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Metodologia Escravo, nem pensar!

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Documento sistematiza e compartilha os principais elementos da metodologia das formações de professores sobre trabalho escravo contemporâneo realizadas pelo programa Escravo, nem pensar!

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Page 1: Metodologia Escravo, nem pensar!

Rua Bruxelas, nº 169 São Paulo - SP CEP 01259-020Tel: (11) 2506-6570escravonempensar@reporterbrasil.org.brwww.escravonempensar.org.br

Uma experiência de formação continuada para professores

METODOLOGIA ESCRAVO, NEM PENSAR!

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Introdução

O programa Escravo, nem pensar! (ENP!), coordenado pela ONG Repórter Brasil completou dez anos de experiência em 2014. Ao longo dessa década, o ENP! foi responsável por desenvolver uma metodologia voltada para a rea-lização de formações para professores e lideranças sobre o tema do trabalho escravo e assuntos correlatos.

Nesse período, o programa já realizou mais de 50 formações em municípios dos estados da Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí e Tocantins; cerca de 3 mil pessoas foram beneficiadas com essa ação do ENP!.

Avaliada positivamente por professores, lideranças, parceiros e apoiadores, a metodologia utilizada nessas formações é orientada por princípios1, que nor-teiam as ações e relações do programa, e constituída por recursos pedagó-gicos desenvolvidos e aprimorados em um processo formativo, que incluem 56 horas de atividades presenciais.

Ainda que essa metodologia tenha o trabalho escravo como tema central, acreditamos que ela pode ser utilizada para abordar aoutras temáticas de direitos humanos. Diante disso, o compartilhamento dessa experiência pode colaborar com a construção de outras ações educativas, sejam de institui-ções governamentais ou da sociedade civil, para públicos diversos, mas que tenham como pressuposto os valores relacionados aos direitos humanos.

Não pretendemos divulgar prescrições ou fórmulas prontas para se construir uma ação educacional idealmente eficaz. A própria metodologia pedagó-gica do ENP! está em constante transformação e aperfeiçoamento. Por isso, ainda que guiada por fundamentos teóricos, uma metodologia educacional coerente para o fomento a projetos nas escolas e comunidades deve estar calcada na realidade dos educadores e educandos.

Primeiramente, apresentamos um breve histórico do programa, o contexto político de sua atuação e os princípios que orientam o seu trabalho. Na segunda parte deste documento, descrevemos e explicamos elementos pe-dagógicos, elaborados e aprimorados ao longo de dez anos de trabalho; o processo formativo em que se insere; e as reflexões e princípios que influen-ciaram a concepção dessa metodologia.

Boa leitura!

1 Vide anexo na página 28 sobre os princípios do programa

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2

Sumário

1. O programa Escravo, nem pensar! 1.1. O contexto

2. Formação continuada de professores do ENP!2.1. Local de atuação 2.2. Público alvo 2.3. A proposta pedagógica

2.3.1. Metodologia de projetos2.3.2. Pressupostos metodológicos

2.4. A semana de formação 2.5. A sequência didática

2.5.1. Estrutura de conteúdo2.5.2. Recursos didáticos2.5.3. Dinâmicas2.5.4. Materiais de apoio

2.6. A sequência didática dos encontros de acompanhamento pedagógico

3. Metodologia da formação continuada do ENP!3.1. Documentos do processo formativo

4. A formação do ENP! no contexto da Educação em Direitos Humanos

5. Anexos5.1. Princípios norteadores do Escravo, nem pensar!5.2. Documentos

0304

05050506070809091112171820

2123

26

282832

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3

1 O programa Escravo, nem pensar!

O programa Escravo, nem pensar! tem como missão “diminuir o número de trabalhadores aliciados para o trabalho escravo e submetidos a condições análogas a de escravidão nas zonas rural e urbana do território brasileiro, por meio da educação”. Seus objetivos estratégicos são: (i.) difundir o conheci-mento a respeito de tráfico de pessoas e de trabalho escravo contemporâneo como forma de combater essas violações de direitos humanos; (ii.) promover o engajamento de comunidades vulneráveis na luta contra o trabalho escravo e o tráfico de pessoas.

Ele teve início em 2004, graças a uma parceria com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Sua fundação se deu em resposta às demandas do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, documento elaborado por representantes do poder público, da so-ciedade civil e de organismos internacionais e lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2003. No 2º Plano Nacional para Erradi-cação do Trabalho Escravo, de setembro de 2008, o Escravo, nem pensar! foi incluído nominalmente, por decisão unânime dos membros da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). A meta de nú-mero 41 do Plano estabelece: “Promover o desenvolvimento do programa ‘Escravo, nem pensar!’ de capacitação de professores e lideranças populares para o combate ao trabalho escravo, nos estados em que ele é ação do Plano Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo”. Atualmente, é também meta de planos estaduais do Mato Grosso, Pará, Tocantins e Maranhão.

Assim, ao longo de uma década o programa tem se tornado política pública das esferas municipal, regional, estadual e nacional. Por meio disso, o tra-balho escravo tem se consolidado como tema transversal nos currículos das escolas públicas do país.

O programa realiza e desenvolve:

• Metodologias educacionais para temas em direitos humanos;

• Formações de professores, de gestores públicos de Educação e de lideranças populares;

• Materiais didáticos (publicações, planos de aula, jogos etc.);

• Assessoria técnica e financeira para experiências comunitárias;

• Festivais e concursos culturais de âmbito municipal e/ou estadual;

• Assessoria para a institucionalização do tema do trabalho escravo e assuntos correlatos em planos de educação.

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O contexto

O governo federal brasileiro assumiu a existência do trabalho escravo con-temporâneo perante o país e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1995. Assim, o Brasil se tornou uma das primeiras nações do mundo a reconhecer oficialmente a ocorrência do problema em seu território. De 1995 até 2011, mais de 45 mil trabalhadores foram libertados de situações análogas a de escravidão.

Tradicionalmente, esse tipo de mão de obra tem sido empregado em ativida-des econômicas, desenvolvidas na zona rural, como a pecuária, a produção de carvão e os cultivos de cana de açúcar, soja e algodão. Nos últimos anos, essa situação também tem sido verificada em centros urbanos. Infelizmente, há registros de trabalho escravo em todos os estados brasileiros.

No Brasil, 95% das pessoas submetidas ao trabalho escravo rural com fins de exploração econômica são homens. As atividades para as quais esse tipo de mão de obra é utilizado exigem força física, por isso os aliciadores têm procurado basicamente jovens entre 18 e 35 anos. Os trabalhadores rurais libertados são, em sua maioria, migrantes que deixaram suas casas com destino à região de expansão agrícola. Saem de suas cidades atraídos por falsas promessas de aliciadores ou migram forçadamente pela situação de penúria em que vivem.

Em zonas urbanas, a construção civil é um setor onde foram registradas ocorrências de uso de mão de obra escrava. Em 2013, foram 866 trabalha-dores libertados de situação de trabalho degradante. Atualmente, essa ati-vidade tem sido uma das principais opções para trabalhadores que migram em busca de trabalho.

Ainda no que se refere a atividades não agrícolas, o setor têxtil merece a atenção em que estão empregados os imigrantes latino-americanos, como a de bolivianos, paraguaios e peruanos. De acordo com dados do Ministério da Justiça, de 2010 até abril de 2012, o número de estrangeiros em situação regular no Brasil aumentou em 60%. Há ainda aqueles que, por estarem em situação irregular, são mais vulneráveis à exploração e a terem seus direitos desrespeitados. A migração é um direito humano, no entanto, muitas vezes, o fenômeno está relacionado a violações de direitos, como o trabalho escra-vo contemporâneo e o tráfico de pessoas.

Atualmente, o governo brasileiro tem centrado seus esforços para o combate desse crime, especialmente na fiscalização de propriedades e na repressão por meio da punição administrativa e econômica de empregadores flagrados utilizando mão de obra escrava.

Entretanto, a erradicação do problema só pode ser efetivada por meio da garantia de outros dois aspectos: a prevenção e a assistência ao trabalhador libertado, que devem ser feitas por meio de ações da sociedade civil e pela adoção de políticas públicas por órgãos governamentais, para que se reverta a situação de pobreza e de vulnerabilidade. A atuação nessas duas frentes de combate visa a atacar a origem do trabalho escravo, interrompendo a reincidência desse tipo de exploração.

Diante disso, a educação tem papel fundamental para a quebra de paradigmas e a divulgação de informações, agindo diretamente na prevenção ao problema.

1.1.

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5

Formação continuada de professores do ENP!

Local de atuação

Na “geografia do trabalho escravo”, é possível realizar um trabalho de pre-venção no local de origem de trabalhadores ou no local onde eles são ex-plorados. Localizamos os municípios mais críticos em relação a esses dois contextos a partir das consultas feitas a entidades governamentais e não go-vernamentais, envolvidas com o combate do trabalho escravo no país. Após esse levantamento e a partir das pesquisas aprofundadas e articulação com parceiros, o ENP! seleciona o município para realizar o processo formativo com os educadores e lideranças.

Público alvo

O público da formação do ENP! são professores da rede pública municipal e/ou estadual, porque a capilaridade da atuação desses profissionais em suas comunidades potencializa a propagação das informações e aumenta o al-cance da prevenção ao trabalho escravo.

Além dos professores e das lideranças2, as formações envolvem outros pro-fissionais da área da Educação, como coordenadores e diretores das escolas e gestores das secretarias de Educação. A participação desses atores é muito relevante, já que são multiplicadores de conteúdos para professores e outros educadores da rede de ensino.

Nas comunidades, os professores são o elo entre a população local e a es-cola, que é um espaço de formação, proteção e referência para crianças e adolescentes, onde ocorre a transmissão de valores e a construção de co-nhecimento. A escola é compreendida como ponto de referência social dos municípios por ser o lugar em que acontecem experiências agregadoras, como festejos e eventos culturais. Além disso, o professor exerce um papel de “autoridade do conhecimento”, e por isso as informações que são veicu-ladas por eles são entendidas como legítimas e importantes.

2 No início do programa, após a atividade com os professores, eram realizadas formações es-pecificamente para lideranças comunitárias nos municípios. Atualmente, elas não configuram o público direto das ações, mas participam das formações junto com os professores. Geralmente, as lideranças são representantes de sindicato de trabalhadores rurais, associações de produtores rurais, entidades da sociedade civil envolvidos na luta contra o trabalho infantil e trabalho escravo. Além do conteúdo que agregam às discussões, as lideranças estão em contato direto com trabalhadores e seus familiares por meio do trabalho de suas organizações, o que facilita a disseminação de informações.

22.1.

2.2.

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6

Na formação, contamos com um público formado por 50 profissionais da educação. A inscrição destes se dá por meio de distribuição de fichas de inscrição, elaboradas pelo ENP!, aos órgãos de ensino municipal e estadu-al. A estes, cabe a divulgação da formação e distribuição das fichas entre as escolas3. No geral, os participantes do programa são professores das Ci-ências Humanas, do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, assim como coordenadores e supervisores. No entanto, professores de outras áreas de conhecimento e de outras modalidades de ensino (Ensino Fundamental I e EJA) também são bem-vindos.

O público do ENP! é composto, portanto, por formadores de opinião, que estão em constante contato com estudantes jovens e adultos que, por esta-rem no vigor da força física, são os mais visados pelos aliciadores para o tra-balho braçal. Por sua vez, os estudantes, formados pelos professores que par-ticipam das formações do ENP!, também são responsáveis por disseminar as informações sobre o trabalho escravo para as suas famílias e outros membros de suas comunidades. Assim, os professores fazem as informações chegarem direta e indiretamente aos trabalhadores. Dessa forma, as ações do ENP! geram uma zona de influência, uma vez que mobilizam educadores, alunos, lideranças comunitárias, poder público e comunidades que, juntos, são ca-pazes de compor uma rede engajada para a prevenção ao trabalho escravo.

O trabalho do ENP! tem em vista alertar a população, que convive com as ondas migratórias, sobre os riscos de promessas de trabalho atraentes, mas que nem sempre apresentam garantias de sua concretização e do respeito aos di-reitos trabalhistas. Com a informação, as comunidades têm a oportunidade de reconhecer as situações de exploração e, assim, evitá-las. Além disso, quando o tema é debatido na comunidade, o problema passa a ser visibilizado, desna-turalizando a prática de exploração arraigada nas relações de trabalho.

Diante disso, o objetivo do programa é também construir uma cultura de di-reitos, aproximando os cidadãos de informações ainda pouco conhecidas, e motivá-los a denunciar os abusos às autoridades competentes e, assim, inibir os maus empregadores a cometer o crime.

A proposta pedagógica

A formação do ENP! possui duas linhas de ação: a sensibilização sobre o trabalho escravo e a discussão sobre a experiência e a prática profissional dos professores.

Como o trabalho escravo nem sempre é reconhecido, é importante tornar o tema mais próximo do público, desnaturalizando a sua ocorrência. Assim, durante a formação, o trabalho escravo é debatido não apenas como uma infração traba-lhista, mas também como uma situação desumana a que o indivíduo é subme-tido por meio de uma relação de poder que lhe retira a liberdade e a dignidade.

3 Há duas formas de realizar essa distribuição: ela pode ser feita a todas as escolas, que inscre-vem todos os interessados, ou é possível combinar previamente com as secretarias a inscrição por repre-sentação por escola ou faixa de ensino. Nesse caso, a representação é pensada tendo em vista contemplar o numero total de participantes. No primeiro caso, o número total de inscritos costuma ultrapassar os 50, e a equipe do programa seleciona aqueles com maior potencial de multiplicação do tema.

2.3.

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7

Como diz Candau: “a noção de dignidade humana deve perpassar os diferentes temas abordados e constituir-se num eixo vertebrador de todo o processo desenvolvido4”.

Além da sensibilização ao tema, consideramos que a formação continuada deve complementar e enriquecer as práticas profissionais dos participantes. Não basta agregar informações que ampliem as referências acadêmicas ou mesmo despertar o olhar dos participantes sobre situações de exploração; é fundamental que a formação discuta as questões do universo escolar e os meios de incorporar o assunto – o trabalho escravo - concretamente na dinâmica de trabalho dos professores.

Logo, a sensibilização e a experiência profissional são elementos insepa-ráveis: de nada adianta o professor se indignar contra o trabalho escravo, se não houver reflexões e ações quanto ao papel social da escola diante dessa problemática. É preciso realizar a atualização do currículo programá-tico em função da realidade local vivenciada e criar projetos participativos e atraentes para que os estudantes, além de informar e aprenderem sobre o novo tema, desenvolvam o aprendizado e aprimorem as habilidades e as competências exigidas em cada disciplina escolar. Uma atividade centrada apenas nas exigências curriculares e na realização de didáticas inovadoras, desprovida de um conteúdo que faça sentido para o universo escolar, corre-ria o risco de ser inócua e meramente formal.

Metodologia de projetos

A equipe do programa construiu a proposta educacional da semana da formação em torno da metodologia de projetos investigativos5. Essa meto-dologia presume que a abordagem de um assunto seja feita por meio da interdisciplinaridade e de estratégias didáticas criativas. Assim, os projetos desenvolvidos a partir dessa metodologia mobilizam a comunidade esco-lar em torno de um tema gerador, tendo um resultado final específico, mas sem deixar de valorizar o processo de construção.

A justificativa para a escolha dessa metodologia se deve à presença de ele-mentos que tornam a atividade educacional profícua. Dentre eles estão:

• A transversalidade da abordagem, ou seja, a possibilidade de o tema permear diversas áreas do conhecimento, reunindo educadores de dife-rentes disciplinas ou lideranças de diversas áreas de atuação;

• O trabalho integrado de pessoas com experiências distintas;

• A postura ativa assumida por todos os participantes - professores, funcio-nários e estudantes, além de outros atores da comunidade, como pais de alunos, lideranças e trabalhadores - na construção do projeto;

4 Candau, Vera Maria Ferrão e Sacavino, Susana Beatriz. Educação em direitos humanos e for-mação de educadores. Educação, v. 36, n.1, jan-abr 2013, pág. 64

5 “Projeto investigativo é aquilo que alguém se propõe a realizar, na escola, pela pesquisa, de forma bem explicitada e bem estruturada, em etapas, prazos, com metodologia própria, estratégias, hipóteses, coleta de dados, análise, comprovação e deduções, para alcançar determinados resultados”. Martins, Jorge Santos. Trabalho com projetos de pesquisa – Do ensino fundamental ao ensino médio. Papirus, São Paulo, 2007, pg. 18

2.3.1.

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8

• A valorização do trabalho colaborativo e horizontal em contraposição às

formas mais ortodoxas de se trabalhar na escola;

• A transposição dos limites da sala de aula e da própria escola, devido ao envolvimento de atores da comunidade, que são externos ao ambiente escolar.

Essa metodologia não exclui outros métodos de trabalho6. Com o objetivo de torná-la concreta, a semana de formação foi pensada para que os professores construam e sistematizem paulatinamente o conhecimento a partir de suas próprias reflexões e do intercâmbio de opiniões e ideias com os facilitadores das formações. Assim, o público incide diretamente nos processos e resulta-dos das atividades. Eles também contribuem para as tomadas de decisões da organização logística da semana, como horários de intervalo, programação da tarde cultural e outras questões práticas.

Pressupostos metodológicos

É relevante destacar que a proposta metodológica do ENP! está ancorada em pressupostos metodológicos específicos, que derivam dos princípios gerais do programa. Tais pressupostos se inspiram na educação popular e se conso-lidaram durante os anos de existência do programa.

Primeiramente, compreendemos que todo indivíduo é provido de saber, o qual deve ser valorizado, seja ele formal ou informal. Sendo assim, o conhe-cimento só pode ser construído de forma efetiva, se essa construção for cole-tiva, partindo de todos os sujeitos envolvidos no processo educativo. Logo, a participação e o diálogo são centrais nesse processo; ambos são instrumen-tos didáticos que permitem a troca de saberes. Além disso, o conhecimento deve ser contextualizado na realidade local.

Outro pressuposto fundamental é a valorização da autonomia dos sujeitos. En-tendemos que os participantes da formação devem se colocar como sujeitos do processo educativo, durante a formação e em suas escolas. Sendo assim, apresentamos propostas de abordagens dos conteúdos, de discussões e didá-ticas específicas para que sejam incorporadas, reproduzidas ou transformadas pelos participantes de acordo com a sua experiência e o contexto local. É importante ressaltar que um de nossos pressupostos é também a utilização de materiais didáticos simples, de fácil acesso e triviais ao ambiente escolar, o que colabora para essa apropriação e adaptação da metodologia utilizada na formação para a sala de aula.

6 Discutimos com os professores os propósitos que levam à construção de um projeto pedagógi-co que deve estar fundamentalmente calcado nos conteúdos programáticos e que seja elaborado levando em consideração as necessidades de aprendizagem das turmas e os temas já trabalhados nas escolas. Os projetos escolares possuem uma duração relativamente curta. Portanto, a abordagem do tema por meio de outras metodologias, por exemplo, por cada professor em sua disciplina separadamente, contribui para manter a discussão sempre viva.

2.3.2.

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9

A semana de formação

A semana de formação conta com 40 horas de atividades, durante cinco dias consecutivos, sendo que, em cada dia, contamos com dois períodos de quatro horas de formação, com intervalos de 15 minutos em cada um desses períodos. A duração da formação leva em conta, entre outros fatores, a necessidade de dis-cutir o trabalho escravo de modo aprofundado, contextualizado à realidade local e relacionado a outras temáticas, e de se construir planos de ação com o público.

O espaço da formação é uma sala ou auditório, geralmente fornecido por órgãos públicos locais, e deve ter recursos básicos, como cadeiras e mesas para parti-cipantes, lousa, giz/pincel, computador e datashow. O programa providencia materiais básicos de papelaria, que são utilizados ao longo da semana com os professores, além de publicações e outros recursos didáticos, como cartazes, tar-jetas e outros materiais gráficos elaborados pelo próprio programa.

Quanto às atividades desenvolvidas, há debates, aulas expositivas, análise de material audiovisual, rodas de conversa, construção de planos de ação e ati-vidades culturais, abordados mediante metodologia específica. São abordados diversos temas relacionados ao trabalho escravo, como trabalho, migração, questão agrária, tráfico de pessoas, além de questões referentes à forma de abor-dagem desses temas em sala de aula, com proposição de didáticas inovadoras.

É importante considerar que a mudança de paradigmas não se realiza su-bitamente, tampouco a compreensão de temas sociais se dá em um curto espaço de tempo. Levando em conta essas considerações, a formação do ENP! é caracterizada como continuada, pois lança mão de uma metodologia processual. Assim sendo, a semana de formação está inserida em um pro-cesso formativo que é constituído por etapas anteriores e posteriores à sua realização, como os encontros de acompanhamento pedagógico.

Nas próximas sessões, vamos detalhar a metodologia e o conteúdo da semana de formação. Em seguida, discorreremos sobre o processo mais amplo em que ela está inserida. O detalhamento das etapas mencionadas será feito na página 21.

A sequência didática da semana de formação

A semana de formação tem como referência uma sequência didática, ou seja, um roteiro que articula as atividades didáticas com os conteúdos.

Como o programa lida com o tema do trabalho escravo, uma problemática atual e suscetível a mudanças causadas pelas ações de combate e outras variá-veis, o conteúdo é revisto e atualizado constantemente, inspirando novidades na forma de abordagem. Sendo assim, a sequência didática não é uma fórmu-la fixa para todas as formações, mas muda conforme o contexto do município onde será feita a formação e, por isso, o ENP! considera essencial se atentar às particularidades das situações vivenciadas pelos professores em seu cotidiano.

Como mencionado, a melhor forma de estimular os professores a introdu-zirem os temas sociais em conteúdos escolares e indicar possibilidades re-ais para isso é por meio de uma metodologia que os oriente na abordagem do conteúdo com os alunos em sala de aula ou em projetos extracurricu-lares. Essa metodologia prima pela postura ativa e participativa de alunos

2.4.

2.5.

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10

e professores e inclui recursos didáticos e linguagens variados, capazes de “mobilizar diferentes dimensões presentes nos processos de ensino-apren-dizagem, tais como: ver, saber, celebrar, sistematizar, comprometer-se e socializar7”. Com base na sequência didática, formulamos a programação da semana. Atualmente ela tem a seguinte estrutura:

7 “Estas dimensões são concebidas de maneira integrada e inter-relacionada. O ver refere-se à análise da realidade, o saber aos conhecimentos específicos relacionados ao tema desenvolvido, o celebrar à apropriação do trabalhado utilizando-se diferentes linguagens, como simulações, dramatizações, músi-cas, elaboração de vídeos etc. A sistematização supõe a construção coletiva que sintetiza os aspectos mais significativos assumidos por todo o grupo e comprometer-se à identificação de atitudes e ações a serem realizadas. A socialização da experiência vivida no contexto em que se atua constitui a etapa final do pro-cesso.” Candau, Vera Maria Ferrão e Sacavino, Susana Beatriz. Educação em direitos humanos e formação de educadores. Educação, v. 36, n.1, jan-abr 2013, pág. 46. Além disso, o programa também enfatiza a dimensão do “avaliar”, que diz respeito a olhar e rever os processos e o resultado final dos mesmos.

Período Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira

Manhã I

Dinâmica: Apresentação da formação

Recurso didático: Contrato coletivo

Bloco temático: Questão agrária

Dinâmica: Divisão desigual do bolo

Recurso didático: Construção de uma linha do tempo da questão agrária

Tema central: Trabalho escravo

Dinâmica: Construção de cartaz conceitual Recurso didático: - Vídeos - Fascículos - Músicas - Tabela comparativa

Bloco temático: Repressão ao trabalho escravo

Recurso didático: - Vídeo - Roda de conversa (órgão do Estado)

Bloco temático: Experiências escolares sobre o tema

Dinâmica: Roda de conversa com professor(a) da rede ENP!

Recurso didático: Experiências escolares exemplares

Manhã II

Recuso didático: Leitura do Mundo

Bloco temático: Migração

Recurso didático: - Entrevista com um migrante - Vídeo - Pintura (imagem) - Músicas - Caderno Temático

Bloco temático: Repressão ao trabalho escravo

Dinâmica: Elaboração de planos de ação em grupos

Almoço

Tarde I

Bloco temático: Trabalho

Recurso didático: Desenho e construção do trabalhador-personagem

Bloco temático: Fronteira agrícola

Recurso didático: Vídeo

Bloco temático: Denúncia ao trabalho escravo

Dinâmica: Preparação para as rodas de conversas

Recurso didático: Roda de conversa (sociedade civil)

Bloco temático: Alternativas e soluções ao trabalho escravo

Dinâmica: Discussões em grupo

Recurso didático: Imagens e dados sobre experiências concretas de enfrentamento ao trabalho escravo

Avaliação final

Dinâmica: Apresentações culturais

Tarde II

Bloco temático: Trabalho Infantil

Recurso didático: - Vídeo

Bloco temático: Tráfico de pessoas

Recurso didático: - Vídeo - Construção de cartaz conceitual - Caderno temático

Dinâmica: Preparação para tarde cultural

Encerramento

Bloco temático: Direitos Humanos

Recurso didático: Vídeo

Recursos didáticos que permeiam toda a semana: • Dupla de facilitadores• Ciclo do trabalho escravo• Construção e exposição de materiais no espaço da formação• Livro didático Escravo, nem pensar! – Uma abordagem sobre o trabalho escravo contemporâneo na sala de aula e na comunidade

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Sistematizamos abaixo alguns dos componentes didáticos que fundamentam essa sequência didática e que contribuíram para os bons resultados das for-mações realizadas até então. Acreditamos que eles podem ser apropriados livremente em outras ações educativas, com outras temáticas, públicos di-versos e realidades distintas.

Estrutura de conteúdo

Tema central

De acordo com a nossa proposta metodológica, a formação deve ter um tema principal, utilizado como eixo central, para a abordagem de outros te-mas relacionados (no caso da formação ENP!, esses temas são: questão agrá-ria, trabalho infantil, desmatamento, educação em direitos humanos etc), para que o primeiro seja trabalhado de forma contextualizada. Assim, evita-se a fragmentação de conteúdo e o seu entendimento parcial ou equivocado.

O fio condutor que pauta o conteúdo e as atividades da semana de formação do ENP! é o que denominamos de “ciclo do trabalho escravo”. Trata-se de uma reprodução esquemática das etapas vivenciadas, na maioria dos casos, pelos trabalhadores vítimas de trabalho escravo.

2.5.1.

Pacajá (PA) - 2012

Cada dia da semana de formação corresponde a uma ou mais etapas do ciclo e abarca discussões sobre os temas correlatos. Por exemplo, na discussão so-bre a vulnerabilidade socioeconômica dos trabalhadores, debate-se a impor-tância da reforma agrária e políticas públicas voltadas à população do campo e outras formas de geração de renda que evitem a migração forçada. Na etapa de aliciamento, discutimos a existência do tráfico de pessoas e a migração como direito humano; enquanto que, na etapa de chegada do trabalhador à frente de trabalho na zona rural, debatemos o desmatamento e a ocupação recente da Amazônia ou o sistema de terceirizações nas atividades urbanas, como confecções têxteis e construção civil. Os temas contextualizam o fe-nômeno do trabalho escravo, em um panorama de causas e consequências.

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A cada dia, colamos tarjetas correspondentes às etapas vivenciadas pelo trabalhador-personagem (será explicado a seguir) em sua jornada em busca de melhores condições de vida. As tarjetas são coladas mediante a discussão dos conteúdos ao longo da semana de formação. Essa construção paulatina permite que a sistematização do conhecimento seja, de fato, processual. Durante esse processo, o participante percebe que há a elaboração de uma sequência narrativa sobre o tema, mas ele só irá visualizar a totalidade do ciclo do trabalho escravo no último dia da formação. Esse recurso didáti-co causa efeitos positivos, porque permite os facilitadores destacar para os participantes a ideia do ciclo vicioso, que envolve o trabalhador escravo, elemento fundamental para a compreensão do tema central.

Como demonstramos, é interessante pensar uma sequência a partir do tema principal, como um ciclo, uma progressão, uma cadeia de fatos etc., para a abordagem de outros assuntos relacionados.

Blocos temáticos

Junto ao tema central, a formação é constituída por blocos temáticos, nos quais os temas correlatos ganham destaque. Cada bloco temático é pensado em uma sequência que facilite a compreensão do assunto trabalhado. Essa sequência se inicia com a sensibilização, seguida de indagações e provo-cações sobre o tema, com a possibilidade de intercâmbio de vivência ou experiência pessoal por meio de dinâmicas, e é finalizada com a discussão de como esse tema pode ser trabalhado no ambiente escolar.

Ex.: O trabalho, a questão agrária e a migração são alguns dos blocos te-máticos da formação do ENP!. No caso da “migração”, ela tem início com uma atividade em que um professor entrevista o outro sobre a sua história de migração. Em seguida, são explorados recursos audiovisuais para pen-sar o processo histórico da migração no Brasil. Finalmente, após provocar a reflexão dos professores quanto à temática, finalizamos a discussão com o conhecimento ali construído.

Recursos Didáticos

Contrato coletivo

É um recurso simples, porém efetivo para a organização da formação: em um papel kraft ou em outro material, anota-se o que for combinado em conjunto com o público no início da formação sobre regras de convivência durante esse período. Todos assinam o contrato. Ele é importante para apontar as respon-sabilidades de todos em relação ao coletivo durante a semana de formação.

Ex.: Na nossa formação, os professores constroem conosco as seguintes re-gras: respeito à fala do colega, participação, deixar o espaço sempre organi-zado e limpo, desligar o celular etc.

2.5.2.

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Diagnóstico participativo/ Leitura do mundo

A leitura do mundo8 consiste em um diagnóstico participativo da realidade local. É uma atividade central na semana de formação, tanto em termos de proposta pedagógica (educação contextualizada) como na interação da tur-ma com a equipe do programa, já que é realizada logo no início da forma-ção. O objetivo é estimular os participantes a refletirem sobre a sua própria realidade, partindo de paisagens e fatos cotidianos do seu entorno. É possí-vel dividi-los em grupos, por região de atuação profissional, ou outro crité-rio, e apresentar um roteiro com algumas questões, que levem à elaboração da descrição do local onde vivem. Divididos em grupos, os participantes fa-zem um mapeamento da região e, posteriormente, apresentam-no à turma. Essa atividade é uma forma dos participantes assumirem uma posição ativa e terem sua experiência e conhecimento valorizados, ao mesmo tempo em que fornece subsídios para a equipe do programa entender um pouco mais sobre a realidade em que está atuando. Com o decorrer da formação, é possível observar o desenvolvimento de um olhar mais apurado por parte dos professores para as questões do cotidiano, principalmente quanto ao universo do trabalho e do ambiente escolar.

Construção de um personagem

Para que a discussão da temática central e dos blocos temáticos não seja feita de forma abstrata, recorremos a um personagem específico, que viven-ciará as questões trabalhadas. Sua trajetória será representada no “ciclo do trabalho escravo”, descrito anteriormente. Assim, é mais fácil fazer com que as pessoas se identifiquem e se sensibilizem com as situações apresentadas, além de o debate ganhar concretude.

8 Essa atividade tem como referência o texto de Paulo Freire Carta aos professores – Ensinar, aprender: leitura do mundo e leitura da palavra in Estudos Avançados, ano 15, v. 42, 2001, disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v15n42/v15n42a13

Leitura do mundo – Sorriso (MT) – 2009

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Ex.: O personagem construído em nossas formações é um trabalhador que vivenciará as diferentes etapas do ciclo do trabalho escravo. O personagem é fruto da construção coletiva do público, que descreve as suas caracterís-ticas a partir de elementos observados em seu cotidiano. Essa construção é mediada pelos facilitadores, que são responsáveis por instigar os professores a construir um personagem com base na realidade.

Novo Repartimento (PA) - 2011

Rodas de conversa

Há rodas de conversa realizadas junto a uma pessoa representante da socie-dade civil e outra do Estado, ambas referências no tema em questão. Chamar pessoas de outras áreas, desde que sejam especialistas no tema abordado, para compor a formação é fundamental para apresentar diferentes perspec-tivas sobre o tema e ainda legitimar algumas informações que são discutidas ao longo do curso. No caso do representante do Estado, o ENP! considera importante promover a aproximação dos professores com uma autoridade pública, com quem nem sempre têm oportunidade de interagir.

Ex.: São chamadas geralmente, enquanto repre-sentantes da sociedade civil, a Comissão Pastoral da Terra e outras organizações não governamen-tais. Do Estado, são convocados os procuradores do Ministério Público do Trabalho, auditores fis-cais do Ministério do Trabalho e Emprego e juízes do Trabalho. Para esse momento, os participantes devem preparar previamente um rol de questões a serem debatidas com os convidados. Eles próprios leem as perguntas para que a interação entre o público e o convidado seja mais dinâmica. Hilário Lopes, Comissão Pastoral da Terra de Tucuruí (PA) –

Novo Repartimento (PA) - 2011

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Experiências exemplares

É importante a apresentação de experiências previamente desenvolvidas por profissionais que já participaram anteriormente de uma formação do ENP!. Com isto, o público consegue visualizar com mais facilidade as pos-síveis formas de aplicação do conteúdo da formação de forma concreta em seu trabalho cotidiano.

Ex.: Para as formações do ENP!, são convidados educadores em geral e li-deranças que participaram de uma formação anterior e abordaram o tema na escola e junto à comunidade. Esses educadores relatam os desafios e os resultados que alcançaram durante o desenvolvimento de projetos extracur-riculares ou na abordagem em sala de aula.

Professora Juraci Alves Alves Vieira, da Escola Municipal

Pedro Valle de Marabá (PA) so-cializa a experiência do projeto

Trabalho escravo: esclarecer, educar e transformar – Novo

Repartimento (PA) - 2011

Recursos multimídia

O uso de material multimídia, como músicas e vídeos, é útil para sensibili-zar os participantes, despertando outros sentidos para a temática trabalhada. Esses recursos também são importantes, pois, em pouco tempo, abordam e explicam um conteúdo de forma clara e elucidativa, já que “vão direto ao ponto”. Os recursos audiovisuais também dinamizam a formação ao quebrar a monotonia de um momento expositivo. Além disso, eles são sugestões para o trabalho em sala de aula.

Ex.: Reportagens jornalísticas, filmes, documentários, animações e músicas relacionadas ao tema.

Construção e exposição de materiais no espaço da formação

Nos momentos de definições conceituais da temática, construímos conjun-tamente com o público o conteúdo não apenas oralmente, mas também por escrito, utilizando materiais diversos, como os já mencionados. Dessa forma, com um produto concreto, fruto de saberes da turma e da equipe do

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programa, os participantes têm a sensação mais explícita da construção coletiva do conhecimento. A exposição dos materiais construídos no local da formação permite a introjeção mais efetiva de definições e conceitos trabalhados.

Colíder (MT) - 2007

Ciclo do trabalho escravo – Avelino Lopes (PI) - 2010

Ex.: No momento de transmitir a defi-nição conceitual do trabalho escravo, com base no que estabelece o Códi-go Penal Brasileiro, montamos um cartaz que sistematiza todas as carac-terísticas que a turma identifica como trabalho escravo. Após a exibição de algumas breves reportagens que evi-denciam as condições às quais os tra-balhadores são submetidos, retoma-mos o cartaz, lemos o texto legal e, cotejando o que havia sido descrito pelos professores, consolidamos um documento de definição do trabalho escravo que fica exposto no espaço da formação.

Dupla de facilitadores

A formação foi pensada para ser conduzida por duas pessoas simultane-amente. Essa dupla articula todo o processo, desenvolve o conteúdo e a metodologia da semana de formação e a realizam. Além da logística, que é mais facilmente organizada por duas pessoas, há um importante ganho pedagógico na medida em que a presença da dupla dinamiza as abordagens dos conteúdos e a proposição de exercícios durante a formação. Enquanto uma pessoa fica responsável por mediar uma determinada atividade didáti-ca, a outra separa os materiais que serão usados no momento seguinte ou fica responsável por registrar o conteúdo que nasce da discussão com os professores, por exemplo.

Page 18: Metodologia Escravo, nem pensar!

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Dinâmicas

A utilização de dinâmicas pedagógicas ao longo da formação é fundamental para envolver os participantes com o tema de formas menos discursivas, tor-nando a experiência de aprendizado mais sensorial. É importante uma boa seleção de dinâmicas que trabalhem com a temática em questão de forma didática e que valorizem os pressupostos metodológicos da formação.

As discussões em grupo são consideradas dinâmicas também, porque permi-tem que os participantes interajam entre si de forma mais livre, sem a inter-venção constante dos facilitadores, levando-os a se expressaram e a troca-rem opiniões sobre as questões colocadas. A dinâmica em grupos também é importante para permitir a aproximação entre os participantes, contribuindo para a fluidez do restante da formação.

Ex.: Algumas dinâmicas são importantes para entrosar a turma e tornar o desenrolar da semana mais animado, como as cantorias e a tarde cultural, em que os professores se dividem livremente em grupos para compor peças, poemas e músicas sobre o tema da formação. Também auxiliam na aborda-gem dos blocos temáticos, como a “Entrevista com um migrante”, em que os professores entrevistam-se uns aos outros perguntando sobre a experiência de migrar. No que se refere à discussão em grupo, por exemplo, propomos o debate sobre algumas experiências reais existentes, que serviram de al-ternativas de trabalho para pessoas que foram libertadas e de organização comunitária. O objetivo é fazer com que reflitam sobre possibilidades de sobrevivência e garantia de melhores condições de trabalho.

2.5.3.

Pindobaçú (BA) - 2009

Page 19: Metodologia Escravo, nem pensar!

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Materiais de apoio

Publicações temáticas do ENP!

A publicação de materiais didáticos é uma das linhas de ação do programa. Entre estes, publicamos jogos didáticos, almanaques, cartilhas de concursos e festivais, cadernos didáticos sobre os temas abordados na formação, fascí-culos e o livro didático Escravo, nem pensar! – Uma abordagem do traba-lho escravo contemporâneo na sala de aula e na comunidade que resume a nossa metodologia de abordagem do trabalho escravo. Tais materiais são utilizados nas discussões de formações e encontros de acompanhamento pedagógico. Para acessar os demais materiais, clique aqui: http://www.es-cravonempensar.org.br/tipos-de-material/publicacoes/

Caderno do educador

O caderno do educador, elaborado pela equipe do programa, contém dados mais específicos sobre as discussões realizadas, o trabalho escravo no estado e município em questão, outras referências como músicas e poemas, além de conter exercícios que podem ser realizados coletiva ou individualmente durante a formação. O objetivo é proporcionar um material de apoio duran-te a formação que também possa ser uma referência para o trabalho poste-rior do educador com seus alunos. Ele é entregue a cada professor no início da formação. Vide anexo 5.2.1 na página 32 deste documento.

Caderno de referências

O caderno de referências apresenta os principais artigos acadêmicos, notí-cias e dados referentes à pesquisa realizada pelos facilitadores em relação à realidade local. Esse material fica disponível nas secretarias de educação aos participantes, em uma versão impressa e também em arquivo digital, para que possam se aprofundar sobre os temas abordados e utilizá-los como referência para o desenvolvimento de seus projetos. É um recurso importante na medida em que se configura em uma forma concreta de construção da autonomia dos participantes no estudo da temática e, posteriormente, na sua abordagem.

2.5.4

Page 20: Metodologia Escravo, nem pensar!

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Plano de ação

O plano de ação é, como sugere o nome, um documento que permite ao participante planejar as ações que desenvolverá após formação no seu am-biente de trabalho. Sendo assim, é um ponto de partida para a abordagem do tema nas escolas. Ele pode ser estruturado em forma de projeto, ou outra que for mais conveniente com o público em questão. O documento é apre-sentado no início da formação para que o público já o leve em consideração durante as atividades e discussões feitas ao longo da semana, mas a sua elaboração acontece ao final da formação em grupo ou individualmente, de-pendendo da configuração da turma. Em geral, priorizamos a elaboração de planos de ação por escola. Vide anexo 5.2.2 na página 32 deste documento.

Ficha de avaliação

A avaliação da formação, além de ser realizada oralmente junto aos par-ticipantes, pode ser feita de forma individual por meio do preenchimento anônimo de uma ficha que contenha perguntas relacionadas aos indica-dores da formação, como nível de compreensão da temática, eficácia da metodologia utilizada, bom desempenho da equipe de formação etc. É importante que essas informações sejam sistematizadas e socializadas com os participantes no encontro de acompanhamento pedagógico. Vide anexo 5.2.3 na página 32 deste documento.

Materiais de papelaria

A opção pela utilização de materiais simples, como cartolina, papel kraft, lousa, giz etc., é fazer com que as pessoas percebam que, mesmo com poucos recursos, é possível trabalhar a temática proposta. A ideia é mos-trar que os recursos à disposição das escolas, principalmente no campo, não impedem a abordagem do tema. Além disso, trata-se de um estímulo à criatividade no trabalho escolar.

Ex.: Utilizamos a lousa para sistematizar discussões e montamos cartazes que são preenchidos ao longo das discussões, servindo como murais informativos. Além disso, elaboramos uma linha do tempo da questão agrária do Brasil com tarjetas que indicam os sistemas de dominação da terra e os eventos de resistên-cia dos grupos populares que se sucederam ao longo dos períodos históricos.

Linha do tempo –

Avelino Lopes (PI) - 2010

Page 21: Metodologia Escravo, nem pensar!

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A sequência didática dos encontros de acompanhamento pedagógico

Após a semana de formação, são realizados dois encontros presenciais de acompanhamento pedagógico com os participantes. O objetivo é partir dos desdobramentos da formação nas escolas e comunidades, dar assessoria pe-dagógica e agregar novas atividades didáticas a respeito do trabalho escravo e temas relacionados. Cada encontro dura oito horas; eles acontecem com um intervalo de seis meses entre eles.

Esses encontros têm como foco a relação entre os conteúdos e subsídios metodológicos a serem aplicados no ambiente, que foram trabalhados com os professores anteriormente na semana de formação. Assim, a experiência prática dos participantes com o tema passa a ser o objeto central.

A proposta pedagógica que sustenta a formação inicial também fundamenta os encontros pedagógicos. A metodologia dos encontros procura alternar momentos expositivos com o uso de recursos didáticos e dinâmicas, simila-res àqueles descritos no tópico anterior.

No primeiro encontro, fazemos um breve momento de retomada dos con-teúdos trabalhados na formação, privilegiando as impressões, memórias e avaliações que os participantes cultivaram ao longo dos seis meses da expe-riência. O turno da manhã é basicamente dedicado à roda de conversa so-bre as experiências escolares, em que os professores expõem os resultados, dificuldades e ações planejadas sobre o tema. À tarde, a equipe prepara uma atividade que aprofunde e traga novos elementos sobre algum dos blocos temáticos da formação inicial. Nesse momento, as publicações didáticas do ENP! são importantes subsídios para isso. O segundo encontro segue uma estrutura similar, no entanto, está incluída uma atividade de avaliação con-junta entre facilitadores, participantes e parceiros locais sobre todo o proces-so da formação continuada.

Além disso, costumamos visitar uma escola que tenha abordado o tema para uma breve dinâmica e conversa com um grupo de alunos (beneficiários indi-retos). O objetivo é ouvir deles o que entenderam sobre o tema e saber mais sobre as atividades desenvolvidas na escola.

2.6.

Page 22: Metodologia Escravo, nem pensar!

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Metodologia da formação continuada do ENP!

O processo formativo proposto pelo ENP! não começa no primeiro dia da semana de formação e tampouco se encerra no último. Planejamento e vi-são de que se trata de um processo amplo são peças centrais na construção das formações.

A equipe do programa tem cada vez mais orientado o olhar para o encadea-mento de todo o processo da formação. Como a atividade presencial é rea-lizada em tempos espaçados, contando com intervalos significativos, é pre-ciso perceber que cada detalhe deve ser tratado com esmero e rigor. Além disso, durante o período entre as atividades presenciais, é preciso garantir que o trabalho com o público seja contínuo por meio de articulação e asses-soria pedagógica para o desenvolvimento de seus projetos. Dessa forma, é possível assegurar que as etapas estejam interligadas de forma eficiente para que os resultados e a relação com os participantes não sejam prejudicados.

Desde o início, a metodologia do ENP! imbricou duas facetas: a construção do processo formativo, por meio de uma série de atividades anteriores e pos-teriores aos encontros presenciais com participantes, e a sequência didática (conteúdo, atividades e dinâmicas, convidados, linha de condução etc.) da semana de formação em si. Ao denominar metodologia, fala-se de um modo de trabalho que, animado pelos princípios do programa, permeia a semana de formação, e inclui as etapas anteriores e posteriores a ela. Ainda que estejam intimamente conectadas, a separação dessas duas categorias auxilia no plane-jamento das ações, nas avaliações institucionais e na medição de indicadores.

Como indicado anteriormente, o processo formativo do ENP! inclui cinco etapas.

1. Articulação política com o poder público local: Nesta primeira eta-pa, temos como objetivo a articulação para a realização da formação con-tinuada e a realização de diagnóstico da realidade local, importante para a adaptação da sequência didática e organização da semana de formação prevista na segunda etapa. É realizada uma reunião com parceiros, na qual serão atribuídas as responsabilidades de cada um para a realização da sema-na de formação.

2. Organização da semana de formação: Após a reunião com parceiros locais, continuamos em contato para garantir a divulgação da formação, inscrição e convocação de participantes. Além disso, garantimos também a infraestrutura, como local e alimentação. Outra atividade dessa etapa é a preparação dos facilitadores, por meio de pesquisa e estudos dos temas ava-liados como mais relevantes para o município em questão. Por fim, é funda-mental o contato com todos os participantes por telefone para confirmação da presença na semana de formação.

3

Page 23: Metodologia Escravo, nem pensar!

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3. Semana de formação: É realizada a sensibilização e a discussão de conteúdos relacionados ao trabalho escravo, além das formas de implemen-tação do tema na sala de aula e junto à comunidade. Ao final da semana de formação, os professores elaboram estratégias para abordar o tema associa-do ao currículo programático de suas escolas. As lideranças sociais formu-lam planos de acordo com as atividades de suas entidades.

4. Organização dos acompanhamentos pedagógicos: A cada seis me-ses, após a formação, a equipe do ENP! retorna ao município por duas ve-zes. Nesses intervalos, continuamos em contato com os parceiros locais e com os participantes por meio das redes sociais e telefone e da atualização das nossas ações por meio do boletim informativo. Dois meses antes da rea-lização de cada encontro, articulamos com os parceiros locais as condições necessárias (infraestrutura, dispensa de professores etc.) para a realização dos acompanhamentos pedagógicos.

5. Encontros de acompanhamento pedagógico: O objetivo desses en-contros é desenvolver novas atividades didáticas e assessorar pedagogica-mente os participantes nos projetos que estão desenvolvendo. Sendo assim, avaliamos, junto a eles, os desafios e resultados das atividades educativas que desenvolveram após a semana de formação em suas escolas e/ou co-munidades, apresentamos novas dinâmicas e aprofundamos os conteúdos trabalhados na semana de formação.

Depois de concluídos os três encontros presenciais, espera-se que as esco-las, com apoio da Secretaria Municipal de Educação, incorporem o trabalho escravo contemporâneo em seus Projetos Políticos-Pedagógicos (PPP), ga-rantindo a perenidade da abordagem. Assim, o trabalho escravo continuará sendo debatido e multiplicado, fortalecendo as ações de prevenção ao tra-balho escravo.

A avaliação é fundamental em todo o processo educativo. Sendo assim, o ENP! possui um documento de indicadores de todas as suas ações, entre elas a formação de professores e lideranças. Há indicadores qualitativos e quan-titativos, que têm como referência as fichas de avaliação Vide anexo 5.2.4 na página 32 deste documento. Segue quadro com o detalhamento das ações e dos resultados esperados em cada etapa do processo de construção da formação:

Page 24: Metodologia Escravo, nem pensar!

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ETAPAS DO PROCESSO FORMATIVO DO ENP!

Etapa Ações Resultados Esperados Duração

1. Articulação política com o poder público local, órgãos de Educação e entidades da sociedade civil

a. Consultar entidades especializadas no combate ao trabalho escravo para ter indicações de municípios com perfil adequado à ação;

b. Escolher município, com base nas consultas, pesquisas e objetivos estratégicos do programa;

c. Apresentar o programa para o poder público local do município escolhido por telefone e e-mail;

d. Buscar, no contato com o poder público local, informações centrais sobre as redes de ensino municipal e estadual;

e. Articular uma reunião in locoI e aprovar a proposta de formação de professores;

f. Consultar entidades da sociedade civil local que possam participar e serem parceiras na atividade;

g. Realizar diagnóstico in loco da situação do trabalho escravo contemporâneo e outros temas sociais do município e dos aspectos logísticos.

a. Agregar outros atores na construção da atividade;

b. Escolher município diretamente relacionado ao contexto do trabalho escravo e que agregue outras variáveis favoráveis ao bom resultado da ação (presença da sociedade civil, contatos prévios, estrutura educacional consolidada etc); c. Garantir que o poder público local se interesse pela proposta e aceite a realização de uma reunião presencial para discussão da proposta da formação;

d. Utilizar as informações coletadas para a organização da reunião in loco e para configurar o formato da proposta de formação;

e. Alcançar objetivos da reunião de articulação: interesse e participação do público, contar com presença ampla de gestores escolares (estaduais e municipais do campo e da cidade), aprovação da formação e encaminhamentos práticos bem definidos: público-alvo, data e local, processo de divulgação nas escolas e inscrição dos professores, prazos etc;

f. Agregar novos saberes na formação e construir uma rede de agentes distintos; g. Sistematizar dados e informações que enriqueçam a sequência didática do ponto de vista da realidade local.

1 a 2 meses

2. Organização da semana de formação

a. Acompanhar o processo de divulgação e inscrição dos professores feitos pelo município, acompanhar o envio das fichas de inscrição dos participantes para o escritório do programa, conforme combinado na reunião de articulação;

b. Preparar a equipe para abordar os temas relacionados ao trabalho escravo na realidade local (trabalho infantil, tráfico de pessoas para exploração sexual, questão ambiental, questão agrária etc);

c. Contatar parceiros para verificar disponibilidade de equipamentos eletrônicos necessários, alimentação para o público, entre outros aspectos organizacionais da formação;

d. Convidar um membro da sociedade civil local e um agente público ligados ao combate ao trabalho escravo (Ministério Público do Trabalho ou Ministério do Trabalho e Emprego);

e. Convocar todos os participantes inscritos na formação por meio de ligações individuais e envio de convites para as escolas.

a. Verificar a pertinência do número e perfil dos participantes e garantir o prazo estabelecido para envio das fichas. Verificar necessidade de substituições;

b. Elaborar uma sequência didática que leve em consideração os aspectos mais atuais do trabalho escravo, inovações didáticas e os elementos do contexto local. Elencar as publicações didáticas do programa que serão usadas na atividade;

c. Garantir a infraestrutura para a realização da semana de formação;

d. Agregar saberes específicos de duas áreas distintas do combate ao trabalho escravo: assistência à vítima e repressão ao crime. Aproximar participantes dos agentes que lidam diretamente com a problemática;

e. Garantir a presença de todos os inscritos.

1 mês

3.1. Etapas do processo formativo do ENP!

Page 25: Metodologia Escravo, nem pensar!

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3. Semana de Formação (40 horas)

a. Desenvolver a sequência didática com dinamismo e eficácia;

b. Apresentar de forma eficiente as publicações didáticas do programa;

c. Orientar o público à elaboração de planos de ação consistentes;

a. Realizar uma formação exitosa, tornando os professores aptos para realizarem atividades sobre trabalho escravo em seus respectivos espaços de trabalho;

b. Concluir formação com no mínimo 80% da turma inscrita;

c. Facilitar a compreensão do tema e apresentar a abordagem do programa sobre diferentes temas;

d. Envolver gestores dos órgãos locais de Ensino na multiplicação dos conhecimentos nas escolas e no suporte dos planos de ação dos professores.

1 semana

4. Organização dos acompanhamentos

a. Articular com poder público local a organização dos encontros;

b. Confirmar a liberação dos professores e detalhes organizacionais (data, local, lanche e equipamentos)

c. Convocar todos os participantes por meio de ligações individuais e envio de convites para as escolas;

d. Elaborar sequência didática dos encontros;

e. Consultar parceiros locais sobre o desenvolvimento de projetos sobre o trabalho escravo e temas correlatos.

a. Definir data e local para o encontro que sejam apropriados para os professores;

b. Garantir possibilidade de participação dos professores e infraestrutura para a realização do encontro;

c. Garantir a participação de todos os convocados;

d. Construir uma proposta que garanta continuidade pedagógica da formação inicial, levando em consideração os temas que mais interessaram os professores e as sugestões apresentadas durante a formação inicial e as novidades didáticas do programa.

e. Articular visita a uma escola que tenha contado com o desenvolvimento do projeto para realizar atividade com parte dos alunos envolvidos.

5. Encontros de acompanhamento pedagógicoII

a. Monitorar os desdobramentos dos planos de ação elaborados na formação e assessorar pedagogicamente os professores;

b. Fomentar perenidade nas atividades educativas sobre o tema;

c. Realizar novas atividades didáticas relacionadas à semana de formação;

d. Construir uma avaliação coletiva, destacando pontos altos e baixos e sugestões dos participantes;

e. Articular com órgãos locais de Ensino a perenidade dos trabalhos sobre o tema e a sua institucionalização;

f. Apresentar medidas para que o contato com o programa permaneça, independentemente da conclusão das atividades presenciais.

a. Compreender as dificuldades e conquistas dos participantes quanto ao desenvolvimento dos planos de ação e garantir que estejam aptos para superar as dificuldades, sendo capazes de realizar projetos;

b. Garantir que o tema seja abordado não apenas em projetos como também nos currículos das diferentes disciplinas;

c. Incorporar novos elementos para a discussão sobre o trabalho escravo e temas relacionados;

d. Promover a reflexão sobre a formação continuada e aprimorá-la futuramente;

e. Garantir incorporação do tema nos planejamentos e projetos políticos-pedagógicos das escolas, além da inclusão no currículo da rede municipal de ensino;

f. Promover o acesso dos participantes ao site do programa, Facebook e boletim mensal.

1 ano

I Depois de marcada a reunião, a equipe inicia um processo de pesquisa e sondagem, junto aos órgãos de Educação, para definir a lista de convidados para a reunião. O maior número possível de atores envolvidos fortalece a proposta e colabora para o bom resultado da reunião. Na ocasião, são definidos o público alvo da ação, método de inscrição, data e local da formação e as atribuições das entidades envolvidas na proposta. Participam da reunião a equipe pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, inclusive o secretário (a) da pasta, gestores do órgão de coordenação da rede estadual de ensino, diretores e coordenadores de escolas e representantes da sociedade civil or-ganizada. Em geral, o público varia de 20 a 40 pessoas.

II Após a formação inicial, são realizados dois encontros pedagógicos nos municípios. O público participante da formação é reunido para debater como as escolas abordaram o tema em suas atividades, registrar as avaliações dos professores acerca dos resultados, discutir saídas para as dificuldades encontradas e aprofundar a discussão sobre trabalho escravo. Os encontros, com duração de oito horas cada, são feitos num intervalo de seis meses, para oferecer aos professores tempo hábil para a execução de ações sobre o tema. No mesmo dia do encontro, o educador do programa visita uma escola que tenha abordado o tema para uma breve conversa com alunos que participaram de atividades sobre o tema. O último encontro concentra esforços na sistematização e avaliação geral do processo formativo.

Page 26: Metodologia Escravo, nem pensar!

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A divisão da metodologia em etapas é fundamental para potencializar os resultados de cada ação, pois eles incidirão posteriormente no desfecho da experiência. Assim, o sucesso da experiência está diretamente ligado à boa condução de uma diversidade de momentos: articulação política com o po-der público local, organização dos detalhes logísticos, estudo e elaboração da sequência didática que será utilizada, organização e realização dos en-contros de acompanhamento, sistematização de dados, medição de indica-dores e construção da devolutiva para os participantes.

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A formação do ENP! no contexto da Educação em Direitos Humanos

“Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.Artigo IV da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)

O trabalho escravo é uma forma execrável de exploração do ser humano, pela qual a liberdade e a dignidade lhe são subtraídas. Diante disso, o Es-cravo, nem pensar! afirma, por meio das suas ações educacionais, valores opostos a essa violação de direitos humanos. Por isso, a sensibilização é um pressuposto básico da formação do ENP!. Os trabalhadores - que costumam ser vistos como mera mão de obra, muitas vezes descartável, pelos maus empregadores - são compreendidos, na abordagem do ENP!, como indiví-duos, com sonhos, cultura, conhecimento e características próprias. Assim, o conteúdo e o formato da formação prezam por realçar o protagonismo dos trabalhadores e por fazer com que o público se sensibilize e se indigne contra a situação de exploração.

Nesse sentido, a formação do ENP! faz parte de um projeto de Educação em direitos humanos. Nas palavras de Eduardo Bittar:

Um projeto de direitos humanos deve acima de tudo ser capaz de sensibilizar e humanizar, por sua própria metodologia, muito mais que pelo conteúdo daquilo que se aborda através das disci-plinas que possam formar o caleidoscópio de referenciais de estu-do e que organizam a abordagem de temas os mais variados, que convergem para a finalidade última do estudo o ser humano9.

Quanto ao conteúdo, a formação não se encerra na prevenção ao traba-lho escravo contemporâneo. Compreendemos que se trata de um complexo temático que permite reflexões e abordagens sobre aspectos mais amplos acerca dos direitos humanos no Brasil, como o direito à terra e à migração, o combate ao trabalho infantil e ao tráfico de pessoas, entre outros assuntos.

A indignação face à prática do trabalho escravo suscita discussões críticas sobre valores e condutas que não se limitam ao tema em questão. Muito mais do que uma transmissão de informações conceituais sobre o trabalho escravo contemporâneo, a proposta do ENP! é o estabelecimento de um compromis-so com uma educação que valorize uma sociedade mais justa e democrática. E isso se inicia com a postura do professor no seu cotidiano de trabalho.

9 Bittar, Eduardo. Educação e metodologia para os direitos humanos: cultura democrática, au-tonomia e ensino jurídico in Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. Edito-ra Universitária, João Pessoa, 2007, pág. 116

4

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Dessa forma, a formação do ENP! pode ser entendida como uma experiência de Educação em Direitos Humanos, de acordo com as reflexões de Benevides:

O que significa dizer que queremos trabalhar com Educação em Direitos Humanos? A Educação em Direitos Humanos é essen-cialmente a formação de uma cultura de respeito à dignidade humana através da promoção e da vivência dos valores da liber-dade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz. Portanto, a formação desta cultura sig-nifica criar, influenciar, compartilhar e consolidar mentalidades, costumes, atitudes, hábitos e comportamentos que decorrem, todos, daqueles valores essenciais citados – os quais devem se transformar em práticas10.

10 Educação em Direitos Humanos: do que se trata? Maria Victoria Benevides.

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Anexos

Princípios norteadores do ENP!

O programa Escravo, nem pensar! segue princípios para o desenvolvimento de suas ações, que orientam a metodologia pedagógica do programa e nor-teiam os processos internos da equipe e a relação com os seus participantes e parceiros.

Valorização do conhecimento prévio

Temos desenvolvido trabalhos educacionais em mais de 130 municípios de todo o Brasil. Cada local é muito diferente do outro, no que se refere a contexto, pú-blico, história e, principalmente, como o trabalho escravo acomete esse local.

Diante disso, o público com o qual lidamos raramente desconhece por com-pleto o contexto em que vive. Ao contrário, eles têm mais experiência do que nós mesmos, porque são atores e protagonistas desse processo. A dife-rença é que, justamente, por estarem no olho do furacão não fazem uma leitura distanciada desses elementos, o que, muitas vezes, impede a conexão desses elementos a um processo completo. Trazendo isso para o exemplo do trabalho escravo, os professores geralmente sabem de casos de aliciamento, conhecem madeireiras clandestinas e até casos de tráfico de pessoas, mas podem não perceber como esses elementos estão todos encadeados e imbri-cados num processo.

A ocorrência de trabalho escravo não é percebida não porque desconhecem situações desse tipo, mas porque aquela realidade é tão comum na região, em suas vidas. Acreditam, então, que o trabalho é duro, e a vida é dura, por-que assim sempre foi e sempre será, o que faz com que o trabalho escravo passe despercebido ou naturalizado como a única relação de trabalho pos-sível, a única oportunidade de sustento do trabalhador.

O trabalho escravo só é percebido como um problema, quando se define os seus elementos, quando é apresentado de forma contextualizada na região em que vive e após a discussão de outros fenômenos conectados a ele, como as suas causas e consequências. É diante desse panorama, que o indivíduo percebe o trabalho escravo não como algo exógeno e estranho a sua realida-de, mas um elemento sintomático de uma relação de produção disfuncional, colado surpreendentemente em seu contexto, representado pela relação de trabalho a que serviram muitas vezes seus pais, seus irmãos e seu vizinho ou mesmo o seu aluno. Assim, é entendido como um crime - porque está previsto no artigo 149, do Código Penal brasileiro – e como uma violação de

55.1.

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direitos humanos porque suprime a liberdade e fere a dignidade e que é um crime, além disso, mostra-se que há um corpo estatal desenvolvido e voltado para o seu combate.

É importante destacar que olhar sobre os trabalhadores deve ser de humani-zação, em contraponto à sua coisificação no processo de escravização, sem que isso implique em vitimizá-los. Eles são capazes de se afirmarem como sujeitos de suas histórias, especialmente por meio da mobilização e da auto-nomia de suas ações (vide o próximo princípio).

Para o programa, trabalhar a partir do que é conhecimento do público não é somente relevante, mas é condicional para realizarmos o nosso trabalho. Im-por o conhecimento é infrutífero, porque é como se contássemos uma histó-ria distante que não diz respeito a esses indivíduos que recebem a formação, e isso terá um impacto negativo na etapa seguinte, que é a de mobilização desses indivíduos para uma determinada causa. Além disso, contraria os nossos princípios de horizontalidade e dialogismo.

Por isso estimular a percepção e o despertar para coisas que sempre esti-veram ao seu redor são o fundamento do nosso trabalho de formação, ao mesmo tempo em que é algo que percorrerá todo o processo formativo. A partir disso, proporcionamos instrumentos para a sistematização desse co-nhecimento prévio.

A palavra conscientização não é o que mais define o nosso trabalho; a sensi-bilização parece ser mais coerente para descrever o nosso trabalho. Todo ser humano é consciente; ele não poderia, por definição, ser um inconsciente. Ele pode não ter informações a respeito de um determinado assunto ou ter uma leitura lacunar de um processo por inúmeras razões, mas isso não o torna um alguém inconsciente.

A partir da valorização do conhecimento prévio, temos como princípio a mobilização e autonomia do indivíduo, desses que são formados e dos ou-tros que serão formados por ele.

Mobilização e autonomia dos indivíduos

Quando o indivíduo percebe o trabalho escravo como um problema enrai-zado em sua realidade, inúmeras reações podem ser expressas: indignação, raiva, comoção e, principalmente, uma vontade de se fazer algo contra essa violação de direitos humanos. Os indivíduos se reconhecem como atores desse processo, que em seu trabalho e no ambiente familiar têm possibili-dades de se engajar nessa causa. Não queremos ser tutores, ao contrário, prezamos muito a autonomia dos indivíduos e que eles possam encontrar saídas condizentes com o seu contexto.

Da nossa parte, nos comprometemos com o acompanhamento e a assistência metodológica por meio de materiais pedagógicos, instrumentos didáticos e diálogo permanente, mas a iniciativa precisa vir dos indivíduos; eles precisam ser tocados e sentir que esse trabalho é importante para si. Não faz sentido e não é o nosso objetivo criarmos projetos para eles desenvolverem. Provemos alguns instrumentos metodológicos, sistematizações de ideias, que eram an-teriormente esparsas, e conceitos de fenômenos conhecidos, no entanto são eles que sentirão o incômodo ao se confrontarem com a presença de uma violação de direitos humanos para, então, se mobilizarem.

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No entanto, o nosso verdadeiro objetivo é que o Escravo, nem pensar!, no futuro, não precise mais existir, porque a ideia é justamente a quebra de rela-ções paternalistas e de tutela, já que esses indivíduos permanecem no local onde ocorreram as formações, são eles que têm o laço social estabelecido naquele contexto.

Essa discussão não diz respeito apenas aos participantes formados pelo pro-grama Escravo, nem pensar!, mas também aos trabalhadores, como mencio-nado no item anterior.

Chegamos ao terceiro princípio: a criatividade e a participação, requisitos para essa mobilização.

Criatividade e a participação

Tentamos levar em nossas abordagens metodológicas a ideia de que não é necessário recursos gigantescos para realizar um bom projeto ou uma ação significativa que mobilize a comunidade escolar ou mesmo a comunidade do município como um todo.

Grande parte dos municípios nos quais atuamos é carente de recursos e, mui-tos, desprovidos da estrutura estatal, o que tem impacto imediato nas secre-tarias de educação e, por fim, nas escolas. Nas nossas formações utilizamos materiais simples e baratos, como tentativa de inspirar os professores ao mos-trar que é possível mobilizar poucos recursos para abordar a temática de uma forma menos ortodoxa, mas nem por isso com falta de esmero e cuidado.

Além disso, seguindo o princípio de que é preciso valorizar o conhecimen-to prévio, todas as formações são construídas com a participação ativa do público, o que tem a ver com o nosso quarto princípio que é o dialogismo.

Para exemplificar esse princípio, vale mencionar o Fundo de Apoio a Projetos do Escravo, nem pensar! : o programa apoia todos os anos 15 projetos co-munitários. São projetos desenvolvidos pelas comunidades escolares ou por entidades e indivíduos, selecionados para receberem um pequeno recurso para alavancar alguma ação de prevenção e combate ao trabalho escravo. O apoio é realmente mínimo, são R$ 1500,00. O que fazem com esse recurso? Aqueles que propõem um projeto e são selecionados desenvolvem ações com muita criatividade e participação coletiva. Muitos contemplados dizem que esse recurso colabora muito para empreender e iniciar uma ação, mas também afirmam que esse recurso é uma forma de reconhecimento do traba-lho e da ideia que tiveram, porque sabem que há uma seleção das iniciativas para serem contempladas, a qual é rigorosa em termos técnicos (viabilida-de, alcance de público, relevância para a realidade local, envolvimento com membros da comunidade, interdisciplinaridade), já que esse recurso vem de um financiador a quem a Repórter Brasil deve prestar contas.

Dialogismo

Esse princípio permeia várias esferas do programa. Como mencionado, em todas as formações, oficinas e mesmo na produção de publicações e mate-riais didáticos primamos pelo diálogo com o público, já que ele é autor da construção e da condução das atividades que desenvolvemos.

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Nós, como educadores, nos preparamos para estarmos abertos às informa-ções, conhecimentos e proposições que o público traz para os momentos de interação. Não há sentido desenvolver o nosso trabalho sem diálogo entre o educador e o educando, pois a imposição de conhecimento é infrutífera e sem propósito.

Além disso, a construção do conhecimento e de todos os processos deve se dar de forma coletiva, horizontal e dialógica, na relação com participantes, parceiros e dentro da própria equipe. Todos, em suas diferentes atribuições, são igualmente valorizados, têm voz e contribuem com seu ponto de vista e experiência. A posição diante do outro é de escuta e respeito, de facilitação e mediação, nunca autoritária ou “iluminada”.

Diante disso, o diálogo também é estabelecido num plano mais macro: entre realidade e teoria. Aqui está incluída a ideia de intercâmbio de conhecimen-to: nós para eles e eles para nós.

Interrelação de conteúdos

Por fim, a interrelação de conteúdos diz respeito a tentar, ao máximo, não fragmentar os conhecimentos. Eles precisam estabelecer relação entre si para que façam sentido. No caso do trabalho escravo, o tema precisa estar contextualizado num panorama de causas e consequências para que o indi-víduo compreenda onde essa peça se estabelece num sistema de produção equivocado e insustentável. Assim, o trabalho escravo não é abordado como um problema isolado, mas inserido em um contexto que leva em conta as dimensões sociais, econômicas, históricas e políticas.

Se apresentado de forma descolada da realidade, o trabalho escravo não faz sentido, porque passa a ser meramente um conceito jogado no abstrato e sem lastro com a realidade. Essa distância entre teoria e realidade impede a sensibilização do indivíduo, que dificilmente sentirá que o problema lhe diz respeito, o que por sua vez impedirá a sua mobilização frente essa violação de direitos humanos.

Nota

Importante ressaltar que esses princípios tornam a metodologia do Escravo, nem pensar! bastante própria e particular. A partir dessa estrutura pedagógi-ca é possível abordar qualquer tipo de temática, especialmente aquelas rela-cionadas a direitos humanos, para qualquer público, porque no limite esses princípios são aqueles que consideramos como sendo universais para uma educação progressista e voltada à formação cidadã, que não diz respeito apenas à educação formal, seriada, que também é relevante, mas insuficien-te para contemplar o indivíduo dotado de crítica e de protagonismo.

A educação tem um potencial transformador. Não ela sozinha, claro, mas ela é peça chave para a reflexão e mudança de uma realidade protagonizada pelo próprio indivíduo que, por ventura, sofra uma violação de direitos hu-manos. Essa é a porta para o fim da tutela, do paternalismo, do clientelismo e da subserviência.

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No caso do trabalho escravo, ao mobilizarmos a educação para preven-ção, evitamos que a violação de direitos humanos se concretize. Tanto a repressão, como a assistência à vítima, ambas sendo linhas de ação como é a prevenção, não impedem que a violação ocorra. Elas incidem posterior-mente à vítima ter sido aliciada e explorada. Ainda que o indivíduo venha a ser libertado, uma série de prejuízos incalculáveis já foram impressos a essa pessoa. Mais do que acabar com a situação de escravidão, é preciso anteci-par-se a ela para evitar que haja vítimas, pois nem todos os remédios serão suficientes para curar as feridas que essa violação gera.

Documentos

5.2.1 - Caderno do educador5.2.2 - Plano de ação5.2.3 - Ficha de avaliação5.2.4 - Conjunto de indicadores

5.2.