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CICLO INTEGRADO DE CINEMA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC DOC TAGV / FEUC INTEGRAÇÃO MUNDIAL, DESINTEGRAÇÃO NACIONAL: A CRISE NOS MERCADOS DE TRABALHO METROPOLIS UM FILME DE FRITZ LANG 1927

mETROpOLIS - Universidade de Coimbra · 2012-08-13 · debate com: jean-michel meurice (cineasta) manuel portela (fluc) josé antÓnio bandeirinha (pró-reitor uc) teatro académico

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CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

DOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL:

A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

mETROpOLISUm FILmE DE FRITz LANG

1927

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CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

DOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL:

A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

http://www4.fe.uc.pt/ciclo_int/2007_2008.htm

SESSãO 14 (SESSãO DE EnCErrAmEnTO)

mETROpOLIS:

UmA ANTEvISãO DA EUROpA ACTUAL?

mETROpOLIS (1927)

Um FilmE DE FriTz lAnG

DEbATE COm:

jEAN-mIChEL mEURICE (CinEASTA)

mANUEL pORTELA (FlUC)

jOSé ANTÓNIO BANDEIRINhA (pró-rEiTOr UC)

TEATrO ACADémiCO DE Gil ViCEnTE

2 DE JUlhO DE 2008

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mETROpOLIS: UmA ANTEvISãO DA EUROpA ACTUAL?

1. mETROpOLIS: A vISãO DE ALGUNS CINEASTAS 05

1.1. mETROpOLIS, vISTO pOR FRITz LANG 05

1.2. mETROpOLIS, vISTO pOR BUNUEL 08

1.3. mETROpOLIS, vISTO pOR jOãO BéNARD DA COSTA 11

1.4. RELATOS DE UmA REALIzAçãO 15

2. LANG, mETROpOLIS E A DImENSãO pOLíTICA 17

2.1. mETROpOLIS: Um FILmE INTEmpORAL 17

2.2. A LEITURA pOLíTICA DE UmA CENA 30

3. mETROpOLIS: ALGUmAS RECENSõES 31

3.1. mETROpOLIS, DE FRITz LANG 31

3.2. mETROpOLIS, SINOpSE 35

3.3. mETROpOLIS: O FILmE mAIS INOvADOR DESDE

A INvENçãO DO CINEmA 39

3.4. mETROpOLIS: ALGUmAS BREChAS 41

3.5. COmENTáRIOS DO LE mONDE SOBRE mETROpOLIS 43

4. A FUGA DE LANG 48

5. mETROpOLIS: UmA LEITURA DE SíNTESE 50

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CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

DOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL:

A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

prOGrAmA 2007 - 2008 60

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© Metropolis, 1927.

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mETROpOLIS: UmA ANTEvISãO DA EUROpA ACTUAL?

1. mETROpOLIS: A vISãO DE ALGUNS CINEASTAS

1.1. mETROpOLIS, vISTO pOR FRITz LANG

Entrevista a Fritz Lang

De passagem por Paris por ocasião duma retrospectiva da sua obra organizada pela Cinemateca, Fritz Lang concedeu-nos a presente entrevista impacientemente esperada.

Uma posição crítica

Começámos por lhe perguntar qual o período da sua obra de que mais gosta.

É muito difícil. Não se trata, para mim, de uma desculpa. Não sei sequer o que é que devo responder. Será que prefiro os filmes americanos ou os filmes alemães? Não me cabe a mim dizê-lo, sabem-no. Acredita-se sempre que o filme que se está a realizar será o melhor, naturalmente. Somos apenas homens e não deuses. Mesmo que não se ignore que será menos importante, até pela própria realização, que um qualquer anterior e, contudo, continua-se a procurar fazer dele a sua melhor obra.

É verdade. Assim, no interior de diferentes períodos, quer alemães quer americanos, com o distanciamento que o tempo permite não existem alguns filmes de que gosta mais?

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Sim. Naturalmente. Escutem. Quando realizo super-produções, interesso-me actualmente pelas emoções das pessoas, pelas reacções do público. É o que se passou na Alemanha com M. O Vampiro de Dusseldorf. Porque num filme de aventuras ou num filme policial, tal como o Dr. Mabuse ou Os Espiões só há a pura sensação, o desenvolvimento dos caracteres não existe. Mas, em M. O Vampiro de Dusseldor. eu começava qualquer coisa de muito novo para mim, e que continuei em Fúria. M. O Vampiro de Dusseldor e Fúria são, creio eu, os filmes que prefiro. Acontece o mesmo com outros, que eu realizei nos Estados Unidos, tais como Almas Perversas, Um Retrato de Mulher, While the City Sleeps. Trata-se de filmes todos eles baseados numa crítica social. Naturalmente, prefiro assim, porque creio que a crítica é qualquer coisa de fundamental para um realizador.

De todo o meu coração

O que é quer dizer exactamente com crítica social, a de um sistema ou de uma civilização?

Não se podem distinguir. É a crítica do nosso “meio”, das nossas leis, das nossas convenções. Vou confessar-vos um projecto. Eu devo rodar um filme em que me empenhei por inteiro, em que coloquei todo o meu coração. É um filme que quer mostrar o homem de hoje, tal qual ele é: este esqueceu o sentido profundo da vida, só trabalha para objectivos, para o dinheiro, sem que se enriqueça humanamente, mas somente para obter vantagens materiais. E, porque esquece o sentido da vida, está já morto. Ele tem medo do amor, quer somente ir para a cama, quer somente sexo e não quer ter responsabilidades. Só o interessa a satisfação do seu desejo. Este filme, creio que é importante que eu o realize agora. O filme While the City Sleeps que mostra a concorrência desenfreada de quatro homens no interior de um jornal é o começo. A minha personagem, recusa a satisfação pessoal de ser um homem. Porque

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cada um, actualmente procura uma posição, o poder, uma situação, o dinheiro, mas nunca qualquer coisa de íntimo, de afectivo. Vejam: é muito difícil dizer: eu gosto disto, eu não gosto daquilo. Quando se começa um filme, talvez se ignore mesmo o que se vai exactamente fazer. Existem sempre pessoas para me explicarem o que queria fazer e eu respondo-lhes que “sabem mais do que eu próprio”. Quando assumo uma obra, procuro traduzir uma emoção.

No fundo, o que critica nos seus filmes não será uma forma de alienação, no sentido em que se entende na Alemanha “Entfremdung”?

Não, é o combate do indivíduo contra as circunstâncias, o eterno problema dos Gregos antigos, do combate contra os deuses, o combate de Prometeu. Do mesmo modo, hoje, combatemos as leis, lutamos contra os imperativos que não nos parecem nem justos nem bons para os nossos tempos. Talvez venham a ser necessários 30 ou 50 anos, não é ainda chegada a altura. Nós lutamos todos os dias.

Isto é válido para todos os seus filmes, para O Rancho das Paixões, para While the City Sleeps?

Sim, para todos os meus filmes.

Mesmo para Os Niebelungos?

É exacto, mas penso que o filme ficou muito grande, para se ir minuciosamente ao fundo, ao coração das pessoas.

Do mesmo modo em Metropolis, esta questão já é aí claramente assinalada.

Eu sou muito severo com as minhas obras. Já não se pode dizer hoje

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que o coração é o mediador entre a mão e o cérebro. É falso, a conclusão é falsa, eu já não concordava com ela quando estava a realizar o filme.

Foi-lhe então imposta?

Não, não.

Esta surpreende-nos, parece colada, acrescentada ao filme, parece que não faz parte dele.

Eu creio que têm razão.

Jean Domarchi e Jacques Rivette, “Entretien avec Fritz Lang”, Cahiers du cinéma,

Paris, nº 99, Setembro de 1959.

1.2. mETROpOLIS, vISTO pOR BUNUEL

Metropolis não é um só filme. Metropolis são dois filmes colados pela barriga, mas com necessidades espirituais divergentes, de um extremo antagonismo. Aqueles que consideram o cinema como um discreto contar de histórias sentirão com Metropolis uma profunda decepção. O que aí nos é contado é trivial, enfático, pedante, de um romantismo fora de moda. Mas se, à anedota, preferirmos o fundo “plástico-fotogénico” do filme, então Metropolis preencherá todos os nossos desejos, então maravilhar-nos-á como o mais esplêndido livro de imagens que se possa compor. Este é feito de dois elementos antinómicos, detentores do mesmo sinal nas zonas da nossa sensibilidade. O primeiro deles, a que podemos chamar lirismo puro é excelente: o outro, anedótico ou humano, chega a ser irritante. Os dois, na sua simultaneidade ou na sua sucessão, constituem a última criação de Fritz Lang. Não é a primeira vez que observamos um dualismo tão desconcertante nas produções de Lang. Exemplo: no inefável poema

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A Morte Cansada estavam intercaladas cenas desastrosas, de um mau gosto refinado. Se a Fritz Lang cabe o papel de cúmplice, é a sua esposa, a guionista Thea von Harbou, que nós denunciamos como a autora destas tentativas ecléticas de perigoso sincretismo.

O filme, tal cátedra, devia ser anónimo. Pessoas de todas as classes, artistas de todas as ordens intervieram para criar esta monstruosa catedral do cinema moderno Todas as indústrias, todos os técnicos, as multidões, os actores, os guionistas; Karl Freund, o ás dos operadores alemães e, com ele, uma plêiade de colaboradores; escultores, Ruttmann, o criador do “filme” absoluto. À frente dos arquitectos está Otto Hunte e é a ele e a Ruttmann que se devem, na verdade, as “visualizações” mais conseguidas de Metropolis. O decorador, último dos vestígios deixados ao cinema pelo teatro, se é que intervém é exactamente aqui. Adivinhamo-lo verdadeiramente nos piores momentos de Metropolis, no que, bastante enfaticamente, se designa por “os jardins eternos”, de um barroquismo delirante, de um mau gosto sem precedentes. Ao decorador se substituirá, a partir de agora, e para sempre, o arquitecto. O cinema servirá de fiel intérprete aos mais audaciosos dos sonhos da arquitectura.

O pêndulo em Metropolis comporta apenas 10 horas e estas são as horas do trabalho. E é a este ritmo, a dois tempos, que se desenrola a vida de toda a cidade. Os homens livres de Metropolis tiranizam os escravos, espécie de Nibelungos da cidade, que trabalham num perpétuo dia sob luz eléctrica, nas profundezas da terra. Na simples engrenagem da República, só falta apenas o coração, o sentimento capaz de unir os extremos, tão inimigos. E neste desenrolar do filme que nós vemos o filho do director de Metropolis (o coração) unir num fraternal abraço o seu pai (o cérebro) ao contramestre (o braço). Misturem estes ingredientes simbólicos a uma boa dose de cenas de terror, acrescentem um jogo de actores desmedido e teatral, agitem bem a mistura: terão obtido o argumento de Metropolis.

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Mas, por outro lado, que entusiasmante sinfonia do movimento! Como cantam as máquinas no meio de admiráveis transparências, espécie de grinaldas criadas pelas descargas eléctricas! Todas as cristalarias do mundo, decompostas romanticamente em reflexos, chegaram-se a aninhar de acordo com os cânones modernos do cinema. As mais vivas cintilações dos aços, a sucessão ritmada das rodas, dos pistões, das formas mecânicas nunca criadas, eis aqui uma ode admirável, uma poesia completamente nova para os nossos olhos. A física e a química transformam-se, por milagre, em rítmica. Não há nenhum momento estático! Os textos separadores sobem e descem, rodam, decompostos, rapidamente em luzes ou dissipados em sombras, fundem-se num movimento geral: eles também conseguem ser imagem.

Na nossa opinião, o defeito principal do filme tem a ver com o facto do seu autor não ter seguido a ideia ilustrada por Eisenstein no seu Couraçado Potemkine, com o facto de ter esquecido um só actor, porém, cheio de novidade, de possibilidades: as massas. Contudo, o tema de Metropolis a isto se prestava: tivemos que suportar, em vez disso, uma série de personagens plenas de paixões arbitrárias e vulgares, carregadas de um simbolismo ao qual, pelo contrário, não respondiam. Isto não significa que em Metropolis as multidões estejam ausentes: mas parecem sobretudo obedecer a uma necessidade decorativa: necessidade de um “ballet” gigantesco; elas parecem pretender mais encantar-nos pelas suas evoluções admiráveis e equilibradas do que dar-nos a entender o que lhes vai na alma, a sua obediência precisa a objectivos mais humanos, mais concretos. Apesar disso, há aí momentos – Babel, a revolução operária, a perseguição final da andróide – em que se conseguem realizar os dois extremos.

Otto Hunte reduz-nos a nada com a sua visão colossal da cidade do ano 2000. Ela poderá ser falsa, e mesmo fora de moda, se considerarmos as últimas teorias sobre a cidade do futuro; mas, do ponto de vista da fotogenia, inigualáveis permanecem a sua força emotiva e a sua beleza inédita e surpreendente, de uma tecnologia tão perfeita que esta pode ser

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sujeita a um exame prolongado sem que em nenhum momento se consiga perceber a maquete.

Metropolis custou quarenta milhões de marcos-ouro; actores e figurantes, algumas 40.000 pessoas participaram no filme. A metragem actual do filme é de 5.000 metros, mas foram necessários perto de 2 milhões. O dia da sua estreia, em Berlim, um lugar valia 80 marcos-ouro. Não parece desmoralizante que, dispondo de tais meios, a obra de Lang não tenha sido um modelo de perfeição? A comparar Metropolis e Napoleão, os dois maiores filmes criados pelo cinema moderno, com outros filmes mais modestos, mas também mais perfeitos, mais puros, nasce a proveitosa lição de que o dinheiro não é o essencial da produção cinematográfica moderna. Compare-se Rien que des Heures que apenas custou 35.000 francos a Metropolis. Sensibilidade, em primeiro lugar; inteligência, primeiramente e tudo o resto, inclusive o dinheiro, logo aparecem.

Excertos de Luís Bunuel: Textes 1927-28, Cahiers du Cinema, Paris, Agosto-Setembro de 1971.

1.3. mETROpOLIS, vISTO pOR jOãO BéNARD DA COSTA

MetropolisFritz Lang (1927)Realização: Fritz LangArgumento: Fritz Lang e Thea Von HarbouFotografia: Karl Freund e Günter RittauActores: Brigitte Helm (Maria), Alfred Abel (John Frederson),Gustave Frõhlich (Freder Frederson), Rudolph Klein-Rogge (Rothwang), Heinrich Georg (Capataz)

Êmbolos, pistões, rodas, em grandes planos e movimentos de vai-vém até ao plano do relógio, que tantas vezes voltará no filme. Este início de um

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dos mais célebres filmes de Fritz Lang e duma das mais célebres obras do cinema alemão dos anos 20 é praticamente retomado na obra, seis anos posterior, O Testamento do Dr. Mabuse. Só que neste último fílme – já sonoro – a presença do mundo mecânico é dado em off na banda de som, conferindo às imagens iniciais grande peso opressivo; em Metropolis, pelo contrário e para que o som possa ser visualizado, como disse Lotte Eisner, o mundo mecânico surge, no seu máximo aparato, no écran. Temos assim que, num filme mudo, a ideia inicial é sonora, enquanto num filme sonoro (O Testamento) o regular ruído inicial das máquinas tipográficas ouvido na banda sonora é predominantemente visual. Se o efeito dramático é paralelo, o modo de o atingir é oposto; em Metropolis a montagem dá-nos o que não existe (o som); no Testamento a banda sonora dispensa a planificação e a montagem visual de ser mais explícita.

Se começarmos por este aspecto é porque toda a estrutura de Metropolis (e a partir dele de quase todos os filmes de Lang) é uma estrutura que se baseia na permanente contrapolaridade imagem sonora - imagem visual, tanto quando a imagem sonora já podia ser incorporada no filme como quando ainda não o podia ser. O que confere a Metropolis uma dinâmica e um ritmo que marcam, na história do cinema, uma verdadeira revolução.

Com Metropolis, Fritz Lang fez a sua primeira incursão nos domínios da futurologia (a que havia de voltar em A Mulher na Lua). E se não poucos precedentes abriu (qualquer futuro filme de ficção-científíca se inscreve sob a sombra tutelar destas duas obras) também se prestou a não poucos equívocos. O primeiro diz, mais uma vez, respeito à controvérsia em torno do expressionismo, já que dos famosos décors do Metropolis ao robot de Schulze-Middenndorff, da representação de Brigitte Helm à de Klein-Rogge, se tem dito e repetido que esta é a obra mais expressionista de Lang. O autor recusou sempre tal aproximação: afirmou que os décors (desenhados por Kettelhut e executados por Hunte) tinham sido mais sugeridos por recordações dos arranha-céus nova-iorquinos do que pelas distorções expressionistas; que as contorsões de Brigitte Helm

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(acentuadas quando a projecção é feita a 24 imagens por segundo) procuravam sobretudo criar o carácter possuído (por anjos ou demónios) da personagem de Maria; que a concepção de Klein-Rogge do Rothwang é bastante mais futurista do que expressionista e, mais tarde, admitiu mesmo que toda a simbologia da obra seria mais surrealista do que ligadas às matrizes do Die Aktion.

A única excepção seria o robot em que Schulze-Middendorff teria deliberadamente criado um objecto expressionista para sublinhar a inversão do mundo orgânico.

Se Lang tem provavelmente razão em tudo quanto diz (o que é patente até no modo como evitou excessos emocionais), a persistência das clássicas diagonais expressionistas, das cruzes distorcidas, ou dalguns portentosos décors (como o da sequência da Torre de Babel) apontam para uma permanente evocação dessa estética, evocação que se acentuará na magistral sequência da catedral. A simbologia não é (ou poucas vezes o é) delíberadamente expressionista, como também o não serão nem os „ethos“ nem o „pathos“ da narrativa, mas o espaço e a luz de Metropolis, dificilmente seriam concebíveis sem essa tradição aqui efectivamente incorporada.

Outra controvérsia em torno deste clássico do cinema é a que se refere ao substracto ideológico da obra. Há que convir que vários dos elementos do filme (a casa de Rothwang marcada com a estrela judaica, a reconciliação final das classes, com o triplo aperto de mão) se prestam aos ataques dos que consideram a obra bastante suspeita. Se não interessará argumentar que vários desses elementos se devem mais a Thea von Harbou do que a Lang, interessará que a temática do filme nunca é a do conflito de classes, mas, e uma vez mais, a da oposição do mundo subterrâneo ao mundo das alturas, num e noutro uma vez mais dominando a mulher e o homem. E convinhará sublinhar que há na angélica Maria um demonismo talvez ainda mais explosivo que no seu duplo maléfico e que os brandos discursos pacifistas que faz às massas não são mais inocentes do que os incitamentos à

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revolta do robot. Num caso como noutro, o demonismo está na demagogia e se Lang foi premonitório não o terá sido a favor dos vencedores da década seguinte, mas exactamente contra eles. Maria (como a sequência da catedral poderá ajudar a compreender) é a personificação do lado religioso das éticas maniqueias, dominadas na cultura ocidental pelas imagens do pecado que vemos na Igreja. Aqui, o nome da protagonista presta-se a algumas reflexões, bem como o facto da sua ligação a Rothwang ter como espaço priviligiado o da imagem gótica recriada na catedral de Lang. A união dos mundos „maléficos“ dá-se nesse espaço sagrado, onde o jovem Frederson sempre se perde, engolido por um décor tão estranho ao seu habitat natural como ao „mundo das cavernas“ que tão ambiguamente o atrai.

E muitas outras imagens podem acrescentar bastante à visão desta singularíssima parábola: da caverna de Platão à alegoria latina da revolta dos membros contra o estômago, muitos são os mitos convocados por Lang e nenhum deles de leitura única ou redutível a um único sentido.

Sabe-se que Lang declarou que o que mais o interessou no Metropolis foi o conflito entre o mundo mágico e oculto (o mundo de Rothwang) e o da moderna tecnologia, personificado pelo pai Frederson Se não deixa de ser inquietante que o segundo tenha que convocar o primeiro para dominar os abismos a que nem um nem outro têm acesso, é-o muito mais que o intermediário escolhido seja a mulher, simultaneamente o personagem que no filme se encontra em cruzamento entre esses dois mundos. E o que faz desta obra, porventura desigual, porventura desiquilibrada, porventura híbrida, um dos mais apaixonantes cumes da arte do nosso tempo e que a sua ambiguidade nunca possa ser reduzida a uma narrati-vidade, mas ser expressa, na sua portentosa arquitectura coreográfica, numa forma irredutível a qualquer outra aproximação que não a da linguagem que usa e totalmente domina. Metropolis é o filme do espaço em movimento: The movie-screen.

João Bénard da Costa

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Metropolis

Os filmes de Fritz Lang, inclusive os Westerns, são sempre a expressão de uma percepção fragmentada do tempo e do espaço, a do citadino dos tempos modernos. Talvez o combate da ciência medieval e da ciência moderna tivesse permitido integrar na categoria social da construção, uma categoria histórica: a Idade Média como repelida pela consciência das Luzes, como o proletariado é repelido socialmente pela dominação burguesa. O modelo arquitecturial de vários degraus – em baixo as catacumbas esquecidas onde os operários se encontram em segredo, as toupeiras da revolução, e nas nuvens os parques de divertimento da „leisure class“ – modelo que surgiria então melhor como máquina não só espacial, mas também temporal.

Enno Paíalas in, Fritz Lang

Texto gentilmente cedido pelo TAGV. Publicado com autorização do autor.

1.4. RELATOS DE UmA REALIzAçãO

A rodagem de Metropolis

Em “Fritz Lang, The Nature of the Beast” o historiador Parick McGillgan descreve a filmagem de “Metropolis”, inspirando-se, nomeadamente, nas notas pessoais - e inéditas - do cenógrafo Erich Kettelhut. Excerto: “Para filmar a visão de Fredersen (que vê a fábrica como Moloch, uma divindade pagã) o cineasta concluiu que ia precisar de “um exército inteiro de homens nus” a atirar-se para as entranhas da máquina. “O desemprego aumentava todos os meses, e isso foi uma bênção para Lang” recorda Kettelhut. Os figurantes eram baratos, porque o trabalho escasseava, e largas centenas de homens esfomeados apresentavam-se para filmar esta cena num antigo hangar de zepelins transformado em estúdio, em Staaken.

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Contudo, este hangar-caverna não era aquecido e, nesse Inverno de 1925, estava um frio extremo. Os figurantes cobriam-se com chapéus, cachecóis e casacos para aquecer os corpos nus e trémulos, enquanto a equipa técnica instalava a câmara e regulava as luzes, durante horas. Os técnicos trabalhavam entre oito e doze horas por dia, junto de enormes caldeiras a carvão, que cuspiam fumo. Pendurados em passadiços suspensos, os luminotécnicos assistentes, com as mãos meio geladas, operavam enormes equipamentos, com uma capacidade de quinze a vinte mil amperes.

O próprio Lang estava mais tenso que o habitual. “Ele culpava sempre alguém pelo erro e ordenava aos pobres figurantes que repetissem vezes sem fim”, conta Kettelhut. “De pé, no chão gelado, os figurantes eram salpicados com água fria – que mal sentiam no corpo e na cabeça – e esperavam, com impaciência, para o sinal de partida para subir e saltar finalmente para o meio do vapor brilhantemente iluminado da boca de Moloch. O que se seguia à ordem não era a consequência de uma organização lógica – era um estado de transe, se bem que ninguém se desse conta disso” Naturalmente, Lang ordenava, filmagem após filmagem que os figurantes avançassem com grande esforço em direcção à boca de Moloch. Os homens rebelavam-se resmungando com ameaças e injúrias. A equipa também […]. Com a aproximação do Natal, o cineasta tinha previsto uma cena catártica: a explosão da máquina central. Era o tipo de erupções que estimulava Lang e serviam para as cenas de apogeu dos seus filmes. Pouco importa se a preparação visual era mais intensa do que os cuidados com as pessoas. Estava previsto que os corpos dos trabalhadores fossem projectados para o ar. E, não obstante o perigo, o cineasta insistiu em utilizar corpos verdadeiros, suspensos por cintos invisíveis que estavam presos a cabos finos. O uso de marionetas teria ficado cósmico no ecrã. À medida que a cena era preparada, e assim que as intenções de Lang se tornaram claras, a tensão cresceu no local das filmagens.

Para desanuviar o ambiente, Lang mandou o assistente Gustav Puttcher – a pessoa mais galhofeira da equipa – testar o arnês nele próprio.

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“De acordo com o actor Gustav Frolich, ao sinal de Lang, o pobre tipo foi projectado para o topo do hangar”. Lang pôde prosseguir com a cena e rodar inúmeros planos: o “mestre das marionetas” agitava os seus actores, empurrando-os contra o fogo e o fumo, à medida da sua visão.

Jornal O Público, Aurélien Ferenczi, O livro Fritz Lang, Cahiers du Cinema, Lisboa

2. LANG, mETROpOLIS E A DImENSãO pOLíTICA

2.1. mETROpOLIS: Um FILmE INTEmpORAL

Metropolis é considerado pelos historiadores do cinema como uma das obras chave da época do cinema mudo e mesmo da história do cinema como um todo, e a tal ponto que é o primeiro e o único filme inscrito no registo Memória do Mundo da UNESCO. É o título mais conhecido do cinema alemão. No entanto, se se tivesse perguntado após a saída filme, isto é, em 1927, qual o filme alemão que permaneceria na memória 80 anos depois, nunca os peritos teriam apostado em Metropolis, que não conheceu o sucesso esperado à sua saída.

Poucos filmes também foram tão mutilados e falseados como este. Deste filme apenas restavam cópias incompletas de versões cortadas ou alteradas, quando veio a hora das primeiras restaurações, nos anos 1980. O DVD [agora exibido] apresenta a versão mais completa até agora realizada. O DVD não foi produzido a partir de uma só uma cópia, mas de numerosas versões que se completam, apresentando, por conseguinte, todas as sequências do filme disponíveis, a fim de recrear a versão apresentada aquando da sua estreia. Terminado o puzzle, apagaram-se as imperfeições graças aos instrumentos numéricos (resulta uma imagem absolutamente perfeita), depois substituíram-se as cenas perdidas (um quarto do filme original) por subtítulos que as descrevem. Entre os bónus do DVD, encontra-se os

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comentários de Enno Patalas, que aborda o filme no contexto da época e da produção do filme, dos trabalhos e das diferentes técnicas utilizadas que foi necessário efectuar para obter esta restauração, a mais fiel possível.

Metropolis situa-se num período charneira no final da época do filme mudo e dos últimos filmes expressionistas e representa uma referência de enorme dimensão para o cinema de ficção científica. Descrevendo uma cidade do futuro, dividido entre uma cidade à superfície e uma cidade subterrânea, trata-se de uma fábula futurista que apresenta, contudo, elementos da sociedade alemã dos anos 1920. Metropolis é, por fim, um filme que conheceu um verdadeiro malogro comercial, arruinando a sociedade que o produziu, mas um filme cujas interpretações, no entanto, se multiplicaram por dezenas de anos após a sua saída que testemunham bem o facto que este filme é uma obra prima do cinema.

Metropolis e Fritz Lang

Friedrich Christian Anton Lang nasceu em Dezembro de 1890 em Viena numa família de burguesia judaica. Seu pai Anton Lang era um arquitecto conhecido. Após ter interrompido os seus estudos de arquitectura e de artes plásticas, e as peregrinações em diferentes lugares do mundo, Fritz Lang vive em Paris em 1913 e 1914 onde pratica a pintura até à guerra. Em 1917 entra no mundo do cinema depois de Joe May lhe ter comprado vários argumentos. Começa a sua carreira de realizador, no cinema mudo de Berlim, em 1919, com o seu primeiro filme Halbblut [The Half-Caste]. Trabalha com o produtor Erich Pommer e encontra, em 1920, Thea von Harbou, com quem casa em 1922 e com que escreve todos os seus filmes até 1933. Em 1921 A Morte Cansada permite-lhes avançar no plano artístico. O Dr. Mabuse, O Jogador em duas partes (1921/1922) é um sucesso. Em 1925/1926 Lang trabalha sobre o filme Metropolis, cujo guião foi redigido pela sua mulher depois de ter escrito o livro. Depois do malogro de Metropolis, Lang funda a sua própria sociedade de produção, mas os seus filmes continuam a ser distribuídos pela UFA, a

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Universum Filme AG, a maior sociedade na Alemanha. É somente depois do filme A Mulher na Lua (1928/1929) que se separa definitivamente da UFA. No seu primeiro filme falado, M, O Vampiro de Dusseldorf (1931) Lang expõe a história dramática de um assassino de crianças perante as reacções populares de uma grande cidade.

O Testamento do Dr. Mabuse (1932/1933) estabelece um paralelo evidente entre as práticas do Dr. Mabuse e da sua rede criminosa com as actuações nazis. E Lang põe na boca de um louco os slogans fanáticos que os nazis não ousavam ainda proclamar. A censura intervém e retira o filme do cartaz. Goebbels que, tal como Hitler, admirava Lang e Metropolis convocou este último e propôs-lhe que assumisse a direcção do cinema alemão. Lang decide então deixar a Alemanha e vai para Paris, e aqui permanece apenas um ano antes de se exilar em Hollywood onde obtém a nacionalidade americana em 1935 e onde realizou 21 filmes para a MGM, a Paramount, a Centfox, a Universal e a Colombia. São filmes muito variados, que vão do western (Os Conquistadores) ao filme negro (Corrupção) passando pelo filme policial (Beyond a Reasonable Doubt) e pelo filme de aventuras e de costumes (O Tesouro do Barba Ruiva). Reencontra-se ao longo de toda a sua obra os temas da crueldade, o do medo, o do horror e da morte. Em 1959 volta à Alemanha onde realiza os seus três últimos filmes incluindo o último episódio de Dr. Mabuse: Os Mil Olhos do Dr. Mabuse. Depois, volta aos Estados Unidos. Em 1963 desempenha o seu próprio papel em O Desprezo de Jean-Luc Godard. Este seu trabalho é o seu último trabalho cinematográfico. Unanimemente reconhecido, recebe numerosas distinções, e morre em Beverly Hills em Agosto de 1976.

Metropolis e o expressionismo

De acordo com Enno Patalas, Metropolis é o último filme expressionista. Este filme inscreve-se, por conseguinte, na linhagem deste movimento artístico de antes da guerra e que continua nos meios do

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cinema depois de 1918. O Gabinete do Dr. Caligari (1919) de Robert Wiene é considerado como o primeiro filme expressionista, enquanto Nosferatu, Uma Sinfonia de Horrores (1922) de F.W. Murnau é um outro grande filme da mesma escola. Portadores das angústias colectivas duma Alemanha desfeita durante a primeira guerra mundial, os filmes expressionistas são caracterizados pela utilização de cenários artificiais e de enquadramentos oblíquos, de personagens monstruosas e de iluminações dramáticas, além dos guiões onde o destino, a loucura e a morte têm um lugar predominante. Em Metropolis, quando Freder (Gustav Frölich) descobre a sala das máquinas e assiste a uma explosão, vê trabalhadores feridos por uma máquina que não produz nada, mas que exige mortes e feridos, como a guerra cujas batalhas remontam há dez anos antes do filme ser rodado. Aquando desta sequência, Freder, todo ele vestido de branco, assiste horrorizado ao desfile dos trabalhadores que foram feridos, à sua frente: são sombras negras que desfilam, silhuetas macabras. Assim, os filmes expressionistas distinguem-se também, nesta época, onde o cinema é a preto e branco por um jogo de oposição entre o branco e o preto.

O início do filme é disso muito característico. Duas equipas de trabalhadores em uniforme, de cores sombrias, em fila, avançam arrasados, com um passo regular e idêntico. Os que acabaram o trabalho avançam a um ritmo duas vezes menos rápido do que aqueles que os vão substituir, acompanhados de um tema musical de marcha fúnebre. A sequência seguinte é o seu oposto: sob o imenso céu azul, o inverso da exiguidade da cidade dos operários, as pessoas jovens, vestidas todas de branco, deslocam-se de maneira livre e distendida: o movimento dos jovens é horizontal e fundamentado (fazem corridas entre si) enquanto os trabalhadores naufragam nas profundidades da cidade subterrânea, cabeças baixas. Segue a sequência que apresenta os Jardins Eternos acompanhada de uma valsa feliz: nesta paisagem idílica as jovens mulheres vestem fatos de carnaval claros e têm numerosas jóias. Freder brinca com uma destas jovens senhoras perto da fonte quando chega Maria (Brigitte Helm), uma mulher da cidade

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subterrânea, acompanhada de crianças, elas também vestidas de cores sombrias, o que é o oposto da brancura das roupas de Freder.

Este encontro subjuga Freder: as expressões dos rostos de Maria e dos seus demonstram-no. O relatório que faz Freder ao secretário de seu pai, o senhor da cidade, ou o primeiro “diálogo” entre Fredersen (Alfred Abel) e Rotwang (Rudolf Klein-Rogge) ilustram efectivamente este jogo muito expressivo dos personagens numa época em que o cinema é mudo: as expressões dos seus rostos fortemente maquilhados, os seus olhares, os seus gestos são como palavras e o espectador compreende efectivamente o que se diz e os sentimentos dos personagens.

Metropolis começa como um filme de animação expressionista abstracto: o título constrói-se com a ajuda das superfícies e das linhas, funde-se numa representação gráfica de uma montanha citadina. Embora Lang se tenha sempre defendido de ter sido expressionista, Metropolis é o último filme expressionista, mas é também o primeiro filme objectivo. Com efeito, o filme é feito com uma representação mais realista das coisas, continuando porém a estar cheio de traços característicos do expressionismo.

Metropolis e a ficção científica

Lang e o seu produtor Erich Pommer tinham visitado os estúdios de Hollywood em 1924, tinham visto os quadros de efeitos especiais e compraram novas câmaras. A rodagem de Metropolis começou, de facto, em Maio de 1925 e nos estúdios da U.F.A, em Neu-Babelsberg, seguidamente em hangares perto de Berlim. A sua rodagem durou até ao fim de Outubro, ou seja, 310 dias e 60 noites. Utilizou-se designadamente, aquando da rodagem, uma câmara Mittchell que Pommer tinha acabado de comprar e que foi, pois, utilizada pela primeira vez na Alemanha. Permitia-se assim seguir movimentos de personagens, como quando Freder descobre o lenço de Maria na casa de Rotwang, e dela se aproxima e o agarra: a câmara segue

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o seu braço em descida e a efectuar um travelling para a frente. Uma outra câmara, a Stachow, uma pequena câmara alemã, permitia um movimento rápido, como aquando da cena da inundação da cidade subterrânea: Freder e Maria estão quase a deixar a cidade subterrânea, a câmara volante avança e recua frente a eles, simulando assim a pressão da explosão. Por último, o plano panorâmico da direita para a esquerda dos Jardins Eternos é criado por uma pequena câmara, a Débrie que não podia ser mexida: então fez-se desfilar a maqueta dos Jardins Eternos que lhe está em frente.

Metropolis é uma obra essencial do cinema de ficção científica dado que o filme contém temas chave deste género cinematográfico e teve uma grande influência sobre a história do cinema. Com efeito, Fritz Lang retoma o mito de Frankestein quando Rotwang, o cientista da cidade, quer fazer reviver a sua bem-amada defunta por uma espécie de clonagem mecânica: constrói primeiramente uma máquina na forma de mulher, antes de lhe dar a aparência de Maria, de que espera controlá-la a seu modo. Fritz Lang cria assim dois temas principais da ficção científica: a inteligência artificial, mas também a perda do controlo dos homens sobre as suas criações tecnológicas, porque o robot escapa muito rapidamente ao controlo do seu inventor. Além disso, quando os trabalhadores destroem a cidade, Fredersen comunica com o seu chefe operário, o fiel Grot, por um telefone com ecrã, muito antes da existência da televisão. E, embora o céu das cidades não esteja cheio de veículos voadores, a deslocação aérea parece coisa corrente.

Fritz Lang e os seus colaboradores utilizaram também numerosos efeitos especiais: a decoração da grande rua resulta da combinação de uma maqueta em relevo e de um fundo desenhado pelo arquitecto Kettelhut que tinha pintado numerosas construções, sobre as quais 300 pequenos automóveis foram deslocados à mão, milímetro por milímetro, após cada tomada de vista para cada fase distinta da imagem. O efeito de espelho Schüfftan é o método que permite a máquina M transformar-se em Moloch graças a espelhos que foram colocados em frente da câmara, nos quais a

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maqueta da cabeça do monstro aparece. Este efeito permite também a combinação de maquetas e de decorações reais. Quando a multidão persegue Maria, vê-se bem numa decoração de maqueta uma multidão correr na rua: colocou-se, com efeito, um espelho num ângulo de 45° em frente da objectiva da câmara, no qual se reflectia uma maqueta miniatura instalada por trás da câmara em diagonal. Um sector do espelho foi retirado de modo a que o olho da câmara podia directamente incidir sobre a decoração real.

Por último, a exposição múltipla é realizada directamente aquando da tomada de vista sobre a película que foi rebobinada várias vezes. Por exemplo, aquando da criação do ser artificial, o mesmo negativo foi exposto até 30 vezes. Fotografou-se primeiramente a máquina de forma humana, seguidamente substituiu-se esta por uma silhueta preta. Ao seu redor, fez-se deslocar-se duas luzes de néon, dois tubos na forma circular em cima e em baixo, e isto feito de maneira repetida através de uma espécie de ascensor. É somente no fim que se filmam as descargas eléctricas feitas com cabos de corrente. Este mesmo método é utilizado igualmente aquando do discurso da falsa Maria: sobre a mesma imagem justapõem-se a multidão dos trabalhadores, o rosto da falsa Maria em jeito de quem vai falar, os grandes planos dos olhos e os rostos dos trabalhadores. Metropolis, um dos últimos filmes mudos e sem dúvida o último filme expressionista é, por conseguinte, pelos seus temas abordados e pelos seus efeitos especiais, um filme de referência para o cinema de ficção científica. O filme apresenta uma cidade futurista e a sua sociedade, na qual se pode, no entanto, procurar correlações com a sociedade contemporânea da elaboração do filme.

Metropolis e a sociedade do futuro

Freder, o filho do senhor de Metropolis conhece uma existência idílica na cidade à superfície, a da casta dos privilegiados, composta de magníficas residências e de esplêndidos edifícios, até ao dia em que se apercebe de Maria, esta jovem mulher vinda da cidade subterrânea dos trabalhadores.

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Freder, procura reencontrá-la e vai à cidade subterrânea onde descobre que a massa operária é escrava das máquinas que permitem o funcionamento da cidade à superfície. Descobre também a miséria desta parte da cidade e o esforço sobre-humano que se exige a seres humanos semelhantes a si, os seus “irmãos” como ele o dizia. Freder queria conhecer a vida dos seus “irmãos”: era necessário viver no meio deles para os salvar. Aliás é aí que reencontrará Maria. Propôs, por conseguinte, ao trabalhador de uma máquina infernal substitui-lo. Trocou os seus vestuários e os seus lugares. No fim do seu serviço, derreado, segue o plano encontrado no seu bolso e os outros trabalhadores que voltam para as catacumbas da cidade onde se encontra uma cripta, na frente da qual Maria promete aos trabalhadores que um mediador virá brevemente libertá-los dos seus sofrimentos. No fim do seu discurso, os trabalhadores vão embora, mas Freder permanece e questiona Maria, o que dá lugar a uma muito bonita cena de amor. Enquanto Freder se afasta, Rotwang captura Maria para copiar a imagem da sua cara para uma mulher-robot. Mas, a falsa Maria escapa ao seu controlo e leva os trabalhadores a destruir as máquinas, o que provoca a inundação da cidade operária. Freder e Maria, de novo reunidos, salvam as crianças dos trabalhadores, enquanto a mulher-robot é queimada. Metropolis está em ruínas, mas Freder torna-se o mediador entre o seu pai e a massa de operários que, juntos, reconstruirão a grande cidade.

Aquando duma viagem de negócios de Lang e de Erich Pommer para a distribuição dos filmes alemães em território americano em 1924, em Nova Iorque, Lang ficou impressionado com a imensidade das construções e da cidade de Nova Iorque, sobretudo à noite, quando os faróis dos automóveis, os painéis publicitários e os arranha-céus verticais iluminam a cidade, o que deu a Lang a ideia do seu filme. Metropolis apresenta por conseguinte esta cidade do futuro, composta de imensos arranha-céus de uma arquitectura imaginária, justapondo-se uns aos outros, invadidos por cascatas de luzes. É um sonho de arquitecto que Fredersen, o mestre da cidade, fez construir. Herich Kettelhut, que desenhou os esboços

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destas construções urbanas deslumbrantes, de que algumas aparecem directamente no filme pela sucessão de fundos encadeados sob forma de esboços arquitecturais não executados, nem mesmo destinados a ser executados, fantásticos e imaginários. Mas trata-se também, tendo em conta a génese do filme, duma espécie de super Nova Iorque e não somente de uma cidade saída completamento do imaginário.

Encontram-se, contudo, na cidade dois corpos estranhos: a velha casa de Rotwang, na qual a sua biblioteca tem muitas obras antigas, mas também uma lâmpada de néon a iluminar o seu escritório, e a catedral gótica. Este filme faz também referência à Antiguidade (Hel, o nome da amada defunta de Rotwang, era segundo a lenda nórdica a soberana das entranhas da Terra) e à Bíblia (o Moloch era o deus dos Amonitas). Além disso, depois do rapto de Maria, o filme assume, de repente, andamentos de conto fantástico, no qual, se reencontra um feiticeiro (Rotwang) que rapta a prometida (Maria) ao herói, um agradável rapaz (Freder). Mas, da mesma maneira que qualquer outro filme, mesmo futurista, a sua escrita não está isolada, não está destacada do contexto socioeconómico da sua época. Assim, Metropolis apresenta também um conjunto de elementos, mesmo que em número reduzido, da sociedade alemã dos anos 20.

Fredersen tem um relógio Movado: o que mostra que é efectivamente um homem dos anos 20. Ora, o contexto económico e social é muito importante para compreender as produções alemãs destes anos. Os personagens monstruosos, como Moloch, as decorações totalmente desmedidas, como a arquitectura futurista, e as iluminações fortemente dramáticas, como aquando da cena da perseguição de Maria por Rotwang em catacumbas, marcam o traumatismo desta Alemanha mortificada, devastada e amedrontada.

Depois de Freder ter feito o seu relatório ao secretário de seu pai, são o trabalhador (na pessoa do chefe das oficinas Grot), o capitalista (Fredersen)

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e o empregado (o secretário) que estão reunidos no escritório do mestre e que representam o modelo da sociedade moderna baseado nas (alianças das) camadas sociais. Mas, a situação aparentemente privilegiada dos empregados é, na verdade, a mais precária, pois nesta Alemanha dos anos 20 são as classes médias que sofrem mais a inflação, e o secretário é despedido devido ao plano das catacumbas encontrado pelo chefe dos trabalhadores.

No seu filme, Fritz Lang tenta chamar-nos à atenção contra os perigos da evolução tecnológica, que está na origem da escravatura do homem pela máquina. Muito pessimista, no seu conjunto, Metropolis termina bem, o que lhe valeu ser considerado como uma apologia do socialismo. Aquando da cena final os trabalhadores marcham todos a um ritmo idêntico, formando um triângulo cuja ponta é constituída pelo fiel Grot, o chefe das oficinas. Sobem as escadas da catedral onde reencontram o representante do trabalho e do capital na pessoa de Fredersen. Faltam apenas os parceiros sociais e uma confiança respectiva. Maria convence a instância mediadora, Freder, que intervenha, é ele que une as mãos do capital e o trabalho: “Entre o cérebro e a mão, o mediador deve ser o coração”. Pela terceira e última vez mostra-se o cartaz com a máxima, antes da palavra FIM.. Lang numa entrevista aos Cahiers du Cinéma em 1959 renega esta conclusão optimista do filme na qual se inscreve uma mediação social: “eu não gosto muito do filme. Já não se pode dizer hoje que o coração é o mediador entre a mão e o cérebro. É falso, a conclusão é falsa, eu já não concordava com ela quando estava a realizar o filme.”

Metropolis, embora futurista nas suas decorações, apresenta, contudo, semelhanças com a sociedade contemporânea na altura em que se estreou o filme, e sobretudo, apresenta a sua evolução possível, ainda que Lang proceda a um certo exagero que é próprio da magia do cinema. Seja como for, Metropolis conheceu um malogro espectacular sobretudo para a U.F.A., o que não impediu de se manter para a posteridade e de se impor como uma incrível obra-prima.

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Metropolis e as realidades do cinema

Para que as produções alemãs possam ser distribuídas no solo americano, deviam rivalizar em termo técnicos com as produções deste país. É esta a razão pela qual Metropolis (cuja ideia do filme germinou aquando da viagem de negócios de Lang e de Pommer a Nova Iorque) torna-se o filme portador de todas as esperanças do estúdio e Lang obteve e dispôs de os todos os meios que desejava para o seu orçamento que passou de 1,5 milhões de marcos-ouro previstos inicialmente para 6 milhões. O filme, cujo desenrolar, quer financeiro quer técnico, eclipsa tudo o que tinha sido imaginado, esteve no cartaz durante 4 meses no palácio da U.F.A, em Berlim, onde houve apenas 15.000 entradas. O distribuidor retirou-o do cartaz. Seis meses mais tarde, o filme é de novo lançado, mas com um corte de um quarto da sua extensão, de acordo com o modelo da versão americana e mutilado por Pollock, a quem a Paramount tinha encarregado da exploração, e que alterou a história. Esta nova versão passou despercebida nos Estados Unidos nessa época, onde os filmes falados começam a aparecer. Metropolis arruina a U.F.A que nunca mais se refez da situação criada e que se serviu de malogros paralelos de outros filmes para se vincular ao grupo Scherl, do nacionalista Hugenberg.

Os trabalhadores estão todos vestidos da mesma maneira, não são individualmente identificáveis, são designados por um número, como se vê sobre o boné do trabalhador que substitui Freder. Mais terrível ainda é a visão de Freder que vê precipitarem-se na máquina Moloch primeiramente os Israelitas, seguidamente os trabalhadores, avançando em fila, ao ritmo de uma música inquietante. Tantos sinais que nos recordam os campos de exterminação nazis, que começaram a aparecer em 1933. Ora, o filme foi rodado em 1925: tal teoria é, por conseguinte, inadmissível. Metropolis é igualmente uma cidade nas mãos de um só ditador monopolizando o poder. Mas, ainda aí, a subida de Hitler data de 1930. Em contrapartida, a hipótese de Marcel Martin é mais admissível: “Trata-se, nem mais nem menos, de uma parábola nazi,

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as simpatias de Théa von Harbou não deixam nenhuma dúvida sobre este ponto (...) No mundo futuro, os trabalhadores correm o risco de se entregar às miragens subversivas dos comunistas se os patrões não se tornam melhores e não aceitarem a reconciliação mística do capital e do trabalho”. (Cahiers du Cinéma, n°100). Mais do que uma parábola do nazismo dos anos anteriores à chegada de Hitler ao poder, Metropolis anuncia sobretudo uma sociedade onde a classe operária é escrava (das máquinas e de Joh Fredersen) e em que a revolta pode ser acalmada pela mediação social, graças a uma atitude dos patrões mais conciliadora. É o que se passará na Alemanha do após Segunda Guerra Mundial com o papel muito eficaz dos sindicatos.

A subida do nazismo empurra Fritz Lang - de origem judaica - a fugir do seu país, enquanto Théa von Harbou, cujas inclinações para a ideologia hitleriana eram conhecidas, permaneceu na Alemanha e inscreveu-se, em 1932, no partido nazi ao mesmo tempo que Lang fundava, em 1936, a Liga anti-Nazi.

Metropolis é também, e sobretudo, um filme onde o génio do realizador Fritz Lang se exprime com força. Assim, aquando dos “diálogos” o espectador às vezes é levado a tomar partido por planos em frente de personagens que se exprimem para a câmara, logo para o espectador, como quando Maria discursa aos trabalhadores em que defende a ideia de que o mediador deve ser o coração, entre a mão e o cérebro: um grande plano de frente. Maria dirige-se igualmente ao espectador. Mas, o espectador está, por vezes distante, e os personagens estão filmados de perfil. A cena do primeiro beijo entre Freder e Maria após o seu discurso é de uma beleza refinada. Uma vez que todos os trabalhadores se foram embora, Freder fica sozinho com Maria que parte, mas Freder chama-a: os dois personagens olham-se, Maria dirige-se para Freder, a câmara, por um movimento para trás (um travelling) segue o movimento de Maria, visto em contra-plano (a câmara está no lugar de Freder, que se abaixou) e aproxima-se cada vez mais dele até a levar à câmara. No plano seguinte vê-se Freder em grande plano: a câmara está então no lugar de Maria.

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Segue-se o diálogo entre eles durante o qual o que fala é sempre mostrado de perfil, enquanto o que ouve é sempre mostrado de costas e de lado. “Mediador, vieste.” “Chamaste-me”, responde. E beija-o coroando esta aproximação entre os dois personagens que efectivamente tinha sido sublinhada pela realização.

Depois, Freder vai-se embora. Maria reencontra-se perseguida por Rotwang nas catacumbas, numa cena que teria podido ser tirada de um filme de Hitchkock. Mas é efectivamente Lang que inova: Rotwang, pelo raio luminoso da sua lâmpada assume progressivamente o animal perseguido e não lhe deixa nenhum espaço até ao pânico total. Maria cai na armadilha numa cena na qual o seu medo é bem visível.

Nenhum filme provocou até agora tantas críticas, tantas análises e tantas interpretações, pelo menos desde os anos 1980. Portanto, não nos podemos definitivamente fixar numa interpretação limitada do filme: pode-se ter em conta as diferentes análises da história e da sua conclusão, as metáforas, as alegorias, mas pode-se e deve-se, com efeito, também deixar-se deleitar pela contemplação inocente e distante do filme. Porque a sentimentalidade ou a banalidade da história, por exemplo, nunca chega a fazer esquecer o esplendor das imagens. Aquando do discurso de Maria na construção da nova Torre de Babel, vêem-se no écrã cinco colunas de trabalhadores que convergem para a câmara, metáfora para os cinco dedos da mão. Ou durante o episódio do laboratório, a criação do robot é detalhada com uma exactidão técnica que não é necessária para fazer avançar a acção. Tantas cenas que representam um puro espectáculo, uma representação notável e uma estética indestrutível, intemporal. Finalmente, as análises só devem aparecer em segundo lugar, porque a beleza do filme, a sua realização, o jogo dos seus actores, as suas decorações inverosímeis, ultrapassam tudo. E, de qualquer modo, “tudo o que tenho a dizer, já o disse nos meus filmes e estes falam por si-mesmos.” (Fritz Lang). O espectador só tem que olhar e deixar-se levar pela acção nesta cidade futurista, cidade de arranha-céus, cidade-máquina.

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A importância do peso de Metropolis na história do cinema da ficção científica pode, para terminar, demonstrar-se facilmente, citando algumas obras essenciais do século XX. Em Tempos Modernos (1936), Charles Chaplin inspira-se directamente na sequência em que Freder descobre as máquinas quando Charlot trabalha numa fábrica. Da mesma maneira que em Metropolis, a função do seu trabalho não é definida claramente e não faz mais do que repetir incessantemente o mesmo gesto. O robot humanoíde C-3PO da Guerra das Estrelas (1977) de George Lucas deve a sua origem ao filme de Lang e à sua mulher-robot. Em O Quinto Elemento (1997), de Luc Besson, Leeloo não é ela alongada como na fase em que Maria toma alento? Finalmente, a última obra importante de ciência ficção do século passado, Matrix (1999), dos irmãos Wachowski, retoma os temas da virtualidade e em que os humanos são escravos e que o ignoram, fontes de vida para as máquinas que eles criaram, mas que estão totalmente inconscientes da sua existência real.

A sociedade de hoje está saturada e poluída de instrumentos electrónicos, informáticos e celulares, instrumentos sem os quais as cidades em que vivemos deixariam pura e simplesmente de funcionar. A ficção de uma época torna-se assim, por vezes, a realidade de uma outra.

Vladimir Soloch, Un film à la contrée des temps. Disponível em http://cours.cegep-st-jerome.qc.ca/530-lem-p.l/vladimir.htm

2.2. A LEITURA pOLíTICA DE UmA CENA

Surgindo das sombras de Murnau, a multidão toma de assalto a central da grande fábrica subterrânea. A mim, fascina-me, nesta imagem, a desproporção das figuras. Este monstro luminescente e esta massa negra de corpos microscópicos representam, sem dúvida, uma alegoria (o Trabalho e o Capital). Mas, ao longo de todo este filme, desta grande ópera cinematográfica, que levou à falência a produtora e cujos actores, de cabeça

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rapada, eram desempregados, o que avança é uma procissão de gigantes (os arranha-céus, a fábrica, o deus Moloch, a Torre de Babel) de que a multidão é ao mesmo tempo o corpo imprevisível, turbulento, mutante, e o espectador infantilizado e aterrado.

Os cenários de Metropolis não antecipam os grandes desfiles nacional-socialistas. De modo mais preciso, colocam em acção o trabalho de um tipo organizativo que o fascismo claramente vai explorar: a figuração dos gigantes, das multidões, é ainda afectada por clivagens incertas, dividida entre a memória de uma selvajaria mitológica, de cultos católicos e pagãos e a perspectiva de um novo enquadramento, depois do Dilúvio, de que o filme constitui a versão moderna.

Lang, ao mesmo tempo, convoca para este teatro um corpo que parece uma enorme multidão, tal o medo que suscita, num palco cujos contornos são dados pelo fantasma do seu desencadeamento, da sua fúria, que produz o gesto da sua destruição. A sua paragem. Mais tarde, surgirão, erigidos aos quatro ventos, os colossos extáticos do III Reich.

Jean-Pierre Oudart, “La révolte des ouvriers”, Cahiers du Cinéma, Paris, hors série, nº 2, 1978.

3. Metropolis: ALGUmAS RECENSõES

3.1. Metropolis, DE FRITz LANG

Ballet Sci-Fi

“Metropolis” estreou em 1927, permaneceu em exibição durante uma única semana em solo germânico e depois foi severamente retalhado por distribuidoras alemãs e americanas. Na altura, decidiram que os 153 minutos de duração eram responsáveis pelo fracasso de bilheteira.

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Irremediavelmente, a versão original de Fritz Lang jamais será montada novamente (25% foi considerado perdido para a eternidade), mas a última tentativa de reconstituição presenteia-nos com a versão mais aproximada de sempre. Uma equipa de especialistas recuperou os fragmentos dispersos, retocou-os com a original composição musical de Gottfried Huppertz e uniu-os numa película de 35mm com delicada veneração.

Com a sua explosiva fusão de acção futurista, subcamada política, coordenadas religiosas e encenação sensual, a película foi sempre afamada, mesmo na sua forma mutilada. “Metropolis” ilustra uma sociedade futura, que tal como os mundos da Ópera Alemã é dicotómica, dividida entre deuses e mortais. A burguesia hedonística vive numa gloriosa metrópole com traços arquitectónicos visionários e o proletariado labuta no subsolo para manter a refulgência da cidade. Quando Freder (Gustav Frohlich), filho do administrador da cidade Joh Frederson (Alfred Abel), se aventura sob a superfície pela primeira vez, após tomar contacto com a bela e pura Maria (Brigitte Helm), fica chocado com a sua descoberta. Maria apregoa o surgimento de um mediador para reconciliar as duas metades da sociedade, mas enquanto Freder se apaixona por Maria, o seu pai julga que a influência da rapariga junto dos trabalhadores poderá ser daninha e projecta junto do cientista Dr. Rotwang (Rudolf Klein Rogge) um clone robotizado de Maria, para a substituir. O conto é uma mistura de alegorias religiosas (a revolta dos operários é liderada por uma figura de Madonna – Maria – que os coloca em contacto com o salvador) com a luta de classes sociais. O moral da história é: «O mediador entre a mente e as mãos é o coração». A «mente» representa os intelectuais da sociedade, as «mãos» são o proletariado e o «coração» será a compaixão humana que unirá os dois pólos em concordância.

Fritz Lang (que fugiu para Hollywood, após Hitler o convidar para dirigir a indústria cinematográfica nazi, através do seu chefe de propaganda Joseph Goebbels) é um dos profetas da Sétima Arte. A sua visão revolucionária e as suas raízes artísticas transferiram plateias para o futuro. Durante a era

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do cinema mudo, Lang teve a oportunidade de expandir as suas visões pelos primais espasmos de filme-noir, de thrillers paranóicos de espionagem e de ficção científica épica. “Metropolis” é porventura a sua película mais célebre, mas além desta extraordinária Ópera celulóide existem outras películas obrigatórias na sua filmografia, como a primeira longa-metragem sobre um serial-killer “M. O Vampio de Dusseldorf”, ou “Os Nibelngos – A Vingança de Kriemhilds”, restaurado mais tarde por F.W. Murnau (autor do brilhante “Sunrise”), por exemplo.

Ridley Scott, Ingmar Bergman, Stanley Kubrick, George Lucas, Steven Spielberg, e outros tantos realizadores encontram-se em dívida para Fritz Lang. Visionar “Metropolis” significa depararmo-nos com fantasmas do futuro, sejam eles sociais (a vídeochamada) ou cinematográficos: o cientista louco (Dr. Rotwang) é evocado por Kubrick em Dr. Estranhoamor (interpretado por Peter Sellers); o elemento temático ilustra o fosso entre a classe operária e as hierarquias superiores pode ser encontrado em múltiplos filmes, desde “Tempos Modernos” de Charles Chaplin a “The Hudsucker Proxy” dos irmãos Coen. Rico metaforicamente, a revolta operária exibida pelo filme, coloca em risco a vida das suas crianças, ou seja, o futuro. Eram os primeiros passos no Cinema da relação Homem-Máquina, aludindo às repercussões das máquinas na sociedade, com Lang a dramatizar estilisticamente a profunda ambivalência de um futuro “artificial”, retratado com exaltação e inquietação. Seja em “Matrix”, “Blade Runner”, “A Guerra das Estrelas” ou “Akira”, encontramos impressões desta relíquia espalhadas por múltiplos objectos cinematográficos. Até os truques para ampliar os edifícios e encolher os cidadãos, foram utilizados por Peter Jackson para encolher os hobbits em “O Senhor dos Anéis”.

Apesar da sua inquestionável influência, Lang também buscou inspiração em obras predecessoras. “Metropolis” é considerado por muitos como o primeiro grande filme de ficção científica, mas apesar da dificuldade em definir concretamente o termo «grande», a afirmação encontra-se algo errada.

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Em 1924, Yakov Protazanov realizou “Aelita”, cujos cenários subterrâneos, bem como os seus pilares e rampas trapezoidais serviram de inspiração na criação de “Metropolis”. Além disso, o futuro decomposto por Lang encontra-se em débito para com H. G. Wells e o seu romance de 1895, “A Máquina dó Tempo” (a mais influente obra de Ficção Científica). Wells apresenta um futuro no qual os descendentes de capitalistas abastados vivem requintadamente à superfície, enquanto os trabalhadores operam no subterrâneo com maquinaria. “Metropolis” aparenta uma dicotomia idêntica, mas enquanto a aproximação de Wells é essencialmente Marxista e inflamada por revolta, Lang adopta uma inspiração religiosa para a reconciliação entre classes. “Os Quatro Cavaleiros do Apocalypse” (1921) de Rex Ingram, também serviu de fonte inspirativa. No seu filme, Ingram interrompe a narrativa moderna, para dramatizar uma simbólica passagem bíblica. De forma análoga, Lang dramatiza a passagem bíblica da Torre de Babel através da sua personagem Maria.

Existe uma panóplia de cenas memoráveis, desde explosões, inundações, uma célebre dança lasciva, a Torre de Babel, o auto da “bruxa” na fogueira, a sincronia aterradora de uma infindável coluna de operários a laborar, a pose de Freder na máquina do relógio assemelhando-se a Cristo na cruz, a monstruosa máquina «M» revelada num momento fantasista para encarnar o fenício deus Moloch, do Antigo Testamento Bíblico, em honra do qual mães imolavam os próprios filhos. O filme abona ilustres visuais sumptuosos, minuciosamente delineados para conduzir a história. Desde as espirais que vibram Arte Deco ao longo dos seus segmentos, aformoseando a cidade, até ao labiríntico antro subterrâneo dos operários, “Metropolis” é um influente, inspirador e deslumbrante espectáculo cinemático, portador de primorosos artefactos que poderiam constar em galerias de Arte Moderna. O filme é maioritariamente Arte Deco. Usualmente associam a primeira demonstração de Arte Deco a “Our Dancing Daughters” (1928) de Harry Beaumont, mas “Metropolis” manifesta o tradicional padrão geométrico da respectiva Arte um pouco por todo o lado, desde a entrada do clube nocturno Yoshiwara ou na mobília do escritório de Joh Frederson.

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“Metropolis” cativa com a sua direcção artística inspirada, pois visionamos os actores contraindo os olhos para indicar medo, arregalando-os para evidenciar espanto, batendo literalmente o peito para demonstrar paixão, retesando a fisionomia para expressar cólera. “Metropolis” é um exemplo categórico do Expressionismo Alemão. A ambiguidade da sua visão originou um sortido de interpretações, desde um alerta contra o despotismo fascista até à tirania capitalista, contudo “Metropolis” deverá ser encarado como a alegoria de uma época de aflição. Mesmo para os parâmetros do cinema mudo, Lang fez de “Metropolis” um dos filmes mais operativos de sempre, resultando num altamente estilizado ballet industrial.

Disponível em http://pasmosfiltrados.blogspot.com/2006/02/

metropolis-de-fritz-lang.html

3.2. mETROpOLIS, SINOpSE

2026, Metropolis simboliza a megalópole futurista, organizada de acordo com um sistema de castas. Os trabalhadores trabalham na cidade subterrânea, manipulando máquinas noite e dia, com o único objectivo de assegurar a felicidade dos burgueses que vivem à superfície, na cidade. Um cientista louco, o híbrido Rotwang (Rudolf Klein-Rogge), concebe e realiza um andróide de aparência feminina, que exortará os trabalhadores a revoltarem-se contra o senhor da cidade: Joh Fredersen (Alfred Abel). A luta das classes e a metafísica ritmam um filme definitivamente avançado para o seu tempo.

O que há de comum entre o filme Metropolis de Fritz Lang, a nona sinfonia de Beethoven, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Bíblia de Gutenberg? Todos eles fazem parte do património documental da humanidade e figuram entre as 91 colecções inscritas no registo “Memória do Mundo”, da UNESCO. Este programa, lançado em 1992, tem como missão salvaguardar o património da humanidade. No caso do cinema, milhares de quilómetros de películas correm o risco de se perderem

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se a sua restauração não for rapidamente realizada. O filme Metropolis que nos é hoje possível ver foi amputado de um quarto da sua duração original. Vários minutos de celulóide foram perdidos para sempre. Se o tempo é, em parte, responsável pela destruição do filme não é, porém, o único responsável, pois a sociedade de produção tem uma larga parte de responsabilidade.

Na história do cinema, não há nenhum filme que tenha sofrido tantas transformações como Metropolis. O filme de Fritz Lang precisou de dois anos de trabalho para a sua realização. A dimensão técnica e financeira eclipsaram tudo o que até aí tinha sido imaginado, ao ponto de Metropolis ter levado a sociedade UFA à beira da falência. Com este projecto colossal, os produtores esperavam grandes lucros e um sucesso comercial internacional. Infelizmente, o filme não conheceu o sucesso esperado. Metropolis foi um fiasco. Só aproximadamente 15000 berlinenses assistiram à sua projecção em Janeiro de 1927. O filme foi retirado muito rapidamente de cartaz a fim de ser sujeito a cortes e a nova montagem. De uma duração original de 153 minutos, o filme foi reduzido a 118 minutos. É esta versão de duas horas que foi projectada à escala internacional. Mas isto também não resultou, o público continuou indiferente a Metropolis.

O filme sofre ainda numerosos cortes, nomeadamente uma versão americana distribuída pela Paramount, indigna da visão de Fritz Lang. Será necessário esperar pelo fim da Segunda Guerra Mundial para que o filme seja redescoberto e tenha encontrado, finalmente, o seu público. É por iniciativa da Fundação Friedrich-Wilhelm Murnau que uma reconstrução de novo foi retomada. Os arquivos do mundo inteiro foram “pilhados” a fim de alcançar, o mais perto possível, a obra imaginada por Fritz Lang e pela sua mulher, Thea von Harbou. Obviamente, a obra aqui apresentada constitui apenas uma versão sintética. Aproximar-se-á da obra de Janeiro de 1927? Um mistério que Fritz Lang levou para o túmulo. Interrogado sobre o seu trabalho, continuava evasivo e respondia somente com outras perguntas.

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“Quando li, pela primeira vez, o manuscrito de Thea von Harbou, compreendi imediatamente que o trabalho que me esperava ia exceder, e em muito, as minhas anteriores realizações”, declarou Fritz Lang. Metropolis, a futurista, só podia ser fruto da imaginação, porque não existia nenhum estilo moderno que exprimisse a complexidade desta megalópole. O projecto é gigantesco, a cidade é uma mistura de modelos reduzidos, de truncagens e de decorações. Arranha-céus, arte déco, auto-estradas e jardins suspensos, Torre de Babel compõem o coração da cidade. Esta modernidade aparente tem um preço: vive apenas pelo suor e pelo sangue de milhares de trabalhadores que se matam literalmente para activar as máquinas que nada produzem, mas que reclamam o seu lote diário de mortes e de feridos. Na parte subterrânea da cidade, equipas do turno nocturno, extenuadas, cruzam-se com equipas do turno de dia que se lançam nos elevadores que os levarão a M, a máquina central. M como Metropolis, M como mutter (mãe), M como Moloch, divindade pagã da Fenícia e dos Amonitas. Como a antiga Moloch-Baal, a máquina engole as suas crianças, satisfaz-se com a sua carne. Qualquer má manipulação das alavancas é punida imediatamente. É o que descobrirá o jovem Freder (Gustav Fröhlich) quando desce aos subterrâneos à procura de Maria (Brigitte Helm). Se os trabalhadores simbolizam o proletariado oprimido pelo capitalismo, Maria, ela, representa o renascimento, a virgindade e a fé. Maria consola as massas oprimidas, prega nas catacumbas de Metropolis, verdadeira capela que recorda os lugares de encontro dos primeiros cristãos. Esta representa a esperança que assusta o líder, projectista da cidade, Joh Fredersen (Alfred Abel), pai do jovem Freder. O nome Joh reenvia a Jehovah, o Deus bíblico. Monopolista e ditador, Fredersen controla Metropolis a partir do seu escritório, cercado de consolas e de telefones de vigilância. Como o líder moderno, reina graças à comunicação e à informação.

Fritz Lang trabalha com a simbologia religiosa. Em cada parte da cidade, em cada habitante esconde-se uma metáfora. A estas referências bíblicas, o mestre alemão acrescenta a psicanálise, uma forma de tendência espiritual. A relação com o pai e a mãe, complexo de Édipo, atormenta Freder

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e os personagens principais: Fredersen, Maria e Rotwang. O sagrado que é encarnado por Maria é ridicularizado por Fredersen e pelo cientista louco Rotwang. Os dois criam um doppelganger da virgem a partir de um andróide feminino. A virtuosidade de Lang é fabulosa aquando Rotwang persegue desenfreadamente Maria com a sua lâmpada archote até às catacumbas. Se o filme usa numerosos planos fixos, esta cena permite a Lang múltiplas tomadas de vista cinematográficas em movimento (travellings). Um movimento perpétuo que se conclui pelo apanhar da presa. Lang permitir-se-á a uma outra experiência de puro cinema aquando da dança dos véus efectuada pela falsa Maria em Yoshiwara, o clube dos jovens, filhos das boas famílias da cidade. Lang oferece-nos então uma montagem ritmada, cheia de modernidade e visualmente espantosa.

Estas cenas magníficas prefiguram a catástrofe próxima. A falsa Maria desencadeia a revolta. Os trabalhadores, loucos de raiva, destroem a máquina central. O caos arrasa Metropolis. Finalmente, é o amor que virá salvar a situação da entropia. Maria e Freder chegam a convencer Fredersen que o coração deve servir de mediador entre a mão (a acção) e o cérebro (a planificação). A anti-tecnologia, os sentimentos, ganham à modernidade e aos seus meios de produção.

As exegeses de Metropolis são hoje uma legião. As suas interpretações são múltiplas. Todos têm uma ideia de Metropolis, mas o que é que aí exactamente devemos ver e pensar? Certamente não o filme escrito por Thea von Harbou em 1924 e posto em cena por Fritz Lang em 1926, dado que já não existe mais, desde 1927. Continua a ser um filme popular, o mais conhecido e o mais visto dos filmes alemães. O ómega do expressionismo cinematográfico. Uma obra-prima que continua a inspirar cineastas modernos, quer seja através de Ridley Scott e do seu Blade Runner ou mais recentemente com os irmãos Wachowski e a sua trilogia Matrix. Continua a ser um filme fundador que nos toca o coração.

Disponível em http://www.dvdclassik.com/Critiques/dvd_metropolis

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3.3. mETROpOLIS: O FILmE mAIS INOvADOR DESDE A INvENçãO DO CINEmA

O expressionismo alemão ofereceu-nos verdadeiras obras-primas. Do poeta Friedich Wilhelm Murnau (Nosferatu) ao arquitecto Fritz Lang (Dr. Mabuse, Os Espiões). O Gabinete do Dr. Caligari assinado por Robert Wiene, em 1919, é certamente o filme referência do expressionismo, um filme manifesto.

1927 Metropolis, é certamente o filme mais essencial, mais visionário, mais profundo, sobre o Homem e a sua vaidade, alguma vez realizado desde a invenção do cinematógrafo. A primeira vez que descobri esta obra-prima do cinematógrafo, fiz a mim mesmo a seguinte pergunta: como é que alguém pode ter realizado, em 1927, uma longa metragem tão visionária e sempre tão actual e com um génio tão inovador e com tais efeitos especiais que espantam para a época. Metropolis está inscrito no registo Memórias do Mundo da UNESCO. Foi o primeiro filme classificado entre os documentários de património mundial.

A complexidade de um filme “inacabado”, com um percurso tortuoso através da história do século passado. Censurado, remontado, tornando-se o filme de cabeceira de Goebbels e de Hitler, que poderiam ter sido inspirados neste filme na criação dos campos de concentração, para grande pena de Fritz Lang. Dos 210 minutos iniciais, o filme foi amputado, massacrado. A fundação Murnau, após um trabalho titânico de restauração, de investigações, propõe certamente a versão a mais próxima possível do original. Infelizmente, o filme permanecerá “inacabado”, e os minutos desaparecidos permanecerão perdidos para sempre.

Que representa Metropolis?

Alguns críticos continuam a pensar que o filme prefigura a tomada do poder pelos nazis. Não penso assim. O trabalho é bem mais profundo,

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e o tema tratado permanece tão actual e infelizmente continuará tão actual amanhã. Não nos devemos esquecer que Fritz Lang era arquitecto de formação, e a elaboração desta metrópole futurista, sendo de facto uma verdadeira invenção arquitectural, encontra as suas origens nos arranha-céus que Lang tinha conhecido aquando de uma viagem aos Estados Unidos. Mais do que o procurar ver qualquer prefiguração do totalitarismo nazi, Fritz Lang descreve finalmente as nossas cidades actuais, e daí o seu génio visionário.

Metropolis é sobretudo uma chamada de atenção contra o totalitarismo, contra a exploração do homem pelo homem. No fim do filme, só uma ideia me vinha à cabeça: definitivamente, o homem não passa de uma besta previsível, e o artista tem por função dar-lhe uma estética, de o cultivar, de lhe conferir um estatuto que ele nunca alcançará: uma espécie plena de sabedoria!

Os puristas gritaram escândalo, quando Giorgio Moroder reanimou Metropolis, com uma música em grande parte dos Queen. Contrariamente aos puristas, ainda que esta versão colorida seja uma infracção ao trabalho original, terá tido pelo menos, e não foi pouco, a função de redescobrir esta obra-prima incontornável do cinema mudo. É verdade, que para os que visionaram o filme na sua versão “original”, sublimada pela música de Gottfried Huppertz, verdadeiro portador de uma herança malheriana, se pode gritar blasfémia.

METROPOLIS é pura e muito simplesmente uma obra fundadora do cinematógrafo, ilustrando até à perfeição a expansão inovadora do cinema alemão dos anos 20. Não nos devemos preocupar por haver mais de 80 anos a separar-nos desta obra, pois Metropolis não envelheceu mesmo nada, é um tratado sobre as questões sociais, como a das desigualdades, que actualmente nos atingem por inteiro.

Disponível em: http://www.come4news.com/metropolis-le-film-le-plus-novateur-depuis-linvention-du-cinema-299795

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3.4. Metropolis: ALGUmAS BREChAS

Um monumento. De tal forma que Metropolis é o primeiro e o único filme da história do cinema a ter sido classificado como tesouro da humanidade (“Memória do mundo”, pela UNESCO). Impossível, com efeito, não ficar subjugado, entontecido, pela força, pela garra visual (mais interessante que a vontade visionária que anima o filme) que Lang manifesta de plano para plano. Há neste filme uma profusão de invenções e de imaginações cada uma delas mais admirável que as outras, mas que se exercem sobre um imaginário mais discutível.

É este o problema de Metropolis (1926). Porque sendo certo que foi um filme bastante massacrado do qual faltam vários momentos importantes, a verdade obriga a dizer que a restituição dos elementos para sempre perdidos não alteraria nada à falha principal, que é mesmo a da concepção da própria história. Quiseram-no (Thea von Harbou, mas também Fritz Lang) tão colossal, colossalmente simbólico, épico, profético, político, psicanalítico, numa espécie de sonho messiânico, telúrico (Hel) ou mesmo cósmico (Babel), que a hipertrofia força os elementos a chocarem uns com os outros e despertam em nós, nas nossas consciências, um sentimento de desordem. Resumidamente, a preocupação monumental prejudica (um pouco) o monumento, mas este continua a ser bastante imponente e potente para se opor a todos os assaltos, mesmo o do guião.

Não é muito difícil perceber o caminho que conduziu à criação de uma obra-prima evidente, mas que não é, no entanto, autenticamente um bom filme. Após os dois primeiros Mabuse, As Três Luzes e Os Niebelungos, que demonstraram o seu génio, adivinha-se a impaciência de Lang em manifestar todo o seu poder criador. O projecto de Metropolis preenchia o seu desejo. O tema parecia-lhe tão rico e abundante que podia, pois, consagrar-se inteiramente à sua escrita. Esta tinha por preocupação não a de ilustrar a história mas de a exprimir por todos os meios visuais do

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cinema, e para a imprimir fortemente sobre o ecrã, para conseguir deixar uma marca indelével sobre a nossa sensibilidade. Compreende-se então porque é que tantas passagens do filme continuam a estar gravadas no imaginário colectivo.

Tudo se passa como se Lang, através da sua escrita, procurasse desenvolver um outro discurso. Como ele próprio declarou, o que o interessava no cenário, eram as máquinas. E Enno Patalas, notável historiador, investigador e conservador do cinema alemão, demonstra-o bem... Logo a partir do genérico, a marcha das máquinas, a começar pela do cinematógrafo, é posta em movimento. E como sempre em Lang, nada pode parar. As linhas, os cilindros, os círculos impulsionam-se uns aos outros, inexoravelmente. Salvo o que é rectilíneo, tudo está destinado a desenhar as linhas motoras no espaço tridimensional e a orientar a acção enquanto a curva, a abóbada, a esfera, a circunferência reenviam, de preferência, à temporalidade que os rodeia, prende o movimento ao mesmo tempo que a protege ou liberta. São ambivalentes: ao mesmo tempo morte e nascimento. Metropolis contem assim algumas invenções sobre o círculo entre as mais bonitas de Lang. Recordemos o círculo de luz que persegue e delimita Maria; o nascimento de Hel com o jogo dos círculos incandescentes que circulam à sua volta e que lhe dão forma; os relógios e os discos sobre os quais se crucificam os trabalhadores, etc.

Com efeito, parece que Lang trabalhava neste filme a criar uma forma que fosse única, violentamente expressiva. Esta ambição demiúrgica é atingida, indiscutivelmente. Tudo fica sujeito às leis da arquitectura e da geometria. O jogo das figuras e das linhas, dos triângulos e dos losangos, as massas e os vazios entoam e apoiam, às vezes pesadamente, o desenrolar da representação. Perturba mesmo, por momentos, a construção binária que impõe o trajecto do filme, por conseguinte o desenrolar da sua realização. Com efeito Lang, em Metropolis, quer dar um destino a cada plano, e assim esquece o seu fio condutor, a lógica (e aí, afastou-se do guião) e o movimento

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dialéctico que daí decorre. Está-se mais perante um binário maniqueísta. O um, dois, inexorável da marcha à Lang é travado por esta sucessão de planos magníficos mas demasiado estáticos concebidos como fim em si mesmos. Certamente existe a montagem com a qual se conta para criar a dinâmica desejada. Mas ao contrário de Eisenstein, que faz de cada plano um bloco que se defronta com um outro bloco e liberta assim uma forte energia, Lang não assume a lei da discontinuidade. Respeita a linearidade da história, mesmo se prefere trabalhar sobre a montagem não paralela mas sucessiva (qualquer acção prolonga-se em e numa outra acção que se desenrola, aliás, noutro lugar, que reenvia a uma outra acção, etc.). A mecânica das causas e dos efeitos funciona menos bem em Metropolis que nos outros filmes de Lang. A superabundância de temas poderia apenas conduzir à confusão. Sabe-se, de resto, que Lang rejeitou o final de tal forma o encontrava ridículo.

Mas o nosso cineasta nunca negou o seu filme. Bem pelo contrário. Passará o seu tempo a retomar momentos de Metropolis (citemos, por exemplo, a cólera dos trabalhadores contra a falsa Maria que inspirará directamente o linchamento de Joe em Fury, até no gesto giratório da mulher que atira fora o copo em que bebia). Com efeito, dá-se conta a que ponto Metropolis permanece o seu filme chave. Nem que seja para combater os seus excessos, a começar pelo estilo voluntarioso e brutal com que fascina os nazis ao ponto de inspirar as suas próprias cerimónias. Pode mesmo afirmar-se que, depois do seu exílio, Lang, na América, teve apenas como preocupação melhorar a sua forma, tendo muito prazer a planificar todos os efeitos e a sujeitar-se única e inteiramente à evolução da realização. Metropolis, um monumento! Por conseguinte, a visitar e a admirar.

Jean Douchet, “Metropolis, de quelques fissures”, Cahiers du cinéma, Junho de 2004

3.5. COmENTáRIOS DO Le Monde SOBRE MetropoLis

a) As visões de Fritz Lang: Metropolis e o testamento do Doutor Mabuse

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É um verdadeiro acontecimento reencontrar, ou mesmo descobrir, Metropolis, a obra-prima de Fritz Lang, editada na forma de um magnífico DVD. Este facto é tanto mais notável quanto nenhuma cópia completa do filme, saído em 1926, depois de dezoito meses de rodagem, existe hoje. A primeira versão durava três horas e meia, mas o filme foi explorado nas salas alemãs, acompanhado de uma proibição para menos de dezasseis anos, numa versão reduzida de uma hora. Aquela que nos é apresentada aqui, magnificamente restaurada pela cinemateca de Munique e por Enno Patalas, dura um pouco menos de duas horas. As cenas irremediavelmente desaparecidas são resumidas em legendas. E apesar dos prejuízos que sofreu a película, o resultado é de grande beleza.

Com este filme genialmente visionário, Fritz Lang tudo inventou, e o cinema de ficção científica não deixou, desde então, de nele se inspirar. Na gigantesca cidade do futuro que imaginou, as massas de trabalhadores trabalham debaixo da terra para vantagem exclusiva do senhor de Metropolis. Este inferno de máquinas assimiladas a Moloch, o animal que esmaga os homens, dá lugar a decorações colossais colocadas admiravelmente em destaque e de uma força visual que continua a estar totalmente intacta. E, para além do seu expressionismo, a modernidade da realização confere a esta grande clássico uma dimensão verdadeiramente apaixonante. A história de amor impossível entre Freder, o filho do potentado, e Maria, uma jovem trabalhadora, dá o toque romântico ao que é, primeiro que tudo, uma crítica social radical exposta pela revolta dos desqualificados contra a ordem estabelecida. Cineasta do irremediável ao estilo do “inexorável”, como o dizia François Truffaut, Fritz Lang assina aqui uma obra de autênticos pesadelos e feérica à qual esta versão, bem valorizada pela música de Galeshka Moravioff, confere uma perfeita justiça.

Olivier Mauraisin, “Les visions de Fritz Lang: Metropolis et le testament du docteur Mabuse”, 29 de Agosto de 1999

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b) Quando os robôs fazem cinema

Os robôs são raramente personagens centrais, aparecem no cinema sobretudo para servir o poder.

O cinema sempre gostou das novas tecnologias. Os robôs criados pelo dramaturgo checo Karel Capek não tinham ainda cinco anos quando Fritz Lang, com Metropolis (1927), os abordou de ambos os lados. Aqui, a mecanização do trabalho operário apaga a diferença entre o homem e a máquina. É o conjunto da sociedade que é assumido como um robô. Mas o poder sabe também agir sobre os desejos, e Maria, a heroína que anima a revolta, pode ser substituída por Futura, um robô à sua imagem. E, desde aí, os robôs no cinema vão-se esgrimir no triângulo delimitado por Fritz Lang: o trabalho, o poder e o desejo.

Dez anos depois, Os Tempos Modernos, de Charlie Chaplin, retomam esta transformação do trabalhador em máquina. É o corpo de Charlot que vai perder a autonomia humana para sujeitar-se aos imperativos da produtividade. Mas a natureza principal dos robôs, estes instrumentos sofisticados, inspirará pouco o cinema, excepto James Cameron na cena final de Aliens (1986), o segundo episódio da tetralogia, onde se vê Sigourney Weaver enfrentar o extraterrestre deslizando numa máquina que multiplica por dez as suas forças e reenvia à tradição japonesa dos “transformers” (Goldorak) a comandar os homens.

Nos ecrãs, no entanto, os robôs serão raramente produtivos, e ainda menos personagens centrais. Com uma notável excepção a estas duas leis: Mondwest (1973). Neste Disneyworld futurista que recreia o universo do western, robôs em princípio inofensivos são utilizados como estagiários sempre disponíveis para distrair o cliente. Estes trabalhadores da sociedade dos lazeres vão contudo adquirir uma forma de consciência de classe e começar a massacrar os clientes. Mas a maior parte do tempo de trabalho,

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o primeiro ângulo do triângulo de Fritz Lang, não apaixonará o cinema. Se os robôs servem para alguma coisa, é para a abordagem ao poder.

As máquinas não vão satisfazer-se durante muito tempo em produzir para os homens, vão querer comandá-los. Com Alphaville (1965), Jean-Luc Godard fará de Eddie Constantine um jornalista libertador de um futuro remoto dominado por um ditador robô, Alfa 60. Em 1973, com Woody e os robôs, Woody Allen andará sobre as suas marcas, em versão cómica, projectando dois séculos no futuro um restaurador dos seventies que descobre uma América dominada pelos polícias e pelos robôs.

Esta futura tomada do poder pelas máquinas será igualmente o fundo do Terminator, de James Cameron. Aqui, não somente estas triunfaram no futuro, mas obrigam além disso Arnold Schwarzenegger a vir metralhar, no presente, robôs tão coriáceos como desagradáveis. E, ainda que vencidas, as máquinas guardam na sua manga uma última cartada para nos dominar: porem-se ao serviço dos humanos, com a grande tradição dos robôs flics.

Este tema vai produzir um meio século de naves pavorosas. O primeiro da série é sem dúvida Doctor Satan Robôt (1940), um filme cujo título é bem claro: trata-se evidentemente de um cientista louco que fabrica um robô invencível. Salvar-se-á exactamente deste lote o Robocop (1987), de Paul Verhoeven, mas sublinhando que, se a aparência do personagem é a de um robusto robô, isto é do interesse policial da questão, é que o que está no seu interior é efectivamente um ser humano, a quem aconteceu muitas peripécias, no início do filme.

George Lucas no seu primeiro filme, THX 1138 (1971), mostrou que uma sociedade policial que confia a polícia aos robôs faz reinar uma ordem bastante porosa. Por último, a novela de Jean-Pierre Andrevon Os Homens máquinas contra Gandahar dará o Gandahar, de René Laloux (1987), uma longa-metragem de animação francesa com alguma qualidade no qual os famosos homens máquinas não são piores que os robôs fetiches de Kirikou.

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Longe do drama de Metropolis e das fúrias de Terminator, é, no entanto, num papel doméstico que os robôs vão prosperar no cinema e conhecer os seus maiores sucessos. O género é inaugurado por Planeta proibido (1956), Fred Wilcox, onde brilha Robby the Robôt, cruzamento de um juke-box Wurlitzer e do escafandro de Tintin a andar sobre a Lua.

Igualmente simpáticos mas basicamente inúteis, os dois robôs de Guerra das Estrelas (1977), de Lucas, vão estabelecer, definitivamente, o estatuto principal dos robôs no cinema: dispositivos tranquilizadores cuja presença é sobretudo um traço de Stabilo destinado a assegurar que sim, realmente, nós estamos de facto num filme de ficção científica. À mesma categoria dos adornos dos cenários pertence o psicólogo robô que se degrada em Alien (1979), de Ridley Scott, e sobretudo o tenente-comandante Datar de Star Trek. No temível Star Trek: Generations (1984), este robô começa por se lamentar por não ter sentido de humor. Uma descolagem da calote craniana, mais tarde, e uma vez munido de um plug-in adaptado, vai partir à conquista do que sente a humanidade nas salas de cinema do Middle West: rir.

Futura, o primeiro robô no cinema, imaginado por Fritz Lang é destinado a enganar o desejo. De Mondwest à Alien, de Blade Runner à Total Recall, esta ideia de que, por detrás de uma aparência humana, a tecnologia pode esconder o inumano obceca hoje regularmente o cinema anglo-saxónico. Em 1985, Daryl, de Simon Wyncer, contará assim a história de pais que adoptam uma criança demasiado perfeita, que se provará ser o primeiro protótipo de um robô humano que se escapou de um laboratório secreto.

Mas, se o universo de Blade Runner está bem povoado de robôs, vai-se progressivamente, com Total Recall, com EXistenZ mas sobretudo com Matrix, ter que duvidar de tudo: já não são apenas os corpos que são falsos, é tudo o que os cerca. É toda a realidade que se tornou robô. As imagens numéricas destes filmes não serão elas produzidas por máquinas?

Alain Le Diberder, “Quand les robots font leur cinema”, 20 de Janeiro de 2000

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c) Metropolis

Na gigantesca cidade do século XXI, inventada em 1926 por Thea von Harbour e Fritz Lang, os trabalhadores formam um povo de escravos, relegados depois de um trabalho esgotante numa cidade subterrânea. Nas catacumbas, uma jovem luminosa, Maria, prega a ternura e a esperança. Freder, o filho do senhor da cidade Metropolis fica por ela apaixonado. Como resposta, o seu pai, com o apoio do sinistro inventor Rotwang, faz transformar uma mulher-robo à imagem de Maria. Rotwang tinha uma vingança a realizar e a falsa e má Maria destrói a ordem em Metropolis. Admirável pelos seus cenários, pelos seus jogos de luzes, pelo ritmo de realização e pela sua beleza plástica, este filme de Fritz Lang foi sempre encurtado, mutilado e mesmo alterado na sua montagem original. A sua força visual é de tal modo fabulosa que ele se transformou, apesar disso, num clássico. Ora, desde 1995, importantes trabalhos de restauro, sob a égide da Cinemateca de Munique, deram origem a esta magnífica versão quase integral (os pedaços não encontrados são, na cronologia, substituídos por legendas) em que cenas, nunca mais revistas desde os anos 20, reforçam as relações dos personagens e restituem a visão alucinante de Fritz Lang – fábrica, cidade subterrânea, luxúria, revolta, violência, inundações.

Jacques Siclier, “Metropolis”, 23 de Maio de 1999

4. A FUGA DE LANG

Última cena em Berlim

No seu livro Je les chasserai jusqu’au bout du monde jusqu’à ce qu’ils en crèvent, Agnès Michaux conta-nos o último dia do grande cineasta Fritz Lang antes do seu exílio nos Estados Unidos, em Março de 1933.

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“Quarta-feira, 30 de Março de 1933. Caloroso encontro com o ministro Goebbels. Felicitou-me pelo meu trabalho na indústria cinematográfica. Repetiu-se dizendo-me a que ponto o Führer apreciava os meus filmes. Viagem de alguns dias. Necessidade de uns pouco de descanso.” Escrevendo estas palavras sobre uma página do seu jornal, o realizador alemão Fritz Lang está já no comboio a partir para o exílio nos Estados Unidos. O caloroso encontro era apenas uma astúcia, evidentemente. Os uniformes S.A. poluem as avenidas de Berlim e qualquer alemão pode inalar a atmosfera podre dos primeiros dias da tomada do poder de Hitler. Vizinhos, amigos, desaparecem sem qualquer explicação, os judeus são espancados, agrupados, enviados para destinos desconhecidos. Contando o último dia de Fritz Lang em Berlim, Agnès Michaux descreve os estados de alma de alguns artistas berlinenses à beira do precipício que percebem com mais ou menos acuidade.

Tudo ia bem até ao dia em que… Fritz Lang é incensado, adorado, pelos seus compatriotas, que reconhecem nele um tradutor da alma alemã. A partir de 1924, com Os Nibelungos, que a comissão de censura considera como “uma obra excepcional, uma arma brilhante da fé alemã que paira acima do mundo, indomável e invencível, canto glorioso de uma humanidade pura e livre”. Há já aqui um mal-entendido. Lang sempre recusou que se entenda a sua obra como a transcrição da epopeia wagneriana ou do conceito do super-homem de Nietzsche. Goebbels, que quererá agarrar o talento do cineasta durante o famoso encontro de 30 de Março de 1933, tinha visto, ele, em Os Nibelungos, um exemplo de arte magistral para aqueles que querem inventar uma estética nova. Metropolis não vai esclarecer nada. Saído na Alemanha, em 1926, passa outra vez pela comissão de censura a 25 de Março de 1933. É dito, pela comissão, que se trata de “uma obra de primeira ordem, toda a vitalidade da Alemanha: a força grandiosa de Wagner, a tecnologia de Siemens. Metropolis é um exemplo do que deve ser o cinema de propaganda”. Hitler fica tão impressionado que terá dito: “Aí está o homem que nos dará o cinema nazi!”

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Os nazis apropriam-se de tudo, tudo digerem e tudo vomitam. Fritz Lang não é estúpido. Está então no auge da sua glória, dispõe de uma boa fortuna, frequenta os melhores restaurantes, dorme com as mais bonitas mulheres… e no entanto decide deixar tudo isto. A decisão é tomada nessa manhã de 30 de Março, é necessário confrontá-la com a realidade berlinense. Os encontros com Goebbels, com a romancista e guionista nazi Thea von Harbou, a sua ex-mulher, com personagens anódinas que povoaram alguns dos melhores momentos da sua vida, estes desafios finais não o farão mudar de parecer. Os nazis mentem quando dizem gostar dos seus filmes. O equívoco está de resto perto de ser esclarecido. O seu último filme, O Testamento do Doutor Mabuse, é recusado pela comissão de censura: “Ameaça à ordem e à lei.”

A novela de Agnès Michaux reaviva alguns excertos da história que os maiores nomes das artes, literária e cinematográfica, viveram, Visconti, Bergman nomeadamente. Escolhe o mais conhecido realizador alemão da época para construir um livro apaixonante, que pode compreender-se como uma advertência: a arte pode fugir da realidade e cruzar-se com as mais negras intenções, e o artista ávido de estética pode afundar-se nos braços de coxos filósofos do III.º Reich.

Jacques Moran, “La dernière scène à Berlin”, L’Humanité, 21 octobre 1999.

5. mETROpOLIS: UmA LEITURA DE SíNTESE

O texto que se segue foi publicado em Cinébulles, em Outono de 2001 (Vol. 19, n.°4) e adaptado às necessidades desta publicação.

Em 2001, a clonagem humana é um assunto de actualidade, um turista americano visita o espaço a bordo de uma nave russa, as tecnologias de informação e comunicação invadiram a vida moderna e o homem é

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sujeito às máquinas que criou. Eis aqui o mundo moderno, no qual vivemos actualmente e que foi objecto de tantas especulações tanto na literatura como no cinema. Jules Verne, H.G. Wells, William Gibson, George Méliès, Stanley Kubrick e Ridley Scott são apenas alguns dos autores destas visões futuristas que se agrupam sob o rótulo de “ficção científica”. Apesar do elevado número de obras produzidas neste género, muito poucas sobrevivem à prova do tempo. A viagem lunar que propôs Méliès no início do século passado constitui hoje uma imagem cómica de cientistas extravagantes que descobrem, sobre uma superfície lunar que tem uma atmosfera e uma força de gravidade idênticas às da Terra, seres esquisitos. A ingenuidade deste filme deu-lhe também o seu encanto mas trata-se de uma excepção. O cinema de ficção científica é muito frequentemente criticado pela sua falta de precisão na sua extrapolação mas há filmes que continuam ainda hoje, sob certos aspectos, a serem considerados antecipações importantes e frequentemente muito correctas: The Day The Earth Stood Still (1951), de Robert Wise, 2001: A Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, e Blade Runner (1982), de Ridley Scott. Mas o conjunto do cinema de ficção científica e os temas que lhe são tão caros: a desumanização da tecnologia, a criação da vida artificial e o medo do desconhecido nunca foram tão bem desenvolvidos como na obra do realizador alemão Fritz Lang, Metropolis. Estranhamente, este filme tão importante foi largamente esquecido pela comunidade cinéfila mas uma olhadela rápida sobre esta última grande produção da era muda permitirá efectivamente compreender toda a sua influência na história do cinema. É pois tempo de revisitar Metropolis!

Adaptado da novela Metropolis, de Thea von Harbou, o filme conta a história de Freder, o filho do senhor de Metropolis, Joh Fredersen, que leva uma vida idílica até ao dia em que vê uma jovem mulher vinda da cidade operária. Chama-se Maria, e Freder procura reencontrá-la, e descobre que o seu pai lhe esconde uma dura verdade: os poucos eleitos de Metropolis vivem na riqueza absoluta mas a massa operária é escrava das máquinas que dão a vida à grande metrópole. Maria promete aos trabalhadores que um

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mediador virá em breve libertá-los do seu sofrimento. Joh Fredersen sabe que se prepara uma revolta e pede a Rotwang, o inventor, que crie uma “cópia” da jovem Maria, à sua imagem, que poderá manipular a seu modo mas perde o controlo do robô e as máquinas são destruídas pelos trabalhadores. Esta catástrofe provoca um dilúvio que inunda a cidade operária onde vivem trabalhadores e os seus filhos, mas Freder e Maria conseguem que estas sejam salvas antes de chegarem à superfície e testemunharem a destruição do robô. Metropolis está em ruínas mas Freder torna-se o mediador entre o seu pai e a massa operária que, em conjunto, reconstruirão a grande cidade. Este resumo cita as acções principais colocadas no filme de Lang mas a riqueza da obra encontra-se primeiro na estética expressionista do filme e seguidamente nos temas que nele são abordados. Muitos bons livros exploraram as origens e a história muito complexa do filme mas a sua influência permanece ainda hoje largamente por explorar.

É efectivamente muito importante delimitar o contexto socioeconómico de produção de Metropolis a fim de plenamente compreender os desafios políticos e artísticos colocados pela obra de Fritz Lang. A génese deste projecto situa-se aquando de uma viagem de negócios que Lang empreendeu com o produtor Erich Pommer aos Estados Unidos, em 1924. A bordo do S.S. Deutschland, Lang contou mais de uma vez que a vista que lhe oferecia o porto de Nova Iorque durante a noite foi a inspiração principal para Metropolis mas esta viagem influenciou o seu filme de uma outra maneira. Visitando os estúdios em Hollywood, Pommer, em nome do estúdio dominante da Alemanha (Ufa), inicia uma série de negociações destinadas a permitir uma distribuição de filmes alemães em território americano. Para o efeito, os filmes alemães deveriam rivalizar com os dos americanos em matéria de qualidade técnica e Metropolis torna-se o filme portador de todas as esperanças do estúdio. Lang aproveitou por conseguinte a carta branca que lhe foi dada para a produção do seu grandioso filme, que custou mais de cinco milhões de marcos-ouro, uma soma astronómica em 1927. O filme não foi um sucesso imediato na Alemanha e ficou além disso rapidamente

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obsoleto nos Estados Unidos onde o cinema sonoro se tornou a nova moda neste mesmo ano. Pommer foi despedido na sequência desta situação e o estúdio nunca mais se refez economicamente da situação: “Metropolis, o “maior filme da história” que iria bater os americanos no seu próprio terreno foi um desastre para a UFA.” (Kreimeier, Klaus, The UFA Story, Hill and Wang, New York, 1996, p.157.)

Historicamente, Metropolis pertence à época expressionista do cinema alemão. As maiores qualidades visuais do filme são fruto desta circunstância única na qual se encontrava a Alemanha nos anos 20. Entre os filmes famosos desta época conta-se O Gabinete do dr. Caligari (1919), de Robert Wiene e Nosferatu (1922), de F.W. Murnau. Portadores das angústias colectivas da Alemanha desfeita durante a Primeira Grande Guerra, os filmes expressionistas demarcam-se pela utilização de decorações artificiais e de enquadramentos oblíquos, de personagens monstruosas e de iluminações dramáticas, além dos cenários onde o destino, a loucura e a morte têm um lugar predominante. Metropolis foi produzido numa época onde a estética expressionista começava já a dar lugar a uma apresentação mais realista no cinema, mas os vestígios da sua influência sobre Lang são claramente visíveis em várias sequências do seu filme. A simetria geográfica com a qual Lang compõe as suas multidões, a utilização de numerosos modelos de iluminações dinâmicas (a perseguição de Maria por Rotwang nas catacumbas, por exemplo) e as decorações gigantescas que esmagam os trabalhadores da grande cidade, são tantos os indicadores que permitem detectar uma influência expressionista importante em Lang. Metropolis é, por conseguinte, ao mesmo tempo uma obra que pertence plenamente à sua época, sendo também o filme que deveria permitir uma nova era de prosperidade para o seu estúdio, mas a sua influência excede largamente, e em muito, o seu contexto de produção.

A abertura de Metropolis figura entre as cenas mais famosas da ficção científica. Após algumas imagens figurativas da tecnologia da industrialização,

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Lang apresenta-nos o turno dos trabalhadores que se dirigem maquinalmente para os elevadores gigantescos que os esperam. No oposto desta imagem de autêntico pesadelo, Freder diverte-se nos Jardins Eternos, cercado de jovens e bonitas raparigas. Mas no seguimento da visita de Maria, descobre as salas das máquinas e confirma a desumanização total dos trabalhadores que trabalham sem qualquer pausa para descanso, nos subterrâneos de Metropolis. Tal como a realização conduzida por Lang, a tecnologia é uma força negativa, um objecto que reduz a humanidade à escravidão. Esta posição é oposta diametralmente àquela que adoptaram os artistas futuristas italianos e russos na mesma época; pensemos, por exemplo, no filme O Homem com a Câmara (1929), de Dziga Vertov, para nos convencermos. No seu filme, Vertov faz o elogio da tecnologia e da vida moderna através de numerosos planos de máquinas, de fábricas, de comboios e de automóveis. A relação entre a humanidade e a sua tecnologia tornou-se rapidamente o tema central do cinema de ficção científica e as imagens de Metropolis têm sido reinterpretadas de geração em geração.

Embora se trate de um filme burlesco, Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin, inspira-se directamente na sequência onde Freder descobre as máquinas quando Charlot trabalha numa fábrica no início do filme. Da mesma maneira que os trabalhadores em Metropolis, a função do seu trabalho não é claramente definida e não faz mais do que repetir incessantemente o mesmo gesto: fixar os parafusos que desfilam na cadeia de montagem, à sua frente. O gesto torna-se tão repetitivo que já não consegue parar, mesmo durante as pausas. Transforma-se, em certa medida, numa máquina. Somente uns instantes mais tarde é que o infeliz Charlot se reencontrará literalmente sorvido pela máquina como acontece com Freder quando uma máquina gigante fica alucinada e passa a devorar os trabalhadores (uma ideia retomada com brio no filme Pink Floyd: The Wall (1982), de Alan Parker, quando os alunos passam numa imensa máquina de esmagar a carne. A desumanização que a tecnologia provoca é retomada por George Lucas em THX 1138 (1971), um filme que compartilha em mais do que um ponto

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com o Lang. O filme de Lucas apresenta uma sociedade subterrânea onde os trabalhadores, todos vestidos de maneira idêntica, são identificados por um número; é também o caso em Metropolis (um trabalhador que Freder ajuda no filme chama-se Georgi mas é identificado com o número 11811). Esta sociedade supervisionada por robôs é o fruto da programação informática à maneira de Alphaville (1965), de Jean-Luc Godard.

O universo asseptizado criado por Lucas, onde mesmo os confessionais são automatizados, reduz a humanidade a uma escrava da tecnologia. Vindo de Lucas, o padrinho do cinema numérico, esta crítica é um tanto paradoxal mas a influência de Metropolis é inegável e mesmo C-3PO, o robô humanóide de A Guerra das Estrelas (1977) deve a sua origem ao filme de Lang. Finalmente, a última obra importante de ficção científica do século passado, Matrix (1999), dos irmãos Wachowski, interpreta de novo este tema para um público moderno, o que conhece a cibernética, o virtual e a genética. Néo, o Freder moderno, faz-se explicar o mundo verdadeiro por Morphée: os seres humanos são escravos que se ignoram, fontes de vida para as máquinas que criaram mas totalmente inconscientes da sua existência real. A sociedade de hoje está saturada de instrumentos electrónicos, informáticos e celulares; instrumentos sem os quais as cidades nas quais vivemos cessariam simplesmente de funcionar. Vivemos já em Metropolis sem o saber!

O segundo tema central da obra de Lang é a robótica e a inteligência artificial representada pelo robô de aspecto feminino que se chama Futura na novela de Thea von Harbou e que o músico americano Giorgio Moroder transformou em vedeta aquando do lançamento da sua versão restaurada de Metropolis, em 1982. A cena da criação da falsa Maria é obviamente uma adaptação do mito do monstro de Frankenstein, uma ideia que ainda hoje faz parte da ficção científica. É importante reconhecer o impacto da realização deste momento em Metropolis no cinema de ficção científica e mais espantoso ainda na medida em que nem a novela de Mary Shelley nem a de von Harbou descrevem a cena que Lang colocou em imagens em 1927, vários anos antes do

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famoso Frankenstein (1931), de James Whale. Metropolis ilustra por duas vezes as graves consequências incorridas pelo homem quando este quer desempenhar o papel de Deus: a história da Torre de Babel é contada numa dupla tragédia pois deve pôr-se em paralelo com a destruição eventual da própria Metropolis, consequência directa da influência de Futura, o robô criado por Rotwang. Com efeito, Futura é o antepassado cinematográfico de toda uma gama de personagens artificiais: Hal 9000 do filme 2001: A Odisseia no Espaço convence-se da sua própria superioridade e tenta matar os astronautas da sua embarcação para assegurar a sua sobrevivência, os personagens cibernéticos dos filmes Terminator (Cameron, 1984-1991) procuram eliminar os humanos responsáveis pela revolta futura da humanidade sobre as máquinas e Ash, o robô integrado na tripulação da embarcação Nostromo no filme Alien (1979) tenta também matar os membros da sua tripulação a fim de conservar um espécime da criatura extra-terrestre. No entanto, uma característica importante de Futura diferencia-a destes: trata-se de uma mulher artificial. Assim sendo, Futura aproxima-se ainda mais da namorada do monstro de Frankenstein e fica por conseguinte portadora dos desejos recalcados do homem, não somente de criar a vida mas também de controlar o sexo oposto. Objecto do fantasma masculino ao qual se acrescenta um toque de necrofilia e paradoxalmente, de misoginia, Futura é criada no filme Metropolis por Rotwang, mago da cidade, a fim de fazer reviver a sua bem amada defunta. Com efeito, Rotwang quer clonar mecanicamente esta mulher. Neste sentido, Futura é também o antepassado do conjunto das criaturas de sonhos artificiais do cinema de ficção científica que inclui a panóplia de mulheres cibernéticas que assombram as páginas dos textos de mangas japoneses, Motoko Kusanagi de Ghost In The Shell (1995) por exemplo, Leloo do filme de Luc Besson O Quinto Elemento (1997), mechas de AI Artificial Intelligence (Spielberg, 2001) e Lara Croft, a heroína virtual da série de jogos Tomb Raider para apenas citar estes.

Entre todos estes filmes, Blade Runner permanece a obra chave na evolução deste tema no cinema, um filme onde mesmo a humanidade do herói, Deckard (Harrison Ford), é também uma questão de interpretação.

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O filme de Scott retoma também Metropolis a mais do que um nível e os réplicants (nome dado por Scott aos andróides do seu filme) tornam-se o símbolo final do perigo da tecnologia errante. Da mesma maneira que Fredersen em Metropolis, Tyrell é a figura dominante do universo apresentado em Blade Runner, ao mesmo tempo o símbolo do pai castrador e demiurgo que vive em altura, isolado da massa sobre a qual exerce um poder absoluto. Com efeito, Blade Runner é uma retoma dos temas principais de Metropolis mas aos quais Ridley Scott acrescentou uma estética que liga o polar americano futurista, um universo techno-negro que se tornou a influência principal do seu filme sobre o cinema de ficção científica dos últimos vinte anos: Dark City (1998), de Alex Proyas, é exemplo mais recente.

O personagem do robô Futura em Metropolis é a figura central que representa simultaneamente os três grandes temas do filme de ficção científica. À desumanização da tecnologia e à inteligência artificial vem acrescentar-se a tecnofobia (ou é tecnoloucura?) humana, ou, por outras palavras, o medo do desconhecido. Trata-se uma vez mais de um tema que é alterado constantemente de acordo com a época. O medo do Estrangeiro é ilustrado abundantemente nos filmes americanos dos anos 50: Invaders From Mars (1953), de William Cameron Menzies, e Guerra dos Mundos (1953), de Byron Haskin. A novela de H.G. Wells ficou ainda mais famosa quando o jovem Orson Welles fez uma adaptação radiofónica difundida a 30 de Outubro de 1938 e causou um pânico generalizado junto do público americano que acreditou verdadeiramente na invasão extra-terrestre. Trata-se aqui da histeria anticomunista americana que conheceu o seu apogeu com o trabalho da Comissão Mcarthy, também nos anos 50. O medo do Estrangeiro deixou lugar à energia nuclear na série japonesa Godzilla a partir de 1954, consequência imediata da destruição de Hiroshima e de Nagasaki, em 1945. Stanley Kubrick satirizou com brio o tema no seu filme Doutor Estranhoamor or How I Learned to Paragem Worrying and Love the Bomb (1964). Hoje, a clonagem e a dominação informática dão lugar a numerosas obras interessantes que vão de Jurassic Park (1993), de Steven

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Spielberg, até a Gattaca (1997), de Andrew Nicoll. De certa maneira, todo o cinema de ficção científica está ligado a este tema, reinterpretado e adaptado ao espectador a quem o filme se dirige, mas Metropolis continua a ser o primeiro filme a explorar de maneira convincente as fobias ligadas à ciência e à descoberta do desconhecido.

“I am your robot and I’ m programmed to love youMy serial number is 44357 I am your robot, I am your robot I am your robot man.”

Lyrics by Bernie Taupin for Elton John.

Metropolis é, por conseguinte, a pedra angular do cinema de ficção científica na elaboração dos temas recorrentes do género, mas o filme testemunha também uma visão extraordinária no que tem a ver com o futuro. Uma sequência notável de Metropolis ilustra a destruição das máquinas pelos trabalhadores, conduzidos por Futura, e provocando uma enorme inundação da sua própria terra. Tendo em conta que estamos na Alemanha, em 1927, há na realização destas cenas um claro e extraordinário presságio dos horrores próximos que se irão gerar com a chegada ao poder do regime nazi. Leni Riefenstahl, a realizadora do filme de propaganda O Triunfo da vontade (1934) apresenta na sua obra uma panóplia de imagens de soldados nazis que não deixam de nos fazer recordar as dos trabalhadores de Metropolis. Não se trata da única extrapolação interessante do filme de Lang. Joh Fredersen comunica com o seu chefe-operário via um telefone de ecrã numa época ainda bem longe da existência de televisões. Chaplin, de resto, retomou esta ideia em Tempos Modernos quando o chefe da fábrica, à maneira do Big Brother de George Orwell, vê tudo o que se passa na sua indústria. Embora o céu urbano não esteja saturado de veículos voadores, a deslocação aérea é corrente e muitas empresas internacionais assemelham-se às salas das máquinas tais como foram apresentadas em Metropolis.

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Resumidamente, o que era uma visão de pesadelos em 1927 é uma realidade para muitos em 2001 e, apesar da sua idade, o filme desenvolve uma problemática que é ainda mais actual hoje. A diferença sempre crescente que separa as classes sociais do mundo inteiro é a única prova necessária a conferir, uma vez por todas, todo o mérito que Fritz Lang, que Thea von Harbou e o seu filme merecem. É talvez esta a razão pela qual o próprio realizador, ele mesmo, numa famosa entrevista publicada nos Cahiers du Cinéma, em 1959, renegou a conclusão optimista do filme na qual uma mediação social se inicia: “Pessoalmente não gosto de Metropolis. É falsa, a conclusão é falsa, eu próprio já não a aceitava quando realizava o filme.”1. Seja o que for que Fritz Lang diga, Metropolis é uma obra essencial... Muito poucos filmes terão tido uma tão grande influência sobre a história do cinema.

Philippe Lemieux, «Metropolis revisitée», Cinébulles, Vol. 19, n.°4, Association des cinémas parallèles du Québec, Montréal, 2001. Disponível em: http://cours.cegep-st-

jerome.qc.ca/530-lem-p.l/bibliogr.htm

1 Veja-se o primeiro texto da presente brochura.

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pROGRAmA 2007 - 2008

Sessão 115 de Setembro de 2007 A rede mundial da precariedade no trabalho: Um exemplo na construção navalBoas Vindas de João Sousa Andrade (Coordenação do Núcleo de Economia/FEUC)

e Alexandre Leal (Presidente do Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Filme/Documentário: Mundo Moderno, de Malek Sabrina e Arnaud Soulier, 2005 (84')

Abertura de José Alberto Soares da Fonseca (Presidente do Conselho Directivo da FEUC)

Conferência de Mário Soares sobre A Globalização e o RestoComentários de José Manuel Pureza (FEUC) e Luís Moura Ramos (FEUC)

Sessão 28 de Outubro de 2007Globalização e marinha mercante: A rede mundial da precaridade no trabalhoConferência de François Lille (Conservatoire des Artes et Métiers, Paris)

sobre Mercantilização Mundial do Trabalho Contra os Direitos FundamentaisComentários de Mário Ruivo (Pres. do Conselho Científico das Ciências do Mar e do Ambiente da FCT)

Filme/Documentário Navios da Vergonha de Malcolm Guy e Michelle Smith, 2006 (75')

Comentários e Debate com François Lille, Mário Ruivo e Álvaro Garrido (FEUC)

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Sessão 35 de Novembro de 2007Globalização e deslocalizações: As dificuldades na reprodução da relação salarialAbertura de Rui Namorado (Vice-Presidente do Conselho Científico da FEUC), Margarida Antunes (FEUC) e Alexandre Leal (Presidente do Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Conferências de El Mouhoub Mouhoud (Universidade de Paris Dauphine e Director do

projecto internacional do CNRS Développement des recherches Economiques Euro méditerranéennes, França)

sobre Deslocalizações das empresas e vulnerabilidade dos territórios: Antecipar os choques da mundialização e de Edward Gresser (Director, Project on Trade and Global

Markets, Progressive Policy Institute, Estados Unidos da América) sobre Estado abastado, trabalhadores preocupados: A Carolina do Norte na Economia MundialComentários de Margarida Antunes e Paulo Pedroso (ISCTE)

Filme/Documentário Como é Que Se Pode Resistir: Histórias de Trabalhadores Numa Fábrica Americana, de Alexandra Lescaze, 2004 (60')

Comentários e Debate com Edward Gresser, El Mouhoub Mouhoud,Paulo Pedroso e Margarida Antunes (moderadora)

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Sessão 410 de Dezembro Globalização e mercado de trabalho: As assimetrias na Repartição, Nacional e Mundial Filme/Documentário Maquilapolis: Cidade de Fábricas, de Vicky Funari e Sergio de la Torre, 2005 (70')

Filme/Documentário Nós Não Jogamos Golfe Aqui e Outras Histórias de Globalização, de Saul Landau, 2007 (35')Abertura de Luís Peres Lopes (FEUC) e Pedro Silva (Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Comentários e Debate com Jorge Leite (FDUC), Margarida Chagas Lopes (ISEG-UTL) e Luís Peres Lopes (moderador)

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Sessão 513 de Dezembro de 2007Globalização e deslocalizações: A Europa sem mecanismos de protecção ao empregoBoas Vindas de José Soares da Fonseca (Presidente do Conselho Directivo da FEUC) e Alexandre Leal (Presidente do Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Filme/Documentário O Elefante, a Formiga e o Estado, de Jean Michel Meurice e Christian Dauriac, 2004 (90')Debate com José António Correia Pereirinha (ISEG-UTL), Pedro Hespanha (CES/FEUC) e Clara Murteira (moderadora, FEUC)

Sessão 610 de Janeiro de 2008Desemprego e novas formas de violência nas sociedades modernas: As grandes tensões sociaisAbertura de Alexandre Leal (Presidente do Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Filme/Documentário O Emprego do Tempo, de Laurent Cantet, 2001 (134')

Comentários de António Gama (FLUC), Pedro Pita (FLUC, Delegado Regional do Ministério da Cultura) e Rui Namorado (FEUC)

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Sessão 718 de Janeiro de 2008Paraísos Fiscais, Infernos Sociais: O Encerramento da Metaleurop NordAbertura de Alexandre Leal (Presidente do Núcleo de Estudantes de Economia da AAC) e António Casimiro (CES/FEUC)

Conferência de Jean-Louis Martin (Dirigente sindical da Metaleurop Nord, França)

Filme/Documentário Metaleurop: A Outra Guerra, de John Paul Lepers, coprodução de Canal+, 2003 (60')Filme/Documentário Glencore: A Multinacional dos Flibusteiros da Economia, de Patrice des Mazery, coprodução de Canal+, 2004 (39')

Comentários de Saldanha Sanches (FDUL), João Proença (UGT), Ulisses Garrido (CGTP-IN) e António Casimiro (Moderador)

Sessão 821 de Fevereiro de 2008Globalização e concorrência no mercado de trabalho: Nos limites do intolerávelAbertura de Pedro Silva (Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Conferência de Adriano Vaz Serra (FMUC), sobre Violência não visível nas sociedades modernasFilme/Documentário O Método, de Marcelo Pinero, 2006 (115')

Debate com Adriano Vaz Serra (FMUC), Adelino Fortunato (FEUC)

e Lina Coelho (FEUC)

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Sessão 928 de Março de 2008Para uma outra Política Económica, para uma outra Europa, para uma Europa SocialAbertura de José Murteira (Conselho Directivo da FEUC) e Alexandre Leal (Presidente do Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Conferências de João Ferreira do Amaral (ISEG-UTL), sobre Política Económica, Competitividade e Estado Social e Henri Sterdyniak (OFCE, Paris), sobre Que Europa Social Comentários de João Cravinho (BERD) e João Sousa Andrade (FEUC)Filme/Documentário: Desemprego e Precariedade: A Europa Vista pelos Desfavorecidos, de Catherine Pozzo di Borgo, 2003 (77')Abertura de João Sousa Andrade e Ana Luísa Cardoso (Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Comentários e Debate com João Ferreira do Amaral, Henri Sterdyniak, João Cravinho e João Sousa Andrade

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Sessão 1011 de Abril de 2008As mobilidades no espaço da União Europeia: As novas linhas de tensãoConferências de Jacques Mazier (Universidade de Paris Norte) sobre Globalização e Desigualdade: Crescimento Lento, Quem Ganha e Quem Perde e Joaquín Arriola Palomares (Universidade do País Basco/EHU) sobre A Nova Imigração na Europa: Precariedade e Hierarquização do Trabalho no Novo Modelo Europeu de AcumulaçãoComentários de José Reis (FEUC) e João Amado (FDUC)

Filme/Documentário El Ejido, A Lei do Lucro, de Jawad Rhalib, 2007 (80')

Debate com Jacques Mazier, Joaquín Arriola Palomares, José Reis e João Amado

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Sessão 1118 de Abril de 2008Globalização e Mercados de Trabalho: A perspectiva dos Países em Vias de DesenvolvimentoAbertura de José Murteira (Conselho Directivo da FEUC) e Alexandre Leal (Presidente do

Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Conferências de Machiko Nissanke (School of Oriental and African Studies, SOAS,

Universidade de Londres) sobre Por uma Globalização a Favor dos Países em Vias de Desenvolvimentoe Stefaan Marysse (Universidade de Antuérpia) sobre O Debate do Rendimento Mínimo Garantido na África do Sul: Uma Perspectiva ComparadaComentários de Jochen Oppenheimer (Prof. do ISEG-UTL aposentado) e Margarida Proença de Almeida (EEG-UM)

Filme/Documentário A Outra Europa, de Poul-Erik Heilbuth, 2006 (60')

Debate com Machiko Nissanke, Stefaan Marysse, Joaquim Romero Magalhães (FEUC), Jochen Oppenheimer e Joaquim FeioAbertura de Joaquim Feio (Conselho Directivo da FEUC) e Catarina Brás (Núcleo de

Estudantes de Economia da AAC)

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Sessão 1216 de Maio de 2008Modelo Social Europeu em Crise: Algumas questõesAbertura de Alexandre Leal (Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Conferência de David Howell (Milano The New School for Management and Urban Policy, Nova Iorque)

Comentários de Joaquim Feio (FEUC) e Stuart Holland (FEUC; University of Roskilde, Dinamarca)

Filme/Documentário Fucking Sheffield, de Kim Flitcroft, 2006 (60')

Abertura de Alexandre (Núcleo de Estudantes de Economia da AAC)

Debate com David Howell, Joaquim Feio e Stuart Holland

Sessão 1330 de Maio de 2008 A Europa das Fronteiras do Espaço Schengen: As Suas Riquezas, as Suas Derivas, as Suas ContradiçõesFilme/Documentário México: Os Deportados da "Terra de Ninguém", de Gwen Le Gouil, Jean-Laurent Bodinier e Anne Vigna, 2008 (20')

Filme/Documentário Welcome Europa, de Bruno Ulmer, 2006 (90')

Debate com Ana Gomes (Eurodeputada), Rui Pena Pires (ISCTE)

e João Maria André (FLUC)

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Sessão 14 - Encerramento21 de Junho de 2008 Metropolis: uma Antevisão da Europa Actual?Filme/Documentário Metrópolis, de Fritz Lang, 1927 (153')

Debate com Jean Michel Meurice (Realizador de cinema), Manuel Portela (FLUC), e José António Bandeirinha (Pró-Reitor UC)

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Globalização é um daqueles termos que passaram directamente da obscuridade

para a ausência de sentido, sem qualquer fase intermédia de coerência.

Mas deixem-me dizer apenas o seguinte: a globalização é também muito importante

e é totalmente consistente com mais e melhores empregos,

salários decentes e empregos decentes.

Robert Reich, ministro do trabalho da Administração Clinton

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Defino globalização como a liberdade para o meu grupo de investir onde quiser,

o tempo que quiser, para produzir o que quiser, comprando e vendendo onde quiser,

suportando o mínimo de obrigações possíveis em matéria de direito do trabalho

e de convenções sociais.

Asea Brown Bovery (Presidente do grupo ABB, 12ª empresa mundial)

Juntem o pior do capitalismo com o pior do comunismo e terão uma ideia

do rumo que a globalização está a tomar.

Alain Supiot

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Ciclo organizado pelos docentes da disciplina de Economia Internacional

da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Colaboração do Núcleo de Estudantes de Economia da Associação Académica de Coimbra

Apoio da Coordenação do Núcleo de Economia da FEUC

Com o apoio das instituições:

Caixa Geral de Depósitos

Fundação Luso-Americana

Fundação para a Ciência e Tecnologia

Fundação Calouste Gulbenkian

Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC

DOC TAGV / FEUC

Integração Mundial, Desintegração Nacional:

a Crise nos Mercados de Trabalho

Textos seleccionados, traduzidos e organizados por:

Júlio Mota, Luís Peres Lopes e Margarida Antunes

A Comissão Organização agradece o apoio dado a esta sessão por:

Teresa Santos (TAGV)

João Bénard da Costa (Cinemateca Nacional)

Vítor Malheiros (Jornal Público)

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