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MICROANGIOPATIA TROMBÓTICA E TRANSPLANTE RENAL 1. Introdução. a. Historia Historicamente, o primeiro caso de microangiopatia trombótica (MAT) foi descrito em 1925 por Moschcowitz que caracterizou uma síndrome febril com anemia e comprometimento neurológico em uma menina de 16 anos, apresentando-se na patologia como trombos hialinos na microvasculatura renal, cardíaca e hepática, posteriormente este quadro foi relacionado à presença de trombocitopenia. O termo microangiopatia trombótica foi introduzido em 1952 para descrever as lesões vasculares da Purpura Trombopcitopênica Trombótica(PTT) 1,2 O termo de síndrome hemolítico-urêmica (SHU) foi acunhado por Gasser em 1955 após perceber que os pacientes que cursavam com predomínio de acometimento renal eram predominantemente infantes, com caraterísticas diferentes da PTT como lesão renal aguda e achados histopatológicos compatíveis com necrose cortical renal. Posteriormente, em 1958 Habib descreveria os achados microscópicos caraterísticos da SHU reforçando o uso do termo microangiiopatia trombótica proposto por Symmers quem introduziu também o termo anemia hemolítica microangiopática (AHMA) 2 A primeira descrição da PTT foi feita em 1966 por Amorosi e Ultmann que propuseram uma pentade clinico laboratorial que inclui febre, AHMA, trombocitopenia, alteração neurológica e falência renal, sendo a SHU descrita como a tríade de AHMA, trombocitopenia e falência renal na ausência de alteração neurológica . 2 b. Definição de MAT e classificação geral. Atualmente, a síndrome de microangiopatia trombótica (MAT) abrange um espectro de entidades que compartilham uma lesão histopatológica comum, definida pela presença de aumento na espessura da parede capilar associada a formação de trombo plaquetário e obstrução consequente do lumen dos pequenos vasos (arteríolas e capilares) nos órgãos de choque, o rim, o cérebro, etc. 1,2,3 As manifestações clínicas caraterizam-se pela presença de anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia e lesão de órgão alvo, entre essas lesões, a lesão renal aguda.

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MICROANGIOPATIA TROMBÓTICA E TRANSPLANTE RENAL

1. Introdução.

a. Historia

Historicamente, o primeiro caso de microangiopatia trombótica (MAT) foi descrito em 1925 por

Moschcowitz que caracterizou uma síndrome febril com anemia e comprometimento

neurológico em uma menina de 16 anos, apresentando-se na patologia como trombos hialinos

na microvasculatura renal, cardíaca e hepática, posteriormente este quadro foi relacionado à

presença de trombocitopenia. O termo microangiopatia trombótica foi introduzido em 1952

para descrever as lesões vasculares da Purpura Trombopcitopênica Trombótica(PTT)1,2

O termo de síndrome hemolítico-urêmica (SHU) foi acunhado por Gasser em 1955 após perceber

que os pacientes que cursavam com predomínio de acometimento renal eram

predominantemente infantes, com caraterísticas diferentes da PTT como lesão renal aguda e

achados histopatológicos compatíveis com necrose cortical renal. Posteriormente, em 1958

Habib descreveria os achados microscópicos caraterísticos da SHU reforçando o uso do termo

microangiiopatia trombótica proposto por Symmers quem introduziu também o termo anemia

hemolítica microangiopática (AHMA)2

A primeira descrição da PTT foi feita em 1966 por Amorosi e Ultmann que propuseram uma

pentade clinico laboratorial que inclui febre, AHMA, trombocitopenia, alteração neurológica e

falência renal, sendo a SHU descrita como a tríade de AHMA, trombocitopenia e falência renal

na ausência de alteração neurológica .2

b. Definição de MAT e classificação geral.

Atualmente, a síndrome de microangiopatia trombótica (MAT) abrange um espectro de

entidades que compartilham uma lesão histopatológica comum, definida pela presença de

aumento na espessura da parede capilar associada a formação de trombo plaquetário e

obstrução consequente do lumen dos pequenos vasos (arteríolas e capilares) nos órgãos de

choque, o rim, o cérebro, etc.1,2,3

As manifestações clínicas caraterizam-se pela presença de anemia hemolítica microangiopática,

trombocitopenia e lesão de órgão alvo, entre essas lesões, a lesão renal aguda.

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Assim, dependendo da extensão da doença e dos órgãos acometidos, elas podem se apresentar

clínicamente de distintas formas. Clássicamente, elas se agrupam da seguinte forma:

- A purpura trombocitopênica trombótica (PTT), caraterizada por ter comprometimento

sistêmico que acomete o cêrebro inclusive,

- A síndrome hemolítica urêmica (SHU) que acomete mais focalmente o rim. Essa pode ser típica

ou clássica, quando associada a cepas de E.coli produtoras de shiga toxina (ECST), quanto SHU

atípica quando não está relacionada a bactéria.2

Porém, apesar desta classificação clínica ter se mantido, ambas as entidades podem ter um

espectro de manifestações inespecíficas com distintos graus de acometimento. 2,4

Isto é, o acometimento e as manifestações são determinados individualmente pelo mecanismo

fisiopatológico inerente de cada doença e pelos fatores de risco do individuo portador da

mesma, que serão descritos neste capítulo.

No rim nativo, as MAT estão associadas com aumento significativo da mortalidade, morbilidade,

incluindo a doença renal estagio terminal, mesmo apesar da pronta detecção e tratamento das

mesmas, porém existem diferenças importantes em relação ao prognóstico das diferentes

entidades, e a demonstração dessas diferenças só tem sido possível graças ao avanço da

medicina e a elucidação e comprensão, ainda incompleta, da patogenia.4

No rim transplantado, as distintas formas de MAT conformam um grupo de complicações graves

que influenciam na sobrevida do enxerto e do receptor do órgão, apesar de possuir algumas

particularidades em relação à classificação clínica, compartilham mecanismos fisiopatológicos

semelhantes conforme alguns estudos, por vezes, mais de um mecanismo agindo ao mesmo

tempo. 5,6

Outras doenças que se manifestam como MAT são infecções, doenças autoimunes, drogas,

gravidez, eclampsia-preeclampsia, HELLP, transplante de outros órgãos sólidos e

hematopoiéticos no geral, algumas glomerulopatias, malignidade, hipertensão maligna,

esclodermia, nefropatia por radiação. 1,2

Nesse sentido, a classificação mais atual comprende as entidades na figura 1.4

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Assim podemos dividir finalmente as MAT em 3 grandes grupos:

Primarias (Hereditarias ou Adquiridas), Secundarias e associadas a infecção.

2. MAT e transplante

A MAT com comprometimento renal é uma complicação bem conhecida nos pacientes

transplantados de órgãos sólidos como rim, pulmão, coração, fígado, pâncreas e intestino.

A MAT no transplante renal acontece predominantemente durante a fase precoce do post

transplante, principalmente durante os primeiros 3 a 6 meses, porém pode aparecer em

qualquer momento durante a vida do enxerto.2

a. Classificação 3,5

Podemos classificar a MAT em duas categorias:

- MAT recorrente, no paciente que ja teve episódios de MAT no rim nativo e apresenta novo

episódio no enxerto. Entre as manifestações temos a SHU atípica, PTT, Glomerulonefrites e

doenças autoimunes previamente documentadas como esclerodermia ou lupus com ou sem

anticorpos antifosfolipides

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- MAT de novo, quando o paciente apresenta o primeiro episódio só depois de ter transplantado.

Assim, pode ser associada às medicações imunossupressoras, associada a rejeição aguda

mediada por anticorpos, genetica ou associada com anormalidades de genes reguladores do

complemento, medicações outras como inibidores do VEGF, infecções virais tais como hepatitis

C, citomegalovirus, parvovirus e BK virus, ou mudanças fenotípicas a partir de glomerulopatia

do C3 para MAT após o transplante e as MAT recorrentes sem diagnóstico ou documentação

previa (paciente sem etiologia da DRC definida).5,6

Este ponto é importante porque, a partir de reavaliação da etiologia subjacente muitas vezes

podera ser feito o planejamento de tratamento desses casos, por exemplo, a indicação de

eculizumab profilático nos casos de HUS atípica recorrente.

b. Epidemiologia: Evidência em Incidência e prevalência de MAT .

A incidência de SHU no rim nativo em crianças menores de 15 anos é de 7,1 casos x10 6 num

estudo francês; num outro estudo foi reportada incidência de 2 casos x 100000 pessoas/ano,

90% deles crianças com quadro de SHU típica por ECST, e 10% formas de SHU atípicas, sendo

que 50% desses casos progride para doença renal crônica estágio terminal e 25% morre durante

a fase aguda2,5,6

Num trabalho mais recente feito em dados baseados em receptores de plasmaferese em

Oklahoma, a incidência dos pacientes com suspeita de PTT ou SHU foi de 11.29 × 106 (67%); PTT-

SHU idiopática (4.46 × 106 )73%; deficiência grave de ADAMTS-13 1.74 × 106 (74%). O

diagnostico de PTT –SHU foi menos freqüente em paciente menores de 19 anos, porem a

proporção entre grupos etários até 60 anos foi similar. Nesse trabalho houve um predomínio

em indivíduos da raça negra, mulheres com vivenda urbana. 21

Nos pacientes transplantados, o maior estudo feito até a data (o USRDS)16 baseado em 15,870

receptores de trasnplante renal reportou uma incidência de 5,6 episódios por 1000

pessoas/ano, com mortalidade reportada de 50% em 3 anos. Infelizmente, nesse estudo não

foram reportadas sobrevida do enxerto nem resposta ao tratamento. Em outro estudo, foi

reportada uma incidência de MAT de novo de 4-15% com 43% de sobrevida do enxerto 6.

Acontece em 1% dos pacientes em uso de inibidores de calcineurina (ICN), em 30% dos casos

localizada somente no enxerto sem outros sinais de comprometimento sistêmico. 7

O risco de recorrência depende da etiologia.

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No caso da SHU atípica, por exemplo, a recorrência é muito alta, por volta de 60% , sem

tratamento leva a perda de enxerto em 90% dospacientes, 80% deles no primeiro ano 10. Nos

casos relacionados a alterações dos genes CFH e CFI que codificam os fatores H e I

respectivamente, o risco de recorrência pode atingir até 70-90% 3, 6

Comparado com as outras causas, o risco de MAT post transplante nos renais dialíticos é 36,5

vezes mais alto,porem, em valores absolutos esse numero é amplamente superado pelo número

de TMA de novo.16

Em relação à SHU típica ou relacionada a E. Coli produtora de shiga toxina (SHU ECST), a

recorrência é muito baixa, possuindo em linhas gerais um bom prognóstico, sem risco de

recorrêcia entre os pacientes transplantados.11,12

A PTT ocupa o segundo lugar nas etiologias de MAT, porem vale a pena resaltar que existe um

overlap entre a SHU e a PTT como mencionado acima, sendo que a incidência de lesão renal

aguda em pacientes com PTT atinge até 50% em alguns estudos13

A nefrite lúpica está associada 5-10% das vezes com Mat, e tambem existe evidência de

recorrência no post transplante.14, 15

3. Fisiopatologia

a. Importância do complemento: vias de ativação

A MAT de novo certamente é a responsavel pela maior parcela dos casos no post transplante e

é uma entidade muito mais heterogênea do que a SHU atípica, porém, devido a que estão

envolvidos mecanismos fisiopatológicos mistos, é importante conhecer e entender o

complemento que comentaremos brevemente.

O complemento é uma parte do sistema imunológico composta por mais de 30 proteinas

plasmáticas e proteinas de membrana celular que a partir de um estímulo ativa uma serie de

reações em cascata que acabam produzindo liberação de fragmentos dessas proteinas, com o

objetivo de modular as respostas imunes para saude e doença.

Esse estimulo iniciador pode determinar ativação por 3 diferentes vias:

• Via clássica

Acontece a partir da presença de determinadas imunoglobulinas, entre elas a IgG (IgG3 e igG1)

IgM,proteina C reativa, amiloide P. Alem de mediar a resposta de dano tecidual nas doenças

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associadas a imunocomplexos, a via clássica também tem a função de prevenir o

desenvolvimento de doenças autoimunes. Um grande exemplo é o fato da deficiencia dos

precursores dessa via serem o mais importante fator de risco para o desenvolvimento de lupus,

produzindo dificuldade para a fagocitose e eliminação de debris nucleares, o que aumenta a

exposição desses antígenos e o estímulo para a produção de autoanticorpos.

O complemento produz opsonização de antigenos e consegue diminuir o limiar de ação das

células B produtoras de anticorpos; a ausência do mesmo evita que as células B autoreativas

sejam desativadas ou eliminadas.

• Via da lectina manosa

A ativação acontece quando a lectina circulante se liga a fragmentos de açucares nos patôgenos.

• Via alternativa

Acontece apartir da ativação continua do complemento por disregulação dos mecanismos de

inativação.

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Começa a partir da hidrolise de baixo grau do C3, essa molécula liga Factor B com a ajuda do

Factor D para formar C3Bb ou C3 convertase, que vai ativando o C3 continuamente. Alem de

essa via, existe um reforço amplificadorcomplementar que acontece a partir da ativação do

C3bpelo contato com carboidratoas das células e proteinas das células alvo, por exemplo de as

bacterias.

Ambos os mecanismos acontecem nas pessoas sem doença e são modulados por moleculas

reguladoras que inativam essa parcela de C3 convertase e evitam a deflagração completa da

cascata de ativação.

• Via comum

Inicia com a ativação de C3 (C3b). O mesmo se deposita na superficie das células alvo e

desencadeia a produção de C5 convertase, clivando C5 e produzindo liberação completa da

cascata, com grande produção de mediadores proinflamatorios e ocomplexo de ataque a

membrana C5b-9

Os fragmentos do complemento são usados como biomarcadores nas biopsias renais e sua

interpretação ajuda na comprensão do mecanismo de ativação.

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C3b é usado como marcador das 3 vias de ativação do complemento, já o C4b que é produzido

pela ativação da via clássica é usado como marcador de ativação mediada por imunocomplexos

e rejeição mediada por anticorpos.

Assim, a detecção de C3 na ausência de Ig ou C4 é um sinal de ativação pela via alternativa.

i. Imunossupressão e MAT

A relação entre as medicações imunossupressoras e a Mat está bem documentada tanto no rim

nativo quanto no paciente transplantado, principalmente relacionado ao uso de inibidores da

calcineurina (ICN) e inibidores do m-TOR (Im-TOR). 5,17

É interessante notar que atualmente, 95% dos esquemas de imunossupressão tem como base

os ICN, porém nem todos os pacientes desenvolvem MAT. Isto é, para desenvolver MAT por

drogas imunossupressoras deerá existir uma fator que determine predisposição nestes

pacientes 18. Após a suspensão da droga, a incidência não mostra mudanças, muito pelo

contrario, nos pacientes que não receberam tratamento inicial com ICN, a incidência de MAT

aumentou.16

Acredita-se que os mecanismos envolvidos decorrentes dos efeitos dos ICN sejam a perda do

balanço entre sustâncias vasoativas com tendência a vasocontrição, com predominio de

tromboxano e endotelina, produzindo isquemia e dano endotelial; ativação plaquetaria e

procoagulante que teriam impacto no endoteliopreviamente lesado; finalmente, liberação de

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sustâncias ativadoras de complemento pelas celulas ednoteliais lesadas, que finalmente ativaria

a via alternativado complemento.

Em relação aso inibidores do m-TOR, acredita-se que este produza uma parada do cilco celullar,

morte dos progenitores endoteliais e diminuição do VEGF, quetambém diminuii a produção de

fator h, todos esses fatores contribuindo para criar uma debilidade endotelial que, associada à

alterações das moleculas reguladoras desencadeariam a ativação do complemento.

ii. Rejeição mediada por anticorpos (RMA)

No contexto da rejeição mediada por anticorpos, a MAT é uma complicação importante da

mesma. Na patologia, isso se manifesta num espectro que comprende endotelite até vasculite

necrotizante, sistêmica ou localizada.

O achado mais representativo da RMA, é a presença de depósito de C4D peritubular. O mesmo

foi associado com 6(16%) de 37 biopsias com esse achado no USKT16 e com 6(3,3%) de

182biopsias em outro trabalho , mostrando uma prevalência aumentada de TMA associada a

C4d (33/245; 13.6%) em relação as não associadas (26/715; 3.6%) e também um pior

prognóstico.20

iii. Outros

Entidades diversas estão associadas com TMA, entre elas a infeção por Virus C, citomegalovirus,

parvovirus e BK virus, terapia com interferon ribavirina, leflunomida e histoplasmose 6. Existem

também relatos de deficiência adquirida de ADAMTS 13 de novo.

Finalmente existem relatos de shift fenotípico, ou seja, doença no rim nativo manifestou-se

como glomerulopatia do C3 e no post transplante como aHUS de novo.5

iv. Anormalidades genéticas do complemento

Os fatores reguladores do complemento, como foi mencionado acima, são proteinas produzidas

pelo fígado que inibem a produção continua em pequena escala de C3 convertase pela via

alternativa.

Nesse sentido, aqueles pacientes que tem predisposição a desencadear ativaçãoem massa

dessa via teriam um comum denominador a patir do qual, situações diferentes desencadeariam

a MAT.

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Le Quintrec et al. fez um trabalho retrospectivo com 24 pacientes com MAT de novo, com

diagnostico baseado nos achados histopatologicos e um criterio de manifestação sistêmica

(trombocitopenia e/ou anemia hemolítica microangioatica com teste de coombs negativo e/ ou

les’ao renal aguda), o mesmo mostrou 7 portadores de mutação nos genes CFH ou CFI (29%) e

combinado em 2, 6 deles (25%) com baixos niveis de C3 e o Factor B sugerindo ativação da via

alternativa do complemento8

Neste estudo, o fator H e fator I se mostraram como os maiores reguladores do complemento,

cumprindo a função de desclivagem di C3bBb e como cofatores que inativam o C3b mesmo.

4. Apresentação clínica

Nos 3 a 6 meses iniciais, devido aos altos niveis de ICN, observamos o predominio na aparição

de Mat nos post transplantados.

As manifestações são variaveis, por vezes respondendo à triade clássica de anemia

microangiopática evidenciada laboratorialmente pelos marcadores de hemolise intravascular,

trombocitopenia absoluta ou relativa, e lesão renal aguda pela predisposição renal às lesões de

microvasculatura e alto fluxo sanguineo do órgão. Muitas vezes pode se manifestar

simplesmente como piora lenta da creatinina com aumento progressivo da hipertensão. Isso

ilustra o fato de que muitas vezes o diagnóstico não é feito até que a biopsia do enxerto é

solicitada.

Alguns estudos sugerem que ela se apresenta mais como MAT localizada no transplante tardio,

porem não fica claro se essa relação é devida ao timing precoce da biopsia nos casos graves.

Os achados patológicos típicos não permitem distinguir a etiologia do processo, e podem atingir

os 3 compartimentos do nefron.

Esses mecanismos, mesmo inespecíficos,ajudam classificar o processo em ativo ou crônico. Na

fase ativa observamos predominância de achados de lesão endotelial, incluindo troombose

arterial e glomerular acúmulo de hemácias e debris no compartimento urinário, edema das

celulas endoteliais, sinais de isquemia glomerular, sem muita inflamação evidente.

Na fase de remissão observamos e perda da arquitetura e remodelamento das estruturas das

mesmas, entre elas a duplicação da membrana basal glomerular, duplicação das membranas

pericapilares e hipertrofia arteriolar em casca de cebola .

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Vale a pena mencionar que,além desses achados inespecíficos, sinais histopatológicos que

sugiram por exemplo, toxicidade ao ICN ou RMA devem ser notados.

É nesse momento que nós devemos atentar para elementos clínicos que levantem a

possibilidade da etiologia subjacentes ja ter estado presente na etapa pre transplante, isso,

como descrito acima com fins prognósticos e terapeúticos.

5. Manejo

A MAT é uma entidade altamente heterogênea como ja foi mencionado acima, por isso que

apartir do diagnóstico histológico e clínico começamos a pensar nas provaveis hipóteses do

mecanismo e iniciamos medidas baseadas no que acreditamos possa ser responsável pelo

desencadeamento da doença.

a. Tratamento:

i. Mudança de esquema imunossupressor

Nos pacientes que tem suspeita de MAT secundaria aos imunossupressores, a troca de ICN por

Im-TOR ou troca de ICN por outro ICN tem sido sustentada por varios trabalhos é consitui o

primeiro passo na terapeútica.

Existem resultados conflitantes, que sugerem que a mudança nos esquemas não teria

beneficio20.

ii. Plasmaferese e IGIV

Nos pacientes com rim nativo com TTP, a Plasmaferese associada a IgIV tem demonstrado

mudança na mortalidade e tem sido considerada como a primeira linha de trattamento para

HUS atípica por muito tempo.

O uso tem sido extrapolado para os pacientes transplantados com algum sucesso documentado,

devido aosefeitos de possível retirada do sustrato trombogênico e normalização de sustâncias

deficientes, assim como regulação das concentrações de componentes do complemento e

remoção de autoanticorpos desencadeadores de ativação, restablecendo de alguma forma este

balanço.

iii. Belatacept

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O Belatacept é um anticorpo anti Antígeno associado ao linfócito T citotóxico (CTLA-4), uma

molécula que estabiliza apresentação antigência fortalecendo o segundo sinal imunológico que

acontece pela ligação de CD 80 com o CD 86 18.

Ele per se não trata a doença mas permite a montagem de esquemas independentes dos ICN e

dos I-mTOR, conseguindo assim tirar o mecanismo farmacodependente da MAT de novo.

iv. Eculizumab

O Eculizumab é um anticorpo humanizado híbidro IgG2/IgG4 anti C5, que age bloqueando a via

comum de ativação do complemento e geração do complexo lítico C5b-9. 23

Existem varios reportes de casos na literatura de sucesso no tratamento de MAT refrataria

associada a medicação em pacientes transplantados, inclusive naqueles que foi documentada

anormalidade do complemento concomitante. Da mesma forma, existem casos reportados de

RMA refrataria com ou sem MAT que responde ao eculizumab.

Ao contrario, existem estudos conflituantes em um estudo que compara resultados com

eculizumab e uma coorte histórica com diferença na incidência de RMA no grupo eculizumab

porém sem mudanças na sobrevida do enxerto sem morte ou mudanças na biopsia em 01 ano.25

Parece que o eculizumab tem uma importância no tratamento da MAT que ainda não tem sido

bem estabelecida em relação a quais pacientes que se beneficiam mais de essa terapeútica e

quais biomarcadores poderiam identificar esses pacientes.

b. Profilaxia

Existem algumas estrategias profiláticas descritas.6

A Nefrectomia bilateral, por exemplo,não tem demonstrado beneficio para prevenção de

recorrência, e só deve ser considerada na presença de hipertensão maligna refratária com

evidencia de atividade de doença apesar do uso de plasma e IgIV 26

Plasmaferese e imunossupressão com corticoides e ou rituximab tem mostrado também

sucesso em pacientes com anti CHF positivo.

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Transplante simultâneo figado-rim tem sido feito em cirnças com SHU atípica e alterações do

CFH sem muito sucesso, a principio complicados por falência prematura hepática por trombose

microvascular e deposição de complemento,. Outras abordagens tem sido desenhadas nesse

sentido, incluindo plasmaferese pré transplante, no intuito de fornecer CFH suficiente para

recuperar função inibitória, além de heparina e aspirina, com sucesso em 6 pacietnes com

mutações de CFH e 1 com mutação combinada CFH/CFI, porem tambem com casos de

encefalopatia hepática grave e morte.27

Também tem sido relatados casos com eculizumab na profilaxia de pacientes com mutações de

CFH, porem numa metanalise recente, não tem sido demonstrada evidência que fortaleça essa

indicação 24

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