantagens do método PNF 433 6.3.1.2. Desvantagens e argumentos contra o método PNF 433

6.3.2. Técnicas de PNF 434 6.3.2.1. Contracções repetidas 434 6.3.2.2. Ritmo de iniciação 434 6.3.2.3. Lenta inversão 435 6.3.2.4. Lenta inversão-manter 435 6.3.2.5. Estabilização do ritmo 435 6.3.2.6. Contracção-relaxamento 435 6.3.2.7. Manter-relaxar 436 6.3.2.8. Lenta inversão-manter-relaxar 436 6.3.2.9. Inversão agonistica 437

7. Princípios metodológicos do treino da flexibilidade 437

Parte V - O planeamento do treino desportivo 439 1. Conceito de planeamento 442 2. A natureza do planeamento 443 3. Objectivos do planeamento 444 4. A importância do planeamento 444 5. Os níveis de planeamento 445

Page 17: Metodologia Do Treino Desportivo

XVI • Metodologia do treino desportivo I !

Capítulo 1 - O planeamento conceptual 447 1. Conceito de planeamento conceptual 451 2. Natureza do planeamento conceptual 451 3. Objectivos do planeamento conceptual 452 4. Etapas do planeamento conceptual 453

4.1. Descrição e análise da situação 454 4.1.1. O subsistema cultural 454 4.1.2. O subsistema estrutural 454 4.1.3. O subsistema metodológico 455 4.1.4. O subsistema relacional 455 4.1.5. O subsistema técnico-táctico 456 4.1.6. O subsistema táctico-estratégico 456 4.1.7. Avaliação da época desportiva anterior 456

4.2. Descrição do modelo no futuro 457 4.2.1. Definição de modelo 458 4.2.2. A natureza do modelo 458 4.2.3. Objectivos do modelo 459 4.2.4. Bases para a construção do modelo 459

4.2.4.1. O responsável pela construção do modelo 460 4.2.4.2. O factor referencial do modelo 461 4.2.4.3. As regras fundamentais do modelo 461 4.2.4.4. Tendências evolutivas do modelo 463

4.2.5. Determinação dos objectivos da próxima época desportiva 464 4.3. Elaboração de programas de acção 464

4.3.1. Reproduzir o modelo 465 4.3.2. Controlar o processo de evolução individual e colectiva 465 4.3.3. Definir realisticamente objectivos intermédios 466

Capítulo 2 - O planeamento estratégico 467 1. Conceito de planeamento estratégico 471 2. Natureza do planeamento estratégico 471 3. Objectivos do planeamento estratégico 472 4. Meios (condicionantes favoráveis) do planeamento estratégico 472

4.1. Gerais 472 4.2. Específicos 473

5. Princípios de orientação do planeamento estratégico 474 6. Limites do planeamento estratégico 474 7. Etapas do planeamento estratégico 475

7.1. Recolha dos dados 476 7.1.1. As particularidades dos outros factores de treino 476 7.1.2. A qualidade dos adversários 477 7.1.3. A qualidade do treinador adversário 477

7.2. Comparação das forças 479 7.3. Elaboração do plano táctico-estratégico 479

7.3.1. A orientação geral do jogo colectivo 480 7.3.2. A adaptação dos métodos de jogo da equipa em função das particularidades da expressão táctica adversária 481

Page 18: Metodologia Do Treino Desportivo

Índice • XVII

7.3.3. Planear acções tácticas diferentes de forma a surpreender o adversário 481 7.3.4. Constituição da equipa 483 7.3.5. Distribuição das missões tácticas 485

7.4. Reunião de reconhecimento do(s) adversário(s) 486 7.4.1. Importância da reunião 486 7.4.2. Os meios da reunião 486 7.4.3. Os princípios da reunião 486

7.5. Elaboração do programa de preparação para o ciclo de treino 487 7.5.1. Número, duração, gradação, e objectivos fundamentais das sessões de treino para o ciclo de preparação 487 7.5.2. A construção dos exercícios de treino para o ciclo de preparação 488

7.6. Experimentação do plano táctico-estratégico 488 7.7. A preparação nas horas que antecedem a competição 489

7.7.1. A concentração para a competição 489 7.7.2. O último treino antes da competição 489 7.7.3. Reunião de preparação para a competição 490

7.7.3.1. Importância da reunião 490 7.7.3.2. Objectivos da reunião 490 7.7.3.3. Os meios da reunião 491 7.7.3.4. Os princípios da reunião 492

7.7.3.4.1. Gerais 492 7.7.3.4.2. Específicos 493

7.7.3.5. Metodologia da reunião 493 7.7.3.5.1. Organizativos 494 7.7.3.5.2. Táctico-estratégicos 494

7.7.4. Aquecimento para a competição 496 7.7.4.1. Objectivos do aquecimento 496 7.7.4.2. Efeitos do aquecimento 497 7.7.4.3. Aspectos metodológicos do aquecimento 498

7.7.5. O regresso à calma 498 7.8. Reunião de análise da competição 499

7.8.1. Importância da reunião 499 7.8.2. Objectivos da reunião 499 7.8.3. Os meios da reunião 500 7.8.3. Os princípios da reunião 501

Capítulo 3 - O planeamento táctico 503 1. Conceito de planeamento táctico 507 2. Natureza do planeamento táctico 507

2.1. Concepção unitária para o desenrolar da competição 507 2.2. Inseparabilidade da acção técnica das intenções tácticas 508 2.3. Maximização e valorização das particularidades dos praticantes/jogadores 508 2.4. Confrontação das expressões tácticas quando em confronto directo 508 2.5. Carácter aplicativo e operativo da planeamento táctico 509

3. Objectivo do planeamento táctico 509 4. Meios do planeamento táctico 509

4.1. Os praticantes/jogadores 509 4.2. O treinador 510

5. Limites do planeamento táctico 510 6. O responsável pela direcção do planeamento táctico 511 7. Etapas do planeamento táctico 511

7.1. Direcção durante a competição 512

Page 19: Metodologia Do Treino Desportivo

XVIII • Metodologia do treino desportivo I !

7.1.1. A sucessão, o momento, e as circunstâncias do resultado da competição 513 7.1.2. As lesões que sucedem durante a competição 514 7.1.3. As substituições 514 7.1.4. Os descontos de tempo 518 7.1.5. A acção do juiz da partida 519 7.1.6. Os adversários 520

7.2. Direcção durante o intervalo da competição 520 7.2.1. Relaxar/tranquilizar 520 7.2.2. Vigilância médica 521 7.2.3. Preparação para a segunda parte 521

7.3. Acções a ter em conta logo após o terminus da competição 522

Parte VI - A estrutura do processo de treino 523

Capítulo 1 - A microestrutura do treino desportivo 525 1. Os tipos de sessões (unidades) de treino 529

1.1. Sessões de treino para conhecer o(s) praticante(s) ou a equipa 529 1.2. Sessões de treino de aprendizagem 530 1.3. Sessões de treino de repetição 530 1.4. Sessões de treino de controlo (verificação) 531 1.5. Sessões de treino mistos 532

2. A forma da sessão de treino 532 2.1. Em grupo 532 2.2. Individualmente 533 2.3. Mistas 533 2.4. Livres 533

3. A duração da sessão de treino 534 4. A estrutura da sessão de treino 534

4.1. Parte de introdução da sessão de treino 535 4.2. Parte preparatória da sessão de treino 536 4.3. Parte principal da sessão de treino 536 4.4. Parte final da sessão de treino 537

5. A elaboração da sessão de treino 537

Capítulo 2 - A mesoestrutura do processo de treino 539 1. Constituição do microciclo 543 2. Duração do microciclo 543 3. Parâmetros metodológicos para a construção dos microciclos 543 4. Critérios para a construção dos microciclos 545 5. Classificação dos microciclos 546

5.1. Os microciclos graduais 546 5.2. Os microciclos de choque 547 5.3. Os microciclos de aproximação 547 5.4. Os microciclos de recuperação 547 5.5. Os microciclos de competição 547

6. A estrutura dos microciclos 548

Page 20: Metodologia Do Treino Desportivo

Índice • XIX

Capítulo 3 - A macroestrutura do processo de treino 549 1. Constituição do macrociclo 553 2. Duração do macrociclo 553 3. Estrutura do macrociclo 553 4. A macroestrutura do treino desportivo e a periodização 554

4.1. A forma desportiva 555 4.1.1. As fases da forma desportiva 555

4.1.1.1. A fase de aquisição 556 4.1.1.2. A fase de estabilização 556 4.1.1.3. A fase da perda temporária 556

4.2. Razões da periodização do treino desportivo 557 4.3. Duração da forma desportiva 558 4.4. As fases da forma desportiva e os períodos de treino 559

5. Classificação das macroestruturas de treino 560 5.1. Periodização simples 560 5.2. Periodização dupla 561 5.3. Periodização tripla 562

6. Diferentes modelos de periodização do treino 563 6.1. O modelo proposto por Matveiev 563 6.2. O modelo pendular 565 6.3. O modelo por "saltos" 566 6.4. O modelo por "blocos" 566 6.5. O modelo proposto por Tschiene 567 6.6. O modelo proposto por Bondartchouk 568

Parte VII - A periodização do treino desportivo 569

Capítulo 1 - O período preparatório 571 1. Objectivos do período preparatório 575 2. A duração do período preparatório 575 3. A divisão do período preparatório 576

3.1. A etapa de preparação geral 576 3.1.1. Dinâmica da carga de treino 577

3.2. A etapa de preparação específica 579 3.2.1. Dinâmica das cargas 580 3.2.2. A correlação entre a preparação geral e específica 581 3.2.3. As competições no período preparatório 581

Capítulo 2 - O Período Competitivo 583 1. Objectivos do período competitivo 587 2. A duração do período preparatório 588 3. A dinâmica das cargas de treino 588 4. As competições no período competitivo 589

4.1. As competições preparatórias 590 4.2. As competições principais 591

Capítulo 3 - O Período de Transição 593 1. Duração do período transitório 597

Page 21: Metodologia Do Treino Desportivo

XX • Metodologia do treino desportivo I !

2. Objectivos do período transitório 598 3. Variantes do período transitório 598

3.1. Transição passiva 599 3.2. Transição activa 599

4. Dinâmica da carga de treino 600

Parte VIII - O controlo do treino desportivo 601 1. Os limites do controlo do treino 605 2. Formas de controlo do treino 605

2.1. O controlo por etapa 606 2.2. O controlo corrente 607 2.3. O controlo operacional 607

Parte IX - O treinador desportivo 609 1. Estatuto e função do treinador desportivo 613 2. A autoridade do treinador desportivo 614 3. Diferentes estilos de liderança do treinador desportivo 614

3.1. Estilo na base da imposição da ordem e da disciplina 614 3.2. Estilo na base das relações afectivas 615 3.3. Estilo na base na participação 615 3.4. Os estilos de liderança e a especificidade da situação 616 3.5. A gestão de problemas/conflitos 619

4. Atributos caracteriais da personalidade do treinador 621 4.1. Ser um líder 621 4.2. Aptidão para criar um grupo ou equipa 622 4.3. Ter imaginação 623 4.4. Afastamento ou aproximação 623 4.5. Espírito combativo 624 4.6. Sentido de humor 624 4.7. Ser firme - mente forte 625 4.8. Serenidade e dignidade 626 4.9. Independência, decisão e coragem 626 4.10. Ter entusiasmo 627 4.11. Saber reagir face ao resultado 627

5. Competências do treinador desportivo 629 5.1. Competência técnico-desportiva 629

5.1.1. Técnico especializado 629 5.1.2. Saber comunicar 630

5.1.2.1. Credibilidade 630 5.1.2.2. Aproximação positiva 631 5.1.2.3. Comunicar com coerência 633

5.1.3. Saber ouvir 633 5.1.3.1. Aprender a ouvir 634 5.1.3.2. Ouvinte activo 635 5.1.3.3. A comunicação não verbal 635

5.2. Competência táctico-estratégica 636 5.2.1. Dimensão conceptual 637

5.2.1.1. Descrição e análise da situação 637 5.2.1.2. O responsável pela construção do modelo 638

Page 22: Metodologia Do Treino Desportivo

Índice • XXI

5.2.1.3. Elaboração de programas de acção 639 5.2.2. Dimensão estratégica 640

5.2.3.1. Recolha de dados e a elaboração de planos 640 A/ Recolha de dados 640 B/ Elaboração do programa de preparação para o ciclo de treino 640 C/ Elaboração do plano táctico-estratégico 640

5.2.3.2. Orientação e constituição da equipa 641 A/ A orientação geral do jogo colectivo 641 B/ Constituição da equipa 641 C/ Distribuição das missões tácticas 642

5.2.3.3. Reuniões com a equipa 642 A/ Reunião de reconhecimento do adversário 642 B/ Reuniões de preparação para a competição 643 C/ Reuniões de análise da competição 644

5.2.4. Dimensão táctica 644 5.2.4.1. Direcção durante a competição 645

A/ As substituições 645 B/ Os descontos de tempo 646

5.2.4.2. Direcção durante o intervalo da competição 646 5.2.4.3. Direcção logo após o terminus da competição 647

Page 23: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE I

CONCEITOS DO TREINO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo

Page 24: Metodologia Do Treino Desportivo

2 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Parte I

Nesta 1ª Parte incidiremos o nosso esforço de reflexão sobre um

conjunto de conceitos do treino desportivo por forma a objectivar dois

aspectos fundamentais: i) por um lado, contribuir para a sua

clarificação e, ii) por outro, estabelecer um código referencial por forma

que o leitor valorize homogénea e relevantemente os diferentes

significados nela implícitos.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Page 25: Metodologia Do Treino Desportivo

" Conceitos do treino desportivo • 3

Organigrama 2

Parte I

Conceitos do treino desportivo

Sumário

1. O treino e a treinabilidade

1.1. Preparação desportiva precoce

1.2. A especialização precoce

2. A carga e a cargabilidade

2.1. A natureza da carga

2.1.1. Cargas de treino ou de competição

2.1.2. Cargas específicas ou não específicas

2.1.3. Cargas em função da época desportiva

2.2. A grandeza da carga

2.2.1. Externo

2.2.2. Interno

2.3. A orientação da carga

2.3.1. Selectiva

2.3.2. Complexa

3. A adaptação e a capacidade de rendimento

3.1. Adaptação rápida

3.2. Adaptação a longo termo

4. A fadiga e a recuperação

4.1. Fadiga evidente

4.2 Fadiga latente

5. O estado de treino e o estado de preparação

Page 26: Metodologia Do Treino Desportivo

4 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) - Theory and methodology of training. York University,

Toronto

CARVALHO, A., (1985) Organização e condução do processo de treino I,

Revista horizonte, Vol.I, nº4, Nov/Dez 1984, pp 111-114, Vol I, nº5, Jan/Fev

MARQUES, A., (1991) A especialização precoce na preparação desportiva,

Revista treino desportivo, IIº série, nº19, Março

MATVEYEV, L., (1986), Fundamentos do Treino Desportivo, Livros

Horizonte, Lisboa

PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,

Ed. E.P.S., Paris

WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris

Sector de formação da DGD, O conceito do treino desportivo, Revista treino

desportivo, nº1, pp. 3-6

ZATSIORSKY, V., (1966) Les qualités physiques du sportif, Moscovo, Doc

INS nº685

Page 27: Metodologia Do Treino Desportivo

" Conceitos do treino desportivo • 5

A noção de "treino", é empregue nas mais variadas áreas, abrangendo um

processo que, através de exercícios, visa a atingir um nível mais elevado na

área do objectivo previsto.

O treino desportivo liga-se indissoluvelmente ao fenómeno desportivo e é

condição essencial ao cumprimento de uma das facetas definidoras deste

fenómeno: a superação. De facto, universalmente o treino desportivo tem como

um dos seus objectivos obter um rendimento desportivo máximo.

A preparação de um praticante ou de uma equipa para a competição desportiva

pretende conseguir que estes sejam capazes de resolver as situações que

enfrentam durante a competição, procurando obter a vitória através:

do domínio das acções técnicas e dos comportamentos tácticos de uma

determinada modalidade;

da adaptação do organismo aos esforços intensos solicitados pela

competição; e,

da habituação progressiva dos praticantes às exigências psico-emocionais

da competição.

O treino desportivo procura pois, estabelecer pelos seus efeitos, uma adaptação

do(s) praticante(s) às condições que lhe são impostas pela competição, de

modo assegurar:

• uma eficiência máxima;

• com um dispêndio mínimo de energia; e

• uma recuperação rápida.

Se bem que a problemática profunda do treino desportivo se vincule

prioritariamente à prática desportiva de alta e média competição não podemos

desligá-los da prática desportiva de carácter recreativo e de manutenção. Os

Page 28: Metodologia Do Treino Desportivo

6 • Metodologia do treino desportivo I !

princípios e os aspectos assinalados no conceito de treino desportivo mantêm-

se válidos só variando a sua latitude de aplicação e os limites dos seus

objectivos.

Seguidamente iremos desenvolver cinco conceitos fundamentais e

"tradicionais" do treino desportivo: o treino e a treinabilidade, a carga e a

cargabilidade, a adaptação e a capacidade de rendimento, a fadiga e a

recuperação, o estado de treino e o estado de preparação.

1. O treino e a treinabilidade

O treino é um processo pedagógico que visa desenvolver as capacidades

técnicas, tácticas, físicas e psicológicas do(s) praticante(s) e das equipas no

quadro específico das situações competitivas através da prática sistemática e

planificada do exercício, orientada por princípios e regras devidamente

fundamentadas no conhecimento científico. Aumenta os limites de adaptação

do indivíduo ou grupo de indivíduos com a finalidade de atingir com o máximo

de rendimento e sob um regime de economia de esforço e de resistência à

fadiga, um resultado pré-estabelecido de acordo com uma previsão anterior.

A treinabilidade exprime o grau de adaptabilidade e de modificação positiva do

estado informacional, funcional e afectivo do(s) praticante(s) como resultado

dos efeitos dos exercícios de treino. Trata-se de uma medida dinâmica que

depende de uma série de factores. Na infância ou na adolescência, as fases

chamadas "sensitivas" são muito importantes para a treinabilidade. Isto

significa a existência de períodos de desenvolvimento particularmente

favoráveis ao treino de determinados factores da "performance" motora

desportiva, isto é, a treinabilidade é particularmente elevada nesse período

(Hirtz, 1976, Winter, 1980). Todavia, a discussão em torno da exacta

ocorrência dessas fases não está ainda esgotada. O não aproveitamento dessas

fases "sensitivas" pode resultar em que factores de "performance", que a um

Page 29: Metodologia Do Treino Desportivo

" Conceitos do treino desportivo • 7

dado momento e com um estímulo conveniente acusariam taxas elevadas de

melhoria, já não podem ser atingidos a não ser mediante um esforço

desproporcional despendido no treino.

1.1. Preparação desportiva precoce

Uma questão que está intimamente ligada à treinabilidade é o problema da

especialização precoce do treino da criança e do jovem. Como é do

conhecimento comum, a preocupação generalizada de todas as modalidades

desportivas é de iniciarem o processo de formação e preparação dos seus

praticantes cada vez mais cedo, isto é, em idades jovens. Neste sentido,

entende-se a preparação desportiva como "um processo permanente que

começa cedo na vida da criança e acaba tarde numa fase avançada na vida

do indivíduo" (Marques, 1991). Com efeito, embora a preparação/formação

dos jovens comece cedo, é realizada através de cargas de treino de carácter

multilateral que não visam a obtenção de elevados níveis de rendimento

relativos, mas preocupam-se fundamentalmente com a formação global e

integrada dos jovens praticantes.

Page 30: Metodologia Do Treino Desportivo

8 • Metodologia do treino desportivo I !

Capacidade de

aprendizagem motora

Capacidade de diferenciação

e controlo

6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

Capacidade de reacção

óptica e auditiva

Capacidade de orientação

espacial

Capacidade de ritmo

Capacidade de equilíbrio

Resistência

Força

Velocidade

Flexibilidade

Capacidade afectivo-

-cognoscitiva

Capacidade de

aprendizagem

Co

mp

on

ente

s p

sico

mo

tora

sC

om

po

nen

tes

con

dic

ion

ais

Co

mp

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sico

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cog

no

scit

ivas

Idade

Figura 1. Modelo das fases sensíveis para cada componente da capacidade de

desempenho motor (Martin, 1982)

1.2. A especialização precoce

Por especialização precoce entende-se a potencialização dos jovens para se

atingir resultados desportivos e níveis de rendimento elevados de forma

precoce, isto é, rápida. Daqui se infere, que a preparação dos jovens

praticantes é orientada e potencializada de forma unilateral prematuramente,

forçado-os a cumprir regimes de treino com um elevado ritmo no

incremento das cargas, fundamentalmente na componente intensidade e na

especificidade de um número limitado de gestos técnicos.

Segundo Matveiev (1983), a formação multilateral tem reflexos a longo

prazo no rendimento e faz parte integrante do processo pedagógico unitário

de formação e educação no treino desportivo, mas pela sua orientação

multivariada não cria as condições para os êxitos imediatos numa dada

modalidade desportiva. Pelo contrário, a especialização precoce permite

Page 31: Metodologia Do Treino Desportivo

" Conceitos do treino desportivo • 9

uma rápida obtenção de resultados, mas limita a sua evolução posterior,

reduzindo o tempo de actividade desportiva a alto nível e em muitos casos

os praticantes nem chegam a essas fases porque esgotam prematuramente a

sua capacidade de prestação, abandonando por vezes a carreira desportiva

mais cedo.

Concluindo, todos os especialistas convergem para as seguintes

necessidades:

• respeitar na prática desportiva o princípio da universalidade, isto é, o

primado da preparação multilateral sobre a preparação especializada, nas

fases mais baixas do processo de preparação desportiva;

• adequar o treino à idade biológica dos praticantes;

• assegurar a preponderância do desenvolvimento das técnicas

desportivas sobre o aumento da capacidade funcional do organismo;

• privilegiar no desenvolvimento das capacidades motoras o princípio da

dominância das exigências no plano coordenativo, isto é, da prioridade

no desenvolvimento da velocidade, das capacidades coordenativas e da

mobilidade articular;

• assegurar um ritmo mais lento no incremento das cargas de treino, ou

seja observar o princípio da relação óptimal entre carga e recuperação, o

que passa por considerar também a necessidade de compatibilização de

cargas duplas escola/treino num ser em crescimento e desenvolvimento.

Com efeito, em paralelo com os processos de biosíntese necessários para

a recuperação das cargas de treino, isto é para a renovação tecidular,

ocorrem processos de biosíntese para o crescimento;

• respeitar o princípio da variação das condições de exercitação, da

realização de movimentos, da variação dos exercícios;

• recorrer a métodos de treino mais atraentes e agradáveis, ou seja, a

uma maior valorização do jogo como método de treino mais efectivo para

a criança.

Page 32: Metodologia Do Treino Desportivo

10 • Metodologia do treino desportivo I !

2. A carga e a cargabilidade

A carga é o elemento central do sistema de treino, compreende no sentido lato

o processo de confronto do praticante com as exigências que lhe são

apresentadas durante o treino, com o objectivo de optimizar o rendimento

desportivo. A carga é definida por três vertentes fundamentais: natureza,

grandeza e orientação.

2.1. A natureza da carga

A natureza da carga pode ser denominada da cargas de treino ou de

competição, cargas específicas e não específicas e cargas em função da

época desportiva.

2.1.1. Cargas de treino ou de competição

A reconstituição de um clima competitivo durante as sessões de treino

assegura uma maior mobilização informacional, energética e afectiva dos

praticantes, permitindo, assim, integrar numa estrutura única o conjunto

de capacidades e de qualidades fundamentais predominantes à

consecução dos objectivos da modalidade desportiva em análise.

2.1.2. Cargas específicas ou não específicas

A especificidade da carga é definida pela analogia dos exercícios que a

constituem e a actividade competitiva da modalidade desportiva. Se a

analogia é elevada o efeito de transfer no binómio treino/competição

também o é, aumentando-se assim, o rendimento desportivo dos

praticantes ou das equipas. Neste sentido, embora as cargas específicas,

não possam substituir completamente os exercícios de competição,

devem reproduzi-los total ou parcialmente de forma mais fiel possível.

2.1.3. Cargas em função da época desportiva

Page 33: Metodologia Do Treino Desportivo

" Conceitos do treino desportivo • 11

As cargas podem ser igualmente denominadas em função do período de

planeamento anual de treino na qual esta se insere (preparação geral ou

especial, de competição, de transição).

2.2. A natureza da carga

A grandeza da carga é determinada pela importância das solicitações (fraca,

média, elevada, ou máxima) exigidas aos praticantes, sendo avaliada sob

dois tipos de índices: externos e internos.

2.2.1. Externas

Traduz as tarefas que o(s) praticante(s) deverá(m) cumprir sendo

determinado pelo exercício ou exercícios efectuados (volume) na unidade

de tempo (intensidade).

2.2.2. Internos

Corresponde à repercussão ao nível dos diferentes recursos do praticante

(informacional, energética e afectiva, sendo altamente individualizada),

que a aplicação da carga externa provoca.

Os índices externos e internos da carga são interdependentes, pois, o

aumento do volume ou da intensidade determina de imediato o aumento

das solicitações dos sistemas funcionais. Importa igualmente referir que o

estado de treino ou de preparação do(s) praticante(s) influem de forma

decisiva sobre a reacção interna de uma determinada carga. Neste

contexto, "a mesma carga externa utilizada por diferentes praticantes

provoca neles diferentes níveis de adaptação, uma vez que esta depende

da capacidade momentânea de rendimento de cada um deles. Assim,

para aqueles que estão num estado de treino avançado, essa carga pode

ser demasiado baixa e não atingir o limiar de adaptação, logo não

Page 34: Metodologia Do Treino Desportivo

12 • Metodologia do treino desportivo I !

reproduzir qualquer efeito, enquanto para um principiante poderá ser

demasiado elevada, se for continuamente repetida poderá mesmo

originar uma situação de supertreino" (Carvalho, 1984)

Do mesmo modo a aplicação de cargas limite suscitam diferentes

reacções em praticantes com diferentes níveis de preparação. Com efeito,

os praticantes melhor preparados apresentam reacções mais intensas

perante a carga e uma recuperação mais rápida.

2.3. A orientação da carga

A orientação da carga é definida pela qualidade ou capacidade que é

potencializada (no plano, físico, técnico, táctico, ou psicológico) e pela fonte

energética predominantemente solicitada (processos aeróbios, ou anaeróbios).

Esta orientação pode ser classificada em: selectiva e complexa.

2.3.1. Selectiva

A carga é selectiva quando privilegia uma determinada capacidade e

concomitantemente uma determinada fonte energética.

2.3.2. Complexa

A carga é complexa quando se solicita diferentes capacidades e

diferentes fontes energéticas.

Page 35: Metodologia Do Treino Desportivo

" Conceitos do treino desportivo • 13

carga Recuperação

Rea

cção

Praticantes pouco treinados

Praticantes de nível médio

Praticantes de nível superior

carga limite Recuperação

Rea

cção

Praticantes de nível médio

Praticantes de nível superior

Figura 2. A reacção e a recuperação dos praticantes de diferentes níveis de rendimento

perante uma carga semelhante e perante uma carga limite

Cargabilidade ou capacidade de suportar a carga de treino, é o nível óptimo das

componentes estruturais (fisiológicas: volume e da intensidade, etc.,

técnico-tácticos: espaço, tempo, etc.), com o que se pode realizar um ou vários

exercícios sem que dai advenham malefícios (lesões) para o(s) praticante(s).

Basicamente podemos definir dois tipos de carga: limite e máxima.

a carga limite: é a carga que se encontra no limite das capacidades

funcionais do organismo dos praticantes. Nunca deve servir de ponto de

referência de forma a traduzir as possibilidades de adaptação dos praticantes

ao treino, pois a sua utilização diminuirá não só essas possibilidades como

originará um estado de supertreino com todas as implicações que daí

advêm; e,

a carga máxima: a medida quantitativa concreta desta carga depende

naturalmente do nível de treino prévio do praticante, das suas características

individuais e dos aspectos específicos da modalidade desportiva em causa.

É a carga que permite alcançar o mais alto nível de treino, exigindo do

organismo do praticante um estado fisiológico pleno. À medida que o efeito

do treino se faz sentir e se elevem as possibilidades funcionais e de

adaptação, aumenta na mesma proporção os valores máximos da carga.

3. A adaptação e a capacidade de rendimento

Page 36: Metodologia Do Treino Desportivo

14 • Metodologia do treino desportivo I !

A adaptação é a reacção natural do organismo quando as cargas de treino são

aplicados regular, metódica e sistematicamente criando um novo estado de

equilíbrio qualitativamente superior através das progressivas modificações

neurológicas, biológicas, fisiológicas e psicológicas. A dinâmica da adaptação

é consubstanciado pela dinâmica da carga. Neste sentido, o ser humano para

além da capacidade de reagir a estímulos, quando estes possuem uma certa

intensidade e quando são aplicados regularmente, tem também a capacidade de

se adaptar, criando as condições mais favoráveis ao aumento do rendimento

desportivo dos praticantes e das equipas. Podemos distinguir dois tipos de

adaptação (Platonov, 1988): rápida e a longo termo.

3.1. A adaptação rápida

A adaptação rápida traduzida pela reacção do organismo a um exercício de

intensidade máxima. Os sistemas funcionais atingem, neste contexto, uma

actividade elevada desde o seu início até ao seu terminus. Observa-se três

fases fundamentais na reacção do organismo a este tipo de carga:

• a primeira é caracterizada pela activação dos sistemas funcionais

solicitados que se traduz por um aumento brusco da frequência cardíaca,

do débito ventilatório, do consumo de oxigénio, da concentração de

lactato, etc.;

• a segunda é caracterizada por se atingir um estado estável. A

actividade dos diferentes sistemas funcionais mantêm-se a um nível

constante; e,

• a terceira é caracterizada pela diminuição progressiva do equilíbrio

entre as necessidades ligadas à actividade e a capacidade do organismo

em satisfazê-las.

3.2. A adaptação a longo termo

Page 37: Metodologia Do Treino Desportivo

" Conceitos do treino desportivo • 15

A adaptação a longo termo; faz intervir mecanismos totalmente diferentes

da adaptação rápida. Com efeito, a aplicação de uma carga superior ao nível

habitual, mas com uma intensidade submáxima opera uma adaptação em

quatro fases:

• a primeira é constituída pela utilização repetitiva de cargas de forma a

solicitar os mecanismos de adaptação rápida;

• durante a segunda fase a repetição planificada das cargas e o seu

aumento progressivo, determinam a adaptação dos orgãos e dos sistemas

nas suas novas condições de funcionamento;

• a terceira fase é de estabilização, implicando uma correcta

coordenação entre os orgãos de execução e os sistemas funcionais de

base. Esta coordenação assegura o aumento das reservas funcionais; e,

• a quarta fase produz-se logo que a terceira se torna demasiado intensa,

ou conduzida de forma pouco racional, não respeitando os intervalos

necessárias para recuperação.

A diferença entre a adaptação rápida e a adaptação a longo termo é

consubstanciada fundamentalmente pela rápida normalização dos diferentes

índices fisiológicos (por exemplo: uma corrida de 400 metros), enquanto que a

segunda poderá levar alguns dias para que estes se normalizem (por exemplo

uma prova de maratona).

A capacidade de rendimento é o grau de expressão de um determinado

rendimento desportivo individual ou colectivo. Representa o resultado real.

4. A fadiga e a recuperação

Page 38: Metodologia Do Treino Desportivo

16 • Metodologia do treino desportivo I !

A fadiga é considerada um importante factor de mobilização dos recursos

funcionais e, neste sentido, um potente factor de adaptação.

Complementarmente, a fadiga intervem na limitação do volume de treino e na

frequência na prestação desportiva. Podemos distinguir (Platonov, 1988) a:

fadiga evidente e a fadiga latente.

4.1. A fadiga evidente

A fadiga evidente manifesta-se pela redução da capacidade de trabalho e a

incapacidade de suportar o regime de treino num determinado nível.

4.2. A fadiga latente

A fadiga latente corresponde à capacidade de manter a capacidade de

trabalho, fazendo continuamente apelo a diferentes recursos funcionais e a

mecanismos de compensação. Verifica-se ainda, neste contexto, o aumento

da despesa energética.

A recuperação

Após a aplicação de uma carga de treino, a capacidade de trabalho do

organismo vai evoluir de uma forma sistemática na qual podemos distinguir

quatro etapas: diminuição das capacidades, restauração das capacidades,

supercompensação e estabilização num nível próximo do inicial. Com efeito,

após o trabalho, subrevem um período durante o qual as possibilidades de

adaptação do sistema funcional é reforçado. Logo, o treino tem por objectivo

tirar partido dessa elevação de possibilidades de adaptação para as solicitar

cada vez mais.

Podemos distinguir duas fases na reacção dos sistemas funcionais a uma carga

de treino:

Page 39: Metodologia Do Treino Desportivo

" Conceitos do treino desportivo • 17

uma fase de retorno à homeostase que demora entre alguns minutos e

umas horas;

uma fase construtiva, no decurso do qual se organizam as modificações

funcionais e estruturais ao nível dos tecidos ou sistema funcionais

solicitados.

Segundo Bompa (1990) 70% da recuperação verifica-se no primeiro terço do

tempo necessário para essa recuperação, 20% no segundo terço e os restantes

10% no terceiro terço.

100%

0%

1/3

70%

2/3

20%

3/3

10%

Nív

el d

e fa

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a

Tempo de recuperação

Figura 3. A dinâmica da curva de recuperação (Bompa, 1990)

5. O estado de treino e o estado de preparação

O estado de treino reflecte a adaptação biológica geral do organismo.

Distingue-se habitualmente:

o treino geral que resulta de exercícios que melhoram a saúde e

aumentam as possibilidades funcionais gerais;

o treino específico que resulta do aperfeiçoamento no domínio

especializado da actividade.

O estado de preparação exprime a capacidade do organismo de manifestar as

suas possibilidades máximas durante o decurso da competição. Este estado

condiciona a forma desportiva.

Page 40: Metodologia Do Treino Desportivo

18 • Metodologia do treino desportivo I !

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Page 41: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE II

FACTORES DO RENDIMENTO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo

Page 42: Metodologia Do Treino Desportivo

18 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Parte II

A segunda parte deste livro reflecte a análise dos factores fundamentais

do rendimento desportivo. Embora se observe uma multiplicidade e

variabilidade de componentes, incidiremos a nossa reflexão sobretudo

na eficácia do sistema de treino considerando-o como vertente central

do rendimento dos atletas/praticantes. Dentro deste sistema

evocaremos a importância do exercício no contexto do treino

desportivo bem como as suas relações metodológicas.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 3

Page 43: Metodologia Do Treino Desportivo

" Factores do rendimento desportivo • 19

Parte II

Factores do rendimento desportivo

Sumário

1. Os factores do rendimento desportivo (Matvéiev) 1.1. As capacidades individuais e o seu grau de preparação 1.2. A amplitude do movimento desportivo e as condições sociais 1.3. A eficiência do sistema de treino

2. O modelo teórico de Claude Bouchard 2.1. O sub-grupo das determinantes invariáveis da performance

2.1.1. Contributo da hereditariedade nas estruturas morfológicas 2.1.2. Contributo da hereditariedade nas estruturas orgânicas 2.1.3. Contributo da hereditariedade nas estruturas perceptivas 2.1.4. Contributo da hereditariedade no plano das características psicológicas

2.2. O subgrupo das determinantes variáveis da performance 2.2.1. A eficácia técnica 2.2.2. A influência da inteligência táctico-estratégica 2.2.3. A condição física geral 2.2.4. A condição física específica 2.2.5. Nível de preparação psicológica 2.2.6. A influência do meio social 2.2.7. Conjunto de factores complementares 2.2.8. O repouso, a relaxação, a recreação e os tempos livres

2.3. O subgrupo dos factores da organização e do controlo associado à performance

2.3.1. O sistema organizativo que programa e controla o treino 2.3.2. O dossier de treino e o dossier do atleta 2.3.3. O exame médico geral preventivo ou correlativo do praticante 2.3.4. Avaliação das condicionantes variáveis gerais 2.3.5. Avaliação das condicionantes variáveis específicas 2.3.6. A acção do pessoal técnico e dos especialistas

Page 44: Metodologia Do Treino Desportivo

20 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOUCHARD, C. (1973) "La preparation d´un champion" Un essai sur la

préparation à la performance sportive. Pélican. Québec.

MATVÉIEV, L. (1986) Fundamentos do treino desportivo. Livros Horizonte,

Lisboa

PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,

Ed. E.P.S., Paris

ULATOWSKI, T. La theorie de l´entrainement sportif. Comité Internacional

Olympique, 1975

WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris

Page 45: Metodologia Do Treino Desportivo

" Factores do rendimento desportivo • 21

Numa análise substancial e profunda do rendimento desportivo a qualquer

nível, quer individual (desportos individuais) como colectivo (desportos

colectivos) em competição, observa-se uma multiplicidade e uma variabilidade

de componentes, uns de origem endógena (respeitantes aos praticantes) e,

outros, de origem exógena (respeitantes ao contexto em que a competição se

desenvolve) que intervêm directa ou indirectamente nos resultados obtidos.

1. Os factores do rendimento desportivo (Matvéiev)

Segundo Matvéiev (1977), podemos agrupar a dinâmica do rendimento

desportivo na base de três vertentes fundamentais: i) as capacidades individuais

e o seu grau de preparação, ii) a amplitude do movimento desportivo e as

condições sociais e, iii) a eficiência do sistema de treino.

1.1. As capacidades individuais e o seu grau de preparação

Numa primeira análise, todo o indivíduo é portador de um potencial

genético cuja importância é decisiva na obtenção de elevados rendimentos

desportivos. Este factor de base é relativamente constante. Todavia, embora

não menosprezando a importância deste factor no contexto do rendimento

desportivo, a sua expressão depende das experiências vividas, que são

determinadas por uma actividade (treino/competição) racionalmente

conduzida. Durante o qual o praticante domina os comportamentos técnicos

e tácticos de base da lógica interna da modalidade escolhida, aperfeiçoando-

as e, desenvolve as suas capacidades naturais criando as aptidões

necessárias para o seu progresso desportivo que consubstancia o grau de

preparação do(s) praticante(s). Nestas circunstâncias, o treino/competição

aparece como um factor dinâmico o qual modifica constantemente a

capacidade de rendimento do(s) praticante(s), em função do empenhamento

Page 46: Metodologia Do Treino Desportivo

22 • Metodologia do treino desportivo I !

deste(s) à modalidade que escolheram e à qualidade científico-metodológica

deste processo.

Com efeito, entre os factores do rendimento desportivo, não é difícil

distinguir por um lado, factores internos estabelecidos pelas possibilidades

genéticas do(s) praticante(s) e o seu estado de preparação e, por outro, os

factores externos que se ligam indissoluvelmente aos meios e métodos de

treino que asseguram a sua preparação. Logo, na actualidade, nem os mais

dotados no plano genético podem atingir elevados níveis de rendimento se

não criarem as condições mais favoráveis para a sua obtenção, que é

consubstanciado pelo treino persistente num grande esforço de

auto-aperfeiçoamento, nas diferentes fases da formação competitiva.

1.2. A amplitude do movimento desportivo e as condições sociais

"Como fenómeno social o desporto está organicamente contido no sistema

de relações sociais e o seu desenvolvimento é condicionado pelos factores

sociais, económicos e correlativos. É por esse motivo que o nível de

resultados desportivos obtidos num ou noutro país depende, em última

análise, das condições de vida da sociedade e da sua organização social,

que determinam o desenvolvimento do movimento desportivo" (Matvéiev,

1977).

No entanto, refere o mesmo autor (1977), "o efeito deste factor, mediante

um certo número de relações e condições indirectas, não garante

automaticamente, a melhoria do rendimento desportivo dos praticante(s),

havendo a necessidade de canalizar de forma correcta as possibilidades

existentes"

1.3. A eficácia do sistema de treino

Page 47: Metodologia Do Treino Desportivo

" Factores do rendimento desportivo • 23

"À medida que se aperfeiçoa o sistema de treino desportivo, especialmente

as suas bases científicas e metodológicas, o seu conteúdo, a sua orgânica,

as disponibilidades materiais e técnicas aumentaram o seu efeito no nível

geral dos resultados desportivos" (Matvéiev, 1977). Isto só foi possível

devido à diversificação de estudos que estabeleceram um conhecimento

profundo sobre o conteúdo (lógica interna) das diferentes modalidades

desportivas, bem como, os processo inerentes à aprendizagem,

aperfeiçoamento e desenvolvimento dos diferente(s) praticante(s), numa

simbiose cada vez mais adaptada às necessidades e evoluções da actividade

competitiva.

Neste sentido, é sintomático que as marcas dos Jogos Olímpicos da era

moderna, que nos seus tempos pareceram extraordinárias, estejam hoje em

dia ao alcance de muitos milhares de praticantes de nível mediano. Este

facto explica-se especialmente, pela elaboração de métodos de treino e de

meios de execução dos exercícios novos e cientificamente fundamentados.

2. O modelo teórico de Claude Bouchard

Claude Bouchard (1973) no seu livro "A preparação de um campeão"

apresenta um conjunto de determinantes, tão gerais e universais quanto

possível da performance desportiva superior. O presente modelo teórico da

performance desportiva (P) apoia-se essencialmente em três subgrupos:

H - o subgrupo das determinantes invariáveis da performance;

D - o subgrupo das determinantes variáveis da performance; e,

C - o subgrupo dos factores da organização e do controlo associado à

performance.

Da observação da figura 4 facilmente podemos constatar os seguintes aspectos:

• o subgrupo H (determinantes invariáveis da performance) é perfeitamente

constante e invariável exercendo uma influência directa sobre a

Page 48: Metodologia Do Treino Desportivo

24 • Metodologia do treino desportivo I !

performance não podendo ser ignorada quando se pretende explicar uma

alta, uma fraca ou simplesmente uma performance desportiva;

• O subgrupo D (determinantes variáveis da performance) exerce

igualmente influência sobre a performance desportiva. Todavia, este

subgrupo é dinâmico e composto por factores flexíveis, isto é, podem ser

objecto de um tratamento ou de uma manipulação; e finalmente,

• O subgrupo C (factores de organização e do controlo da performance) tal

como o subgrupo anterior sendo dinâmico exige a presença de informações

para se adequarem ao valor visado ou efectivo da performance do

praticante. Este subgrupo tem uma dupla influência sobre a performance

desportiva, uma directa, que provém dos seus próprios elementos de

organização e controlo e, uma indirecta, devido ao seu efeito retroactivo

sobre o subgrupo D. Esta influência sobre o subgrupo D reveste-se da mais

alta importância no quadro da preparação sistemática para uma performance

de alto nível.

Por fim, importa salientar que a performance (P) exerce igualmente uma

influência sob o subgrupo C exigindo que este tenha em conta as modificações

positivas ou negativas das performances e as suas flutuações aleatórias ou

previsíveis com o intuito de activar os mecanismo de controlo requeridos

permitindo desta forma despoletar os mecanismos subjacentes.

Performance

(P)

Determinantes

invariáveis da

performance

(H)

Determinantes

variáveis da

performance

(D)

Determinantes da

organização e do

controlo associado

à performance (C)

Figura 4. Modelo teórico das determinantes da performance desportiva

(adaptado de Bouchard, 1973)

2.1. Análise do subgrupo das determinantes invariáveis (H)

Page 49: Metodologia Do Treino Desportivo

" Factores do rendimento desportivo • 25

O conjunto de factores que parecem desempenhar um papel importante

neste subgrupo de determinantes invariáveis da performance desportiva são

os seguintes:

H Hm, Ho, Hp, Hps ...

2.1.1. Contributo da hereditariedade no seio dos factores do subgrupo das

estruturas morfológicas do praticante (Hm)

O reconhecimento do Hm sobre o P implica que um certo tipo de

praticante é nitidamente favorecido pela hereditariedade no que respeita

ao seu tipo físico, à altura, comprimento dos seus segmentos, etc. Eis um

conjunto de factores que permitem a um praticante estar em vantagem ou

desvantagem, na obtenção da performance visada.

2.1.2. Contributo da hereditariedade nas estruturas orgânicas e da capacidade

funcional do praticante (Ho)

Admitindo que Ho representa uma fonte significativa da variância da

performance, aceita-se o facto que certas pessoas estão favorecidas em

relação a outras, no plano da sua estrutura orgânica e na capacidade de

efectuar trabalho ou esforço físico. Esta constatação implica que, os

indivíduos estarão nitidamente favorecidos face a uma performance que

se apoia de forma apreciável sobre o rendimento das estruturas orgânicas

e, mais concretamente sobre o sistema de transporte do oxigénio. Uma tal

vantagem poderia, teoricamente, persistir para além da influência dos

programas de treino.

2.1.3. Contributo dos factores hereditários no subgrupo das estruturas perceptíveis

do praticante (Hp)

Page 50: Metodologia Do Treino Desportivo

26 • Metodologia do treino desportivo I !

A existência de uma contribuição do Hp na realização de uma

performance pertinente, implica que alguns praticantes serão favorecidos

pelo código genético, independentemente dos programas de treino

seguidos, ao nível da eficácia perceptiva e motora que poderão atingir.

2.1.4. Contributo dos factores hereditários no plano das características psicológicas

e sociais da personalidade do praticante (Hps)

Eis o sector onde o contributo da hereditariedade é provavelmente muito

reduzido. Parece no entanto, que todos os praticantes não são iguais em

relação à características psicológicas e sociais do seu comportamento, e

do seu estado, durante a selecção desportiva e, face aos máximos que são

capazes de atingir, nas suas performances motoras.

2.2. O subgrupo das determinantes variáveis da performance (D)

As determinantes variáveis dizem respeito às que, de entre os factores que

influenciam a performance desportiva, podem ser modificadas ou

manipuladas no quadro de uma estratégia de treino. Constitui-se pois, em

factores que exercem uma influência sobre a performance, muito embora

não se apresentem sempre da mesma forma, nem intervenham sempre com a

mesma intensidade. Embora o número destas variáveis seja elevado,

podemos analisá-las de forma sistemática reagrupando-as em oito diferentes

factores:

D Et, Is, Dpg, Dps, Ppd, Vs, Fc, R...

2.2.1. Eficácia técnica do praticante no seio da actividade desportiva em causa (Et)

O rendimento em determinado acto motor é influenciado pelos diferentes

aspectos da eficácia técnica. Várias destas componentes da eficácia

técnica podem ser significativamente influenciadas através de programas

apropriados. Em relação ao que foi referido, convém acrescentar que a

eficácia técnica, é consequentemente uma determinante variável,

Page 51: Metodologia Do Treino Desportivo

" Factores do rendimento desportivo • 27

susceptível de ser objecto de uma atenção particular no quadro do

programa de treino. 2.2.2. A influência da inteligência táctico-estratégica do praticante na actividade

desportiva em causa (Is)

É certo que os praticantes diferem entre eles, quanto à sua compreensão

da situação de jogo, ou da situação de performance. A inteligência

táctico-estratégica, pode contudo ser objecto de uma atenção especial e,

melhorar significativamente objectivando a realização de uma melhor

performance.

2.2.3. A condição física geral do praticante (Dpg)

A condição física geral exerce uma comprovada influência sobre o

rendimento na actividade desportiva. a condição física geral do praticante

deve apoiar-se principalmente, num eficiente sistema de transporte de

oxigénio, num bom desenvolvimento muscular e numa fraca

percentagem de adiposidade no peso corporal. Todos estes factores

podem ser objecto de uma atenção particular no quadro de um programa

apropriado de treino e, desta forma se elevar o nível de preparação física

face à prestação desportiva. 2.2.4. A condição física específica do praticante face a uma dada performance

desportiva (Dps)

Para além de uma boa condição física geral, o praticante deve contar com

uma preparação física específica totalmente orientada para a modalidade.

Neste quadro, o praticante deve atingir um rendimento máximo no plano

das qualidades físicas mais solicitadas pela própria modalidade

desportiva, aproximando-se desta forma do potencial das suas qualidades

físicas específicas, às quais fará apelo durante a situação competitiva. A

condição física específica deverá variar consoante as modalidades

desportivas e consoante os perfis de exigência dentro de cada

especialidade dentro da modalidade desportivas (por exemplo: maratona

Page 52: Metodologia Do Treino Desportivo

28 • Metodologia do treino desportivo I !

e salto em comprimento no atletismo ou o defesa e o avançado no

futebol). 2.2.5. Nível de preparação psicológica do praticante face à performance desportiva

a realizar (Ppd)

Um praticante bem preparado física, técnica e tacticamente poderá não

estar necessariamente apto no plano mental a fornecer uma performance

máxima. A preparação psicológica do praticante, influência

consequentemente o resultado final da performance desportiva. Importa

pois, tomar atenção à preparação psicológica e desenvolvê-la tanto a

curto como a longo prazo, tendo por objectivo a criação de condições

mais favoráveis para a obtenção de uma performance elevada. 2.2.6. A influência do meio social do praticante sobre o seu treino e sobre a sua

performance

Como todo o ser humano, o praticante não se encontra isento das

influências do seu meio familiar, do seu meio profissional, etc. Estas

diversas influências podem reflectir-se de forma subtil ou irredutível.

Existem praticantes para os quais tais influências representam um

estímulo positivo embora para muitos outros, em boa verdade, tais

influências, signifiquem o fim dos seus objectivos. É possível, recorrendo

a uma sólida organização, ter em atenção o meio social do praticante, e

tentar exercer uma influência positiva sobre este. Os seus efeitos sobre a

performance, são suficientemente importantes para que os encaremos

com seriedade.

2.2.7. Conjunto de factores complementares que agem directamente sobre a

performance: alimentação, equipamentos, etc.

Esses factores complementares exercem sempre qualquer influência

sobre a performance. Torna-se então, bastante importante, tomar

preocupações, afim que esses numerosos factores, podem ser controlados

Page 53: Metodologia Do Treino Desportivo

" Factores do rendimento desportivo • 29

de forma adequada, sendo responsáveis pela preparação e realização da

performance de um determinado praticante.

2.2.8. A influência do repouso, da relaxação, da recreação e dos tempos livres,

sobre a disponibilidade do praticante face à realização de uma performance (R)

À muito tempo que está demonstrado que R pode exercer uma influência

determinante sobre a receptividade do praticante para um programa de

treino intensivo e, sobre a sua disponibilidade ao longo de um período

intensivo de competições. Torna-se assim importante que este factor

receba uma atenção suficiente no conjunto de factores de preparação do

praticante para a performance desportiva.

2.3. O subgrupo das determinantes da organização e controlo (C)

Este subgrupo é provavelmente o menos compreendido e o que incute

algum receio por parte dos diferentes treinadores. Por este facto é muitas

vezes subestimado na sua importância relativamente à preparação do

praticante, todavia, estamos perante uma ferramenta fundamental e

indispensável dos programas de treino. O conjunto de factores que parecem

desempenhar um papel importante na organização da preparação para a

performance desportiva e, na supervisão do praticante na situação de treino

são os seguintes:

C Cr, Ce, Emg, Adg, Ads, Ss...

2.3.1. O sistema organizativo que programa e controla o treino (Cr)

Um programa de treino deverá dirigir o processo de desenvolvimento do

praticante. Deve ser estabelecido a partir de um delineamento rigoroso,

deixando a possibilidade de ajustamentos tendo em conta as informações

que chegam das performances atingidas. A ausência de um programa de

desenvolvimento ou a inexistência de uma progressão criteriosa parece-

nos constituir um risco adicional, que reduz substancialmente as

Page 54: Metodologia Do Treino Desportivo

30 • Metodologia do treino desportivo I !

hipóteses de atingir os objectivos predeterminados. Não existe nenhuma

organização desportiva ou não desportiva que possa permitir-se a tal

omissão. 2.3.2. O dossier de treino e o dossier do atleta (Cc)

Eis dois agentes importantes na supervisão do praticante, das situações

de treino e da organização de um programa de preparação para a

performance desportiva. 2.3.3. O exame médico geral preventivo do praticante (Emg)

O controlo médico do praticante é essencial e deve ser objecto de uma

atenção permanente. A sua ausência num sistema de controlo e

supervisão implica o risco de compreender as hipóteses de realização de

uma performance elevada. Essa verificação do estado de saúde do

praticante deve ser feita periodicamente e estar prevista no quadro do

sistema geral de controlo. 2.3.4. Avaliação das determinantes variáveis gerais da performance desportiva

(Adg)

A avaliação periódica do estado das determinantes variáveis gerais da

performance desportiva, é susceptível de fornecer inúmeros dados

importantes para o treinador. Essa informação poderá ser uniformizada e

modificada por forma a ser acessível a todos os praticantes. 2.3.5. Avaliação das determinantes específicas associadas a uma performance

desportiva (Ads)

Um correcto sistema de controlo deve também prescrever avaliações

periódicas das determinantes específicas da modalidade desportiva em

questão. Não obstante as dificuldades que existem na avaliação dessas

determinantes, torna-se imperioso realizar um esforço visando a obtenção

de tais informações. 2.3.6. A acção do pessoal técnico e dos especialistas na organização e controlo do

praticante em situação de treino

Page 55: Metodologia Do Treino Desportivo

" Factores do rendimento desportivo • 31

A complexidade dos problemas levantados pelo funcionamento dos

mecanismos inerentes a este subgrupo de organização e controlo, exige a

participação de especialistas em ciências e organização desportiva.

Torna-se assim importante abordar a estratégia do treino no quadro de

uma equipa, reservando ao treinador o papel de chefe da equipa, sem o

que, seria completamente impossível a exploração de todo um conjunto

de recursos necessários à obtenção de um rendimento máximo. Neste

contexto, a presença ou ausência de uma equipa integrada e

suficientemente experiente, representa um factor que influência o

rendimento do sistema organizativo e de controlo aumentando ou

diminuindo, consequentemente, as hipóteses de atingir uma performance

desportiva de alto nível.

ww

Page 56: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE III

O EXERCÍCIO DE TREINO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo

Page 57: Metodologia Do Treino Desportivo

Parte III O exercício de treino desportivo

Sumário

Capítulo 1 Os fundamentos do exercício de treino Capítulo 2 Bases conceptuais para a construção do exercício de treino Capítulo 3 Bases de aplicação do exercício de treino Capítulo 4 Bases de eficiência do exercício de treino

Page 58: Metodologia Do Treino Desportivo

Metodologia do treino 33

PARTE III

O EXERCÍCIO DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 1

Os fundamentos do exercício de treino

Resp: Jorge Castelo

Page 59: Metodologia Do Treino Desportivo

34 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 1 da Parte III

O presente Capítulo pretende sistematizar e analisar os fundamentos do exercício de treino considerado como a célula base do treino desportivo. Neste contexto, incidiremos o nosso estudo sob sete questões nucleares: definição, características (do ponto de vista da identidade e da especificidade), natureza (que engloba os recursos informacionais, energéticos e afectivos), estrutura (objectivos, conteúdo, forma e nível de performance), componentes (no plano fisiológico e técnico-táctico), classificação (do ponto de vista da predominância do conteúdo e do grau de identidade), e das tendências actuais e futuras do exercício.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 4

Parte III

Page 60: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 35

O exercício de treino desportivo

Sumário

Capítulo 1 - Os fundamentos do exercício de treino 1. O processo de treino como vertente fundamental do rendimento

1.1. O exercício como elemento determinante do processo de treino 1.2. A relação metodológica entre treino e exercício

2. Definição de exercício de treino 3. Caracterização do exercício de treino

3.1. Especificidade 3.2. Identidade

4. A natureza do exercício de treino 4.1. O recurso informacional

4.2. O recurso energético 4.3. O recurso afectivo

5. A estrutura do exercício de treino 5.1. O objectivo 5.2. O conteúdo

5.3. A Forma 5.4. O nível de performance

6. As componentes estruturais do exercício de treino 6.1. No plano fisiológico

6.1.1. A duração 6.1.2. O volume 6.1.3. A Intensidade 6.1.4. A Densidade 6.1.5. A Frequência

6.2. No plano técnico-táctico 6.2.1. O número 6.2.2. O espaço 6.2.3. O tempo 6.2.4. A Complexidade

7. A classificação dos exercícios de treino 7.1. O factor de treino predominante no conteúdo do exercício 7.2. Em função do grau de identidade do exercício

8. Orientações e tendências dos exercícios de treino 8.1. Aumento do volume de treino utilizando exercícios de carácter geral e especial 8.2. Maior utilização dos exercícios de treino de carácter específico 8.3. Adequação dos exercícios de treino à realidade competitiva. Indivisibilidade dos factores de treino 8.4. Estabelecimento das bases científicas dos exercícios de treino

Bibliografia:

Page 61: Metodologia Do Treino Desportivo

36 • Metodologia do treino desportivo I !

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Page 62: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 37

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1. O processo de treino como vertente fundamental do rendimento desportivo

Centrando unicamente a nossa reflexão sobre a eficácia do sistema de treino,

podemos afirmar, que o rendimento desportivo é determinado por um estado

dinâmico complexo que se caracteriza por um elevado nível de eficiência física

e psicológica, e pelo grau de aperfeiçoamento das aptidões técnicas, tácticas e

conhecimentos teóricos da modalidade.

Ora, a dimensão "resultado", em qualquer circunstância tomada como ponto de

análise e independentemente dos outros factores que o influenciam, é

consubstanciada na base de um denominador comum - o exercício de treino,

sendo neste contexto, o meio (leia-se ferramenta) fundamental do

professor/treinador de poder definir, orientar e modificar o processo de

formação e desenvolvimento, ou seja, de transformação do(s) praticante(s),

sem o qual não é possível que estes respondam de forma adequada e eficaz às

exigências que a competição em si encerra.

1.1. O exercício como elemento determinante do processo de treino

É nesta linha de raciocínio que inúmeros autores, ligados aos desportos

individuais e colectivos, tais como Ulatowski (1975), Weineck (1986),

Bompa (1990), Teodorescu (1984, 1987), Matveiv (1977), Palfai (1982),

entre outros, se posicionam perante o problema, sendo-lhes inequívoco que

o exercício de treino é o meio prioritário e operacional de preparação dos

praticantes e das equipas, consubstanciando as adaptações físicas, técnicas,

Page 63: Metodologia Do Treino Desportivo

38 • Metodologia do treino desportivo I !

tácticas, psicológicas e sociológicas fundamentais para a consecução de um

elevado desempenho quando em confronto directo. "O mais importante no

treino é a selecção de exercícios e a execução dos que conduzem, sem falha,

ao objectivo desejado" (Ozolin, 1981).

O exercício é, em última análise, a estrutura de base de todo o processo

responsável pela elevação, mantimento e redução do rendimento dos

praticantes. Naturalmente o sucesso obtido em treino e em competição está

em relação directa com a eficácia do próprio exercício.

1.2. A relação metodológica entre o treino e o exercício

O fundamento metodológico do treino desportivo assenta, com efeito, numa

repetição lógica, sistemática e organizada de diversos exercícios que

determinam a linha de orientação e a profundidade das adaptações dos

praticantes à especificidade da modalidade, ou seja, à sua lógica interna.

Neste contexto, partindo do pressuposto de que as equipas e os praticantes

são treináveis, o treino desportivo desenvolve-se segundo um programa que

é constituído por um conjunto de exercícios essenciais para atingir um

modelo individual e colectivo óptimo, expresso na prestação:

• das capacidades motoras (força, velocidade, resistência, etc.);

• das capacidades técnico-tácticas (acções individuais-passe, recepção,

remate, etc., e acções colectivas-combinações, desdobramentos,

permutações, etc.); e,

• das capacidades psicológicas (atenção, concentração, emoção,

angústias, etc.).

Do que foi referido, não significa que o treino desportivo não tenha outros

meios diferentes do dos exercícios, o que é importante, é analisar e

compreender que a sua base estrutural constitui-se num sistema de

exercícios subordinados às exigências de uma aprendizagem,

Page 64: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 39

aperfeiçoamento e desenvolvimento óptimos. Logo, o exercício de treino

constituindo-se como método prioritário e operacional do melhoramento do

rendimento desportivo individual e colectivo, deverá ser construído, num

quadro referencial alargado abarcando vários campos, tais como a táctica, a

técnica, a fisiologia, a psicologia, numa convergência real sem o qual o

exercício de treino ficará à partida diminuído e, por inerência os seus

resultados. Concluindo, o estudo do exercício integra-se, em última análise,

na determinação do exercício óptimo. Parte-se pois, do pressuposto racional

e objectivo que não existem exercício inócuos e de que a melhor adaptação

produzir-se-à somente em resposta ao melhor exercício.

2. Definição de exercício de treino

O exercício de treino pode ser considerado como uma construção hipotética

sendo potencialmente capaz de desencadear, organizar e orientar a actividade

dos praticantes em direcção a um objectivo válido, específico e idêntico à

modalidade desportiva que se procura aprender, aperfeiçoar ou desenvolver.

Neste contexto, o exercício de treino pode ser definido como um acto motor

sistematicamente repetido cuja "essência assenta na realização de movimentos

de diferentes segmentos do corpo, executados simultaneamente ou

sucessivamente, coordenados e organizados numa estrutura segundo um

determinado objectivo a atingir. Cada movimento e o exercício, no seu

conjunto, devem ter, entre outras especificidades: direcção, amplitude,

velocidade, duração, ritmo e tempo de duração" (Teodorescu, 1987).

3. Caracterização do exercício de treino

Para que o exercício de treino substancie claramente a elevação do rendimento

dos praticantes e das equipas, qualquer que seja a modalidade desportiva em

Page 65: Metodologia Do Treino Desportivo

40 • Metodologia do treino desportivo I !

causa, este deverá caracterizar-se sob duas vertentes indissociáveis e

essenciais, que se estabelecem como as duas faces de uma mesma verdade: a

especificidade e a identidade.

3.1. Especificidade

O exercício de treino é específico quando consubstancia uma estrutura

(objectivo, conteúdo e forma) que no seu conjunto provoca as adaptações de

base que estão na origem na elevação do rendimentos dos praticantes e das

equipas.

3.1.1. Exercícios específicos determinam respostas biológicas específicas

Edington (1982), refere que "um exercício provoca uma resposta

específica em cada indivíduo e num momento específico temporal",

acrescenta ainda que "ao examinarmos os efeitos da actividade sobre o

corpo humano, constatamos que as exigências físicas - específicas - de

exercícios específicos determinam respostas biológicas específicas. Neste

sentido, vários trabalhos de investigação, segundo Proença (1990) "vêm

comprovar:

• a existência de fontes energéticas específicas para tipos de exercícios

específicos;

• os efeitos do treino são específicos em função da intensidade e

duração do programa de treino; e,

• os conceitos do exercício e do treino têm uma base a nível celular.

Assim, "os orgãos e sistemas de orgãos submetidos a esforço,

desenvolvem-se funcional e morfologicamente, enquanto que os

orgãos inactivos serão reduzidos à sua estrutura e função" (Lamarck).

3.1.2. A base operacional do exercício e a lógica da modalidade desportiva

Page 66: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 41

Os exercícios de treino provocam efeitos em termos de adaptação

precisa, quando se estabelece uma correspondência exacta entre a base

operacional do exercício e a lógica da modalidade, no que refere:

à possibilidade de precisar o contexto de aplicação das soluções

tácticas em função dos problemas que a competição em si encerra e da

execução técnica de resolução eficiente desses mesmos problemas;

à possibilidade de normalizar as cargas físicas e de conduzir a sua

dinâmica no decurso da aplicação do(s) exercício(s), simultaneamente

na regulação das pausas de repouso e a sua intercalação entre os

momentos de carga; e,

à criação de condições de execução externas óptimas e similares à

competição que se traduzem num maior domínio do factor

psicológico.

É compreensível a essência desta precisão na construção e aplicação

do(s) exercício(s) de treino, pois, esta procura assegurar um estrito

domínio dos efeitos de treino, ou por outras palavras, uma específicidade

que se exprime segundo uma correcta direcção.

3.1.3. A dimensão transfer

O conceito de especificidade do exercício permite um mínimo de transfer

de uma actividade para outra. Por exemplo, se executarmos

quotidianamente uma certa actividade específica, constatamos

rapidamente que estamos "treinados" nessa actividade. Contudo, ao

executarmos uma nova actividade somos incapazes de competir com

aqueles que já estavam treinados nessa actividade. Um sinal dessa

especificidade é revelado por algumas dores musculares que sentimos

após as primeiras tentativas nessa nova actividade. Os músculos doridos

são os músculos mais específicos dessa nova actividade. Esses músculos

não funcionavam tão intensamente durante os períodos de treino da

actividade precedente.

Page 67: Metodologia Do Treino Desportivo

42 • Metodologia do treino desportivo I !

Concluindo, Mellerowicz e Meller (1978) citados por Proença (1990)

"advertem para o facto de os processos de adaptação específica e de

aumento de rendimento especializado serem prejudicados quando

predomina o treino de outros factores, mesmo tratando-se apenas de

ocorrência temporária".

3.2. Identidade

A identidade do exercício de treino, fundamenta-se no nível de relação

existente entre este e as condições objectivas em que se desenrola a

competição. Isto significa que a estrutura do exercício (objectivo-conteúdo-

forma) estabelece uma plataforma de relação, ou melhor, um grau de

significação (concordância) com a lógica da modalidade em causa.

3.2.1. A dimensão isomórfica e analógica da identidade do exercício

A identidade como característica do exercício de treino pode ter uma das

seguintes dimensões:

isomórfica quando podemos estabelecer uma correspondência

"unívoca" entre os elementos referentes à lógica da modalidade

desportiva em causa, e os elementos da lógica do exercício no que

concerne: às relações das suas componentes estruturais, às mesmas

operações no domínio informacional, energético, e afectivo, e às

mesmas formas de organização. Bertrand e Guillement (1988) referem

que o isomorfismo é uma qualidade que dois ou vários sistemas

possuem quando têm propriedades comuns ou semelhantes; e,

analógica, quando existe uma associação, ou melhor uma certa

semelhança, entre os elementos referentes à lógica da modalidade, e

os elementos da lógica do exercício. Com efeito, o raciocínio

analógico é um pensamento que se baseia em relações de similitude

entre objectos diferentes. Bertrand e Guillement (1988) referem que

Page 68: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 43

"uma analogia implica uma certa semelhança entre dois objectos,

assim, uma analogia assemelha-se à realidade que é suposta

representar, mas não se pode confundi-lo com a realidade".

Concluindo, e segundo os mesmos autores (1988) "todos os

isomorfismos são análogos, mas todas as analogias não são

isomorfismos".

3.2.2. As implicações da inadequação do grau identidade do exercício

A inadequação do grau de identidade do exercício de treino à lógica da

modalidade desportiva em análise, ou à capacidade do(s) praticante(s)

não é somente supérfluo, como também negativo, pois, determinará para

além dos elevados custos na mobilização dos diferentes recursos de

suporte à efectivação da acção, implicações na estabilização dos

comportamentos motores em fase de aprendizagem, como naqueles que

já foram adquiridos e aperfeiçoados.

Neste contexto, importa salientar o factor velocidade - intensidade de

execução das acções motoras que estão na base da resolução dos

problemas postos pelas situações competitivas. Com efeito, observamos

que estas se desenvolvem numa estrutura temporal que consubstancia,

um ritmo, um tempo, uma orientação, que por si estabelece um sentido.

"A acção motora está inteiramente emergida no tempo, não somente

porque o utiliza, mas também porque joga estrategicamente com esta, em

particular utilizando variações de velocidade de execução em função dos

adversários" (Grehaigne, 1992), e da sua organização colectiva.

Duas situações semelhantes em todos os outros aspectos, não são

idênticas se uma é executada mais rapidamente que a outra, apesar de,

aparente e formalmente - carácter externo - ser o mesmo, pois, a

Page 69: Metodologia Do Treino Desportivo

44 • Metodologia do treino desportivo I !

velocidade entra na composição de uma forma tão decisiva que modifica

as intenções e os significados do conteúdo das situações competitivas, e

por inerência o grau de identidade do exercício de treino.

Concluindo, neste contexto, quanto mais o exercício de treino reproduzir

parcial ou integralmente a lógica ou parte dessa lógica (fases) interna da

modalidade, maior será o seu grau de identidade, por via de razão, quanto

maior for este grau maior será a especificidade do exercício.

Esclarecido as bases da elevação e desenvolvimento do rendimento

desportivo, a importância do exercício encarada como a célula base a

partir do qual todo o processo de treino se consubstancia, definido e

caracterizado o exercício de treino, iremos continuar a aprofundar esta

problemática equacionando duas vertentes fundamentais dos quais

derivam directamente dois domínios de análise da questão:

• qual é a utilidade do exercício de treino (domínio funcional, isto é a

sua natureza); e,

• qual é a sua composição (domínio morfológico, isto é, a sua

estrutura).

4. A natureza do exercício de treino

A natureza do exercício de treino radica-se essencialmente em solicitar aos

praticantes a mobilização de um conjunto de recursos informacionais,

energéticos e afectivos, de forma:

• a decifrar e a descoadificar continuamente a dinâmica das interacções

observadas no contexto da situação estabelecida, e,

• a executar a solução mais adaptada à situação problemática, através de

acções significativas, orientadas em relação a um objectivo pré-

estabelecido.

Page 70: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 45

Por outras palavras, procura-se adquirir conhecimentos subjectivamente novos

que consubstanciam uma modificação/melhoria das atitudes, dos

comportamentos, das capacidades, dos conhecimentos, das aptidões, etc., que

os praticantes possuem. Neste contexto, a natureza dos exercícios de treino é

estabelecer as condições fundamentais e favoráveis sobre o qual se desenvolve

a actividade cognitiva e motora dos praticantes, os quais ampliaram

significativamente as suas capacidades adaptativas às situações problemáticas.

Escolhendo não só, a resposta mais eficaz entre várias possíveis, como se

auto-aperfeiçoam ao mesmo tempo que se resolve o problema posto.

Do exposto, e tal como referimos, a natureza do exercício de treino

consubstancia a mobilização de um conjunto de recursos, todavia, estes não se

constituem como compartimentos estanques, existe sim, uma relação íntima

entre eles, e a concretização eficiente do exercício só é possível graças ao

"trabalho" conjunto de todos os recursos. Todavia, é preciso ter presente que o

mesmo, ou diferentes exercício(s) de treino, podem ser orientados para atingir

efeitos de dimensão selectiva ou de dimensão acumulativa (que deriva do grau

de maturidade dos praticantes), o que por si só irá provocar naturalmente uma

incidência principal do exercício (solicitação determinante) e uma secundária

(mobilização acessória), estabelecendo um recrutamento diferenciado dos

recursos informacionais, energéticos e afectivos.

Apesar do referido, podemos afirmar, que o exercício de treino solicita duas

realidades diferentes mas interdependentes (Famose, 1990):

a diversidade de recursos mobilizados: embora o exercício de treino seja

um fenómeno global e integrado, isto é, todos os recursos referenciados são

mobilizados, a verdade é que a participação de cada um destes na sua

realização apresenta um grau diferenciado; e,

o grau (nível) de mobilização: um exercício de treino com uma

dificuldade objectiva necessitará de uma mobilização mais ou menos

importante de um dado recurso para ultrapassar as dificuldades impostas

Page 71: Metodologia Do Treino Desportivo

46 • Metodologia do treino desportivo I !

segundo a capacidade (competência-experiências anteriores) dos

praticantes.

Em jeito de conclusão, para um mesmo exercício de treino a diversidade e grau

de mobilização de recursos variam consoante a capacidade de evolução do

rendimento dos praticantes. Com efeito, à medida que os praticantes

aprendem/aperfeiçoam e desenvolvem as suas capacidades, o mesmo exercício

envolverá um menor grau de mobilização de recursos necessários para a

concretização dos objectivos para os quais o exercício foi

elaborado/construído.

4.1. O recurso informacional

O comportamento humano no seu envolvimento pode ser estudado de vários

ângulos e formas, contudo, a mais generalizada na actualidade baseia-se na

noção que o Homem é um processador de informação. Neste sentido, a

actividade motora dos praticantes de uma qualquer modalidade desportiva, é

procedida por um conjunto de operações do sistema nervoso central. O

movimento observável é, com efeito, o resultado final de uma cadeia

específica e complexa de tratamento de informação.

4.1.1. Definição do termo informação

O termo informação "no sentido restrito é definido pela quantidade de

incerteza reduzida logo que o estimulo se apresente" (Famose, 1990). A

incerteza existente antes do estimulo e a redução dessa incerteza após

este consubstancia a quantidade de informação. Logo, "estímulos com

certeza prévia possuem capacidade de informação nula e não produzem

surpresas. Pelo contrário, estímulos pouco prováveis têm uma grande

capacidade de informação" (Vadamer, e Glogler, 1977).

Page 72: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 47

Do exposto, podemos referir, que quanto maior for o número de

alternativas de resolução técnica e táctica de uma determinada situação

competitiva, maior será o número de informações que os praticantes

terão de tratar para atingir uma execução eficiente/adaptada às condições

estabelecidas pelo contexto da situação. Todavia, a quantidade da

informação depende, para além das características da situação

competitiva, do nível de aprendizagem e aperfeiçoamento do praticante

(dos seus conhecimentos, experiências, aptidões, capacidades anteriores).

Isto significa que, uma mesma situação pode confrontar diferentes

quantidades de informação (incerteza) dependendo do praticante em

questão, e eventualmente do seu nível momentâneo (estado de forma) de

rendimento.

4.1.2. As fases do tratamento da informação

De forma sucinta, podemos isolar três etapas sucessivas no tratamento da

informação que intervêm entre a apresentação do estimulo e o

movimento:

numa primeira etapa o praticante deverá detectar e identificar a

situação de jogo. Este necessitará de mais ou menos tratamento de

informação dependendo da incerteza deste e do seu reconhecimento

em comparação com as informações armazenadas na memória de

curto e longo prazo;

após a situação de jogo ser concretamente identificada o praticante

estabelece a selecção da resposta, isto é, o plano de acção transmitindo

uma sequência de directrizes específicas. Esta etapa para além da sua

importância na produção motora, reduz as alternativas possíveis à

resolução da situação, e ainda é utilizada como critério de comparação

com o movimento em curso (feedback); por fim,

Page 73: Metodologia Do Treino Desportivo

48 • Metodologia do treino desportivo I !

após a resposta ser seleccionada o sistema deve preparar-se para a

acção a desenrolar-se -programação da resposta. Nesta etapa os

comandos motores necessários são organizados e enviados em

direcção aos músculos para produzirem a acção motora desejada.

4.1.3. Os limites do recurso informacional

Contudo, há que ter em atenção, que "o ser humano quando processa

informação fá-lo de um modo limitado, isto é, só pode processar um

conjunto de informação de cada vez, e só pode fazê-lo a uma velocidade

limitada". Se os requisitos informacionais (quantidade de informação a

tratar pelos mecanismos perceptivos de decisão, de programação e as

potencialidades do praticante) do exercício a executar se aproximam ou

excedem as capacidades limitadas do sistema, então a performance é

afectada negativamente.

Hyman, citado por Famose (1990) refere inequivocamente uma função

linear entre o tempo de tratamento e a quantidade de informação. Os

maiores tempos estão associados às grandes quantidades de informação

independentemente da sua natureza (temporal, descriminação, etc.).

Neste sentido, por exemplo, uma situação de jogo em futebol com um

grande número de jogadores (companheiros e adversários) determinará

um maior número de informações a tratar, logo, um maior tempo de

decisão. A redução do espaço de jogo e consequentemente do número de

jogadores determinará não um maior número de informações a tratar,

mas uma maior velocidade de decidir e executar a solução do problema,

pois o jogador ao intervir com maior frequência sobre a bola terá que agir

mais rápida e assiduamente perante o jogo.

Page 74: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 49

Mem

ória

de

curt

o pr

azo

Memória de longo prazoM

emór

ia d

e lo

ngo

praz

o Mem

ória de longo prazo

B/ Selecção da resposta1. reduzir em função da opção escolhida as alternativas possíveis de resolução da situação e optar por uma2. Estabelecer o plano de acção através de directrizes específicas3. Utilizar esta fase para comparar com o movimento em curso

A/ Mecanismo da percepção1. Detectar o estímulo2. Codificar o estímulo de forma que seja perceptivel pelo SNC, transformar os estímulos físicos em biológicos3. Identificar o estímulo através da comparação com as informações na memória de longa duração

C/ Programação da resposta1. Receber o projecto domovimento recrutando oscomandos motores para aexecução do movimento2. Articular o projecto domovimento no espaço e notempo3. Enviar o projecto domovimento em direcção aomecanismo de execução

Mem

ória de curto prazo

Orgãos dos sentidos1. Ópticos2. Acústico3. Táctil4. Cinestésico

Sistema neuromuscular1. Inervação2. Contracção damusculatura

INPUT/Entrada(tomada de informação)

OUTPUT/Saída (movimento)

Resposta reflexa

Reaferências

Resposta imediatamovimentoautomatizado

Figura 5. As etapas de tratamento da informação que intervêm entre a apresentação do estímulo

e o movimento (adaptado de Weineck, 1986)

4.2. O recurso energético

Para que haja movimento é necessário que os músculos se contraiam, e estes

só trabalham se duas condições básicas ocorrerem: o sistema nervoso

central fornece o impulso nervoso necessário, e se dispuserem de energia.

Com efeito, os músculos transformam a energia (química) que lhes é

fornecida em trabalho mecânico (movimento).

4.2.1. As reacções para a produção de energia

Existem várias formas de energia, no entanto, aquela que neste momento

nos interessa, é fundamentalmente a transformação da energia química

Page 75: Metodologia Do Treino Desportivo

50 • Metodologia do treino desportivo I !

em mecânica ao nível da fibra muscular esquelética. O ATP (ácido

adenosico trifosfórico), existe no interior das fibras musculares que ao

cindir-se em ADP (ácido adenosico difosfórico) + P (fósforo) liberta

energia a qual constitui-se como a fonte directa de energia utilizável para

a contracção muscular. Sempre que a fibra muscular disponha de ATP,

esta pode contrair-se, todavia, as reservas deste ácido ao nível dos

músculos são muito limitadas, o que determina a necessidade de se

assegurar a ressíntese do ATP.

Esta ressíntese é efectuada a partir de combustões que para se realizarem

necessitam de um combustível (alimentos) e um comburente (oxigénio):

alimentos, através de duas vias:

• hidratos de carbono (açucares) glicose + oxigénio

energia; ou,

• lípidos (gorduras) ácidos gordos + oxigénio energia; e,

do oxigénio, que é retirado do ar atmosférico pelos pulmões e

transportado pelo sangue até às fibras musculares onde se encontra

com a glicose estabelecendo-se a combustão da qual se liberta energia,

dióxido de carbono (CO2) e água (O2).

4.2.2. Os limites do recurso energético

No nosso organismo o factor limitativo do trabalho muscular não é a falta

de alimentos, mas sim do oxigénio. Os músculos dispõem normalmente

de hidratos de carbono (açúcares) e lípidos (gorduras) armazenados que

chegam para as necessidades impostas pela vida diária e pelos exercícios

de treino. Em relação ao oxigénio pese embora este existir em grandes

quantidades na atmosfera, a capacidade do ser humano em captar (pelos

pulmões), em fixar (trocas alvéolo-capilar), em transportar (pelo sangue

graças ao trabalho do coração), e em consumir (pelos músculos) é

limitada.

Page 76: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 51

4.2.3. As vias de produção energética

O nosso organismo realiza permanentemente reacções (mesmo quando

estamos em repouso), e à medida que se intensifica o trabalho, aumenta o

consumo de alimentos e de oxigénio. Mas existem momentos que a

quantidade de oxigénio de que dispomos não chega para as necessidades,

o que não quer dizer que seremos obrigados a parar, pois, mesmo que

falte oxigénio podemos continuar o trabalho (dentro de certos limites de

intensidade e de duração). Portanto, o nosso organismo pode produzir

energia com oxigénio (trabalho aeróbio) e sem oxigénio (trabalho

anaeróbio). Chegados a este ponto, facilmente compreendemos que, por

um lado, toda actividade humana está ligada a uma despesa energética e,

por outro, diferentes praticantes terão igualmente diferentes capacidades

de produzir energia com oxigénio (capacidade aeróbia) e sem oxigénio

(capacidade anaeróbia).

Neste sentido, o ser humano possui três processos para produzir energia,

também denominado de fontes energéticas para a contracção muscular: i)

anaeróbio aláctico, ii) anaeróbio láctico e, iii) aeróbio.

4.2.3.1. O processo anaeróbio aláctico

As células musculares têm a capacidade de armazenar ATP. Todavia,

esta constitui-se como uma pequena reserva que se esgota

rapidamente. Para além do ATP, a célula muscular armazena

igualmente um composto químico denominado de Creatina fosfato

(CP), cuja função principal é o de regenerar o ATP e permitir, com

efeito, a continuidade da contracção muscular. Este processo de

produção de energia, embora muito potente, esgota-se rapidamente e

só poderá ser utilizado durante 8 a 12 segundos. Neste contexto,

quando um determinado exercício é caracterizado por uma intensidade

Page 77: Metodologia Do Treino Desportivo

52 • Metodologia do treino desportivo I !

máxima (98 a 100%) e de curta duração (não superior a 15 segundos),

é este sistema energético que é preferencialmente utilizado. Esta fonte

energética é denominada de anaeróbia, porque não utiliza o oxigénio,

e aláctica porque não há produção de ácido láctico.

4.2.3.2. O processo anaeróbio láctico

Para além das reservas de ATP e CP as células musculares contêm

igualmente reservas de glicogénio que têm por objectivo produzir

energia para a ressíntes das reservas de ATP e CP. Neste contexto,

quando o exercício é caracterizado por uma intensidade próximo do

máximo (90 a 98%), e uma duração entre os 30 segundos e os 2

minutos é este sistema energético que é preferencialmente utilizado. O

factor limitativo na utilização deste sistema energético é a acumulação

do ácido láctico, e a capacidade do praticante em lhe resistir, dai que,

praticantes treinados poderão aumentar a duração do exercício, nas

condições indicadas, para próximo dos três minutos. Este processo de

produção de energia é denominado de anaeróbio porque não utiliza o

oxigénio, e láctico porque existe a produção de ácido láctico

(composto químico que quando atinge concentrações elevadas é factor

limitativo da continuidade do trabalho muscular.

4.2.3.3. O processo aeróbio

Este processo de produção de energia utiliza como substratos

energéticos não só os glúcidos (glicose) como também os lípidos, os

quais na presença do oxigénio não se transformam em ácido láctico,

mas sim em ácido pirúvico, que por reacções químicas sucessivas

produz dióxido de carbono (CO2) e água (HO2), com a produção

simultânea de grandes quantidades de ATP. Neste contexto, quando o

exercício é caracterizado por uma intensidade submáxima (60 a 70%)

e uma longa duração, este sistema energético é preferencialmente

Page 78: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 53

utilizado. Em termos bioquímicos esta fonte é inesgotável, podendo

ser utilizada sempre que exista oxigénio e alimentos passíveis de

oxidação. Neste caso o factor limitativo para a utilização desta fonte

energética situam-se ao nível das grandes funções orgânicas,

principalmente aquelas que condicionam um melhor consumo de

oxigénio (captação pelos pulmões, fixação pelos alvéolos/capilares,

transporte pelo sistema cardiovascular, e utilização ao nível da célula

muscular).

ATP+CP (fontes energéticas imediatas)

Fonte energética oxidativa

Fonte energática não oxidativa

10'' 30'' 2' 5'Duração (tempo)

100%

Os

três

pro

cess

os

de

pro

duçã

o d

e en

ergia

Figura 6. Sequência da produção de energia

4.2.4. As relações entre o custo energético e o gesto motor

Na actualidade muitos autores se têm debruçado sobre as relações

existentes entre as características mecânicas do acto motor - gesto

técnico, e os custos energéticos inerentes à sua execução. Para além desta

determinação procura-se estabelecer as relações quantificáveis entre o

potencial energético disponível (o que o organismo é capaz de produzir)

e o que é efectivamente utilizável na realização da acção motora. Esta

relação decerto constituirá, segundo Proença (1990) "a principal base

explicativa do desempenho competitivo de alguns atletas... A

perfectibilidade das capacidades técnico-coordenativas expressão da

coordenação intra e inter-muscular na execução do gesto motor,

condiciona o aproveitamento da energia mecânica produzida, logo é

possível economizar energia devido ao melhoramento desta

capacidade".

Page 79: Metodologia Do Treino Desportivo

54 • Metodologia do treino desportivo I !

4.3. O recurso afectivo

A afectividade é a ressonância emocional de toda a vivência. Quer dizer, é o

tónus psicofísico, agradável ou desagradável, com o qual vivemos

subjectivamente cada experiência, seja ela passiva ou activa. A afectividade

contém 3 componentes fundamentais:

os sentimentos: é tudo quanto há de psíquico que não pertença à

consciência objectiva ou à esfera intelectual - sensação, percepção,

ideias, juízos, etc.- nem ao impulso instintivo;

as emoções: são a exageração de um sentimento. A emoção é também

um fenómeno social: existe uma rica interacção emotiva entre o

indivíduo e o grupo Com recíprocas possibilidades de influência. O

pânico é um típico caso de contágio emotivo; e,

o humor: é um sentimento mais complexo e mais duradouro. É

influenciado pelos acontecimentos mas, ao mesmo tempo, condiciona os

seguintes. O estado de humor representa a soma de todos os sentimentos

presentes num determinado estado de consciência.

Nestas circunstâncias, "é por demais evidente o papel central da

afectividade na realização de qualquer acto. Fazemos melhor e mais

facilmente aquilo que nos dá prazer. Aprendemos mais e em menos tempo,

repetimos sem fastio, reduzimos as margens do impossível. A tonalidade

afectiva, impregna todo o nosso comportamento, constituindo-se no

fundamento motivacional determinante do empenhamento numa qualquer

tarefa e, quantas vezes, é mesmo o seu principal motor" (Proença, 1990). 5. A estrutura do exercício de treino

Da definição de exercício de treino ressalta o facto deste conter em si, uma

estrutura que é função de quatro componentes fundamentais que estão em

estreita relação, e formam uma unidade indivisível condicionando-se uns aos

outros. Neste contexto, podemos afirmar que o exercício de treino depende da

qualidade de resposta as seguintes questões:

Page 80: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 55

• que objectivos se pretende atingir?;

• que conteúdos técnicos, tácticos, físicos, etc., se pretende aprender ou

aperfeiçoar?;

• que formas de organização dos conteúdos estabelecidos se deve utilizar

para alcançar aqueles objectivos?; e,

• que nível de performance se deve observar para que o exercício tenha

atingido o objectivo pretendido?. 5.1. O objectivo

O estabelecimento do(s) objectivo(s) do(s) exercício(s) de treino baseiam-se

essencialmente em dois factores:

• na análise dos níveis actuais de prestação dos praticantes ou da equipa,

e

• no prognóstico das acções subsequentes e consequentes à elevação

desse mesmo rendimento.

Neste sentido, esta componente baseia-se na análise do passado e na

perspectivação do futuro, de forma a operacionalizar com um baixo nível de

abstracção, precisando quais os aspectos específicos da modalidade em

causa que devem ser trabalhados e por via disso melhorados. O objectivo do

exercício de treino poderá ser:

selectivo: quando o exercício é construído por forma que o seu

conteúdo é preferencialmente orientado para um problema preciso,

qualquer que ele seja;

múltiplo: quando o exercício é construído por forma que o seu

conteúdo seja orientado para diferentes problemas.

Os praticantes de elevado nível de rendimento utilizam preferencialmente

exercícios com objectivos selectivos, enquanto que os exercícios com

objectivos múltiplos têm um carácter auxiliar. Pelo contrário, os praticantes

com níveis de rendimento médio utilizam preferencialmente exercícios de

treino com objectivos múltiplos e aumentam de forma progressiva a

utilização de exercícios selectivos.

Page 81: Metodologia Do Treino Desportivo

56 • Metodologia do treino desportivo I !

5.2. O conteúdo

Uma vez estabelecido o que se deve treinar é necessário questionar-mo-nos

sobre a segunda componente, que conteúdos vamos utilizar para alcançar os

objectivos preconizados. O conteúdo diz respeito à totalidade dos elementos

técnicos, tácticos, físicos individuais (passe, remate, drible, etc.,) e

colectivos (combinações tácticas, deslocamentos ofensivos e defensivos,

etc.,) expressos ou não com oposição do adversário, com vista a atingir o

melhoramento dos praticantes num momento particular da competição.

Com efeito, o conteúdo do exercício de treino contem em si os elementos

(factores) decisivos para a execução correcta na qual o êxito da sua

aplicação em competição está dependente da sua aprendizagem e da sua

eficiência. É incontestável a importância do seleccionamento do conteúdo

do(s) exercício(s) de treino na promoção do desenvolvimento do rendimento

desportivos dos praticantes e das equipas. Com efeito, a adequação dos

meios a utilizar durante o treino requer, hoje particular atenção e reveste-se

de grande significado quando se pretende a maior eficiência possível na

obtenção dos objectivos de treino.

5.3. A Forma

A forma é definida pela organização que se estabelece a partir dos

elementos técnicos, tácticos e físicos considerados no conteúdo do

exercício. Com efeito, dois ou mais exercícios de treino cujo conteúdo é

idêntico, poderam provocar efeitos-adaptações completamente distintos,

pelo "simples" facto de o arranjo sistemático desse conteúdo consubstanciar

uma diferente organização. Neste sentido, teremos de considerar que os

exercícios são essencialmente diferentes, quando diferem no seu conteúdo

e/ou na sua forma de organização quer no plano motor, cognitivo,

fisiológico ou psicológico.

Page 82: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 57

A forma do exercício de treino deverá ter sempre em conta os princípios

pedagógicos e metodológicos do treino, principalmente no que diz respeito

à aplicação da carga e às suas componentes. Este último facto, assume

especial relevância e complexidade nas modalidades em que é necessário

trabalhar com elevado número de praticantes, os quais deverão cumprir o

objectivo e os detalhes determinados pelo conteúdo do exercício,

respeitando-se com igual rigor e exigência no que concerne aos aspectos da

duração, intensidade, densidade, e frequência.

5.4. O nível de performance

O nível de performance corresponde ao resultado obtido pelo(s)

praticante(s) logo após a execução das actividades inerentes ao exercício de

treino seleccionado. Com efeito, o conhecimento desse resultado e a sua

comparação ao objectivo definido pelo exercício, consubstancia o grau de

discrepância entre a performance que se deveria atingir e a performance que

se atingiu.

Este grau diferencial indica de imediato duas vertentes fundamentais, que o

professor/treinador deverá equacionar, por um lado, estabelece ou não a

possibilidade da eventual reformulação de uma ou de todas as componentes

da estrutura do exercício de treino, e por outro lado, indica qual ou quais os

elementos (aspectos) que influenciam de forma negativa a performance

global do(s) praticante(s) e que devem ser posteriormente corrigidos. Por

último, o nível de performance poderá ser exprimido em termos de êxito ou

inêxito (por exemplo: executou ou não executou), ou sob a forma de score

(por exemplo: em 10 remates à baliza conseguir 6 golos).

Concluindo, os diferentes componentes referidos que consubstanciam o

exercício de treino formam uma unidade e uma articulação com uma

coerência interna própria que é preciso conhecer e respeitar. Todavia, a sua

Page 83: Metodologia Do Treino Desportivo

58 • Metodologia do treino desportivo I !

compartimentação possibilita, dentro de certos limites, ao

professor/treinador intervir minimamente em qualquer uma dessas

componentes, sem necessitar de alterar as outras.

6. As componentes estruturais do exercício de treino

Definido o domínio funcional (natureza) e o domínio morfológico (estrutura)

do exercício de treino, iremos seguidamente analisar as suas componentes

estruturais no plano fisiológico e no plano técnico-táctico, bem como os

princípios de índole biológica, morfológica, e pedagógica de forma a controlar

a actividade prática na procura de uma maior eficácia na sua aplicação.

6.1. No plano fisiológico

A eficácia do processo de treino, e concomitantemente dos exercícios de

treino que lhe estão na base, na melhoria do rendimento dos praticantes,

baseia-se na capacidade que o ser humano tem de:

reagir a estímulos exteriores que perturbam o seu equilíbrio biológico

(homeostase), quando estes possuem uma certa intensidade. A

problemática do treino tem encontrado na teoria do síndroma geral da

adaptação (S.G.A.), a base racional para explicar os fenómenos gerais da

relação entre a aplicação das cargas de treino e as reacções do organismo

a esse esforço. O S.G.A., segundo Selye (1956), é a reacção do

organismo aos estímulos que provocam adaptações ou danos. Por outras

palavras, é a resposta adaptativa e não específica do organismo a toda

causa que ponha em causa o seu equilíbrio biológico. Ao complexo

mundo de estimulações físicas, químicas, sensoriais, etc, o organismo

responde (para um esforço de baixa intensidade e de longa duração) em

três fases:

• fase de alarme: mobilização dos meios de defesa do organismo que

se traduz pela actividade das estruturas de vigilância e neuro-

vegetativas;

Page 84: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 59

• fase de adaptação ou resistência: é a resposta óptima à agressão que

se caracteriza pela adaptação respiratória, cardiovascular, metabólica,

etc., (esta é a fase que nos interessa desenvolver, pretende-se assim,

que o(s) praticante(s) se mantenham nesta fase e evitar passar para

fase seguinte; e,

• fase de esgotamento ou readaptação: diminuição das resistências

biológicas. Alterações do equilíbrio interno, a fadiga produzida torna

forçoso parar o esforço.

Figura 7. Síndroma Geral de adaptação (Selye, 1956)

adaptar-se à situação, quando os estímulos são aplicados regular,

metódica e sistematicamente criando um novo estado de equilíbrio

qualitativamente superior através das progressivas modificações

neurológicas, biológicas, fisiológicas e psicológicas. O ser humano

modifica-se permanentemente. Com efeito, uma melhor capacidade de

rendimento dos praticantes tem por base uma melhor organização

estrutural dos diferentes recursos que consubstanciaram a adaptação aos

diferentes estímulos.

A aplicação de estímulos ou cargas, conduzem primeiramente o

organismo humano a um processo de desorganização estrutural, isto é, de

diminuição progressiva das suas capacidades (parabiose-fadiga), até a

carga finalizar a sua activação, surge assim um estado de incapacidade

funcional na estrutura ou estruturas que foram predominantemente

solicitadas pela carga. Logo após o esforço, e mesmo durante este,

começa a processar-se a reorganização estrutural (regeneração), o qual

não só atingirá o nível inicial como também o ultrapassa (fase de

Page 85: Metodologia Do Treino Desportivo

60 • Metodologia do treino desportivo I !

super-compensação) em que as capacidades funcionais dos praticantes

estão momentaneamente aumentadas.

Nível

Inicial

Adaptação

Fadiga

Tempo de treino

(dias, semanas, meses)

Carga

Regeneração

Curva de Folbort

Figura 8. A curva de Folbort

Perante os factos acima referidos, os exercícios de treino são os estímulos

que irão actuar sobre as diferentes estruturas do organismo. Logo, compete

ao professor/treinador seleccionar, e conduzir os exercícios com precisão e

rigor de forma a atingir os objectivos pretendidos para cada nível de

aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento dos praticantes. Neste

contexto, para que isto aconteça é necessário: conhecer, adequar e

relacionar, inequivocamente os parâmetros das componentes estruturais do

treino, manipulando-os em função das circunstâncias objectivas nos quais o

exercício se desenvolve.

Figura 9. Níveis de concentração de glicogénio muscular no rato após o esforço, em função

do tempo de recuperação

6.1.1. A duração

A duração é caracterizada pelo tempo que demora a executar um

exercício ou uma série de exercícios, sem interrupção. Com efeito, a

duração corresponde ao período efectivo de tempo que o exercício(s)

Page 86: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 61

actuam sobre o organismo, sem pausas medindo-se em unidades de

tempo (horas, minutos, segundos).

6.1.2. O volume

O volume representa a quantidade total da carga efectuada pelos

praticantes num exercício, numa unidade de treino, ou num ciclo de

treino. Poderá ser expresso de muitas e diferentes formas, tais como

quilómetros, metros, quilogramas, número de repetições de um

determinado elemento técnico, horas, minutos, número de treinos etc. Os

conceitos das componentes duração e volume são semelhantes o que se

traduz em muitos casos numa identificação total entre ambos. Esta

semelhança pode ser ultrapassada se considerarmos o conceito de

duração como o volume efectivo da carga sem pausas, e o conceito de

volume como a duração total da carga incluindo naturalmente as pausas

entre os exercícios.

6.1.3. A Intensidade

De uma forma geral, a intensidade pode ser definida pela quantidade de

trabalho realizado na unidade de tempo. Todavia, esta definição parece-

nos não ser adequada para todas modalidades desportivas. Com efeito, a

intensidade deverá ser caracterizada pela exigência com que um

exercício ou série de exercícios são executados em relação ao máximo de

possibilidades do praticante ou da equipa, nesse ou nesses exercícios.

A intensidade do exercício poderá ser avaliado de acordo com a reacção

biológica do organismo ao esforço. Os indicadores mais utilizados,

embora nem todos possam ser aplicados durante a unidade de treino são:

• a frequência cardíaca;

• a ventilação pulmonar;

• o consumo de oxigénio;

Page 87: Metodologia Do Treino Desportivo

62 • Metodologia do treino desportivo I !

• a concentração sanguínea em lactatos;

• sinais exteriores do estado do atleta.

A intensidade pode ser avaliada durante o treino a partir da percentagem

em relação ao máximo de possibilidades do praticante utilizando

simultaneamente um indicador da reacção do organismo ao esforço - a

frequência cardíaca. Isto é possível especialmente nos desportos de

resistência, para os quais existem escalas percentuais que se traduzem

como meios referenciais que ajudam o treinador/professor a manipular e

a controlar a intensidade do(s) exercício(s).

Figura 10. Escala percentual para o treino da resistência

6.1.3.1. As relações entre a intensidade e o volume

Como facilmente se depreende, existe uma estreita dependência entre

o volume e a intensidade, pois, cargas muito intensas conduzem

rapidamente a um estado de fadiga e são tolerados durante pouco

tempo. Por outro lado, cargas pouco intensas são toleradas durante

muito tempo e não conduzem rapidamente a um estado de fadiga.

O volume e a intensidade do trabalho podem aumentar

simultaneamente, mas até um determinado limite. Para lá deste, o

volume provoca uma estabilização da intensidade e, logo, uma

diminuição da mesma. Inversamente, em certas etapas do processo de

treino há que estabilizar e mesmo diminuir o volume da carga, para se

poder alcançar o suficiente nível de intensidade.

% em relação ao máximo

Frequência cardíaca/minuto

Grau de intensidade

30 a 50 % 130 - 140 fraca 50 a 60% 140 - 150 leve 60 a 75% 150 - 165 média 75 a 85% 165 - 180 submáxima 85 a 100% + 180 máxima

Page 88: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 63

A diferença entre a dinâmica de ambas realidades,

volume-intensidade, está relacionado com os peculiares efeitos de

treino nos diferentes momentos do mesmo. Quando se procura

processos de adaptação a longo prazo, isto é, provocar variações

funcionais e estruturais maiores, aumenta-se sobretudo o volume da

carga. Se nos interessa melhorar rapidamente a capacidade de

rendimento desportivo, então há que dar importância primordial à

intensidade. Nestas circunstâncias, a intensidade de carga imprime a

direcção dos processos de adaptação do organismo, enquanto que o

volume vai definir o grau de profundidade dessa adaptação mas sem

alterar a sua direcção.

Figura 11. As relações estabelecidas entre volume e intensidade

Quando se torna necessário aumentar a carga de treino, o volume será

a primeira componente a ser aumentada. Todavia, o aumento do

volume não provoca de imediato uma melhoria do rendimento

competitivo, pelo contrário, um volume de carga suficientemente

elevado, pode mesmo, ao princípio, fazer baixar os rendimentos,

porque durante esse tempo estão a verificar-se as variações

adaptativas necessárias. Por conseguinte, o abaixamento dos

rendimentos nem sempre são devidos às variações readaptativas do

organismo mas sim às variações de adaptação em curso que ainda não

acabaram. Neste sentido, o volume da carga desempenha um papel

primordial na criação das bases necessárias para uma evolução ulterior

dos rendimentos desportivos, sendo a intensidade o factor

Page 89: Metodologia Do Treino Desportivo

64 • Metodologia do treino desportivo I !

preponderante na estimulação e desenvolvimento do rendimento sobre

a base funcional criada pelo volume.

6.1.4. A Densidade

A densidade é caracterizada pela relação temporal entre carga - exercício

ou série de exercícios realizados e o repouso na unidade de tempo. Mais

concretamente a densidade representa as pausas utilizadas entre os

exercícios para que haja uma relação óptima entre exercício e

recuperação.

É vulgar diferenciar-se as pausas em:

completas: visam essencialmente que os praticantes efectuem uma

recuperação que lhes permita, efectuar o mesmo, ou um diferente

exercício, em condições mínimas de fadiga, isto é, já não sintam os

efeitos do exercício anterior;

incompletas: visam essencialmente que os praticantes efectuem

uma recuperação de forma que ao iniciar o exercício seguinte ainda se

faça sentir os efeitos do exercício anterior, procurando assim acelerar,

ainda durante o treino, os processos de adaptação do organismo.

As diferentes tipos de pausas dependem de muitos e diferentes aspectos,

vejamos os principais:

• da modalidade desportiva;

• do conteúdo de exercício;

• do volume e intensidade da unidade de treino;

• dos objectivos da unidade de treino;

• do estado de forma ou de rendimento dos praticantes, etc.

Por último, há ainda a considerar ao nível das pausas a forma como elas

decorrem, podendo ser:

activas: durante a pausa entre dois exercícios contíguos os

praticantes executam acções complementares de forma a acelerar os

processos de recuperação; e,

Page 90: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 65

passiva: durante o qual os praticantes não executam nenhuns

exercícios complementares ou adicionais.

EsforçoPausa

1/3 2/3 3/3

Tempo

Pausa incompleta

Pausa completa

Figura 12. As pausas completas e incompletas

6.1.5. A Frequência

A frequência é caracterizada pelo número de repetições de um exercício

ou série de exercícios na unidade de tempo. Esta componente está

intimamente ligada à duração, intensidade e densidade, pois, quanto

maior for cada uma destas menor será a frequência.

6.2. No plano técnico-táctico

Dos vários autores consultados, tais como Bayer (1974, 1979), Teissie

(1970), Wade (1978), Gratereau (1963), Dietrich (1978), Hughes (1973,

1990), Dufour (1972), Mercier (1985), Heddergott (1978), Michels (1981),

Palfai (1982), Caron (1976), entre outros, evidenciam no desenvolvimento

dos seus exercícios técnico-tácticos três invariantes estruturais

fundamentais: o número, o espaço e o tempo.

6.2.1. O número

No plano da construção dos exercícios de treino técnico-táctico, a

invariante número é de fundamental importância porque, ao diminuirmos

o número de praticantes envolvidos num exercício aumentamos

claramente o número de possibilidades destes serem solicitados para a

Page 91: Metodologia Do Treino Desportivo

66 • Metodologia do treino desportivo I !

execução das acções programadas. Por outras palavras, a redução do

número de praticantes irá aumentar o número de vezes que estes podem

relacionar-se de forma:

• directa com a bola; ou,

• próximo dos companheiros e adversários que num dado momento a

detêm; e,

• tão ou mais importante, serem eles próprios a concretizarem o

objectivo final estabelecido para o exercício (por exemplo:

lançamento, remate, recuperar a bola, etc.).

Consequentemente, ao aumentarmos o número de possibilidades de

solicitação dos praticantes consubstancia-se a oportunidade destes

desenvolverem os aspectos técnico-tácticos não só de ordem individual

(relação com a bola - acção técnica) como de ordem colectiva (relação

com os companheiros -combinações tácticas).

Máxima Média Mínima

Densidade do exercício

Máxima

Média

Mínima

Mínima

Média

Máxima

MáximaMédiaMínima

Volume do exercício

Inte

nsi

dad

e do e

xer

cíci

o

Núm

ero d

e re

pet

ições

do e

xer

cíci

o

Figura 13. As relações estabelecidas entre o volume, a intensidade, a densidade, e a

frequência (número de repetições)

6.2.2. O espaço

"Todo o desporto assenta sobre uma definição de espaço..." Com efeito,

"qualquer prova desportiva evolui no interior de um campo fechado no

qual todas as acções são canalizadas no interior das fronteiras que o

Page 92: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 67

espaço em si encerra, e para lá deste o jogo não tem sentido" (Parlebas,

1974). No plano da construção dos exercícios de treino técnico-táctico, é

preciso ter presente que cada praticante encontra-se confrontado por

espaços dinâmicos funcionalmente ligados entre si, que se modificam:

• em função das tarefas que lhes são determinadas;

• da evolução das acções programadas; e,

• do tempo para as executar.

Com efeito, ao diminuirmos o espaço, maiores serão as dificuldades

encontradas pelos praticantes na concretização dos objectivos

consubstanciados pelos conteúdos dos exercícios de treino. Este facto

deriva de que quanto menor for o espaço, menor será o tempo que os

praticantes possuem para analisar a situação, e executar as acções

técnicas correspondentes à sua solução, o que implica consequentemente

um aumento da velocidade e do ritmo de execução das acções individuais

e colectivas, diminuindo a eficiência estabelecida para a concretização

dos objectivos propostos. Neste sentido, "à que adequar o espaço de

forma precisa, visto que entre o espaço e a actividade desenvolvida pelos

praticantes existe uma relação directa e precisa" (Queiroz, 1986).

6.2.3. O tempo

A resolução eficaz das situações de jogo é consequência de dois

parâmetros fundamentais: "a velocidade com que se encontra a solução

do problema, e, a adequação dessa solução a essa mesma situação"

(Mahlo, 1966). A rapidez e a adequação são duas qualidades que

interagem em sentidos inversos. Isto significa que a solução dos

problemas postos pelo jogo, é tanto mais adequada, quanto o jogador

pode reflectir essa situação durante mais tempo. Se considerarmos o

tempo reduzido que o jogador dispõe para resolver durante o jogo os

problemas postos, torna-se claro que a actividade no seu conjunto, não

pode atingir a correcção absoluta. Logo, é o grau de adequação de cada

Page 93: Metodologia Do Treino Desportivo

68 • Metodologia do treino desportivo I !

uma das acções no seu seio da actividade colectiva global que caracteriza

o nível táctico de um jogador e, em definitivo, de uma equipa.

Com efeito, a invariável tempo está estritamente ligado ao espaço, isto

significa que são interdependentes quanto mais temos de um mais temos

do outro. Quanto mais tempo tiver para agir, maior margem de erro é

possível por parte do jogador. Queiroz (1986), citando Helmut Schon,

refere que "o rendimento de um jogador está directamente relacionado

pelo factor tempo e pelo factor espaço, isto é, a eficácia técnica depende

de um complexo de variáveis técnicas e tácticas desenvolvidas em

competição que podem, ou não, perturbar o jogador quando se o

pressiona pelo tempo e se o priva de espaço".

6.2.4. A Complexidade

Em qualquer situação competitiva observa-se a conjugação constante do

número, do espaço, e do tempo, que reflectem intrinsecamente uma certa

complexidade. A complexidade da situação representa assim, as

condições de execução, ou seja, o conjunto de condicionantes que irão

fundamentar as razões da opção de um certo comportamento em

detrimento de outros, e que deverá ser o mais adaptado à situação

competitiva (iremos voltar a este problema da complexidade quando

diferenciarmos este conceito com o da dificuldade quando nos

debruçarmos nas bases da eficiência do exercício de treino).

Do mesmo modo, no que se refere à construção dos exercícios de treino

técnico-táctico é de primordial importância que exista uma interrelação

óptima entre o número-espaço-tempo. A adequação eficaz e ajustada

destas invariantes permitirá estabelecer um número de solicitações

correcta dos praticantes, em espaços correctos de actuação e com tempo

correctos para analisar e executar, de forma a consubstanciar uma

aquisição e assimilação das soluções tácticas e das execuções técnicas

diferentes, em função da variabilidade dos dados da situação.

Page 94: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 69

E

T

N

CC

C +

-

nível

de

complexidade

Figura 14. As invariantes estruturais do exercício no plano técnico-táctico as suas

interrelações e os níveis de complexidade

Neste contexto, a relação estabelecida entre o número-espaço-tempo

determinam, consequente e continuamente um certo grau (nível) de

complexidade que poderá ser aumentado ou diminuído consoante as

modificações operadas numa ou mais invariantes, e do grau de alteração

das relações estabelecidas entre estas. Com efeito, é necessário conhecer

profundamente as implicações de cada invariante (que se mantêm

funcionalmente interdependentes) e a sua articulação interna com as

outras, de forma a estabelecer um grau de complexidade do exercício de

treino concordante: i) com o nível de rendimento dos praticantes e da

equipa, e, ii) com a lógica interna da modalidade em causa. Permitindo

assim, controlar de forma segura os efeitos finais do exercício

procurando estabelecer um elevado grau de significação com os

objectivos delineados.

Para além dos raciocínios expressos, é importante, embora de forma

sucinta, analisar o parâmetro complexidade dos exercícios de treino sob

dois ângulos essenciais, cuja a sua consciencialização determina uma

maior eficiência e validade na aquisição e assimilação dos conteúdos

inerentes ao cumprimento dos objectivos que o determinam:

6.2.4.1. No domínio da velocidade de execução

Page 95: Metodologia Do Treino Desportivo

70 • Metodologia do treino desportivo I !

O aumento da velocidade de execução e do ritmo das acções em

competição na actualidade manifestam uma tendência para o seu

incremento, pois constitui-se como a única fórmula de desequilibrar o

sistema de forças do adversário. Logo, há que estabelecer um

compromisso realista nas invariantes técnico-tácticas dos exercícios

de treino, de forma a não diminuir deliberadamente a velocidade/ritmo

de execução das acções, mesmo que isso tenha reflexos evidentes na

eficiência e na precisão das acções. É preciso pois encontrar, uma

plataforma que consubstancie uma assimilação dos objectivos e dos

conteúdos dos exercícios de treino a uma velocidade máxima relativa,

isto é, nem demasiadamente elevada pondo em causa de forma

irredutível a sua eficiência, nem demasiadamente baixa que conduza a

análises e a execuções incorrectas do ponto de vista táctico, e do ponto

de vista técnico.

6.2.4.2. No domínio do esforço

No domínio do esforço, cabe assinalar que a modificação de qualquer

das invariantes técnico-tácticas referidas (número-espaço-tempo) e as

modificações interrelacionais que daí advêm, reflectem-se

inequivocamente nos parâmetros da intensidade do exercício, e por via

de consequência na relação duração-intensidade, obrigando assim a

reconsiderar a carga de treino. Isto significa a necessidade de adequar

a complexidade do exercício de treino às outras invariantes estruturais

no plano fisiológico. Tendo igualmente em atenção, que esta seja o

mais concordante possível com o modelo de esforço físico

estabelecido na competição para a modalidade em causa.

Concluindo, o que se pretende referir, é que toda a modificação de

uma ou mais invariantes quer ao nível técnico-táctico quer ao nível

fisiológico tem implicações estruturais as quais devem determinar

uma readaptação de todos os outros parâmetros de forma que os

Page 96: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 71

praticantes e as equipas possam em função: i) dos objectivos

estabelecidos, ii) do nível do rendimento e, iii) da lógica interna da

modalidade, conceptualizar uma metodologia na construção dos

exercícios de treino cujas invariantes propiciem as condições

essenciais para uma eficaz aprendizagem, aperfeiçoamento e

desenvolvimento.

7. A classificação dos exercícios de treino

No domínio da Teoria e Metodologia Geral do Treino existem actualmente

diversas classificações dos exercícios de treino, que advêm dos critérios

(pressupostos) estabelecidos. Com efeito, os exercícios de treino podem ser

classificados de acordo com o grau de dificuldade (A;B;C), outros de acordo

com o volume da massa muscular utilizada (parcial, regional, total), outros em

função do tipo de trabalho muscular (estático, dinâmico), etc.

Todavia, pensamos que os exercícios de treino poderam ser classificados sob

dois critérios fundamentais: i) o factor de treino predominante no conteúdo do

exercício, ii) em função do grau de identidade do exercício.

7.1. O factor de treino predominante no conteúdo do exercício

Esta classificação estabelece que factor técnico, táctico, ou físico é

predominante no conteúdo do exercício ou exercícios que constituem a

unidade de treino. Neste sentido, a dedução do tipo e número de factores

técnico, táctico, físico que integram o conteúdo do exercício e das suas

interrelações, consubstancia uma predominância que determina a seguinte

classificação: os exercícios técnicos, os exercícios tácticos, e os exercícios

físicos.

7.1.1. Exercícios técnicos

Page 97: Metodologia Do Treino Desportivo

72 • Metodologia do treino desportivo I !

É constituído por exercícios para aprendizagem, aperfeiçoamento e

desenvolvimento do factor técnico.

7.1.2. Exercícios tácticos

É constituído por exercícios para aprendizagem, aperfeiçoamento e

desenvolvimento do factor táctico.

7.1.3. Exercícios físicos

É constituído por exercícios para o desenvolvimento das qualidades

físicas.

Adicionalmente, em função do objectivo técnico e pedagógico que se

atribua a cada exercício de treino dever-se-à considerar numa segunda

análise a dominante e o regime do mesmo. Nesta perspectiva, e de acordo

com Teodorescu (1984), o(s) exercício(s) de treino podem ser divididos em

exercícios "técnico-tácticos" em regime de preparação física (por exemplo:

condução e remate em regime de velocidade, ou manutenção de posse de

bola em regime de resistência) ou exercícios de preparação física em regime

de execução técnico-táctica (por exemplo: velocidade em regime de passe e

remate, ou resistência em regime de marcação individual).

No domínio metodológico, seja qual for a predominância de um dos

elementos referidos sobre outros, os exercícios de treino, devem no entanto

estabelecer, a concordância entre as situações seleccionados e as condições

objectivas da competição na qual a modalidade se desenvolve. Com efeito, é

necessário estabelecer no plano físico a definição das qualidades motoras

dominantes da modalidade, a sua caracterização (em termos de volume,

intensidade, complexidade, processos metabólicos, etc.), e da dinâmica do

esforço. No que se refere às acções técnico-tácticas, há que estabelecer um

aperfeiçoamento constante dos comportamentos já consolidados fazendo-os:

• corresponder ao crescente grau de preparação dos praticantes;

Page 98: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 73

• ao modelo táctico final como expressão dos factores individuais e

colectivos;

• às tendências evolutivas que advêm da modificação dos regulamentos

da competição, e pelas inovações tácticas que dai resultam; e,

• à optimização da distribuição de forças ao longo da competição, em

função da sua própria concepção e das modificações resultantes do

conhecimento das particularidades dos adversários.

Segundo Ulatowski (1975) no processo de aprendizagem e aperfeiçoamento

das acções competitivas podemos distinguir quatro fases essenciais:

• demonstração e explicação, no qual se apresenta ao praticante a forma

de executar de um dado comportamento, o seu objectivo e as condições

de aplicação durante a competição;

• aprendizagem e aperfeiçoamento em condições simples e acessíveis

para os praticantes;

• aprendizagem e aperfeiçoamento em condições próximas das

competições; e,

• aperfeiçoamento durante a competição. 7.2. Em função do grau de identidade do exercício

O grau de identidade estabelece que a complexidade do exercício de treino

estará mais ou menos próxima da estrutura da actividade competitiva, o que

determina a seguinte classificação: os exercícios de competição, os

exercícios especiais, e os exercícios gerais.

7.2.1. Exercícios de competição

Em tudo semelhantes à essência e natureza da competição, são aqueles

que provocam uma adaptação mais complexa e contribuem com especial

eficácia para estabelecer a harmonia entre as várias componentes do

treino ajustando os factores técnicos, tácticos, físicos e psicológicos de

preparação para as situações específicas da modalidade.

Page 99: Metodologia Do Treino Desportivo

74 • Metodologia do treino desportivo I !

Matveiev (1977), considera dois tipos de exercícios de competição:

os exercícios de competição propriamente ditos; que são em tudo

idênticos aos executados nas condições reais de competição e de

acordo com as regras das mesmas. Com efeito, estes exercícios

coincidem no conteúdo da acção, nos fundamentos estruturais, e na

orientação geral. Diferem da competição visto que são executados

durante o treino e orientam-se para a resolução das tarefas de treino

(por exemplo: jogo de treino entre duas equipas, lançamento do dardo,

etc.); e,

os exercícios de competição adaptados; em que se utilizam

exercícios que na sua estrutura de base são concordantes com a

competição mas são executados em condições com uma exigência de

carga diferente com o objectivo de reforçamento e aperfeiçoamento

das acções competitivas correctas. Estes exercícios são utilizados

essencialmente nas modalidades ou especialidades em que é

impossível reproduzir durante o treino, todas as particularidades dos

comportamentos pois estes têm de ser executados em consequência de

situações muito variáveis (por exemplo: jogo de treino entre duas

equipas num campo de dimensões reduzidas, lançamento do dardo

com um engenho ligeiramente mais pesado).

Por último, segundo Matvéiev (1977) "os exercícios competitivos

desempenham um papel extremamente importante no treino, porque sem

eles, é impossível reconstituir os requisitos específicos que a modalidade

impõe ao praticante e estimular, assim, a consecução de um determinado

nível de treino. No entanto, a sua parte é, no treino relativamente

reduzida (em proporção ao tempo global de treino). Isto explica-se,

principalmente, por duas circunstâncias":

• a importância das modificações funcionais provocadas no organismo

pelos exercícios competitivos; e,

Page 100: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 75

• a inutilidade da sua frequente repetição sem preparação, a qual tem

de criar constantemente pré-requisitos para o aperfeiçoamento das

características quantitativas e qualitativas das acções competitivas (de

outro modo a repetição não produz o efeito desejado, nos melhores

dos casos o praticante apenas consolida aquilo que já adquiriu)".

7.2.2. Exercícios especiais

Estes caracterizam-se essencialmente pelo seu carácter específico, tendo

sempre algo de comum com os exercícios de competição. Têm como

objectivos fundamentais o aperfeiçoamento da técnica, da táctica, e das

capacidades condicionais. Os exercícios especiais são concebidos

fundamentalmente:

para assegurar uma acção mais selectiva e mais significativa para

determinados parâmetros das cargas de treino; e,

na modelação de novas variantes das acções competitivas, isto é, na

atempada criação de pré-requisitos do domínio de formas

aperfeiçoadas da técnica que correspondem a um novo nível de

resultados.

Harre (1981), divide os exercícios especiais em dois tipos:

• os exercícios especiais I; são idênticos aos exercícios de competição

mas com menos exigência de carga; e,

• os exercícios especiais II; que contêm partes dos gestos específicos

da modalidade executados com as mesmas exigências da competição.

A vantagem dos exercícios especiais sobre os exercícios de

competição reside no facto da possibilidade de um controlo mais

efectivo da carga de treino.

7.2.3. Exercícios gerais

Page 101: Metodologia Do Treino Desportivo

76 • Metodologia do treino desportivo I !

São exercícios que do ponto de vista do seu efeito não correspondem

nem aos exercícios de competição nem aos exercícios especiais. Ao

seleccionar-se os exercícios gerais é importante respeitar dois requisitos

de base:

incluir meios que asseguram uma ampla preparação do praticante,

isto é, construir/elaborar exercícios que tenham um efeito suficiente

no desenvolvimento de todas as capacidades técnicas, tácticas, físicas

e psicológicas enriquecendo assim a sua "reserva de aptidões"; e,

deve reflectir particularidades da especialidade desportiva em

causa, isto porque, durante o desenvolvimento do nível de preparação

do praticante podem aparecer efeitos não só positivos como também

negativos. Daqui deriva a necessidade de especializar-se a composição

dos exercícios gerais de forma a poder utilizar eficientemente as suas

"transferências positivas".

Os exercícios gerais têm, no processo de treino, três funções

fundamentais:

• formar, incutir ou reestruturar aptidões que desempenham um papel

auxiliar ou de apoio ao aperfeiçoamento desportivo;

• meios de educação das capacidades insuficientemente desenvolvidas

melhorando o seu nível de eficiência; e,

• como factor de repouso activo que coadjuvam o processo de

recuperação.

Concluindo, os exercícios gerais visam essencialmente estimular e

desenvolver todas as qualidades físicas fundamentais, bem como todas as

qualidades técnicas e tácticas e hábitos de base dos praticantes. Com

efeito, os "exercícios gerais contribuem para o nível de preparação dos

praticantes através de uma acção indirecta" (Bompa, 1990). Embora

seja difícil de comprovar de uma forma precisa a influência directa dos

exercícios gerais sobre o rendimento global do praticante, Harre (1981),

considera que "na idade dos máximos rendimentos a estagnação ou uma

Page 102: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 77

reduzida elevação do rendimento, ou ainda o aparecimento frequente de

lesões, se devem ao facto de, no processo de treino, se aplicarem

relativamente poucos exercícios de carácter geral".

Exercícios de treino

Exercícios de

competição

Exercícios

especiais

Exercícios

gerais

Estrutura

do gesto

Função

Carga do treino

em relação à carga

de competiçao

A B C D E F G H

12 3

4

51 13

134

35 5

4 45

Figura. 15. Modelo de classificação dos exercícios segundo Berger, e Hauptman

A- formação e estabilização do complexo de rendimento específico da competição; B- formação e estabilização essencialmente das capacidades condicionais específicas; C- Aperfeiçoamento e consolidação essencialmente das capacidades técnicas específicas; D- formação essencialmente das capacidades técnico-tácticas; E- formação das capacidades condicionais de base; F- Aperfeiçoamento de outras técnicas desportivas; G- relaxação emocional; H- Descanso activo, aceleração da regeneração 1- específico de competição; 2- insignificante divergência; 3- mais elevada; 4- sensivelmente mais baixa; 5- mais baixa

Concluindo, Berger, J., e Hauptman, M. (1981), propõem um modelo de

classificação dos exercícios de treino fundamentado em três vertentes

essenciais: i) a estrutura do gesto, ii) a função e, iii) a relação existente

entre a carga de treino usada na execução dos exercícios e a carga de

competição.

As classificações referidas têm um carácter generalista e,

consequentemente estabelece uma delimitação não muito clara entre os

vários tipos de exercícios de treino, sendo difícil em muitos dos casos de

os classificar de forma correcta, pois têm lugar nos diferentes níveis

propostos. Neste sentido, não negando a importância destas

classificações, é importante que cada modalidade desportiva, após

observar e analisar os fundamentos da sua estrutura competitiva

Page 103: Metodologia Do Treino Desportivo

78 • Metodologia do treino desportivo I !

estabeleça, segundo critérios e pressupostos correctos, uma classificação

e organização própria dos seus exercícios específicos de treino.

8. Orientações e tendências dos exercícios de treino

Segundo Teodorescu (1987), a Teoria e Metodologia Geral do Treino

Desportivo conhece na actualidade mudanças significativas na concepção, no

conteúdo e na organização da preparação dos praticantes e das equipas. Estas

modificações, ainda segundo o mesmo autor (1987), resultam de três vertentes

fundamentais:

• das pesquisas cientificas interdisciplinares;

• da prática de vanguarda de alguns treinadores; e,

• da aplicação de alguns resultados provenientes de outras áreas do saber,

tais como, a matemática, a cibernética, a psicologia, a pedagogia, etc.

De forma didáctica podemos estabelecer convencionalmente quatro etapas

pelos quais os exercícios e o treino evoluíram ao longo dos tempos modernos:

i) aumento do volume de treino utilizando exercícios de carácter geral e

especial, ii) maior utilização dos exercícios de treino de carácter específico, iii)

adequação dos exercícios de treino à realidade competitiva - indivisibilidade

dos factores de treino e, iv) estabelecimento das bases científicas dos exercícios

de treino.

8.1. Aumento do volume de treino utilizando exercícios de carácter geral e especial

No passado recente, a primeira grande orientação do treino desportivo foi o

aumento do volume de trabalho dos praticantes e das equipas. Este aumento

do volume de trabalho. Este aumento do volume permitiu num certo

momento ascender rapidamente a um nível de performance mais elevado.

Todavia, limitado naturalmente pelo factor tempo (ninguém consegue

Page 104: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 79

treinar mais de 24 horas por dia), o volume de treino ao chegar muito

próximo do seu limiar máximo, provocou uma influência negativa em

determinados desenvolvimentos, devido fundamentalmente à sobrecarga

dos sistemas funcionais dos praticantes. Este facto pôs em evidência duas

questões fundamentais:

• uma ao nível dos aspectos de recuperação dos praticantes; e,

• outra ao nível dos exercícios de treino empregues.

8.2. Maior utilização dos exercícios de treino de carácter específico

Numa "segunda fase" adaptou-se os exercícios de treino ao objectivo

visado, o que se traduziu num aumento do tempo de treino dedicado aos

exercícios de carácter específico, perdendo os de carácter geral a sua

preponderância como meio de base na preparação dos praticantes e das

equipas sendo utilizados sobretudo como meios de repouso activo e de

aceleração dos processos de recuperação.

8.3. Adequação dos exercícios de treino à realidade competitiva. Indivisibilidade dos

factores de treino

Esta "fase" muito ligada à anterior, consubstanciou o desenvolvimento de

novos exercícios de treino através do estabelecimento de modelos técnico,

tácticos, físicos e psicológicos construídos a partir da realidade competitiva

da modalidade desportiva em causa. Procura-se assim, que entre o exercício

de treino e a competição, exista um elevado grau de concordância em que o

desenvolvimento das qualidades físicas e das acções técnico-tácticas se

efectuem conjuntamente, em climas de elevada tensão psicológica, de forma

a acelerar e a intensificar os processos de adaptação. Estes pressupostos

estão igualmente ligados à utilização de materiais e equipamentos que

permitem explorar na totalidade as reservas funcionais do organismo.

Page 105: Metodologia Do Treino Desportivo

80 • Metodologia do treino desportivo I !

Dentro desta fase Teodorescu (1987), apresenta como orientação

fundamental do treino a racionalização, a qual numa primeira análise procura:

• a redução do número de exercícios de treino; e,

• o aumento do número de repetições do mesmo, tendo como objectivo

de base a optimização do treino e implicitamente o rendimento dos

praticantes e das equipas.

Esta orientação resulta da aplicação de dois procedimentos metodológicos,

que contêm implicações teóricas, e sobretudo práticas, na

elaboração/construção dos exercícios de treino, que consubstanciam: i) a

objectividade e, ii) a modelação.

8.3.1. A objectividade

É um processo que procura, numa primeira análise, identificar e

caracterizar os elementos que constituem o conteúdo da competição, e

numa fase posterior, sempre que possível estabelecer os índices

quantitativos e qualitativos óptimos do rendimento dos praticantes e das

equipas em condições variáveis.

8.3.2. A modelação

É um processo através do qual se procura correlacionar o exercício de

treino com as exigências específicas da competição, com base nos

índices mensuráveis das componentes de rendimento. Segundo este

raciocínio, quanto maior for o grau de correspondência entre os modelos

utilizados (exercícios de treino) e a competição de uma dada modalidade,

melhores e mais eficazes serão os seus efeitos, fundamentando-se assim a

optimização do processo de treino.

Page 106: Metodologia Do Treino Desportivo

" Fundamentos do exercício de treino • 81

É através do processo da modelação, ainda segundo o mesmo autor

(1987), que os exercícios de treino passam primeiramente por uma:

tipificação; o que implica a selecção e síntese das componentes

essenciais e similares (análogas) das diferentes fases da competição,

quer do ponto de vista técnico, táctico, físico e psicológico, numa

estrutura única (indivisibilidade dos factores de treino), procurando

eliminar os consumos inúteis de energia e de tempo e, seguidamente

pela,

estandardização; que tem um carácter modelador do esforço e das

acções técnico-tácticas desenvolvidas durante a competição. Os

exercícios estandardizados quando aplicados em condições similares

os seus efeitos (eficiência/resultados) são aproximadamente

conhecidos.

A tipificação e a estandardização permitem o desenvolvimento de

exercícios multifactoriais, isto é, a utilização de um mesmo exercício

para atingir efeitos tanto selectivos como acumulativos no domínio

técnico, táctico, físico e psicológico, e das tarefas pedagógicas de

aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento dos praticantes e das

equipas. Neste sentido, por exemplo, um exercício para a aprendizagem

do contra-ataque, as dominantes são a acção táctica e o aperfeiçoamento

da técnica de controlo da bola e de passe em condições de velocidade e

manutenção da velocidade de deslocamento dos jogadores (efeito

selectivo). Após a aprendizagem do contra-ataque o mesmo exercício

pode ser utilizado para o seu aperfeiçoamento no qual é importante

manter a velocidade e a técnica de controlo da bola e de passe,

desenvolvendo igualmente a resistência específica, e aumentando o

número de repetições (efeito acumulativo).

Com efeito, o recurso a uma destas funções é determinada por critérios

metodológicos que têm como objectivos ganhar o máximo de tempo para

Page 107: Metodologia Do Treino Desportivo

82 • Metodologia do treino desportivo I !

se efectuar um grande número de repetições na procura de uma técnica

correcta (quase automatizada), assim como a eficiência das acções. Os

exercícios com efeitos acumulativos são utilizados sobretudo no

aperfeiçoamento e desenvolvimento das qualidades físicas e das aptidões

técnico-tácticas. Os exercícios de efeitos selectivos são utilizados

particularmente nas situações de aprendizagem e de correcção das

aptidões técnico-tácticas.

8.4. Estabelecimento das bases científicas dos exercícios de treino

A "quarta fase" deste processo de transformação é constituída pelo

aperfeiçoamento de organização do treino através do estabelecimento de um

suporte científico que consubstancie leis, princípios, metodologias, etc. É

através destes que se pode definir as estruturas de treino mais eficientes na

orientação e preparação dos praticantes e das equipas, sendo esta adaptada

ao nível dos resultados projectados.

w

Page 108: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE III

O EXERCÍCIO DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 2

Bases conceptuais para a construção dos exercícios de treino

Resp: Jorge Castelo

Page 109: Metodologia Do Treino Desportivo

82 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 2 da Parte III

O Capítulo 2 reflecte a análise das bases conceptuais para a construção

dos exercícios de treino. Com efeito, a construção dos exercícios de

treino liga-se indubitavelmente à forma de se observar e interpretar a

natureza das diferentes modalidades desportivas, mais precisamente à

sua lógica interna. Neste contexto, os métodos de análise para a

interpretação de uma dada realidade competitiva converge num quadro

teórico que evidencia três perspectivas fundamentais: associativista, da

forma e estruturalista.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 5

Page 110: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 83

Parte III

O exercício de treino desportivo

Sumário

Capítulo 2 - Bases conceptuais para a construção dos exercícios de treino

1. As relações entre a interpretação da natureza da modalidade e os

exercícios de treino

1.1. As perspectivas associativistas

1.2. As perspectivas da forma

1.3. As perspectivas estruturalistas

1.1.3. O modelo

1.1.3.1. os modelos técnico-tácticos

1.1.3.2. o modelo de esforço

1.1.3.3. o modelo de ambiente

1.1.3.4. o modelo integrativo

Bibliografia:

Page 111: Metodologia Do Treino Desportivo

84 • Metodologia do treino desportivo I !

BAYER, C. (1979) L´enseignement des jeux sportifs collectifs, Editions Vigot,

Paris

BAYER, C. (1974) La pratique du hand-ball et son approche psycho-social,

Librairie J.Vrin, Paris

CARON, J., PELCHAT, C. Apprentissage des Sports Collectifs, Les presses de

l'Université du Quebec, 1976

PARLEBAS, P. (1985) Activités Physiques et Éducation Motrice, Dossiers

Éducation Physique et Sport, nº 4, Paris

QUEIROZ, C. (1986) Estrutura e organização dos exercícios de treino em

futebol, F.P.F.

TEODORESCU, L. (1984) Problemas de teoria e metodologia nos desportos

colectivos, Livros Horizonte, Lisboa

ULATOWSKI, T. (1975) La theorie de l´entrainement sportif. Comité

Internacional Olympique

WRZOS, J. (1980) Atlas des exercices specifiques du footballeur, INSEP, Paris

Page 112: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 85

Segundo Queiroz (1986) citando Worthington "em cada treino, em cada

momento, o treinador confronta-se com uma determinada situação específica

para a qual terá que saber seleccionar um ou outro tipo de exercício, de

acordo com o objectivo que se deseja atingir. Fundamentalmente, é necessário

que o treinador saiba organizar os seus próprios exercícios em função dos

problemas que se lhe deparam, sendo fundamental a compreensão e o domínio

dos critérios de organização dos exercícios no processo de treino".

1. As relações entre a interpretação da natureza da modalidade e os exercícios de treino

As bases conceptuais para a construção dos exercícios, na longa história do

treino desportivo, estão indubitavelmente ligados à forma de observar e

interpretar a natureza (essência) da modalidade desportiva em causa, isto é, do

método de análise aplicado para evidenciar a sua lógica interna.

Segundo Bayer (1972), "o contexto histórico, sociológico e filosófico possui

um impacto incontestável na forma de encarar o conhecimento de uma

actividade: a evolução dos seus métodos, os seus conflitos, e os eu respectivo

desenvolvimento não é muito diferente da história das ideias. São as diferentes

correntes do pensamento, que orientam irremediavelmente o ponto de vista

através do qual o ser humano perspectiva uma disciplina particular, quer ela

seja literária, científica, ou desportiva, de forma a elaborar uma metodologia

e definir os fundamentos pedagógicos do seu ensino".

Com efeito, os treinadores/professores, ao longo dos tempos, foram sentindo a

necessidade cada vez mais premente, de desenvolverem um pensamento que

consubstancia-se uma correcta análise e caracterização da estrutura da

actividade competitiva da sua modalidade desportiva, de molde a evidenciar a

sua lógica interna, que por sua vez irá influenciar inequivocamente as bases

conceptuais para a construção dos seus exercícios específicos de treino.

Page 113: Metodologia Do Treino Desportivo

86 • Metodologia do treino desportivo I !

A definição dos métodos de análise para a interpretação de uma dada realidade

competitiva, converge, em nossa opinião, num quadro teórico que evidencia

três pensamentos (perspectivas) fundamentais: i) a perspectiva associativista, ii)

a perspectiva da forma e, iii) a perspectiva estruturalista.

1.1. As perspectivas associativistas

A primeira fase do pensamento de base à construção/elaboração dos

exercícios de treino, foi fundamentalmente influenciada pelo "período

mecanicista" marcado por duas correntes filosóficas: o dualismo cartesiano

(que consubstancia uma visão mecânica do corpo humano para explicar o

seu funcionamento), e o associativismo (que pretende reduzir

grosseiramente o complexo a elementos simples, através de um excessivo

espírito de análise e da lei da associação de ideias, sobre o qual automática e

espontaneamente se desenvolve todo o pensamento). As perspectivas

associativistas procuravam decompor todas as actividades em elementos

simples, e pela adição dessas pequenas unidades, pretendia-se reconstruir as

representações mais complexas através da simples justaposição dos

elementos no tempo e no espaço permitindo forjar uma ligação entre eles.

Nesta perspectiva, pressupunha-se que as actividades essenciais às

diferentes fases do processo de aprendizagem, aperfeiçoamento e

desenvolvimento dos praticantes era bem elaborado, bastando para isso,

justapor os elementos técnicos constituintes da modalidade desportiva em

causa, de forma parcelar, sob a condição de se recorrer à repetição

sistemática.

Com efeito, Wrzos (1980) refere, baseando-se na teoria dos reflexos

condicionados de Ivan Pavlov que "os mecanismos motores que constituem

o complexo sistema de reflexos condicionados formam-se durante a

execução do exercício. Para materializar um automatismo motor, o atleta

deverá consciencializar a acção a executar porque a sua formação depende

Page 114: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 87

do primeiro e do segundo sistema de sinalização". Neste processo podemos

distinguir 3 etapas consecutivas:

• no primeiro estado: os exercícios são caracterizados por um despertar

do sistema nervoso central, com um baixo nível de desenvolvimento das

capacidades de coordenação no trabalho muscular que se traduz pela

imperícia do movimento;

• no segundo estado: os movimentos em questão são melhor utilizados

constatando-se uma redução progressiva das despesas energéticas e de

variações metabólicas. Os movimentos do corpo tornam-se mais

precisos, melhor coordenados, e económicos. Nesta fase, a atenção do

atleta dirige-se em direcção a diferentes detalhes da execução do

movimento. As indicações orais contribuem para a eliminar os

movimentos supérfluos e de fixar os movimentos correctos, tendo uma

importância particular para a precisão da formação dos automatismos

motores; e,

• no terceiro estado: os movimentos estabilizam-se e começam a ser

executados de forma estereotipada com precisão e exactidão.

Estas são as bases teóricas sobre as quais se edifica a prática e o ensino das

diferentes modalidades desportivas (individuais e colectivas). Esta teoria,

interpretada de uma forma rígida trouxe uma aparente validade desta

tendência que privilegiou os factores de associação e de repetição, levando

os treinadores a evidenciar uma preocupação mecanicista tanto do gesto

técnico como do comportamento táctico na resolução das situações

competitivas. Tudo se resumia assim, a um problema de técnica individual,

na qual era necessário que cada praticante adquiri-se previamente um

repertório de gestos.

Neste contexto, a preocupação dominante era de identificar e definir

concretamente os comportamentos técnicos de base das diferentes

modalidades, decompondo-os em elementos simples que eram necessário

trabalhar (exercitar), e de associá-los para obter a realização de uma conduta

Page 115: Metodologia Do Treino Desportivo

88 • Metodologia do treino desportivo I !

complexa. O que era importante é o aspecto exterior do movimento,

independentemente do contexto em que esses comportamentos eram

executados. "Estas aquisições eram realizadas de forma abstracta, igual

para todos, sem qualquer relação com a realidade, existindo para cada

domínio parcelar um modelo ideal (geralmente de um campeão) em

direcção do qual, e por imitação, a execução de cada praticante deveria

desenvolver-se independentemente da sua idade, ou do seu nível de

formação" (Bayer, 1983).

Esta análise foi complementada, numa segunda fase pelo estudo energético

que visava o conhecimento do rendimento máximo e a eficácia funcional de

cada acto permitindo formular um modelo ideal, que respondesse às leis

bio-mecanicistas precisas, em direcção a uma execução que todos os

praticantes deveriam obedecer. Esta pedagogia, "trouxe abundantes

progressões, fruto de execuções e sistematizações rigorosas, onde os

exercícios descritos ou propostos, eram realizados numa estrita ordem

constituindo uma ajuda preciosa nas condutas práticas das sessões de

treino. No entanto, o gesto era encarado de uma forma abstracta, sem

nenhuma relação com a realidade" (Bayer, 1972).

Concluindo, os exercícios de treino segundo esta perspectiva, são

seleccionados e organizados segundo uma certa ordem, incluindo um

elemento técnico preciso que se extrai do seu contexto real e que, depois de

adquirido, se associa a outros ou serve de base a outros cada vez mais

complexos. Em síntese os exercícios de treino, depois da análise dos

elementos que constituem o conteúdo da modalidade, são construídos e

organizados da seguinte forma (Queiroz, 1983):

exercícios de treino de aprendizagem, aperfeiçoamento ou

desenvolvimento sistemático dos elementos em questão;

exercícios de treino de aprendizagem, aperfeiçoamento ou

desenvolvimento de associação dos diferentes elementos;

Page 116: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 89

exercícios de treino que procuram reproduzir todos ou quase todos os

aspectos ligados à competição.

1.2. As perspectivas da forma

A segunda fase deste processo evolutivo do pensamento à

construção/elaboração dos exercícios de treino, nasceu da reacção às

perspectivas atomistas, que preconizavam uma associação mecânica das

actividades gerando um movimento extremamente importante que se

desenvolveu rapidamente no princípio do nosso século. Esta teoria que se

opõe aos métodos analíticos pressupõe que cada elemento não tem

significado, senão na sua relação com o conjunto, e que os diferentes

elementos de uma estrutura articulam-se uns com os outros para constituir

uma forma. Neste contexto, uma forma é algo mais que a soma das suas

partes, ela tem propriedades que não resultam da simples adição dos seus

elementos, sendo estes interdependentes e organizados num "campo" total

segundo certas leis.

Caron, e Pelchat (1976), referem o seguinte exemplo que nos ajudam a

compreender melhor esta questão: "seis superfícies idênticas misturadas

num saco não formam provavelmente um cubo pela sua simples

justaposição. Para obter o resultado pretendido (o cubo), é preciso compor

as seis superfícies entre elas. A "forma" criada a partir desta nova

disposição das superfícies não representa mais uma simples soma sem

significado, mas sim uma nova estrutura coerente denominada "cubo"

possuindo uma nova característica; o volume. Da mesma forma que ao

observarmos as partes de uma caixa verificamos que estas formam um todo

na medida em que eles se dispõem em função de um objectivo preciso. É

este objectivo que permite a essas partes estarem estruturadas e terem um

sentido. Por outras palavras, a caixa tem na sua totalidade uma função na

qual as suas partes individualmente não têm".

Page 117: Metodologia Do Treino Desportivo

90 • Metodologia do treino desportivo I !

Neste sentido, Bayer (1972), refere que "cada elemento está dialecticamente

relacionado com o conjunto, e que a génese dos fenómenos complexos

explicam-se pela emergência de formas, ou seja, de conjuntos estruturados

dotados duma articulação que lhe é própria..." Assim, no plano particular

dos jogos desportivos colectivos, um jogador não joga ao "lado" dos outros,

mas "com" os companheiros e "contra" os adversários, Bouet (1968),

emprega a fórmula "com e contra". Pedagogicamente, ainda segundo o

mesmo autor (1983) "esta atitude caracteriza-se por centrar a formação

sobre a equipa que representa uma totalidade (como ponto de partida), e

por dirigir e desenvolver a formação individual de uma forma integrada em

função de uma dada organização colectiva utilizada e adaptada pela

equipa".

Inversamente às teorias associativistas, parte-se do geral, ou seja, da

totalidade (contexto das situações competitivas), para atingir o particular, ou

seja, o praticante, isto permite a aquisição de uma técnica integrada à

dinâmica competitiva, em articulação com as possibilidades próprias de

cada praticante que se encontra dentro desse sistema. Neste contexto, "o

movimento não é concebido como uma junção de execuções motoras

parcelares, mas como uma unidade dinâmica una e indivisível. Logo, a

aprendizagem de um comportamento representa uma modificação total na

relação dos actos motores e do campo perceptivo, ou por outras palavras,

cada tentativa para atingir o objectivo previamente definido representa

uma estrutura original" (Bayer, 1972). Concluindo, as perspectivas da

forma estabelecem que entre o conteúdo da modalidade desportiva e o

conteúdo do exercícios de treino haja uma relação dialéctica. Neste sentido,

a aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento dos praticantes

decorrem no contexto da realidade competitiva, embora em formas menos

complexas mas que não desvirtuam a sua natureza fundamental. Após a

análise dos elementos do conteúdo no seu contexto real em que estes se

desenvolvem e exprimem os exercícios de treino são construídos e

organizados da seguinte forma (Queiroz, 1983):

Page 118: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 91

exercícios de treino para a aprendizagem, aperfeiçoamento e

desenvolvimento dos elementos do conteúdo da modalidade em

condições mais ou menos próximas da actividade onde decorrem essas

acções;

exercícios de treino para a aprendizagem, aperfeiçoamento e

desenvolvimento das relações elementares e complexas da modalidade

com a inclusão de um maior número de elementos técnicos, tácticos e

físicos do seu conteúdo. 1.3. As perspectivas estruturalistas

"A realidade manifesta-se aos nossos olhos de um modo fortemente

estruturado" (Eigen, e Winkler, 1989). Os princípios da teoria da forma,

segundo vários autores, foram um factor importante na evolução da noção

de estrutura ao definir forma "como algo mais que a soma das suas partes,

em que as suas propriedades não resultam da simples adição dos seus

elementos, sendo estes interdependentes e organizados num "campo" total

segundo certas leis". Esta teoria rejeita assim toda a ideia que o

conhecimento do conjunto possa ser deduzido a partir do conhecimento das

partes, ou que estas possam ser conhecidas na sua totalidade sem referência

ao conjunto, estabelecendo dois aspectos complementares e fundamentais

que caracterizam a noção de estrutura: o conjunto e a interacção,

evidenciando assim, a importância das relações observáveis e das

significações vividas.

Neste contexto, o estruturalismo, é um método de análise que estuda os

fenómenos da realidade, examinando-os à luz da sua articulação interna e

das interrelações entre os seus diferentes componentes que se mantêm

funcionalmente interdependentes. Para Ferdinand de Saussure, fundador da

linguística moderna, "o que é estrutural na multitude dos diferentes casos é

a gramática do jogo... A estrutura não se revê no posicionamento dos

jogadores mas no sistema de relações entre os jogadores, a bola, o terreno,

as relações ao código de jogo... É comparando os diferentes conjuntos que

Page 119: Metodologia Do Treino Desportivo

92 • Metodologia do treino desportivo I !

podemos extrair a ordem interna que finalmente estabelece essas diferenças

e que consubstancia o ressurgimento de uma estrutura comum. A estrutura

não diz respeito às disposições espaciais perceptíveis, mas às relações e

mais ainda às relações de relações".

Ainda o mesmo autor, apresenta um exemplo eloquente da sua opinião

"todo o elemento linguístico é comparável a uma peça de xadrez, para o

antropólogo ela aplica-se a todos os membros da sociedade, e para o

treinador para todos os jogadores da equipa. Ora uma peça de xadrez não

se define pela sua cor, suas dimensões, da matéria de que é feito, nem pelos

seus atributos físicos ou pela sua "forma", mas pela regra do jogo e pelas

relações que essas regras lhe permitem entrevir com as outras peças no

conjunto dos casos. Assim o avançado centro ou o guarda-redes têm um

valor estrutural não pelas características físicas da sua aparência e dos

seus deslocamentos, mas por um sistema de relações estabelecidos entre

eles... É o que os estruturalistas pretendem referir por analogia à

linguística que a estrutura é uma "sintaxe" que, apesar das modificações e

das diferenças, têm uma relação comum. Aparentemente paradoxal, são

estas diferenças que determinam uma analogia".

1.3.1. O modelo

O pensamento estruturalista introduz, com efeito, um conceito

operacional fundamental - o modelo, que consubstancia uma construção

teórica de forma a definir e a reproduzir com rigor, todo o sistema de

relações que se estabelecem entre os diversos elementos de uma dada

realidade. Como refere Parlebas (1968) "o modelo é uma construção

esquemática e teórica que procura relatar a realidade, sob forma

abstracta e se possível matematizada..."

A maioria dos autores esforçam-se assim, por conceptualizar e

pragmatizar um ou mais modelos (estruturas) como ponto de partida

essencial na análise e caracterização da modalidade desportiva em causa,

Page 120: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 93

evidenciando quatro aspectos fundamentais para a sua construção

(Queiroz, 1986):

identificar, no conteúdo da modalidade, quais os factores básicos

através dos quais esta se desenvolve, ou seja, a sua lógica interna;

reproduzir com rigor, todo o sistema de relações que se estabelecem

entre os vários elementos de uma dada situação;

definir de forma precisa os comportamentos exigíveis aos

praticantes face aos modelos e em função do nível de aptidões e

capacidades destes, bem como das suas possibilidades de

desenvolvimento;

determinar ainda, os índices de eficácia do comportamento dos

praticantes de acordo com um determinado nível de rendimento.

Procura-se assim, transpor para o treino, os modelos de acção mais

eficazes bem como as tendências evolutivas da modalidade que

caracterizam o desempenho dos melhores praticantes e das melhores

equipas do mundo, de forma a estimular através dos exercícios o

desenvolvimento dos "comportamentos" definidos, integrados em

estruturas funcionais que consubstanciam as suas exigências dominantes.

Neste sentido, a dinâmica que preside à construção e organização dos

exercícios de treino, tem em vista a definição de modelos operativos

parciais (devido à impossibilidade de reproduzir determinados factores,

como por exemplo a existência de adversários reais, do público, etc.), os

quais procuram reproduzir a dinâmica dos complexos processos

psicológicos, fisiológicos e motores, passíveis de influenciar o

rendimento. Teodorescu, L. (1984), considera os seguintes modelos: i)

técnico-tácticos, ii) de esforço, iii) de ambiente e, iv) integrativo.

1.3.1.1. Os modelos técnico-tácticos

São constituídos: i) pelos modelos dos procedimentos técnicos,

integrados de acordo com a lógica da actividade dos praticantes, (a

acção individual), ii) dos modelos individuais em correlação com um

Page 121: Metodologia Do Treino Desportivo

94 • Metodologia do treino desportivo I !

ou vários companheiros consubstanciando acções tácticas colectivas,

e, iii) o modelo de acções individuais e colectivas em condições de

adversidade, ou seja, com oposição dos adversários.

1.3.1.2. O modelo de esforço

Correlaciona a actividade com as reacções de adaptação do organismo

às exigências do esforço, que se expressam por parâmetros de volume,

intensidade e complexidade.

1.3.1.3. O modelo de ambiente

Caracteriza as condições externas com o objectivo de adaptar os

praticantes aos efeitos causados pela tensão dos processos psíquicos,

estabelecendo dois níveis de análise: i) o modelo das condições em

que se desenrola a actividade (instalações material, luz, a hora do

treino coincidente com a hora da competição, com o tipo de

arbitragem, etc.), ii) o modelo de microclima social (barulho do

público simulado ou treinos com público, pressão do público hostil ou

favorável, da imprensa, etc.). 1.3.1.4. O modelo integrativo

Objectiva fundamentalmente situações de treino que integrem

sucessivamente os modelos técnico-tácticos, de esforço, e de ambiente

anteriormente descritos. Com base neste raciocínio, os exercícios

assim definidos, mais do que pragmatizar uma determinada concepção

de treino, devem, constituir, a expressão da concepção da competição,

isto é, os modelos operativos definidos no treino devem corresponder

e expressar todas as particularidades, especificidades e exigências da

competição da modalidade desportiva em análise.

Neste contexto, tanto Bompa, (1990) como Teodorescu, (1984, 1987),

referem a necessidade de definir um ou vários modelos técnico,

táctico, físico e psicológico para cada praticante na competição

Page 122: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases conceptuais para a construção dos exercícios • 95

(ataque/defesa, cooperação/oposição, defesa/atacante, etc.), e em

qualquer momento do período anual de treino (preparatório,

competitivo, transitório). A conceptualização destes modelos implica

numa primeira fase a observação e análise dos "modelos" mais

representativos de um nível superior de rendimento de forma a

identificar e a caracterizar os seus elementos quantificando e

qualificando a sua eficácia. Numa segunda fase há que seleccionar e

definir os exercícios de treino a utilizar. Com efeito, a partir destes

modelos, constrói-se e organiza-se os exercícios de treino que

consubstanciam:

a aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento dos

modelos técnico-tácticos individuais e colectivos adequados aos

modelos de esforço;

a preparação física de acordo com modelos técnico-tácticos

individuais e colectivos.

Page 123: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE III

O EXERCÍCIO DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

Bases de aplicação dos exercícios de treino

Resp: Jorge Castelo

Page 124: Metodologia Do Treino Desportivo

96 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 3 da Parte III

Abordamos neste Capítulo as bases fundamentais de aplicação do

exercício de treino. Para este efeito, partimos da necessidade de

direccionar, orientar e controlar a actividade prática por forma a

conferir-lhe uma maior eficácia na sua aplicação, estabelecendo

Princípios fundamentais quer no plano biológico, metodológico e

pedagógico, esforçando-nos para que estes não sejam visto de forma

isolada, mas sim como um todo coordenado entre as suas partes.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 6

Page 125: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 97

Parte III

O exercício de treino desportivo

Sumário

Capítulo 3 - Bases de aplicação dos exercícios de treino

1. Os princípios biológicos

1.1. Princípio da sobrecarga

1.2. Princípio da especificidade

1.3. Princípio da reversibilidade

1.4. Princípio da heterocronia

2. Os princípios metodológicos

2.1. Princípio da relação óptima entre o exercício e o repouso

2.1.1. A determinação do exercício óptimo

2.1.2. A determinação do momento óptimo de aplicação de um novo

exercício

2.2. Princípio da continuidade da aplicação do exercício de treino

2.4. Princípio da ciclicidade da carga de treino

2.5. Princípio da individualização do exercício de treino

2.6. Princípio da multilateralidade ou da relação óptima entre a

preparação geral e especial

3. Os princípios pedagógicos

3.1. Princípio da actividade consciente

3.2. Princípio da sistematização

3.3. Princípio da actividade apreensível

3.4. Princípio da estabilidade e desenvolvimento das capacidades do

praticante

Page 126: Metodologia Do Treino Desportivo

98 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

CARVALHO, A. Organização e condução do processo de treino II, Revista

horizonte, Vol.I, nº5, Jan/Fev 1985, pp 163-166

CARVALHO, A. Organização e condução do processo de treino III, Revista

horizonte, Vol.II, nº1, Mai/Jun 1985, pp 14-18

MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros

Horizonte, Lisboa

PROENÇA, J. Metodologia do treino desportivo - problemática e

problematização, Revista Ludens, Vol.3, nº6, Abr/Jun. 1982, pp. 19-24

RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino I, Revista treino desportivo, IIª

série, Vol.11, Março, pp. 55-59

RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino II, Revista treino desportivo, IIª

série, Vol.12, Junho, pp. 55-59

Page 127: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 99

Os exercícios de treino devem obedecer a um conjunto de princípios:

biológicos, metodológicos e pedagógicos, que têm por objectivo fundamental

direccionar, orientar e controlar a actividade prática de forma a conferir uma

maior eficácia na sua aplicação. Todavia, deverá haver um esforço permanente

para que os diferentes princípios não sejam encarados de forma isolada e

compartimentada, mas sim como um todo coordenado entre as suas partes.

1. Os princípios biológicos

Basicamente iremos estudar quatro princípios fundamentais denominados de

biológicos: i) o princípio da sobrecarga, ii) o princípio da especificidade, iii) o

princípio da reversibilidade e, iv) o princípio da heterocronia.

1.1. Princípio da sobrecarga

O exercício de treino só poderá provocar modificações no organismo dos

praticantes melhorando a sua capacidade de rendimento, desde que seja

executado numa duração e intensidade suficientes que provoque uma

activação óptima dos mecanismos informacionais, energéticos e afectivos.

Segundo Burk (1979) "as modificações funcionais causadas no organismo

pelo esforço físico só permitem melhorar o estado de treino quando a sua

intensidade é suficiente para provocar uma activação do metabolismo

energético ou plástico da célula". Ainda segundo este autor "as adaptações

que beneficiam a actividade Humana só se produzem quando respondem a

tensões aplicadas a níveis superiores aos limites, mas sempre dentro dos

limiares de tolerância... Os níveis abaixo destas tensões aos quais o

organismo se adaptou não são suficientes para produzir a adaptação ao

treino".

Page 128: Metodologia Do Treino Desportivo

100 • Metodologia do treino desportivo I !

Segundo a lei de Roux Arndt-Schultz, as:

• cargas de fraca intensidade (inferiores ao habitual); provocam uma

atrofia e uma perda de capacidades, já que há uma diminuição da

actividade do organismo;

• cargas de média intensidade (habituais): mantêm o mesmo nível

estrutural e de capacidade de rendimento. Não têm consequentemente

efeito de treino;

• cargas de intensidade forte (superiores ao habitual): provocam um

melhor arranjo estrutural e consequentemente uma melhoria funcional.

Tem efeito de treino; e,

• cargas de intensidade demasiado forte: provocam habitualmente um

esgotamento e uma perda de capacidades, já que ultrapassa os limites

fisiológicos.

Figura 16. As modificações funcionais para as diferentes intensidades da carga

Por último, os diferentes exercício que constituem a unidade de treino

estabelece a mobilização duma diversidade e de um nível mais ou menos

elevado de recursos informacionais, energéticos e afectivos, do(s)

praticante(s). Esta mobilização é altamente individualizada, ou seja, uma

mesma carga de treino pode ser forte para um praticante e fraco para outro.

Page 129: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 101

Neste sentido, esta deverá encarada sob dois vertentes:

a carga externa: traduz as tarefas que o praticante deverá cumprir na

unidade de treino (cumprimento dos conteúdos estabelecidos pelo

treinador); e,

a carga interna: corresponde à repercussão ao nível dos diferentes

recursos do praticante (altamente individualizada), que a aplicação da

carga externa provoca.

1.2. Princípio da especificidade

Embora a especificidade se constitua como uma das características

fundamentais do exercício de treino, esta estabelece-se igualmente como um

dos seus princípios biológicos. Com efeito, se compararmos praticantes de

diferentes especialidades desportivas verificamos por exemplo, que um

saltador em altura e um jogador de futebol, ambos necessitam de uma

elevada potência muscular, particularmente ao nível dos membros

inferiores, que lhes permita uma grande capacidade de impulsão. Todavia, o

domínio técnico que é determinado pelas suas especialidades desportivas

(atletismo e futebol), estabelece diferentes exercícios de treino que são

específicos das modalidades em questão.

Brouha (1970) realizou experiências em corredores de fundo e a remadores,

aplicando a ambos uma prova de esforço. Enquanto os remadores corriam

sobre o tapete rolante, os corredores remavam. Controlando-se a frequência

cardíaca e a concentração de ácido láctico no sangue. As reacções do

sistema cardiovascular foram similares, enquanto que as concentrações de

ácido láctico no sangue mostravam variações de acordo com o teste

realizado e com a natureza da especificidade da modalidade. Os remadores

acumulavam mais ácido láctico quando corriam e os fundistas acumulavam

mais ácido láctico quando remavam. Assim o exercício de treino, tem uma

Page 130: Metodologia Do Treino Desportivo

102 • Metodologia do treino desportivo I !

relação específica definida e direccional com o grau de recrutamento dos

recursos do praticante que, por sua vez, em função dos níveis de

adaptabilidade destes ao exercício, consubstanciam uma maior ou menor

produção de substâncias (por exemplo o ácido láctico) que devido à sua

acumulação provocam o aparecimento precoce da fadiga, quando se realiza

um esforço para o qual o indivíduo não está especificamente preparado. Não

se pode ser desportivamente universal, refere Matveiev (1977), "este

princípio estabelece que a concentração de tempo e esforço numa

determinada modalidade desportiva é uma condição objectiva e necessária

para se poder alcançar resultados elevados".

Neste contexto, as modificações que se produzem no organismo através do

treino têm um carácter perfeitamente dirigido a objectivos concretos. O

conceito de especificidade do exercício é reforçado pelo facto de existir

fontes específicas de energia, dentro de cada músculo que respondem a

exercícios específicos. Ou seja, existe uma diferença entre os tipos de

produção de energia necessária para as diferentes actividades físicas. Com

efeito, no treino da velocidade predominam nos músculos reacções

anaeróbias, no caso do treino da resistência predominam as reacções

aeróbias. Mas, por exemplo, se no treino se trabalha uma série de gestos

técnicos à velocidade máxima (especificidade), logo que haja uma

diminuição desta (devido à fadiga), começa a modificar-se a direcção em

que se realiza o processo de adaptação e o efeito de treino será cada vez

mais de resistência e menos de velocidade.

Outro elemento importante e o que se refere à estimulação nervosa

voluntária. Burke (1979), considera que a melhoria das capacidades

funcionais através da actividade física, são específicas quando o desportista

pratica os exercícios de treino dirigidos a uma estimulação nervosa

voluntária. O exercício passivo, como por exemplo a massagem a

Page 131: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 103

estimulação eléctrica directa dos músculos por meios artificiais só são

adequados em situações patológicas.

1.3. Princípio da reversibilidade

As alterações do organismo adquiridas ao longo das actividades inerentes

aos exercícios de treino são transitórias. Mas também, não podemos afirmar

o desaparecimento total de uma adaptação, até aos níveis iniciais. Isto

porque as adaptações conseguidas através do exercício determinam um

traço no organismo humano, há por assim dizer o aparecimento de uma

nova adaptação, se por um lado, o efeito de treino é função da

especificidade do exercício e, por outro, os efeitos são transitórios,

logicamente há adaptações que permanecem mais tempo que outras.

Neste contexto, podemos afirmar:

as cargas de grande volume e de pequena intensidade, têm um efeito

de treino mais prolongado;

as cargas de grande intensidade e de pequeno volume, têm um efeito

mais breve;

as aquisições que levam mais tempo a ser obtidas, mantêm-se durante

muito mais tempo;

o decréscimo dos efeitos da adaptação da carga, será tanto maior

quanto mais recente e menos consolidados forem os níveis de adaptação.

Concluindo, o decréscimo dos efeitos do exercício de treino, será tanto maior

quanto mais recente e menos consolidados forem os níveis de adaptação, ou

por outras palavras, as aquisições que levam mais tempo a ser obtidas,

mantêm-se durante muito mais tempo.

Page 132: Metodologia Do Treino Desportivo

104 • Metodologia do treino desportivo I !

Exercícios

de força

Treino de

força

Exercícios

de potência

Treino de

potência

Exercícios

resistência

Treino de

resistência

??

Figura 17. O princípio da especificidade (Edington e Edgerton, 1976)

1.4. Princípio da heterocronia

Entre o momento em que se executa os exercícios de treino e o

aparecimento do correspondente processo de adaptação existe um

desfasamento temporal. Com efeito, depois da aplicação de um ou série de

exercícios de treino surge inicialmente uma perda de capacidades que são

devidas à utilização dos recursos informacionais e energéticos e que se

traduzem num estado denominado de fadiga. O organismo, como que numa

atitude de auto-defesa às "agressões" regenera-se ultrapassando o nível

inicial consubstanciando momentaneamente uma maior capacidade do

praticante.

Como os exercícios de treino têm um efeito específico, logicamente que

essa especificidade traduz o momento em que surge o efeito retardado do

exercício, logo há exercícios que têm um efeito mais rápido que os outros.

Basicamente, o efeito retardado do exercício é função da intensidade do

mesmo, pois parece existir uma relação directa entre os tempos de

mobilização, aquisição e manutenção das capacidades. Neste sentido,

quanto maior for a intensidade do exercício, de curta duração (já que há um

rápido esgotamento da capacidade funcional) mais rapidamente o efeito do

exercício se faz sentir, todavia, também mais rapidamente desaparece esse

efeito quando deixamos de fazer esse tipo de esforço. Contrariamente,

quanto menor for a intensidade do exercício, e longa a sua duração

(esgotamento lento da capacidade funcional dos praticantes) mais tarde o

efeito de treino se fará sentir, todavia, mais lentamente desaparece esse

efeito, quando deixamos de fazer esse tipo de esforço.

Page 133: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 105

É através do conhecimento deste princípio biológico e, da dinâmica das

cargas e da adaptação, que se pode controlar a elevação ou diminuição

(dentro de certos parâmetros) da forma desportiva, considerada como um

estado temporário em que as diferentes qualidades físicas, técnico-tácticas, e

psicológicas, se encontram num ponto alto do seu processo de

desenvolvimento.

Com efeito, é necessário saber como, e qual o grau de predominância que se

deve mobilizar os recursos dos praticantes, e os factores de treino

implicados no rendimento desportivo de uma dada modalidade, para que os

efeitos apareçam num mesmo momento, que deverá ser traduzido na

competição.

Carga I

Carga III

Carga IV

Carga II

Competição

Tempo

Din

âm

ica d

a c

arg

a

Figura 18. Princípio da heterocronia

2. Os princípios metodológicos

Basicamente iremos estudar seis princípios fundamentais denominados de

metodológicos: i) o princípio da relação óptima entre o exercício e o repouso, ii)

o princípio da continuidade da aplicação do exercício de treino, iii) o princípio

da progressividade do exercício de treino, iv) o princípio da ciclicidade do

Page 134: Metodologia Do Treino Desportivo

106 • Metodologia do treino desportivo I !

exercício, v) o princípio da individualização do exercício de treino e, vi) o

princípio da multilateralidade ou da relação óptima entre a preparação geral e

especial.

2.1. Princípio da relação óptima entre o exercício e o repouso

Como foi amplamente referido ao longo deste trabalho, uma eficiente

organização estrutural e funcional do organismo, é consubstanciado por um

recrutamento racional e específico dos recursos informacionais, energéticos

e afectivos, necessários à resolução eficaz das situações competitivas. O

correcto e preponderante recrutamento dos referidos recursos estabelecem a

base de uma maior capacidade de rendimento do(s) praticante(s), que por

sua vez, necessita de efectuar uma série de exercícios de treino, os quais

conduzirão primeiramente o organismo a um estado de fadiga que

corresponde a uma "desorganização estrutural". Ao processar-se a

regeneração (recuperação) o organismo, como que numa atitude de

auto-defesa a "agressões", ultrapassa o nível inicial podendo

momentaneamente fazer uso de uma maior capacidade funcional.

Embora, a construção e aplicação dos exercícios de treino devem decorrer

cada vez mais, por um lado, da reflexão metodológica da análise

competitiva da modalidade desportiva em causa e, por outro, da

profundidade do conhecimento de como os praticantes aprendem e se

desenvolvem do ponto de vista da motricidade, relegando perspectivar o

treino numa "simples" alternância entre carga (esforço) e descanso

(recuperação). O estudo do princípio da relação óptima entre o exercício e o

repouso centra-se fundamentalmente no organismo do praticante sendo

Page 135: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 107

regido por leis biológicas. Todavia, importa tomar em consideração que este

processo não é tão linear nem tão determinista, como parece numa primeira

análise. A relação dialéctica entre o organismo e os exercícios de treino

encontra aqui apenas um elemento de base, e só isso.

Sucintamente, pode-se dizer que neste ponto surgem duas questões

essenciais que é necessário equacionar: a determinação do exercício óptimo,

e a determinação do momento óptimo de aplicação de um novo exercício.

2.1.1. A determinação do exercício óptimo

Esta questão interliga-se incondicionalmente com o estado do atleta, o

qual está sujeito a múltiplas variações, a uma actualização constante, em

consequência de todos os agentes que sobre si actuam, uma grande parte

é de muito difícil controlo. A determinação do estado das estruturas

informacionais, energéticas e afectivas do(s) praticante(s), constitui o

factor decisivo na selecção e aplicação da exercício óptimo, que visa a

obtenção de um determinado efeito, concordante com os objectivos

traçados.

Esta relação é de tal modo íntima, que a certos níveis torna-se

problemático avaliar qual o verdadeiro efeito do exercício podendo

mesmo ser contrário ao pretendido. A avaliação do praticante e a

determinação do exercício óptima é uma questão de capacidade e

experiência do treinador, em relação à especificidade da modalidade

desportiva em causa.

Concluindo, é fundamental ajustar as componentes do treino, como por

exemplo a intensidade, a duração, a complexidade, etc., à capacidade dos

praticantes, propondo exercícios que solicitem uma capacidade mais

elevada mas que continuem adaptadas às possibilidades dos

intervenientes. Logo, quanto mais as componentes do exercício de treino

Page 136: Metodologia Do Treino Desportivo

108 • Metodologia do treino desportivo I !

se aproximam do valor óptimo relativo à capacidade do praticante "no

momento da carga", melhor se processa a adaptação. Ao contrário quanto

maior for a diferença em relação a esse valor óptimo (para mais ou para

menos), menos eficiente será essa adaptação.

2.1.2. A determinação do momento óptimo de aplicação de um novo exercício

Esta questão relaciona o tempo de intervalo entre a aplicação de dois

exercícios ou de duas unidades de treino. A solução é frequentemente

estabelecida seguindo a concepção da curva de Folbort, segundo a qual, o

tempo de recuperação entre a aplicação das cargas de treino é

determinada pela mútua relação existente entre os processos de fadiga e o

restabelecimento das capacidades funcionais do organismo.

Figura 19. A curva de Folbort

I - Carga de Treino corresponde à excitação da função A - Ponto de fadiga. Diminuição momentânea das capacidades funcionais.

II - Período durante o qual os efeitos da sessão de treino se fizeram sentir com maior intensidade. Reorganização da estrutura

B- Ponto mais elevada Supercompensação. Nível de organização estrutural superior ao normal III - Período de Supercompensação. Melhoria da função, melhoria do rendimento.

Quando os exercícios que configuram a unidade de treino são aplicados

de forma intensa, mas o tempo que medeia a aplicação de uma nova

unidade de treino é demasiado longo, não haverá uma adaptação dos

diferentes recursos do praticante ao esforço. Didacticamente, podemos

Page 137: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 109

afirmar que as potencialidades do praticante, depois de estarem

momentaneamente aumentadas (fase de supercompensação), retomam o

seu nível inicial.

Figura 20. O tempo que medeia a aplicação entre duas unidades de treino é demasiado

longo

Pelo contrário, quando durante a unidade de treino os exercícios são

aplicados de forma intensa, e o tempo que medeia a aplicação de uma

nova unidade de treino é demasiadamente curto, provoca-se a degradação

das potencialidades do praticante, tendo o treino um efeito negativo,

perdendo assim, toda a sua eficácia.

Figura 21. O tempo que medeia a aplicação entre duas unidades de treino é

demasiado curto

A aplicação de cargas em intervalos óptimos, provoca a melhoria

progressiva das potencialidades do praticante. Isto deverá acontecer,

quando a nova unidade de treino é aplicada no momento, em que ainda

não desapareceram todas as "sequelas" do treino precedente.

Esta regra não pode ser aplicada forçosamente a cada unidade de treino,

pois, numa fase mais elevada do praticante, este já não reage tão

facilmente às cargas simples, como no início da mesma. Assim, torna-se

necessário criar-se periodicamente situações em que se verifique o

somatório do efeito de uma série de sessões de treino numa perspectiva

Page 138: Metodologia Do Treino Desportivo

110 • Metodologia do treino desportivo I !

de ausência parcial de recuperação. Por exemplo, o somatório de vários

treinos (microciclo) é, considerado neste caso, como a carga total. O

objectivo desta medida é a de forçar os mecanismos de adaptação dos

diferentes recursos dos praticantes a enfrentar maiores exigências.

Podemos afirmar que enquanto que uma fase de supercompensação é

rapidamente transformada, num nível mais elevado de rendimento nos

praticantes em desenvolvimento, este processo leva semanas ou meses

em atletas de alto rendimento. Toda a carga óptima acarreta consigo um

traço de supercompensação, mas para o praticante de elite, o aumento do

seu rendimento resulta do efeito acumulativo das cargas de treino,

aumento esse que se processará por intervalos não necessariamente

regulares. Matveiv (1977) chama-lhe "transformação demorada".

Figura 22. O tempo que medeia a aplicação entre duas unidades de treino é óptimo

"A correcta gestão das componentes de qualquer exercício ou conjunto

de exercícios, é inseparável do conhecimento preciso do estado de

recuperação das estruturas solicitadas, entre treinos consecutivos, entre

treinos de natureza idêntica, entre competições, entre treinos e

competições, ou entre exercícios na mesma unidade de treino" (Proença,

1990).

Page 139: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 111

Figura 23. Somatório do efeito de uma série de sessões de treino

Concluindo, "a correcta gestão das componentes de qualquer exercício

ou conjunto de exercícios, é inseparável do conhecimento preciso do

estado de recuperação das estruturas solicitadas, entre treinos

consecutivos, entre treinos de natureza idêntica, entre competições, entre

treinos e competições, ou entre exercícios na mesma unidade de treino"

(Proença, 1990).

O desenvolvimento do nível de adaptação e consequentemente da

capacidade de rendimento efectua-se muito rapidamente no princípio do

treino, e torna-se depois mais lento e laborioso.

Figura 24. O nível de rendimento em função do tempo de treino

2.2. Princípio da continuidade da aplicação do exercício de treino

Para existir adaptação, os exercícios de treino devem ser aplicados

regularmente, isto é, a sistematização do trabalho programado não deverá

permitir uma quebra de continuidade desta, apresentando uma intervenção

Page 140: Metodologia Do Treino Desportivo

112 • Metodologia do treino desportivo I !

unitária de todas as variáveis interactuantes. "As cargas de treino devem

realizar-se de forma suficientemente espaçada, para que tenha lugar o

crescimento dos tecidos, a reposição energética e a síntese bioquímica, se

bem que devem ser suficientemente frequentes para contribuir para o

desenvolvimento fisiológico" (Burke).

Com efeito, a interrupção demasiado prolongada do processo de treino, leva

a um retrocesso de capacidades de rendimento do atleta (princípio da

reversibilidade). Assim, para que o processo de treino seja contínuo, é

necessário, em princípio que a nova sessão de treino seja aplicada quando

ainda não desapareceu o efeito da sessão anterior, sempre que possível no

período de supercompensação, em que as capacidades funcionais do atleta

estão momentaneamente aumentadas. Segundo Matveiev (1977), o princípio

da continuidade caracteriza-se por três proposições:

o treino desportivo consiste, na realidade, num encadeamento de

máximo efeito da especialização desportiva;

a ligação entre os vários elos desse encadeamento é garantida na base

da continuidade dos efeitos de treino imediatos, atrasados e acumulados;

e,

os intervalos entre as sessões de treino são mantidos entre os limites

que asseguram, como tendência geral, um desenvolvimento constante do

nível de preparação.

Continuidade significa igualmente repetição sistemática das diferentes

actividades consubstanciadas pelo exercício, na medida que esta repetição é

essencial para que os efeitos de treino "não se percam". Contudo, esta

repetição não se processa ao acaso mas devidamente adaptada às

circunstâncias e objectivos a atingir. Com efeito, a eficiência das "respostas"

depende da fixação e integração, as quais por sua vez, dependem de uma

periodicidade mínima na execução dessas actividades. "O princípio da

continuidade do processo de treino não se reduz, à exigência de repetir os

efeitos de treino tantas vezes quantas possível. Pressupõe uma combinação

Page 141: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 113

regular dos elementos recorrentes e mutáveis do sistema das sessões de

treino e permite muitas variantes de planeamento da sessão de treino desde

que elas ajudem a assegurar um ritmo relativamente intenso do

desenvolvimento gradual do nível de treino" (Matveiev, 1977).

2.3. Princípio da progressividade do exercício de treino

Após a aplicação de um ou série de exercícios de treino com uma

determinada intensidade, segue-se a adaptação do organismo. Passando este

a dispor de um nível mais elevado de capacidade que corresponde a um

maior potencial de recursos disponível. Para mobilizar esta "nova"

capacidade, dever-se-à aplicar exercícios de treino mais complexos e mais

difíceis, pois, exercícios que se mantenham imutáveis, podem causar uma

melhoria durante um certo tempo, provocando uma diminuição do grau de

recursos, mas o seu efeito diminui até se manter num estado estacionário de

adaptação. "Estagnação da carga de treino, significa a estagnação das

resultados" (Harre).

Todavia, os esforços intensos não são ilimitados, não só devido ao

esgotamento das substâncias energéticas, mas também da inibição do

organismo em continuar o esforço, como medida de segurança. Quando

através do treino com a adaptação progressiva do organismo a esforços

crescentes, aumenta a capacidade de resposta emocional, aumenta a

mobilização das reservas e substâncias energéticas intensificando-se desta

forma a capacidade de trabalho (supercompensação). Assim, para que o

organismo possa suportar o regime de intensidade preconizada, sem perigo

para a saúde e normal desenvolvimento das capacidades, tem de se definir

esse regime de modo progressivo e de acordo com a melhoria da adaptação

funcional. O aumento da carga de treino sem que se tenha em conta esta

adaptação, pode representar um estímulo excessivo e conduzir a uma

diminuição das capacidades para além de outros efeitos prejudiciais. Logo, a

Page 142: Metodologia Do Treino Desportivo

114 • Metodologia do treino desportivo I !

progressão das cargas deve respeitar os mecanismos de regeneração, ou seja

a capacidade que o indivíduo possui de recuperar do esforço.

As unidades de treino podem ser aumentadas das seguintes formas:

pelo aumento do volume da unidade de treino, que corresponderá a

uma maior duração quer dos exercícios, do número de repetição destes,

das sessões de treino, etc;

pelo aumento da intensidade da carga, que corresponderá a um

aumento da velocidade de execução, e um menor tempo de pausa entre

uma ou outra série de exercícios (densidade), etc;

pelo aumento da complexidade ou da dificuldade dos exercícios, que

corresponderá a uma maior concentração do praticante, sobre a análise e

resolução das situações competitivas, com a correspondente resposta

motora (execução técnico-táctica).

Os tipos de progressão das cargas que normalmente se consideram são:

• progressão linear ( );

• progressão por níveis ( ); e a,

• progressão ondulada ( ).

O organismo reage mais intensamente à forma de progressão ondulada, por

ser este que melhor se identifica. Ao alternar-se cargas fortes com cargas

fracas, a acumulação destas permite uma reacção mais intensa do

organismo, assim como uma maior estabilidade dos efeitos produzidos,

devido a um "distúrbio" mais acentuado no equilíbrio dinâmico orgânico,

solicitando, não só maiores exigências das capacidades funcionais do atleta

como maior intensificação dos seus processos de adaptação.

Segundo Matveiv (1977), é possível mostrar-se um esquema orientador das

tendências gerais das cargas nos diversos intervalos do processo de treino.

De acordo com tal sistema, existem 3 tipos de ondas:

pequenas: que caracterizam a dinâmica da carga nos microciclos que

compreendem entre 2 a 7 dias;

Page 143: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 115

medias: que exprimem a tendência geral das cargas de umas quantas

"ondas" pequenas (por exemplo 3 a 6, ou seja 3 a 4 meses), nos limites

das etapas do treino; e,

grandes: que caracterizam a tendência geral das "ondas" médias, nos

períodos de treino.

Ainda segundo o mesmo autor (1977), a arte de estruturação do treino

consiste, em grande medida, na combinação correcta de todas as "ondas"

entre si, quer dizer, em assegurar a correspondência necessária entre a

dinâmica das cargas nos microciclos (conjunto de "ondas" pequenas) nas

tendências mais gerais do processo de treino (macrociclo). Concluindo, as

cargas de treino, terão de ser modificadas periodicamente e o seu

crescimento realiza-se em saltos, que aumentam em concordância com as

necessidades de adaptação do organismo.

2.4. Princípio da ciclicidade do exercício de treino

O aumento das capacidades funcionais do praticante, que corresponderá ao

melhoramento do seu rendimento, tem um carácter essencialmente cíclico

(alternância), assim como a estrutura (objectivos, conteúdo, forma, nível de

performance) dos exercícios ou séries de exercícios que constituem as

unidades de treino necessárias para o atingir.

A eficiência deste princípio depende particularmente do planeamento do

treino, em que se estabelece a necessidade de repetir de forma sistemática e

racional os elementos dinâmicos fundamentais da modalidade desportiva em

causa, e de modificá-los numa sequência lógica em função das fases ou

períodos de treino.

Page 144: Metodologia Do Treino Desportivo

116 • Metodologia do treino desportivo I !

Com efeito, cada ciclo sucessivo é uma repetição parcial do anterior,

exprimindo concomitantemente as tendências da evolução do processo de

treino, difere assim do anterior, pelo seu conteúdo renovado, pela

modificação parcial de meios e métodos utilizados, pelo incremento das

cargas, etc. A utilização racional dos meios e métodos de treino, segundo

Matveiev (1977), é determinado pela sua efectivação no momento adequado

dentro da estrutura dos ciclos de treino - visto que qualquer exercício, meio

ou método, por muito bom que seja em si, perde a eficácia quando não é

utilizado no devido momento ou quando é utilizado de maneira deslocada,

sem se levar em linha de conta as particularidades das fases e períodos do

treino.

Concluindo, a essência do princípio do carácter cíclico dos exercícios

exprime-se concretamente na análise pormenorizada dos fundamentos

estruturais do planeamento do processo de treino.

2.5. Princípio da individualização do exercício de treino

O ser humano possui uma individualização biológica e psicológica

(fenómeno que explica a variabilidade entre os elementos da mesma

espécie), ou seja, cada praticante reage e adapta-se de forma diferente a um

ou sequência de exercícios de treino semelhantes. Isto explica o facto de

diferentes adaptações do sistema motor, e dos outros orgãos aos mesmos

exercícios de treino, não só nos diferentes praticantes, como também nos

mesmos praticantes durante os diferentes períodos de preparação.

Consequentemente obriga-nos a admitir que as modificações dos gestos

(afinamento técnico do gesto) e do resultado desportivo (eficiência e

rendimento do gesto técnico) e das transformações hormonais, metabólicas,

etc., (orgânicas) durante o exercício de treino exercem uma influência

Page 145: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 117

importante na capacidade de cada praticante em se adaptar às actividades.

Concluindo, o que é fundamental equacionar é que a eficiência funcional de

cada praticante é diferente, logo, a aplicação de qualquer exercício de treino

requer uma estreita individualização dos meios e métodos a utilizar, os quais

deverão corresponder estritamente às capacidades individuais dos

praticantes tendo em conta os aspectos orgânicos, adaptativos e os seus

ritmos de evolução (aprendizagem, aperfeiçoamento). 2.6. Princípio da multilateralidade ou da relação óptima entre a preparação geral e

especial

O rendimento numa determinada modalidade desportiva, não se baseia

apenas na sua prática específica. O organismo é um todo, o

desenvolvimento de uma capacidade, não pode acontecer isoladamente do

desenvolvimento das outras capacidades.

Sobre este princípio Matveiv (1977), estabelece três proposições

fundamentais na unidade da preparação geral e da preparação especial dos

praticantes: i) a inseparabilidade da preparação geral da especial, ii) o

intercondicionalismo do conteúdo da preparação geral e especial e, iii) a

incompatibilidade da preparação geral com a preparação especial.

2.6.1. A inseparabilidade da preparação geral e da preparação especial

A especialização desportiva não exclui o desenvolvimento múltiplo do

praticante. Pelo contrário, o progresso máximo num determinado

desporto só é viável, através do desenvolvimento geral das possibilidades

funcionais do organismo e do desenvolvimento múltiplo das

possibilidades técnicas, tácticas, físicas e psicológicas. Este princípio é

explicado, pela unidade do organismo que consiste na interdependência

orgânica de todos os seus elementos, sistemas e funções no processo da

actividade e no seu desenvolvimento (ainda que cada desporto requeira

correlações- especiais). E pelas interacções dos diferentes hábitos

motores, pois quanto mais amplo for este circulo, mais favoráveis serão

Page 146: Metodologia Do Treino Desportivo

118 • Metodologia do treino desportivo I !

as premissas para que se consiga novas formas de actividade motora e o

aperfeiçoamento dos já assinalados.

2.6.2. O intercondicionalismo do conteúdo da preparação geral e da preparação

especial

O conteúdo da preparação especial depende dos pré-requisitos que são

criados pela preparação geral Todavia, o conteúdo da preparação geral

adquire particularidades que são determinadas pela especialização

desportiva. Por paradoxal que isto pareça, a preparação geral do

praticante vai-se especializando à medida que se aprofunda a sua

especialização desportiva. Com efeito, o sentido básico da especialização

da preparação geral consiste em esta estabelecer um efeito de

transferência positiva para a preparação especial ou, pelo menos,

restringir o efeito da transferência negativa. Neste sentido se explica, as

diferenças dos meios e métodos de treino de preparação geral para cada

caso concreto de especialização desportiva, que se exprimem tanto mais

significativamente quanto mais diferem entre si as respectivas

modalidades. Também, Vorabiev, considera que a preparação geral influi

positivamente sobre a capacidade do organismo Humano e tem um papel

preponderante para atingir altos níveis de rendimento desportivo.

Contudo, a preparação geral deve ser constituído na base e no respeito da

especificidade da modalidade praticada, tanto os meios e métodos de

treino como o volume e intensidade.

2.6.3. A incompatibilidade da preparação geral com a preparação especial

A preparação geral e especial tem de ser compreendida como uma

unidade. Logo, isto levanta um problema de combinação óptima da

preparação geral com a preparação especial, ou seja, a medida da sua

correlação. Assim, nem todas as correlações destes aspectos no decurso

do treino serão úteis para o aperfeiçoamento desportivo. Por exemplo,

Page 147: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 119

um volume excessivo de preparação geral acarreta uma diminuição do

volume de preparação especial necessário e, portanto, do seu efeito,

expresso na consecução de um especial nível de treino. Por outro lado,

uma diminuição exagerada do volume de preparação geral em proveito

da preparação especial faz estreitar a base da especialização desportiva o

que, no fim de contas, exerce também uma influência desfavorável na

melhoria dos resultados desportivos.

Figura 25. As relações de proporcionalidade entre a preparação geral e especial ao

longo do período anual de treino

3. Os princípios pedagógicos

3.1. Princípio da actividade consciente

O exercício de treino deverá ter como objectivo último a "construção" de

praticantes que conseguem resolucionar as diferentes situações de jogo de

forma autónoma, consciente e criativa. Isto só é possível, se a actividade ser

organizada consubstanciando o empenhamento activo e consciente dos

praticantes na execução das exigências determinadas pelo exercício de

treino, o que pressupõe a compreensão clara dos objectivos operacionais,

Page 148: Metodologia Do Treino Desportivo

120 • Metodologia do treino desportivo I !

dos conteúdos para a concretização destes, e os níveis de performance, isto

é, da avaliação dos resultados produzidos.

Daí que, torna-se por vezes necessário a explicação sumária das finalidades

do exercício de treino (objectivos), bem como das condições que o

acompanham e de instruções precisas para a sua realização. Neste sentido,

as intervenções do professor/treinador, antes, durante, e depois do exercício

de treino são uma via para a actividade consciente dos praticantes sem o

qual a sua racionalização (objectividade, modelação) não poderá ser

entendida como uma das etapas para a cientificação do treino. 3.2. Princípio da sistematização

Para a aquisição de uma capacidade específica, os praticantes passam por

um conjunto de etapas traduzidas pela aplicação de um conjunto de

exercícios de treino aplicados de forma sistematizada e integrada num todo.

Neste sentido, para se atingir um objectivo mais elevado (global) dever-se-à

estabelecer um processo de progressão pedagógica, prevista

antecipadamente, através se irá rentabilizar e racionalizar a diversidade e o

grau de mobilização de recursos a serem utilizados.

3.3. Princípio da actividade apreensível

Este princípio estabelece um compromisso entre a complexidade e a

dificuldade do exercício de treino, com a capacidade (habilidade) do(s)

praticante(s). Com efeito, as exigências do exercício deverá estabelecer-se

do simples para o complexo, do conhecido para o desconhecido, do pouco

para o muito, e do concreto para o abstracto.

3.4. Princípio da estabilidade e desenvolvimento das capacidades do praticante

Page 149: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de aplicação do exercício de treino • 121

O exercício de treino correctamente construído e orientado pressupõe uma

lógica que consubstancia a aquisição de determinadas capacidades motoras

e intelectuais específicas dos seus praticantes. Todavia, para que o exercício

de treino tenha êxito é necessário que os praticantes passem por um ciclo

de: aquisição, estabilização, e desenvolvimento, sem o qual a evolução da

capacidade de rendimento será irremediavelmente equacionado. Com efeito,

o referido ciclo é fomentado por dois factos essenciais: i) o treino e a

competição sistemática (a prática estimula a inactividade retrocede), e, ii) de

uma avaliação e controlo frequentes (que poderá determinar, ou não, a

modificação dos métodos e dos conteúdos do exercício de treino).

Clarificados os aspectos fundamentais referentes à natureza e à estrutura dos

exercícios de treino, iremos seguidamente debruçarmo-nos sobre as bases

conceptuais:

• para a construção dos exercícios a partir de três perspectivas;

associativista, da forma, e estruturalista; e,

• da eficiência do exercício baseada numa preocupação de unidade (das

actividades, do praticante, e da equipa), num correcto seleccionamento e

correcção do exercício, bem como a motivação inerente à sua prática.

w

Page 150: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE III

O EXERCÍCIO DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 4

Bases da eficácia dos exercícios de treino

Resp: Jorge Castelo

Page 151: Metodologia Do Treino Desportivo

122 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 4 da Parte III

Por último, o Capítulo 4 procura eventariar as bases da eficácia de

aplicação dos exercícios de treino. Com efeito, qualquer exercício não

provoca necessária e exclusivamente os mesmos efeitos - positivos ou

negativos. Neste sentido, é correcto e pertinente a sistematização e

análise dos elementos que assumem particular importância neste

contexto., tais como: a preocupação de unidade (da actividade, do

praticante e da equipa), seleccionar correctamente o exercício (fazendo-

o corresponder à lógica interna da modalidade e às capacidades do

praticante), repetir para consolidar os elementos críticos do exercício,

corrigir e motivar correctamente para o exercício.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 7

Page 152: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de eficácia do exercício de treino • 123

Parte III

O exercício de treino desportivo

Sumário

Capítulo 4 - Bases de eficácia dos exercícios de treino

1. Preocupação de unidade do exercício de treino

1.1. Unidade da actividade

1.2. Unidade do praticante

1.3. Unidade da equipa

2. Seleccionar correctamente o exercício de treino

2.1. Fazer correlacionar a lógica interna da modalidade com o exercício

de treino

2.2. Ajustar os níveis de complexidade e dificuldade à capacidade dos

praticantes

3. Repetição sistemática do exercício de treino

3.1. Repetir para consolidar os elementos críticos do exercício de treino

4. Corrigir correctamente o exercício de treino

4.1. Aspectos chave para a correcção do exercício de treino

5. Motivar correctamente para o exercício de treino

5.1. Aspectos chave para a motivação no exercício de treino

Bibliografia:

Page 153: Metodologia Do Treino Desportivo

124 • Metodologia do treino desportivo I !

BAYER, C. (1979) L´enseignement des jeux sportifs collectifs, Editions Vigot,

Paris

BAYER, C. (1974) La pratique du hand-ball et son approche psycho-social,

Librairie J.Vrin, Paris

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt

publishing company, USA

FAMOSE, J.P. (1990) Apprentissage moteur et difficulté de la tache, INSEP -

Publications, Paris

MAHLO, F. (1966) O acto táctico, Compendium, Lisboa

SALMELA, H. (1975) Manipulation de l'information au volleyball, Révue

Mouvement, Vol.10, nº2, Juin, pp. 83-95

ULATOWSKI, T. (1975) La theorie de l´entrainement sportif. Comité

Internacional Olympique

Page 154: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de eficácia do exercício de treino • 125

Dos raciocínios expostos, é incontestável a importância dos exercícios de

treino no contexto de desenvolvimento do rendimento desportivo dos

praticantes. Todavia, há que evidenciar que nem todos os exercícios são iguais,

isto é, nem todos provocam os mesmos efeitos, nem todos têm a mesma

eficácia em função dos objectivos que se pretendem atingir. Neste sentido, é

importante e pertinente referenciar quais os elementos, que segundo a nossa

opinião, assumem particular importância na eficácia dos exercícios de treino: i)

preocupação de unidade do exercício de treino, ii) seleccionar correctamente o

exercício de treino, iii) repetição sistemática do exercício de treino, iv) corrigir

correctamente o exercício de treino e, v) motivar correctamente para o exercício

de treino.

1. Preocupação de unidade do exercício de treino

A aplicação dos exercícios de treino dever-se-à apoiar numa preocupação de

unidade, a qual é entendida sob três vertentes: a unidade da actividade, a

unidade do praticante, e a unidade da equipa.

1.1. Unidade da actividade

As diferentes actividades que os exercícios de treino contêm devem ser

devidamente coordenadas de forma a constituírem um processo unitário e

global, um todo. Esta preocupação deve presidir em cada sessão de treino

(unidade), assim como a cada período semanal (microciclo), mensal

(mesociclo), e anual (macrociclo).

1.2. Unidade do praticante

Os exercícios de treino devem ser dirigidos aos praticantes, às suas

características, particularidades e capacidades. Com efeito, a actividade

realizada pelos praticantes têm repercussões não só ao nível do seu

rendimento, mas também, ao nível do seu comportamento global.

Page 155: Metodologia Do Treino Desportivo

126 • Metodologia do treino desportivo I !

1.3. Unidade da equipa

Os exercícios de treino devem ser dirigidos à equipa. Partindo-se de uma

concepção dever-se-à procurar atingir um modelo de jogo que

consubstancie um conjunto de características fundamentais que, em última

análise, estabelecem a expressão táctica da equipa.

2. Seleccionar correctamente o exercício de treino

É importante questionarmo-nos se todo e qualquer exercício consubstancia o

melhoramento do rendimento desportivo dos praticantes. Em nossa opinião,

cremos que não, mesmo quando tomamos como ponto de referência diferentes

praticantes com diferentes níveis de rendimento. Com efeito, praticantes em

formação, exercícios mal seleccionados e repetidos sistematicamente irão

equacionar de forma inequívoca toda a capacidade de resposta destes no futuro,

isto é, na assimilação de novos e complexos conteúdos da modalidade em

questão. Enquanto nos praticantes de alto rendimento, exercícios mal

seleccionados irão equacionar de forma inequívoca toda a capacidade de

desenvolvimento, na estagnação e mesmo retrocesso dos resultados aí

conseguidos. Nesta dimensão, deriva a necessidade premente de seleccionar e

organizar o(s) exercício(s) de treino que responda(m) adequadamente às

exigências de uma determinada situação, seja ela de aprendizagem, de

aperfeiçoamento, ou de desenvolvimento.

Como refere Bompa (1990) "no treino existe um grande número de exercício,

alguns de efeitos limitados e outros de efeitos muito complexos". Assim de

uma multiplicidade de exercícios possíveis de aplicar no treino, cabe ao

treinador "seleccionar cuidadosamente aqueles que melhor atinjam os

objectivos definidos e que assegurem o mais alto nível de desenvolvimento".

Para Harre (1981), os exercícios são "o meio mais importante para a elevação

dos rendimentos desportivos. Estes têm de corresponder às metas e tarefas do

processo de treino e não devem ser elegidos e aplicados sem ordem. A

Page 156: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de eficácia do exercício de treino • 127

utilidade de um exercício no treino desportivo resulta exclusivamente do seu

aproveitamento para o desenvolvimento do rendimento".

Todavia, o correcto seleccionamento do(s) exercício(s) de treino parte de uma

dupla articulação do problema de contornos amplos e complexos que iremos

seguidamente analisar: i) a correlação da lógica interna da modalidade e o

exercício de treino e, ii) o ajustamento dos níveis de complexidade e

dificuldade do exercício à capacidade dos praticantes.

2.1. Fazer correlacionar a lógica interna da modalidade com o exercício de treino

Como referimos, o fundamento essencial do treino desportivo assenta, numa

repetição lógica, sistemática e organizada de diversos exercícios

consubstanciando conteúdos variados, que abordam os objectivos

estabelecidos através de diferentes formas, podendo estas serem mais ou

menos complexas, com um maior ou menor grau de concordância com a

lógica interna da modalidade desportiva em questão (primeiro nível da

articulação do problema). Neste sentido, os vários exercícios programados

para a sessão de treino devem apresentar uma articulação/identidade interna,

isto é, uma inter-analogia susceptível de ser reconhecida pelos praticantes

que em função das suas experiências adquiridas através dos exercícios

anteriores, atribuem: i) um significado à situação de treino criada

(interpretando e organizando a sua percepção) e, ii) orientam a escolha e a

execução das acções técnico-tácticas para a resolução das tarefas que lhes

deparam.

Com efeito, parte-se do pressuposto da existência do fenómeno de transfert

no domínio motor, isto é, "uma aprendizagem modifica, facilitando, ou pelo

contrário, interferindo numa outra aprendizagem subsequente" (Bayer,

1979). Logo, a sucessão dos exercícios de treino devem ser construídos,

orientados e organizados de forma que os praticantes possam aplicar as

experiências das suas aprendizagens, aperfeiçoamentos e desenvolvimentos

anteriores, não havendo assim, espaço onde prolífera diferenças estruturais

Page 157: Metodologia Do Treino Desportivo

128 • Metodologia do treino desportivo I !

significativas entre um exercício e o exercício seguinte. Assim, observar-se-

à por parte dos praticantes a capacidade destes descobrirem e interpretarem

as analogias entre os exercícios e, por via disso, reflectir os princípios e

executar os meios de acção idênticos que se aplicam à resolução eficaz das

diferentes tarefas criadas. Tal como refere Mahlo (1966) "para responder às

condições de prática é necessário fazer com que a solução mental leve cada

vez menos tempo. É preciso aumentar a amplitude e a rapidez do efeito de

transfert, melhorando sem cessar a capacidade de percepção analítica da

constelação táctica essencial. Agir deste modo é garantir que os novos

problemas possam ser resolvidos de uma melhor forma do que o são graças

às associações já existentes". A este propósito Rubinstein (1966), refere que

"o problema do transfert surge em definitivo sob o ângulo do pensamento,

quando da aplicação a problemas novos de situações anteriormente

descobertas (conhecimentos)".

Concluindo, a questão levantada relativamente à selecção e sucessão

(encadeamento) dos exercícios de treino, projecta-a para uma dimensão

onde a coerência, homogeneidade e a interrelatividade são as orientações

fundamentais, e que consubstanciam consequentemente uma maior

complexidade e cuidado na construção da unidade de treino. 2.2. Ajustar os níveis de complexidade e dificuldade à capacidade dos praticantes

A manipulação dos níveis de complexidade e de dificuldade e o seu

ajustamento ao nível das capacidades (habilidades) do(s) praticante(s)

representa a condição essencial para uma aprendizagem, aperfeiçoamento e

desenvolvimento eficientes. Com efeito, o(s) exercício(s) de treino com

níveis de complexidade e dificuldade elevadas provocam erros prejudiciais

e estagnação do rendimento do(s) praticante(s), e o(s) exercício(s) de treino

com níveis de complexidade e dificuldade reduzidos provocam

desmotivação e desinteresse.

Page 158: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de eficácia do exercício de treino • 129

Neste sentido, ajustar correctamente os níveis de complexidade e

dificuldade às habilidades do(s) praticante(s), significa, em última análise,

propor exercício(s) de treino cujos níveis referidos são superiores às

capacidades destes (sem o qual não poderá haver aprendizagem,

aperfeiçoamento e desenvolvimento), mas que continuam adaptadas às suas

possibilidades ("dificuldade óptimal" Famose, 1990), mantendo uma

elevada percentagem de eficácia na concretização do objectivo do exercício.

Do exposto, não existem dúvidas que a segunda articulação do correcto

seleccionamento do(s) exercício(s) de treino passam indubitavelmente pelo

enquadramento de dois níveis essenciais: o nível de complexidade e o nível

de dificuldade que o exercício deve consubstanciar, em relação ao nível da

capacidade (habilidade) do(s) praticante(s) que por sua vez, segundo o

modelo de Desharnais, citado por Famose (1990) "depende do produto da

interacção de dois factores que representam os recursos postos à sua

disposição..." para ultrapassar as exigências do(s) exercício(s) de treino: "o

potencial que corresponde às componentes hereditárias de ordem

morfológica, orgânica e psicológicas, e a aprendizagem que correspondem

às condições de prática específica".

O nível de complexidade de um exercício de treino deriva essencialmente

das condições estabelecidas pelo contexto (meio) em que o(s) praticante(s)

iram estar inserido(s), que corresponde, por exemplo, à existência ou não de

companheiros (cooperação) adversários (oposição), espaço de jogo

(reduzido ou não), condicionantes às leis do jogo, condicionalismos em

relação à forma (só pé esquerdo, só pé direito) e ao número (um, dois, ou

três toques) de contacto com a bola.

No que concerne ao nível da dificuldade alguns autores consideram que a

sua manipulação pode ser realizada aumentando ou diminuindo a grandeza

do erro (Alain e Salmela, 1980), por exemplo, numa situação de treino de

finalização o nível de dificuldade será menor se diminuir-mos, o critério de

Page 159: Metodologia Do Treino Desportivo

130 • Metodologia do treino desportivo I !

êxito através da marcação de menor golos mantendo-se o número de

remates. Todavia, para Desharnais, citado por Famose (1990) "o nível de

dificuldade é o produto da interacção de dois factores de base. O primeiro

relaciona-se com o nível de complexidade e o segundo com o nível de

habilidade. Assim, o nível de dificuldade será: ND=NC/NH".

Nestas circunstâncias, para um mesmo exercício de treino (isto é, um nível

de complexidade idêntico), o nível de dificuldade é sempre relativo

dependendo do nível de habilidade do(s) praticante(s). Logo, à medida que

estes progridem na sua aprendizagem, a sua actividade torna-se mais

eficiente diminuindo consequentemente o nível de dificuldade para a sua

concretização. Ainda segundo o mesmo autor (1990) "o nível de dificuldade

pode variar ao longo do tempo devido às flutuações do nível de habilidade

e devido aos factores situacionais, que são representados pelas condições

atmosféricas, aquecimento, solo escorregadio, etc., estes factores

influenciam de forma indirecta o nível de dificuldade".

Potencial

Aprendi-

zagem

Nível de

habili-

dade

Nível de

comple-

xidade

Nível de

dificul-

dade

Factores

situacio-

nais

Figura 26. Ilustração da interacção dos diferentes factores da dificuldade (segundo

Desharnais citado por Famose, 1990)

Finalizando, podemos determinar objectivamente o grau de dificuldade dos

exercícios de treino através de um dos seguintes procedimentos:

a performance obtida na execução dos diferentes exercícios a partir de

um leque alargado de praticantes. Com efeito, o exercício terá um maior

Page 160: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de eficácia do exercício de treino • 131

ou menor nível de dificuldade consoante as elevadas ou reduzidas

performances obtidas;

a diversidade e o grau de recursos que os diferentes praticantes

utilizam na realização dos diferentes exercícios. Assim, quanto maior ou

menor for esse investimento maior ou menor será o grau de dificuldade

das diferentes actividades em causa.

Concluindo, o exercício de treino correctamente seleccionado é aquele que

melhor estabelece a concordância entre a lógica interna da modalidade

desportiva em causa, e ajustar (adaptar) os seus níveis de complexidade e de

dificuldade em função dos níveis de capacidade (aprendizagem,

aperfeiçoamento, ou desenvolvimento) do(s) praticante(s).

3. Repetição (exercitar) sistemática do exercício de treino

O exercício de treino como construção hipotética capaz de desencadear,

organizar e orientar a actividade do(s) praticante(s) em direcção a um objectivo

válido, consubstancia-se essencialmente numa sistemática e racional repetição

de determinados acto(s) motor(es) por forma a aperfeiçoá-los e a desenvolver

os elementos técnicos, tácticos, e físicos nele incluídos. Com efeito, a correcta

e eficaz execução dos diferentes factores inerentes a cada comportamento

específico de uma dada modalidade desportiva, está intimamente ligada à

frequente repetição dos exercícios de treino, pois só assim os actos motores

adquirem a estabilidade e a segurança indispensáveis à sua aplicação tanto no

treino como na competição.

3.1. Repetir para consolidar os elementos críticos do exercício de treino

Aspecto fundamental a ter em mente é o facto de a repetição sistemática do

exercício de treino "não ser selectivo, isto é, consolidar e estabilizar todos

os elementos que se repetem muitas vezes, independentemente de a sua

execução ser ou não a mais correcta. Queremos dizer com isto que , no

caso de o permitirmos, a repetição sistemática de um erro vai criar no(s)

praticante(s) um gesto ou um movimento errado mas que agora se

Page 161: Metodologia Do Treino Desportivo

132 • Metodologia do treino desportivo I !

apresenta da mesma forma estável e consolidado pela repetição" (Soares,

1986).

Neste contexto, a repetição do exercício de treino deve favorecer a

consolidação dos elementos críticos do comportamento motor, diminuindo

as possibilidades de consolidação dos erros que depois é normalmente muito

difícil de debelar. Com efeito, as bases da eficácia do exercício passam

indubitavelmente por uma correcta e eficaz intervenção do treinador por

forma a corrigir o exercício.

4. Corrigir correctamente o exercício de treino

Do que foi anteriormente referido podemos correr o risco compreensível de

cairmos na tentação de atribuirmos apenas ao correcto seleccionamento do

exercício de treino a razão do sucesso do caminho para alcançar um

determinado objectivo. Neste contexto, é necessário reter uma segunda questão

fundamental, é que para além da definição exaustiva dos elementos que

constituem o conteúdo do exercício os quais derivam, por um lado, do

estabelecimento de objectivos concisos e, por outro, do nível do

desenvolvimento (rendimento) dos praticantes, é necessário compreender que a

correcta aquisição e assimilação desses elementos (técnicos, tácticos, físicos,

psicológicos, incluídos no conteúdo do exercício) decorram no mesmo nível de

importância.

Com efeito, é necessário deixar claro, que qualquer exercício, mesmo que

tenha passado por um correcto processo de seleccionamento, só terá

utilidade/validade, isto é, só poderá ser considerado meio de treino efectivo,

capaz de cumprir o objectivo que o determina, se for explicado, corrigido e

apreendido convenientemente de forma que a execução dos elementos

técnico-tácticos que o constituem e em função da variabilidade da situação,

decorram em conformidade com os objectivos pré-estabelecidos. Ulatowski

(1975), refere concretamente que "a eficácia do treino depende em primeiro

lugar, da escolha e da execução dos exercícios", acrescentando que "sem um

Page 162: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de eficácia do exercício de treino • 133

conhecimento das suas características e particularmente das suas vantagens e

desvantagens "é pouco provável uma utilização racional do(s) mesmo(s).

4.1. Aspectos chave para a correcção do exercício de treino

Para se corrigir correctamente o exercício de treino é necessário que o

professor/treinador, preencha os seguintes pressupostos:

conhecer a natureza da sua própria modalidade, isto é, a sua lógica

interna, e conhecer a personalidade dos seus praticantes e a forma como

estes melhor aprendem e evoluem. Só a partir destes conhecimentos o

professor/treinador poderá estimular, organizar e articular os exercícios

de treino numa direcção pré-determinada;

conhecer profundamente os objectivos a atingir com o exercício

seleccionado e os conteúdos utilizados para os atingir, bem como, as

diferentes hipóteses de manipulação das suas componentes de forma a

estabelecer diferentes "caminhos" (respostas) perante o problema posto.

Neste sentido, o professor/treinador poderá acelerar os processos de

aprendizagem, aperfeiçoamento ou desenvolvimento dos praticantes de

forma que não haja percas desnecessárias de tempo;

deverá consciencializar-se que é ele que dirige o treino, e isso significa

que os praticantes deverão cumprir escrupulosamente os objectivos, os

conteúdos, e as instruções estabelecidas. Elucidativo é a afirmação de

Famose (1990) "a noção de tarefa apresenta a ideia de prescrição, de

obrigação, sendo composto por factores que devem ser respeitados

senão o indivíduo sai fora da tarefa";

deverá despertar nos seus praticantes a importância e as vantagens a

curto e a longo prazo de uma execução correcta, consciente e criativa,

evitando-se, com efeito, a consolidação de erros que radicam, de tal

forma, que podem em certos casos equacionar de forma irremediável a

capacidade dos praticantes;

Page 163: Metodologia Do Treino Desportivo

134 • Metodologia do treino desportivo I !

deverá intervir sem demoras, e conscientemente na correcção do

exercício de treino sempre que este esteja a ser defraudado nos seus

objectivos fundamentais. Todavia, a intervenção do professor/treinador

na correcção do exercício não pode reduzir-se a evidenciar os aspectos

negativos de execução mas também e concomitantemente na valorização

dos aspectos positivos, de forma a motivar os praticantes a reforçá-los e a

melhorar os aspectos negativos. Neste contexto, a correcção/intervenção

deverá saldar-se por uma resposta positiva por parte dos praticantes;

a correcção/intervenção constitui factor decisivo na relação com os

praticantes, pois determina uma tripla dimensão:

• existe a preocupação do professor/treinador de direccionar o

investimento e empenhamento dos praticantes no "caminho" correcto;

• diminui a possibilidade de haver grandes discrepâncias entre as

capacidades dos diferentes praticantes, pois o que executam mais

correctamente têm maiores possibilidades de evoluir mais

rapidamente; e,

• evitar a ideia de haver preferências e proteccionismos por parte do

professor/treinador a certos praticantes, a qual destrói por completo

qualquer tipo de coesão de grupo ou de equipa;

por último, uma vez assimilados os aspectos referentes à correcção do

exercício há a possibilidade dos praticantes realizarem-no sem

interrupção directa do professor/treinador, estabelecendo-se assim, o

espaço e o tempo para que estes possam exprimir a sua própria

criatividade e improvisação.

5. Motivar correctamente para o exercício de treino

A análise da essência do desporto, caracteriza-o como uma actividade

inseparável da tendência para a máxima realização. Além das motivações

pessoais, esta orientação é facilitada pela significação social que advém da

objectivação de elevados rendimentos desportivos. Todavia, o rendimento

Page 164: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de eficácia do exercício de treino • 135

máximo baseia-se num grande número de competições e de treinos, cuja sua

dureza e continuidade, exige renúncias e restrições na vida pessoal dos

praticantes, influenciando de forma decisiva a personalidade destes. Os

aspectos enunciados são secundados pelo o grande número de repetições dos

exercícios de treino, e a própria estandardização destes, criam os pressupostos

essenciais para que os praticantes diminuam gradualmente os níveis de

motivação perante as tarefas do treino, baixando por consequência a eficácia

do exercício.

A motivação faz interferir um elemento fundamental: a atitude do praticante

face aos objectivos e conteúdos do exercício de treino. Só o praticante é capaz

de dar sentido à estrutura do exercício, de o modificar, seleccionando a

informação, direccionando a percepção e orientando as acções em função do

significado atribuído às situações em que este se encontra implicado. Com

efeito, manter um elevado nível de motivação, é igualmente um dos factores

fundamentais à construção das bases de eficácia do exercício de treino. Daí a

necessidade de se estabelecer condicionamentos no domínio técnico, táctico ou

psicológico, no seleccionamento dos exercícios de forma que os praticantes

executem-nos com elevados graus de motivação. Mesmo na realização de

exercícios, que sendo importantes do ponto de vista da preparação, mas devido

à sua especificidade não serem tão "atractivos", há que encontrar formas para

que os praticantes não lhes atribuam menos importância, e por via disso menos

efectividade.

5.1. Aspectos chave para a motivação no exercício de treino

A correcta motivação dos praticantes para a execução dos exercícios de

treino passa fundamentalmente pelos seguintes aspectos:

ajustar a dificuldade e a complexidade do exercício às capacidades dos

praticantes é, como anteriormente referimos, o elemento fundamental que

concorre para manter um nível motivacional elevado, de forma que estes

Page 165: Metodologia Do Treino Desportivo

136 • Metodologia do treino desportivo I !

se empenhem na concretização dos objectivos estabelecidos, os quais

devem ser delineados no realismo da situação;

os exercícios seleccionados devem transmitir aos praticantes que são

importantes para o melhoramento do seu nível de capacidades. Por outras

palavras, os praticantes têm de acreditar nos efeitos positivos, a curto e a

longo prazo, do exercício;

manter a prática motivante passa igualmente pela utilização de uma

variedade de exercícios de treino, ou de uma variedade de manipulações

das condicionantes dos exercícios. Desta forma é possível atingir os

mesmos objectivos através de percursos diferentes evitando-se a

monotonia. Poder-se-à eventualmente pedir aos praticantes que

estabeleçam eles próprios condicionantes do exercício de treino, assim

três aspectos poderam ser atingidos:

• maior empenhamento dos praticantes, pois foram estes que

conceptualizaram, em parte, o exercício;

• o professor/treinador observará até que ponto os praticantes

compreendem a lógica do exercício em causa ou a sequência de

exercícios a executar, e como estes podem contribuir para atingir um

dado objectivo; e,

• aumentar o tempo de prática, através da possibilidade de fora do

período de treino, os praticantes utilizarem esses exercícios como

forma de diversão;

os exercícios de treino devem ser organizados de forma a englobar

todos os praticantes para que o grupo esteja continuamente activo. longos

períodos de paragem (por exemplo "à espera de vez") diminui a

motivação e consequentemente o interesse pela actividade;

dever-se-à evitar dar continuamente instruções interrompendo o

exercício de treino, ou durante a realização do mesmo. Há que ter

presente que os praticantes devem absorver toda a sua atenção ao

exercício e não podem ocupar parte deste, dando atenção às instruções do

professor/treinador;

Page 166: Metodologia Do Treino Desportivo

" Bases de eficácia do exercício de treino • 137

por último, há que ter presente dois aspectos fundamentais na

organização dos exercícios de treino que incrementaram o

empenhamento e a motivação dos praticantes, e que devem ser, sempre

que possível, utilizados: i) o divertimento, e a, ii) competição, estes são os

melhores argumentos para que os praticantes se mantenham "ligados ao

exercício".

Concluindo, neste contexto, reforçamos a importância e a necessidade de se

construírem exercícios de treino nos quais os praticantes mantenham

elevados níveis de motivação e vontade na execução dos seus conteúdos,

encarando-os como os meios mais importantes para o seu aperfeiçoamento e

desenvolvimento, isto é, para a sua superação, sem esta atitude não poderá

haver eficácia nem evolução.

ww

Page 167: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE IV

OS FACTORES DO TREINO DESPORTIVO

Page 168: Metodologia Do Treino Desportivo

138 • Metodologia do treino desportivo I !

Parte IV

Os factores do treino desportivo

Sumário

Capítulo 1

Estudo do factor técnico desportivo

Capítulo 2

Estudo do factor táctico desportivo

Capítulo 3

Estudo do factor físico desportivo Secção A - Estudo sobre a força muscular Secção B - Estudo sobre a resistência Secção C - Estudo sobre a velocidade Secção D - Estudo sobre a flexibilidade

Page 169: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 1

Estudo do factor técnico desportivo

Resp: Jorge Castelo

Page 170: Metodologia Do Treino Desportivo

140 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 1 da Parte IV

A Parte IV do presente livro estuda os denominados factores de treino:

técnico, táctico e físico. Neste sentido, iniciaremos a nossa abordagem

pelo factor técnico desportivo definido por um sistema especializado

de acções motoras para a obtenção de elevados rendimentos

desportivos. Com efeito, a aprendizagem da técnica desportiva permite

a aquisição de uma disponibilidade motora por forma que os

praticantes se adaptarem eficazmente às múltiplas e divergentes

situações de competição. Neste contexto, incidiremos a nossa análise

sobre a importância do gesto técnico desportivo, das suas diferentes

fases de aquisição, os diferentes aspectos metodológicos do seu ensino

e o planeamento anual e plurianual.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 8

Parte IV

Page 171: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 141

Os factores de treino

Sumário

Capítulo 1 - Estudo sobre o factor técnico desportivo

1. Definição de técnica desportiva

2. Objectivos do treino técnico-desportivo 2.1. Aquisição de um conjunto de aptidões técnico-desportivas 2.2. Aperfeiçoamento e desenvolvimento das aptidões técnico-desportivas

3. A importância da técnica nas diferentes modalidades desportivas 3.1. As modalidades de força explosiva 3.2. As modalidades de resistência 3.3. As modalidades de exactidão 3.4. As modalidades de estrutura complexa

4. Relações entre o factor técnico e o factor táctico desportivo

5. As diferentes fases do processo de aprendizagem da técnica-desportiva 5.1. Fase de generalização ou de coordenação global do movimento 5.2. Fase de concentração ou da etapa da coordenação fina 5.3. Fase de automatização ou da estabilização e aplicação variável do movimento

6. Os diferentes aspectos metodológicos do processo de aprendizagem da

técnica-desportiva 6.1. Introdução do gesto técnico-desportivo 6.2. A explicação verbal do gesto técnico-desportivo 6.3. A exemplificação/demonstração do gesto técnico 6.4. A prática do gesto técnico-desportivo 6.5. A correcção do gesto técnico-desportivo 6.6. A repetição do gesto técnico-desportivo

6.6.1. A estabilização das aptidões técnico-desportivas 6.6.2. A diversidade de aptidões técnico-desportivas 6.6.3. A segurança das aptidões técnico-desportivas

7. Planeamento da preparação técnico-desportiva 7.1. Durante o processo plurianual e anual

7.1.1. A fase da preparação técnica de base 7.1.2. A fase de aperfeiçoamento técnico

7.2. O treino técnico durante o microciclo 7.3. O treino da técnica desportiva na unidade de treino

Page 172: Metodologia Do Treino Desportivo

142 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BAYER, C. (1979) L´enseignement des jeux sportifs collectifs, Editions Vigot,

Paris

CARVALHO, A. (1988) Aprendizagem e treino das técnicas desportivas,

"Dossier" Revista horizonte, Vol.IV, nº24, Mar/Abr

GOMEZ, R. (1982) Desarrollo de la habilidad motora, Revista Stadium, nº96,

Dezembro, pp. 11-18

LIMA, T. Princípios fundamentais do movimento, Revista treino desportivo,

nº3, pp. 11-19

MCGOWN, C. (1991) O ensino da técnica desportiva, Revista treino

desportivo, IIª série, Vol.22, Dezembro, pp. 15-22

RIEDER, H. (1984) La ensenanza de las técnicas, Revista Stadium, nº103,

Fevereiro, pp. 41-46

SCHABEL, G. (1990) El factor técnico-coordenativo, Revista Stadium, nº139,

Fevereiro, pp. 12-19

SCHABEL, G., MEINEL, K. (1984) Las fases del proceso de aprendizaje,

Revista Stadium, nº103, Fevereiro, pp. 8-11

TSCHIENE, P. (1992) Problemas actuales de la preparación técnica del

deportista, Revista Stadium, nº155, Outubro, pp. 23-27

Page 173: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 143

1. Definição de técnica desportiva

Djatschkow (1974) define técnica desportiva como "um sistema especializado

de acções motoras simultâneas e consequentes, orientadas para a cooperação

racional das forças internas e externas (que participam no movimento), com o

fim de as utilizar de forma completa e efectiva para a obtenção de (elevados)

rendimentos desportivos". Para Rothig (1983) a técnica desportiva é "uma

sequência específica de acções motoras que têm como objectivo solucionar as

tarefas exigidas por determinadas situações desportivas".

Ao dizer-se que este ou aquele praticante tem uma boa técnica isto significa

que a sua forma de resolver uma tarefa colocada por um exercício ou pela

competição é: i) mais precisa, ii) mais segura e, iii) mais económica. Em

consonância com o referido Matveiev (1986) refere que o "critério mais geral

da eficiência de uma técnica desportiva é determinado pela diferença entre o

resultado desportivo realmente conseguido e o resultado calculado, que o

praticante poderia ter conseguido se utilizasse o máximo das suas

possibilidades morfológico-funcionais".

2. Objectivos do treino técnico-desportivo

O objectivo da aprendizagem da técnica desportiva de uma dada modalidade

estabelece-se sob duas vertentes fundamentais: aquisição de um conjunto de

aptidões técnico-desportivas e o seu aperfeiçoamento e desenvolvimento.

2.1. Aquisição de um conjunto de aptidões técnico-desportivas

O treino técnico-desportivo permite a aquisição por parte dos

praticantes/jogadores de uma disponibilidade motora, ou de um repertório

de respostas motoras, que em última análise consubstanciam, o alargamento

das capacidades dos praticantes, por forma que estes se adaptem com o

máximo de eficácia possível às situações competitivas.

Page 174: Metodologia Do Treino Desportivo

144 • Metodologia do treino desportivo I !

2.2. Aperfeiçoamento e desenvolvimento das aptidões técnico-desportivas

O treino técnico-desportivo assegura o aperfeiçoamento e desenvolvimento

gradual dos praticantes/jogadores ao longo do seu processo anual ou

plurianual. Neste sentido, Matveiev (1986) refere a necessidade:

do conhecimento dos fundamentos teóricos da técnica desportiva;

modelação de formas individuais da técnica dos movimentos que

correspondam às possibilidades estruturais e funcionais dos

praticantes/jogadores;

formação de aptidões necessárias para a obtenção de êxito durante a

competição;

posterior renovação e restruturação das formas técnicas ditadas pelas

exigências do aperfeiçoamento desportivo; e,

criação, numa fase mais adiantada de novas variantes técnicas que

ninguém tenha ainda experimentado.

3. A importância da técnica nas diferentes modalidades desportivas

A técnica é para a grande maioria das modalidades desportivas factor

importante da sua estrutura de rendimento e para algumas é mesmo o elemento

preponderante e determinante desse rendimento. Com efeito, esta importância

deriva essencialmente da complexidade das habilidades motoras por ela

exigida, logo, a técnica tem para cada um delas uma função característica.

Neste contexto, Carvalho (1988) citando Djatschkow distingue quatro graus de

modalidades: as modalidades de força explosiva, as modalidades de

resistência, as modalidades de exactidão e as modalidades de estrutura

complexa.

3.1. As modalidades de força explosiva

As modalidades de força explosiva, como por exemplo os saltos, os

lançamentos e o halterofilismo, caracterizam-se pela intensidade máxima e a

curta duração dos impulsos de força. Nelas, a técnica desportiva serve para

Page 175: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 145

produzir no momento exacto e no mais breve tempo possível o máximo

impulso de força na direcção necessária. Por conseguinte nestas

modalidades ou disciplinas a técnica tem essencialmente como função

tornar máxima a aceleração. 3.2. As modalidades de resistência

As modalidades de resistência, como por exemplo o meio-fundo e fundo do

atletismo, o ciclismo, a natação, o remo, a canoagem, etc, a técnica serve

para tornar económico o processo motor. Nelas o objectivo do treino técnico

é o incremento da eficácia dos impulsos que se sucedem com diferentes

intensidades a fim de evitar desperdícios de energia. Para estas modalidades

a técnica tem como função diminuir a fadiga. 3.3. As modalidades de exactidão

As modalidades onde a exactidão e a expressão do movimento representam

o rendimento desportivo como por exemplo na ginástica desportiva, rítmica

desportiva, patinagem artística, saltos para a água, etc., a técnica desportiva

é conteúdo essencial do treino uma vez que serve fundamentalmente para

aumentar a precisão e expressão motora, componentes determinantes do

rendimento dessas modalidades. 3.4. As modalidades de estrutura complexa

As modalidades de estrutura complexa como os jogos desportivos e os

desportos de combate requerem o domínio de várias técnicas diferenciadas

que são executadas sob condições que variam frequentemente uma vez que

nas competições se apresentam as mais diversificadas situações. Nelas a

técnica tem diversos objectivos. Por um lado, para se ser bem sucedido na

acção, é necessária uma grande precisão do movimento com um intenso

empenho da força e simultaneamente uma elevada economia de todo o

processo motor. Por outro lado é necessário executar a própria acção de

modo que o adversário compreenda o mais tarde possível aquilo que se

Page 176: Metodologia Do Treino Desportivo

146 • Metodologia do treino desportivo I !

pretende fazer. Para estas modalidades a técnica tem uma função com

aspectos complexos e variados que não é possível definir com uma só

expressão.

4. Relações entre o factor técnico e o factor táctico desportivo

Em termos desportivos a técnica é encarada como o conjunto de todos os

movimentos permitidos numa determinada modalidade com o objectivo de

solucionar uma qualquer tarefa de forma eficiente no cumprimento de um

determinado objectivo (rendimentos desportivo) previamente determinado.

Importa salientar neste contexto que o gesto técnico desportivo, como meio de

solucionar os problemas que a competição em si encerra, está directa e

intrinsecamente ligado ao factor táctico desportivo encarado como o meio de

unificação das atitudes e dos comportamentos dos praticantes/jogadores a fim

de atingir os objectivos estabelecidos para uma dada competição. Com efeito,

pretende-se assim afirmar que durante a competição o gesto técnico desportivo

é praticamente inseparável da táctica desportiva, exprimindo-se na noção de

acção (gesto) técnico-táctica.

5. As diferentes fases do processo de aprendizagem da técnica-desportiva

Independentemente do nível de prestação motora em que um

praticante/jogador se encontre, quer seja na aprendizagem de um dado gesto

técnico que a modalidade em si encerra, quer seja no aperfeiçoamento ou

desenvolvimento do mesmo, a verdade é que este processo evolutivo ocorre de

forma silenciosa e invisível, ou seja, na interioridade do ser que o pratica.

Neste sentido, o treinador poderá avaliar, conferindo-lhe um certo significado

(positivo ou negativo), o nível de aprendizagem, aperfeiçoamento ou

desenvolvimento dos seus praticantes/jogadores somente através da

comparação das possíveis alterações comportamentais e gestuais evidenciadas

Page 177: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 147

por estes de exercício para exercício, de unidade de treino para unidade de

treino ou de competição para competição.

Em termos gerais, quando se observa e analisa:

alterações positivas da acção técnico-táctica dos praticantes/jogadores

esta consubstancia-se numa maior eficiência gestual e numa maior eficácia

comportamental através de um ajustamento mais adaptado ao contexto

competitivo. Com efeito, o treinador deverá assegurar-se da consistência e

da persistência deste novo nível de prestação motora e concomitantemente

criar as condições para o seu posterior aperfeiçoamento, desenvolvimento

ou mesmo a sua manutenção numa dimensão temporal mais ou menos

alargada;

se não houve quaisquer alterações é normal referir-se que não houve

evolução da aprendizagem, aperfeiçoamento ou desenvolvimento dos

praticantes/jogadores. Mas mesmo nesta situação, o treinador deverá ter o

cuidado de verificar e distinguir se existem aspectos colaterais que possam

estar a influenciar de forma irredutível a prestação motora e não o processo

de evolução gestual e comportamental. Os aspectos que podem influenciar

negativamente a prestação motora poderão ter origem em problemas da vida

particular do praticante, lesões musculares ou articulares, etc.

O ensino da técnica, ou do gesto desportivo (entendida como uma estrutura

funcional e económica visando a obtenção de altos rendimentos - Meinel),

implica uma metodologia adequada em que é necessário conhecer e reconhecer

no praticante as características dos estádios (fases de aprendizagem)

normalmente percorridas por este até atingir a eficiência motora. Neste

contexto, podemos caracterizar de uma forma global os estádios (fases ou

etapas) que normalmente o praticante percorre até atingir a eficiência motora,

as quais denominamos: fase de generalização ou de coordenação global do

Page 178: Metodologia Do Treino Desportivo

148 • Metodologia do treino desportivo I !

movimento, fase de concentração ou da etapa da coordenação fina e a fase de

automatização ou da estabilização e aplicação variável do movimento.

5.1. Fase de generalização ou de coordenação global do movimento

Esta primeira fase do processo de aprendizagem do gesto técnico desportivo

situa-se temporalmente desde a compreensão da tarefa motora a executar

pelo praticante/jogador até à coordenação global do movimento. Neste

sentido, vamos analisar esta fase do processo de aprendizagem dividindo-a

em duas subfases: a compreensão da tarefa motora e a coordenação global

do movimento.

5.1.1. A compreensão da tarefa motora

A compreensão da tarefa motora que o praticante/jogador deve executar

envolve quatro aspectos metodológicos fundamentais (os quais serão

desenvolvidos mais aprofundadamente no ponto 6.): a introdução do

gesto técnico, a sua explicação verbal, a exemplificação/demonstração do

gesto e por último, o começo da sua prática, isto é, as primeiras

tentativas.

Os aspectos metodológicos referidos visam essencialmente atingir os

seguintes três objectivos:

criação de um estado mental positivo que relacione na memória dos

praticantes/jogadores um nome (terminologia), uma imagem motora

(exemplificação/demonstração) e uma experiência anterior;

motivá-los para a aprendizagem de um determinado gesto técnico

evidenciando claramente a necessidade e importância deste dentro do

contexto competitivo da modalidade desportiva em que se encerem; e,

Page 179: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 149

direccionar a atenção dos praticantes/jogadores através de uma

explicação verbal clara e sucinta, evocando somente os aspectos

críticos absolutamente necessários para a compreensão do gesto

técnico e para as primeiras execuções práticas.

5.1.2. A coordenação motora global

Os aspectos metodológicos anteriormente referidos quando

correctamente utilizados, estabelecem a compreensão básica de como

executar um determinado gesto técnico desportivo possibilitando o

começo da construção de um programa motor ou de uma representação

mental aproximada, mas suficiente para controlar as primeiras execuções

e dai retirar as experiências fundamentais para uma posterior correcção

do movimento. Com efeito, depois de compreender a tarefa motora o

praticante/jogador efectua as suas primeiras tentativas de execução do

gesto técnico pondo em prática e experimentando o programa motor

concebido verificando se este funciona de forma apropriada.

Geralmente as primeiras execuções são caracterizadas pelo grande

número de erros e pela sua instabilidade. São exemplos dessa

instabilidade: os erros na aplicação da força, pausas entre as diferentes

partes do movimento, execuções demasiado rápidas ou demasiado lentas,

falta de precisão do movimento, etc. As principais causas dessa

instabilidade ou falta de controlo são: a fraca recepção e elaboração das

informações sobretudo por parte dos analisadores cinestésicos, a

imperfeição do programa de movimento e a consequente insuficiente

regulação da execução motora. Todavia, logo a partir das primeiras

execuções os praticantes/jogadores revêem o programa motor na base: i)

das suas experiências anteriores, ii) dos feedbacks que estes recebem em

Page 180: Metodologia Do Treino Desportivo

150 • Metodologia do treino desportivo I !

consequência dessas mesmas execuções e, iii) dos feedbacks que o

treinador providencia. Esta fase de coordenação global do movimento

completa-se quando o praticante/jogador executa o gesto técnico de

forma próxima à demonstração realizada.

Finalizando, a duração desta primeira fase de coordenação global do

movimento pode durar entre alguns minutos ou abarcar um largo período

de prática que são função:

do nível de simplicidade ou complexidade do gesto técnico;

do nível de formação dos praticantes/jogadores; e,

das similaridades entre o gesto técnico a aprender e as experiências

anteriores de outros gestos técnicos já assimilados. Neste sentido, o

treinador ao evidenciar estas similaridades está a contribuir para a

aceleração desta fase do processo de aprendizagem, podendo-se assim

aproveitar um programa motor já idealizado, o qual sofre um conjunto

de modificações e adaptações para atingir os objectivos propostos.

Motivação

Talento

capacidade de

aprendizagem

Experiências

anteriores

Aprendizagem de

um novo gesto

técnico

Informações

InstruçõesCaracterísticas

físicas

Condições exter-

nas à situação de

aprendizagem Figura 27. Condições para a aprendizagem de novos gestos técnicos (Rieder, 1983)

5.2. Fase de concentração ou da etapa da coordenação fina

A segunda fase do processo de aprendizagem do gesto técnico desportivo

situa-se entre a fase da coordenação global do movimento até à fase de

coordenação fina.

Page 181: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 151

Depois dos praticantes/jogadores compreenderem como executar o gesto

técnico e conseguirem executá-lo de uma forma aceitável, estes devem

praticá-lo com o objectivo de o aperfeiçoar. Contudo, é preciso ter presente

que a prática (repetição) por si só não resolve as questões inerentes a esta

fase de aprendizagem. Neste contexto, para que a prática seja efectiva é

fundamental:

que os praticantes/jogadores estejam motivados para aprender;

sejam intransigentes no cumprimento dos aspectos críticos de

execução; e,

atendam aos feedbacks dados pelo treinador com o objectivo de

corrigir as suas execuções.

A duração desta fase da aprendizagem necessita de mais tempo que a fase

anterior, todavia, mantém-se válido os pressupostos referidos anteriormente:

i) nível de simplicidade ou complexidade do gesto técnico, ii) do nível de

formação dos praticantes/jogadores e, iii) da qualidade de treino estabelecido

pelo treinador.

Durante esta fase intermédia do processo de aprendizagem muitas

modificações se podem observar traduzindo-se numa maior eficiência e

eficácia do gesto técnico desportivo. Estas modificações fundamentam-se

essencialmente nos seguintes níveis de análise: i) no melhoramento do

programa motor, ii) na diminuição da energia necessária para a sua

execução, iii) no aumento da velocidade, precisão e melhoramento do timing

de execução, iv) no melhoramento da capacidade antecipativa e, v) no

aumento da confiança do praticante/jogador em si próprio.

5.2.1. Melhoramento do programa motor

A maioria dos gestos da nossa vida diária, repousa sobre um fundo

automático que por sua vez, se estrutura com base no aproveitamento das

possibilidades dos mecanismos que lhe estão na origem. O gesto técnico

Page 182: Metodologia Do Treino Desportivo

152 • Metodologia do treino desportivo I !

desportivo consiste numa série de movimentos em estreita ligação, em

que o encadeamento temporal destes movimentos é mais ou menos

constante, criando assim uma interdependência. Logo, a aprendizagem e

o aperfeiçoamento do gesto técnico desportivo aproveita o mesmo tipo de

organização estrutural e funcional, diminuindo consequentemente, o

nível de vigilância dos centros nervosos centrais à medida que este se

automatiza.

À medida que os praticantes/jogadores aumentam o número de

execuções de um determinado gesto técnico desportivo, aumenta

igualmente o número de correcções produzindo-se consequentemente um

afinamento cada vez mais particular do programa motor de base. Este

afinamento deve-se a uma maior elaboração de informações cinestésicas

e à precisão da imagem motora com base na melhor elaboração dos

sentidos do movimento. O aumento do automatismo motor determina

igualmente, a possibilidade dos praticantes/jogadores poderem focalizar a

sua atenção durante a execução, nos factores pertinentes da situação

proposta.

5.2.2. Diminuição da energia necessária para a sua execução

Durante a primeira fase do processo de aprendizagem os

praticantes/jogadores sentem, por vezes, que os gestos técnicos são muito

fatigantes por envolverem um conjunto de acções "parasitárias" da

globalidade do movimento que se pretende executar, o que determina

uma maior quantidade de energia. Com efeito, à medida que se verifica a

melhoria da execução do gesto técnico, diminui a taxa de energia

dispendida podendo assim, aumentar o número de execuções na unidade

de tempo.

5.2.3. Aumento da velocidade, precisão e melhoramento do timing de execução

Page 183: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 153

Nesta fase da aprendizagem os praticantes/jogadores melhoram o

compromisso entre a velocidade de execução, a precisão do movimento,

a consistência da execução do gesto técnico, tornando-se repetidamente

mais regular e desenvolve-se um timing mais adaptado à situação devido

a um melhor programa motor. 5.2.4. Melhoramento da capacidade antecipativa

À medida que a prática se desenvolve os praticantes/jogadores aprendem

a reagir menos e a antecipar mais. Isto significa a possibilidade destes

preverem com mais eficácia o desenvolvimento e o resultado de uma

dada situação desportiva, e por inerência pôr em acção os

correspondentes processos cognitivos imediatamente ligados a esquemas

de respostas motoras consoante a modificação da situação.

Técnicas

simples e

complexas

Constituição

corporal

Capacidade

cognitiva

Estado

emocional

Capacidade

coordenativa

Capacidade

física

Interacção

treinador/pratica.

Instuções

Influências da

situação externa

Figura 28. Factores que contribuem para o sucesso da aprendizagem de novos gestos técnicos (Rieder, 1983)

5.2.5. Aumento da confiança do praticante/jogador em si próprio

Esta fase intermédia da aprendizagem aumenta a confiança do praticante

na sua própria capacidade de execução do gesto técnico, procurando por

vezes executá-lo de diferentes formas e em diferentes circunstâncias. O

praticante/jogador quando aumenta a confiança em si próprio está

Page 184: Metodologia Do Treino Desportivo

154 • Metodologia do treino desportivo I !

potencialmente mais propenso a aceitar outras aprendizagens técnicas

que daí derivam.

Concluindo, embora nesta segunda fase de aprendizagem do gesto técnico

desportivo se estabeleça rapidamente uma forma exterior de movimento

correcto, os progressos não são contínuos, existem frequentes estagnações

temporárias a que se seguem grandes progressos. Mas esta relativa

correcção do gesto não significa igualmente que a organização nervosa e

fisiológica subjacente esteja terminada, ou mesmo quase concluída. Assim,

o afinamento de cada momento do gesto técnico, mesmo quando pouco

modificado na sua forma exterior, recebe um conteúdo novo à medida que

se melhora o nível de treino do praticante/jogador, o qual deriva da melhoria

dos processos nervosos e fisiológicos de suporte. Com efeito, no final desta

segunda fase de aprendizagem, o gesto técnico pode ser executado, se as

condições externas forem favoráveis, quase sem erros e com facilidade.

Porém se as condições são mais difíceis do que as normais (por exemplo em

competição) volta a evidenciar-se os erros técnicos que julgávamos já terem

sido superados.

Antecipação Prestação Confrontação das instruções

Objectivos Resultados

Execução prática

Imagem motora

Figura 29. O factor cognitivo no melhoramento do gesto técnico (Rieder, 1983)

5.3. Fase de automatização ou da estabilização e aplicação variável do movimento

A terceira fase do processo de aprendizagem do gesto técnico desportivo

situa-se entre a fase da coordenação fina até à estabilização da execução do

movimento mesmo em condições difíceis.

Page 185: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 155

Nesta fase a execução motora tem todas as características de uma técnica

"quase perfeita", pelo que existem todas as condições para serem alcançados

rendimentos elevados. A estabilidade obtida expressa-se especialmente

através da grande exactidão e consistência do movimento. A elevada

capacidade de adaptação do desportista a condições variáveis baseia-se

sobretudo no aperfeiçoamento contínuo dos processos de recepção e

elaboração das informações. O nível mais elevado no processo de

aprendizagem motora nem sempre é obtido, ou só parcialmente é obtido

pela maioria dos desportistas.

Observa-se igualmente nesta fase, a diminuição progressiva do controlo

intencional, por parte do sistema nervoso central, durante a execução do

gesto técnico. A intervenção do cérebro, só será necessária para o inicio e

para a terminação do gesto técnicos, no entanto, podemos em qualquer

momento tomar consciência de cada detalhe deste, como da sua totalidade

se para isso dermos atenção especial. Portanto, depois de cada execução do

gesto, os detalhes deste poderão ser conscientemente analisados, devido aos

processos de retroacção (feedback) dos quais não tomamos consciência

durante a sua execução. A automatização dos gestos facilita a mobilização

da actividade motora do praticante pela:

influência generalizada do pensamento sobre a execução do gesto na

sua globalidade;

intervenção corrente do consciente na concretização deste ou daquele

detalhe da estrutura.

Segundo Carvalho (1988) "uma estabilização e fixação das técnicas contra

influências perturbadoras só é possível se for treinada sob essas condições

(por exemplo: influência de um adversário, sob diferentes condições de

"stress" com elevada carga psíquica, em situação de fadiga, em condições

climatéricas desfavoráveis, etc.). A estabilização da técnica de competição

só se verificará se as acções motoras se executarem com a dinâmica da

competição ou mesmo com uma dinâmica mais elevada. Assim, só através

Page 186: Metodologia Do Treino Desportivo

156 • Metodologia do treino desportivo I !

da competição e aplicação na própria competição será fomentada uma

elevada capacidade de adaptação da técnica às condições variáveis da

competição".

5.3.1. A evolução técnica desportiva e a sua relação com as modalidades mono e

poliestruturais

Os gestos técnicos desportivos executados por um dado

praticante/jogador no início da sua carreira desportiva não podem

naturalmente coincidir de forma total com os modelos técnicos que lhe

serão úteis nas fases seguintes. Segundo Matveiev (1986) "a técnica é

determinada decisivamente pelo grau de desenvolvimento das qualidades

físicas e psicológicas do praticante, as quais vão evoluindo regular e

progressivamente ao longo do processo de aperfeiçoamento

desportivo"... Neste sentido, "as formas da técnica individual têm de

modificar-se em conformidade com essas transformações. Daqui resulta

a noção que a preparação técnica dos praticantes não tem fim, vai-se

realizando durante toda a sua vida desportiva".

No caso na preparação técnica especializada numa modalidade

monoestrutural, (que se baseiam em acções técnicas para as quais existe

um modelo ideal de movimento que é treinado com o objectivo de

automatizar esse modelo) segundo Matveiev (1986) "o objecto de

profundo aperfeiçoamento técnico ao longo de vários anos é sempre (no

fundamental) o mesmo exercício competitivo (salto, lançamento, etc).

Nisto, uma das mais difíceis tarefas do treinador e do praticante é a da

transformação periódica e renovação de formas de movimento já

firmemente consolidadas por forma a fazê-las corresponder ao crescente

grau de preparação física e psicológica do praticante".

Page 187: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 157

Nas modalidades poliestruturais (que se baseiam em acções técnicas

complexas uma vez que é possível utilizar diferentes formas para atingir

o mesmo objectivo), o arsenal técnico do praticante é praticamente

ilimitado estando dependente: i) da variabilidade e diversidade das

situações que a competição em si encerra (no caso dos jogos desportivos

colectivos), ii) da renovação das condições de modificação periódica do

programa obrigatório das competições (no caso da ginástica desportiva,

rítmica, etc.) ou, iii) por iniciativa do próprio treinador ou praticante.

6. Os diferentes aspectos metodológicos do processo de aprendizagem da técnica-

desportiva

Ao pretendermos ensinar um determinado gesto desportivo, temos de começar

por fornecer a quem vai executar, uma imagem global e clara do gesto,

garantindo simultaneamente que o executante se tenha apercebido quais os

objectivos e a importância desse gesto dentro do contexto da modalidade

desportiva. A vantagem do respeito por este princípio pode ser resumido da

seguinte forma:

o treinador tem de estar consciente dos objectivos da aprendizagem desse

gesto e da razão da sua inclusão na unidade de treino;

respeitar o princípio pedagógico do treino, da participação e actividade

consciente do praticante no processo. Logo, a explicação por parte do

treinador dos objectivos de determinado gesto técnico, tem por finalidade a

criação de condições favoráveis a participação do praticante, estando este

mais atento aos pormenores do gesto e das situações da sua aplicação,

facilitando deste modo o auto-controlo que este deve exercer sobre o que

está a fazer outro aspecto importante (senão o mais importante) e que o

conhecimento dos objectivos de um gesto introduz factores positivos de

ordem emocional, contribuindo para a entrega do praticante no trabalho. É

por demais conhecida a importância da vontade como factor determinante

Page 188: Metodologia Do Treino Desportivo

158 • Metodologia do treino desportivo I !

na assimilação das atitudes e comportamentos em qualquer processo de

aprendizagem. A vontade de vencer determina uma melhor mobilização das

funções do organismo do praticante e um melhor desenvolvimento dos

processos fisiológicos a par da execução do(s) gesto(s) técnico(s). Por

último a percepção das características do trabalho a efectuar, precisamente

antes do treino ou competição terá por consequência na altura própria

modificações funcionais que preparam o organismo de forma adequada para

a realização do trabalho.

A criação de imagens motoras nos praticantes são a base de uma assimilação

consciente de qualquer tipo de gesto técnico desportivo. Neste contexto, para a

criação de claras imagens motoras, o treinador utiliza uma série de meios

iniciais de ensino do gesto técnico que são:

introdução do gesto técnico:

atrair a atenção de todos os praticantes;

posicionamento do grupo de praticantes;

adopção de um nome terminologicamente correcto do gesto técnico

que se pretende ensinar/aprender;

a explicação verbal do gesto;

ser pouco rico em pormenores;

objectivar um estado mental positivo;

relacioná-la com anteriores aprendizagens;

a exemplificação/demonstração do gesto;

execução correcta do gesto técnico;

correcta velocidade de execução;

ritmo de execução apropriado;

optar por uma execução completa ou parcial;

estabelecer um número de exemplificações/demonstrações;

evidenciar um conjunto restrito de instruções-chave;

a prática do gesto:

a prática global do gesto técnico-desportivo ou "por partes";

Page 189: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 159

a formação, desde muito cedo, de um ritmo-padrão de execução do

gesto técnico desportivo;

a regulação da velocidade de execução do gesto técnico desportivo;

a correcção do gesto:

profundo conhecimento do gesto técnico desportivo;

estabelecer objectivos realistas do gesto técnico desportivo;

hierarquizar os erros observados no gesto técnico desportivo;

a atitude do treinador na correcção do gesto técnico desportivo; e,

aspectos metodológicos a introduzir quando se verifica a consolidação

do gesto técnico desportivo com erros; e por último,

a repetição do gesto:

a estabilização das aptidões técnico-desportivas:

• criação de condições favoráveis;

• exercitar o gesto técnico-desportivo isento de erros;

• não confundir estabilidade com estereótipos rotineiros;

• aproximação gradual aos valores-padrão;

a diversidade de aptidões técnico-desportivas:

• variação rigorosamente dirigida;

• variação livremente dirigida; e,

a segurança das aptidões técnico-desportivas

• adaptação das aptidões técnicas às condições máximas de

manifestação dos factores físicos de treino;

• modelação de situações psiquicamente tensas e introdução de

dificuldades adicionais; e

• a prática competitiva.

6.1. Introdução do gesto técnico-desportivo

Basicamente a introdução do gesto técnico a ensinar/aprender deve ser

breve, simples e directa. Neste contexto, deve assegurar três aspectos

fundamentais: i) atrair a atenção de todos os praticantes, ii) posicionar

Page 190: Metodologia Do Treino Desportivo

160 • Metodologia do treino desportivo I !

convenientemente o grupo de praticantes e a, iii) adopção de um nome

terminologicamente correcto do gesto que se pretende ensinar/aprender.

6.1.1. Atrair a atenção de todos os praticantes

A introdução eficaz de um gesto técnico requer o desenvolvimento de

uma estratégia que consiga "prender" a atenção de todos os praticantes e

mantê-los interessados durante toda a introdução. Para manter este

interesse alguns treinadores começam a introdução de uma forma

entusiástica ou utilizam uma história ou uma anedota relacionada com

esse gesto que se pretende ensinar/aprender. Durante a introdução é

importante que o treinador esteja de frente para os praticantes, mantenha

o contacto visual com todos eles e explique o que estava planeado

falando firmemente. 6.1.2. Posicionamento do grupo de praticantes

O posicionamento do grupo de praticantes para observarem e ouvirem o

conteúdo a ensinar, deve respeitar formas que todos possam ver o

treinador de frente e que não haja nenhuma actividade ou situações que

possam distrair os praticantes. 6.1.3. A adopção de um nome terminologicamente correcto do gesto

Um nome terminologicamente correcto do gesto técnico que se pretende

ensinar/aprender desempenha um papel importantíssimo no processo

ensino/aprendizagem. Os termos correctos, geralmente, são melhores,

que as descrições técnicas. Quanto melhor o praticante conhecer a

terminologia, mais rapidamente se forma na sua mente a imagem e o

movimento. A denominação terminologicamente correcta, que precede a

demonstração, consubstancia na memória do praticante, um conjunto de

imagens relacionadas com experiências motoras anteriores, com isso

Page 191: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 161

prepara-se para uma atenta percepção visual do novo elemento

demonstrado.

6.2. A explicação verbal do gesto técnico-desportivo

A explicação verbal do gesto técnico a executar desempenha um papel

muito importante durante o processo didáctico. Basicamente esta explicação

deve ser curta e clara tendo por objectivo fundamental indicar: i) as

finalidades deste, ii) as situações de utilização e, iii) a sua descrição global.

Metodologicamente, no princípio, não se fazem mais que breves

observações explicando o que vai ser demonstrado. Assim, a explicação

deverá: ser pouco rica em pormenores, objectivar um estado mental positivo

e relacioná-la com aprendizagens ou experiências anteriores.

6.2.1. Ser pouco rico em pormenores

Quem aprende tem uma capacidade limitada de processar a informação.

Neste sentido, se for apresentada muita informação ao mesmo tempo, os

praticantes não vão ser capazes de fixar a maior parte desta nem vão ser

capazes de a aplicar. Logo, o treinador/professor poderá começar por

facilitar a aprendizagem dos seus praticantes/alunos reduzindo a

quantidade de informação que transmitem quando estão e explicar um

gesto técnico. Concluindo, a explicação verbal do gesto técnico a

aprender deverá ser pouco rico em pormenores referindo-se somente os

aspectos críticos (fundamentais) absolutamente necessários para a sua

compreensão e para as primeiras execuções (experiências).

Quando melhor preparado estiver o praticante, mais abundantes devem

ser as explicações. Aos praticantes qualificados, há que explicar-lhes não

só como se faz o gesto, mas o porquê. Depois de ter explicado os

principais detalhes, pouco a pouco, à medida que se vão fazendo as

primeiras tentativas, o professor/treinador vai dando explicações

Page 192: Metodologia Do Treino Desportivo

162 • Metodologia do treino desportivo I !

complementares, expressivas, metafóricas, baseadas nos movimentos e

sensações conhecidas. 6.2.2. Objectivar um estado mental positivo

A explicação verbal do gesto técnico a executar deve objectivar numa

primeira análise a criação de um estado mental positivo na mente dos

praticantes/jogadores estabelecendo-se assim condições propícias a uma

correcta aprendizagem. Neste sentido, deve-se seleccionar as palavras

mais indicadas para descrever o gesto técnico e concomitantemente

motivar os praticantes para a sua concretização. 6.2.3. Relacioná-la com aprendizagens anteriores

A explicação verbal do gesto técnico a aprender deve relacioná-lo com

experiências aprendizagens anteriores por forma a beneficiar do princípio

do transfer.

6.3. A exemplificação/demonstração do gesto técnico

A exemplificação/demonstração objectiva, em última análise, a

concretização de uma imagem visual que se dá aos praticantes/jogadores

daquilo que vai ser ensinado/aprendido. Deverá ser efectuada por alguém

que forneça efectivamente uma demonstração correcta do gesto podendo ser

o treinador/professor ou alguém por ele escolhido, ou através da utilização

de meios audiovisuais que apresentam as seguintes vantagens: i) observa-se

o gesto técnico as vezes que for necessário, ii) observa-se o gesto técnico sob

diferentes ângulos, iii) poder-se-à diminuir a velocidade da

exemplificação/demonstração, por forma a aumentar a atenção/concentração

dos praticantes nos aspectos mais importantes do gesto.

Metodologicamente a exemplificação/demonstração do gesto técnico a

ensinar/aprender deve estabelecer seis aspectos essenciais: i) execução

correcta no que se refere ao seu conteúdo e forma, ii) exprimir uma

velocidade de execução consentânea coma complexidade do gesto e das

Page 193: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 163

experiências anteriores dos praticantes, iii) ritmo de execução apropriados,

iv) optar por uma execução completa ou parcial, v) estabelecer um número de

exemplificações/demonstrações e, vi) evidenciar um conjunto restrito de

instruções-chave.

6.3.1. Execução correcta do gesto técnico

A exemplificação/demonstração do gesto técnico deverá ser

correctamente executado, pois o praticante procurará reproduzir o que

viu na demonstração. Neste sentido, demonstrações incorrectas

conduzem os praticantes a imagens motoras e a execuções técnicas

erradas, diminuindo consequentemente, a velocidade de assimilação e

estabilização do novo gesto técnico. A demonstração correcta é nesta

fase o grande factor de prevenção contra a aquisição errada da técnica.

6.3.2. Correcta velocidade de execução

A exemplificação/demonstração do gesto técnico deverá ser executado

primeiramente a uma velocidade reduzida, para que os praticantes

"apanhem" visualmente o maior número de pormenores, e seguidamente

a uma velocidade normal, com o objectivo de os praticantes construírem

desde o início a noção de realidade e construir uma imagem motora

correcta.

6.3.3. Ritmo de execução apropriado

A exemplificação/demonstração do gesto técnico deverá responder

constantemente ao ritmo de execução - estrutura rítmica do gesto. Com

efeito, uma das características mais importantes do gesto técnico

desportivo é o seu carácter rítmico, que exprime uma ordem reguladora e

unificadora de todas as suas componentes. Logo, a formação rítmica do

Page 194: Metodologia Do Treino Desportivo

164 • Metodologia do treino desportivo I !

gesto técnico é, na sua essência, um problema central de toda a

preparação do praticante.

6.3.4. Optar por uma execução completa ou parcial

A exemplificação/demonstração do gesto técnico deverá ser executado

completamente de acordo com a totalidade do que se pretende ensinar.

Todavia, em função da elevada complexidade do gesto técnico este

poderá ser subdividido em partes: i) se por ventura o gesto técnico

contém partes que se podem executar de forma isolada, então poder-se-à

fazer coincidir essas partes com as subdivisões da demonstração, por

outro, ii) poder-se-à subdividir a demonstração em função do número de

aspectos críticos que o gesto técnico contém.

6.3.5. Estabelecer um número de exemplificações/demonstrações

O número de exemplificações/demonstrações a fornecer aos praticantes

deve depender do nível de complexidade do gesto técnico. Neste sentido,

é natural diminuir-se o número de demonstrações em função da menor

complexidade do gesto em causa e vice-versa. No caso de existirem

dúvidas quanto ao número de demonstrações a realizar é preferível

executar-se mais do que menos, o único risco que se corre é de ser

aborrecido para alguns praticantes.

6.3.6. Evidenciar um conjunto restrito de instruções-chave

Quando a atenção dos praticantes não é dirigida e orientada existe o

perigo destes reterem a informação não essencial do gesto técnico

proposto. Neste sentido, é necessário recorrer às instruções-chave

Page 195: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 165

capazes de caracterizar e sintetizar o essencial da execução do gesto

técnico, tendo assim quatro aspectos importantes a desempenhar:

concentrar a informação;

reduzir o número de palavras, diminuindo assim as exigências

levantadas ao processamento da informação;

focalizar a atenção dos praticantes em informações mais relevantes;

auxiliar a memória.

As palavras entram em ligação com os movimentos que elas

caracterizam. Isto é de grande importância, pois, logo que o praticante

pode, com a ajuda de uma terminologia precisa expor o encadeamento

das partes do gesto, criam-se as condições mais favoráveis que se

encontram na base deste ou daquele gesto técnico. Logo, importa

considerar: i) quais as instruções-chave a utilizar no ensino-aprendizagem

dos diferentes gestos, ii) a ordem segundo estas deverão ser apresentadas,

e por último, iii) fazer uma correcta combinação entre a demonstração e o

uso das instruções-chave.

Concluindo, a exemplificação/demonstração deve ser utilizada em três

momentos chave do ensino/aprendizagem de um gesto técnico

desportivo:

antes da prática: como já foi referido, objectiva a concretização de

uma imagem visual que se dá aos praticantes;

durante a prática: por forma a reforçar a primeira e a reforçar os

aspectos que ainda não estão a ser correctamente executados; e,

depois da prática: por forma a reforçar a imagem da execução

correcta do gesto técnico.

6.4. A prática do gesto técnico-desportivo

Efectuada a introdução e a explicação verbal do gesto técnico (valor

desejado) desenvolve-se no praticante/jogador processos internos: i) de

recepção de informações por meio dos orgãos sensoriais, ii) elaboração das

Page 196: Metodologia Do Treino Desportivo

166 • Metodologia do treino desportivo I !

informações recebidas nos centros nervosos superiores e a, iii) formação de

uma imagem motora. Segundo Carvalho (1988) "com base nessa imagem e

tendo em conta as experiências precedentes armazenadas na memória

motora, forma-se um programa de acção motora. É com base nesse

programa que o praticante vai executar o movimento... Ao resultado da

execução da acção motora denominamos valor realizado que é comparado

ao valor desejado... Esta comparação conduz à conservação ou

modificação (correcção) do programa consoante os valores se mostram

iguais ou diferentes... Estas correcções podem incidir sobre a avaliação de

detalhes da própria execução motora (erros e formas de os eliminar). sobre

o resultado da própria acção motora (execução conseguida ou não) e ainda

sobre a avaliação do nível técnico alcançado depois de um certo tempo de

treino".

A prática do gesto técnico possibilita que os praticantes realizem a sua

interpretação do gesto que ouviram e visualizaram. Após algumas tentativas

com erros é a partir da primeira execução global que os praticantes obterão

as retroinformações necessárias para o aperfeiçoamento da programação

motora. Dai a importância de se observar uma exercitação sob condições

facilitadas estabilizando as condições de aprendizagem e aperfeiçoamento.

É fundamental que os praticantes executem o gesto técnico desportivo com

o mínimo de erros, pois, quanto menos faltas se cometem no começo, tanto

mais rápido se formará o novo gesto técnico. Importa neste contexto

evidenciar três aspectos fundamentais: i) a prática global do gesto técnico-

desportivo ou "por partes", ii) a formação, desde muito cedo, de um rítmo-

padrão de execução, e iii) a regulação da velocidade de execução.

Page 197: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 167

Factores

perturbadores

Execução

motora

Valor realizado

(resultado)Programa motor

Valor desejado

(Objectivo)

Comparação valor

desejado do realizadoRetroacções/referências

sobre os resultados

Treinador

Professor Figura 30. Modelo do processo de aprendizagem motora Grosser/Neumaier (Carvalho, 1988)

6.4.1. A prática global do gesto técnico-desportivo ou "por partes"

O princípio fundamental na prática e aperfeiçoamento técnico dos

praticantes é a utilização sempre que possível de exercícios de carácter

global. Situam-se neste princípio os gestos técnico-desportivos:

não complexos;

os que derivam de modalidades cuja estrutura é caracterizada pela

sua ciclicidade, isto é, existe uma fusão natural dos diferentes

movimentos; e,

quando existem obstáculos sérios para a sua unificação num todo

único.

Nisto, segundo Matveiev (1986) "quase tudo depende de como elas se

ligam organicamente entre si. Por exemplo: nas combinações da

ginástica é relativamente pouco importante o perigo de excessiva fixação

desses elementos como aptidões isoladas; mas quando as fases de um

exercício monoestrutural são separadas umas das outras (saltos,

lançamento do disco, etc.), esse risco é muito maior. Em caso de

continuidade natural da acção competitiva, as diversas partes devem ser

reunidas e interligadas na primeira oportunidade e novamente

assimiladas e dominadas no contexto global com isolamento selectivo

dos pormenores (se disso houver necessidade)".

Page 198: Metodologia Do Treino Desportivo

168 • Metodologia do treino desportivo I !

No caso de gestos técnico-desportivos complexos quando estão a ser

aprendidos ou aperfeiçoados predominam os exercícios sob forma

decomposta ("por partes") que tem por característica essencial o

isolamento das respectivas fases para depois as unificar num todo único.

Neste contexto, a construção e utilização de exercícios decompostos não

devem diferir essencialmente, como refere Matveiev (1986) "nos seus

índices estruturais principais, das "partes" do exercício competitivo que

reproduzem. Se esta condição não for respeitada, o exercício

preparatório formar-se-á não como parte da aptidão para a acção

competitiva mas como parte de alguma outra aptidão, e isso poderá

provocar interferência (negativa) entre as aptidões. O perigo de

distorção de partes isoladas de um exercício competitivo complexo

diminui quando ele se compõe de elementos relativamente independentes

(movimentos elementares e de ligação de combinações ginásticas,

combinações de jogo, etc.) que figuram no processo do treino técnico

quer como um "todo" quer como "partes" de conjuntos mais complexos".

Ainda o mesmo autor (1986) refere que "a ordem da formação ou

reestruturação das fases de um exercício decomposto depende das

particularidades da sua estrutura como da preparação do atleta

(experiência motora). Em princípio, quanto mais o praticante dispuser

de formas "prontas" de movimentos de coordenação que venham a fazer

parte de uma aptidão nova (ou renovada) menor será a parte do

exercício decomposto na formação da nova aptidão Se houver

imperfeições na execução da fase inicial da acção elas terão de ser

evidentemente, eliminadas em primeiro lugar".

Concluindo, independentemente de uma dada acção ser estudada

preferencialmente por partes ou no todo, os praticantes terão, na primeira

fase, de estudar o domínio e a correcção dos movimentos "operação a

operação". Para esse efeito é necessário conhecer os principais "pontos

chave" de cada fase.

Page 199: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 169

6.4.2. A formação de um rítmo-padrão de execução do gesto técnico-desportivo

Um dos problemas centrais de toda a prática do gesto técnico desportivo

(para além das tarefas de modelação das capacidades coordenativas, do

aperfeiçoamento das relações espaço-temporais e da capacidade de

regulação das tensões/descontracções musculares) é o seu carácter

rítmico (que exprime uma ordem regular de unificação de todas as suas

componentes) e a sua optimização.

Neste contexto e como se compreende, no início da prática do gesto

técnico desportivo os praticantes não têm ainda sob uma forma pronta

uma estrutura rítmica das acções recentemente formadas, todavia, é

importante que se crie desde muito cedo a noção de rítmo-padrão da

acção. Quando o gesto não é propriamente novo essa tarefa resolve-se

com uma demonstração tecnicamente correcta com a atenção posta no

aspecto rítmico, através da exibição de registos vídeo à velocidade

normal ou reduzida e com o acompanhamento sonoro (por exemplo

através da voz) reproduzindo o ritmo dos movimentos.

Concluindo, outra questão importante dentro deste aspecto é

fundamentada na optimização do ritmo. A resposta a esta questão passa

concretamente pela individualização do ritmo dos gestos técnicos

desportivos que surge imediatamente logo que se cria a noção de

rítmo-padrão, pois este não pode corresponder inteiramente às diferentes

características individuais dos praticantes. 6.4.3. A regulação da velocidade de execução do gesto técnico desportivo

A velocidade de execução do gesto técnico desportivo deve ser regulada,

ou seja, não deve ser superior aquela que o praticante consegue dominar

a correcção do seu movimento (Donskoy). Assim é preferível limitar a

velocidade do movimento nos primeiros níveis de treino, até que seja

Page 200: Metodologia Do Treino Desportivo

170 • Metodologia do treino desportivo I !

conseguido um alto grau de precisão. A velocidade será então

gradualmente aumentada (lei de Poppeireuter). Esta teoria baseia-se na

hipótese de que é mais fácil acelerar os movimentos precisos do que

corrigir os que são rápidos e imprecisos. No entanto há que ter presente

que um movimento lento não é igual a um movimento rápido (embora as

trajectórias exteriores o sejam), pois as variações de velocidade

provocam variações extremas nos aspectos fisiológicos (Sperry).

6.5. A correcção do gesto técnico-desportivo

A correcção do gesto técnico é determinado pelo professor/treinador que

observa, crítica e corrige a execução dos praticantes. É de salientar nesta

fase do processo a intervenção do treinador, que para além de saber

correctamente os objectivos e os conteúdos (técnico, tácticos) do gesto,

compara o movimento reproduzido pelo praticante ao modelo que possui.

Estabelecendo a comunicação verbal (feed-back) com o praticante

constituindo para este uma fonte importante de informações para o processo

em que ambos são intervenientes.

InteracçõesTreinador

Avalia

Corrige

Praticante

disponibilidade

autocorrecção

Análise

Instruções

Reprogramar

Comparação

objectivo-resultado

Figura 31. Interacção praticante/treinador na aprendizagem do gesto técnico (Rieder, 1983)

Antes de desenvolvermos as questões inerentes à correcção do gesto

técnico desportivo importa compreendermos na sua essência o conceito

de erro para se estabelecer um quadro referencial comum. Basicamente, o

erro é definido pela diferença entre aquilo que é observado e o que é

esperado pelo treinador da execução do(s) praticante(s). Desta definição

importa realçar dois aspectos fundamentais:

Page 201: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 171

só é considerado erro se houver diferenças entre a execução e os

objectivos pré-determinados;

só pode ser considerado erro na execução se os objectivos

pré-determinados forem de facto estabelecidos realisticamente e por

isso mesmo, possíveis de alcançar. Estabelecer objectivos realistas

significa ajustar a complexidade e a dificuldade de execução do gesto

técnico desportivo às capacidades do praticante ou grupo de

praticantes.

Estabelecido o presente quadro referencial definido pelo conceito de erro

importa evidenciar cinco aspectos metodológicos fundamentais a

considerar na correcção do gesto técnico desportivo: i) profundo

conhecimento do gesto técnico desportivo, ii) estabelecer objectivos

realistas do gesto técnico desportivo, iii) hierarquizar os erros observados

no gesto técnico desportivo, iv) a atitude do treinador na correcção do

gesto técnico desportivo e, v) aspectos metodológicos a introduzir quando

se verifica a consolidação do gesto técnico desportivo com erros.

6.5.1. Profundo conhecimento do gesto técnico desportivo

O treinador deverá conhecer profundamente o gesto técnico desportivo,

isto é, as suas componentes-chave, bem como as diferentes hipóteses de

manipulação dessas componentes por forma a estabelecer as melhores

condições contextuais de aprendizagem ou de aperfeiçoamento.

6.5.2. Estabelecer objectivos realistas do gesto técnico desportivo

A detecção e correcção dos erros de execução do gesto técnico

desportivo é determinado, como referimos, pelo correcto ajustamento

entre o nível de capacidades do(s) praticante(s) e os objectivos propostos.

Page 202: Metodologia Do Treino Desportivo

172 • Metodologia do treino desportivo I !

Com efeito, se estes forem muito precisos, muito detalhados e muito

ambiciosos para as reais capacidades do(s) praticante(s) então é natural

observarem-se muitos erros.

Nestas circunstâncias, a manipulação dos objectivos pré-determinados e

o seu ajustamento ao nível de capacidades do(s) praticante(s) representa

uma condição essencial para uma aprendizagem ou aperfeiçoamento

eficientes. Quanto menos experimentados forem os praticantes menor o

número de pormenores técnicos os objectivos deverão conter porque

podem provocar erros prejudiciais e a estagnação do rendimentos dos

praticantes. Pelo contrário e no extremo oposto, o(s) praticante(s) com

elevados níveis de rendimento os objectivos não poderão ser

demasiadamente reduzidos pois não irão alcançar a desejada melhoria do

rendimento provocando desmotivação e desinteresse.

Concluindo, é óbvio que o treinador e os praticantes têm de modificar,

ajustando os objectivos para que estes correspondam aos níveis de

capacidade dos praticantes, o que ajuda a evitar o desenvolvimento de

maus hábitos que poderão, posteriormente, colidir com o

aperfeiçoamento e desenvolvimento do gesto técnico desportivo.

6.5.3. Hierarquizar os erros observados no gesto técnico desportivo

Desde inicio dever-se-à corrigir fundamentalmente os aspectos globais

decisivos ou condicionantes de uma execução correcta, deixando para

posteriores intervenções os pormenores ou componentes com maior

independência.

Segundo Daniels (1987) "não é necessariamente o pior ou o primeiro

erro a ser detectado na execução que precisa ser corrigido. A prioridade

na estrutura do gesto técnico desportivo tem de ser respeitada. Pode-se

assim verificar que a causa de muitos erros técnicos está na defeituosa

Page 203: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 173

execução de uma determinada componente fundamental. A localização

da causa principal do erro deve ser portanto, a preocupação primordial

dos treinadores que desejam corrigir e melhorar o rendimento

desportivo dos seus praticantes". Isto significa, ainda segundo a mesma

autora (1987) "que a causa de um erro é aquilo que deve ser corrigido e

não necessariamente o próprio erro observado ... Provavelmente muitos

dos erros observados no início irão desaparecer sem necessidade de lhes

dar particular importância" acrescenta. 6.5.4. A atitude do treinador na correcção do gesto técnico desportivo

A atitude do treinador na correcção do gesto técnico desportivo não deve

reduzir-se a evidenciar os aspectos negativos da execução mas sim na

valorização dos aspectos positivos, por forma a motivar os praticantes a

reforçá-los e consequentemente a melhorar os aspectos negativos. Neste

contexto, a intervenção do treinador na correcção deverá saldar-se por

uma resposta positiva sendo o melhor método para aprender ou

aperfeiçoar a aptidão técnica dos praticantes. Logo, o treinador deve

esforçar-se para não se concentrar naquilo que poderá estar mal

executado mas antes no que está a ser executado correctamente.

Para além do aspecto referido, se o treinador elogiar o(s) praticante(s) por

aquilo que eles estão a executar com correcção, irá dar uma informação

positiva importante para reforçar a motivação e o interesse destes no

treino. Segundo Daniels (1987) "seja qual for o nível de execução

verificada, o conhecimento dos resultados é um aspecto decisivo para a

aprendizagem. Quanto mais eficaz for transmitida uma informação

baseada em aspectos positivos de uma execução ou do rendimento

desportivo mais rapidamente se efectuará a aprendizagem. Pelo

contrário, se nessa altura o treinador só apontar os erros que eles estão

a cometer, os praticantes irão automaticamente concentrar-se neles com

prejuízo daquilo que estão a executar bem. Trata-se de uma situação que

Page 204: Metodologia Do Treino Desportivo

174 • Metodologia do treino desportivo I !

irá diminuir o ritmo de aprendizagem, sendo mesmo possível que alguns

aspectos positivos da execução venham a ser também prejudicialmente

afectadas".

Outra atitude importante do treinador na correcção do gesto técnico

desportivo é de não dar demasiada informação ao praticante, sendo

necessário que este se concentre num ou dois aspectos mais importantes

e assim alterá-los de acordo com as suas indicações:

quando existe um erro generalizado, devido a uma má informação

ou outro factor intrínseco, a correcção deverá ser colectiva. Logo que

detectada interrompe-se o treino volta-se a explicar, exemplificar

reforçando os aspectos essenciais. A interrupção do treino poderá ser

evitada, em que o treinador com duas ou três palavras ditas

oportunamente (entre cada repetição da prática do gesto, por exemplo)

lembra aos praticantes os aspectos que foram evidenciados e que estão

a ser descurados;

quando existe um ou outro praticante com deficiências, não e

necessário interromper o treino para corrigir apenas esse(s)

praticante(s). Nestas situações mesmo com o risco de

momentaneamente o treinador perder o controlo do trabalho

desenvolvido pelos restantes, deverá interromper a execução desse

praticante e informá-lo do(s) aspecto(s) negativo(s), dando-lhe a

conhecer a forma como ele o deve corrigir. Nestas situações poder-se-

à igualmente com o decorrer do treino chamar a atenção o praticante,

indicando em voz alta o seu nome, e de forma sucinta, alertá-lo para a

incorrecção cometida;

depois da correcção (individual ou colectiva) intervenção do

treinador volta a ser decisiva, pois e preciso estar atento às

modificações observadas no(s) gesto(s) técnico(s) dos praticantes.

Desta observação e análise duas situações podem acontecer:

Page 205: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 175

• ou os erros técnicos se mantêm, sendo necessário voltar a

corrigir seguindo as regras anteriormente estabelecidas;

• ou se verifica uma progressão na execução técnica, tornando-se

fundamental nestas situações reforços clara e positivamente

dirigido ao colectivo ou ao praticante individualmente.

6.5.5. Aspectos metodológicos a introduzir quando se verifica a consolidação do

gesto técnico desportivo com erros

O perigo de execução sistemática de um erro no gesto técnico é que

depois este se apresenta da mesma forma estável e consolidado pela

repetição, sendo mais tarde muito difícil de corrigir. Assim, é necessário

que o carácter padronizado do gesto deve ser frequentemente repetido

sem que sejam repetidos os vários erros de execução, tendo o treinador

de assumir a observância cabal deste aspecto, para que o conteúdo do

gesto técnico seja correctamente executado, estando assim (e só assim) a

contribuir verdadeiramente para o progresso do(s) praticante(s). O

"segredo" do treino técnico não é essencialmente determinado pela

utilização deste ou daquele exercício, mas sim pela intervenção do

treinador visando (o cumprimento do conteúdo do exercício escolhido)

precisamente essa finalidade. Quando se verifica a consolidação do gesto

técnico desportivo misturado com erros de execução. Para os eliminar

podem empregar-se os seguintes métodos:

deixar de fazer o elemento por algum tempo para travar as suas

ligações e, somente depois de o ter conseguido, recomeçar a sua

aprendizagem;

se o gesto técnico permitir, voltar a aprender o elemento;

deixar de lado o elemento que se estava aprender e passar a outro

mais difícil, mas parecido com o primeiro, pela sua estrutura, e em

seguida passar do elemento mais difícil para o mais fácil;

fazer com que o praticante fale do gesto técnico, pois, muitos deles

cometem erros só porque o concebem de forma incorrecta.

Page 206: Metodologia Do Treino Desportivo

176 • Metodologia do treino desportivo I !

Apresentando oralmente todos os detalhes da técnica, eles vêem-se

obrigados a pensar sobre os aspectos críticos e, porventura, deixarem

de cometer erros.

Finalizando, escutar com atenção as explicações do professor/treinador,

compreender as suas observações correctamente, analisar devidamente as

tentativas realizadas, apreciar todos os êxitos e falhas, são os principais

meios que asseguram a formação do gesto técnico, advertindo e eliminando

os erros. Com efeito, a correcta e eficaz execução dos diferentes factores

inerentes a cada comportamento específico de uma dada modalidade

desportiva, está intimamente ligada à frequente repetição dos exercícios de

treino, pois só assim os actos motores adquirem a estabilidade e a segurança

indispensáveis à sua aplicação tanto no treino como na competição.

6.6. A repetição do gesto técnico-desportivo

A repetição do gesto é um dos meios através do qual o praticante repete

sucessiva e metodicamente a execução do(s) gesto(s) técnico(s). A formação

ou o aperfeiçoamento de um determinado gesto técnico, não é conseguido

sem existir uma repetição frequente. A estabilidade técnica é mais

rapidamente conseguida quando a acção é reproduzida com frequência e de

forma relativamente estereotipada. Efectivamente a execução de elevado

nível de eficiência dos gestos técnicos está intimamente ligado ao número

de repetições, pois só assim os gestos adquirem a estabilidade, a variedade e

a segurança indispensáveis para a sua aplicação.

O hábito motor consolida-se graças à repetição constante do exercício já

assimilado. Quando um movimento se faz correctamente, naquilo que tem

de fundamental, teremos que passar a consolidar e aperfeiçoar o gesto

técnico. Todavia, a consolidação do hábito motor está indissoluvelmente

Page 207: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 177

ligado à estabilização do movimento. Assim, como no princípio da

aprendizagem a consolidação da execução do praticante não é ainda

suficientemente eficiente, senão em determinadas condições (estáveis),

depois dessa fase de estabilização estas condições deverão variar

procurando aperfeiçoá-lo nas condições mais diversas, isto é, em situações

cuja variabilidade do meio de treino é maior.

Esta etapa de aprendizagem, aperfeiçoamento ou desenvolvimento da

técnica desportiva leva-nos a três problemas essenciais: i) o problema da

estabilidade técnica, ii) o problema da diversidade técnica e da iii) segurança

de execução técnica.

6.6.1. A estabilização das aptidões técnico-desportivas

"A estabilização da técnica significa, não a estabilização da aptidão

técnico-desportiva mas sim da performance elevada" (Donskoy). A

estabilização das aptidões técnico-desportivas são determinadas, segundo

Matveiev (1986) pelos seguintes quatro princípios: criação de condições

favoráveis, exercitar o gesto técnico-desportivo isento de erros, não

confundir estabilidade com estereótipos rotineiros e a aproximação

gradual aos valores-padrão.

6.6.1.1. Criação de condições favoráveis

Uma aptidão é estabilizada com maior facilidade quanto mais

mecanicamente reproduzidas forem, no processo da repetição, as

particularidades assimiladas. Daí a regra: os factores que provocam

desvios em relação aos parâmetros óptimos da técnica do movimento

(condições externas difíceis, fadiga, tensão psíquica, "concorrência"

de hábitos motores anteriores, etc.) devem ser postos de parte no início

da aprendizagem, para a execução integral das acções e deve-se criar

Page 208: Metodologia Do Treino Desportivo

178 • Metodologia do treino desportivo I !

condições que diminuam a possibilidade de tais desvios (regulando a

aplicação de cargas e repousos, distribuindo os exercícios pela

estrutura das sessões de modo a facilitar a assimilação das aptidões,

utilizando postos de treino adequados e rítmicos diversos,

regularizando e estabilizando as condições exteriores, etc.).

6.6.1.2. Exercitar o gesto técnico-desportivo isento de erros

Segundo Carvalho (1988) "a aprendizagem e aperfeiçoamento técnico

exige do praticante uma elevada actividade e consequentemente

disposição para repetir inúmeras vezes o movimento de forma

consciente. A atenção deve recair directamente nos detalhes da

execução do movimento contribuindo frequentemente para acelerar o

desenvolvimento do processo de aprendizagem, nomeadamente nas

acções motoras complexas".

Os esforços tendentes à estabilização das aptidões serão inúteis se

durante este processo forem incutidos erros e imperfeições. Por outras

palavras: é necessário assegurar uma estabilização de carácter

positivo. Deste modo estes devem ser repetidos sem que sejam

repetidos os erros e com rigorosa realização dos parâmetros de

movimento assimilados. Nesta fase de estabilização, tal como em

todas as outras fases, a preparação técnica tem de ser combinada com

a modelação da capacidade de distinguir e regular com precisão os

parâmetros de espaço e tempo e os parâmetros dinâmicos do

movimento, de alternar racionalmente as contracções e descontracções

musculares e de dominar o conjunto dos momentos variáveis da acção.

6.6.1.3. Não confundir estabilidade com estereótipos rotineiros

Page 209: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 179

É conveniente consolidar as aptidões técnico-desportivas de tal modo

que elas ganhem a suficiente estabilidade, sem que com isso redundem

em estereótipos rotineiros, e coordená-las com a tendência geral de

evolução do nível de treino da respectiva fase. Como se sabe, nas

diversas modalidades são necessários diferentes graus de estabilização

das aptidões e das suas componentes. Na ginástica e nas modalidades

análogas, que têm uma estrutura cinética relativamente estável de

movimentos competitivos, a qual se modifica muito pouco com a

evolução do nível de treino, o grau de estabilização global das

aptidões é consideravelmente mais elevado que em qualquer outra

modalidade. Neste caso, a estabilização das aptidões é a tendência

principal do seu aperfeiçoamento em relação ao programa

competitivo. Nos jogos desportivos colectivos e de confrontação

individual, estabiliza-se principalmente a base conservando uma gama

de variações dessas aptidões suficientemente vasta.

6.6.1.4. Aproximação gradual aos valores-padrão

À medida que vão sendo consolidadas as aptidões já assimiladas,

todos os parâmetros do movimento que assegurem a estabilização

devem aproximar-se gradualmente dos seus valores-padrão

(adequados à prestação desportiva planeada para o respectivo ciclo de

treino).

6.6.2. A diversidade de aptidões técnico-desportivas

Segundo Matveiev (1986) "a segurança da técnica desportiva depende

também da possibilidade de modificação das aptidões já formadas, em

conformidade com a modificação das condições competitivas e, portanto,

da gama de diversidade dessas aptidões. A este respeito, devemos recordar

Page 210: Metodologia Do Treino Desportivo

180 • Metodologia do treino desportivo I !

que a estabilidade e a dinâmica de uma aptidão são propriedades não

apenas opostas mas inter-relacionadas. Esta sua inter-relação mostra-se,

por exemplo, no facto de que os parâmetros cinemáticos prescritos para

uma acção podem manter-se sem alteração quando ela é executada em

condições diferentes".

O mesmo autor (1986) acrescenta que "a útil diversidade da técnica das

acções competitivas caracteriza-se pela sua mutabilidade justificável, uma

mutabilidade que seja adequada às condições das competições e que facilite

a conservação da eficácia das acções. Permite desvios em relação às

formas de movimento que foram aprendidas, mas desvios que não vão além

do necessário para a consecução do objectivo da competição. A gama

destas variações, conforme já ficou dito, é diferente de umas modalidades

para outras. Uma das tarefas principais do treino técnico de um praticante,

quando ele aperfeiçoa as aptidões aprendidas, consiste em assegurar a

variedade correspondente às particularidades da modalidade escolhida.

Isso consegue-se variando directamente as características individuais dos

exercícios, as suas fases e as suas formas, e variando também as condições

externas da sua execução".

A mais ampla gama de variações justificadas dos desígnios operacionais é

típica das modalidades com uma composição de situações competitivas não

padronizada (jogos desportivos colectivos e modalidades de confronto

individual). Na esgrima, por exemplo, a eficácia das acções competitivas

depende da amplitude com que no treino são utilizados exercícios com

variação quanto à velocidade, à precisão dos movimentos), à previsão

(antecipação às acções do opositor) e à mudança (imediatamente a seguir ao

fim de uma acção ou a meio dela).

No aspecto metodológico, temos de distinguir dois tipos de atitude e os

respectivos métodos particulares para a expansão da gama de diversidade

Page 211: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 181

das aptidões já aprendidas (Matveiev, 1986): variação rigorosamente

dirigida e a variação livremente dirigida.

6.6.2.1. Variação rigorosamente dirigida

A sua direcção e o seu grau são rigorosamente prescritos nas

instruções do treinador, reflectem uma regulação exacta das

influências externas. Os métodos de variação rigorosamente dirigida

incluem a execução de exercícios que requerem a aptidão de modificar

os parâmetros individuais de movimento e de modificar também as

suas ligações e as formas de coordenação entre limites rigorosamente

definidos (por exemplo: execução de um exercício competitivo ou dos

seus elementos a partir de várias posições iniciais, com diferentes

volumes de tensão muscular, utilizando variações de técnica

desportiva, realizando combinações diversas, etc.). Muitos métodos

deste tipo podem ser subdivididos, segundo a condição de variação,

em dois grupos:

acções sem relação com a modificação das condições externas;

acções relacionadas com a introdução de condições externas,

regulando-se rigorosamente a direcção e os limites da variação.

6.6.2.2. Variação livremente dirigida

A realização da variação depende de modificações imprevisíveis das

condições externas. Os exercícios com variações e executados sem

influências externas reguladas impõem maiores exigências à

capacidade de regulação fina dos movimentos. Acções deste grupo

como a variação das posições iniciais, de elementos isolados e de

combinações competitivas são importantes porque permitem reduzir a

possibilidade de situações de ruptura nos momentos críticos das

competições. Os métodos de variação livremente dirigida relacionam-

se com diversas atitudes metodológicas que diferem entre si pela sua

Page 212: Metodologia Do Treino Desportivo

182 • Metodologia do treino desportivo I !

essência concreta e pelos meios e condições da variação. Neste

contexto, deve-se ter em atenção o seguinte:

variação relacionada com a resolução de problemas tácticos em

condições de interacção (com oponentes ou parceiros) livremente

regulada. É o que se chama variação táctica livre;

variações de jogo relacionados com a utilização de elementos

dos métodos de jogo e de competição no treino;

variação relacionada com a utilização, durante o treino e em

condições inabituais de ambiente natural, de aparelhos e acessórios,

com o objectivo de realizar treino psicológico especial e de

melhorar a estabilidade das aptidões.

6.6.3. A segurança das aptidões técnico-desportivas

Segundo Matveiev (1986) "a maioria dos métodos que asseguram a

estabilidade e a variedade das aptidões desportivas podem também ser

vistas como a dos métodos de obtenção da segurança da técnica das

acções competitivas. A "segurança" das acções do praticante durante as

competições é o resultado complexo do aperfeiçoamento das suas

capacidades e aptidões que garante uma grande eficácia das acções a

despeito das interferências internas e externas. Juntamente com a

estabilidade e a variedade das aptidões, a segurança é determinada pela

estabilidade psíquica, pela resistência específica, pelo alto grau de

desenvolvimento das aptidões de coordenação e outras".

Em termos metodológicos as condições fundamentais para melhorar a

segurança da técnica desportiva (para além dos que já foram

mencionados) são os seguintes (Matveiev, 1986): adaptação das aptidões

técnicas às condições máximas de manifestação das qualidades físicas no

treino, modelação de situações psiquicamente tensas e introdução de

dificuldades adicionais e a prática competitiva.

Page 213: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 183

6.6.3.1. Adaptação das aptidões técnicas às condições máximas de manifestação

das qualidades físicas no treino

A preparação técnica do praticante, nestas condições, funde-se

organicamente com o treino físico especial. O volume e a intensidade

das cargas específicas do treino são levados a valores próximos dos

competitivos e podem mesmo excedê-los (em certos parâmetros). É

esse o principal factor de adaptação. A segurança técnica nas

modalidades que exigem manifestações de resistência máxima

depende do grau de estabilidade das aptidões perante a fadiga. Assim,

o problema da criação de capacidades de perfeita execução das acções

competitivas é resolvido em unidade com os problemas da formação

da resistência específica. A este respeito, a direcção metodológica

principal é o aumento do volume dos exercícios executados à

intensidade máxima e combinados com o aumento da fadiga durante o

trabalho. Naturalmente que o grau de fadiga tem de ser limitado de tal

modo que sejam evitadas distorções permanentes das aptidões

assimiladas. Em princípio, a fadiga, se não for excessiva, não destruirá

as aptidões firmemente assimiladas e até facilitará ao aperfeiçoamento

das coordenações de movimentos. 6.6.3.2. Modelação de situações psiquicamente tensas e introdução de

dificuldades adicionais

À medida que se vão estabilizando as aptidões recém-formadas (ou

transformadas) correspondentes às acções competitivas, uma das

condições necessárias para posterior aumento da sua segurança é a

superação das interferências descoordenadoras que surgem em

situações de tensão psicológica, que são típicas das competições

desportivas. A estabilidade das aptidões em relação aos factores deste

tipo é assegurada mediante uma combinação mais íntima do treino

Page 214: Metodologia Do Treino Desportivo

184 • Metodologia do treino desportivo I !

técnico com o treino da vontade e o treino psicológico especial. Logo

desde o início da estabilização das aptidões é conveniente excluir a

pouco e pouco os métodos que facilitam a execução dos exercícios e

introduzir determinadas dificuldades que compliquem as tarefas de

domínio dos movimentos. À medida que se aproxima o período das

principais competições, as situações competitivas que envolvam

tensão psíquica deverão ser mais completamente trabalhadas no treino.

Tudo isso faz aumentar o grau de segurança das aptidões já formadas

desde que, é claros sejam usados ao mesmo tempo métodos eficazes

de verificação objectiva e de correcção dos erros observados,

juntamente com os métodos de treino da vontade e de treino psíquico

especial que mobilizem o atleta para vencer as dificuldades. 6.6.3.3. A prática competitiva

É conveniente utilizar a participação sistemática em condições de

treino, ou oficiais, de níveis diversos, como factor de aperfeiçoamento

de novas (ou renovadas) formas da técnica desportiva depois de

estarem inicialmente estabilizadas as aptidões assimiladas (não há

justificação para experimentar a sua solidez em competições quando

elas não são estáveis porque conduz normalmente à consolidação de

erros que mais tarde dificilmente serão corrigidos). Antes que termine

o período preparatório, a prática competitiva tem de constituir uma

componente importante de todo o sistema do treino.

Ver, ouvir, experimentar, corrigir e repetir são por assim dizer os aspectos

salientes desta fase de ensino/aprendizagem do gesto técnico desportivo. Esta é

caracterizada pela diminuição da tensão inicial, por parte do praticante.

Aprender é ascender a um nível que o praticante não tem, logo este passa

sempre por uma situação de stress, que se liga ao factor postural e ao factor

psicológico, em que tudo vai sendo desencadeado dentro de uma esfera

emotiva. Daí que o praticante sinta que os exercícios são fatigantes, não por

Page 215: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 185

serem difíceis (complexos), mas sim por serem executados com um elevado

controlo e domínio do sistema nervoso central o que origina por consequência

uma intensa e precoce fadiga de origem nervosa.

Concluindo, a racionalização e sistematização do processo de treino só advirá

de uma criteriosa selecção de objectivos, conteúdos, métodos e meios de treino

em situações adequadas à aprendizagem, aperfeiçoamento e estabilização.

7. Planeamento da preparação técnico-desportiva

Iremos seguidamente analisar a preparação técnico-desportiva dos praticantes

em função do processo de planeamento plurianual e anual, microciclo e

unidade de treino.

7.1. Durante o processo plurianual e anual

De um modo geral, segundo Matveiev (1986) o processo plurianual da

preparação técnica do praticante/jogador pode ser dividido em duas fases

principais: a fase da preparação técnica de base e a fase de aperfeiçoamento

técnico.

7.1.1. A fase da preparação técnica de base

Esta fase inclui o ensino inicial da técnica desportiva da modalidade e

uma preparação desportiva convenientemente concebida que possa servir

de base para o posterior aperfeiçoamento do praticante graças à

acumulação de um rico conjunto de aptidões técnico-desportivas. O

ensino, na acepção mais imediata da palavra, manifesta-se mais

completamente na primeira fase. Mas continua ainda na segunda fase a

ser um dos aspectos de maior importância da preparação desportiva.

Apenas se modificam o seu conteúdo concreto e a sua forma.

Page 216: Metodologia Do Treino Desportivo

186 • Metodologia do treino desportivo I !

7.1.2. A fase de aperfeiçoamento técnico

Na segunda fase da preparação técnica prossegue-se no domínio de novas

formas ou variantes da técnica e na sua consolidação e aperfeiçoamento

em dependência das exigências de aquisição, conservação e posterior

aperfeiçoamento da forma desportiva no âmbito dos grandes ciclos do

treino. Um praticante em aperfeiçoamento tem pelo menos três fases de

treino técnico em cada ciclo (Matveiev, 1986):

7.1.2.1. Primeira fase

Coincide, de um modo geral, com a primeira metade do período

preparatório dos grandes ciclos de treino, quando a preparação do

atleta se encontra completamente subordinada à necessidade de

criação dos pré-requisitos para o estabelecimento da forma desportiva.

Em relação à preparação técnica, é esta a fase de "construção" de um

modelo de nova técnica das acções competitivas (ou de uma sua

variante), de melhoramento dos seus pré-requisitos, do domínio

prático e do estudo (ou novo estudo) de determinados exercícios que

fazem parte das acções competitivas e da modelação das suas bases

coordenativas gerais.

7.1.2.2. Segunda fase

Nesta fase, a preparação técnica orienta-se para o domínio completo

das acções competitivas e para a formação de aptidões complexas

como componentes da forma desportiva. Regra geral, cobre uma parte

Page 217: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 187

considerável da segunda fase do período preparatório dos grandes

ciclos do treino (fase preparatória especial).

7.1.2.3. Terceira fase

Nesta fase, a preparação técnica é conduzida no âmbito da preparação

imediatamente anterior às provas e orienta-se para o aperfeiçoamento

das aptidões adquiridas, para a expansão da respectiva gama de

variantes úteis e para a consecução de um certo grau de "segurança"

em relação às condições das principais competições. Esta fase

costuma começar na parte final do período preparatório do treino e

prolonga-se pelo período competitivo. Se este for muito longo, o

treino técnico conservará, no essencial, os aspectos que o caracterizam

na terceira fase e só se modificará parcialmente, em função das

particularidades especificas da estrutura do período competitivo.

O conteúdo e a forma do treino técnico do praticante sofrem a

influencia: i) das suas particularidades de assimilação dos

procedimentos técnicos em relação à forma desportiva já atingida por

este, ii) das peculiaridades da modalidade desportiva praticada, iii) da

estrutura geral do ciclo de treino e, iv) de outros factores.

Assim, se a técnica do praticante num determinado ciclo de treino não

estiver sujeita a transformações essenciais e a preparação técnica se

reduzir, no essencial, a um pequeno aperfeiçoamento de aptidões

anteriormente adquiridas, os limites que separam estas fases

desaparecem e a duração das primeiras fases diminui. Quando há

necessidade de reestruturar aptidões firmemente formadas e de vencer

erros ou insuficiências fortemente enraizadas, pelo contrário, a

primeira fase tem de ser prolongada com a introdução de uma fase

Page 218: Metodologia Do Treino Desportivo

188 • Metodologia do treino desportivo I !

especial de "readaptação" (que costuma coincidir com o período de

transição do treino).

Para Carvalho (1988) "as modalidades onde a técnica é muito

importante para o rendimento, como sejam as de exactidão e

expressão do movimento, ela deve representar a parte predominante

do treino durante todo o ano. Nos desportos colectivos e desportos de

combate deve também ser treinada durante todo o ano juntamente

com a condição física e a táctica. Nas modalidades onde os factores

da condição física são determinantes para o rendimento, também a

técnica deve ser treinada durante todo o ano mas com especial

incidência no período de competição, embora a carga de treino seja

ao longo do macrociclo predominantemente dirigida para o

desenvolvimento das capacidades condicionais fundamentais para o

rendimento da modalidade".

7.2. O treino técnico durante o microciclo

A aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento da técnica desportiva

durante o microciclo de treino deve obedecer, em última análise, a um dos

seus princípios metodológicos fundamentais: o da relação óptima entre a

carga de treino e o repouso. Deste princípio surgem duas questões

essenciais:

a determinação do exercício óptimo o qual consubstancia uma

estrutura (objectivo, conteúdo, forma e nível de performance) e

componentes estruturais fisiológicas (duração, volume, intensidade,

densidade e frequência) e técnico-táctica (espaço, tempo, número e

complexidade); e,

a determinação do momento óptimo de aplicação de uma nova carga

de treino, isto é, a sua aplicação deve decorrer em função dos processos

regenerativos correspondentes às unidades de treino anteriores, sendo

Page 219: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor técnico desportivo • 189

fundamental que esta ocorra no momento em que existe um nível de

organização superior (melhoria do rendimento).

Nestas circunstâncias, a aplicação de uma unidade de treino cujo

objectivo/conteúdo é de aprendizagem, aperfeiçoamento e desenvolvimento

da técnica desportiva não deve ser aplicado imediatamente após uma

unidade de treino que devido às características da carga conduziram os

praticantes/jogadores a um elevado estado de fadiga especialmente no que

diz respeito aos sistemas nervoso e muscular.

7.3. O treino da técnica desportiva na unidade de treino

Um dado inegável no treino da técnica desportiva é o facto deste decorrer

sob uma forte participação do sistema nervoso central. Com efeito, perante

um ou mais exercícios de treino o sistema nervoso fatiga-se mais

rapidamente que qualquer outro sistema do corpo humano. Daqui se infere

que o primeiro aspecto metodológico a reter no treino da técnica desportiva

é que a eficácia dos exercícios que o consubstanciam não é determinado

pelo volume das modificações funcionais que provocam fadiga, mas sim

pela correcção e precisão das formas de coordenação dos movimentos.

Neste sentido, numa primeira fase de aprendizagem o número de repetições

desses exercícios é relativamente pequeno e limitado no decurso de cada

unidade de treino especialmente quando haja o perigo da fixação de erros

técnicos que derivam de estados de fadiga. Todas as argumentações teóricas

sobre a aprendizagem da técnica desportiva referem a regra de "mais vezes e

aos poucos". Segundo Matveiev (1987) "uma eficácia suficientemente

elevada do trabalho de formação e reestruturação de aptidões técnico-

desportivas complexas fica assegurada, ao que parece, na maior parte dos

casos, com sessões diárias com um volume relativamente pequeno. Essa

eficácia diminui consideravelmente quando aumenta o intervalo entre as

sessões, mesmo que aumente o volume de trabalho em cada sessão".

Page 220: Metodologia Do Treino Desportivo

190 • Metodologia do treino desportivo I !

Para Carvalho (1988) "se na mesma unidade de treino pretendemos treinar

a técnica e a condição física, a técnica deve treinar-se no início (logo após

o aquecimento) pois o sistema nervoso central não estará fatigado e obter-

se-á assim um melhor rendimento no treino. Só quando o desportista tem a

técnica bem estabilizada poderá treiná-la em condições de fadiga. No

entanto aqui o objectivo não será o aperfeiçoamento dos gestos técnicos

mas sim a adaptação às condições da competição, isto é, a estabilização da

técnica em condições desfavoráveis como seja, neste caso, um elevado

estado de fadiga".

w

Page 221: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 2

Estudo do factor táctico desportivo

Resp: Jorge Castelo

Page 222: Metodologia Do Treino Desportivo

190 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 2 da Parte IV

O factor táctico desportivo representa o processo intelectual de

solução das questões que a competição em si encerra. Com efeito, a

competição desportiva reflecte, na maioria das modalidades, um

conjunto diversificado de situações que determinam a necessidade

destas serem resolvidas através de acções significativas, orientadas em

relação a um objectivo comum, logo exigindo a participação da

consciência. Neste contexto, incidiremos a nossa análise sobre a

natureza do comportamento táctico, frequência, características,

elementos que o influenciam, as fases e os princípios metodológicos da

sua formação nos praticantes.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 9

Page 223: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 191

Parte IV

Os factores de treino

Sumário

1. Definição de comportamento táctico desportivo

2. Objectivo do comportamento táctico desportivo

3. A natureza do comportamento táctico desportivo 3.1. Ser orientado exigindo a participação da consciência 3.2. Exprime um pensamento produtor

4. Frequência de ocorrência do comportamento táctico desportivo

5. Características do comportamento táctico desportivo

6. Elementos que influenciam o comportamento táctico desportivo 6.1. As características básicas das situações competitivas 6.2. A qualidade de observação por parte do atleta/jogador 6.3. Os fundamentos reais dos conhecimentos e das experiências dos jogadores 6.4. A memória 6.5. Solução associativa dos problemas tácticos 6.6. A rapidez do atleta/jogador a reconhecer as invariantes da situação competitiva 6.7. Os factores emotivo-psicológicos

7. As fases do comportamento táctico desportivo 7.1. A percepção e análise da situação 7.2. A solução mental do problema 7.3. A solução táctica e as respostas técnicas

8. As diferentes fases do processo de aprendizagem da táctica desportiva 8.1. 1ª. Fase: aprendizagem habilidades motoras inerentes à modalidade desportiva 8.2. 2ª. Fase: aprendizagem das acções técnico-tácticas 8.3. 3ª. Fase: desenvolvimento da capacidade competitiva global 8.4. 4ª. Fase: utilização da capacidade competitiva global em competições oficiais

9. Princípios metodológicos da formação táctica desportiva 9.1. Princípio da sistematização 9.2. Princípio do carácter alternativo 9.3. Princípio da unidade da formação táctica elementar e complexa 9.4. Princípio da formação táctica individual e da formação táctica colectiva 9.5. Princípio da unidade da formação táctica teórica e da formação táctica prática 9.6. Princípio da síntese óptima indutiva e da dedutiva

Page 224: Metodologia Do Treino Desportivo

192 • Metodologia do treino desportivo I !

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Page 225: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 193

Ao observarmos as modalidades desportivas na actualidade imediatamente

chegamos à conclusão do elevado grau de complexidade que os

comportamentos técnico e tácticos dos atletas/jogadores em si encerram.

Executar uma acção correcta, no momento exacto, empregando a força

necessária, imprimindo a velocidade ideal, antecipando as acções dos

adversários e tornar compreensível a sua acção em relação aos companheiros,

são alguns dos elementos que qualquer atleta/jogador deve ter em conta antes

de tomar uma decisão.

Nestas circunstâncias, ao exigir-se quer do plano individual quer do plano

colectivo melhores níveis de eficiência/eficácia, aumentou-se a intensidade e o

ritmo competitivo o que afectou sobremaneira não só os aspectos técnicos,

como também os aspectos psicológicos, consubstanciados pelo aumento da

pressão sobre o raciocínio táctico dos atletas/jogadores. O comportamento

destes só é compreensível considerando-os como indivíduos que têm que dar

uma resposta eficaz às diferentes situações competitivas, sendo obrigados a

adaptar-se rápida e continuamente a si próprio, às necessidades do colectivo e

aos problemas postos pelos adversários.

O aumento do ritmo competitivo na actualidade (número de acontecimentos na

unidade de tempo), afecta radicalmente o modo como o atleta/jogador "sente"

as situações à sua volta, na qual a instabilidade-transitoriedade do

envolvimento, imprime um novo sentido à estrutura da situação, influenciando

a continuidade e a descontinuidade da expressão pessoal da maturidade e

criatividade dos atletas/jogadores, das suas capacidades de cooperação (com os

companheiros), das suas capacidades de oposição (com os adversários), pelas

regras da competição, ou por quem é o seu garante (árbitro) e com o público.

Page 226: Metodologia Do Treino Desportivo

194 • Metodologia do treino desportivo I !

1. Definição de comportamento táctico desportivo

O acto/comportamento táctico desportivo é definido pelo "processo intelectual

de solução dos problemas competitivos, sendo uma componente indissociável

da actividade, devendo ser rápida e deliberado, visando o maior grau de

eficiência possível" (Mahlo, 1966).

Desta definição podemos inferir que o comportamento táctico dos

atletas/jogadores pressupõe uma actividade cognitiva, sendo resultado de

complicados mecanismos de recepção, transmissão, avaliação e elaboração da

resposta, relacionando o resultado dessa acção com a memória. É esta

actividade cognitiva ou intelectual, que amplia significativamente a capacidade

das respostas adaptativas dos praticantes às situações competitivas, permitindo

que este reconheça, oriente e regule a sua acção motora.

O comportamento táctico desportivo, com efeito, não se reduz a um sistema

fechado de relação que se estabelece por ensaio e erro, ou pelo

condicionamento consolidando-se através de reforçamentos positivos. O

sentido táctico em situação competitiva exige para ser eficaz uma elaboração

realizada a partir de sistemas abertos de relação baseados sobre códigos

simbólicos de informação.

2. Objectivo do comportamento táctico desportivo

O objectivo fundamental do comportamento táctico desportivo é o encontrar de

soluções para a resolução prática dos diferentes problemas postos pelas

diversificadas situações competitivas.

Page 227: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 195

3. A natureza do comportamento táctico desportivo

A natureza do comportamento táctico desportivo consubstancia-se basicamente

em duas componentes fundamentais: i) ser orientado exigindo a participação da

consciência e, ii) exprime um pensamento produtor.

3.1. Ser orientado exigindo a participação da consciência

A competição reflecte um conjunto diversificado de situações que por si

encerram inúmeros problemas que deverão ser resolvidos pelos

atletas/jogadores, através de acções significativas orientadas em relação a

um objectivo comum, logo, exigindo a participação da consciência. Deste

facto extraí-se a primeira componente fundamental da natureza do

comportamento táctico dos atletas/jogadores, é que a dimensão das acções

motoras visíveis para a resolução desses problemas, reflectem uma relação

consciente e inteligível, de manifestação de uma personalidade, mas não

representam "mais que" a fase final de um longo e complexo processo

psico-fisiológico.

Segundo Rubinstein (1962), "o jogo traduz uma actividade composta por

um conjunto de acções complexas não fortuitas, ligadas entre si pela

unidade da motivação... Existe entre a actividade e o psiquismo do homem

uma verdadeira unidade e uma ligação dialéctica... Esta unidade da

consciência e do comportamento não significam necessariamente

identidade. A consciência é ao mesmo tempo, a condição e o resultado da

actividade, do mesmo modo que as qualidades psíquicas da personalidade

são a condição e o resultado do comportamento humano".

Page 228: Metodologia Do Treino Desportivo

196 • Metodologia do treino desportivo I !

Neste contexto, desenvolve-se uma intensa e determinante actividade

operatória através da qual os atletas/jogadores procuram decifrar as

flutuações (modificações) do meio, tentando descoadificar continuamente a

dinâmica das interacções observadas. Estes processos operatórios

complexos estabelecem os princípios organizadores das acções dos

atletas/jogadores consubstanciando-se: na apreciação das velocidades, das

distâncias, da profundidade, da estimação dos projectos dos outros

(companheiros e adversários), dos antagonismos ou das convergências.

Todos estes elementos são analisados em termos de probabilidade

subjectiva partindo de um grau de confiança variável, com a qual se

estabelece a estratégia da acção relativamente à situação competitiva.

3.2. Exprime um pensamento produtor

O facto de se resolver pela acção, problemas em plena situação competitiva,

obriga na maior parte das vezes a ordenar com discernimento a situação

problemática, e a solução leva os atletas/jogadores a obterem conhecimentos

subjectivamente novos. "O acto táctico é um sistema de investigação que

não se contenta em escolher a melhor resposta entre várias possíveis, esta

auto-aperfeiçoa-se ao mesmo tempo que resolve o problema posto" (Mahlo,

1966). Isto significa que as soluções tácticas evoluem dos mais simples para

os lógicos, mais racionais, sendo fundamental reconhecer e identificar quais

os principais processos e invariantes que consubstanciam esta

transformação.

Com efeito, cada comportamento é portador de um sentido ao qual todos os

atletas/jogadores (companheiros e adversários) deverão interpretar de forma

eficaz, compreendendo assim as significações das acções tácticas que se

intercruzam perante os seus olhos. Não existe assim, a simples percepção e

os estímulos, mas a interpretação do comportamento motor e a comunicação

Page 229: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 197

de um sentido. Os atletas/jogadores interpretam os deslocamentos, as

paragens, as posições, as marcações, etc., detectando os sinais e impondo

igualmente as suas próprias significações.

4. Frequência de ocorrência do comportamento táctico desportivo

Os mecanismos que fundamentam o comportamento táctico desportivo dos

atletas/jogadores, ocorrem continua e permanentemente durante a competição.

Cada situação competitiva comporta índices de identificação bem definidos e

hierarquizados que são o testemunho do seu significado táctico e que

transportam já em si as ligações essenciais, através dos quais os jogadores ao

"lerem" a situação (atribuindo-lhe um determinado significado):

• avaliam as suas possibilidades de êxito;

• preparam mentalmente a sua acção futura;

• antecipam o seu comportamento em função do prognóstico por ele

elaborado; e,

• executam uma resposta que seja previsível aos olhos dos seus

companheiros e imprevisível aos dos adversários.

5. Características do comportamento táctico desportivo

O comportamento táctico desportivo exprime seis características fundamentais

(Hucko, 1981): i) fluidez, ii) adaptabilidade, iii) originalidade, iv) reestruturação,

v) antecipação e, vi) execução.

5.1. Fluidez

Page 230: Metodologia Do Treino Desportivo

198 • Metodologia do treino desportivo I !

A fluidez reflecte a capacidade de criar rápida, fluida e facilmente o maior

número possível de mecanismos psíquicos de um determinado tipo num

tempo limitado para a resolução da situação de competição.

5.2. Adaptabilidade

A adaptabilidade representa a capacidade de se encontrar soluções

heterogéneas para uma dada situação problemática.

5.3. Originalidade

A originalidade representa a capacidade de idealizar soluções mentais e

motoras que sejam engenhosas, subtis, descobrindo coincidências e

conexões imperceptíveis.

5.4. Reestruturação

A reestruturação representa a capacidade de modificar ou reestruturar o

significado e a utilização dos elementos ou das suas partes, em função dos

novos condicionalismos da situação competitiva.

5.5. Antecipação

A antecipação representa a capacidade de discernir e prever as necessidades

e consequências da situação competitiva.

5.6. Execução

A execução representa a capacidade de realizar em termos práticos a

solução mental encontrada.

Page 231: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 199

Neste contexto, também Korcek (1980), refere que as qualidades fundamentais

dos jogadores durante as fases de percepção e análise da situação/solução

mental do problema são:

i) o alto sentido de orientação;

ii) capacidade de antecipação;

iii) capacidade de modificar a ordem dos diferentes elementos da

actividades; e,

iv) capacidade de valorizar retrospectivamente e reflectir sobre a solução da

situação de jogo anteriores, procurando encontrar outras diferentes.

6. Elementos que influenciam o comportamento táctico desportivo

Existe um conjunto de variáveis que intervêm e influenciam de forma decisiva

o comportamento táctico desportivo dos atletas/jogadores nomeadamente, no

que se refere: à qualidade do pensamento táctico, à rapidez do pensamento e a

compreensão adequada da solução em função da situação competitiva presente.

Entre as diversas variáveis enumeraremos as seguintes que consideramos

fundamentais: i) as características básicas das situações competitivas

(variabilidade transitoriedade), ii) a qualidade de observação por parte do

atleta/jogador, iii) os fundamentos reais dos conhecimentos e das experiências

dos atletas/jogadores, iv) a memória, v) a solução associativa dos problemas

tácticos, vi) a rapidez do atleta/jogador em reconhecer as invariantes de uma

situação competitiva e, vii) os factores emotivo-psicológicos.

6.1. As características básicas das situações competitivas

De uma forma geral as situações competitivas evidenciam duas

características fundamentais:

• a variabilidade (ritmo de mudança) que evidencia grandes exigências

dos mecanismos perceptuais, obrigando os atletas/jogadores a uma

concentração constante na competição para realizar uma correcta leitura

desta e decidir por uma resposta motora eficaz; e,

Page 232: Metodologia Do Treino Desportivo

200 • Metodologia do treino desportivo I !

• a constante transitoriedade (complexidade da mudança) que determina

um aumento da complexidade de todas as componentes da estrutura da

situação, obrigando o atleta/jogador a realizar acções que procuram

prever antecipadamente o desenvolvimento e o resultado dos

acontecimentos de uma dada situação de jogo (antecipação) tornando

assim, a sua capacidade de intervenção mais eficiente.

Neste contexto, tanto a variabilidade como a transitoriedade das situações

competitivas limitam o tempo disponível para a tomada de decisão

adequada e apropriada para cada situação, influenciando assim, a qualidade

do pensamento táctico.

6.2. A qualidade de observação por parte do atleta/jogador

As experiências e os conhecimentos são factores essenciais, num processo

perceptual que não se pode desenvolver senão pela prática activa, da qual

nascerá o "dom da observação" fonte de soluções tácticas novas às tarefas

impostas pela competição. Mahlo (1966), prefaseando Smirnov define "dom

da observação como a capacidade de descobrir nos objectos e nos

fenómenos o que não aparece, ou aparece muito pouco, mas apesar de tudo

é essencial e interessante seja qual for o ponto de vista. Um traço

característico do dom da observação é também a velocidade com a qual

este pouco aparente é apreendido". Ainda o mesmo autor (1966) refere que

"a prática do jogo pode desenvolver um dom ou uma capacidade de

observação, permitindo reconhecer qualquer coisa essencial do ponto de

vista do problema a resolver, isto é, do ponto de vista da táctica".

6.3. Os fundamentos reais dos conhecimentos e das experiências dos jogadores

A qualidade do pensamento táctico aumenta simultaneamente à progressão

dos conhecimentos tácticos práticos, a partir desse momento apercebe-se

daquilo que é essencial para resolver o problema. Cada situação competitiva

comporta índices de identificação bem definidos e hierarquizados que são

Page 233: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 201

testemunho do seu significado táctico e que transportam já em si as ligações

essenciais. Isto significa, que a actualização dos conhecimentos tácticos,

como forma de pensamento táctico, faz-se a partir: i) da análise da situação

e, ii) da análise dos conhecimentos. "Produz-se um fluxo de ligações

continuas entre os problemas e as disposições individuais - conhecimentos,

técnicas e capacidades" (Mahlo, 1966). Ainda segundo este autor, "um bom

jogador deve dispôr de sólidos conhecimentos e rapidamente utilizáveis em

função da alternância continua dos problemas concretos ...Sente-se a

necessidade dum sistema lógico de conhecimentos tácticos organizados

numa relação lógica do ponto de vista prático".

Mahlo (1966) ao referir-se a Rubinstein afirma que "não se deve separar o

pensamento do conhecimento, contudo, não há identidade entre o volume de

conhecimentos e a qualidade do pensamento. Pensar não é somente

actualizar conhecimentos, é também criar novos...". "A actualização dos

conhecimentos necessários para a solução de um dado problema, implica a

análise do problema e dos conhecimentos que entram em linha de conta

para a sua solução. Esta análise determina que se faça uma correlação

sintética do problema e dos conhecimentos".

6.4. A memória

Segundo Carrière (1976) "a prospecção do campo visual pode ter uma

sequência automatizada, visto que, com a experiência o jogador desenvolve

um quadro perceptual, que armazena o tipo de informação a observar e as

principais fontes de informação pertinente. Esta sequência é controlada

pela memória de longo prazo". Ainda o mesmo autor alerta para o facto,

que algumas vezes os índices pertinentes da situação estão incompletos,

tendo o jogador de utilizar as informações armazenadas na sua memória de

longo prazo, para poder interpretar os fragmentos de informação e prever

antecipadamente o desenvolvimento da situação de competição. "Cada

percepção apropriada deixa um traço na memória" (Rubinstein, 1962).

Page 234: Metodologia Do Treino Desportivo

202 • Metodologia do treino desportivo I !

6.5. Solução associativa dos problemas tácticos

A capacidade de estabelecer uma associação mental entre a situação

percebida e a solução correspondente representa na competição, o meio

mais rápido de resolver o problema mentalmente e no momento próprio.

Neste sentido, Mahlo (1966), refere o seguinte exemplo "se todos os

membros de uma equipa tivessem uma formação táctica idêntica (se

jogassem juntos há muito tempo beneficiando duma educação teórica e

prática comum) existiria entre eles uma compreensão quase cega fundada

sobre esta solução associativa. Estas associações não se limitam

forçosamente a problemas simples, podem-se também resolver problemas

mais difíceis que exigem a intervenção de vários jogadores, se a

aprendizagem táctica foi realizada com correcção. É evidente, então, que

as soluções associativas dos jogadores nos seus diversos posicionamentos

tácticos devem formar um todo conveniente, e que todos devem optar pela

mesma acção colectiva para resolver a situação competitiva adaptando as

suas acções individuais"

6.6. A rapidez do atleta/jogador a reconhecer as invariantes da situação competitiva

Gibson (1966), refere que "o melhoramento perceptual é caracterizado por

um aumento progressivo na especificidade de descriminação face ao

estímulo da informação". Por seu lado Mahlo (1966), afirma que "o

conteúdo, a amplitude e a riqueza da percepção ou da observação do jogo

depende de dois factores: i) da velocidade da acção de jogo e, ii) da

velocidade de observação dos jogadores". Portanto, "jogadores com o

mesmo nível de conhecimentos e a mesma preparação táctica, poderam

evidenciar diferentes velocidades de percepção... o que permite concluir

pela existência de capacidades individuais de observação, susceptíveis de

serem melhoradas pelo treino".

Page 235: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 203

Neste contexto, a velocidade perceptiva requerida para discernir com

eficiência entre vários estímulos, os mais pertinentes, no menor tempo

possível é de fundamental importância nos desportos colectivos. Para Bayer

(1974), "saber definir no meio a onda de informação, a importância

relativa dos diferentes estímulos, saber hierarquizar os elementos que

assaltam o jogador na sua acção, constituem uma qualidade que facilita a

capacidade de uma reacção eficaz. Cada jogador, através de um esforço de

análise, vai discernir, seleccionar e interpretar os diferentes índices da

situação competitiva segundo o seu sistema de valores, constituídos pela

sua própria personalidade para orientar as suas respostas".

6.7. Os factores emotivo-psicológicos

Os factores emotivo-psicológicos podem ter um influência positiva (a

alegria, o entusiasmo) ou negativa (medo, falta de treino) sobre o

pensamento táctico e consequentemente sobre a actividade do

atleta/jogador. Com efeito, "aspectos como a vontade, a motivação, o nível

de inspiração, as diferenças individuais no que respeita a este factor podem

exercer sobre a solução mental adequada de um problema com uma

influência por vezes decisiva" (Mathey, 1956).

7. As fases do comportamento táctico desportivo

Numerosos autores distinguem 3 fases sucessivas e fundamentais, em estreita

correlação, do comportamento táctico dos atletas/jogadores durante a resolução

das situações de competição:

1/ a percepção e análise da situação competitiva: esta fase representa um

processo único de: i) tomada de informação da situação competitiva, através

Page 236: Metodologia Do Treino Desportivo

204 • Metodologia do treino desportivo I !

dos órgão sensoriais, fazendo apelo a todos os mecanismos perceptuais -

mais particularmente à visão e, ii) da análise da situação, pois como refere

Rubinstein (1962), "perceber uma situação, é ao mesmo tempo

reconhecê-la";

2/ a solução mental da situação competitiva: esta fase implica um processo

intelectual de tomada de decisão face aos dados concretos da fase de

percepção e análise relacionando-os com os conhecimentos anteriormente

adquiridos pela experiência do atleta/jogador; e,

3/ a solução motora da situação competitiva: esta fase representa a solução

prática da situação de competição que depende essencialmente dos

mecanismos efectores suportados pelos sistemas nervosos e musculares.

Sinteticamente, o presente modelo tenta evidenciar que os jogadores ao

procurarem resolver uma determinada situação competitiva, ajustam a sua

acção de acordo com: 1) a percepção e análise dessa situação, 2) elabora para

esta uma solução mental, 3) expressa-a numa resposta motora cujo, 4) resultado

irá ser interpretado em função da eficiência (baseado na comparação de dois

pólos "deve ser/foi"), 5) simultaneamente o analisador do efeito (externo e

interno), permite interiorizar o resultado da acção na memória, tornando a

experiência significativa (produto mental), logo facilitadora da resolução de

outras situações idênticas, ou servindo de base para uma nova situação.

memóriareceptor

do efeito

resultado

+ -

solução motora

do problema

solução

mental do

problema

percepção

e análise

da situação

referência

Figura 32. As fases do acto táctico (Mahlo, 1966)

Page 237: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 205

As ligações temporais das fases do comportamento táctico desportivo

Importa neste momento salientar que uma sucessão hierarquizada das fases do

comportamento táctico corresponderia que o atleta/jogador não começaria a

mover-se senão depois de reconhecer a situação competitiva e tomado a sua

decisão. Ora, "durante a competição, os atletas/jogadores têm uma actividade

quase ininterrupta, isto é, as fases do processo de percepção e análise da

situação assim como a solução mental do problema realizam-se em

movimento. Isto significa a existência de uma modificação contínua da

actividade motora como consequência de processos intelectuais, sendo

alterada na sua qualidade, quantidade e orientação espacial. Logo, as

ligações temporais das fases enunciadas, desenvolvem-se de forma sucessiva e

simultânea" (Mahlo, 1966).

Nestas circunstâncias, acrescenta o mesmo autor (1966) "enquanto se resolvem

mentalmente as situações, devem subsistir relações mútuas entre as três fases

da acção, graças às percepções marginais da situação exterior e da sua

própria motricidade. Pode-se assim ter em conta, a todo o momento, a

dinâmica da situação. Esta percepção marginal pode conduzir a uma

percepção central nova, a uma modificação ou a um aperfeiçoamento da

situação mental e da acção motora. Graças a ela, a continuidade da

percepção encontra-se assegurada durante toda a acção e, logo, durante a

actividade competitiva".

Constata-se assim que a percepção e a solução mental se relacionam com a

solução motora, cujo o resultado aferirá o valor da primeira, dados estes que

serão registados na memória e que irão por si, consubstanciar a base de suporte

a novas percepções e soluções mentais. A consciência tem aqui um papel

fundamental de interiorização e abstracção da acção motora, sendo através da

consciencialização do resultado obtido que as experiências de natureza prática

Page 238: Metodologia Do Treino Desportivo

206 • Metodologia do treino desportivo I !

se tornam significativas. Estamos perante um sistema aberto que se

auto-aperfeiçoa numa constante evolução.

Figura 33. As ligações temporais das fases do comportamento táctico desportivo (adaptado de Mahlo, 1966)

7.1. A percepção e análise da situação

Em competição, especialmente nos desportos em que o envolvimento é

instável, os atletas/jogadores deverão fazer constantemente uma síntese dos

elementos desse envolvimento a fim de executarem uma resposta rápida e

adequada, logo a fase de tomada de informação é de primordial importância.

O ser humano pode ser considerado como um processador de informação,

devido à sua capacidade de codificar, armazenar, recordar e transformar a

informação. Nesta perspectiva, o atleta/jogador perante o problema

consubstanciado pela situação competitiva, opera mentalmente a solução

táctica, com a ajuda de informações (antes e durante essa solução), que se

estabelecem fundamentalmente a dois níveis:

Page 239: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 207

sobre o envolvimento (mundo exterior); que se modifica a todo o

instante, através dos órgão dos sentidos (visão, audição, tacto), e,

sobre si próprio (mundo interno) que estabelece informações relativas:

à sua própria motricidade, ou seja o estado momentâneo do sistema

locomotor, através das sensações quinestésicas;

das imagens retidas na memória, resultantes das experiências

significativas anteriores; e,

das imagens planeadas antecipadamente e associadas no momento

da acção.

Estas informações são enviadas ao sistema nervoso central e aí

categorizadas e classificadas, traduzidas num código particular que

contribuirá para o desencadear, corrigir e parar a acção. Na realidade, o

atleta/jogador deve estar preparado para tratar simultaneamente e com

rapidez muitas informações pertinentes, pois, quanto mais rico for o seu

pensamento em operações mentais, maior é a probabilidade de se chegar a

soluções motoras eficazes para a resolução das situações. A tomada de

informação, é pois, um fenómeno relativamente complexo devido depender

de diferentes factores, tais como: i) a percepção do envolvimento, ii) dos

cálculos óptico-motores e, iii) dos conhecimentos específicos adquiridos pela

experiência.

7.1.1. A percepção do envolvimento

Neste contexto iremos analisar a definição de percepção, a percepção

como acção exploratória do envolvimento, a estratégia perceptiva, a

atenção selectiva e os orgãos da visão.

7.1.1.1. Definição de percepção

A percepção é encarado como "um processo activo e complexo, não

sendo um decalque da realidade, nem uma simples justaposição de

sensações elementares, mas uma integração de mensagens sensoriais

Page 240: Metodologia Do Treino Desportivo

208 • Metodologia do treino desportivo I !

e de esquemas do conhecimento". (Bard e Fleury, 1976). Com efeito,

"a percepção é mais que um agregado de sensações, ele é a unidade

das sensações com o pensamento, que analisa e sintetiza os estímulos

escolhidos e os relaciona com os conhecimentos resultantes das

experiências anteriores e, de imediato, com os resultados das acções

que desencadeiam" (Rubinstein, 1962).

A percepção da situação de competição no seu contexto particular é

sem dúvida uma etapa decisiva, no complexo processo do factor

táctico desportivo. A resposta motora, última fase do processo

observação acção, depende da qualidade das informações

recebidas, mas sobretudo da qualidade da percepção do envolvimento,

(estável ou instável) na qual se desenrola a acção. Nos desportos

colectivos as fontes críticas de informação evoluem constantemente

que resultam das movimentações dos jogadores. Os acontecimentos

são imprevisíveis no tempo e no espaço, sendo necessário estabelecer-

se constantes ajustamentos.

7.1.1.2. A percepção como investigação activa do envolvimento

A percepção é o resultado de uma análise que se desenvolve durante

um certo intervalo de tempo, e passa por um número de fases, que

correspondem a uma série de transformações das informações

(S análise R), segundo Neisser (1967), "a existência destas

fases não se podem constatar por observação directa, apenas se pode

inferir a partir dos comportamentos ou pela forma como esses

comportamentos são afectados". Neste sentido, a percepção não é a

simples recepção do estímulo é o significado que o indivíduo atribuí

ao conjunto de estímulos que ele consegue integrar numa situação. Por

Page 241: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 209

singular importância, Gibson (1969), afirma que "a percepção não é

uma recepção passiva. É uma investigação activa... percepção é uma

acção exploratória e não uma acção executiva, no sentido de

manipulação do envolvimento".

Nestas circunstâncias, Bayer (1974), refere que "o melhoramento das

capacidades perceptivas induz o jogador para uma melhor

organização e uma melhor interpretação da realidade. Ter um campo

perceptivo o mais alargado possível, a partir do qual se elaboram as

reacções comportamentais, depende essencialmente da personalidade

de cada um, estabelecendo para os diferentes elementos da situação

um significado próprio, resultado das experiências vividas

anteriormente e de apreensão da possível evolução dos

acontecimentos".

Finalizando, Bard e Fleury (1976), referem a presença de "uma

estrutura perceptiva que pode ser definida pela capacidade dos

indivíduos tirarem conclusões a partir de evidências fragmentadas.

Esta estruturação perceptiva é constituída: i) pela selecção perceptiva

(atenção), ii) pela velocidade de percepção (tempo de reacção) e, iii)

pela flexibilidade perceptiva. Esta última pode ser entendida pela

maior ou menor facilidade de um jogador passar de um dado contexto

para outro contexto, isto é, da capacidade de reconhecer um objecto

dentro de uma variabilidade de posições e de situações diferentes".

7.1.1.3. A estratégia perceptiva

Bard e Carrière (1975), afirmam que o indivíduo não capta de forma

incoerente a informação presente no envolvimento. Ao contrário,

parece existir uma distribuição económica na busca perceptiva, que

poderia-mos apelidar de uma estratégia perceptiva. Os mesmos

autores (1975), referindo-se a Vurpillot, mencionam que a

"exploração visual dum indivíduo revela as informações escolhidas e

Page 242: Metodologia Do Treino Desportivo

210 • Metodologia do treino desportivo I !

consequentemente julgadas como as mais importantes para alcançar

uma decisão. Esta selecção é ao mesmo tempo quantitativa e

qualitativa. A duração das fixações visuais, a sua localização, a sua

sequência e os campos úteis de visão constituem os parâmetros mais

pertinentes para a avaliação da informação útil pelo indivíduo".

Para Godinho (1985), o termo estratégia perceptiva "pressupõe um

plano consciente ou não por parte do indivíduo que observa. Este

privilegia os elementos do envolvimento por ele considerados como os

mais importantes. Mas esse juízo depende naturalmente das

experiências e das informações complementares recebidas". Com a

experiência ou a idade verifica-se uma transformação na estratégia

perceptiva visual que traduz, segundo o mesmo autor (1985):

numa sistematização progressiva do processo, que implica uma

adequação da estratégia exploratória às exigências da tarefa;

num aumento de selectividade, ou seja, diminuição do número

de fixações e pesquisa selectiva dos índices pertinentes;

num aumento da velocidade de exploração porque diminui a

duração média por fixação; e

num alargamento do campo visual útil, pois é possível retirar um

maior conjunto de informações por fixação reduzindo o número

destes e aumentando a distância interfixação.

Por último a estratégia perceptiva visual também varia em função das

características da tarefa, verificando-se um aumento da duração e do

número de fixações quando a dificuldade desta aumenta.

Carrière (1976), refere que "a prospecção do campo visual pode ter

uma sequência automatizada, visto que, com a experiência o jogador

desenvolve um quadro perceptual, que armazena o tipo de informação

a observar e as principais fontes de informação pertinente. Esta

sequência é controlada pela memória de longo prazo". "Esta

Page 243: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 211

prospecção é a base da análise, com o qual o atleta/jogador realiza a

detecção das diferentes condições do envolvimento filtrando as

informações" (Gagné, 1962). Os jogadores experientes adquirem

rotinas de observação que são armazenadas na memória de longo

prazo, e que facilitam a filtragem dos índices pertinentes. "Não se

trata só de ver muita coisa, tenta-se também, a partir da percepção de

tudo, separar aquilo que é essencial, de abstrair do acessório e de

fazer tudo isto no mais breve espaço de tempo possível".

"Percebemos melhor, porque sabemos o que deve ser percebido".

Gibson (1969), adianta que "o estímulo invariante, isto é, o estímulo

que mantém a sua identidade malogrado as transformações e as

mudanças causadas pelo movimento do objecto ou o deslocamento do

observador, é a base da percepção desse objecto". Portanto, a busca

pela propriedade invariante, ignorando as propriedades mutacionais e

impertinentes, poderá trazer respostas adequadas, mesmo quando

novos estímulos se verificam. Neste contexto, "ter atenção à

invariante e aprender a procurá-la é o objectivo principal para

desenvolver uma economia cognitiva" (Gibson, 1969). No entanto, a

actualização e a assimilação da invariante, obriga a uma intervenção

activa dos jogadores, aumentando a concentração susceptível de

melhorar a sua capacidade de descriminação e afinar a selecção

pertinente da informação.

7.1.1.4. A atenção selectiva

Whitting (1969), adianta que "devido à limitação dos órgãos dos

sentidos, e a quantidade de informações presentes no envolvimento, é

necessário que a atenção seja selectiva, traduzindo a obtenção de

uma quantidade óptima de informação num alto nível de velocidade e

de precisão". Para Gibson (1969) "da grande quantidade de

informação, a atenção selectiva extrai o que é saliente". Segundo o

Page 244: Metodologia Do Treino Desportivo

212 • Metodologia do treino desportivo I !

mesmo autor (1969), a atenção torna-se o aspecto selectivo da

percepção. Referindo-se aos estudos de Zinchenko, de Vurpillot e de

Dobrinine, aponta que a atenção repousa nas seguintes fases de

desenvolvimento: i) uma concentração fixa ou imposta pelo objecto,

desta passamos a uma fase de, ii) exploração que confina numa

atenção selectiva e sistemática e por último, iii) um modelo flexível de

investigação adaptado à tarefa. Assim quando um indivíduo é exposto

a um estimulo complexo e continuo, deverá ignorar a informação

indesejável. Contudo, escolher a informação pertinente pressupõe, um

conhecimento racional de tudo o que deve ser visto com o objectivo

de realizar uma tarefa precisa.

Finalizando, segundo Cei, Bergerone, e Ruggieri (1986), durante o

jogo desenvolvem-se diferentes tipos de atenção, assim é necessário

que o jogador saiba utilizar a direcção e a selectividade das próprias

operações mentais de modo flexível, esta organização favorece uma

melhor adaptação às diferentes situações de jogo. Nideffer (1976,

1979), refere que "o processo de antecipação, é favorecido por uma

atenção flexível, que se manifesta pela capacidade de passar de um

foco amplo de atenção a um restrito, externo ou interno, segundo as

exigências da situação de jogo".

7.1.1.5. Os orgãos da visão

Os olhos são os orgãos sensoriais fundamentais na percepção das

situações competitivas. A retina através dos seus receptores

transformam os "inputs" luminosos em influxos nervosos que são

encaminhados para o sistema nervoso central.

Page 245: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 213

Mahlo (1966), ao tratar da importância da amplitude da visão, no

processo perceptual, refere que esta depende de três factores

essenciais:

da excitabilidade da recepção visual: o gesto específico dos

desportistas, modifica o estado funcional do olho, levando assim a

uma maior excitabilidade dos elementos da visão. Logo esta

circunstância traduz-se num aumento do campo visual dos

jogadores, mesmo quando este se encontra em repouso. O mesmo

autor acrescenta (1966) "que existe uma relação entre a

excitabilidade do olho e as emoções dos basquetebolistas e

futebolistas. Constatou-se que a excitabilidade diminui quando se

apresenta uma situação negativa e que aumenta nos casos

contrários. A existência desta relação de alargamento do campo

visual por um lado, e por outro, o estado e as disposições emotivas

dos jogadores, demonstram a importância dos factores psíquicos

para a performance";

a excitação das zonas periféricas da retina - visão periférica:

sendo o seu papel decisivo no jogo para a percepção marginal

externa, informando o jogador sobre as modificações do meio que o

rodeia. A visão periférica é primordial, pois permite receber

informações sobre o envolvimento, ou seja, dos deslocamentos dos

companheiros e adversários, mantendo sempre a visão central sobre

a bola, na programação da resposta adequada. Gaybiel (1955), ao

analisar a importância da visão periférica e central nas diversas

actividades físicas, concluiu que a exclusão da visão central parece

ter menos efeitos negativos que a supressão da visão periférica; e,

a mobilidade dos olhos: a amplitude de visão não depende

unicamente do olho imóvel (campo visual), mas também e de

forma decisiva da sua mobilidade, que se relaciona

fundamentalmente com o aparelho muscular do olho. Bard e

Carrière (1975), referem que "os movimentos dos olhos, assim

Page 246: Metodologia Do Treino Desportivo

214 • Metodologia do treino desportivo I !

como os factores dos quais ele depende, revelam-se muito

importantes para informar que estímulos o indivíduo deve

direccionar a sua atenção e sobretudo quais os que mais o

influenciam. Estes movimentos oculares poderão ajudar a estudar

o caminho pelo qual o jogador investiga os elementos do seu

envolvimento. É também primordial, não somente aquilo que o

jogador observa mas interessa igualmente a sequência que ele

escolhe para estudar o elemento desejado. Sendo importante

descobrir se existe um esquema óptimal para perceber as situações

de forma eficaz e rápida".

7.1.2. Os cálculos óptico-motores

A possibilidade de se executar uma resposta eficaz e adequada às

situações competitivas, não passam prioritariamente pelo número de

informações a retirar do envolvimento, mas sim pela qualidade dessas

mesmas informações. A avaliação óptico-motora (formada pelo tempo de

latência) e os cálculos óptico-motores, são elementos indispensáveis à

qualidade da informação. Estes cálculos exprimem a sua importância no

plano espacial (apreciação das distâncias entre os jogadores, da bola, da

dimensão e direcção e dos desvios), no plano temporal (apreciação da

velocidade de deslocamento da bola e dos jogadores) e finalmente no

plano espaço-temporal (apreciação das trajectórias dos deslocamentos

dos jogadores e da bola).

Contudo, esta percepção está estrita e intimamente relacionada com as

sensações quinestésicas dos atletas/jogadores, isto é, "com o sentido

muscular que intervém para completar uma série de funções do

organismo, para além da manutenção do equilíbrio corporal, até à

criação das representações do tempo e do espaço" (Krestovnikov). Um

dos aspectos que diferenciam os jogadores de alto nível técnico-táctico

dos outros, é a sua capacidade de ao intervirem sobre a bola, asseguram o

Page 247: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 215

controle e a condução desta através das sensações quinestésicas,

libertando assim, as outras instâncias receptoras para a percepção e

análise da situação envolvente. Mahlo (1966), refere que "a condução

sincronizada e precisa dos cálculos óptico-motores e das sensações

quinestésicas, são a base essencial do rendimento técnico-táctico".

7.1.2.1. A antecipação

"Os processos mentais integrados na percepção que procuram a

compreensão e o significado da estruturação do meio, englobam na

sua realidade funcional, uma qualidade fundamental que favorece a

acção imediata: a antecipação ... para um atleta/jogador é essencial

concentrar-se a partir dos dados presentes para a elaboração de um

futuro possível, pois só assim a sua capacidade de intervenção se

torna eficiente" (Bayer, 1974).

A antecipação é um processo psíquico de base de qualquer actividade

humana que consubstancia, a partir da percepção, a capacidade de

prever não só o resultado, mas também o desenvolvimento dos

acontecimentos de uma dada situação. Nos jogos desportivos

colectivos, a bola, os companheiros e os adversários, deslocam-se em

direcções e velocidades variáveis, logo, para que os jogadores se

adaptem a esta variabilidade situacional, exige-se concretamente o

desenvolvimento de um pensamento táctico, que por si traduz a

antecipação continua e extremamente diversificada às situações

momentâneas de jogo. Neste sentido, podemos afirmar que a

antecipação é um dos maiores fenómenos da adaptação das condutas

motoras sendo a raiz fundamental das interacções tácticas.

Mahlo (1966), refere que "a percepção e a antecipação dos

deslocamentos da bola, dos companheiros e adversários revestem-se

de uma importância capital para a actividade do jogo. Não basta

perceber os objectos de forma instantânea. Todo o processo tem um

Page 248: Metodologia Do Treino Desportivo

216 • Metodologia do treino desportivo I !

passado, um presente e um futuro. É necessário em jogo, a partir da

percepção instantânea, ter imediatamente ideia da sequência do

processo (trajectória da bola, deslocação dos jogadores)". Este

fenómeno de antecipação "ao apoiar-se na construção mental, da

pré-percepção, da pré-decisão e da pré-acção, introduz o futuro no

presente motor" (Parlebas, 1981), sendo sem dúvida, e antes de tudo, o

aspecto chave dos desportos colectivos que são caracterizados, por

uma perpétua modificação do campo perceptual.

Meinel (1984), refere que "o decurso coordenado de cada acto motor

pressupõe a antecipação do objectivo e a antecipação de um projecto

de acção. O prognóstico do programa (programação), ocorre

baseado na experiência armazenada sobre a elaboração de cada

aferência da situação. Através disso torna-se possível também um

cálculo de previsão do decurso do movimento do aparelho (bola),

parceiros e adversários no jogo, e a correspondente adaptação do

programa motor à respectiva situação". Neste contexto, "a acção dos

jogadores em jogo está ligada intrinsecamente a uma antecipação

constante e múltipla. Baseando-se na tomada de informação e das

suas experiências tácticas armazenadas, os jogadores analisam

correctamente a situação de jogo e antecipam as possibilidades de

continuidade e desenvolvimento dessa situação... Não é simples

calcular totalmente os mais diferentes factores que o influenciam, e

combiná-los correctamente para se chegar a uma eficaz acção

motora". Das duas afirmações referidas, Meinell (1984), torna

evidente que: a acção do jogador repousa sobre uma estreita ligação de

antecipação da situação e de uma antecipação do objectivo e do

programa motor.

Portanto, o processo de antecipação não reflecte somente o facto de

prever o desenvolvimento e o resultado de uma situação de jogo, é

também e por inerência, pôr em acção os correspondentes e precisos

Page 249: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 217

processos cognitivos imediatamente ligados a esquemas de resposta

motora consoante as modificações das acções dos adversários.

Em conformidade com o referido, o processo de antecipação consiste

na: (segundo Cei, Bergerone, e Ruggieri, 1986):

1/ síntese rápida das aferências;

2/ tomada de decisão;

3/ formulação de programas e a sua continua verificação; e,

4/ o desenvolvimento do programa que o jogador efectua. Nesta

fase, o jogador realiza mais duas operações fundamentais:

a) antecipa mentalmente as possibilidades de resposta do

adversário; e,

b) vincula imediatamente cada uma destas possibilidades de

resposta com os correspondentes esquemas motores formulados

anteriormente.

Este último aspecto é de extrema importância, pois permite que o

atleta/jogador não necessita de formular, depois da resposta do

adversário, uma nova síntese aferente com a correspondente tomada

de decisão. Portanto, o atleta/jogador passará continuamente de 4a)

para 4b), sem ter que voltar aos pontos 1, 2 e 3. A vantagem do

jogador possuir esquemas cognitivos conexos com esquemas de

resposta motora, evidencia não só o desenvolvimento

(aperfeiçoamento) do pensamento táctico, mas também na redução do

tempo de resposta, consubstanciado pela redução do tempo de decisão

mental do problema da situação competitiva.

O processo descrito ocorre milhares de vezes durante a competição. O

jogador quando intervém ou não sobre a bola, estando em fase

defensiva ou ofensiva, está perante várias soluções possíveis em

função da situação de jogo, isto é, sobre circunstâncias com diversas

Page 250: Metodologia Do Treino Desportivo

218 • Metodologia do treino desportivo I !

possibilidades e objectivos. Enquanto este combina antecipadamente

as possíveis acções e reacções dos seus companheiros e adversários

em fracções de segundo, chega a uma variante que lhe parece óptima.

Todavia, há que ter presente que o processo de antecipação do

desenvolvimento de qualquer situação competitiva, não tem só

aspectos positivos, esta acarreta igualmente aspectos negativos

inerentes à incorrecta operação do fenómeno de análise que, no seu

contexto global será mais ou menos elevada consoante a conjectura da

situação em que esta se verifica. "A antecipação correcta repousa em

larga medida no pensamento táctico, na apreensão exacta da

situação, o que permite limitar o número de eventualidades" (Meinell,

1984).

Para Mahlo (1966) "o tempo necessário para a solução do problema

de jogo, está em ligação directa com a antecipação mental... Quer

esta seja a projecção para um futuro imediato (no caso da

antecipação), quer esta seja a previsão a longo prazo da evolução da

situação... Portanto, o jogador na sequência da tendência evolutiva

ultrapassará em pensamento a situação presente e ajustar-se-à à

situação vindoura... Isto significa que o tempo total para a solução,

não é só aquele que se gasta entre a aparição da constelação e a

reacção de resposta, assim, o tempo disponível depende em larga

medida da capacidade do jogador em reconhecer as tendências

evolutivas, ou seja a sua antecipação e previsão a longo prazo. O

jogador ajusta-se ao acontecimento (mesmo que haja dificuldades, ou

sendo enganado), descobrindo sempre a evolução do jogo. Isto é

devido a uma observação reflectida fundamentada nos conhecimentos

e nas experiências próprias". Antecipar como o adversário se vai

comportar tacticamente numa situação concreta, situando-se

mentalmente no seu lugar, e partilhando as suas intenções ele pode

Page 251: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 219

assim reagir com rapidez e segurança. "Desde o esboço do gesto do

adversário, isto é, sobretudo na sua antecipação morfológica nas

primeiras fases, o jogador deve descobrir as intenções do adversário,

para poder reagir rapidamente. Isto é uma condição importante, para

um bom resultado das acções quer estas sejam ofensivas ou

defensivas".

Concluindo, Whitting (1970) refere que "a antecipação implica um

prognóstico espaço-temporal, é esta interacção entre estas duas

dimensões que se vai determinar a eficiência da resposta. A

antecipação do acontecimento, quando é exacta, acelera a percepção

e a resposta, contudo se ela é falsa, provoca o retardamento

perceptual acompanhada com um tempo de reacção mais lento".

Bayer (1974) é da opinião que "os conhecimentos e as experiências

adquiridas pelo jogador no decurso do seu passado ocupa um lugar

privilegiado na actividade preditiva do desenvolvimento dos

acontecimentos". 7.1.3. As experiências e os conhecimentos tácticos

A percepção e a análise da situação de competição, primeira etapa do

comportamento táctico, não é suportado somente por uma boa

observação do essencial da situação envolvente. Depende também, e

intimamente, da quantidade e qualidade dos conhecimentos adquiridos

pela experiência do atleta/jogador. Neste sentido, as necessidades, ou

seja, o número de mecanismos perceptivos implicados na resolução

táctica de uma dada situação podem variar em função da experiência e

dos conhecimentos dos jogadores. Portanto, quanto maior for o nível de

familiarização com muitas situações diferentes, menor serão os

mecanismos necessários para fazer a análise dos índices pertinentes da

situação. As ligações associativas estímulo-resposta, são tão fixas ao

nível da memória de longo prazo que uma determinada tarefa que

Page 252: Metodologia Do Treino Desportivo

220 • Metodologia do treino desportivo I !

necessitava ao princípio de uma decisão formal mais elaborada, pode

tornar-se, devido ao treino, uma simples tarefa automática.

A qualidade do comportamento táctico aumenta simultaneamente à

progressão dos conhecimentos tácticos práticos, a partir desse momento

apercebe-se daquilo que é essencial para resolver o problema. Cada

situação competitiva comporta índices de identificação bem definidos e

hierarquizados que são testemunho do seu significado táctico e que

transportam já em si as ligações essenciais. "Um jogador com

experiência não necessita de discernir todos os aspectos da situação de

jogo para agir de forma adequada" (Mahlo, 1966). Em competição, isto

significa, que a actualização dos conhecimentos tácticos, como forma de

pensamento táctico, faz-se a partir da análise da situação e da análise dos

conhecimentos. "Produz-se um fluxo de ligações continuas entre os

problemas e as disposições individuais - conhecimentos, técnicas e

capacidades" (Mahlo, 1966). Ainda segundo este autor, "um bom

jogador deve dispôr de sólidos conhecimentos e rapidamente utilizáveis

em função da alternância continua dos problemas concretos ... Sente-se

a necessidade dum sistema lógico de conhecimentos tácticos organizados

numa relação lógica do ponto de vista prático".

Quando os atletas/jogadores são advertidos para as particularidades deste

ou daquele adversário, das combinações e esquemas tácticos, a sua

percepção e análise da situação encontra-se favoravelmente

influenciados, que facilita e acelera a resposta adequada. A experiência, e

os conhecimentos são os factores essenciais da rapidez da percepção

perante as situações adversas da competição. Neste sentido, Mahlo

(1966), refere que "tendo em conta que a percepção e a solução mental

dependem da rapidez de actualização dos conhecimentos e da forma

como é accionada a táctica em função do adversário (estratégia), a

reflexão teórica consequente dos jogadores em função da equipa

adversária, implica: i) que sejam recapitulados os conhecimentos

Page 253: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 221

indispensáveis de base da equipa e, ii) das particularidades tácticas do

adversário para que a sua atenção se possa fixar nas possíveis

variantes".

7.1.3.1. O transfer

O transfer é fonte de discussão, representando um conceito por alguns

contestado e controverso. Todavia, Bayer (1979), apresenta como

hipótese de explicação do transfert, a teoria fenómeno-estrutural,

repousando sobre a identidade das estruturas existentes entre duas

tarefas. "Identidade que é reconhecida pelos jogadores, que na sua

relação com o envolvimento, adoptam uma atitude que permite

assinalar ou não esta analogia. É em função dos significados dados

às diversas situações que os jogadores interpretam e organizam a sua

percepção, orientando igualmente a escolha dos diferentes meios de

forma mais ou menos explícita no seu contacto com o real".

Esta teoria, ainda segundo o mesmo autor (1979), "para além de

estabelecer estruturas ou princípios dinâmicos capazes de se

transformarem e de se modificarem em qualquer momento, fazem

intervir um outro elemento fundamental neste processo de transfert: a

atitude do jogador face à tarefa a realizar". Pois, só este é capaz de

dar sentido à estrutura e de a modificar. Como toda a atitude, esta

revela-se efectivo-estruturante, isto é, esta constitui uma disposição do

jogador em relação com a efectividade vivida com as motivações

dinâmicas e profundas da sua personalidade, para seleccionar a

informação, direccionar a percepção e orientar a acção, em função do

significado que cada um reflecte da realidade das situações de jogo em

que se encontra implicado. Neste sentido, "a base explicativa do

transfert é representado pela capacidade descriminativa, ou seja, a

Page 254: Metodologia Do Treino Desportivo

222 • Metodologia do treino desportivo I !

identificação do código genérico dos diversos conjuntos significativos

do envolvimento, observados sobre a perspectiva do jogador activo".

Bayer (1979), citando Mucchielli refere que, "aprender é construir, é

estabilizar uma forma geral. Esta construção torna-se operatória e

faz parte de um novo sistema de análise de informação. Uma mesma

forma impõe-se a conteúdos variados que representam para o

indivíduo uma analogia de estruturas susceptíveis de serem

reconhecidas". "Ter experiência de uma estrutura não é recebê-la

passivamente, é vivê-la, é revê-la, é assumi-la, é encontrar o seu

sentido perdurável" (Merleau-Ponty, 1945). "Para responder às

condições de prática é necessário fazer com que a solução mental

leve cada vez menos tempo. É preciso aumentar a amplitude e a

rapidez do efeito de transfert, melhorando sem cessar a capacidade

de percepção analítica da constelação tacticamente essencial. Agir

deste modo é garantir que novos problemas possam ser resolvidos de

uma melhor forma do que o são graças às associações já existentes"

(Mahlo, 1966). A este propósito Rubinstein (1972), refere que "o

problema do transfert surge em definitivo sob o ângulo do

pensamento, quando da aplicação a problemas novos de situações

anteriormente descobertas (conhecimentos)".

7.2. A solução mental do problema

Representa o processo intelectual de tomada de decisão face aos dados

concretos da fase de percepção e análise relacionando-os com os

conhecimentos anteriormente adquiridos pela experiência do atleta/jogador.

Cada atleta/jogador consoante as suas particularidades percepciona, analisa

e resolve mentalmente as situações competitivas de forma diferente.

Portanto, os processos mentais de base à resolução eficaz duma mesma

situação irá concretamente determinar diferentes níveis de elaboração.

Page 255: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 223

Assim, a solução mental de uma mesma situação competitiva, poderá para

uns, envolver um pensamento que resulta de uma actividade mental

criadora, enquanto para outros, envolve um processo mental menos

elaborado, resolvendo a situação mais "economicamente". Este facto

determina, que os atletas/jogadores poderão preservar a atenção para o

tratamento de outros aspectos, tal como a previsão do desenvolvimento da

direcção da competição.

Contudo, a resolução mental de um elevado número de situações idênticas

de competição, determina um auto-aperfeiçoamento, que consubstancia por

seu lado uma diminuição da elaboração mental e da vigilância da situação.

Logo, à medida que o atleta/jogador eleva a sua capacidade de solução

mental do problema de jogo, necessita cada vez menos, que o processo

mental adjacente a esta solução seja menos elaborado. Isto significa que a

resposta à situação competitiva, é realizada mais rapidamente, mas

mantendo o mesmo nível de eficiência, não consagrando toda a atenção a

essa situação particular da competição.

Rubistein (1962), distingue por seu lado, na solução mental os seguintes três

níveis de pensamento táctico:

a reflexão sobre os dados concretos da situação, em ligação estreita

com a percepção e o acto; permite a partir das técnicas e da experiência

de cada um adaptar e utilizar judiciosamente a situação em função do

problema a resolver;

o pensamento táctico, ligado ao acto mas ultrapassando a situação

concreta; opera uma aproximação entre essa situação tal como foi

reconhecida, e generalizações, regras, princípios e soluções; pode levar a

conhecimentos tácticos e colectivos novos; e,

o pensamento táctico abstracto que não está directamente ligado ao

acto mas que age com a ajuda de representações figuradas ou de meios

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224 • Metodologia do treino desportivo I !

de concretização mais ou menos abstractos, ou com a ajuda de

generalizações abstractas.

Resumidamente, podemos caracterizar os três graus de complexidade das

acções, da seguinte forma (Mahlo, 1966): i) os automatismos, ii) as acções

sensório-motoras e, iii) a forma superior do acto táctico. Todavia o mesmo

autor refere que "não se deve ver nestes níveis do pensamento táctico várias

espécies de pensamento diferentes. Não diferem pela natureza, mas pelo

carácter da sua ligação com a prática e pelo seu grau de generalização do

conteúdo do seu pensamento. Os dois primeiros níveis do pensamento

prático correspondem a formas de acção que repousam sobre técnicas

sensório-motoras e sobre aquelas que são fruto dum pensamento criador.

Os resultados do pensamento táctico abstracto, isto é, os conhecimentos, os

princípios, as regras são utilizadas no jogo pelo pensamento produtor e

reprodutor do mesmo modo que as experiências práticas concretas são o

objecto do pensamento teórico e conduzem a outras generalizações".

7.2.1. Os automatismos

Os automatismos são acções elementares que não exigem mais que uma

pequena concentração do atleta/jogador para a sua realização.

Pressupõem a mobilização mínima da atenção, deixando assim, a

consciência disponível para a percepção e análise do contexto global da

competição, o que implica necessariamente, uma maior elaboração dos

processos mentais de base estando sempre apta a reagir a um problema-

situação mais exigente.

Tal como Rubinstein (1962), refere "a actividade consciente do homem,

só poderá consagrar à solução de problemas duma certa complexidade

porque certas acções se reforçam tornando-se actos automatizados,

aliando assim a consciência da regulação destes actos relativamente

elementares". Estas acções suprimem igualmente a necessidade de uma

Page 257: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 225

percepção analítica e sintética da situação competitiva, isto significa, a

disponibilidade de uma observação precisa da situação, base fundamental

dum comportamento inteligente, permitindo consequentemente, a tomada

de consciência dos novos aspectos que a variabilidade das situações em

si encerram.

Todavia, isto não significa que a execução destas acções escapam à

consciência, pois logo após a sua realização, e a todo o momento o

atleta/jogador poderá tomar consciência das acções executadas e

relembrar todas as fases pelo qual este processo passou, fundamentando-

se essencialmente na estreita coordenação da componente quinestésica.

Neste contexto, as acções automáticas apresentam um encadeamento e

uma estrutura imutável, sendo caracterizadas pela segurança, precisão e

rapidez de execução. Estas acções são meios fundamentais para a

resolução das situações competitivas que se reproduzem frequentemente.

Contudo, estas acções são também meios para a resolução de situações

mais complexas, sendo parte importante das acções sensório-motoras e

das acções resultantes da acção mental criadora.

É evidente que as combinações tácticas colectivas (observadas

especialmente nos jogos desportivos colectivos) mais complexas têm

igualmente um carácter automático. No entanto, estes devem ser

utilizados, não de uma forma esquemática e imutável, mas sim

adaptadamente em função da variabilidade das situações de jogo. Estas

combinações serão condenadas ao fracasso se forem realizadas sob um

fundo totalmente automático (em termos individuais ou colectivos), se

não tiverem em conta as diferentes condicionantes da situação de jogo,

que por si exigirá outro tipo de resposta. Para isso, necessitará, fruto da

reflexão de uma maior elaboração dos processos mentais subjacentes à

eficácia da resposta. De igual modo, as combinações e as movimentações

estereotipadas da equipa, não são utilizadas preponderantemente para a

criação de desequilíbrios organizativos da equipa adversária, mas sim

Page 258: Metodologia Do Treino Desportivo

226 • Metodologia do treino desportivo I !

para preparar a realização de acções colectivas cuja sua previsão

(situação favorável) e a sua exploração permanece ligada ao pensamento

táctico criador dos jogadores e à sua iniciativa, mesmo quando se fazem

a partir de situações fixas.

7.2.2. As acções sensório-motoras

As acções sensório-motoras representam simples soluções válidas para

numerosas situações fazendo apelo a técnicas complexas caracterizadas

pela sua estreita ligação à componente quinestésica. Estas acções são

igualmente elementos das acções tácticas complexas, cujos seus

elementos contêm uma curta amplitude e variabilidade, a importância da

sua componente intelectual (pensamento) e motora (execução) faz delas

técnicas complexas de adaptação e de utilização em situações concretas

face ao problema. Caracterizam-se por uma "antecipação" intelectual da

acção motora, apresentando diferenças qualitativas que vai desde a

simples "antecipação" da trajectória da bola até à "antecipação" das

acções dos adversários, mas mantém-se sempre, no domínio dos dados

imediatos (curto prazo). Em termos comparativos, as acções inteiramente

automatizadas não necessitam de nenhuma "antecipação intelectual", elas

só precisam dum simples estímulo para se iniciarem, por meio de um

qualquer receptor.

Neste sentido, comportam processos mentais mais ou menos elementares,

segundo a complexidade do problema. Este pensamento concreto e

imediato é já uma forma de pensamento táctico. As técnicas complexas

resultam do aperfeiçoamento da observação (associações, actualização

do conhecimento), assim como de aptidão motora, vê-se então diminuir o

nível de consciência da acção. A importância do pensamento concreto

imediato, e a duração entre a percepção da situação e a acção motora.

Page 259: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 227

Com efeito, a maior parte das acções na competição são sensório-

motoras Rubinstein (1962), refere que "há problemas para a solução dos

quais a situação em si próprio já dá todos os dados úteis. Neste caso os

problemas mecânicos mais simples que não pedem senão um cálculo das

relações espaciais e mecânicas exteriores elementares. É então que

intervém aquilo que se convencionou chamar de inteligência sensório-

motora na inteligência agindo a partir do sensível imediato. Para

resolver estes problemas, basta, pôr de novo em relação uns com os

outros, os dados imediatos e repensar outra vez a situação".

Concluindo, o nível destas acções dependem essencialmente da

amplitude e da qualidade da percepção, da aptidão intelectual e motora

dos conhecimentos, e das qualidades das ligações às suas componentes

sensoriais e motoras. Os automatismos e as acções sensório-motoras

constituem os elementos e as ligações mais importantes das acções que

são fruto dum pensamento produtor.

7.2.3. A forma superior do acto táctico

A forma superior do acto táctico caracteriza-se pela importância da sua

componente intelectual, isto é, por um pensamento autónomo. Para

Hiebsch, o pensamento criador caracteriza-se essencialmente por uma

aproximação judiciosa: de um problema, de uma solução, e pelo

aparecimento de uma nova forma de conhecimento que ultrapasse as suas

condições subjectivas à partida. Neste sentido, as acções competitivas

são o ponto de partida e o resultado do pensamento táctico.

Com efeito, tal como refere Rubinstein (1962), "a solução das situações

implica em geral o recurso a certos princípios que se deduzem de

conhecimentos pré-existentes para resolver o problema". A utilização de

regras compreende duas operações mentais distintas:

Page 260: Metodologia Do Treino Desportivo

228 • Metodologia do treino desportivo I !

a primeira que é a mais difícil na maior parte das vezes, consiste em

determinar a que regra é necessário recorrer para resolver o problema

levantado; e,

a segunda diz respeito à aplicação de uma determinada regra, às

condições particulares do problema a resolver.

Poulain (1965), refere que "os princípios tácticos de base, são durante o

jogo as ligações comuns de todos os espíritos, estabelecendo os pontos

de referência sobre os quais a imaginação, o génio deverão apoiar-se

para elevar o nível do jogo". No mesmo sentido, Frantz (1964), salienta

"a importância de se transmitir aos jogadores as bases comuns para que

eles falem a mesma "língua" permitindo exprimirem-se num estilo

diferente". Mialaret (1979) refere que os "princípios são regras de acção

representadas pelo pensamento... e o meio de os jogadores explicarem

racionalmente os seus comportamentos". Para Grehaigne (1992) "são as

condições a respeitar e os elementos a tomar em consideração para que

o comportamento seja eficaz".

Neste contexto, pensamento táctico é também, no que respeita à acção,

um pensamento que recorre com conhecimento de causa a regras tácticas,

para as transpor para a situação concreta, adaptando-as. É um

pensamento que procura soluções concretas, subjectivamente novas. É

fonte de conhecimentos gerais novos (motor do desenvolvimento e do

pensamento criador). As acções tácticas relativamente complexas

comportam operações ou acções parciais sensório-motoras mais ou

menos automatizadas, do mesmo modo que uma componente criadora.

Logo, podemos encontrar-lhe todas as formas de acção descritas.

A escolha da resposta está dependente da interpretação que o

atleta/jogador dá aos índices e que correspondem à tomada de decisão

que dele deriva. Em competição, a escolha da resposta é determinada:

Page 261: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 229

pela disposição dos elementos no envolvimento;

pela estratégia individual dos atletas/jogadores; e,

pela sua eficácia na execução técnica.

Uma execução eficiente necessita de uma escolha e de uma organização

da resposta que deverá ser não somente adaptada às condições do

envolvimento, mas também imprevisível para os adversários, frustrando a

possibilidade destes poderem prever e antecipar os acontecimentos

subsequentes. Logo, a importância dos princípios (regras) tácticos

consubstancia-se sobre dois valores de ordem interna e externa.

7.2.3.1. Valor interno

O valor interno dos princípios (regras) tácticos radica-se em dois

aspectos fundamentais:

a possibilidade de os atletas/jogadores atingirem rapidamente a

solução táctica para o problema que a situação competitiva em si

encerra. Estes processos operatórios complexos estabelecem os

princípios organizadores das acções dos jogadores

consubstanciando-se:

• na apreciação das velocidades, das distâncias, da

profundidade;

• da estimação dos projectos dos outros (companheiros e

adversários); e

• dos antagonismos ou das convergências.

o facto de se resolver, pela acção, problemas em plena situação

competitiva, leva o jogador a obter conhecimentos subjectivamente

novos. Com efeito, as soluções encontradas fixam-se como

experiências acumuladas, que por sua vez, tornam-se fundamentais

na formulação de novas soluções tácticas, com um maior grau de

Page 262: Metodologia Do Treino Desportivo

230 • Metodologia do treino desportivo I !

eficácia, isto é, constituem-se concomitantemente como elementos

de modificação e comparação.

Uma execução eficiente necessita de uma escolha e de uma

organização da resposta que deverá ser não somente adaptada às

condições do envolvimento, mas também imprevisível para os

adversários, frustrando a possibilidade destes poderem prever e

antecipar os acontecimentos subsequentes.

7.2.3.2. O valor externo

O valor externo dos princípios (regras) tácticos é determinado pelo

estabelecimento dos aspectos relacionados com a comunicação da

equipa, isto é, de uma "linguagem comum" por forma a melhorar a sua

funcionalidade. Com efeito, ao assegurar-se constantemente uma

linguagem comum, ou seja um "código de leitura", contribui-se

claramente para de que os jogadores ao lerem e valorizarem as

situações de jogo, possam imputar-lhes um significado mais ou menos

relevante e homogéneo em função das necessidades para a sua

resolução táctica.

Com efeito, a construção de um conjunto de princípios tácticos

estabelece o quadro de referências, aceites pelo grupo quer no plano

cognitivo, quer no plano afectivo, que orientam o pensamento táctico

dos atletas/jogadores, e consequentemente o comportamento

técnico-táctico com vista à resolução eficiente das diferentes situações

que a competição em si encerra.

Neste contexto, todos os atletas/jogadores, devem consciencializar e

valorizar constantemente, a sua contribuição para o desenvolvimento

eficaz, tanto do processo ofensivo, como do processo defensivo. Isto

Page 263: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 231

significa, a necessidade de procurem uma cooperação, racionalização

e coerência dinâmica da movimentação da equipa com vista à

concretização dos objectivos definidos. Assim, no plano funcional

(valor externo), os princípios utilizados durante a competição devem

permitir a comunicação dentro do colectivo, considerando: i) a

situação competitiva (compreendê-la), e, ii) a sua evolução (prevê-la).

Concluindo, os princípios tácticos de resolução das situações

competitivas, são uma construção teórica e um instrumento operatório

que orienta um certo número de comportamentos dos

atletas/jogadores, representando assim uma fonte que permite agir

sobre a realidade competitiva. As suas principais características são:

serem conscientes;

serem simples;

possuírem um certo grau de generalização;

concorrerem na planificação, selecção e execução da acção em

relação estreita com os mecanismos motores, sem se confundir com

esta; e,

participarem na explicação da acção.

Interligação das diferentes formas de comportamento táctico

Todas estas formas do acto táctico, não se encontram isoladas umas das

outras na competição, elas constituem antes uma unidade. Diferem entre

si, pelo nível de elaboração mental, ou seja dos processos mentais, logo,

a transição entre cada uma delas faz-se fluidamente sem dificuldade ou

interrupção.

Segundo Mahlo (1966), "a eficiência da solução táctica dum problema

complexo depende da qualidade das três formas de comportamento. Se

os automatismos e as acções sensório-motoras estão pouco

desenvolvidas, não se pode esperar senão um fraco nível táctico, mesmo

Page 264: Metodologia Do Treino Desportivo

232 • Metodologia do treino desportivo I !

que o pensamento táctico-produtor esteja bem desenvolvido. Mas se tal

tipo de pensamento não tiver atingido um desenvolvimento mínimo a

despeito de toda a eventual perfeição dos automatismos e das técnicas

sensório-motoras, não se pode atingir um nível desejável".

A ordem escolhida para representar o processo da solução (parte

automatizada, parte sensório-motora e parte produtivo-mental) não é

senão uma das ordens possíveis no desenrolar das acções complexas. A

ordem inversa também é possível e muito corrente na prática. É

sobretudo a natureza do problema que há que resolver que decide do

momento em que as técnicas intervêm na acção. A figura representada,

pretende demonstrar que a solução mental não é o único factor para uma

actividade adequada. Os automatismos e as técnicas sensório-motoras

são tão importantes para o pensamento táctico como para a acção prática.

São, do mesmo modo que ele, os componentes de uma acção prática

possível, e a mais rápida. Mas é absolutamente decisivo para levar a

efeito durante o jogo acções complicadas, encontrar mentalmente a

melhor solução e o mais rapidamente possível. O pensamento táctico não

pode ser, portanto, só um pensamento produtor, deve também comportar

técnicas mentais (associações e reproduções mentais).

Finalizando, a solução mental do problema de jogo antecipa a solução

motora, e representa, no essencial, a escolha dos processos que permitem

a resolução dos problemas propostos. Estes processos podem ser

combinações gestuais, acções individuais e colectivas, não se tornando

acções tácticas senão quando são utilizadas com um fim próprio.

Page 265: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 233

A A A

S

S

S

P

PP

A - parte automatizada da acção

S - parte sensória-motora da acção

P - parte produto-mental da acção

a b c

Nív

el t

ácti

co

tempo tempotempo

Figura 34. Os graus de complexidade das acções (Mahlo, 1966)

7.3. A solução táctica e as respostas técnicas

Representa a solução prática da situação de competição que depende

essencialmente dos mecanismos efectores suportados pelos sistemas

nervosos e musculares. "O aspecto motor da acção, é a parte visível da

actividade, é o resultado de processos psicológicos e psíquicos da

percepção e do pensamento em simultaneidade com as condições interiores

da personalidade, estabelecendo-se assim, entre o sistema motor e o

sistema sensorial (entendida do ponto de vista de uma síntese cognitiva

complexa que comporta a percepção e a solução mental), uma relação

circular, ainda que não se possa dissociar nenhuma das partes" (Mahlo,

1966).

"Na competição os diversos membros da equipa agem ao mesmo tempo mas

de modo diverso. Os factores de unificação de todas as acções particulares

que participam na acção colectiva são a igualdade de objectivo, a

similitude de análise de situação, e de pensamento táctico. De uma forma

ou de outra, o que é importante e fulcral, é que os jogadores exprimam

através das suas atitudes e comportamentos técnico-tácticos individuais e

colectivos um conjunto de ajustamentos espaço-temporáis, reflectindo uma

antecipação e uma eficaz adaptabilidade (plasticidade), a essa presente

situação, como a consonância dessa resposta com os objectivos táctico da

competição ou dos objectivos tácticos da equipa" (Mahlo, 1966).

Page 266: Metodologia Do Treino Desportivo

234 • Metodologia do treino desportivo I !

7.3.1. Um exemplo elucidativo

O futebol actual exige jogadores que tenham a capacidade de executar de

forma eficiente (solucionando os problemas evidenciados pela situação

de jogo), nas condições mais adversas, a grande velocidade desde o início

ao final da partida. Com efeito, a acção motora visível é um elemento em

constante desenvolvimento, pois, os futebolistas modernos são postos

perante um grande número de tarefas muito diversas e complexas em

relação aquelas que se exigiam à 20 anos atrás. As diferenças

consubstanciam-se:

por uma técnica dinâmica; quase todos os comportamentos técnico-

tácticos com bola são executados em movimento;

frequentes mudanças bruscas de direcção e de velocidade;

pressão exercida pelo adversário directo, e por vezes sendo

carregado por este;

aumento da velocidade de precisão e de destreza na execução e,

a acção técnica está sempre associada a uma intenção táctica.

Vejamos esta problemática de uma forma mais concreta. Dos dados da

análise do futebol moderno evidenciamos dois aspectos essenciais:

"reduzido" número de intervenções directas sobre a bola; existem

cerca de 1000 intervenções momentâneas sobre a bola,

consubstanciadas pelos jogadores das duas equipas aquando dos

respectivos processos ofensivos. Não tomando em consideração as

posições dos jogadores dentro do sistema de jogo da equipa, verifica-

se em média 45 a 50 intervenções sobre a bola, por jogo, para cada

jogador; e,

"reduzido" tempo individual de posse de bola; o tempo total de

posse de bola, durante um jogo, para cada jogador, situa-se entre os 45

e os 120 segundos, e a média do tempo de intervenção sobre a bola

não ultrapassa os 2 segundos.

Page 267: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 235

Nestas circunstâncias, o reduzido número de vezes que os jogadores

intervêm directamente sobre a bola, e o reduzido tempo que têm para

analisar, decidir e executar os seus comportamentos técnico-tácticos,

ressaltam-nos de imediato duas constatações fundamentais:

evidencia-se a necessidade impreterível de o jogador que num certo

momento da partida tem a posse da bola, consciencializar, por um

lado, de que cada intervenção se revista de uma eficiência máxima, e

por outro, a sua execução técnica é a que decide a direcção do jogo, ou

seja, a concretização ou não dos objectivos tácticos do processo

ofensivo da sua equipa. Por outras palavras, em função das

condicionantes que cada situação de jogo em si encerra, cabe ao

jogador optar pelas soluções que permitam de uma forma simultânea,

estando na posse da bola conservá-la e lograr o objectivo do jogo;

dos 90 minutos de jogo somente 55 são utilizados, daqui se infere

(uma vez que cada jogador não tem a posse da bola mais de 2 minutos

- caso extremo) que durante os restantes 58 minutos os jogadores

analisam, decidem e executam os seus comportamentos técnico-

tácticos em função do deslocamento da bola, dos companheiros e dos

adversários. Neste contexto, podemos afirmar, que a organização da

equipa deve permitir que, quando um jogador recebe a bola, deve

receber igualmente e de uma forma imediata por parte dos seus

companheiros acções de cobertura, e de apoio, para que lhe possam

dar várias opções de solução técnico-táctica, e consequentemente

tornar mais fácil a sua tarefa. Assim, o comportamento técnico-táctico

observado para a resolução táctica da situação de jogo, deverá resultar

da mútua responsabilidade do jogador de posse de bola, e dos seus

companheiros.

De uma forma ou de outra, o que é importante e fulcral, é que os

jogadores exprimam através das suas atitudes e comportamentos técnico-

tácticos individuais e colectivos um conjunto de ajustamentos espaço-

Page 268: Metodologia Do Treino Desportivo

236 • Metodologia do treino desportivo I !

temporáis, reflectindo uma antecipação e uma eficaz adaptabilidade

(plasticidade), a essa presente situação, como a consonância dessa

resposta com os objectivos do jogo ou dos objectivos tácticos da equipa.

Processos

que se

desenvolvem

- Intensão

- Antecipação

- Observação

- Recepção

da

informação

através dos

orgãos dos

sentidos

- Análise

- Elaboração

da informa-

ção

Pensamento:

a)associativo

b)reprodutivo

c)creativo

d)programação

motora

e)antecipação

ao adversár.

- Processos

psico-fisioló-

gicos

-Vias aferentes

e aferentes

- Receptoras

para receber e

retransmitir as

informações

Interpretação

da execução

comparando

com os valo-

res deve

ser/foi

Armazenamen

to na memória

do resultado

da acção ba-

seado na aná-

lise deve

ser/foi

Capacidades

que se

desenvolvem

- Capacidades

perceptivas:

a)Observação

b)Análise e

calculos mot.

c)Visão perifé-

rica

d) Identifica-

ção da situação

e)Diferencia-

ção

- Capacidades

intelectuais

- personalida-

de

- capacidade

cognitiva da

acção táctica

- capacidade

de comparação

dos vários

pensamentos

Capacidades

físicas gerais

e específicas

- resistência

- força

- velocidade

- coordenação

Capacidades

técnico-tácti-

cas- acções de

jogo

Memória de

curto prazo

Memória de

longo prazo

Fases Percepção Decisão ExecuçãoMemóriaInterpretação

Figura 35. Os processos e as capacidades intrínsecas do comportamento táctico (segundo Greco, 1989)

Concluindo, a qualidade da solução motora não depende só da percepção e

análise da situação, e do pensamento táctico, depende também, e

largamente, das possibilidades funcionais humanas do organismo, das

qualidades físicas, como a força, a velocidade, a resistência, a agilidade, e

isto porque, as qualidades físicas e as técnicas motoras constituem uma

unidade dialéctica.

8. As diferentes fases do processo de aprendizagem da táctica desportiva

O ensino da táctica desportiva implica uma metodologia adequada em que é

necessário conhecer e reconhecer nos praticantes as características dos estádios

normalmente percorridos por estes até atingirem a eficácia técnico-táctica.

Page 269: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 237

Konzag (1983), estabelece quatro fases fundamentais da aprendizagem e

aperfeiçoamento da táctica desportiva: i) aprendizagem e aperfeiçoamento das

habilidades motoras inerentes à modalidade desportiva (que engloba a

aprendizagem dos elementos técnicos e a sua consolidação), ii) aprendizagem,

estabilização e aperfeiçoamento das acções técnico-tácticas determinadas pelas

situações competitivas, iii) desenvolvimento, estabilização e aperfeiçoamento

da capacidade competitiva global (que engloba situações competitivas em

condições facilitadas, em condições próximas da competição e em condições

mais difíceis do que as colocadas pela realidade competitiva) e, iv) utilização e

aperfeiçoamento da capacidade competitiva global em competições oficiais. O

mesmo autor (1983) salienta que a formação táctica desportiva dos praticantes

todas estas fases são aplicadas no tempo, tanto de um modo sequencial como

em simultâneo, através de uma escolha adequada dos exercícios e dos métodos

de treino a utilizar, bem como da sua aplicação prática.

8.1. 1ª. Fase: aprendizagem e aperfeiçoamento das habilidades motoras inerentes à

modalidade desportiva

Esta fase exige a aprendizagem motora na sequência dos movimentos

individuais e colectivos tanto na sua forma global como nas suas

componentes mais pormenorizadas e ainda a estabilização da coordenação

fina e a sua adaptação às condições que se alteram face às seguintes

modificações:

variação do "tempo", dos movimentos, das distâncias, lateralidade,

etc.;

diferentes combinações entre os vários elementos técnicos e as suas

variantes de execução;

Page 270: Metodologia Do Treino Desportivo

238 • Metodologia do treino desportivo I !

coordenação e sincronização no espaço e no tempo, em função dos

movimentos próprios e dos companheiros da equipa; e,

aumento do nível de solicitação colocada aos atletas/jogadores do

ponto de vista coordenativo, condicional e psicológico.

8.1.1. Aprendizagem dos elementos técnicos desportivos

A aprendizagem de um novo elemento técnico desportivo, o treinador

deve atender, entre outros, aos seguintes aspectos metodológicos:

deve começar por dar ao atleta/jogador uma representação do gesto

técnico desportivo o mais exacto possível, recorrendo-se tanto à

exemplificação como da explicação verbal;

verificar e utilizar exercícios preparatórios (propedêuticos) de modo

a facilitar o processo de aprendizagem, isto é, por uma execução

global ou decomposto em função dos pontos-chave do exercício;

o exercício técnico deve decorrer de forma que os atletas/jogadores

se concentrem inicialmente na execução motora do elemento técnico

considerado, sem a necessidade de se fazer opções restritas do ponto

de vista táctico;

os atletas/jogadores deverão exercitar os elementos técnicos através

de exercícios relativamente estáveis, isto é, em condições quase

sempre constantes (fixas);

recorrer a frequentes e sistemáticas repetições quer nos exercícios

em condições pré-determinadas quer em condições de permanente

alteração.

Page 271: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 239

Elaboração dos

elementos técnicos

Criação de uma representação

do movimento

Exercícios

preliminares

Condições

facilitadas

Forma básica

Da posição

de parado

Em movimento

correr/saltar

Consolidação dos elementos técnicos

sem a oposição do adversário

Variações da forma básica

- "tempo" do movimento

- distância

- direcção do movimento

- lateralidade

Ligação da forma básica

com outros elementos:

- elementos de ligação

antes da forma de base

- elementos de ligação

depois da forma de base

Consolidação da forma de

base em condições:

- após ou em simultâneo

com umaelevada carga física

- com elevadas solicitações

coordenativas

- com carga psíquica

- solicitações para além das

exigidas pela competição Figura 36. Sucessão metodológica para o desenvolvimento das habilidades motoras de uma dada modalidade desportiva (Konzag, 1983)

8.1.2. Consolidação dos elementos técnicos desportivos

Depois de ter sido aprendido a forma global dos elementos técnicos da

modalidade desportiva, estes deverão ser exercitados tomando em

consideração os seguintes aspectos metodológicos:

os vários elementos técnicos deverão ser executados de modo

diferenciado começando por fazê-lo sem oposição do adversário e

depois em combinação com outros elementos técnicos;

aumentar a velocidade, variar distâncias, direcções e diferenciando

a utilização de qualquer dos membros inferior ou superior (direito ou

esquerdo);

Page 272: Metodologia Do Treino Desportivo

240 • Metodologia do treino desportivo I !

combinar de forma padronizada do movimento com outros gestos

técnicos que podem ser incluídos no início ou no final da respectiva

execução; e,

criar condições de maior complexidade colocando maiores

exigências ao nível da componente condicional, coordenativa e

psicológica.

8.2. 2ª. Fase: aprendizagem, estabilização e aperfeiçoamento das acções

técnico-tácticas determinadas pelas situações competitivas

O objectivo principal desta segunda fase de aprendizagem, estabilização e

aperfeiçoamento da formação táctica desportiva dos atletas/jogadores é o

desenvolvimento:

da capacidade de decisão táctica sob a forma de escolha de programas

de acção baseado em percepções e antecipações correctas da situação; e,

a estabilidade da execução das acções motoras adequadas à situação

em condições ainda simplificadas relativamente ao que se exige em

competição.

Neste contexto, para se atingir os objectivos anteriormente referidos há que

atender aos seguintes pressupostos metodológicos:

a presença de oposição que exige a tomada de decisões tácticas;

situações competitivas construidas com poucos (relativas) alternativas

de solução táctica;

formas muito próximas da competição, por exemplo sobre uma baliza,

sobre um dos cestos, etc., durante o qual os praticantes são colocados

perante tarefas técnico-tácticas mais diversificadas devendo estes

aprenderem a reconhecer ou a criar a possibilidade de utilizar outras

acções tácticas; e,

modificar a relação numérica podendo ser superior, igual ou inferior e

da relação do espaço de acção dos praticantes (maior ou menor). 8.3. 3ª. Fase: desenvolvimento, estabilização e aperfeiçoamento da capacidade

competitiva global

Page 273: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 241

O objectivo fundamental desta terceira fase da formação da táctica

desportiva é o desenvolvimento da capacidade competitiva global através da

própria competição aperfeiçoando comportamentos adequados.

A verdadeira capacidade competitiva é o resultado da interacção racional

entre os factores técnico, táctico, físico e psicológico e a sua utilização na

competição propriamente dita. Esta fase tem uma importância chave em

todo o processo de formação táctica dos atletas/jogadores durante o qual se

utiliza meios de treino que enquadram: i) situações competitivas em

condições facilitadas, ii) em condições próximas da competição e, iii) em

condições mais difíceis do que as colocadas pela realidade competitiva.

8.3.1. Situações competitivas em treino sob condições facilitadas

Nesta vertente da formação táctica desportiva, o treinador deverá atender

aos seguintes aspectos metodológicos:

introduzir a competição sobre duas balizas ou sobre dois cestos

recorrendo-se a pequenas competições preparatórias e formas lúdicas

competitivas;

referir apenas algumas regras principais da modalidade desportiva e

deduzir o tempo de competição;

criar algumas facilidades que correspondam à idade e à experiência

dos praticantes (por exemplo: bolas mais leves ou mais pequenas,

espaço reduzido, menor número de praticantes, rede mais baixa, cestos

mais baixos, etc;

inicialmente faz-se apelo apenas às capacidades técnicas de base;

em relação à componente táctica dominam as acções tácticas

individuais e as combinações tácticas colectivas simples.

8.3.2. Situações competitivas em treino sob condições próximas da competição

Page 274: Metodologia Do Treino Desportivo

242 • Metodologia do treino desportivo I !

Nesta vertente da formação táctica desportiva, o treinador deverá atender

aos seguintes aspectos metodológicos:

dever-se-à aumentar as exigências que se colocam aos praticantes

de competição para competição;

paralelamente à realização da aprendizagem técnico-táctica vai-se

melhorando quer o repertório técnico quer a qualidade da sua

execução motora;

é importante que os praticantes tenham as oportunidades suficientes

para poderem aplicar os elementos técnicos aprendidos;

o treinador deverá interromper a competição quando julgar

oportuno chamando à atenção e clarificando determinadas soluções no

plano táctico;

procurar ampliar os conhecimentos aplicando novos método

ofensivos e defensivos em função das concepções tácticas do treinador

e dos adversários.

Desenvolvimento das capacidades de avaliação da situação de competição,

de escolha táctica dos programas e dos objectivos de acção correspondentes

ao fim visado e as execuções motoras adequadas às situações com oposição

semi-activa e activa dos adversários em situações simplificadas

Em situações construídas

Situações de jogo prédeterminadas

escolha entre duas alternativas

Adversário semi-activo

adversário activo

Situações de jogo prédeterminadas

escolha entre três ou mais alternativas

Adversário semi-activo

adversário activo

Formas semelhantes à competição

Reconhecer e utilizar tacticamente

situações expeditas para a solução

Criação consciente de situações

expeditas para a solução

Adversário activo

Utilização da capacidade nas competições oficiais

2ª fase

3ª fase

4ª fase

Figura 37. Sucessão metodológica para o desenvolvimento de acções técnico-tácticas condicionadas por uma dada situação (Konzag, 1983) 8.3.3. Situações competitivas em treino sob condições mais difíceis do que as

colocadas pela realidade competitiva

Page 275: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 243

Nesta vertente da formação táctica desportiva dos atletas/jogadores

dever-se-à incluir competições completas ou parciais cujas condições

sejam temporariamente mais difíceis e exigentes do que aquelas que são

colocadas pela competição. Estas condições podem ser consubstanciadas

através do aumento da dificuldade quer no plano físico, técnico, táctico

ou psicológico. Todavia, o aumento da exigência apenas sobre um destes

factores os restantes são de imediato influenciados, aumentando

igualmente o nível de solicitação que se colocam aos praticantes.

8.4. 4ª. Fase: utilização e aperfeiçoamento da capacidade competitiva global em

competições oficiais

O objectivo fundamental desta quarta fase da formação da táctica desportiva

é a utilização e o aperfeiçoamento da capacidade competitiva durante a

competições oficiais. Com efeito, a competição é o objectivo final de todos

os esforços dos atletas/jogadores. Estes devem demonstrar até que ponto são

capazes em condições de competição, as suas capacidades técnicas e

tácticas apreendidas e consolidadas durante a preparação.

Nestas circunstâncias, a competição oficial põe as maiores exigências ao

nível das várias capacidades, bem como da sua integração, permitindo

realizar plenamente as potencialidades educativas e formativas inerentes às

diferentes modalidades desportivas. Por último, a competição deverá ser

avaliada para se poder retirar as consequências que vão influenciar

posteriormente o processo de treino.

9. Princípios metodológicos da formação táctica desportiva

Page 276: Metodologia Do Treino Desportivo

244 • Metodologia do treino desportivo I !

Perante o caudal de situações-problema provocado pela situação real de jogo,

os jogadores e as equipas têm como motivação principal a sua resolução, tendo

em vista a obtenção dos melhores resultados possíveis. Para que tal seja

alcançado de um modo rentável e pedagogicamente correcto, impõe-se:

uma formação elementar, através de:

o desenvolvimento das qualidades físicas.

a educação das qualidades psicocaracteriais de personalidade

(vontade, disciplina, espírito colectivo).

a formação das técnicas motoras (técnicas elementares e capacidades

técnicas).

a aprendizagem das regras de jogo.

uma formação das capacidades tácticas, através de:

a educação do poder de observação (amplitude visual, cálculos

óptico-motores, atenção);

a formação do pensamento táctico, a aquisição de conhecimentos

tácticos (regras, princípios e conceitos fundamentais, soluções

individuais e colectivas possíveis);

• o pensamento táctico criador (a aquisição activa de conhecimentos);

• o «transfert» de conhecimentos tácticos para situações análogas;

• o pensamento táctico reproduzível - a fixação dos conhecimentos

por actualização dos conhecimentos;

• as associações mentais (actualização associativa dos

conhecimentos);

o desenvolvimento das técnicas sensório-motoras (reforço das acções

úteis);

• as acções reactivas indirectas (percepção-motricidade);

• as técnicas tácticas individuais (estereótipos dinâmicos

associativos);

• as técnicas tácticas colectivas (estereótipos dinâmicos associativos);

Page 277: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 245

a aprendizagem do acto táctico criador individual, ou colectivo, a

partir de conhecimentos sólidos e de técnicas tácticas (variação criadora).

Konzag (1983) estabelece quatro princípios metodológicos fundamentais no

treino da táctica desportiva:

criar pressupostos de desenvolvimento das capacidades condicionais, das

aptidões técnico-tácticas, das qualidades psicológicas e a sua respectiva

utilização durante a competição. Este princípio deverá ser dirigido de forma

consciente, no sentido de se aumentar sistematicamente as várias exigências

da situação;

o desenvolvimento da capacidade de resolução das diferentes situações

competitivas deve surgir da prática (treino) dessas mesmas situações

concretas (especificidade) diminuindo ou aumentando (progressão

pedagógica) a complexidade destas face às condições reais da competição

(identidade);

o objectivo final da formação táctica desportiva dos atletas/jogadores é a

utilização durante a competição de todas as suas capacidades técnicas,

físicas e psicológicas que serão tanto mais eficazes quanto melhor ter sido

possível desenvolver e consolidar as várias componentes que fazem parte da

prestação em formas semelhantes à competição; e por último,

a formação técnico-táctica dos jogadores assumem na didáctica dos jogos

desportivos colectivos uma posição central, pois é a partir desta que se

treina e estimula as restantes capacidades e não ao contrário porque é

impossível.

A preparação táctica desportiva (para Mahlo, 1966) deve obedecer a um

conjunto de princípios metodológicos: i) princípio da sistematização, ii)

princípio do carácter alternativo, iii) princípio da unidade da formação táctica

elementar e da formação táctica complexa, iv) princípio da formação táctica

individual e da formação táctica colectiva, v) princípio da unidade da formação

táctica teórica e da formação táctica prática e, vi) princípio da síntese óptima

indutiva e dedutiva.

Page 278: Metodologia Do Treino Desportivo

246 • Metodologia do treino desportivo I !

9.1. Princípio da sistematização

Ressalta da análise do comportamento táctico das diferentes modalidades

desportivas na actualidade, o facto deste ser um processo com um elevado

grau de complexidade e de especificidade. Neste sentido, a preparação

táctica eficaz e integral dos praticantes (individualmente) quer das equipas

(colectivamente) passa de forma inapelável pelo estabelecimento de uma

sistematização dos meios e dos métodos indicados para a sua consecução.

Com efeito, o processo ensino/aprendizagem do factor táctico dos

praticantes durante o decorrer da efectivação dos exercícios de treino e

consequentemente da unidade de treino os quais deverão ser construidos

numa temporalidade, segundo uma ordem que corresponde à lógica da

matéria considerada, numa relação estreita com o conteúdo técnico e físico

do tema de treino que se aborda. Esta é a condição básica essencial para a

eficiência do processo de preparação táctica.

Se tomarmos em consideração especificamente os desportos colectivos em

que a organização do jogo (sistema e método) das equipas têm de passar

pela construção de exercícios de treino que estabeçam tácticas individuais e

tácticas colectivas, facilmente chegamos à conclusão de quanto é importante

à definição de objectivos coerentes com o nível de elaboração que

pretendemos atingir com a equipa.

9.2. Princípio do carácter alternativo

Page 279: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 247

A preparação táctica deve consubstanciar um carácter alternativo, através do

qual se estabelece (segundo Mahlo, 1966):

pela programação do conteúdo táctico;

pela elaboração de concepções tácticas alternativas;

pela efectivação prática dos seguintes aspectos:

fazer compreender aos praticantes a importância do carácter

alternativo da preparação táctica, através da resolução de diferentes

situações competitivas, para as quais a observação e o pensamento

táctico têm um papel preponderante;

formulando paralelamente os meios;

formulando as acções tácticas e as respectivas variantes; e,

utilização destas acções em condições semelhantes à competição;

pela efectivação teórica dos seguintes aspectos:

transmitindo princípios e conhecimentos tácticos sistematizados

que correspondam às situações competitivas (diferentes alternativas

para a sua resolução);

desenvolvendo prioritariamente o pensamento táctico criador

levando os praticantes a participar na resolução das situações postas

pelo treino e pela competição (fazê-los participar na preparação táctica

da competição e na análise critica depois da sua realização).

Neste contexto, o carácter alternativo da preparação táctica visa habilitar os

praticantes de uma bagagem múltipla de respostas perante os problemas

postos pelas situações competitivas, através de exercícios de treino que

consubstanciam situações sob a forma de problemas. A resolução destas

passa inapelável e basicamente pela eficaz observação (percepção), e

pensamento táctico criador (solução mental) como aspectos prioritários na

construção desses exercícios para o tema em causa.

Embora seja importante, elaborar e programar comportamentos (respostas)

tácticas esteriotipados, constituindo-se fundamentalmente como ponto de

Page 280: Metodologia Do Treino Desportivo

248 • Metodologia do treino desportivo I !

referência, através dos quais se desenvolve conscientemente todas as outras.

Importa no entanto evitar-se, a apropriação mecânica por parte dos

praticantes e das equipas, de acções tácticas que na maior parte das

situações se apresentam inadequadas às soluções justas devido à grande

variabilidade do contexto competitivo característico de um grande número

de modalidades desportivas. 9.3. Princípio da unidade da formação táctica elementar e da formação táctica

complexa

A formação das capacidades tácticas não pode ser somente entendida nem

limitada no seu desenvolvimento ao conjunto de capacidades relativas

apenas ao pensamento táctico e aos conhecimentos tácticos. Esta deverá

englobar igualmente todas as outras componentes representativas da

actividade, isto é, os aspectos psicomotores, sensoriais, ou psicocaracteriais.

Com efeito, um processo coerente e integral das capacidades tácticas deverá

assentar numa formação complexa que desenvolve todas as outras

componentes da actividade. A construção e programação dos exercícios de

treino para a aprendizagem táctica, num contexto técnico, e físico, deverá

corresponder sempre à concepção de praticante ou de equipa atingir no

futuro (curto, médio, e longo prazo), e ao nível de evolução momentânea

dos praticantes ou da equipa (no presente).

Estabelecendo-se exercícios mais simples, no plano informacional, e

energético, mas que não desvirtuam a natureza (essência) da modalidade

competitiva em causa, sendo assim possível, uma actividade cujas

condições de prática se assemelham, correspondendo á competição,

devendo os praticantes e as equipas adaptar-se continuamente à diversidade

e multiplicidade das situações que se traduziram num repertório de respostas

tácticas e motoras variáveis.

No entanto, isto não significa que não se encontrem outros exercícios de

treino complementares (subsidiários) que têm como objectivo essencial, por

um lado, colmatar possíveis insuficiências que um processo de treino desta

Page 281: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 249

natureza possa representar, como, por outro lado, potencializar certos

comportamentos da actividade que devido à sua especificidade deverão ser

programados e executados de forma "isolada" (por exemplo: velocidade de

reacção, cálculos óptico-motores, etc.). Todavia, é por demais importante

concorrer sistematicamente para a elaboração de exercícios cuja integridade

dos factores seja uma realidade. 9.4. Princípio da formação táctica individual e da formação táctica colectiva

A argumentação teórica de base do princípio da formação táctica individual

e da formação táctica colectiva, consubstancia-se na formação de três níveis

diferenciados de acção (comportamento) táctico, que mantém estreitas

correlações. Com efeito, os comportamentos tácticos individuais (sistemas

elementares) representam os elementos constitutivos do jogo, cuja ligação

temporária estabelece acções tácticas de grupo (sistemas parciais) que

estabelecem novas qualidades comportamentais. O comportamento táctico

de equipa (sistema integral) funciona por intermédio dos sistemas

elementares e dos parciais que agem de forma temporal, associados ou

isoladamente uns aos outros. Neste contexto, para que qualquer um dos

sistemas possa funcionar necessita da ligação (temporária) dos outros

sistemas. Todavia, é o sistema integral (equipa) que determina o conteúdo, o

funcionamento, e a efectividade destas infra-estruturas.

Importa igualmente referir, que a cada um dos níveis tácticos enunciados

corresponde dispositivos de regulação (devido aos estados eventuais de

perturbação provocados pelos adversários) que são dependentes da

qualidade das diferentes alternativas de resposta aos problemas criados

pelas situações competitivas. Isto significa, que embora os sistemas

elementares, parciais e integrais se apresentam em qualquer nível de

organização de uma equipa, por exemplo, as interrelações que estas

estabelecem evidenciam diferentes qualidades. As quais, consequentemente,

fundamentam diferentes níveis de rendimento competitivo.

Page 282: Metodologia Do Treino Desportivo

250 • Metodologia do treino desportivo I !

Partindo desta teoria de base, este princípio preconiza:

as capacidades tácticas devem ser adquiridas por etapas,

correspondendo a cada uma das qualidades tácticas individuais, das

qualidades tácticas de grupo, e das qualidades tácticas de equipa;

desenvolvimento de acções reguladoras (alternativas/adaptativas) para

cada sistema (elementares, parciais, e integrais), a coordenação destas

acções em situações em que todo o sistema é posto à prova (competição);

e,

integração sistemática e aprendizagem táctica teórica no processo de

formação alternativo das qualidades tácticas individuais, de grupo, ou da

equipa.

9.5. Princípio da unidade da formação táctica teórica e da formação táctica prática

A formação táctica teórica é entendida como os exercícios que não

mobilizam a actividade motora, mas sim a palavra ou meios de

representação abstracta. É dirigido para educar e desenvolver especialmente

o pensamento táctico e a incultar, reforçar e sistematizar os conhecimentos

tácticos.

A formação táctica prática representa o objectivo último do praticante na

sua acção prática, objectivando assim as capacidades de acção elementar e

complexa, na resolução das diferentes situações competitivas.

Entre a formação táctica teórica e a formação táctica prática deverá

estabelecer-se uma estreita interligação e unidade através da sua intrínseca

complementaridade, obrigatoriamente existente entre estes dois tipos de

formação táctica para que tenham uma certa coerência e continuidade. Neste

contexto, é necessário:

Page 283: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 251

a formação táctica teórica precede a formação táctica prática

relacionada com o mesmo aspecto táctico;

os conhecimento teóricos não devem ultrapassar em muito aquilo que

pode ser aplicado na prática (o efeito pode ser negativo);

os conhecimentos teóricos sejam reforçados (através de actualização)

e sistematizados quando a sua utilização no exercício de treino não é

possível.

9.6. Princípio da síntese óptima indutiva e da dedutiva

A formação táctica dos praticantes deve comportar um grande equilíbrio,

entre as soluções previamente preparadas no treino (da responsabilidade do

treinador - indutiva), e a capacidade dos praticantes e da equipa criarem

(dedução) conscientemente, as soluções necessárias, face às acções adversas

criadas pelos adversários.

Com efeito, a duplicidade da formação táctica dos praticantes e das equipas,

passa por um lado, pela importância e necessidade de existir um conjunto de

acções treinadas sistematicamente, por outro lado, é fundamental

desenvolver o aspecto criador intrínseco aos praticantes e às equipas, o qual

é, muitas vezes, determinante no resultado competitivo final.

Este princípio toma a sua real dimensão ao nível dos jogos desportivos

colectivos, nos quais não é possível para o treinador, elaborar, sistematizar,

programar, e treinar todas as situações de jogo, possível de ocorrer durante a

competição, devido ao carácter diferenciado e variável que os contextos da

situação poderão assumir.

Nestas circunstâncias, a formação táctica dos jogadores de uma equipa na

aprendizagem, aperfeiçoamento, ou desenvolvimento, de um tema particular

(por exemplo: contra-ataque, ataque organizado, etc., ou defesa individual,

defesa zona, etc.), deverá passar incondicionalmente pela aplicação das

Page 284: Metodologia Do Treino Desportivo

252 • Metodologia do treino desportivo I !

características que lhe são adstritas, dos princípios (linhas orientadoras do

comportamento táctico), e dos factores (meios técnicos de resolução das

situações). A partir desta base racional (linguagem comum entre os

jogadores da mesma equipa), dever-se-à dar a possibilidade e a liberdade

aos jogadores de efectuarem um conjunto de adaptações em função dos

comportamentos (perturbações) dos adversários, criando-se determinadas

alternativas (regulações) dependendo do grau de êxito que a equipa obtenha.

Podemos assim concluir que, em termos de preparação táctica "os jogadores

vêem crescer a sua capacidade de organizar racionalmente o seu jogo, à

medida que desenvolvem as suas capacidades motoras e sensório-motoras,

o seu pensamento táctico e os seus conhecimentos tácticos".

Entende-se por conhecimentos tácticos:

os conhecimentos das regras das diferentes modalidades desportivas, e

a sua utilização óptimal para a resolução dos problemas tácticos;

conhecimentos dos sistemas e métodos de jogo e das suas variantes,

bem como das medidas mais eficazes a tomar no sentido de rentabilizar

esses sistemas no confronto com os do adversário;

domínio dos conceitos técnico-tácticos fundamentais;

o conhecimento das relações recíprocas entre preparação condicional

(física), volitiva (vontade), e técnico-táctica; e,

conhecimento teórico dos processos perceptivos, de análise das

situações de jogo e das soluções mentais.

Page 285: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor táctico desportivo • 253

w

Page 286: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

Estudo do factor físico desportivo

Secção A - Estudo sobre a força muscular

Resp: Pedro Mil-Homens

Page 287: Metodologia Do Treino Desportivo

252 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Secção A do Capítulo 3 da Parte IV

Neste Secção estudaremos o factor físico desportivo no plano da força muscular qualidade fundamental para a obtenção de um elevado resultado desportivo. Com efeito, a força representa a capacidade de vencer uma resistência dependendo essencialmente da contracção muscular. Neste contexto, incidiremos a nossa reflexão sobre os factores condicionantes da capacidade de produção da força (nervosos, musculares e biomecânicos), as componentes e formas de manifestação da força muscular (máxima, rápida e resistente) e os métodos de treino da força (máximais, submaximais, mistos, reactivos e resistentes).

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 10

Parte IV

Page 288: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 253

Os factores de treino Sumário Capítulo 3 - Estudo sobre o factor físico desportivo

Secção A - Estudo sobre a força muscular 1. Definição 2. Factores condicionantes da capacidade de produção de força

2.1. Factores nervosos 2.1.1. Factores nervosos Centrais

2.1.1.1. O recrutamento das Unidades Motoras 2.1.1.2. A frequência de activação das unidades motoras 2.1.1.3. A sincronização das unidades motoras

2.1.2. Factores Nervosos Periféricos 2.1.2.1. Fuso neuromuscular (FNM) 2.1.2.2. Orgão Tendinoso de Golgi (OTG) 2.1.2.3. Receptores articulares (RA)

2.1.3. Consequências metodológicas decorrentes dos factores nervosos 2.1.3.1. A coordenação intra e inter-muscular 2.1.3.2. A activação nervosa e as características da dinâmica da carga

2.2. Factores musculares 2.2.1. Fisiológicos e bioquímicos

2.2.1.1. Área da secção transversal do músculo 2.2.1.2. Tipos de fibras musculares 2.2.1.3. Consequências metodológicas decorrentes deste factor

2.2.2. Mecânicos (contracção muscular) 2.2.2.1. Tipos de contracção muscular 2.2.2.2. Relação força-alongamento 2.2.2.3. Relação força-velocidade

2.3.3. Factores biomecânicos 2.3.3.1. A alavanca muscular 2.3.3.2. A alavanca da resistência exterior 2.3.3.3. Tipos de resistências exteriores

3. Componentes e formas de manifestação da força muscular 3.1. Força Máxima

3.1.1. Definição 3.1.2. As componentes da força máxima 3.1.3. A força absoluta, relativa e limite 3.1.4. A relação da força máxima com as outras manifestações de força

3.2. Força Rápida 3.2.1. Definição 3.2.2. As componentes da força rápida 3.2.3. As relações entre Força Máxima e Força Rápida

3.3. Força de Resistência 4. Os Métodos de Treino

4.1. Os Métodos da Hipertrofia Muscular 4.2. Os Métodos da Taxa de Produção de Força 4.3. Os Métodos Mistos 4.4. Os Métodos Reactivos

Page 289: Metodologia Do Treino Desportivo

254 • Metodologia do treino desportivo I !

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Page 292: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 257

1. Definição

Se quisermos procurar uma forma de definir força, só recolheremos alguma

unanimidade de conceitos se a entendermos como característica mecânica do

movimento: força é toda a causa capaz de modificar o estado de repouso ou de

movimento de um corpo, traduzido por um vector. É o produto da massa pela

sua aceleração: F=mxa. Contudo, se pretendermos transferir este conceito

mecânico de força, como entidade física, para definir a força produzida por um

músculo, ele não nos serve para incluir numa mesma definição as diferentes

componentes (formas de manifestação) da força muscular. Assim, é necessário

em primeiro lugar efectuar uma análise estrutural das diferentes formas de

manifestação da força

Page 293: Metodologia Do Treino Desportivo

258 • Metodologia do treino desportivo I !

2. Factores condicionantes da capacidade de produção de força

O primeiro requisito para que o músculo produza trabalho mecânico, e portanto

vença uma qualquer resistência, é que ocorra um estímulo nervoso que

desencadeie o processo de contracção muscular. Esse estímulo, é emanado dos

centros nervosos superiores e constitui um processo voluntário, sendo o

desencadeador da acção muscular. A acção muscular vai inevitavelmente

produzir o alongamento de uns músculos e o encurtamento de outros, o que por

sua vez, irá desencadear a actividade dos receptores musculares e tendinosos,

os quais passarão a desempenhar um papel importante no controlo nervoso a

nível medular. Estamos assim em presença do primeiro grande factor

condicionador da capacidade de produção de força: O factor nervoso.

Contudo, não é indiferente que o músculo ou grupo muscular activado tenha

um maior ou menor volume muscular, constituindo o grau de hipertrofia um

dos factores condicionantes da capacidade de desenvolver força,

particularmente força máxima. Também não será indiferente a composição

muscular do músculo activado, o regime de contracção muscular promovido

(isométrico, concêntrico ou excêntrico), o grau de alongamento muscular ou a

velocidade de contracção. Estes aspectos ilustram o segundo grande factor

condicionador da capacidade de produção de força: O factor muscular. O tipo

de resistência exterior, o grau articular e a alavanca muscular, são outro grupo

de factores - factores biomecânicos - que afectam a produção de força, já que

não é indiferente, por exemplo, desenvolver força contra um peso livre ou

numa máquina de musculação de resistência variável.

Page 294: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 259

SistemaNervosoCentral

NívelMedularReceptores

Musculares

ComandoCentral

Activaçãodas UM

FactoresNervosos

FactoresMusculares

FactoresBiomecânicos

Figura 38. Representação esquemática dos factores condicionadores da produção de força

2.1. Factores nervosos

Se desligarmos os músculos das suas ligações nervosas, estes são incapazes

de se contrair voluntariamente, impossibilitando a realização de qualquer

gesto. É o sistema nervoso central que fornece o estímulo necessário para

que os músculos possam assegurar a dinâmica do aparelho locomotor do ser

humano. Neste sentido, o comando central envia um impulso nervoso a um

determinado grupo muscular (inervação motora), o músculo ao contrair-se

vai solicitar uma informação aos receptores musculares que vão ter

influência na informação de retorno alertando permanentemente o sistema

nervoso central dos estados de tensão e de relaxamento do músculo

(inervação sensitiva). Com efeito, dentro dos factores nervosos que

influenciam a capacidade do músculo produzir força, podemos distinguir

aqueles que derivam do sistema nervoso central, e do sistema nervoso

periférico.

2.1.1. Factores nervosos Centrais

A unidade funcional através da qual o sistema nervoso central (SNC)

controla a regulação dos mecanismos responsáveis pela contracção

muscular, constitui o conceito de unidade motora (UM). Uma UM

consiste, assim, no conjunto formado pelo motoneurónio e pelas fibras

musculares que este inerva. No homem, o número de UM existentes em

Page 295: Metodologia Do Treino Desportivo

260 • Metodologia do treino desportivo I !

cada músculo pode variar entre 100, para os pequenos músculos da mão,

e 1000 ou mais, para os grandes músculos dos membros inferiores. As

diferentes capacidades de produção de força de cada UM constituem uma

das características diferenciadoras dos tipos de UM. No músculo

humano, é possível dizer que a variabilidade relativamente a este

parâmetro, pode discriminar um leque de 100 ou mais tipos de UM com

diferentes capacidades de produção de força. São mais abundantes no

músculo as UM com menores dimensões (menos força) do que as de

grande calibre, sendo admitido que a sua distribuição em termos de

capacidade de produção de força é quase exponencial. O sistema nervoso

central dispõe de três mecanismos fundamentais para regular a

intensidade da contracção muscular: (1) o número de unidades motoras

recrutadas, (2) a frequência de activação das unidades motoras, e (3) a

sincronização da activação das unidades motoras.

2.1.1.1. O recrutamento das Unidades Motoras

Um dos mecanismos de regulação da força produzida pelo músculo é

o recrutamento de UM. Estas UM são recrutadas por ordem crescente

da sua capacidade de produção de força. Este padrão de recrutamento

é conhecido como o principio de Henneman (Henneman et al. 1965).

As UM de menores dimensões possuem limiares de excitabilidade

mais baixos e são recrutadas em primeiro lugar. À medida que as

necessidades de produção de força vão aumentando, as UM de

maiores dimensões vão sendo recrutadas progressivamente. Desta

forma, há uma correlação positiva entre as capacidades de produção

de força das UM e o seu limiar de recrutamento, ou seja, de

excitabilidade. Enquanto este limiar não for alcançado o grupo de

fibras musculares constituinte desta unidade motora permanece sem se

contraír. A partir do momento em que este limiar é alcançado todas as

fibras constituintes se contraem, é a chamada lei do "Tudo ou Nada".

Page 296: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 261

Neste contexto, quando o neurónio envia um influxo nervoso às fibras

musculares pertencentes a uma determinada unidade motora, só pode

ocorrer uma das seguintes duas respostas:

as fibras permanecem descontraidas se a intensidade do estímulo

for inferior ao seu limiar de excitabilidade;

contraem-se com toda a intensidade, se o estímulo for igual ou

superior ao seu limiar de excitabilidade.

Concluindo, perante um estímulo acima do limiar de estimulação a

contracção obtida é sempre máxima. No entanto, esta lei não se aplica

ao músculo como um todo, já que este é constituído por várias

unidades motoras, o que leva a que cada músculo possa desenvolver

forças de intensidades gradativas, podendo ir de uma contracção fraca

a uma contracção forte.

2.1.1.2. A frequência de activação das unidades motoras

A força produzida por uma contracção muscular pode ser aumentada

não só pelo maior número de UM recrutadas, mas também pela

variação da força gerada por cada UM individualmente. Este aumento

de força pode ser conseguido através de uma maior frequência de

activação de cada UM. A frequência de activação das UM está

intimamente relacionada com a velocidade de contracção, o que por si

só, é condição suficiente para que este mecanismo de regulação

nervoso adquira papel predominante no estudo dos factores neurais

que condicionam a capacidade do músculo produzir força.

A figura 39 ilustra de que forma a alteração da frequência de activação

das UM pode influenciar as características de produção de força. O

aumento da frequência de activação das UM permite incrementar a

taxa de produção de força, i.e., o declive da curva de força-tempo.

Page 297: Metodologia Do Treino Desportivo

262 • Metodologia do treino desportivo I !

F F

T T

60 Hz 120 Hz

Figura 39. Representação esquemática da influência da frequência de

activação na curva força-tempo de uma contracção voluntária máxima.

2.1.1.3. A sincronização das unidades motoras

A sincronização de UM pode ser definida como a coincidência

temporal dos impulsos de duas ou mais UM. Um aumento da força de

contracção pode ser obtido através da sincronização dos processos de

somação temporal. A frequência de activação é o processo

responsável pelo controlo da força produzida enquanto que o princípio

de recrutamento é aquele que possibilita o atingir da força máxima

através de mecanismos mais rápidos e mais potentes. Neste sentido,

quanto maior for a capacidade de recrutar simultaneamente, num dado

momento, um elevado número de unidades motoras maior será a força

produzida pelo músculo. A utilização do presente mecanismo parece

só estar ao alcance de praticantes altamente treinados ao nível do

treino da força. Os estudos clássicos de Milner-Brown et al. (1975)

mostraram que halterofilistas possuiam uma maior sincronização no

disparo das UM do que os seus sujeitos controlo. Estes autores,

observaram também, num estudo longitudinal com um reduzido

número de sujeitos (n=4) que, após seis semanas de treino isométrico

do primeiro interósseo dorsal, a um aumento de 20% da força

isométrica máxima estava associado um significativo incremento de

27% da taxa de sincronização de disparo das UM (Milner-Brown et

al., 1975) . Se uma maior sincronização de disparo das UM não

conduz a um aumento da força máxima, poder-se-á admitir que

contribua para um aumento da taxa de produção de força (Sale, 1988).

Page 298: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 263

2.1.2. Factores Nervosos Periféricos

Os factores nervosos periféricos estão associados aos processos de

inervação sensitiva do músculo. Os músculos, tendões e articulações

possuem orgãos sensoriais cuja função principal é veicular as

informações-sensitivas até ao sistema nervoso central. O fuso

neuromuscular, os orgãos tendinosos de Golgi, e os receptores

articulares, constituem os proprioceptores que mais se relacionam e

interagem nos processos de produção de força muscular. Sem a pretensão

de realizar uma revisão sobre o tema, porque não constitui o objecto

deste capítulo, mas apenas recordar os mecanismos básicos deste

processo, construímos a figura 40 e procedemos a uma breve referência

aos seus elementos constituintes fundamentais e às suas interacções, para,

posteriormente, interpretar o significado funcional do sistema do reflexo

de alongamento, no contexto do treino da força.

2.1.2.1. Fuso neuromuscular (FNM)

Qualquer alongamento muscular, ao implicar o estiramento das fibras

intra-fusais, origina uma estimulação das fibras sensitivas Ia e II,

oriundas, respectivamente, dos receptores primários e secundários do

fuso. As fibras Ia são sensíveis ao grau e à velocidade do estiramento

e o facto de realizarem no seu trajecto apenas uma sinapse, permite-

lhes uma grande velocidade de intervenção. Uma ramificação destas

fibras termina monosinapticamente no motoneurónio alfa e é

responsável pela sua excitação e, naturalmente, pela contracção

muscular, i.e., pelo reflexo de alongamento. As fibras Ia não terminam

apenas nos motoneurónios alfa, pois as suas ramificações influenciam

o interneurónio inibitório Ia, que exerce uma acção inibidora sobre o

motoneurónio alfa do músculo antagonista, fenómeno que é conhecido

por inibição recíproca. Adicionalmente a este circuito existem as

Page 299: Metodologia Do Treino Desportivo

264 • Metodologia do treino desportivo I !

células de Renshaw, as quais recebem uma influência excitatória de

ramos colaterais do motoneurónio alfa. O seu "output" termina no

motoneurónio alfa e no interneurónio inibitório Ia, sobre os quais

exerce uma acção inibidora, mecanismo conhecido por inibição

recorrente. Esta acção inibidora, particularmente sobre o interneurónio

inibitório Ia, parece poder facilitar o fenómeno da co-activação de

agonistas e antagonistas. Voltando ao Fuso Neuromuscular, para além

das fibras sensitivas Ia, também as fibras II, apesar de mais

lentamente, transportam informação sobre o alongamento total do

músculo e exercem acção excitatória sobre os moteneurónios.

Fuso Fuso

OTG OTG

Agonista Antagonista

Ia

IbIb

Ia

!

"

!

"R R

IaeII

Ia e II

Ia

Ib

Ib

Ia e II

Ia

Ib

Ib

IaeII

Figura 40. Representação esquemática dos principais circuitos medulares do sistema proprioceptivo reflexo, para um par de músculos agonista e antagonista. Fibras sensitivas primárias (Ia) e secundárias (II); fibras sensitivas (Ib) do Orgão tendinoso de Golgi (OTG); inervação alfa (!) e gama ("); interneurónios Ia e Ib; Células de Renshaw (R). O diagrama ilustra os circuitos do reflexo de alongamento, inibição recíproca e inibição recorrente. A tracejado ilustra-se a influência das estruturas supramedulares. As setas a cheio representam sinapses excitatórias enquanto que as setas a tracejado representam sinapses inibitórias.

2.1.2.2. Orgão Tendinoso de Golgi (OTG)

Page 300: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 265

O outro grande receptor muscular, o Orgão Tendinoso de Golgi, envia

continuamente informações sobre a intensidade da contracção

muscular, através das fibras sensitivas Ib. Estas fibras terminam no

interneurónio inibitório Ib que por sua vez age inibitoriamente sobre o

motoneurónio alfa, facilitando o relaxamento do músculo. A exemplo

do que referimos para as fibras aferentes do fuso, também as fibras Ib

recorrem a um processo de inibição recíproca, o que torna a sua acção

mais eficaz. Por último, refira-se o papel muito importante que é

desempenhado pelo circuito gama. Ao receber intervenção dos centros

superiores, o motoneurónio gama procede à inervação das fibras

intra-fusais do fuso neuromuscular, promovendo um constante

ajustamento relativamente ao seu estiramento. Esta acção das fibras

gama, constitui um mecanismo de servo-assistência que permite um

controlo muito perfeito das acções musculares. Naturalmente que o

sistema do reflexo de alongamento, bem como todos os outros

circuitos medulares a que nos referimos de forma breve, estão

presentes em todos os movimentos e devem ser encarados como

mecanismos não exclusivos e interdependentes, sobretudo pela larga

acção que sobre eles exercem as estruturas supra medulares apoiadas

nas influências recíprocas entre redes de interneurónios medulares.

2.1.2.3. Receptores articulares (RA)

São responsáveis pela informação relativa à posição das articulações,

velocidade e amplitude do movimento. Estes orgãos (RA) são de

extrema importância devido ao seu carácter preventivo e de protecção

no que se refere a possíveis lesões.

2.1.3. Consequências metodológicas para o treino da força, decorrentes dos factores nervosos

Page 301: Metodologia Do Treino Desportivo

266 • Metodologia do treino desportivo I !

Para aumentar a capacidade de produção de força de um músculo ou

grupo muscular, é necessário:

mobilizar (activar) todas as suas fibras, o mesmo é dizer, todas as

suas unidades motoras. Para isto é necessário a utilização de cargas

máximas de forma a mobilizar todas as unidades motoras,

especialmente, as unidades motoras rápidas que são as que produzem

mais força; e,

para cumprir com o princípio da frequência de activação, é

necessário que essas resistências sejam mobilizadas à velocidade

máxima. Todavia, devido às cargas serem muito elevadas, não é

possível movimentar essas cargas a grande velocidade, contudo, o

simples facto de se tentar deslocar a carga a grande velocidade garante

que a velocidade de contracção das fibras musculares seja a maior

possível, apesar da velocidade exteriormente observável não ser muito

grande.

Na prática do treino da força existe a convicção que se as cargas a

mobilizar não foram muito elevadas, i.e., se trabalharmos com

resistências mais baixas mas com um elevado número de repetições,

conseguimos mobilizar as fibras de contracção rápida ao fim de muitas

repetições. Contudo, é muitas vezes ignorado que as fibras rápidas são as

que se fatigam mais rapidamente e que após muito poucas repetições não

é mais possível envolvê-las no processo de contracção.

2.1.3.1. A coordenação intra e inter-muscular

No decorrer de um processo de treino da força, os primeiros ganhos

são sempre de natureza nervosa, independentemente do método de

treino utilizado. Apesar deste facto, as primeiras adaptações nervosas

não são de natureza intramuscular, mas sim de carácter intermuscular.

Ao fim das primeiras semanas de treino o SNC "aprende" a ser mais

Page 302: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 267

económico, isto é, a relação agonista/antagonista melhora

substancialmente, podendo-se adiantar que se trata de um processo de

aprendizagem técnica.

Se considerarmos, a título de exemplo, um processo de treino da força

com 4 unidades de treino por semana, pode dizer-se que o processo de

adaptações se caracteriza por:

ao fim de duas semanas os primeiros ganhos devem-se a

processos de coordenação intermuscular, isto é, uma melhoria da

execução técnica do gesto, que fica a dever-se a uma melhor

relação entre a contracção dos músculos agonistas/antagonistas, dos

sinergistas e estabilizadores do movimento;

ao fim de 6 a 8 semanas ocorrem as principais adaptações

nervosas de natureza intramuscular, isto é, um aumento do número

de UM recrutadas, e um aumento da sua frequência de activação.

2.1.3.2. A activação nervosa e as características da dinâmica da carga

Se o treino de força for realizado com o objectivo de melhorar a

activação nervosa dos músculos envolvidos, deve assumir as seguintes

características:

utilizar cargas elevadas (80 a 100% da Contracção Voluntária

Máxima);

.ritmo de execução explosivo;

poucas repetições (entre 1 a 5);

número de séries entre 3 a 5;

grandes intervalos (5 minutos); e,

o requisito mínimo para que um atleta se envolva num processo

de treino com estas características são 2 anos de sólido treino de

força.

Page 303: Metodologia Do Treino Desportivo

268 • Metodologia do treino desportivo I !

2.2. Factores musculares

Podemos dividir os factores musculares que afectam a capacidade do

músculo produzir força em: fisiológicos, bioquímicos e mecânicos.

2.2.1. Fisiológicos e bioquímicos

Dentro dos factores que poderemos classificar como de natureza

fisiológica e bioquímica centraremos a nossa análise nos seguintes

factores: a influência da área da secção transversal do músculo e a

influência da composição muscular.

2.2.1.1. Área da secção transversal do músculo

O primeiro aspecto que influencia a capacidade de produzir força é a

área da secção transversal do músculo, o que está intimamente

associado ao fenómeno de hipertrofia muscular, ou seja, ao aumento

do volume do músculo. Existe uma estreita relação entre a força e o

diâmetro fisiológico do músculo. Neste sentido, a força de um

músculo é proporcional ao seu diâmetro transversal. Aspecto

importante a reter é o facto do diâmetro fisiológico (soma dos

diâmetros de todas as fibras musculares individuais) ser diferente do

diâmetro anatómico. Com efeito, dois músculos com o mesmo

diâmetro anatómico, podem desenvolver niveis de força diferentes.

Por exemplo, os músculos com fibras não paralelas desenvolvem mais

força do que os músculos com fibras paralelas (no caso de um igual

corte anatómico).

As explicações sobre os mecanismos que fundamentam o aumento da

massa muscular têm provocado alguma polémica, especialmente a

discussão sobre a prevalência de um dos seguintes mecanismos:

a hipertrofia, como o aumento do volume das fibras musculares;

Page 304: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 269

a hiperplasia como o aumento do número de fibras musculares,

como factores responsáveis pelo aumento do volume da massa

muscular.

Alguns autores têm reportado alguma evidência da existência de

hiperplasia, contudo, os estudos realizados com culturistas

comparativamente com sujeitos que podem ser considerados "sujeitos

controlo", não mostraram diferenças significativas no número de

fibras musculares, mas sim na sua dimensão (McDougall, 1986).

Desta forma, apesar de algumas evidências científicas acerca do

fenómeno da hiperplasia, no que diz respeito ao treino da força, o

mecanismo mais importante para o aumento da massa muscular

parece ser a hipertrofia muscular.

Importa assim conhecer as características básicas dos estímulos que

conduzem ao aumento da massa muscular, ou por outras palavras,

como se pode induzir hipertrofia. A hipertrofia muscular parece

resultar de um aumento da síntese proteica. O conteúdo proteico do

músculo está num contínuo estado de fluxo. As proteínas estão

constantemente a ser sintetisadas e degradadas, mas as taxas a que

estes fenómenos ocorrem variam de acordo com o esforço solicitado

ao sujeito (figura 41). Durante o treino de força de relativa intensidade

quase toda a energia disponível é requerida para que o processo de

contracção muscular resulte em trabalho mecânico, o que ao implicar

uma redução da energia necessária para a síntese proteica, faz

aumentar a taxa de degradação das proteínas (figura 42).

Page 305: Metodologia Do Treino Desportivo

270 • Metodologia do treino desportivo I !

Repouso Treino de Força Intenso

EnergiaEnergia

Trabalho Mecânico

Trabalho Mecânico

SínteseProteica

SínteseProteica

Figura 41. Fornecimento de energia durante o repouso e durante treino de força intenso

A entrada de aminoácidos da circulação sanguínea para o músculo

diminui durante o treino de força intenso, pelo que a quantidade de

proteínas degradadas excede o número de proteínas novamente

sintetizadas. Este facto conduz a uma diminuição da quantidade de

proteínas musculares após uma sessão de treino de força e a um

aumento da sua síntese no intervalo entre as sessões de treino. A

entrada de aminoácidos para o músculo passa a ser superior ao que

ocorre normalmente em repouso. A repetição deste processo de

aumento da degradação e da síntese de proteínas musculares, parece

resultar num fenómeno de supercompensação das proteínas (figura

42), semelhante ao que ocorre com o glicogénio muscular em resposta

ao treino de resistência.

Apesar do mecanismo do estímulo para a hipertrofia muscular

permanecer não completamente esclarecido, parece poder aceitar-se

que a deplecção energética é um dos estímulos que induz ao aumento

do volume do músculo em termos crónicos. Assim, poderemos dizer

que os parâmetros vitais para conseguir induzir hipertrofia muscular

são a correcta manipulação da intensidade e do volume de treino, por

forma a conduzir a uma grande deplecção energética a nível muscular.

Desta forma o estímulo deve caracteriizar-se por ser sub-máximo (60-

80% do máximo), de longa duração (muitas séries e muitas repetições)

Page 306: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 271

e organizado de forma a induzir fadiga (reduzidos intervalos de

recuperação).

Tempo

Estímulo

Sintese Proteica

Energia disponivelpara a sintese

proteica

Figura 42. Potencial energético do músculo e taxa de anabolismo proteíco.

2.2.1.2. Tipos de fibras musculares

Para além da capacidade contráctil, as UM diferem em muitas outras

características funcionais. Ainda que a composição muscular seja um

assunto colateral a este capítulo, importa realizar uma breve

referência, dado que a uniformidade estrutural e funcional que

encontramos entre as fibras musculares que constituem uma UM,

estão adaptadas a um determinado tipo de contracção e são

determinadas pelas características e tipo de motoneurónios (MN)

respectivos, como foi verificado nos clássicos estudos de inervação

cruzada (Buller et al., 1960a; 1960b).

As UM de maior capacidade contráctil apresentam tempos de

contracção curtos e fraca resistência à fadiga. Ao invés, as UM de

menor capacidade de contracção, são mais resistentes à fadiga e o seu

tempo de contracção é bastante maior. Entre estes dois tipos extremos

de UM, existem UM com valores intermédios de (1) tamanho, (2)

tempo de contracção e (3) resistência à fadiga. Tendo como base estas

e outras características funcionais, bem como características

morfológicas e bioquímicas, as UM e as respectivas fibras musculares

têm sido classificadas em diferentes tipos.

Page 307: Metodologia Do Treino Desportivo

272 • Metodologia do treino desportivo I !

As fibras musculares das UM de menor dimensão, também

denominadas de fibras vermelhas (pelo seu maior teor em mioglobina)

estão mais adaptadas à produção de contracções lentas e de fraca

intensidade durante longos períodos de tempo, atingindo o tétano a

frequências de activação inferiores. São inervadas por motoneurónios

(MN) de menor calibre, com limiares de excitabilidade mais baixos e

mais sensíveis ao reflexo de alongamento. O seu excelente

metabolismo oxidativo permite-lhes grande resistência à fadiga. A sua capacidade em receber e utilizar O2, está relacionada com um elevado

teor em mioglobina, maior número de mitocôndrias e respectiva

actividade enzimática, e elevado número de capilares sanguíneos.

Estas fibras são denominadas de tipo I, oxidativas, ou de contracção

lenta. As fibras brancas (tipo II, glicolíticas ou de contracção rápida)

estão mais preparadas para contracções fortes e rápidas, sendo a

glicólise anaeróbia o principal processo de produção de energia a que

recorrem. As concentrações de fosfocreatina, miosina ATPase e

enzimas glicolíticas são mais elevadas neste tipo de fibras. A sua

capacidade em tetanizar é mais rápida, bem como em relaxar. Os MN

que inervam este tipo de fibras são de maiores dimensões, com axónio

mais espesso, garantindo maior velocidade de condução nervosa entre

a medula e o músculo. Apresentam cronaxia inferior, maior rapidez de

transmissão na placa motora e maior capacidade do retículo

sarcoplasmático e do sistema tubular T nos processos de libertação e

recaptação do cálcio.

As fibras do tipo II podem ser classificadas em subgrupos de acordo

com a sua actividade enzimática: tipo IIa, IIb e IIc. As fibras IIa e IIb,

apesar de serem ambas fibras de contracção rápida, podem

diferenciar-se face à capacidade oxidativa: as IIa apresentam um

potencial aeróbio mais elevado, enquanto que as fibras IIc são fibras

relativamente pouco diferenciadas com características fisiológicas e

Page 308: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 273

histoquímicas intermédias entre as IIa e IIb (Gollnick & Hodgson,

1986).

Tabela 1. Resumo dos diferentes tipos de fibras musculares

2.2.1.2.1. A modificação da percentagem relativa do tipo de fibras no músculo

Dos estudos clássicos de inervação cruzada realizados por Buller et

al. (1960a, 1960b) e após um grande número de estudos

posteriores, sabemos hoje que a composição das fibras musculares

depende da consistência e da utilização ou não utilização das

células nervosas da medula que inervam as correspondentes fibras

musculares. Com efeito, os estudos efectuados demonstram a

possibilidade de se mudar completamente a predominância e

consequentemente a composição do tipo de fibras musculares

(lentas e rápidas) alterando a frequência de activação. Não devemos

esquecer, contudo, que este tipo de estudos foram realizados no

animal, nos quais se cruzou a inervação, i. e., as fibras musculares

lentas passaram a ser inervadas por motoneurónios de elevado

calibre, enquanto que os motoneurónios mais pequenos passaram a

inervar as fibras rápidas. Ao fim de algum tempo as características

das fibras musculares alteraram-se completamente.

Em treino não se consegue reproduzir algo de semelhante. Durante

a maior parte das horas do dia os nossos músculos recebem

Características Fibras Tipo I Fibras Tipo IIa Fibras Tipo IIb

SO FOG FG % no músculo 50 34 16 Vel. de Contracção Lenta Rápida Rápida Cor (à preparação) vermelhas brancas brancas Resistência à Fadiga Grande Pequena Pequena Motoneurónios Pequenos Grandes Grandes Vel. de Estimulação Lenta Rápida Rápida Limiar- Excitabilidade Baixo Alto Alto Tensão desenvolvida Baixa Média Elevada Cap. Aeróbia Elevada Média Baixa Enzimas Oxidativas Muitas Nº Médio Poucas Cap. Anaeróbia Baixa Média Elevada Produção A. Láctico Baixa Média Elevada

Page 309: Metodologia Do Treino Desportivo

274 • Metodologia do treino desportivo I !

activações de natureza tónica. Os atletas que treinam com elevadas

intensidades fazem-no num relativo curto período de tempo,

quando comparado com as restantes horas do dia durante as quais

os músculos são activados tonicamente. Deste modo podemos

concluir que:

as fibras musculares vulgarmente designadas por lentas, não

se transformam em fibras rápidas por acção do treino;

as fibras rápidas, podem alterar-se e aproximarem-se das

características das fibras lentas por acção do treino,

particularmente através de actividades que requeiram um

constante baixo nivel de activação neural;

o treino da força pode organizar-se de forma a conduzir a

uma hipertrofia selectiva das fibras lentas ou rápidas, alterando

assim a percentagem relativa da sua área de secção transversal.

2.2.1.3. Consequências metodológicas decorrentes dos factores musculares

Relativamente às características da dinâmica da carga, o treino da

força com o objectivo de melhorar a hipertrofia muscular deve

assumir as seguintes características:

utilizar cargas submáximas (60 a 80% da contracção voluntária

máxima);

ritmo de execução moderado a lento;

número de repetições entre 8 a 20;

número de séries entre 3 a 5; e,

intervalos de 2 a 3 minutos.

Se o processo de hipertrofia muscular se pretender diferenciado, i. e.,

se o objectivo for promover uma hipertrofia muscular mais

significativa na área da secção transversal das fibras rápidas, a

intensidade não deve ser inferior a 80%.

Page 310: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 275

2.2.2. Mecânicos (contracção muscular)

Para além da magnitude do volume muscular e da percentagem relativa

dos diferentes tipos de fibras musculares, a mecânica da contracção

muscular influencia igualmente a capacidade de um músculo produzir

força.

2.2.2.1. Tipos de contracção muscular

Sempre que activados os músculos desenvolvem tensão e tendem a

encurtar-se, podendo ou não ocorrer deslocamento dos segmentos

ósseos que lhes estão associados. O tipo de resistência exterior

determinará a existência ou não de movimento. Classicamente existem

três tipos de acções musculares:

acção muscular concêntrica: quando a tensão desenvolvida pelo

músculo é superior à resistência que ele tem de vencer, ocorre um

encurtamento. Este tipo de acção ocorre na fase positiva

(concêntrica) da maioria dos exercícios de treino da força, como o

supino ou o agachamento;

acção muscular excêntrica: quando a tensão desenvolvida pelo

músculo é inferior à resistência que ele tem de vencer, apesar do

músculo tentar encurtar-se, ocorre um alongamento das fibras

musculares. Este tipo de acção ocorre na fase negativa (excêntrica)

da maioria dos exercícios de treino da força, como o supino ou o

agachamento; e a,

acção muscular isométrica: se a tensão desenvolvida pelo

músculo é igual à resistência que ele tem de vencer, o comprimento

das fibras musculares, mantém-se essencialmente inalterasdo. Este

tipo de acção muscular ocorre quando se pretende exercer força

contra uma resistência inamovível.

Page 311: Metodologia Do Treino Desportivo

276 • Metodologia do treino desportivo I !

Para além destas três formas clássicas de acções musculares, há ainda

a considerar a forma natural de funcionamento muscular. Nos

movimentos da locomoção humana, como a marcha, a corrida e o

salto, os músculos extensores dos membros inferiores estão

periodicamente sujeitos a impactos com o solo que provocam um

alongamento muscular seguido de uma fase de encurtamento. A figura

43 ilustra esta forma natural de funcionamento muscular. Na grande

maioria dos gestos desportivos, os músculos não funcionam de forma

puramente isométrica, concêntrica ou excêntrica. Funcionam num

Ciclo Muscular de Alongamento-Encurtamento (CMAE), tal como descrito

por Komi (Komi, 1984).

Esta forma de funcionamento muscular é relativamente independente

das outras formas de manifestação da força e é regulada,

essencialmente, pela qualidade do padrão de activação nervoso dos

músculos envolvidos, i.e., pelo balanço entre os factores nervosos

facilitadores e inibidores da contracção muscular. No ponto 3.2.2

deste capítulo abordaremos esta forma de manifestação da força com

maior detalhe.

Figura 43. Na locomoção humana (marcha, corrida, salto) os músculos extensores dos membros inferiores são periodicamente sujeitos a um ciclo muscular de alongamento encurtamento, que se assemelha ao rodar de um cubo.

2.2.2.2. Relação força-alongamento

Page 312: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 277

A força desenvolvida pelo músculo é maior no seu comprimento de

repouso, já que o número de pontes cruzadas entre a actina e a miosina

é maior nesta posição. À medida que o músculo se encurta ocorre uma

diminuição das ligações entre as proteínas contrácteis porque ocorre

alguma sopreposição dos filamentos, com uma diminuição da tensão

que pode ser desenvolvida. De forma semelhante, se o músculo for

alongado para além do seu comprimento de repouso, o número de

pontes cruzadas vai também diminuindo, porque a sobreposição dos

filamentos se reduz drasticamente. Contudo, quando um músculo é

alongado, ainda que passivamente, e porque o seu tecido conjuntivo

possui um determinado potencial elástico, há um acréscimo de força

devido a este contributo dos factores elásticos, que actuam em

paralelo com o material contráctil. O efeito combinado dos factores

contrácteis e elásticos está ilustrado na figura 44, que apresenta a

clássica curva da relação entre a forçe e o alongamento.

Força

Alongamento

Figura 44. Relação força-alongamento de um músculo isolado. A curva II representa o contributo do elemento contráctil e a curva I o contributo das estruturas elásticas. a curva III representa o efeito combinado do elemento contráctil e elástico

2.2.2.3. Relação força-velocidade

Se todos os outros factores se mantiverem iguais, a capacidade do

músculo produzir força é mais elevada numa situação isométrica,

Page 313: Metodologia Do Treino Desportivo

278 • Metodologia do treino desportivo I !

diminuindo esta capacidade à medida que se aumenta a velocidade de

contracção concêntrica. Este facto deve-se, por um lado, à acção

desempenhada pela viscosidade das fibras musculares que resistem ao

movimento de forma proporcional ao aumento da velocidade. Por

outro lado, a acção de ligar e desligar das pontes cruzadas para que o

deslizamento dos filamentos ocorra faz-se muito mais frequentemente

com o aumento da velocidade de contracção, o que reduz as condições

de produção de força. Contudo, quando o aumento da velocidade de

contracção se faz não em termos concêntricos, mas sim em regime

excêntrico, o músculo é capaz de desenvolver maiores tensões

musculares com o aumento da velocidade (figura 45).

Este aumento de força é aproximadamente de 1.3 vezes o valor da

força concêntrica. O facto do aumento da força em regime excêntrico

acontecer em função do aumento da velocidade de alongamento,

sugere-nos que para além do já referido contributo dos factores de

natureza elástica, o maior papel para explicar este aumento de força é

desempenhado pelo reflexo de alongamento, que, como sabemos, é

especialmente sensível à velocidade do estiramento.

Força Isométrica

Vel. Alongamento Vel. Encurtamento

Força

0

ConcêntricaExcêntrica

Figura 45. Relação força -velocidade de um músculo isolado

2.3.3. Factores biomecânicos

O fenómeno que a figura 46 ilustra é bem conhecido da prática do treino

da força. Em determinadas posições (leia-se angulações) qualquer sujeito

evidencia uma capacidade aumentada de produzir força, enquanto que

Page 314: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 279

em angulações maiores e menores relativamente a essa posição óptima,

observa-se uma menor capacidade de produzir força.

100%

70%

60%

Figura 46. Num movimento de flexão do cotovelo existe um momento óptimo para a produção de força pelo músculo bicípete braquial. Com angulações do cotovelo maiores ou menores a cerca de 90 graus verifica-se uma maior dificuldade em produzir força.

Contudo, se a resistência a movimentar não for, como despista a figura,

um peso livre mas sim a alavanca de uma máquina de musculação de

resistência progressiva, de resistência variável ou, de um equipamento

isocinético, o fenómeno ilustrado pode sofrer alterações consideráveis.

Neste sentido iremos abordar de forma breve os aspectos de natureza

biomecânica que mais afectam a capacidade do músculo produzir força, a

saber: a influência que as variações angulares exercem na alavanca

muscular (braço da força), na alavanca exterior (braço da resistência) e a

influência dos diferentes tipos de resistências (pesos livres, máquinas de

musculação, etc.).

2.3.3.1. A alavanca muscular

A figura 47 ilustra a influência que diferentes alavancas musculares,

definidas como a distância perpendicular entre o eixo de rotação da

articulação e a linha de acção do tendão, exercem na capacidade de

produção de força. Quando o braço da alavanca é maior (na figura na

posição c) a vantagem mecânica é a mais elevada. Sempre que a

Page 315: Metodologia Do Treino Desportivo

280 • Metodologia do treino desportivo I !

modificação do ângulo articular condiciona uma alteração no braço da

alavanca muscular (posições a,b e d,e) a vantagem mecânica diminui,

logo o músculo diminui a sua capacidade de produção de força.

A B

C

D

E

Figura 47. Variação do braço da alavanca (distância perpendicular entre o eixo de rotação da articulação e a linha de acção do tendão) em função da alteração do ângulo articular, num movimento de flexão da articulação do cotovelo. Quando o braço da alavanca é menor a vantagem mecânica é mais reduzida.

Uma leitura linear da figura anterior poderia levar a concluir que seria

vantajoso, em quaisquer circunstâncias, uma maior distância entre o

eixo articular e a inserção músculo-tendinosa. Observemos, contudo, a

figura 48. Nela se exemplifica o efeito que diferentes braços da

alavanca muscular podem exercer na velocidade do deslocamento

angular num movimento de flexão do cotovelo.

Na configuração B a alavanca muscular é maior o que significa uma

vantagem mecânica em termos da capacidade de produção de força

máxima. Contudo, se pensarmos no deslocamento angular para um

mesmo grau de encurtamento muscular (contracção concêntrica),

verificamos que uma maior distância entre a articulação e a inserção

do tendão condiciona um menor deslocamento angular para o mesmo

nivel de força produzido. Por outras palavras, quando a inserção

muscular está mais afastada, o músculo precisa de aumentar a

velocidade de encurtamento para obter o mesmo deslocamento

angular. Face à relação inversa entre a força e a velocidade, este facto

significa que os músculos que estão inseridos mais longe do eixo

Page 316: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 281

articular estão especialmente vocacionados para esforços de força

máxima (p.e., halterofilia) e não para se contrairem a altas velocidades

(p.e., remate de voleibol).

37

16

16

22

16

34

15

11

17.5

11

AA

A B

Figura 48. Influência da maior ou menor proximidade da inserção muscular relativamente ao centro articular (A), no deslocamento angular para o mesmo encurtamento muscular. Em B o braço da alavanca é maior logo o momento da força é também maior para um determinado nível de força, contudo o deslocamento angular por unidade de contracção muscular é mais reduzido, o que significa uma menor velocidade do movimento.

2.3.3.2. A alavanca da resistência exterior

Para além da influência exercida pelo braço da força há igualmente

que considerar que quando modificamos o ângulo articular, alteramos

o momento (braço) da resistência, i. e., a distância entre o eixo

articular e o ponto de aplicação da resistência. Na figua 49 é possível

constatar o que acima referimos. Apesar do peso da resistência

exterior se manter constante, na posição 1 a distância entre o eixo

articular e o ponto de aplicação da resistência é maior do que na

posição 2, o que significa que o momento da força é maior (momento

= peso x distância). Nestas condições o sujeito tem de produzir mais

força na posição 1 do que na posição 2 para poder superar a mesma

resistência.

Quando o peso se encontra directamente acima ou abaixo, i.e., na

linha que contém o eixo articular não há momento da resistência

devido à acção do peso. As alterações na técnica de realização dos

Page 317: Metodologia Do Treino Desportivo

282 • Metodologia do treino desportivo I !

exercícios podem fazer variar o momento da resistência durante um

exercício. Quando na realização de um agachamento se promove uma

maior inclinação do tronco à frente, desloca-se o peso horizontalmente

para uma posição mais próxima da articulação do joelho e por sua vez

mais longe da articulação coxo-femural. Desta forma aumenta-se o

momento da resistência pa os músculos glúteos e posteriores da coxa,

reduzindo-se o mesmo momento para o quadricípete crural.

1

D

D

2D

Figura 49. Apesar do peso do objecto se manter constante, a variação da distância (D) horizontal entre o peso e o eixo articular, condiciona uma alteração do momento da resistência.

A conjugação do aspecto abordado no ponto anterior (alavanca

muscular face ao grau de alongamento do músculo) com o que

acabamos de referir (influência do braço da resistência face à variação

do ângulo articular) , conduz a que para cada movimento específico

(flexão do cotovelo, extensão do joelho, etc.) existe uma curva de

força, i.e., uma curva que descreve o comportamento das capacidades

de produção de força face à variação do ângulo articular. A figura 50

ilustra o que acabámos de expôr.

Alongamento

MuscularÂngulo articularÂngulo articular

Força Muscular Braço da Alavanca

X = Força (Momento)

Page 318: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 283

Figura 50. O momento da força de umdeterminado movimento é o produto da tensão muscular que o músculo é capaz de produzir face ao alongamento muscular pelo braço da alavanca.

Na figura 51 apresentam-se exemplos de algumas curvas de força para

a extensão e flexão do cotovelo e do joelho. De salientar que todas as

curvas têm uma fase ascendente e/ou descendente mais ou menos

pronunciada.

Figura 51. Exemplos de curvas de força, para as articulações do cotovelo e joelho.

2.3.3.3. Tipos de resistências exteriores

Da prática do treino da força sabemos que existem diferenças entre

mobilizar um peso livre (barra com pesos) ou produzir força numa

máquina de musculação. Estas diferenças devem-se a diferentes

características mecânicas, principalmente à relação entre a magnitude

do braço da força e da resistência que cada uma destas resistências

exteriores proporciona ao longo do deslocamento angular de um

determinado movimento. Se quisermos classificar os diferentes tipos

de resistências exteriores que vulgarmente encontramos nos

equipamentos de treino de força, o critério mais importante prende-se

com as características do tipo de resistência que o equipamento

proporciona.

Page 319: Metodologia Do Treino Desportivo

284 • Metodologia do treino desportivo I !

2.3.3.3.1. Resistências Constantes

O tipo de resistência exterior mais comum são os pesos livres, i.e.,

as barras de musculação com pesos, os manúbrios, as bolas

medicinais. Com este tipo de equipamentos o peso (massa x

aceleração da gravidade) é sempre constante, mas o momento de

força varia durante o deslocamento angular. Como ilustrado na

figura 52, o momento de força num movimento de flexão do

cotovelo é igual ao peso da resistência exterior vezes a distância

horizontal (D) entre o eixo de rotação e ponto de aplicação da

força.

1

D

D

2D

Figura 52. Apesar do peso do objecto se manter constante, a variação da distância (D) horizontal entre o peso e o eixo articular, condiciona uma alteração do momento da resistência.

No movimento de flexão do cotovelo a distância horizontal entre a

articulação do cotovelo e o ponto de aplicação da força (mão do

sujeito) varia durante o deslocamento angular. Esta distância é

menor no início do movimento, atinge o seu valor máximo próximo

dos 90 graus e volta a baixar nas posições de maior flexão do

cotovelo. Quando a distância D é maior o sujeito necessita de

produzir mais força muscular para resistir ao efeito do peso,

enquanto que nas posições intermédias a força muscular para

resistir ao peso é mais reduzida.

Page 320: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 285

2.3.3.3.2. Resistências Variáveis-Progressivas

Alguns equipamentos de treino de força, como por exemplo os

elásticos e alguns tipos de máquinas de musculação, funcionam de

forma a oferecer uma maior resistência na parte final do

movimento. São as chamadas resistências progressivas. Quando

estiramos um elástico a resistência que ele oferece é maior em

função do seu grau de alongamento. Algumas máquinas de

musculação fazem variar de forma crescente o braço da resistência,

oferecendo por isso uma maior resistência na parte final do

movimento.

Resistência

Resistência

Braço da Força

Braço da Força

Braço da Resistência

Braço da Resistência

Fulcro

Fulcro

Figura 53. Alteração do braço da resistência numa máquina de resistência progressiva

Na figura 53 é possível identificar que do início para o final do

movimento (exemplo de uma máquina de supino) à custa da

variação do ponto de aplicação da resistência, é possível modificar

a magnitude do braço da resistência, implicando deste modo uma

maior dificuldade em realizar o exercício no final.

Contudo e como já referimos anteriormente, este mecanismo está

em oposição com o comportamento mecânico do músculo humano,

o qual evidencia uma quebra de capacidade de produção de força

nas posições finais do deslocamento angular, normalmente por

Page 321: Metodologia Do Treino Desportivo

286 • Metodologia do treino desportivo I !

ocorrerem a graus muito elevados de encurtamento muscular e por

isso não permitirem o maior número possível de pontes cruzadas

entre as proteínas contrácteis.

2.3.3.3.3. Resistências Variáveis-Acomodativas

Para obviar ao facto anteriormente mencionado, algumas máquinas

de musculação oferecem uma variação do braço da resistência que

pretende acomodar-se à variação das capacidades de produção de

força do músculo, daí a denominação de "acomodativas"

A figura 54 ilustra o princípio de funcionamento das máquinas de

resistência variável-acomodativas. A utilização de uma "cam"

excêntrica, i.e., em que a distância do eixo de rotação ao ponto de

aplicação da força varia à medida que a "cam" roda, estes

equipamentos podem oferecer uma variação da resistência que

pretende adaptar-se às possibilidades de produção de força (curva

de força) de determinado grupo muscular. Para que o sistema

funcione nos termos dos seus pressupostos, é suposto que a

velocidade angular seja mantida o mais constante possível o que na

prática é difícil de ser realizado, particularmente quando se

pretende trabalhar com velocidades algo mais elevadas. Por outro

lado, a concepção da "cam" é realizada tendo em vista sujeitos com

determinadas características antropométricas médias, o que poderá

implicar que nem todas as máquinas estarão concebibas para se

acomodar às curvas de força de todos os sujeitos.

Page 322: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 287

M1

1

2

M2

Figura 54. Numa máquina de resistência variável-acomodativa o braço da resistência varia ao longo do deslocamento angular. Quando a "cam" é rodada da posição 2 para a posição 1 o braço da alavanca aumenta (M1>M2) aumentando assim o momento da resistência.

2.3.3.3.4. Resistências Isocinéticas

Os equipamentos isocinéticos, para além de oferecerem uma

resistência acomodativa implicam que a velocidade angular seja

constante. A resistência é controlada electronicamente e em cada

posição angular o equipamento oferece uma resistência

proporcional à força desenvolvida pelo sujeito. Se o sujeito

aumentar a velocidade angular o equipamento oferece uma maior

resistência permitindo deste modo que o sujeito não ultrapasse a

velocidade pré-seleccionada. Este tipo de equipamentos são

normalmente utilizados para a avaliação e monitorização de

processos de reabilitação onde a manipulação da intensidade da

carga a utilizar, bem como a máxima solicitação muscular em todo

o deslocamento angular do movimento em causa, são aspectos

importantes a salvaguardar. Por outro lado, os equipamentos

isocinéticos são bastante seguros já que permitem trabalhar com

cargas muito baixas e graduar o seu aumento progressivo com um

completo controlo de vários parâmetros. Este tipo de equipamentos,

bem como a quase totalidade das máquinas de musculação, são

Page 323: Metodologia Do Treino Desportivo

288 • Metodologia do treino desportivo I !

normalmente uniarticulares, o que significa que se pode isolar com

facilidade um determinado grupo muscular, mas não é tão fácil, ou

mesmo impossível, realizar um exercício em cadeia cinética

fechada.

A utilização deste tipo de equipamentos na prática do treino da

força deve ser restrita aos periodos de preparação geral, onde se

pretende um ganho de massa muscular. O facto de oferecerem uma

resistência acomodativa permite que a estimulação muscular seja

muito próxima do máximo em todos os graus articulares, pelo que

condicionam um bom estímulo para a hipertrofia muscular.

Contudo, o facto dos equipamentos isocinéticos permitirem

essencialmente movimentos em cadeia cinética aberta, não serão o

tipo de equipamento a previligiar na rotina diária do treino da força

com atletas. O treino, por exemplo, dos músculos extensores dos

membros inferiores teria de ser realizado por etapas, i. e., primeiros

os extensores do joelho, depois um outro exercício para os flexores

plantares e ainda um outro exercício para os extensores da bacia.

Nos movimentos desportivos estas três articulações funcionarem

normalmente em cadeia cinética fechada o que não é facilmente

reproduzível num equipamento isocinético. Uma outra limitação

para a sua generalização no treino de atletas prende-se com o facto

de estes equipamentos funcionarem a velocidades angulares

constantes o que na realidade raramente acontece nos movimentos

desportivos. A natação, a canoagem e o remo serão eventualmente

as modalidades onde os movimentos são quase-isocinéticos, mas

na grande maioria dos gestos desportivos as variações de

velocidade são uma constante. Acresce que as velocidades

angulares máximas a que grande parte destes equipamentos

funcionam (400-500 graus por segundo) ficam muito aquém das

velocidades angulares da maioria dos gestos competitivos. Num

Page 324: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 289

salto vertical, p.e., a velocidade angular da articulação do tornozelo

pode com relativa facilidade ser superior aos 1000 graus por

segundo.

2.3.3.3.5. A utilização dos diferentes tipos de resistências-equipamentos

Todos os tipos de equipamentos para o treino da força têm as suas

vantagens e inconvenientes, pelo que todos eles devem ser

considerados e correctamente seleccionados em função dos

objectivos em causa e das características dos atletas.

Os pesos livres (barras com pesos, manúbrios e bolas medicinais)

constituem o equipamento mais comum no treino de atletas.

Permitem a realização de exercícios em cadeia cinética fechada, os

quais mobilizam articulações contíguas e dessa forma permitem

recriar com mais facilidade os movimentos competitivos. Ao

mobilizarem articulações contíguas evitam grandes desiquilíbrios

entre os grupos musculares que cruzam essas articulações (p.e.,

gémeos, quadricípete crural e glúteos). Por outro lado, permitem

variações de velocidade durante a sua execução, o que constitui

uma das características de grande parte dos gestos desportivos. A

utilização de pesos livres pode iniciar-se com relativamemte pouco

material, já que qualquer pequena resistência (barra, manúbrios)

pode ser utilizada. À medida que a intensidade da carga tem de ser

aumentada, a utilização dos pesos livres requer um bom

conhecimento acerca da técnica de execução dos exercícios de

musculação, pelo que o seu domínio técnico se constitui como um

importante requisito.

É aqui, que muitas vezes se opta pela utilização sem critério das

máquinas de musculação por atletas. A falta de domínio técnico

dos exercícios e a necessidade de trabalhar com cargas mais

elevadas, levam muitas vezes a optar pela utilização das máquinas

Page 325: Metodologia Do Treino Desportivo

290 • Metodologia do treino desportivo I !

de musculação. Elas não requerem grandes preocupações técnicas,

o seu design ergonómico é normalmente facilitador da

auto-aprendizagem da sua utilização. Como vantagens podemos

salientar a facilidade de utilização, os reduzidos requisitos técnicos,

a facilidade de manuseamento das cargas e a segurança. As

máquinas de musculação são o equipamento ideal para utilizar com

sujeitos indiferenciados que pretendem realizar programas de

condição física. A sua utilização com atletas deve ser criteriosa,

principalmente os equipamentos que não permitem a realização de

exercícios em cadeia cinética fechada. De entre os diferentes tipos

de máquinas de musculação, a escolha de máquinas de resistência

variável-acomodativa apresenta vantagens óbvias. A possibilidade

de aproximar da estimulação máxima os grupos musculares

envolvidos no exercício, em função dos diferentes graus articulares,

constitui obviamente uma vantagem a não desperdiçar.

Em síntese, podemos recomendar a utilização de máquinas de

musculação, preferencialmente de resistência variável-

acomodativa, preferencialmente para o treino de sujeitos

indiferenciados que visam a melhoria da sua condição física geral.

Os atletas devem restringir a utilização de máquinas de musculação

aos períodos de preparação geral, particularmemnte para o treino

que vise a hipertrofia muscular, já que as máquinas de resistência

variável-acomodativa têm alguma vantagem para este objectivo

específico. Ao seleccionar as máquinas de musculação, para o

treino de atletas de elevado rendimento, deve procurar-se escolher

exercícios em cadeia cinética fechada. Os pesos livres constituem o

equipamento a previligiar para o treino da força com atletas de alto

rendimento. Permitem a realização de exercícios mais próximos

dos gestos desportivos, permitem a variação da velocidade,

Page 326: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 291

mobilizam os grupos musculares de toda a cadeia cinética, bem

como os músculos sinergistas e estabilizadores.

3. Componentes e formas de manifestação da força muscular

Quando dizemos ou ouvimos dizer que um atleta está envolvido num processo

de treino da força, apenas veiculamos que esse atleta tem a intenção de

melhorar a força muscular, sem contudo podermos dizer que tipo ou que

componente da força está ele a trabalhar. O conhecimento científico dos

últimos dez quinze anos permite realizar uma análise estrutural da força

muscular, por forma a identificar as suas componentes, as suas relações de

dependência e os principais factores que afectam e influenciam as

características de produção de força de um atleta.

3.1. Força Máxima

3.1.1. Definição

A Força Máxima (Fmax) é, talvez, de entre as diferentes formas de

manifestação da força, a expressão que com maior unanimidade entre os

diferentes autores, podemos encontrar na literatura. Por Fmax devemos

entender o valor mais elevado de força que o sistema neuromuscular é

capaz de produzir, independentemente do factor tempo, e contra uma

resistência inamovível (Schmidtbleicher, 1985a; 1985b).

3.1.2. As componentes da força máxima

Se aceitarmos esta definição de Fmax estaremos a dizer que ela se deve

avaliar em termos isométricos, ainda que se possa exprimir também em

termos concêntricos ou excêntricos. Se compararmos, num grupo de

sujeitos, os valores da sua Fmax avaliada em termos isométricos,

concêntricos e excêntricos, muito provavelmente, encontraremos

coeficientes de correlação entre estes três valores de Fmax, muito

próximos de r=0.90, o que nos levaria a dizer que a avaliação e o

Page 327: Metodologia Do Treino Desportivo

292 • Metodologia do treino desportivo I !

significado da Fmax em regime isométrico, concêntrico e excêntrico

seriam muito idênticos (Schmidtbleicher, 1985a; 1985b). Em termos

estritamente estatísticos esta conclusão afigura-se correcta, mas apenas

em termos estatísticos, o que equivale a dizer que em termos funcionais,

avaliar a Fmax em termos isométricos, concêntricos ou excêntricos,

comporta significados diferentes. Para melhor compreender este e outros

aspectos, consideremos a seguinte situação: um sujeito realiza um

movimento de extensão do cotovelo contra uma barra, na qual está

instalado um sensor de força que permite o seu registo contínuo. A

colocação de cargas em ambos os topos da barra permite graduar as

resistências a vencer pelo sujeito, através de acções musculares

concêntricas. A colocação de uma resistência inamovível, permitirá a

realização de uma acção isométrica, assim como a utilização de

resistências superiores ao máximo permitirá a realização de acções

musculares excêntricas (figura 55).

Figura 55. Representação esquemática do aparelho para avaliação da força muscular dos músculos extensores do cotovelo e curvas de força-tempo de acções isométricas e concêntricas realizadas contra diferentes resistências. A linha a tracejado representa a porção concêntrica da curva, enquanto que a linha a cheio representa a porção isométrica da curva, (adaptado de Schmidtbleicher, 1992).

Ao realizar um movimento de extensão do cotovelo contra uma

resistência muito leve (3.5 Kg) o sujeito até vencer esta carga, realizará

Page 328: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 293

uma acção isométrica (primeira seta do gráfico da figura 55) após o que,

ao equilibrar o valor da carga (3.5 Kg) esta será acelerada até ao final do

movimento de extensão. A partir de determinado momento, para

continuar o movimento de extensão do cotovelo o sujeito já não precisa

de produzir o mesmo valor de força, já que a inércia inicial foi vencida.

Se aumentarmos progressivamente o valor da resistência a vencer, p.e.,

10 e 25Kg, observar-se-á o mesmo comportamento atrás descrito. Se este

aumento progressivo da carga a vencer for feito de forma muito gradual,

atingiremos um valor de carga que o sujeito não será capaz de

movimentar, realizando apenas uma acção isométrica. A força registada

nesta última situação, representa o valor da Fmax do sujeito. Poderemos

assim dizer, que a acção isométrica não é mais do que um caso especial

da acção muscular concêntrica, em que a velocidade é zero

(Schmidtbleicher, 1992).

Se para além do registo da força produzida, avaliarmos também o tempo

do movimento, observaremos uma correlação negativa entre a Fmax e o

tempo do movimento. Esta correlação, aumentará de valores de r=-0.50

para cargas muito baixas (2-3 Kg) até r=-0.90 para cargas próximas do

máximo individual (Schmidtbleicher, 1992). Este comportamento fica a

dever-se, como já referimos anteriormente, ao facto da acção isométrica

voluntária máxima ser um caso especial das acções concêntricas e

também por outras razões que passaremos a analisar. Se a carga externa é

baixa a influência da Fmax diminui enquanto que o factor determinante é

a Taxa de Produção de Força (TPF), definida em termos quantitativos

como o declive da curva de força-tempo.

Como pode ser observado na figura 56, quando a carga a vencer é

pequena o impulso de aceleração depende essencialmente da TPF,

enquanto que com cargas de maior magnitude o impulso é determinado

mais pela Fmax que o sujeito pode produzir contra essa resistência. Se

Page 329: Metodologia Do Treino Desportivo

294 • Metodologia do treino desportivo I !

após uma acção muscular isométrica realizada contra uma resistência

inamovível, o sistema neuromuscular for sujeito a uma carga supra-

maximal que conduza a uma acção excêntrica do sistema, a curva de

força-tempo registará um incremento, que poderá ser de maior ou menor

dimensão, e estaremos, então, a avaliar a força excêntrica máxima (figura

57).

Para atingir a força isométrica máxima o sistema neuromuscular activará

o número de unidades motoras (UM) que o sistema nervoso for capaz de

mobilizar de forma voluntária, através dos mecanismos de recrutamento

e de frequência de activação de UM. A limitação fisiológica para

alcançar o valor de força mais elevado, pode ser de dupla natureza. Uma

limitação ao nível da quantidade de massa muscular ou uma incapacidade

nervosa para mobilizar toda a massa muscular disponível.

Figura 56. Curvas de Força-Tempo de acções concêntricas realizadas contra diferentes resistências. As áreas a tracejado representam o impulso de aceleração, (adaptado de Schmidtbleicher, 1992).

Se após alcançar a força isométrica máxima, i.e., o valor máximo

voluntário de força que o sistema é capaz de produzir face à massa

muscular disponível e à capacidade de activação nervosa, quando sujeito

a uma sobrecarga que condiciona uma acção muscular excêntrica à qual o

Page 330: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 295

indivíduo tem de resistir, este consegue produzir ainda mais força, o que

pode ser observado pelo incremento na curva de força-tempo, estaremos

então em presença de um importante factor de diagnóstico: o sistema não

teve capacidade de mobilizar/activar toda a massa muscular existente

através da acção isométrica voluntária máxima, mas ao ter de resistir

excentricamente, de forma não voluntária, houve capacidade para

produzir ainda mais força, o que significa que nem toda a massa

muscular terá sido anteriormente mobilizada. A avaliação da força

excêntrica máxima é assim um indicador da força absoluta, isto é, a força

produzida face à área da secção transversal do músculo (Schmidtbleicher,

1985a; 1985b).

A diferença entre a força excêntrica máxima e a força isométrica

máxima traduz assim uma indicação sobre a capacidade do sistema

neuromuscular activar toda a massa muscular de um determinado

grupo muscular, sendo assim um indicador da capacidade de activação

nervosa.

Esta diferença numérica (FExc - FIsom) traduz o Défice de Força

(DF), o qual pode variar entre 0 e 50% da força isométrica máxima

para os membros superiores e entre 0 e 25% para os membros

inferiores. Este conceito de DF constitui um importante critério para o

diagnóstico da capacidade de produção de força de um indivíduo num

determinado momento e sobretudo um indicador da natureza da

limitação, se nervosa se muscular.

Por outro lado, constitui também um importante factor para a

prescrição do treino da força, já que indicará ao técnico se a opção

deve ser feita por métodos que conduzam à hipertrofia muscular ou à

melhoria da activação nervosa (Schmidtbleicher, 1985a; 1985b; 1992).

Em síntese:

a Fmax é o valor mais elevado de força que o sistema

neuromuscular é capaz de produzir, independentemente do factor

tempo, e contra uma resistência inamovível.

Page 331: Metodologia Do Treino Desportivo

296 • Metodologia do treino desportivo I !

Apesar da Fmax se poder também expressar em termos

concêntricos, desde que se produza força o mais rapidamente possível,

só a magnitude da resistência exterior determina o valor máximo de

força que se pode atingir. Por esta razão, a Fmax deve ser avaliada em

regime isométrico.

A força excêntrica máxima constitui um indicador da força

absoluta, ou seja, da capacidade de produção de força face à área da

secção transversal do músculo.

Por esta razão, a força absoluta está directamente associada ao grau

de hipertrofia muscular, enquanto que a força isométrica máxima

reflecte a capacidade do sistema nervoso activar de forma voluntária a

massa muscular no sentido de atingir o valor mais elevado de força.

A diferença entre a força excêntrica máxima e a força isométrica

máxima, traduz o conceito de Défice de Força, o qual pode ser

definido como um indicador da capacidade momentânea do sistema

neuromuscular, em activar toda a massa muscular.

Por último, a Fmax deve ser entendida como uma forma de

manifestação da força que influencia todas as outras componentes e

por essa razão se encontra a um nível hierárquico superior.

0.500 1.000 1.500 2.000 2.500

segundos

200 Newtons

FIso Max FExc Max

F (N)

0

Page 332: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 297

Figura 57. Curva de Força-Tempo de um movimento de extensão dos membros inferiores. Até à linha vertical o sujeito realizou uma acção muscular isométrica, após o que uma carga supra-maximal foi aplicada, tendo o sujeito que resistir através de uma acção muscular excêntrica. A diferença entre o valor da força excêntrica máxima (FExcMax) e isométrica máxima (FIsoMax) traduz o conceito de Défice de Força (DF).

3.1.3. A força absoluta, relativa e limite

Os limiares de mobilização da força muscular podem ser deslocados sob

condições motivacionais e sob condições correspondentes de treino.

Deste modo, um praticante altamente treinado e altamente motivado

desenvolve níveis de força superiores em relação a um individuo forte

não treinado com niveis idênticos de massa muscular.

Poliquin e Patterson (1989) entendem por força limite o pico de força que

o sistema neuro-muscular é capaz de exercer numa única contracção

máxima. A força limite diferencia-se de todas as outras formas de

manifestação da força por ser considerada uma resposta instintiva a uma

situação de elevado risco, que envolva pouca ou nenhuma acção

voluntária. Existem ainda algumas definições de formas de manifestação

da força que estão intimamente relacionadas com o peso de um

indivíduo:

a força absoluta é o valor de força mais elevado que um atleta pode

produzir, independentemente do peso do corpo e do tempo de

desenvolvimento da força. O peso do corpo e a "performance" estão

intimamente correlacionados em atletas onde a força absoluta é uma

importante qualidade física. A força excêntrica máxima é um bom

indicador do nível de força absoluta; e,

a força relativa é o valor de força produzido por um atleta por

unidade de peso corporal. Elevados níveis de força relativa são

importantes em desportos em que os atletas têm de movimentar todo o

Page 333: Metodologia Do Treino Desportivo

298 • Metodologia do treino desportivo I !

seu peso corporal como é o caso dos saltos na Ginástica, e nos

desportos que envolvem classes de pesos tais quais o Judo e o Boxe.

3.1.4. A relação da força máxima com as outras manifestações de força

A força máxima é a componente básica da força muscular, está do ponto

de vista hierárquico num nível superior, o que significa em termos

práticos que, qualquer alteração dos níveis da força máxima

condicionam, por si só, alterações nos parâmetros da força rápida e da

força de resistência.

3.2. Força Rápida

3.2.1. Definição

Por Força Rápida devemos entender a capacidade do Sistema

Neuromuscular produzir o maior impulso (I=FxT) possível num

determinado período de tempo. Se considerearmos uma curva de força

em ordem ao tempo, o impulso traduz-se pela área delimitada pela curva

(ver figura 56).

Força Máxima

Força Rápida Força de Resistência

Figura 58. Componentes da força muscular e sua relação hierárquica

3.2.2. As componentes da força rápida

Para atingir a Fmax um atleta muito bem treinado necessitará de cerca de

500-600 ms se se tratar de um movimento de extensão dos membros

Page 334: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 299

superiores, enquanto que para uma acção de extensão dos membros

inferiores necessitará de 800-900 ms. Se pensarmos que o tempo de

contacto com o solo de um bom velocista é de cerca de 100 ms, ou que o

tempo de contacto para um saltador em comprimento ou triplo deve ser

inferior a 170 ms, ou por último que os tempos de contacto com o solo da

grande maioria dos deslocamentos realizados nos desportos colectivos se

situa entre os 250 e os 400 ms, com facilidade nos aperceberemos que em

muitos gestos desportivos o tempo para produzir força é muito limitado.

Por esta razão, na grande maioria dos gestos desportivos o parâmetro

mais importante não é o valor de força mais elevado mas sim a

velocidade com que a força muscular pode ser produzida.

Por força rápida, deve assim entender-se o melhor impulso que o sistema

neuromuscular é capaz de produzir num determinado período de tempo

(Schmidtbleicher, 1985a; 1985b; 1992). A análise da curva força-tempo é

a melhor forma de ilustrar os diferentes componentes da força rápida

(figura 59). Quando a resistência a vencer é muito pequena (inferior a

25% da Fmax) e o movimento a realizar pode considerar-se de natureza

balística, o factor predominante é a Taxa Inicial de Produção de Força

(TIPF), também denominada de Força Inicial (Schmidtbleicher, 1992).

Por Força Inicial entende-se a capacidade do sistema neuromuscular

acelerar o mais rapidamente possível desde o zero. Na curva força-tempo

representada na figura 59, a TIPF é o início do declive da curva. Esta

componente da Força Rápida é essencial em gestos desportivos nos quais

é requerida uma grande velocidade inicial, p.e., karate, esgrima, boxe,

etc.

À medida que a resistência a vencer vai aumentando, como por exemplo

em gestos desportivos como os lançamentos, a Taxa Máxima de

Produção de Força (TMPF), também designada por Força Explosiva,

assume preponderância. Para resistências superiores a 25% da Fmax, o

Page 335: Metodologia Do Treino Desportivo

300 • Metodologia do treino desportivo I !

valor da TMPF é sempre o mesmo, o que equivale a dizer, que a força

explosiva pode ser avaliada quer através de uma acção isométrica quer

através de uma acção concêntrica, desde que a resistência a vencer seja

superior a 25% da Fmax.

Tempo (ms)

Força (N)

4000

3000

2000

1000

0

200 400 600 800 1000

Fmax

Figura 59. Curva isométrica de Força-Tempo e componentes da força Rápida: Força Inicial e Força Explosiva. A seta indica o momento (250 ms) até onde a Taxa Inicial de Produção de Força (TIPF), ou Força Inicial e a Taxa Máxima de Produção de Força (TMPF), ou Força Explosiva assumem papel preponderante.

Até aqui temos vindo a considerar apenas acções isométricas ou

concêntricas, contudo a grande maioria dos gestos desportivos envolve a

realização de ciclos musculares de alongamento-encurtamento (CMAE),

pelo que a última componente da Força Rápida é a Força Reactiva.

Figura 60. Na locomoção humana (marcha, corrida, salto) os músculos extensores dos membros inferiores são periodicamente sujeitos a um ciclo muscular de alongamento encurtamento, que se assemelha ao rodar de um cubo.

Page 336: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 301

A Força Reactiva é uma forma de manifestação da força relativamente

independente das outras componentes da força, quer isto dizer, que, p.e.,

se relacionarmos a influência dos niveis de Fmax na "performance" do

CMAE (figura 61), não será de estranhar que encontremos valores de

correlação muito baixos. Esta observação traduz a já referida

independência entre o funcionamento muscular em CMAE e as acções

isométricas e concêntricas. A produção de força em CMAE está

dependente da interacção de vários mecanismos que se completam e

potenciam. Assim, antes do contacto com o solo, os músculos agonistas

do movimento são pré-activados, como resultado de um processo de pré-

programação do Sistema Nervoso Central (Dietz et al., 1981) (momentos

a e b na figura 61). Este nível de pré-activação ao permitir a ligação de

algumas pontes cruzadas entre as proteínas contrácteis, vai ser

responsável pelo nível inicial de stiffness muscular, o qual será o

primeiro factor para resistir de forma activa ao rápido e forte

alongamento do complexo músculo-tendinoso durante o período inicial

de contacto com o solo (momento b da figura 61).

0-100 40 120 T (ms)

a

b c d

Pre AR ARet

Fz

Gon

EMG

Page 337: Metodologia Do Treino Desportivo

302 • Metodologia do treino desportivo I !

Figura 61. Representação de um exercício (salto em profundidade) que envolve um ciclo muscular de alongamento-encurtamento, e respectiva curva de força, de deslocamento angular do joelho e electromiograma do músculo vasto interno.

A partir de determinado momento, a tensão muscular será tão grande que

se torna necessário um forte "input" nervoso para equilibrar o sistema

(momentos b - c da figura x). A ocorrência deste "input" nervoso de

natureza reflexa, vai permitir que a maior parte da energia elástica possa

ser armazenada nos tendões dos músculos extensores da perna (Gollhofer

et al., 1992). Este conjunto de mecanismos permitirá na fase propulsiva

(fase concêntrica) uma utilização desta energia elástica, que se traduzirá

numa potenciação da força e numa baixa activação nervosa (Gollhofer et

al., 1992) (momentos c - d na figura 61).

A "performance" do CMAE está assim, essencialmente associada à

qualidade dos mecanismos de regulação neurais (Dietz et al., 1981;

Gollhofer et al., 1992; Komi, 1984; Schmidtbleicher, 1992) e ao estado

de treino/adaptação do complexo músculo-tendinoso relativamente ao

seu potencial contráctil e elástico (Dietz et al., 1981; Gollhofer et al.,

1992; Komi, 1984; Schmidtbleicher, 1992).

SISTEMA

NERVOSO

SISTEMA

MUSCULAR

COMPONENTES

Tipo de FibrasSecção

Transversal

FORÇA REACTIVA

ElasticidadeMúsculo

Tendinosa

Pré-TensãoCapacidade de

AbsorçãoCapacidadePropulsiva

Pré-Activação

ActivaçãoReflexa

Inibição

Menos Actv.F. Concêntrica

Figura 62. Representação esquemática da análise estrutural da força, para acções musculares que envolvam o Ciclo Muscular de Alongamento - Encurtamento. As

Page 338: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 303

linhas mais carregadas traduzem uma influência maior de uma estrutura sobre a outra.

A duração do tempo de contacto com o solo permite distinguir entre dois

tipos de CMAE.

O CMAE do tipo longo é caracterizado por um grande

deslocamento angular das articulações coxo-femoral, do joelho e tibio-

társica e por uma duração total superior a 250 ms. Como exemplos de

gestos desportivos nos quais estão envolvidos CMAE deste tipo,

poderemos referir o salto para o lançamento no basquetebol, o salto de

bloco no voleibol e os deslocamentos laterais da maior parte dos

desportos colectivos.

Ao invés, o CMAE do tipo curto caracteriza-se por um

deslocamento angular das referidas articulações muito reduzido e com

uma duração total entre 100-200 ms. A chamada para o salto em

comprimento, triplo-salto e salto em altura, constituem os exemplos

mais significativos deste tipo de CMAE.

A figura 62 ilustra de forma esquemática as relações de dependência

entre a produção de força em CMAE e os principais factores nervosos e

musculares que regulam este tipo de funcionamento muscular.

3.2.3. As relações entre Força Máxima e Força Rápida

A figura 63 sintetiza as relações de dependência entre as diferentes

formas de manifestação da força (para acções musculares concêntricas e

isométricas) e os principais factores nervosos (recrutamento e frequência

de activação) e musculares (composição muscular e grau de hipertrofia)

que estão associados. Em síntese:

a Fmax e a Força Rápida não são entidades distintas e comportam

uma relação hierárquica entre elas. A Fmax é a componente básica e

Page 339: Metodologia Do Treino Desportivo

304 • Metodologia do treino desportivo I !

fundamental, influenciando a produção de força rápida,

particularmente em acções isométricas e concêntricas.

A TPF é determinada pela capacidade do sistema nervoso aumentar

o recrutamento e a frequência de activação das unidades motoras, bem

como pelas características contrácteis das respectivas fibras

musculares.

SISTEMA

NERVOSO

SISTEMA

MUSCULAR

COMPONENTES

Recrutamento F. Activação

Tipo de FibrasSecção

Transversal

F.Absoluta F.Máxima TMPF TIPF

FORÇA RÁPIDA

Figura 63. Representação esquemática da análise estrutural da força, para acções musculares concêntricas e isométricas. As linhas mais carregadas traduzem uma influência maior de uma estrutura sobre a outra. TMPF = Taxa Máxima de Produção de Força; TIPF = Taxa Inicial de Produção de Força.

Para resistências muito baixas a TIPF constitui o factor mais

importante, com o aumento progressivo da carga a TMPF constitui o

elemento predominante, até a Fmax assumir a liderança do processo,

nas situações em que as resistências a vencer são muito elevadas.

A participação relativa da TIPF, TMPF e Fmax pode também ser

caracterizada face à duração do movimento. Assim, para movimentos

inferiores a 250 ms a TIPF e a TMPF são os factores predominantes,

enquanto que a Fmax desempenha um papel mais importante em

movimentos com duração superior a 250 ms.

A produção de força em CMAE é relativamente independente da

Fmax, sendo a sua correlação muito baixa. A qualidade do padrão de

Page 340: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 305

inervação parece ser o critério fundamental para determinar a

"performance" muscular do CMAE.

3.3. Força de Resistência

Representa uma capacidade mista de força e resistência. Manifesta-se na

possibilidade de realizar esforços de força em actividades de média e longa

duração, resistindo à fadiga e mantendo o funcionamento muscular em

níveis elevados.

O nível de força máxima exerce uma influência positiva na força de

resistência. Consideremos o seguinte exemplo. Se a uma determinada

velocidade um remador necessita de realizar em termos médios cerca de

500N de força por remada e possui nesse movimento um nível de força

máxima de 1000N, então o remador estará a trabalhar a 50% do seu máximo

em cada remada realizada. Se o nível de força máxima do atleta fosse

apenas de 750N, então o remador teria de trabalhar a cerca de 67% do seu

máximo, atingindo mais precocemente a fadiga.

Um exemplo semelhante acerca da importância que os níveis de força

máxima exercem sobre a força de resistência, pode ser visto se observarmos

a relação inversa entre a carga de 1RM e o número máximo de repetições

que um sujeito é capaz de realizar com uma determinada percentagem desse

máximo.

Tomando como referência os dados da figura x, um sujeito com um valor

máximo de 100kg no supino, será capaz de realizar cerca de 6 a 7 repetições

com uma carga de 75kg (i.e., 75% do máximo). Contudo, se o seu máximo

for aumentado para 150kg uma carga de 75kg representará apenas 50% do

máximo e ele será capaz de realizar 12 a 13 repetições. Assim, com um

aumento de apenas 50% no valor de 1RM (100 para 150kg) o aumento na

força de resistência foi de 100% (6 para 12 repetições).

Page 341: Metodologia Do Treino Desportivo

306 • Metodologia do treino desportivo I !

Para além das acções musculares concêntricas e isométricas, a força de

resistência pode também exercer um papel importante nas acções

musculares em ciclo muscular de alongamento-encurtamento (CMAE). A

componente da força muscular que intervém com relevância na

"performance", p.e., de atletas corredores de fundo é o CMAE. Durante a

corrida os músculos extensores dos membros inferiores são sujeitos a

milhares de impactos com o solo que resultam num funcionamento

muscular em CMAE.

0 2 4 6 8 10 12 1450

55

60

65

70

75

80

85

90

95

100

% Máximo

Nº repetições Figura 64. Relação entre o número de repetições e a carga (McDonagh e Davies, 1984).

4. Os Métodos de Treino

A mesma diversidade terminológica que salientámos a propósito da

classificação das diferentes formas de manifestação da força, está patente na

tradicional classificação dos métodos de treino. As classificações mais comuns

baseiam-se na carga utilizada e outras utilizam a denominação da modalidade

desportiva que mais os utilizam (método do halterofilista, método do culturista,

etc.). Este tipo de classificação tem conduzido muitas vezes a uma generalizada

Page 342: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 307

imprecisão entre o nome do método, o objectivo que se pretende atingir e o

verdadeiro resultado obtido. A título de exemplo, refira-se a convicção

generalizada de que o Método da Força Máxima conduz ao aumento da força

máxima, o que na realidade não acontece. A Fmax incrementa-se com a

utilização de cargas sub-máximas, possibilitando a realização de um número

suficiente de repetições que induza um estímulo de longa duração, que conduza

à deplecção energética. Só uma organização da carga deste tipo pode conduzir à

hipertrofia, a adaptação muscular que permite alcançar níveis mais elevados de

Fmax. Como este exemplo, poderíamos referir outros que reflectem um

conjunto de convicções que se generalizaram na prática do treino da força, mas

que correspondem a imprecisões que podem tornar-se gravosas.

Uma outra dificuldade advém do facto de muitas vezes se considerar, que o

treino da força apenas faz apelo a alterações a nível da actividade enzimática no

seio das fibras musculares, o que em última análise conduz à hipertrofia

muscular. Com base nesta convicção, muitos atletas são desaconselhados de se

envolverem em processos de treino da força, sob o argumento de que isso

implica forçosamente um aumento da massa muscular e, logo, do peso, o que

seria prejudicial para a realização de acções musculares explosivas. Convém a

este propósito salientar que qualquer incremento na Fmax implica sempre uma

alteração na força relativa (força por quilograma de peso corporal) e por isso

uma adaptação positiva na potência muscular.

Os resultados da investigação científica fundamental sobre a fisiologia

muscular, em conjunto com as observações da investigação mais aplicada,

permitem um agrupamento das formas de trabalho mais utilizadas no treino da

força em redor das suas características principais e sobretudo face ao tipo de

adaptações a que conduzem. Na nossa opinião, foi Schmidtbleicher

(Schmidtbleicher, 1985a; 1985b; 1992) quem melhor conseguiu construir uma

classificação para os métodos de treino da força, reunindo em quatro grandes

conjuntos os principais tipos de organização da carga, tipos de acção muscular

Page 343: Metodologia Do Treino Desportivo

308 • Metodologia do treino desportivo I !

e sobretudo fazendo coincidir claramente o nome do método com a adaptação,

muscular ou nervosa, a que conduzem.

Os métodos de treino da força devem especificar os seguintes aspectos:

Tipo de trabalho muscular:

concêntrico

excêntrico

isométrico

Modo de aplicação da força:

explosivo

moderado

lento

Características da dinâmica da carga

intensidade da carga (% em relação à carga máxima)

número de repetições

número de séries

duração dos intervalos

4.1. Os Métodos da Hipertrofia Muscular

Os Métodos da Hipertrofia Muscular também designados por Métodos Sub-

Máximos, têm como objectivo incrementar a força máxima (Fmax), através

do aumento da massa muscular, i.e., hipertrofiando o músculo. Sob esta

classificação podemos encontrar diferentes sub-métodos com diversas

variantes ao nível do arranjo da dinâmica da carga, mas com uma filosofia

base comum:

induzir a fadiga, através de um estímulo sub-máximo e de longa

duração para que ocorra uma determinada deplecção energética e

consequentemente se estimulem os fenómenos de resíntese para a prazo

se poder observar aumento da área da secção transversal do músculo.

Page 344: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 309

A dinâmica da carga para esta grande família de métodos caracteriza-se por

uma intensidade entre 60 - 80% do máximo isométrico individual, e um

elevado número de séries (3 a 5) e de repetições (6 a 20). O ritmo de

execução deve ser moderado para permitir que o estímulo tenha duração

suficiente. É comum que nas últimas repetições da última série seja

necessário alguma assistência para que o atleta consiga realizar o

movimento, face à fadiga que entretanto se terá instalado.

Tabela 2. Métodos da Hipertrofia Muscular

Método da Método Método do Método do Método da Carga da Carga Culturista Culturista Isocinético Constante Progressiva (extensivo) (intensivo)

Acção Muscular Concêntrica * * * * * Excêntrica * Intensidade (%) 80 70, 80, 85, 90 60 - 70 85 - 95 70 Repetições 8 - 10 12, 10, 7, 5 15 - 20 8 - 5 15 Séries 3 - 5 1, 2, 3, 4 3 - 5 3 - 5 3 Intervalo (min) 3 2 2 3 3 Adaptado de Schmidtbleicher, 1992

A tabela 2 sumaria os principais métodos para o desenvolvimento da

hipertrofia muscular, a saber:

4.1.1. Método da Carga Constante

Com uma carga equivalente a 80% do máximo individual (1RM), devem

realizar-se 3 a 5 séries com 8 a 10 repetições cada e um intervalo de 3

minutos entre cada série. 4.1.2. Método da Carga Progressiva

Page 345: Metodologia Do Treino Desportivo

310 • Metodologia do treino desportivo I !

Com um incremento progressivo entre séries (70 - 80 - 85 - 90%), o

número de repetições baixará da primeira até à última série (12, 10, 7, 5).

O intervalo de repouso entre séries é de 2 minutos. Se as últimas

repetições oferecerem grande dificuldade é comum ser necessário

recorrer à ajuda de um companheiro para suavemente assistir na

realização destas últimas repetições. 4.1.3. Método do Culturista (extensivo)

Como o próprio nome sugere, é um dos métodos mais utilizados pelos

culturistas, os atletas que levam ao extremo a hipertrofia do músculo.

Apesar dos objectivos do treino do culturista não poderem ser

comparados com o que um atleta de qualquer outra modalidade espera de

um processo de treino da força, o tipo de organização da carga dos

métodos sub-máximos receberam bastante influência do tipo de treino

dos culturistas. Neste método a carga a utilizar varia entre 60 a 70% do

máximo individual e o número de repetições entre 15 e 20. O número de

séries varia entre 3 e 5 e o respectivo intervalo de repouso é de 2

minutos. 4.1.4. Método do Culturista (intensivo)

Utilizado também com frequência pelos culturistas, este método utiliza

cargas mais elevadas, entre 85 a 95% do máximo individual e um número

de repetições naturalmente mais reduzido (entre 5 e 8). O intervalo de

repouso entre as séries é de 3 minutos. Por utilizar uma intensidade mais

elevada o aumento da massa muscular consegue-se mais por uma

hipertrofia das fibras rápidas do que das fibras lentas.

4.1.5. Método “isocinético”

Este tipo de trabalho de força requer a utilização de equipamento que

permita uma resistência acomodativa e uma velocidade de deslocamento

exterior também constante. Ao promover uma resistência variável

durante o deslocamento angular, este tipo de equipamento solicita do

Page 346: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 311

músculo uma activação máxima durante todos os graus angulares, sendo

este um aspecto importante para ser considerado um bom método para

aumentar a massa muscular. À excepção de modalidades em que o tipo

de movimento competitivo se assemelha a algo que poderíamos designar

de “quase-isocinético” como por exemplo a natação, o remo, a

canoagem, nos quais é justificável a integração de treino isocinético no

âmbito do trabalho específico de força, este tipo de estimulação muscular

deve ser restringido, no caso de actividades de potência, às fases de

preparação iniciais.

Em todos estes métodos, a velocidade de execução dos movimentos diminui

da primeira para a última repetição e da primeira para a última série. Por

esta razão, o estímulo caracteriza-se por ser longo, contínuo e sub-máximo.

Para que os ganhos de força e de massa muscular sejam os maiores

possíveis, em cada microciclo é determinante que o máximo individual seja

reaferido. Se este procedimento não for seguido, o princípio mais

importante do treino da força - o princípio da sobrecarga - não está a ser

cumprido e o atleta está a utilizar, eventualmente, uma carga inferior às suas

reais possibilidades. É preciso não esquecer que, sobretudo em atletas

iniciados, os ganhos de força são mensuráveis logo após as primeiras

sessões de treino, o que reforça a necessidade de reaferir os valores de 1RM

frequentemente. Outro requisito importante para evitar a estagnação,

consiste na mudança de método (dentro do tipo de métodos escolhido para o

período em causa) ou pelo menos na variação da organização da carga ao

fim de 2/3 microciclos se considerarmos quatro sessões semanais de treino

de força. Com esta frequência semanal, os maiores efeitos deste tipo de

métodos poderão ser alcançados ao fim de 10-12 semanas. Este duração só

tem um interesse científico, já que, como salientámos, não se poderá nunca

submeter um atleta ao mesmo método de treino durante 10 ou 12 semanas.

A avaliação dos ganhos de força deve acompanhar o processo de treino.

Como já salientámos, quando nos referimos à Fmax estamos a referirmo-nos

Page 347: Metodologia Do Treino Desportivo

312 • Metodologia do treino desportivo I !

à força isométrica máxima, já que, como também verificámos, só em regime

isométrico se pode aceder a uma contracção voluntária máxima (CVM).

Esta avaliação da força isométrica permitirá a obtenção de uma curva de

força-tempo, na qual será também possível determinar outros parâmetros da

curva força-tempo que não apenas a Fmax.

Fmax

Tempo (ms)

Força (N)

4000

3000

2000

1000

0

200 400 600 800 1000

a

b

Figura 65. Curvas de força tempo de um movimento isométrico de extensão do joelho. A curva "a" representa o momento inicial e a curva "b" representa o momento após 8 semanas de treino com métodos sub-máximos.

Na figura 65 é possível observar o tipo de alterações que o treino com

métodos sub-máximos induz no sistema neuromuscular e que pode ser

observado através de uma curva de força-tempo. O nível máximo de força

aumentou claramente do primeiro para o segundo momento de avaliação,

enquanto que a taxa de produção de força não registou alterações muito

significativas. Apesar de ser este o procedimento ajustado para monitorizar

os ganhos de força máxima, não está acessível ao nível da prática do treino.

Para prescrever a intensidade da carga, bem como para determinar o

máximo individual, o procedimento expedito é o recurso ao teste de 1RM -

o valor da carga com que o atleta consegue realizar uma única repetição. Por

se tratar de um procedimento de terreno e de fácil aplicação, enfatiza-se a

necessidade de o utilizar com a frequência necessária para reavaliar

continuamente o máximo individual.

Page 348: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 313

Salientámos já anteriormente a necessidade de incluir, nos procedimentos de

avaliação e controlo, para além da avaliação do máximo individual, um

indicador da capacidade momentânea de activação da massa muscular. Este

indicador é o Défice de Força (DF), mas os instrumentos para a sua

determinação também não estão à disposição, tal como para a Fmax, nos

locais de treino habituais. Sem significar um teste de substituição, rigoroso e

eficaz, Schmidtbleicher (1992) sugeriu que o número de repetições que um

atleta é capaz de realizar 90% de 1RM, constitui um indicador da magnitude

do DF desse atleta. Entre 1 e 3 repetições considera-se um indicador de que

o DF é pequeno, enquanto que mais do que 3 repetições sugere um grande

défice. Deste modo, na prática do treino os procedimentos de avaliação e

controlo devem ser: (1) o teste de 1RM, para estimar a Fmax individual e

(2) o número de repetições realizáveis com 90% de 1RM, como indicador

grosseiro do DF individual. Estes procedimentos permitirão a selecção

ajustada das cargas (% do máximo individual), bem como a selecção

momentânea do tipo de métodos a utilizar (métodos hipertróficos ou

nervosos).

Se quisermos monitorizar os ganhos de massa muscular, o procedimento

mais rigoroso, apesar do seu difícil acesso, é a tomografia computorizada.

Esta técnica de imagem permite obter, em corte, a secção transversal de um

segmento corporal, possibilitando a determinação do diâmetro delimitado

pela massa muscular de determinado músculo. O procedimento mais

expedito, apesar da magnitude do erro que lhe está associado, consiste na

utilização das técnicas antropométricas clássicas. Os perímetros musculares,

acompanhados da respectiva correcção para a camada adiposa subcutânea,

constituem o procedimento de terreno mais ao alcance do técnico desportivo

e podem fornecer indicações sobre os ganhos de massa muscular.

4.2. Os Métodos da Taxa de Produção de Força

Os Métodos da Taxa de Produção de Força, também designados de Métodos

Máximos, têm como objectivo incrementar a taxa de produção de força

Page 349: Metodologia Do Treino Desportivo

314 • Metodologia do treino desportivo I !

(TPF) ou força explosiva, através do aumento da capacidade de activação

nervosa. Por aumento da capacidade de activação nervosa, devemos

entender todo o conjunto de mecanismos neurais, já revistos no início deste

capítulo, que podem contribuir para aumentar a capacidade do músculo

produzir força, nomeadamente o recrutamento, a frequência de activação e a

sincronização de activação das unidades motoras (UM).

Se as UM que têm a capacidade de produção de força mais elevada, são as

UM das fibras tipo II (vulgarmente designadas de fibras rápidas), de acordo

com o Princípio do Recrutamento das UM, estas só serão recrutadas se a

resistência a vencer for suficientemente grande para que o seu limiar de

recrutamento seja atingido. Por esta razão, para mobilizar as fibras rápidas,

é necessário vencer resistências muito próximas do máximo individual, pois

só assim se garante o recrutamento dessas fibras. Complementarmente, para

solicitar o aumento da frequência de activação das UM, i.e., o número de

estímulos por unidade de tempo, é crucial que a acção muscular seja

realizada de forma explosiva, i.e., com uma grande velocidade de

contracção muscular.

A observância destes dois pressupostos fundamentais conduz a que a

organização da carga deste tipo de métodos se caracterize por:

cargas muito elevadas; e,

acção muscular explosiva.

Só desta forma se garante que em cada repetição se tentem mobilizar todas

as UM de um determinado grupo muscular, bem como aumentar a

frequência dos disparos. Em conjunto e sobre o tempo, estes dois

mecanismos poderão conduzir a uma certa sincronização dos disparos das

diferentes UM, constituindo este (sincronização) o terceiro grande

mecanismo nervoso de incremento da produção de força.

Um dos aspectos determinantes do êxito deste tipo de métodos, prende-se

com a necessidade de distinguir entre velocidade de acção ou de contracção

Page 350: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 315

muscular e velocidade de movimento. Naturalmente que com resistências

muito próximas do máximo, não é possível realizar movimentos com a barra

de musculação a grande velocidade, contudo, é possível acelerar contra a

barra à máxima velocidade de contracção, apesar do movimento observável

da barra ser naturalmente baixo. Este aspecto é de capital importância pois

só assim se poderá garantir que em cada repetição ao sistema neuromuscular

foi solicitado uma maior frequência de activação das UM. Se este

procedimento e esta explicação, naturalmente em termos simplificados, não

for dada aos técnicos e atletas, a utilização deste tipo de métodos não

induzirá benefícios significativos ao nível da força explosiva.

Tabela 3. Métodos da Taxa de Produção de Força

Método Método Método Método Quase Concêntrico Excêntrico Conc/Exc Máximo Máximo Máximo Máximo Acção Muscular Concêntrica * * * Excêntrica * * Intensidade (%) 90,95,97,100 100 150 70 - 90 Repetições 3,1,1,1+1 1 5 6 - 8 Séries 1,2,3,4+5 5 3 3 - 5 Intervalo (min) 3 - 5 3 - 5 3 5 Adaptado de Schmidtbleicher, 1992

A tabela 3 sumaria os principais Métodos da Taxa de Produção de Força ou

Métodos Máximos, a saber:

4.2.1. Método Quase Máximo

Page 351: Metodologia Do Treino Desportivo

316 • Metodologia do treino desportivo I !

Neste método são possíveis duas variantes. A utilização de uma pirâmide

em que a intensidade da carga vai aumentando progressivamente ao

longo das séries (90, 95, 97 e 100%), com a realização de 3 repetições na

primeira série e apenas 1 repetição nas restantes 3 séries. No final das

quatro séries é realizada uma repetição extra com o objectivo de reavaliar

o máximo individual (1RM). A segunda variante consiste na utilização de

uma carga constante (90%), para a realização de 3 séries de 3 repetições.

Em todos estes métodos o intervalo de repouso deve ser de 3 a 5 minutos

para o grupo muscular que foi trabalhado. Poder-se-á iniciar uma outra

série antes deste período de tempo desde que para solicitar outro grupo

muscular.

4.2.2. Método Concêntrico Máximo

Originalmente concebido e introduzido pela escola halterofilista búlgara,

este método só deve ser utilizado por atletas excepcionalmente bem

preparados ao nível das suas capacidades de produção de força. Em cada

sessão faz-se continuamente (5 séries) uma tentativa (1 repetição) de

aumentar o máximo individual (1 RM). É um método muito utilizado

pelos halterofilistas, em períodos próximos das competições, já que em

cada sessão de treino se tenta ultrapassar a melhor "performance" do

atleta.

4.2.3. Método Excêntrico Máximo

Neste método a carga utilizada dever ser sempre superior ao máximo

individual (100 %), pois só uma carga dessa grandeza constitui estímulo

de treino para o caso das acções musculares excêntricas. O valor desta

carga não deve, contudo ultrapassar 150%. Os exercícios de treino

podem ser realizados com o auxílio de equipamentos apropriados ou, na

falta destes, os colegas podem elevar as cargas, realizando a parte

concêntrica do movimento. O número total de séries pode atingir as 3

Page 352: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 317

com 5 repetições em cada, com um intervalo de repouso entre séries de 3

minutos.

4.2.4. Método Concêntrico Excêntrico Máximo

A lógica de utilização deste método baseia-se na dupla vantagem da

acção concêntrica para o desenvolvimento da TPF e na superioridade da

carga excêntrica para activar o sistema neuromuscular. Assim, na fase

excêntrica do movimento a resistência (barra e pesos) deve ser

desacelerada de forma semelhante a uma queda brusca, para depois, sem

qualquer paragem, ser de novo acelerada na fase concêntrica do

movimento, no menor período de tempo possível. As cargas a utilizar

devem ser um pouco mais reduzidas do que as referidas para os métodos

anteriores. Como referência, cargas entre 70 e 90% do máximo

individual são apropriadas para este tipo de trabalho. O número de séries

pode variar entre 3 e 5 com 6-8 repetições por série. Face ao maior

número de repetições, é aconselhável um intervalo de repouso de 5

minutos.

Em síntese, todos estes métodos, têm por objectivo aumentar a taxa de

produção de força (ou força explosiva), promovendo adaptações de natureza

nervosa - aumento do recrutamento e frequência de activação das UM - e

com alterações mínimas na massa muscular. Todos estes métodos requerem

a utilização de cargas muito elevadas (90-100% de 1RM), reduzido número

de repetições (1-5), número de séries entre 3 e 5 e um amplo intervalo de

repouso (3-5 min). Um dos factores críticos para o êxito da utilização destes

métodos, reside na necessidade de realizar os exercícios com a máxima

velocidade de contracção possível. A opção por este tipo de métodos requer

que se determine ou, se não for possível, que se estime o Défice de Força

(DF) do atleta em causa. Um grande DF, o que traduz uma incapacidade de

activar toda a massa muscular existente, sugere a necessidade de se optar

por métodos de treino da força que conduzam a adaptações de carácter

nervoso, ou seja, os Métodos da Taxa de Produção de Força ou Métodos

Page 353: Metodologia Do Treino Desportivo

318 • Metodologia do treino desportivo I !

Máximos. Os maiores ganhos, para uma frequência semanal de quatro

sessões semanais, podem ser alcançados ao fim de 6-8 semanas.

A figura 66 representa o tipo de adaptações, a que os métodos máximos

conduzem, observáveis através da curva de força-tempo. A curva (a)

representa o momento inicial e a curva (b) representa as alterações após 8

semanas de treino. Os ganhos mais significativos são visíveis no aumento da

taxa de produção de força (TPF) - definida pelo declive da curva de força-

tempo -, no tempo para atingir determinados níveis (em escala relativa e

absoluta) da Fmax. Os valores da Fmax regista apenas pequenas alterações

positivas.

Evidências acerca dos mecanismos nervosos que tenham contribuindo para

este tipo de adaptações, podem ser obtidas através de registos

electromiográficos (EMG) que apesar das suas limitações constituem o meio

indirecto de aceder às modificações ocorridas no padrão de inervação. O

IEMG tem sido o parâmetro electromiográfico mais utilizado para

monitorizar alterações da magnitude da activação nervosa.

Fmax

Tempo (ms)

Força (N)

4000

3000

2000

1000

0

200 400 600 800 1000

TPF

a

b

Figura 66. Curvas de força tempo de um movimento isométrico de extensão do joelho. A curva "a" representa o momento inicial e a curva b representa o momento após 8 semanas de treino com métodos máximos.

A figura 67 ilustra o tipo de registo EMG associado à respectiva curva de

força-tempo. O IEMG - definido quantitativamente como a área delimitada

pela curva EMG - só permite diagnosticar a ocorrência de um aumento do

Page 354: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 319

"input" nervoso que activou o músculo, não permitindo identificar se esse

incremento de activação se ficou a dever mais a (1) um aumento do

recrutamento, ou a (2) um aumento da frequência de activação, ou a (3) uma

melhoria da sincronização das unidades motoras. Contudo, o estudo do

declive da curva EMG nos momentos iniciais da contracção muscular, pode

fornecer alguma indicação sobre a velocidade dos processos de inervação.

A utilização de parâmetros caracterizadores do espectro de frequências do

sinal EMG pode fornecer alguma indicação mais detalhada sobre o

funcionamento do mecanismo do recrutamento. A utilização dos parâmetros

do espectro de frequências (média e mediana da frequência) no diagnóstico

de alterações no recrutamento de UM, requer a observância de duas

premissas básicas: a relação entre a média e a mediana da frequência e a

velocidade de condução das fibras e a verificação através de EMG que as

fibras musculares das UM de maiores dimensões apresentam maior

velocidade de condução, o que está de acordo com a relação entre o

diâmetro da fibra e a velocidade de condução dos potenciais na sua

membrana.

0.000 0.500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000

segundos

0

2000

4000

6000

New

tons

Fo

rça

iso

tric

a

0.00

0.05

0.10

0.15

0.20

0.25

0.30

mV

Va

sto

in

tern

o

Figura 67. Curvas de Força-Tempo de um movimento isométrico de extensão dos membros inferiores e registos electromiográficos rectificados do músculo vasto interno

Assim, um aumento do valor inicial da média e mediana da frequência, com

o aumento do nível de contracção, pode ser atribuído ao recrutamento

Page 355: Metodologia Do Treino Desportivo

320 • Metodologia do treino desportivo I !

progressivo de UM constituídas por maiores fibras, as quais apresentam

maior velocidade de condução.

Moritani et al., 1987 (cit. Moritani, 1993) sugeriram que a utilização de

correlações cruzadas entre os registos EMG de, p.e., duas porções do

mesmo músculo puderiam fornecer alguma evidência acerca da possível

sincronização de disparo de diferentes UM. Após um período de treino, a

comparação entre os valores da correlação cruzada entre a curta e a longa

porção do músculo bicípete braquial, sugeriu que o disparo das UM poderá

ter ocorrido de forma mais sincronizada, já que os valores do coeficiente de

correlação passou de r=0.402 para r=0.913.

Assim, e por último, esta poderá ser uma outra forma de através do EMG

identificar o tipo de alteração de carácter neural que possa ter ocorrido após

a utilização de Métodos Máximos e talvez, contribuir para explicar os

mecanismos dos incrementos na TPF.

4.3. Os métodos mistos

Os Métodos Mistos são uma tentativa de integrar num mesmo método os

princípios básicos dos dois tipos de métodos que temos vindo a analisar. O

objectivo é incluir numa mesma sessão de trabalho o treino da hipertrofia e

da activação nervosa, ou seja, conciliar a força máxima com a taxa de

produção de força.

A carga tem uma organização baseada numa pirâmide de intensidade e de

repetições. Consideremos um exemplo: na primeira série utiliza-se uma

carga de 70% para 8 repetições. Na segunda e terceira séries a intensidade

aumenta para 80 e 90% e as repetições reduzem-se para 5 e 3,

respectivamente. Na quarta série atinge-se a intensidade máxima (100%) e

realiza-se apenas 1 ou 2 repetições. Nas séries seguintes, procede-se à

diminuição da intensidade da carga e aumento progressivo do número de

Page 356: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 321

repetições, com o mesmo racional das séries anteriores, mas agora com a

lógica inversa.

Ainda que a ideia possa parecer atraente, é necessário estar atento para as

desvantagens de organizar a carga desta forma. Ao utilizar nas duas

primeiras séries a filosofia dos métodos da hipertrofia muscular, quando se

realizarem as séries com carga mais elevada já o sistema neuromuscular

poderá apresentar fadiga nervosa, o que não permitirá obter os resultados

esperados. Se se optar pela situação inversa, iniciar a pirâmide pelas séries

com carga mais intensa, ao chegar às séries da hipertrofia é admissível que

as concentrações de lactato intramuscular sejam consideráveis, o que

constitui uma desvantagem para as adaptações do sistema nervoso.

Se considerarmos um mesmo período de tempo, a utilização de dois sub-

períodos, um para os Métodos Sub-Máximos seguido de outro para os

Métodos Máximos, os resultados serão superiores aos obtidos apenas com a

utilização de Métodos Mistos (Schmidtbleicher, 1992).

4.4. Os métodos reactivos

Os Métodos Reactivos visam potenciar o ciclo muscular de alongamento-

encurtamento (CMAE).Esta forma natural de funcionamento muscular é

relativamente independente das outras formas de manifestação da força e

portanto, requer métodos próprios para o seu desenvolvimento. Estes

métodos dirigem-se essencialmente à melhoria do padrão de inervação dos

músculos envolvidos. Esta melhoria, tal como tem vindo a ser salientado ao

longo desta revisão, caracteriza-se por: (1) aumento da amplitude da fase de

pré-activação nervosa e melhoria da precisão do seu "timing", para melhor

preparar o complexo músculo-tendinoso para o forte e rápido alongamento a

que vai ser sujeito após o contacto com o solo; (2) potente activação

nervosa, de origem reflexa, durante a fase excêntrica, no sentido de

contribuir para a regulação do stiffness muscular e dessa forma permitir

Page 357: Metodologia Do Treino Desportivo

322 • Metodologia do treino desportivo I !

armazenar energia elástica no complexo músculo-tendinoso a qual possa vir

a contribuir para potenciar a fase concêntrica e (3) redução da activação

nervosa durante esta mesma fase.

Para que este tipo de adaptações nervosas ocorram como resultado do treino

com métodos reactivos, é fundamental observarem-se algumas regras, que

podemos considerar gerais, no desempenho técnico dos exercícios.

A primeira e mais importante regra diz respeito à necessidade de

realizar todo o trabalho reactivo à intensidade máxima, o que significa

dizer que quando realizamos, p.e., um multissalto ou um salto de

barreiras o objectivo deverá ser sempre saltar mais longe e mais alto.

Em segundo lugar, o contacto com o solo deve ser muito rápido e

reactivo, com um tempo de transição entre as fases excêntrica e

concêntrica o mais curto possível. Só desta forma se solicita um CMAE

que possa incluir os factores de potenciação que temos vindo a referir

(reflexo de alongamento > aumento do stiffness muscular >

armazenamento e utilização da energia elástica > potenciação da força) e

desta forma tornar-se um tipo de exercício mais económico.

Por último, neste tipo de métodos todo o trabalho deve ser realizado

em completa ausência de fadiga, pelo que os intervalos de repouso

devem ser rigorosamente observados.

Tabela 4. Métodos Reactivos.

Saltos sem Saltos com Saltos em Exercícios p/ Progressão Progressão Profundidade Tronco/braços Acção Muscular CMAE * * * * Intensidade (%) 100 100 100 100 Repetições 30 20 10 25 Séries 3 - 5 3 - 5 3 - 5 3 - 5 Intervalo (min) 5 5 10 5

Page 358: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 323

Adaptado de Schmidtbleicher, 1992

Talvez pela sua rápida divulgação, existe a convicção de que quando

falamos em exercícios reactivos, ou pliométricos, nos estamos a referir a

exercícios destinados apenas aos membros inferiores. Naturalmente que a

maioria das vezes assim é, mas é perfeitamente possível construir formas de

trabalho para os membros superiores, tal como referido na tabela 4. 4.4.1. Saltos sem Progressão

Neste grupo incluem-se todos os exercícios que não envolvem uma

progressão horizontal. Os "skipping", os saltos com contra-movimento,

os "hopping", constituem exemplos das formas de trabalho que podem

ser utilizadas. São essencialmente exercícios que envolvem

simultaneamente um duplo apoio. Um dos exercícios característicos deste

grupo, o "hopping", ou saltos verticais repetidos, são normalmente

realizados em três séries. Na primeira realizam-se 30 repetições à

frequência individual, para na segunda série se realizarem mais 30

repetições agora à máxima frequência (maior número de contactos com o

solo) e por último, na terceira série as mesmas 30 repetições com o

objectivo de alcançar a maior elevação possível do centro de gravidade.

É um procedimento que visa, com a alternância da frequência dos

contactos com o solo, adaptar o sistema neuromuscular a melhor

organizar a pré-activação muscular. Caso os exercícios envolvam apenas

um apoio, o número de repetições deve ser reduzido para 10.

4.4.2. Saltos com Progressão

Incluem-se, como o nome sugere, todos os exercícios que envolvem uma

progressão horizontal. Os multissaltos com todas as suas variantes, os

Page 359: Metodologia Do Treino Desportivo

324 • Metodologia do treino desportivo I !

saltos sobre bancos e os saltos de barreiras, entre outros, constituem os

exercícios fundamentais deste grupo. Este conjunto de exercícios pode

ser realizado com duplo apoio e progressivamente com um só apoio, o

que aumentará a carga de alongamento, i.e., a intensidade. Por número de

repetições deve entender-se o número de apoios ou de contactos com o

solo. Estes devem ser rápidos e explosivos, de forma a que o

alongamento não seja exagerado e o tempo de transição entre as fases

excêntrica e concêntrica seja o mais curto possível. Uma dificuldade em

realizar de forma tecnicamente correcta, os exercícios escolhidos ou uma

dificuldade em cumprir o número de repetições previamente

estabelecido, devem ser critérios para interrupção da série de exercícios.

Todo o trabalho reactivo é essencialmente um trabalho de qualidade,

sendo, por isso, imprescindível a observância dos requisitos da técnica de

execução, sob pena de o treino se tornar contraprudecente e até,

potencialmente perigoso.

4.4.3. Saltos em Profundidade

É o exercício reactivo mais conhecido, mas também o mais exigente. A

sua utilização deve restringir-se a atletas muito bem treinados e deverá

ser o último exercício a ser utilizado. O número de repetições não deve

exceder as 10 e o número de séries pode variar entre três e cinco. O

intervalo de repouso dever ser sempre respeitado, apesar de poder parecer

muito grande e por vezes dispensável. Como já referimos, todo o treino

reactivo é essencialmente qualitativo e visa melhorar o padrão de

activação nervosa, pelo que todos os exercícios reactivos devem ser

sempre realizados sem fadiga. A selecção da carga de alongamento, i.e.,

a altura de queda dever ser feita individualmente. A forma mais rigorosa

consiste na determinação da altura de queda a partir da qual o atleta

consegue, no salto subsequente, atingir a maior elevação do centro de

gravidade. Um procedimento um pouco menos rigoroso, mas mais

expedito, consiste em seleccionar a altura de queda a partir da qual o

Page 360: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Força • 325

atleta, no salto subsequente, durante o contacto não toca com o calcanhar

no solo. Este pormenor de execução técnica, sugere que o atleta é capaz

de suportar a carga de alongamento, sendo possível passar rapidamente

da acção excêntrica para a acção concêntrica, sem que o deslocamento

angular seja muito grande, logo, sem contactar o solo com o calcanhar. O

contacto com o solo não deve ser nem muito rápido nem muito longo. A

duração máxima não deve, contudo, ultrapassar os 200 ms. O

deslocamento angular do joelho deve também ser reduzido e todo o

movimento deve ser sempre realizado com máxima intensidade. O tipo

de superfície não deve ser artificialmente alterado com a colocação de,

p.e., colchões de ginástica, com o objectivo de amortecer o impacto com

o solo. Este procedimento impede a observância de um requisito

fundamental: ter um contacto rápido e reactivo com o solo. Apesar de

termos referido que o deslocamento angular deve ser reduzido, se o

objectivo for localizar mais a acção muscular nos músculos da coxa

(vasto interno e externo e recto anterior da coxa), Bosco et al., (1981b)

propuseram que com uma maior flexão do joelho no momento de

chegada ao solo, se poderia realizar o SP com uma maior solicitação dos

músculos da coxa. Este procedimento é particularmente importante para

gestos desportivos em que o salto vertical envolve uma maior flexão do

joelho como, p.e., no salto de remate em voleibol. O controlo do tempo

de contacto com o solo associado ao tempo de vôo, permite uma

avaliação da qualidade do trabalho realizado. Em ambientes de treino um

pouco mais exigentes, sugere-se a utilização de uma plataforma de

contactos para monitorizar o treino dos atletas.

4.4.4. Exercícios para o Tronco e Braços

Como haviamos já referido, apesar da grande generalização do trabalho

reactivo ter ocorrido associada a exercícios para os membros inferiores, é

perfeitamente possível conceber situações de trabalho reactivo para os

membros superiores. A utilização de bolas medicinais, barra de

Page 361: Metodologia Do Treino Desportivo

326 • Metodologia do treino desportivo I !

musculação e outras pequenas resistências, podem ser usadas na maioria

dos exercícios. A lógica para a construção dos exercícios é o seguinte:

realizar um movimento que solicite um alongamento muscular, p.e., do

tricípete braquial, de forma a que a acção muscular seguinte seja uma

acção concêntrica desse mesmo músculo. A recepção e o rápido

arremesso de uma bola medicinal, constitui um exemplo de um exercício

reactivo para os membros superiores. Para uma situação

excepcionalmente exigente, pudemos considerar um exercício para os

membros superiores, com a mesma lógica do salto em profundidade. A

flexão de braços no solo, a partir de um pequeno ressalto, p.e., um banco

sueco, constitui uma forma de replicar para os membros superiores a

lógica de um salto em profundidade.

Page 362: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

Estudo do factor físico desportivo

Secção B - Estudo sobre a resistência

Resp: Francisco Alves

Page 363: Metodologia Do Treino Desportivo

324 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Secção B do Capítulo 3 da Parte IV

Neste Secção estudaremos o factor físico desportivo no plano da

resistência. Com efeito, esta representa a capacidade de resistir

psiquica e fisicamente à instalação da fadiga e de recuperar rapidamente

dos efeitos produzidos por uma carga de treino. Neste contexto,

incidiremos a nossa reflexão sobre os factores condicionantes desta

capacidade, as formas de manifestação da resistência (participação do

sistema muscular, do regime de contracção muscular, da solicitação

metabólica e tendo por referência a situação competitiva) e os métodos

de treino da resistência (continuo, por intervalos e de competição ou

controlo).

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 11

Page 364: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 325

Parte IV

Os factores de treino

Sumário

Capítulo 3 - Estudo sobre o factor físico desportivo

Secção B - Estudo sobre a resistência

1. Definição de resistência

2. Objectivos da resistência

3. Factores determinantes da resistência 3.1. O sistema nervoso central 3.2. Capacidade volitiva 3.3. Adaptações aeróbias e anaeróbias

4. Formas de manifestação da resistência 4.1. Quanto à participação do sistema muscular

4.1.1. Geral 4.1.2. Local

4.2. Quanto ao regime de contracção muscular 4.2.1. Estática 4.2.2. Dinâmica

4.3. Quanto à solicitação metabólica 4.3.1. Resistência aeróbia 4.3.2. Resistência anaeróbia

4.4. Tendo como referência a situação de competição 4.4.1. Geral ou de Base 4.4.2. Resistência Específica

5. Métodos de treino da resistência 5.1. Método contínuo

5.1.1. Método contínuo uniforme 5.1.1.1. Método contínuo uniforme extensivo 5.1.1.2. Método contínuo uniforme intensivo

5.1.2. Método contínuo variado

5.2. Método por intervalos 5.2.1. Pausa incompleta - Treino intervalado 5.2.2. Pausa completa - Treino de repetições

5.3. Método de competição 5.4. Método de treino em circuito

6. Métodos de treino para os diferentes tipos de resistência

7. Treino da resistência nos jogos desportivos colectivos

Page 365: Metodologia Do Treino Desportivo

326 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

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Toronto. Pp. 292-302.

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Zintl, F. (1991) - Entrenamiento de la Resistencia. Barcelona, pp. 32-43, 88-

109, 110-118, 126-156, 159-173, 177-186.

Page 366: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 327

1. Definição de resistência

Não existe um conceito universal de resistência, visto que a particularidade da

carga cria perfis de manifestação variados, isto é, diferentes tipos de

resistência. Todavia, numa primeira análise, a resistência relaciona-se

fundamentalmente com a fadiga e a recuperação dos praticantes, influenciando

o rendimento segundo diversas vertentes: energética, coordenativa,

biomecânica e psicológica.

Segundo Bompa (1990), "a resistência pode ser definida como a capacidade

do organismo em resistir à fadiga numa actividade motora prolongada.

Entende-se por fadiga a diminuição transitória e reversível da capacidade de

trabalho do atleta". Zintl (1991), mais detalhadamente, define resistência

como "a capacidade de manter um equilíbrio psíquico e funcional o mais

adequado possível perante uma carga de intensidade e duração suficientes

para desencadear uma perda de rendimento insuperável (manifesta),

assegurando, simultaneamente, uma recuperação rápida após esforços

físicos".

Neste contexto, o desenvolvimento da resistência implica um adiar da

instalação da fadiga e/ou uma diminuição das suas consequências durante a

execução de um determinado exercício físico, possibilitando, ainda, a

optimização dos processos de recuperação no seguimento do esforço.

2. Objectivos da resistência

Segundo Zintl (1991), os objectivos da resistência são:

Page 367: Metodologia Do Treino Desportivo

328 • Metodologia do treino desportivo I !

manter durante o máximo tempo possível uma intensidade óptima ao

longo da duração pré-definida da carga (por exemplo, em muitos desportos

cíclicos de resistência);

manter ao mínimo as perdas inevitáveis de intensidade quando se trata de

cargas prolongadas (por exemplo, a maratona);

aumentar a capacidade de suportar as cargas de treino ou de competição

com um volume muito elevado, durante uma quantidade indefinida de

acções concretas (modalidades atléticas compostas por várias provas, jogos

colectivos, desportos de luta);

recuperação acelerada após aplicação das cargas (em treino e em

competição);

estabilização da técnica desportiva e da capacidade de concentração nos

desportos tecnicamente mais complexos (salto de trampolim, patinagem

artística, tiro, tiro com arco, etc.).

3. Factores determinantes da resistência

Os factores que afectam a resistência, enquanto qualidade física, são, segundo

Bompa (1990), de três níveis: do sistema nervoso central, da capacidade

volitiva, e das adaptações aeróbias e anaeróbias.

3.1. O sistema nervoso central

O trabalho uniforme com intensidade moderada desenvolve e fortalece a

actividade global do SNC, nomeadamente a coordenação neuro-muscular

específica da actividade motora utilizada. O trabalho de longa duração

realizado sob condições de fadiga crescentes aumenta a resistência das redes

nervosas aos estímulos indutores de "stress".

3.2. Capacidade volitiva

Implica a aptidão para:

Page 368: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 329

• atingir as "reservas de adaptação";

• aproveitar completamente o potencial de desenvolvimento de uma

carga;

• resistir à dor e ao desconforto que acompanham inevitavelmente os

estados elevados de fadiga.

3.3. Adaptações aeróbias e anaeróbias

O potencial energético do organismo de um atleta e o seu grau de adequação

às exigências específicas da competição estão directamente implicados, em

grande número de actividades desportivas, no sucesso competitivo, não

deixando de ser um importante factor influenciador em todas as outras. Em

termos gerais pode-se afirmar que estas adaptações:

• optimizam a eficácia técnico-táctica em situação de competição,

• permitem a estabilização do desempenho em prestações de carácter

anaeróbio (velocidade, p.ex.).

4. Formas de manifestação da resistência

As classificações existentes para a resistência como qualidade física

correspondem a quadros problemáticos diferentes do seu estudo, de relevancia

para a prática do treino desportivo desigual. Podemos sistematizar a qualidade

física resistência segundo quatro critérios fundamentais: o grau de participação

do sistema muscular (parcela da massa muscular total envolvida), o regime de

contracção muscular, a solicitação metabólica e tendo como referência a

situação competitiva específica.

4.1. Quanto à participação do sistema muscular

Tendo como critério de classificação a participação do sistema muscular

podemos distinguir dois tipos de resistência: a resistência geral e a

resistência local.

Page 369: Metodologia Do Treino Desportivo

330 • Metodologia do treino desportivo I !

4.1.1. Geral

Considera-se resistência geral quando estão envolvidos mais de 1/6 a 1/7

de toda a musculatura esquelética. Neste caso, os limites para a

actividade motora localizam-se, principalmente, ao nível dos sistemas cardiocirculatório e respiratório (absorção máxima de O2) e na

capacidade de utilização periférica de O2.

4.1.2. Local

Considera-se a resistência como local quando estão envolvidos menos de

1/6 a 1/7 de toda a musculatura esquelética. Como ponto de referência,

atente-se que a massa muscular de um membro inferior representa

aproximadamente 1/6 da massa muscular de todo o corpo. Este critério

de diferenciação baseia-se no facto de se ter averiguado

experimentalmente que, abaixo deste valor, os índices de adaptação

cardiovascular não têm qualquer influência no desempenho muscular

local prolongado (Zintl, 1991). A resistência local dependerá

fundamentalmente do grau de desenvolvimento da força especial, das

adaptações anaeróbias locais e da coordenação neuro-muscular

específica.

Aspectos particulares

• a resistência local tem pouca influência sobre a resistência geral de

carácter aeróbio, uma vez que o trabalho muscular de intensidade

superior a 25-30% de 1 RM só surge em exercícios em que o regime

de trabalho é de elevada intensidade;

• segundo HOLLMAN e HETTINGER (1980), este é o tipo de

resistência onde se podem encontrar valores superiores de progresso -

até 1000%, contra valores máximos de incremento de 40% para a

força máxima e para a resistência dinâmica geral e 15% a 20% para a

velocidade.

Page 370: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 331

4.2. Quanto ao regime de contracção muscular

Tendo como critério de classificação o regime de contracção muscular

podemos igualmente distinguir dois tipos de resistência: a resistência

estática e a resistência dinâmica.

4.2.1. Estática

Considera-se resistência estática quando o trabalho muscular é

isométrico. Pode ser geral ou local.

Algumas referências:

• tendo como referência uma contracção muscular voluntária máxima

uma percentagem inferior a 15% corresponde a um trabalho

metabólico de raiz aeróbia; entre 15 a 50% corresponde a um trabalho

misto (a oclusão progressiva dos vasos, devido à contracção, acarreta

uma limitação crescente da irrigação sanguínea); intensidade superior

a 50% corresponde a um trabalho aneróbio (hipóxia local).

Limites:

• fluxo de irrigação sanguinea (limitação crescente até à hipóxia

local);

• fadiga nervosa (esgotamento da substância de transmissão do

estímulo nervoso para a contracção muscular).

4.2.2. Dinâmica

Considera-se resistência dinâmica quando o trabalho muscular é

isotónico ou isocinético. Pode ser geral ou local.

Page 371: Metodologia Do Treino Desportivo

332 • Metodologia do treino desportivo I !

4.3. Quanto à solicitação metabólica

Tendo como critério de classificação a solicitação metabólica podemos

distinguir dois tipos de resistência: a resistência aeróbia, e a resistência

anaeróbia.

4.3.1. Resistência aeróbia

Considera-se resistência aeróbia quando o trabalho a realizar solicita a

fonte aeróbia para a produção de energia.

4.3.2. Resistência anaeróbia

Considera-se resistência anaeróbia quando o trabalho a realizar solicita

preferencial ou exclusivamente a fonte anaeróbia para a produção de

energia.

Tabela 5. Zonas de intensidade para o trabalho de resistência

Capacidade aeróbia (limiar anaeróbio) > 15' *

Potência aeróbia (VO2 máx.) 2' - 15'

Capacidade anaeróbia láctica (tolerância láctica) 1' - 8'

Potência anaeróbia láctica 20"- 45"

Capacidade anaeróbia aláctica 10" - 30"

adapt. de SKINNER e MORGAN (1985)

* Até aos 30', um indivíduo treinado pode trabalhar a 90-95% do VO2 máx. A partir desse limite, o consumo de O2 descerá para menos de 90% da sua potência máxima.

Um maratonista de alto nível pode trabalhar a 80-85% do VO2 max., durante mais de duas horas e a 70% até 4 horas.

4.4. Tendo como referência a situação de competição

Page 372: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 333

Por último, tendo como critério de classificação a situação de competição

podemos distinguir dois tipos de resistência: a resistência geral ou de base, e

a resistência específica.

4.4.1. Geral ou de Base

As características fundamentais do trabalho de resistência geral:

• é o de envolver o organismo no seu todo, por um período de tempo

prolongado;

• não depende da disciplina desportiva, mas facilita o sucesso em

vários tipos de tarefas em treino. Tem, portanto um elevado grau de

"transfer" positivo entre actividades desportivas diferenciadas;

• relaciona-se com a faculdade de suportar cargas de grande volume

ou com grande frequência, com a superação da fadiga em competições

de longa duração e com a recuperação rápida após treino e

competição.

Tomando como critério a identidade com a actividade de competição, e o

nível de exigência das fontes aeróbias envolvidas, podemos distinguir

três tipos de resistência de base: a resistência geral ou de base I, a

resistência de base II, e a resistência de base acíclica.

4.4.1.1. Resistência de Base I

Considera-se resistência de base I quando o trabalho a realizar é

totalmente independente da actividade específica de competição.

Características:

• resistência aeróbia geral com um nível de carga de média

intensidade;

Page 373: Metodologia Do Treino Desportivo

334 • Metodologia do treino desportivo I !

• promove uma capacidade aeróbia mediana (VO2 máx.= 45-

55ml/kg/min.), assim como o uso económico desta actividade (limiar anaeróbio entre 70 - 75% do VO2 máx.);

• é polivalente.

Objectivos

• manter ou recuperar a saúde ou a capacidade fisico-motora geral;

• criar, em desportos que não são de resistência, uma boa base

para o treino de outras capacidades físicas e de coordenação;

• incrementar a recuperação após cargas de treino e competição;

• tornar mais suportável a carga psíquica.

4.4.1.2. Resistência de Base II

Considera-se resistência de base II quando o trabalho a realizar é

dependente da actividade de competição (exercícios característicos).

Características

• resistência aeróbia geral com um nível de intensidade

submáxima; • promove uma elevada capacidade aeróbia (VO2 máx. > 60

ml/kg/min) e a sua utilização óptima (limiar anaeróbio entre 75 e 80% do VO2 máx.);

• solicita um metabolismo misto aeróbio-anaeróbio;

• relacionada com a modalidade.

Objectivos

Page 374: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 335

• criar uma adaptação global do organismo aos esforços típicos

das modalidades de resistência;

• estabelecer uma base elevada para o treino específico de

resistência;

• produz também adaptações musculares (coordenação

intermuscular, dinâmica muscular, aporte energético), assim como,

a melhoria dos sistemas regulados vegetativamente;

• activar novas reservas para maiores incrementos do rendimento;

• melhoria técnica no sentido de uma maior economia;

• aumentar a força de vontade e incrementar globalmente a

tolerância psíquica ao esforço.

4.4.1.3. Resistência de Base Acíclica

Considera-se resistência de base acíclica à capacidade de resistência

requerida em desportos colectivos e de confronto directo.

Características

• resistência aeróbia geral com cargas de intensidade média a

submáxima e alternância constante do tipo de solicitação

metabólica; • promove uma capacidade predominantemente aeróbia (VO2

máx. entre 55 e 60 ml/kg/min);

• solicita um metabolismo misto aeróbio-anaeróbio com picos

elevados de intensidade;

• alternância da actividade motora.

Objectivos

• criar a base para um treino amplo da técnica e da táctica;

• incrementar a capacidade de recuperação durante as fases de

carga menos intensa em competição;

• incrementar a tolerância psíquica ao esforço.

Page 375: Metodologia Do Treino Desportivo

336 • Metodologia do treino desportivo I !

4.4.2. Resistência Específica

A resistência específica é a forma de manifestação própria de um

determinado desporto. Diz respeito à capacidade de adaptação à estrutura

de carga de uma actividade desportiva em situação de competição e,

portanto, de alcançar um alto nível de rendimento sujeito às condições

temporais da especialidade.

Quanto maior for a resistência específica, construida a partir de uma

sólida base de resistência geral, mais facilmente o atleta poderá

ultrapassar diferentes tipos de pressão em treino e competição (por

exemplo: número de faltas técnico-tácticas ou mesmo disciplinares na

parte final de um jogo). A possibilidade de manter uma intensidade

óptima em competição depende de um complexo de factores que

incluem, para além das adaptações metabólicas, sistémicas e neuro-

musculares adequadas, uma elevada economia técnica e táctica e

características psíquicas determinadas.

Partindo de critérios de duração da carga, zonas de intensidade - FC, VO2, gasto energético - via metabólicas dominantes, podemos

diferenciar três tipos de resistência específica: a resistência de curta

duração, a resistência de média duração, e a a resistência de longa

duração (I, II, III).

4.4.2.1. Resistência de Curta Duração

Características

• Duração da carga: 30" - 2'

• Intensidade da carga: Máxima

• FC: 185-195

• % VO2 máx.: 100

• Anaeróbio (aláctico:láctico): aeróbio: 80 (65:35):20

• % fonte aláctica: 15 - 30

• % fonte láctica: 50

Page 376: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 337

• % fonte aeróbia (hidratos de carbono): 20 - 35

• % fonte aeróbia (lípidos): 0

Factores decisivos

• potência láctica

• tolerância láctica

• potência aeróbia

• nível de velocidade ou de força máxima

• técnica

• nível de activação (libertação de catecolaminas)

4.4.2.2. Resistência de Média Duração

Características

• Duração da carga: 2' - 11'

• Intensidade da carga: Máxima

• FC: 190-200

• % VO2 máx.: 100 - 95

• Anaeróbio (aláctico:láctico): aeróbio: 60 (40:60):40

• % fonte aláctica: 10 - 5

• % fonte láctica: 40 - 55

• % fonte aeróbia (hidratos de carbono): 40 - 60

• % fonte aeróbia (lípidos): 0

Factores decisivos

• potência aeróbia

• tolerância láctica

• reservas de glicogénio

• níveis de força ou velocidade específicos.

4.4.2.3. Resistência de Longa Duração

4.4.2.3.1. Resistência de Longa Duração I

Page 377: Metodologia Do Treino Desportivo

338 • Metodologia do treino desportivo I !

Características

• Duração da carga: 11' - 30'

• Intensidade da carga: Submáxima

• FC: 180

• % VO2 máx.: 95 - 90

• Anaeróbio (aláctico:láctico): aeróbio: 30 (20:80):70

• % fonte aláctica: 0

• % fonte láctica: 20 - 30

• % fonte aeróbia (hidratos de carbono): 60 - 70

• % fonte aeróbia (lípidos): 10

Factores decisivos

• potência aeróbia

• limiar anaeróbio

• tolerância láctica (níveis de lactatémia moderados)

• reservas de glicogénio (sobretudo muscular)

4.4.2.3.2. Resistência de Longa Duração II

Características

• Duração da carga: 30' - 90'

• Intensidade da carga: Submáxima

• FC: 170

• % VO2 máx.: 90 - 80

• Anaeróbio (aláctico:láctico): aeróbio: 10:90

• % fonte aláctica: 0

• % fonte láctica: 5 - 10

• % fonte aeróbia (hidratos de carbono): 70 - 75

• % fonte aeróbia (lípidos): 20

Factores decisivos

• limiar anaeróbio

• potência aeróbia

Page 378: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 339

• reservas de glicogénio (sobretudo muscular)

• oxidação de lípidos

• regulação térmica

4.4.2.3.3. Resistência de Longa Duração III

Características

• Duração da carga: > 90'

• Intensidade da carga: Média

• FC: 160

• % VO2 máx.: 80 - 60

• Anaeróbio (aláctico:láctico): aeróbio: 5:95

• % fonte aláctica: 0

• % fonte láctica: < 5

• % fonte aeróbia (hidratos de carbono): 60 - 50

• % fonte aeróbia (lípidos): 40 - 50

Factores decisivos

• limiar anaeróbio

• potência aeróbia

• oxidação de lípidos

• reservas de glicogénio e neoglicogénese

• regulação térmica

• equilíbrio hídrico e electrolítico

5. Métodos de treino da resistência

5.1. Método contínuo

O método continuo caracteriza-se por exercícios de longa duração sem

interrupção. O efeito de treino destes métodos baseiam-se nos constantes

processos de reajustamento bioquímicos e fisiológicos, sendo utilizados

preferencialmente nas modalidades cíclicas de longa duração (atletismo -

fundo e meio-fundo, ciclismo, canoagem, etc.). Para as outras modalidades,

Page 379: Metodologia Do Treino Desportivo

340 • Metodologia do treino desportivo I !

como é o caso dos jogos desportivos colectivos, é fundamentalmente

utilizado para desenvolver a resistência de base, durante os períodos

preparatórios dos planeamentos anuais de treino. O método contínuo do

treino da resistência pode ser divido em: método contínuo uniforme e

método contínuo variado.

5.1.1. Método contínuo uniforme

Características: o método contínuo uniforme é caracterizado:

* por esforços de longa duração e intensidade (velocidade) constante.

Principais adaptações:

* a economia gestual;

* a adaptação funcional dos sistemas orgânicos relacionados com o transporte de O2 (volume sistólico, cavidades cardíacas e

capilarização);

* a automatização do gesto (estabilização do esteriotipo motor

dinâmico);

* a tolerância ao trabalho monótono.

Limites:

* as reservas de glicogénio (especialmente nos regimes intensivos);

* a taxa de degradação dos substractos (hidratos de carbono e ácidos

gordos);

* ao nível estrutural - o sistema cardio-vascular e o volume de sangue

circulante.

Variantes: o método contínuo uniforme pode conter as seguintes variantes

de acordo com a dinâmica da carga envolvida:

* o método contínuo uniforme extensivo, duração 8volume) superior,

intensidade baixa a moderada; e,

Page 380: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 341

* o método contínuo uniforme intensivo, basicamente caracterizado

por um aumento da intensidade (maior exigência orgânica e mental),

com o correspondente decréscimo no volume.

5.1.1.1. Método contínuo uniforme extensivo

Intensidade da carga:

* 60 a 80 % da velocidade de competição;

* entre o limiar aeróbio e o limiar anaeróbio; * 45 a 65 % do VO2 máx; e,

* a FC = 125-160 pulsações/min.

Duração da carga:

* 30' até 2 horas

Objectivos:

* economia do rendimento cardio-vascular;

* treino do metabolismo lipídico;

* estabilização do nível de rendimento alcançado; e,

* aceleração da regeneração

5.1.1.2. Método contínuo uniforme intensivo

Intensidade da carga:

* 90-95 % da velocidade de competição;

* na zona do limite anaeróbio; * 60 a 90 % do VO2 máx.;

* FC = 140-190 bat/min.

Duração da carga:

* 30' - 60'

Objectivos:

Page 381: Metodologia Do Treino Desportivo

342 • Metodologia do treino desportivo I !

* treino do metabolismo dos hidratos de carbono;

* aumento das reservas de glicogénio;

* compensação da lactatémia em esforço; * aumento do VO2 máx. através da capilarização e do rendimento

cardíaco;

* aumento do limite anaeróbio;

* conservação de uma intensidade de carga elevada.

Aspectos específicos:

* a carga com uma intensidade correspondente a 140 pul/min.

implica volume sistólico suficiente para constituir um estímulo para

o aumento das cavidades cardíacas (PLATONOV);

* o regime intensivo é um estímulo adequado para a hipertrofia do

músculo cardíaco, o que pressiona, também, mais as adaptações

locais que o extensivo;

* o regime intensivo não deve ser utilizado mais de 3 vezes por

semana, senão o tempo dedicado à reposição das reservas de

glicogénio será demasiado curto;

* o método contínuo provoca aumento da rede de capilarização

mais acentuado estímulo ideal para esta adaptação parece consistir

na manutenção de elevados níveis de pressão sanguínea média e

grande velocidade de circulação durante um período mínimo de 30

minutos.

Tabela 6. Métodos continuos

5.1.2. Método contínuo variado

Capacidade funcional

Limiar anaeróbio ---- ------ -->> Limiar aeróbio

Designação Breve duração Média duração Longa duração Duração 20' - 30' 30' - 90' > 90' Regime de carga

Intensivo (80 % VO2)

---- ------ -->> Extensivo (50 % VO2)

FC (bat/min) > 170 150 - 170 130 - 150

Page 382: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 343

Características: o método contínuo variado é caracterizado por:

* esforços de longa duração, durante o qual se procede a variações de

intensidade.

A variação da intensidade pode ser determinada por:

* factores externos (perfil do terreno);

* factores internos (vontade do atleta);

* factores planeados (decisões de programação).

Objectivos:

* a adaptação à variação da solicitação metabólica;

* a capacidade de compensação da lactatémia durante as fases de

carga de intensidade baixa e média;

* a percepção e aprendizagem de ritmos diversos em variação

frequente;

* a capacidade de alterar ritmos de execução que é uma limitação

importante em muitas modalidades desportivas, inclusivamente de

carácter cíclico, onde esta capacidade faz parte da economia

energética da prestação;

* as mesmas adaptações que ocorrem com os métodos uniformes, no

que diz respeito ao sistema cardio-vascular, ao metabolismo e ao

sistema neuro-vegetativo, mas com menor importância.

Duração total:

* 20' a 2 horas

Intensidade:

* 140/145 - 175 FC máx.;

* 60 - 95 % da vel. de competição;

* entre o limiar aeróbio e a zona de acumulação inicial.

Page 383: Metodologia Do Treino Desportivo

344 • Metodologia do treino desportivo I !

5.2. Método por intervalos

O método de treino por intervalos caracteriza-se por exercícios onde o

organismo é submetido a períodos curtos, regulares e repetidos de trabalho

com períodos de repouso adequados. É utilizado quer nas modalidades

acíclicas, como é o caso dos jogos desportivos colectivos, quer nas cíclicas

para desenvolver a resistência específica, fundamentalmente durante os

períodos preparatórios específicos e competitivos dos planeamentos anuais

de treino.

O método por intervalos pode ser dividido em: método por intervalos com

pausas incompletas (treino intervalado) e método por intervalos com pausas

completas (treino de repetições).

5.2.1. Pausa incompleta - Treino intervalado

Características: método por intervalos com pausas incompletas (treino

intervalado) é caracterizado:

* por períodos de repouso que não permitem a recuperação completa

dos parâmetros cardio-circulatórios e ventilatórios (princípio da carga

lucrativa).

Principais adaptações:

* a ampliação do "âmbito funcional dos diferentes sistemas orgânicos"

* a estabilização dos padrões motores perante condições adversas

internas (fadiga)

* a tolerância ao desencadear de acções motoras apesar do incómodo

das sensações que acompanham estados elevados de fadiga.

Componentes do método de treino intervalado

* Período de esforço

Page 384: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 345

Os períodos de esforço são caracterizados pela sua duração, sendo

sempre referenciados a uma determinada intensidade solicitada,

embora em modalidades cíclicas seja habitual trabalhar com percursos

ou distâncias a percorrer. Para o treino intervalado pode apresentar-se

a seguinte classificação, adaptada de Zintl:

- períodos de esforco de curta duração I (15"- 45")

- períodos de esforço de curta duração II (45" - 2')

- períodos de esforço de média duração (2' - 8')

- períodos de esforço de longa duração (8' - 15').

Se a duração do esforço é inferior à situação de competição ou ao

parâmetro de duração padrão para um determinado objectivo, a

duração dos intervalos de repouso devem ser breves, de modo que o

exercício seguinte seja executado sobre uma base de fadiga. Neste

caso é a série que dá a medida e a orientação ao estímulo de treino.

Quando a duração do exercício é mais longa, as pausas podem ser

mais prolongadas, pois é em cada um dos exercícios que se produz o

efeito de treino, sem que intervenha com a mesma importância a acção

acumulada das cargas de treino. Neste caso é a repetição que dá a

medida e a orientação ao estímulo de treino.

* Intensidade

Um elemento essencial numa abordagem sistemática ao treino da

resistência é a determinação detalhada de níveis de intensidade. Cada

tarefa ou sessão de treino terá objectivos diferenciados no que diz

respeito ao impacto fisiológico procurado e são a duração e a

intensidade dos estímulos de treino propostos que permitirão cumprir

esses objectivos. Como sabemos, intensidade de um exercício pode

ser descrita em termos de kJ utilizados por unidade de tempo, percentagem relativa do VO2max ou da FCmax, nível de lactatémia

ou, nos desportos cíclicos, simplesmente controlando a velocidade de

Page 385: Metodologia Do Treino Desportivo

346 • Metodologia do treino desportivo I !

deslocamento ou a frequência do movimento em função do

desempenho máximo na distância ou tempo de esforço de referência.

A escala de intensidades proposta por Harre (1981), por exemplo,

distribui uma escala da qualidade do estímulo de treino entre os 30% e

os 105% da prestação máxima, com 6 categorias ou graus. Uma

terminologia deste género não nos dá, no entanto, qualquer

informação sobre o empenhamento metabólico envolvido no

exercício, uma vez que 90% de um esforço com a duração de 30

minutos, por exemplo, não tem, obviamente, o mesmo significado de

90% de um esforço de 30 segundos. Deste modo, no treino da

resistência será mais conveniente para o controlo das intensidades de

treino, a utilização de uma definição clara de zonas ou níveis de

intensidade com um significado metabólico objectivo e explícito.

Utilizando a terminologia já apresentada, podemos considerar quatro

níveis básicos de intensidade a utilizar no treino da resistência, que

podem expressar, igualmente, o objectivo funcional de uma

determinada tarefa de treino intervalado:

- limiar anaeróbio

- potência aeróbia

- tolerância lácica

- potência láctica

Em programas de treino onde a resistência é objecto de preparação

específica e constitui uma condicionante fundamental para o

desempenho competitivo é habitual aparecer uma distribuição mais

detalhada dos níveis de intensidade, proveniente do desdobramento

dos anteriores.

A consideração das intensidades de treino utilizadas no

desenvolvimento da resistência permite aceder a uma planificação do

Page 386: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 347

treino com uma base mais objectiva e quantificável, segundo

sequências de significado claro e justificável que permitam a

alternância, no microciclo, das cargas de alta e baixa intensidade para

que a compensação da fadiga seja realizada de um modo efectivo mas

que, ao mesmo tempo, se torne possível impôr uma estimulação

verdadeiramente significativa ao atleta.

Em termos práticos isto significa que o treinador, ao planear o

microciclo, define a quantidade de trabalho que pretende realizar em

cada zona de intensidade, concedendo depois a cada sessão de treino

uma determinada % do volume total para cada uma delas, de acordo

com a fase da época, as necessidades próprias de cada atleta e a

proximidade da competição (controlo circunstancial do factor

fadiga/compensação).

* Pausa

Os períodos de repouso que constituem a pausa no treino intervalado

não permitem a recuperação completa dos parâmetros

cardio-circulatórios e ventilatórios (princípio da carga lucrativa).

Pensou-se durante muitos anos que o facto de certos parâmetros

cardiovasculares, fundamentalmente o volume sistólico, apresentarem

valores acrescidos durante o início do repouso indicaria que as

principais adaptações se poderiam processar nesta fase. Com base

nesta concepção, entendia-se que a pausa deveria ter a duração

suficiente para o atleta atingir uma FC entre os 120 e os 130 bat/min.

Esta é uma interpretação limitativa do treino intervalado que

implicava trabalhar sempre a intensidades muito elevadas, de base

láctica, na verdade, o que talvez esteja na base da ideia que se

generalizou a partir de determinada altura de que este seria um método

agressivo para o organismo, passível, inclusivamente, de provocar

problemas cardíacos. Na realidade, o treino láctico de alta intensidade

Page 387: Metodologia Do Treino Desportivo

348 • Metodologia do treino desportivo I !

é, de facto agressivo, e o seu doseamento ao longo dos ciclos de treino

deve ser cuidadoso e bem adequado às características indviduais de

cada atleta. Não se pode, no entanto, generalizar esta característica

para o método do treino intervalado no seu todo.

A duração da pausa vai depender da duração de cada repetição e do

nível de intensidade em que se pretende trabalhar. O ponto

fundamental na prescrição da pausa para uma tarefa de treino

intervalado reside na possibilidade em manter a intensidade de esforço

proposta ao longo de todo o exercício. Neste sentido, procurar-se-á

utilizar a pausa mais curta possível que permita ao atleta cumprir o

objectivo da tarefa.

O regime da pausa pode ser activo ou passivo:

- Activo. Após esforços lácticos, consegue-se uma recuperação

mais eficiente através de um esforço cuja intensidade ronde os 60

% do VO2 máx.. A pausa activa inibe e reposição dos níveis

iniciais das reservas em fosfatos. O débito sistólico é mais alto não

só durante o período de esforço, mas principalmente durante o

período de recuperação ("Contra-esforço").

- Passivo quando se pretende enfatizar a solicitação do sistema

aeróbio e/ou do ATP-PC.

* Série

A série é um conjunto de períodos de esforço e de repouso

consecutivos agrupados com objectivos bem definidos em termos de

adaptação funcional. A divisão do volume de trabalho a realizar em

séries pretende fundamentalmente:

- melhorar a qualidade da tarefa de treino, permitindo ao atleta

trabalhar a níveis superiores de intensidade ou com uma melhor

resposta técnico-táctica;

Page 388: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 349

- aumentar o volume de treino sem fugir aos níveis de intensidade

prescritos;

- tornar mais variados os estímulos de treino.

Os quadros que se seguem pretendem expôr formas de organização e

combinação dos componentes do treino intervalado em função do

objectivo proposto, ou seja, do nível de intensidade em que se

pretende que o atleta trabalhe.

Tabela 7. Desenvolvimento do limiar anaeróbio

Tabela 8. Desenvolvimento da potência aeróbia

Período de esforço

Longa duração (8' - 15')

Média Duração (2' - 8')

Curta duração II (45" - 2')

Curta duração I (15" - 45")

Trabalho: pausa

1:1 a 1: 1/8

1:1/4 a 1: 1/12

1: 1/8 a 1: 1/12

1: 1/8 a 1: 1/12

Intensidade % vel. máxima FC (bat/min) [La] (mmol/l) VO2 (%VO2max)

80 - 90

140 - 170

2 - 4

75 - 90

75 - 90

140 - 170

2 - 5

75 - 90

65 - 80

140 - 170

2 - 4

75 - 90

65 - 80

140 - 170

2 - 4

75 - 90

Volume Total (duração)

> 30'

> 30'

> 30'

> 30'

Frequência Séries x (rep)

1 x (2 a 4)

2 a 3 x (4 a 12)

1 a 3 x (20 a 40)

1 a 3 x (30 a 60)

Período de esforço

Longa duração (8' - 15')

Média Duração (2' - 8')

Curta duração II (45" - 2')

Curta duração I (15" - 45")

Trabalho: pausa

1:1 a 1: 1/2

1:1 a 1: 1/4

1: 1/8 a 1: 1/12

1: 1/8 a 1: 1/12

Intensidade % vel. máxima FC (bat/min) [La] (mmol/l) VO2 (%VO2max)

> 90 > 170 6 - 8 > 90

85 - 90 > 170 6 - 8 > 90

75 - 90 > 170 6 - 8 > 90

75 - 85 > 170 6 - 8 > 90

Volume Total (duração)

< 45'

< 45'

8' a 12' por série

8' a 12' por série

Frequência Séries x (rep)

1 x (1 a 3)

3 a 5 x (2 a 8)

3 a 5 x (6 a 12)

3 a 5 x (12 a 20)

Page 389: Metodologia Do Treino Desportivo

350 • Metodologia do treino desportivo I !

Tabela 9. Desenvolvimento da tolerância láctica

Tabela 10. Desenvolvimento da potência láctica

5.2.2. Pausa completa - Treino de repetições

Características: método por intervalos com pausas completas (treino de

repetições) é caracterizado:

* por períodos de repouso que permitem a recuperação completa dos

parâmetros cardio-circulatórios e ventilatórios. A efectividade deste

Período de esforço Média Duração (2' - 8')

Curta duração II (45" - 2')

Curta duração I (15" - 45")

Trabalho: pausa

1:1 a 1: 2

1:1/2 a 1: 6

1: 1/2 a 1: 1/6

Intensidade % vel. máxima FC (bat/min) [La] (mmol/l)

95 - 99 máx. > 10

85 - 95 máx. > 10

85 - 90 máx. > 10

Volume Total (duração)

< 30'

< 30'

6' a 8' por série

Frequência Séries x (rep)

3 a 5 x (2 a 8)

1 a 3 x (3 a 12)

3 a 5 x (6 a 12)

Período de esforço Curta duração I (15" - 45")

Trabalho: pausa

1: 1 a 1: 6

Intensidade % vel. máxima FC (bat/min) [La] (mmol/l)

> 95 máx. > 6

Volume Total (duração)

< 20'

Frequência Séries x (rep)

1 a 3 x (3 a 12)

Page 390: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 351

método decorre das fases de carga altamente intensos durante os quais

se realizam todos os processos fisiológicos e mecanismos de

regulação até alcançar o nível funcional exigido.

Principais adaptações: deste método de treino são fundamentalmente:

*equivalente ao método intervalado de carácter mais intensivo;

*aumento da amplitude funcional complexa.

Componentes do método de treino de repetições

* método de repetições com períodos de esforço longos;

* método de repetições com períodos de esforço médios;

* método de repetições com períodos de esforço curtos.

Tabela 11. Método de repetições

Método de repetições com intervalos longos

Método de repetições com intervalos médios

Método de repetições com intervalos curtos

Intensidade submáx. a máx. 80-90 % V.C.

máxima 90-95 % V.C.

máxima 90-95 % V.C.

Duração 2'-3' 45"-60" 20" - 30" Pausa completa:10'-12'

(FC < 100 bat/min)

completa:8'-10' (FC < 100 bat/min)

completa:8'-10' (FC < 100 bat/min)

Volume 3-5 rep 4-6 rep 6-8 rep

5.3. Método de competição ou controlo

Características: método de competição ou controlo é caracterizado:

* por uma carga única, que requere o rendimento máximo do momento.

Variantes: o método de competição ou controlo pode contêr as seguintes

variações:

* maior duração, abrandamento da intensidade em relação à situação de

competição;

Page 391: Metodologia Do Treino Desportivo

352 • Metodologia do treino desportivo I !

* menor duração, aumento da intensidade em relação à situação de

competição.

Principais adaptações:

* solicitação da amplitude funcional complexa a um nível máximo; e,

* preparação directa para a competição

Tabela 12. Método de competição ou controlo

Intensidade máx. a supramáx. 95-100 % V.C.

Duração ±10-20 % da distância de competição

Pausa completa

6. Métodos intervalados versus métodos contínuos

1. Os métodos intervalados permitem que se alcance maior volume de

trabalho, em simultâneo com uma maior intensidade ( pode ser 2.5 vezes

superior ao que acontece num exercício contínuo, para uma mesma

lactatemia).

2. Muitas modalidades caracterizam-se por um esforço de tipo intermitente,

logo, os métodos intervalados permitem uma estimulação mais próxima da

velocidade de competição.

4. Os métodos intervalados podem ser utilizados para recrutar

especificamente as fibras de contracção rápida.

5. Ganhos similares no VO2 máx. nos dois métodos.

6. Os métodos contínuos são mais recomendados para o desenvolvimento da

capacidade central de transporte de O2 através de alterações adaptativas no

próprio músculo cardíaco.

7. Os métodos intervalados podem desenvolver de um modo mais selectivo

a capacidade do músculo extrair O2 e provocar níveis baixos de lactatémia

durante esforço submáximo (adaptações locais).

Page 392: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Resistência • 353

8. O débito cardíaco é ligeiramente superior no esforço intermitente do que

no esforço contínuo, havendo, no entanto, menor débito periférico, logo,

comparando com um esforço contínuo ao mesmo nível de VO2, há mais

pressão sobre os componentes central e periférico do sistema aeróbio.

9. Quando o intervalo de esforço e a pausa são curtos, a utilização de

glicogénio pode ser inibida e a utilização dos ácidos gordos favorecida.

10. Uma metodologia correcta combina os dois métodos. O

desenvolvimento óptimo de um tipo de resistência requer sempre uma

combinação óptima de vários métodos específicos. Isto não exclui, no

entanto, que durante certos períodos de preparação se apliquem

preferencialmente determinados métodos. Um factor essencial para a

selecção dos métodos é o objectivo do ciclo de treino em vigor.

11. O critério preferencial de selecção de um método para o

desenvolvimento da resistência são os seus efeitos biológicos. Para que as

decisões ao nível da programação sejam as mais adequadas é necessário

dominar:

a)- os factores decisivos para o rendimento do tipo de resistência em

questão;

b)- os efeitos principais do método de treino que se pretende aplicar.

Page 393: Metodologia Do Treino Desportivo

354 • Metodologia do treino desportivo I !

w

Page 394: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

Estudo do factor físico desportivo

Secção C - Estudo sobre a velocidade

Resp: Jorge Vieira

Page 395: Metodologia Do Treino Desportivo

354 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Secção C do Capítulo 3 da Parte IV

Neste Secção estudaremos o factor físico desportivo no plano da

velocidade. Com efeito, esta representa a capacidade de efectuar acções

motoras em determinadas condições num mínimo de tempo, sendo

assim caracterizada por mudanças rápidas do estado de contracção e de

descontracção dos diferentes grupos musculares. Neste contexto,

incidiremos a nossa reflexão sobre os factores condicionantes desta

capacidade (nervosos, musculares, energéticos e volitivos), as formas

de manifestação da velocidade (reacção, execução aceleração, máxcima e

resistente), os métodos de treino da velocidade (continuo, por

intervalos e de competição ou controlo), e as bases metodológicas.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 12

Page 396: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 355

Parte IV

Os factores de treino

Sumário

Capítulo 3 - Estudo sobre o factor físico desportivo

Secção C - Estudo sobre a velocidade

1. A velocidade como capacidade elementar

2. Definição

3. Em que modalidades desportivas se manifesta a velocidade

4. Formas básicas de estruturação da velocidade 4.1. Velocidade de reacção 4.2. Velocidade de execução 4.3. Capacidade (velocidade) de aceleração 4.4. A velocidade máxima 4.5. A velocidade resistente

5. Factores de que depende a velocidade 5.1. Velocidade de propagação dos impulsos nervosos 5.2. Elevada quantidade de fibras de contracção rápida 5.3. Capacidade de recrutar um número elevado de fibras musculares 5.4. capacidade de alternância de contracção e descontracção muscular 5.5. A mobilização da vontade 5.6. Eficiência dos mecanismos bioquimicos 5.7. A qualidade técnica 5.8. Nível de mobilidade articular

6. Conceitos fundamentais no treino da velocidade 6.1. Programa temporal

6.1.1. Movimentos acíclicos 6.1.2. Movimentos cíclicos

6.2. transferência dos programas temporais

7. Orientaçõesmetodológicas para o treino da velocidade 7.1. Treino da velocidade elementar

7.1.1. Velocidade acíclica elementar 7.1.2. Velocidade cíclica elementar

7.2. Treino da velocidade complexa 7.2.1. Nos jogos desportivos colectivos e nos jogos de combate 7.2.2. Recomendações metodológicas

7.3. O treino da velocidade de reacção 7.4. Treino das capacidades de velocidade no sprint

7.4.1. Capacidade de aceleração 7.4.2. Velocidade máxima 7.4.3. Velocidade resistente

Page 397: Metodologia Do Treino Desportivo

356 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

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em Revista, nº3, pp. 47-55

CRUZ, S. A velocidade na metodologia do treino desportivo, 2º parte, Futebol

em Revista, nº4, pp. 45-62

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MARTIN, D. (1991) Handbuch Trainingslehre, verlag Hofmamn Schorndorf

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PROENÇA, J., (1983) Teoria e Metodologa do Treino - Atletismo (Antologia

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SCHIFFER, J. (1996) Woerterbuch Leichtathletik und Training, Verlag Sport

und Buch Stauss, Koeln

WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris

WILLMORE, J., COSTILL, D. (1994) Physiology of Sports and Exercise,

Human Kinetics Champaig, EUA

VERCHOSHANSKIJ, J. (1992) Ein Neves Trainingssystem fur, Zyklische

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ZATSIORSKY, V., (1966) Les qualités physiques du sportif, Moscovo, Doc

INS nº685

Page 398: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 357

O objectivo central do treino desportivo é preparar os praticantes para a

obtenção dos seus melhores resultados, quer no âmbito individual quer

colectivo. O progresso do rendimento desportivo - quer individual quer

colectivo - realiza-se sobre uma base vocacional/genética que caracteriza o

próprio praticante. Esta ideia é frequente no que diz respeito ao treino da

velocidade. "Os sprinters nascem não se fazem" é a frase muito divulgada e a que

melhor pode ilustrar a suspeita generalizada de que a velocidade não é muito

permeável ao aperfeiçoamento.

Todavia, a velocidade é a capacidade motora mais importante do complexo de

pressupostos em que se baseia o rendimento desportivo. Com efeito, a

evolução e a tendência dos factores técnico e táctico dos praticantes expressas

muito especialmente pelas características das competições, sejam os resultados

obtidos através de grandezas mensuráveis ou por avaliações pontuais. A

velocidade participa intensamente no rendimento sinteticamente medido ou por

metros, por segundos, por quilogramas, por golos, por pontos, etc.

A performance final na generalidade das modalidades desportivas é em

primeiro lugar condicionada pela velocidade com que os praticantes executam

as suas tarefas. No fundo trata-se sempre de reagir mais rapidamente, de

realizar o movimento mais velozmente, para se antecipar e alcançar superação

a correr, saltar, lançar, interceptar, bater, levantar, virar, atacar (defender), etc.

Daqui resulta, evidentemente, uma dinâmica de carga na qual a velocidade se

acentua como factor condicionante do sucesso, associada, como é óbvio, às

demais componentes da estrutura complexa da performance desportiva.

As dúvidas existentes sobre a treinabilidade da velocidade têm a ver com a

relação custo - benefício, muito desfavorável para o praticante. Ao

investimento realizado no treino não tem correspondido uma evolução

proporcional do rendimento da velocidade, pelo menos em idêntica proporção

Page 399: Metodologia Do Treino Desportivo

358 • Metodologia do treino desportivo I !

à de outras capacidades motoras. Na base da evolução do rendimento

desportivo tem estado quase sempre o pressuposto de que tudo evolui em torno

do volume e da intensidade do treino. O volume, sobretudo, marcou toda a

última fase de desenvolvimento do treino desportivo. O treino da velocidade

orientou-se, na prática, por princípios idênticos ao do treino das outras

capacidades. Sabe-se hoje, porém, que a organização funcional que responde à

velocidade não se rege pelos mesmos princípios. É com base nesta afirmação

que se dará forma a esta introdução ao treino da velocidade.

1. Velocidade como capacidade elementar

A velocidade é uma das capacidades que constituem o complexo condicional -

coordenativo. À semelhança da força e da resistência a velocidade é

considerada uma dimensão motora dada a sua autonomia (ou independência)

relativamente às outras capacidades. Com um significado semelhante,

Bauersfeld e Voss (1992) designam "a velocidade como pressuposto elementar

do rendimento desportivo".

Estes autores definiram as características que quando reunidas caracterizam um

pressuposto elementar, a saber:

• é determinado e influenciado, de forma dominante, por um determinado

sistema funcional;

• é transferível entre movimentos estruturalmente semelhantes;

• tem significado para todos os movimentos (gestos) desportivos, estando

assim contido em todos os gestos desportivos;

• o seu grau de expressão não é influenciado pelo grau de expressão de

outros pressupostos do rendimento ainda que surja a eles associada no

movimento e com eles estabeleça relações;

• em rendimentos desportivos de alto nível não são compensáveis, isto é,

um grau de expressão insuficiente de uma capacidade não é compensável

por um outro pressuposto do rendimento desenvolvido acima da média;

Page 400: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 359

• necessita para o seu desenvolvimento, de um sistema, próprio, de meios e

métodos.

2. Definição do conceito

No treino desportivo como em qualquer outra área do conhecimento e da

actividade humana abundam os termos e proliferam as definições. Sem

terminologias específicas não é possível a comunicação oral e escrita.

Tentemos então, desde já, definir o conceito de velocidade.

Um dicionário não serve para criar linguagem, mas para a reflectir. Por isso

mesmo julga-se útil empreender uma pequena volta por alguns dos léxicos que

à velocidade dedicaram algumas linhas de atenção:

Oxford dictionary of sports science and medecine, autor: Kent:

• distância percorrida na unidade de tempo medida em m/s. É uma

quantidade escalar;

• capacidade para realizar um movimento num curto espaço de tempo.

Dictionary of the sports and exercise sciences, autor: Anshel: a

quantidade escalar do vector velocidade.

Webster's sports dictionary, autor: Copeland: capacidade de correr ou de

se mover rapidamente.

Noutras fontes obtemos outros pormenores sobre o termo:

The facts on file dictionary of fitness, autor: Friedberg: a rapidez com a

qual movimentos sucessivos do mesmo tipo são produzidos.

Training Theory, autor: Frank Dick: a velocidade como factor do

rendimento desportivo refere-se à:

• velocidade de coordenação de acções articulares, como por exemplo, a

perna livre do barreirista;

• velocidade dos movimentos que envolvem todo o corpo, como por

exemplo, velocidade de sprint. Pode desempenhar um papel directo na

obtenção do resultado como na corrida de velocidade ou indirecto como

Page 401: Metodologia Do Treino Desportivo

360 • Metodologia do treino desportivo I !

na obtenção de energia cinética de que o saltador necessita para explorar

as capacidades musculares reactivas da perna de chamada.

Destes contributos podemos obter a seguinte definição síntese: a velocidade é a

capacidade de reagir, rapidamente, a um sinal ou estímulo e/ou efectuar

movimentos com oposição reduzida no mais breve espaço de tempo possível

Podemos também retirar outras características da velocidade que poderão ser

importantes posteriormente:

• a velocidade pode observar-se e medir-se quer em gestos acíclicos -

isolados - quer em gestos acíclicos - de repetição sucessiva;

• a velocidade é mensurável, através da duração dos gestos e dos espaços

percorridos. Por exemplo: pode medir-se a velocidade média em m/s, em

movimentos cíclicos, relacionando o espaço percorrido com o tempo gasto.

Medindo a modificação sucessiva da velocidade do corpo ou de um

segmento corporal isolado pode obter-se o valor da aceleração. A curva

obtida através da união das diferentes velocidades, obtidas durante a

aceleração, revela a velocidade máxima.

3. Modalidades em que se manifesta a velocidade.

Procuraremos situar a velocidade no âmbito das modalidades desportivas.

Prestemos atenção às palavras de um dos mais proeminentes autores da

actualidade no domínio da Teoria e Metodologia do Treino, Yuri

Verchoshanskij: "o rendimento desportivo é determinado por diferentes

factores, que também desempenham um papel significativo no desenvolvimento

do rendimento do praticante. Esses factores não têm todos o mesmo valor.

Alguns são mais importantes ou um é o mais importante - o factor principal -

que determina de forma dominante e objectivamente o rendimento desportivo e

a sua evolução. Se a partir daqui analisarmos as várias modalidades

desportivas, no âmbito da locomoção, podemos ver a velocidade de

Page 402: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 361

movimentos do praticante, como o factor dominante. A velocidade, e apenas

ela, determina em último lugar o resultado desportivo. Todos os outros

factores, como por exemplo a técnica desportiva, a capacidade táctica, as

capacidades psíquicas e intelectuais, a força e a resistência são, também,

naturalmente, importantes mas não "fazem" o rendimento. 0 estabelecimento

concreto de objectivos no âmbito do desenvolvimento destes factores consiste

então em proporcionar a execução do exercício de competição com a máxima

velocidade possível e possibilitar novos progressos da velocidade, através do

aperfeiçoamento quantitativo e qualitativo no treino".

A velocidade não é uma manifestação motora exclusiva das corridas de

velocidade. Ela expressa-se numa enorme quantidade de gestos desportivos.

Vejamos alguns exemplos avulsos nos quais a velocidade é determinante:

• a velocidade de execução das técnicas nos desportos de combate

possibilita ao praticante ser eficaz, antecipando-se às decisões defensivas e

ofensivas dos adversários;

• a velocidade nos jogos desportivos colectivos exprime-se quer na rapidez

da concretização das opções tácticas colectivas que no âmbito da técnica

individual. Basicamente uma maior velocidade de impacto do pé (futebol)

ou da mão (voleibol) na bola ou uma maior velocidade de projecção da bola

da mão (andebol) possibilita trajectórias mais longas e/ou mais rápidas;

• a velocidade com que o remo e a pagaia se desloca na água,

impulsionados pela própria velocidade do praticante, condiciona a

velocidade de deslocação da embarcação;

• a velocidade da corrida e a velocidade dos apoios nas diferentes chamadas

- no tapete ou no salto de cavalo - do ginasta é determinante na obtenção das

trajectórias ideais do seu corpo;

• a velocidade de projecção do corpo, dos blocos para a água, é critério de

eficácia na partida do nadador;

• a velocidade com a qual o nadador efectua a sucessão de ciclos de

braçada determina a velocidade de deslocação na água;

Page 403: Metodologia Do Treino Desportivo

362 • Metodologia do treino desportivo I !

• a velocidade com que se executam as chamadas dos saltos no atletismo

são decisivas para as distâncias ou alturas alcançadas. A velocidade da

chamada é também por sua vez, determinada pela velocidade da corrida que

a precede;

• a distância obtida pela bola de golf é determinada pela velocidade do

"swing" e, consequentemente, pela velocidade de impacto do taco na bola;

• a velocidade é a "grosso modo", o factor decisivo em todas as corridas.

Apenas varia o seu "estado de pureza", mais evidente nas disciplinas de

sprint.

4. Formas básicas de estruturação da velocidade nas modalidades desportivas

Basicamente a velocidade manifesta-se das seguintes formas: i) velocidade de

reacção, ii) velocidade de execução, iii) capacidade de aceleração, iv) velocidade

máxima e a, v) velocidade resistente.

4.1. Velocidade de reacção

É a capacidade do sistema neuromuscular reagir a uma dada estimulação no

mínimo tempo. A reacção ao estimulo pode ser considerada em dois tipos:

reacção simples reacção complexa.

4.1.1. A reacção simples

A reacção simples é a resposta a um sinal conhecido antecipadamente,

com a pré-percepção do momento em que vai ser dado e com o

conhecimento do tipo de resposta a elaborar.

4.1.2. A reacção complexa

A reacção complexa é a resposta a um sinal para a qual não se conhece

com precisão nem a natureza deste, nem o momento do seu aparecimento

Page 404: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 363

e nem a resposta especial. É por exemplo a resposta técnica-táctica a uma

bola ou a um companheiro ou a um adversário em movimento. É uma

reacção por escolha, por selecção dentre as várias soluções possíveis,

sendo característica dos desportos colectivos e de combate. A velocidade

e a precisão da reacção complexa, especialmente nos desportos

colectivos e nos de combate são determinadas pelos seguintes factores:

capacidade de observação, dependente da precisão da percepção do

envolvimento que se traduz no reconhecimento rápido das situações

modificadas;

capacidade de se orientar correctamente, dependente do sentido de

equilíbrio e da adaptação motora;

capacidade técnica, isto é, nível do «savoir-faire» desportivo;

equipamento táctico, ou nível do pensamento táctico;

conhecimentos e experiências na modalidade desportiva;

capacidade de antecipação e de resolução pela escolha da reacção

de resposta correcta perante a situação;

velocidade do movimento, como elemento exteriormente

condicionante.

4.2. Velocidade de execução

É a capacidade do sistema neuromuscular efectuar um gesto com a

velocidade de contracção máximal de um músculo ou grupo muscular. A

velocidade de execução é, assim, a velocidade máxima de contracção ao

executar-se um só gesto técnico, por exemplo, o salto, o lançamento, o

golpe, o corte, o remate, o batimento, etc. Constitui, portanto, característica

dos movimentos desportivos acíclicos e está intimamente ligada a outra

qualidade que é a força explosiva.

Nesta conformidade, à velocidade de execução se apresentam dois

problemas: um respeita ao nível da resistência a vencer para a execução do

Page 405: Metodologia Do Treino Desportivo

364 • Metodologia do treino desportivo I !

gesto e o outro respeita ao nível de força muscular máximal a aplicar. A

velocidade de execução será tanto maior quanto menor for a resistência a

vencer.

4.3. Capacidade (velocidade) de aceleração

Por velocidade de aceleração, deve entender-se a capacidade de acelerar

rapidamente a partir da posição de repouso (parado) e alongar o período de

aceleração. Será, relativamente ao sprint, a qualidade que permite

desenvolver a aceleração do movimento até à obtenção da velocidade

máxima. A partir da obtenção desta, ou se observa uma aceleração igual ou,

desde logo, uma desaceleração, um abaixamento do valor da aceleração.

Um corpo para alterar o seu estado de repouso (e de movimento), necessita

que sobre si actue uma força (principio da inércia). Este fenómeno é

característico da actividade e observa-se portanto no gesto desportivo,

objectivado pelo deslocamento no espaço com maior ou menor velocidade.

A aceleração exprime a razão da variação da velocidade, medida

normalmente em termos de média. Torna-se claro que ao aumentar-se a

aceleração se aumenta a velocidade. Assim aplicam-se alguns princípios da

biomecânica:

percurso de aceleração longo;

influencia continua da força, através da coordenação das forças

parciais; a aceleração deve começar pela mobilização das massas

musculares maiores, as quais se contraem mais lentamente mas mais

vigorosamente; este fenómeno é de grande importância para a aceleração

inicial dado que se trata de vencer a inércia e o atrito de parte ou de todo

o corpo ou também do sistema corpo-engenho;

Page 406: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 365

a ordem de mobilização muscular será encadeada de molde a que a

seguinte se faça quando a actividade da anterior tiver atingido o seu

máximo;

utilização máximal da força, com estabelecimento de tensão

preliminar; se a musculatura estiver previamente tensa na medida eficaz

torna-se possível exercer uma força maior; esta obtém-se pelo

alongamento do músculo o que acresce o rendimento, pois o seu

encurtamento máximo possível é de metade do seu comprimento, dando

assim um maior percurso de aceleração.

4.4. A velocidade máxima

Considera-se como a capacidade do sistema neuro-muscular vencer o maior

espaço possível, através de um esforço máximo e por uma frequência de

movimentos correspondentes, é também designado por velocidade de sprint.

A velocidade máxima depende de imediato de dois factores:

nível de velocidade de aceleração;

frequência e amplitude das passadas.

É evidente que desempenham papel de relevo a força, na sua dimensão

explosiva, particularmente na impulsão, e a acção técnica.

4.5. A velocidade resistente

É a capacidade de resistir à instalação da fadiga durante a aplicação de

cargas de intensidade máximal e sub máximal consubstanciado por uma

produção de energia anaérobia. Nos exercícios ciclicos esta capacidade é

solicitada no sentido de impedir que se produza uma quebra após a obtenção

da velocidade máxima.

A velocidade resistente é a combinação de duas qualidades a velocidade e a

resistência. Com efeito, depende dos seguintes factores:

Page 407: Metodologia Do Treino Desportivo

366 • Metodologia do treino desportivo I !

nível das reservas de energia (fosfocreatina e ATP);

capacidade de mobilização dessas reservas de energia na falta de

oxigénio;

capacidade de compensação e de tolerância (reservas alcalinas). Ou

seja, a capacidade de neutralizar as reacções ácidas pela mobilização das

reservas alcalinas;

capacidade de os músculos se poderem ainda contrair mesmo em

presença de forte concentração de ácido láctico no sangue; e,

capacidade volitiva. Mobilização das reservas da vontade.

5. Factores de que depende a velocidade

Para se entender correctamente a fundamentação fisiológica da velocidade,

deveremos começar por distinguir energia de informação.

A contracção muscular processa-se, em última instância, através da energia

química disponível nos músculos sob forma de ATP, cuja resíntese, através das

vias anaerobia ou aerobia, possibilita a continuação da actividade muscular.

Embora o movimento não seja possível sem a presença do ATP na fibra

muscular não deveremos ignorar a Informação. A velocidade é uma capacidade

motora que requer sobretudo um trabalho eficaz do sistema neuro-muscular.

Neste sistema as mensagens circulam sob a forma de sinais nervosos os quais

se convencionou designar por informação. Na teoria da Informação esta mede-

se em Bites.

O tratamento da informação que flui pelas fibras nervosas aferentes processa-

se através dos mais de 10 biliões de neurónios existentes no sistema nervoso

central. Uma fibra nervosa pode propagar cerca de 10-15 Bites/seg. O fluxo de

informação de todas as fibras nervosas aferentes é de cerca de 100 milhões de

bites/seg. Desta enorme quantidade de informação só 10-20 bites/seg. são

percepcionados conscientemente durante o trabalho de processamento

realizado no cérebro. A maior parte da informação é processada

Page 408: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 367

inconscientemente. 50 a 1000 bites/seg. são debitados para o exterior após

tratamento.

Estes processos nervosos inconscientes acontecem em grande parte no domínio

neuromuscular. Particularmente os programas motores cuja duração não

ultrapassa, geralmente, os 200 ms não são conduzidos e controlados

conscientemente. Parte-se do princípio que só após 200 ms se pode reagir a um

estímulo exterior (exteroceptivo). Torna-se cada vez mais evidente a

necessidade de oferecer mais atenção a este domínio fisiológico.

Provavelmente o rendimento desportivo - e em particular a velocidade -

depende mais - do que se julga - da imensa rede neuronal e da informação que

a percorre do que da energia química que os músculos consomem.

Neste conexto, há um conjunto de condições necessárias à obtenção de um

determinado nível de velocidade: i) a velocidade de propagação dos impulsos

nervosos, ii) elevada quantidade de fibras de contracção rápida, iii) capacidade

de recrutamento de um elevado número de fibras musculares, iv) capacidade de

alternar a contracção e a descontracção da musculatura, v) mobilização da

vontade, vi) eficiência dos mecanismos bioquimicos, vii) qualidade técnica e,

viii) nível de mobilidade articular.

5.1. Velocidade de propagação dos impulsos nervosos

O movimento voluntário tem a sua origem nos centros motores corticais do

sistema nervoso central, o qual desempenha uma função reguladora da

mobilização dos processos nervosos para a execução.

No que respeita ao trabalho de velocidade, sabe-se que é somente por uma

grande mobilização dos processos nervosos, na alternância rápida da

excitação dos músculos sinergistas e da inibição dos antagonistas que os

gestos desportivos podem ser executados em grande velocidade. A

velocidade da contracção muscular não pode ser modificada mas a

Page 409: Metodologia Do Treino Desportivo

368 • Metodologia do treino desportivo I !

velocidade de condução do influxo nervoso e a sua coordenação podem ser

alteradas.

Portanto, quanto mais rápida for a mudança da estimulação para a inibição

maior pode ser a velocidade de reacção e também maior a frequência (ligada

à velocidade de execução). A complexidade do movimento acentua-se com

a velocidade e o sistema nervoso central coordena as acções parcelares

determinantes do conjunto, seja desde os movimentos dos pés, das pernas,

dos braços, etc., de forma a que se torne altamente eficaz.

5.2. Elevada quantidade de fibras de contracção rápida (FT fibers)

As fibras vermelhas, também chamadas fibras musculares tónicas, contêm

uma percentagem elevada de mioglobina, o que lhe permite grande

acumulação de oxigénio, e estão, por isso, aptas a realizar "performances"

de resistência; todavia, contraem-se mais lentamente que as fibras brancas,

ou fásicas, que têm percentagem elevada de miofibrilhas, aptas pois à

velocidade, mas de resistência relativamente fraca .

Alguns músculos são unicamente compostos por fibras vermelhas e outros

por fibras brancas, e ainda pelas intermédias. Na maior parte dos casos

encontram-se num mesmo músculo fibras vermelhas e brancas, misturadas

em determinada proporção. Todavia, no músculo humano, pode-se também

comprovar a existência de funções diferentes, mas tratar-se-á da

predominância e não da função única, porque será a maior ou menor

quantidade de cada tipo de fibras que estará na origem da acção.

Page 410: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 369

Em suma, todos estes factos são importantes ao analisarmos o problema de

velocidade, pois que não é possível alterar decisivamente pelos estímulos o

sistema inato do indivíduo. Poder-se-á dizer que há uma capacidade de

velocidade inata consequente de estrutura muscular inata que limitará a

performance do atleta. De facto não se poderá fazer um «sprinter» da elite

mundial de um corredor cujos músculos sejam predominantemente

constituídos por fibras vermelhas (tónicas, resistentes).

5.3. Capacidade de recrutar um número elevado de fibras musculares

Entende-se por força muscular a aptidão de um músculo realizar trabalho e

de opor uma tensão a uma resistência. Em desporto, tratar-se-á de fixar ou

deslocar o corpo, ou parte, em vários sentidos, o que se obtém pela

transformação, realizada pelos músculos, de energia química em energia

mecânica.

Com efeito, a força é um elemento decisivo nas corridas curtas, nos saltos,

etc. A realização do movimento está ligada por um lado à maior ou menor

capacidade muscular de vencer a resistência e por outro lado à capacidade

do músculo se contrair mais ou menos rapidamente.

5.4. Capacidade de alternar de forma fluida a contracção e a descontracção da

musculatura (tanto dos músculos sinergistas como dos antagonistas)

Sobre este assunto devemos relembrar os trabalhos de Yurij Wysotschin

(1975). Através da Polimiografia avaliou diferentes factores como por

exemplo velocidade de reacção, velocidade de contracção (capacidades

explosivas) força máxima, velocidade de relaxação, estado funcional de

diferentes grupos musculares assim como globalmente do sistema

neuromuscular. Encontrou, inevitavelmente, diferenças no estado funcional

dos atletas velocistas pertencentes a grupos de rendimento diferentes.

Porém, foi na velocidade de relaxação que se detectaram as maiores

diferenças. Este facto levou Wysotschin a considerar que esta capacidade é

Page 411: Metodologia Do Treino Desportivo

370 • Metodologia do treino desportivo I !

condicionante das outras mesmo que desenvolvidas em níveis elevados.,

nomeadamente os valores relativos à força rápida.

Verificou ainda com atletas de outras modalidade que 24 horas após um

treino de força rápida os valores da força aumentaram registando-se,

todavia, uma pequena redução do valor da capacidade de relaxação. Após

um treino de resistência observou-se a descida dos valores da força e um

aumento da capacidade de relaxação. Com base em investigação prolongada

verificou também um aumento da resistência anaerobia geral dos velocistas.

Porém, a conclusão mais curiosa do trabalho de Wysotschin foi a de que é

possível melhorar a velocidade resistência dos sprinters melhorando o

relaxamento muscular. O relaxamento favorece, aqui, um funcionamento

mais económico da musculatura.

5.5. A mobilização da vontade

O praticante ao pretender superar o adversário, ou superar-se a si próprio,

faz esforços de vontade maiores ou menores, os quais no domínio da

velocidade são maximais.

É sabido que, quanto às qualidades físicas, existem reservas que serão

maiores ou menores conforme o maior ou menor esforço volitivo e mesmo

uma determinada percentagem escapa à vontade. Contudo a performance

desportiva de velocidade depende de outros elementos. Assim no tocante à

táctica e à técnica os esforços de vontade maximais deverão constituir factor

determinante somente após a estabilização técnica. Na realidade a técnica

influencia grandemente as performances de velocidade e está confirmado

que os esforços maximais não conduzem ao resultado máximal.

5.6. Eficiência dos mecanismos bioquímicos

Page 412: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 371

A energia necessária à contracção muscular característica da velocidade é

predominantemente fornecida pelo processo anaerobio em dois tipos de

reacção química. O primeiro, dito aláctico, efectua-se sem que a fibra

muscular produza ácido láctico. O segundo, dito láctico, efectua-se com

produção de ácido láctico. Estes dois processos constituem as fontes de

energia anaerobia, as quais se completam com um terceiro processo que

corresponde às fontes de energia aeróbia.

As reservas anaeróbias alácticas são representadas por um grupo de

compostos fosforados de alta energia (fosfocreatina, ATP) e portanto são as

fontes principais para fornecer energia elevada durante curto tempo, por

exemplo nos gestos acíclicos, isto é, no levantamento, no remate, no

lançamento, no salto, na partida e acelerações, etc. Pelo treino é importante

que se obtenha um acréscimo da concentração destas reservas (PC, ATP) e

que a capacidade e velocidade da sua mobilização sejam também

aumentadas.

As reservas anaeróbias lácticas são constituídas pela degradação do

glicogénio do músculo ou da glucose proveniente do fígado originando o

ácido láctico. É uma fonte de energia mais lenta que a aláctica e que

participa no movimento de velocidade acima de 30 segundos, ou seja nas

corridas de 400 metros do atletismo e nas acções correspondentes dos outros

desportos. O desenvolvimento dos factores ligados a esta fonte, láctica, visa

o aumento da capacidade de compensação e tolerância do organismo à

acumulação do ácido láctico.

5.7. A qualidade técnica

A qualidade técnica é condição essencial para a obtenção de uma elevada

performance no domínio da velocidade.

Page 413: Metodologia Do Treino Desportivo

372 • Metodologia do treino desportivo I !

Podemos ter um atleta de 110 metros com barreiras muito rápido a correr a

distância plana, mas carente tecnicamente na transposição dos obstáculos,

que a sua performance naquela prova é reduzida fortemente por este facto.

Podemos ter um basquetebolista muito rápido a executar o movimento de

lançamento ao cesto, mas se não possuir o afinamento técnico necessário à

determinação das precisões das trajectórias, muito embora não possibilite a

intercepção, não obterá sucesso na introdução.

A consolidação da técnica corresponde à estabilização da coordenação fina

e à sua aplicação correcta em condições variáveis. Os movimentos são

precisos, exactos e eficientes, pois são realizados economicamente, com o

menor dispêndio de energia. É a automatização da capacidade de efectuar

um complexo de movimentos, ou seja, o estado particular no decurso do

qual se efectuam com uma participação reduzida ou nula da consciência .

5.8. Nível de mobilidade articular

Entende-se por mobilidade a capacidade de um indivíduo executar

movimentos com determinada amplitude. É também limitadora da

velocidade, nomeadamente a de execução, a de aceleração e a maximal,

tanto no aspecto qualitativo como quantitativo.

A mobilidade do desportista é limitada, primeiro que tudo, pela elasticidade

do conjunto muscular, tendinoso e ligamentoso em acção. Uma boa

elasticidade permite a amplitude optimal do movimento, a qual seria

reduzida se a musculatura estivesse encurtada. Este aumento da margem do

movimento, ou seja da amplitude, possibilita o acréscimo do percurso de

aceleração, elevando se por isso, como já vimos, a velocidade.

Page 414: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 373

6. Conceitos fundamentais no treino da velocidade

Apesar do papel relevante que a velocidade desempenha na maioria das

modalidades desportivas ao seu conhecimento são dedicados menos estudos do

que às outras capacidades. O seu peso na bibliografia é também

significativamente inferior.

Isto deve-se, sobretudo, ao facto da velocidade se apoiar no sistema nervoso.

Este é, como se sabe, dos territórios menos conhecido da fisiologia humana.

Por este motivo abundam na bibliografia, dedicada à velocidade, numerosas

referências energéticas, como se de uma pura capacidade condicional se

tratasse. A doutrina energética aplicada à velocidade bem assim como a

convicção de que o seu desenvolvimento depende muito do desenvolvimento

da força muscular tem colocado a velocidade dependente dos princípios gerais

da adaptação ao esforço e respectiva supercompensação. A prática tem

mostrado que este não é o caminho correcto.

Tudo indica, como já se referiu anteriormente, que toda a teoria sobre a

velocidade deve ser reorientada no sentido da informação. Em consequência a

velocidade deve cada vez mais ser ordenada nas capacidades coordenativas e

não nas capacidades condicionais. Com esta orientação são escassos os

trabalhos de investigação. Um dos trabalhos de investigação mais

prometedores surgiu em 1992 assinado por Monika Bauersfeld e Gerald Voss.

E com base nas orientações destes autores que iremos abordar os pontos

seguintes.

6.1. Programa temporal

Como já vimos a velocidade dos gestos desportivos depende da capacidade

de regulação e condução neuromuscular.

Page 415: Metodologia Do Treino Desportivo

374 • Metodologia do treino desportivo I !

Todos os gestos desportivos são realizados com base nas capacidades de

regulação e condução neuromuscular. Nos casos dos gestos rápidos de

velocidade, este processo constitui padrões de inervação, constituídos com

base quer nas exigências motoras da actividade quer nas limitações das

próprias estruturas fisiológicas.

Sem polemizar em torno do que é inato e do que é adquirido julga-se ser

necessário reduzir o pessimismo inatista investindo precocemente na

aquisição de padrões de inervação, concordantes com os objectivos

definidos.

A constituição fisiológica do padrão de inervação expressa-se no âmbito

motor como um programa temporal (P.T.). O programa temporal contem o

comando para a sucessão de impulsos nervosos que corresponde às

contracções musculares necessárias ao gesto motor. Coordena igualmente a

actividade bioeléctrica do músculo, inclusive a sua duração.

6.1.1. Movimentos acíclicos

Nos movimentos rápidos e acíclicos distinguem-se, basicamente, dois

programas temporais distintos: programa temporal de curta duração e

programa temporal de longa duração. O exercício acíclico rápido

escolhido para estudar o comportamento destes conceitos foi o ressalto

em profundidade a pés juntos (queda de uma altura de 35 a 40 cms). A

medição do tempo de contacto no solo e o registo electromiográfico

servem de critérios para distinguir os P.T.'s.

6.1.1.1. Programa Temporal de curta duração

Page 416: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 375

1. Impulso rápido dirigido directamente para o músculo principal.

2. 0 padrão de inervação caracteriza-se por uma pré-inervação (antes

do contacto).

3. Coactivação entre os músculos principais.

4. Maior elasticidade muscular.

5. Subida rápida da actividade muscular na primeira parte do

movimento.

6. 0 registo electromiográfico revela, habitualmente, apenas um pico

de actividade.

6.1.1.2. Programa Temporal de longa duração:

1. Não revela impulsos directos e rápidos para os músculos principais.

2. As fases de pré-inervação são mais reduzidos ou inexistentes.

3. As fases seguintes da actividade muscular são intercaladas com

fases de actividade mais reduzida e fases de estabilização.

4. 0 registo electromiográfico revela mais do que um pico de

actividade.

Observou-se que estes 2 grupos de características são delimitados por

uma duração de contacto no solo na ordem dos 170 ms., isto é, uma

duração de contacto inferior a 170 ms é característica de um programa

temporal de curta duração enquanto que durações de contacto superior

a 170 ms revelam um Programa temporal de longa duração. Daqui é

fácil inferir que noutros gestos, ou exercícios, durações diferentes

poderão corresponder aos mesmos grupos de exigências e assim

identificar os respectivos P.T's.

Page 417: Metodologia Do Treino Desportivo

376 • Metodologia do treino desportivo I !

Figura 68. Representação de um modelo de inervação de um programa temporal de curta duração (esquerda) e de um programa temporal de longa duração (direita) (modif. seg. Bauersfeld e Voss, 1992)

VI (ms) - duração da pré-inervação PVA (ms) - fase de actividade mais reduzida

GA (ms) - tempo de actividade até ao primeiro pico TA (ms) - fase de actividade principal

6.1.2. Movimentos cíclicos

A generalidade das modalidades desportivas contem gestos acíclicos

integrados em gestos cíclicos. Nos gestos cíclicos a frequência de

movimentos é um pressuposto essencial para a produção de velocidade.

Tomando como exemplo a velocidade de corrida ela é produto da

amplitude da passada pela frequência da passada.

As formas de manifestação da frequência gestual observam-se de forma

diversa em diferentes modalidades como por exemplo: frequência de

passada (corrida), frequência de pedalada (ciclismo), frequência de soco

(boxe, karaté), frequência de remada (remo), frequência de pagaiada

(canoagem), frequência de braçada (natação). O critério de rendimento

designado frequência gestual aplica-se a movimentos com exigências

Page 418: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 377

elevadas de velocidade. "Grosso modo" a frequência gestual consta da

repetição - tão numerosa quanto possível- na unidade de tempo de gestos

com uma qualidade desejável. Dada a clara relação existente entre a

frequência de pedalada (Ciclismo) e a idade poderemos concluir que os

valores da frequência são influenciados pela força muscular

No que respeita à frequência de passada devem considerar-se outros

factores como influentes. Análises da frequência de passada revelam que

os valores mais elevados são obtidos nos níveis mais elevados de

rendimento. Porém verifica-se que em todos os níveis etários existem

casos de praticantes que atingem frequências que se aproximam dos

valores médios do alto nível.

Segundo existem crianças de 3-6 anos que ultrapassam a frequência dos

atletas de alto nível. Nos casos da frequência de pedalada e da passada é

verificável que os valores obtidos são o resultado duma rede de

influências tecida por outros factores do rendimento. Por outras palavras

estas formas de manifestação da frequência não se apresentam no "estado

puro" não podendo assim ser consideradas como expressão da velocidade

cíclica elementar.

As características desejadas pela velocidade cíclica elementar foram

encontradas no teste de frequência "batimento de pés". Sentado numa

cadeira, pernas paralelas flectidas a 90 graus O praticante executa

batimentos no solo alternados com cada um dos pés, a amplitude é

escolhida pelo praticante.

Segundo Fischer/Lehmann, citados por Bauersfeld e Voss (1992) o

carácter elementar da velocidade cíclica verifica-se em movimentos de

amplitude reduzida com velocidade máxima sem oposição para vencer,

durante 6 segundos. As diferenças qualitativas no programa temporal

cíclico das pernas diferencia-se no referido teste em 6 segundos com 12

Page 419: Metodologia Do Treino Desportivo

378 • Metodologia do treino desportivo I !

repetições (Hz) por segundo. Valores acima de 12 Hz reflectem um P.T.

ciclo curto. Valores abaixo de 12 Hz reflectem um P.T. ciclo longo.

Um dos factores que condiciona a velocidade da frequência gestual é a

capacidade de relaxação da musculatura envolvida no exercício. Como

referido no início a velocidade é um pressuposto elementar do

rendimento desportivo. A qualidade dos processos neuromusculares em

que a velocidade se fundamenta reflectem-se em Programas Temporais

de movimentos acíclicos e cíclicos

6.2. Transferência dos programas temporais

Até aqui referiram-se os programas temporais como manifestações

elementares da velocidade. Elementares porque relativamente independentes

doutros factores do rendimento. Para a prática é agora relevante saber se

estes P.T's. podem ser transferidos de um gesto para outro ou se são

pertença de cada gesto executado, necessitando de uma formação própria.

Reforçando a opinião de que a velocidade se relaciona mais com os factores

neuromusculares, típicos da aprendizagem técnica, do que com os factores

energéticos procuraremos razões na fisiologia do sistema nervoso.

Contrariando a opinião clássica de que para cada movimento específico

existe um programa motor independente no sistema nervoso central, isto é,

que cada gesto deve ser desenvolvido como uma habilidade, avança-se

agora com uma concepção mais "flexível". O programa motor não existe

sob a forma de programa complexo de grande dimensão mas sim como um,

subprogramas. Estes subprogramas elementares são úteis para um grande

número de movimentos complexos - são portanto transferíveis.

Segundo Bauersfeld e Voss estes programas elementares são sobretudo

usados em movimentos extremamente breves não reguláveis

conscientemente. Esta concepção de programa corresponde à noção de

"Engram".

Page 420: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 379

Vejamos como Wilmor e Costill (l994) definem este conceito "quando você

aprende uma nova habilidade motora, os períodos iniciais de prática

requerem uma concentração intensa. Quando está mais familiarizado com

tal habilidade verifica-se que não necessita concentrar-se tanto.

Finalmente, a partir do momento em que aprende a habilidade, ela pode ser

"chamada" com esforço reduzido ou inconsciente. Como é que se atinge

este ponto? Padrões motores específicos aprendidos parece estarem

armazenados no cérebro para serem repetidos quando necessário. Estes

padrões motores memorizados são referidos como programas motores ou

'ÉNGRAM".

Engram's são aparentemente armazenados nas porções sensorial e motora no

cérebro. Aqueles que se situam na porção sensorial do cérebro "servem"

para os padrões motores mais lentos. Os que se situam na porção motora

para os movimentos rápidos". Entendendo os Programas Temporais

elementares como Engram's deveremos concluir pela sua utilidade para

gestos com estrutura idêntica.

Segundo Muller e Fischer, citados por Bauersfeld e Voss (1992) os

programas temporais acíclico e cíclico não são transferíveis entre si. Trata-

se de programas básicos elementares independentes. Em suma os P.T's

acíclico e cíclico são 2 formas de manifestação da velocidade.

Movimentos desportivos com elevadas exigências de velocidade exigem um

desenvolvimento correspondente dos P.T's elementares acíclicos assim

como dos P.T's cíclicos. A qualidade dos P.T's. acíclico e cíclico

elementares não são determinados pelo grau de desenvolvimento dos

pressupostos da força, não mostrando nenhuma diferença significativa

específica entre os sexos.

7. Orientações metodológicas para o treino da velocidade

Page 421: Metodologia Do Treino Desportivo

380 • Metodologia do treino desportivo I !

Sem dúvida, é nas disciplinas ou modalidades com exigências elevadas de

velocidade que se observam os maiores imobilismos das performances. O facto

da velocidade ser tradicionalmente entendida e treinada, como uma capacidade

condicional tem limitado a sua progressão. É insuficiente o entendimento de

que a velocidade é um pressuposto neuromuscular elementar do rendimento.

Avaliações, citadas por Bersfeld e Voss, realizadas na ex-RDA, no âmbito do

treino com jovens 13-15 anos, revelam, nas disciplinas de saltos, que após o

treino de velocidade não se verificam quaisquer modificações qualitativas nas

estruturas neuromusculares.

Nas corridas de velocidade crianças de 9-l2 anos evoluem quase

exclusivamente através do aumento da amplitude da passada. A frequência da

passada não se altera. Também a estrutura biomecânica das chamadas nos

saltos ao mais alto nível revela uma extraordinária estabilidade, apesar do

treino realizado no âmbito da velocidade. Porém, a investigação revela que os

processos de controle e condução neuromuscular podem ser modificados

através do treino.

A eficácia do processo de treino depende por um lado da actividade realizada e

por outro do momento - idade - mais oportuno para a sua aplicação. Ao

contrário das concepções que indicam a resistência aeróbia como a primeira

prioridade do treino condicional no âmbito do treino com jovens, perspectiva-

se, agora, a orientação em favor da velocidade.

A prioridade deve ser dada ao treino da velocidade nas suas manifestações

elementares. Num período de grande plasticidade quer dos tecidos musculares

osseo e nervoso quer hormonal é possível influenciar a formação dos

programas temporais, da estruturação das fibras musculares. A modificação

destas estruturas é um processo dependente da actividade. O treino da

Page 422: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 381

velocidade estrutura-se em 2 grandes domínios: treino da velocidade elementar

e o treino da velocidade complexa.

7.1. Treino da velocidade elementar

7.1.1. Velocidade acíclica elementar

O sucesso do processo de aprendizagem tem de se basear na aquisição de

subprogramas/Engram's motores que em perspectiva correspondam o

mais exactamente possível as características finais, previsíveis, dos

gestos motores. No âmbito do treino da velocidade passa-se,

tradicionalmente, a situação inversa. Os primeiros contactos com o treino

da velocidade são geralmente baseados em programas temporais com

características diferentes do programa temporal que se procura alcançar.

Como acontece com os gestos também os programas temporais se

automatizam, caindo-se no mesmo ciclo vicioso.

Deve procurar-se então, através do treino da velocidade elementar,

constituir programas neuromusculares adequados. Estes programas

neuromusculares devem corresponder s capacidades previstas - programa

temporal curta duração. Este programa deve ser relativamente

generalizável (geral) para poder servir um grande número de exercícios.

Usam-se exercícios gerais, especiais e de competição. Porém deve dar-se

prioridade aos exercícios gerais. A escolha dos exercícios deve ser

sempre referenciada pelas exigências do programa ternporal em

competição. Este é um dos aspectos centrais do treino da velocidade

elementar. Para fazer corresponder as características dos exercícios de

treino com as características - prognóstico dos exercícios de competição

é necessário, habitualmente, modificar a natureza dos exercícios.

Possibilidades de modificação dos exercícios para assegurar o Programa

Temporal adequado:

engenhos mais leves;

Page 423: Metodologia Do Treino Desportivo

382 • Metodologia do treino desportivo I !

engenhos mais pequenos;

redução do peso do corpo;

modificação das condições dos materiais de competição: tamanho

do campo, altura da rede, distâncias, peso;

exercício com imposições exteriores da velocidade prognóstico

(tapete rolante, cicloergometro motorizado, metrónomo,

electroestímulação).

Todas as modificações tem como objectivo tornar a execução mais rápida

e, portanto, mais próxima da velocidade prognóstico. É fácil de

compreender que o uso de exercícios específicos e de competição para o

treino da velocidade elementar exige a sua modificação. É mais fácil

escolher exercícios de carácter geral que correspondam às características

desejadas.

Vejamos agora um exemplo de exercício, já conhecido, utilizado para

melhorar o programa temporal acíclico dos membros inferiores. Ressalto

em profundidade com redução do peso do corpo (30 a 50%) com uma

altura de queda de 35 a 40 cm.

Page 424: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 383

Figura 69. Ressalto em profundidade com redução do peso corporal

A redução do peso corporal tem como objectivo aumentar a velocidade

de execução constituindo, assim, um novo programa temporal. A redução

do peso do corpo do praticante é conseguida através da sua suspensão

com elásticos fixos numa tabela de basquetebol ou numa barra fixa.

A experiência foi realizada com ginastas de 7 anos com 2 treinos por

semana durante 6 semanas. Verificaram-se resultados bastante

satisfatórios nas transferências para a situação normal - sem redução do

peso corporal. Após 20 a 35 semanas os resultados mantiveram-se

semelhantes o que aponta para uma grande estabilidade das aquisições. A

eficácia deste treino pode ser aumentada se se proporcionar uma maior

motivação através de a informação (feed-back) rápida acerca dos valores

alcançados.

7.1.2. Velocidade cíclica elementar

Page 425: Metodologia Do Treino Desportivo

384 • Metodologia do treino desportivo I !

O exercício básico escolhido para a velocidade cíclica elementar foi o

pedalar no cicloergometro sem oposição. Os resultados foram positivos

registando-se um aumento de 24.3% da frequência de pedalada no grupo

experimental e apenas 6.2% no de controle.

De forma semelhante a frequência da passada - em corridas no gelo -

melhorou no exercício de competição. Embora não tenham realizado

treino específico no gelo durante a experiência a frequência de passada

melhorou claramente no grupo experimental. Verificou-se, também nesta

característica uma transferência de efeitos. É interessante verificar a

adequação do exercício de frequência no cicloergometro a muitas

modalidades.

7.1.2.1. Intensidade e volume no treino da velocidade elementar

A evolução verificada até hoje nos resultados desportivos tem sido,

sobretudo, devida exploração do volume de treino. Ainda hoje e

vulgar a confusão entre treinar bem e treinar muito. A quantidade de

tremo está temporalmente limitada. A necessidade de alternar o

esforço com o descanso bloqueia as possibilidades de aumentar o

volume mas sobretudo o aumento desmedido do volume de treino

adultera os parâmetros dinâmicos e cinemáticos específicos da carga.

O futuro aponta claramente para uma maior qualificação do treino

através do aperfeiçoamento da intensidade em interligação com uma

maior especificidade. No treino da velocidade estas tendências são

mais evidentes. Não se tratando de uma capacidade

Page 426: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 385

condicional/energética e não estando submetida aos princípios

clássicos da adaptação, a velocidade comporta-se de forma diferente.

Tabela 13. Quantidades de referência para o treino da velocidade elementar (RNRessalto em profundidade, E.E=Electroestimulacão, C.E =Cicloergometro) Modificado seg. Bauersfeld e VOSS (1992)

Em primeiro lugar a intensidade do treino deve ser máxima podendo

também ser sub-máxima e super-máxima. Em segundo lugar o volume

do treino de velocidade é muito mais reduzido do que para outras

capacidades. A produção de fadiga resultante de um número elevado

de repetições é a principal limitação da contractilidade muscular

rápida. Para que os P.T's sejam eficazmente treinados é essencial que

os valores de referência/prognóstico sejam mantidos. Atente-se por

exemplo ao conteúdo do quadro anexo - e poder-se observar como as

cargas são reduzidas.

O volume da carga poderá ainda ser mais reduzido caso se consiga

aumentar a percentagem de repetições concordantes com o padrão

neuro-muscular prognóstico. Pelo menos 50% das repetições devem

corresponder ao padrão neuro-muscular prognóstico. É curiosa a

convergência desta recomendação com a referida por Stark citado por

Bauersfeld e Voss (1992) relativamente aprendizagem técnica.

Recomenda ele que 60% das repetições devam corresponder ao padrão

técnico desejado.

Idade etapa de formação

Duração semanas

nº de unidade

Carga global

Exercício

7 11 13 14 15 Adultos

E. Inic. E. Inic. E. Orient E. Orient E. Orient Estudantes

7 8 6 6 6 6

14 16 12 12 12 14

268 220 400 420 440 142

R.P. R.P. R.P. R.P. R.P.

R.P.(E.E.) 11 12 13

E. Inic. E. Inic. E. Inic.

8 8 8

13 13 13

504 seg 504 seg 504 seg

C.E. C.E. C.E.

Page 427: Metodologia Do Treino Desportivo

386 • Metodologia do treino desportivo I !

7.1.2.2. Recomendações metodológicas

As pausas entre as repetições situam-se entre os 5 e os 10 minutos no

treino com jovens. Com adultos podem ser ampliados até aos 20

minutos:

deve evitar-se, porque é ineficaz, treinar simultaneamente um

programa acíclico e um programa cíclico;

o treino da velocidade acíclica tem carácter de base;

em modalidades com exigências de velocidade cíclica deve

treinar-se a velocidade acíclica e a velocidade cíclica (mas não

simultaneamente);

em primeiro lugar treina-se a velocidade acíclica e depois a

velocidade cíclica;

a utilização acentuada de um determinado exercício não deve

ultrapassar 5 a 6 semanas;

após 3 semanas de treino acentuado da velocidade deve incluir-

se uma fase de descanso.

Tabela 14. Exemplo de treino para desenvolvimento da velocidade acíclica

• treino com redução do peso do corpo efectuado durante o ano, por exemplo: uma vez no Outono ou após o Natal (6 semanas); uma vez em Maio (2-3 semanas); • 150 a 300 saltos em 6 semanas; • redução de 30 a 50 % do peso do corpo no momento de maior flexão no salto; • único tema da unidade de treino para obter concentração máxima; • duas unidades de treino/semana 2/3 séries por unidade de treino; • após 3 a 4 semanas de treino efectuar pausa de descanso; • 12 a 24 saltos por unidade de treino; • programa prognóstico (<170 ms) deve ser alcançado em pelo menos 50% das repetições.

Page 428: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 387

Tabela 15. Exemplos de exercícios para desenvolvimento da velocidade acíclica e cíclica Sugestões modificadas segundo Bauersfeld e Voss (1992)

* O skipping deve ser realizado sobre referências marcadas no solo - ripas de madeira - com espaços de 70 cms. Desta forma condiciona-se a amplitude e dá-se prioridade à frequência.

Tabela 16. Possibilidades metodológicas para o treino da velocidade elementar acíclica e cíclica modificado segundo Bauersfeld e Voss (1992)

Acento no Treino

Duração

Exercício

Carga Volume

Unidade Treino

Intensidade

Acíclico

4-5 semanas 2-3 partes UT/semana

Salto à corda Salto com redução do peso

2x20 Rep/série 2x15 Rep/série 4x6 Reps./série

máxima máxima máxima

Cíclico

4-5 semanas 2/3 partes UT/semana

Ergometro Skipping*

3x6 / 2-3 3x20/20

máxima máxima

Acento complexo

2-3 semanas 2 partes UT semana

Exercícios acíclicos cíclicos

4x6 reps/série 3x20/20

máxima

Programa temporal acíclico (Ressalto em profundidade)

Programa temporal cíclico (Frequência de Skipping)

Instruções para o movimento: - Orientação para os parâmetros temporais

Chamada com máxima de velocidade (não em altura) Pré-tensão consciente nos gémeos

Frequência máxima/não é e deslocação máxima Amplitude reduzida e descida do pé para baixo voluntária

Esclarecimentos sobre o movimento (com metáforas)

Saltar como uma bola de futebol muito cheia

Movimentar as pernas como uma máquina de costura

Orientadas por parâmetros espaciais

Flexão reduzida dos Joelhos Não tocar o solo com os calcanhares Não usar os braços para balanço Mais tarde, efectuar um movimento breve de balanço com os braços

Movimento das pernas para a frente Corrida sobre o 1/3 anterior do pé Amplitude reduzida dos braços, juntos ao corpo Amplitude óptima com frequência elevada e deslocação suficiente

Page 429: Metodologia Do Treino Desportivo

388 • Metodologia do treino desportivo I !

Controlo do movimento Informação rápida e simultânea

medição do tempo de apoio medição do tempo de suspensão Observação da efectividade efectividade da chamada medição dos ângulos de joelho avaliação técnica com vídeo

medição da frequência medição do tempo na distância Avaliação técnica com vídeo de frente e de lado

Método de contraste - Treino de diferenciação

Saltos com diferentes pesos sobrecarga condições standard Numa unidade de treino ou dentro duma série Objectivos diferentes Tempo de contacto Altura do Salto Parâmetros espaciais

Condições externas diferentes (altura dos obst/referências assim como a separação dos mesmos) Na relva, betão, tartan, tapetes com e sem sapatos com e sem pesos na articulação tibio-társica

7.2. Treino da velocidade complexa

Nas modalidades em que a velocidade é um pressuposto fundamental são

importantes os seguintes aspectos:

obter um programa temporal adequado as exigências neuromusculares.

Este objectivo deve ser alcançado através do treino da velocidade

elementar;

introduzir este programa temporal no exercício de competição;

interligar o programa temporal com os outros pressupostos do

rendimento desportivo específico.

Informação do treinador Sobre parâmetros espaciais simples Impressão geral Informar 4-8" após o fim do movimento Repetição do exercício após 5-10"

Sobre parâmetros espaciais simples Impressão geral é possível a informação durante o movimento

Auto- Controlo Comparação da auto-observação e comparação com os dados objectivos

Comparação da auto-observação e comparação com os dados objectivos

Apoio para a orientação do movimento

Orientação sobre a duração da fase de apoio Informar sobre a altura a alcançar

Informação acústica da frequência Limitação da amplitude através de pequenas marcas colocadas solo

Page 430: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 389

O treino da velocidade complexa procura, sobretudo, dar resposta aos

aspectos 2 e 3. Neste sentido são usados exercícios especiais e de

competição. O programa temporal elementar só por si não resolve as tarefas

específicas de competição. A sua utilidade competitiva depende da sua

utilização em exercícios especiais e exercícios de competição. Como já

vimos anteriormente isto é possível dado que o programa temporal

elementar é transferível.

Segundo Bauersfeld e Voss quando se detectam transferências insuficientes

do programa temporal para os exercícios especiais de competição isso é

causado por lacunas na execução técnica. Esta questão pode ser melhor

compreendida com um exemplo retirado do Atletismo. Nos saltos treina-se

por vezes excessivamente, com corridas de balanço mais curtas, o que

desvirtua a estrutura dinâmica do exercício. Com balanço mais curto não se

atingem as velocidades prognóstico não se realizando assim, a transferência

do programa temporal elementar.

Esta problemática é também evidente nos lançamentos com atletas jovens.

O uso de engenhos demasiado pesados retira velocidade ao exercício

impedindo a transferência do programa temporal elementar. Pelo contrário,

o uso de engenhos mais leves no treino dos lançamentos com atletas de 13-

14 anos revela (segundo Hauk, 1991) o seguinte:

o arremesso de pesos muito leves possibilita alcançar grandes

distâncias com velocidades de saída elevadas, semelhantes às obtidas por

atletas de alto rendimento;

a dinâmica do movimento aproxima-se do modelo de referência (a

sequência temporal dos máximos de velocidade e das suas relações

aproximam-se do modelo prognóstico);

o potencial físico actua no rendimento de forma mais eficiente.

Page 431: Metodologia Do Treino Desportivo

390 • Metodologia do treino desportivo I !

Para que o programa temporal actue harmoniosamente em conjunto com os

outros pressupostos específicos do rendimento é necessário que os

exercícios de competição sejam executados com intensidade igual ou

superior à velocidade prognóstico. No treino da corrida de velocidade faz-se

uso de um exercício para obter velocidades supermáximas com o fim de

proporcionar a assimilação de novos programas temporais. No passado,

estes exercícios apenas se preconizavam para vencer a chamada barreira de

velocidade. A barreira de velocidade mais não é (segundo Osolin) do que a

automatização de determinados ritmos de condução do estímulo nervoso e

que se reflectem na incapacidade de alterar os valores da velocidade

máxima. Uma das razões apontadas para a criação da barreira de velocidade

é a de treinar exclusivamente com intensidades máximas.

Hoje, com os exercícios de velocidade super-máxima procura-se aplicar

novos programas temporais (com duração mais curta) ao exercício de

competição (corrida de velocidade). Com este fim usa-se a corrida no tapete

rolante ou a corrida com tracção. O tapete rolante apresenta a desvantagem

de nem todos permitirem velocidades tão elevadas quanto as que se exigem.

A corrida com tracção mecânica (Towing nos EUA) tem a vantagem de a

velocidade ser regulável mecanicamente.

A corrida com tracção efectuada por um parceiro de treino através de um

sistema de roldanas que possibilita o desdobramento da velocidade é o

sistema mais usado. Tem porem, a desvantagem de ser pouco regulável.

Após alcançar o máximo da velocidade o atleta deve mante-la durante mais

20 metros. Um dos aspectos ao qual deve ser prestada muita atenção é a

acumulação de fadiga resultante deste tipo de treino. A fadiga neuro-

muscular revela-se extremamente persistente e duradoura. Acresce ainda o

facto da sua formação se realizar de forma extremamente silenciosa ao nível

fisiológico.

Page 432: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 391

7.2.1. O treino da velocidade complexa nos jogos desportivos colectivos e nos

desportos de combate

O treino da velocidade complexa nos jogos desportivos colectivos e nas

modalidades de combate compreende a formação das componentes

cognitivas e das componentes motoras da velocidade de acção. A

aplicação pura e simples da metodologia própria dos desportos

individuais aos Jogos desportivos colectivos e às modalidades de

combate traz consigo desilusões frequentes. A melhoria da velocidade

cíclica obtida com exercícios cíclicos não se traduz naturalmente numa

melhor velocidade de acção em situação colectiva.

O treino deve ser orientado para influenciar positivamente o processo de

percepção e análise da situação bem assim como a tomada de decisão e a

operacionalização motora. Entre as componentes cognitiva e motora da

velocidade de acção não se verificam relações estatísticas com

significado. As duas componentes devem ser influenciadas quer

diferenciadamente quer de forma complexa, isto é, integrada.

No passado, segundo Bauersfeld e Voss (1992) a componente cognitiva

da velocidade de acção foi fortemente desprezada no treino com jovens.

Devem escolher-se exercícios que pressionem temporalmente o

praticante na percepção e análise da situação bem assim como na tomada

de decisão sobre as acções a empreender. O treino da componente

cognitiva da velocidade de acção deve ser ligada fortemente com o

processo de aperfeiçoamento técnico e técnico-táctico. A escolha dos

exercícios depende do estado de formação técnica do praticante. Este é

aliás um dos défices mais marcantes do desporto português.

Pretende-se treinar muito o que não se aprendeu. Não podem ser as

insuficiências técnicas condicionar o processo decisório. A velocidade

pode ser exigida precocemente em acções relativamente elementares.

Page 433: Metodologia Do Treino Desportivo

392 • Metodologia do treino desportivo I !

Também nestas modalidades devem ter-se em atenção as exigências

específicas do desenvolvimento do respectivo programa temporal. A

resolução eficaz de situações de jogo orientadas para a velocidade exige

sobretudo uma velocidade elevada nos exercícios realizados em espaço

de dimensões mais reduzidas; a execução do jogo conjunto sob condições

de velocidade assim como o desenvolvimento da técnica individual sob

exigências de alta velocidade.

Nos jogos desportivos colectivos uma maior exigência de velocidade no

treino técnico - táctico pode ser obtida através de algumas modificações,

como por exemplo:

dimensão do campo de jogo;

número de jogadores envolvidos;

• número de toques na bola;

• duração do jogo;

• limitação do espaço de acção.

Nas modalidades de combate, de uma forma geral, défices registados na

componente motora da velocidade de acção são frequentemente

compensadas. Pelo contrário, lacunas observada na componente

cognitiva não são compensáveis em rendimentos de alto nível nas

modalidades de combate. Em resumo:

• o treino elementar realizado em bases insuficientes especialmente

com jovens condiciona os resultados do treino complexo;

• até agora o treino mais realizado tem sido o treino da velocidade

complexa. Mesmo com os atletas mais jovens apenas se tem procedido

à miniaturização do treino do adulto (menos volume, distancias

menores etc.);

• no treino com jovens deve predominar o treino da velocidade

elementar.

Page 434: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 393

À medida que os objectivos dos diferentes níveis vão sendo alcançados

deve passar-se ao nível seguinte independentemente da idade do

praticante.

7.2.2. Orientações metodológicas

• A velocidade é um pressuposto elementar do rendimento desportivo

que depende da qualidade da condução e regulação neuro-muscular;

• o treino da velocidade deve ser orientados para formar programas

temporais que correspondam à velocidade prognóstico;

• os movimentos rápidos são conduzidos por um programa temporal

neuro-muscular;

• não há controle possível sobre o programa quando é iniciado;

• devem escolher-se exercícios simples, de fácil execução;

• os programas temporais neuromusculares são formados através da

actividade;

• devem respeitar-se, assim, as características da modalidade na escolha

dos exercícios;

• velocidade acíclica, cíclica e de acção, são manifestações autónomas

específicas da velocidade. Portanto para o seu treino os métodos devem

ser diferentes;

• o treino da velocidade acíclica deve ser realizado antes do treino da

velocidade cíclica;

• a motivação do praticante é fundamental para alcançar os resultados

perspectivados;

• deve dar-se prioridade ao treino da velocidade até ao encerramento da

maturação;

• o exercício precoce de gestos e acções rápidas apoia o processo da

aprendizagem motora;

• este treino precoce é importante não só nas modalidades de velocidade

mas também nas de resistência, força ou nas de cariz mais técnico;

Page 435: Metodologia Do Treino Desportivo

394 • Metodologia do treino desportivo I !

• o treino com crianças e com jovens deve ser orientado prioritariamente

para a velocidade;

• os exercícios devem ser modificados, no sentido da facilitação, a fim

de o praticante poder alcançar a velocidade prognóstico;

• o treino da velocidade implica a utilização de velocidades sub-

máximas, máximas e super-máximas;

• dentro da unidade de treino deve assegurar-se a alternância entre

intensidades máximas, super máximas e sub-máximas;

• o treino da velocidade deve ser organizado conforme as regras do

método de repetições;

• as pausas devem ser longas para assegurar a velocidade de execução

bem assim como uma recuperação total. a cada 10 metros de esforço

cíclico deve corresponder 1 minuto de pausa;

• a duração da carga em exercícios cíclicos não deve ultrapassar 8 a 10

seg. Com jovens não deve ultrapassar 6 seg. Deve ser a duração do

esforço a determinar as distâncias e não o contrário;

• numa unidade de treino deve ser realizado um número reduzido de

repetições máximas;

• com jovens o treino da velocidade deve ser uma das partes da unidade

de treino enquanto que com praticantes qualificados o treino da

velocidade pode ser o tema único da unidade de treino;

• o treino da velocidade deve ser colocado no inicio da unidade de

treino;

• a velocidade de acção contém componentes cognitivas e motoras;

a componente cognitiva treina-se segundo regras da aprendizagem

motora. A componente motora treina-se segundo as regras do treino da

velocidade;

• deve haver uma ligação íntima do treino de velocidade com o processo

de aperfeiçoamento técnico e técnico táctico;

• o treino da velocidade deve realizar-se ao longo de todo o ano. Deve

concentrar-se em 2/4 etapas por ano e uma duração mínima de 14 dias;

Page 436: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 395

• o treino deverá ser realizado com intensidades submáxima e máxima.

Todavia, os exercícios que sejam continuamente realizados a uma

intensidade máxima poderão provocar a barreira da velocidade. Assim

sugere-se a alternância entre exercícios executados à velocidade máxima

e exercícios executados à velocidade submáxima;

• os exercícios deverão ser tecnicamente bem executados já que sendo a

velocidade uma qualidade dependente do funcionamento neuromuscular,

todas as características associadas ao exercício executado podem ser com

ele automatizadas. Com efeito, a intensidade começará por ser média

passando progressivamente por outros níveis até atingir eventualmente a

intensidade máxima;

• o volume da carga no treino da velocidade de ser tal que não permita o

aparecimento da fadiga. A intensidade elevada da carga é um factor

fundamental no treino da velocidade. Para que esta se mantenha em

níveis elevados é fundamental que o treino seja executado na ausência da

fadiga, já que esta é considerada como um factor inibidor. De forma

suscinta podemos dizer que o treino poderá continuar desde que tal não

implique uma diminuição da intensidade do mesmo. Se tal se verificar o

objectivo que perseguimos não será alcançado mas sim outro (por

exemplo a velocidade resistente;

• o número de repetições é igualmente considerada uma característica da

carga que se vê limitada pelo grau de acumulação de fadiga. Por esse

motivo é usual a organização do treino por séries com intervalos mais

longos entre si. Comparativamente com a força e a resistência é costume

dizer-se que se treina menos no caso da velocidade. Esta verificação

justifica-se pela necessidade de regenerar totalmente o sistema

neuromuscular;

• no que diz respeito à densidade do treino da velocidade esta deve ser

reduzida, isto é os intervalos entre as cargas deverão ser prolongadas a

fim de permitir a manutenção de um estado elevado de excitação;

Page 437: Metodologia Do Treino Desportivo

396 • Metodologia do treino desportivo I !

• a duração das cargas deverá ser tal que permita uma solicitação

exclusiva dos mecanismos anaeróbios alácticos;

• os exercícios de velocidade deverão ser sempre precedidos de um

aquecimento que por um lado permite reduzir a viscosidade

intramuscular e por outro faz a prevenção de possíveis lesões musculares

resultantes de uma deficiente coordenação entre os músculos agonistas e

antagonistas;

• as pausas entre as repetições deverão ser activas para que se mantenha

a excitabilidade do sistema nervoso e para que os produtos resultantes do

metabolismo sejam rapidamente eliminados;

• na composição da unidade de treino os exercícios de velocidade

deverão ocupar os momentos iniciais para que não se façam sentir a

quando da sua execução os efeitos da fadiga resultantes da actuação das

outras cargas. O mesmo se passa no que respeito à sua inclusão no

microciclo semanal.

7.3. Velocidade de reacção

Como vimos no inicio as acções de velocidade dividem-se em 2 grupos, um

em que a velocidade de reacção é uma das fases do movimento, outra em

que a velocidade de reacção é inexistente. A velocidade de reacção é

fundamental naquelas modalidades, disciplinas ou acções em que a "entrada

em acção" se processa através de uma resposta tão rápida quanto possível a

uma informação, a um sinal ou a um estímulo.

Segundo D.Harre, a velocidade de reacção simples pode ser melhorada em

10 a 20% através do treino. A velocidade de reacção selectiva pode ser

melhorada em 30%. À semelhança da velocidade cíclica e acíclica também

a velocidade de reacção se fundamenta num "programa neuromuscular de

reacção". Este, semelhança dos outros, também é influenciável pela

actividade A reacção e a correspondente resolução rápida de situações nos

Page 438: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 397

jogos desportivos colectivos e nas modalidades de combate compreende

igualmente o estudo do adversário e dos seus comportamentos habituais. É

neste quadro selectivo que a velocidade de reacção surge associada

antecipação.

Se tomarmos como exemplo a actividade do guarda-redes de andebol

perante remates de curta distancia é fácil afirmar que no tempo em que se

processa a acção não é possível, fisiologicamente, qualquer tipo de reacção.

Apenas jogando com o conhecimento das acções possíveis em cada situação

bem assim como com o conhecimento dos adversários é possível "reagir"

antecipando-se s acções. O treino deve então incidir na prática das várias

situações possíveis. Na velocidade de reacção simples o treino deve incidir

na prática da situação standard em que a reacção deve acontecer. Também

aqui se procura antecipar a reacção concentrando-se o praticante na fase de

realização da resposta motora e menos nas fases iniciais de percepção do

sinal e processamento da informação.

No treino com jovens e com crianças o treino da velocidade de reacção deve

ser realizado em conjunto com o treino técnico e coordenativo. Deve partir-

se das reacções simples para as reacções selectivas mais complexas. Neste

contexto a metodologia deve:

• procurar actividades/exercícios que estimulem a motivação e a

concentração do praticante. Com os praticantes mais jovens devem

utilizar-se pequenos jogos;

• o treino deve ser efectuado sem fadiga e após aquecimento;

• devem requerer-se sempre tempos breves de reacção;

• deve procurar estabelecer-se situações variadas relativamente ao tipo,

intensidade e duração da informação, ao exercício escolhido e sua

execução. Também deve variar-se os sentidos que são estimulados

através da aplicação de estímulos, auditivos, visuais e tácteis;

Page 439: Metodologia Do Treino Desportivo

398 • Metodologia do treino desportivo I !

• o volume de treino deve ser reduzido. A pausa entre os complexos de

exercícios tem uma duração de 2 a 5 minutos. A pausa deve ser activa.

7.4. Treino das capacidades de velocidade no sprint

Por conterem indicações metodológicas passíveis de generalização a outras

modalidades com características cíclicas referem-se, agora, alguns aspectos

metodológicos do treino das capacidades de velocidade do atleta velocista

(100 - 200 metros). A corrida de velocidade deve naturalmente considerar-

se como uma manifestação da velocidade complexa. Nela interagem de

forma complexa diferentes pressupostos do rendimento. Porém, não

devemos esquecer que na sua base encontram-se programas temporais

acíclicos e cíclicos elementares.

De uma forma simples pode dizer-se que se parte da coordenação

intramuscular simples do programa temporal elementar para a coordenação

inter-muscular especifica da velocidade complexa. A corrida de velocidade

enquadra-se num modelo básico de 3 fases: i) reacção, ii) aceleração e, iii)

velocidade máxima.

Mesmo na distancia olímpica mais curta (100 metros) podem existir outras

subdivisões, como por exemplo as fases de manutenção e de decréscimo da

velocidade máxima. Tendo-se já referido os aspectos metodológicos mais

importantes da velocidade de reacção passa-se a abordar as 2 fases

seguintes.

7.4.1. Aceleração

A fase de aceleração das corridas de velocidade assemelha-se bastante s

acelerações típicas doutras modalidades como por exemplo os jogos

desportivos colectivos. Nestes, só nos que se disputam em espaços mais

amplos é que os praticantes se aproximam - o que não é frequente - da

Page 440: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 399

sua velocidade máxima. A exercitação de base para esta capacidade nesta

modalidade deve assim reger-se por idênticos princípios. A aceleração

(velocidade de aceleração) é a relação (quociente) da alteração da

velocidade e do tempo necessário para tal:

Aceleração = alteração da velocidade/tempo necessário

Com velocidade constante não existe aceleração. Exemplo: um sprinter

atinge após 2 segundos (T1) Da velocidade de ó m/s (V1) e após 2,5 seg.

(T2) a velocidade de 7 m/s (V2):

Aceleração = V2 - V1/T2-T1 = 7 ms - 6 ms/2,5s-2s = 2 m/s

A necessidade de vencer a inércia leva a que, a força desempenhe um

papel fundamental nesta fase da corrida. Porém, a força deve manifestar-

se nas suas formas mais rápidas isto é, como força rápida. O treino

complexo da velocidade de aceleração cobre um grande número de

exercícios sendo o mais específico o exercício de competição isto é,

Partida + Aceleração.

Descendo na escala da especificidade temos todos os exercícios de

corrida a partir da posição estática - podendo variar-se as posições de

partida. Como sobrecarga pode usar-se a corrida dificultada por reboque

de um peso ou partidas em subida. Um dos exercícios de treino mais

divulgados e utilizados num vasto número de modalidades são os saltos.

A utilização dos saltos para desenvolver a força rápida específica da

velocidade de aceleração deve ser precedida pela análise da suas formas

de manifestação específicas relativamente aceleração prognóstico.

A capacidade de aceleração pode ser desenvolvida em comum com a de

reacção, pois que os exercícios a aplicar podem começar com a partida.

São vulgarmente utilizados os seguintes exercícios:

arranques a partir da posição de pé ou de posições várias,de joelhos,

agachado, etc.);

Page 441: Metodologia Do Treino Desportivo

400 • Metodologia do treino desportivo I !

arranques a partir da deslocação (trote, corrida) e após mudança de

direcção, após apitadela;

arranques em perseguição de um companheiro colocado à frente;

arranques no final da coluna em corrida para ocupar o lugar da

frente;

arranques a partir da posição imóvel, pés paralelos e após

desequilibrio em frente (individualmente, ou em cadeia de grupo);

partidas sem ou com comando; e,

corridas de 30 a 60 metros com partida agachada, etc.;

o método de treino usado é o método de repetições;

o volume deve ser reduzido;

a intensidade deve ser elevada;

as pausas devem ser recuperadoras;

a fadiga neuro-muscular deve ser evitada.

7.4.2. Velocidade máxima

A partir do momento em que não se verificam mais alterações positivas

na velocidade do atleta termina a fase de aceleração afirmando-se que o

atleta atinge a sua velocidade máxima. A velocidade máxima de um

velocista de nível médio ou superior cumpre todos os parâmetros do

programa temporal de curta duração da velocidade cíclica. Se nos

recordamos das recomendações deixadas sobre a velocidade complexa, a

técnica é um aspecto central no treino.

A relaxação em toda a corrida de velocidade é um aspecto central. Deve-

se referir que a necessidade de relaxação é frequentemente prejudicada

pelo desejo de vencer quando associado produção de contracções

musculares parasitas. Este é um dos aspectos de carácter mental -

concentração - que mais deve ocupar o velocista no treino da velocidade

máxima. Caso a técnica não esteja dominada devem evitar-se as

Page 442: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 401

intensidades máximas ou supermáximas. O treino da velocidade máxima

deve ser organizado de modo que se isole a distancia em que a

velocidade máxima é atingida. A corrida de aceleração é substiuida por

corrida introdutória sem o desgaste ffsico resultante da partida baixa e

estática. Este treino é conhecido por corridas lançadas.

Outra forma clássica de treino da velocidade máxima são as corridas em

"IN and OUT". Com este exercício procura-se treinar a coordenação

intermuscular e sobretudo a relaxação em esforço máximo. A distância é

dividida em fracções de 10 metros - ao longo de 40 a 60 metros -

acelerando-se e relaxando-se alternadamente em cada uma delas. A

oscilação da velocidade deve ser reduzida. O atleta deve concentrar-se na

seguinte imagem: "acelero e depois desligo mantendo a velocidade

através do balanço adquirido, de seguida volto a acelerar" e assim

sucessivamente.

Observemos um treino - clássico - mais específico, para um atleta adulto:

Velocidade real - máximo pessoal: 60 m. em 7.9 seg. (= 7,6 m/s)

Velocidade prognóstico - desejada: 60 m. em 7.5 seg. (= 8,0 m/s)

1ª Série 2x60 m 7.9 seg. = 7,ó m/s

2ª Série 2x40 m 5.0 seg. = 8,0 m/s

3ª Série 2x60 m 7.9 seg. = 7,ó m/s

4ª Série 2x40 m 5.0 seg. = 8,0 m/s

Pausa entre repetições = 4-5 minutos

Pausa entre séries = 10 minutos

Tabela 17. Sugestões para o doseamento do treino de velocidade e aceleração quer em regime de intensidade sub-máxima quer máxima

Aceleração Submáxima

80 - 92% 10 - 60 Baixa (estática)

1 - 6

3 - 5'

Intensidade Distâncias Partida Repetições Pausa entre repetições

Page 443: Metodologia Do Treino Desportivo

402 • Metodologia do treino desportivo I !

Velocidade Submáxima

75 - 90% Secções de 10-30 mts. (até 100)

Lançada

1 - 6

3 - 5'

Velocidade máxima

90 - 100% Secção de 10- 30 (até

100)

Lançada

1 - 6

6 - 8'

Concluindo, as características do treino da velocidade máxima

basear-se-à no método de repetições na qual:

a intensidade deverá ser velocidade submaximal a maximal, 95% a

100% só através de uma estimulação nervosa elevada é possível

treinar a velocidade máxima;

as distâncias a utilizar deverão ser as que para cada praticante

correspondem ao respectivo sector. Fazer corresponder no treino as

distâncias da competição;

a densidade das estimulações (ou intervalo, ou pausa). A elevada

intensidade exige uma longa «pausa» (intervalo) de recuperação. O

principio da «pausa lucrativa» não é, para este trabalho, jamais

respeitado. No treino de sprint, após cada carga, proceder-se-á a um

intervalo longo até à recuperação. Importa que a duração do intervalo

permita manter o nível de excitabilidade neuro-muscular em cada

repetição. (3 a 5 minutos);

a frequência, ou número de repetições é determinado no programa

do planeamento da sessão de acordo com os princípios do treinamento

individualizado. Um número considerado óptimo situa-se próximo das

6 repetições em velocidade maximal a submaximal. Todavia a

frequência não deve ser elevada, pois que o trabalho de tensão

máxima provoca inibições de defesa, de efeito negativo, e com a

instalação da fadiga que viria a surgir, para além dos movimentos

incorrectos consequentes, não se alcançaria o objectivo de velocidade

maximal. Por isso no treinamento devemos intercalar corridas a

velocidade maximal e a velocidade submaximal (100 % e 95%).

Aceleração máxima

92 - 100% 10 - 60 Baixa (estática)

1 - 6 6 - 8'

Page 444: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 403

7.4.3. Treino da velocidade resistência

Mesmo na prova de velocidade com distancia mais curta (100m) a

velocidade não se apresenta de forma elementar mas sim com um sistema

complexo de pressupostos coordenativos e condicionais. À fase de

velocidade máxima segue-se a fase em que o atleta procura manter essa

velocidade. Naturalmente, a fadiga que invade o sistema neuro-muscular

impede que a velocidade máxima se mantenha até ao fim da distância.

A resistência velocidade é portanto a capacidade que possibilita ao

praticante manter no tempo os seus regimes de velocidade máxima ou

submáxima. Como já foi referido sobre o trabalho de Wisotschin a

resistência velocidade é influenciada pela capacidade de relaxação

muscular. Este facto leva-nos conclusão que nas provas de velocidade e

noutras modalidades - a resistência é igualmente condicionada por

factores neuromusculares. É o que leva alguns autores a considerar a

velocidade resistência como a capacidade física mais complexa no sprint.

Sendo considerada uma reserva de rendimento futuro nas disciplinas de

velocidade é também um domínio do treino em que os cuidados devem

ser mais acentuados.

É aqui que mais se fazem sentir os efeitos nefastos da máxima "quanto

mais treino melhor". O doseamento da carga deve ser individualizado e

correctamente sistematizado. Há que referir igualmente que a prática e a

ciência do treino já confirmaram a interligação existente entre as

capacidades aerobias- extensivas e as capacidades de resistência nos

vários domínios do metabolismo. É isto que fundamenta a inclusão da

capacidade aeróbia extensiva na base da pirâmide que ilustra a

"construção" da resistência velocidade.

Page 445: Metodologia Do Treino Desportivo

404 • Metodologia do treino desportivo I !

Capacidade de Int. 1

95-100%

+

Competição

Intensidade 90-94%

máximo obtido na época anterior

Intensidade 75-89% do máximo obtido

na época anterior

Treino de duração 160-170p.p.m./ 4-6 m.ml. Lact.

Capacidade de Int. 2

Capacidade de Int. 3

Capacidade aeróbia extensiva

Figura 70. Pirâmide de "construção" da resistência velocidade

A qualidade de cada nível condiciona a qualidade do nível seguinte. A

capacidade aeróbia é mais determinante nas disciplinas de sprint longo

(400 m) decrescendo a sua importância na direcção das distâncias mais

curtas, não perdendo, todavia o seu contributo para o rendimento.

Tabela 18. Quantificação da carga ao longo dos anos

Níveis de intensidad

e

1º Ano 2º Ano 3º Ano 3º Ano 4º Ano 4º Ano

Sprint Curt/long

Sprint Curt/long

Sprint Curto

Sprint Longo

Sprint Curto

Sprint Longo

Int. 1 0,2 Km 0,3 Km 0,4 Km 0,5 Km 0,6 Km 0,5 Km Int. 2 0,5 Km 0,6 Km 0,8 Km 1,0 Km 1,8 Km 1,0 Km Int. 3 1,2 Km 1,5 Km 1,6 Km 2,0 Km 2,5 Km 2,0 Km Int.

reduzi. 1,5 Km 2,0 Km 2,0 Km 2,5 Km 2,5 Km 3,0 Km

Corrida continua

3,5 Km 15 minut.

3,7 Km 15 minut.

4,5 Km 30 minut.

5,0 Km 30 minut.

5,0 Km 30 minut.

6,0 Km 30 minut.

Podemos observar no quadro anterior quer a quantificação da carga quer

a progressividade do doseamento ao longo dos anos. O 1° ano de treino

corresponde à idade de 14-16 anos, com o pressuposto de que a etapa de

Page 446: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 405

iniciação está encerrada quer ao nível condicional quer coordenativo quer

técnico. Verifica-se que as quantidades de treino nas diferentes

intensidades vão evoluindo progressivamente ao longo dos anos. A

intensidade aumenta progressivamente quer ao longo da época quer ao

longo dos anos. A intensidade do treino de resistência velocidade.

aumenta em relação directa com o desenvolvimento da velocidade. A

resistência velocidade só se pode expressar ao mais alto nível sobre

capacidades de velocidade aperfeiçoadas a um nível, também, elevado.

Podemos observar pelo quadro anexo os diferentes doseamentos nos

diferentes níveis de intensidade do treino de resistência velocidade.

Observamos por exemplo que a níveis superiores de intensidade

corresponde um número menor de repetições e pausas mais prolongadas.

Noutro quadro podemos ver o posicionamento dos diferentes níveis de

intensidade ao longo da época desportiva. Os níveis de intensidade

evoluem com a aproximação do período competitivo. Os diferentes

níveis de intensidade são calculados segundo os máximos pessoais do

ano anterior. Em tabela anexa podemos ver um exemplo de repartição

das intensidades em diferentes distâncias.

Tabela 19. Doseamentos de referência para as várias intensidades do treino de resistência velocidade (modificado segundo Jonath e Muller)

Intensida- des

Especiali- dade

Distância Repetições

Número de séries

Pausas minutos

lactato mmol/l

Intensidade

reduzida

Sprint curto Sprint longo

200

200 400

5 5 5

3 4 2

1-5

2-5 2-5

6 6 8

Intensidade 3

Sprint curto Sprint longo

Programa Combinad

150 300 150 500 150 500

4-5 5

4-5 4-5 2 1

2 2

2-3

5-10 5

5-10 5

5-8 10

10 14 10 14

10-14

Page 447: Metodologia Do Treino Desportivo

406 • Metodologia do treino desportivo I !

Intensidade 2

Sprint curto

Programa Combinad

Sprint longo

Programa Combinad

80 100 80 100 120 150 80 100 150 200 150 300 500 150 300

3-4 3-4 1 1 1 1 1 1 1 1 3

2-3 2 1 2

1 1 2 1 1 1

6-8 15

8-10

6 8

12

8-12 20-25 25-30

12 20

12-14 16-18 14-16

14-18

Intensidade 1

Sprint curto

Sprint longo

80 100 100 120 200 200 150 300 300

2 1 1 1 1 3 2 1 2

10-15

15-20

8-12 15 25

20-25

12-16

14-18 16-20

Etapas 1 2 3 4 5 6 7 8

Período Preparatório 2

12 semanas

Período Preparatório 1

18 a 20 semanasP. Comp. 1

4 semanas

P. Comp. 2

6 semanas

P. Comp. 2

7 a 10 semanas

Corrida continua

Intensidade 3

Intensidade 2

Intensidade 1 Intensidade 1Intensidade 1

Intensidade 2 Intensidade 2

Intensidade 3 Intensidade 3

Preparação geral

6 a 8 semanas

Preparação especial

10 a 12 semanas

Compe.

4 sem.P. geral

3 sem.

Preparação especial

9 semanasCompe.

6 sem.

P.G.

2 se.Pre. especial

5 a semanas

Compe.

2 a 3 sem.

Figura 71. Colocação do treino da velocidade resistente na periodização anual de treino

Tabela 20. Tabelas de intensidade para o treino da velocidade resistente (DLV Rahmentrainingsplan Sprint, 1987)

Distância Máximo pessoal Intensidade reduzida

Intensidade 3

Intensidade 2

Intensidade 1

Page 448: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Velocidade • 407

80 metros

8,0 8,2 8,4 8,6 8,8 9,0 9,2 9,4 9,6 9,8

10,0 10,2 10,4

8,7 9,0 9,2 9,4 9,6 9,8

10,0 10,2 10,4 10,7 11,0 11,2 11,5

8,2 8,4 8,6 8,9 9,1 9,3 9,5 9,7 9,9

10,1 10,4 10,6 10,8

7,8 8,0 8,2 8,4 8,6 8,8 9,0 9,2 9,4 9,6 9,9

10,1 10,3

100 metros

10,0 10,2 10,4 10,6 10,8 11,0 11,2 11,4 11,6 11,8 12,0 12,2 12,4

14,4-12,5 12,7-12,7 15,0-13,0 15,3-13,3 15,6-13,5 15,9-13,8 16,2-14,0 16,5-14,3 16,8-14,6 17,1-14,8 17,4-15,1 17,7-15,3 18,0-15,5

11,0 11,2 11,5 11,5 11,7 12,2 12,4 12,7 12,9 13,1 13,3 13,6 13,9

10,4 10,6 10,8 10,8 11,0 11,4 11,6 11,8 12,0 12,2 12,4 12,6 12,8

9,9 10,1 10,3 10,3 10,5 10,9 11,1 11,3 11,5 11,7 11,9 12,1 12,3

120 metros

11,6 12,0 12,4 12,8 13,2 13,6 14,0 14,4 14,8 15,2 15,6 16,0

16,5-14,3 17,1-14,8 17,7-15,3 18,3-15,9 18,9-16,4 19,5-16,9 20,1-17,4 20,7-17,9 21,3-18,6 21,9-19,0 22,5-19,5 23,1-20,0

12,7 13,1 13,6 14,0 14,5 14,9 15,4 15,9 16,3 16,8 17,3 17,8

11,9 12,3 12,7 13,2 13,6 14,0 14,5 14,9 15,2 15,7 16,2 16,7

11,3 11,7 12,2 12,6 13,0 13,4 13,8 14,2 14,6 15,0 15,4 15,9

150 metros

14,8 15,2 15,6 15,8 16,2 16,6

21,3-18,5 21,9-19,0 22,5-19,5 22,8-19,8 23,4-20,3 24,0-20,8

16,3 16,8 17,3 17,5 17,9 18,4

15,3 15,8 16,2 16,4 16,9 17,3

14,6 15,0 15,4 15,7 16,1 16,5

Page 449: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE IV

OS FACTORES DE TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

Estudo do factor físico desportivo

Secção D - Estudo sobre a flexibilidade

Resp: João Carvalho

Page 450: Metodologia Do Treino Desportivo

406 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Secção D do Capítulo 3 da Parte IV

Neste Secção estudaremos o factor físico desportivo no plano da flexibilidade. Com efeito, esta representa a capacidade de efectuar movimentos de grande amplitude. Neste contexto, incidiremos a nossa reflexão sobre os factores condicionantes desta capacidade (ósteo-articular, muscular e neuro-muscular), as formas de manifestação da flexibilidade (activa/passiva, estática/dinâmica e geral/específica) e os métodos de treino da flexibilidade.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 13

Parte IV

Page 451: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 407

Os factores de treino Sumário

Capítulo 3 - Estudo sobre o factor físico desportivo Secção D - Estudo sobre a flexibilidade

1. Definição 2. Importância da flexibilidade

2.1. Programa de treino de flexibilidade (PTF) 2.2. Benefícios de um PTF 2.3. Potenciais desvantagens dotreino de flexibilidade

3. Tipos de flexibilidade (classificação) 3.1. A flexibilidade estática e dinâmica 3.2. A flexibilidade activa e passiva 3.3. A flexibilidade geral e específica

4. Principais factores que condicionam a flexibilidade 4.1. Ósteo-articular

4.1.1. Superfícies articulares 4.1.2. Cartilagens, cápsulas e ligamentos 4.1.3. Cápsulas e ligamentos 4.1.4. Consequências metodológicas

4.2. Muscular (estrutura muscular) 4.2.1. a extensibilidade 4.2.2. A elasticidade 4.2.3. Consequências metodológicas

4.3. Neuromuscular 4.3.1. Fusos neuromusculares 4.3.2. Os orgãos tendinosos de Golgi 4.3.3. Receptores articulares 4.3.4. Consequências metodológicas

4.4. Outros factores que influenciam a flexibilidade: 4.4.1. A idade 4.4.2. Sexo 4.4.3. Factores externos 4.4.4. A temperatura muscular 4.4.5. A fadiga 4.4.6. Estados emotivos

5. Métodos e conteúdos do treino da flexibilidade 5.1. Métodos dinâmico e estático 5.2. Outras formas de classificação 5.3. Método de Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (PNF)

5.3.1. Bases fisiológicas do método de PNF 5.3.2. Técnicas de PNF

6. Princípios metodológicos do treino da flexibilidade

Page 452: Metodologia Do Treino Desportivo

408 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

ALTER, M. J. (1988). Science of Stretching. Champaign, IL: Human Kinetics

Publishers.

CARVALHO, A. (1988) Capacidades motoras IV - a flexibilidade, Revista

treino desportivo, IIª série, Vol.8, Junho, pp. 24-28

HAINAUT, K. (1974) Introducion à la biomecanique. Paris, Maloine

HUBLEY, C. L.; KOZEY, J. W. (1991). Testing Flexibility. In J. Duncan Mac

Dougall, Howard A. Wenger, & Howard J. Green (Eds), Physiological Testing

of the High-Performance Athlete, (pp. 309-359), 2ª ed. Champaign, IL: Human

Kinetics Publishers.

KAISER, C. (1976) Physiologie - système nerveux; muscle. Flammarion, Paris

MATVEYEV, L., (1986). Fundamentos do Treino Desportivo.. Livros

Horizonte, Lisboa

RIPOLL, H. (1978). Spécial soupless - travaux et recherches.. Paris, nº3,

Novembro

RIPOLL, H. (1982) Neurobiologie des comportemens moteurs.. INSEP, Paris

SIMÕES , A. A. (1979). Souplesse - bases neuro-fisiológicas par uma proposta

de metodologia, Revista Ludens, Vol.4, nº1, Out/Dez, pp. 48-58

WEINECK, J., (1983). Manuel d' Entrâinement,.Ed. Vigot, Paris

ZATSIORSKY, V., (1966). Les qualités physiques du sportif. Moscovo, Doc

INS nº685

Page 453: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 409

1. Definição

A flexibilidade é uma qualidade física que se situa entre as qualidades

coordenativas e as condicionantes. Zatsiorsky (1966) define flexibilidade como

a "faculdade de efectuar movimentos de grande amplitude". Bouchard (ano)

por sua vez define-a como "a qualidade que permite a um segmento deslocar-

se com a amplitude máxima" ou que pressupõe "a capacidade do músculo ou

grupo muscular, tanto em encurtamento máximo como em alongamento

máximo, permitir a exploração máxima da articulação". Com efeito, é o grau

de mobilidade para o movimento ou tecnicamente a amplitude do movimento

de uma articulação ou de um grupo de articulações.

Dentro deste contexto importa ainda referir que "a flexibilidade não existe

como uma característica geral mas sim é específica de uma determinada

articulação e da sua função" (Hubley & Kozey, 1991). Os seus "graus de

liberdade" podem ser medidos (avaliados) em unidades lineares (centímetros)

ou angulares (graus). Existem vários sistemas de classificação das acções das

articulações, mas o principal objectivo desses sistemas é justamente definir o

tipo de movimento que pode ser realizado, sobre que eixos e que planos é que

o movimento ocorre. Além disso, é necessário conhecer a estrutura dos

músculos que cruzam essas articulações. O conhecimento prévio destes

factores é importante para a selecção dos procedimentos de medição e designar

os testes que devem ser utilizados para a avaliação da flexibilidade nos

diferentes desportos. As necessidades específicas de cada um dos desportos é

que determinam quais são as articulações e os movimentos articulares que

devem ser avaliados.

Page 454: Metodologia Do Treino Desportivo

410 • Metodologia do treino desportivo I !

2. Importância da flexibilidade

A flexibilidade é considerada um componente importante não só na

performance desportiva, como na prevenção de lesões e na reabilitação. Com

efeito, hoje é universalmente reconhecido que a flexibilidade desempenha um

papel fundamental na qualidade de execução dos movimentos facilitando a sua

prática optimizando de igual modo a aprendizagem destes. Em sentido

contrário, a falta de flexibilidade parece condicionar a economia na execução

dos gestos, o que facilita o aparecimento da fadiga que é um factor limitativo

da velocidade de realização e da aprendizagem. Muito embora, não exista

ainda evidência experimental que estabeleça uma relação causal entre as

medidas de flexibilidade e a performance (Burley et al., 1961; deVries, 1963;

Dintriman, 1964; cit in Hubley & Kozey, 1991), é unamimente aceite que na

realização de gestos que solicitem grandes amplitudes de movimento, interessa

que os tecidos moles ofereçam a menor resistência possível.

Alter (1988) sistematiza da seguinte forma os benefícios de um programa de

treino de flexibilidade:

2.1. União entre o corpo, a mente e o espírito

De um ponto de vista puramente isotérico a flexibilidade permite a

unificação (harmonia) do corpo, da mente e do espírito.(ex: yoga, zen, etc.).

2.2. Relaxação da tensão e do stress

O exercício físico pode reduzir as sensações negativas de estados

emocionais como a frustração, fúria, ansiedade, etc. Do mesmo modo,

existem evidências empiricas que indicam que um programa de treino de

flexibilidade individualizado pode ter benefícios semelhantes.

Page 455: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 411

2.3. Relaxação muscular

Um dos maiores benefícios de um programa de treino da flexibilidade é a

promoção da relaxação. Do ponto de vista puramente fisiológico a relaxação

diminui a tensão muscular. Os altos níveis de tensão muscular têm vários

efeitos negativos (diminuição da vigilância, aumento da pressão arterial, menor economia, diminuição do apport de O2 e dos nutrientes ao músculo,

lesões, etc.), que predispoem para a fadiga. Um estado de contracção

prolongado ou um nível de contracção demasiado elevado pode dar origem

à chamada contractura.

O senso comum indica-nos que a forma mais apropriada para resolver ou

evitar este tipo de problemas é facilitar a relaxação muscular através de um

programa de stretching.

2.4. Auto-disciplina

O trabalho de flexibilidade permite um melhor conhecimento dos limites da

pessoa, é uma boa forma de enriquecimento pessoal e de interiorização.

Oferece a possibilidade de reflexão, meditação e auto-avaliação que

permitem um crescimento interior (espiritual).

2.5. Forma física, postura e simetria

No seio de um programa global de condicionamento físico, o trabalho

individualizado de flexibilidade melhora a aparência (postura), a forma

física e a saúde.A relação entre a flexibilidade e a postura é principalmente

clinica e teórica. Contudo, Corbin & Noble (1980, cit in Alter,1988)

sugerem que um desequilíbrio no desenvolvimento muscular e a falta de

flexibilidade em determinados grupos musculares pode contribuir para uma

deficiente postura.

Page 456: Metodologia Do Treino Desportivo

412 • Metodologia do treino desportivo I !

2.6. Dores na região lombo-sagrada

Existe ainda alguma controvérsia quanto à etiologia deste tipo de dores, no

entanto fortes evidências suportam a teoria de uma inadequada mobilidade

do tronco. Para Farfan (1978; cit in Alter, 1988), a flexibilidade da região

lombar está relacionada com a sua capacidade funcional e a sua eficiência

(mecânica). Até que se possa definir cientificamente "flexibilidade

adequada" e se encontrem os meios próprios para a sua avaliação, a

utilização dos exercícios de mobilidade/flexibilidade permanecerá suportada

por bases empíricas. 2.7. Alívio da dor muscular

Existem fundamentalmente dois tipos diferentes de dor muscular que estão

ligados ao exercício: i) a dor que se manifesta durante e imediatamente após

o exercício e que pode persistir durante algumas horas e, ii) a dor muscular

localizada que aparece cerca de 24 a 48 horas após o exercício. A

investigação e a experiência parecem mostrar que os exercícos lentos e

suaves de stretching podem reduzir ou mesmo eliminar esses dois tipos de

dor muscular produzidos pela actividade física. 2.8. Melhoria na capacidade de execução

A flexibilidade ajuda o indivíduo a criar uma imagem de facilidade,

suavidade, graciosidade, auto-controlo e total liberdade na execução dos

movimentos (factor que se torna essencial em certas modalidades

desportivas como por exemplo a ginástica, a dança, etc.). Do ponto de vista

biomecânico uma maior amplitude dos movimentos permite aumentar a

velocidade, a energia e o momento que é necessário gerar na execução das

técnicas. Por outro lado, permite também produzir uma maior quantidade de

força nos musculos envolvidos no movimento. Isto porque, a energia

elástica que é produzida durante a fase de estiramento é armanezada no

Page 457: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 413

tecido muscular e é utilizada no encurtamento subsequente.(Asmussen &

Bonde-Petersen, 1974; Boscoe, Tarkka, & Komi, 1982; Cavagna, Dusman,

& Margaria, 1968; Cavagna, Saibene, & Margaria, 1965; Ciullo & Zarins;

cit in Alter, 1988).

2.9. Prevenção de lesões

A utilização de exercícios de Stretching para aumentar a flexibilidade

baseia-se normalmente na ideia de que se a amplitude dos movimentos for

de tal forma que permita realizar os movimentos (técnicas ou exercícios)

sem excessiva resistência dos tecidos moles, é menor a probabilidade de

haver lesão (prevenção). É importante referir que não é necessário adquirir a

máxima flexibilidade para precaver uma situação de lesão. Existe uma

amplitude "optima" que depende do tipo de movimento e da modalidade

desportiva em causa (os ginástas necessitam de amplitudes mais extremas

do que os corredores de fundo por exemplo) e permite, de facto, diminuir o

risco de lesão quando os musculos e as articulções são acidentalmente hiper-

estirados. O Stretching como forma de melhorar a flexibildade tem sido

considerado um método efectivo de prevenção de lesões dos musculos,

articulações e tendões. Contudo, ainda não existe evidência conclusiva que

prove que o aumento da flexibilidade reduz o número ou a severidade das

lesões nos atletas. (Ekstrand & Gillquist, 1982; Glick, 1971; Greipp, 1985;

Jckson et al., 1978; Kalenak & Mourehouse, 1975; Moretz et al., 1982;

Nocholas, 1970; cit in Hubley & Kozey, 1991).

Por último, segundo Harre, podemos resumir os aspectos negativos de uma

deficiente flexibilidade em cinco vertentes:

dificulta ou impede a aprendizagem de determinadas habilidades

motoras;

pode favorecer o aparecimento de lesões;

dificulta o desenvolvimento de outras capacidades ou a sua aplicação;

Page 458: Metodologia Do Treino Desportivo

414 • Metodologia do treino desportivo I !

limita a amplitude do movimento e consequentemente limita a rapidez

da sua execução;

diminui a qualidade de execução motora sobretudo nos tipos de

desportos que pressupõem composições de movimento.

3. Potenciais desvantagens do treino de flexibilidade

Alguns autores (Bird, 1979; Lichtor, 1972; Nicolas, 1979; cit in Alter, 1988),

referem que a frouxidão ou a laxidez aumenta a probabilidade de lesão ao nível

dos ligamentos, separação ou deslocação articular.Lichtor, (1972, cit in Alter,

1988) constactou que individuos com frouxidão articular (loose joints) não têm

um controlo corporal normal e são mais descoordenados. Demasiada

flexibilidade ou uma amplitude articular excessiva pode ser tão perigosa como

uma flexibilidade inadequada ( Barrack, Skinner, Brunet, & Cook, 1983; Bird,

1979; Corbin & Noble, 1980; Gomolak, 1975; Nicolas, 1970; cit in Alter,

1988). Contudo outros autores (Grana & Moretz, 1978; Kalenak & Morehouse,

1975; Moretz, Walters, & Smith, 1982; cit in Alter, 1988), verificaram que não

existe correlação entre a laxidão ligamentar e a incidência ou o tipo de lesão.

Outro ponto de controvérsia é a relação entre a laxidez articular e a osteoartrite,

ou seja, a hiperlaxidez parece promover o aparecimento prematuro de

osteoartrite. Existem alguns estudos que comprovam que os individuos que têm

uma actividade física regular têm menos propenção à osteoartrite (Beighton,

Grahame, & Bird, 1983; Bird, 1973; Bird, Hudson, & Wright, 1980; cit in

Alter, 1988). A prática física regular pode proteger as articulações "laxas" da

osteoartrite porque aumenta-lhes o tónus muscular e consequentemente a sua

estabilidade.

O conhecimento científico e a experiência recomendam então que o trabalho de

flexibilidade deve ser realizado de forma prudente, atendendo aos seguintes

aspectos:

Page 459: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 415

nas articulações em que for evidente uma flexibilidade excessiva, a

amplitude articular máxima deve ser reduzida (Sigerseth, 1971; cit in Alter,

1988);

no programa global de treino devem ser realizados exercícios preventivos

e compensatórios que promovam o fortalecimento e a estabilidade das

articulações (Arnheim, 1971; Corbin & Noble, 1980; Javurek, 1982;

Kalenak & Morehouse, 1975; Moretz, Walters, & Smith, 1982; Sigerseth,

1979; cit in Alter, 1988);

quando nas articulações em causa existir uma hipermobilidade não é

aconselhado realizar um programa de flexibilidade (Corbin & Noble, 1980;

Sigerseth, 1971; cit in Alter, 1988).

4. Tipos de flexibilidade (classificação)

Existem fundamentalmente três critérios diferentes para classificar a

flexibilidade: quanto à existência ou não de movimento e suas características

(estática e dinâmica), quanto à origem do movimento ou da acção que origina a

amplitude máxima (activa e passiva) e quanto à sua localização (geral e

específica).

4.1. A flexibilidade estática e dinâmica

A flexibilidade estática verifica-se quando se sustém durante um certo

tempo uma determinada posição da articulação. Assim, é a amplitude do

movimento de uma articulação sem entrar em linha de conta com a

velocidade (espargata na ginástica). A flexibilidade dinâmica é a capacidade

em utilizar a amplitude do movimento de uma articulação durante a

actividade que solicite movimentos normais ou rápidos (velocidade) (salto

de "gazela" ou "pontapé alto" no Karate). Estes dois tipos de flexibilidade

não estão necessariamente relacionados.

4.2. A flexibilidade activa e passiva

Page 460: Metodologia Do Treino Desportivo

416 • Metodologia do treino desportivo I !

A flexibilidade activa é produzida utilizando forças internas, isto é,

representa a amplitude gestual obtida a nível de uma articulação sem ajuda e

como resultado da contracção muscular, ou seja, pela acção exclusiva da

musculatura agonista. A flexibilidade activa é menor do que a flexibilidade

passiva que representa a amplitude máxima a nível de uma articulação,

obtida pela intervenção duma força externa (gravidade, companheiro,

próprio peso, etc).

4.3. A flexibilidade geral e específica

A flexibilidade geral refere-se à amplitude normal da oscilação das

articulações especialmente nos principais sistemas articulares: escápulo-

umeral, coxo-femural e coluna vertebral. A flexibilidade específica está

relacionada com movimentos de uma determinada articulação e específicos

de uma determinada modalidades desportiva.

5. Principais factores que condicionam a flexibilidade

Os principais factores que condicionam a flexibilidade dos praticantes podem

ser equacionados, basicamente em três níveis diferentes: ósteo-articular,

muscular, e neuromuscular.

5.1. Ósteo-articular

Toda a estrutura ósteo-articular se adapta às condições mecânicas que lhe

são impostas pela actividade muscular. "Uma ausência de actividade devido

a mobilização prolongada determina um bloqueio progressivo da

articulação, enquanto que uma mobilização repetida levada até aos limites

articulares, permite realizar uma hiper-extensão dos segmentos " (Hainaut,

1974). Este nível de análise engloba: as superfícies articulares, as

cartilagens e as cápsulas e ligamentos.

5.1.1. Superfícies articulares

Page 461: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 417

Cada articulação tem características mecânicas específicas que

determinam o maior ou menor grau de mobilidade. A forma das

superfícies articulares determina a possibilidade de mobilização nos

diferentes planos do espaço. Assim, algumas permitem a realização de

um largo ou reduzido número de movimentos, em direcção e com

trajectórias diversas, com grandes amplitudes, ou então as direcções,

trajectórias e amplitudes são estritamente limitadas (exemplos:

articulação do punho e a articulação do joelho).

5.1.2. Cartilagens, cápsulas e ligamentos

As cartilagens facilitam o funcionamento articular, permitindo um

melhor ajustamento das superfícies de contacto e diminuindo as forças de

atrito, impedindo o seu desgaste por fricção, simultâneamente amortece

os choques sofridos ao nível da articulação.

5.1.3. Cápsulas e ligamentos

As cápsulas e os ligamentos são meios de união das articulações. A

cápsula é constituída por tecido fibroso oferecendo uma resistência

passiva às forças que se exercem ao nível da articulação. Sendo esta

extensível torna-se mais expessa pela ausência de movimento limitando a

amplitude do movimento. Os ligamentos são na generalidade pouco

extensíveis podem no entanto ser melhorados e desempenham um papel

de manutenção das articulações (manter as superfícies da articulação em

contacto), face às solicitações exageradas, limitando a deslocação dos

segmentos.

5.1.4. Consequências metodológicas decorrentes do nível ósteo-articular

A imobilidade entrava progressivamente a capacidade funcional,

determinando também alterações a nível do tecido ósseo. Ao contrário, as

Page 462: Metodologia Do Treino Desportivo

418 • Metodologia do treino desportivo I !

mobilizações sistemáticas de amplitude maximal, além de preservarem a

integridade anatómica e funcional do organismo, determinam uma

adaptação de toda a estrutura articular, possibilitando mobilizações

segmentares de maior amplitude.

5.2. Muscular (estrutura muscular)

Os músculos pelas suas propriedades altamente diferenciadas de

extensibilidade, excitabilidade, elasticidade, contractibilidade e

condutabilidade, desempenham um papel determinante na flexibilidade.

5.2.1. A extensibilidade muscular

A capacidade de alongamento da fibra muscular e desempenha um papel

importante de proteção do músculo nas contracções bruscas do seu

antagonista. À primeira vista, parece que se consegue um maior

alongamento do músculo partindo de uma situação de relaxamento do

que previamente contraído. O estado de contracção não limita ou suprime

esta propriedade, um músculo relaxado alonga-se rapidamente numa fase

inicial e diminui progressivamente com as cargas seguintes. No caso do

músculo previamente contraído, ele resiste fortemente de início,

diminuindo progressivamente a resistência ao alongamento. O momento

de rotura de um músculo relaxado ou previamente contraído são

próximos nos dois casos.

A capacidade de extensão é própria dos múculos, dos tendões, dos

ligamentos e das cápsulas articulares. A maior parte da resistência à

extensão não provém das fibras musculares, mas sim do conjunto do

Page 463: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 419

aparato dos tendões, ligamentos e cápsulas articulares (Johns & Wright,

1962; cit in Weineck, 1983). A possibilidade de melhoria da capacidade

de extensão destas estruturas, devido à sua função de manter os ossos das

articulações solidamente no seu lugar, é extremamente pequena. A

capacidade de extensão dos músculos é relativamente fácil de melhorar

através do desenvolvimento da sua capacidade de relaxamento.

5.2.2. A elasticidade muscular

A propriedade que a fibra muscular tem de se deformar (alongar) por

acção de uma força exterior e retomar a sua forma inicial quando cessa

essa força, denomina-se elasticidade. Se submetermos um músculo a uma

força no seu limiar de extensibilidade, o músculo não retoma de imediato

a sua forma inicial (elasticidade retardada), na medida em que subsiste

um certo alongamento que vai desaparecendo progressivamente num

tempo mais ou menos longo (este fenómeno é denominado de visco-

elasticidade).

O aumento da elasticidade muscular pode obter-se através de uma

melhoria das qualidades mecânicas do músculo, fruto de modificações

bioquímicas ou estruturais conseguidas como resposta a um processo de

treino contínuo de extensibilidade (Cotta, 1978, cit in Alter, 1988) ou

pelo aumento da temperatura corporal de através de um processo de

aquecimento específico. A capacidade de extensão não só melhora com

aumento da sua elasticidade como também através de uma acção de

relaxação e diminuição do tónus muscular.

5.2.3. Consequências metodológicas decorrentes do nível muscular

Page 464: Metodologia Do Treino Desportivo

420 • Metodologia do treino desportivo I !

Segundo Simões (1979) no que respeita à estrutura muscular, o trabalho

efectuado deverá proporcionar um aumento do comprimento das fibras

musculares determinando uma maior capacidade de alongamento, sem

prejuízo das capacidades de força e potência. Para tal, o trabalho deverá

privilegiar, por um lado, as solicitações que imponham alongamentos

estáticos maximais, que favorecem o aparecimento de novos sarcómeros

por outro, as solicitações deverão ser também activas por forma a

estimular a relação agonista/antagonista. Na realidade, é a flexibilidade

activa que influencia a eficácia da acção motora, verificando-se

geralmente que os níveis de amplitude obtidos passivamente, não se

manifestam na situação concreta da prestação motora.

5.3. Neuromuscular

Qualquer mobilização segmentar é também condicionada pelas

características do equipamento motor e sensorial do músculo. Com efeito, o

músculo está equipado com: fusos neuromusculares, orgãos tendinosos de

Golgi e receptores articulares.

5.3.1. Fusos neuromusculares

Os fusos neuromusculares são sensíveis ao alongamento. Assim, quando

o músculo se alonga a porção central do FNM também se alonga, o que

leva ao envio de impulsos até à medula. Esses impulsos activam o

motoneurónio alfa que enerva as respectivas fibras musculares

provocando uma contracção do músculo (reflexo miotático). Ao mesmo

tempo partem da medula impulsos inibidores para os antagonistas do

músculo que foi estirado, permitindo que a contracção reflexa deste seja

mais eficaz. No entanto, esta reacção (RM) pode revestir-se de diferentes

formas de acordo com a velocidade dos alongamentos:

Page 465: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 421

se a mobilização segmentar for rápida e intensa vai desencadear

uma reacção miotática fásica, traduzida por um movimento de retorno

com uma amplitude variada;

se a mobilização for efectuada lentamente, as reacções miotáticas

vão-se instalando progressivamente e tem um carácter tónico,

traduzindo-se por um reforço da tonicidade da musculatura alongada e

permitindo manter o segmento mobilizado nos limites da sua

mobilidade articular.

5.3.2. Os orgãos tendinosos de Golgi

Os orgãos tendinosos de Golgi estão localizado no tendão junto da

terminação das fibras musculares e são sensíveis ao estiramento dos

tendões quer por estiramento passivo do músculo, quer por contracção

activa do mesmo. São responsáveis pelo reflexo miotático inverso, ou

seja, sempre que o músculo é fortemente contraído os OTG enviam essa

informação até à medula, o que leva a uma inibição dos motoneurónios

alfa dos músculos agonistas e uma influência excitatória sobre os

motoneurónios alfa dos músculos antagonistas.

5.3.3. Receptores articulares

Os receptores articulares são responsáveis pela informação relativa à

posição das articulações, velocidade e amplitude do movimento. Estes

orgãos (RA) são de extrema importância devido ao seu carácter

preventivo e de protecção no que se refere a possíveis lesões.

5.3.4. Consequências metodológicas decorrentes do nível neuromuscular

Segundo Simões (1979) e de acordo com os dados da neurofisiologia, só

as mobilizações efectuadas lentamente possibilitam os alongamentos

estáticos maximais, pelo carácter tónico das reacções miotáticas

Page 466: Metodologia Do Treino Desportivo

422 • Metodologia do treino desportivo I !

desencadeadas. No entanto, refira-se que este tipo de solicitações

(alongamento estático maximal) é o mais doloroso, pelo que deverá ser

realizado progressivamente, surgindo a solicitação máxima após um

período de aquecimento muscular de modo a eliminar os riscos de lesão.

5.4. Outros factores que influenciam a flexibilidade

5.4.1. A idade

Apesar de haver ainda alguma contradição nos dados da investigação

científica no que se refere à relação entre a flexibilidade e a idade,

especialmente no que diz respeito ao seu aumento ou diminuição durante

o crescimento, existem evidências que levam a supôr que as crianças

começam por ser bastante "suples" e os seus níveis de flexibilidade

aumentam ao longo da escolaridade. Com a adolescência os níveis de

flexibilidade tendem a estabilizar para então começarem a diminuir. É

verdade que a flexibilidade pode ser desenvolvida em qualquer idade

através de um programa de treino apropriado. No entanto, a sua

treinabilidade varia com a idade, existe um período crítico para o seu

desenvolvimento entre os 7 e os 11 anos, os valores mais altos aparecem

por volta dos 15 anos e depois a mobilidade articular começa a diminuir.

A elasticidade muscular e tendinosa diminuem progressivamente com a

idade e por volta dos 50 anos existe uma perda significativa dos níveis de

flexibilidade que se acentua entre os 60 e os 70 anos.(Sermeev, 1966; cit

in Alter, 1988).

5.4.2. Sexo

De uma forma geral a mulher apresenta níveis de flexibilidade superiores

ao homem, tem uma maior capacidade de extensão da musculatura, dos

tendões e dos ligamentos. A razão desta diferença deve-se

fundamentalmente às diferenças anatómicas e hormonais existentes. Em

Page 467: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 423

termos anatómicos, a mulher está preparada para maiores níveis de

flexibilidade, especialmente na região da cintura pélvica o que a torna

adaptada às situações da gravidez e do nascimento de uma criança.

Corbin (1973; cit in Alter, 1988), sugere também que as raparigas após a

puberdade tendem a ter níveis superiores de flexibilidade em regiões

como a flexão do tronco por apresentarem o centro de massa mais baixo

e as pernas mais curtas. As diferenças existentes entre os sexos no que se

refere ao tipo de actividade regular, pode de alguma forma explicar estas

diferenças nos níveis de flexibilidade. Por outro lado, em termos

hormonais, o facto de existir na mulher uma maior quantidade de

esterogénios, produz uma retenção de água superior (Ganong, 1972; cit

in Weineck, 1983), uma percentagem mais elevada de tecido adiposo e

uma menor quantidade de massa muscular (Fukunaga, 1976; Weineck,

1983), o que torna os tecidos menos densos e aumenta a sua capacidade

de extensão.

5.4.3. Factores externos

Os factores externos que poderão influenciar os valores da flexibilidade

são extremamente variados. Assim, de manhã, a flexibilidade está muito

abaixo dos valores normais, à hora do almoço aumenta sensivelmente e

sob a influência de banhos ou aquecimento atinge os valores mais

elevados. 5.4.4. A temperatura muscular

O aumento da temperatura muscular, sob a influência de exercícios de

aquecimento, determina uma melhor irrigação sanguínea das fibras

musculares e, como consequência, aumenta a capacidade de alongamento

das fibras musculares. 5.4.5. A fadiga

Page 468: Metodologia Do Treino Desportivo

424 • Metodologia do treino desportivo I !

A fadiga pelo contrário, aumenta a resistência ao alongamento, tornando

o músculo mais vulnerável face às solicitações mecânicas que lhe são

impostas pelo movimento, ou seja, maior risco de aparecimento de

lesões. A razão prende-se essencialmente ao facto de a sensibilidade dos

fusos neuromusculares estar alterada e existir uma diminuição das

reservas de ATP nos músculos. Por outro lado, a flexibilidade activa, que

tem uma influência importante nos movimentos desportivos, e que

depende da capacidade de extensão dos antagonista e da capacidade de

realizar força dos agonistas, é extremamente comprometida com a fadiga. 5.4.6. Estados emotivos

O estado emocional, como sabemos, influencia de forma muito

significativa o nível de performance do indivíduo. A flexibilidade não é

excepção, um estado emocional positivo tem uma influência positiva nos

níveis de flexibilidade em contraste com um estado depressivo. As

situações de competição, a audiência, o "clima" ou o ambiente do

envolvimento, a motivação, o nível de concentração, entre muitos outros,

são factores que condicionam o estado emocional do indivíduo e por sua

vez a sua mobilidade.

6. Métodos e conteúdos do treino da flexibilidade

Antes de enunciarmos os diferentes métodos de treino da flexibilidade importa

diferenciar a noção de programa de treino de flexibilidade (PTF) de

flexibilidade para aquecimento (warm-up/cool-down).

Programa de treino de flexibilidade é "um programa de exercícios, planeado,

deliberado e regular que permite permanente e progressivamente aumentar a

amplitude dos movimentos de uma articulação ou de um grupo de

articulações, aplicado durante um certo período de tempo" (Aten & Knight,

1978; Corbin & Nobel, 1980; cit in Alter, 1988).

Page 469: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 425

Considera-se então, programa de flexibilidade para aquecimento/arrefecimento

um "programa de exercícios, planeado, deliberado e regular, que é realizado

imediatamente antes ou depois de uma actividade para aumentar a capacidade

de execução do atleta ou reduzir o risco de lesões. Este tipo de programa, por

si só, não permite o aumento da amplitude dos movimentos". (Aten & Knight,

1978; Corbin & Nobel, 1980; cit in Alter, 1988).

A quantidade e a qualidade dos benefícios de um programa de treino de

flexibilidade são, em última instância, determinados por dois factores:

os objectivos individuais do atleta, que devem ser compreendidos num

contexto global que integre aspectos de natureza biológica, psicológica,

sociológica e filosófica;

os meios utilizados para alcançar essea objectivos (métodos e técnicas).

Os métodos e as técnicas devem então ser seleccionados de acordo com os

objectivos que se pretendam atingir e de acordo com as características

individuais do atleta

6.1. Métodos dinâmico e estático

Segundo Alter (1988), os exercícios de stretching (flexibilidade) podem ser

classificados em duas categorias: dinâmicos e estáticos . Os exercícios de

alongamento dinâmico pressupõem movimentos ritmados, "balanços",

"insistências" e geralmente são utilizados os termos isotónico, balístico,

cinético ou alongamentos rápidos (fast stretching) para os definir. Em

contraste, os exercícios de alongamento estático baseiam-se na manutenção

durante um certo tempo de uma determinada posição de alongamento, e

estão associados à noção de isométrico, controlado, suavidade ou

alongamento lento (slow stretching).

Um dos aspectos mais controversos nas ciências do desporto é justamente

reconhecer o valor relativo de cada um destes métodos no desenvolvimento

da flexibilidade. A falta de estudos sobre flexibilidade dinâmica é um dos

Page 470: Metodologia Do Treino Desportivo

426 • Metodologia do treino desportivo I !

factores que mais contribui para esta controvérsia. É extremamente difícil

medir a flexibilidade dinâmica, a avaliação das forças que são para mover as

articulações, em movimentos rápidos e lentos, dentro dos seus graus de

liberdade, exige equipamento muito sofisticado e técnicas especializadas

(Stamford, 1984; cit in Alter, 1988). No entanto, existe um considerável

número de estudos que indicam que ambos os métodos (dinâmico e

estático)são efectivos no desenvolvimento da flexibilidade (Corbin &

Noble, 1980; Logan & Egstrom, 1961; Sady, Wortman, & Blanke, 1982;

Stamford, 1984; cit in Alter, 1988).

6.1.1. Argumentos que suportam o método dinâmico

apela ao espírito de equipa, os atletas podem executar os exercícios

todos ao mesmo tempo;

fácil de associar a um sentido rítmico (cadência);

pode ser mais apropriado em termos de especificidade do treino e

do aquecimento, dado que a maior parte da actividade e dos

movimentos são de natureza balística;

permite desenvolver a flexibilidade dinâmica;

pode ser menos aborrecido;

está demonstrado que é um método eficaz.

6.1.2. Argumentos contra o método dinâmico

adaptação dos tecidos. Quando um músculo e os seus tecidos

conectivos de suporte são rapidamente estirados, não lhes é dado o

tempo suficiente de adaptação;

adaptação neurológica. Existem também argumentos que levam a

supôr que o estiramento dinâmico não permite o tempo adequado para

que se dê a adaptação neurológica;

risco de lesão. São gerados de uma forma incontrolada grandes

momentos angulares que obrigam os tecidos a um estiramento

Page 471: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 427

demasiado rápido, o que pode ocasionar uma distensão ou mesmo uma

ruptura muscular;

contracção reflexa. Um músculo que é estirado repentinamente

reage reflexamente a esse movimento contraindo-se. Deste modo, a

tensão muscular aumenta o que torna mais difícil o estiramento Para

que o estiramento seja mais efectivo é necessário que os elementos

contrácteis do músculo estejam totalmente relaxados.

6.1.3. Argumentos que suportam o método estático

requer menos dispêndio de energia;

provoca menor fadiga muscular;

pode desempenhar um papel de relevo na recuperação do stress

(disstress) muscular;

o óptimo desenvolvimento da flexibilidade estática só é conseguido

através do método estático.

6.1.4. Argumentos contra o método estático

é mais aborrecido e monótono;

deve ser praticado de forma exclusiva, ou seja, em prejuízo dos

exercícios dinâmicos;

A solução para o problema parece ser uma combinação óptima entre os dois

métodos (Corbin Noble, 1980; Dick, 1980; Schultz, 1979; Stamford, 1984,

cit in Alter, 1988).

6.2. Outras formas de classificação

Com base no conceito de "o que" ou "o quê" desenvolver e qual a sua

implicação na amplitude global do movimento, foi possível uma outra forma

de classificar o trabalho de flexibilidade. Um estiramento pode então ser

Page 472: Metodologia Do Treino Desportivo

428 • Metodologia do treino desportivo I !

dividido em quatro diferentes categorias, quanto ao tipo de movimento:

passivo, passivo-activo, activo assistido e activo.

6.2.1. O estiramento passivo

No estiramento passivo o indivíduo não contribui para a acção, não

efectua nenhuma contracção muscular voluntária. O movimento é

totalmente realizado por um agente (ou forças externas) que é

responsável pelo estiramento. Esta técnica permite restabelecer a

amplitude normal do movimento quando esta se encontra afectada por

perda de extensibilidade dos tecidos moles. No músculo promove o

aumento do comprimento da porção elástica. O estiramento passivo é

indicado quando os músculos agonistas, principais responsáveis pela

acção, são demasiado fracos para responder ou quando a tentativa de

inibição dos antagonistas não é bem sucedida (Alter, 1988).

A utilização da ajuda de um parceiro na aplicação deste método pode ter

algumas vantagens (Dowsing, 1978, Olcott, 1980., cit in Alter, 1980):

garante a realização plena do exercício (nº de repetições, correcção

nas posições, tempo em cada posição, etc.);

O treinador está mais liberto para controlar o grupo ou para fazer

alguma correcção individualizada;

o reconhecimento dos progressos por parte do parceiro podem ser

um factor de grande motivação;

promove o espírito de entre ajuda, cooperação e de grupo;

o trabalho torna-se mais agradável e divertido.

Por outro lado, é necessário que o parceiro esteja muito familiarizado

com os exercícios, conheça muito bem o outro parceiro e consiga

transmitir-lhe a confiança necessária para que ele se relaxe.

Page 473: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 429

Segundo Jacobs (1976, cit in Alter,1988), podem ainda ser apresentadas

outras limitações a esta técnica:

o estiramento extremo pode fazer activar os orgãos tendinosos de

golgi;

pode ser dolorosa;

não permite uma melhoria na capacidade de realizar movimentos

activos;

caso o estiramento ocorra demasiado rápido o músculo pode

contrair-se reflexamente o que dificulta o procedimento.

6.2.2. O estiramento passivo-activo

O estiramento passivo-actico é uma técnica muito parecida com a do

estiramento passivo. A fase inicial do movimento assegurada por uma

força externa, depois o indivíduo tenta manter o segmento durante alguns

segundos na posição adquirida através de uma contracção isométrica.

Esta técnica permite simultaneamente aumentar a flexibilidade e o

fortalecimento muscular (flexibilidade /força).

6.2.3. O estiramento activo-assistido

Este tipo de estiramento é ao contrário, primeiro o segmento é elevado

pelo próprio indivíduo (sem assistência) até à máxima amplitude e depois

o movimento é completado pelo parceiro. Este procedimento tem a

vantagem de ajudar a estabelecer o padrão de coordenação do

movimento.

6.2.4. O estiramento activo

Page 474: Metodologia Do Treino Desportivo

430 • Metodologia do treino desportivo I !

No estiramento activo o movimento é unicamente realizado através da

acção muscular do próprio indivíduo. A duração dos períodos de

contracção isómetrica dos grupos musculares activos são determinantes

no ganho de flexibilidade.

A amplitude total do movimento é a combinação entre as amplitudes passiva

e activa. A relação entre flexibilidade activa e passiva está dependente dos

métodos de treino que são utilizados (Hardy, 1985; Iashvili, 1983;

Tumannyan & Dzhanyan, 1984, cit in Alter, 1988). Se forem utilizados mais

exercícios de estiramento passivo então serão maiores os níveis de

flexibilidade passiva. Quanto maior for a diferença entre a amplitude activa

e passiva do movimento de uma articulação maior é a probabilidade de

haver uma lesão (Iashvili, 1983; cit in Alter, 1988).

O estiramento activo pode ser dinâmico ou estático. Segundo Matveyev

(1986), os exercícios balísticos devem ser realizados com um aumento

gradual da amplitude dos movimentos, até à amplitude máxima, e

organizados por séries. Cada exercício pode ser realizado entre 3 a 6 séries

de 10 a 15 repetições cada, no intervalo das séries devem ser realizados

exercícios de relaxação (sacudir a região solicitada ou uma pequena

massagem). O referencial para definir o número de repetições deve ser a

diminuição da amplitude do movimento causada pela fadiga.

Page 475: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 431

Figura 73. Tipos de movimento: (a) passivo; (b) passivo-activo; (c) activo-assistido; (d) activo.(Alter, 1988).

No estiramento estático deve existir

um aumento progressivo do tempo de

manutenção da posição de estiramento.

Esse tempo de "sustentação" pode

variar entre 6 e 12 segundos e o

número de séries entre 6 e 10. Antes de

iniciar qualquer tipo de trabalho de

flexibilidade devemos realizar

exercícios de aquecimento

generalizado. A selecção dos

exercícios de flexibilidade bem como a

sua complexidade deve ser feita de

acordo com o nível de preparação dos

atletas, a especificidade da modalidade

desportiva em causa e os objectivos

pretendidos.

No estiramento estático deve existir um aumento progressivo do tempo de

manutenção da posição de estiramento. Esse tempo de "sustentação" pode

variar entre 6 e 12 segundos e o número de séries entre 6 e 10. Antes de

iniciar qualquer tipo de trabalho de flexibilidade devemos realizar exercícios

de aquecimento generalizado. A selecção dos exercícios de flexibilidade

bem como a sua complexidade deve ser feita de acordo com o nível de

preparação dos atletas, a especificidade da modalidade desportiva em causa

e os objectivos pretendidos.

Uma questão fundamental é saber quando é que devemos utilizar cada um

destes métodos (activo e passivo). O estiramento passivo deve ser

valorizado quando a elasticidade dos músculos que se pretendem estirar

limitam o nível de flexibilidade, por outro lado, os exercícios activos,

Page 476: Metodologia Do Treino Desportivo

432 • Metodologia do treino desportivo I !

devem ser utilizados quando a amplitude dos movimentos é condicionada

por um baixo nível de força desses músculos.

6.3. Método de Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (PNF)

O PNF pode ser definido como um método de desenvolvimento da

flexibilidade que apela ao mecanismo neuromuscular, através da

estimulação dos proprioceptores (Knott & Voss, 1968; cit in Alter, 1988).

Este método foi inicialmente desenvolvido como um procedimento

terapêutico de reabilitação. Hoje, algumas das suas técnicas, são

consideradas como dos mais avançados métodos para desenvolvimento da

flexibilidade.

6.3.1. Bases fisiológicas do método de PNF

O método de PNF baseia-se num conjunto de mecanismos

neurofisiológicos importantes, como sejam: a facilitação e inibição, a

resistência, a irradiação, a indução sucessiva e a acção reflexa. A acção

de facilitação permite aumentar a excitabilidade neural, os estímulos

facilitadores fazem diminuir o limiar de excitabilidade dos

motoneurónios ou provocam um recrutamento adicional dos

motoneurónios. Contrariamente, as acções inibidoras do PNF são aquelas

que fazem diminuir essa excitabilidade. Estas duas acções são

inseparáveis, a promoção da facilitação dos músculos agonistas promove

simultaneamente a relaxação ou inibição dos antagonistas.

A facilitação e a inibição são produzidas predominantemente através da

resistência muscular (contracções activas). Resistência maximal é a

quantidade máxima de resistência que pode ser aplicada numa contracção

activa ou isotónica de modo a permitir atingir a amplitude máxima de um

determinado movimento (Knott & Voss, 1968; cit in Alter, 1988). A

resistência maximal promove os meios que garantem a expansão ou

irradiação dos padrões adequados de movimento. A irradiação no fundo é

a definição e a "divulgação" no S.N.C. do limiar de excitabilidade que

Page 477: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 433

permite realizar uma contracção sinérgica dos músculos num

determinado padrão específico (Holt, ND; Surburg, 1981; cit in Alter,

1988). Este fenómeno é normalmente realizado através da contracção de

um músculo agonista seguida imediatamente da activação de um músculo

antagonista, a que se chama indução sucessiva (Holt, ND; Surburg, 1981;

Alter, 1988).

A eficácia das técnicas de PNF dependem ainda do reflexo de

estiramento (stretch reflex). Este reflexo envolve a acção de dois tipos de

receptores:

o fuso neuromuscular, que é sensível às variações do comprimento

das fibras musculares;

os orgãos tendinosos de golgi, que detectam as alterações na tensão

muscular. Ambos os receptores ajudam o músculo a relaxar-se sob

determinadas condições.

Uma contracção isométrica que aconteça sobre um ligeiro estiramento é

seguida de uma relaxação promovida por inibição autogénica.

(Cornelius, 1981; Cornelius & Hinson, 1980; Holt, ND; Prentice, 1983;

Tanigawa, 1972; cit in Alter, 1988). Por inibição autogénica entende-se a

inibição que por intermédio das fibras aferentes de um músculo estirado

actua sobre os seus motoneurónios alfa obrigando a que este se relaxe

(Ruch & Patton, 1965; cit in Alter, 1988). Ou seja, o músculo que está a

ser estirado é inibido e como consequência relaxa-se. Durante uma

contracção isométrica máxima com os músculos (antagonistas) em

alongamento a tensão combinada que é produzida pode estimular os

orgãos tendinosos de golgi e promover a sua relaxação de forma reflexa.

Uma outra explicação para este fenómeno de relaxação, avançada por

Holt (ND; cit in Alter, 1988), é de que a contracção isométrica poderá

fazer alterar a forma como os fusos musculares respondem às situações

de estiramento, diminuindo o fluxo de impulsos aferentes que partem

desses proprioceptores.

Page 478: Metodologia Do Treino Desportivo

434 • Metodologia do treino desportivo I !

Existe ainda um outro procedimento que permite promover a relaxação

dos músculos antagonistas, é através de uma contracção isométrica dos

músculos agonistas. Esta acção facilita a relaxação através do reflexo de

inibição recíproca, ou seja, quando os motoneurónios dos músculos

agonistas recebem os impulsos excitatórios dos nervos aferentes, os

motoneurónios dos músculos antagonistas são inibidos pelos impulsos

aferentes (e.g. se os quadricipes se contrairem os tricipes têm que se

relaxar) (Alter, 1988).

6.3.1.1. Vantagens do método de PNF

no que se refere à amplitude dos movimentos são várias as

evidências que demonstram que é um método eficaz;

promove também o aumento da força, o equilíbrio da força entre

os agonistas e os antagonistas e a estabilidade articular;

aumenta a resistência e a circulação sanguínea;

melhora a coordenação e a capacidade de relaxação muscular;

existe uma maior facilidade na realização dos movimentos

passivos após a utilização das técnicas de PNF.

6.3.1.2. Desvantagens e argumentos contra o método de PNF

certas técnicas são desconfortáveis e dolorosas;

requere muita motivação;

é mais arriscado (perigoso) do que o método estático porque

geralmente promove maiores tensões musculares;

precisa de maior monitorização para minimizar os riscos;

a maior parte das técnicas necessitam da colaboração de um

parceiro que tem de "saber", "conhecer" bem quem ajuda e merecer

confiança;

se nas contracções isométricas o esforço expiratório for realizado

com a glote fechada, existe a possibilidade de ocorrer o "fenómeno

de valsalva", que faz elevar bruscamente a pressão sistólica o que

Page 479: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 435

pode ter implicações em indivíduos hipertensos ou com problemas

cardíacos. Para que isto possa ser evitado, recomenda-se que os

exercícios não sejam realizados em bloqueio, a respiração deve ser

ritmada e deve haver uma expiração, mesmo que ligeira, na fase da

contracção;

recentemente verificou-se que o músculo se torna inicialmente

menos resistente às alterações do seu comprimento a seguir a uma

contracção estática.

6.3.2. Técnicas de PNF

O método de PNF engloba uma variedade de técnicas e estratégias que

promovem resultados específicos. As contracções isotónicas

(concêntricas e excêntricas) e isométricas podem ser combinadas de

diferentes formas (segundo os trabalhos de Knott & Voss, 1968;

Sullivan, Markos, & Minor, 1982; Surburg, 1981; cit in Alter, 1988):

6.3.2.1. Contracções repetidas (CR)

Esta técnica baseia-se na realização de repetidas contracções até que

seja evidente o aparecimento de fadiga na realização de um

movimento específico. Os movimentos são realizados inicialmente

contra uma resistência, para um lado e para o outro, até que se sinta o

aparecimento de fadiga, uma diminuição na força que é realizada

contra a resistência. Nesse ponto é pedido para realizar uma

contracção isométrica dos agonistas e quando a resistência nesse ponto

volta a aumentar, as contracções passam novamente a ser isotónicas.

6.3.2.2. Ritmo de iniciação (RI)

Page 480: Metodologia Do Treino Desportivo

436 • Metodologia do treino desportivo I !

Técnica utilizada para melhorar a capacidade de iniciar os movimento.

Baseia-se na relaxação voluntária na realização de movimentos

passivos e em contracções isotónicas repetidas dos agonistas. Nesta

técnica são executados alternadamente exercícios passivos, activos-

assistidos, activos e resistentes.

6.3.2.3. Lenta inversão (LI)

Consiste na realização de uma contracção isotónica dos antagonistas,

seguida de uma contracção isotónica dos agonistas. A resistência deve

ser efectuada de modo a que a amplitude activa do movimento possa

ser atingida. Esta técnica permite aumentar a acção dos agonistas,

facilita a acção inversa dos antagonistas e permite aumentar a força

dos antagonistas. 6.3.2.4. Lenta inversão-manter (LIM)

Esta técnica é em tudo semelhante à anterior, só que entre as

contracções isotónicas existe uma contracção isométrica, ou seja, é

realizada uma contracção isotónica dos antagonistas, seguida de uma

contracção isométricas dos antagonistas, seguida de uma mesma

sequência de contracções dos agonistas. Os efeitos desta técnica são

idênticos aos da técnica anterior. 6.3.2.5. Estabilização do ritmo (ER)

Consiste na realização de uma contracção isométrica dos agonistas

seguida de uma contracção isométrica dos antagonistas. A intensidade

das contracções deve aumentar progressivamente ao longo da

sequência. Promove efeitos ao nível da capacidade de sustentação dos

segmentos, de relaxação e aumenta a circulação local. 6.3.2.6. Contracção-relaxamento (CR)

Page 481: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 437

Consiste na realização de uma contracção isotónica maximal dos

antagonista contra a resistência de um parceiro, seguida de um período

de relaxação e um estiramento passivo dos antagonistas até à

amplitude máxima do movimento. Esta técnica é utilizada para

aumentar a amplitude máxima dos movimentos. O facto de a tensão

muscular crescer de forma muito gradual aumenta a probabilidade de

ocorrer uma lesão.

6.3.2.7. Manter-relaxar (MR)

É uma técnica especialmente eficaz quando existe uma diminuição da

amplitude de um movimento, devido a um encurtamento num dos

lados da articulação. Primeiro é realizada uma contracção isométrica

dos antagonistas e após um período de relaxação é efectuada uma

contracção isotónica dos agonistas, contra uma resistência mínima

realizada pelo parceiro, até ao novo ponto de limitação da amplitude

máxima.

1. Contracção isotónica dos antagonistas. 2. Contracção isotónica dos agonistas. 3. Contracção isométrica dos agonistas.

1. Estiramento passivo dos antagonistas.

2. Contracção activa-assistida dos agonistas. 3. Contracção activa dos agonistas 4. Contracção activa-resistente dos agonistas.

1. Contracção isotónica dos antagonistas 2. Contracção isotónica dos agonistas.

1. Contracção isotónica dos antagonistas. 2. Contracção isométrica dos antagonistas. 3. Contracção isotónica dos agonistas. 4. Contracção isométrica dos agonistas.

1. Contracção isométrica dos agonistas. 2. Contracção isométrica dos antagonistas.

1. Contracção isotónica dos antagonistas. 2. Relaxação. 3. Estiramento passivo dos antagonistas.

Page 482: Metodologia Do Treino Desportivo

438 • Metodologia do treino desportivo I !

1. Contracção isométrica dos antagonistas. 2. Relaxação. 3. Contracção isotónica dos agonistas contra uma resistência mínima.

1. Contracção isotónica dos antagonistas. 2. Contracção isométrica dos antagonistas. 3. Relaxação. 4. Contracção isotónica dos agonistas. 5. Relaxação.

1. Contracção isotónica dos agonistas. 2. Contracção excêntrica dos agonistas. 3. Relaxação. 4. Várias contracções concêntricas e excêntricas dos agonistas.

Figura 74. Procedimentos nas diferentes técnicas de PNF: (a) Contracções Repetidas; (b) Ritmo de Iniciação; (c) Lenta Inversão; (d) Lenta Inversão-Manter; (e) Estabilização do Ritmo; (f) Contracção-Relaxamento; (g) Manter-Relaxar (h) Lenta Inversão-Manter-Relaxar; (i) Inversão Agonistica.

6.3.2.8. Lenta inversão-manter-relaxar (LIMR)

Consiste na realização de uma contracção isotónica dos antagonistas,

seguida de uma contracção isométrica dos antagonistas, seguida de um

período de relaxação, seguido de uma contracção isotónica dos

agonistas, seguida de um novo período de relaxação. Melhora a acção

dos antagonistas (força e reversibilidade).

6.3.2.9. Inversão agonistica (IA)

No final ou na amplitude máxima de um contracção concêntrica dos

agonistas é realizada uma sequência de lentas, suaves e ritmadas

contracções, ora excêntricas ora concêntricas, dos agonistas. Melhora

a capacidade de contracção concêntrica e excêntrica de um

determinado padrão de movimento.

7. Princípios metodológicos do treino da flexibilidade

Um dos princípios metodológicos fundamentais do treino da flexibilidade é

que esta não deve ser máxima mas sim óptima, por forma a garantir uma

execução também óptima do movimento (Zatsiorski, 1966).

Segundo Willians e Goldspink (1978), as mobilizações segmentares que

possibilitam alongamentos constantes nos limites da amplitude articular,

Page 483: Metodologia Do Treino Desportivo

" Estudo do factor físico desportivo - Flexibilidade • 439

favorecem o aparecimento de novos sarcómeros e consequentemente o

aumento das fibras musculares. Os dados destas experiências são importantes

para contrariar a ideia de que a flexibilidade é adversa às qualidades físicas

força e velocidade.

Simões (1979) estabelece três princípios fundamentais que devem presidir ao

trabalho da flexibilidade:

suavidade: toda a movimentação quer se situe a nível da mobilidade

articular, quer ao nível do alongamento muscular deverá ser lenta e suave,

fugindo a toda a violência que pode ser traduzida pela grande velocidade, ou

por uma carga exterior excessiva. Sendo associada à;

consciência: cuja intervenção dominante se impõe pela necessidade de

dissociar, inibindo voluntariamente o tónus numa independência segmentar;

relaxamento: cuja importância se situa a três níveis:

relaxamento dos grupos musculares que envolvem uma articulação;

o controlo do relaxamento da região solicitada em alongamento, por

forma a permitir atingir progressivamente limites de extensibilidade

superiores;

procura dum estado de controlo emocional, que permita manter os

alongamentos constantes e intensos.

Para Harre o treino da flexibilidade deve ter em atenção os seguintes aspectos

metodológicos:

os exercícios de flexibilidade devem ser variados, e visar o aumento da

amplitude do movimento;

os exercícios de flexibilidade devem ser complementados com exercícios

de relaxação;

a amplitude máxima do movimento deve ser alcançada lenta e

progressivamente;

os exercícios de flexibilidade devem realizar-se na parte inicial do treino,

pressupondo um aquecimento conveniente e nunca depois de exercícios de

resistência geral muito intensos ou num estado de fadiga muscular evidente ;

Page 484: Metodologia Do Treino Desportivo

440 • Metodologia do treino desportivo I !

os exercícios de flexibilidade nunca deve ser executado com os músculos

em situação de grande fadiga;

para a manutenção da flexibilidade não é necessário um elevado volume

de treino;

a flexibilidade perde-se muito rapidamente perante uma interrupção

prolongada do treino. O seu trabalho deve ser diário, contínuo e sem

interrupções marcadas;

os exercícios de flexibilidade activa conservam os progressos na

flexibilidade por mais tempo do que os exercícios passivos.

��

Page 485: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE V

O PLANEAMENTO DO TREINO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo

Page 486: Metodologia Do Treino Desportivo

440 • Metodologia do treino desportivo I !

Parte V

O planeamento do treino desportivo

Sumário

1. Conceito de planeamento

2. A natureza do planeamento

3. Objectivos do planeamento

4. A importância do planeamento

5. Os níveis de planeamento

Capítulo 1

O planeamento conceptual

Capítulo 2

O planeamento estratégico

Capítulo 3

O planeamento táctico

Page 487: Metodologia Do Treino Desportivo

" Planeamento do treino desportivo • 441

A actividade desportiva na actualidade levanta enormes exigências, em

especial aos praticantes e às equipas de rendimentos superiores. Com efeito, é

possível prever que essas exigências irão aumentar no futuro próximo. Numa

análise substancial e profunda do rendimento desportivo observamos uma

multiplicidade e uma variabilidade de elementos, que intervêm directa ou

indirectamente nos resultados obtidos.

Mas para além desta multiplicidade e variabilidade dos elementos

preponderantes no rendimento dos praticantes e das equipa, é necessário ter

presente a complexidade intrínseca de cada elemento e as relações de

interdependência que estes estabelecem uns com os outros, determinando

consequentemente que, qualquer alteração de um destes tem de ter de imediato

repercussões em todos os outros.

Posto o problema neste plano, os limites da intervenção do treinador há muito

que deixaram de ser "apenas" a aplicação de um conjunto de exercícios de

treino (que evoluem sob a égide de dois parâmetros: a especificidade e a

identidade) e da orientação táctica dos praticantes ou das equipas através de

uma intervenção mais ou menos realista ou mais ou menos ardilosa, durante a

competição. Com efeito, a dificuldade que envolve a preparação e

maximização das capacidades e potencialidades destes, determina a

necessidade de o treinador ter uma visão simultaneamente global e integradora

de todos os elementos que influenciam de forma preponderante o seu

rendimento, através de um planeamento sistemático e dinâmico.

Nestas circunstâncias, o planeamento consubstancia as operações fundamentais

(estabelecimento de uma direcção) à consecução da finalidade e dos objectivos

previamente estabelecidos para os praticantes e equipas, assegurando a relação,

Page 488: Metodologia Do Treino Desportivo

442 • Metodologia do treino desportivo I !

o mais realística possível, entre a preparação destes e o contexto competitivo

em que estão inseridos.

1. Conceito de planeamento

O planeamento é definido como um processo que analisa, define e sistematiza

as diferentes operações inerentes à construção e desenvolvimento dos

praticantes ou das equipas. Organiza-as em função das finalidades, objectivos e

previsões (a curta, média, ou longa distância), escolhendo-se as decisões que

visem o máximo de eficácia e funcionalidade da mesma.

Deste conceito podemos inferir que o planeamento é:

um processo de evolução controlada da realidade, sendo uma necessidade

para todo aquele que queira intervir organizada e racionalmente na evolução

dos factores que condicionam o futuro;

exige o estabelecimento de objectivos a atingir perfeitamente definidos

em quantidade e qualidade;

necessita da aplicação de decisões claras e coerentes aos objectivos

preconizados;

necessita do conhecimento seguro entre a realidade através da qual os

praticantes ou as equipas partiram, e da realidade a que se chegou, de forma

a revelar uma diferença largamente positiva;

deverá permitir a interligação (retroacção) permanente entre o controlo e

a correcção dos desvios.

Sendo, neste contexto, necessário:

reunir o conjunto de factores que influenciam o rendimento dos

praticantes ou das equipas;

optar pelo conjunto de factores, de ordem exógena e endógena,

preponderantes no rendimento dos praticantes ou das equipas, e que podem

ser controlados quer no plano do processo de treino, quer no plano médico,

nutricional, fármaco, etc.;

Page 489: Metodologia Do Treino Desportivo

" Planeamento do treino desportivo • 443

ordenar o conjunto de factores cuja predominância se faz sentir com

maior intensidade em certos períodos do processo de treino;

executar criando as condições mais vantajosas para o desenvolvimento

positivo dos factores escolhidos; e,

controlar corrigindo os desvios às previsões estabelecidas.

2. A natureza do planeamento

A natureza do planeamento evidencia quatro elementos de base que o

constituem:

a orientação para o futuro: o planeamento é uma representação das

operações a levar a cabo pelos praticantes ou pelas equipas tendo em conta,

na sua análise:

a sua situação actual (nível de treino, de rendimento ou de

organização);

os resultados e consequências antecipadas das diferentes acções

estabelecidas e produzidas; e,

as novas configurações desejáveis do rendimento dos praticantes ou

das equipas;

toma o contexto competitivo em consideração: o planeamento promove

as relações entre os praticantes/equipas e o contexto competitivo em que

estão inseridas. Neste sentido, o planeamento deve analisar constantemente:

os adversários, especialmente ao nível do seu rendimento (incluindo as

suas expressões quer ao nível de execução técnica, quer ao nível táctico,

físico e psicológico);

o contexto em que as diferentes competições irão decorrer (e suas

modificações);

a continuidade do processo: o planeamento é um processo contínuo e

global. Com efeito, o planeamento está no centro da dinâmica de uma

organização. Nunca pára. O planeamento é um processo que implica todos

Page 490: Metodologia Do Treino Desportivo

444 • Metodologia do treino desportivo I !

os elementos (praticantes/jogadores, equipa técnica, dirigentes) devendo

assim, todos estar ao corrente das finalidades, objectivos e intenções; e

consubstancia planos para transformação da realidade presente: isto é, o

planeamento deve conduzir a planos que descrevem como passar da

situação actual para uma situação mais desejável.

3. Objectivos do planeamento

O planeamento constrói-se e desenvolve-se num contexto (meio) que se

caracteriza, por um lado, pelo ritmo de mudança e, por outro, pela

complexidade dessa mudança. Estas características (ritmo e complexidade de

mudança) desafiam e provocam o planeamento do treino dos praticantes e das

equipas na sua dinâmica e na sua estruturação.

Nestas circunstâncias, o planeamento ao analisar, definir e sistematizar as

diferentes operações inerentes à construção e desenvolvimento dos praticantes

ou das equipas, fornece o conjunto de meios de base e específicos de

orientação e coordenação das acções de preparação. Com efeito, o papel do

planeamento, em última análise, consiste em fornecer um guia de acção na

organização com vista a facilitar o alcance dos seus objectivos:

incrementando a sua eficácia;

incrementando a sua estabilidade; e,

incrementando a sua adaptabilidade no seio do meio competitivo.

4. A importância do planeamento

A eficácia da preparação dos praticantes e das equipas para a competição passa

indubitavelmente por um planeamento claro, consciente e coerente de

finalidades e objectivos. Neste contexto, quanto mais a preparação for privada

deste esforço de planeamento, maiores serão as possibilidades de proliferação

do acidental, e do casuístico, "se não sabemos para onde caminhamos,

estaremos sempre, qualquer que seja o momento dessa apreciação, num sítio

Page 491: Metodologia Do Treino Desportivo

" Planeamento do treino desportivo • 445

onde não queremos estar". Logo, se o êxito ou inêxito de uma organização,

quer no plano individual (praticante), quer no plano colectivo (equipa), deriva

exclusivamente do acaso, o mérito, e por consequência a responsabilidade do

treinador, e dos praticantes/jogadores que actuam parece estar fora de causa.

Todavia, e em sentido diametralmente oposto, não podemos conter uma

aprovação tácita cada vez que a nossa concepção se realiza, nem uma espécie

de mal-estar intelectual quando se verifica que é falsa. "Assim, se o êxito não é

devido somente ao acaso, (lembramos que este elemento nunca está ausente,

especialmente quando se trata duma actividade humana) é quase impossível

que o seu conhecimento não produza efeitos na apreciação das condições em

que este se realizou" (Clausewitz, 1976).

5. Os níveis de planeamento

Distinguem-se geralmente três níveis de planeamento: o planeamento

conceptual, o planeamento estratégico, e o planeamento táctico.

o primeiro nível caracteriza-se pela construção de um modelo de

praticante ou de jogo, sendo alicerçado em três vertentes fundamentais:

das concepções por parte do treinador, isto é, as suas perspectivas e

ideias;

da análise das particularidades e potencialidades dos praticantes ou

dos jogadores que constituem a equipa; e,

das tendências evolutivas no presente e no futuro da modalidade

desportiva em causa.

Com efeito, o planeamento conceptual traduzido por modelos

consubstancia, em última análise, as linhas de orientação geral e

específica da preparação dos praticantes ou das equipas com vista à

competição, num determinado meio competitivo (por ex: campeonato

nacional, regional, europeu, mundial, etc.);

Page 492: Metodologia Do Treino Desportivo

446 • Metodologia do treino desportivo I !

o segundo nível, o planeamento estratégico, caracteriza-se pela escolha

das estratégias mais eficazes em função de três vertentes fundamentais:

do conhecimento dos praticantes ou da própria equipa;

do conhecimento e do estudo das condições objectivas sobre as quais

se realizará a futura confrontação desportiva. Fazem parte deste, o

conhecimento dos praticantes ou da equipa adversária, e as condições e

circunstâncias em que esta se vai desenrolar; e,

das adaptações a efectuar, sendo função das duas vertentes anteriores,

de forma a criar as condições mais favoráveis aos praticantes ou à própria

equipa durante o confronto competitivo.

o terceiro nível, o planeamento táctico, caracteriza-se pela aplicação

prática, isto é, pelo carácter aplicativo e operativo do planeamento

conceptual e do planeamento estratégico que visa durante o desenrolar da

competição, e em função de um conjunto de factores, a aplicação de certas

medidas especiais tomadas pelo treinador.

planificação

conceptual

planificação

estratégica

planificação

táctica

contexto competitivo Figura 75. Os diferentes níveis de planeamento do treino desportivo

Page 493: Metodologia Do Treino Desportivo

" Planeamento do treino desportivo • 447

PARTE V

O PLANEAMENTO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 1

O planeamento conceptual

Page 494: Metodologia Do Treino Desportivo

448 Conceitos do treino desportivo

Resp: Jorge Castelo

Conteúdo do Capítulo 1 da Parte V

O planeamento é o processo que analisa, define e sistematiza as

diferentes operações inerentes à construção e desenvolvimento dos

praticantes ou das equipas. Organiza-as em função das finalidades,

objectivos e previsões escolhendo as decisões que visem o máximo de

eficácia e funcionalidade da mesma. O planeamento conceptual exprime

o modelo de praticante ou de jogo da equipa, o qual é consubstanciado

a partir da análise dos praticantes ou das equipas no presente, pela

concepção por parte do treinador na qual se incluem as tendências

evolutivas da própria modalidade desportiva, e pela definição das

orientações do trabalho e as vias para atingir os efeitos pretendidos.

Page 495: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento conceptual • 449

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 14

Parte V

O planeamento do treino desportivo

Sumário

Capítulo 1 - O planeamento conceptual

1. Conceito de planeamento conceptual

2. A natureza do planeamento conceptual

3. Objectivos do planeamento conceptual

4. Etapas do planeamento conceptual

4.1. Descrição e análise da situação

4.1.1. O subsistema cultural

Page 496: Metodologia Do Treino Desportivo

450 • Metodologia do treino desportivo I !

4.1.2. O subsistema estrutural

4.1.3. O subsistema metodológico

4.1.4. O subsistema relacional

4.1.5. subsistema técnico-táctico

4.1.6. O subsistema táctico-estratégico

4.1.7. Avaliação da época desportiva anterior

4.2. Descrição do modelo no futuro

4.2.1. Definição de modelo

4.2.2. A natureza do modelo

4.2.3. Objectivos do modelo

4.2.4. Bases para a construção do modelo 4.2.4.1. O responsável pela construção do modelo 4.2.4.2. O factor referencial do modelo 4.2.4.3. As regras fundamentais do modelo 4.2.4.4. Tendências evolutivas do modelo

4.2.5. Determinação dos objectivos da próxima época desportiva

4.3. Elaboração de programas de acção

4.3.1. Reproduzir o modelo

4.3.2. Controlar o processo de evolução individual e colectiva

4.3.3. Definir realisticamente objectivos intermédios

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TOFFLER, (1984) A. A terceira vaga, Livros do Brasil, Colecção vida e

cultura, Lisboa

1. Conceito de planeamento conceptual

O planeamento conceptual é definido pelo estabelecimento de um conjunto de

linhas gerais e específicas que procuram direccionar e orientar a trajectória da

preparação do praticante ou da equipa no futuro próximo.

Page 498: Metodologia Do Treino Desportivo

452 • Metodologia do treino desportivo I !

Em última análise, o planeamento conceptual exprime-se num modelo de

praticante ou de jogo da equipa, o qual é consubstanciado a partir da análise

dos praticantes ou das equipas (os seus valores e intenções) no presente, pela

concepção por parte do treinador na qual se incluem as tendências evolutivas

da própria modalidade desportiva pela definição das orientações do trabalho e

as vias para atingir os efeitos pretendidos.

2. Natureza do planeamento conceptual

A natureza do planeamento conceptual consubstancia-se essencialmente no

conhecimento claro do trajecto e da forma de preparação do praticante ou da

equipa que se pretende implementar num futuro próximo. Este facto traduz os

seguintes quatro aspectos fundamentais:

avalia-se profundamente o trajecto do praticante ou da equipa na

temporada competitiva anterior por forma a lançar as bases do trabalho

futuro. Estabelecendo, concomitantemente o objectivo da próxima época

desportiva a partir de pressupostos coerentes e idóneos;

facilita a análise (leitura) e as respostas (soluções) que derivam da

situações quer ao nível do treino, quer ao nível da competição, melhorando

por consequência a comunicação entre os praticantes/jogadores;

aumenta os níveis de motivação dos praticantes/jogadores que se traduz

num melhor empenhamento (atitude) destes, quer no plano individual, quer

no plano colectivo, na execução das tarefas que o treino e a competição em

si encerram; e,

melhora a comunicação entre o treinador e os praticantes/jogadores, por

um lado, o primeiro pode seleccionar os diferentes exercícios de treino

ajustando correctamente a dificuldade e a complexidade destes em função

dos seus níveis de rendimento e, por outro, os segundos compreendem a

necessidade e a importância da sua execução como um meio para atingir os

objectivos delineados para a presente época desportiva.

Page 499: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento conceptual • 453

3. Objectivos do planeamento conceptual

Os objectivos fundamentais do planeamento conceptual é o de assegurar:

a construção de um modelo de organização do processo de treino do

praticante ou da equipa, melhorando a sua funcionalidade geral e especial, e

por consequência, o seu rendimento desportivo; e,

o delinear de um trajecto (caminho), através da aplicação de programas de

acção, capazes de atingir o modelo que se pretende num futuro, realizável o

mais cedo possível.

Para que os objectivos estabelecidos sejam concretizados é necessário analisar,

descrever e elaborar os seguintes três aspectos:

analisar quais os principais aspectos positivos e negativos do praticante

ou da equipa (a sua situação actual). Desta análise, para além dos níveis de

rendimento desportivo individual e colectivo, retém-se igualmente os

valores, as intenções e avalia-se o transcurso da temporada desportiva

anterior;

descrever de forma clara e profunda o modelo de praticante ou da equipa

que se pretende atingir no futuro e determina-se os objectivos da próxima

época desportiva. Basicamente este modelo deverá corresponder a três

vertentes fundamentais:

• às concepções do treinador que derivam do seus conhecimentos

teóricos sobre a modalidade, e das suas próprias experiências adquiridas

ao longo da sua actividade profissional;

• as tendências evolutivas da modalidade desportiva; e,

• comparar objectivamente os aspectos individuais e colectivos actuais e

o modelo que se pretende que esta tenha no futuro;

elaborar os programas de acção pragmática que consubstanciam um

processo de evolução controlada da organização do praticante ou da equipa

Page 500: Metodologia Do Treino Desportivo

454 • Metodologia do treino desportivo I !

direccionando-a para um modelo pré-determinado. Definindo

simultaneamente as orientações do trabalho, e os meios e métodos de treino

para atingir os efeitos pretendidos.

4. Etapas do planeamento conceptual

O planeamento conceptual compreende, como se pode depreender do que foi

referido, essencialmente três etapas que, em última análise, se constituem

como três questões fundamentais que qualquer treinador deverá equacionar: i)

o modelo actual do praticante ou da equipa, ii) o modelo que se pretende no

futuro, e, iii) como atingir esse modelo.

Neste sentido, o treinador partindo da análise das características e da estrutura

da actividade competitiva em que está inserido, deverá efectuar de forma

profunda:

a descrição e análise da situação actual do praticante ou da equipa

(incluindo os seus valores e intenções) e a avaliação da época desportiva

anterior;

a descrição do modelo de praticante ou da equipa no futuro e a

determinação clara dos objectivos da próxima época desportiva; e por

último,

a elaboração de planos de acção, isto é, de aplicação prática, que resultam

basicamente dos desvios estabelecidos entre a análise da situação actual e o

modelo a atingir.

4.1. Descrição e análise da situação

Iniciamos o processo de planeamento conceptual por uma análise da situação

actual do praticante ou da equipa. Esta análise, que poderá ser mais ou menos

profunda, procurará definir: i) os seus valores intenções e finalidades

(subsistema cultural), ii) a sua dimensão "estática" e "dinâmica" (subsistema

Page 501: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento conceptual • 455

estrutural), iii) a sua coordenação geral (subsistema metodológico), iv) os seus

princípios (subsistema relacional), v) os seus meios ou procedimentos técnicos

de resolução das situações competitivas (subsistema técnico-táctico), vi) o seu

planeamento (subsistema táctico-estratégico) e por último, vii) a análise da

época desportiva anterior.

4.1.1. O subsistema cultural

O subsistema cultural estabelece: i) os valores e as convicções partilhadas

pelos diferentes praticantes/jogadores que aderem a uma visão comum da

equipa, estabelecendo uma direccionalidade às suas atitudes e

comportamentos, ii) o desenvolvimento de um conjunto de condições

normativas construidas dentro da equipa, com a finalidade de manter a sua

coerência interna, iii) o respeito pelas Leis/regras da modalidade que

normalizam e condicionam as atitudes e os comportamentos dos

praticantes/jogadores perante as situações competitivas, e, iv) a compreensão

das regras estabelecidas por um determinada competição desportiva.

4.1.2. O subsistema estrutural

O subsistema estrutural estabelece uma dupla dimensão: "estática" e

"dinâmica". A primeira traduz-se pela racionalização do espaço, através da

aplicação de um dispositivo de base em que os praticantes/jogadores

ocupam o terreno de jogo, estabelecendo as linhas de força unitárias e

homogéneas, que constituem o quadro referencial de redes de comunicação

ou de intercepção das ligações dos adversários. A segunda dimensão do

subsistema estrutural, traduz-se pela racionalização e objectivação do

conjunto de tarefas e missões tácticas de base e específicas, distribuídas aos

diferentes praticantes/jogadores que constituem, em última análise, o quadro

orientador dos seus comportamentos técnico-tácticos.

Page 502: Metodologia Do Treino Desportivo

456 • Metodologia do treino desportivo I !

4.1.3. O subsistema metodológico

O subsistema metodológico exprime a coordenação geral e a sequência de

execução das acções dos praticantes/jogadores durante as diferentes fases da

competição. A análise do referido subsistema fundamenta-se, por um lado,

nos métodos (ofensivos ou defensivos) que por si estabelecem os princípios

de circulação e de colaboração no seio do subsistema estrutural, e por outro,

pela definição de um tempo e um ritmo característico de execução

técnico-táctica.

4.1.4. O subsistema relacional

O subsistema relacional traduz basicamente um conjunto de linhas

orientadoras (denominados princípios), em virtude das quais os

praticantes/jogadores orientam e coordenam as suas atitudes e

comportamentos individuais e colectivos. Com efeito, os princípios

estabelecem um quadro referencial que evidencia a possibilidade: i) de os

praticantes/jogadores atingirem rapidamente a solução táctica para o

problema que a situação competitiva em si encerra, e o facto de se resolver,

pela acção, problemas em plena situação de jogo, levam-nos a obter

conhecimentos subjectivamente novos e, ii) pelo estabelecimento de uma

"linguagem comum". Com efeito, ao assegurar-se constantemente uma

linguagem comum, ou seja um "código de leitura", contribui-se claramente

para de que os praticantes/jogadores ao lerem e valorizarem as situações

competitivas, possam imputar-lhes um significado mais ou menos relevante

e homogéneo em função das necessidades para a sua resolução táctica. 4.1.5. O subsistema técnico-táctico

O subsistema técnico-táctico estabelece os meios - procedimentos - de base

(também denominados de factores) que os praticantes/jogadores quer

individual como colectivamente, accionam durantes as fases e situações

competitivas, com vista à sua resolução eficaz. A sua natureza implica um

Page 503: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento conceptual • 457

processo de percepção e análise, solução mental e motora, a qual exige a

participação da consciência e exprime concomitantemente um pensamento

produtor.

4.1.6. O subsistema táctico-estratégico

O subsistema táctico-estratégico expressa-se num planeamento que analisa,

define e sistematiza as diferentes operações inerentes à construção e

desenvolvimento de um praticante ou equipa. Organiza-as em função das

finalidades, objectivos e previsões, escolhendo as decisões que visem o

máximo de eficácia e funcionalidade da mesma.

4.1.7. Avaliação da época desportiva anterior

No início de qualquer planeamento conceptual, o treinador deverá analisar

profundamente o transcurso da temporada competitiva anterior de forma a

lançar as bases do trabalho futuro. Com efeito, dentro de um largo conjunto

de reflexões que o treinador irá efectuar sublinhamos os seguintes:

razões fundamentais do sucesso ou insucesso. Momentos críticos e os

momentos vitoriosos;

tipo de lesões (roturas, distensões, fracturas, etc.), tempo médio de

tratamento e o tempo de inactividade competitiva;

carga de treino e a assiduidade dos praticantes/jogadores;

carga de competição para cada praticante/jogador; e,

comportamento desportivo. Níveis de conflito interpessoal.

No caso de uma equipa de jogos desportivos colectivos:

evolução classificativa da equipa ao longo do campeonato;

as diferentes constituições da equipa, e as particularidades dessas

alterações. Quais as possibilidades de adaptação de cada jogador no

sector defensivo, médios, ou atacante;

Page 504: Metodologia Do Treino Desportivo

458 • Metodologia do treino desportivo I !

tendências da evolução da equipa e dos jogadores, e a sua capacidade

de rendimento;

número de golos, e de que forma foram conseguidos e consentidos;

comportamento desportivo dos jogadores da equipa dentro do terreno

de jogo. Castigos (cartões amarelos, ou vermelhos), as razões destes (a

favor da equipa, por exemplo: evitar que o adversário de posse de bola

progredisse isolado para a baliza, ou contra a equipa, por exemplo:

discutir com o árbitro, agredir o adversário, etc.).

4.2. Descrição do modelo no futuro

"Cada pessoa trás dentro da sua cabeça um modelo mental do mundo, uma

representação subjectiva da realidade externa. Este modelo consiste em

dezenas e dezenas de milhares de imagens: algumas simples, outras,

inferências abstractas do modo como as coisas estão organizadas... O modelo

mental de qualquer pessoa contém algumas imagens que se assemelham de

perto à realidade e outras que são deformadas ou inexactas. Mas para que a

pessoa consiga agir é indispensável que o modelo tenha alguma semelhança

nas suas linhas gerais com a realidade..." (Toffler, 1970).

A planificação conceptual caracteriza-se pela determinação das linhas gerais e

globais de construção do modelo de praticante ou de equipa, isto é, o conjunto

de orientações e regras que uma organização deve ter constituindo-se assim,

como o seu quadro de acção. Concomitantemente estabelece-se a finalidade

objectiva através de um conjunto firme de convicções que guião a preparação.

4.2.1. Definição de modelo

Dentro do domínio científico, um modelo é uma representação simplificada,

sob a forma mais ou menos abstracta (se possível matematizada), de uma ou

várias relações que reúne os elementos de um sistema. Um modelo cria uma

Page 505: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento conceptual • 459

rede de interrelações entre as unidades de um conjunto, simulando a

realidade, ou parte dos aspectos dessa realidade que corresponde à

pertinência do ponto de vista adoptado. Em termos gerais Bompa (1990),

define modelo como "uma imitação, uma simulação da realidade

constituída por elementos específicos do fenómeno que se observa ou

investiga". É igualmente, segundo o mesmo autor, "um tipo de imagem

isomorfa", ou por outras palavras, a cristalização de formas fundamentais

(idênticas), da competição, que é obtida através da abstracção, (um processo

mental de generalização a partir de exemplos concretos), desses elementos e

da sua natureza.

4.2.2. A natureza do modelo

Todos nós produzimos e utilizamos modelos analógicos que estabelecem as

relações dos factos que a realidade em si encerra. Da mesma forma os

diferentes treinadores esforçam-se por concretizar um planeamento

conceptual, como ponto de partida essencial e referencial para a orientação

geral da acção do praticante ou da equipa. Com efeito, a natureza do modelo

permite:

por um lado, definir e reproduzir com rigor, todo o sistema de relações

e interrelações que se estabelecem entre os diversos elementos que

consubstanciam a competição desportiva; e,

por outro, a reprodução e aplicação prática de um modelo permite a

possibilidade, a partir das experiências recolhidas de tirar novas

conclusões, por forma a racionalizar e a optimizar novas ideias e

concepções.

4.2.3. Objectivos do modelo

A planeamento conceptual procura, em última análise, consubstanciar uma

maior unidade das respostas que derivam das questões que se estabelecem

Page 506: Metodologia Do Treino Desportivo

460 • Metodologia do treino desportivo I !

das relações dos praticantes/jogadores e a modalidade desportiva, sendo

neste contexto encarado, como uma simulação da realidade, representando-a

à sua semelhança, pois, é constituída por elementos específicos pertencentes

ao fenómeno estudado. Ao reunir-se estes elementos específicos procuramos

estabelecer um triplo objectivo:

compreendê-los melhor;

estabelecer hipóteses sobre o seu comportamento de conjunto

(interdependência dos seus factos); e,

tentar prever as suas modificações (reacções) em função da

variabilidade das situações.

Concluindo, o planeamento conceptual baseia-se na teorização da prática,

estabelecendo:

um sistema explicativo que engloba mesmo de forma provisória, o

máximo de factos observados dentro do domínio da realidade que lhe é

própria, paralelamente;

estabelece e objectiva as linhas gerais orientadoras, ou seja, os pontos

de partida fundamentais que pretendem indicar o "caminho" para um

processo de treino mais eficiente dos praticantes ou das equipas.

4.2.4. Bases para a construção do modelo

As bases para a construção do modelo passa por quatro aspectos essenciais:

a responsabilidade de quem constrói o modelo, o factor referencial da

construção do modelo, as regras fundamentais da construção do modelo e as

tendências evolutivas do modelo de jogo.

4.2.4.1. O responsável pela construção do modelo

A escolha por parte do treinador do modelo, obedece basicamente a um

critério fundamental: a sua concepção que deriva dos seus conhecimentos

Page 507: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento conceptual • 461

sobre a modalidade desportiva em causa. Todavia, esta deverá assumir

três características essenciais:

um carácter progressista; isto significa que a concepção deverá

atender às grandes tendências evolutivas da modalidade e às suas

perspectivas de desenvolvimento: no plano dos regulamentos, no

plano técnico, no plano táctico, no plano físico, no plano psicológico,

e no plano social. Neste sentido, as concepções da modalidade

deverão corresponder, ou mesmo ultrapassar, se possível, a orientação

dos melhores praticantes ou das melhores equipas, tanto interna como

internacionalmente;

um carácter adaptativo; a concepção deverá atender à especificidade

das características dos praticantes/jogadores que compõem a equipa,

de forma que estes possam exprimir natural e eficazmente as suas

próprias capacidades e interligá-las. Este carácter adaptativo deve

igualmente ter em perspectiva as transformações (modificações)

pontuais possíveis e as tendências evolutivas da modalidade, para a

construção de um praticante/jogador mais autónomo e mais eficiente,

sendo este encarado como um elemento em constante formação e

evolução; e por último,

a experiência e a capacidade intelectual do treinador são os factores

preponderantes na construção de um modelo. Não se pode implantar

ou executar aquilo que não se sabe, que não se domina com suficiente

segurança. Daí a necessidade de o treinador retirar da sua experiência

e da sua capacidade de equacionar e reflectir constante e

continuamente os elementos fundamentais do modelo e as suas

interdependências.

4.2.4.2. O factor referencial do modelo

Page 508: Metodologia Do Treino Desportivo

462 • Metodologia do treino desportivo I !

"A competição representa não só o ponto referencial do modelo, mas

também a sua componente mais forte"..."a criação de um modelo começa

com uma fase de contemplação, durante o qual o treinador observa e

analisa o actual nível do treino. Seguidamente, é a fase de inferência em

que o treinador baseado nas conclusões das observações decide que

elementos da sua concepção de treino devem ser retirados e os que

devem ser desenvolvidos. O próximo passo, o treinador introduz novos

elementos (1) qualitativos, que se referem aos aspectos da intensidade do

treino, à técnica, à estratégia, à psicologia, e elementos (2) quantitativos,

que dizem respeito aos aspectos do volume de treino, duração e número

de repetições requeridas para automatizar os novos elementos

qualitativos"..."o novo modelo é então testado no treino e depois em

competições de importância secundária. Depois o treinador estabelece

um conjunto de conclusões em função da validade do novo modelo e

estabelece eventuais pequenas alterações. Esta última fase conduz-nos a

um modelo final, que deverá ser aplicado no treino para as competições

importantes" (Bompa, 1990).

4.2.4.3. As regras fundamentais do modelo

O desenvolvimento de um modelo não corresponde a um caminho

continuo e progressivo, mas a um conjunto de roturas entre os modos

sucessivos de explicação do jogo. "Estas roturas são o testemunho da

transposição de obstáculos sobre os quais choca infalivelmente o

espírito humano que ensaia compreender e explicar o mundo à sua

volta" (Bachelard, 1977). Logo, é nossa opinião, à medida que se vai

construindo e desenvolvendo um modelo é necessário submetê-lo à

interrogação sistemática, isto é, vai-se progressivamente construindo,

des-construindo, e reconstruindo. Contudo, face ao extraordinário enredo

da realidade, tal como ela se nos apresenta, é necessário, numa primeira

abordagem, identificar os factos dessa realidade, isolando-os,

Page 509: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento conceptual • 463

caracterizando-os e, posteriormente, recolocá-los no seu campo

referencial conferindo à situação a sua identidade, ou seja, o seu sentido e

a sua função.

APLICAÇÃO

MODELO FINAL

o resultado valida o MODELO

testar o MODELO em competi-ções de importância secundária

melhorar o MODELOQUALITATIVO

melhorar o MODELO QUANTITATIVO

introduzir novos elementos QUALITATIVOS

introduzir novos elementos QUANTITATIVOS

INFERÊNCIA

CONTEMPLAÇÃO

Figura 76. A sequência do desenvolvimento de um modelo (Bompa, 1990)

Bertrand e Guillement (1988) evidenciam cinco regras fundamentais na

conceptualização de um modelo:

o número de entidades visadas pelo modelo: a probabilidade de

validação do modelo é função do número de elementos visados. Com

efeito, quanto mais elevado é este número mais o modelo tem

hipóteses de ser válido;

o número de atributos: o grau de probabilidades de semelhança do

modelo é função do número de atributos dos elementos considerados

como analógicos. Se dois sistemas têm muitos elementos em comum,

é possível que se assemelhem;

a força da conclusão: quanto mais uma conclusão é afirmativa,

menos hipóteses tem de ser provável. Quanto mais vaga e geral é,

mais hipóteses tem de ser verosível;

o número de diferenças: uma argumentação por analogia

enfraquece-se em função do número de diferenças percebidas entre os

Page 510: Metodologia Do Treino Desportivo

464 • Metodologia do treino desportivo I !

elementos. Quanto maior e mais numerosas forem as diferenças, mais

falha a argumentação e mais provável é a conclusão; e,

a pertinência: é sempre mais interessante comparar coisas parecidas

ou propriedades semelhantes.

4.2.4.4. Tendências evolutivas do modelo

"O desenvolvimento do modelo não é um processo de curta duração"

(Bompa, 1990), ou seja, não basta desenvolver o modelo de hoje, pelo

contrário, é preciso prever o futuro que se consubstancia, no(s) aspecto(s)

que serão predominantes na aceleração dos processos de

desenvolvimento dessa modalidade desportiva. Importa salientar dentro

deste contexto, que não devemos encarar este fenómeno de uma forma

estática, mas sim fazendo da mudança um princípio heterogéneo, de

forma que se traduza para qualquer observador imparcial a apreensão

instantânea e artificial de uma realidade móvel. Porquanto esta análise

não é mais que a intersecção no tempo e no espaço dos processos em vias

de mudança e desenvolvimento, sendo impossível captar esses factos se

não compreendermos os processos que lhe são inerentes, os quais

podemos distinguir dois tipos:

os que se repetem ciclicamente;

e os acumulativos, ou direccionais, que se produzem num nível

"histórico/progressivo" de transformação do sistema.

Com efeito, estes dois processos são recorrentes, isto é, encontram-se

misturados em proporções diversas dentro do contexto das modalidades,

a rede de ligação entre os factores de competição (técnico-tácticas,

físicas, psicológicas e sociológicas), é tão apertada que as consequências

de qualquer alteração de uma delas, tem de ter de imediato repercussões

em todas as outras.

4.2.5. Determinação dos objectivos da próxima época desportiva

Page 511: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento conceptual • 465

Analisada a época desportiva transacta, estabelecido o modelo, o

treinador determinará qual o objectivo real para a próxima época

desportiva. Partindo de pressupostos coerentes e idóneos é possível

estabelecer objectivos que não sejam constantemente mudados, quer no

plano positivo como negativo, ao longo do decorrer da competição. Os

presentes objectivos devem ser posteriormente transmitidos aos

praticantes/jogadores, por forma que estes saibam quais os níveis de

expectativa a que a análise do seu trabalho estará sujeito, e que estes

façam coincidir os seus objectivos pessoais com os objectivos colectivos.

4.3. Elaboração de programas de acção

Esta fase do planeamento conceptual consubstancia-se no estabelecimento, e

construção de planos de intervenção pragmática, que procuram direccionar o

trabalho do treinador com o objectivo de fazer aproximar o mais rapidamente

possível, a análise dos praticantes ou das equipas em tempo real, com a

conceptualização do modelo no futuro. Com efeito, o treinador ao estabelecer

um programa de trabalho direcção a um modelo a atingir no futuro, mobilizará

a sua intervenção ao maior número de factores condicionantes do rendimento

desportivo no presente e, seleccionará os meios necessários, dando forma e

transmitindo conteúdo à organização que se pretende atingir.

A presente terceira etapa do planeamento conceptual evidencia na sua essência

três aspectos fundamentais na elaboração dos programas de acção: reproduzir o

modelo de do praticante ou da equipa a atingir no futuro, controlar o processo

de evolução dos praticantes ou dos jogadores da equipa, e por último, definir

de forma realística objectivos intermédios.

4.3.1. Reproduzir o modelo

Page 512: Metodologia Do Treino Desportivo

466 • Metodologia do treino desportivo I !

Aspecto fundamental e característico da elaboração dos programas de acção,

é que estes devem reproduzir de forma sistemática o modelo a atingir no

futuro, que por sua vez e como referimos, deve reproduzir a actividade

competitiva em que o praticante ou a equipa está inserida. Desta forma

seleccionam-se meios, métodos e condições de treino que exercem sobre o

organismo dos atletas um estímulo eficaz que dê resposta aos problemas

ligados à melhoria funcional (biológica), técnica, táctica, e psicológica, quer

no plano individual, quer no plano da equipa no seu conjunto.

Do referido, não significa que em certos momentos da preparação do

praticante ou da equipa, não se privilegie programas de acção com direcção

unilateral, isto é, a utilização de programas que compreendem a utilização

de meios e métodos que estão principalmente dirigidos para a resolução de

um problema concreto, qualquer que este seja, que no plano do

aperfeiçoamento de uma dada situação competitiva, como no

desenvolvimento de uma certa capacidade condicional.

4.3.2. Controlar o processo de evolução individual e colectiva

Os programas de acção exprimem, na sua essência, um processo de

evolução controlada do praticante e da equipa intervindo racionalmente na

evolução dos factores que condicionam a sua eficácia. Estabelece-se desta

forma um conjunto de critérios que direccionam o seu funcionamento e o

seu desenvolvimento, retirando simultâneamente, o carácter casuístico do

processo de treino, substituindo-o por uma sistematização que prevê a

direccionalidade para o futuro. Por outras palavras, procura-se que o

elemento resultante da actividade cuidadosamente organizada se

sobreponham aos acidentais e tendam a eliminar por completo estes últimos.

4.3.3. Definir realisticamente objectivos intermédios

Page 513: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento conceptual • 467

A elaboração de programas de acção deverá definir de forma precisa e

realística objectivos intermédios, em quantidade e qualidade, os quais

quando atingidos constituem uma base segura para confirmar ou redefinir os

referidos programas. Estabelece-se assim a importância da interligação

(retroacção) permanente entre o controlo e a correcção dos desvios entre o

modelo actual e o modelo a atingir. Neste contexto, a definição de

objectivos intermédios exige paralelamente, uma rigorosa forma de recolha

da avaliação dos resultados da acção dos praticantes ou da equipa.

Basicamente os objectivos intermédios poderão ser confinados a três níveis

fundamentais:

objectivos por etapas: que é consubstanciado por um determinado tempo

de treino do praticante ou da equipa, normalmente o mais utilizado são a(s)

semana(s) ou o(s) mês(es);

objectivos correntes: que é determinado por uma ou mais sessões de

treino realizados pelo praticante ou pela equipa;

objectivos operacionais: que é determinado pelo(s) exercício(s)

fundamentais ao rendimento do praticante ou da equipa, realizados

durante a sessão ou sessões de treino.

Page 514: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE V

O PLANEAMENTO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 2

O planeamento estratégico

Resp: Jorge Castelo

Page 515: Metodologia Do Treino Desportivo

468 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 2 da Parte V

O conteúdo deste Capítulo desenvolve os aspectos inerentes ao

planeamento estratégico que consubstancia a elaboração de planos

estratégicos de intervenção traduzindo-se em modificações pontuais e

temporárias (funcionalidade especial) da expressão táctica de base da

equipa, isto é, da sua funcionalidade geral, que se estabelecem em

função dos conhecimentos e do estudo das condições objectivas sobre

as quais se realizará a futura confrontação desportiva.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 15

Page 516: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 469

Parte V

O planeamento do treino desportivo

Sumário

Capítulo 2 - O planeamento estratégico

1. Conceito de planeamento estratégico

2. Natureza do planeamento estratégico

3. Objectivos do planeamento estratégico

4. Meios do planeamento estratégico

5. Princípios de orientação do planeamento estratégico

6. Limites do planeamento estratégico

7. Etapas do planeamento estratégico

7.1. Recolha dos dados 7.1.1. As particularidades dos outros factores de treino 7.1.2. A qualidade dos adversários 7.1.3. A qualidade do treinador adversário

7.2. Comparação das forças

7.3. Elaboração do plano táctico-estratégico 7.3.1. A orientação geral do jogo colectivo 7.3.2. A adaptação dos métodos de jogo da equipa 7.3.3. Planear acções tácticas diferentes 7.3.4. Constituição da equipa 7.3.5. Distribuição das missões tácticas

7.4. Elaboração do programa de preparação 7.4.1. Número, duração, gradação, das sessões de treino 7.4.2. A construção dos exercícios de treino

7.5. Experimentação do plano táctico-estratégico

7.6. A preparação nas horas que antecedem a competição 7.6.1. A concentração para a competição 7.6.2. O último treino antes da competição 7.6.3. Reunião de preparação para a competição 7.6.4. Aquecimento para a competição 7.6.5. O regresso à calma

7.7. Reunião de análise da competição

Page 517: Metodologia Do Treino Desportivo

470 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

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CASTELO, J. (1995) Futebol - A organização do jogo, Edição do autor ,

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TEODORESCU, L. (1984) Problemas de teoria e metodologia nos desportos

colectivos, Livros Horizonte, Lisboa

TEODORESCU, L. (1987) Orientações e tendências da teoria e metodologia

de treino nos jogos desportivos, Futebol em revista, 4ª série, nº 23, 37:45,

junho

Page 518: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 471

1. Conceito de planeamento estratégico

A planificação estratégica é consubstanciada pela elaboração de planos

estratégicos de intervenção que se traduzem em modificações pontuais e

temporárias (funcionalidade especial) da expressão táctica de base do

praticante ou da equipa, isto é, da sua funcionalidade geral, que se estabelecem

em função dos conhecimentos e do estudo das condições objectivas sobre as

quais se realizará a futura confrontação desportiva.

Para Wrzos (1980), a estratégia "representa o reagrupamento e aplicação de

todos os procedimentos com o objectivo de atingir um objectivo fixado. Uma

das principais tarefas estratégicas consiste em estudar as condições e o

carácter da futura confrontação desportiva e elaborar os métodos para a sua

condução". O mesmo autor acrescenta que os sistemas de jogo e a táctica

constituem os principais factores estratégicos. Carvalho (1986) define

estratégia como "a arte de conceber, desenvolver e utilizar meios para realizar

objectivos, vencendo resistências e oposições. Estratégia tem então a ver com

a mobilização de recursos para realizar objectivos em ambiente ou cenário

hostil. Pode ser considerado uma arte, uma vez que, tanto na escolha entre

várias opções cientificamente possíveis, como na sua realização, o factor

humano tem uma palavra a dizer, e muito importante".

2. Natureza do planeamento estratégico

Page 519: Metodologia Do Treino Desportivo

472 • Metodologia do treino desportivo I !

A natureza da planificação estratégica radica-se no facto, que quando os

praticantes/jogadores, quer no plano individual quer colectivo, são advertidos

para as condições objectivas da futura competição, e especialmente para as

particularidades deste ou daquele adversário, das combinações e esquemas

tácticos executados pela equipa, a sua percepção e análise da situação

encontra-se favoravelmente influenciada, facilitando e acelerando a resposta

adequada. 3. Objectivos do planeamento estratégico

O objectivo fundamental e único da planificação estratégia, é o de assegurar as

modificações pontuais e temporárias da intervenção dos praticantes ou da

funcionalidade geral da equipa, adaptando-as em função das condições e da

especificidade em que a próxima confrontação desportiva irá decorrer. Estas

adaptações estabelecem-se a partir, entre outras, da identificação e

caracterização do(s) adversário(s), do terreno de jogo, das circunstâncias que

rodeiam a competição, etc. Pretende-se, neste sentido, obrigar o(s)

adversário(s) a competirem em condições desfavoráveis e vantajosas para o

próprio praticante ou equipa, ou por outras palavras, criar-se situações e

condições competitivas que evidenciem as carências de preparação física,

técnica, táctica e psicológica, minimizando ou anulando, neste contexto, os

aspectos mais eficientes do(s) adversário(s).

4. Meios (condicionantes favoráveis) do planeamento estratégico

4.1. Gerais

Basicamente, os meios gerais a ter em atenção para a conceptualização de

uma planificação estratégia, passam por três vertentes fundamentais:

o conhecimento mais ou menos aprofundado do(s) adversário(s) ou da

equipa adversária, isto é, ter um conhecimento correcto das

potencialidades (pontes fortes), tentando minimizá-los e das

vulnerabilidades (pontos fracos) para tirar partido destes. Este

conhecimento ou "informações" relativas ao adversário, é por

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" O planeamento estratégico • 473

consequência a base sobre os quais se irá fundamentar efectivamente as

nossas próprias ideias e o nosso planeamento estratégico.

às circunstâncias em que se vai desenrolar competição, que passa pelos

seguintes aspectos:

entrevistas (directores, treinadores, jogadores, etc.);

as condições climatéricas - chuva, vento, calor, etc.;

o árbitro - critérios subjacentes ao seu trabalho;

o público - apoiantes ou não, etc.

4.2. Específicos

Qualquer das equipas não têm nenhuma possibilidade de conhecer todas as

circunstâncias que ditam as medidas que se estabelecem para a elaboração

do planeamento estratégico. E, ainda que conhececem essas circunstâncias,

a sua extensão e complexidade são tais que seria sempre impossível

adequar-lhes todas as medidas, deste modo, as nossas disposições terão

sempre de se adoptar a um certo número de possibilidades.

Neste sentido, os meios específicos do planeamento estratégico

consubstanciam-se num único aspecto:

prever as possíveis alterações ou variantes, que poderão surgir ao

longo da competição, por parte do(s) adversário(s), ou seja, estabelecer

um conjunto de cenários possíveis, se os seus objectivos tácticos não

estiverem a ser cumpridos. Este aspecto determina igualmente a

preparação do treinador para a possibilidade de aplicar certas medidas

especiais durante a competição.

Concluindo, quando se pensa nas inúmeras circunstâncias insignificantes

que afectam uma simples situação competitiva e que, deveriam ser tomadas

em consideração, vê-se que não há processo de fazer de outro modo que

deduzir de um para outro caso e sustentar essas disposições na generalidade

e no provável. É necessário ter em atenção que a competição, na sequência

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474 • Metodologia do treino desportivo I !

de inúmeras contingências secundárias que nunca podem ser examinadas em

particular, podendo tornar efectivamente uma planificação estratégica ficar

aquém dos objectivos pretendidos.

5. Princípios de orientação do planeamento estratégico

O princípio de orientação geral do planeamento estratégico baseia-se no facto

de esta ser só aplicada para aquela competição, contra aquele adversário e

perante as circunstâncias no momento do encontro. É no desenvolvimento do

plano semanal de treinos (microciclo), que o treinador determinará quais os

aspectos principais que deverão ser modificados e readaptados em função do

conhecimento das condições em que a competição se realizará, de forma a

concretizar os objectivos definidos pelo praticante ou pela equipa.

6. Limites do planeamento estratégico

O planeamento estratégico que se fundamenta nas diferentes adaptações

temporárias da intervenção dos praticantes ou da funcionalidade geral da

equipa, deve ter como limites de aplicação as seguintes vertentes:

devido à sua própria incapacidade não encontrar no seu seio os

argumentos técnicos, tácticos, físicos e psicológicos fundamentais para esse

aproveitamento de uma forma global e concertada, mas sim somente em

certos aspectos particulares; e/ou,

as modificações pontuais e temporárias necessárias na preparação dos

praticantes ou da equipa (funcionalidade específica), serem de tal ordem que

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" O planeamento estratégico • 475

afectam de forma irredutível a sua funcionalidade de base (geral) a qual põe

em causa a sua própria eficácia.

Pois, tal como foi referido, o objectivo deste planeamento é de criar as

condições desfavoráveis para os adversários e vantajosas para o próprio

praticante ou equipa e não ao contrário. Logo, não deverá ser um elemento

perturbador, mas sim catalizador de um melhor rendimento destes. Nestas

circunstâncias, poderá não haver qualquer tipo de vantagens de se procurar

aproveitar os aspectos menos positivos dos adversários.

7. Etapas do planeamento estratégico

Basicamente, o planeamento estratégico pode ser dividida pelas seguintes oito

etapas:

a recolha de dados;

a comparação das forças;

a elaboração do plano táctico-estratégico, que engloba:

a orientação geral do jogo colectivo;

a adaptação dos métodos de jogo da equipa em função das

particularidades da expressão táctica adversária;

planear acções tácticas diferentes de forma a surpreender o adversário;

a constituição da equipa; e,

a distribuição das missões tácticas;

reunião de reconhecimento do adversário;

elaboração do programa de preparação para o ciclo de treino, que

engloba:

número, duração, gradação, e objectivos fundamentais das sessões de

treino;

construção de exercícios de treino para o ciclo de preparação para a

competição;

a experimentação do plano táctico-estratégico;

a preparação da equipa nas horas que antecedem o jogo, que engloba:

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476 • Metodologia do treino desportivo I !

a concentração para o jogo;

o último treino da equipa antes do jogo;

a reunião de preparação para o jogo;

o aquecimento para o jogo;

o regresso à calma; e,

a reunião de análise do jogo.

7.1. Recolha dos dados

A recolha dos dados é a primeira etapa do planeamento estratégico através

da qual o treinador compila as informações necessárias para conhecer e

caracterizar o adversário ou a equipa adversária bem como os elementos que

a constituem. Concomitantemente, analisará as condições em que a

competição irá ser realizada. Para que isto seja efectivamente concretizado

utiliza-se as seguintes fontes de informação (que requerem gastos

monetários diferenciados):

fichas de observação cujo conteúdo e forma são diversas, dependendo

do que se pretende avaliar;

observação através de meios audiovisuais (filmes, vídeo, etc.);

os comentários da imprensa desportiva;

as trocas de impressões com outros treinadores das equipas que já

jogaram com a equipa que nos interessa; ou,

organizar observações directas por parte do treinador.

Devido à importância desta etapa do planeamento estratégico iremos

analisá-la subdividindo-a nas seguintes três vertentes: i) as particularidades

dos factores de treino, ii) a qualidade dos adversários e, iii) a qualidade do

treinador adversário.

Page 524: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 477

7.1.1. As particularidades dos factores de treino

Se os adversários ou a equipa adversária apresenta problemas ao nível da

condição física, então é importante estabelecer condições em que as

situações de competição sejam realizadas a ritmos elevados, através de

uma variação sequencial da velocidade de execução dos comportamentos

individuais e colectivos, de forma a evidenciar estas carências de

preparação.

Noutro sentido, se a equipa adversária apresenta uma condição

psicológica diminuta, é fundamental estabelecer condições de jogo que

obrigue os adversários a entrar em crise de raciocínio táctico expondo-os

a respostas tácticas não conducentes com as situações competitivas, e

criar inclusivamente "cenários" de conflitualidade com os adversários, de

forma que estes tenham cada vez mais, um entendimento menos lúcido

dessas mesmas situações.

7.1.2. A qualidade dos adversários

É fundamental ter uma informação o mais completa possível dos

adversários e reconhecer as suas qualidades predominantes no plano

técnico, táctico, físico e psicológico. No que concerne à equipa

adversária é igualmente importante ter o conhecimento do valor dos

jogadores suplentes, pois, é possível prever as diferentes opções que o

treinador detém no planeamento táctico, de forma a alterar o curso dos

acontecimentos através da possibilidade de aplicar certas medidas

especiais durante o jogo, que são dinamizadas pela utilização destes

jogadores em qualquer momento.

7.1.3. A qualidade do treinador adversário

Page 525: Metodologia Do Treino Desportivo

478 • Metodologia do treino desportivo I !

As informações referentes às qualidades do treinador adversário são

igualmente importantes, tanto na concretização eficaz de um

planeamento estratégico dos nossos praticantes ou da nossa equipa, como

também, na sua aplicação no planeamento táctico, isto é, durante o

decorrer da competição.

A importância destas informações derivam fundamentalmente de um

conhecimento da personalidade e das características do comportamento

do treinador adversário. Estes conhecimentos indiciam um conjunto de

hábitos, que estabelecem, por um lado, concepções estratégicas que

durante a competição se transformam em acções tácticas operativas e,

por outro, definem a sua filosofia de interpretar as circunstâncias em que

irá decorrer a competição, e o nível de importância que ele lhes atribui.

Neste contexto, podemos afirmar, a existência de duas filosofias de base

dos treinadores:

num sentido, é fácil admitir que certos treinadores

independentemente do adversário, do momento do período

competitivo, da classificação das equipas em confronto, etc., não

estabelecem qualquer tipo de modificações (pontuais e temporárias) à

funcionalidade geral e específica do praticante ou da equipa, por

forma a adaptar eficientemente (tirando todas as vantagens e

desvantagens inerentes a este processo) a expressão táctica do

praticante ou da sua equipa à expressão táctica do adversário. Estes

treinadores procuram, em última análise, manter os padrões de

eficácia anteriormente atingidos e evitar qualquer tipo de

modificações que poderiam, em sua opinião, prejudicar essa eficácia,

constituindo-se, neste caso, como um elemento perturbador do

rendimento do praticante ou da equipa;

Page 526: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 479

noutro sentido, existem treinadores que por natureza e formação

"reagem" aos conhecimentos que obtêm das circunstâncias em que a

competição irá decorrer, dando assim importância à expressão táctica

do adversário. Partindo destes conhecimentos, procuram elaborar as

melhores soluções de adaptação (pontual e temporária) da sua própria

equipa, à funcionalidade geral e específica do adversário, por forma

que esta seja expressa em condições o mais desfavoráveis possível.

Partindo desta filosofia, o treinador pode para além de uma ou outra

alteração pode estabelecer numa ou noutra situação, outras soluções

tácticas por forma a surpreender o adversário, aumentando, com

efeito, e na sua opinião, a eficácia e os índices de rendimento do

praticante ou da equipa.

7.2. Comparação das forças

Da mesma forma que é importante ter um conhecimento exaustivo, quanto

possível dos adversários ou da equipa adversária, esta etapa de planeamento

estratégico - comparação das forças - pressupõe da mesma forma a

existência de dados coerentes e exaustivos respeitantes às particularidades

dos próprios praticantes ou da equipa, Recolhidos basicamente, sob os

mesmos critérios utilizados para a apreciação dos adversários. Com efeito,

só assim é possível efectuar-se uma comparação objectiva dos praticantes

que irão competir.

A comparação das forças é uma operação muito importante, pois é esta que

irá determinar:

as adaptações e modificações no plano estrutural;

as adaptações e modificações no plano metodológico;

as adaptações e modificações no plano técnico-táctico;

o conteúdo da preparação dos praticantes ou da equipa no respectivo

ciclo de treino, isto é, as acções a serem desenvolvidas;

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480 • Metodologia do treino desportivo I !

o plano táctico-estratégico colectivo, onde se determina quais os

aspectos fundamentais para o sucesso no jogo;

a escolha dos elementos que irão constituir a equipa;

as missões tácticas individuais (especiais) dos jogadores; e,

o comportamento global da equipa.

7.3. Elaboração do plano táctico-estratégico

Estabelecida a comparação de forças o treinador passará a uma fase na qual

determinará o(s) aspecto(s) principal(is) para o sucesso na competição.

Neste sentido, o treinador a partir da análise objectiva dos dados

anteriormente referidos, irá elaborar o plano táctico-estratégico cuja

elaboração providencia a obtenção de dados sobre quatro aspectos

fundamentais:

a possibilidade de o treinador no mesmo momento que define a melhor

preparação possível para os seus praticantes ou para a sua equipa,

prepara-se teórica e mentalmente para a competição estabelecendo quais

as respostas tácticas mais rápidas, mais racionais e mais eficazes às

questões formuladas pelo treinador e pelos adversários durante a

competição;

avaliará as divergências verificadas entre o plano táctico concebido e

as situações que surgem durante a competição podendo-se assim aferir a

metodologia de preparação, no que diz respeito à sua eficácia e às suas

deficiências;

avaliará o grau de identidade entre o plano proposto aos

praticantes/jogadores e a sua aplicação por estes durante a competição; e

a,

utilização de todos estes elementos para a etapa de reunião de análise

da competição.

Page 528: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 481

Devido à importância desta etapa do planeamento estratégico iremos

analisá-la subdividindo-a nas seguintes cinco vertentes: i) orientação geral

do jogo colectivo, ii) adaptação dos métodos de jogo da equipa em função

das particularidades da expressão táctica adversária, iii) planear acções

tácticas por forma a surpreender o adversário, vi) constituição da equipa e,

v) distribuição das missões tácticas.

7.3.1. A orientação geral do jogo colectivo

Nesta etapa o treinador estabelece fundamentalmente qual das fases do jogo

(ataque ou defesa) constituirá o aspecto principal para se atingir a vitória, ou

os objectivos da equipa e, consequentemente, se a organização da defesa

subordinar-se-à à organização do ataque ou se deverá ser ao contrário.

Segundo Teodorescu (1984):

se a equipa, na sequência de uma avaliação correcta, é capaz de tomar

e manter a iniciativa do jogo, o ataque terá carácter prioritário (se nada

houver em contrário: por exemplo não haver necessidade absoluta de

vencer o confronto), tornando-se a orientação geral do jogo colectivo,

isto é, a parte fundamental e a defesa subordinar-se-à à organização e

desenvolvimento do ataque;

se pelo contrário a equipa adversária é aquela que normalmente terá a

iniciativa, neste caso a parte fundamental da orientação táctica será a

defesa e, em função da sua organização e tarefas, assim funcionará o

ataque;

se a equipa adversária é desconhecida a fixação da parte fundamental

torna-se mais complexa. No entanto recomenda-se que a equipa tome e

mantenha a iniciativa do jogo desde o seu início por forma a surpreender

o adversário, sem contudo, descuidar o equilíbrio e a organização

defensiva por forma a consolidar os sucessos do ataque.

7.3.2. A adaptação dos métodos de jogo da equipa em função das particularidades da

expressão táctica adversária

Page 529: Metodologia Do Treino Desportivo

482 • Metodologia do treino desportivo I !

Uma vez estabelecido o pressuposto anterior, o treinador fará a adaptação

dos métodos de defesa e ataque, tomando em consideração as

particularidades do adversário. Esta adaptação dos métodos deverá ser

concebida pensando que o adversário irá utilizar o mais incomodo ataque e

a mais eficaz defesa contra a nossa equipa.

7.3.3. Planear acções tácticas diferentes de forma a surpreender o adversário

Uma vez que o planeamento estratégico é representado pelo processo

metodológico de preparação dos praticantes ou das equipas para a

competição, em função dos conhecimentos que temos dos adversários, não é

exclusivo de um só treinador, nem de uma só equipa, mas pelo contrário

esta encontra-se dessiminada a diferentes níveis por quase todos os

treinadores. Não será de admirar que o conhecimento dos diferentes

praticantes ou das diferentes equipas por parte dos diferentes treinadores

numa dada competição desportiva seja basicamente igual.

Podemos assim afirmar que num determinado confronto, existe como que

um conhecimento recíproco dos praticantes ou das equipas. Esta realidade

apresenta todas as vantagens em tentar-se, simultaneamente à elaboração do

plano táctico estabelecer, mesmo que hipoteticamente, algumas medidas e

acções diferentes que constituir-se-ão acções surpresa contra o adversário.

"Mais ainda, existem reais possibilidades de antecipar as prováveis

variantes do comportamento técnico-táctico individual e colectivo dos

adversários, levando-os a reagir dum certo modo que lhes seja

desfavorável, mas por outro lado, muito vantajoso para a própria equipa"

(Teodorescu, 1984).

Isto acontece porque as acções dos jogadores em jogo estão ligadas

intrinsecamente a uma antecipação constante e múltipla. Esta fundamenta-

se, por um lado, na tomada de informação da situação e, por outro, das

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" O planeamento estratégico • 483

experiências tácticas armazenadas dos jogadores nas quais se inclui as

directrizes formuladas pelo treinador em relação aos conhecimentos da

equipa e dos jogadores adversários, predispondo-os para a possibilidade de

uma rápida antecipação da continuidade e desenvolvimento dessa situação.

Como referimos, quando os jogadores são advertidos para as

particularidades deste ou daquele adversário, das combinações e esquemas

tácticos, a sua percepção e análise da situação encontra-se favoravelmente

influenciada, o que facilita e acelera a resposta adequada.

Todavia, o processo de antecipação do desenvolvimento de qualquer

situação momentânea de jogo, não tem só aspectos positivos. É neste sentido

que a modificação de uma determinada situação posta em prática no

decorrer do jogo e em resposta ao plano táctico do adversário, pode acarretar

igualmente aspectos negativos para os jogadores adversários, inerentes à

incorrecta operação do fenómeno de análise que, no seu contexto global será

mais ou menos elevada consoante a conjectura da situação de jogo em que

esta se verifica. Com efeito, é de todo conveniente o treinador prever

soluções para estas hipotéticas acções e prepará-las nos treinos com vista à

sua aplicação na competição.

7.3.4. Constituição da equipa

Uma vez elaborado o plano táctico-estratégico, o treinador,

fundamentalmente no domínio dos jogos desportivos colectivos,

determinará a constituição da equipa que considera capaz de o aplicar. É

preciso ter em mente, que a constituição da equipa é uma das "áreas mais

sensíveis" da dialéctica resultante entre o grupo de jogadores que formam a

equipa, e o treinador que é o responsável máximo pela gestão desses

recursos humanos. Todavia, o treinador deve aperceber-se que a

Page 531: Metodologia Do Treino Desportivo

484 • Metodologia do treino desportivo I !

constituição da equipa é um fenómeno que fascina a larga maioria das

pessoas, que sentem que são capazes de a indicar a qualquer momento sob

quaisquer circunstâncias.

A constituição de uma equipa é objectivada, por um lado, pela

direccionalidade das diferentes actividades essenciais dos jogadores e, por

outro, pela integração e coerência interna do grupo através de orientações

claras. A escolha dos jogadores que irão fazer parte da equipa para um

determinado confronto, não pode fugir aos aspectos evidenciados por estes

objectivos. Logo, a constituição da equipa deverá passar, numa primeira

análise, por dois critérios básicos (Teodorescu, 1984):

o primeiro é consubstanciado pela escolha e distribuição por lugares no

contexto dos sectores (defensivo, médio e atacante) da equipa, em função da

necessidade de assegurar a funcionalidade da táctica de base da equipa;

o segundo é traduzido pela escolha de jogadores que estabelecem a

adaptação da funcionalidade de base da equipa em função das características

da expressão táctica da equipa adversária, conferindo-lhe uma

funcionalidade específica, com carácter temporário (só para aquele jogo).

Para além dos critérios fundamentais acima referidos dever-se-à tomar

igualmente em consideração os seguintes aspectos:

o estado de capacidade de rendimento óptimo que os diferentes jogadores

se encontram, isto é, a sua forma desportiva;

a personalidade dos jogadores, que se expressa nas relações e

interrelações de cooperação e de oposição com os companheiros e

adversários, num quadro complexo em virtude das suas funções específicas

e da variabilidade-imprevisibilidade das diferentes situações de jogo. Com

efeito, esta dimensão psicológica assume uma dimensão particular na

eficácia da funcionalidade da equipa; e,

a ligação entre os jogadores quer do ponto de vista social, mas

principalmente no que se refere à compreensão e resolução táctica das

Page 532: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 485

situações de jogo. Utilizando para isso os mesmos princípios orientadores

que coordenam as atitudes e comportamentos técnico-tácticos. "Se todos os

membros de uma equipa tivessem uma formação idêntica existiria entre eles

uma compreensão quase cega..." (Mahlo, 1966);

Importa referir, que embora a constituição da equipa de base para o jogo

seja estabelecido na sua globalidade alguns dias antes da competição, isso

não significa que esta é inalterável. Com efeito, é importante ao longo do

ciclo de preparação da equipa (microciclo de treino) reavalie-se

constantemente a equipa em termos colectivos e individuais, e as opções

que derivam não só da capacidade dos jogadores considerados suplentes,

mas também do seu empenhamento neste e nos períodos de preparação

anteriores. Consequentemente, as decisões tomadas pelo treinador, no que

concerne à constituição da equipa deverão ser realizadas de forma isenta,

não manifestando qualquer preferência individual. Neste contexto, todas as

decisões deverão ser tomadas a partir de factos concretos e critérios

definidas (no plano conceptual, por exemplo). Assim, a consistência interna

de uma equipa será tanto maior quanto as decisões forem tomadas a partir

da coerência dos factos e não baseados nas pessoas (jogadores), ou por

outras palavras, nada destrói tão facilmente a coerência interna do grupo se

as orientações no que se refere à constituição da equipa não se basearem em

atitudes e comportamentos coerentes por parte do treinador. Paralelamente é

necessário que todos estejam conscientes, a qualquer momento, que a

constituição da equipa é (foi) decidida com a clara intenção de se atingir o

melhor resultado possível. "Uma constituição justa não é necessariamente a

mais acertada. Uma equipa acertada não é necessariamente justa. Antes do

jogo se realizar há que actuar com critérios de justiça e coerência, se foi ou

não acertada só no final do jogo se verá" (Bauer e Ueberle, 1982).

7.3.5. Distribuição das missões tácticas

Page 533: Metodologia Do Treino Desportivo

486 • Metodologia do treino desportivo I !

Estabelecido o plano táctico-estratégico, e a constituição da equipa, o

treinador deverá distribuir as:

missões tácticas individuais; para as quais deverá ter em conta as

particularidades e as capacidades dos jogadores escolhidos, procurando

realçar o seu valor; e as,

missões tácticas colectivas; que visam a coordenação das acções de 2

ou 3 jogadores procurando:

minimizar a eficácia técnico-táctica de um ou mais adversários; ou,

tirar vantagem de um aspecto menos positivo de um certo espaço de

jogo ou de um adversário.

Por último, todas as missões tácticas atribuídas deverão ser do

conhecimento de todos os elementos da equipa (incluindo os suplentes)

contribuindo-se assim, para um melhor entendimento mútuo entre os

jogadores. Neste circunstâncias, é possível para qualquer jogador em

qualquer momento do jogo, ocupar rápida e espontaneamente um lugar e

uma missão táctica de um seu companheiro mantendo a dinâmica

organizativa da equipa. Muda-se assim momentaneamente de lugar e

funções, mas nunca de responsabilidades, organização, e solidariedade.

7.4. Reunião de reconhecimento do adversário

A reunião de reconhecimento do adversário constitui-se como a primeira etapa

de carácter teórico do planeamento estratégico de preparação do praticante ou

da equipa para a competição, e visa essencialmente, tal como a sua

denominação indica, dar a conhecer aos praticantes/jogadores, através da

palavra do treinador, os aspectos considerados mais pertinentes da organização

do adversário.

Page 534: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 487

7.4.1. Importância da reunião

A importância desta reunião decorre do facto de quando os

praticantes/jogadores são advertidos para as características dos adversários

directos, poderão percepcionar/analisar a situação competitiva mais rápida e

eficazmente, influenciando, por consequência, de forma positiva a resposta

adequada. A importância desta reunião é determinada igualmente pela

harmonização dos divergentes conhecimentos que os diferentes

praticantes/jogadores têm dos adversários, baseado em opiniões pessoais

adquiridas ao longo da sua experiência e pelos meios de informação

especializada e não especializada.

7.4.2. Meios (condicionantes favoráveis) da reunião

Os meios fundamentais a utilizar na reunião de reconhecimento do

adversário são os audiovisuais (videocassetes), os quadros ou maquetes do

terreno de jogo com peças móveis.

7.4.3. Princípios de orientação da reunião

A condução e a direcção da reunião de reconhecimento do adversário, é da

responsabilidade do treinador que organizará e sistematizará a metodologia

de exposição ao praticante ou à equipa. O momento ideal para a realização

da reunião situa-se entre 3 a 4 dias da competição. A duração da reunião não

deverá ultrapassar os 20 minutos, para que os praticantes/jogadores

concentrem a sua atenção nos aspectos e indicações transmitidos pela

exposição do treinador ou auxiliares.

7.5. Elaboração do programa de preparação para o ciclo de treino

Estabelecido numa primeira análise, o plano táctico-estratégico que engloba a

orientação geral do jogo da equipa, as adaptações dos métodos ofensivos e

defensivos em função das particularidades da equipa adversária, e as acções

que a possam surpreender, a constituição da equipa, e a distribuição das

Page 535: Metodologia Do Treino Desportivo

488 • Metodologia do treino desportivo I !

missões tácticas individuais e colectivas, o treinador deverá passar à

concretização do referido plano, através da elaboração e aplicação do programa

de preparação do respectivo ciclo de treino. Este programa (habitualmente

semanal) compreende:

o número de treinos a efectuar durante este ciclo;

a sua duração, e a gradação da intensidade do esforço;

os exercícios mais específicos e idênticos, isto é, os mais eficazes; e,

a possibilidade de efectuar uma prova/jogo-treino que servirá de teste ao

plano táctico e às missões tácticas a desempenhar pelos diferentes elementos

da equipa (etapa estratégica denominada de experimentação).

7.5.1. Número, duração, gradação, e objectivos fundamentais das sessões de treino

para o ciclo de preparação

A elaboração de um programa de preparação para o ciclo de treino passa

primeiramente pela concretização do número de treinos a realizar, a sua

duração, a gradação da intensidade do esforço a que os

praticantes/jogadores estarão sujeitos, e por último, aos objectivos

fundamentais a que cada sessão de treino deve obedecer. Todavia, é

importante ter em mente, que o factor predominante para qualquer programa

de preparação da equipa está dependente do tempo disponível entre a

realização sucessiva de duas competições.

7.5.2. A construção dos exercícios de treino para o ciclo de preparação

Nesta fase da planificação estratégica, procura-se essencialmente a

construção hipotética dos exercícios que o treinador considera

potencialmente capazes de desencadear, organizar e orientar a actividade

Page 536: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 489

dos praticantes/jogadores em direcção a um objectivo válido, específico e

idêntico, quando se procura aprender, aperfeiçoar ou desenvolver um ou

vários aspectos do rendimento individual e colectivo, durante as diferentes

sessões de treino estabelecidos pelo programa de preparação.

7.6. Experimentação do plano táctico-estratégico

O processo de planificação estratégica poderá conter uma etapa de

experimentação que se traduz efectivamente na realização de uma prova/jogo

de treino por forma a testar-se o plano táctico-estratégico elaborado. Com

efeito, é possível através dos pressupostos desta etapa avaliar o grau de

pertinência da planificação convencionada que concorra para a concretização

dos objectivos estabelecidos, ou mesmo modificá-la se for necessário.

Todavia, é importante ter em atenção alguns aspectos particulares na

organização e realização desta etapa de experimentação:

a prova/equipa escolhida deverá simular o melhor possível as condições

em que se irá disputar a competição para o qual nos estamos a preparar;

uma vez que esta experimentação é realizada temporalmente muito perto

da competição, é importante que a carga física seja controlada para que não

haja uma acumulação excessiva de fadiga, não permitindo

consequentemente, a recuperação dos praticantes/jogadores antes da

competição;

é necessário ter um cuidado muito especial no que se refere às eventuais

lesões impeditivas dos praticantes/jogadores darem o seu melhor contributo

durante a competição.

7.7. A preparação nas horas que antecedem a competição

A preparação da equipa nas horas que antecedem o jogo (normalmente entre as

36 e as 24 horas), é constituída pelas seguintes etapas: a concentração para a

Page 537: Metodologia Do Treino Desportivo

490 • Metodologia do treino desportivo I !

competição, o último treino antes da competição, a reunião de preparação para

a competição, o aquecimento, e o regresso à calma.

Devido à importância desta etapa do planeamento estratégico iremos analisá-la

subdividindo-a nas seguintes cinco vertentes: i) a concentração para a

competição, ii) o último treino antes da competição, iii) a reunião de preparação

para a competição, iv) o aquecimento para a competição e, v) reunião de análise

da competição.

7.7.1. A concentração para a competição

A concentração é uma das formas de preparação dos praticantes ou das

equipas nas horas que antecedem a competição, na qual os

praticantes/jogadores convocados se reúnem com o objectivo de

estabelecerem as condições mais favoráveis a um isolamento, por forma a

consubstanciar uma preparação mental, intelectual e energética, específica

para o confronto.

7.7.2. O último treino antes da competição

Normalmente o último treino dos praticantes ou da equipa é realizado 24

horas antes da competição, ou na manhã do próprio dia. Realiza-se assim,

um pequeno treino, com uma intensidade diminuta, com o objectivo de

"despertar" o corpo dos praticantes/jogadores para o esforço, e a mente de

forma a reencontrar as sensações que provêm da execução dos gestos

técnico-tácticos correctamente executados.

7.7.3. Reunião de preparação para a competição

A reunião de preparação para a competição constitui-se como uma etapa

fundamental de importância vital para a eficácia do planeamento estratégico

Page 538: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 491

do praticante ou da equipa, e encerra o seu ciclo de preparação antes da

realização do confronto com o adversário. A referida reunião tem um

carácter fundamentalmente teórico versando aspectos técnicos, tácticos,

psicológicos e organizativos, respeitantes aos praticantes ou às duas equipas

(própria e adversária) em confronto.

7.7.3.1. Importância da reunião

Esta reunião constitui-se como um elemento chave no processo de

preparação do praticante ou da equipa para a competição, na qual o

treinador intervém, pela última vez, de forma sistemática, sendo, neste

sentido, fundamental encontrar as ideias e as palavras justas ao momento.

Com efeito, a reunião de preparação para a competição contribui

substancialmente para a participação consciente, sobre o entendimento,

clarificação e sistematização da direcção geral da actividade do praticante

ou da equipa (e das missões tácticas individuais atribuídas aos diferentes

jogadores em particular).

7.7.3.2. Objectivos da reunião

A reunião de preparação para o jogo caracterizada pela seriedade e

solenidade, consubstancia-se essencialmente no afinar e finalizar a

compreensão por parte dos jogadores da forma como irá ser aplicado o

plano estratégico. Com efeito, e segundo Teodorescu (1984), a reunião de

preparação poderá evidenciar os seguintes objectivos:

precisar de forma conclusiva as diferentes missões tácticas

individuais e a forma segundo a qual os jogadores irão colaborar com

os seus companheiros que têm missões tácticas especiais a cumprir

(durante os esquemas tácticos defensivos, por exemplo: a formação da

barreira e a sua coordenação com as informações do guarda-redes,

Page 539: Metodologia Do Treino Desportivo

492 • Metodologia do treino desportivo I !

marcar os postes da baliza e as zonas do 1º e do 2º postes durante a

execução dos pontapés de canto, etc.);

contribuir para ultrapassar o estado emotivo e para o

estabelecimento no seio da equipa de um sentimento positivo,

eliminando, neste sentido, influências perturbadoras;

apreciação final das características e das potencialidades dos

adversários, sem as sobrestimar nem as subestimar;

contribuir para estimular as componentes volitivas e morais;

estabelecer algumas medidas que prevejam situações para o caso de

se conseguir uma vantagem, ou pelo contrário, uma desvantagem

durante o jogo; e por último,

contribuir para desenvolver o nível de preparação teórica dos

jogadores para esse jogo em especial e para os jogos seguintes em

geral.

7.7.3.3. Meios (condicionantes favoráveis) da reunião

A reunião de preparação para a competição deverá ser levada a efeito

num local apropriado devendo ser calmo e agradável, durante o qual os

praticantes estejam isolados, sem se preocuparem com outras actividades.

Para a realização da reunião dever-se-à utilizar quadros ou maquetas para

que seja possível uma fácil, clara e orientada representação mental dos

praticantes sobre a exposição do treinador.

7.7.3.4. Princípios de orientação da reunião

7.7.3.4.1. Gerais

Page 540: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 493

Cabe ao treinador principal a condução e a direcção da reunião de

preparação para o jogo. Com efeito, é preciso que fique claro, que toda

a organização dos temas, quer no plano técnico, táctico, físico,

psicológico, etc., a sua sistematização e metodologia de exposição à

equipa, é da total responsabilidade do treinador.

Participam nestas reuniões de preparação para a competição

fundamentalmente os praticantes/jogadores convocados pelo treinador

para esse efeito e a equipa técnica. A participação de outras pessoas

para além destas (director do clube por exemplo) só é recomendável

quando este acompanha diariamente as diferentes actividades (treinos,

reuniões, etc.) do praticante ou da equipa, independentemente do valor

do adversário e da importância da competição. Se este elemento, por

razões imperativas, tiver que usar da palavra deverá fazê-lo (em

função do tema) logo no princípio da reunião ou no final desta.

Para que os praticantes/jogadores se mantenham realmente atentos às

indicações transmitidas durante a reunião de preparação para a

competição é fundamental que esta não se prolongue exageradamente

no tempo. Neste sentido, quanto maior for a sua duração, maiores

serão a probabilidades destes dispersarem a sua atenção, que

consequentemente tem efeitos negativos na concretização dos

objectivos pretendidos para esta reunião. Em nossa opinião, a reunião

não deverá durar mais de 45 minutos, sendo o tempo ideal de 30.

Basicamente, quanto mais perto da competição menor será o tempo da

reunião de preparação.

7.7.3.4.2. Específicos

Page 541: Metodologia Do Treino Desportivo

494 • Metodologia do treino desportivo I !

O princípio específico da reunião de preparação deverá basear-se nas

soluções estudadas, preparadas e treinadas durante o período de tempo

que mediou até à competição. Todavia, não se exclui a utilização de

outras soluções já conhecidas, assimiladas e postas em prática pelos

praticantes/jogadores em outras competições.

Em última análise, a essência do princípio específico enunciado

procura evitar o risco irracional presente nalguns treinadores através

do qual se "inventa" uma série de soluções (utópicas) mais ou menos

ardilosas, mas que estão desenquadradas do contexto para o qual a

reunião foi programada. Com efeito, é preciso ter presente que esta

reunião não substitui as falhas de preparação do praticante ou da

equipa quer no plano quantitativo, quer no plano qualitativo. Neste

sentido, este princípio específico estabelece que a reunião de

preparação, deva decorrer na realidade como uma etapa subsequente

do ciclo de etapas de preparação do praticante ou da equipa para uma

determinada e específica competição. Concluindo, o princípio

específico fundamental desta reunião deve basear-se nas informações

que reforcem a estabilidade psíquica dos praticantes ou da equipa,

suprimindo simultâneamente, todas as informações e experiências que

os tornem inseguros.

7.7.3.5. Metodologia da reunião

A metodologia da reunião de preparação para o jogo estabelece, à

partida, duas vertentes essenciais:

a que se refere aos aspectos organizativos; e,

a que se refere aos aspectos táctico-estratégicos.

7.7.3.5.1. Organizativos

Page 542: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 495

O treinador dedicará os primeiros minutos (entre a 2 a 4 minutos) da

reunião para abordar aspectos ligados:

• à hora e local de partida;

• meio de transporte;

• outras informações referentes à competição;

• convida igualmente os praticantes/jogadores a pronunciar-se ou a

pedirem esclarecimentos suplementares, se for caso disso.

7.7.3.5.2. Táctico-estratégicos

Em relação a esta vertente da reunião, o treinador tem de solicitar a

concentração dos jogadores e da equipa para a competição,

encontando sempre as palavras e o tom mais adequado para transmitir

as suas convicções de forma clara. Neste contexto, o treinador deverá

de forma metódica e sistematizada dirigir o pensamento dos seus

jogadores influindo positivamente no seu comportamento,

convencendo-os com argumentos válidos e centrando-os basicamente

em oito problemas essenciais:

Curta introdução (entre 2 a 3 minutos) na qual fará comentários

acerca da importância da competição.

Caracterizará (entre 2 a 3 minutos) seguidamente o árbitro do

encontro, no que diz respeito à sua forma pessoal de interpretar as

Leis/regras da modalidade.

Seguidamente o treinador caracterizará de forma sucinta (entre 3

e 4 minutos) o adversário, focando as suas particularidades

positivas e negativas no plano individual e colectivo.

Encerrada a caracterização da equipa adversária o treinador

debruça-se no plano estratégico concebido para o própria praticante

ou equipa.

Page 543: Metodologia Do Treino Desportivo

496 • Metodologia do treino desportivo I !

O treinador deverá de imediato (entre 3 a 4 minutos) comparar

(no plano teórico) as duas equipas e, se o resultado for favorável

deverá (segundo Crevoisier, 1985):

• insistir para se respeitar todos os adversários;

• demonstrar que o erro é sempre possível e pode ter

consequências graves;

• lutar contra o excesso de confiança;

• privilegiar a noção de que "um jogo se ganha ou se perde

sobre um metro quadrado, ou num segundo decisivo;

• relembrar que seja qual for o adversário, o número de pontos

conseguidos no caso de vitória não varia;

• atenuar os efeitos das opiniões favoráveis dos jornalistas,

sócios, dirigentes, etc., diminuindo esse excesso de confiança;

• evidenciar os pontos fortes e as lacunas dos adversários;

• fazer nascer uma certa inquietude nos jogadores para estes

não estarem completamente seguros;

• situar as perspectivas no caso de vitória;

• relembrar no final da exposição que as forças em presença são

favoráveis à própria equipa desde que a prestação seja

correspondente ao seu valor, é esta a única condição.

Se esta relação for desfavorável, ainda segundo segundo Crevoisier

(1985):

• não deverá insistir sobre a capacidade do adversário, mas

antes sobre as qualidades da própria equipa;

• diminuir a motivação dos jogadores por forma que estes

conservem a lucidez durante a totalidade do jogo;

• diminuir a tensão dos jogadores, através da utilização de

piadas;

• desdramatizar a situação, não colocando os jogadores sobre a

responsabilidade imperiosa de não perder;

• não aumentar a importância do resultado;

Page 544: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 497

• o treinador deverá transmitir uma relativa serenidade não

transmitindo estados de ansiedade;

• manter uma força lúcida, mobilizadora da energia individual e

colectiva.

Por último, o treinador insistirá (entre 2 a 3 minutos) nas atitudes

e comportamentos técnico-tácticos fundamentais para fazer face ao

adversário, mobilizando fortemente a vontade dos

praticantes/jogadores, a sua combatividade, disciplina e

organização, e fará prevalecer o optimismo e a crença de se

conquistar um resultado consentâneo com os objectivos

estabelecidos.

Concluindo, importa igualmente referir que é necessário variar a

forma e a locução da reunião. A utilização de um modelo esteriotipado

e imutável irá contribuir para a concretização de um objectivo inverso

ao pretendido. É preciso ter presente que duas reuniões absolutamente

idênticas com o mesmo grupo de praticantes/jogadores realizadas com

um certo intervalo de tempo, têm efeitos diferentes.

7.7.4. Aquecimento para a competição

O aquecimento é o único acto realizado pelos praticantes/jogadores que

conjuga no mesmo momento a acção e o pensamento destes, antes do

começo da competição, dai a sua importância.

7.7.4.1. Objectivos do aquecimento

Os objectivos fundamentais do aquecimento são de ordem orgânica,

neuromuscular, e psicológica. Neste contexto, podemos resumir os

objectivos do aquecimento para o jogo da seguinte forma:

Page 545: Metodologia Do Treino Desportivo

498 • Metodologia do treino desportivo I !

facilita a adaptação progressiva do organismo nomeadamente dos

seus grandes sistemas: cardiopulmonar, neuromuscular e articular, a

um esforço intenso e prolongado;

prepara os praticantes/jogadores no plano psicológico para a

competição, uma vez que o movimento tem um efeito tranquilizador;

e,

evita na medida do possível, reduzir as possibilidades de lesões

musculares e articulares.

7.7.4.2. Efeitos do aquecimento

Os efeitos do aquecimento situam-se basicamente entre um estado de

repouso relativo e a predisposição máxima para o rendimento, e

fundamenta-se em quatro efeitos essenciais:

sobre o aparelho cardiovascular e respiratório: aumenta a frequência

cardíaca e a pressão arterial permitindo a abertura dos capilares

profundos, aumenta a frequência respiratória e a intensificação das

trocas respiratórias reduzindo a resistência a essas trocas;

sobre a contracção muscular: aumenta a temperatura do corpo

favorecendo consequentemente a velocidade da passagem de um

estado de contracção para relaxamento, ou de uma contracção

excêntrica para uma concêntrica, aumenta o grau de força das

contracções musculares, favorece as reacções bioquímicas realizadas

nos músculos proporcionando a energia necessária à contracção

muscular;

sobre as estruturas articulo-ligamentosas: o estiramento dos

diferentes grupos musculares e dos ligamentos das articulações

aumentam a elasticidade destas; e,

sobre a coordenação: o aquecimento permite realizar as acções

técnico-tácticas nas melhores condições. A repetição destes

comportamentos determinam a sua exacta natureza facilitando as

Page 546: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 499

funções do sistema neuromuscular devido a uma maior rapidez na

propagação do influxo nervoso.

7.7.4.3. Aspectos metodológicos do aquecimento

Os aspectos metodológicos do aquecimento para o jogo fundamenta-se

em quatro aspectos fundamentais:

duração: mais ou menos prolongada (depende da especialidade

desportiva), deve situar-se entre os 20 e os 30 minutos;

progressivo: a intensidade do esforço e a complexidade da execução

das acções, devem ser progressivamente incrementadas ao longo do

aquecimento;

adaptado: o aquecimento deve ser específico em relação à

actividade competitiva a desenvolver; e,

colectiva: os exercícios inerentes ao aquecimento de ser efectuado

de forma colectiva, coordenados e supervisionados pelo treinador.

Concluindo, o aquecimento para além dos efeitos específicos que

proporcionam, deverá ser igualmente aproveitado pelo treinador para

verificar se a sua mensagem/convicção, proferida na reunião de

preparação para a competição "passou" ou não para os

praticantes/jogadores. A partir da observação da atitude destes, do seu

empenhamento (excessivo, ou diminuto), e da precisão da execução dos

exercícios, o treinador poderá avaliar o impacto daquilo que propôs.

Embora esta observação seja muito subjectiva e muito pessoal, as

impressões que transmitem não enganam. Sente-se que o grupo tem uma

concentração superior que conduz à vitória, através de uma prestação de

qualidade e um empenhamento intenso.

7.7.5. O regresso à calma

Page 547: Metodologia Do Treino Desportivo

500 • Metodologia do treino desportivo I !

O regresso à calma é um momento importantíssimo a ser realizado logo

após a competição. Os seus objectivos radicam-se em:

• facilitar o relaxamento e a recuperação muscular;

• reduzir progressivamente a actividade orgânica (retorno à calma); e,

• facilitar a eliminação de produtos resultantes da fadiga.

A duração do regresso à calma varia entre 10 a 15 minutos, dependendo

do grau de esforço despendido. A intensidade e o ritmo de execução dos

exercícios é diminuto, e consta essencialmente de corrida lenta,

alongamentos musculares e de exercícios abdominais. Pode igualmente

incluir banhos e massagens.

7.8. Reunião de análise da competição

A reunião de análise da competição constitui-se como a terceira reunião

formal de carácter teórico entre o treinador e os praticantes/jogadores. Esta

reunião enquadra-se na planificação estratégica de preparação para um

confronto específico e no melhoramento do rendimento.

7.8.1. Importância da reunião

A importância da reunião de análise da competição deriva da sua dupla

dimensão. Encerra, por um lado, o ciclo de preparação do praticante ou

da equipa para a competição já realizada e, abre por outro, um novo ciclo

de preparação para o próximo confronto desportivo. Nestas

circunstâncias, a reunião de análise da competição funciona como um

meio de reflexão e análise sobre o passado (o que foi planeado e as

soluções estabelecidas, o que foi treinado e o que aconteceu na realidade

durante a competição), e na perspectivação do futuro por forma a

operacionalizar e a precisar quais os aspectos que devem ser treinados e

por via disso melhorados.

7.8.2. Objectivos da reunião

Page 548: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 501

O objectivo fundamental da reunião de análise do jogo consubstancia-se

essencialmente, por um lado, nos aspectos ligados à generalização das

experiências competitivas adquiridas, pelos praticantes/jogadores e do

seu nível de preparação teórica, e por outro, na compreensão e

diminuição das discrepâncias entre o modelo presente e a planificação

conceptual, isto é, do modelo preconizado pelo treinador. Neste sentido,

sendo a competição uma base segura de avaliação e controlo do nível do

rendimento do praticante ou da equipa, a reunião de análise da

competição constitui-se como um momento fundamental na confirmação

ou redefinição dos programas de acção estabelecidos, corrigindo-se (se

for caso disso) os desvios ao modelo a atingir.

Para além do que foi referido, esta reunião terá como objectivos

adicionais os seguintes quatro aspectos:

melhorar a comunicação estabelecida entre o treinador e os

praticantes, fundamentalmente no que concerne ao conjunto de ideias

e pressupostos que orientam a resolução eficaz das diferentes e

complexas situações competitivas;

verifica-se qualitativa e quantitativamente as acções de preparação

dos praticantes ou da equipa para a competição e o que na realidade

aconteceu durante a competição. Evidencia-se assim os aspectos

positivos e negativos;

projectam-se esses aspectos positivos e negativos no programa

futuro do ciclo de preparação por forma que esses aspectos sejam

rentabilizados no primeiro caso e melhorados no segundo;

procurar manter intactos os pressupostos da integridade do

praticante ou da equipa como colectivo, isto é, mantendo-a coesa e

unida perante a situação da vitória - evitando os excessos de

confiança, e desdramatizando em caso de derrota.

Page 549: Metodologia Do Treino Desportivo

502 • Metodologia do treino desportivo I !

7.8.3. Meios (condicionantes favoráveis) da reunião

Os meios específicos a utilizar na reunião da análise da competição

variam em função do tempo e dos temas que o treinador decidiu conceder

e abordar. Neste sentido, na actualidade os meios mais utilizados são os

audiovisuais (videocassetes) os quadros ou maquetes do terreno de jogo

com peças amovíveis e as análises estatísticas efectuadas.

7.8.4. Princípios de orientação da reunião

A condução da reunião de análise da competição, tal como foi referido

para as restantes reuniões (de preparação e de reconhecimento), deverá

ser da responsabilidade do treinador, o qual organizará os temas, a sua

sistematização e metodologia de exposição ao praticante ou à equipa.

Existe um momento concreto para a realização desta reunião,

basicamente confina-se ao tempo que medeia entre a reunião de

preparação para a competição e a reunião de reconhecimento do próximo

adversário. Todavia, preconiza-se que esta reunião deva ser realizada

antes do início do primeiro treino do ciclo de preparação do praticante ou

da equipa, sendo totalmente contra indicado, por um lado, logo após o

final da competição, pois os estados emotivos podem alterar, não

reflectindo convenientemente a realidade dos factos que esta em si

encerra. E por outro, esta não deverá decorrer muito próximo da reunião

de reconhecimento do próximo adversário.

Tal como para as reuniões de preparação e de reconhecimento do

próximo adversário, é fundamental que os jogadores concentrem a sua

atenção nos aspectos e indicações transmitidos pela exposição do

treinador ou auxiliares. Com efeito, para que essa concentração se

mantenha é necessário que a reunião não ultrapasse os 20 minutos por

forma que estes não dispersem a sua atenção sobre outros assuntos. O

valor estabelecido poderá eventualmente diminuir de forma gradual em

função da grandeza dos desvios verificados entre o modelo de

Page 550: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento estratégico • 503

organização da equipa e o modelo de organização a atingir. Por último, a

preparação qualitativa e quantitativa do praticante ou de uma equipa,

determina com carácter habitual, a necessidade de uma reunião de análise

da competição, independentemente do resultado desta e da concretização

ou não dos objectivos estabelecidos.

Concluindo, a estratégia tem a finalidade de fixar objectivos, tornando-os mais

claros em si próprios e das suas relações recíprocas, determinando em função

destes uma série de acções pragmáticas com vista à sua concretização. Dado

que todas estas decisões (planos), assentam em suposições que em alguns

casos, não se realizam e, algumas delas não podem ser mais detalhadas, nem

tomada antecipadamente, resulta que a estratégia tem de ser secundada pela

táctica, para que durante a competição se opte por decisões operativas

necessárias às modificações gerais e específicas que se impõem

incessantemente.

Page 551: Metodologia Do Treino Desportivo

504 • Metodologia do treino desportivo I !

w

Page 552: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE V

O PLANEAMENTO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

O planeamento táctico

Resp: Jorge Castelo

Page 553: Metodologia Do Treino Desportivo

504 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 3 da Parte V

O presente Capítulo desenvolve os aspectos inerentes ao planeamento

táctico que é definido pela aplicação prática, isto é, pelo carácter

aplicativo e operativo do planeamento conceptual e do planeamento

estratégico, procurando utilizar de forma racional e oportuna durante

competição/jogo, as qualidades físicas, técnico-tácticas, e psicológicas

individuais e colectivas, seleccionando-os, organizando-os, e

coordenando-os unitariamente com vista à concretização dos objectivos

pré-estabelecidos.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 16

Page 554: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento táctico • 505

Parte V

O planeamento do treino desportivo

Sumário

Capítulo 3 - O planeamento táctico

1. Conceito de planeamento táctico

2. Natureza do planeamento táctico 2.1. Concepção unitária para o desenrolar da competição 2.2. Inseparabilidade da acção técnica das intenções tácticas 2.3. Maximização e valorização dos praticantes/jogadores 2.4. Confrontação das expressões tácticas 2.5. Carácter aplicativo e operativo da planeamento táctico

3. Objectivo do planeamento táctico

4. Meios do planeamento táctico 4.1. Os praticantes/jogadores 4.2. O treinador

5. Limites do planeamento táctico

6. O responsável pela direcção do planeamento táctico

7. Etapas do planeamento táctico

7.1. Direcção durante a competição 7.1.1. A sucessão, momento do resultado da competição 7.1.2. As lesões que sucedem durante a competição 7.1.3. As substituições 7.1.4. Os descontos de tempo 7.1.5. A acção do juiz da partida 7.1.6. Os adversários

7.2. Direcção durante o intervalo da competição 7.2.1. Relaxar/tranquilizar 7.2.2. Vigilância médica 7.2.3. Preparação para a segunda parte

7.3. Acções a ter em conta logo após o terminus da competição

Page 555: Metodologia Do Treino Desportivo

506 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BAUER, G., e UEBERLE, H. (1988) Fútbol - Factores de rendimiento

dirección de jugadores y del equipo, Ediciones Martinez Roca, Barcelona

CASTELO, J. (1994) Futebol - modelo técnico-táctico do jogo, Edições FMH,

Universidade Técnica de Lisboa

CASTELO, J. (1995) Futebol - A organização do jogo, Edição do autor, Lisboa

TEODORESCU, L. (1984) Problemas de teoria e metodologia nos desportos

colectivos, Livros Horizonte, Lisboa

TEODORESCU, L. (1987) Orientações e tendências da teoria e metodologia

de treino nos jogos desportivos, Futebol em revista, 4ª série, nº 23, 37:45,

junho

Page 556: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento táctico • 507

1. Conceito de planeamento táctico

O planeamento táctico é definida pela aplicação prática, isto é, pelo carácter

aplicativo e operativo do planeamento conceptual e do planeamento

estratégico, procurando utilizar de forma racional e oportuna durante

competição/jogo, as qualidades físicas, técnico-tácticas e psicológicas

individuais e, colectivas, seleccionando-os, organizando-os e coordenando-os

unitariamente com vista à concretização dos objectivos pré-estabelecidos.

2. Natureza do planeamento táctico

A natureza do planeamento táctico exprime-se sob cinco vertentes

fundamentais que importa desenvolver: i) concepção unitária para o desenrolar

da competição, ii) inseparabilidade da acção técnica das intenções tácticas, iii)

maximização e valorização das particularidades dos praticantes/jogadores, iv)

confrontação das expressões tácticas quando em confronto directo e, v) o

carácter aplicativo e operativo da planeamento táctico.

2.1. Concepção unitária para o desenrolar da competição

O planeamento táctico pressupõe, em última análise, a existência de uma

concepção unitária para o desenrolar da competição. A velocidade, a

coordenação e a coerência dos deslocamentos dos praticantes/jogadores, a

sua orientação e ritmo, relação e contacto com os adversários, tanto nas

fases ofensivas como defensivas, determinam a ordem de execução das

acções individuais e colectivas, em que o espaço necessário e a sua

Page 557: Metodologia Do Treino Desportivo

508 • Metodologia do treino desportivo I !

distribuição no tempo sejam variáveis, sequenciais, coerentes e organizados

com o objectivo de atingir a vitória.

2.2. Inseparabilidade da acção técnica das intenções tácticas

As acções técnicas estão sempre associadas a um raciocínio táctico, que

constitui o principal factor que concretiza e materializa a concepção e as

intenções tácticas dos praticantes ou de uma equipa. A técnica e a táctica

formam assim, uma unidade dialéctica, condicionando-se e influenciando-se

reciprocamente. A capacidade de raciocinar, antes, durante e depois da

execução técnica consubstancia a base do sucesso individual e colectivo.

2.3. Maximização e valorização das particularidades dos praticantes/jogadores

O planeamento táctico exprime um processo através do qual se procura

valorizar as particularidades dos seus próprios praticantes/jogadores. Essa

valorização é condicionada pela criação das condições e situações de

competição favoráveis à sua realização.

2.4. Confrontação das expressões tácticas quando em confronto directo

Construída ou impulsiva, baseada sobre a ofensiva ou sobre a defensiva,

deliberada ou prudente, reservada ou espectacular, o planeamento táctico é,

na prática o resultado complexo dos valores e convicções dos praticantes e

das equipas em confronto directo. Neste sentido, a direcção correcta do

planeamento táctico oferece a possibilidade de obrigar os adversários a lutar

em condições desfavoráveis, e vantajosas para os próprios praticantes ou

equipa. Estas situações e condições de competição deverão ser criadas de tal

forma que evidenciem as carências de preparação física, técnica, táctica e

psicológica dos adversários. O papel da táctica na obtenção da vitória cresce

paralelamente ao valor dos praticantes ou equipas em disputa, em especial

quando são sensivelmente equitativas.

Page 558: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento táctico • 509

2.5. Carácter aplicativo e operativo da planeamento táctico

O carácter operativo da planeamento táctico visa durante o desenrolar da

competição e em função de um conjunto de factores, tais como, as

modificações das condições climatéricas (chuva, vento) as condições do

terreno (regular ou irregular), o resultado numérico momentâneo (favorável

ou não aos objectivos da equipa), do tempo de jogo (perto ou não do final),

e das modificações pontuais da táctica do adversário (substituições,

mudanças das funções tácticas), determinam a aplicação durante a

competição de certas medidas especiais tomadas pelo treinador

(substituições, mudanças das funções tácticas, etc.).

3. Objectivo do planeamento táctico

Em última análise, o planeamento táctico consubstancia a base de resolução

dos problemas metodológicos que surgem na competição, sendo constituído

pelo conjunto de todos os conhecimentos susceptíveis de dar uma certa

direcção às diferentes acções (individuais/colectivas, ofensivas/defensivas) dos

praticantes ou das equipas relativamente à concretização dos objectivos pré-

estabelecidos.

4. Meios do planeamento táctico

Basicamente, os meios fundamentais do planeamento táctico exprimem-se a

partir de duas identidades essenciais e interdependentes: os

praticantes/jogadores e o treinador.

4.1. Os praticantes/jogadores

Os praticantes/jogadores são os elementos que através da sua actividade

mental e motora resolvem operacional e eficazmente as diferentes situações

Page 559: Metodologia Do Treino Desportivo

510 • Metodologia do treino desportivo I !

que a competição em si encerra. As referidas soluções, estabelecem-se a

partir da maximização das capacidades técnicas, tácticas, físicas, e

psicológicas dos diferentes praticantes/jogadores, que suportam por sua vez,

um conjunto de tarefas e missões tácticas que lhes são confiadas pelo

treinador. 4.2. O treinador

O treinador segue "à distância" de forma crítica aquilo que se passa na

competição. Nestas circunstâncias, o treinador dá indicações (através de

palavras ou sinais) claras, concisas e completas de forma a ajudar os seus

praticantes/jogadores, a encorajá-los, exortando-os, e se necessário

admoestando-os. Tudo isto na procura de um ajustamento o mais eficaz

possível, ou um melhoramento do seu rendimento. Durante o intervalo da

competição, o treinador informa os praticantes/jogadores sobre alguns

acontecimentos pertinentes ocorridos na primeira parte, e as alterações a

introduzir para se rentabilizar o rendimento da segunda parte. Por último,

depois do jogo, o treinador partilha com todos o resultado positivo ou

negativo, e exprime breves ideias sobre a competição e a orientação do

trabalho no futuro.

5. Limites do planeamento táctico

O planeamento táctico que se fundamenta na resolução eficaz dos problemas

estabelecidos pelas constantes e variáveis situações da competição, por forma a

concretizar os objectivos pré-estabelecidos para um determinado confronto,

tem como limites de aplicação as seguintes quatro vertentes fundamentais:

decorrer da compatibilidade das capacidades física, técnica, táctica, e

psicológica individual e colectiva dos praticantes/jogadores, valorizando e

potencializando as suas particularidades;

a adaptação do planeamento táctico às características dos adversários, por

forma a garantir a possibilidade dos praticantes/jogadores se adaptarem às

situações competitivas e as resolverem criativamente em seu favor, e

explorar as falhas de preparação dos adversários;

Page 560: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento táctico • 511

o nível de formação e desenvolvimento atingido pelos próprios

praticantes ou equipa para um determinado confronto, isto é, a qualidade

dos pressupostos da preparação conceptual e estratégica; e por último,

a preparação e a qualidade do treinador na direcção e orientação dos seus

praticantes ou da sua equipa. 6. O responsável pela direcção do planeamento táctico

Cabe ao treinador analisar os diferentes aspectos que decorrem durante a

situação competitiva e encontrar as soluções mais eficientes ou aquelas que ele

pensa que são as mais eficientes para a concretização dos objectivos

pré-determinados. Ora, não seria lógico, nem conveniente deixar de ser o

treinador, durante a competição ou seja, no momento crítico e onde surgem o

maior número e a maior complexidade de problemas (que derivam

essencialmente do envolvimento social e emocional), a decidir pelos

ajustamentos (planeamento táctico) que lhe parecem mais correctos, em função

dos conhecimentos dos seus praticantes ou da sua própria equipa e dos

adversários.

Nestas circunstâncias cabe ao treinador assumir toda a responsabilidade das

alterações e ajustamentos pontuais no decorrer da competição não

"descarregando" sobre os seus próprios praticantes/jogadores o encontrar

dessas soluções. É evidente que estes desempenham um papel preponderante

na pragmatização dessas soluções, todavia, a necessidade, a decisão e direcção

do processo são, como referimos, da total responsabilidade do treinador,

estando este no seguimento destas alterações, atento às novas condições

criadas e às respostas dos adversários a essas mesmas modificações ou seja,

perante o "novo" quadro situacional.

7. Etapas do planeamento táctico

A sistematização e caracterização das diferentes etapas que constituem o

planeamento táctico, é uma tarefa de grande complexidade devido à sua

ocasionalidade, isto é, ao contexto da realidade competitiva em que esta evolui,

Page 561: Metodologia Do Treino Desportivo

512 • Metodologia do treino desportivo I !

e à sua diversidade que promove diferentes questões as quais determinam

diferentes respostas para a sua resolução. Com efeito, mesmo perante estes

condicionalismos podemos estabelecer três etapas fundamentais dentro do

planeamento táctico: direcção durante a competição, direcção durante o

intervalo da competição e as acções a ter em conta logo após o terminus da

competição.

7.1. Direcção durante a competição

A concretização dos objectivos estabelecidos para um determinado

confronto, é o resultado, por um lado, da actuação eficaz dos

praticantes/jogadores, reflectindo o nível de preparação e evolução destes, e

por outro, da hábil direcção da competição por parte do treinador, que em

última análise, se consubstancia como uma fonte de informação,

estabelecendo as linhas de orientação geral e específica dos

comportamentos técnico-tácticos dos praticantes/jogadores. Esta direcção

procura assim, estabilizar ou modificar o comportamento destes de forma a

adequá-los em função dos variados contextos em que as situações

competitivas ocorrem.

Dirigir praticantes/jogadores durante a competição consubstancia-se através

da aplicação de medidas orientadas para a optimização dos comportamentos

técnico-tácticos individuais e colectivos, e apresenta aspectos básicos

fundamentais que devem ser considerados:

só é possível dirigir quando por parte dos praticantes/jogadores existe

uma predisposição para se deixarem dirigir;

só é possível dirigir quando se utiliza medidas directivas apropriadas

acompanhadas por meios apropriados;

só é possível dirigir quando se conhece e se tem em conta as

necessidades individuais, e se consegue que estas mantenham dentro do

quadro das necessidades da equipa; e por último,

Page 562: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento táctico • 513

"ouvir e observar, são as condições básicas para uma direcção eficaz.

Ambas atitudes pressupõem da parte do treinador predisposição e

conhecimentos" (Bauer e Ueberle, 1982).

A direcção durante a competição inferma de imediato, numa primeira

grande dificuldade, que deriva da necessidade de se ter de observar os

nossos praticantes e adversários simultaneamente. Alguns treinadores

concentram-se demasiado sobre as acções dos seus próprios praticantes,

perdendo, por um lado, a possibilidade de reagir a tempo às soluções postas

em prática pelos adversários e, por outro, a possibilidade de valorizar

convenientemente o rendimento dos seus praticantes, pois esta valorização

tem de ter em conta os adversários. Com efeito, devido à grande quantidade

de factores que o treinador tem que observar e analisar durante a

competição, pois só a partir deste reconhecimento é possível tomar

eventuais decisões, é necessário que o treinador estabeleça um "guia" ou

"roteiro" sequencial e automatizado que lhe permita retirar as informações,

consideradas por ele, mais pertinentes, para que estabeleça uma decisão

rápida e segura. Daqui se infere a necessidade de o treinador presenciar o

jogo num estado físico e intelectual óptimo, julgando as diferentes situações

competitivas a partir de rotinas de observação caracterizadas pela sua

selectividade, sistematização, e rapidez, sem se envolver emocionalmente

nelas, cumprindo esta tarefa com plena concentração e objectividade.

A direcção e orientação, por parte do treinador, deve ter presente que a

competição é constituída por momentos que se sucedem influenciando

decisivamente o rendimento individual e colectivo. Neste contexto, existem

vários acontecimentos durante o transcurso da competição que se podem

sistematizar e analisar da seguinte forma: i) a sucessão, o momento e as

circunstâncias do resultado da competição, ii) as lesões, iii) as substituições e,

iv) os descontos de tempo como meios operacionais do planeamento táctico,

v) a acção do juiz da partida e, vi) a equipa adversária.

Page 563: Metodologia Do Treino Desportivo

514 • Metodologia do treino desportivo I !

7.1.1. A sucessão, o momento e as circunstâncias do resultado da competição

A sucessão do resultado da competição: é importante liderar o resultado

da competição, pois, estabelece-se como um elemento catalizador de uma

"desorganização do rendimento dos adversários, ou de um "libertador de

forças" inesperadas tanto dos praticantes como das equipas.

O momento em que se concretiza o resultado: durante o decorrer da

partida existem "momentos chave" para se concretizar o golo, e para não

sofrer golo. Considera-se "momento chave" quando o efeito psicológico

(sobre a equipa adversária, ou sobre a própria equipa) da marcação, ou no

consentimento do golo, tem um impacto maior no rendimento

(diminuindo ou aumentando), que durante o restante tempo de jogo.

As circunstâncias do resultado momentâneo da competição: muitas são as

situações em que uma equipa domina completamente a partida durante

largo tempo, consegue várias situações de jogo com elevadas

probabilidades de êxito, todavia, a equipa adversária consegue atingir o

golo na única acção ofensiva em que se aproximou da baliza. Jogadores

que realizam durante quase todo o jogo rendimentos elevados, e numa

circunstância casual e de infortúnio cometem um erro do qual deriva não

só o golo da equipa adversária, como a alteração da corrente positiva do

jogo da sua própria equipa, quer em termos ofensivos como defensivos.

7.1.2. As lesões que sucedem durante a competição

As lesões e os momentos em que estas acontecem podem ser elementos

fundamentais na determinação da vitória e da derrota. Com efeito, a lesão

inesperada de um determinado praticante/jogador de elevado nível pode

comprometer as suas aspirações ou da equipa, e consequentemente

aumentar as possibilidades de vitória dos adversário. Há que considerar

igualmente o nível da lesão. Quanto maior for a sua gravidade maior será

Page 564: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento táctico • 515

o receio dos companheiros em executar comportamentos arriscados,

limitando assim o seu rendimento. 7.1.3. As substituições

As substituições podem ser consideradas como o meio mais operacional

e objectivo da intervenção do treinador, durante o decurso da

competição, procurando modificar ou corrigir aspectos de carácter geral

ou pontual, indispensáveis. Todavia, esta acção só será eficaz se for

substituído o praticante/jogador certo, no momento oportuno, pelo

companheiro mais indicado, cujas funções tácticas são as mais adaptadas

às circunstâncias momentâneas da competição.

As substituições são normalmente encaradas, exceptuando quando estão

relacionadas com lesões impeditivas, sob um significado negativo, pois

estes sentem ou que falharam na sua missão, ou que outros factores

"incompreensíveis" provocaram a sua substituição. Neste sentido, o

treinador deverá "educar" e "convencer" os praticantes/jogadores que a

substituição poderá consubstanciar um meio táctico fundamental de

melhoria do rendimento individual e colectivo.

Nestas circunstâncias, sempre que se efectua uma substituição deverá

existir um motivo real que o aconselhe e o justifique. Com efeito, embora

não se enquadrem a todas as situações possíveis, podemos estabelecer

algumas orientações gerais para uma utilização racional e coerente da

substituição de jogadores:

substituir o jogador que se lesionou durante o jogo;

substituir o jogador que está fatigado e não consegue recuperar, não

cumprindo, consequentemente, as missões tácticas que lhe foram

confiadas;

substituir o jogador de elevado nível técnico-táctico, quando o

resultado do jogo não poderá ser posto em causa, por forma a poupa-lo

para os confrontos seguintes;

Page 565: Metodologia Do Treino Desportivo

516 • Metodologia do treino desportivo I !

substituir o jogador que não consegue pôr em prática o que lhe foi

distribuído em termos de missões tácticas, sendo continuamente

ineficaz nas suas acções técnico-tácticas;

substituir o jogador que tem diferentes perspectivas tácticas do

treinador, convencendo-se que a "sua" forma de actuar serve melhor o

interesse colectivo. Se depois de uma breve conversa (antes, no

intervalo, ou mesmo durante o decorrer do jogo), o jogador não quer

entender as opiniões tácticas do treinador e insiste numa atitude e

comportamento diferentes, em última análise prejudiciais à actividade

da equipa, então, o treinador deverá impôr-se não restando qualquer

outra alternativa, senão substituí-lo;

substituir o jogador por razões tácticas operacionais por forma a

reforçar a capacidade:

• ofensiva da equipa na procura de modificar o resultado

momentâneo do jogo; e,

• defensivo da equipa por forma a manter o resultado momentâneo

do jogo;

substituir o jogador que após ter sido advertido disciplinarmente

continua a prevaricar estando na contingência de prejudicar a própria

equipa;

substituir o jogador, quando o resultado do jogo já não poderá ser

posto em causa, por forma a permitir a aquisição do ritmo competitivo

a um outro companheiro que vem de uma lesão mais ou menos

prolongada e necessita de se readaptar novamente à equipa;

Por último, podemos ainda determo-nos sobre dois aspectos da

problemática das substituições: o momento em que estas se devem

realizar e a sua classificação em função dos objectivos que pretende

atingir. No primeiro caso, é fundamental escolher-se adequadamente o

momento em a substituição deverá ser levada a efeito. Neste sentido, e

teoricamente, o momento mais oportuno para a efectivação da

Page 566: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento táctico • 517

substituição é quando a equipa detém a posse da bola, isto é, quando se

encontra em processo ofensivo. As razões derivam da possibilidade da

equipa poder retardar o recomeço do jogo, para que o novo companheiro

se posicione dentro do dispositivo táctico da equipa, por um lado, e

verbalize, por outro, transmitindo um conjunto de informações dadas

pelo treinador aos diferentes companheiros por forma que estes

compreendam o novo ajustamento ou modificação do plano táctico da

equipa.

Apesar das referidas vantagens da substituição ser efectuada durante a

fase ofensiva da equipa, admite-se igualmente outras tantas vantagens na

substituição de um ou outro jogador durante a fase defensiva, em

especial, quando esta sob uma grande pressão ofensiva da equipa

adversária. Procura-se, neste sentido, por um lado, quebrar o ritmo de

jogo ofensivo adversário, diminuindo assim, o elevado fluxo das acções

dos jogadores e, por outro, obrigá-los a diminuir a sua concentração

sobre a situação momentânea de jogo, por forma a perder algum tempo

na tentativa de perceber qual o objectivo táctico da substituição realizada

e adaptarem-se funcionalmente ao novo jogador.

No segundo caso, podemos classificar as substituições em função dos

objectivos tácticos que se pretende atingir, da seguinte forma:

uniformes: quando o jogador que entra no campo apresenta

qualidades técnico-tácticas e missões ou tarefas tácticas similares ao

companheiro que substituiu; e de,

contraste: quando um jogador entra no jogo apresenta qualidades

técnico-tácticas e missões ou tarefas tácticas totalmente diferentes do

companheiro que substituiu.

Concluindo, o jogador suplente deverá passar por um período de

aquecimento metodologicamente correcto por forma a entrar no jogo com

um ritmo competitivo aceitável. Se tal não for possível devido às

Page 567: Metodologia Do Treino Desportivo

518 • Metodologia do treino desportivo I !

circunstâncias do encontro (por exemplo: lesão de um companheiro), o

jogador deverá entrar no jogo gradualmente procurando que os diferentes

sistemas fisiológicos (respiratório, circulatório e muscular), se adaptem

às condições de jogo. Em alguns encontros observa-se que todos os

suplentes estão a aquecer no mesmo momento. Isto acontece quando as

circunstâncias decorrentes do jogo (resultado, lesões, ritmo ofensivo e

defensivo da equipa adversária, etc) indiciam a necessidade da

efectivação de uma substituição mas não definem de que tipo. Neste

contexto, o treinador procura assegurar que qualquer opção do "banco"

esteja devidamente preparado para entrar no jogo, suportando de

imediato o ritmo competitivo. Noutros casos, porém, os treinadores

aproveitando-se do temor evidenciado por alguns jogadores de serem

substituídos, mandam todos os suplentes aquecerem com o intuito de

pressionarem os companheiros que estão em competição e, assim, influir

positivamente nos seus comportamentos técnico-tácticas na resolução

vigorosa das diferentes situações de jogo que lhes deparam. Todavia, este

tipo de actuação, por parte do treinador, poderá mais tarde ou mais cedo

criar conflitos entre os suplentes que sentem que estão a ser "usados" não

para jogarem, mas para indicarem que o treinador não está contente com

a sua actuação e,, "forçarem" os seus companheiros a jogarem de forma

mais eficaz. 7.1.4. Os descontos de tempo

Os descontos de tempo são um meio fundamental de intervenção do

treinador durante o decorrer da competição. Com efeito, as regras da

maioria dos jogos desportivos colectivos (basquetebol, voleibol, andebol,

hóquei em patins, etc.), possibilitam ao treinador interromper (em certos

momentos) a competição por forma que este possa dirigir-se aos seus

jogadores e informá-los sobre os ajustamentos ou alterações que decidiu

implementar quer no plano individual como colectivo com vista a

Page 568: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento táctico • 519

melhorar o seu rendimento. Estes ajustamentos/alterações devem basear-

se na cuidada observação da situação competitiva.

No entanto, para além de meio fundamental de intervenção do treinador

os descontos de tempo são igualmente um meio pedagógico que importa

explorar e dimensionar especialmente quando se trata de jogadores ou de

equipas em formação/pré-especialização. Durante a competição muitas

são as situações em que a palavra do treinador não é possível ser ouvida

pelos jogadores devido às condições acústicas e especialmente devido à

tensão emocional em que os jogadores estão sujeitos no decorrer desta.

Os pedidos por parte do treinador de desconto de tempo são

consubstanciados por um grande conjunto de factores dos quais

evidenciamos os seguintes:

ascendente da equipa adversária (quer no resultado momentâneo da

partida, quer no plano técnico-táctico) especialmente quando esta se

verifica num curto período de tempo;

supremacia de um ou mais jogadores adversários sobre os directos

opositores, devendo-se assim ajustar (corrigir) os seus

comportamentos técnico-tácticos e eventualmente através da mudança

do método defensivo;

desorganização da equipa, quer por erros críticos da defesa ou

precipitação no ataque (construção/transição ou na

finalização/lançamento);

necessidade de se aumentar o ritmo de jogo da sua equipa, quer por

uma maior iniciativa no ataque, quer por um aumento da pressão

defensiva;

desvios ao plano estratégico estabelecido, quer no cumprimento das

missões tácticas individuais, quer na aplicação colectiva dos métodos

de jogo ofensivo ou defensivo;

descontrolo emocional de um ou mais jogadores; e,

a acumulação rápida de faltas (especialmente no basquetebol).

Page 569: Metodologia Do Treino Desportivo

520 • Metodologia do treino desportivo I !

7.1.4. A acção do juiz da partida

Não há dúvidas que o árbitro pode decidir e influenciar de forma

irredutível o resultado final de uma partida, especialmente entre equipas

de rendimento similar. O árbitro toma entre 100 a 140 decisões por jogo.

Tanto as equipas, como os jogadores que as constituem reagem de forma

particular (organizada/estudada ou não) às decisões do árbitro, sobretudo

quando não as consideram justas, ou pior ainda, quando não as

consideram isentas de imparcialidade.

Concluindo, as diferentes decisões do árbitro podem ter uma grande

influencia no rendimento dos jogadores ou de toda a equipa. Logo,

quando um jogador já tem uma advertência normalmente limita as suas

possibilidades de acção por forma a evitar sofrer uma nova advertência

jogando com mais "cuidado".

7.1.5. Os adversários

Uma competição constitui-se no confronto entre dois praticantes ou

equipas com objectivos perfeitamente antagónicos. Todavia, existe

muitas pessoas que insistem em analisar a competição na perspectiva de

que estes competem sozinhos. Com efeito, por mais que se queira, não se

pode ignorar que a competição tem adversários, que têm uma

organização na qual contempla uma cultura, uma estrutura, um método,

princípios, acções técnico-tácticas, e um plano táctico-estratégico. Para

além destes aspectos, existe ainda um conjunto de imponderáveis

aparentemente secundários, difíceis de sistematizar e caracterizar cujo

significado, muitas vezes, é subestimado com demasiada facilidade, mas

a sua influência se faz sentir ao mais alto nível da organização e do

rendimento do jogo da equipa, podendo inclusive, modificar

temporalmente quase todos os demais factores.

Page 570: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento táctico • 521

7.2. Direcção durante o intervalo da competição

Durante o intervalo da competição, o treinador tem um conjunto de

obrigações e decisões importantes a tomar, tendo por objectivo:

estabelecer as condições mais favoráveis à recuperação dos

praticantes/jogadores e, concomitantemente;

informá-los sobre certos ajustamentos ou alterações, de forma a manter

ou a melhorar o rendimento destes.

Neste contexto, e devido ao curto tempo disponível, é fundamental

sistematizar um conjunto de aspectos a ter em conta na direcção e

orientação dos praticantes ou da equipa durante o intervalo da competição:

relaxar/tranquilizar, vigilância médica, e a preparação para a segunda parte.

7.2.1. Relaxar/tranquilizar

Os primeiros minutos do intervalo devem ser utilizados:

para fazer descansar os praticantes/jogadores que se colocam

em

posições que facilitem o repouso e a recuperação do esforço

despendido;

utilizar bebidas regenerativas (minerais, hidratos de carbono, etc.).

7.2.2. Vigilância médica

O período de relaxamento é igualmente aproveitado:

para vigiar e atender as pequenas feridas, contusões, aplicar

ligaduras, executar massagens pontuais, etc.;

o treinador questionará individualmente cada praticante/jogador

sobre a existência de problemas de carácter físico (lesões, cansaço,

etc.) impeditivo de continuar;

em função das condições climatéricas, e do terreno de jogo, poderá

haver a necessidade de trocar de equipamento, e de botas (mudá-las,

limpá-las, etc.).

Page 571: Metodologia Do Treino Desportivo

522 • Metodologia do treino desportivo I !

7.2.3. Preparação para a segunda parte

Após o descanso/relaxação o treinador passa à fase de preparação para a

segunda parte. Metodologicamente a presente preparação deve conter

frases curtas, instruções claras, reforçar afirmações, repetir ou

reestruturar missões tácticas. É preciso ter presente que as instruções

centradas nos erros da primeira parte não têm qualquer efeito positivo no

comportamento dos praticantes/jogadores. Se for necessário criticar, é

fundamental que essa crítica esteja directamente ligada às instruções e

conselhos. Segundo Bauer e Ueberle (1982), citando Martin Luppen,

estabelece, entre outros, os seguintes princípios essenciais:

• "qualquer crítica, por mais necessária que seja, opõe-se à nossa

necessidade de ser reconhecido;

• ninguém gosta que o critiquem, não importa se a crítica é justa ou

não;

• elogiar e reconhecer tem muito mais êxito que as críticas;

• a pessoa que emite a crítica é sempre mal vista, apesar de insistir

que só quer melhorar e incrementar o rendimento dos

praticantes/jogadores;

• o treinador deverá reforçar a autoconfiança dos

praticantes/jogadores acentuando e potencializando os seus

comportamentos positivos".

7.3. Acções a ter em conta logo após o terminus da competição

As acções a ter em conta por parte do treinador logo após o terminus da

competição deverão ser as seguintes:

partilhar com todos o resultado da competição;

fazer uma curta intervenção para acalmar a tensão,

desdramatizando no caso de uma derrota, ou evitando as explosões

exageradas de júbilo no caso de vitória;

rever lesões e casos particulares; e,

Page 572: Metodologia Do Treino Desportivo

" O planeamento táctico • 523

avaliar a eficácia da equipa tendo em consideração que o resultado

final é "apenas" um indicador importante. Muitas vezes esse resultado

não reflecte, nem de longe nem de perto, a realidade do rendimento

conseguido. Por outras palavras, o treinador não deve confundir o

rendimento com o êxito ou inêxito da equipa.

Finalizando, tanto o planeamento estratégico como o planeamento táctico são

dirigidas para um mesmo fim, nomeadamente a vitória. No entanto, a estratégia

por si própria não poderá atingir esse objectivo, o seu êxito estabelece-se na

preparação vitoriosa da táctica. Quanto maior for o êxito estratégico, menos

duvidosa será a vitória no decurso da competição. Neste contexto, em nossa

opinião, a diferença que se estabelece entre a táctica e a estratégia,

fundamenta-se no facto de a táctica ser utilizada logo após o começo da

competição e até ao final deste. Enquanto que a estratégia insere-se em todas as

fases de preparação dos praticantes/jogadores tendo em conta o conhecimento

das particularidades dos adversários. Assim a táctica será a utilização concreta

dos meios de acção e a estratégia a arte de estabelecer as tácticas para o

objectivo estabelecido. Do lado da concepção - a estratégia, do lado da

execução - a táctica.

Page 573: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE VI

A ESTRUTURA DO PROCESSO DE TREINO

Resp: Jorge Castelo

Page 574: Metodologia Do Treino Desportivo

524 • Metodologia do treino desportivo I !

Parte VI

A estrutura do processo de treino

Sumário

Capítulo 1

A microestrutura do processo de treino desportivo

Capítulo 2

A mesoestrutura do processo de treino desportivo

Capítulo 3

A macroestrutura do processo de treino desportivo

Page 575: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE VI

A ESTRUTURA DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 1

A microestrutura do treino desportivo

Resp: Jorge Castelo

Page 576: Metodologia Do Treino Desportivo

526 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 1 da Parte VI

Neste Capítulo abordaremos a estrutura do processo de treino

incidindo a nossa reflexão sobre a organização das sessões (unidades)

de treino no seio de um microciclo - microestrutura. Com efeito, iremos

analisar os diferentes tipos de sessão de treino (para conhecer os

praticantes ou a equipa, de aprendizagem, de repetição, de controlo, e

mistas), as suas diferentes formas (em grupo, individuais, mistas e

livres), a sua duração, a sua estrutura (parte de introdução, de

preparação, parte principal, e parte final), e por último, a sua

elaboração.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 17

Page 577: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 527

Parte VI

A estrutura do processo de treino

Sumário

Capítulo 1 - A microestrutura do treino desportivo

1. Os tipos de sessões (unidades) de treino

1.1. Sessões de treino para conhecer o(s) praticante(s) ou a equipa

1.2. Sessões de treino de aprendizagem

1.3. Sessões de treino de repetição

1.4. Sessões de treino de controlo (verificação)

1.5. Sessões de treino mistos

2. A forma da sessão de treino

2.1. Em grupo

2.2. Individualmente

2.3. Mistas

2.4. Livres

3. A duração da sessão de treino

4. A estrutura da sessão de treino

4.1. Parte de introdução da sessão de treino

4.2. Parte preparatória da sessão de treino

4.3. Parte principal da sessão de treino

4.4. Parte final da sessão de treino

5. A elaboração da sessão de treino

Page 578: Metodologia Do Treino Desportivo

528 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt

publishing company, USA

MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros

Horizonte, Lisboa

TEODORESCU, L. Problemas de teoria e metodologia nos desportos

colectivos, Livros Horizonte, Lisboa, 1984

PIERON, M. (1991) As técnicas de comunicação e a pedagogia do treino,

Revista treino desportivo, IIª série, Vol.19, Março, pp. 3-8

PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,

Ed. E.P.S., Paris

Page 579: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 529

A microestrutura do processo de treino desportivo compreende a organização

das sessões (unidades) de treino no seio de um microciclo. Neste sentido,

iremos analisar os diferentes tipos de sessão de treino (para conhecer os

praticantes ou a equipa, de aprendizagem, de repetição, de controlo, e mistas),

as suas diferentes formas (em grupo, individuais, mistas e livres), a sua

duração, a sua estrutura (parte de introdução, de preparação, parte principal, e

parte final), e por último, a sua elaboração.

1. Os tipos de sessões (unidades) de treino

Existem diferentes tipos de sessões que podem ser utilizadas durante o treino,

as quais são determinadas, por um lado, pelo nível de rendimento do(s)

praticante(s) ou da equipa e, por outro, pelo período do planeamento anual em

que estes se situam. Segundo Teodorescu (1984), e Bompa (1993) as sessões

de treino podem ser dos seguintes tipos:

sessões de treino para conhecer o(s) praticante(s) ou a equipa;

sessões de treino de aprendizagem;

sessões de treino de repetição;

sessões de treino de controlo (verificação); e por último,

sessões de treino mistos.

1.1. Sessões de treino para conhecer o(s) praticante(s) ou a equipa

A utilização deste tipo de sessão de treino tem por objectivo conhecer o

estádio de preparação física, técnica, táctica, bem como outras

particularidades do(s) praticante(s) ou da equipa. As informações que o

treinador poderá retirar destas sessões constituem um precioso "material"

para o estabelecimento dos temas e dos objectivos das unidades de treino

seguintes, e concomitantemente, os diferentes programas de acção, meios e

métodos de treino. Com efeito, estas sessões de treino são utilizados

especialmente quando se ensina principiantes, quando o(s) praticante(s)

Page 580: Metodologia Do Treino Desportivo

530 • Metodologia do treino desportivo I !

tiveram uma longa interrupção no seu processo de formação desportiva, ou

quando o treinador assume a direcção de uma nova equipa.

O conteúdo básico destas sessões de treino é constituido por exercícios de

carácter específico, e competitivo, isto é, de acções motoras que os

praticantes utilizam frequentemente durante a competição da modalidade

desportiva em análise. Se bem que muito semelhante, a sessão de treino para

conhecer os praticantes ou a equipa, não pode ser confundida com a sessão

de treino de controlo, uma vez que esta sessão pressupõe uma actividade

prévia entre o treinador e os praticantes ao longo de um período específico

de tempo, durante o qual se cumpriu uma determinada parte do programa de

treino anteriormente elaborado e com objectivos específicos a atingir.

1.2. Sessões de treino de aprendizagem

As sessões de treino de aprendizagem têm por objectivo fundamental, tal

como o nome indica, a assimilação por parte dos praticantes,

comportamentos tácticos, e procedimentos (gestos motores) técnicos

essenciais ao desenrolar eficaz, por um lado, da actividade competitiva que

a modalidade desportiva em si encerra e, por outro, de certas acções técnico-

tácticas especiais atendendo às particularidades do(s) adversário(s).

Estas sessões de treino caracterizam-se por um conjunto mínimo de

exercícios, executados a um nível de intensidade e densidade reduzidos.

Neste sentido, e como se compreende, se o objectivo destas sessões são a

formação de certas representações mentais e uma correcta aquisição das

habilidades técnico-tácticas, é fundamental que estas sejam adquiridas

através de uma reduzida solicitação orgânica num fundo de isenção de

fadiga.

1.3. Sessões de treino de repetição

As sessões de treino de repetição têm como objectivos fundamentais:

Page 581: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 531

o desenvolvimento, ou pelo menos, a manutenção do nível de

qualidades motoras de suporte aos gestos técnicos da modalidade;

o aperfeiçoamento dos comportamentos técnico-tácticos individuais e

colectivos (no caso de uma equipa de jogos desportivos colectivos); e,

a integração de procedimentos técnico-tácticos realizados em regimes

físicos máximos.

A frequência de utilização deste tipo de sessão aumenta progressivamente

em função do aumento do número de unidades de treino realizadas por

semana (microciclo). As características deste tipo de sessão de treino é de

não conter temas novos, nem exercícios desconhecidos por parte dos

praticantes ou da equipa. A predominância destas sessões é de corrigir,

precisar e manter o ritmo e tempo de execução dos comportamentos

fundamentais à resolução das situações competitivas, que a modalidade

desportiva em si encerra. Neste sentido, os praticantes repetem

prolongadamente certos procedimentos visando a correcção destes, a

precisão e o aperfeiçoamento dos hábitos de realização de forma rápida, sem

alterar os ritmos correctos de execução.

1.4. Sessões de treino de controlo (verificação)

As sessões de treino de controlo têm por objectivo fundamental a

apreciação, o mais exacta possível, do progresso do rendimento dos

praticantes ou da equipa, quer ao nível do comportamento físico, como dos

comportamentos técnico, táctico e psicológico. Nos desportos individuais,

as sessões de treino de controlo são mais exactas que nos desportos

colectivos devido ao seu carácter de avaliação (segundos, metros,

quilogramas, etc.). Neste sentido, nos jogos desportivos colectivos utiliza-se

jogos de treino através do qual a apreciação é realizada sobre um critério

base, tendo em conta a correcção, a oportunidade e a eficácia da execução

dos procedimentos técnico-tácticos.

Page 582: Metodologia Do Treino Desportivo

532 • Metodologia do treino desportivo I !

Por último, os exercícios que compõem estas sessões de treino podem ser

organizadas de forma:

isolada da competição (análise de um factor de treino, por exemplo: o

factor técnico); ou,

integrada no qual o conteúdo é analisado sob todos os pontos de vista

fundamentais (técnico, táctico, físico, e psicológico).

1.5. Sessões de treino mistos

Estas sessões de treino são as mais frequentemente utilizadas, pois, é por

seu intermédio que se combina vários objectivos pedagógicos, e de

diferentes processos de treino. Neste sentido, na mesma sessão de treino

podem coabitar:

objectivos de aprendizagem combinada com objectivos de

aperfeiçoamento;

treino individual e o treino em grupo;

solicitação de esforços de predominância aeróbia e anaeróbia;

treino em circuito com treino por intervalos;

treino técnico e de preparação física e táctica, etc.

Este tipo de sessão de treino tem uma grande intensidade e densidade de

exercícios diminuindo o número (volume) destes. Normalmente, utiliza-se

uma pequena competição no final do treino, organizada por forma a

consubstanciar a aplicação real prática dos aspectos que foram treinados

durante a sessão, seja qual for o nível de rendimento do(s) praticante(s) ou

da equipa.

2. A forma da sessão de treino

A eficácia da sessão de treino depende largamente da sua organização. Esta

deverá permitir o desenvolvimento dos meios necessários para se atingir o

objectivo visado, tendo em conta as características da modalidade desportiva

em causa (individual ou colectiva), e as particularidades individuais dos

praticantes. Neste contexto, as sessões de treino poderão ser organizadas de

Page 583: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 533

diferentes formas, as mais conhecidas são (segundo Bompa, 1993, e PLatonov,

1988): em grupo, individualmente, mistas e livres.

2.1. Em grupo

As sessões de treino em grupo são constituídas por um número limitado de

praticantes, e são fundamentalmente utilizadas pelos desportos colectivos,

todavia, isto não significa que os desportos individuais não façam uso desta

forma de treino, procurando tirar proveito das vantagens da sua utilização.

Com efeito, a organização da sessão de treino sob esta forma desenvolve o

espírito de grupo e as qualidades volitivas dos praticantes, contudo, é mais

difícil controlar a qualidade dos exercícios, e o contacto individual entre o

treinador e praticante.

2.2. Individualmente

Os praticantes realizam a sessão de treino de forma autónoma por forma a

cumprir as tarefas que lhes foram atribuídas. Estas sessões de treino

apresentam um grande número de vantagens, tais como: dosagem e controlo

individual do esforço fornecido, estimulam a autonomia do praticante e a

resolução creativa dos problemas postos, e melhoram a adaptação dos

praticantes aos factores exteriores que se exercem sobre estes. Todavia, esta

forma de organização da sessão de treino apresenta igualmente algumas

desvantagens: não recria as condições de competição, e não permite

beneficiar da influência estimulante dos outros praticantes.

2.3. Mistas

As sessões de treino mistas, tal como o nome indica, sugerem a combinação

das duas formas referidas anteriormente: individual e em grupo. Com efeito,

durante a primeira parte do treino os praticantes realizam um conjunto de

diferentes exercícios em grupo, e durante a parte principal da sessão de

treino cada praticante tem planos individuais de acordo com objectivos

Page 584: Metodologia Do Treino Desportivo

534 • Metodologia do treino desportivo I !

específicos. Na parte final do treino, os praticantes voltam a executar os

exercícios de recuperação (retorno à calma) de forma em grupo.

2.4. Livres

As sessões de treino livre devem ser limitadas, na maioria das situações,

exclusivamente aos praticantes de um elevado nível de rendimento. Estas

sessões têm a vantagem de desenvolver a confiança entre o treinador e o(s)

praticante(s), todavia, minimiza a acção do controlo do treino deste último.

Neste sentido, esta forma de organização do treino desenvolve a

participação consciente do praticante, a sua independência, bem como a sua

maturidade na resolução das tarefas do treino, sendo extremamente benéfico

a quando das competições nas quais a intervenção do treinador não é

possível.

3. A duração da sessão de treino

Segundo Bompa (1993) são consideradas sessões de treino pequenas quando a

duração destas se situam entre os 30 e os 90 minutos, médias entre as 2 e as 3

horas, e grandes quando têm mais de 3 horas. Contudo, a sessão de treino com

a duração de 2 horas é aquela que habitualmente é mais utilizada.

As maiores variações da duração das sessões de treino verificam-se ao nível

dos desportos individuais, enquanto que os desportos colectivos têm uma

maior consistência. Todavia, a duração de uma sessão de treino é função das

tarefas previamente elaboradas, do tipo de actividade, e do nível de preparação

dos praticantes.

4. A estrutura da sessão de treino

O problema da estrutura da sessão de treino situa-se numa questão de forma e

não de conteúdo, que em si representa um carácter determinantemente

essencial. Neste sentido, a estrutura da sessão deverá ser interpretada como

uma contribuição activa que a forma deverá trazer para a melhoria do

Page 585: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 535

conteúdo. Com efeito, a sessão de treino deverá ter um carácter unitário

assegurado pelo melhor conteúdo organizado na melhor forma.

Numa primeira análise a sessão de treino deve ser encarada como uma única

parte, todavia, e em função do ponto de vista da actividade fisiológica do

organismo dos praticantes pode-se considerar como tendo quatro ou três partes

fundamentais:

introdução: explicação dos objectivos, e os métodos de treino para os

atingir;

preparação: aumento da actividade dos diferentes sistemas funcionais;

principal: realização de esforços prolongados a uma intensidade média ou

elevada; e,

final: redução e recuperação dos esforços dispendidos.

Neste contexto, o escalonamento dos diferentes exercícios na sessão de treino

deve ter em atenção:

a presente realidade fisiológica (aumento, realização máxima, e redução);

encurtamento da parte de preparação e final, e prolongamento da parte

principal que corresponde à capacidade óptima de esforço; e,

os exercícios que correspondem às diferentes partes da sessão de treino

devem permitir a sua unidade por forma que este não seja alterado ao longo

da sessão.

4.1. Parte introdutória da sessão de treino

Basicamente todas as sessões de treino devem começar com uma parte

introdutória na qual, o treinador para além de saudar os diferentes

praticantes, explica de forma breve:

os objectivos planeados para essa sessão de treino;

dá informações detalhadas de como esses objectivos podem ser

atingidos;

aproveita para aumentar os níveis de motivação e vontade dos

praticantes;

Page 586: Metodologia Do Treino Desportivo

536 • Metodologia do treino desportivo I !

depois destas informações o treinador organiza o colectivo em

pequenos grupos de acordo com os objectivos específicos de cada

praticante.

A utilização ou não desta parte introdutória da sessão de treino, depende

essencialmente: das tarefas preconizadas para o treino, do período de treino,

e mais importante ainda, do nível do treino do praticante. Nestas

circunstâncias, para sessões de treino em grupo, durante o período

preparatório, com principiantes, a parte introdutória na qual se explana os

objectivos do treino e os métodos para os atingir, é fundamental. Com

efeito, a sua duração varia entre os 3 e os 5 minutos podendo ser mais longa

quando se trata de principiantes (recorrendo-se inclusivamente a meios

adicionais como por exemplo os audiovisuais), ou mais curta quando se

trata de praticantes de elevado nível de rendimento.

4.2. Parte preparatória da sessão de treino

Esta parte representa entre 15 a 20% do volume total de treino (entre 20 a

30 minutos), e tem por objectivo aumentar a actividade dos diferentes

sistemas funcionais por forma a preparar o organismo para a parte seguinte

do treino. Podemos distinguir basicamente dois períodos nesta parte:

geral: com o recurso a exercícios de preparação geral que estimulam a

actividade dos sistemas funcionais mais importantes (sistema nervoso

central e periférico, aparelho locomotor, etc.), com uma duração entre os

15 e os 20 minutos;

específico: visa estimular selectivamente o sistema de comando e o

aparelho motor que irão ser solicitados de forma directa durante a parte

principal da sessão de treino, com uma duração entre os 5 e os 10

minutos.

4.3. Parte principal da sessão de treino

Page 587: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 537

A parte principal da sessão representa entre 50 a 70% do volume total de

treino, isto é, entre 60 a 80 minutos, e tem por objectivo, tal como o nome

indica, que os praticantes ou a equipa acedam, ou mantenham, níveis de

rendimento previamente programados e definidos.

Basicamente, a parte principal da sessão de treino deve ser organizada da

seguinte forma:

exercícios destinados à aprendizagem, aperfeiçoamento, ou ao

desenvolvimento das acções técnicas e das acções tácticas (qualquer

aprendizagem de um certo comportamento técnico-táctico é mais eficaz

quando é realizado em condições mínimas de fadiga);

exercícios para desenvolver a velocidade, coordenação e ritmo de

execução (após consolidado a execução dos gestos técnicos, estes devem

ser aperfeiçoados em condições idênticas à competição);

exercícios para desenvolver a força; e por último,

exercícios para desenvolver a resistência.

4.4. Parte final da sessão de treino

Esta parte da sessão representa entre 10 a 15% do volume total do treino,

isto é, entre os 10 e os 15 minutos, e tem por objectivo assegurar a redução

do trabalho por forma a levar o organismo a um estado o mais próximo

possível do seu estado inicial, criando-se assim as condições propícias ao

desenvolvimento do processo de recuperação.

200

180

160

140

120

100

80

parte principalparte preparatória parte final

Fre

quên

cia

card

iaca

Figura 77. A dinâmica da curva fisiológica durante a sessão de treino

5. A elaboração da sessão de treino

Page 588: Metodologia Do Treino Desportivo

538 • Metodologia do treino desportivo I !

O processo de elaboração da sessão de treino constitui uma operação

metodológica fundamental. Este processo materializa o raciocínio criador do

treinador tirando proveito da sua capacidade, conhecimento e experiência. Em

síntese as principais operações a realizar pelo treinador na elaboração da sessão

de treino são as seguintes (Teodorescu, 1984):

estabelecer os temas e os objectivos da sessão de treino, sendo resultante

do período anual de treino, da análise da sessão anterior, dos resultados da

competição (se houve), e do conhecimento das circunstâncias em que a

próxima competição irá decorrer;

estabelecer o tipo de sessão (aprendizagem, repetição, mista, etc.);

estabelecer os exercícios através dos quais se irá atingir os objectivos, a

sua sucessão, o tempo de duração, a intensidade, a densidade, a frequência;

estabelecer o conteúdo da parte introdutória geral e específica;

estabelecer a forma, conteúdo, e duração da competição a efectuar no

final da parte principal da sessão de treino;

estabelecer o conteúdo e a duração da parte final da sessão de treino;

estabelecer as medidas administrativas (por exemplo: material) necessária

à sessão;

respeitar as indicações metodológicas de que o treinador necessita

durante a sessão;

verificar a ordem (sucessão) dos exercícios na sessão em conformidade

com os princípios metodológicos; e por último,

transcrição do plano da sessão de treino.

Page 589: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a microestrutura • 539

Sessão de

treino

Tipo de

sessão

Objectivos

da preparação

Objectivos

pedagógicos

Tema(s)

da sessãoFactores de

treino

Efeitos da

actividade

no praticante

ou na equipa

aprendizagem

aperfeiçoamento

desenvolvimento

manutenção

técnica

táctica

qualidades físicas

Dominantes Subdominantes

ExercíciosEstrutura

da sessão

Métodos

Procedimentos metodológicosPrincípios

Figura 78. Principais factores implicados na elaboração da sessão de treino (adaptado de

Teodorescu, 1984)

Page 590: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE VI

A ESTRUTURA DO PROCESSO DE TREINO

Capítulo 2

A mesoestrutura do processo de treino

Resp: Jorge Castelo

Page 591: Metodologia Do Treino Desportivo

Conteúdo do Capítulo 2 da Parte VI

Neste Capítulo abordaremos a estrutura do processo de treino incidindo a nossa reflexão

sobre a mesoestrutura que compreende uma série de microciclos organizados num objectivo

preciso. Com efeito, o microciclo é constituido por um conjunto de sessões de treino

repartidos por diferentes dias, destinados a abordar na sua globalidade um problema

correspondente a uma etapa de preparação do praticante ou da equipa. Neste sentido, iremos

analisar os parâmetros metodológicos, os critérios, a classificação (graduais, de choque, de

aproximação, de recuperação e de competição) e a estrutura dos microciclos.

Organigrama 18

Parte VI

A estrutura do processo de treino

Sumário

Capítulo 2 - A mesoestrutura do processo de treino

1. Constituição do microciclo

2. Duração do microciclo

3. Parâmetros metodológicos para a construção dos microciclos

4. Critérios para a construção dos microciclos

5. Classificação dos microciclos

1. Os microciclos graduais

2. Os microciclos de choque

3. Os microciclos de aproximação

4. Os microciclos de recuperação

5. Os microciclos de competição

6. A estrutura dos microciclos

Page 592: Metodologia Do Treino Desportivo

Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt publishing

company, USA

MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros Horizonte, Lisboa

TEODORESCU, L. Problemas de teoria e metodologia nos desportos colectivos, Livros

Horizonte, Lisboa, 1984

PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie, Ed. E.P.S.,

Paris

A mesoestrutura do processo de treino compreende uma série de microciclos organizados

num objectivo preciso.

1. Constituição do microciclo

O microciclo é constituido por um conjunto de sessões de treino repartidos por diferentes

dias, destinados a abordar na sua globalidade um problema correspondente a uma etapa de

preparação do praticante ou da equipa. Neste sentido, nem todas as sessões de treino de um

microciclo são da mesma natureza, estes alternam de acordo com os objectivos do treino,

com o volume, intensidade, complexidade, métodos, etc.

Page 593: Metodologia Do Treino Desportivo

2. Duração do microciclo

A duração de um microciclo pode ter entre 3 a 4 dias, e pode ir além dos 10 a 14 dias.

Todavia, a duração mais frequente dos microciclos é de 7 dias, pois, este período de tempo

adapta-se com mais facilidade ao ritmo geral da vida dos praticantes.

3. Parâmetros metodológicos para a construção dos microciclos

O objectivo fundamental na construção dos microciclos é a concretização do

melhoramento dos factores de treino, que em última análise, provocam a elevação do

nível de rendimento do praticante ou da equipa.

Com efeito, para que este objectivo seja atingido, a construção dos microciclos de treino

devem obedecer a dois parâmetros metodológicos fundamentais, independentemente da

modalidade desportiva em causa:

aprendizagem e aperfeiçoamento da técnica a baixa intensidade;

aperfeiçoamento da técnica numa intensidade submáxima e máxima;

desenvolvimento da velocidade de curta duração;

desenvolvimento da resistência anaeróbia;

melhorar a força utilizando cargas 90 a 100% da capacidade máxima do praticante;

desenvolver a resistência utilizando cargas médias e altas;

desenvolver a resistência cardiopulmonar numa intensidade máxima; e,

desenvolver a resistência cardiopulmonar numa intensidade moderada.

Podemos verificar que esta sequência é similar há que foi referida para a sessão de treino

- técnica/táctica, desenvolvimento da velocidade, da força, da resistência. Outro aspecto

importante é a alternância entre carga e regeneração. Neste sentido, na construção dos

microciclos as cargas máximas não devem ser superiores a duas devendo ser

intercaladas com sessões de treino com intensidade baixa ou média;

mantenham conteúdos e cargas de treino constantes: para se atingir os efeitos de treino

pretendidos é fundamental a utilização de sessões de treino similares que devem ser

repetidos 2 ou 3 vezes durante o mesmo microciclo. Esta repetição de exercícios similares é

um imperativo da aprendizagem, aperfeiçoamento ou desenvolvimento de um dado

comportamento técnico e táctico, bem como no melhoramentos das qualidades físicas de

suporte (velocidade, força, resistência, etc). Este conceito de repetição da mesma sessão de

treino, é igualmente válida para os microciclos com a mesma natureza (conteúdo, meios,

métodos, etc.), podendo ser repetida duas ou três vezes seguido de um aumento qualitativo

baseado no ajustamento do organismo à carga de treino.

4. Critérios para a construção dos microciclos

Existem muitos factores a considerar na construção de um microciclo, vejamos os de maior

importância:

estabelecer os objectivos e a dominante do microciclo;

decidir que tipo de microciclo deve escolher;

Page 594: Metodologia Do Treino Desportivo

decidir sobre o carácter do treino, estabelecendo os métodos e meios de treino a serem

utilizados em cada sessão de treino;

estabelecer os dias para os testes ou competições;

o microciclo começa basicamente com baixa ou média intensidade e aumenta

progressivamente para intensidades elevadas;

em função da importância da competição pode-se utilizar somente uma carga

máxima 3 a 5 dias antes da competição;

decidir se treina mais que uma vez por dia, e o conteúdo de cada sessão de treino.

analisar se os objectivos foram ou não atingidos durante o microciclo;

analisar os aspectos positivos e negativos no que diz respeito ao comportamento dos

praticantes, motivação, vontade, etc;

deixar que os praticantes fazerem comentários referentes ao microciclo;

analisar aspectos que serão mantidos ou modificados para o microciclo seguinte;

e no princípio de cada microciclo desenvolver os seguintes aspectos:

objectivos para factor de treino, e que devem ser atingidos durante o microciclo;

detalhes do programa - volume, intensidade, etc.; e,

outros aspectos.

5. Classificação dos microciclos

Segundo Platonov (1988) os microciclos de treino podem ser classificados em:

microciclos graduais, microciclos de choque, microciclos de aproximação, microciclos de

recuperação, e os microciclos de competição.

5.1. Os microciclos graduais

Os microciclos graduais são caracterizados pelo seu fraco nível de solicitação, e têm por

objectivo a preparação do organismo para um trabalho intenso. Constituem a etapa inicial da

mesoestrutura.5.2. Os microciclos de choque

Os microciclos de choque são caracterizados por um grande volume global de treino e um

nível de solicitação elevada. Têm por objectivo estimular os processos de adaptação do

organismo. Constituem uma parte importante do trabalho de preparação do praticante ou da

equipa, sendo igualmente utilizados no período competitivo.

5.3. Os microciclos de aproximação

Os microciclos de aproximação têm por objectivo preparar o praticante ou a equipa para as

condições em que irá decorrer a competição. Com efeito, o seu conteúdo é muito variado,

em função do estado de preparação em que estes se encontram. Nestas circunstâncias, estes

microciclos de aproximação reproduzem as situações de competição, ou a resolução de um

problema particular desta.

5.4. Os microciclos de recuperação

Page 595: Metodologia Do Treino Desportivo

Os microciclos de recuperação são utilizados basicamente no final de uma série de

microciclos de choque, ou no final de um período de competição. Têm por objectivo

assegurar o desenvolvimento óptimo dos processos de recuperação que devolvem ao

organismo as suas possibilidades de adaptação. Este facto explica que estes microciclos têm

um diminuto grau de solicitação, e uma grande quantidade de procedimentos de repouso

activo.

5.5. Os microciclos de competição

Os microciclos de competição são constituídos em conformidade com o calendário

competitivo, tem assim em consideração o número de competições, e a duração dos

intervalos que os separam. Para levar o praticante ou a equipa às condições óptimas, estes

microciclos podem ser limitados ao trabalho específico, e aos processo de recuperação

activa.6. A estrutura dos microciclos

A estrutura dos microciclos é consubstanciada pelo número de cargas máximas a utilizar

durante a semana de treino. Nestas circunstâncias , podemos estruturar os microciclos

com 1, 2, ou mesmo 3 cargas máximas, seguido de sessões de treino com cargas com

intensidade média ou baixa. Vejamos seguidamente alguns exemplos de estruturação

dos microciclos, segundo Bompa (1993):

Figura 79. Microciclo com uma carga elevada Figura 80. Microciclo com duas cargas

elevadas

Figura 81. Microciclo com duas cargas elevadas Figura 82. Microciclo com duas cargas

mas com grandes exigências físicas elevadas, na qual uma é a competição

Figura 83. Microciclo com duas cargas Figura 84. Microciclo com três cargas elevadas

elevadas subsequentes

w

Page 596: Metodologia Do Treino Desportivo
Page 597: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE VI

A ESTRUTURA DO PROCESSO DE TREINO

Capítulo 3

A macroestrutura do processo de treino

Resp: Jorge Castelo

Page 598: Metodologia Do Treino Desportivo

550 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 3 da Parte VI

Neste Capítulo abordaremos a estrutura do processo de treino

incidindo a nossa reflexão sobre a macroestrutura que compreende os

grandes períodos (ciclos) de treino. Com efeito, a macroestrutura é

constituido por um conjunto de microciclos destinados a abordar um

ou mais objectivos específicos do período correspondente de uma dada

etapa de preparação do praticante ou da equipa.. Neste sentido, iremos

analisar a constituição, a duração, a estrutura e a classificação (simples,

dupla e tripla) dos diferentes macrociclos.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 19

Page 599: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 551

Parte VI

A estrutura do processo de treino

Sumário

Capítulo 3 - A macroestrutura do processo de treino

1. Constituição do macrociclo

2. Duração do macrociclo

3. Estrutura do macrociclo

4. A macroestrutura do treino desportivo e a periodização

4.1. A forma desportiva

4.1. 1. As fases da forma desportiva

4.1. 1. 2. A fase de aquisição

4.1. 1. 2. A fase de estabilização

4.1. 1. 3. A fase da perda temporária

4.2. Razões da periodização do treino desportivo

4.3. Duração da forma desportiva

4.4. As fases da forma desportiva e os períodos de treino

5. Classificação das macroestruturas de treino

5.1. Periodização simples

5.2. Periodização dupla

5.3. Periodização tripla

6. Diferentes modelos de periodização do treino

6.1. O modelo proposto por Matveiev

6.2. O modelo pendular

6.3. O modelo por "saltos"

6.4. O modelo por "blocos"

6.5. O modelo proposto por Tschine

6.6. O modelo proposto por Bondartchouk

Page 600: Metodologia Do Treino Desportivo

552 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros

Horizonte, Lisboa

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt

publishing company, USA

PORTMANN, M. (1988) Planificação e periodização dos programas de treino

e de competição, Revista treino desportivo, IIª série, Vol.7, Março, pp. 15-20

PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,

Ed. E.P.S., Paris

RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino I, Revista treino desportivo, IIª

série, Vol.11, Março, pp. 55-59

RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino II, Revista treino desportivo, IIª

série, Vol.12, Junho, pp. 55-59

RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino III, Revista treino desportivo, IIª

série, Vol.13, Setembro, pp. 67-78

TSCHIENE, P. (1978) O sistema do treino, Futebol em Revista, 4º série nº28,

Dezembro, pp. 45-56

VILAR, C. (1983) Entrenamiento específico o deportivo, Revista Ludens

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WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris

ZATSIORSKY, V., (1966) Les qualités physiques du sportif, Moscovo, Doc

INS nº685

Page 601: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 553

A macroestrutura do processo de treino compreende os grandes períodos

(ciclos) de treino.

1. Constituição do macrociclo

Um macrociclo treino é constituido por um conjunto de microciclos destinados

a abordar um ou mais objectivos específicos do período correspondente de uma

dada etapa de preparação do praticante ou da equipa.

2. Duração do macrociclo

O macrociclo representa os períodos de treino com uma duração de 2 a 6

semanas, todavia, esta duração difere de modalidade para modalidade

desportiva. Nestas circunstâncias, os factores que determinam cada período

(ciclo) de treino dependem largamente do calendário competitivo.

3. Estrutura do macrociclo

A estrutura do macrociclo é baseada nos objectivos específicos e no calendário

desportivo. Contudo, o princípio metodológico da estruturação do macrociclo é

baseado no aumento progressivo da carga de treino que deve ser o guia para

qualquer treinador. Neste contexto, a estrutura do macrociclo pode assumir

diferentes formas, por um lado, nas fases de formação dos praticantes os

microciclos que compõem o macrociclo têm uma intensidade uniforme, por

outro lado, a carga poderá aumentar continuamente em consequência do

aumento das necessidades do plano traçado pelo treinador, e pelo calendário

competitivo.

Page 602: Metodologia Do Treino Desportivo

554 • Metodologia do treino desportivo I !

Vejamos alguns exemplos estabelecidos por Bompa (1993):

Microciclos

Intensidade

E

M

B

1 2 3 4

Microciclos

Intensidade

E

M

B

1 2 3 4

Figura 85. Três microciclos de Figura 86. Estrutura de um macrociclo com desenvolvimento seguido de um de diminuição dois microciclos com intensidade máxima seguidos por microciclos de recuperação

Microciclos

Intensidade

E

M

B

1 2 3 4

Microciclos

Intensidade

E

M

B

1 2 3 4

Figura 87. Variações da estrutura de um macrociclo com dois microciclos com intensidade

máxima seguidos

4. A macroestrutura do treino desportivo e a periodização

A macroestrutura do treino desportivo é baseado no conceito de periodização,

que é definido como a divisão do processo anual de treino em períodos com

variações temporais, características e objectivos próprios. Com efeito, é através

da periodização anual de treino que se procura consubstanciar a forma

desportiva, para que esta se manifeste em momentos coincidentes com as

competições mais importantes.

Page 603: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 555

4.1. A forma desportiva

Segundo diferentes autores a forma desportiva é definida como:

"o estado de treino que permite ao desportista participar com sucesso

nas competições" (Ozolin);

"é uma consequência para o desportista de um estado físico-técnico

óptimo que lhe permite participar nos jogos de um campeonato, fazendo

uso pleno das suas qualidades tanto motoras como psíquicas e das suas

habilidades" (Telena);

"é um estado de predisposição óptima (a melhor) para a obtenção dos

resultados desportivos, que é adquirida pelo atleta em função da

correspondente preparação em cada novo escalão do aperfeiçoamento

desportivo" (Matveiev).

4.1.1. As fases da forma desportiva

A macroestrutura do treino assenta os seus fundamentos nas fases da

forma desportiva, que para além de ser um estado, é também um

processo, ou mais exactamente, uma das fases do processo de

aperfeiçoamento desportivo. Estas fases observam-se claramente não só

na dinâmica de rendimento mas também nas variações dos índices

fisiológicos e inclusivamente em alguns índices antropométricos.

Nível óptimo

A E R

Page 604: Metodologia Do Treino Desportivo

556 • Metodologia do treino desportivo I !

Figura 88. As três fases da evolução da forma desportiva (A) aquisição, (E) estabilização, (R) regressão

4.1.1.1. A fase de aquisição

A fase de aquisição compreende a formação e o desenvolvimento das

premissas da forma desportiva e a sua consecução imediata. Nesta fase

operam-se no organismo restruturações funcionais importantes (não se

afastando a hipótese de ocorrência de interacções negativas entre as

diversas qualidades físicas, assim como os hábitos motores), cujos

processos de adaptação adquirem um carácter cada vez mais

especializado.

4.1.1.2. A fase de estabilização

a fase de estabilização relativa (manutenção) da forma desportiva

caracteriza-se pela manutenção da predisposição óptima (em

determinado ciclo) para alcançar bons resultados. É evidente que se

reduz (pelo menos nos praticantes adultos) o grau das reestruturas

biológicas ulteriores, o que se manifesta na estabilização relativa dos

índices desportivos a um nível elevado. Não se justificam

restruturações fundamentais no período da forma desportiva,

porquanto poderia originar a sua perda. Mas isto não significa, que se

explorem apenas as possibilidades adquiridas na fase anterior.

4.1.1.3. A fase da perda temporária

a fase da perda temporária da forma desportiva caracteriza-se pela

redução da readaptação de determinados aspectos do nível de treino,

devido à extinção dos vínculos que unem os diversos elementos da

Page 605: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 557

forma desportiva e à queda do organismo num nível diferente de

funcionamento.

4.2. Razões da periodização do treino desportivo

As razões pelas quais a forma desportiva não se pode manter

permanentemente são as seguintes:

o treino tem por finalidade o aperfeiçoamento constante. Para avançar

é necessário "despojar-se" da velha forma e adquirir uma nova. E para a

adquirir é necessário fazer-se importantes restruturações, conseguir-se

um considerável e múltiplo desenvolvimento das qualidades físicas,

assimilar outras destrezas e novos hábitos mais perfeitos, isto é,

transformar e melhorar todos os aspectos da preparação desportiva na

melhor medida possível no período de manutenção da forma, quando as

suas bases estão relativamente estabilizadas;

as cargas de treino não proporcionam apenas um efeito imediato mas

também acumulado (que aumenta globalmente), que é consequência de

uma prolongada aplicação das cargas. Devido ao efeito acumulado das

cargas, que se deve à aquisição e manutenção da forma, é necessário

pensar que mais tarde ou mais cedo (isto depende da amplitude absoluta

das cargas e das circunstâncias) surge uma reacção preventiva do

organismo à supertensão dos mecanismos de adaptação; e,

é difícil para o sistema nervoso do atleta, a manutenção de um

equilíbrio dinâmico entre as diversas funções biológicas e os processos

que constituem a base da forma desportiva. Esta tarefa torna-se ainda

mais complexa porque tem de ser cumprida numa situação de constantes

alterações do meio interno e externo do organismo e em condições de

interacção muito subtis entre os diversos processos de adaptação.

Concluindo, a periodização do treino surge assim, devido a condições

objectivas e necessárias ao aperfeiçoamento e melhoria do rendimento:

Page 606: Metodologia Do Treino Desportivo

558 • Metodologia do treino desportivo I !

razões biológicas: os praticantes não podem manter-se num estado de

forma elevado durante longos períodos de tempo;

razões técnico-tácticas: as alterações periódicas da estrutura e do

conteúdo do treino.

4.3. Duração da forma desportiva

A duração de todo o ciclo de desenvolvimento da forma desportiva, desde a

aquisição, conservação até à perda temporária, depende do nível do estado

de treino inicial do praticante, da sua idade, das suas particularidades

individuais, das características da modalidade, etc. Os diferentes níveis do

estado de treino variam em proporção das variações funcionais, e por

consequência, também a melhoria dos rendimentos. Nos primeiros anos de

actividade desportiva o estado de treino evolui rapidamente, mas por sua

vez é submetido a grandes oscilações. As suas qualidades físicas dos

praticantes de elevado nível de rendimento de elite, melhoram em menor

medida, mas as suas possibilidades funcionais mantêm-se estáveis,

sobressaindo a melhoria da coordenação. Estas diferenças verificam-se em

todas as fases do desenvolvimento da forma desportiva.

Tem grande importância as peculiaridades individuais do praticante; assim

os praticantes bem dotados no aspecto motor conseguem mais rapidamente

elevados rendimentos desportivos. A aquisição, a conservação e a perda

temporária da forma desportiva nem sempre se apresenta iguais, influindo

nesta a actividade nervosa do desportista, o desenvolvimento das suas

qualidades físicas e outros factores individuais .

Mas o factor mais importante no desenvolvimento da forma desportiva é o

treino. É ele que na sua estrutura e no seu conteúdo que asseguram a

aquisição, a conservação da forma, e em grande parte, fixa a sua duração.

Finalmente estas fases não podem alargar-se ou encurtar-se de qualquer

maneira, pois depende das leis intrínsecas próprias do desenvolvimento do

Page 607: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 559

organismo. A aquisição, a conservação e a perda temporária da forma

desportiva produzem-se em consequência das influencias do treino,

rigorosamente determinadas, cujo carácter varia de acordo com a fase de

desenvolvimento da forma desportiva. Através da alteração das

componentes do treino, especialmente do volume e da intensidade das

cargas, as fases de desenvolvimento da forma desportiva podem ser

reduzidas ou prolongadas. Mas para se alcançar este objectivo não se pode

actuar arbitrariamente, não se podendo prolongar ilimitadamente as fases, já

que a sua duração é determinada em grande medida pelas leis internas do

desenvolvimento do organismo e depende de várias condições concretas

(nível de preparação prévia do praticante, etc.).

4.4. As fases da forma desportiva e os períodos de treino

Ao reafirmar-se o vínculo indestrutível que existe entre os períodos de

treino e as fases da forma desportiva, não se deve de modo nenhum,

equipará-los. Neste contexto:

as fases de desenvolvimento da forma desportiva são momentos

sucessivos de um processo biológico, na sua própria base, são etapas de

modificações fisiológicas, bioquímicas e morfológicas que operam no

organismo do desportista sob o influxo do treino e devido a outros

factores;

os períodos de treino são os intervalos de tempo sucessivos de um

processo basicamente pedagógico. São períodos que se caracterizam pelo

emprego conveniente de certos meios e métodos que proporcionam uma

influência orientadora do desenvolvimento do praticante, ou seja, os

períodos de treino são intervalos de tempo sucessivos de orientação do

desenvolvimento da forma desportiva.

Por último as características dos períodos de treino pressupõe o estudo dos

traços distintivos que caracterizam o conteúdo e a estrutura do processo de

Page 608: Metodologia Do Treino Desportivo

560 • Metodologia do treino desportivo I !

treino em cada período, e ao mesmo tempo a observação da alteração desses

traços à medida que se passa de um período para outro. É indispensável ter

presente que a periodização refere-se, acima de tudo, aos aspectos práticos

da preparação do praticante. Tais aspectos, tal como o desenvolvimento

geral da consciência e a melhoria do comportamento do praticante, tem a

sua lógica própria de desenvolvimento, e somente em parte, depende dos

períodos de treino.

5. Classificação das macroestruturas de treino

As macroestruturas de treino são classificados em função do número de

competições importantes existentes dentro do calendário estabelecido. Neste

sentido, podemos observar fundamentalmente periodizações: simples, duplas,

ou triplas.

5.1. Periodização simples

A periodização simples é caracterizada pela existência de um período

competitivo, logo, um momento de forma para uma competição importante.

Neste contexto, a macroestrutura do processo de treino é dividido em:

período preparatório: na qual se inclui:

o período preparatório geral; e,

o período preparatório específico;

período competitivo: que inclui:

algumas competições secundárias antes da competição principal

Page 609: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 561

Figura 89. Periodização simples - um período de altas competições

uma fase de diminuição do volume e da intensidade da carga por

forma o praticante regenerar-se antes da competição principal;

uma fase de preparação especial durante o qual o treinador faz

algumas modificações técnicas e tácticas, podendo ser igualmente

utilizado para a preparação psicológica do praticante para a

competição; e,

período transitório.

5.2. Periodização dupla

A periodização dupla é caracterizada pela existência de dois períodos

competitivos, logo, dois momentos de forma para duas competição

importantes. Neste contexto, a macroestrutura do processo de treino é

dividido em:

período preparatório I: que normalmente é o mais longo dos dois períodos

preparatórios (maior volume)

período competitivo I: que normalmente o nível de forma desportiva é

um pouco mais baixa que no período competitivo II;

pequeno período de transição: (com uma semana) estruturalmente

ligado ao período preparatório II;

período competitivo II; e por último,

período transitório.

Page 610: Metodologia Do Treino Desportivo

562 • Metodologia do treino desportivo I !

Figura 90. Periodização dupla - dois períodos de altas competições

5.3. Periodização tripla

A periodização tripla é caracterizada pela existência de três períodos

competitivos, logo, três momentos de forma para três competição

importantes. Neste contexto, a macroestrutura do processo de treino é

dividido em:

período preparatório I: que normalmente é o mais longo dos três

períodos preparatórios (maior volume)

período competitivo I: que normalmente o nível de forma desportiva é

um pouco mais baixa que no período competitivo II;

pequeno período de transição: estruturalmente ligado ao período

preparatório II;

período competitivo II;

pequeno período de transição: estruturalmente ligado ao período

preparatório III;

período competitivo III; e por último,

período transitório.

Page 611: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 563

Figura 91. Periodização tripla - três períodos de altas competições

6. Diferentes modelos de periodização do treino

Ao longo da evolução do treino desportivo, foram desenvolvidos por diferentes

investigadores, diferentes formas de organizar as tarefas inerentes ao

melhoramento do rendimento dos praticantes ou das equipas. Neste contexto,

foi Matveiev o autor, nos anos 60, que contribuiu de forma marcante para a

construção cientificada dos fundamentos que justificaram, não só a existência

da periodização, como também, explicam com exactidão as condições de

adaptação biológica para as diferentes cargas de treino. Mais tarde, outros

autores, procuraram, por um lado, desenvolver modelos de periodização

melhorando, aperfeiçoando, e adaptando os conceitos estabelecidos por

Matveiev, e por outro, a partir dos anos 70, iniciaram-se importantes estudos

que estabeleceram o rompimento com estas perspectivas denominadas de

"tradicionais".

6.1. O modelo proposto por Matveiev

Page 612: Metodologia Do Treino Desportivo

564 • Metodologia do treino desportivo I !

Este autor soviético, desenvolveu o conceito de periodização do treino,

tendo por base a teoria da adaptação de Selye. Neste sentido, dado o

carácter ondulante da resposta biológica à carga de treino, procura

estabelecer uma relação óptima entre os diferentes elementos da carga de

treino (especialmente o volume, a intensidade, e a orientação geral e

específica desta), e as adaptações ondulantes das funções fisiológicas dos

praticantes.

Basicamente o modelo de periodização desportiva proposta por Matveiev

assenta na divisão do processo anual de treino em três períodos

fundamentais:

preparatório com uma duração entre os 3 e os 7 meses, tem por

objectivo a aquisição da forma desportiva, e é dividido em duas etapas:

• preparação física geral: cujo conteúdo básico se traduz num alto

volume de treino, na razão inversa da intensidade, maior número de

exercícios de carácter geral em oposição aos específicos, e a não

participação em competições;

• preparação física específica: cujo conteúdo se traduz num maior

treino de carácter específico, o volume tende a decrescer com um

incremento da intensidade, e um envolvimento em competições de

nível secundário;

competitivo: com uma duração entre 1 a 2 meses, tem por objectivo a

manutenção da forma desportiva adquirida durante o período anterior,

cujo conteúdo se consubstancia na continua melhoria das habilidades

motoras (consolidação da técnica), aperfeiçoamento das acções tácticas e

das suas combinações, das características psicológicas, melhoria do nível

de preparação teórica das praticantes, e por último num maior nível de

preparação física geral;

transitório com uma duração de um mês, cuja necessidade advém da

fadiga acumulada durante o período preparatório e competitivo. O

Page 613: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 565

conteúdo deste período é formado por exercícios de carácter geral

realizados sob volumes e intensidades reduzidas. O autor propõe

inclusive a prática de uma modalidade desportiva diferente. O objectivo

fundamental deste período é de fazer desaparecer a fadiga muscular e o

stress competitivo, e começar a próxima época desportiva num nível

superior de capacidade.

Figura 92. Periodização do treino segundo Matveiev (1967)

6.2. O modelo pendular

O modelo pendular foi inicialmente proposto por Arosiev (1971) e

aperfeiçoada por outros autores. O presente modelo baseia-se no contraste

dos efeitos de treino sobre o organismo dos praticantes através de uma

alternância pendular sistemática entre cargas de treino gerais e específicas.

À medida que se aproximam as competições mais importantes aumenta-se

as cargas específicas e decrescem as cargas gerais. Procura-se com esta

periodização que os praticantes entrem e saiam constantemente de forma

desportiva dependendo esta, do número de competições que estes irão

disputar e da distância temporal existente entre elas.

Neste contexto, o modelo de periodização pendular não utiliza períodos nem

etapas, mas sim ciclos que duram desde a aquisição da forma desportiva até

à sua breve manutenção durante as competições. Depois, aumenta-se de

Page 614: Metodologia Do Treino Desportivo

566 • Metodologia do treino desportivo I !

novo as cargas de carácter geral, criando-se as condições para que o

praticante possa começar um novo ciclo de preparação para a próxima

competição, visando o melhoramento das capacidades físicas gerais e o seu

enriquecimento quer no plano técnico, quer no plano táctico, sendo

sucessivamente substituídos por exercícios de carácter específico.

100%

90%

80%

Amplitude do

pêndulo

ciclo

pré-comp

I

ciclo

pré-comp

II

ciclo

pré-comp

III

ciclo

competição

carga especial carga geral repouso activo Figura 93. Periodização pendular

6.3. O modelo por "saltos"

Vorobjev (1974) apresenta um modelo de periodização do treino no qual as

cargas de treino são aplicadas por "saltos", tanto em termos de volume

como intensidade por forma a evitar a habituação neuromuscular aos

estímulos sempre constantes da carga. Este modelo foi preferencialmente

aplica na halterofilia e modalidades desportivas em que o sistema

neuromuscular pode atingir um estado de equilíbrio estacionário, provocado

pelas condições de aplicação das cargas.

6.4. O modelo por "blocos"

Werchoshanskis (1979) influencia a periodização do treino dos anos 80

apresentando o modelo por "blocos". Este modelo fundamenta-se no

princípio de que o praticante só poderá possível atingir o seu rendimento

Page 615: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 567

máximo se o processo de periodização das cargas de treino tiver em

consideração a evolução de todos os componentes que influenciam esse

rendimento, especialmente o factor técnico. Dai que este modelo está muito

ligado ao atletismo nas especialidades que têm uma elevada exigência

técnica (saltos, lançamentos) com uma grande componente de força-

explosiva como qualidade física dominante.

Figura 94. Volume de trabalho efectuado, Figura 95. Desenvolvimento mais apropriado da reduzindo o ritmo de desenvolvimento das força explosiva pela concentração da carga de qualidades físicas (Werchoshanskis, 1979) trabalho e pela variação do volume e da

intensidade em curtos períodos

Este investigador comprovou que o aumento da força absoluta exerce uma

influência negativa na velocidade de execução técnica, pelo que, o volume

de trabalho de força e a sua duração no tempo, devem ser modificados em

função da necessidade crescente de aplicação do nível de execução técnica

alcançado. Neste sentido, este modelo propõe trabalhar a força concentrada

em "blocos" seguido de um outro "bloco" com um conteúdo de

força+técnica.

6.5. O modelo proposto por Tschine

O modelo de periodização do treino apresentado por Tschine tem por

fundamento uma nova distribuição da carga de treino que se consubstancia

especialmente na manutenção de um alto nível de intensidade durante todo

o processo anual de treino. Utiliza-se preponderantemente os exercícios

Page 616: Metodologia Do Treino Desportivo

568 • Metodologia do treino desportivo I !

especiais e de competição , e realiza-se um grande número de competições,

que se traduzem num aumento da intensidade específica da carga de treino

dos praticantes. Por último, este autor preconiza a utilização dos

denominados "intervalos profilácticos" antes do começo do período

competitivo e a meio deste, por forma que os praticantes estejam

suficientemente "descansados".

Figura 96. Periodização do treino segundo Tschiene (1977)

6.6. O modelo proposto por Bondartchouk

O presente autor fundamenta o seu modelo de periodização do treino em

duas ideias fundamentais. A primeira é que considera o praticante como

uma unidade, e como tal, tem de ser treinado não podendo ser uma vez

físico-condicional, e outra vez técnico, ou táctico. Neste sentido, todas as

estruturas, a física, a técnica, a táctica, devem ser treinados

simultaneamente. A segunda ideia procura eliminar a preparação geral, pois,

os exercícios utilizados neste período são de duvidosa transferência positiva

para os gestos específicos mais utilizados em competição. Os exercícios

gerais são apenas utilizados como meios de recuperação.

Page 617: Metodologia Do Treino Desportivo

" A estrutura do processo de treino - a macroestrutura • 569

Figura 97. Periodização do treino segundo Bondartchouk (1981)

A partir destas duas ideias básicas, o autor, refere que o treino deve fazer-se

de forma individual, pois, a aplicação dos elementos condicionais à

componente técnica dependerá do nível de execução, do ajuste motor do

praticante aos gestos técnicos específicos de determinada modalidade

desportiva.

��

Page 618: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE VII

A PERIODIZAÇÃO DO TREINO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo

Page 619: Metodologia Do Treino Desportivo

Parte VII

A periodização do treino desportivo

Sumário

Capítulo 1 - O período preparatório

Capítulo 2 - O período competitivo

Capítulo 3 - O período transitório

Page 620: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE VII

A PERIODIZAÇÃO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 1

O período preparatório

Resp: Jorge Castelo

Page 621: Metodologia Do Treino Desportivo

572 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 1 da Parte VII

A periodização anual do treino desportivo evidencia fundamentalmente

três períodos: preparatório, competitivo e transitório. Os objectivos

essenciais do período preparatório são, numa primeira etapa, a criação

dos pressupostos fundamentais ao desenvolvimento dos factores

elementares, quer no plano motor, mental, e afectivo, que condicionam

a forma desportiva, e numa segunda etapa, o aperfeiçoamento destes

pressupostos por forma a alcançar a forma desportiva. Em

consequência destas duas etapas consubstancia-se a disposição óptima

para a competição. Neste contexto, iremos analisar a sua duração e a

sua divisão (geral e específica) incluindo a dinâmica das cargas.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 20

Page 622: Metodologia Do Treino Desportivo

" A periodização do treino - O período preparatório • 573

Parte VII

A periodização do treino desportivo

Sumário

Capítulo 1 - O período preparatório

1. Objectivos do período preparatório

2. A duração do período preparatório

3. A divisão do período preparatório

3.1. A etapa de preparação geral

3.1.1. Dinâmica da carga de treino

3.2. A etapa de preparação específica

3.2.1. Dinâmica das cargas

3.2.2. A correlação entre a preparação geral e específica

3.2.3. As competições no período preparatório

Page 623: Metodologia Do Treino Desportivo

574 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

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WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris

Page 624: Metodologia Do Treino Desportivo

" A periodização do treino - O período preparatório • 575

O período preparatório é, para a maioria das modalidades desportivas a

unidade estrutural mais longa do macrociclo de treino. Com efeito, este período

apresenta uma enorme importância para que se atinjam níveis de rendimento

elevados, pois, uma inadequada organização das cargas de treino neste período,

irá ter repercussões negativas, quer no plano técnico, táctico, físico, e

psicológico, durante o período competitivo.

1. Objectivos do período preparatório

Os objectivos do período preparatório são, numa primeira etapa, a criação dos

pressupostos fundamentais ao desenvolvimento dos factores elementares, quer

no plano motor, mental, e afectivo, que condicionam a forma desportiva, e

numa segunda etapa, o aperfeiçoamento destes pressupostos por forma a

alcançar a forma desportiva. Em consequência destas duas etapas

consubstancia-se a disposição óptima para a competição.

2. A duração do período preparatório

A duração do período preparatório depende fundamentalmente das datas das

principais competições desportivas. É portanto, o calendário desportivo que

com maior peso intervém na definição da duração dos períodos de treino. Em

muitas modalidades desportivas podemos observar uma duração do período

preparatório que varia entre 3 a 6 meses.

Page 625: Metodologia Do Treino Desportivo

576 • Metodologia do treino desportivo I !

3. A divisão do período preparatório

Por questões metodológicas, o período preparatório é subdividido em duas

etapas com conteúdos diferenciados mas interligados:

a preparação geral em que se desenvolvem os aspectos gerais da

preparação do praticante ou da equipa; e,

a preparação especifica em que se desenvolvem os aspectos específicos

de preparação do praticante ou da equipa para a competição.

3.1. A etapa de preparação geral

O objectivo do treino nesta etapa e o de construir os "alicerces" da forma

desportiva, daí que o seu conteúdo seja:

aumento da capacidade de carga de treino, especialmente, através do

aumento do volume;

melhoria do nível técnico praticante através da execução multifacetada

destes procedimentos em situações variadas;

alargar as possibilidades funcionais do organismo por meio do

desenvolvimento múltiplo das suas qualidades motoras: a resistência, a

força, a velocidade, a flexibilidade, a agilidade, a coordenação. Dentro

deste factor de treino, potenciar especialmente a resistência de base

aeróbia (desenvolvimento e melhoria do VO2 max., e do limiar

anaeróbio);

assimilar e alargar os conhecimentos que constituem a base teórica da

actividade desportiva em análise;

desenvolver as qualidades volitivas, que se revestem de especial

importância devido à realização de um trabalho de grande volume; e,

criação de pressupostos necessários para o melhoramento dos

resultados das competições.

Page 626: Metodologia Do Treino Desportivo

" A periodização do treino - O período preparatório • 577

3.1.1. Dinâmica da carga de treino

Uma das características do treino nesta etapa consiste no facto deste não

estar orientado para um aprofundamento da especialização da

modalidade desportiva, mas sim em ampliar as possibilidade funcionais

do organismo que, directa ou indirectamente são necessárias para se

atingir a forma desportiva (Matveiev, 1977). Há portanto que dar

preponderância à preparação física de tipo geral (que é a condição básica

do aperfeiçoamento desportivo) sobre a preparação de tipo específico.

A tendência principal da dinâmica global das cargas de treino, durante a

primeira etapa do período preparatório, consiste basicamente, no

aumento progressivo do volume e da intensidade do treino. Todavia, a

elevação do volume nesta etapa é predominante (este princípio é aceite

por quase todos os especialistas), por forma a garantir, mais tarde, a

estabilidade da forma desportiva, uma vez que esta depende, por um

lado, do volume do trabalho preparatório e, por outro, da duração do

período ao longo do qual se efectua esse trabalho. Esta é uma lei que,

segundo Matveiev (1977), não pode ser ignorada nem esquecida.

Nestas circunstâncias, o aumento da intensidade da carga de treino na

primeira etapa do período preparatório não deve ser impeditivo do

aumento do volume global do treino até ao começo da segunda etapa

desse mesmo período. Por conseguinte, o ritmo do aumento do volume é

mais acelerado que a elevação da intensidade.

Teoricamente é possível imaginar uma variante na qual a intensidade se

desenvolve de forma mais rápida que o volume. Todavia, o volume

conseguido seria tão reduzido que se tornava inadequado para a criação

das bases necessárias para um aumento posterior e progressivo do

Page 627: Metodologia Do Treino Desportivo

578 • Metodologia do treino desportivo I !

trabalho, incluindo igualmente o aumento da intensidade. A elevação

acelerada da intensidade com prejuízo do volume da carga, provoca a

rápida variação de certas funções, mas não garante a variação adaptativa

a longo prazo nem favorece a consolidação das capacidades adquiridas.

Com efeito, uma carga de treino muito concentrada produz um rápido

acesso a um elevado estado de treino, mas se o interrompermos esse

estado volta a perder-se com a mesma rapidez como foi atingido. Se

contudo essas mesmas cargas se repartirem ao longo de um espaço de

tempo maior, o estado de treino melhora mais lentamente e o seu nível

será mais baixo mas mais estável. Um tipo de cargas misto tem como

resultado uma curva de desenvolvimento do estado de treino intermédio.

Daqui se infere, e no sentido oposto, que a tendência do aumento do

volume da carga, justifica-se somente dentro de certos limites, pois, sem

uma intensidade óptima não se produz quaisquer alterações no organismo

e este nunca conduzirá aos resultados desejados. Por isso, é de ter em

atenção que a progressão do volume só será eficaz se tiver o

acompanhamento de uma intensidade que possa provocar novas

adaptações funcionais e musculares.

A progressão excessivamente lenta do volume retarda a possibilidade de

se aumentar a intensidade o que por sua vez, vai retardar ou mesmo

travar o desenvolvimento do estado de treino específico. Daqui devemos

concluir, que a tendência do aumento predominante do volume de cargas

"somente está justificada" dentro de um limite de tempo óptimo. A

medida que nos aproximamos desses limites o volume deve ir

estabilizando e há que aumentar a intensidade" (Matveiev, 1977). Como

referência organizativa considera-se o momento em que se estabiliza o

volume global como um dos índices que separam a primeira da segunda

etapa do período preparatório.

Page 628: Metodologia Do Treino Desportivo

" A periodização do treino - O período preparatório • 579

3.2. A etapa de preparação específica

Na segunda etapa do período preparatório processam-se alterações quer na

estrutura quer no conteúdo do programa de treino com o objectivo de

desenvolver as condições próprias para um imediato estabelecimento da

forma desportiva. Neste contexto, dá-se à preparação uma orientação

especial acentuada de forma profunda todas as seus vertentes.

Neste contexto, como grandes objectivos desta etapa encontramos:

ao nível da qualidades físicas procura-se neste etapa garantir a

manutenção do nível alcançado na primeira etapa e, simultaneamente, o

seu desenvolvimento por forma a responder às exigências específicas da

modalidade desportiva;

ao nível dos procedimentos técnicos procura-se uma assimilação mais

completa em situações mais próximas das condições de competição, nas

quais se congregam todas as condições do meio interno (factores

emocionais) e externo (público, adversário, etc.), por forma a uma maior

estabilização do comportamento motor do praticante, isto é, aumento da

sua eficiência, e uma maior variabilidade para que esse comportamento

seja ajustável às questões impostas pela situação competitiva;

ao nível da preparação volitiva esta torna-se mais importante à medida

que nos aproximamos da competição;

todos os factores de treino enunciados criam a necessidade de serem

harmoniosamente combinados por forma a haver uma interpenetração

dos mesmos para se atingir uma verdadeira forma desportiva; e,

o treino nesta segunda etapa deve garantir que desde o início do

período competitivo os praticantes melhorem as suas prestações ou se

aproximem delas. Importa sobretudo ter a segurança de que as prestações

possam continuar a melhorar pela intensificação da carga em particular

pelas competições.

Page 629: Metodologia Do Treino Desportivo

580 • Metodologia do treino desportivo I !

3.2.1. Dinâmica das cargas

A tendência principal da dinâmica global das cargas de treino, durante a

segunda etapa do período preparatório, consiste basicamente, no aumento

progressivo da intensidade da carga de treino, com consequente

diminuição (não muito significativa) do volume.

Esta diminuição do volume deve-se fundamentalmente, por um lado, à

necessidade de se criar as condições para a elevação da intensidade, que é

neste momento particular da preparação, a componente mais importante

do desenvolvimento do nível de rendimento do praticante ou da equipa e,

por outro, a necessidade de se "aliviar" o processo de estruturação devido

ao efeito retardado da carga. Daqui se infere, só reduzindo durante um

tempo suficientemente prolongado o volume total da carga e elevando a

sua intensidade, se podem transformar os resultados do trabalho anterior

(primeira etapa) consubstanciando um aumento acentuado dos níveis de

rendimento dos praticantes. Neste contexto, uma ideia central permanece,

a de que durante esta segunda etapa, aumenta a intensidade da carga

devido principalmente à especificidade dos exercícios de treino e do seu

grau de identidade com a competição. Ao mesmo tempo que aumenta a

velocidade, o ritmo e o gasto energético para a sua realização.

Por último, os meios de treino a utilizar neste segunda etapa do período

preparatório têm um carácter específico relativamente à modalidade

desportiva, estabelecendo um maior grau de exigência motora,

intelectual, e afectiva. Os meios utilizados são igualmente menos

variados do que na primeira etapa, todavia, uma pequena parte desses

exercícios (gerais) adquirem um carácter estável os quais continuaram a

ser utilizados com vista ao seu aperfeiçoamento.

Page 630: Metodologia Do Treino Desportivo

" A periodização do treino - O período preparatório • 581

3.2.2. A correlação entre a preparação geral e específica

A relação concreta, em termos quantitativos, entre a preparação geral e

específica oscila consideravelmente em função das características da

modalidade desportiva, o nível de rendimento do praticante e das suas

particularidades individuais. Com efeito, não é fácil uma resposta à

questão, pois, não existem neste momento os critérios que permitam

estabelecer os parâmetros de ambos. Segundo Matveiev (1977) no

começo do período preparatório a proporção é de 2:1, ou de 3:2, no final

deste período essa proporção vai diminuindo progressivamente até

alcançar 1:2, ou 1:3. No que se refere aos principiantes (jovens) essa

proporção deverá ser maior, já que o processo de treino para estes deve

ter um carácter menos especializado.

3.2.3. As competições no período preparatório

A competição é o grande motor de todo o treino desportivo daí que se

torne necessário considerar a participação do praticante ou da equipa em

competições durante o período preparatório sob dois aspectos diferentes:

como metas finais de treino;

como um meio rápido de desenvolvimento da forma.

As situações criadas no treino são apenas aproximadas daquelas que o

praticante encontra na competição, questões emocionais, experiência de

competir, ambiente, novas dinâmicas geradas pelo clima competitivo são

alguns dos factores que tornam as competições como indispensáveis para

o desenvolvimento da forma desportiva. É pois necessário, mesmo no

período preparatório a participação em competições contra adversários

Page 631: Metodologia Do Treino Desportivo

582 • Metodologia do treino desportivo I !

com características diferentes ou mesmo totalmente desconhecidos.

Todavia, é fundamental salvaguardar dois aspectos fundamentais:

o praticante ou a equipa devem participar nestas competições com

uma base de condição física mínima necessária para a concretização

das tarefas impostas;

é necessário planear as competições durante o período preparatório

por forma a que estas coloquem dificuldades crescentes ao praticante

ou à equipa, não só do ponto de vista do rendimento, como

fundamentalmente da diversidade dos adversários.

Neste sentido, os objectivos destas competições durante o período

preparatório são:

uma ambientação às situações de competição;

a resolução de certas tarefas técnicas;

a verificação da eficácia técnica;

a análise do desenvolvimento de determinada qualidade motora

(força, resistência velocidade);

o reforço da autoconfiança;

a reacção durante a prova ao comportamento dos adversários.

w

Page 632: Metodologia Do Treino Desportivo

" A periodização do treino - O período preparatório • 583

Page 633: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE VII

A PERIODIZAÇÃO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 2

O período competitivo

Page 634: Metodologia Do Treino Desportivo

584 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 2 da Parte VII

O período competitivo corresponde à segunda etapa de construção da

forma desportiva, ou seja, à fase de relativa estabilização ou

conservação da mesma. Neste contexto, iremos analisar a sua duração,

a dinâmica das cargas e os diferentes tipos de competições

(preparatórias e principais).

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Page 635: Metodologia Do Treino Desportivo

" Periodização do treino - O período competitivo • 585

Organigrama 21

Parte VII

A periodização do treino desportivo

Sumário

Capítulo 2 - O Período Competitivo

1. Objectivos do período competitivo

2. A duração do período preparatório

3. A dinâmica das cargas de treino

4. As competições no período competitivo

4.1. As competições preparatórias

4.2. As competições principais

Page 636: Metodologia Do Treino Desportivo

586 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt

publishing company, USA

MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros

Horizonte, Lisboa

PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,

Ed. E.P.S., Paris

RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino III, Revista treino desportivo, IIª

série, Vol.13, Setembro, pp. 67-78

WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris

Page 637: Metodologia Do Treino Desportivo

" Periodização do treino - O período competitivo • 587

O período competitivo corresponde à segunda etapa de construção da forma

desportiva, ou seja, à fase de relativa estabilização ou conservação da mesma.

1. Objectivos do período competitivo

Depois de se ter adquirido a forma desportiva, é necessário mantê-la ao longo

do período competitivo. Todavia, e tal como já foi referido, a forma desportiva

não é só um estado, mas também um processo de aperfeiçoamento ininterrupto

de todos os factores técnico, tácticos, físicos, e psicológicos, que determinam

uma predisposição óptima para alcançar elevados níveis de rendimento durante

a competição.

Do referido se infere, que embora este período seja de uma relativa

estabilização, não significa que não se contribua no sentido da elevação do

nível atingido no período anterior. O que se procura, essencialmente, é

diminuir as reorganizações funcionais do praticante, pois, limitaria as

possibilidades deste em participação com êxito na competição, procura-se

assim, manter a um nível elevado do rendimento desportivo em termos de

resultado. Contudo, é possível nesta fase de estabilização e manutenção da

forma desportiva observar-se que alguns dos factores referenciados apresentam

grandes variações dada a necessidade, por um lado, destas se adaptarem à

exigências específicas da competição e, por outro, devido a causas

imprevisíveis como indisposições, pequenas lesões etc. No entanto, deve-se

salientar que se trata de oscilações totalmente distintas de uma perca de forma.

Page 638: Metodologia Do Treino Desportivo

588 • Metodologia do treino desportivo I !

2. A duração do período competitivo

A duração do período competitivo depende fundamentalmente do calendário

desportivo. Em muitas modalidades desportivas podemos observar uma

duração do período que varia entre 2 a 10 meses.

3. A dinâmica das cargas de treino

A dinâmica das cargas de treino durante o período competitivo pode ser

analisado em função deste ser caracterizado por um período curto ou longo:

no primeiro caso, a dinâmica das cargas confina-se, por um lado, a uma

ligeira diminuição do volume geral, no início do período seguido de uma

estabilização e, por outro, a um aumento de intensidade das cargas

específicas até atingirem os seu máximo e estabilizar nesse nível;

no segundo caso a problemática da dinâmica da carga é mais complexa,

assim, após a estabilização relativa das exigências do treino, produz-se um

novo aumento do volume geral das cargas com uma ligeira diminuição da

sua intensidade, para de seguida diminuir o volume e aumentar a

intensidade. Deste modo repete-se alguns traços da dinâmica geral do

período preparatório, numa escala reduzida, e com as correspondentes

correlações da preparação geral e específica. A alternância desta consiste em

ampliar a consistência da forma desportiva já alcançada no período

preparatório. O novo aumento do volume da carga de treino permite activar

os processos de adaptação e aperfeiçoar o nível de treino específico. Neste

contexto, é de prever que durante um período competitivo longo, a

tendência geral das cargas não variem mais de uma ou duas vezes, porque

aparecem dificuldades no momento de participação nas competições,

Page 639: Metodologia Do Treino Desportivo

" Periodização do treino - O período competitivo • 589

podendo este período converter-se numa réplica inútil do período

preparatório.

Ao nível da orientação do treino durante o período competitivo, o treino dos

factores devem ter o seguinte carácter:

a preparação física deve ter um carácter de preparação funcional imediata

ao suporte das tensões limite, e está orientado para a obtenção do nível

máximo do treino específico, bem como para a manutenção do nível de

treino geral alcançado;

a preparação técnico e táctica assegura o aperfeiçoamento dos

procedimentos até ao mais alto nível de eficiência e eficácia. Isto pressupõe,

por um lado, a estabilidade dos comportamentos motores assimilados e, por

outro, a variabilidade da sua execução em resposta às diferentes situações

competitivas, racionalizando tacticamente a sua aplicação através de

conhecimentos especializados;

na preparação volitiva assume especial importância a adaptação

psicológica à competição, bem como a mobilização do praticante para a

manifestação máxima das suas capacidades físicas, mentais e afectivas; e

por último,

além de tudo o que foi referido, é fundamental que o praticante adopte

uma correcta atitude perante a possibilidade de obter resultados negativos e

manter um tom emocional positivo.

4. As competições no período competitivo

As competições desportivas são o meio e o método mais importante a utilizar

durante o período competitivo. O fundo fisiológico, intelectual e emocional de

carácter específico criado pela diversidade das situações competitivas

contribuem, de forma irredutível, para a manifestação máxima das

Page 640: Metodologia Do Treino Desportivo

590 • Metodologia do treino desportivo I !

possibilidades funcionais do organismo através das reservas que se manifestam

durante o treino. As competições desempenham assim, um papel insubstituível

do processo de desenvolvimento da vontade e do aperfeiçoamento desportivo

máximo. Tudo isto determina uma ampla utilização das competições no

período de estabilização da forma desportiva, não só como processo de

expressão das possibilidades dos praticantes ou da equipa, mas também como o

factor mais eficaz de um progresso posterior.

Pelas características deste período é natural que se assista a um grande

aumento na frequência da participação em competições. Considerando a

duração do período torna-se necessário a sua subdivisão em duas etapas:

as competições preparatórias; e,

as competições principais.

Para o caso dos jogos desportivos colectivos, em que o período competitivo é

bastante longo, não faz muito sentido falar destas duas etapas, já que se exige

uma participação em múltiplos encontros, com um intervalo curto entre cada

jogo, onde o praticante deverá render próximo das suas melhores capacidades.

Daqui resulta um cuidado muito particular na organização da semana

(microciclo) de treino para um controlo rigoroso da direcção da preparação do

jogador/equipa.

4.1. As competições preparatórias

A participação nas competições nesta primeira etapa tem como objectivos:

registar os comportamentos nos ambientes da competição,

detectar falhas na condução das provas,

registar todos os pormenores que compõem a prestação (técnica,

táctica, física, psicológica) para, nos treinos, procurar encontrar as

soluções adequadas à sua eliminação.

Page 641: Metodologia Do Treino Desportivo

" Periodização do treino - O período competitivo • 591

A organização da carga nesta etapa do período competitivo, deve ser

orientado com o objectivo de levar o praticante a participar nas provas mais

importante na sua melhor condição, assim, deve ser orientado na base dos

seguintes aspectos:

estabelecem-se pequenas alterações nos treinos através da redução da

carga, ou mesmo o aparecimento de sessões com recuperação activa;

limitação dos exercícios, comparativamente ao período anterior;

prevalecem as repetições múltiplas dos exercícios (séries, etc.)

principais, realizados na sua totalidade e com variantes, assim como os

exercícios especiais.

mantém-se em percentagens mais diminutas a preparação geral e os

fundamentos da preparação especial.

4.2. As competições principais

Esta segunda etapa do período competitivo e organizada com o objectivo de

levar o praticante a atingir a melhor preparação, conducente à obtenção dos

melhores resultados nas competições mais importantes. A organização da

carga nesta segunda etapa deve ser orientada com base nos seguintes

aspectos:

ciclo com meios específicos de treino, pode diminuir, sem se afastar

muito das particularidades da competição;

as exigências dos exercícios específicos devem ultrapassar as da

competição, igualá-las ou serem menores;

os exercícios especiais têm como objectivo fundamental conservar os

níveis das diferentes componentes da preparação;

o volume de treino, para manter os níveis da preparação geral, deve

manter-se quase idêntico ao da primeira etapa;

a recuperação activa adquire uma importância grande nesta etapa;

Page 642: Metodologia Do Treino Desportivo

592 • Metodologia do treino desportivo I !

na semana anterior à competição, o volume deve ter uma redução bem

significativa, enquanto a intensidade aumenta até quase à véspera da

competição.

w

Page 643: Metodologia Do Treino Desportivo

" Periodização do treino - O período transitório • 593

Page 644: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE VII

A PERIODIZAÇÃO DO TREINO DESPORTIVO

Capítulo 3

O período transitório

Resp: Jorge Castelo

Page 645: Metodologia Do Treino Desportivo

594 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo do Capítulo 3 da Parte VII

O período transitório correspondente ao terceiro período do processo

anual de treino, em que se processará o desaparecimento esporádico da

forma desportiva. Com efeito, este período é caracterizado por uma

rápida descida do estado de preparação do praticante, decompondo-se

a unidade que constituía os diferentes elementos da forma e

processando-se no organismo, certas restruturações positivas, que

dependem tanto das cargas anteriores como da continuação das

actividades de treino. Neste contexto, iremos analisar a duração, os

objectivos, as variantes (passiva e activa) e a dinâmica da carga de

treino.

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 22

Page 646: Metodologia Do Treino Desportivo

" Periodização do treino - O período transitório • 595

Parte VII

A periodização do treino desportivo

Sumário

Capítulo 3 - O Período de Transição

1. Duração do período transitório

2. Objectivos do período transitório

3. Variantes do período transitório

3.1. Transição passiva

3.2. Transição activa

4. Dinâmica da carga de treino

Page 647: Metodologia Do Treino Desportivo

596 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

BOMPA, T. (1990) Theory and methodology of training, Kendal/Hunt

publishing company, USA

BORGES, J. (1990) O período transitório, Revista treino desportivo, IIª série,

Vol.16, Junho, pp. 43-48

MATVEYEV, L., (1986) Fundamentos do Treino Desportivo, Livros

Horizonte, Lisboa

PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,

Ed. E.P.S., Paris

RAPOSO, V. (1989) A periodização do treino III, Revista treino desportivo, IIª

série, Vol.13, Setembro, pp. 67-78

WEINECK, J., (1983), Manuel d' Entrâinement, Ed. Vigot, Paris

Page 648: Metodologia Do Treino Desportivo

" Periodização do treino - O período transitório • 597

O período transitório correspondente ao terceiro período do processo anual de

treino, em que se processará o desaparecimento esporádico da forma

desportiva. Com efeito, este período é caracterizado por uma rápida descida do

estado de preparação do praticante, decompondo-se a unidade que constituía os

diferentes elementos da forma e processando-se no organismo, certas

restruturações positivas, que dependem tanto das cargas anteriores como da

continuação das actividades de treino.

Dentro do processo anual de treino, o período transitório situa-se

imediatamente após a competição e o período preparatório do próximo período

de competições. Devido a esta ligação estrutural com o período preparatório, o

período transitório, em muitos situações funde-se com este:

no caso de utilização de uma periodização múltipla, na qual se observa a

necessidade de uma diminuição das componentes da carga de treino depois

da competição, com objectivos fundamentalmente de recuperação e

preparação do próximo ciclo competitivo; e,

quando a solicitação competitiva de uma dada época desportiva foi pouco

exigente, o período de transição liga-se ao período preparatório da época

seguinte.

Neste contexto, o período de transição constitui o elo de ligação na

continuidade do processo de treino. Com efeito, não se trata nem de uma pausa

nem de uma suspensão no treino, mas sim a alteração do sua forma e do seu

conteúdo.

1. Duração do período transitório

A duração do período transitório varia entre quatro a seis, podendo ir até às

oito semanas. Com efeito, esta duração deriva fundamentalmente de dois

aspectos:

Page 649: Metodologia Do Treino Desportivo

598 • Metodologia do treino desportivo I !

do nível de solicitações que o praticante foi sujeito durante o(s) período(s)

competitivo(s) precedentes (quanto mais exigentes estes foram maior terá

sido o desgaste físico e emocional do praticante ou da equipa); e,

das características do praticante e, da sua longevidade desportiva.

Pelo contrário, nos casos de um calendário desportivo pouco exigente, ou que

não pode ser cumprido devido a problemas de saúde, ou de lesões, por parte

dos praticantes, o período transitório poderá ser suprimido dentro do processo

de treino, sendo substituído imediatamente após o período de competições por

um novo período preparatório.

2. Objectivos do período transitório

Os objectivos do período transitório situam-se fundamentalmente sob dois

níveis:

no primeiro nível, após o términos do período competitivo, os praticantes

encontram-se naturalmente debilitados do ponto de vista orgânico devido ao

elevado desgaste físico, mental e afectivo que dai deriva. Embora a

recuperação em termos físicos (fadiga muscular) desapareça em poucos

dias, a fadiga psicológica e do sistema nervoso central pode fazer-se sentir

durante muito mais tempo (Bompa, 1993). Nestas circunstâncias, é de

grande importância que os praticantes modifiquem os seus hábitos de treino

de modo a que possam recuperar física e psicologicamente. Com efeito, e

segundo mesmo autor (1993), a remoção da fadiga nervosa é o maior

objectivo do período transitório;

no segundo nível, a realização de um período transitório de qualidade

permite aos praticantes encarar o período preparatório seguinte num nível de

prestação mais elevado do que aquele em que se encontrava na época

anterior, e assim atingir mais rapidamente a forma desportiva. Caso

contrário, o primeiro ciclo de trabalho de preparação do praticante ou da

equipa será utilizado na aquisição de um nível de forma que poderia ter sido

facilmente mantido durante este período.

Page 650: Metodologia Do Treino Desportivo

" Periodização do treino - O período transitório • 599

3. Variantes do período transitório

Metodologicamente existem duas variantes para este período:

a transição passiva; com o inconveniente da grande descida do

rendimento;

a transição activa; com os factores positivos do regresso ao treino em

melhores condições funcionais. 3.1. Transição passiva

Uma mudança brusca do treino intenso para um repouso total poder ser

nocivo, por duas razões fundamentais:

para a saúde do praticante, que se pode traduzir em insónias, perda de

apetite e eventuais perturbações do sistema digestivo já para não

falarmos do provável aumento de peso dos praticantes; e,

para o nível da condição física do praticante, o que determina a

necessidade de se utilizar grande parte do período preparatório seguinte,

por forma a recuperar a forma perdida. Este facto dificulta a procura

duma continua melhoria do rendimento desportivo do praticante de ano

para ano.

Nestas circunstâncias, é recomendável durante este período que o praticante

não se mantenha inactivo, o repouso total deve ser sugerido apenas em casos

muito particulares (até 5 a 7 dias) e apenas com fins profilácticos

(sobretreino, ou quando se torna visível uma possível fadiga nervosa).

3.2. Transição activa

O repouso activo bem orientado e organizado é a forma metodologicamente

mais correcta para trabalhar durante o período transitório, por duas razões:

evita os riscos que teria para a saúde do praticante uma paragem

repentina dos treinos, criando a possibilidade do praticante regressar,

(período preparatório) com um forte desejo de treinar;

permite à recuperação física e psicológica do praticante, manter a sua

condição física em níveis aceitáveis, começando a nova época desportiva

Page 651: Metodologia Do Treino Desportivo

600 • Metodologia do treino desportivo I !

com um nível de preparação superior aquela em que começou a época

anterior, de tal forma a que, pouco tempo após o início do período

preparatório, o praticante possa estar apto a ser submetido a aumentos

substanciais no volume e na intensidade dos seus treinos (Bompa, 1993).

Nos praticantes de altos rendimentos não fazer nada, significa um

retrocesso nas adaptações e a consequente perca de tempo para regressar

aos níveis já alcançados.

4. Dinâmica da carga de treino

Este período final do processo anual de treino tem orientações diferentes para

cada modalidade desportiva, todavia, esta é função do nível de preparação e

rendimento dos praticantes, da sua idade, tempo de treino e do número de

competição anuais.

Aspectos metodológicos básicos da dinâmica das cargas de treino durante o

período transitório:

o treino deve ser caracterizado por uma total autonomia por parte do

praticante, mas com o cumprimento de tarefas de preparação geral;

se um dos principais objectivos deste período é a recuperação psicológica

do praticante, é de fundamental importância que durante este período do

treino, ele possa variar o seu local de trabalho;

o tipo de trabalho a realizar durante este período está relacionado com a

modalidade desportiva. O que é comum a todas elas é o facto de se

seleccionarem actividades que, embora com utilidade na manutenção de

parâmetros físicos específicos para a modalidade, variem a actividade e os

exercícios utilizados (Platonov, 1983), e, ao mesmo tempo, sejam

actividades do gosto dos praticantes;

tanto o volume como a intensidade do treino sofrem uma redução que

deve ser progressiva. Segundo Platonov (1983) o volume de treino neste

período situa-se em cerca de um terço do alcançado no decorrer do período

Page 652: Metodologia Do Treino Desportivo

" Periodização do treino - O período transitório • 601

de preparação, com quatro a cinco sessões de treino por microciclo semanal

e sem que nenhuma delas implique grandes solicitações; e por último,

este período é também pode ser utilizado para a correcção de

determinados erros técnicos ou tácticos surgidos no decorrer do período

competitivo anterior, bem como para a introdução de alguns dados novos

em ambos os factores. Em todo o caso deverá sempre existir um grande

cuidado e atenção para que não se trate de exercícios demasiado exigentes,

que possam impedir, ou pelo menos complicar, o descanso e a regeneração

psicológica que pretendemos que o praticante consiga alcançar nesse

período (Raposo, 1981).

Page 653: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE VIII

O CONTROLO DO TREINO DESPORTIVO

Resp: Jorge Castelo

Page 654: Metodologia Do Treino Desportivo

602 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Parte VIII

O controlo do treino é um processo essencial para que o treinador

possa dirigir correctamente o processo de treino desportivo,

apreciando e avaliando as modificações de carácter intelectual,

funcional e afectiva do praticante ou da equipa. Neste contexto, iremos

analisar os limites e as formas de controlo de treino (por etapas,

corrente e operacional).

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 23

Page 655: Metodologia Do Treino Desportivo

" O controlo do treino desportivo • 603

Parte VIII

O controlo do treino desportivo

Sumário

1. Os limites do controlo do treino

2. Formas de controlo do treino

2.1. O controlo por etapa

2.2. O controlo corrente

2.3. O controlo operacional

Page 656: Metodologia Do Treino Desportivo

604 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

PEREIRA, G. (1984) Treino desportivo - ensaio experimental sobre alguns

aspectos práticos do controlo do treino. Provas de aptidão pedagógica e

capacidade científica, ISEF, Lisboa

PLATONOV, V., (1988) L' Entrâinement Sportif: Théorie et Méthodologie,

Ed. E.P.S., Paris

PROENÇA, J., (1985) Controlo do treino: necessidade ou emergência, Revista

horizonte, Vol.II, nº8, Jul/Ago, pp 52-54

Page 657: Metodologia Do Treino Desportivo

" O controlo do treino desportivo • 605

Para dirigir correctamente o processo de treino desportivo, o treinador

necessita de apreciar e avaliar as modificações de carácter intelectual,

funcional e afectiva do(s) praticante(s). Neste contexto, segundo Proença

(1985), "a recolha e selecção de informação que fundamenta as decisões a

tomar na orientação do processo de treino constitui uma da mais delicadas

tarefas em treino desportivo, de pouco servem os vastos conhecimentos do

treinador quando a sua aplicação despreza os dados referentes ao estado

passado e actual do praticante. A determinação da carga eficaz ou do estímulo

óptimo pressupõe, além do mais, o conhecimento prévio da relação entre a

estrutura da carga externa (meios de treino) e o carácter e direcção da carga

interna (adaptabilidade)".

1. Os limites do controlo do treino

Ainda segundo o mesmo autor (1985), "apesar da complexidade, talvez mesmo

da impossibilidade de avaliar exactamente o estado do receptor, importa

encontrar critérios e métodos que, não ignorando a multiplicidade e

diversidade das variáveis intervenientes, condicionando-o e determinando-o,

forneçam indicadores objectivos constituindo uma base credível na tomada de

decisões, mesmo sabendo que elementos contraditórios mas complementares e

coexistentes como o efeito imediato e cumulativo da carga, por um lado, e a

heterocronia dos processos de recuperação de diferentes esforços, por outro,

deixam perplexo o jovem treinador e são fonte inesgotável de interrogações

para o treinador experiente".

2. Formas de controlo do treino

As modificações de carácter intelectual, funcional e afectiva dos praticantes,

segundo Platonov (1988) podem resultar:

Page 658: Metodologia Do Treino Desportivo

606 • Metodologia do treino desportivo I !

de um período de treino relativamente longo que é denominado de estado

de etapa;

da influência de uma sessão ou de um microciclo de treino que

manifestam o estado corrente; e por fim,

influenciado por qualquer um dos exercícios que derivam da sessão de

treino, o qual é denominado de estado operacional.

2.1. O controlo por etapa

O controlo por etapa tem por objectivo determinar as modificações

resultantes de um longo período de treino, "através da aplicação de testes

que fornecem informação objectiva sobre o estado de treino do praticante,

em geral, e de capacidades isoladas, em particular, constituem assim,

meios privilegiados de avaliar os efeitos do treino num período bem

delimitado, no tempo como das características da carga" (Proença, 1985).

A correcta aplicação de testes em momentos definidos de acordo com a

periodização do treino planeada, possibilita (Proença, 1985):

conhecer o estado de treino actual do praticante, nas capacidades

testadas.

avaliar os efeitos do treino, comparando os dados presentes com

outros anteriores;

objectivar, confirmando ou não, impressões resultantes do controlo

corrente e operativo;

verificar a correcção do plano através do cumprimento de etapas

intermédias, fundamentando a continuidade da sua aplicação;

detectar eventuais falhas no processo de treino, exigindo, de imediato,

alterações ao plano traçado

realizar o prognóstico de futuras performances, em bases seguras;

preparar progressiva e continuamente o praticante para o esforço

máximo em competição e não só nos aspectos físicos e técnicos, mas

também tácticos e psicológicos;

Page 659: Metodologia Do Treino Desportivo

" O controlo do treino desportivo • 607

investigar os verdadeiros factores limitadores da performance em

competição.

A frequência deste tipo de controlo é função do planeamento anual, neste

sentido, é normal efectuar-se em três momentos diferentes:

no princípio da primeira etapa do período preparatório;

no final da segunda etapa do período preparatório; e,

no período competitivo.

Aspecto fundamental na prática destes "exames", é que estes sejam

realizados em condições idênticas e, assegurem em particular, que os

resultados não sejam perturbados pela eventual fadiga de uma sessão de

treino realizada demasiadamente próxima do controlo. Segundo Platonov

(1988) os dados recolhidos durante o controlo no período competitivo são

os que apresentam as informações mais importantes para a elaboração do

plano prospectivo.

2.2. O controlo corrente

O controlo corrente mede os efeitos da fadiga resultante de uma sessão ou

de um microciclo de treino. Este controlo permite apreciar em particular a

velocidade do processo de recuperação ou da interacção exercício/objectivo.

Esta permite optimizar os processo de treino para a sessão seguinte ou

eventualmente reestruturar o microciclo. Segundo Platonov (1988), os dados

resultantes deste controlo permitem elaborar o plano corrente.

2.3. O controlo operacional

O controlo operacional tem por objectivo optimizar o desenvolvimento de

cada sessão de treino e determinar a cada instante a intensidade ou o número

de exercícios que melhor permitem atingir os objectivos fixados. Segundo

Proença (1985), "o acompanhamento atento da forma e dinâmica de

Page 660: Metodologia Do Treino Desportivo

608 • Metodologia do treino desportivo I !

realização de cada exercício na própria sessão, permitem um controlo algo

subjectivo a que só a leitura perspicaz do bom treinador transmite o

necessário grau de objectividade. De facto, qual o papel do treinador

incapaz de realizar tal avaliação? Impôr o cumprimento rígido do planeado

até recolher dados mais objectivos (testes de controlo ou competições)

sobre os efeitos do treino? E então, não será já tarde demais? Os perigos

reais do estado de hipotreino e hipertreino com as consequentes

repercussões em cadeia, aumentam proporcionalmente à diminuição deste

controlo - acompanhamento diário". Sobre o significado da avaliação do

comportamento do praticante no treino através das suas sensações e da

interpretação subjectiva - objectiva do treinador dizemos com Ujtomsky,

citado por Meinel (1977), que "os chamados dados subjectivos são, para

quem sabe decifrá-los e explicá-los, tão perfeitamente objectivos como os

demais".

Segundo Platonov (1988) os dados resultantes deste controlo permitem

elaborar o plano operacional. Por último, os exames ou provas para o

controlo do treino deverão ter as seguintes características:

a validade; que é medido pelo grau de precisão na qual se explora a

aptidão em análise;

a fiabilidade; é medido pela estabilidade dos seus resultados que

derivam da sua utilização; e,

a objectividade; é medido pela independência dos resultados obtidos e

os praticantes que realizam a prova.

Page 661: Metodologia Do Treino Desportivo

" O controlo do treino desportivo • 609

ww

Page 662: Metodologia Do Treino Desportivo

PARTE IX

O TREINADOR DESPORTIVO

PERFIL E COMPETÊNCIAS

Resp: Jorge Castelo/Hermínio Barreto

Page 663: Metodologia Do Treino Desportivo

610 • Metodologia do treino desportivo I !

Conteúdo da Parte IX

Nesta última parte iremos debruçarmo-nos sobre uma das figuras

centrais do fenómeno desportivo: o treinador. Com efeito, vamos

evidenciar cinco das muitas questões que envolvem o treinador

desportivo mas que consideramos nucleares na sua actividade

profissional: i) estatuto e função (liderança e gestão de recursos

humanos), ii) autoridade (formal, pessoal e técnica), iii) estilos de

liderança (autocrática, liberal e participativa), iv) atributos

caracteriais da personalidade (ser líder, ter imaginação, sentido de

humor, saber afastar-se ou aproximar-se dos praticantes, saber reagir

aos resultados da competição, etc.), e v) competências do treinador

desportivo (no plano técnico-desportivo e no plano táctico-

estratégico).

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI

Parte VII

Planeamento dotreino desportivo

PlaneamentoConceptual

Planeamento Estratégico

Planeamento Táctico

Estrutura doprocesso de treino

PeríodoPreparatório

PeríodoCompetitivo

PeríodoTransitório

Periodizacão dotreino desportivo

Microestrutura

Mesoestrutura

Macroestrutura

Parte VIII

Parte IX

O controlo dotreino desportivo

Metodologia do treino desportivo I Conteúdo Programático

Fundamentos doexercício de treino

Conceitos do treino desportivo

Factores do rendi-mento desportivo

O exercício de trei-no desportivo

Bases conceptuais exercício de treino

Bases de aplicaçãoexercício de treino

Bases de eficáciaexercício de treino

Factores do treino desportivo

O factor técnico desportivo

O factor táctico desportivo

O factor físico desportivo

Estudo sobrea força

Estudo sobre a resistência

Estudo sobre a velocidade

Estudo sobre a flexibilidade

O treinadorperfil e competências

Organigrama 24

Page 664: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 611

Parte IX

O treinador desportivo

Sumário

1. Estatuto e função do treinador desportivo

2. A autoridade do treinador desportivo

3. Diferentes estilos de liderança do treinador desportivo 3.1. Estilo na base da imposição da ordem e da disciplina 3.2. Estilo na base das relações afectivas 3.3. Estilo na base na participação 3.4. Os estilos de liderança e a especificidade da situação 3.5. A gestão de problemas/conflitos

4. Atributos caracteriais da personalidade do treinador 4.1. Ser um líder 4.2. Aptidão para criar um grupo ou equipa 4.3. Ter imaginação 4.4. Afastamento ou aproximação 4.5. Espírito combativo 4.6. Sentido de humor 4.7. Ser firme - mente forte 4.8. Serenidade e dignidade 4.9. Independência, decisão e coragem 4.10. Ter entusiasmo 4.11. Saber reagir face ao resultado

5. Competências do treinador desportivo

5.1. Competência técnico-desportiva 5.1.1. Técnico especializado

5.1.2. Saber comunicar 5.1.2.1. Credibilidade 5.1.2.2. Aproximação positiva 5.1.2.3. Comunicar com coerência

5.1.3. Saber ouvir 5.1.3.1. Aprender a ouvir 5.1.3.2. Ouvinte activo 5.1.3.3. A comunicação não verbal

5.2. Competência táctico-estratégica 5.2.1. Dimensão conceptual

5.2.1.1. Descrição e análise da situação 5.2.1.2. O responsável pela construção do modelo 5.2.1.3. Elaboração de programas de acção

5.2.2. Dimensão estratégica 5.2.3.1. Recolha de dados e a elaboração de planos 5.2.3.2. Orientação e constituição da equipa 5.2.3.3. Reuniões com a equipa

5.2.4. Dimensão táctica 5.2.4.1. Direcção durante a competição 5.2.4.2. Direcção durante o intervalo da competição 5.2.4.3. Direcção logo após o terminus da competição

Page 665: Metodologia Do Treino Desportivo

612 • Metodologia do treino desportivo I !

Bibliografia:

CASTELO, J. (1995) Futebol - A organização do jogo, Edição do autor, Lisboa

LANGLADE, A. (1980) O treinador. Futebol em Revista nº4 pp. 29-36

LEITH, M. (1992) Um bom treinador tem de ser um bom gestor. Revista

Treino Desportivo 11ª série, nº23, Março pp.3-13

LIMA, T. (1984) Liderança Desportiva. Revista Horizonte. Vol I, nº1

Maio/Junho pp. 17-21

MARTENS, R. (1990) Sucessful Coaching. Human Kinetics, Leeds, England

PARTNGTON, J. (1989) Para ser um treinador completo. Revista Treino

Desportivo, 11ª série, nº 13, Setembro pp. 30-37

Page 666: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 613

1. Estatuto e função do treinador desportivo

O estatuto e função de treinador desportivo assume, na nossa opinião, quatro

vertentes fundamentais:

é um técnico especializado de uma dada modalidade desportiva

conhecendo por via disso as suas principais dimensões:

• histórico, técnico, táctico e regulamentar; e,

• as possíveis linhas de evolução no presente e no futura da modalidade;

é um condutor (líder) de um processo pedagógico global continuo no qual

os praticantes/jogadores se realizam adquirindo novos conhecimentos,

aperfeiçoando-os e consolidando-os por forma a projectarem-se

adequadamente na competição desportiva. Para que isso aconteça o

treinador deverá conhecer:

• como os praticantes/jogadores aprendem e evoluem; e,

• os meios (exercícios) fundamentais no plano geral e específico para

que os praticantes/jogadores possam elevar a sua capacidade de

rendimento individual e colectivo;

é um gestor de recursos de um capital humano para os quais estabelece

um sistema racional quer no plano técnico, táctico, físico, psicológico e

social através do esforço cooperativo consubstancia o atingir de objectivos

comuns que individualmente não são possíveis de alcançar; e por fim, mas

não menos importante,

é um elemento que terá necessariamente de contribuir para a valorização,

desenvolvimento e formação da comunidade desportiva que lhe está

subjacente através:

• da sua contribuição para a construção de um código de ética

profissional, isto é, de um conjunto de princípios que regulam as

relações e procedimentos entre os vários membros que exercem a mesma

actividade profissional; e,

• da sua participação em livros, revistas, colóquios e cursos da

especialidade procurando transmitir parte da sua experiência profissional.

Page 667: Metodologia Do Treino Desportivo

614 • Metodologia do treino desportivo I !

2. A autoridade do treinador desportivo

O treinador desportivo detém intrinsecamente um estatuto de autoridade sobre

o grupo de praticantes ou da equipa que lhe é conferido:

num primeiro momento: por uma entidade superior (autoridade formal)

por exemplo dirigente desportivo o qual deverá ser secundado;

numa segunda fase: pelo exercício dessa actividade (autoridade pessoal e

técnica) consolidado progressivamente pelo relacionamento concreto em

situações de treino e competição através:

• de um conhecimento técnico especializado;

• de uma intervenção pedagógica formativa e educativa;

• de uma racionalização das atitudes e dos comportamentos dos

praticantes/jogadores por forma a levá-los à superação sem ofender os

valores éticos desportivos; e,

• de uma execução atempada das tarefas inerentes à organização do

treino e da competição (planeamento, periodização, unidade de treino,

exercícios, etc.)

3. Os diferentes estilos de liderança do treinador desportivo

Basicamente podemos classificar os diferentes estilos de liderança do treinador

desportivo sob três formas fundamentais: i) na base da imposição da ordem e da

disciplina, ii) na base das relações afectivas e, iii) na base da participação.

3.1. Estilo na base da imposição da ordem e da disciplina (direcção autocrática ou ditatorial)

O estilo na base da imposição da ordem e da disciplina é caracterizado por o

treinador não se interessar por aquilo que pensam os praticantes/jogadores

devendo estes unicamente acatar as suas ordens.

Segundo Lima, T. (1984) "o treinador é exigente, duro e fechado. As

sessões de treino são bem organizadas, as tarefas individuais estão bem

Page 668: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 615

definidas e, inequivocamente, distribuídas entre os membros do grupo,

sendo exigido o cumprimento respectivo sem qualquer discussão. O

treinador raramente concede uma livre iniciativa aos membros do grupo e

entende que estes devem treinar e competir sem discutir, seja a preparação

seja qualquer decisão por ele proferida".

3.2. Estilo na base das relações afectivas (direcção liberal)

O estilo na base das relações afectivas é caracterizado pela falta de

instruções por parte do treinador e onde cada praticante/jogador pode fazer -

na generalidade - o que quiser. Nesta liderança não existem ordens

concretas, antes cada um actua como deseja ou, no caso de existirem, elas

serem maleáveis, imprecisas e que se cumprem ou não se cumprem.

"O treinador evita assumir a responsabilidade das decisões de fundo por

receio de ser considerado autoritário ou incompetente, e deixa de assegurar

a organização do seu trabalho, da preparação e dos treinos. Acontece,

neste caso, que o grupo e a equipa perdem coesão, os atletas manifestam

falta de espírito de corpo e que não se identificam com metas colectivas"

(Lima, 1984).

3.3. Estilo na base da participação (direcção democrática ou participativa)

O estilo na base da participação é caracterizada por o treinador considerar

que os praticantes/jogadores não como meros "obedecedores" mas antes

como colaboradores que cooperam na obtenção dos objectivos propostos.

Nesta liderança as ordens são o resultado de um trabalho cooperativo com

todo o grupo ou equipa.

Ainda segundo o mesmo autor (1984) "o treinador procura desenvolver as

capacidades dos atletas no sentido de resolverem as situações concretas da

prática desportiva, de acordo com as soluções ensaiadas na preparação e

Page 669: Metodologia Do Treino Desportivo

616 • Metodologia do treino desportivo I !

no treino, admitindo a iniciativa e a criatividade individual em

determinados casos. A concepção e o plano de preparação e dos treinos são

da responsabilidade exclusiva do treinador, mas s atletas são motivados no

sentido de participar na análise das propostas iniciais, na formulação de

sugestões e na avaliação do trabalho realizado, como medida de integração

nos objectivos comuns. Os membros do grupo têm oportunidade para

exprimir as suas opiniões na apreciação de casos diversos, antes de serem

persuadidos a aceitar os planos e as decisões finais do treinador, a

disciplina, a definição de estatutos individuais, a motivação e a definição de

objectivos são aspectos fundamentais da forma de actuar do treinador".

3.4. Os estilos de liderança e a especificidade da situação

Os estilos básicos de liderança referidos devem ser analisados em função da

situação específica em que o treinador desportiva se encontra. Numa

primeira análise o estilo de liderança baseado na participação democrática

dos praticantes/jogadores tem as seguintes vantagens (Chelladurai, 1991):

quando os membros do grupo podem participar e condicionar a

decisão relativamente a um dado tema, passa a haver uma maior

aceitação das opções a que se chegam e, por outro lado, uma tal decisão

vai certamente ser implantada de uma forma mais eficiente;

o sentimento individual de autodeterminação que resulta da sua

participação na tomada de decisões relativas aos objectivos e aos

resultados a alcançar, faz aumentar a motivação intrínseca dos

praticantes/jogadores.

Ainda o mesmo autor (1991) qualquer destas vantagens deverão ser

totalmente explorada por todos os treinadores que terão assim de se esforçar

para envolver os praticantes/jogadores no processo de definição dos

objectivos pessoais e também na escolha das actividades necessárias para as

Page 670: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 617

conseguir alcançar. Existem duas outras vantagens que são mais próximas

dos jogos desportivos colectivos:

no seio de uma equipa existe naturalmente um maior volume de

informação, o que permite quer o aparecimento de mais alternativas para

a resolução do problema, quer a escolha daquela que parece apresentar

maior probabilidade de se lhe adaptar;

as orientações por vezes divergentes dos membros da equipa permitem

que se possam encontrar soluções bastante criativas para os problemas

que carecem de resolução.

Todas estas vantagens apontam para a preferência do estilo de liderança

participativa (democrática), todavia as desvantagens que este estilo possui

poderá dissuadir o treinador em optar por este, especialmente no que

concerne às questões que surgem no dia a dia. Vejamos algumas dessas

desvantagens:

as decisões participativas precisam de tempo, situação essa que

raramente acontece. Todos conhecemos os excessivos atrasos que

resultam da discussão e do confronto de argumentos, tão característicos

das decisões colectivas;

os grupos têm mais dificuldades em analisar de forma mais correcta os

problemas mais complexos que exijam organizar o pensamento e

raciocinar de forma sistemática. Os estudos demonstram que os

indivíduos isoladamente, podem realizar melhor trabalho do que em

grupo, quando postos na situação de procurar uma solução para um

problema complexo;

o estilo de liderança participada poderá levar a soluções de

compromisso, que nem sempre são as melhores. Por outras palavras,

pode dizer-se que, nestes casos, os membros do grupo estão mais

preocupados com a obtenção de um consenso do que com as finalidades

das suas decisões;

Page 671: Metodologia Do Treino Desportivo

618 • Metodologia do treino desportivo I !

é possível que os interesses pessoais dos membros do grupo conduzam

a discordâncias ou a conflitos no seio do próprio grupo, o que vai

certamente prejudicar o resultado que esse mesmo grupo pode ter

necessidade de alcançar no futuro.

Embora as desvantagens referidas são mais comuns no jogos desportivos

colectivos é preciso que o treinador venha a escolher um estilo de liderança

adoptado à especificidade da situação. A tomada de decisão por parte do

treinador da escolha do estilo de liderança para cada situação deve ser

assumida em função de oito questões fundamentais (Chelladurai, 1991):

• sempre que há restrições de tempo, o estilo participativo deve ser posto

de lado, dado que a tomada de decisão por esta via necessita de algum

tempo para se concretizar;

• se alguns problemas necessitam da escolha da melhor alternativa

possível, outras haverão que podem ficar resolvidas de forma aceitável,

seja qual for a possibilidade que se desenhar como solução (exigência de

qualidade);

• a maior vantagem do estilo participativo (nos jogos desportivos

colectivos) reside no facto da quantidade de informação nele existente,

poder vir a fornecer a qualidade de informação. Todavia, pode também

acontecer que os membros da equipa chamados a intervir tenham menos

conhecimentos sobre o assunto em questão do que o treinador. Neste

caso o estilo participativo iria apenas servir para consolidar a ignorância;

• ao estar perante um problema complexo, um indivíduo com

conhecimentos suficientes pode fazer melhor trabalho do que um grupo

de pessoas, mesmo com um nível de conhecimentos idênticos;

• para que qualquer decisão venha a ser depois verdadeiramente

concretizada, tem primeiro de ser aceite pelo grupo como sendo uma

medida prática e de utilidade. Sempre que este tipo de aceitação seja uma

questão crucial deverá ser adoptada o estilo participativo;

Page 672: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 619

• todavia, se o treinador goza do afecto e da admiração dos membros do

grupo, se a sua perícia aliada aos seus conhecimentos são perfeitamente

reconhecidos, sempre que o treinador controla perfeitamente os aspectos

ligados às recompensas e às punições, todas as suas decisões irão ser

completamente aceites. Isto significa que, com um tal poder sobre o

grupo, o treinador está em condições de tomar decisões de forma

autocrática, mesmo nos casos em que a decisão possa ser mais difícil; e

finalmente,

• a qualidade das relações interpessoais existentes entre os membros do

grupo, e a sua relativa homogeneidade no que diz respeito à orientação e

à unanimidade das respectivas opiniões aconselharia à adopção de um

estilo de liderança participativa da decisão. Se porém tais condições não

existirem, uma escolha desse género só irá levar a decisões de menor

qualidade, podendo vir a romper a já frágil solidariedade existente na sua

equipa.

Concluindo, o treinador desportivo deve aprender a adoptar o seu estilo de

liderança de acordo com aquilo que a situação mais aconselha.

Instintivamente é possível que os treinadores favoreçam mais um ou outro

estilo mas, de qualquer modo, precisam também saber utilizar as outras

alternativas sempre que a situação assim o justifique.

3.5. A gestão de conflitos

No quadro da liderança que o treinador desportivo assume na sua actividade

com o fim de concretizar os objectivos estabelecidos, relaciona-se os

aspectos emergentes da gestão de conflitos. Neste sentido, cabe ao treinador

a maior parte da responsabilidade no tratamento e resolução adequada dos

diferentes problemas/conflitos que sempre existem devido a personalidades

difíceis, atitudes irreflectidas, resultados desportivos não consentâneos com

os objectivos, etc., e mal estará quem não os espera encontrar.

Page 673: Metodologia Do Treino Desportivo

620 • Metodologia do treino desportivo I !

Leith (1992) estabelece cinco técnicas para ultrapassar esses

problemas/conflitos:

resolução dos problemas: os problemas que resultam da falta de

entendimento entre os praticantes/jogadores ou de incorrecções,

suposições que se levantam no seio de um grupo ou equipa, podem ser

rápida e eficazmente atenuadas desde que se procure o seu

esclarecimento;

subordinação de objectivos: estabelecem-se objectivos relevantes que

não podem ser alcançados senão com a colaboração de todas as partes

involvidas no conflito e a presença de um desejo comum de os atingir.

Um exemplo poderá ser o de, no decorrer do treino, se atribuir uma tarefa

comum aos dois elementos em conflito cuja realização só vai ser possível

através de uma cooperação efectiva entre os membros desavindos;

ignorar conflitos: uma outra forma de lidar com conflitos é não lhes

dar uma importância excessiva, ou fazer mesmo de conta que eles não

existem. trata-se de uma opção que não constitui a via mais adequada

para todos os casos, mas que no entanto, pode ser uma solução rápida e

extremamente vulgar em determinadas circunstâncias. Com efeito, os

indivíduos em conflito apenas evitam o contacto entre si;

atenuar conflitos: procura-se subvalorizar as diferenças que existem

entre os indivíduos ou grupos através do reforço dos objectivos comuns

que, apesar disso, existem entre eles. Pode ser conseguido através de

reuniões levadas a cabo pelo treinador, onde se encontram os membros

em conflito na tentativa de fazer diminuir os problemas existentes,

estabelecer compromissos: a técnica que recorre ao estabelecimento de

compromissos entre as partes, constitui um método eficiente para a

maioria dos casos que derivam da prática desportiva. Com efeito, muitas

vezes é preciso chegar ao estabelecimento de um certo compromisso

entre as partes em conflito quando todas as restantes tentativas feitas para

ultrapassar essa situação revelaram-se infrutíferas. Ao recorrer a esta

técnica partimos do pressuposto que ambas as partes vão ceder, mesmo

Page 674: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 621

que parcialmente. No final da reunião entre o treinador e os

praticantes/jogadores em questão não deverá haver vencido nem

vencedor o que desde logo diminui a amplitude do conflito resultante.

Concluindo, os conflitos/problemas que derivam da prática desportiva não

podem ser encarados simplesmente numa perspectiva unilateral de

dimensão negativa. É preciso ter em consideração que os

conflitos/problemas quando surgem e são resolvidos de forma adequada

(técnica e tempo correctos) contribuem para o reforço da coesão interna e

dinâmica do grupo e para o espírito da equipa. É neste sentido que o

conflito/problema na maioria das situações exprimem a sua dimensão

positiva.

4. Atributos caracteriais da personalidade

Esta vertente das competências do treinador desportivo pode ser definido como

a habilidade de uma pessoa se relacionar eficazmente com os outros, de saber

trabalhar com elas em diferentes situações, estando também englobada neste

conceito a sua capacidade de motivar os outros para seguirem as suas

directrizes que previamente tenham sido traçadas.

A capacidade de relacionamento humano é muito importante na manutenção da

harmonia de um grupo ou equipa e na gestão das potenciais situações de

conflito que nela possam existir estando subentendido que para um indivíduo

exercer essas funções, tem de ter um conhecimento realista de si mesmo. Por

outras palavras, quer isto dizer que, se o treinador não está satisfeito consigo

próprio enquanto indivíduo vai ter certamente dificuldades para se relacionar

com os outros.

Não existe um perfil ideal de treinador desportivo, não há uma só forma de

estar no desporto, todavia, as qualidades da personalidade do treinador

desempenha um papel fundamental. Vejamos algumas: i) ser um líder, ii)

Page 675: Metodologia Do Treino Desportivo

622 • Metodologia do treino desportivo I !

aptidão para criar um grupo ou equipa, iii) ter imaginação, iv) afastamento ou

aproximação, v) ter espírito combativo, vi) ter sentido de humor, vii) ser firme -

mente forte, viii) serenidade, dignidade, ix) independência, decisão e coragem, x)

entusiasmo e, xi) saber reagir face ao resultado.

4.1. Ser um líder

A palavra líder significa alguém que conduz, que leva com ele não tanto

pela autoridade que deriva implicitamente do seu estatuto de treinador mas:

• pela sua capacidade de persuasão;

• pelo enquadramento pedagógico da sua acção;

• pela sua dinâmica pessoal;

• pelo estabelecimento das relações interindividuais assente na igualdade

e justa repartição de responsabilidades;

• pela criação de um clima de confiança, credibilidade e aceitação;

• pelos exemplos que transmite aos praticantes/jogadores; e,

• pelas convicções que exprime.

É igualmente aquele que desfaz as dúvidas quando estas se instalam nos

praticantes/jogadores e que serve de guia quando não se atingem os

objectivos pré-estabelecidos. Neste sentido, liderança pode ser definida

numa perspectiva global como "um processo de influenciar a atitude e o

comportamento dos praticantes ou de uma equipa segundo uma dinâmica

resultante do quadro de relações que deve ter em conta as características

individuais, à natureza específica das situações competitivas, dos objectivos

dos praticantes ou da equipa e do próprio treinador" (Lima, 1984).

4.2. Aptidão para criar um grupo ou equipa

O treinador desportivo deverá ter aptidões para reunir um conjunto de

praticantes/jogadores com base num projecto forte, dinâmico e fomentando

a coesão do grupo ou da equipa. Uma equipa possui simultaneamente algo

Page 676: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 623

de dinamizador e de tranquilizante, contribuindo para criar um equilíbrio

interno por forma que este continue a funcionar eficazmente mesmo em

circunstâncias delicadas.

No plano disciplinar o treinador deverá utilizar as sanções no domínio

profissional e económico. É certo que se consegue sempre mais através da

persuasão, pela influência do conselho educativo que pela acção externa e

coerciva da sanção. No entanto, há eventualidades para as quais ela é a

única solução. Nestes casos a sanção deve ser aplicada em função da

gravidade da falta cometida. Sanções demasiadamente fracas acabam por

fazer com que as suas causas não tenham tidas em consideração, pelo

contrário, punições exageradas provocam manifestações de ressentimento

por parte dos praticantes/jogadores.

4.2.3. Ter imaginação

O treinador desportivo deverá encontrar sempre soluções concretas para

ultrapassar obstáculos específicos. Quando existe uma dificuldade singular

na sua complexidade não poderá ficar pelas soluções já utilizadas e

conhecidas. Há tantas soluções originais quantos os problemas particulares.

Quanto mais o treinador procurar inteirar-se da singularidade da situação

mais hipóteses tem de alcançar o seu sentido, de compreender os seus

fundamentos e de encontrar as soluções mais adequadas. Com efeito, as

soluções usadas no passado podem tornar-se os defeitos de hoje ou de

amanhã, os hábitos e as rotinas podem deitar a perder todo o poder de

persuasão do treinador.

Concluindo, procurar formas diversificadas de transmitir ideias e soluções

para os problemas não significa renegar as que foram assumidas no passado

recente. Para se ser um treinador eficaz exige-se qualidades de imaginação

que permitam utilizar da melhor forma os dados da experiência elaborando

Page 677: Metodologia Do Treino Desportivo

624 • Metodologia do treino desportivo I !

novos arranjos, novas soluções que transmitam aquilo que se ensina uma

característica pessoal.

4.2.4. Afastamento ou aproximação do treinador

Não deverá existir para o treinador desportivo uma linha de conduta radical,

imutável, permanente e válida conservando a sua eficácia ao longo do

tempo.

Só as características específicas das situações é que implicam uma estratégia

particular. Com efeito, o treinador poderá passar de uma forma assaz

directiva a uma gestão de maior convívio, mais "amigável" baseado numa

dimensão participativa. O grupo ou equipa tem por vezes necessidade de

dureza, de rigor e noutros momentos de compreensão e calor humano. É na

derrota que se torna útil estar próximo dos praticantes/jogadores de os

defender publicamente mesmo que se trate de palavras de circunstância.

Assim, o treinador está, simultaneamente, muito próximo e muito afastado

dos seus praticantes/jogadores:

• muito próximo porque os compreende, porque partilha das suas

preocupações e das suas esperanças; e,

• muito afastado porque é o garante do interesse colectivo, aquele que

exige, que ordena e direcciona.

Finalizando, é a própria função de treinador que reclama esta forma de

plasticidade de aproximação e distanciamento relativo, esta capacidade de

mudar em função das exigências da situação.

4.2.5. Espírito combativo

É especialmente nas situações adversas que os atributos caracteriais da

personalidade do treinador desportivo se fazem sentir em maior grau.

Basicamente podem observar-se três atitudes fundamentais:

Page 678: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 625

• ser fatalista (não vamos conseguir!!!);

• encontrar desculpas (falta de sorte, arbitragem);

• esperar pela próxima oportunidade para lutar ainda mais para atingir os

objectivos.

O espírito combativo é, em quaisquer circunstâncias, o apanágio de

qualquer líder. Quem tem medo transmite esse sentimento sem dar por isso.

Pelo contrário, a vontade de conseguir permite nos momentos mais

delicados de se acreditar no impossível, os praticantes/jogadores sentem por

vezes a necessidade de se "agarrarem" a uma convicção possível, a uma

determinação feroz que os estimula e que lhes permitam ultrapassar os

obstáculos. É o que se espera que o treinador incuta aos seus

praticantes/jogadores.

4.2.6. Sentido de humor

Um equilíbrio emocional no seio de tantas solicitações, só é possível se o

treinador desportivo possuir um elevado sentido de humor. Dispôr de uma

natureza que impeça ser azedo reforça as possibilidades duma convivência

mais real, sejam quais forem as circunstâncias. Com efeito, o sentido de

humor do treinador é um sinal de inteligência deste, sendo capaz de

perceber o significado real dos acontecimentos, avaliando as contradições

das situações incoerentes e anedóticos da competição desportiva e da vida

quotidiana.

É esse atributo caracterial que permite ao treinador dirigir a atenção dos

praticantes/jogadores para o ridículo, o cómico ou para o sério quando tal é

necessário e favorável a um equilíbrio emocional. É esse sentido de humor

que fará rir os praticantes ou a equipa em situações de "desespero" e

"angústia" uma boa gargalhada é muitas vezes a chave de uma situação

dramática cuja tensão se desfaz rapidamente abrindo novas perspectivas de

uma atitude e comportamento adequados dos praticantes/jogadores.

Page 679: Metodologia Do Treino Desportivo

626 • Metodologia do treino desportivo I !

4.2.7. Ser firme - mente forte

A firmeza está ligada a um forte potencial entre o compromisso pessoal e a

capacidade de exprimir claramente o que se pretende. Traduz igualmente

uma certa forma de integridade e coerência interna do grupo ou da equipa.

Neste contexto, nada serve pôr a funcionar um regulamento interno rigoroso

no início da época desportiva se formos incapazes de em seguida o aplicar.

De nada serve encetar discursos inflamados sobre os princípios de

funcionamento do grupo e ao mesmo tempo fazer prova de excessiva

tolerância. São sistemáticos os comportamentos de alguns treinadores que

perdem progressivamente toda a sua credibilidade pelas promessas não

cumpridas ou pelas sanções não aplicadas. O rigor no comportamento deve

fazer-se acompanhar de um igual rigor na linguagem facilitando o respeito

por aquilo que foi dito. A confiança dos praticantes/jogadores passa pela

credibilidade da mensagem que estes recebem, pela existência de promessas

não cumpridas e pela autenticidade dos comportamentos dos seus

interlocutores.

A solidez psicológica é simultaneamente uma capacidade de base mas

também se adquire com a experiência, isto é, com o tempo e pelas

provações que se atravessam e se ultrapassam. Neste sentido, ter uma mente

forte não é uma característica imutável, logo se a acumulação de provações

criarem uma nova fragilidade é porque chegou a altura do treinador parar.

Treinar é uma profissão de risco, um risco que o treinador terá de aceitar e

de assumir sem que a sua personalidade profunda seja afectada negativa e

significativamente.

4.2.8. Serenidade e dignidade

Page 680: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 627

As crises emocionais e o desenvolvimento por vezes dramático da

competição obrigam que o treinador, sempre sob o olhar do público, tenha

uma conduta serena e digna. Sem serenidade e dignidade o treinador não

consegue ser independente das diferentes crises que possam surgir tais como

os erros de arbitragem, os acidentes competitivos, etc., e assim decidir

convenientemente em função das necessidades das situações de competição.

As atitudes emocionais do treinador contribuem para perturbar os seus

próprios praticantes/jogadores sendo contrário à acção educativa e um mau

exemplo para aqueles que nele procuram um apoio para as suas próprias

atitudes.

Neste contexto, é necessário proporcionar aos praticantes/jogadores um

equilíbrio emocional estável tanto no treino como na competição. Por esta

razão se exige que o treinador que está encarregue de dirigir e orientar os

praticantes/jogadores a capacidade de dominar os seus estados emocionais

em circunstâncias em que eles possam ser alterados. Um treinador que perde

o controlo de si próprio, que gesticula, se enfurece ou pretende aplicar

sanções por via de factos, não faz outra coisa que transportar factores

negativos para o seio do grupo ou da equipa.

4.2.9. Independência, decisão e coragem

As decisões do treinador têm de ser tomadas com independência e coragem,

numa afirmação de responsabilidade e em obediência aos princípios que

defende. A amizade pessoal com uma dada personalidade ou a pressão de

um dirigente ou grupo de sócios muitas vezes a favor de um dado

praticante/jogador deve ser ignorado pelo treinador fazendo jogar aquele(s)

que garanta(m) o melhor desempenho em função dos interesses do grupo ou

da equipa. Com efeito, o treinador deverá reagir às pressões com calma e

compostura, e continuar a tomar as decisões e os comportamentos que julga

Page 681: Metodologia Do Treino Desportivo

628 • Metodologia do treino desportivo I !

mais correctos com independência, coragem e com um pouco de senso

comum.

4.2.10. Ter entusiasmo

O treinador desportivo não pode levar para o treino ou competição as suas

preocupações pessoais, compete-lhe pois dinamizar as sessões de treino e

desencadear uma vontade real por parte dos praticantes/jogadores em

participar. Dado que esta exigência de trabalho se repete quase

quotidianamente o treinador deverá fazer um esforço para adaptar uma

atitude propícia afim de provocar uma adesão significativa dos

praticantes/jogadores num clima agradável. Logo, o entusiasmo que se

comunica representa uma das bases de gestão de um grupo ou equipa.

4.2.11. Saber reagir face ao resultado

O empenho e a honestidade intelectual do treinador desportivo proíbem-no

de procurar a todo o custo desculpas para as derrotas. Nem sempre é culpa

dos outros, do árbitro ou do vento que não se atingiram os objectivos

propostos. A autodefesa sistemática do treinador que assistimos

frequentemente pode levar ao descrédito da profissão. Dois profissionais

não podem estar sistematicamente em desacordo sobre um determinado

resultado - vitória merecida para um, derrota injusta para outro.

O treinador deve aceitar a sua cota parte de responsabilidade na vitória ou

na derrota conjuntamente com os seus praticantes/jogadores. Não existe

treinadores sempre bem sucedidos e perdedores crónicos. Numa carreira

profissional há necessariamente altos e baixos, o que marca a diferença é a

atitude face ao sucesso ou insucesso e a capacidade de o transpor de o

ultrapassar. As maiores vitórias, sejam no plano individual sejam no plano

colectivo surgem, muitas vezes, após um período difícil, constroem-se

Page 682: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 629

frequentemente a partir de um insucesso anterior, cujo carácter definitivo se

deve recusar.

Os insucesso são, por vezes, mais instrutivos que as vitórias, há sempre

ilações a extrair. Com efeito, convém relativizar em função do insucesso

que nunca deve representar mais do que uma paragem na progressão, uma

paragem momentânea nos objectivos a longo termo que se pretendem

alcançar e que devem manter sempre uma dimensão mobilizadora e

dinamizante.

Do que foi referido podemos concluir três aspectos essenciais:

• o treinador não pode ser indiferente perante os resultados obtidos na

competição pelos seus praticantes ou pela sua equipa, aceitando a sua

cota-parte de responsabilidade na vitória e na derrota;

• perante uma derrota a atitude do treinador deve ser de encontrar nesta

um estímulo, um desafio à sua competência técnico-desportiva

consubstanciando assim um motivação extra;

• perante a vitória a atitude do treinador deverá ser de "crítica"

apontando as razões principais que a permitiram e salientando com

oportunidade a necessidade de consolidar e aperfeiçoar no treino as

acções fundamentais, do esforço consciente, de uma óptima condição

física, do espírito da equipa, etc.

Concluindo, o treinador deverá impregnar os seus praticantes/jogadores da

necessidade de nunca renunciar à luta desportiva, o importante é dar o

máximo, independentemente do resultado final.

Page 683: Metodologia Do Treino Desportivo

630 • Metodologia do treino desportivo I !

5. Competências do treinador desportivo

Basicamente podemos estabelecer duas competências fundamentais do

treinador desportivo: i) uma competência técnico-desportivo e, ii) uma

competência táctico-estratégica.

5.1. Competência técnico-desportiva

A competência técnico-desportiva de um dado treinador é adquirida através

de duas fontes fundamentais e interligadas, por um lado, pelo estudo da

modalidade desportiva em causa e por outro, pelas verdadeiras e múltiplas

experiências adquiridas ao longo dos vários anos de prática como treinador.

A competência técnico-desportiva pode ser subentendida a partir de três

vertentes essenciais: i) ser um técnico especializado, ii) saber comunicar e iii)

saber ouvir.

5.1.1. Técnico especializado

Na procura de dissipar qualquer ambiguidade é necessário hierarquizar as

competências do treinador e começar pelo princípio. Logo, o treinador é

em primeiro lugar um técnico especializado na modalidade desportiva em

que exerce a sua acção. Neste sentido, deverá conhecer o mais

profundamente possível a sua modalidade em todas as suas principais

dimensões (histórico, cultural, estrutural, metodológico, relacional,

técnico, táctico e estratégico) e ter a capacidade de analisar o treino e a

competição descortinando os aspectos essenciais que permitam aprender,

aperfeiçoar e consolidar o rendimento individual (praticante/jogador) e

colectivo (equipa). É esta a competência base do treinador.

Com efeito, o treinador pode ser brilhante no domínio do relacionamento

humano estando sempre disponível e atento aos mais pequenos

problemas que gravitam à volta do praticante ou da equipa, mas, tudo isto

Page 684: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 631

é insuficiente se não tiver o conhecimento da modalidade desportiva em

que se encontra inserido, perdendo assim toda a sua autoridade que o

estatuto profissional lhe confere. A dimensão afectiva da relação entre o

treinador e os praticantes/jogadores tem os seus limites não constituindo

assim uma eterna forma de gestão desportiva eficaz.

A partir desta primeira competência do treinador desportivo derivam

todas as outras capacidades indispensáveis que podem deixar de o ser se

os conhecimentos da modalidade desportiva em causa forem

insuficientes.

5.1.2. Saber comunicar

O treinador desportivo deverá saber transmitir os seus conhecimentos,

isto é, tornar a sua competência técnico-desportiva acessível a todos os

praticantes/jogadores. Cada indivíduo tem uma forma de transmitir

conhecimentos isso implica a confrontação entre a sua própria

experiência e a experiência dos outros, neste caso dos

praticantes/jogadores. Não se trata de o treinador impôr o seu saber mas

de trazer novos elementos, de suscitar outros e pela sua análise, pelo seu

estilo, propor uma mensagem técnico e táctica que corresponde ao perfil

de capacidades e de particularidades dos praticantes/jogadores. Isto é

conseguido quando a escolha efectuada aparece aos olhos de todos como

a melhor opção. Saber comunicar envolve quatro aspectos fundamentais:

i) a credibilidade do treinador, ii) uma aproximação positiva, iii)

comunicar com coerência de, iv) dicção e correcta entoação.

5.1.2.1. Credibilidade do treinador

A credibilidade do treinador desportivo é provavelmente o elemento

mais importante para comunicar com eficácia com os

praticantes/jogadores. A credibilidade da sua comunicação reflecte-se

Page 685: Metodologia Do Treino Desportivo

632 • Metodologia do treino desportivo I !

na atitude destes e quanto eles podem confiar naquilo que diz. Com

efeito, a credibilidade do discurso incute nos praticantes/joagdores

sentimentos de confiança e motiva-os pois o que o treinador diz possui

um valor, isto é, o trabalho proposto tem todo o sentido e os

praticantes/jogadores necessitam dessa convicção para progredir. O

inverso, infelizmente, também é verdade. Nada é viável se os

praticantes/jogadores duvidarem das opções do seu responsável sendo

menos receptivos ao que lhes é pedido. A competência

técnico-desportiva exprime-se claramente quando as concepções do

treinador passam a ser dos praticantes, ou seja, quando estes as

defendem como se fossem as suas próprias ideias, sabendo que o

responsável técnico está na origem da maioria das escolhas. O

treinador unifica as concepções individuais ultrapassando-as,

transcende as oposições e favorece a adesão sem oposição às opções

propostas.

Finalmente, importa acrescentar que a credibilidade da mensagem está

em relação directa com a convicção íntima daquele que a emite.

5.1.2.2. Aproximação positiva

A aproximação positiva enfantiza os aspectos que estão correctos e

reforça comportamentos desejáveis. A aproximação negativa usa a

punição e a crítica para eliminar comportamentos indesejáveis. A

aproximação positiva ajuda os praticantes/jogadores a valorizarem-se

a si próprios e em troca dão ao treinador credibilidade. A aproximação

negativa cria nos praticantes/jogadores o medo de falhar, diminui a

sua autoestima e destrói a sua credibilidade. Usar a aproximação

positiva não significa que toda e qualquer mensagem deve ser elogiosa

independentemente da capacidade do praticante/jogador demonstra.

Elogios em demasia levam os praticantes/jogadores a duvidarem da

Page 686: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 633

sinceridade das mensagens do treinador. Em certos momentos os

praticantes/jogadores também devem ser "criticados", todavia essa

crítica deve ser realizada num sentido positivo.

A aproximação positiva é uma atitude que o treinador comunica

verbal ou não verbalmente devendo exprimir a vontade de

compreender, aceitar os outros num respeito mútuo. A maioria dos

treinadores têm o hábito de utilizar a aproximação negativa devido ás

seguintes razões (Martens, 1990):

• mau hábito: dizer aos praticantes/jogadores o que fazem de

errado em vez de dizerem o que eles fazem certo e a forma como

estes se exprimem (emoção/expressão) essa crítica;

• expectativas irrealistas: alguns treinadores esquecem-se das

idades dos jovens praticantes. Com efeito, um jovem de 14 anos

não tem 28, e um de 16 pode não ter uma técnica tão perfeita como

outro da mesma idade. Há que ter em mente que se os praticantes

fossem perfeitos não precisavam do treinador;

• pensam que atingem melhores resultados: a aproximação

negativa também resulta, pode ajudar os praticantes/jogadores a

aprenderem e a motivá-los para os atingir. Todavia, a frequente e

continua crítica, a forte emoção negativa cria nos praticante/jogador

interferências na aprendizagem e na motivação. Neste sentido, os

praticantes/jogadores assumem sistematicamente comportamentos

pelo seguro e evitar o risco com o medo de falhar e terem assim de

sofrerem a crítica do treinador.

A aproximação negativa é efectiva num limite temporal muito

limitado a partir dai os praticantes/jogadores fecham-se em si próprios

e o treinador perde a credibilidade. Neste contexto, o treinador deverá

privilegiar uma aproximação positiva perante o comportamento dos

praticantes/jogadores evidenciando constantemente o que está a ser

Page 687: Metodologia Do Treino Desportivo

634 • Metodologia do treino desportivo I !

bem executado e não os defeitos e carências dos mesmos. É o

sentimentos de progresso realizado e a convicção do progresso

possível que estimula a evolução dos praticantes/jogadores e não a

permanente recriminação e a insistência sobre os defeitos. Uma

aproximação positiva de valorização das atitudes e comportamentos

dos praticantes/jogadores é a chave para quem quer fazê-los progredir.

Por fim, o treinador deverá ser igualmente sensível às diferenças

individuais que encontra no seu grupo ou equipa e saber lidar com os

diferentes tipos de comportamento.

5.1.2.3. Comunicar com coerência

Martens (1990) refere que "comunicar com coerência é um desafio

muito importante para o treinador. É muito difícil dizer uma coisa e

fazer outra, ou de fazer uma coisa num dia e fazer o oposto noutro, ou

dizer algo e os sentimentos e expressões reflectirem outro. Os jovens

praticantes/jogadores ficam perturbados quando recebem esta

confusão de mensagens". Com efeito, o treinador normalmente pede

aos praticantes/jogadores que controlem as suas emoções quando

estão em competição, todavia observam o treinador a discutir com os

árbitros. O treinador pede que os praticantes/jogadores respeitem os

seus companheiros mas depois trata-os sem respeito. O treinador pede

aos praticantes/jogadores para estarem bem fisicamente mas não faz

nada para que ele próprio esteja nessas condições. O treinador diz aos

praticantes/jogadores para estarem confiantes e depois destrói tudo

isso insistindo constantemente em aproximações negativas

evidenciando os erros de execução.

5.1.2.4. Dicção e correcta entoação

Page 688: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 635

Estas exigências são indispensáveis para uma boa reposição "do que

quer que se faça". Um treinador que arrasta as palavras ou que não as

vocalize perfeitamente terá dificuldades para se fazer compreender e

pode criar estados emocionais negativos sobretudo nas situações de

competição.

5.1.3. Saber ouvir

A capacidade de ouvir é o denominador comum de todos os grandes

responsáveis. Com efeito, saber ouvir é uma virtude essencial na

actualidade pois desenvolve uma vigilância constante que permite ao

treinador compreender como cada praticante/jogador antecipando

eventuais perturbações, favorecendo uma dinâmica baseada na tomada de

consciência, nas particularidades e nas aspirações de cada um. Para

influenciar outrem há que antes de tudo entrar na sua lógica, aceitá-lo e

compreendê-lo para podermos fazê-lo evoluir. Neste contexto, o

treinador desportivo deverá consciencializar três aspectos fundamentais:

i) aprender a ouvir, ii) ser um ouvinte activo e, iii) saber comunicar não

verbalmente.

5.1.3.1. Aprender a ouvir

Normalmente os treinadores ouvem pouco os outros. Estão sempre

muito ocupados nunca dando aos outros a oportunidade de falar,

assumem que sabem tudo e que os praticantes/jogadores nada têm a

dizer, devendo ser observados mas não ouvidos. Não ouvir os

praticantes/jogadores cria roturas no processo de comunicação, logo,

num primeiro momento o treinador terá de reconhecer a necessidade e

a importância de ouvir os praticantes/jogadores. neste sentido deverá

(Martens, 1990):

Page 689: Metodologia Do Treino Desportivo

636 • Metodologia do treino desportivo I !

• concentrar-se naquilo que está a ouvir, isto é, dar a tenção aquilo

que está a ser dito;

• procurar a mensagem em vez de focar os detalhes, especialmente

quando existir desacordo;

• evitar interromper o praticantes/jogador. Existe a tendência de

interromper antecipando o que este irá dizer. Todavia, em muitas

situações descobre-se que a mensagem é bastante diferente.

Noutros momentos interrompe-se os praticantes/jogadores porque

são lentos a falar, porque o treinador é impaciente para ouvir

completamente a mensagem. É preciso lembrar que se é mais

rápido a compreender do que a falar;

• respeitar os direitos dos praticantes/jogadores na partilha dos

pontos de vista com o treinador;

• reprimir a tendência de responder emotivamente mas sim de

forma positiva.

5.1.3.2. Ouvinte activo

Podemos distinguir dois tipos de ouvintes: o passivo e o activo. O

ouvinte passivo é o que pensamos de um ouvinte típico, estando em

silêncio enquanto a outra pessoa fala. Segundo Martens (1990) "em

algumas situações esta forma é a mais indicada mas tem as suas

limitações porque a pessoa que fala não tem a certeza se a outra está

a procurar compreender realmente o que está a dizer. O ouvinte

passivo estabelece um certo grau de aceitação, todavia os

praticantes/jogadores poderão pensar que estão a ser avaliados. O

silêncio não comunica empatia (aptidão de alguém se colocar no

lugar do outro, compreender e inclusivamente as suas - deles -

reacções em determinadas situações). Pelo contrário, o ouvinte activo

estabelece uma interacção com os praticantes/jogadores

providenciando a prova de que está a compreendê-lo." Ser um ouvinte

activo determina que os praticantes/jogadores sentem que as suas

Page 690: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 637

ideias e sentimentos são respeitados e compreendidos dando em troca

a possibilidade de se ouvirem e compreendem com mais eficácia as

ideias e concepções do treinador.

5.1.3.3. A comunicação não verbal

Está estimado que 70% do total da comunicação é não verbal. Em

muitos desportos especialmente nos jogos desportivos colectivos a

comunicação não verbal é essencial a uma execução técnico-táctica

eficaz. Neste sentido, a comunicação não verbal é igualmente

importante no comportamento do treinador. A comunicação não

verbal é o que normalmente chamamos de linguagem corporal,

estabelecendo-se sob cinco diferentes categorias (Martens, 1990):

• movimento do corpo: inclui gestos, movimentos das mão,

cabeça, etc. Abanar a cabeça, abrir e fechar os olhos por exemplo

podem estabelecer um elevado grau de comunicação num contexto

de interacção;

• características físicas: peso, altura, condição física;

• comportamentos de contacto: palmadas nas costas, braço por

cima dos ombros, etc., são comportamentos que reforçam uma

comunicação positiva;

• características da voz: ritmo, ressonância, inflecções, etc., muitas

vezes não é o que se diz mas como se diz;

• posição do corpo: a distância e a posição do corpo em relação

aos outros.

5.2. Competência táctico-estratégica

As competências táctico-estratégicas exprimem-se fundamentalmente na

capacidade deste em definir um processo que analise, defina e sistematize as

diferentes operações inerentes à construção e desenvolvimento dos

Page 691: Metodologia Do Treino Desportivo

638 • Metodologia do treino desportivo I !

praticantes ou das equipas. Organiza-as em função das finalidades,

objectivos e previsões (a curta, média, ou longa distância), escolhendo-se as

decisões que visem o máximo de eficácia e funcionalidade da mesma.

A competência táctico-estratégica do treinador evidencia geralmente três

dimensões: i) a conceptual, ii) a estratégica e, iii) a táctica. Embora estas

questões já foram amplamente desenvolvidas na Parte V, Capítulos 1, 2 e 3

do presente livro, iremos fazer uma rápida compilação dos aspectos mais

importantes.

5.3.1. Dimensão conceptual

A dimensão conceptual da competência táctico-estratégica do treinador é

definido pelo estabelecimento de um conjunto de linhas gerais e

específicas que procuram direccionar e orientar a trajectória da

preparação do praticante ou da equipa no futuro próximo. Em última

análise, dimensão conceptual exprime-se num modelo de praticante ou de

jogo da equipa, o qual é consubstanciado a partir da análise dos

praticantes ou das equipas no presente, pela concepção por parte do

treinador na qual se incluem as tendências evolutivas da própria

modalidade desportiva pela definição das orientações do trabalho e as

vias para atingir os efeitos pretendidos.

A dimensão conceptual compreende essencialmente três etapas que se

constituem como três questões fundamentais que qualquer treinador

deverá equacionar: i) o modelo actual do praticante ou da equipa, ii) o

modelo que se pretende no futuro e, iii) como atingir esse modelo.

5.3.1.1. Descrição e análise da situação

Page 692: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 639

Esta análise, que poderá ser mais ou menos profunda, procurará

definir:

os seus valores intenções e finalidades;

a sua dimensão "estática" e "dinâmica" (estrutural);

a sua coordenação geral (metodológica);

os seus princípios (relacional);

os procedimentos técnicos de resolução das situações

competitivas (técnico-táctico);

o seu planeamento; e por último,

a análise da época desportiva anterior.

5.3.1.2. O responsável pela construção do modelo

A escolha por parte do treinador do modelo, obedece basicamente a

um critério fundamental: a sua concepção que deriva dos seus

conhecimentos sobre a modalidade desportiva em causa. Todavia, esta

deverá assumir três características essenciais:

um carácter progressista: isto significa que a concepção deverá

atender às grandes tendências evolutivas da modalidade e às suas

perspectivas de desenvolvimento;

um carácter adaptativo: a concepção deverá atender à

especificidade das características dos praticantes/jogadores que

compõem a equipa, de forma que estes possam exprimir natural e

eficazmente as suas próprias capacidades e interligá-las; e por

último,

a experiência e a capacidade intelectual do treinador: são os

factores preponderantes na construção de um modelo. Não se pode

Page 693: Metodologia Do Treino Desportivo

640 • Metodologia do treino desportivo I !

implantar ou executar aquilo que não se sabe, que não se domina

com suficiente segurança.

Analisada a época desportiva transacta, estabelecido o modelo, o

treinador determinará qual o objectivo real para a próxima época

desportiva. Partindo de pressupostos coerentes e idóneos é possível

estabelecer objectivos que não sejam constantemente mudados, quer

no plano positivo como negativo, ao longo do decorrer da competição.

Os presentes objectivos devem ser posteriormente transmitidos aos

praticantes/jogadores, por forma que estes saibam quais os níveis de

expectativa a que a análise do seu trabalho estará sujeito, e que estes

façam coincidir os seus objectivos pessoais com os objectivos

colectivos.

5.3.1.3. Elaboração de programas de acção

Esta fase consubstancia-se no estabelecimento e construção de planos

de intervenção pragmática, que procuram direccionar o trabalho do

treinador com o objectivo de fazer aproximar o mais rapidamente

possível, a análise dos praticantes ou das equipas em tempo real, com

a conceptualização do modelo no futuro. Esta programação deverá:

reproduzir o modelo: aspecto fundamental e característico da

elaboração dos programas de acção, é que estes devem reproduzir

de forma sistemática o modelo a atingir no futuro, que por sua vez

e como referimos, deve reproduzir a actividade competitiva em que

o praticante ou a equipa está inserida;

controlar o processo de evolução individual e colectiva: os

programas de acção exprimem, na sua essência, um processo de

evolução controlada do praticante e da equipa intervindo

Page 694: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 641

racionalmente na evolução dos factores que condicionam a sua

eficácia. Estabelece-se desta forma um conjunto de critérios que

direccionam o seu funcionamento e o seu desenvolvimento,

retirando simultâneamente, o carácter casuístico do processo de

treino, substituindo-o por uma sistematização que prevê a

direccionalidade para o futuro; e,

definir realisticamente objectivos intermédios: a elaboração de

programas de acção deverá definir de forma precisa e realística

objectivos intermédios, em quantidade e qualidade, os quais

quando atingidos constituem uma base segura para confirmar ou

redefinir os referidos programas. Estabelece-se assim a importância

da interligação (retroacção) permanente entre o controlo e a

correcção dos desvios entre o modelo actual e o modelo a atingir.

Neste contexto, a definição de objectivos intermédios exige

paralelamente, uma rigorosa forma de recolha da avaliação dos

resultados da acção dos praticantes ou da equipa.

5.3.2. Dimensão estratégica

A dimensão estratégica é consubstanciada pela elaboração de planos de

intervenção que se traduzem em modificações pontuais e temporárias

(funcionalidade especial) da expressão táctica de base do praticante ou da

equipa, isto é, da sua funcionalidade geral, que se estabelecem em função

dos conhecimentos e do estudo das condições objectivas sobre as quais

se realizará a futura confrontação desportiva. A presente dimensão

estratégica exprime sob três vertentes essenciais: i) recolha de dados e a

elaboração de planos, ii) orientação e constituição da equipa e, iii)

reuniões com a equipa.

5.3.2.1. Recolha de dados e a elaboração de planos

A/ A recolha de dados: é a primeira etapa da dimensão estratégica através

da qual o treinador compila as informações necessárias para conhecer

Page 695: Metodologia Do Treino Desportivo

642 • Metodologia do treino desportivo I !

e caracterizar o adversário ou a equipa adversária bem como os

elementos que a constituem. Concomitantemente, analisará as

condições em que a competição irá ser realizada.

B/ Elaboração do programa de preparação para o ciclo de treino: o treinador

deverá passar à concretização do referido plano, através da elaboração

e aplicação do programa de preparação do respectivo ciclo de treino.

Este programa (habitualmente semanal) compreende:

o número de treinos a efectuar durante este ciclo;

a sua duração, e a gradação da intensidade do esforço;

os exercícios mais específicos e idênticos, isto é, os mais

eficazes;

a possibilidade de efectuar uma prova/jogo-treino que servirá de

teste ao plano táctico e às missões tácticas a desempenhar pelos

diferentes elementos da equipa.

C/ Elaboração do plano táctico-estratégico: o treinador a partir da análise

objectiva dos dados irá elaborar o plano táctico-estratégico cuja

elaboração providencia a obtenção de dados sobre quatro aspectos:

a possibilidade de o treinador no mesmo momento que define a

melhor preparação possível para os seus praticantes ou para a sua

equipa, prepara-se teórica e mentalmente para a competição

estabelecendo quais as respostas tácticas mais rápidas, mais

racionais e mais eficazes às questões formuladas pelo treinador e

pelos adversários durante a competição;

avaliará as divergências verificadas entre o plano táctico

concebido e as situações que surgem durante a competição

podendo-se assim aferir a metodologia de preparação, no que diz

respeito à sua eficácia e às suas deficiências;

avaliará o grau de identidade entre o plano proposto aos

praticantes/jogadores e a sua aplicação por estes durante a

competição; e a,

Page 696: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 643

utilização de todos estes elementos para a etapa de reunião de

análise da competição.

5.3.2.2. Orientação e constituição da equipa

A/ A orientação geral do jogo colectivo: nesta etapa o treinador estabelece

fundamentalmente qual das fases do jogo (ataque ou defesa)

constituirá o aspecto principal para se atingir a vitória, ou os

objectivos da equipa e, consequentemente, se a organização da defesa

subordinar-se-à à organização do ataque ou se deverá ser ao contrário.

B/ Constituição da equipa: é preciso ter em mente, que a constituição da

equipa é uma das "áreas mais sensíveis" da dialéctica resultante entre

o grupo de jogadores que formam a equipa, e o treinador que é o

responsável máximo pela gestão desses recursos humanos. Com

efeito, a constituição de uma equipa é objectivada, por um lado, pela

direccionalidade das diferentes actividades essenciais dos jogadores e,

por outro, pela integração e coerência interna do grupo através de

orientações claras devendo passar por dois critérios básicos:

o primeiro é consubstanciado pela escolha e distribuição por

lugares no contexto dos sectores (defensivo, médio e atacante) da

equipa, em função da necessidade de assegurar a funcionalidade da

táctica de base da equipa;

o segundo é traduzido pela escolha de jogadores que estabelecem

a adaptação da funcionalidade de base da equipa em função das

características da expressão táctica da equipa adversária,

conferindo-lhe uma funcionalidade específica, com carácter

temporário (só para aquele jogo).

C/ Distribuição das missões tácticas: o treinador deverá distribuir as:

missões tácticas individuais; para as quais deverá ter em conta as

particularidades e as capacidades dos jogadores escolhidos,

procurando realçar o seu valor; e as,

Page 697: Metodologia Do Treino Desportivo

644 • Metodologia do treino desportivo I !

missões tácticas colectivas; que visam a coordenação das acções

de 2 ou 3 jogadores procurando:

minimizar a eficácia técnico-táctica de um ou mais

adversários;

tirar vantagem de um aspecto menos positivo de um certo

espaço de jogo ou de um adversário.

5.3.2.3. Reuniões com a equipa

A/ Reunião de reconhecimento do adversário: constitui-se como a primeira

etapa de carácter teórico do plano estratégico de preparação do

praticante ou da equipa para a competição, e visa essencialmente, tal

como a sua denominação indica, dar a conhecer aos

praticantes/jogadores, através da palavra do treinador, os aspectos

considerados mais pertinentes da organização do adversário. A

importância desta reunião decorre do facto de quando os

praticantes/jogadores são advertidos para as características dos

adversários directos, poderão percepcionar/analisar a situação

competitiva mais rápida e eficazmente, influenciando, por

consequência, de forma positiva a resposta adequada. A importância

desta reunião é determinada igualmente pela harmonização dos

divergentes conhecimentos que os diferentes praticantes/jogadores têm

dos adversários, baseado em opiniões pessoais adquiridas ao longo da

sua experiência e pelos meios de informação social.

B/ A reunião de preparação para a competição: constitui-se como uma

etapa fundamental de importância vital para a eficácia estratégica do

praticante ou da equipa, na qual o treinador intervém, pela última vez,

de forma sistemática, sendo, neste sentido, fundamental encontrar as

ideias e as palavras justas ao momento. Tem um carácter

fundamentalmente teórico versando aspectos técnicos, tácticos,

psicológicos e organizativos, respeitantes aos praticantes ou às duas

Page 698: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 645

equipas (própria e adversária) em confronto. Com efeito, esta reunião

contribui substancialmente para a participação consciente, sobre o

entendimento, clarificação e sistematização da direcção geral da

actividade do praticante ou da equipa (e das missões tácticas

individuais atribuídas aos diferentes jogadores em particular). A

reunião de preparação poderá evidenciar os seguintes objectivos:

precisar de forma conclusiva as diferentes missões tácticas e a

forma segundo a qual os jogadores irão colaborar uns com os

outros;

contribuir para ultrapassar o estado emotivo e para o

estabelecimento no seio da equipa de um sentimento positivo;

apreciação final das características e das potencialidades dos

adversários, sem as sobrestimar nem as subestimar;

contribuir para estimular as componentes volitivas e morais;

estabelecer algumas medidas que prevejam situações para o caso

de se conseguir uma vantagem, ou pelo contrário, uma

desvantagem durante o jogo; e por último,

contribuir para desenvolver o nível de preparação teórica dos

jogadores para esse jogo em especial e para os jogos seguintes em

geral.

C/ Reunião de análise da competição: a importância desta reunião deriva

da sua dupla dimensão. Encerra, por um lado, o ciclo de preparação do

praticante ou da equipa para a competição já realizada e, abre por

outro, um novo ciclo de preparação para o próximo confronto

desportivo. Nestas circunstâncias, a reunião de análise da competição

funciona como um meio de reflexão e análise sobre o passado (o que

foi planeado e as soluções estabelecidas, o que foi treinado e o que

aconteceu na realidade durante a competição), e na perspectivação do

futuro por forma a operacionalizar e a precisar quais os aspectos que

devem ser treinados e por via disso melhorados.

Page 699: Metodologia Do Treino Desportivo

646 • Metodologia do treino desportivo I !

5.3.3. Dimensão táctica

A dimensão táctica é definida pela aplicação prática, isto é, pelo carácter

aplicativo e operativo da dimensão conceptual e da dimensão estratégica,

procurando utilizar de forma racional e oportuna durante

competição/jogo, as qualidades físicas, técnico-tácticas e psicológicas

individuais e, colectivas, seleccionando-os, organizando-os e

coordenando-os unitariamente com vista à concretização dos objectivos

pré-estabelecidos.

Cabe ao treinador analisar os diferentes aspectos que decorrem durante a

situação competitiva e encontrar as soluções mais eficientes ou aquelas

que ele pensa que são as mais eficientes para a concretização dos

objectivos pré-determinados. Ora, não seria lógico, nem conveniente

deixar de ser o treinador, durante a competição ou seja, no momento

crítico e onde surgem o maior número e a maior complexidade de

problemas a decidir pelos ajustamentos que lhe parecem mais correctos,

em função dos conhecimentos dos seus praticantes/equipa e dos

adversários.

O treinador segue "à distância" de forma crítica aquilo que se passa na

competição dando indicações (através de palavras ou sinais) claras,

concisas e completas por forma a ajudar os seus praticantes/jogadores, a

encorajá-los, exortando-os, e se necessário admoestando-os. Tudo isto na

procura de um ajustamento o mais eficaz possível, ou um melhoramento

do seu rendimento. Durante o intervalo da competição, o treinador

informa os praticantes/jogadores sobre alguns acontecimentos pertinentes

ocorridos na primeira parte, e as alterações a introduzir para se

rentabilizar o rendimento da segunda parte. Por último, depois do jogo, o

treinador partilha com todos o resultado positivo ou negativo, e exprime

breves ideias sobre a competição e a orientação do trabalho no futuro.

Page 700: Metodologia Do Treino Desportivo

" O treinador desportivo • 647

5.3.3.1. Direcção durante a competição

A direcção durante a competição inferma de imediato, numa primeira

grande dificuldade, que deriva da necessidade de se ter de observar os

nossos praticantes e adversários simultaneamente. Alguns treinadores

concentram-se demasiado sobre as acções dos seus próprios

praticantes, perdendo, por um lado, a possibilidade de reagir a tempo

às soluções postas em prática pelos adversários e, por outro, a

possibilidade de valorizar convenientemente o rendimento dos seus

praticantes, pois esta valorização tem de ter em conta os adversários.

Com efeito, devido à grande quantidade de factores que o treinador

tem que observar e analisar durante a competição, pois só a partir

deste reconhecimento é possível tomar eventuais decisões, é

necessário que o treinador estabeleça um "guia" ou "roteiro"

sequencial e automatizado que lhe permita retirar as informações,

consideradas por ele, mais pertinentes, para que estabeleça uma

decisão rápida e segura. Daqui se infere a necessidade de o treinador

presenciar o jogo num estado físico e intelectual óptimo, julgando as

diferentes situações competitivas a partir de rotinas de observação

caracterizadas pela sua selectividade, sistematização, e rapidez, sem se

envolver emocionalmente nelas, cumprindo esta tarefa com plena

concentração e objectividade.

A/ As substituições: podem ser consideradas como o meio mais

operacional e objectivo da intervenção do treinador, durante o

decurso da competição, procurando modificar ou corrigir aspectos

de carácter geral ou pontual, indispensáveis. Todavia, esta acção só

será eficaz se for substituído o praticante/jogador certo, no

momento oportuno, pelo companheiro mais indicado, cujas funções

tácticas são as mais adaptadas às circunstâncias momentâneas da

competição.

Page 701: Metodologia Do Treino Desportivo

648 • Metodologia do treino desportivo I !

B/ Os descontos de tempo: são um meio fundamental de intervenção

do treinador durante o decorrer da competição. Com efeito, as

regras da maioria dos jogos desportivos colectivos (basquetebol,

voleibol, andebol, hóquei em patins, etc.), possibilitam ao treinador

interromper (em certos momentos) a competição por forma que este

possa dirigir-se aos seus jogadores e informá-los sobre os

ajustamentos ou alterações que decidiu implementar quer no plano

individual como colectivo com vista a melhorar o seu rendimento.

Estes ajustamentos/alterações devem basear-se na cuidada

observação da situação competitiva. No entanto, para além de meio

fundamental de intervenção do treinador os descontos de tempo são

igualmente um meio pedagógico que importa explorar e

dimensionar especialmente quando se trata de jogadores ou de

equipas em formação/pré-especialização. Durante a competição

muitas são as situações em que a palavra do treinador não é

possível ser ouvida pelos jogadores devido às condições acústicas e

especialmente devido à tensão emocional em que os jogadores

estão sujeitos no decorrer desta.

5.3.3.2. Direcção durante o intervalo da competição

Durante o intervalo da competição, o treinador tem um conjunto de

obrigações e decisões importantes a tomar, tendo por objectivo:

estabelecer as condições mais favoráveis à recuperação dos

praticantes/jogadores e, concomitantemente;

informá-los sobre certos ajustamentos ou alterações, de forma a

manter ou a melhorar o rendimento destes.

5.3.3.3. Direcção logo após o terminus da competição

As acções a ter em conta por parte do treinador logo após o terminus

da competição deverão ser as seguintes:

partilhar com todos o resultado da competição;

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" O treinador desportivo • 649

fazer uma curta intervenção para acalmar a tensão,

desdramatizando no caso de uma derrota, ou evitando as explosões

exageradas de júbilo no caso de vitória;

rever lesões e casos particulares; e,

avaliar a eficácia da equipa tendo em consideração que o

resultado final é "apenas" um indicador importante. Muitas vezes

esse resultado não reflecte, nem de longe nem de perto, a realidade

do rendimento conseguido. Por outras palavras, o treinador não

deve confundir o rendimento com o êxito ou inêxito da equipa.