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Resumo de Direito Constitucional Autor: Francisco Miguel de Moura Júnior CONSTITUIÇÃO CONCEITO A palavra constituição vem do verbo latino constituere, significando: estabelecer definitivamente. Embora não apresente na sua origem a idéia de lei fundamental. A palavra constituição é empregada com vários significados, mas a que nos interessa é a constituição como lei fundamental e suprema de um Estado, que tem por fim estabelecer o conteúdo referente à composição e ao funcionamento da ordem política desse Estado (organização do poder, distribuição da competência, exercício da autoridade, direitos fundamentais etc.). Com o sentido de lei fundamental do Estado, o termo constituição começou a ser empregado depois da independência das colônias inglesas na América (1776) – que, em 1787 formaram os Estados Unidos – e da Revolução Francesa de 1789. Constituição é uma ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada num documento escrito, mediante o qual se garantem os direitos fundamentais e se organiza, de acordo com o princípio da divisão dos poderes, o poder político. (J. J. Canotilho) Constituição – é um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. O crescimento do campo de atuação do Estado tem levado ao considerável aumento da importância do Direito Constitucional nos estudos jurídicos, bem assim a tendência de ampliação de seu conteúdo material. No seu conteúdo clássico, marcado pelas ideologias liberais , a constituição tinha por fim determinar, Página 1 de 32

Miguel - Direito Constitucional - R01 - Constituição. Conceito e classificação

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Resumo de Direito ConstitucionalAutor: Francisco Miguel de Moura Júnior

CONSTITUIÇÃO

CONCEITO

A palavra constituição vem do verbo latino constituere, significando: estabelecer definitivamente. Embora não apresente na sua origem a idéia de lei fundamental.

A palavra constituição é empregada com vários significados, mas a que nos interessa é a constituição como lei fundamental e suprema de um Estado, que tem por fim estabelecer o conteúdo referente à composição e ao funcionamento da ordem política desse Estado (organização do poder, distribuição da competência, exercício da autoridade, direitos fundamentais etc.).

Com o sentido de lei fundamental do Estado, o termo constituição começou a ser empregado depois da independência das colônias inglesas na América (1776) – que, em 1787 formaram os Estados Unidos – e da Revolução Francesa de 1789.

Constituição é uma ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada num documento escrito, mediante o qual se garantem os direitos fundamentais e se organiza, de acordo com o princípio da divisão dos poderes, o poder político. (J. J. Canotilho)

Constituição – é um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias.

O crescimento do campo de atuação do Estado tem levado ao considerável aumento da importância do Direito Constitucional nos estudos jurídicos, bem assim a tendência de ampliação de seu conteúdo material.

No seu conteúdo clássico, marcado pelas ideologias liberais, a constituição tinha por fim determinar, estritamente, a forma de Estado, a forma de Governo e o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem.

No Estado moderno, de cunho marcadamente social, a doutrina constitucionalista aponta o fenômeno da expansão do objeto das constituições, que têm passado a tratar de temas cada vez mais amplos.

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Desta forma, a tendência contemporânea é de ampliação do objeto das constituições, que passaram a estabelecer novas finalidades para a atuação estatal (normas programáticas), resultando em constituições de conteúdo extenso (analíticas ou prolixas).

Constituição – é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado (território, população e governo). A Constituição deve trazer em si os elementos integrantes (componentes ou constitutivos) do Estado, quais sejam:

Soberania; Finalidade; Povo; Território.

Desta forma, Dalmo Dallari conceitua o Estado como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território.

Concepções sobre as constituições

1 – Sentido material e formal: constituição também pode ser definida tomando-se o sentido material e formal, critério este que se aproxima da classificação proposta por Schimtt.

a) Conceito jurídico material de Constituição – constitucional será aquela norma que defina e trate das regras estruturais da sociedade, de seus alicerces fundamentais (a estrutura do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, a organização de seus órgãos, os limites de sua atuação, os direitos fundamentais do homem e suas respectivas garantias). Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado. Essas normas podem estar dentro ou fora do texto constitucional. Carl Schmitt chamou de Constitucional.

b) Conceito jurídico formal de Constituição – é o conjunto de normas jurídicas formalmente constitucionais inseridas num texto unitário, ou seja, não interessa o conteúdo da norma, mas a forma como ela foi introduzida no ordenamento jurídico. Assim, as normas constitucionais serão aquelas introduzidas pelo poder soberano, por meio de um processo legislativo mais dificultoso, diferenciado e mais solene do que o processo legislativo de formação das demais normas do ordenamento. Carl Schmitt chamou de lei constitucional.

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O Brasil adotou o conceito jurídico formal de Constituição, ou seja, é constitucional o que estiver inserido na Carta Maior, seja em razão do trabalho do poder constituinte originário, seja pela introdução de novos elementos através de emendas.

Contudo, a EC nº 45/2004 estabeleceu em seu art. 5º, § 3º, que, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Passamos com a EC nº 45/2004 a ter uma espécie de conceito misto, já que a nova regra só confere a natureza de emenda constitucional (norma formalmente constitucional) aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos (matéria), desde que observadas as formalidades de aprovação (forma).

2 – Sentido sociológico: a constituição (real, efetiva, material ou substancial) de um país é, em essência, a soma dos fatores reais do poder que regem nesse país, não passando a constituição escrita de uma “folha de papel” (Ferdinand Lassalle). Na visão sociológica, a constituição é concebida como fato social, e não propriamente como norma. O texto positivo da constituição seria resultado da realidade social do País, das forças sociais que imperam na sociedade, em determinada conjuntura histórica. Caberia à Constituição escrita, tão-somente, reunir e sistematizar esses valores sociais num documento formal, documento este que só teria valor se correspondesse a tais valores presentes na sociedade.

Segundo Lassalle, convivem num País, particularmente duas constituições:

a) constituição real (efetiva) – é a que corresponde a soma dos fatores reais de poder que regem nesse país;

b) constituição escrita – por ele denominada “folha de papel”. Esta só teria validade se correspondesse à constituição real, ou seja, se tivesse suas raízes nos fatores reais do poder.

Assim, em caso de conflito entre as duas espécies de constituição, prevalece a constituição real em detrimento da constituição escrita que não possui força efetiva, não passando de uma folha de papel.

É também sociológica a concepção marxista de Constituição, para a qual a constituição não passaria de um produto das relações de produção e visaria a assegurar os interesses da classe dominante. Para Marx, a constituição seria um mero instrumento nas mãos da classe dominante, com o fim de assegurar os interesses desta, dentro de um dado tipo de relações de produção.

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3 – Sentido político (material): a constituição é decisão política fundamental, decisão concreta de conjunto sobre o modo e forma de existência da unidade política (Carl Schmitt).

Para Schmitt, a validade de uma constituição não se apóia na justiça de suas normas, mas na decisão política que lhe dá existência. O poder constituinte equivale, assim, à vontade política, cuja força ou autoridade é capaz de adotar a concreta decisão de conjunto sobre modo e forma da própria existência política, determinando assim a existência da unidade política como um todo.

A constituição surge, portanto, a partir de um ato constituinte, fruto de uma vontade de produzir uma decisão eficaz sobre modo e forma de existência política de um Estado.

Distingui-se, assim, constituição de leis constitucionais.

Constituição – a constituição disporia somente sobre as matérias de grande relevância jurídica, ou seja, só se refere à decisão política fundamental (organização do Estado, princípios democráticos, direitos fundamentais entre outras);

Leis constitucionais – são os demais dispositivos inscritos no texto do documento constitucional, que não contenham matéria de decisão política fundamental. Assim, para Schmitt, tudo aquilo que não for correlato aos direitos individuais à vida democrática, aos órgãos do Estado e à organização do poder, é mera lei constitucional, e não uma constituição.

4 – Sentido jurídico (formal): constituição é norma pura, puro dever-ser, sem qualquer pretensão a fundamentação sociológica, política ou filosófica (Hans Kelsen). Essa concepção toma a palavra constituição em dois sentidos:

Lógico-jurídico (normas supostas, hipotética) – constituição significa norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da constituição jurídico-positiva, ou seja, é o fato imaterial instaurador do processo de criação das normas positivas;

Jurídico-positivo (normas postas, positivada) – constituição equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau.

Para Kelsen é impossível derivar a norma jurídica da realidade social, política ou filosófica. Deve-se examinar a validade das normas a partir da hierarquia existente entre elas. No direito percebe-se um

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verdadeiro escalonamento de normas, uma constituindo o fundamento de validade de outra, numa verticalidade hierárquica. Assim, uma norma inferior tem fundamento na norma superior, e esta tem fundamento na Constituição, que é o fundamento de validade de todo o sistema infraconstitucional. A Constituição, por sua vez, tem o seu fundamento de validade na norma hipotética fundamental (norma suposta), situada no plano lógico, e não no jurídico (norma posta ou positivada), caracterizando-se como fundamento de validade de todo o sistema, determinando-se a obediência a tudo o que for posto pelo Poder Constituinte Originário.

5 – Sentido culturalista: Constituição é produto de um fato cultural, produzido pela sociedade e que sobre ela pode influir. As Constituições positivas são um conjunto de normas fundamentais, condicionadas pela Cultura total, e ao mesmo tempo condicionantes desta, emanadas da vontade existencial da unidade política, e reguladoras da existência, estrutura e fins do Estado e do modo de exercício e limites do poder político (Stein, Michele Ainis, Grimm).

J. H. Meirelles Teixeira entende que se trata de uma formação objetiva de cultura que encerra, ao mesmo tempo, elementos históricos, sociais e racionais, aí intervindo, portanto não apenas fatores reais (natureza humana, necessidades individuais e sociais concretas, raça, geografia, uso, costumes, tradições, economia, técnicas), mas também espirituais (sentimentos, idéias morais, políticas e religiosas, valores) ou ainda elementos puramente racionais (técnica jurídicas, forma políticas, instituições, formas e conceitos jurídicos a priori) e, finalmente, elementos voluntaristas, pois não é possível negar-se o papel de vontade humana, da livre adesão, da vontade política das comunidades sociais na adoção desta ou daquela forma de convivência política e social, e de organização do Direito e do Estado.

6 – Concepção estrutural: é a que resulta de uma unidade estrutural, de um conjunto orgânico e sistemático de caráter normativo sob inspiração de um pensamento diretor. Considera, assim, no seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em sua conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico (Spagna Musso).

7 – Conceito histórico-universal: As constituições escritas são criações da época moderna. No entanto todas as sociedades politicamente organizadas, quaisquer que sejam as suas estruturas sociais, possuem certas formas de ordenação susceptível de serem designadas por constituição. Assim, todos os países possuem, possuíram sempre, em todos os momentos da sua história, uma constituição real e efetiva.

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8 – Constituição como fonte de direito: Vamos encontrar esse sentido na história constitucional romana. Aí a expressão constitutiones principum era utilizada para indicar os atos normativos do imperador que passaram a ter valor de lei.

9 – Constituição como modo de ser da comunidade: Aristóteles oferece-nos o conceito de constituição politeia que significa o próprio modo de ser da polis, ou seja, a totalidade da estrutura social da comunidade. No conceito aristotélico de constituição juntam-se dois aspectos modernos:

A constituição como ordenamento fundamental de uma associação política;

A constituição como o conjunto de regras organizatórias destinadas a disciplinar as relações entre os vários órgãos de soberania.

10 – Constituição como organização jurídica do povo: segundo Cícero, a res publica é a associação de homens mediante um consentimento jurídico e por causa de uma utilidade comum, ou seja, a res publica é a organização política do povo.

11 – Constituição como lex fundamentali: a partir da Idade Média desenvolve-se a noção de lei fundamental. Assim, determinadas leis são consideradas fundamentais em razão da sua natureza contratual, determinadoras dos direitos de participação no poder por parte do rei e por parte dos estados do reino.

12 – Constituição como ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito: a idéia da organização constitucional do Estado começou a ganhar vulto no século XVIII com o chamado movimento constitucional, impulsionados pelas revoluções americana e francesa. Contudo, alguns autores apontam como período pré-histórico constitucional o século XIII (1215), data em que os barões do Reino de Inglaterra impuseram a João Sem Terra a Magna Carta, muito embora, não se tratar ainda de uma verdadeira declaração de direitos.

13 – Constituição jusnaturalista – é a que se origina do direito natural, preexistindo ao próprio homem (Victor Cathrein).

14 – Constituição positivista – é o conjunto de normas emanadas do poder do Estado (Laband e Jellinek).

15 – Constituição marxista – é o produto da supra-estrutura ideológica, condicionada pela infra-estrutura econômica (Karl Marx).

16 – Constituição institucionalista – é a que delimita os fins políticos do Estado com vistas ao cumprimento de programa sociais (atendimento médico, emprego, moradia etc.).

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17 – Constituição compromissória – é aquela que reflete a pluralidade das forças políticas e sociais, originando-se da barganha, do jogo de interesses e do tom persuasivo do discurso político (Paolo Barile).

Conceito ideal de constituição e Estado constitucional

Conceito ideal de constituição: com o triunfo do movimento constitucional, impôs-se também, nos primórdios do século XIX, o chamado conceito ideal de constituição (C. SCHMITT). Este conceito ideal identifica-se, fundamentalmente, com os postulados político-liberais, considerando-se como elementos materiais caracterizadores e distintivos os seguintes:

a) a constituição deve consagrar um sistema de garantias de liberdade (esta essencialmente concebida no sentido do reconhecimento de direitos individuais e da participação dos cidadãos nos atos do poder legislativo através dos parlamentos);

b) a constituição deve conter o princípio da divisão dos poderes, no sentido de garantia orgânica contra os abusos dos poderes estaduais;

c) a constituição deve ser escrita .

Estados constitucionais: são aqueles que dispõem de uma ordenação estadual plasmada num documento escrito, garantidor das liberdades e limitador do poder mediante o princípio da divisão dos poderes. Não constitucionais são todos os outros.

A evolução histórica do Estado, pós-absolutismo, apresenta as seguintes fases:

a) Estado de Direito ou Estado Liberal – fruto do liberalismo clássico, que perdurou até o século XVIII, enalteceu a idéia de liberdade meramente formal perante a lei e de não-intervenção do Estado (absenteísmo estatal). Surgem os direitos de primeira geração ou dimensão.

b) Estado Social de Direito (do final do século XIV e início do século XX) – faz surgir a necessidade de se reconhecer, ao lado da dicotomia (direito público – direito privado), a categoria dos direitos sociais, cujas normas de direito do trabalho e de direito previdenciário expressam a manifestação de um estado prestacionista, intervencionista e realizador da chamada justiça distributiva. Surgem os direitos de segunda geração.

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c) Estado Democrático de Direito ou pós-social de direito – acentua-se a idéia de escalonamento verticalizado e hierárquico das normas, apresentando-se a Constituição como norma de validade de todo o ordenamento jurídico. O Estado é regido por normas democráticas, eleições livres, periódicas e pelo povo, respeito aos direitos fundamentais. Surgem os direitos de terceira, quarta e quinta geração.

A força normativa da Constituição (Konrad Hesse)

A visão sociológica de Ferdinand Lassalle negava força normativa à constituição jurídica, pois, no seu entender, caberia a esta, tão-somente, a representação dos fatores reais do poder que regem a nação. Contrapondo-se à tese defendida por Ferdinand Lassalle, o constitucionalista Konrad Hesse desenvolveu importante estudo no intuito de realçar a denominada “força normativa” da constituição. Hesse concorda com Lassalle no tocante ao fato de ser a constituição jurídica condicionada pela realidade histórica, não podendo ser separada da realidade concreta do seu tempo. Concorda, também, que a pretensão de eficácia da constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade. Entretanto, não concorda com Lassalle quando este conceitua a constituição jurídica como “pedaço de papel”, pois, para Hesse, é inconcebível reduzir a constituição jurídica à mísera função – indigna de qualquer ciência – de justificar as relações de poder dominantes.

Com efeito, segundo Hesse, a constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma realidade, dos fatores reais do poder. Ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, das forças sociais e políticas. Ainda que não de forma absoluta, a constituição jurídica possui significado próprio, autônomo. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social. Ela logra conferir forma e modificação à realidade, bem assim despertar “a força que reside na natureza das coisas”, tornando-a ativa. Assim, ela própria, a constituição jurídica, converte-se em força ativa que influi e determina a realidade política e social.

Para Hesse, a constituição contém, ainda que de forma limitada, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado (força normativa da constituição). Assim, a constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa. Embora não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de

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conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem.

A constituição jurídica e a constituição real estão em relação de coordenação, condicionando-se mutuamente. Assim, em caso de eventual conflito, a constituição jurídica não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca, pois existem pressupostos realizáveis que, mesmo no caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da constituição jurídica.

Ferdinand Lassale Konrad HesseA Constituição consiste na soma dos fatores reais de poder que regem uma determinada nação.

A Constituição, embora influenciada pelos fatores reais do poder, possui força normativa própria.

No caso de conflito entre a Constituição real (“fatores reais de poder”) e a Constituição jurídica (“folha de papel”), esta sempre sucumbirá frente àquela.

No caso de conflito entre a Constituição real e a Constituição jurídica, não se pode afirmar que esta necessariamente sucumbirá.

Visão sociológica da Constituição. Visão sobre a força normativa da Constituição.

A constituição não pode ser compreendida e interpretada sem que se tenha em mente a seguinte estrutura:

Forma – complexo de normas (escritas ou costumeiras);Conteúdo – a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.);Fim – a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade;Causa criadora e recriadora – o poder que emana do povo.

A legitimidade através do procedimento

Existem dois modelos, segundo J. J. Canotilho, de relação entre as dimensões procedimentais e as dimensões materiais do poder constituinte.

Modelo procedimental ou formal: a justiça do resultado (= justiça da constituição), ou seja, se o procedimento for justo, será justo também o conteúdo da constituição. Em termos práticos, isto significaria que bastaria ser correto o procedimento constituinte (por exemplo: assembléia constituinte, que elaborou e aprovou, de acordo com regras regimentais prévias, o texto constitucional) para termos uma constituição materialmente justa.

Modelo substantivo ou material: independentemente do procedimento, existem medidas autônomas para se aferir do “justo”

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constitucional, sendo o procedimento apenas um dos meios para se alcançarem soluções substantivas justas. Levado até as últimas conseqüências, este modelo legitimaria a inexistência de um procedimento constituinte (ex.: bastaria a outorga da constituição por um “presidente”, salvaguardada que fossem as dimensões de justiça intrínseca da constituição).

As formas do procedimento constituinte

Procedimento constituinte direto: ocorre quando o projeto de lei constitucional obtém validade jurídica através de uma aprovação direta do povo (plebiscito ou referendo);

Procedimento constituinte indireto ou representativo: é a técnica da elaboração de constituição na qual a participação do povo se situa no momento da eleição de representantes para uma assembléia constituinte, cabendo a estes representantes a deliberação de aprovação da lei constitucional.

Procedimento misto ou técnica de assembléia constituinte não soberana: combinam-se os elementos diretos com elementos representativos, ou seja, o povo elege uma assembléia constituinte para elaborar uma constituição (procedimento representativo); a ratificação jurídica da constituição caberá ao povo que se pronunciará através de plebiscito ou de referendo sobre o texto constitucional (procedimento direto).

CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

A doutrina apresenta vários modos de classificar as constituições, não havendo uniformidade de pontos de vista sobre o assunto. Desta forma, assim classificamos:

1. Quanto ao conteúdo:

Constituição material ou substancial – Do ponto de vista material, o que vai importar para definirmos se uma norma tem caráter constitucional ou não será o seu conteúdo, pouco importando a forma através do qual foi aquela norma introduzida no ordenamento jurídico. Assim, constitucional será aquela norma que defina e trate das regras estruturais da sociedade, de seus alicerces fundamentais (organização do Estado, meios de aquisição e exercício do poder e direitos fundamentais). Trata-se do que Carl Schmitt chamou de Constituição. É concebida em sentido amplo e em sentido estrito. Ex.: Constituição do Império do Brasil, de 1824.

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Constituição formal – é o peculiar modo de existir do Estado, reduzido, sob forma escrita, a um documento solenemente estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por processos e formalidades especiais nela própria estabelecida. Assim, constituição formal é aquela que elege como critério o processo de sua formação e não o conteúdo de suas normas, ou seja, qualquer regra inserida no texto passaria a ter o caráter constitucional. Trata-se do que Carl Schmitt chamou de leis constitucionais. Ex.: CRFB/88.

Em outras palavras, a constituição, na sua concepção formal, seria um conjunto de normas legislativas que se distinguem das não constitucionais em razão de serem produzidas por processo legislativo mais dificultoso, o qual pode se materializar sob a forma da necessidade de um órgão legislativo especial para elaborar a Constituição – Assembléia Constituinte – ou sob a forma de um quorum superior ao exigido para a aprovação, no Congresso Nacional das leis ordinárias.

Essas duas visões acerca das normas constitucionais (formal e material) fizeram surgir os conceitos de supremacia material (ligada ao conteúdo das normas constitucionais) e supremacia formal (ligada ao processo legislativo distinto para elaboração das normas constitucionais).

Numa constituição escrita e rígida, todas as normas constitucionais são dotadas de supremacia formal, visto que foram elaboradas segundo um procedimento mais solene do que aquele de elaboração das demais leis. Assim, num sistema de constituição formal, podemos afirmar que todas as normas constitucionais são hierarquicamente iguais, ou seja, possuem o mesmo valor, e, também, que todas elas são dotadas de supremacia formal em relação às demais leis do ordenamento. É o caso da nossa CF/88, cujo artigo 5º, versa sobre os direitos e deveres individuais e coletivos (dispositivo formal e materialmente constitucional) que tem o mesmo valor e força hierárquica do artigo 242, § 2º, que estabelece que “o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal” (dispositivo apenas formalmente constitucional).

Ao contrário, se estamos diante de uma constituição não-escrita e flexível, não podemos falar em supremacia formal, porque não há distinção entre os processos legislativos de elaboração das normas constitucionais e das leis ordinárias. Num sistema de constituição não-escrita, flexível, as normas constitucionais são dotadas, tão-somente, de supremacia material, em razão do seu conteúdo.

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Enfim, num sistema de constituição rígida, todo o processo de fiscalização da validade das leis leva em conta a supremacia formal da constituição, vale dizer, todo o controle de constitucionalidade das leis é realizado sob o enfoque estritamente formal. Se a norma integra o texto da constituição rígida, seja qual for o seu conteúdo, será dotada de supremacia e, portanto, não poderá ser desobedecida pelo legislador infraconstitucional.

Obs.: As regras formalmente constitucionais, em nosso ordenamento jurídico, possuem grau máximo de eficácia e supremacia jurídica, bastando que estejam inseridas na Constituição.

Manoel Gonçalves Filho cita a lei eleitoral como sendo norma materialmente constitucional, contudo não gozam de supremacia jurídica como as normas formalmente constitucionais.

Os tratados internacionais sobre direitos humanos, anteriores à EC 45/04, por terem sido aprovados pelo quorum de maioria simples (aspecto formal) não podem gozar do mesmo status das normas constitucionais que são aprovadas por quorum qualificado de 3/5 em dois turnos de votação.

Numa Constituição formal e rígida todas as normas que integram o texto constitucional têm o mesmo valor (princípio da unidade da Constituição).

2. Quanto à forma:

Constituição escrita, positiva ou instrumental – é a constituição formada por um conjunto de regras sistematizadas e organizadas em um único documento, estabelecendo as normas fundamentais de um Estado. Ex.: as Constituições brasileira, portuguesa, espanhola etc.

Constituição costumeira (não escrita ou consuetudinária) – é aquela que, ao contrário da escrita, não traz as regras em um único texto solene e codificado. É formada por leis esparsas, costumes, jurisprudência e conveções, reconhecidos pela sociedade como fundamentais, como é o caso da Constituição da Inglaterra, em que parte das normas sobre organização do Estado são consuetudinárias.

Constituições escritas Constituições não-escritasElaboradas num determinado Elaboração histórica;

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momento;Elaboradas por um único órgão (Assembléia Constituinte)

Elaboradas por diversos órgãos (poder judiciário, legislativo e pelo povo – costumes)

Escrita em um único documento; Escrita em vários documentos (leis esparsas, jurisprudência, convenções etc.);

Quando dogmáticas ou prolixas, geralmente, são mais instáveis, quanto à reforma do texto constitucional.

Quando históricas, geralmente, são mais estáveis, quanto à reforma do texto constitucional.

São dotadas de supremacia formal

São dotadas de supremacia material

Obs.: É importante notar que, com o advento da EC nº 45, foi introduzido o § 3º, no artigo 5º, possibilitando que tratado internacional sobre direitos humanos possa ter força de norma constitucional, ainda que não esteja inserido formalmente na CF/88. Esse fato novo parece ter suavizado a condição de constituição escrita da atual Carta brasileira.

Art. 5º (...)§ 3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

3. Quanto à origem:

Outorgadas – são aquelas impostas, de maneira unilateral, pelo agente revolucionário (grupo ou governante), que não recebeu do povo a legitimidade para em nome dele atuar, ou seja, nascem sem qualquer participação popular, por meio da imposição do poder, e que por isso, são também conhecidas por Cartas Constitucionais. Foram constituições outorgadas no Brasil:

A Constituição de 1824 – Constituição do Império;

A Constituição de 1937 – inspirada em modelo fascista, extremamente autoritária (Getúlio Vargas);

A Constituição de 1967 – época da ditadura militar;

A Constituição de 1969 – resultante de EC 1/69.

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Promulgadas (votada, democrática ou popular) – é aquela constituição fruto do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte, eleita diretamente pelo povo, para, em nome dele, atuar. Nasce, portanto, da deliberação da representação legítima popular.

A Constituição de 1891 – primeira constituição da República;

A Constituição de 1934 – inserindo a democracia social inspirada na Constituição de Weimar;

A Constituição de 1946 – redemocratização do Brasil.

A Constituição de 1988 – redemocratização do Brasil.

Cesarista ou outorgada por interposta pessoa – é aquela formada por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um Imperador (plebiscitos napoleônicos) ou um Ditador (plebiscito de Pinochet, no Chile). A participação popular, nesses casos, não é democrática, pois visa apenas ratificar a vontade do detentor do poder. Também considerada como um modo de outorga por interposta pessoa.

Pactuadas – são aquelas em que o poder constituinte originário se concentra nas mãos de mais de um titular. Trata-se de uma modalidade anacrônica, dificilmente ajustando-se à noção moderna de constituição. A Constituição pactuada é aquela que exprime um compromisso instável de duas forças políticas rivais: a realeza absoluta debilitada, de uma parte, e a nobreza e a burguesia, em franco progresso, de outra. Ex.: a Magna Carta de 1215, que os barões ingleses obrigaram João Sem Terra a jurar.

Obs.: Qual a diferença entre Constituição e Carta?

Constituição: é o nomen juris que se dá à Lei Fundamental promulgada, democrática ou popular, que teve a sua origem em uma Assembléia Nacional Constituinte.

Carta: é o nome reservado para aquela Constituição outorgada, imposta de maneira unilateral pelo agente revolucionário através de ato arbitrário e ilegítimo.

4. Quanto à extensão:

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Sintética (concisa, breve, sumária ou sucinta) – é aquela que possui conteúdo abreviado, e que versa, tão-somente, sobre os elementos básicos de organização do Estado, isto é, sobre matérias substancialmente constitucionais. É o caso, por exemplo, da Constituição dos Estados Unidos da América, em vigor a mais de 200 anos, composta de apenas sete artigos originais e vinte e sete emendas.

Pinto Ferreira, analisando o constitucionalismo pátrio, indica a Constituição de 1891 como exemplo de sintética.

Analíticas (amplas, extensas, largas ou prolixas) – é aquela de conteúdo extenso, que versa sobre matérias outras que não a organização básica do Estado. Em regra, contêm normas substancialmente constitucionais, normas apenas formalmente constitucionais e normas meramente programáticas, que estabelecem fins, diretrizes e programas para a atuação futura dos órgãos estatais. É aquela, portanto, que aborda todos os assuntos que os representantes do povo entenderem fundamentais. Ex.: a Constituição brasileira de 1988.

Obs.: Motivos que determinam os países adotarem uma Constituição analítica, segundo Paulo Bonavides:

A preocupação de dotar certos institutos de proteção eficaz; O sentimento de que a rigidez constitucional é anteparo ao

exercício discricionário da autoridade; O anseio de conferir estabilidade ao direito legislado sobre

determinadas matérias; A conveniência de atribuir ao Estado, através do mais alto

instrumento jurídico que é a Constituição, os encargos indispensáveis à manutenção da paz social.

5. Quanto ao modo de elaboração:

Dogmáticas (sistemáticas) – sempre escritas, consubstanciam os dogmas estruturais e fundamentais do Estado, ou seja, partem de teorias preconcebidas, de planos e sistemas prévios, de ideologias bem declaradas, de dogmas políticos dominante no momento. São elaboradas de um só jato, reflexivamente, racionalmente, por uma assembléia Constituinte. Ex.: a Constituição brasileira de 1988.

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Históricas – (sempre não-escrita e flexível, porém menos instável que as dogmáticas). Constituem-se através de um lento e contínuo processo de formação, ao longo do tempo, reunindo a história e as tradições de um povo. Normalmente são juridicamente flexíveis, porém, social e politicamente rígidas. Ex.: a Constituição inglesa.

6. Quanto à alterabilidade, mutabilidade, estabilidade ou consistência:

Rígidas – são aquelas constituições que exigem, para a sua alteração, um processo legislativo mais árduo, mais solene, mais dificultoso do que o processo de alteração das normas não constitucionais. Todas as constituições brasileiras, exceto a de 1824 que foi semi-rígida.

Só há rigidez constitucional em Constituições escritas e só cabe controle de constitucionalidade na parte rígida de uma Constituição. Desta forma, é inadmissível controle de constitucionalidade nas Constituições flexíveis ou costumeiras.

Constituição super-rígida – é subespécie de Constituição rígida e caracteriza-se por possuir limitações procedimentais e materiais (cláusulas pétreas) ao poder de reforma. Essa classificação é adotada por Alexandre de Moraes que em razão da existência de normas imutáveis (cláusulas pétreas ou núcleo intangível) acredita que esta tem algo a mais do que uma Constituição rígida. Contudo, o STF entende que a existência de um nucleio intangível diz respeito apenas à constatação de que existem matérias que compõe a identidade da Constituição e caso fossem retiradas, a essência da Constituição seria abalada. Ex.: Constituição brasileira de 1988.

Desta forma, a rigidez constitucional não tem relação jurídica com a existência ou não de cláusulas pétreas, isto é, com a presença de um núcleo insuscetível de abolição na constituição. A rigidez ou flexibilidade da Constituição guarda relação, apenas, com o processo de modificação do seu texto. Assim, a constituição poderá ser rígida e não possuir cláusulas pétreas (todos os seus dispositivos podem ser abolidos, desde que haja obediência ao procedimento especial, mais dificultoso), ou, ao invés, poderá ser flexível e possuir cláusulas pétreas (admite alteração de seus dispositivos por processo simples, mas estabelece um núcleo insuscetível de abolição).

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Por fim, não há vedação à alteração das chamadas cláusulas pétreas, que podem ser atualizadas, acrescidas, alteradas e que, segundo alguns, podem até mesmo sofrer alguns pequenos ajustes desde que não retirem sua essência.

Flexível ou plástica – é aquela constituição que não possui um processo legislativo de alteração mais dificultoso do que o processo legislativo de alteração das normas infraconstitucionais.

Para Raul Machado Horta, Constituição plástica seria aquela que permite o preenchimento das regras constitucionais pelo legislador infraconstitucional. Desta forma, a Constituição plástica estaria em condições de acompanhar, através do legislador ordinário, as oscilações da opinião pública e da vontade do corpo eleitoral, visto que não existe hierarquia entre constituição e lei infraconstitucional, podendo uma lei infraconstitucional posterior alterar texto constitucional, se expressamente o declarar. A Constituição normativa não conflitará com a Constituição real. A coincidência entre a norma e a realidade assegurará a duração da Constituição no tempo.

Semiflexível ou semi-rígida – é aquela constituição que é tanto rígida quanto flexível, ou seja, algumas matérias exigem um processo de alteração mais dificultoso do que o exigido para alteração das leis infraconstitucionais, enquanto outras não requerem tal formalidade. Ex.: a constituição brasileira de 1824.

Imutáveis – seriam aquelas constituições inalteráveis, verdadeiras relíquias históricas. Nos dias de hoje se toma por absurdo um texto constitucional que se pretenda perpétuo, pois se destina a regular uma sociedade em contínua mutação.

7. Quanto à efetividade – é a classificação desenvolvida por Karl Loewenstein, conhecida como ontológica, se baseia no uso que os detentores do poder fazem da Constituição:

Constituição normativa – é aquela em que o processo de poder está de tal forma disciplinada que as relações políticas e os agentes do poder subordinam-se às determinações do seu conteúdo e do seu controle procedimental. Trata-se de uma Constituição efetiva, ou seja, ela determina o exercício do poder, obrigando a todos sua submissão. É aquela que consegue, efetivamente, regular a vida política do Estado, e estando

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em plena consonância com a realidade política, dirigir o cotidiano do Estado.

Constituição nominalista, nominativa ou nominal – é aquela que contem disposições de limitação e controle de dominação política, sem ressonância na sistemática de processo real de poder, e com insuficiência concretização constitucional, ou seja, ela é ignorada pela prática do poder. São aquelas que, embora tenham sido elaboradas com o intuito de regular a vida política do Estado, não conseguem efetivamente cumprir esse papel; são constituições em descompasso com a realidade do Estado, que não guardam correspondência com o cotidiano do Estado – embora tenham esse intuito;

Constituição semântica – é aquela que, desde a sua elaboração, não tem o objetivo de regular a vida política do Estado, mas sim de formalizar e manter o poder político atual, de dar legitimidade formal aos atuais detentores do poder; não tem ela a pretensão de limitar o poder real, mas sim de formalizar e manter o poder existente, ou seja, serve para justificar a dominação daqueles que exercem o poder político. As constituições semânticas são simples reflexos da realidade política, servindo como mero instrumento dos donos do poder e das elites políticas, sem limitação do seu conteúdo.

8. Quanto à ideologia

Ortodoxa – é aquela planejada sobre uma ideologia e não possui abertura para outras concepções, debates, contradições. Ex.: a Constituição Soviética.

Eclética – é a Constituição fruto de uma sociedade pluralista, que está fundamentada no pluralismo político, permite a coexistência de posições antagônica e assegura a liberdade de manifestação do pensamento, dentre outros princípios democráticos. Ela é fruto de contradições e contrastes de classes, possui normas principiológicas abertas, sujeitas a interpretação diversa e variável de acordo com os dogmas da classe dominante em um dado momento.

9. Quanto ao objeto

Liberal – é a Constituição que não traz política de desenvolvimento social, não se preocupa com o regime de produção ou com a regulação dos mercados.

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Social – é aquela que se preocupa com o valor do trabalho, com valores sociais, como o direito à educação, à saúde, lazer, moradia, meio ambiente e, principalmente, com a regulação da ordem econômica.

10. Quanto aos sistemas

Principiológica – alto grau de abstração, por isso se faz necessária a mediação concretizadora do poder constituído (legislador ordinário). Ex.: CF/88.

Preceitual – é a constituição que possui maior número de regras do que de princípios. Ex.: Constituição Mexicana.

11. Quanto à finalidade

Constituição-garantia – visa a garantir a liberdade, limitando o poder, ou seja, se preocupa em enumerar as garantias individuais frente aos demais indivíduos e especialmente ao Estado. São constituições tipicamente negativas (liberdade-negativa ou liberdade-impedimento) porque exigem um afastamento do Estado e não impõem conduta positiva do Poder Público. Ex.: a Constituição americana.

Constituição-balanço – refletiria um degrau de evolução socialista. Conforme a doutrina soviética que se inspira em Lassalle, é a Constituição que descreve e registra a organização política estabelecida e registraria um estágio das relações de poder.

Constituição-dirigente (programática) – é a que traz um projeto de Estado, ou seja, estabelece um plano para dirigir uma evolução política, anunciando um ideal a ser concretizado. O conceito de constituição-dirigente está diretamente relacionado à existência, no texto constitucional, das denominadas normas programáticas, que são aquelas que requerem dos órgãos estatais uma determinada atuação, na consecução de um objetivo traçado pelo legislador constituinte. Ex.: a Constituição portuguesa e a brasileira.

12 – Quanto ao critério sistemático

Reduzida – é a Constituição escrita em um único código, sistematizada.

Variada – é a Constituição que se encontra em textos esparsos.

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13 – Constituição expansiva – segundo Raul Machado Horta, a expansividade da CRFB/1988, em função dos temas novos e da ampliação conferida a temas permanentes, como no caso dos direitos e Garantias Fundamentais, pode ser aferida em três planos distintos:

Conteúdo anatômico e estrutural da Constituição – destaca a estruturação do texto e sua divisão em títulos, capítulos, seções, subseções, artigos da parte permanente e do ADCT;

Comparação constitucional interna – relaciona-se a CF/88 com as Constituições brasileiras precedentes, considerando a extensão de cada uma e as suas alterações;

Comparação constitucional externa – relaciona a CRFB/88 e as Constituições estrangeiras mais extensas.

Valendo-se de todos os critérios classificatórios acima expostos, podemos dizer que a Constituição brasileira de 1988 singulariza-se por ser: Formal; escrita, positiva, ou instrumental; promulgada, votada, democrática ou popular; analítica, ampla, extensa, larga ou prolixa; dogmática ou sistemática; rígida; normativa; eclética; social; principiológica; garantia e dirigente ou programática; reduzida; expansiva.

Elementos das Constituições

Segundo José Afonso da Silva

1 – orgânicos: são as normas que regulam a estrutura do Estado e do Poder:

Título III – Da organização do Estado; Título IV – Da organização dos poderes e do Sistema de

Governo; Capítulos II e III do Título V – Das Forças Armadas e da

Segurança Pública; Título VI – Da Tributação e do Orçamento.

2 – limitativos: manifestam-se nas normas que compõem o elenco dos direitos e garantias fundamentais (direitos individuais e suas

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garantias, direitos de nacionalidade e direitos políticos e democráticos):

Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, excetuando o Capítulo II do referido Título II (Dos Direitos Sociais).

3 – sócio-ideológicos: revelam o compromisso da Constituição entre o Estado individualista e o Estado Social, intervencionista:

Capítulo II, do Título II – Dos direitos sociais; Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira; Título VIII – Da Ordem Social.

4 – estabilização constitucional: consubstanciados nas normas constitucionais destinadas a assegurar a solução de conflitos constitucionais, a defesa da constituição, do Estado e das instituições democráticas. Constituem instrumentos de defesa do Estado e buscam garantir a paz social.

Art. 102, I, “a” – ação de inconstitucionalidade; Arts. 34-36 – Da intervenção nos Estados e Municípios; Arts. 59, I e 60 – Processos de emendas à Constituição; Arts. 102 e 103 – Jurisdição constitucional; Título V – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas,

especialmente o Capítulo I que trata do Estado de Defesa e do Estado de Sítio, já que os Capítulos II e III do Título V se caracterizam como elementos orgânicos.

5 – formais de aplicabilidade: encontram-se nas normas que estabelecem regras de aplicação das constituições.

Preâmbulo; Disposições constitucionais transitórias; Art. 5º, § 1º, quando estabelece que as normas definidoras dos

direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Segundo J. H. Meireles Teixeira

1 – Orgânicos 2 – Limitativos 3 – Programático-ideológicos4 – Formais ou de aplicabilidade

Funções da Constituição

Para Canotilho, a função da Constituição é, em suma:

Normatizar a Constituição do Estado; Racionalizar e limitar os poderes públicos; Fundamentar a ordem jurídica da comunidade; Estabelecer um programa de ação.

QUESTÕES

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01 – (FCC - 2009 - TJ-MS – Juiz) – Relativamente às espécies de Constituições, é INCORRETO afirmar quea) uma Constituição pode ter partes rígidas e partes flexíveis.b) Constituições escritas excluem a possibilidade de costumes constitucionais.c) toda Constituição rígida é escrita.d) toda Constituição costumeira é, ao menos conceitualmente, flexível.e) nem toda Constituição escrita é rígida.R - b

02 – (FCC - 2005 - PGE-SE - Procurador de Estado) – Consideradas as classificações das Constituições segundo os critérios de estabilidade e modo de elaboração, tem-se, respectivamente, que a Constituição brasileira de 1988 éa) histórica e formal.b) sintética e escrita.c) analítica e flexível.d) rígida e dogmática.e) material e semi-flexível.R - d

03 – (FCC - 2006 - DPE - SP - Defensor Público) – O termo "Constituição" comporta uma série de significados e sentidos. Assinale a alternativa que associa corretamente frase, autor e sentido.a) Todos os países possuem, possuíram sempre, em todos os momentos da sua história uma constituição real e efetiva. Carl Schmitt. Sentido político.Errada. "A doutrina que defendia isso era o sentido sociológico de Lassale, já que para ele, não importava qualquer documento escrito para que um país possuísse Constituição. A Constituição real e efetiva seria marcada pelo somatório dos fatores reais de poder, ou seja, as forças dominantes, as quais sempre existem e existiram em qualquer sociedade."b) Constituição significa, essencialmente, decisão política fundamental, ou seja, concreta decisão de conjunto sobre o modo e a forma de existência política. Ferdinand Lassale. Sentido político.Errada. "Essa é a concepção política de Schimitt não de Lassale, que era a sociológica."c) Constituição é a norma fundamental hipotética e lei nacional no seu mais alto grau na forma de documento solene e que somente pode ser alterada observando-se certas prescrições especiais. Jean Jacques Rousseau. Sentido lógico-jurídico.Errada. "Está correto dizer "sentido lógico-jurídico", mas quem disse isso foi Hans Kelsen. Rousseau era quem previa que o Estado derivaria de um "contrato social", nada tem haver com sentido jurídico de Constituição."d) A verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais do poder que naquele país vigem e as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam

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fielmente os fatores do poder que imperam na realidade. Ferdinand Lassale. Sentido sociológico.Correta. "É o que Lassale dizia. Se a Constituição não exprimisse o pensamento das forças dominantes, ela seria uma mera 'Folha de Papel'."e) Todas as constituições pretendem, implícita ou explicitamente, conformar globalmente o político. Há uma intenção atuante e conformadora do direito constitucional que vincula o legislador. Jorge Miranda. Sentido dirigente.Errada. "Jorge Miranda é um professor português cujas obras de direito constitucional são de grande relevância. Porém o sentido dirigente é defendido por Canotilho, segundo este autor a Constituição deve ser um plano que irá direcionar a atuação do Estado, notadamente através das normas programáticas inseridas no seu texto."

R - d

04 – (FCC - 2009 - MPE-SE - Analista do Ministério Público) - A Constituição brasileira de 1824 previa, em seus artigos 174 e 178:

"Art. 174. Se passados quatro anos, depois de jurada a Constituição do Brasil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escrito, a qual deve ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte deles.""Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos Poderes Políticos e aos Direitos Políticos e individuais dos Cidadãos. Tudo o que não é Constitucional pode ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias."

Depreende-se dos dispositivos acima transcritos que a Constituição brasileira do Impérioa) era do tipo semirrígida, quanto à alterabilidade de suas normas, diferentemente da Constituição vigente, que, sob esse aspecto, é rígida.b) previa hipótese especial de revisão constitucional, semelhante àquela contemplada no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição vigente, quanto a prazo e quorum para exercício do poder de revisão.c) impunha limites temporais, materiais e circunstanciais ao exercício regular do poder de reforma constitucional, a exemplo do que se tem na Constituição vigente.d) exigia quorum de maioria qualificada para propositura de emendas à Constituição por membros do Legislativo, diferentemente da Constituição vigente, que admite iniciativa isolada de parlamentares para proposta de emenda.e) poderia ser classificada como sintética e histórica, em oposição à Constituição vigente, que é analítica e dogmática.R - a

05 – (FCC - 2007 - MPU - Analista Administrativo) - Conforme a doutrina dominante, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é classificada como

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a) formal, escrita, outorgada e rígida.b) formal, escrita, promulgada e rígida.c) material, escrita, promulgada e imutável.d) formal, escrita, promulgada e flexível.e) material, escrita, outorgada e semi-rígida.R - b

06 – (FCC - 2004 - TRF - 4ª REGIÃO - Analista Judiciário - Área Judiciária - Execução de Mandados) - No que diz respeito à classificação das constituições, considerando- se a origem, observa-se que umas derivam do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte, composta de representantes do povo, eleitos com a finalidade de sua elaboração, sendo que outras são elaboradas e estabelecidas sem a participação popular, através de imposição do poder na época. Nesses casos, tais constituições são denominadas, respectivamente,

a) analíticas e sintéticas.b) outorgadas e históricas.c) históricas e dogmáticas.d) promulgadas e outorgadas.e) dogmáticas e promulgadas.R - d

07 – (FCC - 2009 - TRT - 7ª Região/CE - Analista Judiciário - Área Judiciária - Execução de Mandados) - A Constituição que prevê somente os princípios e as normas gerais de regência do Estado, organizando-o e limitando seu poder, por meio da estipulação de direitos e garantias fundamentais é classificada como:

a) sintética.b) pactuada.c) analítica.d) dirigente.e) dualista.R - a

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REFERÊNCIAS

BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. São Paulo: Saraiva, 2009.CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15ª Ed. ver. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 3ª Ed. ver. Ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2007.LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 12ª Ed. ver. Atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004.MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da. Direito Constitucional: teoria e 900 questões. 7ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2000.

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