15
R. RA´E GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR 9 MIGRAÇÃO, DESORGANIZAÇÃO SOCIAL E VIOLÊNCIA URBANA EM MINAS GERAIS Migration, social disorganization and urban violence in Minas Gerais Alexandre M. A. DINIZ 1 1 Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Geografia Tratamento da Informação Espacial da PUC-Minas <[email protected]>. RESUMO Dentre as diversas abordagens teóricas sobre os deter- minantes da violência urbana, destaca-se a desorganização social, que vincula a incidência criminal a processos de enfraquecimento de mecanismos de controle social. De acordo com esta perspectiva, intensas correntes imigratórias e a aglomeração de grandes massas populacionais em centros urbanos favorecem, potencialmente, a incidência criminal. Este estudo explora a relação entre as taxas de criminalidade violenta e as taxas de imigração, urbanização e tamanho populacional nos municípios mineiros no final da década de 1990, visando confrontar as idéias postuladas pela abordagem da desorganização social com a realidade mineira. Palavras-chave: Migração; violência urbana, crimes violentos, Minas Gerais. ABSTRACT Among the various theoretical interpretations of urban crime incidence the social disorganization approach deserves attention. This perspective associates crime to weakening social control mechanisms, suggesting that intense migratory flows and the agglomeration of large populations in urban areas potentially favor crime incidence. This study explores the relationship between violent crime rates and immigration, urbanization and total population rates among the municipalities of Minas Gerais State in the 1990s, in order to test the ideas postulated by the social disorganization perspective in Minas Gerais State. Key-words: Migration; urban violence, violent crimes, Minas Gerais.

Migração, Desorganização Social e Violência Urbana em Minas Gerais - Alexandre DINIZ

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Uma análise das questões referentes a criminalidade urbana em Minas Gerais

Citation preview

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR 9

    MIGRAO, DESORGANIZAO SOCIAL E VIOLNCIAURBANA EM MINAS GERAIS

    Migration, social disorganization and urbanviolence in Minas Gerais

    Alexandre M. A. DINIZ1

    1 Professor Adjunto do Programa de Ps-Graduao em Geografia Tratamento da Informao Espacial da PUC-Minas.

    RESUMO

    Dentre as diversas abordagens tericas sobre os deter-minantes da violncia urbana, destaca-se a desorganizaosocial, que vincula a incidncia criminal a processos deenfraquecimento de mecanismos de controle social. Deacordo com esta perspectiva, intensas correntes imigratriase a aglomerao de grandes massas populacionais emcentros urbanos favorecem, potencialmente, a incidnciacriminal. Este estudo explora a relao entre as taxas decriminalidade violenta e as taxas de imigrao, urbanizaoe tamanho populacional nos municpios mineiros no finalda dcada de 1990, visando confrontar as idias postuladaspela abordagem da desorganizao social com a realidademineira.

    Palavras-chave:Migrao; violncia urbana, crimes violentos, Minas Gerais.

    ABSTRACT

    Among the various theoretical interpretations of urban crimeincidence the social disorganization approach deservesattention. This perspective associates crime to weakeningsocial control mechanisms, suggesting that intense migratoryflows and the agglomeration of large populations in urbanareas potentially favor crime incidence. This study exploresthe relationship between violent crime rates and immigration,urbanization and total population rates among themunicipalities of Minas Gerais State in the 1990s, in order totest the ideas postulated by the social disorganizationperspective in Minas Gerais State.

    Key-words:Migration; urban violence, violent crimes, Minas Gerais.

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR10

    APRESENTAO

    A crescente criminalidade brasileira tem produzidodiversos efeitos negativos no pas. Os seus impactostranscendem as vtimas diretas, gerando gigantescasperdas econmicas e sociais. A segurana pblica j figuraentre os principais itens dos oramentos municipal,estadual e federal, em detrimento de reas importantescomo a sade, educao e infra-estrutura. Em funo daviolncia urbana, por exemplo, o Brasil recebe visitantesinternacionais aqum do seu potencial turstico e da suainfra-estrutura instalada. O mesmo acontece cominvestimentos externos em indstria e prestao deservios, que so carreados a outros destinos em virtudedos altos nveis de criminalidade (KAHN e BARBOSA,2000).

    Mas a violncia urbana tem tambm causadoperdas intangveis decorrentes das profundas mudanasna qualidade e no estilo de vida dos brasileiros, sobretudodos moradores de mdias e grandes cidades. Em outraspalavras, a criminalidade violenta produz um conjunto devtimas indiretas que encontram nas taxas criminais, emconversas e nos meios de comunicao bases para oclculo subjetivo de probabilidades de vitimizao(PAIXO e ANDRADE, 1993). O temor violncia urbanatem transformado cidades em cidades defensivas, nasquais residncias e comunidades inteiras esto passandopor um intenso processo de fortificao. Grades, cercaseltricas, circuitos internos de TV, vigilncia privada jso traos comuns das residncias brasileiras.Concomitantemente, cidados se transformam emcidados defensivos, que passam a evitar certos pontosda cidade, e so extremamente desconfiados de tudo ede todos (DELLASOPPA et al. 1999; LIMA, 2000).

    O estado de Minas Gerais no foge regra,apresentando expressivas taxas de criminalidade. Porm,cabe ressaltar que, quando comparada a outras unidadesda federao, o estado de Minas Gerais encontra-se numaposio relativamente confortvel, ocupando o 23 lugarem taxas de homicdio consumado.2 Por outro lado,quando se analisa o percentual de crescimento nas taxasde homicdio na ltima dcada, Minas Gerais passa aapresentar papel de destaque, ocupando a oitavacolocao, com um incremento de 62,7% nas ocor-rncias de homicdio. Trata-se, portanto, de um fenmenocrescente, que merece a nossa ateno.

    Segundo Kahn (2000), os crimes apresentamalguns elementos bsicos, tais como: autor(es), vtima(s),instrumento(s), bem(ns) ou valor(es) subtrado(s) etestemunha(s) (KAHN, 2000). Porm, os crimes noocorrem no vcuo, mas em contextos espaciaisconcretos, dotados de atributos especficos que controlama incidncia dos mesmos. Neste sentido, a geografia docrime cumpre importante misso, uma vez que busca, luz de teorizaes diversas, por meio de anlisesassociativas e em conexo com outros camposcientficos, explicar as mltiplas desigualdades espaciaisda violncia e seus determinantes (FELIX, 2002).

    Logo, o tratamento espacial da violncia urbanadiferencia-se das abordagens sociolgicas e psicolgicaspor deslocar a anlise dos criminosos para os delitospropriamente ditos, explorando o contexto no qual aviolncia ocorre e identificando padres espaciais etemporais associados a modalidades de delito espe-cficas (BEATO, 1998).

    Apesar da importncia do fenmeno, as causasespecficas e os fatores correlatos violncia urbana sonebulosos e conflitantes, uma vez que operam emdimenses distintas, variando de um indivduo a socie-dades inteiras (DELLASOPPA et al, 1999). So inmerasas hipteses e construes tericas que versam sobreos determinantes da violncia urbana, mas uma, emespecial, nos chama a ateno: aquela que associa aincidncia criminal urbana a formas diversas de desor-ganizao e falta de coeso social.

    Esta abordagem parte do princpio de que acriminalidade emerge como conseqncia de problemasassociados a mecanismos de controle social. Nestecontexto, as comunidades locais, marcadas por umcomplexo sistema de associaes formais e informais,de relaes de amizade e parentesco, contribuem para oprocesso de socializao e aculturao do indivduo.Portanto, elementos que promovam a ruptura da coesosocial e, conseqentemente, do controle social, estariam,indiretamente, incitando prticas criminais. Tais relaesseriam condicionadas por fatores sociais como statuseconmico, heterogeneidade tnica, mobilidaderesidencial e, sobretudo, taxas de urbanizao emigrao.

    O presente estudo testa a veracidade dospostulados da abordagem da desorganizao social nocontexto de Minas Gerais, investigando a associao

    2 Em virtude da diversidade de metodologias de coleta e classificao de crimes adotadas pelas Secretarias de Segurana Pblica,comparaes inter-estaduais so falaciosas. Todavia, devido natureza inequvoca da modalidade homicdio consumado, esses riscosso minimizados, fazendo com que comparaes estaduais sejam possveis.

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR 11

    entre taxas de imigrao, urbanizao, tamanhopopulacional e diversas taxas de criminalidade violentacontra pessoas, patrimnios e costumes, nos 853municpios mineiros, no ano de 2000.

    DESORGANIZAO SOCIAL E CRIMINALIDADE

    So numerosos os estudos que exploram a relaoentre crime e desorganizao social/ausncia de controlesocial, sendo igualmente numerosas as medidas indiretasempregadas para se captarem os nveis de desor-ganizao social. Sampson e Groves (1989) exploram arelao entre taxas de criminalidade e as seguintesvariveis independentes: status econmico, hetero-geneidade tnica, estabilidade residencial, desagregaofamiliar, urbanizao, redes de amizade local, grupos deadolescentes sem superviso e participao organi-zacional.

    Por outro lado, Miethe et al. (1991) trabalham coma relao entre crime e taxa de desemprego, hetero-geneidade tnica, mobilidade residencial, controleinstitucional e existncia de mais de um morador porcmodo. Da mesma forma, Warner e Pierce (1993)trabalharam a relao com medidas de pobreza, mobili-dade residencial e heterogeneidade social.

    A gegrafa Felix (2002) contribui com o debatesobre os determinantes da violncia urbana, adotandouma abordagem eminentemente espacial. A autora apontauma tipologia criminal/espacial, marcada pela prepon-derncia de crimes contra a pessoa nas partes menosfavorecidas das cidades, enquanto os crimes contra opatrimnio abundam nas reas mais abastadas. Felix(2002) oferece algumas explicaes para a manifestaodiferencial do crime urbano. Em primeiro lugar, a ausnciade controle social (formal ou informal), inerente aosgrandes centros urbanos, favorece a prtica criminal. Oroubo praticado em conjuntos urbanos, com poucacirculao de pessoas e com ruas estreitas e mal ilumi-nadas ilustra esta relao.

    A autora sugere ainda que a densidade estruturaldos centros urbanos tem o efeito de dar vida um carterannimo, desestruturando mecanismos de controle socialinformal. Na mesma balada, o adensamento de pessoasnos centros urbanos pode produzir uma maiorconscientizao da desigualdade social, o que, porconseqncia, tem o potencial de incitar a prticacriminal, que representaria uma resposta para adissociao entre aspiraes materiais e possibilidadesreais de realizao de boa parte da populao. Oadensamento populacional permite tambm a difuso deinformaes sobre meios legtimos e ilegtimos deaquisio de bens, facilitando a prtica criminal.

    A partir de uma anlise longitudinal da criminalidadeem Marlia, So Paulo, Felix (2002) revela uma claraligao com o tempo de existncia dos bairros. De acordocom a autora, parece haver uma espcie de seletividadetemporal, uma vez que, com o passar do tempo e comas melhorias introduzidas nas residncias e na vizi-nhana, de modo geral, h um maior envolvimento dosmoradores nos problemas da comunidade e uma exacer-bao do sentimento de territorialidade. Conseqen-temente, a interao social aumenta, fazendo caremdistrbios sociais como a violncia urbana, bem como oprprio sentimento de insegurana (FELIX, 2003).

    Paixo (1983) apresenta um intrigante modelo queexplica a relao entre a criminalidade e as migraes.De acordo com a proposta, movimentos migratriosconcentram massas isoladas, carentes de controlessociais nas periferias dos centros urbanos, sob condiesde extrema pobreza e desorganizao social. Some-sea isso a exposio a novos comportamentos e valores,juntamente com crescentes aspiraes materiais e setem uma combinao, que, em teoria, favoreceria oaumento da criminalidade. Portanto, a criminalidadeencontraria nas cidades expostas a rpidas mudanassociais e intensa imigrao, ambiente propcio suaexpanso. Fatores estruturais controladores desta relaoso o tamanho, a diferenciao, a afluncia e aconcentrao da renda dos moradores, bem comovariveis scio-psicolgicas como o isolamento, aimpessoalidade e a formao de subculturas perifricas,que vem na violncia fator de mediao de conflitos ediferenas.

    No mesmo sentido vai a argumentao de Felix(2002). Segundo a autora, a mobilidade espacial dapopulao atomizaria as estruturas e enfraqueceria acoeso social, uma vez que reas marcadas por intensaimigrao seriam loci de confrontos de valores culturais.Logo, Felix (2002) preconiza que o saldo migratrio estpositivamente relacionado ao crime contra a propriedade,enquanto produto de expectativas frustradas e de privaessocioeconmicas, uma vez que os migrantes, em suamaioria, tm baixo poder aquisitivo e instruo precria,alm de viverem em condies de habitao sofrveis,quando comparados aos moradores dos centros urbanosno-migrantes.

    Em termos globais, Kahn e Barbosa (2000) tecemimportantes consideraes sobre a relao entre as taxasde homicdio e o nvel de desenvolvimento dos pases.Os resultados revelam uma distribuio em formato desino, com os pases mais pobres e os mais ricos exibindobaixas taxas de criminalidade, enquanto os pasesintermedirios aqueles considerados em desenvol-vimento so os que apresentam as mais altas taxas dehomicdio do planeta. De acordo com os autores, uma

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR12

    combinao explosiva de modernizao e urbanizaoaceleradas, juntamente com altos nveis de desigualdadesocial, padres de consumo exacerbados e liberdadepoltica, dentre outros, seriam os fatores responsveis pelaalta incidncia de crimes em pases em desenvolvimento.Por outro lado, a teoria durkheimiana de que reas menosdesenvolvidas facilitam mais os vnculos sociais, sendo queo desenvolvimento social, acompanhado de atributos comoa urbanizao, industrializao e o individualismo, estassociado ao aumento da atividade criminal, devido decorrente quebra na coeso social.

    A concluso geral destes estudos que existeuma relao negativa entre crime e coeso social.Note-se, luz dos estudos sumariados aqui, que astaxas de imigrao, urbanizao e tamanho popula-cional so indicadores costumeiramente empregadosna mensurao do nvel de coeso social. Logo, deacordo com a abordagem da desorganizao social,presume-se que em ambientes sociais marcados poraltas taxas de imigrao, urbanizao e grandespopulaes, se encontrem taxas de criminalidademais elevadas. Explorar esta relao a tarefa centraldeste artigo.

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    O presente estudo adota a noo de crimesviolentos, empregada pela Polcia Militar de Minas Gerais,como indicadora de violncia urbana. A classificao daPMMG engloba os seguintes crimes: homicdio, homicdiotentado, estupro tentado, estupro consumado, roubo,roubo mo armada, roubo de veculos, roubo de veculos mo armada, latrocnio, extorso mediante seqestroe seqestro e crcere privado (MINAS GERAIS, 2001).Por sua gravidade, dimenso e impacto, esses delitosso facilmente reconhecidos pelas pessoas, o que tornasua definio e classificao mais apurada. A tabela 1apresenta a definio empregada pela PMMG na geraode suas ocorrncias policiais.

    As informaes sobre criminalidade foramlevantadas junto Polcia Militar do Estado de MinasGerais, organizadas no Sistema de Informaes deSegurana Pblica (SM20). Ver FJP (1998) paradiscusso do banco de dados.

    O ltimo recenseamento desenvolvido pelo IBGEtambm constitui uma importante fonte de informao.Dele advieram as informaes sobre populao total e

    urbana. Os microdados do Censo 2000 fornecem asinformaes sobre migraes empregadas nesta anlise.Trabalhou-se com os dados referentes aos migrantes dedata fixa, ou seja, aqueles indivduos com mais de 5 anosde idade que, em 1996, no viviam nos municpios deresidncia. Num segundo momento, os migrantes foramclassificados de acordo com a sua procedncia, sendoque o primeiro conjunto formado por migrantes proce-dentes de outras UF (unidades da federao), enquantoo segundo grupo formado por indivduos que chegaramoriundos de outros municpios do prprio Estado de MinasGerais.

    Os dados brutos foram transformados em taxasde criminalidade e migrao, utilizando-se como base apopulao dos municpios no ano de 2000. Correlaesde Pearson3 (BLALOCK, 1979) foram empregadas paraexplorar a relao entre criminalidade e migrao e mapascoroplticos do aporte anlise.

    ABORDAGEM ESPACIAL

    O mapeamento das taxas de imigrao e violnciaurbana revela claros padres de distribuio. Em relao taxa de imigrao intra-estadual, percebe-se que asreas centrais do Estado, sobretudo aquelas localizadasna regio central, sofrendo forte influncia da RegioMetropolitana de Belo Horizonte (figura 1), regio querecebeu, proporcionalmente, o maior nmero de imigran-tes (figura 2A).

    Por outro lado, nota-se um padro espacial distintoquando se trabalha com as taxas de imigrao interes-taduais. Estas demonstram um claro efeito vizinhana,beneficiando os municpios localizados ao longo doslindes estaduais, em especial na fronteira com o Estadode So Paulo. Note-se ainda que as MesorregiesTringulo/Alto Paranaba, Sul, Zona da Mata e Noroesteso as que apresentam o maior nmero de municpioscom expressivas taxas de imigrao interestadual (figura2B). Quando se consolidam os dados de imigrao,produzindo-se uma taxa global de imigrao, tem-se umaoutra viso, na qual sobressaem-se as MesorregiesTringulo/Alto Paranaba, Noroeste e Metropolitana/BeloHorizonte (figura 2C).

    As primeiras evidncias de uma possvel vinculaoentre as taxas de imigrao e a criminalidade violentaso ofertadas pela espacializao das taxas de roubo eroubo mo armada. Note-se que as duas categorias se

    3 O estudo da correlao tem por objetivo medir e avaliar o grau de relao existente entre duas variveis aleatrias, indicandotambm a direo desta relao, se positiva ou negativa. Existem muitos coeficientes de correlao, porm o Coeficiente de Correlao dePearson foi empregado por ser o matematicamente mais robusto. Ver BLALOCK (1979) para uma discusso mais aprofundada.

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR 13

    TABELA 1 - OCORRNCIAS CRIMINAIS UTILIZADAS

    4 So as ocorrncias referentes a crimes e contravenes penais previstos no Cdigo Penal e na Lei das Contravenes Penaisnos captulos contra a pessoa.

    5 So ocorrncias referentes a crimes e contravenes penais capitulados na legislao contra os bens patrimoniais alheios.6 So as ocorrncias referentes a crimes ou contravenes penais enquadrados na legislao, contra os costumes, a paz e a

    f pblica e ao organizao do trabalho.

    destacam nas Mesorregies Tringulo/Alto Paranaba,Noroeste e Metropolitana/Belo Horizonte, reas marcadaspor intensos fluxos imigratrios (figuras 3A e 3B). Padroligeiramente semelhante encontrado na espacializaodas taxas de roubo mo armada de veculos, quetambm se fazem mais presentes na regio Central eTringulo/Alto Paranaba (figura 3D).

    J as demais taxas de crimes violentos contra opatrimnio apresentam um padro espacial errtico,devido sua baixa incidncia no Estado. Neste sentido,destacam-se as taxas de latrocnio, extorso medianteseqestro e roubo de veculos (figuras 3C, 3E e 3F).

    Curiosamente, a incidncia de crimes violentoscontra a pessoa manifesta-se de maneira distinta dados crimes contra o patrimnio. Note-se como as reasao norte do Estado, sobretudo as Mesorregies

    Noroeste, Norte, Jequitinhonha, Vale do Mucuri e Valedo Rio Doce so as que apresentam as maiores taxasde homicdio tentado e consumado (figuras 4A e 4B).Pode-se dizer que nestas regies tambm soencontradas as maiores taxas de estupro tentado econsumado do Estado (figuras 5A e 5B), o que sugerea existncia de um padro de criminalidade que destoadas regies localizadas mais ao sul do Estado.

    Diante desta discusso, parece que as taxas decrimes violentos contra a pessoa e contra os costumesno guardam relao com taxas de imigrao, uma vezque as concentraes espaciais desses fenmenos seapresentam de maneira distinta: uma mais ao Sul doEstado e a outra mais ao Norte. No entanto, s a partirde anlises estatsticas que se poder testar de maneirainequvoca esta relao.

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR14

    FIG

    UR

    A 1

    - MES

    OR

    REG

    IES

    DE

    MIN

    AS G

    ERAI

    S

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR 15

    FIG

    UR

    A 2

    - TA

    XAS

    DE

    IMIG

    RA

    O

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR16

    FIG

    UR

    A 3

    - CR

    IMES

    CO

    NTR

    A O

    PAT

    RIM

    N

    IO

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR 17

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR18

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR 19

    FIG

    UR

    A 4

    - CR

    IMES

    CO

    NTR

    A A

    PES

    SOA

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR20

    FIG

    UR

    A 5

    - CR

    IMES

    CO

    NTR

    A O

    S C

    OST

    UM

    ES

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR 21

    TABELA 2 - COEFICIENTES DE CORRELAO DE PEARSON

    ABORDAGEM ESTATSTICA

    Os coeficientes de correlao de Pearson revelamum curioso quadro, confirmando parcialmente a hipteseda associao entre criminalidade e migrao (tabela 2).Das modalidades de crime em tela, destacam-se ascontra o patrimnio (roubo, roubo mo armada, roubode veculos e roubo mo armada de veculos), queapresentaram relaes positivas, apesar de fracas, comas taxas de imigrao total, intra e interestaduais.

    Tambm merece destaque a correlao negativaentre as taxas de imigrao total e a intra-estadual coma taxa de tentativa de estupro. Na mesma direo ficou acorrelao entre a imigrao interestadual e a taxa detentativa de homicdio. Apesar de fracas, estasassociaes parecem contrrias hiptese da vinculaoentre criminalidade e imigrao e merecem umadiscusso detalhada.

    Primeiramente, vale lembrar que a presente anlisefoi construda a partir de dados agregados e retrata ocontexto scio-econmico no qual migrao ecriminalidade ocorrem. Portanto, qualquer tipo deimputao de responsabilidade a indivduos ou gruposde indivduos (migrantes intra ou interestaduais, porexemplo) falaciosa. Como Paixo (1990) e Benevidese Fischer (1983) afirmam, grande parte da populaopauperizada, excluda e migrante no envereda pelomundo da delinqncia.

    A correlao positiva entre imigrao e crimesviolentos contra o patrimnio pode ser justificada

    parcialmente pela argumentao apresentada por Paixo(1983) e Felix (2002). Centros urbanos objetos de intensosmovimentos migratrios so loci de confrontos de valoresculturais, desorganizao social e, conseqen-temente,fraca coeso social. Some-se a isso o fato de que osmovimentos migratrios tendem a concentrar grandesmassas nas periferias dos centros urbanos, sobcondies de pobreza e desorganizao social,fomentando privaes socioeconmicas e frustraes emrelao ao acesso a bens de consumo.

    Uma outra hiptese interpretativa diz respeito presena de variveis intervenientes nas relaes aquiestudadas. O fato de as taxas de criminalidade violentacontra o patrimnio estarem vinculadas imigrao podese dar em virtude de essas mesmas taxas estaremcorrelacionadas simultnea e positivamente comindicadores de desenvolvimento e riqueza material. Afinal,como Ravenstein (1885 e 1889) j preconizava h maisde um sculo, a principal motivao para as migraesem tempos de paz , sem sobra de dvidas, o motivoeconmico (busca por melhores condies de trabalho,renda e de qualidade de vida), que se fazem presentesem contextos mais desenvolvidos. Mas no se deveperder de vista o fato de que exatamente nessescontextos mais desenvolvidos e urbanizados que ummaior volume de riquezas gerado e, conseqentemente,um maior nmero de oportunidades para o crime sematerializa.

    Esta argumentao tambm sustentada pelascorrelaes negativas que se encontraram entre as taxas

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR22

    de imigrao e as taxas de estupro e homicdio tentado.A literatura sobre violncia urbana revela que em contextosmenos desenvolvidos, marcados por uma grande massapopulacional iletrada ou com baixa escolaridade, aviolncia tende a ser empregada como meio para mediarconflitos (BEATO, 1998). Uma rpida apreciao dasfiguras 4 e 5 revela que tais crimes concentram-se emreas reconhecidamente caracterizadas, por seu baixondice de qualidade de vida e desenvolvimentoeconmico e humano. Curiosamente, exatamentenessas reas que as taxas de imigrao so maisbaixas ou inexistentes, gerando-se o coeficiente negativo.Percebe-se, mais uma vez, uma possvel presena defatores intervenientes na produo dos coeficientes decorrelao.

    Por outro lado, cabe ressaltar que o tamanhopopulacional, bem como a taxa de urbanizaoapresentaram padres similares. Ambas medidasencontram-se positivamente correlacionadas s taxas decrime contra a propriedade, com destaque para o roubo mo armada, roubo, roubo mo armada de veculos etotal de crimes contra o patrimnio. Estes resultados,portanto, confirmam, pelo menos parcialmente, asassertivas de Felix (2002) que afirma que a grandeconcentrao de pessoas nos centros urbanos tende adar vida um carter annimo, uma vez que em face auma populao numerosa, as pessoas dificilmente seconhecem e se reconhecem nas grandes cidades. Some-se a isso o fato de que estas aglomeraes humanaspodem favorecer uma maior conscientizao dadesigualdade social que assola os grandes centrosurbanos, bem como facilitar a difuso de informaessobre meios e oportunidades legtimas e ilegtimas deacesso a riquezas e bens materiais.

    Entretanto, a realidade mineira sustenta apenasparcialmente estas idias, uma vez que a taxa deurbanizao e o tamanho populacional no guardamrelaes estatsticas com modalidades de crime contraa pessoa e contra os costumes, e quando o fazem, nocaso dos estupro tentado e consumado e da taxa total

    de crimes contra a pessoa, as relaes estatsticas,apesar de significativas, so muito tnues.

    CONSIDERAES FINAIS

    O presente trabalho contribui para o debate sobrea relao entre formas de incluso marginal (MARTINS,1997) e violncia urbana, ao explorar a vinculao entreas taxas de imigrao e de crimes violentos, no conjuntode municpios mineiros, em 2000. Detectaram-se padresespaciais bem definidos, tanto na distribuio das taxasde imigrao, quanto de criminalidade violenta.

    Outro aspecto digno de nota a correlao positivaentre os crimes violentos contra o patrimnio e as taxasde imigrao. Por outro lado, os crimes contra a pessoae contra os costumes no guardam, exceo das taxasde estupro e homicdio tentado, qualquer relao com astaxas de imigrao.

    Nota-se, portanto, que a realidade mineirasuporta, na melhor das hipteses, parcialmente, a teseda vinculao entre imigrao e violncia urbana. Oargumento de que reas de intensa imigrao sofavorveis incidncia criminal, em virtude de seremmarcadas por confrontos de valores culturais,desorganizao social e fraca coeso social mereceinvestigao mais profunda.

    Como se viu, apesar da aparente vinculaopositiva entre crimes contra o patrimnio e imigrao,esta pode ter sido gerada por variveis intervenientes(indicadores de desenvolvimento e riqueza material), umavez que ambas as taxas respondem positivamente aesses indicadores.

    Em oportunidades futuras eu estarei explorando opeso relativo que indicadores de desenvolvimento sociale econmico tm na presena das taxas de imigraocomo variveis independentes na modelagem dacriminalidade violenta, com o fito de testar esta hiptesede trabalho e avanar o conhecimento sobre a relaoentre incluso marginal e imigrao.

    REFERNCIAS

    BEATO, Cludio. Polticas pblicas de segurana: equidade,eficincia e countability. Belo Horizonte: FAFICH, 1997. 25 p.Mimeog.

    _____. Determinantes da criminalidade em Minas Gerais.Revista Brasileira de Cincias Sociais, So Paulo, v. 13, n.37, jun. 1998.

    BENEVIDES, M. V.; FISCHER, R. Respostas populares eviolncia urbana: o caso de linchamento no Brasil (1979-

    1982). In: PINHEIRO, P.S. (Org.) Crime, violncia e poder.So Paulo: Brasiliense. 1983. p. 227-243.

    BLALOCK, H. Social Statistics. New York: McGraw Hill, 1979.

    DELLASOPPA, Emlio; BERCOVICH, Alicia; ARRIAGA,Eduardo. Violncia, direitos civis e demografia no Brasil nadcada de 80: o caso da rea metropolitana do Rio deJaneiro. Revista Brasileira de Cincias Sociais, So Paulo,v. 14, n. 39, 1999. p. 155-176.

  • DINIZ, A. M. A. Migrao, desorganizao social e violncia urbana em...

    R. RAE GA, Curitiba, n. 9, p. 9-23, 2005. Editora UFPR 23

    DINIZ, Alexandre; NAHAS, Maria Ins; MOSCOVIT, Samy.Anlise espacial da violncia urbana em Belo Horizonte:uma proposio metodolgica a partir de informaes eindicadores georreferenciados. In: ENCONTRO NACIONALDA ANPUR ENCRUZILHADAS DO PLANEJAMENTO, 10.,s.d., Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2003.

    FELIX, Sueli. A. Geografia do crime: interdisciplinaridade erelevncias. Marlia: Unesp Marlia Publica, 2002.

    _____. Geografia do crime de Marlia/SP: aspectos daviolncia e criminalidade em uma cidade mdia brasileira.In: SEMINRIO INTERNACIONAL DE ESTUDIOS URBANOS,4., 20-23 ago. 2003, Tandil, Argentina. Anais..., 2003. 1 CD-ROM.

    FJP FUNDAO JOO PINHEIRO. Criminalidade violentaem Minas Gerais 1986-1997. Belo Horizonte: FJP, 1998. 1CD-ROM.

    KAHN, Tlio; BARBOSA, Cristina. Medindo a criminalidade:um panorama dos principais mtodos e projetos existentes.In: ENCONTRO BRASILEIRO DO PROJETO POLCIA ESOCIEDADE DEMOCRTICA, 3., 01 jan. 2000, Centro deestudios del desarollo (CED) - Viva Rio. Anais... So Paulo,2000.

    LIMA, Renato. Conflitos sociais e criminalidade urbana: umaanlise dos homicdios cometidos no municpio de SoPaulo. So Paulo, 2000. Dissertao (Mestrado) -Departamento de Sociologia, USP.

    MARTINS, J. S. O falso problema da excluso e o problemasocial da incluso marginal. In: _____. Excluso social e a

    nova desigualdade. So Paulo: Paulus, 1997. p. 25-38.

    MIETHE, R. D.; HUGHES, M.; MCDOWALL, D. Social changeand crime rates: an evaluation of alternative theoreticalapproaches. Social Forces, v. 70, 1991. p. 165-185.

    POLCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Memorando n. 34.598.4/2001. 2001.

    PAIXO, Luiz A. Crimes e criminosos em Belo Horizonte,1932-1978. In: PINHEIRO, P. Crime, violncia e poder. SoPaulo: Brasiliense, 1983. p. 11-44.

    _____. A violncia urbana e a sociologia: sobre crenas efatos e mitos e teorias e polticas e linguagens. Religio esociedade v. 15, n. 1, 1990. p. 68-81.

    PAIXO, Luiz Antnio; ANDRADE, Luciana T. Crime esegurana pblica. In: _____. Poder, polticas e movimentossociais. Belo Horizonte: Belo Horizonte com Arte e UFMG,1993. p. 109-123.

    RAVENSTEIN, E. The Laws of Migration. Journal of the RoyalStatistical Society, v. 2, n. 48, 1885. p. 167-277.

    _____. The Laws of Migration. Journal of the Royal StatisticalSociety, v. 2, n. 52, 1889. p. 241-302.

    SAMPSON, R. J.; GROVES, W. B. Community structure andcrime: testing social-disorganization theory. American Journalof Sociology, v. 94, 1989. p. 774-802.

    WARNER, B. D.; PIERCE, L. Reexamining socialdisorganization theory calls to the police as measure of crime.Criminology, v. 31, 1993. p. 493-517.