11

Minimalidades - Degustação

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Minimalidades - Degustação
Page 2: Minimalidades - Degustação

4

Recife, 2013

Copyright© by Rômulo César Melo Revisão Priscila Varjal Capa Eduardo Souza

Produção Gráfica Bagaço Design Ltda. Lot Estrada de Tabatinga, 336 • Tabatinga Igarassu/PE • CEP 53605-810 Telefax: (81) 3205.0132 / 3205.0133 e-mail: [email protected] www.bagaco.com.br

* Endereço para correspondência: Rua Luiz Guimarães, 263. Poço da Panela, Recife-PE • CEP 52061-160

Recife-PE • CEP 52061-160 Minimalidades / Rômulo César Melo. — Recife : Bagaço, 2013. 95p. 1. FICÇÃO BRASILEIRA — PERNAMBUCO. I. Título. CDU 869.0(81)-3 CDD B869.3 PeR — BPE 13-540 ISBN: 978-85-8165-087-6 Impresso no Brasil — 2013

Page 3: Minimalidades - Degustação

5

Este livro vai para meus avós Célia, elegância e

doçura, e Mayr, de quem herdei o gosto pela boemia;

Luzinete, força e carisma, e Alfredo, de quem herdei o

gosto pela leitura; meus pais Fernanda e Rômulo, por

tudo, e por sempre comprarem revistinhas e livros na

infância; Cláudia e os meninos, Rafaela e Rodrigo,

grandes amores, pelas horas de ausência defronte ao

computador; e a formiguinha do bairro do Derby, o

primeiro personagem que deu origem ao projeto deste

livro.

Page 4: Minimalidades - Degustação

6

prefácio

Este livro é fruto de uma formiga. Pelo menos a ideia em concebê-lo surgiu da observação do inseto presente no conto “Um céu de goiabas”. Estava sozinho no carro estacionado em frente ao portão do prédio da minha infância e adolescência, e isso não é uma metáfora, no bairro do Derby, quando avistei a formiguinha carregando um pedaço de folha muitas vezes maior do que o próprio corpo. Então, vislumbrei a grandiosidade daquela formiga ínfima, quanta pujança num corpo frágil. Tamanha força de vontade deveria estar firmada em algum motivo importante ou nobre, quiçá leve nas costas o almoço dos filhotes, pois alimentar um filho sempre será um grande estímulo para a superação. Grandiosa formiguinha. Quem sabe um dia outras formigas passeiem pelas folhas deste livro e delas se alimentem, para depois talvez sonhar com um céu carregado de deliciosas goiabas.

Vieram os pensamentos sobre como deve ser o coti diano dos animais no seu universo particular. E se fosse igual ao nosso? Qual a imagem que passamos para eles? Gigantes? Vilões? E se compartilhassem os mesmos sonhos, medos, aspirações, defeitos, sentimentos? Como seria a vida de uma tartaruga idosa e esquecida, de porcos viciados em açúcar, de um urubu poeta? Atribuindo as mazelas humanas aos bichos faríamos das suas existências, basicamente instintivas e autômatas, um mar de sofrimentos ou de

Page 5: Minimalidades - Degustação

7

prazeres? Só sei que, na via inversa, o ser humano dito racional parece cada vez mais animalizado no mais odioso sentido.

Os contos deste livro têm como cenários o ambiente do campo e o espaço da cidade onde vivem e convivem seres da terra, água e céu. Há também algo de lúdico nas tramas. Os personagens são pequenos, digo, animais de tamanho físico diminuto, nada de cavalos, leões ou elefantes. Espero que cresçam no decorrer das linhas, saltem até os leitores. E antes que o autor seja processado por crime ambiental, causar sofrimento aos animais atribuindo-lhes as limitações humanas, lembro, é apenas ficção. E uma tentativa de fazer Literatura. A primeira.

Boa leitura,

Rômulo César Melo

Page 6: Minimalidades - Degustação

8

agradecimentos

A Deus, sempre. Aos primeiros e pacientes leitores dos idos de 2008: minha mãe, Marcelo Fazio, Isabel Fazio, Fernando Gaspar e Paulo Ricardo Sarinho; por tudo que aprendi, aos mestres Raimundo Carrero e Paulo Caldas; aos amigos escritores da Oficina Literária, que muito me ajudaram na feitura do livro, Márcio de Mello, Maria Batista, Maria Duarte, Roberto Beltrão, Newma Cynthia Cunha, João Gratuliano, Sandro Retondario, Camilla Inojosa e Cláudia Paes Barreto; a minha revisora Priscila Varjal.

Page 7: Minimalidades - Degustação

9

sumário

11 lampadinhas

12 fera ferida

17 o papa

21 dieta

23 o rapto da camaleoa

25 morta de açude

28 o duelo

35 atrás da porta

39 malcom u

43 porcarias

48 cisco de lume

52 canto do escuro

Page 8: Minimalidades - Degustação

10

55 entre o canto, o barro e o chão

59 angélico 62 mosca morta?

65 a entrega

67 sombra e água fresca

70 num pulo de sapo

75 a última

80 da lama

82 revolução descalça

83 a profecia

88 tuga

92 um céu de goiabas

95 pescador de estrelas

Page 9: Minimalidades - Degustação

28

o duelo — Ainda estou em dúvida se solto, viu? Nunca

pesquei essa qualidade de peixe. Piranha só comi na casa da luz vermelha.

α Por que não me deixa seguir o curso do rio? Nem te ataquei ou mordi. Quando vi o pedaço de carne bailando em sangue dentro d’água o estômago acendeu a luz verde, peguei a isca e o anzol me furou a garganta. Que mal fiz?

— É bicho ruim que nem eu. Assassina do São Francisco, lembra morte, sangue, cadáveres, vem na mente os defuntos que fiz no passado e foram pro Inferno antes de mim. Se deixasse escapar seria como se me perdoasse dos crimes. Posso não.

α Ah tá. Então está na hora do exame de consciência? Logo nesse dia sou fisgada, é muito azar. Acha justo manter um peixe neste tonel apertado e com pouca água? Até quando vou ficar batendo cabeça sem sair do canto? E lá tenho culpa pelas suas vítimas?, já guardo as minhas na memória.

— A noite está apenas começando, vamos conversar mais um pouco, preciso desabafar, confessar o que fiz, se me escutar e ajudar a não enlouquecer quem sabe te liberte? O rio de madrugada parece um cemitério de silêncio. Engraçado, né não? Desovei vários corpos aqui, quem sabe num dei comida a sua família? Quem sabe no rio encontrarei a paz?

α É bem capaz que nos tenha dado de comer. Também devoramos seres humanos mortos, os que

Page 10: Minimalidades - Degustação

29

não matamos no São Francisco. Se deseja confissão, vá à Igreja, meu chapa. Ora, ora, depois de velha vou virar padre?

— Acabei de vir de lá da casa de Deus. Até devo estar quite com o homem lá de cima, mas comigo estou culpado. Quem reza ajoelhado em Igreja é quem mais deve, sabia? Passei três horas enumerando as vítimas, justificando as mortes, pedindo perdão e depois decidi pescar. Antes passei na venda e tomei umas carraspanas junto com remédios pra dormir. É pra pensar melhor.

α É danado isso. O cara se arrepende, vai se confessar dos pecados, bebe, se entope de remédio, fica doidão, e depois decide assim do nada pescar? Aí, quem é logo fisgada? Euzinha, aqui, é falta de sorte pra dar e vender.

— Como se chama? α E piranha lá tem nome? Piranha é piranha,

no máximo nos dão um nome de guerra. Nome completo é coisa de quem tem dois pés e mil problemas na cabeça. Humanos, autossuficientes, orgulhosos, se sentem os donos do Universo. Soube de amigas que foram fisgadas por pescadores, quem sabe pecadores feito você. Deixaram morrer pulando no chão, sem oxigênio, para quê tanta maldade na hora de matar? Depois foram mutiladas, estripadas, salgadas, levadas à fogueira e finalmente devoradas por quem se acha um ser racional. Bem, os pescadores até entendo, peixe sempre foi alimento aos homens. Agora, piranha servindo de psicólogo pra um matador de aluguel

Page 11: Minimalidades - Degustação

30

arrependido, isso só podia ter acontecido comigo, azar da miséria.

— Acabei de matar meu avô no gabinete dele. O homem que mais amei na vida, levou um tiro no gogó, o sangue esguichou na parede. Prometi, o último que mandaria embora, os outros quarenta e nove se foram sem qualquer sentimento de pena, com esse cadáver foi diferente. Como assassina que é, deve saber que existe uma relação íntima da vítima com o algoz. Naquele instante, nos segundos entre a vida e a morte, somente os dois se veem, confrontam olhares, quem morre tem no carrasco a última imagem de um ser humano, de uma forma bem cruel, mas é o derradeiro rosto visto. O que mata tira a alma do corpo alheio, faz o embarque, vê o sangue virar poça e nele refletido o rosto de uma vida além, que é o seu próprio rosto. Brinca de Deus, na verdade, se sente Deus, dono do destino, o poder de decidir a sorte de outro homem. Isso tem consequência.

Fim da mostra para degustação do livro Minimalidades

Rômulo César Melo

Editora Bagaço, Recife, 2013