Mih Lopes

PARALELAS

AraraquaraLetraria

2019

PARALELAS

PROJETO EDITORIALLetraria

PROJETO GRÁFICO EDIAGRAMAÇÃOLetraria

CAPALetraria

REVISÃOLetraria

LOPES, Mih. Paralelas. Araraquara: Letraria, 2019.

ISBN: 978-85-69395-48-51. Poesia;2. Literatura; 3. Poeta.

4

SUMÁRIONAS (PELAS) RETAS DA VIDA 6

LINHAS INFINITAS 8

Deus 9A fé que nos une 10

UNIDIMENSIONAIS 11

Pelo Dia das Mães 12Pai(drasto) 14Ao vovô de minha infância 15Pelo dia dos pais 17

TRANSVERSAIS 18

Rimas e trovas 19Poesia 20Semântica 21Ainda poética 22Meus versos 23Companhia 24Prece 25Meu revés 26Infortúnio 27Influências 28Só poesia 29Surpresa 30Não sou poeta 31Poética diversa 32Escrita 33Toda prosa 34Figuras 35Verbo 36Morfologias 37

5

COPLANARES 38

Os brancos e eu 39Toda cor é minha 41Estética 42Volitivas 43Em busca de mim 44Sentido da vida 45O melhor 46Receitinhas para felicidade 47Alheios 50O que quero da vida 51Histórias em mim 52Poeminha em construção 53Sorriso amarelo 54Declaração de amor 55Mon ami d’amour 56Sem mentiras nem rodeios 57Classificados 58Classificados II 60

PERPENDICULARES 61

Miniconto 62Nas letras de todo dia 63

SEMIRRETAS 64

Solidão 65Tempo 66Reflexões 67Mudança 69Estranhamento 70Despedidas 71Desilusão 72Sem você 73Um meio 74Desassossego 75Letargia 79Desejo 80Esperança 81

SOBRE A POETA 82

6

NAS (PELAS) RETAS DA VIDA

O poeta é um fingidor.Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.

Fernando Pessoa

Nascemos, crescemos e vamos vivenciando nossas histórias em uma sequência cronológica e linear a que chamamos vida. Nossa vida é uma linha reta, no tempo e no espaço de cada um de nós. Às vezes, sentimos que a linearidade se quebra: contratempos e reviravoltas nos dão a impressão de novos começos. Ah!, nas retas da vida, quantas curvas! Talvez as curvas façam a linha reta de nossa vida deixar de ser tão monótona. Pode ser que na quebra da linearidade estabelecida pelas curvas, encontremos a fé que precisávamos para seguir adiante, os tombos e arranhões que marcaram as melhores brincadeiras de nossa infância, a paixão responsável por resgatar o brilho de nossos olhos, a profissão que nos realiza, o mais profundo e verdadeiro amor, ou ainda aquela perda tão sentida que nos fez avaliar as retas por quais gostaríamos de continuar andando... Foi assim que surgiu esta singela coletânea, na qual apresento aos leitores um pouco da minha poesia, cuja inspiração sempre veio das curvas da linha reta da minha vida.

A inspiração para o título – Paralelas – não veio essencialmente das minhas tão amadas Letras. Ao buscar entender o que a poesia representa para mim e seu papel na linha da minha vida, percebi como um dos conceitos da Geometria parecia dizer exatamente tudo que ela fez por mim até hoje: seguiu paralelamente a minha vida desde a primeira vez em que li os versos de Fernando Pessoa usados como epígrafe desta apresentação. A poesia sempre ali, ao meu lado, seguindo paralela à minha vida. Na matemática de minha vida, cheia de retas e em meio a tantas curvas, a poesia seguiu na mesma inclinação

7

de minhas experiências: esteve presente, sempre na mesma distância, sem deixar de ser quista, sem deixar de ser vista, sem deixar de ser sentida, sem deixar de ser escrita. Por isso, a esta coletânea decidi chamar Paralelas.

Aqui o leitor poderá reconhecer outros nomes inspirados na Geometria: cada trecho recebeu o nome de uma reta, cujo conceito, acredito, seja representativo das poesias que o compõem. Assim, em Linhas Infinitas, as poesias são inspiradas naquilo que é mais infinito em minha vida: a minha fé. A fé nos momentos em que a reta da vida teimou em tornar-se curva foi o que me sustentou e me deu coragem para seguir em frente.

O trecho Unidimensionais traz as poesias inspiradas na minha família, o que me apresentou as dimensões do que sou e de tudo que eu poderia ser. Em casa, sempre tive, e ainda tenho, o amor e o incentivo para superar as curvas da vida.

Transversais são as retas que possuem intersecção com outras, em diferentes pontos; esse nome é o mais representativo do que significa a poesia para mim: toca-me em vários pontos, corta a reta da minha vida e marca as minhas experiências; por isso, nesse trecho estão as poesias metalinguísticas, cuja inspiração é a própria poesia, dos outros e a minha.

Em Coplanares organizei as poesias que me ocorreram como fruto de minhas vivências com outras pessoas no mesmo plano e no mesmo espaço; são poesias inspiradas na convivência e em tudo que pôde vir em decorrência disso, inclusive o amor.

Para o trecho Perpendiculares, separei as poesias inspiradas naquilo que há de mais preciso, exato e reto na linha de minha vida: minha profissão e suas Letras.

Por fim, as Semirretas, assim chamadas porque possuem início, mas não apresentam um fim, tornando-se ilimitadas em um dos sentidos, simbolizam as temáticas que acredito nunca terem um fim definitivo, pois a reta da vida sempre nos reserva alguma curva.

Eu encontro a poesia em tudo e desse tudo, muitas vezes, me ocorre a poesia. Tudo que corre paralelo à minha vida corre também com poesia. Paralelamente, vivo a poesia dos outros, nunca meus concorrentes, porque todo poeta é amigo daqueles que já foram ou dos que ainda o serão, algum dia. Perpendicularmente, fui tocada em vários pontos de minha existência: li poesia, escrevi poesia, ganhei poesia, fiz poesia. Para as retas de meu futuro, pretendo seguir fazendo poesia.

Mih Lopes

8

9

DeusNos olhos de uma criança, nos olhos de um albergado, nos olhos de um mendigo,nos olhos de um viciado, nos seus olhos e, quem sabe, nos meus também! No improvável, no inesperado! Surpreendente!!

10

A fé que nos uneNão há nada mais bonito que a fé!A multidão de desconhecidos reunida diante o altarEncanta, enternece, compadece...

A mesma emoção que me toca, toca o outroMinha face se inunda e lá na frente, Vejo os olhos marejados de uma senhora Suas lágrimas, talvez saudosas de algo ou de alguém Talvez felizes pela graça alcançada,Quem sabe somente gratas como as minhas.

Minha fala baixinha não me impede de ouvirOs balbucios dos que estão ao meu lado,Dos lábios que se mexem devagarinho, saem os pedidosDe bênçãos, de misericórdia ou mesmo do perdão.Na certeza de que há um ouvido que escuta a mim e aos demais,sussurramos por sabermos que bastam palavras,aquelas mais singelas, as ditas pelo coração.

Minha cabeça se levanta, procura o altoNo mesmo gesto do rapaz de azul, à minha esquerdaComo se nós fôssemos levados para um outro mundoOu como se todo aquele lugar, naquele momentoSe tornasse o céu, (de) para todos nós!

Nós que não nos conhecemosAinda podemos nos acolher em nossas crençasPorque não há nada mais bonito que a fé!

11

12

Pelo Dia das MãesMãe de filhos nascidos do ventre,Mãe de filhos escolhidos pelo coração,Mãe de enteados,Mãe de netos,Mãe de sobrinhos,Mãe de genros,Mãe de noras,Mãe de pais,Mãe que também é paiMãe de outras mães...

Mãe que acolheMãe que aqueceMãe que é feraMãe que se desesperaMãe que pressenteMãe que acalmaMãe que choraMãe que compreendeMãe que cala...

Mãe de filhos pequeninos, recém-nascidosMãe de filhos grandes, sempre meninos...Mãe de filhos ausentesMãe de filhos descrentesMãe de filhos que já se foramMãe de filhos que nunca mais voltaramMãe de filhos travessosMãe de filhos grosseirosMãe de filhos doentesMãe de filhos especiais

13

Mãe que perdeu a guardaMãe que ainda guardaMãe que rezaMãe que se expõeMãe que ensinaMãe que persisteMãe que não negaMãe que se reserva

Mãe que trabalha muitoMãe que fica em casaMãe que não vive mais fisicamenteMãe que não se apaga do coração...

Porque não há gesto mais bonito,Nem palavra mais sublime Do que “mãe”...

14

Pai(drasto)Não é o sangue o laço mais fortePai não é aquele de quem se herdam os genesPai é aquele de quem se recebe o amor, o carinhoPai é aquele que oferece cuidadoPai é aquele que ensina a verdadeira essência!Eu te amo meu pai,Nestes últimos 19 anosA vida talvez tenha sido menos fácilporque nela faltou sua presença físicaContudo, não faltou, nunca, jamaisTudo aquilo que você me ensinou!

15

Ao vovô de minha infânciaTeu pensamento era estratégicoTua inteligência era matemáticaFazia todas as contas de cabeçaPodia montar muitas engenhocasTeu saber não vinha dos bancos da escolaEra da vida,Das noites passadas carregando o filho com bronquite Nas costas,Das madrugadas consertando os trilhos da ferrovia,Das humilhações sofridas pela pouca riqueza,Das bravezas aprendidas na dura lida.

Teus olhinhos verdes, brilhantes e límpidosTodas as vezes se marejavamTua mão encurvadaAs nossas sempre apertavaTeus cabelos já branquinhos, feito painaNasceram de novoQuando ninguém mais esperavaTua pele finaDe roxos já se marcava

Lembro-me de teus pijamas de ficar em casa:Camisetinha velha e calça da barrada cortadaLembro-me das broncas de outroraQuando a casca do pão, Eu ainda criança, desprezavaLembro-me de tua conduta sériaE de teu olhar sempre molhadoLembro-me de todos os teus sofrimentosE ouço ainda a maioria de tuas poucas risadasBrigou contra um derrameReconstruiu um osso da bacia trincadaSofreu perdas físicas e fraturas na alma

16

Esperou por um montante merecidoTão tardiamente chegadoViu nascer até um tataranetoMas enterrou um filho muito amado

Como todos nós,Perdeu e ganhouSorriu e chorouBrigou e amouSempre tão intensamenteQue seus olhas facilmente transbordavam

Foi pai, foi avôEstendeu a mão, mas também a levantouFoi rude, foi gentil e doce,Aprendeu na marra e na lidaE tanto, tanto, me ensinou

Contou-me as histórias de teu tempoFalou-me da vida e de tantas angústias daquele velhoMostrou-me as dores escondidas no fundo do peitoRevelou-me as feridas cicatrizadas Confessou-me algumas verdades

Fez de mim uma neta, muito amadaHoje, partiu para uma eterna moradaDeixou-me aqui, desassossegada ...

17

Pelo Dia dos PaisHoje é dia de SAUDADEDaquelas que já doeram demaisDessas que continuam doendoE que ainda muito vão doer.E por falar em SAUDADEDaquelas que não se explicam Dessas que sempre me revisitamE que permanecerão pelos anos a fioSAUDADE maiúscula Parecida com aquela de muitos anos atrás Quando as viagens eram longasE o retorno demoradoSAUDADE imensaTão grande quantoO tamanho do abraçoSAUDADE finaComo o corte de uma navalhaDo dia da partida eternaSAUDADE escuraDas noites em que eu chorei baixinhoÀs escondidasLamentando a ausênciaSAUDADE doceSAUDADE mansaDe quem aprende a se deixarSeguir a vidaSAUDADE tamanha Do tamanho de uma saudade SAUDADE de ti, meu pai !

18

19

Rimas e trovasTantas rimas polvorosasNhoc-nhocGostosas de se trovarTantos versosTroc-trocBons de se cantarPoesia e músicaNuma sinfonia sem fimDuas flores feito as rosasPontos de luz num jardim

20

PoesiaLá,No intangível,No indecifrável,No real da língua...

De onde os sentidos emanamDe todos os ditosDo indizível...

Lá,Onde os sentidos se cristalizamDizem o que não querem dizer...O poeta escuta o silêncioTranscreve a ausênciaDecifra o vazioDiz o não-dito

PoesiaGênero por excelênciaToca o intocávelFura o impenetrávelContorna o obstáculoVaza sentidos múltiplosFala de maneira plena...

21

SemânticaNão é o som do ditoo que mais importa,tampouco a linhada escrita no papelImportam sim Os sentidos que emanamAqui,Ali,Ao léu.

22

Ainda poéticaPalavras insistentesatacam-me nas madrugadasNão retraioAbro a lataEscancaro a portaDeixo-as entrar (ou sair)?Poesia?Não faço não, seu moço!Prefiro as ave-marias...Mas se elas não se acanhamde sair de tão humilde artistaEscrevo entãoPara provar que tenho vida!

23

Meus versosOs versos surgemnos mais inesperados momentosse não insisto neleseles não se calame se dou ouvidosse multiplicam...Se alma de poetaou escrita amadoranão seisó sei que se me fazem felizesexterno-os eexternando-ossinto que o mundosabe um pouco mais de mim...

24

CompanhiaNada mais faz sentidoSe eu não fizesse o que façoDeixasse minha alma falarEm nada práticos versosPoesiaAmiga de minh’almaVersos meus companheiros de vida...

25

PreceBendita sejas Poesia verdadeiraQue chega sem ser esperadaAssusta, invade e surpreendePoesia astuta Das tardes acaloradasPoesia cristãDas horas de angústiaPoesia certeiraDos amores partidosPoesia sentidaDos olhares aflitosBendita sejas,Poesia da almaQue me refrigeraPoesia do coraçãoQue me acalmaPoesia dos outrosQue me emocionaPoesia minhaQue me vivifica

26

Meu revésEu enxergo versosFervo trovasInvento rimasSe não escrevesseNão seria euSe não me atrevesseNão escreveria

Os versos chegamAssim sem avisarTravam-me a menteFazem-me pensarOs versos mandamNão têm hora Não têm lugarOs versos sabemSem eles, não sei falarNão sei dizerNão sei amar

27

InfortúnioTem tempo que não escrevoSerá fantasia demais?Tristeza de menos?

Ficar feliz me deixa mais levepor isso há menos versos?

Sempre há o que dizer?Nem sei como escrever?

Não sei ...Só sei que quando queremsaem...

28

InfluênciasNão sei se fico, porque sou meio CecíliaSempre houve muita pedra em meu caminho,vai ver sou um pouco DrummondGuardo todas as pedras e vou construindo meu castelinhojá que sou Pessoa demais!Enxergo a tristeza da alvura doce do açúcar, porque sou bem GullarTento ser colo que acolhe,aproximando-me de Coralina

E acredito que todo amor é eterno enquanto dura,pois sou tão Vinícius!De tudo que passo, por todos que passam, sou passarinho, levo a vida à Quintana!

29

Só poesiaNão há poesia que não passePelo crivo das experiênciasPelas angústias dos contratempos Pelas dores de uma saudade...

Não há versos que não sejamResultado de desapegosFruto de amizadesCertezas de perdas

Não há infinitudeSem versosNão há vidaSem poesia

30

SurpresaMinha poesia é meio sorrateiraChega de mansinho e vai ficandoNão tem hora, dia marcadoNada nela é planejadoNem tudo nela faz sentidoSurge do inesperadoVem e se estabeleceConserta-se na gramáticaE se consolida na semântica ...

31

Não sou poetaComo Cecília cantouEu também cantoNão com tanta projeçãoNem com tamanha delicadezaNão canto por ser alegre,Também não sou tristeNem mesmo sou poeta...Meus versos coexistem nas ideiasPerpassam minha razãoNos meus devaneios doentiosNos meus delírios profundosAfloram em meio à emoção

32

Poética diversaDe poeta que não souQue tampouco pretendia serDa poesia que não é minhaMas invade meu serVivo escrevendo, Não para alguém ler...Escrevo porque me chegam versosInsisto porque me tentamProssigo por não resistirAo que aos outros seria tormento.

33

EscritaE enquanto escrevopassam pelas minhas ideias tantas lembranças...Sinto em mim muitas saudades...De um outroraque ficou e não volta,mas me trouxe até o local exatoem que estou eu, agora!

Do que não é para ser um poemaPoesia se torna

Lugar da ambiguidade e do afetoEscrita...Poderosa escritaEscrita conflituosa

Desejo de que tudo se torne compreensível em palavrasSonho de que o verboSe faça sentidoRepresentativo das ideiasque almejo traduzir

Sigo escrevendopor horas a fiosem sentir que o temponão corre somente no relógiomas também dentro de mim...

34

Toda prosaEstou aqui para fazer poesiaRimas, versos, glosas, talvez...Algo que me torne um pouco mais prosaAlgo que me revele um pouco do que sou

35

FigurasAssonâncias me interpelam Assombrando-me pela essência de meus medosAliterações me perturbamPor profícuos profusos e profanosPontos poéticos de meus poemasMetáforas de amor e de sonhoRimas de cores e sentidosEufemismos que me acalmamHipérboles que extrapolam minhas dores mais profundasMetonimicamente sofre saudadesEm sons e verbos alheiosIronicamente rio de mim mesmaCatarse ...CredosCatacreses do que não se nomeia de outro modoAntíteses do que não se sabe ao certo o que se senteSímiles, comparaçõesDaquilo que se viveu Paradoxos infindáveis entre o que se viveO que se respira e o que se sente

36

VerboA necessidade de um infinitivo amarPerpassa O particípio tranquilo de ser amadoPerfazO imediatismo do gerúndio amandoMantém-se No presente indicativo de um amoAlimenta-se De subjuntivos incertos ame, amasseSuspira Por um futuro do pretérito, amariaLudibria-seNa imperfeição de um pretérito, amavaFinda-se Na ação finita do passado perfeito, amei

37

MorfologiasSubstantivos me chegamEsperando um lugarOnde possam fazer sentidoOnde possam se colocarAdvérbios me incomodamQuerendo se estabelecerReafirmando modos e intensidadesMoldando meu serVerbos e pronomes me são castos, Por vezes, (in)tolerantes,Noutras, nem sei escrevê-losAdjetivos querem ser impactantesSe encaixam, se misturam, Vão dando cor, criando graçaConceituando o amor...Artigos soltos, numerais perdidosInterjeições representativas da falaConjunções que me conectam Preposições que me norteiamPalavras amigas,Regras insanasNorte?! Sorte ...

38

39

Os brancos e euHá alguns anos,o primeiro apareceuSorrateiro, como alguém despretensiosoSem dizer a que veioSem dizer que logo mais Outros trariaE muitos vieram, logo depoisEstabeleceram-se

De início, assassinei todos os miliantesDepois, disfarcei-os sob as luzes douradasDe raios luminosos e solaresTentei matá-losArranquei-os um a umSem pressa, sem dóMas eles e euFomos amadurecendo nossa relaçãoEntre conflitos e revoltasEles foram ficandoEntre lamentos e aceitaçãoEles seguiam brilhando

Que vida é estaQue tão cedo nos oportuniza os cabelos brancos?Que genética é estaQue tão logo os trazem,Quando sentimos que ainda não cabem em nós?Não expressam minha idade,Não legitimam meu amadurecimento...Olha, lá, respeitem meus cabelos brancos!Nem isso!

40

Que dito é esse que diz que nos homens é charmeNas mulheres, desleixo?Machismo, Intolerância,Inconsequência!Rudeza de alma,Inaceitablilidade do tempoDecrepitude de uma mocidadeQue há pouco pairava por aqui...

Não me sinto velhaMeus cabelos brancos não me dizem issoDizem-me tantas outras verdades:Passados sentidos Pedaços suados!No branqueamento de meus cabelosPlenitude,Certeza de que da vidaAinda não se passou nem a metade.

Eu quero a brancura de todos os fiosQue o tempo me reservaEu quero o grisalho em toda minha cabeçaEnquanto houver vidae dela eu gozarQuero meus fios branqueandoComo noites ao luar...

41

Toda cor é minhaEm um dia quenteVisto azul porque me acalmaEm dias ruinsO preto me agradaOculta a tristeza da almaNos meus melhores diasEscolho o brancoPara replicar o que sintoOs rosinhas e os nudes, ah, sim!Esses aparecem com frequênciaRessaltam toda a elegânciaAté nas unhas, eles vão pararOs verdes, naqueles dias em que queroFazer-me mais bonita, Para com meus olhos combinar!Amarelo, ora bolas, não me escapa!A cor da força que irradia E me faz iluminar.Visto o que eu quiserA cor que me representarVermelho? Especialmente se eu quiserResistir e ousar!

42

EstéticaNão há botox suficiente Para preencher os vincos deixados por uma desilusãoNão há drenagem algumaCapaz de desinchar o corpo da amargura recebidaNão há lipoescultura que corte em definitivoOs excessos da decepçãoNão há rinoplastia que ajeite o nariz De quem caminha com a cabeça baixaDepois de perder as esperançasNão há cirurgia capaz de corrigirAs pálpebras caídas de tristezaNão há tratamento estético que dê jeitoNos efeitos do desamorPorque não inventaram aindaProcedimento algum que corrija o caráterIntervenções que derrubem as máscaras sociaisNem operação que reconstrua o sentimento na íntegra

43

VolitivasNão quero a urgência das certezas nem a demência de muitas verdadesquero o riso que chega sem ter sido planejadofora do controle desconsertadodescompassado

Definitivamente, não quero estar no comandonão quero viver sob controleQuero a simplicidade de cada minutoQuero enxergar além da complexidadeSem definições pré-concebidasSem determinações muito elaboradas

Quero dizer que estou seguindomesmo em caminhos (des)feitosQuero dizer que estou indoQuero dizer que estou vivendomuito mais do que somente existindo!

44

Em busca de mimQuando eu crescer como pessoaE olhar para trásVerei estes dias de tanta teimosia...Por que ainda abro mão de mim?Por que não encontro mais meus sonhos?Por que deixei que o vento me guiasse?Quero de volta meus caminhosAqueles que enterrei na areia branca de minha infânciaAqueles que não ousei sonharQuero a liberdade de ser eu mesmaA felicidade dos meus planosA simplicidade da criançaQue eu era, que sou, mas que escondi de mim por todos estes anos...

45

Sentido da vidaOlhar o horizonte E encher-se de planos...Mas, no final, Não há garantiasNem meio termosNem muitas singularidadesSó há utopias E algumas quimeras de resistência

Para ser o que somos, de fato,e para honrar aquilo que verdadeiramente sentimosAs lutas são diárias e inconstantesUm eterno querer-serSer-sem-quererUma busca inefávelpelas sandálias perdidase pelos andares dispersos

Verdades aguadas de sonhos multicoloridosNada é exatoNeste leque de incertezas

46

O melhorReservas de vida e vinho Guardadas não geram felicidade Só há uma razão de ser neste mundo Fazer acontecer aquilo em que se acreditaNão sei se consigo Talvez não dê Vou e tentoQuando se tem uma vontade E se corre atrás de um saber As reservas se esgotam Você é que faz a vida acontecer...

47

Receitinhas para felicidadeHei, você, que só tem 19 anosSeja ousada, mas continue sendo além dos 80, 90...Não deixe que te digam para onde deve irEscolha o teu caminho.Jamais, acredite num único destinoA predestinação não existeNem mesmo o Naturalismo a provou...Faça tudo que quiser, mas cuide-se!Chupe manga e beba leite por cimaSolte suas pipas em terrenos baldiosPegue caronas, Viaje para lugares onde nunca esteve antesCompre um jeans caro, Tome chuva,Ouça música altaPinte o cabeloE pelo menos uma vez na vida,Tome a decisão erradaSua felicidade pode estar nela...Pense menos e faça do seu coraçãoSeu único conselheiro.Medo? Não sinta, de nada, nem de ninguém!Seja corajosa para suas próprias decisões.Plante uma árvore dentro de sua almaPara que ela cresça regada por suas emoçõesEscreva um livro de suas aventurasMesmo que você não conheça todas as regras gramaticais para isso.Escolha chamar Deus pelo nome que mais lhe agradarEle não vai te castigar por isso, mas acredite nEle sobre todas as coisas.Voe de avião, de asa delta, ou de paraglaider, mas voe!Não escolha seus amigos a dedo, Nem sempre eles serão sua melhor companhiaChore, quando e sempre que quiser chorarRia, para que todos ouçam sua felicidade

48

Estude, isso vai fazer muita diferença!O mais importante é isso: conheça a ti mesmaSeja irresponsável, mas só de vez em quandoSeja flexível, sempre, porque a rigidez enferruja os ossosPerdoe e sinta-se sempre incapaz de julgar.Conte carneirinhos para dormirPague mico contando piadasAnde de trem por trilhas na mataFaça rapel, tirolesa, escaladaEu nunca fiz, ainda, mas deve ser ótimo!Passeie de mãos dadasNamore no banco da praçaToque um instrumento, ainda que sejaSó na fanfarra do colégioPasse um dia inteiro na cama curtindo preguiça, você merece!Não engane os outros, mas especialmente,Não engane a si mesmaVocê não conseguirá viver em paz se isso acontecer.Quando sentir o amor passandoAgarre-o, Se for só paixão, curta-aMas liberte-se e liberte o outro se um dia ela acabarJamais deixe que decidam por vocêE também não queria decidir pelo outro,Melhor ainda, jamais obrigue alguém a fazer algo que não quer,Jamais obrigue-se a fazer, isso seria mesquinho.Seja autêntica e verdadeira, mas saibaEscolher palavras que machuquem menosDance, pule. Imagine que ganhou na megasenaComa chocolate sem contar as caloriasPule corda, jogue vídeo game.Brinque com uma criança,Ouça as histórias de um idosoSeja perseverante, porque as metas nem sempre são fáceis de se alcançar.Seja gentil e educado, todos merecem respeito

49

Assim, você sempre será respeitadoAme, em gênero, número e grau!Ame diariamente, ainda que seja um passarinhoUm livro, mas melhor ainda se você amar alguém todos os dias.Preocupe-se somente com isso, amarPois a consequência inevitávelVivendo assim é ser amado pela vida todaSeja feliz, na casa em que viver, com o carro que tiver Com a profissão que escolher.Seja feliz, porque a vida só vale pela felicidade!

50

AlheiosComo Drummond sentiuEu também sintoTodas as coisas desse mundoTodos os sonhos que não puderam ser sonhadosTodas as cores que ainda não puderam ser vistasTodas as dores já sentidas

Do homem que Bandeira compadeceu-sePorque revirava o lixoTambém eu me compadeçoSei que ele me tocaE sei como me sinto

Naqueles olhares vaziosAinda se vê a esperançaNaquela pele sujaA verdade de um mundo cruelSoberano para uns e sombrio para tantos

Num sentimento que somente duas mãosNão suportamUma profunda tristeza sobre mim se abateDesânimoVergonhaCompaixão...

No lixão, histórias dos sacos rasgadosDe tantos gritos ouvidosDos ditos malcriados de um olhar desrespeitosoDa ignorância alheiaSomos nós mais podresQue os restos recolhidos Somos nós mais pobresQue aqueles por nós esquecidos ...

51

O que quero da vidaEu quero lençóis de cetimE flores frescas pela casaCafé da manhã na camaPresentes fora das datas...Quero amor, quero afetoCarinho e companheirismoQuero um apartamento com sofás vermelhosEnormes almofadas espalhadas pela salaDeitar e sentir todos os cheirosEu quero sofrer encantos ...

52

Histórias em mimTenho em mim grandes históriasAs minhas - vividasAs alheias - sentidasPorque estar ao ladoÉ empatiaEstar pertoÉ ser calmariaFicar juntoÉ socorrer o outroTodo santo dia...

E nos dias menos santosQuem grita sou euPorque nem todo diaTraz vitóriaNem toda horaÉ de glóriaNem toda gente é amiga.

E assim,Vão se formandoOutras novas histórias em mim...Pois o que importa mesmoÉ que a vida seja De muitas históriasDe novos (re)começos,De muitos meiosSempre um novo sim ...

53

Poeminha em construçãoO amor não énada daquiloque pensei que fosseNão é rompantenão é turbilhãoAmor é doceSuaveAmenoChega e acomodaFicaCria laçosTransbordaDerramaDeixa cheiro no arFixa sons no pensamentoEterniza momentos na memóriaÉ porto seguropacatosereno

54

Sorriso amareloMinha vida, meu tormentoVivo preocupada com o que vão pensarSe me virem sofrendoNão me incomoda o que pensamQuando me veem sorrindo?O sorriso às vezes escondeTodas as tristezas de um dia

55

Declaração de amorQue lindo isso!Disse Eustáquio.O quê?Perguntou VenceslauO seu jeito

56

Mon ami d’amourAmor amigoAmigo amorAmor, amigo amorAmigo, amor amigoAmor, amigo, amorAmigo, amor, amigo...Amor antigoAntigo amigoAmor contigoAmigo, amor, amigo...

57

Sem mentiras nem rodeiosSou estaQue estás a verAlém dos olhosOu não, Se não me enxergaresCom sua almaNão me olhes com paixãoSe não souber me manter ao seu ladoNão me olhes com perdãoSe tiveres me magoadoNão me chames de amorSe não for de verdadeNão me faça lisonjasSe for tudo armadoNão me roube beijosSe não os quiser maisNem se atreva a me despentearSe não souber me reconhecer na multidão

58

ClassificadosProcura-se um amorPara fazer caminhadaOuvir Djavan E jogar queimada...Procura-se um amorPara se beber Coca-ColaCantar TitãsE bater bola...Procura-se um amorPara se contar piadasChegar tarde em casaE dar boas risadas...Procura-se um amorPara se comer doce de leite de colherChupar bala moleE falar do que se quiser...Procura-se um amorPara se assistir a um faroesteFicar de pijama o dia inteiroE tomar sorvete no pote...Procura-se um amorPara ler Drummond Chorar por sentir saudadeE mandar mensagem...Procura-se um amorPara se comer fruta no péDeitar no coloE descobrir o que se é...Procura-se um amorPara se apertar o narizAndar de mãos dadas E ser mais feliz...Procura-se um amorPara bagunçar com as crianças

59

Dormir bem agarradinhoE nunca mais se sentir sozinho...Procura-se um amorQue acorde de madrugada.Goste de poesiaE entenda um pouquinho de filosofia...Procura-se um amorQue mande floresEscute JobimE ame sem temores...Procura-se um amorQue fale de pazNão crie intrigaE seja sagaz...Procura-se um amorDaqueles bem gigantesQue mude toda uma vidaEm apenas um instante...Procura-se um amorPara se passear com o cachorroE me chamar de namorada...Procura-se um amorPara sair e jantarE correr na chuvaQuando se desejar...Procura-se um amorPara ajudar a fazer as malasPara trazer esperançaPara treinar a tolerância...Procura-se um amorQue deixe a vida menos sem graça...Procura-se um amor...

60

Classificados IIProcura-se um companheiroQue goste do cheiro do matoE queira soltar pipa com as criançasProcura-se um parceiroQue queira passear no campoE tomar banho de cachoeiraProcura-se um namoradoQue brinde a felicidadeE beba uma taça de champanheProcura-se um amadoQue jogue carteadoE curta samba, rock e bluesProcura-se um amor...

61

62

MinicontoLíngua, linguagem e falaMisturam históriasRecontam saudades

63

Nas letras de todo diaLetras, palavras, textos...Discurso, enunciação...Tradição, arte, cultura...Ciência, política, filosofia...Literatura, cinema, música...Antropologia, sociologia, ideologia(s)...Sentimento, amor...Fé...São muitas as Letras nossas de cada dia!

64

65

SolidãoCertas dores doem mais do que outrasEu não sei se ficoSe passoOu se deixo passarTodas as coisas que me feremTodas as coisas que me doemTodas essas que aí estãoTeimando no meu caminhoQueria que elas passassemQueria meu eu sozinho

66

TempoQuanto tempo ainda nos restaPara aprender a ser feliz?Quanto tempo ainda nos faltaPara esquecer de saudades?Eu que só tenho este tempoSem tempo para o meu tempoFico com tempo de sobraDe desespero e de saudade

67

ReflexõesEu sempre vejo a chance de recomeçar a vida do zeroDeixar para trás tudo que viviE viver tudo de novoSem medos, sem amarras, sem receios, sem contradições...Tanta gente por aí tentando tomar conta da vida da genteTentando nos submeter a seus costumesÀs suas regras, aos seus certos e erradosQuerendo viver por nós,Amar por nós,Escolher por nós ...Tantas vezes nos condenam por quererem ser Exatamente o que somosQuerem ser capazes de ousar, arriscar sem temerPor que querem viver minha vida?Atrevo-me a achar que sou feliz demaisNão me prendo a respostas prontasNão gosto dos caminhos pré-traçadosNão me contento com as infelicidades.Sigo o caminho do meu coração,Ouço-o todas as noites falando,Batendo, rezando...Sinto o ardor do fogo que tenho dentro deleBuscando a vida incessantemente.Dou minhas cabeçadas,Atrevo-me aos meus errosReflito, mudo, aprendo.Faço o que acho que deve ser feitoEntrego-me a cada dia aos meus sonhos, aos meus desafios.Várias vezes fiquei sem chão,Cheguei outras tantas ao fundo do poço,Caí das nuvens e sim, o mundo já desabou na minha cabeça...Senti o peso da solidãoArfou-me o vazio do peitoChorei sem parar de tanta saudade...

68

Mas renasci, revivi, renovei-me!Eu mudei e mudo todo santo diaMinha felicidade é proporcional a minha transformação.Sou frágil, mas sei ser forte.Sou pequena, mas sei fazer-me grandeJá passei dos trinta, mas mantenho minha criança viva...Tenho todas as dúvidas do mundo,Sofro todas as incertezas, Ainda assim, sei resgatar minha fé!E que minha mudança seja a única coisa permanente...

69

MudançaEu andeiTu andasteEu fiqueiTu passasteEu viviTu sentiste?Eu renasci

70

EstranhamentoSão estranhas as minhas estratégiasSão improváveis os meus caminhosSão lúdicos os meus desejosSão pincéis meus desafios

Sou de ferro, mas sou frágilSou de gelo, mas me queimoSinto muito e penso muito, muito mais...Falo pouco, mas digo tudoQuero e façoPreciso, eu luto

Se vem pedra, desvio-meMudo a rotaNunca miro, retiro-meSem disputasSem rinhas

71

DespedidasSim, a vida vale muito!No entanto, pode esquivar-seNum vão momento...

Todos que aqui estamoscorrendo contra o tempoo que nos espera?

A certeza menos consciente...O mais indesejado dos fatos ...O tão impremeditável acontecimento...

O inesperado é que nos aguarda!Frente a ele,todo o futuro se esmorece.

Um súbito instante bastapara que o fio se desfaça.Tristeza...Saudade...Passamento...

Em um preciso lugarEm uma exata hora tudo se esvaziaViagem...Passagem...Passamento...

72

DesilusãoEstou fartaDessa educação comedidaDe tanta bajulação descabidaDe toda polidez mascaradaDe tanta consideração barataDessa gente que não me conheceQue tampouco me enxerga na essênciaQue não sabe de onde vimNem para onde estou indo

Estou secaDesse pouco amor correspondidoDe tanto resto que me é destinadoDe todo amargor que me é dirigidoDesse sentimento que diz ser tudoQuando no fundo é nada

Estou cansadaDessa rotina sem graçaDe uma vida que não é vidaDe tudo que não passa De pura automação diária

Estou arrependidaDe minhas escolhas insanasAmargas...

Estou repleta de felNa beira do meu abismoDe lá, grito!Mas não espero o resgate.

73

Sem vocêO que é que se fazPara esquecerQuando o que se sente é amor ...O que é que se fazPara curarQuando o que dói é a saudade...O que é que se fazPara unirQuando o que separa é a distância...O que é que se fazPara acalmarQuando o que machuca é a lembrança...O que é que se fazPara aquietarQuando o que sofre é o coração...O que é que se fazPara esquecerQuando o que lembra não é a memória...

74

Um meio Quando você partiuE aí acabou o nósFicou o euQue não sabeSe é a sua metadeOu a minhaFicou o euQue não sabeSe sente saudadeOu apenas lembraFicou o euQue não sabeSe chora caladoOu respira aliviadoO eu fechadoTrancadoAmarguradoOu o euVivoAtivoApaixonado

75

DesassossegoHoje eu entendi Mais do que nuncaToda falta que você me fazToda falta que você me fez Até hojeNada que se possa resumirApenas em falta físicaFalta do olhar de meninoDa mão de homemDo seu carinho como o de paiFalta da sua segurançaDo nosso compromissoFalta da nossa cumplicidadeDa nossa intimidadeFalta de tudo que nem fizemosDas vezes que não passeamos de mãos dadasDos bancos de praças em que não nos sentamosDas coisas que não falamosCoisas que não precisavam serem ditasTudo que se entendia num olharTudo que se percebia num único gestoHoje, anos e anos depoisDe coisas diferentes, de lugares tão estranhosOnde nem estivemos juntosAinda assim dói você não estar comigoPessoas gentis, outras grosseirasRosas, flores, brigasAmores, romances...Nada, ninguémNunca será como foiNunca é como eraNada tem cor, tudo someNa primeira semanaTudo acaba na primeira dor

76

E você que ainda dóiE você doeu tantas outras vezesEnraizou-se, petrificou-seVocê não acabaVocê renasce sempre com mais forçaDo que antes,Você aperta, você sufocaVocê me dá tanto medo...Medo de que não vou poder nunca te esquecerMedo de nunca mais te verMedo de sempre sofrer.Medo de não aceitar outra coisa da vidaQue se me tirou vocêSabia o que faziaMedo de não ter feito o que era certoQuando ainda podiaMedo de estar deixando o tempoPassar demais sem reagir.Medo desta inércia a que você me obrigaMedo desta falta de atitudeDesta ausência de ousadiaMedo do marasmoDe dias sempre iguaisDe madrugadas sempre friasMedo de não saber entregar o coraçãoA quem talvez merecesse mais do que vocêMedo de ter medo de chorarMedo de não se arriscarMedo de me surpreenderMedo de que todo este medo ainda só vá crescerMedo desta vida sem planosDestes romances sem rumoMedo de não haver mais aquiloQue com você era tão completoMedo de não me imaginar rumo ao altar que era nossoMedo de ir para o altar sem ter imaginadoMedo de ter filhos que não sejam tão queridos

77

Como seriam os que fossem nossosMedo de envelhecer sozinhaOu numa relação convenienteMedo de nunca mais me apaixonarDe nunca mais saber tocarComo eu tocava vocêMedo de que as coisas nunca mudemDe que tudo continue exatamente no mesmo lugarDo mesmo jeitoMedo de nunca mais ver olhosComo via os teusTodo aquele amor que haviaQuando a gente se olhavaMedo de não respeitar e nem ser respeitadaMedo de que a vida valha nadaSeja calma demaisTranquila demaisQuando na verdade o que precisariaEra de busca, de lutaMedo de ir deixando ficar assimMedo de culpar o destinoDe culpar a própria vidaMedo de que daqui a dez ou mais anosJá não haja realmente mais nada para se fazerMedo de que agora realmente já não seja possível fazer nada.Medo do que ficou para trásDos fantasmas que me rondamDos traumas que me cercamDa falta de opinião no presenteMedo de errarErrar continuandoErrar parandoMedo do futuroSeja ele qual forMedo de esquecer do seu rostoComo quando as pessoas morremE as lembranças que temos

78

Vão se apagandoMedo de passar a achar normalQue eu esteja esquecendo sua feiçãoMedo de achar natural Eu ir me esquecendo de como era teu corpoDa cor de teu cabelo, do perfume que você usavaMedo de me acostumar com a ideia de te esquecerSem meu coração ter te esquecidoMedo de que eu fique cada vez mais longeQue eu conheça cada vez mais pessoasQue eu me esforce em trabalhosQue eu conquiste ideaisSem poder ter pelo menos a chanceDe reconquistar vocêMedo de que o mundo fique muito grandeDe forma que nunca mais nos reencontremosOu de que ele seja pequeno demaisE um dia a gente se encontre ocasionalmenteNuma rodoviária ou aeroporto da vidaMedo de que seja um encontro frioMedo de não sabermos o que dizer um ao outroMedo de não podermos mais dizer nadaMedo de já termos envolvido terceiras pessoasQue não serão nunca culpadas Pelos nossos desencontrosMedo do que a vidaVai fazer da nossa vidaDaqui para frente...

79

LetargiaCada um na suaAcho que ninguém na minhaCada um na deleAcho que ninguém na minha Cada um na minhaAcho que eu na de ninguémTodo mundo comigoMas eu continuo sem alguém

80

DesejoAh! Você! Sentado aí nesse canto do sofácheio desse olhar permanente que me diz sem cessar “Eu te amo”Esse olhar que é tão seume olhando andar pela casasaída do banho, ainda nuadesperta em mim a certezade que, ainda, sempre sou tão sua.

Ah! Você!Olhando para mim daí da sala de estarcom esse sorriso que diz sem parar “Eu te amo”acende em mim um desejo doce e quenteque ainda e sempre só você vê e sente.

81

EsperançaBem-vinda solidão de quem não amaBem-vinda certeza de quem sabeQue sempre é possível amar...

82

83

Michelle Aparecida Pereira Lopes é Doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos (2017); mestra em Linguística pela Universidade de Franca (2013) e graduada em Letras Português/Inglês e suas respectivas literaturas, pela Universidade do Estado de Minas Gerais – Unidade Passos (2008). Desde muito jovem, desenvolveu o gosto pela literatura, especialmente as poesias. Começou a escrevê-las na adolescência e não parou mais. Considera a poesia essencial à vida humana.

Publique seu e-book com a gente!

85