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Câmara dos Deputados Brasília | 2014 Comissão de Educação MILTON SANTOS Vida e Obra

Milton Santos Vida Obra

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Biografia de Milton Santos, palestras na Câmara dos Deputados em Brasília em 2010.

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  • Cmara dos Deputados

    Braslia | 2014

    Comisso de Educao

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    Vida e Obra

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    Vida e Obra

  • Mesa da Cmara dos Deputados 54 Legislatura 4 Sesso Legislativa 2011-2015

    PresidenteHenrique Eduardo Alves1 Vice-PresidenteAndr Vargas2 Vice-PresidenteFbio Faria1 SecretrioMrcio Bittar2 SecretrioSimo Sessim3 SecretrioMaurcio Quintella Lessa4 SecretrioBiffi

    Suplentes de Secretrio

    1 SuplenteGonzaga Patriota 2 SuplenteWolney Queiroz3 SuplenteVitor Penido4 SuplenteTakayama

    Diretor-GeralSrgio Sampaio Contreiras de AlmeidaSecretrio-Geral da MesaMozart Vianna de Paiva

    LeandroMquina de escrever

    LeandroMquina de escrever

  • Cmara dos DeputadosComisso de Educao

    Milton SantosVida e Obra

    Seminrio sobre o gegrafo Milton Santos re-alizado em 2010 pela ento Comisso de Edu-cao e Cultura da Cmara dos Deputados.

    Centro de Documentao e InformaoEdies CmaraBraslia 2014

  • Cmara dos Deputados

    Diretoria Legislativa Diretor Afrsio Vieira Lima FilhoCentro de Documentao e InformaoDiretor Adolfo C. A. R. FurtadoCoordenao Edies CmaraDiretora Helosa Helena S. C. AntunesDepartamento de ComissesDiretor Slvio Avelino da SilvaDepartamento de Taquigrafia, Reviso e RedaoDiretora Daisy Leo Coelho Berqu

    Projeto grfico Paula ScherreDiagramao e capa Diego Moscardini

    Cmara dos DeputadosCentro de Documentao e Informao CediCoordenao Edies Cmara CoediAnexo II Praa dos Trs PoderesBraslia (DF) CEP 70160-900Telefone: (61) 3216-5809; fax: (61) [email protected]

    Milton Santos [recurso eletrnico] : vida e obra / Cmara dos Deputados, Comisso de Educao. Braslia : Cmara dos Deputados, Edies Cmara, 2014.73 p. (Srie comisses em ao ; n. 13)

    Seminrio sobre o gegrafo Milton Santos realizado em 2010 pela ento Comisso de Educao e Cultura da Cmara dos Deputados

    ISBN 978-85-402-0034-0

    1. Santos, Milton, biografia. 2. Gegrafo, biografia. I. Brasil. Congresso Nacional. Cmara dos Deputados. Comisso de Educao. II. Srie.

    CDU 929

    SRIEComisses em ao

    n. 13

    Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)

    Coordenao de Biblioteca. Seo de Catalogao.

    ISBN 978-85-402-0033-3 (brochura) ISBN 978-85-402-00

    34-0 (e-book)

  • Smario

    Membros da Comisso de Educao e Cultura 2010 7

    Membros da Comisso de Educao e Cultura 2011 9

    Membros da Comisso de Educao e Cultura 2012 13

    Membros da Comisso de Educao 2013 17

    Apresentao 21

    Prefcio 23

    Participantes do Seminrio 25

    Seminrio 27

  • 7MEMBRoS DAComisso de Educao e Cultura 2010

    Mesa da ComissoPresidente Angelo Vanhoni PT/PRVice-Presidentes Paulo Rubem Santiago PDT/PE

    Antonio Carlos Chamariz PTB/ALPinto Itamaraty PSDB/MA

    Composio da ComissotitUlaRES SUPlEntES

    Alice Portugal PCdoB/BA Alceni Guerra DEM/PRAngelo Vanhoni PT/PR Andreia Zito PSDB/RJAntnio Carlos Biffi PT/MS Angela Portela PT/RRAntonio Carlos Chamariz PTB/AL Antonio Jos Medeiros PT/PI

    Ariosto Holanda PSB/CE Bonifcio de Andrada PSDB/MGtila Lira PSB/PI Charles Lucena PTB/PEBrizola Neto PDT/RJ Dalva Figueiredo PT/APCarlos Abicalil PT/MT Eduardo Barbosa PSDB/MGClvis Fecury DEM/MA Gilmar Machado PT/MGElismar Prado PT/MG Joo Oliveira DEM/TOFtima Bezerra PT/RN Jos Linhares PP/CEFernando Chiarelli PDT/SP Ldice da Mata PSB/BAGasto Vieira PMDB/MA Lira Maia DEM/PAIran Barbosa PT/SE Luiz Carlos Setim DEM/PRJoo Matos PMDB/SC Luiza Erundina PSB/SPJoaquim Beltro PMDB/AL Marcelo Ortiz PV/SPJorge Tadeu Mudalen DEM/SP Mauro Benevides PMDB/CEJorginho Maluly DEM/SP Narcio Rodrigues PSDB/MG

  • 8 Milton Santos Vida e Obra

    Composio da ComissotitUlaRES SUPlEntES

    Lelo Coimbra PMDB/ES Osmar Serraglio PMDB/PRLobbe Neto PSDB/SP Paulo Delgado PT/MGLuciana Costa PR/SP Paulo Magalhes DEM/BAMarcelo Almeida PMDB/PR Pedro Wilson PT/GO

    Maria do Rosrio PT/RS Professor Ruy Pauletti PSDB/RS

    Nilmar Ruiz PR/TO Professora Raquel Teixeira PSDB/GO

    Nilson Pinto PSDB/PA Raimundo Gomes de Matos PSDB/CEPaulo Rubem Santiago PDT/PE Reginaldo Lopes PT/MG

    Pinto Itamaraty PSDB/MA Rodrigo Rocha Loures PMDB/PRProfessor Setimo PMDB/MA Saraiva Felipe PMDB/MGRaul Henry PMDB/PE Severiano Alves PMDB/BARogrio Marinho PSDB/RNWaldir Maranho PP/MAWilson Picler PDT/PR

  • 9MEMBRoS DA Comisso de Educao e Cultura 2011

    Mesa da ComissoPresidente Fatima Bezerra PT/RN1 Vice-Presidente Lelo Coimbra PMDB/ES2 Vice-Presidente Artur Bruno PT/CE3 Vice-Presidente Alice Portugal PCdoB/BA

    Composio da ComissotitUlaRES SUPlEntES

    Alex Canziani PTB/PR Alessandro Molon PT/RJAlice Portugal PCdoB/BA Angelo Vanhoni PT/PRAntonio Carlos Magalhes Neto DEM/BA Ariosto Holanda PROS/CE

    Antnio Roberto PV/MG Bonifcio de Andrada PSDB/MGArtur Bruno PT/CE Danrlei de Deus Hinterholz PSD/RSBiffi PT/MS Dra. Elaine Abissamra PSB/SPCosta Ferreira PSC/MA Eduardo Barbosa PSDB/MGDr. Ubiali PSB/SP Eleuses Paiva PSD/SPFtima Bezerra PT/RN Eliane Rolim PT/RJGabriel Chalita PMDB/SP Eliseu Padilha PMDB/RSGasto Vieira PMDB/MA Emiliano Jos PT/BAIzalci PSDB/DF Esperidio Amin PP/SCJoaquim Beltro PMDB/AL Gabriel Chalita PMDB/SPLelo Coimbra PMDB/ES Giovanni Queiroz PDT/PALuiz Carlos Setim DEM/PR Hugo Motta PMDB/PB

  • 10 Milton Santos Vida e Obra

    Composio da ComissotitUlaRES SUPlEntES

    Luiz No PSB/RS Ivan Valente PSOL/SPMara Gabrilli PSDB/SP Jandira Feghali PCdoB/RJNazareno Fonteles PT/PI Janete Capiberibe PSB/APNice Lobo PSD/MA Joo Bittar DEM/MGNice Lobo PSD/MA Jorginho Mello PR/SCPaulo Freire PR/SP Jos de Filippi PT/SPPaulo Pimenta PT/RS Jos Linhares PP/CEPaulo Rubem Santiago PDT/PE Junji Abe PSD/SPPedro Uczai PT/SC Luiza Erundina PSB/SPPinto Itamaraty PSDB/MA Mauro Benevides PMDB/CEProfessor Setimo PMDB/MA Nelson Marchezan Junio PSDB/RSProfessora Dorinha Seabra Rezende DEM/TO Newton Lima PT/SP

    Raul Henry PMDB/PE Onyx Lorenzoni DEM/RSReginaldo Lopes PT/MG Osmar Serraglio PMDB/PRRogrio Marinho PSDB/RN Oziel Oliveira PDT/BASguas Moraes PT/MT Pastor Marco Feliciano PSC/SPStepan Nercessian PPS/RJ Paulo Magalhes PSD/BAThiago Peixoto PSD/GO Pedro Chaves PMDB/GOTiririca PR/SP Penna PV/SPWaldenor Pereira PT/BA Renan Filho PMDB/ALWaldir Maranho PP/MA Rodrigo Maia DEM/RJ

    Rogrio Peninha Mendona PMDB/SCRomanna Remor PMDB/SCRomrio PSB/RJRonaldo Caiado DEM/GORosane Ferreira PV/PR

  • 11

    Composio da ComissotitUlaRES SUPlEntES

    Rui Costa PT/BASeverino Ninho PSB/PEValmir Assuno PT/BAWilliam Dib PSDB/SPZ Silva SDD/MG

  • 13

    MEMBRoS DA Comisso de Educao e Cultura 2012

    Mesa da ComissoPresidente Newton Lima PT/SP1 Vice-Presidente Raul Henry PMDB/PE2 Vice-Presidente Pedro Uczai PT/SC3 Vice-Presidente Paulo Rubem Santiago PDT/PE

    Composio da ComissotitUlaRES SUPlEntES

    Alex Canziani PTB/PR Acelino Pop PRB/BAAcelino Pop PRB/BA Alessandro Molon PT/RJAdemir Camilo PROS/MG Aline Corra PP/SPAlex Canziani PTB/PR Anderson Ferreira PR/PEAlice Portugal PCdoB/BA Angelo Vanhoni PT/PRAntnio Roberto PV/MG Antnio Roberto PV/MGArtur Bruno PT/CE Ariosto Holanda PROS/CEBiffi PT/MS Audifax PSB/ESChico Alencar PSOL/RJ Bonifcio de Andrada PSDB/MGCosta Ferreira PSC/MA Danrlei de Deus Hinterholz PSD/RSDanilo Cabral PSB/PE Dr. Jorge Silva PROS/ESDr. Ubiali PSB/SP Dr. Ubiali PSB/SPFtima Bezerra PT/RN Eduardo Barbosa PSDB/MGGabriel Chalita PMDB/SP Eleuses Paiva PSD/SPGasto Vieira PMDB/MA Eliane Rolim PT/RJIzalci PSDB/DF Eliseu Padilha PMDB/RS

  • 14 Milton Santos Vida e Obra

    Composio da ComissotitUlaRES SUPlEntES

    Joaquim Beltro PMDB/AL Emiliano Jos PT/BAJorge Boeira PP/SC Esperidio Amin PP/SCLelo Coimbra PMDB/ES Geraldo Resende PMDB/MSLuiz Carlos Setim DEM/PR Gilmar Machado PT/MGLuiz No PSB/RS Henrique Afonso PV/ACMara Gabrilli PSDB/SP Ivan Valente PSOL/SPNazareno Fonteles PT/PI Jandira Feghali PCdoB/RJNewton Lima PT/SP Jean Wyllys PSOL/RJNice Lobo PSD/MA Joo Bittar DEM/MGPaulo Freire PR/SP Jorginho Mello PR/SCPaulo Pimenta PT/RS Jos de Filippi PT/SPPaulo Rubem Santiago PDT/PE Jos Linhares PP/CEPedro Uczai PT/SC Keiko Ota PSB/SPPinto Itamaraty PSDB/MA Major Fbio PROS/PBProfessor Setimo PMDB/MA Manoel Salviano PSD/CEProfessora Dorinha Seabra Rezende DEM/TO

    Marcos Rogrio PDT/RO

    Raul Henry PMDB/PE Maurcio Quintella Lessa PR/ALReginaldo Lopes PT/MG Mauro Benevides PMDB/CERogrio Marinho PSDB/RN Miriquinho Batista PT/PAStepan Nercessian PPS/RJ Natan Donadon S.PART./ROTelma Pinheiro PSDB/MA Nelson Marchezan Junior PSDB/RSTiririca PR/SP Newton Lima PT/SPWaldenor Pereira PT/BA Nilson Leito PSDB/MTWaldir Maranho PP/MA Onyx Lorenzoni DEM/RS

    Osmar Serraglio PMDB/PROziel Oliveira PDT/BAPastor Marco Feliciano PSC/SP

  • 15

    Composio da ComissotitUlaRES SUPlEntES

    Pedro Chaves PMDB/GOPenna PV/SPRogrio Peninha Mendona PMDB/SCRomanna Remor PMDB/SCRosane Ferreira PV/PRRui Costa PT/BASeverino Ninho PSB/PE

  • 17

    MEMBRoS DAComisso de Educao 2013

    Mesa da ComissoPresidente Gabriel Chalita PMDB/SP1 Vice-Presidente Artur Bruno PT/CE2 Vice-Presidente Lelo Coimbra PMDB/ES3 Vice-Presidente Alex Canziani PTB/PR

    Composio da ComissotitUlaRES SUPlEntES

    PtAngelo Vanhoni PT/PR Alessandro Molon PT/RJArtur Bruno PT/CE Iara Bernardi PT/SPFtima Bezerra PT/RN Leonardo Monteiro PT/MGFrancisco Praciano PT/AM Margarida Salomo PT/MGPedro Uczai PT/SC Newton Lima PT/SPReginaldo Lopes PT/MG vaga do PSD

    Nilmrio Miranda PT/MG vaga do PCdoB

    Waldenor Pereira PT/BA vaga do PR

    PMDBCelso Jacob PMDB/RJ vaga do PR

    Mauro Benevides PMDB/CE

    Gabriel Chalita PMDB/SP Osmar Serraglio PMDB/PRLelo Coimbra PMDB/ES Pedro Chaves PMDB/GO

    Professor Setimo PMDB/MA Rogrio Peninha Mendona PMDB/SCRaul Henry PMDB/PE Saraiva Felipe PMDB/MG(Deputado do PSC ocupa a vaga)

    PSDBIzalci PSDB/DF Andreia Zito PSDB/RJNilson Pinto PSDB/PA Bonifcio de Andrada PSDB/MG

  • 18 Milton Santos Vida e Obra

    PSDBPinto Itamaraty PSDB/MA Eduardo Barbosa PSDB/MG

    Mara Gabrilli PSDB/SP vaga do PPNilson Leito PSDB/MT vaga do PRTB

    PSDManoel Salviano PSD/CE Hugo Napoleo PSD/PI(Deputado S.PART. ocupa a vaga) Paulo Magalhes PSD/BA(Deputado do PT ocupa a vaga) 1 vaga

    PPAline Corra PP/SP Esperidio Amin PP/SCWaldir Maranho PP/MA Jos Linhares PP/CE (Deputado do PSOL ocupa a vaga) (Deputado do PSDB ocupa a vaga)

    PR(Deputado do PMDB ocupa a vaga) Aracely de Paula PR/MG (Deputado do PT ocupa a vaga) Jorginho Mello PR/SC

    PSBGlauber Braga PSB/RJ Ariosto Holanda PSB/CELeopoldo Meyer PSB/PR Keiko Ota PSB/SP

    Severino Ninho PSB/PE vaga do PDTValadares Filho PSB/SE vaga do PSC

    DEMJoo Bittar DEM/MG (Deputado do PSOL ocupa a vaga)Major Fbio DEM/PB (Deputado do PDT ocupa a vaga)Professora Dorinha Seabra Rezende DEM/TO vaga do PRTB

    PDtPaulo Rubem Santiago PDT/PE Damio Feliciano PDT/PB vaga do PRB

    Weverton Rocha PDT/MA vaga do DEM(Deputado do PSB ocupa a vaga)

  • 19

    PtBAlex Canziani PTB/PR Jos Augusto Maia PTB/PE

    Bloco PV, PPSStepan Nercessian PPS/RJ Eurico Jnior PV/RJ

    PSCCosta Ferreira PSC/MA (Deputado do PSB ocupa a vaga)Professor Srgio de Oliveira PSC/PR vaga do PMDB

    PCdoBAlice Portugal PCdoB/BA (Deputado do PT ocupa a vaga)

    PRBGeorge Hilton PRB/MG (Deputado do PDT ocupa a vaga)

    PRtB(Deputado do DEM ocupa a vaga) (Deputado do PSDB ocupa a vaga)

    PSolChico Alencar PSOL/RJ vaga do PP

    Jean Wyllys PSOL/RJ vaga do DEM

    S.PaRt.Jorge Boeira S.PART./SC vaga do PSD

  • 21

    Apresentao

    No ano de 2010, pela brilhante iniciativa da hoje Senadora Ldice da Mata, a Comisso de Educao e Cultura da Cmara dos Deputados realizou o Seminrio Milton Santos Vida e Obra. Foi um encontro mpar dedicado discusso e anlise da obra e o pensamento de um dos mais importantes intelectuais brasileiros sob as perspectivas da teoria geogrfica, da globalizao, da negritude, levando-se em conta os seus aspectos econmicos, polticos e sociais.

    Milton Santos baiano, e foi considerado o maior gegrafo brasileiro, destacando-se em particular nos estudos sobre a histria da Geografia no Brasil. Por conta do seu talento e dedicao tambm foi considerado um dos maiores do sculo XX. Notabilizou-se, sobretudo, na aborda-gem sobre a epistemologia da Geografia, as conseqncias da globaliza-o e o espao urbano.

    Foi professor da Universidade de So Paulo, tendo lecionado em inmeros pases, em particular a Frana, quando estava exilado. Foi vencedor do prmio Jabuti de 1997, com o livro A Natureza do Espao, considerado at hoje, o melhor livro de cincias humanas produzido no Brasil. Na sua condio de negro, foi um dos mais firmes combatentes na luta contra o racismo no Brasil.

    Sua obra , at hoje, referncia maior no campo do pensamento so-cial sobre o espao, tendo sido um profundo defensor da tese de que o gegrafo deve debruar-se prioritariamente sobre o carter social do espao em vez dos nmeros e das estatsticas.

    Milton Santos, foi tambm um dos mais poderosos crticos do con-ceito de globalizao e afirmava categoricamente que Essa globaliza-o no vai durar. Primeiro, ela no a nica possvel. Segundo, no du-rar como est porque est monstruosa, perversa. No vai durar porque no tem finalidade.

    Sobre a globalizao, Milton Santos era um de seus crticos mais fer-renhos. Em uma de suas mais clebres frases, ele afirmava que Essa

  • 22 Milton Santos Vida e Obra

    globalizao no vai durar. Primeiro, ela no a nica possvel. Segundo, no vai durar como est porque como est monstruosa, perversa. No vai durar porque no tem finalidade. Neste sentido, escreveu um dos seus livros mais conhecidos e instigantes Por uma outra globalizao.

    Enfim, Milton Santos, que faleceu em 2001, foi um dos maiores es-tudiosos sobre o territrio brasileiro, tendo deixado uma obra impor-tantssima por meio de livros, textos, artigos, sendo at hoje, o seu pensamento considerado uma das pedras angulares dos movimentos antiglobalizao.

    Desde a realizao do Seminrio, os presidentes que passaram pela Comisso de Educao e Cultura Deputados ngelo Vanhoni, Ftima Bezerra, Newton Lima e Gabriel Chalita envidaram esforos para tor-nar realidade esta publicao que agora apresentamos.

    Boa leitura!

    Deputada Ftima BezerraPresidenta da Comisso em 2011

  • 23

    Prefcio

    Milton Santos, um pensador universalOs brasileiros, particularmente ns, baianos, ainda conhecemos

    muito pouco sobre a vida e a obra do gegrafo e professor Milton Santos, um dos mais brilhantes e respeitados intelectuais do nosso tempo. Deveramos conhecer muito mais sobre o pensamento desse baiano de Brotas de Macabas, porque ele nos deixou um grande legado, uma obra singular, incomparvel, que hoje referncia em todo o mundo. No seria exagero dizer que ele fundou uma nova geografia, reescrevendo os fundamentos dessa disciplina e nos ensi-nando uma nova forma de olhar e compreender o mundo.

    Interpretando o sentimento da maioria dos meus conterrneos e de muitos outros brasileiros admiradores de Milton Santos, creio que no h nada mais apropriado para homenagear esse baiano de esprito cr-tico e inovador do que discutir a sua obra, debater e divulgar as suas ideias. Por isso propus Comisso de Educao e Cultura, da qual fao parte, a realizao deste seminrio com a participao dos colegas parla-mentares e dos representantes do meio acadmico, todos unnimes em reconhecer a importncia da obra de Milton Santos para o estudo dos problemas do territrio brasileiro e da nossa sociedade.

    Neste momento, em que vivemos a mais grave crise do capitalismo no mundo, considero necessria e oportuna uma reflexo sobre as te-orias de Milton Santos. Ele inspira novos caminhos, alerta para a ne-cessidade de outro modelo de globalizao, em que o desenvolvimento seja a favor do homem e no apenas para o benef cio das corporaes nacionais e transnacionais.

    Negro, nascido no interior da Bahia, Milton Santos nunca se dei-xou abater pelo racismo, pelo preconceito social e muito menos se fez prisioneiro do rancor ou do ressentimento, apesar das imensas difi-culdades que enfrentou ao longo dos seus 75 anos de vida. Ele foi um

  • 24 Milton Santos Vida e Obra

    vencedor, um mensageiro da esperana, um guerreiro da palavra que, sempre com um sorriso amvel, nunca parou de lutar e nos legou um arsenal de ideias sobre a problemtica do mundo globalizado e as pos-sibilidades de construirmos um futuro melhor para todos.

    Milton Santos foi um pensador universal, logo no foi por acaso que, em 1994, ele recebeu o Prmio Vautrin Lud, considerado o Nobel da geo-grafia. Foi o coroamento de uma trajetria que comeou na Bahia, onde, alm de ter sido professor, trabalhou como jornalista e se destacou como um intelectual engajado, um combatente das causas polticas e sociais.

    Nas dcadas de 50 e 60, Milton Santos era um dos poucos intelectuais brasileiros a abordar com clareza os problemas do negro na Bahia e no Brasil, mesmo sendo uma poca em que esse assunto era praticamente proibido. Contrariou interesses, incomodou os poderosos e terminou exilado durante o perodo da ditadura militar.

    Enquanto esteve exilado, ele estudou, ensinou e trabalhou em vrios pases da Europa, Amrica Latina e frica. Foi consultor da Organiza-o das Naes Unidas (ONU) e da Organizao dos Estados Americanos (OEA). Retornou ao Brasil no final da dcada de 70 e foi ensinar na Uni-versidade de So Paulo, onde produziu grande parte de sua obra. Milton Santos faleceu em 2001.

    Gostaria de registrar a participao e um agradecimento especial aos pro-fessores Aldo Dantas, da Universidade do Rio Grande do Norte; Fernando Conceio, da Universidade Federal da Bahia, responsvel pela biografia de Milton Santos; e Maria Peluso, da Universidade de Braslia, que nos propor-cionaram a oportunidade de conhecer e debater as principais ideias e aspec-tos da obra de Milton Santos.

    Tambm quero registrar o meu agradecimento especial senadora Ftima Cleide (PT-RO), presidente da Comisso de Educao e Cultura do Senado, aos representantes do Ministrio da Cultura, ao governo da Bahia, aos colegas deputados e senadores, e aos estudantes, professores e admiradores da obra de Milton Santos que participaram desta homenagem.

    Ldice da Mata PSB/BA

  • 25

    Participantes do Seminrio

    Snia Carneiro Representante do governo do estado da Bahia.Mrcia Genesia de Santanna Diretora do Patrimnio Imaterial do Ins-tituto do Patrimnio Histrica e Artstico Nacional IPHAN.Fernando Costa da Conceio Professor da Universidade Federal da Bahia UFBA.Aldo Aloisio Dantas Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN.Marlia Luiza Peluso Professora-Chefe do Departamento de Geografia da Universidade de Braslia UnB.Rafael Snzio Arajo dos Anjos Professor da UnB.Zulu Arajo Presidente da Fundao Cultural Palmares.

  • 27

    Seminrio

    O SR. PRESIDENTE (Deputado Paulo Rubem Santiago) Boa tarde a todos que nos honram com a presena, nesta tarde, na Comisso de Educao e Cultura da Cmara dos Deputados.

    Vamos iniciar o seminrio alusivo obra e vida do prof. Milton Santos, que muitos de ns, da Comisso de Educao ou que j passamos pela Co-misso de Desenvolvimento Urbano, tivemos a honra, em vrios momen-tos, de conhecer sua obra. Eu tive a honra de conhec-lo pessoalmente e de ter tido o apoio e a ajuda de seu irmo, o economista Nailton Santos, ex-professor da Universidade Catlica de Pernambuco, em vrias aes de-senvolvidas, quando exercia o mandato de deputado estadual na Assem-bleia Legislativa de Pernambuco.

    uma honra para ns realizarmos hoje este seminrio pela magnitu-de da figura humana do prof. Milton Santos, pelo reconhecimento inter-nacional da excelncia de sua obra como gegrafo, mas, sobretudo, por sua permanente vigilncia e crtica ao processo de globalizao.

    Certamente alguns j tomaram conhecimento das ltimas entrevis-tas com o professor e do documentrio Uma outra globalizao poss-vel, um outro mundo possvel.

    Creio que deveramos providenciar cpias dessa obra para disponi-bilizar a todos os que tm interesse em conhec-la melhor. A partir da obra do prof. Milton Santos, poderemos fazer o debate de um outro mo-delo de desenvolvimento contemplando urbanizao e sociedade.

    A Mesa j est formada com os nossos convidados de hoje: Sra. Mrcia SantAnna, Diretora do Patrimnio Imaterial do IPHAN; Sra. Snia Carnei-ro, representante do governo do estado da Bahia; Exma. Sra. Senadora, prof. Ftima Cleide, presidente da Comisso de Educao e Cultura do Senado; e nossa querida deputada Ldice da Mata, autora do requerimento para realiza-o deste seminrio.

  • 28 Milton Santos Vida e Obra

    Pelo Regimento da Casa, aps a exposio dos palestrantes, abrire-mos a palavra para todos os que tenham interesse em participar do de-bate, dando sua contribuio.

    Com a palavra, a autora do requerimento, deputada Ldice da Mata.A SRA. DEPUTADA LDICE DA MATA Boa tarde a todos.Agradeo a presena aos debatedores e expositores e aos convidados

    em geral que vieram integrar esta discusso, esta reflexo sobre o pensa-mento de Milton Santos.

    Quero saudar e agradecer a presena do deputado Paulo Rubem Santiago, vice-presidente de nossa Comisso, que, neste momento, as-sume o papel de presidente, honrando-nos com sua presena na aber-tura deste seminrio. Sado nossa querida presidenta da Comisso de Educao e Cultura do Senado, senadora Ftima Cleide, que j me dis-se sobre a necessidade de se ausentar. Vou falar rapidamente para lhe dar a oportunidade de nos saudar.

    Quero cumprimentar e agradecer a presena da representante do go-verno da Bahia, por intermdio da jornalista Snia Carneiro, e baiana, querida amiga, Mrcia SantAnna, que alm do seu talento especial e de sua contribuio ao IPHAN e ao Ministrio da Cultura, aqui representa o Ministro da Cultura Juca Ferreira, e tambm filha de uma grande figura da Bahia, o ex-deputado Constituinte Fernando SantAnna, que teve presena marcante em nossa vida.

    meio autoexplicvel a realizao de um seminrio sobre o pensa-mento de Milton Santos. Ns baianos que temos muito orgulho de t-lo tido como cone da intelectualidade brasileira e que tivemos, por algu-ma sorte, a possibilidade de conviver com ele, seja profissionalmente, seja numa relao mais amena, familiar, socivel, ou poltica, por estarmos engajados nas suas causas, no precisamos dizer da importncia de conti-nuar refletindo, pensando e divulgando o pensamento de Milton Santos.

    Quero chamar a ateno para o fato de que resolvemos propor este seminrio, no ano passado, para que pudssemos fazer algo relacionado ao pensamento de Milton na passagem de 20 de novembro. Assim, mar-caremos essa data com conexo de importncia e destaque de um negro intelectual, um dos grandes intelectuais de sua gerao, um dos poucos negros, poca, intelectual ou estudante de uma universidade federal no nosso pas, embora sua postura poltica, seu pensamento poltico,

  • 29

    influenciado claramente pelo marxismo, no abordasse, da forma como hoje se pensa e aborda, a questo racial no Brasil.

    Foi com essa motivao inicial de reverenciarmos Milton em 20 de novembro que ns nos estimulamos a apresentar esse requerimento que, de pronto, foi aceito por esta Comisso de Educao que reverencia a memria dele. Tentamos realizar este seminrio no ano passado, mas, por diversas dificuldades da Cmara naquele perodo, no foi possvel.

    Neste ano, reapresentamos esse requerimento e buscamos faz-lo prximo a alguma data significativa para o Dr. Milton Santos, no caso, o seu aniversrio de nascimento, 3 de maio. Por isso, buscamos realiz-lo nesta data de hoje.

    Portanto, gostaria de agradecer a todos a presena e dizer da nossa satisfao de estar aqui reverenciando este baiano de Brotas de Macabas, uma regio de minrio, um municpio pequeno dentro do oeste da Bahia, numa relao com a Chapada Diamantina, uma rea to distante, o que demonstra ainda mais esse esforo de crescimento de Milton do ponto de vista intelectual.

    Ns com tradio da Bahia e em Pernambuco menos nordestinos sabemos que nascer no interior torna tudo mais dif cil. Sou do interior, e minha gerao teve de sair do interior para estudar em Salvador. Ima-ginem o esforo que fizeram os que foram antes de ns para chegar l!

    Novamente agradeo a todos, equipe e ao secretariado da Comisso de Educao da Cmara dos Deputados, aos funcionrios da Liderana do PSB e do gabinete, por tornarem possvel a realizao deste evento.

    Muito obrigada.O SR. PRESIDENTE (Deputado Paulo Rubem Santiago) Muito

    obrigado, deputada Ldice da Mata, autora do requerimento de realiza-o deste seminrio.

    Passo a palavra senadora, prof. Ftima Cleide, presidenta da Comis-so de Educao e Cultura do Senado.

    A SRA. SENADORA FTIMA CLEIDE Boa tarde a todos.Inicialmente cumprimento a Mesa, a deputada Ldice da Mata, auto-

    ra do requerimento para realizao deste seminrio, a Dra. Snia, repre-sentante do governo da Bahia, a Dra. Mrcia, representante do Minis-trio da Cultura, e, carinhosamente, o deputado Paulo Rubem Santiago, que preside a abertura deste importante seminrio. Cumprimento meu querido amigo, deputado Pedro Wilson, e aqui, entre as senhoras e os

  • 30 Milton Santos Vida e Obra

    senhores, o Sr. Waldomiro de Souza, um entusiasta da necessidade de que todos conheam a vida e obra de Milton Santos.

    Conversava com meu assessor, o Ronald, que dizia que este semin-rio muito importante porque resgata a participao poltica de Milton Santos, reconhecida pela Academia. Disse-lhe:

    Espera a. Ele no foi deputado, nem senador, nem se-cretrio, enfim, no h nenhuma contestao em relao ao carter poltico de sua obra. Ele ocupou vrios cargos, mas, no meio poltico, no temos muita referncia, a no ser citaes de obras, vida poltica de Milton Santos.

    Ronald me disse que ele foi vice-presidente da UNE. O que o levou a ocupar esse cargo foi o fato de ser negro, porque se acreditava que dificil-mente um negro seria recebido pelas autoridades.

    Graas a Deus estamos caminhando para mudar essa realidade, ain-da a duras penas. Por isso, acredito ser muito importante a realizao deste seminrio para fortalecer a necessidade de superarmos ainda e muito o preconceito racial e todas as formas de preconceitos que exis-tem na nossa sociedade.

    Acredito que a vida de Milton Santos um exemplo para as geraes de brasileiros e brasileiras de todas as origens, que dedicam a vida e luta tica, cidadania e educao.

    Sendo assim, fao a minha saudao a todos que esto aqui dispostos a discutir, conversar, prosear e aprender um pouco mais sobre a vida de Milton Santos.

    Peo desculpas Mesa e a todos por ter de ausentar-me. Infelizmen-te, as tarefas de presidenta da Comisso de Educao e Cultura e as de Parlamentar do Senado me obrigam a retirar-me neste momento. Mas fico com o corao e a mente voltados para que o sucesso deste evento se reflita um pouco mais de nfase nas nossas duas Casas, tanto na Cmara como no Senado Federal, e para que a vida e a obra de Milton Santos continuem a nos iluminar, para que possamos ter muito mais fora nas nossas lutas pela superao do preconceito na nossa sociedade.

    Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Paulo Rubem Santiago) Muito

    obrigado, senadora.

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    Passo a palavra representante do governo do estado da Bahia, Sra. Snia Carneiro.

    A SRA. SNIA CARNEIRO Boa tarde.Sado todos, pedindo desculpas pelo governador Jaques Wagner, que

    no pde vir, pois tinha compromissos na Bahia. Ele me pediu para lembrar que, no ltimo dia 26 de maro, houve a inaugurao do Memorial do Meio Ambiente professor Milton Santos, que mostra ao pblico as transforma-es da Bahia. O Memorial possui um bom acervo, um banco de dados muito completo, multimdia, onde se pode fazer uma boa pesquisa, inclu-sive sobre a trajetria e as obras dele. Esse Memorial algo novo, foi inau-gurado neste ms de maro. O convite est aberto a todos que desejarem conhecer este memorial.

    O SR. PRESIDENTE (Deputado Paulo Rubem Santiago) Muito obrigado.

    Passo a palavra Sra. Mrcia SantAnna, Diretora de Patrimnio Imaterial do IPHAN, que aqui representa o Ministro Juca Ferreira.

    A SRA. MRCIA GENESIA DE SANTANNA Boa tarde a todos. um grande prazer estar aqui para, em nome do Ministro da Cultu-

    ra, participando deste seminrio. Sado a senadora Ftima Cleide, presidenta da Comisso de Educa-

    o e Cultura do Senado Federal, o deputado Paulo Rubem Santiago, vice-presidente da Comisso de Educao e Cultura da Cmara, a Sra. Snia Carneiro, representante do governo da Bahia, e a deputada Ldice da Mata, autora do requerimento que nos permite estar aqui hoje sau-dando e celebrando a vida, a memria e a obra desse grande brasileiro que foi Milton Santos.

    O ministro da Cultura Juca Ferreira pede desculpas por no poder estar presente, pois j tinha vrios compromissos assumidos nesta data.

    Ele me recomendou muito, pediu que lembrasse aqui dois aspectos da grande figura que foi Milton Santos.

    O primeiro, ressaltar a genialidade e a profundidade do pensamento para o estudo e a compreenso do espao humano e, em particular, das nos-sas cidades. O que seria de ns urbanistas sem Milton Santos como guia para nossos estudos, para nossas anlises? Claro que para os gegrafos de modo mais completo, mas para ns, arquitetos e urbanistas, Milton Santos tambm foi fundamental.

  • 32 Milton Santos Vida e Obra

    O segundo, ressaltar que a grandeza de Milton Santos fica ainda maior se lembrarmos do fato, um deles j ressaltado pela deputada Ldice da Mata, de ele ter sido um rapaz do interior, que provavelmente enfren-tou naquela poca todas as dificuldades de buscar educao, de ter de se mudar para a grande cidade, e, acrescido a isso, o fato de ser negro, num momento em que nossa sociedade era ainda mais explicitamente racista do que hoje. Atualmente, j temos alguns avanos nesse campo, sobretu-do nesse ltimo governo. Com as cotas universitrias e outras iniciativas, estamos avanando no que diz respeito a tirar um pouco essa diferena e a saudar um pouco essa grande dvida que a nao tem com todos os afrodescendentes. Mas, nesse ponto de vista, Milton Santos viveu numa poca ainda mais dif cil. Mas sua genialidade e inteligncia so to privi-legiadas, so absolutamente to imensas, que Milton Santos, desde muito cedo, desde quando defendeu sua tese de mestrado sobre o centro de Sal-vador trabalho fundamental para quem quer compreender os processos urbanos da cidade , conseguiu se colocar de maneira central nos estudos dos espaos humano e urbano no Brasil e no mundo.

    Milton Santos foi um gnio e orgulha a todos, particularmente a ns baianos. Ficamos absolutamente orgulhosos e chegamos at a acreditar no dito popular baiano burro nasce morto. Milton Santos a prova de que, de fato, muito dif cil que isso ocorra na Bahia.

    Enfim, uma grande alegria estar aqui. Penso que nunca demais celebrar e saudar a vida e a obra de Milton Santos.

    Mais uma vez, em nome do ministro da Cultura, parabenizo a deputada Ldice da Mata pela iniciativa.

    Finalmente, quero dizer que Milton Santos, alm de um grande bra-sileiro, um grande baiano, foi um grande cidado do mundo, uma pessoa admirada internacionalmente. Talvez ele seja um dos intelectuais bra-sileiros mais celebrados no exterior pela sua contribuio fundamental com o pensamento na rea da geografia, do urbanismo e dos estudos de um modo geral relacionados ao espao humano.

    Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Deputado Paulo Rubem Santiago) Obrigado,

    Dra. Mrcia SantAnna. Quero registrar a presena, j saudada pela senadora Ftima Cleide,

    do deputado Pedro Wilson, ex-presidente desta Comisso, o que muito nos honra.

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    Quero compartilhar trecho de entrevista do prof. Milton Santos, numa srie editorial publicada h poucos anos, cujo ttulo era Entrevistas. Nessa publicao, o prof. Milton Santos, ao final da entrevista, num dos ltimos captulos, falava da sua perplexidade com a situao das universidades brasileiras. Dizia-nos da preocupao com o progressivo afastamento das universidades da vida cotidiana desta nao, da preocupao exacerbada com a consolidao das carreiras, com as pontuaes obtidas pelas pu-blicaes, pela produtividade cientfica atrelada aos grandes peridicos indexados nas instituies de pesquisa e quase que uma progressiva auto-nomizao da universidade em relao ao papel do conhecimento como instrumento de emancipao.

    Recentemente, participei de um frum na Universidade Federal do Rio de Janeiro em que discutimos financiamento da educao superior. Esse debate voltou tona quando discutamos no s o financiamento para a expanso do acesso da populao brasileira universidade pblica como tambm os papis que se espera que a universidade hoje possa desem-penhar nesse contexto agressivo e acelerado de internacionalizao das economias, da transformao da economia da esfera produtiva para a esfera da financeirizao.

    Fico imaginando como seria bom, aproveitando o centenrio de Chico Xavier, reunir a um s tempo Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Milton Santos e Hlder Cmara. Como seria interessante poder t-los prximos, refletin-do esse tempo de financeirizao profundamente antipovo e antissobera-nia. Ficamos a dever muitos outros seminrios como este.

    Ns da Comisso de Educao, aproveitando a presena do deputado Pedro Wilson, bem poderamos pautar um seminrio sobre a obra e o pensamento de Paulo Freire, j que estamos nos quarenta anos da pri-meira edio da Pedagogia do Oprimido. Esta Casa tambm deve a orga-nizao de um seminrio sobre a obra e o pensamento de Celso Furtado, que, h pouco mais de cinquenta anos, nos presenteava com o clssico Formao Econmica do Brasil, nunca to atual quanto hoje quando fa-lava da internacionalizao e da cobia que moveram, nos sculos XV e XVI, e continuam movendo hoje os grandes centros econmicos pelas riquezas que esto ao seu alcance.

    Hoje, pela manh, debatamos esse tema na CPI da Dvida Pblica. L esteve o ex-deputado Jacques Dornellas, que est aqui nos prestigian-do com a sua presena.

  • 34 Milton Santos Vida e Obra

    Quero compartilhar da preocupao do prof. Milton Santos com os ru-mos da universidade brasileira, a sua crise de identidade, de descolamento do conhecimento como fator de emancipao e de transformao da reali-dade e a preocupao com essa concepo de produtividade cientfica, de carreira acadmica dissociada tambm da interveno desse conhecimento para a resoluo dos graves e grandes problemas nacionais.

    Pela ordem, concedo a palavra ao deputado Pedro Wilson.O SR. DEPUTADO PEDRO WILSON Sr. Presidente, peo descul-

    pas por querer falar neste perodo de abertura do seminrio. Parabenizo V.Exa. por ser, alm de professor, um grande cordelista e entendedor da economia brasileira e mundial.

    Sado a nossa deputada e futura senadora Ldice da Mata, ex-prefeita de Salvador, e a senadora Cleide, que no pde aqui permanecer. Mulhe-res que o Parlamento reconhece e engrandece pela atuao.

    Sado a representao da Bahia na pessoa da Dra. Marta e do Dr. Juca, que esto no governo do presidente Lula, e a Sra. Snia, comunicadora que est aqui representando o carioca mais baiano, Jaques Wagner.

    Sado V.Exa., deputado Paulo Rubem Santiago, um crtico profundo da situao social brasileira e da universidade. Enfim, sado todos os presentes.

    Conheci pouco Milton Santos, mas o conheci. Participei de um deba-te com ele aqui, em Braslia. Como disse a Dra. Marta, arquiteta, ele foi do grupo de Aziz AbSaber, Rui Moreira, Cludio Mauro, ex-deputado federal, Prefeito em Rio Claro e grande presidente da Associao Brasileira de Geografia, prof. Horieste Gomes, grande gelogo, da Uni-versidade Federal de Gois.

    Por participarem das ideias de Milton Santos, Aziz AbSaber, Cludio Mauro e tantos gelogos abandonaram a ideia da geografia f sica e descriti-va. Eram rios, montanhas, e pronto. A partir de uma influncia do marxis-mo, da teoria crtica de Yves Lacoste, da Frana, trouxeram uma viso hu-mana da geografia para o Brasil, a viso econmica e social de que geografia no s citar nome de populao, de rios, de acidentes geogrficos e tudo mais. Trouxeram a viso crtica, social e econmica que levou a universi-dade a ter uma viso melhor. Inclusive, quem incorporou mais e melhor o planejamento urbano no Brasil foram os profissionais da rea de geografia, processo no qual, de primeiro plano, estavam economistas, engenheiros, arquitetos e urbanistas, e com todo o direito.

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    O gegrafo Milton Santos, no s no seu estudo sobre Salvador, mas tambm em vrios estudos, colocou a questo do espao como um lugar de pessoas, de migrantes, de retirantes, de pobres, como muitos que saram do interior, assim como eu, que sa do interior de Gois, para estudar na capital.

    Muitos voltaram. Outros no, porque se engajaram certamente, como ele, na gloriosa Unio Nacional dos Estudantes, que teve um papel destaca-do na redemocratizao do Brasil. Quando ele justamente estava terminan-do o seu curso, por incrvel que parea, de Direito, optou pela Geografia e se tornou um mestre renomado.

    Ao homenagear Milton Santos, quero homenagear todos que se engaja-ram na luta em prol da universidade. Quero lembrar de Cludio Mauro, ain-da hoje professor da Universidade Federal de Uberlndia, Minas Gerais, de Aziz AbSaber, que continua trabalhando na Universidade de So Paulo, de Rui Moreira, perseguido pela ditadura, e do prof. Horieste, que traz para ns uma obra sobre o espao, no livro Cela 14, mostrando o tempo da ditadura.

    Lembrar de Milton Santos lembrar da cultura brasileira e da capa-cidade de o Brasil descrever e buscar sadas, no s uma geografia que trata do espao, mas uma geografia crtica e capaz de nos levar a cons-truir uma sociedade mais justa e fraterna.

    Parabns, deputada Ldice da Mata. uma honra estar aqui participan-do desta reunio e aprendendo com o mestre de todos ns, Milton Santos.

    Muito obrigado.O SR. PRESIDENTE (Deputado Paulo Rubem Santiago) Obrigado,

    deputado Pedro Wilson.Passo a presidncia dos trabalhos deputada Ldice da Mata.Muito obrigado.A SRA. PRESIDENTA (Deputada Ldice da Mata) Mais uma vez,

    quero agradecer a participao ao competente deputado Paulo Rubem Santiago, nosso primeiro vice-presidente, sempre solidrio.

    Os senhores, se desejarem, podem permanecer na Mesa.Quero registrar a presena dos Deputados Pedro Wilson, Ivan Valente,

    Zezu Ribeiro e da deputada Ftima Bezerra.

  • 36 Milton Santos Vida e Obra

    Convido para compor a Mesa o prof. Fernando Costa da Conceio, da Universidade Federal da Bahia; o prof. Aldo Aloisio Dantas, da Uni-versidade Federal do Rio Grande do Norte; a prof. Marlia Luza Peluso, da Universidade de Braslia (UnB).

    Mais uma vez, agradeo a todas as senhoras e senhores estudiosos do pensamento e da vida de Milton a disposio, a disponibilidade e a gentileza de participarem deste nosso esforo de anlise de suas contri-buies para a vida brasileira.

    Quero chamar tambm para compor a Mesa o companheiro presi-dente da Fundao Cultural Palmares, Sr. Zulu Arajo, arquiteto pela Universidade Federal da Bahia; e o prof. Rafael Snzio Arajo dos Anjos, gegrafo da UnB. Aqui s h craque.

    Mais uma vez, assumo a presidncia dos trabalhos. Eu sou a autora do requerimento relativo a este evento. A data de realizao seria 20 de novembro, companheira deputada Ftima Bezerra. Tive oportunidade de fazer uma experincia deste tipo, um microsseminrio, na Bahia, no dia 29 de maro aniversrio de Salvador , da qual Fernando Conceio tambm participou, bem como a prof. Maria Auxiliadora, uma das maio-res estudiosas tambm da vida de Milton e parceira em seus estudos. Che-gou a participar do ltimo livro escrito por ele, com mais um estudioso, o prof. Rubens, tambm do Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia.

    Na ocasio, debatemos o Milton para os baianos. Foi uma viso mui-to de baiano sobre o Milton. Temos agora a oportunidade de discutir esse tema aqui. Desde o incio, fiz questo de que no houvesse apenas baianos na Mesa, para que pudssemos conhecer a viso dos brasileiros sobre Milton Santos, a viso dos que pensam o Brasil, dos intelectuais, daqueles que atuam na universidade, seja na rea de geografia, seja em outra rea do conhecimento. Assim conheceremos a forma como pen-sam e veem Milton Santos.

    Mrcia SantAnna se posicionou aqui, representando o Ministrio da Cultura. Temos o vcio, a compulso de nos colocarmos como baianos. J comeamos dizendo um pouco qual o tipo de experincia, de vivncia que tivemos, de alguma forma, com Milton Santos. Eu pude conviver ra-pidamente com Milton ainda nas hostes da luta contra a ditadura, quan-do da fundao do MDB da Bahia. Milton passou pelos institutos de dis-cusso sobre o plano diretor da cidade, com outros intelectuais. Tratou da formao do programa de governo de Rmulo Almeida para a Bahia, do anticandidato Rmulo Almeida. Tivemos a oportunidade, depois, na-

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    quele processo de redemocratizao, de contar com Milton Santos em nossos debates. Voltvamos da ditadura e trazamos os intelectuais exila-dos para contribuir com os novos estudantes.

    Na poca, eu era presidente do DCE da Universidade Federal da Bahia e pude conviver um pouco com Milton Santos, por intermdio de Miltinho, seu filho, meu colega de universidade, embora adversrios mor-tais no movimento estudantil, assim como de Zulu, meu querido amigo, que hoje est aqui. Mas tive a possibilidade e at a sorte de manter outro tipo de convivncia com o Miltinho, j como meu secretrio na adminis-trao de Salvador, onde pude ento desfrutar de seu companheirismo, da sua solidariedade e, principalmente, de seu grande carinho. Acho que Miltinho tinha algo muito especial de seu pai, a extrema gentileza, a forma delicada e doce com que conseguiam comunicar-se com as pessoas.

    Volto a dizer que, para mim, uma grande honra poder conversar sobre Milton Santos e reafirmar o que disse h pouco para a Dra. Mrcia talvez mais um arquiteto fique contra mim, o Zulu: o urbanismo no pode ser matria exclusiva dos arquitetos. Tem de haver a contribuio das cincias humanas como um todo ao urbanismo brasileiro. No me considero ur-banista, apenas algum que igualmente tem paixo pelo espao urbano, como qualquer outro profissional relacionado com a vida urbana, seja da economia, seja da sociologia, seja da geografia. Os profissionais des-sas reas podem dar grande contribuio, assim como os arquitetos e pensadores da arquitetura no Brasil.

    Ainda assim, sou solidria ao movimento dos arquitetos para tornar a carreira independente da carreira dos engenheiros desde que no haja exclusividade sobre o estudo do urbanismo.

    Vamos comear a discusso sobre Milton Santos.Veja que sou uma pessoa complicada, professora. Esto aqui dois

    ex-adversrios ferrenhos. Um deles o companheiro e amigo Fernando Conceio, um dos meus mais ferozes adversrios na juventude, j fora do movimento estudantil, no incio do movimento de organizao dos bairros de Salvador. Fernando Conceio integrava o Movimento de De-fesa dos Favelados, e eu, o Movimento contra a Carestia.

    Fernando Costa da Conceio tambm um brilhante jornalista baiano, muito polmico, espirituoso, mas, acima de tudo, talentoso e comprometido com as causas que abraou na vida.

    Fernando o bigrafo autorizado por Milton Santos para escrever sua biografia. Nessa condio, participa deste debate.

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    Com a palavra Fernando Conceio.O SR. FERNANDO COSTA DA CONCEIO Obrigado,

    deputada. uma honra atender ao convite da futura senadora Ldice da Mata.Sobre a informao de que ramos adversrios no perodo em que eu

    militava no movimento de favelas de Salvador, sim, ramos adversrios, mas no mesmo campo ideolgico. Tnhamos divergncias. Eu era um jovem que estava querendo construir uma alternativa partidria hoje, essa alternativa partidria encontra-se no comando da nao. H muito tempo tambm fui expulso dessa alternativa partidria, que era o PT, o PT daquela poca. Mas estvamos no mesmo campo, querendo o retorno da democracia e a ampliao dos direitos da cidadania em nosso pas.

    Fiz minha trajetria em uma favela de Salvador, mas acabei encontran-do o prof. Milton Santos quando eu era estudante na Universidade de So Paulo e fazia meu mestrado na rea de comunicao. Propus ento a ele tornar pblica sua vida, escrever sua biografia, j no final da dcada de 90, quando eu era ainda estudante na Universidade de So Paulo.

    A minha participao neste evento mais para contar a todos vocs a quantas anda a pesquisa em que busco levantar dados sobre a trajetria des-se homem. Tenho-me a ela dedicado principalmente nos ltimos trs anos.

    Da abertura deste evento at agora, tem sido muito enfatizado o fato de ele ter nascido no interior e ser baiano. Mas bom destacar que, mesmo sendo baiano, Milton Santos, ao morrer, no quis ser enterrado na Bahia. Ele esteve fora da Bahia por cerca de quatorze anos. Quando vitorioso o golpe militar de 1964, ele esteve na leva dos primeiros presos pela ditadu-ra. Por articulaes de intelectuais franceses, principalmente gegrafos da Universidade de Toulouse, na Frana, conseguiu sair do Brasil, aps um convite do governo francs que teria sido provocado por esses pro-fessores, que tinham conhecimento de Milton Santos devido a encontros internacionais de Geografia, dos quais ele participara, e ao fato de ele ter feito seu doutorado na Frana, na Universidade de Estrasburgo.

    O governo francs ento, provocado por esse grupo de gegrafos da Universidade de Toulouse, fez a solicitao ao governo militar do Brasil, que s liberou Milton Santos sob a condio de que ele embarcasse dire-tamente para a Frana, sob os auspcios do governo francs.

    Milton Santos retornou ao Brasil 14 anos depois, aps peregrinar pelo mundo, sem emprego fixo, sempre com contratos provisrios, e no apenas

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    nas universidades francesas. Primeiro, Toulouse, com contrato de 3 anos. Depois, Bordeaux e Sorbonne. Foi convidado para ir aos Estados Unidos trabalhar em grupos de pesquisa em Harvard e tambm no Canad. Enfim, para sobreviver, participava de projetos. Trabalhou tambm na Venezuela, no Mxico, na Costa Rica. Na Tanznia, foi convidado por um grupo de gegrafos ingleses para criar a primeira universidade livre, na dcada de 70.

    Ele no podia regressar ao Brasil para assumir a vaga de professor da Universidade Federal da Bahia, onde havia sido cassado pelo golpe militar de 1964.

    Em 1978, ainda em plena ditadura, ano em que completaria cinquenta anos, decidiu enfrentar a realidade brasileira para ter seu segundo filho na Bahia sua mulher estava grvida. Mas a Bahia tambm no o aceitou.

    Louva-se o fato de ele ter nascido na Bahia, mas h de se dizer que ele foi um filho rejeitado da Bahia. Ele no foi bem quisto pelos que assumiram o poder no estado em 1964. Quando regressou, tentou re-tomar o seu lugar, e tambm foi rejeitado. Teve que peregrinar, receber apoio, ajuda de pessoas. Alunos sustentaram Milton Santos nesse per-odo dif cil de sua vida, em que tinha um filho recm-nascido para criar. Ex-alunos pagaram as contas dele, o aluguel dele.

    Foi ento para o Rio de Janeiro, a convite de uma professora ami-ga, tambm com contratos provisrios. Aos 54 anos, submeteu-se a um concurso da Universidade de So Paulo e foi aprovado. O sistema de administrao da USP, na entrevista que se fazia, um psicoteste, creio, tambm o rejeitou, alegando que ele no tinha condies psquicas de assumir a vaga para a qual havia sido vitorioso. Ento, ele teve que travar uma batalha judicial para que a Universidade de So Paulo o contratasse como professor, onde permaneceu at morrer, em 21 de junho de 2001. Ele preferiu ser enterrado na capital So Paulo, cidade que lhe deu opor-tunidade para retomar o desenvolvimento de sua obra.

    O fato de ele ter nascido em Brotas de Macabas me parece mera circunstncia familiar. Ele somente nasceu naquela cidade da regio da Chapada Diamantina, na Bahia, porque seus pais, que eram professores negros, tinham sido convidados, em 1925, embora fossem de Salvador, para dar aulas em Brotas de Macabas, uma zona distante do oeste baia-no. Ele nasceu e ficou os primeiros anos ali, mas logo seus pais foram transferidos para Alcobaa, no sul da Bahia, onde de fato viveu sua pri-meira infncia, at os dez anos de idade. Seus pais eram professores na escola pblica estadual de Alcobaa. At hoje h lembranas deles l.

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    Milton Santos viveu ali at os dez anos de idade. Seus pais, rigorosos, introduziram-no nas primeiras letras do Latim e do Francs. Eram pro-fessores, portanto Milton aprendeu as primeiras letras e se alfabetizou com eles. Mas os senhores sabem que, naquela poca, depois dos dez anos de idade, a pessoa, para seguir o curso, tinha de ir para a capital, que era o nico lugar onde havia escola que admitia alunos que queriam progredir, queriam continuar estudando.

    Ento ele foi para Salvador sozinho, l continuou seus estudos e se tornou, digamos assim, professor de Geografia, sem mesmo ter curso superior. Fez Direito na faculdade que depois se tornaria a Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Na poca, essa faculdade era uma instituio privada. Ele terminou o curso de Direito, mas j dava aulas de Geografia, para o que se submeteu a concurso na Universidade Federal da Bahia, mas tambm no foi aceito a UFBA estava sendo organizada no final da dcada de 40.

    Ele no foi aceito porque sua rea era o Direito. Travou novamen-te uma batalha judicial, que durou mais de dez anos, para poder ter o direito de se submeter ao concurso para lecionar Geografia. Por fim, o ento Reitor Edgard Santos, que, na poca, organizou a universidade da Bahia, teve que convid-lo para dirigir uma rea de pesquisa, o Instituto de Morfologia da Universidade Federal da Bahia, j que ele no podia assumir a cadeira de Geografia, por no ser gegrafo.

    Ele foi admitido na Universidade Federal da Bahia ao regressar de Estrasburgo, tendo sido o primeiro negro doutor da Bahia doutor no sentido de ter doutorado. Naquele perodo, o fato de um negro e neto de escravos ser doutor causou um tremendo impacto na pequena provn-cia, Salvador, e em seu entorno.

    Ele foi convidado a assumir vrios cargos, inclusive polticos. Milton Santos sempre foi um militante poltico e participou de eleies, tendo disputado vereanas em Salvador. Nunca foi vitorioso dizem que, na verdade, ele gostava de disputar. claro que ele queria ganhar, mas no se importava com o resultado. Ele sempre foi um homem alegre.

    Esses so relatos de pessoas ainda vivas, que tenho entrevistado para produzir a biografia de Milton Santos. Tenho ido a todos esses lugares e, por exemplo, aos grupos de estudos para os quais ele colabo-rou na Europa Estrasburgo, Paris, Toulouse, Bordeaux; na Espanha, Barcelona, Madrid, Salamanca; na Inglaterra, Londres, onde foi colabo-rador de um grupo da rea de Geografia de esquerda. Publicava artigos

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    em algumas das revistas criadas pelos gegrafos de esquerda muito pre-ocupados com essa Geografia meramente f sica e descritiva. Queria criar uma nova Geografia, ou uma Geografia nova.

    Milton Santos esteve na frica, aproveitando o perodo em que atuou na Frana, em Estrasburgo, para fazer o doutorado. O governo francs lhe deu uma bolsa. Ele fez sua primeira viagem frica em 1959. H um livro dele em que descreve essa experincia de chegar frica. Soube pelo pro-fessor que o livro Marianne em Preto e Branco, que saiu em 1959, vai ser reeditado agora. Marianne o smbolo da Repblica Francesa. Ele relata no livro essa experincia em preto e branco, ou seja, na frica e na Europa.

    Ns estivemos recentemente na frica, nesses locais onde ele esteve. Encontramos ainda gegrafos que interagiram com ele, pessoas j bem velhinhas, mas lcidas. O ex-secretrio-geral da Unesco, um senegals foi secretrio da Unesco por mais de vinte anos , concedeu-nos uma entrevista em julho do ano passado, em Dacar. Falou da importncia de Milton Santos no entendimento dessa Geografia nova, da presena dos povos, dos pobres, dos imigrantes.

    A contribuio de Milton Santos para essa rea do conhecimento nos foi destacada por todas as personalidades, por todos os intelectuais eu-ropeus e africanos com os quais tivemos contato nesse ltimo ano.

    Nosso projeto de pesquisa dever resultar na biografia de Milton Santos, que foi autorizada por ele. Pretendemos public-la quando se completarem os dez anos de sua morte, ou seja, no prximo ano, 2011. A nossa ideia de que ela seja publicada entre junho e julho do prximo ano. Estamos na fase de realizao da pesquisa de campo nas Amricas, onde Milton Santos tambm esteve presente Venezuela, Costa Rica, Mxico, Estados Unidos e Canad.

    Esse trabalho que estamos fazendo na Universidade Federal da Bahia coordeno um grupo de pesquisa ligado ao CNPq, o Grupo de Pesquisa Permanecer Milton Santos tem sido realizado com o apoio tanto do CNPq quanto da Capes. A Fundao Capes concedeu-nos uma bolsa no ano passado para que pudssemos fazer esse trabalho na Europa e na frica. Neste momento, estamos tentando articular tambm recursos junto s fundaes de fomento pesquisa ou a fundaes de apoio a pro-jetos culturais, para completar essa fase do estudo, que visa a levantar dados e informaes sobre a vida e a obra de Milton Santos nas Amri-cas, principalmente no Brasil.

  • 42 Milton Santos Vida e Obra

    O nosso compromisso oferecer s novas geraes e tambm a ns, que aqui estamos, esse trabalho, para que a memria de Milton Santos permanea, porque isso bom para o Brasil. Ele sempre foi um homem que lutou pela ampliao da democracia e fez opo preferencial pelos pobres, antes da Teologia da Libertao faz-lo. Era um marxista no or-todoxo. Sofreu grande influncia do marxismo, principalmente do mestre dele em Estrasburgo, o prof. Tricart.

    Toda a obra dele, que pode ser sintetizada para o grande pblico nes-te livro que o prof. Aldo certamente apresentar, Por uma outra Globa-lizao, na verdade um discurso poltico a favor dos de baixo, sem excluir as demais camadas da populao.

    Trata-se no somente de um negro, mas de um homem que se sentia como negro e pensava como um intelectual do mundo, independente-mente da cor da pele dele.

    Muito obrigado. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Ldice da Mata) Obrigada, Fer-

    nando, por sua exposio, em que, conforme o roteiro do seminrio, tratou do tema Milton Santos: O homem e o intelectual.

    Apesar da brincadeira que fiz, quero dizer que conheo o Fernando e sei que foi uma das lideranas populares mais importantes da nossa gerao. Com sua experincia comunitria, construiu uma experincia educacional inovadora no seu bairro, com outros jovens lutadores, a Escola Aberta do Calabar o nome dessa comunidade Calabar. Tem tudo a ver com aquilo por que lutvamos e que pensvamos.

    Para falar sobre o Tema 2, A obra revolucionria de Milton Santos teoria geogrfica, globalizao e Terceiro Mundo, vou passar a palavra ao prof. Aldo Alosio Dantas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O prof. Aldo tem mestrado e doutorado em Geografia Humana pela Universidade de So Paulo (USP) e estgio doutoral em Paris.

    Estamos tentando determinar o tempo das exposies em cerca de 15 minutos, mas, claro, teremos toda a disposio de ouvir mais os nos-sos convidados, se necessrio. A limitao do tempo visa apenas a dar a todos a oportunidade de falar.

    O SR. ALDO ALOISIO DANTAS Boa tarde a todos os presentes.Eu queria, antes de comear a minha fala, agradecer o convite que me

    foi feito pela deputada Ldice da Mata.

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    A senhora no sabe, mas eu no fui um dos seus ferrenhos adversrios. Quando comecei a militar no movimento estudantil, na Bahia eu era da Virao , a senhora j despontava como uma das lideranas da Bahia. Eu fui para o Rio Grande do Norte, onde moro hoje, e tenho orgulho de ser conterrneo de Milton Santos e de ser nordestino duas vezes e brasileiro.

    S com base no que j foi dito aqui sobre o prof. Milton, eu j falaria muito, mas me pediram para abordar um tema que engloba um outro conjunto de coisas sobre as quais tenho vontade de sair falando.

    O prof. Milton tinha a caracterstica muito peculiar de ser radical no seu pensamento. Ele sempre se dizia um militante de ideias. Nesse sentido, ele foi mais que um militante de ideias. Achava que, na poltica, preciso fazer algumas concesses, o que um militante de ideias no pode fazer.

    Era um homem cheio de paradoxos. O prof. Milton quis ser enterrado em So Paulo, mas So Paulo, assim como a Bahia, no o aceitou. A USP at hoje no fez jus ao grande homem, ao grande gegrafo que foi Milton Santos. Isso preciso ser dito com todas as letras. Um pouco antes de morrer, ele foi USP e foi hostilizado! preciso que se diga isso. pre-ciso que tenhamos bastante clareza disso. uma pena que a prof. Maria Adlia no possa ter vindo a este encontro, porque ela foi, sem dvida, a maior companheira intelectual, amiga de Milton Santos. Foi quem arru-mou emprego para ele, porque no foi aceito na Bahia, no Rio de Janeiro nem em So Paulo. Foi uma dificuldade muito grande para o prof. Milton Santos ser aceito na Universidade de So Paulo.

    Bom, s isso daria muito o que falar, mas a minha interveno no vai privilegiar esses aspectos. Eu fui convidado para abordar este tema: A obra revolucionria de Milton Santos teoria geogrfica, globalizao e Terceiro Mundo.

    Gostaria de dizer que, para mim, um orgulho muito grande estar na Cmara dos Deputados para falar desse grande mestre, desse grande homem, sem dvida o maior gegrafo brasileiro no s um brasileiro, mas um pensador do Sul.

    Sem sombra de dvida, podemos colocar o prof. Milton Santos, que faz uma interpretao do Brasil e do mundo atravs do territrio, ao lado de Florestan Fernandes, que faz uma interpretao da socieda-de brasileira; de Celso Furtado, que faz uma interpretao do Brasil a partir da economia; e de Darcy Ribeiro, que faz uma interpretao do povo brasileiro.

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    Quero dizer outra coisa, antes de comear minha exposio pro-priamente dita: no ano que vem faz dez anos da morte do prof. Milton Santos. No ano passado eu fiz um seminrio grande na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e seguramente faremos de novo uma homenagem a ele no to grande, porque no conseguimos, em razo dos recursos, fazer sempre grandes seminrios , e todos os senhores esto convidados.

    Bom, antes de fazer uma interpretao da obra do Milton, eu queria deixar ele falar um pouco, se os senhores me permitirem.

    Em entrevista concedida em 2001 aos jornalistas Carlos Tibrcio e Slvio Caccia Bava sobre os problemas urbanos, com os quais estamos estarrecidos hoje, e sobre o urbanismo, os jornalistas perguntaram a ele como sair daquela situao, que j era complicada em 2001. E o prof. Milton respondeu:

    Estudando. Porque eu acho que na rea de planejamento urbano, planejamento das cidades em geral, h um con-junto de preconceitos que impedem de pensar. Eu no sei como convencer um administrador a estimular as pessoas a pensarem. Um prefeito teria de ter dois organismos de estudos diferentes. Teria de ter um organismo como a Se-cretaria de Planejamento (Sempla), por exemplo para o dia a dia, o feijo com arroz , e um grupo de pessoas que pensasse independentemente da Sempla.

    Ou seja, um grupo de pessoas que pensasse de forma independente das necessidades correntes da administrao. uma deciso dif cil, mas necessria.

    E prossegue:

    Se rompssemos com essa viso da cidade como um dado independente da dinmica territorial, isso nos levaria a uma outra viso dos problemas, inclusive da construo da poltica e da Federao. As questes ur-bansticas se fazem independentes, tanto que os mode-los atuais, hegemnicos, so estrangeiros, de um modo geral. Eles so importados, assim como so importados os pensadores estrangeiros que vm aqui dizer que de-vemos fazer assim, devemos fazer assado.

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    No Brasil, como na Amrica Latina, e hoje na frica e na sia, a urbanizao se d em uma velocidade que nunca houve na Europa. E ns adotamos um modelo de uma evoluo lenta, gradual, domesticada pela eficincia da cidadania, exemplos que copiamos tranquilamente como se a realidade brasileira no fosse trepidante, de cidades sem cidados. Tudo isso vem tambm de um d-ficit de anlise. Continuamos adotando modelos estran-geiros e mesmo dentro da esquerda h um bom nmero de administradores que tomam exemplos estrangeiros e os aplicam servilmente, tranquilamente, sem a crtica das esquerdas.

    Eu deixei o nosso homenageado falar, primeiro para lhe fazer uma homenagem mesmo, e, segundo, porque tudo o que vou dizer daqui para frente est permeado por esse pensamento.

    Para poder se inserir no horizonte mesmo de consideraes dos pro-blemas cientficos em nosso caso, aqueles da Geografia, da cincia ge-ogrfica cada pensador precisa, inicialmente, redimensionar a prpria origem do pensamento. Precisa estabelecer novas demarcaes, definir espaos alternativos de tratamento de questes, reordenar conceitos e compreenses, estabelecer modos diversos de expresso e se inserir de maneira particular no rico dilogo com a tradio.

    Tudo isso somente possvel se o pensador trouxer consigo o hori-zonte interpretativo prprio que abre caminho para tal empreendimento.

    Desse modo, o que ns vamos falar agora comea com a pergunta sobre o horizonte primordial do pensamento de Milton Santos.

    O primordial do pensamento do Milton que ele consegue ser criati-vo ao rever e propor uma nova teoria geogrfica de anlise social.

    A primeira coisa que ele sempre teve em mente e que perpassa toda a sua obra a ideia de produzir uma teoria do espao geogrfico. A outra o mundo visto a partir do Sul, o que implica a no oposio e a no comparao excessiva.

    Sobre o primeiro ponto eu no vou falar agora, pois considero que seja mais papo para gegrafos. Se esta fosse uma discusso apenas de gegrafos, eu entraria na discusso da teoria do espao. Ele dizia que o espao um conjunto indissocivel e contraditrio de sistemas de

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    objetos e sistemas de aes. Se algum na discusso quiser que nos alon-guemos um pouco sobre isso, ns podemos falar.

    Acerca da segunda questo, Milton se perguntava sobre a oposio en-tre o desenvolvido e o subdesenvolvido. Ele dizia que essa oposio tem por postulado que o Terceiro Mundo um mundo em desenvolvimento, ou seja, que est numa situao de transio para o que hoje so os pases desenvolvidos.

    Isto algo que aparece nos livros didticos. Como estamos na Co-misso de Educao, acho bom dizer que seria interessante revermos nossos livros didticos. Ns aprendemos que o Brasil um Pas que est em processo de chegada ao Primeiro Mundo. Essa uma afirmao que o Milton combatia ferrenhamente. Daqui a pouco eu vou tentar mostrar um pouco por qu.

    No se trata, dizia o Milton, de um mundo em desenvolvimento, mas de um mundo subdesenvolvido, com suas caractersticas prprias e seus mecanismos fundamentais que seria necessrio serem demonstrados. Ento, o prof. Milton insistia em que precisvamos ter o Brasil como exemplo: os maus exemplos no deveriam ser seguidos, e os bons deve-riam ser adotados.

    O prof. Milton insistia na ideia de que no adianta pensarmos que o Brasil a Frana pequenininha ou os Estados Unidos pequenininho. So outros mecanismos que nos movem, e nesse sentido a teoria do professor era revolucionria: ele no admitia que continussemos a analisar um Pas como o Brasil, com as suas caractersticas, dessa forma. E lanou, no incio da dcada de 70, o livro intitulado O Espao Dividido, publicado primeiro na Frana, onde ele discutiu a questo do setor tercirio da economia, tentando fazer uma interpretao original dos pases do Terceiro Mundo.

    Agora, para termos uma ideia do que eu estou falando, para tentarmos entender o prof. Milton, eu trouxe aquelas metforas. Eu fao isso porque os alunos, quando eu falo disso, tm dificuldade para entender, e quem no gegrafo, s vezes, tambm tem.

    O que basicamente que o prof. Milton Santos estava dizendo? Eu uso isso sempre como metfora. Ali esto dois ovos, um dizendo: Como somos iguais!. O outro: Como somos diferentes!

    Aquilo o ovo de uma galinha. Isso o que eu chamo de teoria do pato e da galinha: ovos muito semelhantes podem dar bichos comple-tamente diferentes. como se analisssemos o Brasil e a Frana e dis-

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    sssemos: Olha, daqui a uns dias ns vamos ser como isso aqui. E, na verdade, o que existe ali dentro um pato, e no outro, uma galinha.

    H outra alegoria que eu uso muito com meus alunos: a do diamante e o grafite. Por serem de carbono, achamos que so a mesma coisa, e so coisas completamente diferentes.

    Isso, sem dvida nenhuma, est no cerne da discusso e da rejeio que o prof. Milton fazia. No se trata de uma xenofobia. O prof. Milton foi um grande pensador, um grande estudioso como j foi dito aqui de Marx, principalmente de Ortega y Gasset, seu filsofo preferido; de Sartre, que outro grande filsofo que orienta as suas pesquisas e o seu pensamento. Se tem uma coisa que podemos dizer que aparece na obra do prof. Milton em todos os momentos essa necessidade de mostrar como so necessrios os mecanismos que nos so prprios. No adianta fazermos comparaes excessivas. Os mecanismos so nossos, so me-canismos prprios. So esses mecanismos que devemos entender para propor solues para o Brasil. Nessa fala dele que acabei de ler, ele est colocando isso. Temos uma urbanizao que muito mais galopante. Nos livros didticos aparece aquela ideia de que temos que ser inchados. Por que se diz que a nossa urbanizao doente? porque a s a euro-peia? Isso uma coisa extremamente complicada. Se temos algum tipo de doena, no na Europa que vamos buscar as causas dessa doena, porque a Europa tambm tem suas doenas prprias, que so diversas das nossas. E temos a mania de achar que no h problemas na Europa, nos Estados Unidos. L so problemas de outra ordem.

    Ns achamos que l no tem violncia. Claro que tem violncia! A crise no uma violncia? Pessoas que saem atirando em escolas ma-tando dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta crianas, que uma coisa que comumente no vemos no Brasil, no um tipo de violncia? En-to haveramos de dar conta, atravs do territrio, atravs dos lugares. isso que o prof. Milton Santos sempre reclamava. O gegrafo fica l no canto. E acho at que faz um certo sentido, porque ficamos, s ve-zes, contando quantas montanhas havia no Brasil, qual era a margem direita, a margem esquerda, quantos metros tinha o Rio Amazonas, e deixamos o barco passar. Mas acho que est na hora de os gegrafos retomarem essa questo. Essa chamada da Cmara dos Deputados ex-tremamente interessante e para isso o prof. Milton Santos contribui sem dvida nenhuma pois coloca discusso a Geografia, o territrio, os lugares. preciso deixar de fazer planejamento setorial. No adianta

    LeandroSublinhado

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    ficar apagando incndio. Era nisso que o prof. Milton Santos insistia. Temos que dar conta dos lugares, e os lugares no so setoriais, mas complexos. Temos que v-los nas sua complexidade. Essa a sua teoria revolucionria.

    Falar do livro Por uma outra globalizao levaria o mesmo tempo que j falei. Ento vou s pontuar a questo da globalizao. O que vocs esto vendo uma anlise que fao do Rio Grande do Norte a partir das ideias do prof. Milton. Temos uma regio no Rio Grande do Norte que insiste em ter bons ndices, mesmo quando todos os economistas dizem que elas esto em decadncia econmica. E as que esto se levantando economica-mente tm os piores ndices. A gente no se d conta disso, e s o territ-rio capaz de mostrar esse tipo de coisa. No vou-me deter nisso.

    Por uma outra globalizao. O prof. Milton escreveu esse livro para ser lido por todos, no s pelos gegrafos. A minha grande amiga prof. Maria Laura, uma grande gegrafa brasileira nascida na Argentina, e tambm uma das grandes amigas do prof. Milton Santos, escreveu junto com ele o ltimo livro que ele publicou. Dizia ela que Por uma outra glo-balizao, na verdade, era um belssimo tratado de tica contempornea.

    O prof. Milton dizia que essa globalizao, na verdade, se apresentava com trs aspectos: um era o mundo da fbula, da fabulao. O outro era o mundo real ou da perversidade. O outro ele analisava como o das possibilidades.

    No debate podemos aprofundar. Eu no vou cansar vocs com rela-o a isso.

    A prxima uma questo tambm da globalizao. Retomaremos na hora da discusso.

    Para finalizar, eu gostaria de retomar o pensamento do Milton Santos.H uma citao da prof. Maria da Conceio Tavares no livro Por uma

    outra globalizao, mas eu preferiria deixar para depois. Eu estava vin-do no avio lendo algumas coisas do Milton e pensei de encerrar com o prprio Milton, porque, afinal de contas, ele o maior homenageado. En-to podemos deixar para depois essa finalizao. Deem uma lida na prof. Maria da Conceio Tavares.

    Falando sobre o perodo atual, Milton dizia que esse mundo perver-so, cria carncias, cria ignorncia. E ele dizia: A ignorncia fundamen-tal. O mundo de hoje cria, a cada dia, novos ignorantes e essa a beleza do mundo atual. essa ignorncia bendita que permite a vontade de descobrir. Nas cidades os pobres encarnam essa ignorncia bendita e a

    LeandroSublinhado

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    eles cabe descobrir. Os ricos, os bem-dotados, cevados no seu conforto, acostumados s ideias que mantm esse conforto, no podem pensar, porque pensar mudar.

    Muito obrigado.A SRA. PRESIDENTA (Deputada Ldice da Mata) Muito obrigada,

    prof. Aldo.Vamos passar agora ao terceiro tema previsto no seminrio, que

    Natureza na obra de Milton Santos.Eu vou passar a palavra prof. Marlia Luza Peluso, professora-

    -chefe do Departamento de Geografia da UnB, graduada em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina, com especializao em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Braslia, com mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela UnB e doutorado em Psicologia Social pela Pontif cia Universidade Catlica de So Paulo. Atualmente pro-fessora adjunta da Universidade de Braslia. Tem experincia na rea de Geografia, com nfase em Geografia Humana, atuando principalmente nos temas de habitao, representaes sociais e espaos.

    Com a palavra prof. Marlia Luza Peluso.A SRA. MARLIA LUZA PELUSO Boa tarde. Eu agradeo pre-

    zada deputada Ldice da Mata a oportunidade de estar presente aqui neste evento em que se vai falar sobre Milton Santos, uma referncia para a geografia brasileira e internacional.

    Eu agradeo tambm o convite dos baianos, j que eu sou catari-nense. Eu vou chamar a ateno justamente para essa parte nacional e internacional do Milton Santos. Mas sempre um agradecimento que eu gostaria de deixar feito.

    Tambm aos meus alunos vejo muitos aqui presentes , que me ajudaram a pensar a obra de Milton Santos, que eu sempre retomo nas minhas aulas, principalmente na ltima turma, na qual eu abri um tem-po longo para discutir essa obra.

    Devo dizer que um grande prazer estar aqui falando sobre Milton Santos, mas tambm um grande desafio, porque ele tem um pensa-mento muito complexo, porque h inmeras vozes que se cruzam nos seus escritos. Ento, nessa complexidade toda, ns temos que escolher alguma coisa. Eu optei justamente por apresentar uma pequena nota sobre isso, sobre o conceito de natureza em Milton Santos. Por que natureza? Porque a natureza um conceito-chave em Geografia, que

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    consta dos primeiros gegrafos, que buscaram sistematizar a nossa rea de estudos, cuja discusso no terminou at hoje. Ela origina vrias dis-cusses, polmicas e tudo o mais.

    Ento, a ideia de que os gegrafos superem esses conflitos. Mas eu acho que no; esses conflitos so seminais, so importantes. So esses con-flitos que nos fazem discutir e que nos fazem superar nossas limitaes.

    Tambm devo dizer que h muita subjetividade no que vou desen-volver. Ao contrrio do que prescrevia o mestre Milton Santos, quando escreveu O Estado Nao Como Espao, Totalidade e Mtodo, que, entretanto, no nvel mais prximo do pesquisador, aumenta as possibili-dades de erro na escolha das variveis pelo risco de subjetivao.

    Entretanto, o que se pode fazer? Apesar da busca pela objetividade, sempre camos na armadilha da escolha das variveis.

    Fiz as observaes acima mais ou menos para mostrar como preten-do interpretar a obra de Milton Santos. Essa minha interpretao sobre a natureza eu gostaria que seguisse dois caminhos: no primeiro, a histo-ricidade da natureza; e, no segundo, o conhecimento da natureza como expresso da razo.

    Sobre a historicidade da natureza, em artigo de 1982, na coletnea Novos Rumos da Geografia Brasileira, Milton Santos escreve sobre a contribuio do marxismo para os novos tempos geogrficos e enfatiza:

    Esse instrumental crtico somente pode provir de um conhecimento abalizado das categorias e de um dom-nio igualmente assentado na histria, sobretudo dos seus dados presentes. Fora da, o risco grande de che-gar a concluses que afastam do real em vez de permitir sua interpretao.

    Nessa frase, creio eu, encontram-se duas vertentes muito importan-tes: primeira, o conhecimento assentado na histria. E o conhecimento como interpretao do real. Se o conhecimento assentado na hist-ria, o conhecimento da natureza tambm assentado na histria; se o conhecimento a interpretao do real, a natureza deve ser entendida dentro do real total do presente.

    Para tanto, os conceitos no devem ser congelados. E a, citando Milton Santos, indispensvel levar em conta as novas condies histricas, tanto

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    as infraestruturais quanto supraestruturais. Assim eu pergunto se a pr-pria natureza que muda ou se o seu conceito que se altera.

    Eu posso responder com razovel grau de certeza que, para Milton Santos, o que a natureza depende de sua posio como elemento da totalidade parcial dinmica e de sua relao com os outros elementos. Escreve Milton Santos:

    O que nos interessa o fato de que, a cada momento histrico, cada elemento muda o seu papel e a sua posi-o no sistema temporal e no sistema espacial, e a cada momento, o valor de cada qual deve ser tomado da sua relao com os demais elementos do todo.

    Falar da historicidade da natureza no lembrar sempre de que nos encontramos frente a uma segunda natureza configurada pela socieda-de. Eu acho que podemos tratar disso, mas de um pouco mais. E apesar do pouco tempo, eu acho que vale a pena explorar esse aspecto e que se deve levar em considerao a interao e a interdependncia entre os elementos componentes do espao, como faz Milton Santos, por exem-plo, em 1995, citando apenas um dentre os muitos trabalhos dele:

    Nesse momento, a natureza no mais meio natural, mas o conjunto de complexos territoriais que consti-tuem a base f sica do trabalho humano. E os elementos do espao so vistos pela tica do trabalho e da produ-o para os quais a natureza um suporte num perodo tcnico cientfico.

    Se a natureza s pode ser compreendida dentro do total real do pre-sente, como diz Milton Santos a histria o hoje de cada atualidade no significa que ela tambm no tenha uma histria, mas sempre dentro desse espao temporalidade humana.

    o que Santos chama de sistemas de natureza sucessivos, que se su-cedem desde quando o homem retirava do ambiente aquilo de que ne-cessitava at a sua transformao em natureza social no perodo tcni-co-cientfico-informacional. Temos, ento, nesses sistemas a passagem de uma natureza natural natureza objeto artificial. Em nosso mundo, se estabelece, por isso, um novo sistema da natureza, um sistema e uma natureza que conhece o pice da sua desnaturalizao.

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    Em 1997, Santos retoma a estoicidade da natureza, mostrando o an-tes e o agora, e, no agora, uma natureza transformada em objeto. No princpio, diz ele, tudo eram coisas; enquanto hoje, tudo tende a ser ob-jeto, j que as prprias coisas e ddivas da natureza, quando utilizadas pelos homens, a partir de um conjunto de intenes sociais, passam tambm a ser objetos.

    Assim, a natureza se transforma em um verdadeiro sistema de obje-tos, e no mais de coisas, o que completa o processo de desnaturalizao da natureza, dando a esta ltima um valor. Ou seja, a natureza foi trans-formada em recurso, como ele escreveu em vrios momentos, e, como tal, divisvel, transformvel e monetarizada. Ela mudou sua posio no sistema temporal e no sistema espacial e sua relao com o sistema. Agora no mais o de proporcionar ddivas para satisfazer as necessi-dades humanas, mas, tomada pela tcnica e pela diviso do trabalho, um recurso do processo de produo e um momento dos tempos dos modos de produo.

    Ento, eu fiz uma pergunta se a natureza que muda ou se o seu concei-to. Creio que fui respondendo ao longo do texto, mas gostaria de terminar esta parte com a ltima transformao da natureza em segunda natureza.

    Uma determinada leitura de Milton Santos, como a que estou fazendo agora, permite dizer que talvez seja a prpria natureza que mudou desde os tempos primordiais, que jamais conheceremos, at o perodo urbano atual, em que a cidade o lugar mais perfeito do predomnio das tcnicas.

    Santos escreve que a antiga distino entre a primeira natureza e a se-gunda natureza deve ser flexibilizada, pois a natureza j modificada pelo homem tambm a primeira natureza, visto que a produo no mais ao do trabalho sobre a natureza, mas do trabalho sobre o trabalho.

    Pode-se dizer, ento, que, se o papel muda, o elemento da totalidade do sistema tambm j no mais o mesmo. No quero, porm, concluir taxativamente. Deixarei essa resposta em aberto para que se faam re-flexes sobre a coisa em si, a natureza, ou o seu valor, a natureza para o modo de produo.

    A outra questo que eu gostaria de trazer a maneira como Mil-ton Santos trata da razo quando ele pensa a natureza. Aqui, as catego-rias-chave so ideologia e smbolo.

    Foram somente trs livros que eu utilizei, porque o tempo pouco. Mas eu poderia dizer que neles, ideologia e smbolo, passando de 1982

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    at 1996, com o livro A natureza do espao: tcnica e tempo, razo e emoo, eu diria que a impresso que se tem que a ideologia e os sm-bolos so os mesmos ao longo dessas duas dcadas. Mas, na realidade, parece-me que so coisas diferentes.

    Em 1982, Milton Santos aborda a ideologia e o smbolo como en-cobridores da realidade, com uma aparncia que dificulta e ao mesmo tempo impede conhecer verdade a essncia. Para ele, o objeto possui duas faces: a verdadeira, que no se entrega facilmente ao observador, e a face visvel, moldada pela ideologia. Conhecer, ento, encontrar a essncia sobre as aparncias, encontrar a face oculta do objeto.

    E, mais adiante, quando ele discute a arquitetura funcional da Bauhaus, em 1982, ele a chama de arquitetura de mass media, prenhe de intencionalidades e de simbolismos.

    Portanto, desfetichizar o homem e o espao arrancar Natureza os smbolos que ocultam a sua verdade.

    No segundo livro, em 1986, Milton Santos no desistiu de buscar a verdade Milton Santos considera a razo como o caminho para conhe-cer a verdade e de conhecer o real concreto em toda a sua plenitude. Mas agora a ideologia e o smbolo passam a fazer parte da realidade e no mais a escond-la, ou talvez exatamente por escond-la e talvez exatamente para escond-la.

    Santos no desacredita na razo, mas ela no mais a razo ilumi-nista e filosfica que permite compreender o mundo, mas uma razo domada, que produz uma racionalidade conforme os fins e os meios, obedientes razo do instrumento, razo formalizada, ao debelada por outros, informao por outros.

    Em 1982, ideologia e smbolo estavam fora da realidade. E procuravam fetichiz-los. Em 1996 diz ele: A ideologia produz smbolos criados para fazer parte da vida real, e que frequentemente tomam a forma de objetos.

    A ideologia , ao mesmo tempo, um dado da essncia, um dado da existncia nesse fim de sculo XX. a razo hegemnica das tcnicas, a razo universal imposta pela globalizao, a razo que transforma sem-pre a natureza em segunda natureza, continuamente subjugada pelo modo de produzir que tudo domina, homens e natureza.

    Mais dialeticamente, a mesma razo instrumental produz uma con-trarrazo. Objetivamente, pode-se dizer que, a partir dessa racionali-dade hegemnica, instalam-se, paralelamente, contrarracionalidades.

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    Dialeticamente tambm a razo deslocou-se para a periferia, para a con-trarracionalidade dos pobres, dos migrantes, dos excludos, das minorias. De um ponto de vista econmico entre as atividades marginais, tradicio-nal ou recentemente marginalizadas, e de um ponto de vista geogrfico das reas menos modernas e mais opacas, tornadas irracionais pelos usos econmicos, a razo deslocou-se para outras formas de racionalidade racionalidades paralelas, divergentes e convergentes ao mesmo tempo.

    Ento, para terminar, pergunto se ainda se pode conhecer a Natureza como elemento do real concreto em toda a sua realidade e concretude ou se s podemos conhec-la pela ideologia e smbolo como recurso e meio desumanizado em que ela se transformou. Acredito que ns devemos tra-zer sempre essas contrarracionalidades para podermos, enfim, conhecer a Natureza e a razo.

    Muito obrigada. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Ldice da Mata) Agradecemos

    prof. Marlia pela contribuio ao nosso debate.Para dar prosseguimento reflexo sobre o pensamento de Milton

    Santos, convido o prof. Rafael Snzio Arajo dos Anjos e o nosso queri-do companheiro Zulu Arajo.

    O SR. RAFAEL SNZIO ARAJO DOS ANJOS Uma palavra de agradecimento a minha prefeita de Salvador, Ldice da Mata, porque a semente da geografia que pratico teve oportunidade na sua gesto.

    Foi no Centro de Estudos Afro-orientais eu era estudante de Geogra-fia que consegui ajudar na primeira formao de educadores da discipli-na de Introduo aos Estudos Africanos, que tinha trs cincias bsicas: Geografia da frica, Antropologia da frica e Histria da frica. Pude colaborar nesse momento histrico. um dos primeiros municpios, se-no o primeiro, em que hoje vemos uma lei nacional que nos permite, em todos os nveis de ensino, introduzir a matriz africana.

    Ento, a deputada Ldice da Mata tem uma importncia muito gran-de na minha formao, na minha possibilidade de praticar uma geogra-fia em que acredito e que tem substncia no mestre, pois vivemos um momento histrico de poucos mestres.

    O mestre Milton Santos a ponta de uma linha que est em extino. H poucos mestres para pedirmos apoio, para pedirmos uma teoria, para pedirmos colo. Onde estou? Para onde vou? O velho mestre nos d esse suporte. Ele destampou uma panela para pelo menos um sculo de

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    pesquisa. como um PRVG, pesquisa para 200 anos. Ns estamos com a limitao dessa interpretao. O mestre Milton Santos no de uma interpretao, de vrias. Somos, porquanto seres humanos, limitados. Como acompanhar um homem que ia alm? Acho que ele era daqueles seres que tinha um terceiro olho e enxergava um pouco mais.

    Eu admiro os homens e mulheres que conseguem enxergar um pou-co mais nesse sistema que nos limita. Esse sistema muito limitado. E nos limita cada vez mais, robotiza a universidade, que est em risco. A pesquisa est em risco. O futuro est em risco. Um pas sem pesquisa como um tiro no p. Ningum ganha, um atraso. Ou investimos em pesquisa ou no vamos nos conhecer efetivamente.

    Esse papel debatedor complexo. Tudo que foi dito aqui procede. Ns fizemos, no ano retrasado, em 2008, um livro que, em parte, uma homenagem ao mestre Milton Santos e a outro mestre em que a Geo-grafia se apoia, Gerardo Mercator, do sculo XVI, o homem que criou, com sua famlia, o mapa que iniciou a globalizao.

    No sculo XVI, no alm-mar, nos encontros de culturas, o mestre Milton Santos, como a ponta da linha, explicou o que so cinco sculos de encontros de dinmicas nesse mundo. Gerardo Mercator e Milton Santos esto nesse livro.

    Gostei do que disseram o prof. Aldo, a prof. Marlia e o representan-te oficial da biografia muita responsabilidade, uma coisa grandiosa, para poucos.

    Vou ler aqui trs citaes que dizem muito do velho mestre e que parecem vivas em tudo que fazemos hoje nos dois grandes projetos es-truturais que conduzimos na Geografia da UnB: Projeto Geografia Afro--brasileira e Projeto Dinmica Territorial.

    Primeira citao peo licena para ler o que o mestre escreveu em 2003:

    O territrio o cho e mais a populao, isto , uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer quilo que nos pertence. O territrio a base do trabalho, da residncia, das trocas materiais e espirituais e da vida sobre as quais ele influi.

    Sobre a globalizao, duas citaes dizem, para mim, quase tudo.

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    Primeira:

    O espao se globaliza, mas no mundial, como um todo, seno como metfora. Todos os lugares so mun-diais. No h espao mundial. Quem se globaliza mesmo so as pessoas e os lugares. No mundo globalizado, o espao geogrfico ganha novos contornos, novas carac-tersticas, novas definies.

    O mestre escreveu isso em 1997 e 2003.Para mim, h escritos que no precisam ser reescritos. Muito do que

    o mestre Milton Santos escreveu sinto-me pleno por simplesmente pedir autorizao formal para citar o que ele escreveu porque tamanha a verdade, tamanha a fora do seu escrito que continua muito vivo e re-presentativo no temos que reescrever. importante citar, relembrar o que j est feito. Apenas podemos avanar um pouco na interpretao.

    Sobre o fenmeno humano, ele diz:

    O fenmeno humano dinmico e a fora da revelao desse dinamismo est exatamente na transformao qualitativa e quantitativa do espao habitado.

    Para fechar, em 1982 ele escreveu o seguinte: O espao a acumula-o desigual dos tempos.

    Obrigado por esta oportunidade. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Ldice da Mata) Obrigada, prof.

    Rafael. Eu no sabia desse nosso encontro no passado, mas fico muito grata por essa revelao para que possamos tambm ter a dimenso de tudo o que fizemos.

    Com a palavra o Sr. Zulu Arajo.O SR. ZULU ARAJO Boa tarde a todos, aos meus companheiros

    de Mesa, prof. Aldo, prof. Fernando Conceio, prof. Marlia, prof. Ra-fael Snzio e a deputada Ldice da Mata.

    Em primeiro lugar, gostaria de parabenizar a deputada Ldice da Mata pela iniciativa e pelo convite para estar aqui e dizer que tambm sou baia-no. A exemplo de Zez, sou arquiteto e fui adversrio dela na juventude.

    um pouco a partir desse referencial que gostaria de fazer alguns pe-quenos comentrios sobre como tive acesso, como conheci um pouco

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    digo um pouco porque no sou especialista, no sou estudioso a obra do Milton Santos. E foi tambm por ser baiano que fui influenciado por seu trabalho.

    Conheci a obra de Milton Santos por meio de uma pessoa na Uni-versidade Federal da Bahia, no perodo de militncia estudantil, e por meio da minha militncia poltica. Na Universidade Federal da Bahia, fui contemporneo de Miltinho, Milton Santos Filho, filho de Milton Santos. Ele era da Escola de Economia e eu, da Escola de Arquitetura. Ele era colega de Ldice da Mata. Era de um grupo chamado Liberdade e Luta, um grupo muito aguerrido da dcada de 70. A deputada era do grupo Virao, um apelido dado ao glorioso Partido Comunista do Brasil. E eu era da reforma, um grupo chamado na Bahia de Sangue Novo, que era como tambm se chamava o pessoal do partido. Est-vamos todos, portanto, devidamente incorporados s correntes polti-cas naquele perodo da Universidade Federal da Bahia.

    E foi Miltinho quem me chamou a ateno para o que o pai dele di-zia ele ainda no estava na cidade de Salvador. Houve um fato na Bahia naquele perodo, em 1975 ou 1976: pela primeira vez na histria da Uni-versidade Federal da Bahia, houve trs candidatos negros Presidncia do DCE: Valdlio Silva, pelo Virao, que cursava sociologia; Milton Santos Filho, pelo Liberdade de Luta; e Zulu Arajo, pelo Sangue Novo.

    Ele me chamou a ateno para esse fato porque na Universidade Federal da Bahia, na Escola de Arquitetura, por exemplo, que tinha 600 alunos, dois ou trs eram negros.

    Certa vez fui fazer uma fala num anfiteatro da Faculdade de Medici-na e praticamente fui expulso de l. L de baixo, um dos estudantes disse que eu estava atrapalhando a aula, que lugar de preto era na cozinha,