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Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA Food And Agriculture Organization – FAO Projeto de Cooperação Técnica FAO/ MDA TCP BRA/3101 A TERRITÓRIO E DESENVOVIMENTO: a experiência de articulação territorial do Sudoeste do Paraná João Carlos Sampaio Torrens Curitiba Julho de 2007

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Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA Food And Agriculture Organization – FAO

Projeto de Cooperação Técnica FAO/ MDA

TCP BRA/3101 A

TERRITÓRIO E DESENVOVIMENTO: a experiência de articulação territorial do Sudoeste do Paraná

João Carlos Sampaio Torrens

Curitiba

Julho de 2007

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SUMÁRIO Lista das Tabelas ........................................................................................................................ 3 Lista dos Gráficos ....................................................................................................................... 4 Lista das Siglas ........................................................................................................................... 5 Introdução ................................................................................................................................... 9

1.1. As orientações para uma política de desenvolvimento territorial ................................. 14 1.1.1. Desenvolvimento territorial: uma nova abordagem do rural ................................ 15 1.1.2. Planejamento e gestão social de territórios rurais ................................................ 17 1.1.3. A estratégia de ação da SDT .................................................................................. 20

1.2. A Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural ..................................... 22 1.3. Território e ATER ......................................................................................................... 24

2. Contextualização do território do Sudoeste do Paraná ......................................................... 25 2.1. Localização e composição dos municípios ................................................................... 25 2.2. Aspectos ambientais ...................................................................................................... 25 2.3. Aspectos demográficos ................................................................................................. 26 2.4. Indicadores sociais ........................................................................................................ 28 2.5. Aspectos econômicos .................................................................................................... 28

2.5.1. O Produto Interno Bruto e mercado de trabalho ................................................... 29 2.5.2. Estrutura fundiária ................................................................................................. 33 2.5.3. Estrutura da produção agropecuária .................................................................... 34

3. A constituição do território do Sudoeste do Paraná ............................................................. 39 3.1. Processo de formação histórica da região Sudoeste do Paraná ..................................... 39 3.2. As primeiras iniciativas de articulação territorial ......................................................... 41 3.3. As mudanças na política pública: da ação municipal para a articulação territorial ...... 45 3.4. A formação do território do Sudoeste do Paraná .......................................................... 46 3.5. Formas de organização do território do Sudoeste do Paraná ........................................ 48

4. Os atores sociais do território do Sudoeste do Paraná ......................................................... 51 4.1. O campo político do território ....................................................................................... 51 4.2. Caracterização dos atores sociais .................................................................................. 55

5. Instrumentos de apoio à construção territorial ..................................................................... 61 5.1. O PTDRS ....................................................................................................................... 61 5.2. Os projetos e a conformação do território ..................................................................... 63

6. Políticas Públicas no Território do Sudoeste do Paraná ....................................................... 67 6.1. Instrumentos de Política Agrícola ................................................................................. 68

6.1.1. Crédito do Pronaf ................................................................................................... 68 6.1.2. A estrutura dos serviços públicos de ATER/ATES no Território ........................... 74

6.2. Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais – Pronat .. 79 6.3. Programa de Aquisição de Alimentos – PAA ............................................................... 81

7. Avanços, limites e desafios do processo de articulação territorial ....................................... 83 7.1. Avanços ......................................................................................................................... 83 7.2. Limites ........................................................................................................................... 84 7.3. Desafios ......................................................................................................................... 87

Considerações finais ................................................................................................................. 90 Referências Bibliográficas ..................................................................................................... 101

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Lista das Tabelas

Tabela 1: Distribuição relativa da população rural e urbana, entre 1970 e 2000

Tabela 2. Distribuição da população total, urbana e rural nos municípios do território do Sudoeste do Paraná, em 2000

Tabela 3. Distribuição do Produto Interno Bruto do Sudoeste, segundo os setores da economia – 2004 (em porcentagem)

Tabela 4. Municípios do território do Sudoeste do Paraná com maior e menor participação percentual na formação do PIB, segundo os setores da economia – 2004.

Tabela 5. Distribuição dos estabelecimentos rurais na Mesorregião Sudoeste do Paraná, segundo estratos de área

Tabela 6. Distribuição dos estabelecimentos rurais (familiares e patronais) do Sudoeste do Paraná, segundo número, área e VBP – 1995/96

Tabela 7. Participação dos estabelecimentos familiares na produção agropecuária dos municípios do território do Sudoeste do Paraná – 1995/96

Tabela 8. Participação dos estabelecimentos familiares no VBP da Agropecuária dos municípios do território do Sudoeste do Paraná – 1995/96

Tabela 9. Distribuição dos sistemas de produção agropecuária e participação relativa dos três principais produtos na composição do VBP nos municípios do território do Sudoeste do Paraná – 2004

Tabela 10. Limites de enquadramento e de financiamento para Pronaf Custeio e Investimento, segundo os grupos do Pronaf – 2007/08

Tabela 11. Número de técnicos, segundo as principais atividades de ATER realizadas no Sudoeste do Paraná

Tabela 12. Número de técnicos do Sudoeste, segundo a principal dificuldade para a realização dos serviços de ATER em sua instituição/organização

Tabela 13. Distribuição do Volume de Recursos e do Número de Agricultores Familiares do Território Sudoeste do Paraná beneficiados pelo Pronaf Infra-Estrutura e Serviços Municipais – 1997/2002

Tabela 14. Distribuição do Volume de Recursos aplicados pelo Pronat/MDA no Território Sudoeste do Paraná – 2003/2006

Tabela 15. Distribuição do Volume de Recursos e do Número de Agricultores Familiares do Território Sudoeste do Paraná beneficiados pelo PAA – 2003/2006

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Lista dos Gráficos

Gráfico 1. Evolução no número de contatos de custeio do Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

Gráfico 2. Evolução no montante de contatos de custeio do Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

Gráfico 3. Evolução no número de contatos de investimento do Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

Gráfico 4. Evolução no montante de contatos de custeio do Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

Gráfico 5. Número de contratos e valores financiados pelo Pronaf C no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

Gráfico 6. Número de contratos e valores financiados pelo Pronaf D no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

Gráfico 7. Número de contratos e valores financiados pelo Pronaf E no Território do Sudoeste do Paraná – 2003/06

Gráfico 8. Número de contratos financiados pelo Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2006

Gráfico 9. Total de recursos financiados pelo Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2006

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Lista das Siglas ACAMSOP Associação das Câmaras Municipais do Sudoeste do Paraná ACESI Associação do Centro de Educação Sindical AF Agricultura Familiar AFASP Associação das Agroindústrias Familiares do Sudoeste do Paraná AMSOP Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná AP Agricultura Patronal APIs Áreas de Programação Integrada ARCAFAR-SUL Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Sul do Brasil ASSEC Associação dos Secretários de Agricultura da Microrregião de Pato

Branco ASSEMA Associação dos Secretários Municipais de Agricultura e Meio

Ambiente da Microrregião de Francisco Beltrão ASSESOAR Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural ASSINEPAR Associação dos Sindicatos Rurais do Sudoeste do Paraná ASSMAN Associação dos Secretários Municipais de Agricultura e Meio

Ambiente (Região de Francisco Beltrão) ATER Assistência Técnica e Extensão Rural ATES Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental CAMDUL Cooperativa Agrícola Mista Duovizinhense Ltda. CANGO Colônia Agrícola General Osório CAPA Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor CEDRAF Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar CEFET-PR Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná CEPAD Centro de Pesquisa e Apoio ao Desenvolvimento Regional CETIS Centro de Tecnologia Industrial do Sudoeste CITLA Clevelândia Industrial Territorial Ltda. CLASPAR Empresa Paranaense de Classificação de Produtos CMDRS Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável COAGRO Cooperativa Agropecuária Capanema Ltda. COASUL Cooperativa Agroindustrial COHAPAR Companhia de Habitação do Paraná CONDRAF Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável CONSAD Conselho de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local COOPAFI Sistema de Cooperativas de Comercialização da Agricultura

Familiar Integrada COOPERIGUAÇU Cooperativa Iguaçu de Prestação de Serviços COOPERSANTANA Cooperativa Santana COPEL Companhia de Energia Elétrica do Paraná COTRARA Cooperativa de Trabalhadores em Reforma Agrária CPT Comissão Pastoral da Terra CRAPA Coordenação Regional de Associações de Pequenos Agricultores CRESOL/BASER Cooperativa Central de Crédito Rural com Interação Solidária –

Base de Serviços CUT Central Única dos Trabalhadores DESER Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais DTPN Desenvolvimento Territorial Participativo e Negociado

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EMATER Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRATER Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural FACEPAL Faculdades Reunidas de Administração, Ciências Contábeis e

Econômicas de Palmas FACIBEL Faculdade de Ciências Humanas de Francisco Beltrão FAO Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação FETAEP Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná FETRAF-SUL Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul FIEP Federação das Indústrias do Estado do Paraná GETSOP Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste Paranaense GGETESPA Grupo Gestor do Território do Sudoeste do Paraná IAP Instituto Ambiental do Paraná IAPAR Instituto Agronômico do Estado do Paraná IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano IICA Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social LACTEC Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento MAB Movimento dos Atingidos por Barragens MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NEAD Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural ONGs Organizações Não-Governamentais PCT Projeto de Cooperação Técnica PIB Produto Interno Bruto PNATER Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural PNDR Política Nacional de Desenvolvimento Regional PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPA Plano Plurianual PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAT Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios

Rurais PTDRS Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável SAF Secretaria de Agricultura Familiar SDT Secretaria de Desenvolvimento Territorial SEAB Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEED Secretaria de Estado da Educação do Paraná SEMA Secretaria do Meio Ambiente do Estado SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SERT Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho SICREDI Sistema de Crédito Cooperativo SISCLAF Sistema de Cooperativa Central do Leite da Agricultura Familiar do

Sudoeste do Paraná UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Estado do Paraná VAF Valor Adicionado Fiscal

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VBP-A Valor Bruto da Produção Agropecuária VBP Valor Bruto da Produção

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Agradecimentos:

Pedro Boller (colaborador)

Coordenação do Grupo Gestor do Território do Sudoeste do Paraná

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Introdução

Este trabalho se insere no contexto do Projeto de Cooperação Técnica firmado entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) que estabelece a necessidade de se “promover a replicação de metodologias de desenvolvimento territorial” e de “elaborar uma proposta metodológica de ordenamento territorial negociada”. Antes mesmo da II Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, realizada em Porto Alegre, em março de 2006, esse projeto vinha sendo negociado entre o escritório da FAO no Brasil e o MDA. A Conferência ressaltou a necessidade dos governos nacionais trabalharem em conjunto com as redes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil para a construção de uma metodologia que facilite processos de convergência entre políticas públicas e de articulação de atores sociais, baseada nos princípios da participação, descentralização e negociação política.

Diante dessas considerações preliminares, o presente projeto tem por objetivo geral apoiar o MDA na geração de mecanismos e instrumentos que fortaleçam os processos de convergência, articulação e integração de políticas públicas em territórios rurais nos estados do Paraná e do Rio Grande do Norte, visando contribuir para a consolidação e implementação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, em consonância com propostas semelhantes existentes no âmbito de outros ministérios. O projeto define ainda quatro objetivos específicos: (i) conhecer e analisar as potencialidades, limites e desafios do processo de integração de políticas públicas em dois territórios rurais; (ii) contribuir para o aprimoramento dos processos de desenvolvimento territorial por meio do desenho de uma metodologia participativa de capacitação e difusão sobre os processos de convergência, articulação e integração de políticas públicas em territórios rurais; (iii) capacitar 100 agentes de desenvolvimento territorial; (iv) socializar os resultados do projeto para atores sociais, gestores de políticas públicas e pesquisadores.

Para alcançar esses objetivos, a equipe de consultores formada para executar esse projeto realizou algumas reuniões de trabalho e decidiu dividi-lo em duas etapas complementares: a primeira fase visa a realização de um diagnóstico da situação dos territórios Sudoeste, no Paraná, e Mato Grande, no Rio Grande do Norte, no que tange às suas capacidades de articulação e integração das ações territoriais, bem como de gestão social das políticas públicas, destacando, em particular, a relação entre as políticas de desenvolvimento territorial e de assistência técnica e extensão rural. Para a execução desse estudo, que se encerra com a apresentação do presente relatório, foram feitas entrevistas com representantes de 19 atores sociais1 envolvidos na construção desses novos arranjos institucionais, acompanhada de 1 Dentre as instituições governamentais, foram feitas oito entrevistas com representantes da Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná, Associação dos Secretários de Agricultura da Microrregião de Pato Branco, Associação dos Secretários de Agricultura e Meio Ambiente da Microrregião de Francisco Beltrão, Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento, Universidade Estadual do Oeste do Paraná e Universidade Tecnológica Federal do Paraná. No campo da sociedade civil, foram entrevistados representantes de onze movimentos e organizações sociais: Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural, Associação

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consultas a dados secundários, documentos oficiais, relatórios de seminários, reuniões e oficinas, textos acadêmicos, relatórios de consultorias, livros etc. Dentre as responsabilidades previstas para essa fase, pode-se destacar: (i) conhecer e analisar as potencialidades, limites e desafios dos processos de integração de políticas públicas em dois territórios rurais; (ii) realizar um levantamento e revisão documental em cada um dos territórios estudados; (iii) realizar a identificação dos atores sociais no território do Sudoeste do Paraná; (iv) contribuir para a realização de um documento descrevendo e analisando as potencialidades, limites e desafios dos processos de integração de políticas públicas nos territórios escolhidos do Paraná e do Rio Grande do Norte.

A segunda etapa do projeto prevê a elaboração, implementação e validação de uma proposta metodológica para fortalecer a capacitação dos atores sociais que participam do processo de construção e consolidação desses territórios rurais. Assim, tendo como pano de fundo as análises desenvolvidas na primeira etapa, pretende-se: (i) elaborar uma proposta de capacitação metodológica de agentes territoriais de desenvolvimento (autoridades políticas, gestores e executores de políticas públicas, professores universitários, dirigentes, lideranças e assessores de organizações da sociedade civil etc.), com base num enfoque participativo; (ii) realizar dois cursos de capacitação nos territórios Sudoeste e Mato Grande, visando validar a metodologia de capacitação proposta; (iii) promover a socialização dos resultados desse trabalho num seminário nacional, contando com a participação de representantes de órgãos governamentais e organizações sociais de todo o País.

Esse projeto procura atender a um conjunto de expectativas da FAO, do MDA, em particular da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) e da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), e também das instituições governamentais e organizações da sociedade civil que atualmente estão envolvidas na construção dos territórios. As expectativas referem-se à produção de uma metodologia de capacitação que contribua para fortalecer os espaços democráticos de discussão, negociação e mobilização dos interesses presentes nos colegiados territoriais. Esse trabalho pretende também responder a inquietações ligadas ao estudo das condições e dos fatores (favoráveis e prejudiciais) à integração de políticas públicas e à articulação dos sujeitos protagonistas dos territórios.

Portanto, esses elementos subjacentes ao projeto revelam a importância desse tipo de investigação e proposição metodológica, na medida em que busca apresentar instrumentos concretos, validados em cursos de capacitação, para que possam ser socializados para os demais territórios que estão sendo criados e ou consolidados em todo o País. Mesmo tomando por referência analítica os contextos históricos, as dinâmicas econômicas, as tensões políticas, as relações sócio-culturais, os conflitos ambientais, bem como as potencialidades, limites, Regional das Casas Familiares Rurais, Centro de Apoio ao Pequeno Produtor, Cooperativa Iguaçu de Prestação de Serviços, Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul, Instituto Maytenus, Movimento dos Atingidos por Barragens, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Sistema de Cooperativas da Agricultura Familiar Integradas, Sistema de Cooperativas de Crédito com Interação Solidária e Sistema de Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar. Em geral, as entrevistas foram feitas com membros de uma única entidade. Mas, no caso de duas das entrevistas, para poder aproveitar o tempo de trabalho, optou-se por juntar atores diferentes para darem suas opiniões sobre questões de um roteiro aberto. Cabe ainda ressaltar que alguns desses atores foram entrevistados mais de uma vez, buscando complementar informações.

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desafios e perspectivas de apenas dois territórios (Mato Grande e Sudoeste), considera-se possível abordar esses temas de forma que se subsidie a capacitação de agentes de desenvolvimento atuantes em outros territórios constituídos pelo MDA.

Cabe ainda destacar que a apresentação da análise realizada na primeira etapa desse projeto assume uma grande importância para os territórios em foco, na medida em que proporciona uma oportunidade para que as entidades que compõem os colegiados institucionais de ambos territórios tenham condições de promover uma reflexão crítica e propositiva em relação aos temas levantados em cada relatório. Portanto, torna-se fundamental que cada território internalize e aprofunde as problematizações sugeridas nos relatórios, buscando construir novas alternativas que levem à consolidação de uma estratégia territorial de desenvolvimento, à integração das políticas públicas e à articulação dos atores sociais. Supõe-se aqui que a eficiência e o alcance dos resultados da segunda fase dependem, em grande parte, dos acontecimentos que se gestarem entre a apresentação e discussão desse relatório e o momento de realização dos cursos de capacitação. Nesse intervalo de tempo, que terá uma duração aproximada de três meses, espera-se que os colegiados territoriais utilizem-se desses estudos para fortalecerem seus laços internos e compromissos políticos.

Considera-se importante apontar nessa introdução algumas observações de caráter metodológico, mais especificamente a respeito da relação sujeito-objeto, pois a trajetória profissional do consultor contratado para a execução desse projeto possui um reconhecido vínculo com o campo político dos movimentos e organizações da sociedade civil, ainda que isso não implique na falta de confiabilidade por parte dos representantes do setor governamental. Essa posição ocupada no cenário das forças sociais exigiu um olhar distanciado dos intensos conflitos internos que vêm ocorrendo no interior especificamente do campo das organizações sociais e também desse segmento social com as formas de representação do poder público, igualmente heterogêneas e plurais.

O exercício metodológico e cotidiano desse distanciamento foi fundamental para se ouvir as diferentes percepções a respeito da diversidade e complementaridade dos processos que cercam a construção desse desafio. Esse aspecto foi decisivo na conformação da análise aqui apresentada, de modo que ela não reproduzisse exclusivamente o viés do ponto de vista das organizações sociais. Com isso, pretende-se aqui evidenciar o “drama” relativo ao lugar de quem produz o discurso que norteia as elaborações apresentadas nesse relatório. Ao contrário da visão predominante sobre a origem dos consultores da FAO, visto como pesquisadores “externos”, “de fora” e que não possuem uma relação direta com as forças sociais locais, no caso do estudo do Paraná, esse consultor não coincidia com essa imagem. Ainda que não atue especificamente na região, os trabalhos desenvolvidos nas áreas da pesquisa e de assessoria são reconhecidos por diversos dos atores entrevistados. Durante a fase de campo, percebeu-se que esses fatores contribuíram, por outro lado, para criar um espaço de proximidade, confiabilidade e, inclusive, de cumplicidade nos depoimentos dados tanto por representantes das organizações quanto do poder público.

Além disso, a equipe do projeto assumiu um compromisso com a coordenação do Grupo Gestor do Território do Sudoeste do Paraná (instância responsável pela articulação política do

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território), no sentido de promover um encontro com a finalidade de apresentar e debater o relatório final dessa etapa do trabalho, garantindo-se a participação de representantes de todas as entidades ligadas a esse processo e que estejam interessadas em contribuir com essa discussão. Esse compromisso com a devolução dos resultados tem como pano de fundo uma preocupação com o excesso de pesquisas que são realizadas na região, mas cujos resultados, em geral, não são apresentados e discutidos com os sujeitos sociais que forneceram os subsídios básicos para uma determinada elaboração teórica.

Outro aspecto relevante na dinâmica dessa relação entre sujeito-objeto relaciona-se às expectativas geradas nas diversas entidades face à realização de um projeto promovido pela FAO na região. A presença desse organismo internacional no território do Sudoeste é considerada por vários representantes das entidades como mais uma oportunidade para dar visibilidade à riqueza das experiências que estão sendo implementadas para a conformação desse novo arranjo institucional. A atenção dada pela FAO e pelo MDA, ao selecionar o caso dos processos sociais em curso no Sudoeste, representa uma espécie de “vitrine pública”, em que todos os segmentos participantes pretendem ser reconhecidos pela importância do trabalho que desenvolvem em favor dessa construção social.

Por último, faz-se necessário registrar as dificuldades operacionais que influíram na realização da presente consultoria, refletindo-se diretamente na elaboração de partes importantes desse relatório. Inicialmente, o atraso verificado na contratação dos consultores (sênior e júnior) e, conseqüentemente, para o início das atividades de campo causou um descompasso com os trabalhos desenvolvidos no Rio Grande do Norte, provocando uma intensificação das tarefas. Porém, o fator mais surpreendente foi a decisão “irrevogável” do consultor sênior de cancelar seu contrato de prestação de serviços com o PCT MDA/FAO, sem que tivesse apresentado os produtos referentes a essa fase do projeto2.

De toda maneira, espera-se que o relatório aqui apresentado reflita uma “leitura do território” que contribua efetivamente para a dinamização das forças sociais locais e para o fortalecimento político-organizativo dessa nova modalidade de arranjo institucional que vem sendo incentivada pelas políticas do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Acredita-se também que esse trabalho possa estimular o debate interno nas instituições e organizações, sendo um instrumento para uma reflexão coletiva a respeito dos caminhos possíveis a serem trilhados no futuro.

Além dessa introdução, este trabalho está dividido em oito partes: (i) analisam-se as políticas de desenvolvimento territorial e de assistência técnica e extensão rural, a partir das formulações apresentadas pelo MDA; (ii) elabora-se uma breve contextualização do território do Sudoeste do Paraná, destacando elementos ambientais, demográficos e sócio-econômicos; (iii) aborda-se a formação do território do Sudoeste do Paraná, resgatando os fatores históricos que sedimentaram esse processo; (iv) apresenta-se uma caracterização dos atores sociais que conformam o campo político do território; (v) analisam-se os principais instrumentos de apoio à construção territorial, enfatizando o papel do Plano Territorial de 2 A intenção dessa observação não é de jogar a responsabilidade da elaboração desses aspectos sobre os

ombros do consultor júnior, mas somente de evidenciar os percalços enfrentados nessa fase dos trabalhos.

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Desenvolvimento Rural Sustentável e dos projetos específicos; (vi) avalia-se a situação dos serviços públicos de ATER/ATES e de seu potencial papel na consolidação de uma política de desenvolvimento territorial; (vii) destacam-se os avanços, limites e desafios do processo de articulação territorial e (viii) conclui-se analisando quatro aspectos centrais apresentados nesse texto: a concepção de território e de desenvolvimento territorial no Sudoeste do Paraná, a visão de desenvolvimento expressa no PTDRS e nos projetos, a articulação dos atores sociais e o processo de gestão social e, finalmente, o processo de integração de políticas públicas.

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1. As Políticas de Desenvolvimento Territorial e de ATER na perspectiva do MDA

No plano das políticas públicas, o ponto de partida para a análise a ser aqui desenvolvida são as políticas de desenvolvimento territorial e de assistência técnica e extensão rural (ATER) que vêm sendo implementadas pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário. Tendo em vista a importância desempenhada por essas políticas para a realização do presente projeto, faz-se necessário identificar as características mais significativas de cada uma dessas políticas.

1.1. As orientações para uma política de desenvolvimento territorial

Este item visa apresentar uma leitura analítica dos principais documentos publicados pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério de Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA), entre 2003 e 2005. Tais publicações cumpriram um duplo intuito: contribuir no debate acerca da temática relacionada à perspectiva territorial do desenvolvimento e, ao mesmo tempo, subsidiar a formulação de uma política pública do MDA com esse enfoque.

O conceito de desenvolvimento territorial representa uma categoria analítica em construção e em disputa, tanto no plano teórico quanto no plano político-ideológico. Mais que um conceito com sua definição formal, trata-se de uma abordagem ou de um enfoque, a partir do qual se percebe e se busca intervir sobre uma realidade. Nesse sentido, pode ser concebida muito mais como uma ferramenta de análise a ser utilizada por um conjunto diversificado de forças sociais que tenham uma identidade sócio-política, uma visão de futuro e objetivos comuns.

A adoção dessa abordagem pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário parte da crítica a dois processos complementares que estimularam os formuladores e operadores das políticas públicas a elaborar e implementar uma política de desenvolvimento calcada na perspectiva da territorialidade. De um lado, as políticas de desenvolvimento rural podem ser consideradas “insuficientes” ou não proporcionaram “melhorias substanciais na qualidade de vida e nas oportunidades de prosperidade” das populações rurais. De outro lado, as mudanças que vêm ocorrendo no meio rural configuram uma nova ruralidade, formada com base nas “múltiplas articulações inter-setoriais” (NEAD, 2003, p.11).

Essa perspectiva supõe uma concepção diferenciada de abordar as práticas tradicionais de planejamento e gestão das políticas públicas, uma vez que aponta para o rompimento de uma visão centralizadora dos processos de elaboração das estratégias de desenvolvimento, como sendo fruto de uma “lógica vertical e descendente” da ação do Estado, em suas distintas instâncias. Além disso, introduz a dimensão da participação social nas diferentes etapas do processo de descentralização das políticas públicas, ou seja, tanto no momento de sua elaboração, quanto na fase de sua implementação, monitoramento e avaliação dos resultados. Portanto, a incorporação desse enfoque não significa apenas uma ampliação da escala espacial de planejamento das ações de desenvolvimento (do município para o território). Representa, acima de tudo, uma ampliação dos atores sociais envolvidos na construção dessas iniciativas, na medida em que busca fortalecer as capacidades de organização, mobilização, diálogo,

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negociação, planejamento e autogestão das populações marginalizadas das dinâmicas de desenvolvimento.

Nos documentos aqui analisados, o cruzamento dessas duas facetas (planejamento territorial e gestão social) configura um todo indissociável que visa conformar uma visão integradora das dinâmicas de desenvolvimento que atuam num determinado espaço social. De forma complementar e interdependente, torna-se imprescindível também a presença de dois princípios fundamentais: a democratização nas relações institucionais e a transparência nos procedimentos internos à gestão territorial, de maneira que se aprofundem e consolidem os laços de proximidade, confiança, cooperação, identidade e comprometimento dos sujeitos sociais protagonistas com essa construção política.

1.1.1. Desenvolvimento territorial: uma nova abordagem do rural

Nos últimos anos, nos debates sobre desenvolvimento rural tem se falado muito em “desenvolvimento territorial”, “enfoque territorial”, “construção de territórios”, “articulação territorial”. Qual a novidade dessa abordagem? O que ela traz de novo e de importante nas discussões sobre a temática do rural? Qual a sua contribuição para explicar e intervir na realidade rural brasileira?

Pensar o rural a partir de uma concepção territorial significa afirmar que o desenvolvimento não deve criar oportunidades apenas às populações restritas às aglomerações urbano-industriais. Significa pensar a organização do espaço nacional de forma totalizadora, integrando os territórios rurais e urbanos, e não simplesmente focando as ações no desenvolvimento dos espaços urbanos. Representa também o rompimento de uma dicotomia que separava o rural do urbano e que atribuía ao primeiro a responsabilidade pelo “atraso” nos processos de desenvolvimento. Ao contrário dessa abordagem, o rural precisa ser interpretado não pelos critérios da delimitação espacial definidos pelas prefeituras municipais e adotados na metodologia do IBGE, mas a partir de uma combinação múltipla de elementos interrelacionados, como, por exemplo, o número total de habitantes do município, a densidade demográfica e a localização e características geográficas, tal como propõe Veiga (2002). De acordo com essa concepção de ruralidade, aproximadamente, 90% das cidades brasileiras poderiam ser classificadas como núcleos urbanos de características essencialmente rurais, uma vez que há uma forte interdependência entre o espaço rural e o espaço urbano, necessitando-se de ações que efetivamente articulem alternativas estratégicas que sejam capazes de reduzir as profundas assimetrias interregionais.

Nesse contexto, os territórios rurais passam a ser concebidos como espaços sociais criados a partir da vontade coletiva de uma diversidade de atores sociais, tendo em vista a existência de um conjunto de indicadores e processos que lhes conferem uma identidade específica. Visto sob esse enfoque, o desenvolvimento não é resultado apenas da “ação verticalizada do poder

público, mas sim da criação das condições para que os agentes locais se mobilizem em torno

de uma visão de futuro, de um diagnóstico de suas potencialidades e constrangimentos, e dos

meios para perseguir um projeto próprio de desenvolvimento sustentável” (MDA, 2005a, p. 8). Essa visão expressa, portanto, uma nova concepção a respeito dos papéis a serem

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desempenhados tanto pelo Estado –aprofundamento do processo de descentralização das políticas públicas, atribuindo-se competências e responsabilidades aos espaços locais– quanto pela sociedade civil –consolidação da função ativa e propositiva das organizações sociais. A capacidade de intervenção e de mobilização dos atores da sociedade civil torna-se aqui um instrumento central no processo de superação das dificuldades estruturais que bloqueiam o desenvolvimento regional.

Segundo o relatório síntese do Seminário Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, “a

formação de um território resulta do encontro e da mobilização dos atores sociais que

integram um dado espaço geográfico e que procuram identificar e resolver problemas

comuns”. As discussões realizadas nesse seminário destacaram também a existência de “duas

propriedades fundamentais de um território”: de um lado, trata-se de uma “realidade em

evolução”, ou seja, deve ser percebido como “uma configuração mutável, provisória e

inacabada” e, de outro lado, é “resultado simultâneo dos ‘jogos de poder’ e dos

compromissos estabelecidos entre os atores sociais” (MDA/CONDRAF, 2005b, p.16).

Nessa perspectiva, o rural deve ser considerado a partir de suas múltiplas dimensões e não apenas na sua função básica voltada à produção de alimentos. O rural, visto sob o enfoque territorial, engloba também a conservação da biodiversidade e dos recursos naturais, a preservação do patrimônio cultural e das formas de reprodução dos saberes e conhecimentos tradicionais acumulados, a geração de oportunidades de ocupação em atividades não-agrícolas, a articulação com os demais setores econômicos, a preservação de formas de sociabilidade e convivência social vinculada a um conjunto de valores e princípios de vida, a articulação de um arcabouço institucional e organizativo específico, o compartilhamento de identidades culturais particulares. Concebido a partir dessa perspectiva metodológica, o rural não pode ser resumido a um “setor econômico”, na medida em que abarca uma diversidade de características que lhes são inerentes, na qual a dimensão econômica convive com outras dimensões essenciais (sócio-cultural, política e ambiental).

Num dos documentos publicados pela SDT, território é definido como “um espaço físico,

geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo a cidade e o campo,

caracterizado por critérios multidimensionais – tais como o ambiente, a economia, a

sociedade, a cultura, a política e as instituições – e uma população com grupos sociais

relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos

específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão

social, cultural e territorial” (MDA, 2005a, p. 7-8).

A noção de território pressupõe, assim, “uma visão essencialmente integradora de espaços,

atores sociais, agentes, mercados e políticas públicas de intervenção” (NEAD, 2003, p. 26) como ponto de partida para a implementação de um conjunto de transformações sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais. Visa a integração interna dos territórios rurais e também a sua articulação com os demais setores da sociedade, potencializando-os a partir de seus recursos locais e de suas capacidades específicas, integrando os serviços públicos essenciais e as políticas públicas locais, fortalecendo uma identidade cultural, revitalizando a dinâmica de suas estruturas organizacionais, organizando o acesso ao mercado, consolidando

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a capacidade de intervenção sobre a realidade e ampliando os mecanismos de participação social na definição da estratégia global.

Portanto, mais do que novos conceitos introduzidos pelo debate acadêmico, essas noções conformam um método particular de abordar o desenvolvimento, um instrumento metodológico que permite a diferentes atores, tanto ao Estado quanto às organizações da sociedade civil, intervir a partir desse enfoque territorial. Essa abordagem vem se consolidando como um importante instrumento do processo de planejamento estratégico, particularmente porque implica num tipo de arranjo institucional que aponta para o aumento da eficácia das ações, economias de escala e potencialização dos recursos disponíveis. Nesse sentido, observa-se atualmente uma acentuada tendência voltada para a apropriação dessa perspectiva pelas instituições governamentais e organizações sociais, de modo que a definição de suas estratégias e diretrizes estejam orientadas por um enfoque que visa superar as visões estritamente setoriais e localizadas para a implementação das ações. A consolidação dessa abordagem na cultura institucional do Estado e das organizações sociais deve ser vista como um movimento de mão dupla, interdependente, pois o aprofundamento dessa concepção de territorialidade na esfera da sociedade civil tem alimentado a disseminação desse enfoque no seio do Estado e vice-versa. Mas não há duvidas de que a adoção dessa perspectiva por uma parcela do Estado amplia as possibilidades para a sua incorporação pelas entidades da sociedade civil.

1.1.2. Planejamento e gestão social de territórios rurais

A implementação de uma estratégia integradora e democrática das ações voltadas ao desenvolvimento territorial só será possível se esse processo contar com o pleno envolvimento das diversas forças sociais existentes nos municípios, tanto das instituições governamentais quanto das organizações da sociedade civil, em todas as etapas do ciclo de planejamento e gestão social do desenvolvimento. Não se trata de garantir a participação apenas dos atores tradicionalmente reconhecidos (MDA, 2005c, p. 14), mas de buscar sensibilizar, motivar e envolver efetivamente o conjunto dos agentes locais interessados em compartilhar dos desafios políticos colocados pela construção coletiva de uma nova territorialidade. Também não se trata de uma participação formal, entendida apenas como instrumento de fiscalização da aplicação dos recursos públicos (MDA, 2005a, p. 10). Nem tampouco de reproduzir uma lógica de planejamento de caráter centralizado, verticalizado e descendente, em que o papel das entidades sociais se dá fundamentalmente na fase de implementação dos projetos (MDA, 2005a, p. 10).

Nesse sentido, quando se fala em desenvolvimento territorial não basta apenas diversificar as atividades econômicas e ampliar o leque das forças sociais participantes das iniciativas de articulação territorial. Uma condição fundamental desse processo é que seja realizado por meio de um intenso envolvimento das forças sociais da região em todas as fases desse processo (sensibilização, realização do diagnóstico, definição do eixo aglutinador e das prioridades específicas, elaboração do plano e dos projetos, implementação e avaliação dos resultados). É preciso que se criem mecanismos institucionais que estimulem a participação ativa e paritária das diferentes formas de organização e representação social, o fortalecimento

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de redes sociais de cooperação e de parcerias institucionais e o estabelecimento de processos de concertação social (MDA, 2005c, p. 9). Com isso, a ação do Estado passa a incorporar a premissa da descentralização com participação social.

Portanto, a idéia de desenvolvimento territorial é indissociável das noções de planejamento e de gestão social (MDA, 2005c, p. 9). A gestão social deve se apoiar em sistemas descentralizados de decisão, baseados em intensa participação, no estabelecimento de parcerias e articulações em redes. Para tanto, “requer a construção de pactos de concertação

social – isto é, de formas de articulação social entre diversos agentes locais, públicos e

privados –, o detalhamento do pacto em um plano de desenvolvimento negociado, a

construção de institucionalidades que representem espaços de compartilhamento do poder e

das responsabilidades e, finalmente, mecanismos de controle social sobre as ações previstas

no plano” (MDA, 2005c, p. 11).

Essas novas institucionalidades territoriais representam espaços para o exercício do diálogo, negociação, complementaridade de perspectivas, construção de convergências, definição de prioridades e projetos. Esses espaços devem ser vistos como oportunidades para a consolidação de práticas democráticas, a superação de tensionamentos e divergências, a gestão pública e transparente das ações voltadas para o desenvolvimento territorial. “Essas

instâncias repercutem eventuais tensões e potenciais conflitos de interesses, mas também

representam oportunidades para a prática democrática, para a busca de convergências, a

transparência pública e a gestão social” (MDA, 2005a, p. 14).

A gestão social é concebida conceitualmente como “um processo de gerir assuntos públicos,

por meio da descentralização político-administrativa, redefinindo formas de organização e

de relações sociais com sustentabilidade, transparência e efetiva participação da sociedade,

o que implica ampliação dos níveis de capacidades humanas, sociais e organizacionais do

Território” (MDA, 2005b, p. 14). De acordo com essa perspectiva analítica, os processos de gestão social estão voltados diretamente para favorecer o empoderamento da sociedade civil, contribuindo para a afirmação de compromissos entre as esferas pública e privada (MDA, 2005b, p. 15), desde a esfera local até a nacional.

Ao Estado cabe o papel de animador desses processos de concertação e articulação interinstitucional, visando integrar horizontalmente as ações governamentais com as iniciativas das organizações da sociedade civil e, ao mesmo tempo, verticalizar as ações prioritárias, proporcionando uma sinergia coerente e planejada entre as esferas local e extralocal, e integrando as diversidades interregionais. Para tanto, é preciso reconhecer que o Estado necessita investir na ampliação dos processos de capacitação das organizações locais, no sentido de fortalecer sua capacidade de intervenção autônoma e de inserção nos espaços de gestão compartilhada (MDA, 2005b, p. 14). Nesse sentido, isso significa que a resolução dos problemas enfrentados pelas populações que habitam um determinado território não é uma “responsabilidade exclusiva” do Estado, necessitando ser assumida e compartilhada com os diferentes atores sociais, econômicos, políticos e culturais que participam da construção desse novo arranjo institucional.

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A organização da gestão social demanda também a definição de mecanismos e instâncias transparentes e democráticas de participação dos diferentes atores sociais no processo de sensibilização, mobilização, diagnóstico, planejamento, implementação do plano territorial, monitoramento e avaliação dos projetos específicos desenvolvidos na região. Esses procedimentos são importantes também para o estabelecimento dos papéis a serem desempenhados por esses atores e para a concretização de espaços de debates que estimulem a busca de compromissos entre as partes envolvidas, sempre procurando encontrar os pontos de convergência para superar os principais entraves ao desenvolvimento.

Outro requisito importante para a efetivação de uma gestão social fundamentada numa “visão processual, cíclica e dinâmica” (MDA, 2005b, p. 15) é a existência de um ambiente marcado pela descentralização político-administrativa, em que a tomada de decisões conte com a participação ativa e igualitária dos diferentes atores sociais nas etapas do processo deliberativo. A construção de uma estratégia descentralizada precisa “fortalecer

institucionalidades participativas e estáveis, capazes de gerir, no longo prazo, as iniciativas

voltadas para o desenvolvimento dos territórios rurais” (MDA, 2005a, p. 14).

Configuram-se, assim, em espaços sociais voltados para o exercício do diálogo, negociação e concertação de interesses, visando superar tensionamentos e estabelecer complementaridades entre as visões dos sujeitos sociais, “de maneira que a pulverização e a fragmentação

inicialmente existentes dêem origem a um projeto coeso, mas diversificado, baseado nos

ganhos mútuos aos diferentes grupos sociais. Isso implica uma desejável formalização de

estruturas públicas capazes de propiciar a gestão social das políticas e processos de

desenvolvimento dos territórios” (MDA, 2005a, p. 11).

Ainda que tenham conformações específicas, essas institucionalidades deverão sempre expressar a diversidade social, buscando a representatividade, a pluralidade e a paridade entre as forças sociais, “para que processos horizontais de negociação e decisão transformem

práticas verticalizadas de gestão em processos de planejamento ascendente, baseados na

construção de acordos multisetoriais” (MDA, 2005a, p. 12). A criação dessas institucionalidades (fóruns, conselhos, consórcios etc.) capazes de estabelecer pactos que orientem a integração das ações desenvolvidas pelos diversos atores sociais, promovendo a convergência desses interesses, constitui-se num outro relevante requisito para a consolidação dessas iniciativas territoriais. E aqui é importante ressaltar que no processo de mobilização das redes sociais, é fundamental “contar com o conjunto de agentes do território, mesmo que

isto implique em conflitos a serem sanados pelo processo de gestão social” (MDA, 2005c, p. 14). A emergência de novos ambientes institucionais que comportem uma estratégia de descentralização aliada à participação social deve ser percebida como parte constitutiva desse processo, uma vez que as institucionalidades existentes não são adequadas para possibilitar esse novo tipo de intervenção do Estado na implementação de suas políticas.

Os processos de gestão social precisam estar apoiados, portanto, no capital social dos territórios, nos laços de proximidade, identidade, confiança e cooperação existentes entre os agentes locais (MDA, 2005a, p. 10). A criação e o fortalecimento das redes sociais de cooperação são instrumentos voltados para incrementar a capacidade técnica, gerencial e

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articuladora dos atores sociais, possibilitando maior grau de autonomia e de empoderamento às comunidades envolvidas na implementação do plano territorial de desenvolvimento (MDA, 2005b, p. 12). A mobilização dessas redes torna-se, assim, uma ferramenta relevante na conformação de novas institucionalidades, de novas regras de jogo, de novos espaços para a resolução dos conflitos (MDA, 2005c, p. 14). E onde esse processo encontra-se frágil ou não existe, “é preciso criar espaços e condições para gerar o aprendizado e o esforço de

identificação de complementaridades capazes de pôr em diálogo os diferentes agentes, fazer

confluir suas perspectivas individuais, tatear e construir convergências onde há isolamento e

fragmentação, formar esse capital social” (MDA, 2005a, p. 10).

Nesse sentido, pode-se dizer que as articulações no âmbito de um território “não se dão soltas

no espaço e no tempo, não são livres de condicionantes, não são apenas o resultado do

desejo dos agricultores ou de agentes do poder público. Cada arranjo institucional é

condicionado, de um lado, pelo conjunto das regras que orientam o comportamento dos

agentes e, de outro lado, pela trajetória particular de cada um desses agentes, seu histórico

anterior de êxitos e de frustrações em iniciativas semelhantes, de seu aprendizado

acumulado” (MDA, 2005c, p. 26).

Além da importância de articular institucionalmente os agentes sociais em redes de cooperação, outro aspecto fundamental da construção dessa nova forma de gestão participativa dos territórios é a convergência das diferentes iniciativas de políticas públicas. Cabe destacar a necessidade de integração das ações desenvolvidas por esferas distintas de atuação (municipal, territorial, estadual e nacional) e, principalmente, dos programas governamentais executados por diferentes instituições e/ou organizações da sociedade civil atuantes em uma mesma esfera. Nesse caso específico, torna-se imperativo produzir complementaridades entre as ações das áreas econômica, social e ambiental, integrando-as dentro de uma estratégia de intervenção num determinado território (MDA, 2005c, p. 10).

1.1.3. A estratégia de ação da SDT

De um modo geral, a definição de uma estratégia de desenvolvimento territorial configura-se num processo contínuo, cíclico e retroalimentador, composto basicamente por três fases, cujos elementos não devem ser vistos de forma estática e seqüencial, mas de modo dinâmico e integrado (MDA, 2005a e 2005c):

� Sensibilização, mobilização e capacitação. Nessa fase, destacam-se as ações voltadas para a sensibilização, mobilização e capacitação dos diversos atores sociais existentes no território. Busca-se aqui uma maior aproximação entre essas forças representativas, firmando-se compromissos conjuntos. Trata-se de um procedimento permanente, devendo estar presente em todas as fases do ciclo de gestão social. Envolve também a capacitação dos agentes, mapeamento das institucionalidades locais e apoio à sua estruturação e consolidação.

� Processo de planificação do território: essa etapa representa o momento de tomada de decisões estratégicas que definem as prioridades de intervenção no território. Envolve principalmente a elaboração do diagnóstico participativo e de uma visão

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compartilhada de futuro, a priorização das potencialidades e dos entraves locais, a identificação das tendências sócio-econômicas e seus impactos para a agricultura familiar, as forças sociais que respondem por essas tendências, a definição do eixo aglutinador (elemento de convergências de iniciativas), a construção do Plano Territorial, com suas estratégias e ações de médio prazo, e a formulação de projetos territoriais específicos articulados a uma visão estratégica. O fundamental é apreender o território e os atores que o compõem e fazer com que as forças vivas deste espaço estabeleçam formas de catalisar habilidades e competências, em geral dispersas num conjunto de organizações e agentes, e operar esses atributos colocando-os a serviço da dinamização da economia local e da melhoria dos indicadores sociais. Essa fase pressupõe ainda a articulação das políticas e dos instrumentos necessários para viabilizar o plano, bem como a definição de papéis e a distribuição de atribuições e tarefas para cada instituição e organização integrante do território, de modo a potencializar as complementaridades das ações, evitando-se sua sobreposição.

� Execução dos projetos e concretização gradual do plano, com base em instrumentos de monitoramento e avaliação permanente desse processo. Trata-se do momento em que são realizados os investimentos em infra-estrutura e serviços públicos, visando atender as expectativas apresentadas no Plano Territorial e nos projetos específicos. Tais investimentos públicos não devem se restringir à esfera econômico-produtiva, uma vez que a inversão nas áreas social, ambiental e cultural representa a garantia de acesso a direitos básicos às populações rurais. Exige-se aqui um verdadeiro comprometimento de todos os atores interessados no desenvolvimento do território, estabelecendo-se uma co-responsabilidade na execução das atividades. E, para concluir esse ciclo dinâmico, essa fase envolve também o monitoramento e a avaliação passo a passo das ações realizadas, de modo a subsidiar um eventual redirecionamento da estratégia e das ações desenvolvidas.

Essas três dimensões do planejamento territorial do desenvolvimento sustentável compreendem o chamado “ciclo da gestão social”. Cada território e seu correspondente arranjo institucional irão operar com essas ferramentas de forma diferenciada no espaço e no tempo. Um dos fatores condicionantes do sucesso dessa iniciativa de desenvolvimento territorial está justamente na capacidade de articulação sistêmica desses macro-processos.

Os conteúdos apresentados nas publicações editadas pelo MDA/SDT refletem as concepções conceituais e metodológicas adotadas pelos gestores da política de desenvolvimento territorial no plano federal e que deveriam orientar a sua implementação em parceria com as demais esferas de governo. De outro lado, esse aporte contribuiu também para balizar o processo de capacitação dos agentes locais, apresentando um conjunto de instrumentos voltados para qualificar a capacidade de análise e intervenção na realidade. Em grande parte, essas elaborações constituíram um “marco referencial” de apoio ao processo de construção territorial e à gestão social do desenvolvimento rural. A apresentação dessas referências teórico-metodológicas possibilita, portanto, uma reflexão a respeito do ponto de vista assumido pelo Estado no momento inicial de execução de uma política que buscava (e ainda

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busca) se afirmar como uma perspectiva inovadora na abordagem das políticas públicas no país.

Retomar essas elaborações formuladas no âmbito da SDT é de fundamental importância para o presente projeto, uma vez que permite perceber em que medida elas se constituíram efetivamente em referenciais capazes de instrumentalizar a prática coletiva dos atores sociais mais diretamente envolvidos na construção de uma estratégia territorial de desenvolvimento rural sustentável e na gestão participativa desse processo político.

1.2. A Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural

Em 2004, após doze anos de extinção da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), durante o mandato de Fernando Collor de Mello, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva aprovou a nova PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (MDA, 2004). Ao longo desse período, os serviços oficiais de ATER foram sendo sucateados em sua estrutura, em razão do processo de privatização do Estado que impunha a sua desresponsabilização do fornecimento de vários serviços públicos.

O documento que apresenta as bases conceituais e metodológicas dessa política foi elaborado a partir de um processo de consulta aos órgãos governamentais dos estados e às diversas organizações da sociedade civil (movimentos sociais, sindicatos, cooperativas, ONGs etc.). Além disso, a coordenação da implementação dessa política passa a ser exercida pela Secretaria da Agricultura Familiar, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, retirando-a do âmbito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, onde estavam alocados os parcos recursos para essas ações governamentais.

Essa decisão de governo responde a uma demanda de vários segmentos sociais, tendo em vista a necessidade de o Estado oferecer as condições básicas para o atendimento dos serviços públicos que esta área requer. Assim, considerando a profunda desestruturação no plano nacional dos órgãos governamentais estaduais e municipais e as experiências acumuladas tanto na esfera governamental (nos locais onde ela conseguiu minimamente se manter atuante) quanto na esfera não-governamental, ao se instituir a PNATER, o Estado se dispõe a sedimentar as bases para a retomada de sua intervenção nessa área. Com isso, o governo federal busca demarcar uma nova fase na execução dessa política.

Dentre os elementos fundantes que orientam a implementação dessa nova PNATER, pode-se destacar os seguintes aspectos:

� a agricultura familiar, em sua noção mais ampliada, englobando os extrativistas, ribeirinhos, quilombolas, indígenas, pescadores artesanais e aqüicultores, é considerada como sendo o público prioritário;

� as ações de ATER devem contribuir para o fortalecimento do desenvolvimento rural sustentável e para a construção de uma nova matriz tecnológica, baseada nos princípios da agroecologia;

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� a adoção de uma perspectiva multidisciplinar e de metodologias participativas que integrem os conhecimentos e saberes acumulados historicamente pelos agricultores familiares;

� a criação de mecanismos institucionais que promovam a gestão social das ações de ATER;

� o caráter “público” da ATER, ou seja, sua implementação não é de responsabilidade exclusiva dos órgãos governamentais, mas pode ser realizada também por organizações da sociedade civil que demonstrem capacidade técnica de sua execução;

� o estímulo à criação de articulações interinstitucionais, na forma de “redes de ATER”.

Assim, de acordo com essa nova concepção de ATER pública, o formato institucional definido para implementar essa política pressupõe a criação de um sistema nacional descentralizado de gestão desses serviços, envolvendo uma gama variada de instituições e organizações que prestem ações de ATER. Dentre elas, as instituições públicas estatais de âmbito municipal, estadual e federal, as empresas vinculadas ou conveniadas com o poder público, os estabelecimentos de ensino e entidades que atuem com a pedagogia da alternância, bem como as cooperativas de técnicos e agricultores, as organizações não-governamentais e as próprias organizações de agricultura familiar podem integrar esse sistema, desde que comprovem capacidade técnica e institucional para executar as atividades de ATER e estejam devidamente credenciadas pelo poder público.

No Plano Safra 2007/08, o MDA disponibilizará R$ 160 milhões para a execução da PNATER no País. Esse volume de recursos tem se ampliado a cada ano, gerando, inclusive, uma forte competição entre instituições governamentais e organizações sociais, em relação à sua distribuição e à eficiência de sua aplicação.

A efetiva e ampla implementação dessa política pública pode vir a cumprir um papel decisivo no fortalecimento da agricultura familiar no País e, se devidamente articulada a outros programas do governo federal, tais como as ações coordenadas pela SDT, pode contribuir com uma oferta de importantes serviços direcionados para estimular a consolidação de territórios. Dentre as diversas demandas de intervenção de uma ATER que responda aos desafios estruturais de construção de um processo de desenvolvimento sustentável, pode-se ressaltar:

� a elaboração de diagnósticos das cadeias produtivas e das tendências dos mercados agrícolas, favorecendo a inserção econômica da agricultura familiar;

� o acompanhamento às atividades agropecuárias, buscando a diversificação produtiva e a expansão do auto-consumo familiar;

� o estímulo às formas de manejo sustentável dos recursos naturais, particularmente dos solos e da água;

� a realização de cursos de formação e capacitação profissional;

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� a assessoria às organizações econômicas (associações, cooperativas, agroindústrias, centrais de comercialização), visando ampliar as condições de competitividade no mercado;

� a disseminação de inovações tecnológicas, bem como o monitoramento de seus impactos sociais, econômicos e ambientais;

� a implementação de ações voltadas para a construção de uma pedagogia educacional adequada à realidade do meio rural;

� o apoio às atividades rurais não-agrícolas;

� a realização de projetos de melhoria das condições de moradia, em particular nas áreas de saneamento, abastecimento d’água e eletrificação;

� o incentivo às formas de participação cidadã na gestão social das políticas públicas locais, tais como os conselhos municipais, e ainda

� a definição de planos estratégicos de desenvolvimento territorial, peças-chave para a execução de projetos que atendam às expectativas e vontades coletivas das populações rurais.

1.3. Território e ATER

Embora o trabalho dos extensionistas rurais seja de fundamental relevância para a consolidação dos territórios, é preciso perceber que estes espaços de articulação também são importantes para o processo de reconstrução da Política Nacional de ATER. A territorialização da ATER tende a promover a constituição de uma espécie de “laboratórios”, favorecendo a aproximação e a convergência de esforços num espaço comum. Como resultado desse processo de territorialização dessa política, pode-se avançar na formação de redes e consórcios, na elaboração de programas territoriais de ATER, definindo linhas prioritárias de atuação para as diferentes entidades, e na implementação de ações e projetos que incentivem a integração da política de ATER ao crédito rural, à diversificação produtiva, às alternativas educacionais baseadas na pedagogia da alternância, às formas sustentáveis de manejo ambiental, à preservação do patrimônio cultural e dos saberes locais etc. Portanto, trata-se de uma via de mão dupla, ou seja, as políticas de ATER e de desenvolvimento territorial precisam encontrar espaços de interação e de sinergia, para se viabilizarem mutuamente e de forma cooperada.

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2. Contextualização do território do Sudoeste do Paraná

A intenção desse ponto é apenas contextualizar o leitor que desconhece a realidade demográfica, sócio-econômica e ambiental da região Sudoeste ter um panorama geral de sua configuração territorial.

2.1. Localização e composição dos municípios

O território do Sudoeste do Paraná está localizado no Terceiro Planalto Paranaense e compreende uma área de 17.043 km2 de extensão, que representa cerca de 8% do território estadual. Abrange 42 municípios situados entre a margem esquerda do rio Iguaçu e a divisa com a região Oeste de Santa Catarina.

Os municípios que, atualmente, integram o território do Sudoeste são os seguintes, por ordem alfabética: Ampére, Barracão, Bela Vista da Caroba, Boa Esperança do Iguaçu, Bom Jesus do Sul, Bom Sucesso do Sul, Capanema, Chopinzinho, Clevelândia, Coronel Domingos Soares, Coronel Vivida, Cruzeiro do Iguaçu, Dois Vizinhos, Enéas Marques, Francisco Beltrão, Flor da Serra do Sul, Honório Serpa, Itapejara do Oeste, Manfrinópolis, Mangueirinha, Mariópolis, Marmeleiro, Nova Esperança do Sudoeste, Nova Prata do Iguaçu, Palmas, Pato Branco, Pérola do Oeste, Pinhal de São Bento, Planalto, Pranchita, Renascença, Realeza, Salgado Filho, Salto do Lontra, Santa Izabel do Oeste, Santo Antônio do Sudoeste, São João, São Jorge do Oeste, Saudade do Iguaçu, Sulina, Verê e Vitorino.

2.2. Aspectos ambientais

Do ponto de vista das características ambientais, o território do Sudoeste possui uma grande diversidade de ecossistemas, permitindo que em suas terras sejam cultivadas espécies vegetais típicas de ambientes frios e quentes. Isso decorre da variação de altitude e da presença dos rios Iguaçu e Chopim.

Conforme a classificação do clima apresentada por Köeppen (MDA, 2006, p. 20), o Sudoeste pode ser dividido, a grosso modo, em duas sub-regiões climaticamente bem definidas: uma classificada como temperada (Cfb) e outra como subtropical (Cfa). Entre esses dois tipos climáticos, podem ser identificados ainda cerca de dezoito microclimas, com variações de chuvas e temperaturas, conferindo à região a possibilidade de cultivar uma diversidade de produtos agrícolas. Em alguns municípios, é possível cultivar abacaxi, manga, cana-de-açúcar, maracujá, banana e abacate, espécies pouco resistentes a temperaturas mais baixas, enquanto que os municípios de maior altitude são propícios para o cultivo de uva, maça, pêssego e cítricos (MDA, 2006, p. 19).

A paisagem predominante é composta por mesetas estruturais, isto é, trata-se de um relevo em forma de mesas ou tabuleiros, entrecortadas por formas onduladas, com chapadas e encostas suaves. No entanto, em algumas áreas o relevo apresenta declives acentuados, tornando uma área de mais de 460.000 ha, equivalente a 39,6% de toda a região, suscetível à degradação do solo por erosão.

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Ainda que a cobertura vegetal seja pouco expressiva, representando, aproximadamente, 1,4% da área total do Sudoeste do estado, deve-se destacar a presença de duas importantes áreas de floresta: o Parque Nacional do Iguaçu, com 176.000 ha de mata, localizado na fronteira com a Argentina, que abriga as Cataratas do Iguaçu, e a Reserva Indígena do Rio das Cobras (com 18.682 ha e uma população de 2.263 indígenas descendentes de Kaingang e Guaranis), situada nos municípios de Mangueirinha, Chopinzinho e Coronel Vivida, que abriga a maior floresta nativa de araucária (Araucaria angustifolia) do mundo.

2.3. Aspectos demográficos

A população do território do Sudoeste, em 2000, totalizava 557.380 habitantes, sendo que 60,6% localizavam-se nas áreas urbanas e 39,4% nas zonas rurais, segundo a classificação adotada pelo Censo Demográfico do IBGE. Analisando-se esses dados numa perspectiva histórica, de 1970 a 2000, pode-se perceber o movimento migratório que ocorreu na região ao longo desse período, pois, na década de 1970, a população rural representava 82% do total.

Tabela 1: Distribuição relativa da população rural e urbana, entre 1970 e 2000

Área 1970 1980 1991 2000 2000*

Rural 82,0 68,0 52,5 39,4 47,1

Urbana 18,0 32,0 47,5 60,6 52,9 Fonte: IBGE. Censo Demográfico (1970, 1980, 1991, 2000). * Desconsiderando os dados relativos aos municípios de Francisco Beltrão e Pato Branco.

Entretanto, é possível notar que essa distribuição é influenciada fortemente pela presença de dois municípios que possuem altos índices de urbanização (Francisco Beltrão – 67.132 habitantes e Pato Branco – 62.234 habitantes), contribuindo para a elevação das taxas médias regionais. Nesse caso, se os dados estatísticos desses dois municípios fossem excluídos da análise, a população rural do Sudoeste seria de 47,1%. A densidade demográfica desses dois municípios é superior a 80 hab./km2: Pato Branco com 124,15 hab./ km2 e Francisco Beltrão com 97,12 hab./km2.

De outro lado, levando em consideração os dados apresentados na Tabela 2, pode-se verificar que 22 municípios possuem mais da metade da população nas áreas rurais e 32 apresentam taxas de urbanização abaixo da média regional, ou seja, menor que 60,6%. Essas informações apontam para a permanência do caráter eminentemente rural dessa região, ainda que uma importante parcela dos municípios apresente índices mais altos de concentração da população em áreas urbanas.

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Tabela 2. Distribuição da população total, urbana e rural nos municípios do território do Sudoeste do Paraná, em 2000

Município População Total

População Urbana População Rural Nº % Nº %

Ampére 15.623 10.403 66,59 5.220 33,41 Barracão 9.271 5.825 62,83 3.446 37,17 Bela Vista da Caroba 4.503 757 16,81 3.746 83,19 Boa Esperança do Iguaçu 3.107 564 18,15 2.543 81,85 Bom Jesus do Sul 4.154 382 9,20 3.772 90,80 Bom Sucesso do Sul 3.329 1.307 39,26 2.085 62,63 Capanema 18.239 9.311 51,05 8.928 48,95 Chopinzinho 20.543 10.529 51,25 10.014 48,75 Clevelândia 18.338 14.814 80,78 3.524 19,22 Coronel Domingos Soares 7.004 797 11,38 6.207 88,62 Coronel Vivida 23.306 14.732 63,21 8.574 36,79 Cruzeiro do Iguaçu 4.394 2.214 50,39 2.180 49,61 Dois Vizinhos 31.986 22.382 69,97 9.604 30,03 Enéas Marques 6.382 1.250 19,59 5.132 80,41 Flor da Serra do Sul 5.059 590 11,66 4.469 88,34 Francisco Beltrão 67.132 54.831 81,68 12.301 18,32 Honório Serpa 6.896 1.443 20,93 5.453 79,07 Itapejara do Oeste 9.162 4.961 54,15 4.201 45,85 Manfrinópolis 3.802 448 11,78 3.354 88,22 Mangueirinha 17.760 6.460 36,37 11.310 63,68 Mariópolis 6.017 3.771 62,67 2.246 37,33 Marmeleiro 13.665 7.168 52,46 6.497 47,54 Nova Esperança do Sudoeste 5.258 1.224 23,28 4.034 76,72 Nova Prata do Iguaçu 10.397 5.311 51,08 5.086 48,92 Palmas 34.819 31.411 90,21 3.408 9,79 Pato Branco 62.234 56.805 91,28 5.429 8,72 Pérola do Oeste 7.354 2.720 36,99 4.634 63,01 Pinhal do São Bento 2.560 737 28,79 1.823 71,21 Planalto 14.122 4.814 34,09 9.308 65,91 Pranchita 6.260 3.160 50,48 3.100 49,52 Realeza 16.023 9.951 62,10 6.072 37,90 Renascença 6.959 2.928 42,08 4.031 57,92 Salgado Filho 5.338 2.158 40,43 3.180 59,57 Salto do Lontra 12.757 5.602 43,91 7.155 56,09 Santa Isabel do Oeste 11.711 5.695 48,63 6.016 51,37 Santo Antônio do Sudoeste 17.870 10.814 60,51 7.056 39,49 São João 11.207 5.788 51,65 5.419 48,35 São Jorge do Oeste 9.307 4.511 48,47 4.796 51,53 Saudades do Iguaçu 4.608 1.987 43,12 2.621 56,88 Sulina 3.918 1.195 30,50 2.723 69,50 Verê 8.721 3.029 34,73 5.692 65,27 Vitorino 6.285 3.190 50,76 3.095 49,24 Sudoeste Total 557.380 337.969 60,63 219.484 39,37

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Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2000.

2.4. Indicadores sociais

A análise dos aspectos sociais restringir-se-á aos indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano, divulgados anualmente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O Relatório de Desenvolvimento Humano tem constituído numa referência central para a análise dos indicadores sociais, na medida em que oferece critérios comuns para a comparação entre distintas localidades. Portanto, nesse trabalho serão utilizados esses dados como indicadores da situação social do território do Sudoeste do Paraná. A metodologia de cálculo do IDH baseia-se numa síntese de quatro variáveis: expectativa de vida da população ao nascer, taxa de alfabetização de adultos (pessoas com 15 anos ou mais de idade), taxa de freqüência escola e renda per capita.

O IDH do Sudoeste (0,760) situava-se abaixo do IDH do Paraná (0,787) e mais distante ainda quando comparado ao IDH nacional (0,792), no ano 2000. O Sudoeste só possuía um indicador superior à média brasileira e paranaense: a longevidade das pessoas do Sudoeste alcançava 0,775, contra 0,741 (Brasil) e 0,747 (Paraná). Nos demais indicadores os valores de referência encontram-se abaixo das médias estadual e nacional. A variável renda per capita (0,653) é a que mais se distanciava das posições ocupadas pelo Paraná (0,736) e do Brasil (0,763), demonstrando que a renda regional encontra-se num patamar bem inferior: 16 municípios apresentam um IDH abaixo do IDH do Sudoeste e apenas um (Pato Branco) situa-se numa posição superior ao IDH do Paraná, ocupando a terceira colocação no estado. Comparando-se o IDH-Municipal com o IDH do Paraná, observa-se que 18 municípios possuem indicadores inferiores ao do estado. Analisando-se o ranking das posições de cada município, percebe-se que sete localizam-se entre os 50 mais bem colocados e apenas cinco entre as cem posições mais baixas (Bom Jesus do Sul, Coronel Domingos Soares, Honório Serpa, Manfrinópolis e Pinhal do São Bento).

2.5. Aspectos econômicos

O Sudoeste do Paraná, comparado a outras regiões do interior do país, caracteriza-se por ser uma região de ocupação relativamente recente, visto que só a partir das últimas seis décadas iniciou a formação dos primeiros núcleos urbanos, estabelecendo, assim, um processo mais intenso de dinamização das atividades econômicas, em particular daquelas relacionadas à agropecuária. No decorrer desse período, e principalmente com a implementação do modelo de modernização agrícola conservadora, a partir de fins da década de 1960, o papel das atividades agrícolas tem desempenhado um lugar central na estrutura econômica regional. Em torno dessas atividades desenvolveram-se diversas outras nos setores industriais e de serviços voltadas para atender às demandas da agropecuária, mas também foram criadas novas oportunidades em áreas que não possuem nenhuma relação com as atividades primárias. A interpretação dos aspectos econômicos do território nesse trabalho abordará uma análise dos setores produtivos (agropecuária, indústria e serviços) na composição do Produto Interno Bruto, da estrutura fundiária, do mercado de trabalho, da estrutura da produção agropecuária

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(estabelecimentos rurais, conforme sua distribuição por área, Valor Bruto da Produção e principais produtos, e sistemas de produção agrícola predominantes nos municípios do território do Sudoeste).

2.5.1. O Produto Interno Bruto e mercado de trabalho

O Produto Interno Bruto, indicador que mede a soma de todas as riquezas econômicas produzidas num determinado espaço, configura-se num instrumento importante para a análise do comportamento da estrutura produtiva ao longo de um período histórico. Os dados municipais do PIB, levantados pelo IBGE (Contas Nacionais), estão disponíveis entre 1997 e 2004, na Base de Dados do Estado, elaborado pelo Ipardes. Com base nessa série histórica, é possível tecer considerações a respeito da estrutura econômica regional. De acordo com essas informações, os 42 municípios do território do Sudoeste apresentaram um crescimento de 133,2% no valor do PIB. Os municípios que tiveram crescimentos mais significativos foram: Enéas Marques (289,0%), Manfrinópolis (267,3%), Palmas (222,1%), Boa Esperança do Iguaçu (207,8%) e Capanema (205,7%). Por outro lado, os cinco municípios com menor percentual de expansão do PIB foram: Mangueirinha (68,8%), Saudade do Iguaçu (74,0%), Cruzeiro do Iguaçu (82,9%), Coronel Vivida (88,1%) e Pato Branco (103,9%).

Analisando-se esses dados a partir da relação entre os três setores da economia (agropecuária, indústria e serviços), verifica-se que o setor de serviços apresentou uma queda expressiva nesse período, enquanto que o segmento ligado à agropecuária teve um aumento acentuado na composição geral do PIB do território. O PIB industrial teve uma pequena elevação, passando de 25,7% para 27,2%, traduzindo as dificuldades estruturais de dinamização que vêm sendo enfrentadas por esse setor em várias regiões do País. Entre 1997-2004, a participação do setor agropecuário no PIB subiu de 31,2% para 41,4%, e o setor de serviços passou de 41,6% para 32,8%.

Porém, mesmo reconhecendo o crescimento do setor industrial e do setor de serviços na composição do Produto Interno Bruto dos 42 municípios do território do Sudoeste, a agropecuária continua sendo o segmento da economia com maior participação no PIB, representando 41,4% do total regional (Tabela 3). O setor de serviços aparece na segunda colocação, com 32,8%, e a indústria, com 25,7%. Em 29 municípios, o PIB agropecuário é igual ou superior a 50% do PIB total, demonstrando, mais uma vez, o peso desse setor. Já no caso da indústria, apenas nove municípios possuem uma participação igual ou superior a 20%, sendo que apenas dois (Mangueirinha e Palmas) contribuem com mais de 50%. Em relação ao setor de serviços, 13 municípios possuem um PIB igual ou superior a 33% e em apenas um (Pato Branco) a participação é acima de 50% do total municipal.

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Tabela 3. Distribuição do Produto Interno Bruto do Sudoeste, segundo os setores da economia – 2004 (em porcentagem)

Município Agropecuária Indústria Serviços Ampére 41,03 23,26 35,71 Barracão 38,21 17,51 44,28 Bela Vista da Caroba 67,93 4,81 27,26 Boa Esperança do Iguaçu 76,94 1,49 21,57 Bom Jesus do Sul 68,29 2,59 29,12 Bom Sucesso do Sul 68,57 1,33 30,10 Capanema 43,80 24,91 31,29 Chopinzinho 49,41 9,16 41,43 Clevelândia 31,88 34,70 33,42 Coronel Domingos Soares 60,08 13,65 26,27 Coronel Vivida 42,75 9,84 47,41 Cruzeiro do Iguaçu 71,79 6,42 21,79 Dois Vizinhos 39,90 32,82 27,27 Enéas Marques 74,37 8,10 17,53 Flor da Serra do Sul 71,32 4,11 24,57 Francisco Beltrão 27,74 35,55 36,71 Honório Serpa 63,38 7,87 28,75 Itapejara d´Oeste 50,00 23,43 26,57 Manfrinópolis 80,03 2,01 17,97 Mangueirinha 17,17 69,73 13,09 Mariópolis 56,32 13,38 30,31 Marmeleiro 61,57 8,36 30,07 Nova Esperança do Sudoeste 75,29 3,51 21,20 Nova Prata do Iguaçu 65,65 5,72 28,63 Palmas 12,68 56,76 30,56 Pato Branco 14,40 35,33 50,28 Pérola d'Oeste 61,95 4,07 33,99 Pinhal de São Bento 68,27 2,30 29,44 Planalto 54,80 5,43 39,77 Pranchita 61,27 5,20 33,53 Realeza 42,22 12,57 45,21 Renascença 67,65 4,51 27,84 Salgado Filho 67,06 4,49 28,44 Salto do Lontra 66,27 4,96 28,77 Santa Izabel do Oeste 59,85 3,94 36,21 Santo Antônio do Sudoeste 49,78 11,56 38,65 São João 50,72 7,11 42,17 São Jorge d´Oeste 62,23 5,43 32,34 Saudade do Iguaçu 57,07 10,96 31,97 Sulina 68,03 3,61 28,35 Verê 70,11 4,07 25,82 Vitorino 56,53 8,21 35,27 Total Sudoeste 41,42 25,74 32,84 Fonte: Ipardes. Base de Dados do Estado (http://www.ipardes.gov.br, acessado em julho de 2007).

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Tabela 4. Municípios do território do Sudoeste do Paraná com maior e menor participação percentual na formação do PIB, segundo os setores da economia – 2004.

PIB por setor da economia

Municípios com maior participação do setor

% do total do município

Municípios com menor participação do setor

% do total do município

PIB Agropecuária Manfrinópolis 80,0 Palmas 12,7 Boa Esperança do Iguaçu 76,9 Pato Branco 14,4 Nova Esperança do Sudoeste 75,3 Mangueirinha 17,2 Enéas Marques 74,4 Francisco Beltrão 27,7 Cruzeiro do Iguaçu 71,8 Clevelândia 31,9

PIB Indústria Mangueirinha 69,7 Bom Sucesso do Sul 1,3 Palmas 56,8 Boa Esperança do Iguaçu 1,5 Francisco Beltrão 35,6 Manfrinópolis 2,0 Pato Branco 35,3 Pinhal do São Bento 2,3 Clevelândia 34,7 Bom Jesus do Sul 2,6

PIB Serviços Pato Branco 50,3 Mangueirinha 13,1 Coronel Vivida 47,4 Enéas Marques 17,5 Realeza 45,2 Manfrinópolis 18,0 Barracão 44,3 Nova Esperança do Sudoeste 21,2 São João 42,2 Boa Esperança do Iguaçu 21,6

Fonte: Ipardes. Base de Dados do Estado (http://www.ipardes.gov.br, acessado em julho de 2007).

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Esses dados podem ser analisados também a partir dos percentuais de participação de cada setor na composição do PIB municipal, de acordo com os dados da Tabela 4. Em relação ao PIB agropecuário, os cinco municípios que, em 2004, apresentavam as maiores taxas de participação desse setor na composição municipal do PIB foram, em ordem decrescente: Manfrinópolis, Boa Esperança do Iguaçu, Nova Esperança do Sudoeste, Enéas Marques e Cruzeiro do Iguaçu. No que diz respeito ao setor industrial, os municípios com participação mais significativa foram: Mangueirinha (69,7%), Palmas (56,8%), Francisco Beltrão (35,6%), Pato Branco (35,3%) e Clevelândia (34,7%). Por sua vez, no setor de serviços, os cinco municípios com maiores índices de participação municipal foram: Pato Branco (50,3%), Coronel Vivida (47,4%), Realeza (45,2%), Barracão (44,3%) e São João (42,2%).

Para aprofundar e qualificar a análise da economia urbana do território, buscou-se referências analíticas no estudo desenvolvido pelo Ipardes (2004) que apresenta uma “leitura regional” do Sudoeste3. Sobre esse aspecto, a pesquisa tomou por base os dados de 2002 referentes ao valor adicionado fiscal (VAF), divulgados pela Secretaria de Fazenda do Estado do Paraná. O setor industrial no Sudoeste do Paraná, em 2002, era responsável por 1.413 estabelecimentos, gerando 17.672 postos de trabalho. A base da estrutura produtiva industrial é dominada pelos segmentos de alimentos, confecções e madeireiro. Pouco mais de 60% do VAF da Mesorregião Sudoeste do Paraná decorrem das atividades agrícolas e florestais. A região possui uma estrutura consolidada do pólo agroindustrial de aves e, nos últimos anos, a cadeia produtiva de leite vem apresentando avanços significativos.

Num parorama mais geral, o Sudoeste abriga 8 unidades de abate e processamento de aves, 30 laticínios, 23 frigoríficos para abate e processamento de suínos e bovinos, 8 empresas ligadas à produção de ração animal, em especial para aves, 101 serrarias (desdobramento de madeira), 34 estabelecimentos para a produção de lâminas e chapas de madeira, dentre outros empreendimentos que estabelecem uma relação direta com as atividades agropecuárias. Porém, é importante ressaltar que uma parcela das empresas ligadas aos segmentos de siderurgia, metalúrgica e usinagem de metal (48), de ferramentas, ferragens, funilaria e cutelaria (43) e embalagens plásticas (7) possui uma relação com as demandas do setor agropecuário (Ipardes, 2004, p. 85). Ainda segundo os resultados desse estudo, verificam-se “sinais evidentes de diversificação na matriz produtiva”, demonstrados, particularmente, com o crescimento no setor metalúrgico e eletroeletrônico. Esse processo de diversificação vem sendo incentivado após a criação do Centro de Tecnologia Industrial do Sudoeste4, mas também pela isenção de impostos municipais e pela implantação de novos distritos industriais (Ipardes, 2004, p. 90). A análise correspondente aos setores Comércio e Serviços revela uma grande concentração espacial, tanto em relação à participação do VAF quanto à geração de postos de trabalho. Os dados do setor comercial mostram uma concentração da geração de valor: Pato Branco e Francisco Beltrão respondiam, em 2000, por mais de 50% do VAF regional nos segmentos comércio e reparação de veículo e comércio varejista. O setor de 3 É importante esclarecer que as análises realizadas pelo Ipardes referem-se à Mesorregião Sudoeste que, segundo a classificação do IBGE, é composta por 37 municípios. 4 O Cetis é um condomínio industrial organizado desde 1998 pela Companhia de Energia Elétrica do Paraná (Copel), Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (Lactec), Prefeitura de Pato Branco, governo federal, com o apoio da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (campus de Pato Branco).

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serviços configura-se no setor econômico que apresenta o maior grau de concentração das atividades, na medida em que os dois principais pólos urbanos da região detêm os percentuais mais significativos na maioria dos segmentos.

Nesse mesmo estudo realizado pelo Ipardes, é possível recuperar também elementos importantes para se entender a dinâmica do mercado de trabalho da Mesorregião Sudoeste. A população economicamente ativa dessa região, em 2000, é de, aproximadamente, 243.000 pessoas, sendo que 94.000 (42,1%) encontram-se ocupadas nas atividades agropecuárias ou de extração florestal. Trata-se de uma região com a menor taxa de desemprego do estado, atingindo 8,4%. Esses índices de desemprego tendem a ser mais acentuados nos municípios que associam maior concentração populacional a um menor peso relativo das ocupações agrícolas, como é o caso de Francisco Beltrão, Pato Branco e Dois Vizinhos (Ipardes, 2004, p. 58).

A população ocupada nos três segmentos da indústria alcança 17,3% do total, concentrando-se principalmente no segmento de transformação, seguida da construção civil e, em menor grau, pela extrativa. O setor de serviços apresenta a menor taxa de participação no total das ocupações: apenas Pato Branco tem 40% ou mais das pessoas economicamente ocupadas trabalhando nesse setor. Por fim, é importante ressaltar que 30 dos 37 municípios que compõem a Mesorregião Sudoeste do IBGE possuem uma extrema dependência das atividades agropecuárias, na medida em que respondem por 40% ou mais da população ocupada nesse setor (Ipardes, 2004, 59-60).

2.5.2. Estrutura fundiária

Os dados estatísticos da estrutura fundiária do Sudoeste encontram-se defasados, pois as informações correspondem ao Censo Agropecuário de 1995/96. De acordo com os dados oficiais do IBGE, os 42 municípios do território do Sudoeste do Paraná abrigavam 51.793 estabelecimentos rurais que ocupavam 1.031.602 ha. Em decorrência do processo de ocupação das terras, o Sudoeste caracteriza-se por ser uma região marcada pela predominância do trabalho familiar e onde 91,5% dos estabelecimentos situam-se no estrato de área com menos de 50 ha. Entre 50 e menos de 200 ha, existem 6,8% estabelecimentos e no estrato igual ou superior a 200 ha apenas 1,7% dos estabelecimentos rurais. Entretanto, ainda que em menor grau, se comparada a outras regiões do País, observa-se que os estabelecimentos enquadrados nesse último estrato de área ocupam 17% da área rural total, evidenciando a dimensão da concentração fundiária. Segundo as análises apresentadas pelo Ipardes (2004, p. 70), dentre as Mesorregiões classificadas pelo IBGE, o Sudoeste é a que apresenta o menor índice de concentração de terras do Paraná, levando-se em conta o índice de Gini, ou seja, 0,582 contra 0,752, do estado. Nesse sentido, em função de suas características históricas, a região Sudoeste do Paraná apresenta uma distribuição de terras bem mais favorável à agricultura familiar, quando comparada a outras regiões do estado e do País.

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Tabela 5. Distribuição dos estabelecimentos rurais na Mesorregião Sudoeste do Paraná, segundo estratos de área

Estratos de área Estabelecimentos rurais Área (ha) Nº % Ha %

Menos de 10 ha 21.675 41,85 115.342 11,18 De 10 ha a menos de 50 ha 25.716 49,65 484.186 46,94 De 50 ha a menos de 100 ha 2.476 4,78 149.209 14,46 De 100 ha a menos de 200 ha 1.038 2,00 107.010 10,37 De 200 ha a menos de 1.000 ha 819 1,58 154.661 14,99 Igual e superior a 1.000 ha 69 0,13 21.191 2,05 Total 51.793 100,00 1.031.602 100,00 Fonte: IBGE. Censo Agropecuário de 1995/96.

Conforme análise realizada por Alves et al (2004, p. 159-160) a partir das informações censitárias referentes à Mesorregião Sudoeste do IBGE, os municípios que apresentavam uma maior concentração de estabelecimentos rurais com menos de 10 ha eram, por ordem decrescente: Planalto, Capanema, Francisco Beltrão, Dois Vizinhos e Chopinzinho. No entanto, nesses mesmos municípios localizavam-se também 24% dos estabelecimentos entre 500 e menos de 2.000 ha do Sudoeste. Por outro lado, tomando-se por referência os municípios com menores percentuais de concentração de estabelecimentos no estrato com menos de 10 ha (Cruzeiro do Iguaçu, Bom Sucesso do Sul, Renascença, Vitorino, Saudades do Iguaçu e Mariópolis), nota-se que neles concentravam-se 23% dos estabelecimentos entre 500 e menos de 2.000 ha. Essas observações mais detalhadas dos dados do Censo revelam elementos que configuram uma expressiva concentração da posse da terra, associada à fragmentação fundiária, em função da presença predominante de estabelecimentos rurais com poucas extensões de área.

2.5.3. Estrutura da produção agropecuária

De acordo com a metodologia elaborada por uma equipe de consultores contratada pelo Convênio Incra/FAO, no final dos anos 1990, no Sudoeste do Paraná, 6,4% dos estabelecimentos (2.729) ocupam 37,4% da área total da região e respondem por 31% do Valor Bruto da Produção. Esses dados demonstram também o grau de concentração fundiária da região. Segundo essa classificação proposta, 48.464 estabelecimentos do Sudoeste (93,6% do total) podem ser classificados como de regime familiar (ver Tabela 6). Ocupam uma área de 894.769 ha, o que equivale a 62,6%, e respondem por 69% do VBP da agropecuária regional.

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Tabela 6. Distribuição dos estabelecimentos rurais (familiares e patronais) do Sudoeste do Paraná, segundo número, área e VBP – 1995/96

Estabelecimentos rurais Total (R$)

Total Est. Familiares

Total Est. Patronais

% Est. AF

Número total 51.794 48.464 2.729 93,6 Área total 1.430.269 894.769 524.734 62,6 Valor Bruto da Produção 638.896.227 441.081.962 191.177.724 69,0 Fonte: IBGE. Censo Agropecuário de 1995/96 – Tabulação Especial Convênio Incra/FAO.

A importância da agricultura familiar do Sudoeste no cenário da produção agropecuária regional é demonstrada nas Tabelas 7 e 8, considerando mais uma vez os dados do IBGE da safra 1995/96. Assim, observando-se a Tabela 7, nota-se que, em relação aos estabelecimentos que produzem os dez principais produtos agropecuários da região, a participação dos estabelecimentos familiares é superior a 90%. Ou seja, 98,97% dos estabelecimentos produtores de fumo são familiares; mesmo no caso da bovinocultura de corte (décimo lugar), esse percentual alcança 93,79% de produtores familiares.

Tabela 7. Participação dos estabelecimentos familiares na produção agropecuária dos municípios do território do Sudoeste do Paraná – 1995/96

Produtos agropecuários

Total Estabelec. Rurais

Total Estabelec. AF

Total Estabelec. AP

% Estabelec. AF

Fumo 3.023 2.992 31 98,97 Cana 10.760 10.444 292 97,06 Feijão 34.566 33.311 784 96,37 Mandioca 25.729 24.757 614 96,22 Suínos 37.003 35.591 1.146 96,18 Bovinocultura de Leite 38.252 36.644 1.498 95,80 Laranja 29.207 27.968 1.167 95,76 Hortaliças 37.599 35.996 1.243 95,74 Trigo 4.714 4.506 195 95,59 Aves 43.867 41.831 1.545 95,36 Milho 44.002 41.894 158 95,21 Soja 14.662 13.767 870 93,90 Bovinocultura de Corte 25.565 25.854 1.659 93,79

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário de 1995/96 – Tabulação Especial Convênio Incra/FAO.

Analisando-se as informações apresentadas na Tabela 8, que evidencia a participação da agricultura familiar na composição do Valor Bruto da Produção Agropecuária, é possível perceber a relevância desse segmento social. No caso dos cinco primeiros produtos (fumo, mandioca, laranja, leite e cana), a agricultura familiar é responsável por mais de 90% do VBP. Cabe destacar ainda a importante participação dos agricultores em regime familiar na produção de suínos (71,6%), soja, (67,1%), aves (64,1%) e bovino de corte (55,6%). Assim, pode-se perceber que ainda é extremamente significativa a contribuição familiar na formação do VBP do setor agropecuário, revelando a importância da produção agrícola na economia regional.

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Tabela 8. Participação dos estabelecimentos familiares no VBP da Agropecuária dos municípios do território do Sudoeste do Paraná – 1995/96

Produtos agropecuários

Total VBP Agropecuária

Total VBP-A AF

Total VBP-A AP

% VBP-A AF

Fumo 9.148.649 8.994.956 153.738 98,32 Mandioca 19.187.996 18.106.031 1.015.207 94,36 Laranja 3.627.008 3.359.371 248.498 92,62 Bovinocultura de Leite 35.223.699 32.115.940 2.988.898 91,18 Cana 7.898.795 7.112.558 696.568 90,62 Feijão 29.796.365 26.647.331 2.868.724 89,43 Hortaliças 6.698.658 5.765.270 841.913 86,07 Trigo 8.911.641 7.061.414 1.828.889 79,24 Milho 103.648.542 79.091.789 23.934.137 76,31 Suínos 54.675.820 39.153.918 15.365.891 71,61 Soja 116.792.119 78.421.189 38.246.802 67,15 Aves 159.644.000 89.524.822 70.016.011 64,08 Bovinocultura de Corte 39.915.586 22.203.708 17.668.386 55,63

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário de 1995/96 – Tabulação Especial Convênio Incra/FAO.

Por fim, tendo por base as informações da Produção Agrícola Municipal e da Produção Pecuária Municipal, elaboradas pelo IBGE, referentes a 2005, é possível ter uma noção geral dos sistemas de produção predominantes nos municípios do território do Sudoeste. Para cada município foram identificados os três principais produtos em termos de valor bruto da produção5. A articulação entre esses produtos agropecuários fornece um indicativo dos sistemas produtivos mais freqüentes em cada município. No Sudoeste, a conformação dos sistemas de produção gira em torno de cinco produtos básicos: leite, milho, soja, suínos e aves. No levantamento que está sendo realizado pelo Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais (Deser), no âmbito do projeto Diversificação das Áreas Produtoras de Tabaco na Região Sul, levando em consideração 42 municípios do Sudoeste, observa-se, de acordo com a Tabela 9, que 35 municípios apresentam três deles entre os principais componentes do VBP da agropecuária. A combinação entre soja-milho-leite representa o sistema de produção dominante nos estabelecimentos rurais de sete municípios da região6. Porém, verifica-se que há uma multiplicidade de sistemas de produção agropecuária: o

5 Para calcular esse valor, atribuiu-se o preço médio anual de cada produto agropecuário identificado nos municípios, com base nos preços da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento do Paraná, e multiplicou-se esse valor pelo volume da produção municipal, fornecido pelo IBGE. No caso específico da produção animal (aves e suínos), teve-se que calcular uma estimativa, pois os dados do IBGE referem-se ao plantel disponível no dia 31 de dezembro. Assim, para o caso da produção de aves, adotou-se a metodologia para o cálculo do custo de produção de frango de corte, elaborada por Ademir F. Girotto e Marcos V. N. de Souza, pesquisadores da Embrapa (disponível em http://www.cnpsa.embrapa.br), que indica 6,5 lotes por ano. Por sua vez, para o cálculo estimado da criação de suínos, foram considerados dois lotes por ano, tendo em vista que cada matriz cria, em média, 2,2 vezes ao ano. Descontando-se as perdas no processo de criação e a necessidade de vazio sanitário entre o abate e o início do processo, estimou-se o plantel de suínos de cada município multiplicando o número informado pela PPM por dois. 6 Analisando-se as informações referentes aos três principais produtos na composição do VBP Agropecuário dos municípios, nota-se que leite aparece em 28 municípios, milho em 25, soja em 24, suínos em 21 e aves em 19.

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segundo sistema mais importante é o de suínos-aves-leite, que desponta em seis municípios, seguido em terceiro lugar por quatro outros arranjos produtivos agrícolas (milho-aves-suínos, milho-soja-aves, suínos-soja-leite e aves-milho-leite), cada qual prevalecendo em quatro municípios da região. A esses produtos somam-se ainda as lavouras de mandioca, fumo, trigo, feijão, batata e maça como destaques em outros municípios, articulando-se com alguns dos cinco produtos anteriormente citados e formem um novo sistema (soja-milho-mandioca, milho-fumo-mandioca, soja-trigo-fumo, soja-milho-feijão, fumo-leite-suínos, soja-batata-maça e soja-suínos-trigo).

No entanto, esses dados chamam a atenção também para o significativo processo de concentração do VBP em torno de poucos produtos: em 31 dos 42 municípios da região, o VBP desses três produtos é superior a 60%; para 17 deles, esse percentual é maior do que 70%. Essa situação relaciona-se a uma tendência do atual modelo de desenvolvimento agrícola que, ao longo das últimas décadas, tem provocado uma sensível mudança na pauta dos produtos agrícolas, contribuindo para a redução ou quase eliminação da diversificação produtiva. Analisando-se os dados dos sete municípios cujos sistemas de produção predominantes possuem mais de 80% do VBP agropecuário municipal, verifica-se que a combinação entre soja-milho-leite predomina em três (Clevelândia – 83,9%; Honório Serpa – 82,3% e Vitorino – 84,6%); nos municípios de Enéas Marques e Salto do Lontra prevalece o sistema suínos-aves-leite com, respectivamente, 82,4% e 93,2%; em Coronel Domingos Soares, é dominante o sistema agrícola soja-milho-suínos e, em Manfrinópolis, prevalece a combinação aves-leite-milho, correspondendo a 87,1% e 82% do VBP da agropecuária desses municípios. Portanto, essa tendência à concentração da produção agrícola em torno de produtos dependentes e regidos pelo comportamento do mercado internacional representa uma característica atual da economia agrícola regional.

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Tabela 9. Distribuição dos sistemas de produção agropecuária e participação relativa dos três principais produtos na composição do VBP nos municípios do território do Sudoeste do Paraná – 2005. Município Sistemas de Produção 1º Produto VBP 2º Produto VBP 3º Produto VBP

Produto % Produto % Produto % Ampére Soja + Milho + Mandioca Soja 22,6 Milho 17,2 Mandioca 12,9 Barracão Milho + Fumo + Mandioca Milho 34,3 Fumo 18,7 Mandioca 6,6 Bela Vista da Caroba Soja + Trigo + Fumo Soja 31,3 Trigo 19,6 Fumo 16,7 Boa Esperança do Iguaçu Milho + Aves + Suínos Milho 21,1 Aves 19,1 Suínos 13,9 Bom Jesus do Sul Milho + Leite + Suínos Milho 29,6 Leite 21,7 Suínos 17,6 Bom Sucesso do Sul Milho + Soja + Aves Milho 34,0 Soja 25,1 Aves 18,1 Capanema Suínos + Soja + Leite Suínos 19,3 Soja 17,2 Leite 15,1 Chopinzinho Soja + Milho + Leite Soja 26,0 Milho 20,7 Leite 17,8 Clevelândia Soja + Milho + Leite Soja 44,1 Milho 28,9 Leite 11,0 Coronel Domingos Soares Soja + Milho + Suínos Soja 37,6 Milho 34,7 Suínos 14,7 Coronel Vivida Milho + Soja + Leite Milho 35,5 Soja 20,9 Leite 19,9 Cruzeiro do Iguaçu Aves + Milho + Suínos Aves 25,8 Milho 19,3 Suínos 18,5 Dois Vizinhos Aves + Suínos + Milho Aves 33,9 Suínos 19,8 Milho 12,2 Enéas Marques Suínos + Aves + Leite Suínos 42,3 Aves 30,8 Leite 9,2 Flor da Serra do Sul Aves + Milho + Leite Aves 29,2 Milho 25,9 Leite 11,3 Francisco Beltrão Aves + Suínos + Milho Aves 36,7 Suínos 23,2 Milho 11,3 Honório Serpa Soja + Milho + Leite Soja 36,7 Milho 31,4 Leite 14,1 Itapejara d´Oeste Aves + Milho + Soja Aves 32,7 Milho 21,1 Soja 15,6 Manfrinópolis Aves + Leite + Milho Aves 56,4 Leite 13,1 Milho 12,4 Mangueirinha Soja + Milho + Feijão Soja 43,8 Milho 24,2 Feijão 10,5 Mariópolis Milho + Soja + Leite Milho 27,5 Soja 25,3 Leite 18,2 Marmeleiro Aves + Suínos + Leite Aves 37,9 Suínos 15,4 Leite 12,8 Nova Esperança do Sudoeste Aves + Suínos + Leite Aves 40,6 Suínos 17,0 Leite 15,9 Nova Prata do Iguaçu Suínos + Soja + Leite Suínos 25,7 Soja 16,8 Leite 14,2 Palmas Soja + Batata + Maçã Soja 35,0 Batata 20,0 Maçã 17,8 Pato Branco Soja + Milho + Aves Soja 24,4 Milho 18,4 Aves 15,9 Pérola d'Oeste Suínos + Leite + Soja Suínos 26,5 Leite 16,8 Soja 14,9 Pinhal de São Bento Fumo + Leite + Suínos Fumo 23,6 Leite 21,6 Suínos 20,0 Planalto Leite + Soja + Suínos Leite 20,0 Soja 18,4 Suínos 17,3 Pranchita Soja + Suínos + Trigo Soja 36,4 Suínos 16,6 Trigo 14,6 Realeza Soja + Suínos + Leite Soja 19,2 Suínos 17,9 Leite 15,1 Renascença Milho + Soja + Aves Milho 38,9 Soja 21,1 Aves 14,3 Salgado Filho Suínos + Milho + Leite Suínos 40,7 Milho 15,1 Leite 12,6 Salto do Lontra Aves + Leite + Suínos Aves 74,9 Leite 15,6 Suínos 2,6 Santa Izabel do Oeste Aves + Suínos + Leite Aves 28,0 Suínos 18,3 Leite 14,3 Santo Antônio do Sudoeste Soja + Leite + Suínos Soja 18,1 Leite 14,9 Suínos 14,4 São João Soja + Milho + Leite Soja 22,5 Milho 20,5 Leite 20,1 São Jorge d´Oeste Aves + Leite + Soja Aves 22,2 Leite 16,6 Soja 15,8 Saudade do Iguaçu Aves + Leite + Milho Aves 30,1 Leite 26,0 Milho 21,0 Sulina Leite + Aves + Suínos Leite 23,5 Aves 22,5 Suínos 16,5 Verê Aves + Milho + Leite Aves 30,5 Milho 28,5 Leite 11,2 Vitorino Leite + Milho + Soja Leite 60,9 Milho 13,6 Soja 10,1 Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal de 2005 e Produção Pecuária Municipal de 2005.

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3. A constituição do território do Sudoeste do Paraná

Antes de se passar à análise do processo de constituição do território do Sudoeste do Paraná, torna-se essencial recuperar os traços gerais da formação histórica dessa região, uma vez que existe um conjunto de elementos estruturais que condicionam a sua criação e oferecem os contornos de uma identidade regional.

3.1. Processo de formação histórica da região Sudoeste do Paraná

A região Sudoeste do Paraná foi ocupada, numa primeira etapa, por descendentes de origem luso-brasileira, que se instalaram, a partir do início do século XIX, num espaço já povoado por populações indígenas de diferentes etnias (Kaingang, Guaranis e Xetás). Ao longo das décadas que se seguiram, o encontro dessas populações vai gerar um grupo social típico da região: o chamado caboclo. Em função de suas características sócio-econômicas, esse grupo de caboclos forjou historicamente um modus operandi próprio que se refletia em suas concepções de tempo e espaço, de apropriação dos recursos naturais, em particular a terra, de formas de organização social, de relação com o mercado, dentre outros traços culturais específicos. Essas populações dedicaram-se ao extrativismo da erva-mate e à criação de suínos, com finalidades comerciais, bem como ao cultivo de produtos de subsistência, principalmente milho e feijão, à caça e à pesca. Com o declínio do ciclo econômico da erva-mate, outra atividade extrativista passou a ser predominante: a exploração de madeira, em particular do pinheiro (Araucaria angustifolia), madeira nobre que caracteriza o ecossistema regional.

Por volta da década de 1940, o esgotamento dos solos nas zonas rurais dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina contribuiu para a expansão da fronteira agrícola em direção ao Paraná. Isso gerou um forte ciclo migratório de colonos gaúchos e catarinenses, principalmente de origem italiana e alemã, tendo por base três movimentos simultâneos: a ocupação de terras devolutas, a compra de posses dos caboclos e a colonização oficial, realizada por empresas colonizadoras que distribuíram lotes de terras aos colonos, tal como a CANGO – Colônia Agrícola Nacional General Osório, criada em 1943.

O encontro dos colonos de origem européia com os caboclos e as populações indígenas locais, que habitavam de forma dispersa o território, estabeleceu um conflito de culturas, de formas de relação e apropriação do espaço social. De um lado, as populações mais tradicionais praticamente desconheciam a noção de propriedade privada da terra e eram movidos por uma lógica extrativista, usufruindo dos recursos naturais a partir de um sistema de pousio florestal, que implicava na utilização de extensas áreas de terras. De outro lado, os colonos possuíam uma concepção de trabalho baseada na exploração agrícola e na propriedade familiar das terras.

Paralelamente a esse conflito cultural, um outro tipo de conflito, muito mais intenso e violento, ocorreu na região, originando a chamada Revolta dos Colonos, em 1957. A partir da década de 1950, os colonos que se instalaram na região passaram a sofrer ameaças e violências feitas por jagunços contratados pela CITLA – Clevelândia Industrial Territorial Ltda. Esta empresa, após quase duas décadas de litígio, recebera uma indenização do governo

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federal: a titulação das terras da gleba Missões e de parte da gleba Chopim, cuja extensão compreendia quase toda a região Sudoeste. A CITLA pretendia expulsar os posseiros que não pagassem pelas terras ocupadas. Revoltados os colonos invadiram importantes cidades, tais como Capanema e Pato Branco, expulsaram as companhias colonizadoras da região e exigiram do governo federal o reconhecimento de seus diretos à posse das terras. Então, o governo federal desapropriou as terras supostamente pertencentes à CITLA e aprovou a instalação do GETSOP – Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná, que efetivou a titulação de mais de 32 mil propriedades nas áreas rurais da região.

O resultado dessa luta social marcou profundamente a história da região e constitui-se num forte elemento de identidade coletiva, na medida em que criou as condições para que em grande parte do território se instalasse uma forma de exploração da terra fundada no trabalho familiar desenvolvido predominantemente em pequenas unidades de produção.

Outro elemento estrutural da formação sócio-econômica da região Sudoeste tem como ponto de partida a implementação do modelo da Revolução Verde, a partir da década de 1960. O intenso processo de modernização conservadora que se efetiva nessa região, tendo como fundamento básico uma forte intervenção do Estado, por meio de um conjunto de políticas governamentais, em particular os incentivos à instalação de empresas agroindustriais e as políticas de crédito rural e de assistência técnica e extensão rural, promoveu mudanças profundas no meio rural, sob várias perspectivas. Do ponto de vista tecnológico, a introdução de máquinas e equipamentos agrícolas, e de insumos químicos alterou a matriz produtiva regional e gerou uma crescente dependência dos agricultores em relação a essas tecnologias. Numa perspectiva sócio-demográfica, a pressão exercida pela mecanização gerou um excedente de força de trabalho que, por sua vez, provocou uma acentuada onda migratória para os centros urbanos, desestruturando as relações sociais nas comunidades rurais locais. A dimensão ambiental desse espaço territorial sofreu impactos significativos, dentre os quais se pode destacar o desmatamento das florestas para o uso agrícola, o esgotamento dos solos em função do uso de agrotóxicos, a contaminação das águas pelos dejetos de animais (suínos e aves) e a ausência de formas de manejo adequado das bacias hidrográficas.

Paralelamente a esses processos sociais, desde meados da década de 1960, pode-se constatar o início de um intenso trabalho de formação e de organização social de lideranças rurais da região. Esse trabalho de reflexão e renovação da ação pastoral da Igreja, promovendo a criação de grupos de catequese e incentivando a organização dos agricultores familiares em sindicatos e cooperativas, foi articulado inicialmente pela Assesoar, entidade criada em 1966 por padres belgas ligados aos setores eclesiais comprometidos com a Doutrina Social da Igreja. O saldo político desse contínuo e persistente trabalho desenvolvido junto às famílias de agricultores consubstanciar-se-á na formação de grupos de agricultores com capacidade para intervir nos processos políticos locais. Paulatinamente, a partir de fins dos anos 70, esse trabalho levará à criação das primeiras formas de organização social (associações, oposições sindicais, movimentos de luta pela terra) e ao desencadeamento de diversas lutas do interesse dos agricultores familiares (Notas Promissórias Rurais, preços dos produtos, seguro agrícola) e dos agricultores sem terra, por meio das ocupações de latifúndios e dos acampamentos à beira de estradas (Ferreira, 1987). Particularmente, após a década de 1980, esse processo

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organizativo vai se aprofundando com a conquista de dezenas de direções sindicais, a formação de um sistema de cooperativismo de crédito solidário, a articulação de uma rede regional de associações de produção, agroindústrias e cooperativas de comercialização, a constituição de um sistema integrado de cooperativas de produção de leite e o surgimento de novas organizações não-governamentais de apoio a esses processos.

Portanto, pode-se afirmar que, sob uma perspectiva histórica mais ampla, o território do Sudoeste resulta de um feixe de relações sociais que combinou, nas últimas décadas, esses dois processos interdependentes que conviveram conflitivamente num mesmo espaço social: uma presença marcante da ação do Estado na indução das mudanças sócio-econômicas no meio rural e um intenso trabalho de organização social, econômica e política da agricultura familiar. Devido à acentuada desigualdade na correlação de forças, é evidente que os setores do capital ligados à implantação do modelo conservador de desenvolvimento agrícola e rural hegemonizaram a condução desse processo, conformando um perfil econômico regional voltado para a produção de grãos, leite e derivados, carnes e derivados, e, em menor escala, hortifruticulturas. Todavia, ainda que aparentemente de forma contraditória, ambos processos confluíram para a conformação e consolidação de um sentimento de identidade regional que tem as suas raízes históricas nas lutas sociais travadas no final dos anos 50.

3.2. As primeiras iniciativas de articulação territorial

A conformação do “território”, tal como entendido pelas políticas estabelecidas pelo MDA, foi precedida por um longo processo de articulação política que se desencadeou no Sudoeste do Paraná, a partir de 1996 e que se estendeu até 2001-2002. Influenciados pelos resultados do programa integrado de ações voltadas para dinamizar a economia rural, fortalecer o capital social e beneficiar as populações rurais do Norte da Itália, um grupo de autoridades políticas do Sudoeste do Paraná7 iniciou um trabalho de sensibilização de diversas forças sociais visando criar sinergias para a construção do chamado “Pacto Nova Itália”.

É nesse contexto que irão ocorrer as primeiras iniciativas de articulação dos atores sociais do Sudoeste. Em 1997, um grupo de prefeitos municipais, com o apoio de instituições governamentais (Companhia Paranaense de Energia Elétrica, Serviço de Apoio à Pequena e Média Empresa e Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná), associações de prefeitos e vereadores, entidades do setor empresarial (Associação Comercial, Industrial e Agrícola, Federação das Indústrias do Estado do Paraná), além de deputados federais e estaduais, mobilizou diferentes atores sociais em torno da proposta de um pacto territorial. Esse pacto, assinado por um conjunto de instituições e entidades do Sudoeste, pretendia articular forças sociais locais para reproduzir na região uma experiência semelhante àquela desenvolvida no Norte da Itália, onde se implantou um modelo econômico baseado na formação de pequenas cooperativas especializadas na agregação de valor à produção agrícola, na transferência de tecnologias, na certificação da qualidade dos produtos e na garantia de mercado para as famílias produtoras. Entretanto, essa iniciativa ficou reconhecida por se

7 Dentre os quais destacava-se o ex-Ministro da Saúde do governo Fernando Collor de Mello e então Prefeito de Pato Branco, Alceni Guerra.

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limitar, fundamentalmente, à esfera do poder público municipal, coordenado pela AMSOP – Associação de Municípios do Sudoeste do Paraná.

Nos anos de 1998-99, um conjunto mais amplo de instituições e organizações desencadeou um processo de animação e mobilização visando “a construção de políticas e instrumentos para buscar o desenvolvimento rural sustentável” (Fórum, 1999, p. 9), com base numa articulação de forças envolvendo governo e sociedade civil. Essa articulação resultou na formalização do Protocolo Geral de Cooperação e Parcerias e na assinatura da Carta do Sudoeste, que estabelecia um conjunto de princípios e compromissos para se desencadear um processo participativo voltado para a elaboração de um Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável da Região Sudoeste do Paraná.

No bojo desse processo de discussões foi formado, em 1998, o Fórum Intergovernamental e da Sociedade do Sudoeste, “como espaço público de definição das ações prioritárias a curto e médio prazo” (Fórum, 1999, p. 10). A missão definida pelo Fórum estabelecia a seguinte formulação: “fomentar o desenvolvimento sustentável do Sudoeste do Paraná, a partir do meio rural, de forma estratégica, contínua e integrada, tendo como princípios a ética, a cooperação e a justiça social” (idem, p. 11).

Participaram desse fórum 41 instituições de abrangência regional8 e representantes dos 42 Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável, que compunham a instância máxima de decisão do Fórum – a Assembléia Geral. O Fórum abarcava na sua composição institucional a representação de diferentes interesses sociais, reunindo também setores empresariais, industriais e comerciais. A coordenação regional das atividades ficava sob a responsabilidade de uma diretoria formada paritariamente por oito representações: AMSOP, Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural, Associação dos Secretários Municipais de Agricultura da Região de Pato Branco, Associação dos Secretários Municipais de Agricultura e Meio Ambiente da Região de Francisco Beltrão, Núcleo Sindical dos Trabalhadores Rurais do Sudoeste, Sistema de Cooperativismo de Crédito, Assesoar e Centro de Apoio ao Pequeno Produtor. Na estrutura operacional do Fórum, havia ainda a Secretaria Executiva, encarregada de realizar o planejamento estratégico e a gestão das decisões. A AMSOP constituía-se na entidade que abrigava essa instância executiva, que contava ainda com o apoio de grupos temáticos e equipes técnicas, responsáveis, respectivamente, pela apresentação e detalhamento das propostas.

A correlação de forças políticas do Fórum fez com que as entidades ligadas à agricultura familiar e à Reforma Agrária ocupassem uma posição marginal no interior desse espaço. Conforme declarações obtidas a campo, as entidades sociais participaram de forma “tímida” nesse processo.

8 O Fórum era composto pelas seguintes instituições e entidades: ACAMSOP M 13, ACAMSOP M 14, AMSOP, ARCAFAR, ASSEC, ASSESOAR, ASSINEPAR, ASSMAN, CAMDUL, CAPA, CAPAF, CEFET, CLASPAR, COAGRO, COASUL, COHAPAR, Colégio Agrícola de Clevelândia, Colégio Agrícola de Francisco Beltrão, Cooperiguaçu, Coopersantana, CRAPA, Cresol/Baser, CUT Regional sudoeste, Emater, Escola Agrotécnica de Dois Vizinhos, FACEPAL, FACIBEL/UNIOESTE, IAP, IAPAR, INCRA, MST, Núcleo Sindical dos Trabalhadores Rurais do Sudoeste, Pacto Nova Itália, SEAB, SEBRAE, SEED, SEMA, SENAR, SERT, SICREDI E SISCLAF.

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Essa experiência de articulação teve, portanto, uma intensa participação das prefeituras municipais e de instituições vinculadas ao governo estadual, mas já naquela época podia se perceber a dificuldade dos prefeitos de negociarem seus interesses de forma conjunta. Declarações revelam que era “um parto para sentar juntos”, porque não queriam “juntar as caixinhas” e elaborar “projetos para os outros”. Nos momentos de decisão interna, os interesses e as pressões políticas eram grandes, e cada município defendia seus interesses locais, sem uma visão de desenvolvimento regional.

Um dos principais resultados alcançado por esse fórum foi a elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Sudoeste do Paraná (Versão Agrícola). Na apresentação desse documento já se reconhecia os limites desse plano, uma vez que ele se restringe a uma “versão agrícola” do desenvolvimento, não incorporando outros temas de interesse do desenvolvimento rural (educação, saúde, lazer etc.) e muito menos superando a visão setorial do rural e se articulando com os segmentos urbanos para se pensar numa estratégia geral de desenvolvimento sustentável para toda a região.

Para a elaboração do Plano, foi realizado um levantamento das demandas prioritárias nas comunidades rurais, com a colaboração dos 42 conselhos municipais. A seguir, no processo de discussão e sistematização das áreas a serem priorizadas, no curto e médio prazo, pelo Fórum foram definidas seis prioridades regionais, conforme a seguinte ordem de relevância: 1. alimentação escolar; 2. agroindustrialização; 3. assistência técnica; 4. leite; 5. crédito e 6. hortifruticultura9.

A versão agrícola desse Plano tinha por objetivo geral “propor prioridades, diretrizes e ações

articuladas para o desenvolvimento da região, a partir do meio rural, tendo como premissa

básica a sustentabilidade econômica, social e ambiental do Sudoeste do Paraná”. Os objetivos específicos foram assim definidos: “(1) ampliar e articular iniciativas locais e

regionais de educação e formação profissional rural; (2) buscar a intensificação da renda

das famílias rurais, através da agregação de valor à produção primária e/ou incremento de

atividades que proporcionem alta renda por área; (3) incrementar e consolidar as diversas

formas organizativas dos agricultores; (4) organizar a produção e comercialização de

produtos através de um melhor conhecimento da região, referente às características edafo-

climáticas, dos perfis dos agricultores, dos canais de comercialização e dos mercados; (5)

estimular a busca e adoção de inovações tecnológicas melhorando as experiências existentes;

(6) buscar novas alternativas para incrementar as atividades existentes, tendo em vista

desenvolver o potencial existente e favorável da região e (7) promover parcerias entre o setor

público e privado para o desenvolvimento das ações previstas” (Fórum, p. 8).

9 Nesse ponto o Plano não é suficientemente claro para apresentar como se deu a definição dessas seis prioridades. A leitura do documento sugere que das reuniões municipais foram levantadas quatro prioridades: bovinocultura de leite, agroindustrialização, fruticultura e olericultura. No Plano, é possível constatar que numa reunião do Fórum, realizada após a rodada municipal para levantamento das demandas prioritárias, foram apresentados os “temas transversais” (alimentação escolar, assistência técnica e crédito), que por alguma razão não explicada nesse documento deixam de ser transversais e passam a se constituir em “prioridades”. Outro aspecto curioso relativo a essa decisão diz respeito à ordem de priorização dos temas, uma vez que “alimentação escolar” aparece em primeiro lugar e “leite” –que no levantamento municipal ocupava a primeira posição, tendo sido apontado em 85% dos municípios como uma das três prioridades regionais– caiu para o quarto lugar, sendo superado pela “agroindustrialização” e, em seguida, pela “assistência técnica”.

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Além da elaboração do Plano, as ações do Fórum estiveram voltadas para outras iniciativas. Dentre elas, é preciso ressaltar: (i) a realização de levantamentos de informações, bem como de reuniões e de um Encontro Regional para debater o tema da alimentação escolar; (ii) a implantação de um centro regional de estudos e de um banco de dados para captação, geração e difusão de informações e tecnologias, com base no convênio com o Centro de Pesquisa e Apoio ao Desenvolvimento Regional (CEPAD); (iii) a viabilização do Laboratório de Análises de Alimentos; (iv) a realização do Seminário Estadual de Juventude Rural: Educação, Crédito e Desenvolvimento, que mobilizou jovens para pressionar pela aprovação do Pronaf Jovem; (v) a realização do Curso de Especialização em Desenvolvimento Rural (Latu Sensu), na atual UTFPR (ex-CEFET-PR), por meio de uma parceria com o MDA e o Projeto Paraná 12 Meses que concederam bolsas para 29 participantes do curso.

Contudo, apesar dessas importantes iniciativas, é curioso observar que o Fórum não conseguiu criar uma dinâmica que permitisse consolidar uma articulação territorial que mantivesse mobilizado a maioria dos atores sociais envolvidos nesse espaço político. Quatro fatores podem ser apontados como motivadores desse processo: a hegemonia política das instituições governamentais, em particular das prefeituras e da Emater, na condução do processo e na tomada de decisões; a fraca participação da sociedade civil na gestão social do Fórum; a incapacidade dos atores sociais negociarem e formularem projetos concretos voltados para a implementação do Plano de Desenvolvimento e, por fim, a ausência de uma política pública que proporcionasse uma cobertura institucional a experiências dessa natureza. A experiência de compartilhamento de um espaço único de discussão e decisão já revelava as dificuldades inerentes ao processo de negociação de interesses e, ao mesmo tempo, serviu de base para começar a “quebrar o gelo” no relacionamento político entre os diferentes atores sociais.

Nesse contexto de desarticulação do Fórum, ainda em 2002, os sete municípios que integram a microrregião da Fronteira, com o incentivo da antiga Secretaria de Desenvolvimento Rural (atual Secretaria de Agricultura Familiar) do MDA, formaram o Consórcio Intermunicipal da Fronteira. Esse consórcio tinha por objetivo criar uma infra-estrutura de comercialização para atender às demandas das agroindústrias familiares ligadas à cadeia produtiva da cana-de-açúcar e seus derivados (açúcar mascavo, melado, cachaça, bolachas etc.). A gestão desse consórcio contou com a participação das organizações da sociedade civil, sendo formado o Fórum da Fronteira. Entretanto, nesse novo formato de estrutura participaram apenas as instituições de governo e as entidades ligadas à agricultura familiar, ficando excluídas as representações da iniciativa privada. É importante destacar que esse consórcio obteve uma importante conquista ao negociar e aprovar um dos primeiros projetos de caráter supra-municipal no âmbito do Pronaf Infra-Estrutura e Serviços.

Tomando-se por base essa trajetória anterior de experiências de articulação regional, fica evidenciado que as iniciativas promovidas tanto no âmbito do Fórum Intergovernamental e da Sociedade quanto as do Consórcio Intermunicipal da Fronteira foram cruciais para a conformação atual do território do Sudoeste, por mais que este espaço tenha se constituído, inicialmente, para formalizar o acesso das instituições governamentais e das organizações sociais ligadas à agricultura familiar e à Reforma Agrária aos recursos definidos pelo Pronaf

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Infra-Estrutura e Serviços, posteriormente denominado de Pronat – Programa Nacional de Fortalecimento dos Territórios Rurais.

É importante destacar, portanto, que esse processo de construção do território visando a formulação de um projeto de desenvolvimento já vinha ocorrendo na região, ainda que de forma descontínua e com uma forte hegemonia dos setores governamentais na condução da dinâmica de trabalho. Nesse sentido, ao contrário de outros territórios que foram criados quase que exclusivamente para terem condições de se inserir numa política do governo federal, o território do Sudoeste foi criado como fruto de uma trajetória de experiências endógenas voltadas para a elaboração de um plano de ações territoriais que articulassem diversos interesses da sociedade, em favor, particularmente, de projetos de fortalecimento da agricultura familiar e do desenvolvimento rural. Ou seja, no momento de redefinição pelo governo federal das regras para o acesso aos recursos do Pronaf Infra-Estrutura e Serviços, já havia um embrião de organização e estruturação de um “território” no Sudoeste Paranaense.

3.3. As mudanças na política pública: da ação municipal para a articulação territorial

A “crise” na articulação do Fórum coincidiu com o momento de mudança no governo federal, particularmente com a criação da SDT e com a definição de que o Pronaf Infra-Estrutura e Serviços não seria mais disponibilizado para as prefeituras municipais10, de forma fragmentada. A partir do governo Lula, os recursos desse programa federal passaram a ser aplicados preferencialmente nos “territórios rurais”.

Até 2002, os recursos desse programa passavam quase que exclusivamente pelo poder de decisão da administração municipal e da Emater. Muito embora os nove municípios do Sudoeste integrantes desse programa federal tivessem estruturado os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável para debater as finalidades de aplicação do volume de recursos, deve-se reconhecer que, em geral, a capacidade de influência dos representantes das entidades nesses conselhos era muito restrita, ficando os conselheiros reféns das decisões tomadas pelas Prefeituras Municipais. Nesse sentido, o Pronaf Infra-Estrutura e Serviços era operado a partir de uma concepção focada no desenvolvimento municipal e com uma forma de gestão dominada pelo poder público local. Em muitas prefeituras, as demandas legítimas das comunidades rurais ficavam subsumidas aos interesses do grupo político do prefeito que priorizava a implementação de projetos e ações nas localidades onde houvesse necessidade de reforçar sua base eleitoral. Ainda que apresentassem diferentes níveis de comprometimento, esses conselhos implicavam numa forma de representação dos interesses das comunidades, das associações e dos grupos de produtores, permitindo uma maior capilaridade do processo.

Nessa nova modalidade de programa que se instituiu a partir do governo Lula, optou-se pela criação de uma forma de institucionalidade política (o “território”) fundada na representação dos interesses sociais, econômicos e políticos centrados na agricultura familiar. Nesse sentido, a capilaridade (ainda que frágil e incipiente, é verdade) se dissolve e é substituída pelas estruturas de representação de caráter regional. Essa “mudança de foco” na estruturação da

10 Segundo informações da Emater, antes de 2003, apenas nove municípios do Sudoeste eram beneficiados com recursos do Pronaf Infra-Estrutura e Serviços e recebiam capacitação para os integrantes dos CMDRS e demais representantes de conselhos municipais (agricultura, Paraná 12 Meses, saúde, educação, dentre outros).

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política pública acabou por provocar um distanciamento entre os colegiados territoriais e os conselhos municipais que davam importantes passos na direção de criar os mecanismos para uma gestão democrática das ações voltadas para o desenvolvimento local. No caso específico do Paraná, esse problema foi ainda mais acentuado, porque a estruturação dos territórios rurais coincidiu com a fase final de implantação do Projeto Paraná 12 Meses que estabelecia a gestão local por intermédio de conselhos municipais.

As novas normas de operacionalização do Pronaf Infra-Estrutura e Serviços definidas pelo MDA previam a articulação de um grupo de municípios que tenham uma identidade coletiva e sejam movidos por uma estratégia de ação conjunta e que conte com a participação paritária de instituições governamentais e organizações da sociedade civil. Essa mudança na lógica do programa gerou descontentamentos entre os prefeitos municipais, pois nessa nova modalidade de política pública deveria prevalecer uma abordagem territorial do desenvolvimento, e não uma visão municipalizada.

Sendo assim, os projetos não seriam mais para beneficiar exclusivamente os agricultores familiares de um município, mas deveriam ser planejados para atender as demandas de uma base geográfica mais ampla. Essa nova forma de implementar essa política pública passou a exigir de todos os representantes do território uma capacidade de discussão e negociação de propostas com um conjunto mais diversificado de instituições governamentais e organizações da sociedade civil. A mudança de foco (do local para o territorial) e de abrangência institucional (da prefeitura/CMDRS para o território e seu colegiado composto por um número mais ampliado de organizações e instituições) apresenta novos elementos para viabilizar o acesso a recursos públicos. E, aparentemente, nem todas as prefeituras estavam dispostas a passar por esse crivo de discussões e negociações. Provavelmente, esta seja uma das explicações para que não tenham se mobilizado para acessar essa política, levando uma parcela importante do poder público local a decidir por se manter afastada desse processo.

Entrevistas realizadas com representantes da sociedade civil criticam o método das prefeituras municipais que estão habituadas a trabalhar em suas “caixinhas fechadas” e “não querem juntar as caixinhas”, uma vez que isso significaria “elaborar projetos para os outros”. Mesmo que se tratasse de um espaço de discussão restrito às prefeituras, percebem que, mesmo assim, seria “um parto” para sentarem juntas. Essa situação é julgada ainda mais grave, pois como muitas prefeituras não reconhecem a legitimidade e a representatividade das organizações ligadas à agricultura familiar não aceitam serem “pautadas” pelas demandas apresentadas por essas entidades sociais. No entanto, essa mesma crítica feita ao poder público municipal também pode ser transferida para as próprias organizações da sociedade civil que nos primeiros anos da construção do território vinham para as reuniões cada uma com “seus projetos de financiamento embaixo do braço”.

3.4. A formação do território do Sudoeste do Paraná

Em 2003, a criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial e, posteriormente, a formulação de uma política nacional de fortalecimento dos territórios rurais, no âmbito do MDA, abriram novas possibilidades para a consolidação das dinâmicas de articulação

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territorial que vinham se desenvolvendo em diversas regiões do país, dentre elas a do Sudoeste Paranaense.

No Paraná, foram formados cinco espaços de articulação reconhecidos oficialmente pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), ligada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA): Vale do Ribeira, Centro-Sul, Paraná Centro, Cantuquiriguaçu e Sudoeste. Porém, além desses territórios, existem outras iniciativas regionais de articulação entre instituições governamentais e organizações da sociedade civil espalhadas por todo o Paraná, algumas delas, inclusive, já receberam recursos financeiros provenientes do Pronat. Essas iniciativas apresentam graus variados de abrangência geográfica, de composição política, de explicitação de seus objetivos e prioridades, de articulação com as políticas públicas etc.

Dentre os cinco territórios já constituídos no estado, de acordo com o formato preconizado pela SDT, sem dúvida nenhuma, o Sudoeste constitui-se no espaço social que historicamente apresenta a maior diversidade de formas de organização do meio rural paranaense, tanto no âmbito da agricultura familiar quanto dos assentados de Reforma Agrária e dos agricultores que foram “atingidos” por barragens hidrelétricas. Além disso, a região conta ainda com uma malha de instituições públicas, nas esferas de governo federal, estadual e municipal, que garante uma presença do Estado nesse espaço. Essas características gerais apresentam condições favoráveis para que o Sudoeste seja um dos territórios rurais que venha recebendo um volume de recursos financeiros acima da média nacional11.

Em função da oportunidade aberta pela nova política ministerial, a abrangência da iniciativa do Consórcio Intermunicipal da Fronteira se expandiu, fazendo com que se constituísse o território do Sudoeste, com a participação de entidades pertencente a vinte e sete municípios12, concentrados na microrregião de Francisco Beltrão. De acordo com os depoimentos de várias pessoas que participaram do processo de formação do território, houve um tensionamento em relação à abrangência do território, pois as instituições e organizações no entorno da microrregião de Pato Branco reivindicavam a sua incorporação nesse espaço de articulação política ou, caso essa alternativa não se viabilizasse, a formação e o reconhecimento de um novo território. Emergia nessas falas uma contraposição que associava idéias com teores opostos a cada região: “novo Sudoeste” versus “velho Sudoeste”; “organizado” versus “desorganizado”; “agricultura familiar” versus “latifúndio”; “progressistas” versus “conservadores”. Essas dicotomias eram atribuídas, respectivamente, às regiões de Francisco Beltrão e de Pato Branco. O avanço das discussões internas no colegiado territorial fez com que, em 2004, houvesse a inclusão de seis municípios, em

11 Para 2007, a estimativa nacional de recursos para o Pronat (Ação de Infra-Estrutura e Serviços) é de, aproximadamente, R$ 72.400.000,00, o que daria uma média de R$ 608.403,00 para cada um dos 119 territórios do País. No caso do Paraná, estão disponibilizados pela Delegacia Federal do Desenvolvimento Agrário cerca de R$ 984.480,00 para esse território. Entre 2004 e 2006, o território do Sudoeste recebeu um total de R$ 3.376.294,00, somando os recursos de custeio e investimento do MDA aos recursos de contra-partida das prefeituras municipais (2004 – R$ 1.278.074,00; 2005 – R$ 1.001.070,00; 2006 – R$ 1.097.150,00). 12 Os 27 municípios que compuseram essa formação territorial eram: Ampére, Barracão, Bela Vista da Caroba, Boa Esperança do Iguaçu, Bom Jesus do Sul, Capanema, Cruzeiro do Iguaçu, Dois Vizinhos, Enéas Marques, Flor da Serra do Sul, Francisco Beltrão, Manfrinópolis, Marmeleiro, Nova Esperança do Sudoeste, Nova Prata do Iguaçu, Pérola d’Oeste, Pinhal do São Bento, Planalto, Pranchita, Realeza, Renascença, Salgado Filho, Salto do Lontra, Santa Izabel do Oeste, Santo Antônio do Sudoeste, São Jorge do Oeste e Verê.

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função da área de abrangência do trabalho de algumas organizações sociais com sede em Francisco Beltrão que já atuavam com e nesses municípios13. Assim, na nova configuração territorial passou-se para 33 municípios. Por fim, em 2005, foram incorporados os demais nove municípios pertencentes à microrregião de Pato Branco, chegando à atual conformação dos 42 municípios14. Essa mudança tornou o Sudoeste o território que apresenta atualmente o maior número de municípios do Brasil15, colocando novos desafios para a sua estruturação, gestão e implementação democrática das decisões.

Um dos segmentos favoráveis à expansão para 42 foi a AMSOP e as associações de Secretários Municipais de Agricultura. Assim, o Território passaria a ter a mesma abrangência da AMSOP. Mas por que essa entidade continuou tendo um peso menor nesse processo? O fato da maioria dos prefeitos serem de oposição ao governo Lula e não estarem interessados em compartilhar a responsabilidade pelos eventuais sucessos ou fracassos dessa política é um elemento explicativo? O afastamento das prefeituras desse espaço de gestão das políticas públicas, bem como de outros fóruns, é considerado como uma importante limitação, que precisa ser superada no processo de consolidação do território.

3.5. Formas de organização do território do Sudoeste do Paraná

Essa articulação tem contado com a forte participação institucional da Emater, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e de diversas organizações ligadas à agricultura familiar (sindicatos, ONGs e cooperativas). Esse núcleo foi responsável pela sensibilização, mobilização e dinamização das atividades e até hoje tem cumprido um papel determinante nas ações desenvolvidas pelo território, principalmente na condução da elaboração do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável, na definição dos projetos a serem encaminhados ao CEDRAF – Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar, em Curitiba, na implementação dos projetos homologados pela SDT, em Brasília, e na gestão política de todo esse processo de articulação territorial.

A operacionalização desse trabalho exige a definição de regras, procedimentos e atribuições, de modo que os atores sociais participantes se sintam sujeitos ativos na construção coletiva desse processo de articulação, reconhecendo suas possibilidades e seus limites. Atualmente, a instância mais ampliada do território, responsável pela discussão, negociação e tomada de decisões, é denominada Grupo Gestor do Território do Sudoeste do Paraná (GGETESPA). Esse colegiado é paritário, sendo composto por um representante de cada uma das 24

13 Em 2004, foram incorporados os municípios de Chopinzinho, Coronel Vivida, Itapejara do Oeste, São João, Saudades do Iguaçu e Sulina. 14 Em 2005, decidiu-se integrar os municípios de Bom Sucesso do Sul, Clevelândia, Coronel Domingos Soares, Honório Serpa, Mangueirinha, Mariópolis, Palmas, Pato Branco e Vitorino. 15 A SDT reconhece a existência de 119 territórios no Brasil, abarcando 1.843 municípios, o que significa uma média de 15,5 municípios por território. Ainda que a constituição de um território não deva ter um limite numérico de abrangência, pode-se supor que algumas dificuldades podem ser acentuadas em função desse recorte mais ampliado. Muito embora a SDT/MDA continue financiando projetos para municípios recentemente incorporados, é importante ressaltar que essa secretaria ainda não homologou oficialmente a ampliação do território do Sudoeste do Paraná.

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entidades (12 de instituições governamentais e 12 de organizações sociais) participantes16. Trata-se, portanto, de uma instância que apresenta uma representação limitada de atores sociais envolvidos na construção de uma estratégia inovadora de desenvolvimento sustentável. O recorte institucional dessas entidades revela um perfil restrito à agricultura familiar e que desenvolvem suas ações, pelo menos, em uma escala microrregional, não sendo tão localizadas espacialmente.

Esse grupo possui uma coordenação (composta por quatro membros) responsável pela articulação das ações territoriais, buscando dar mais agilidade à gestão interna. A criação dessa coordenação do Grupo Gestor foi aprovada no final de 2006, num seminário realizado em Mangueirinha. Dessa forma, buscou-se detalhar as atribuições específicas a serem desempenhadas pelos integrantes dessa instância de caráter executivo. Os papéis e as entidades responsáveis ficaram assim definidos:

• Coordenação Geral (Assesoar): coordenar e articular politicamente as instituições e organizações do território;

• Secretaria Executiva (Emater): registrar, organizar e sistematizar as decisões tomadas nas instâncias do território, divulgando-as a todos os membros participantes do colegiado territorial;

• Coordenação do Plano (Fetraf-Sul): coordenar o trabalho desenvolvido pelos seis Grupos Técnicos encarregados de elaborar projetos;

• Coordenação de Projetos (UTFPR): elaborar instrumentos metodológicos de monitoramento e avaliação dos projetos em execução, buscando mensurar os resultados alcançados.

Seus integrantes são liberados parcialmente por suas próprias entidades, não havendo nenhuma forma de compensação financeira por esse trabalho dedicado ao território, em particular para as organizações sociais que dependem desses recursos para garantirem seu funcionamento. Um importante instrumento de apoio a esse processo de mobilização foi a contratação de um profissional para contribuir na articulação das forças sociais locais, visando dinamizar as interrelações no interior do Grupo Gestor e, ao mesmo tempo, contribuir para o estreitamento das relações com outros espaços institucionais que favorecessem a articulação territorial.

Em reunião recentemente realizada, o Grupo Gestor, com base em discussões de avaliação dos trabalhos desenvolvidos17, desde 2005, pelo articulador, decidiu pela formação de uma

16 De acordo com o arranjo institucional desse colegiado, observa-se que ele não contempla em sua estrutura uma instância mais ampliada que possibilite um espaço de participação com maior grau de capilaridade de sua representação (tais como os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável), nem admite a participação de segmentos representados nas coordenações anteriormente criadas (tais como representantes ligados aos setores empresariais, comerciais e de serviços das áreas urbanas). Informações levantadas durante as entrevistas confirmam que, no início das discussões para a formação do território, havia uma participação de sindicatos urbanos e também dos segmentos comerciais. Porém, ainda nessa fase inicial de sua constituição, essas representações foram excluídas desta articulação. 17 Em 2005, durante o processo de elaboração e aprovação dos projetos do território, surgiram as primeiras críticas ao papel desempenhado pelo articulador, mas não houve um consenso quanto a sua saída ou permanência na função. Sua manutenção esteve associada ao apoio de alguns membros do colegiado e também em função de

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pequena equipe de assessoria (um ligado ao setor governamental –Emater– e outro vinculado ao setor não governamental – Assesoar) que assumiu as funções anteriormente desempenhadas pelo articulador territorial.

Uma outra forma de organização interna do GGETESPA são os grupos temáticos que se constituem em espaços de trabalho para aprofundar a temática específica de cada um dos seis eixos prioritários de ação definidos no Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável, aprovado em 2006. Além dessa atribuição, os grupos temáticos deveriam discutir e elaborar projetos que concretizem os objetivos de cada eixo e, ao mesmo tempo, respondam às premissas gerais apontadas no Plano. Todavia, o funcionamento desses grupos está muito condicionado à agenda de apresentação de projetos ao Cedraf, concentrando-se nos meses de junho/julho, quando o Conselho Estadual, normalmente, debate e seleciona os projetos encaminhados ao Pronat no estado18. Basicamente nesse período, os grupos técnicos ganham maior dinamicidade e intensificam suas reuniões, mas, aparentemente, movidos muito mais pelos prazos do programa do que propriamente por uma demanda de aprofundamento e detalhamento dos conteúdos de cada eixo.

Na opinião de vários representantes entrevistados, as condições precárias que as entidades (governamentais ou da sociedade civil) dispõem de liberar seus integrantes para participar dessas articulações continuam sendo o principal fator limitante para dinamizar o funcionamento desses grupos de discussão. Essa situação tende a ser mais grave entre as organizações da sociedade civil, pois elas dependem diretamente de recursos externos para arcar com as despesas de remuneração salarial de seu quadro profissional. Nenhuma dessas organizações possui recursos específicos para pagar os dias de trabalho referentes ao tempo dispendido para a realização das reuniões dos grupos temáticos, bem como as despesas relativas à compra de combustível e alimentação, no caso de ter que participar em eventos em municípios localizados fora de sua sede ou mesmo em Curitiba.

problemas relacionados ao seu contrato, uma vez que havia trabalhado, mas não recebera a remuneração pelas atividades desenvolvidas até aquele momento. A decisão atual pela não renovação de seu contrato foi discutida “nos bastidores”, sob o argumento de “não expor questões subjacentes”. 18 Em 2007, esses grupos temáticos nem se reuniram, ficando as discussões preparatórias à elaboração dos projetos restritas às entidades interessadas em eventuais parcerias.

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4. Os atores sociais do território do Sudoeste do Paraná

4.1. O campo político do território

Em função da evolução histórica acima apresentada, o território do Sudoeste apresenta uma grande diversidade de instituições e organizações sociais. No entanto, cada setor (governamental e não-governamental) apresenta contextos e tendências diferenciados que necessitam de breves considerações.

De um lado, da perspectiva do Estado e de seus organismos governamentais, verifica-se uma lenta tendência de retomada de seu papel como indutor dos processos de desenvolvimento econômico. Essa tendência difere da lógica que embasou a construção das políticas de Estado desde fins dos anos 1980 até meados da presente década. Nesses anos prevaleceu a concepção do Estado Mínimo e do mercado como regulador do desenvolvimento, provocando conseqüentemente um violento desaparelhamento dos órgãos e das políticas governamentais voltados para a agricultura familiar19. Os efeitos desses processos foram sentidos diretamente pelos produtores familiares na redução dos serviços públicos de assistência técnica e extensão rural, no desaparecimento de diversos instrumentos de política agrícola e na ausência de programas de infra-estrutura social para as áreas rurais dos municípios (moradia, saneamento, estradas, energia elétrica, lazer, educação, saúde, dentre outros).

Porém, cabe ressaltar que esse período foi de fundamental importância para impulsionar o boom do agronegócio, na medida em que sedimentou as condições para o avanço das pesquisas tecnológicas e para a reestruturação das empresas agroindustriais ligadas, particularmente no Sudoeste, às cadeias produtivas de grãos, leite, carnes e fumo.

A partir de 2003, ainda que sejam hegemônicas as políticas e as ações de Estado favoráveis aos setores do capital ligados ao agronegócio, é preciso reconhecer que os programas destinados aos segmentos familiares da produção rural tiveram uma importante inflexão, fazendo com que a curva descendente desse lugar a um processo de revitalização da ação do Estado em várias áreas (crédito, assistência técnica e extensão rural, seguro, preços mínimos, agroindustrialização, comercialização, abastecimento, moradia, energia etc.). A própria criação do Programa Nacional de Fortalecimento dos Territórios Rurais (Pronat) é uma peça importante nessa nova engrenagem institucional de apoio à agricultura familiar. Esse panorama geral da situação do Estado é essencial para se entender o contexto em que se forja essa política de desenvolvimento territorial.

As estruturas institucionais disponíveis nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal) da região Sudoeste possuem grandes fragilidades para atender às demandas

19 Faz-se necessário destacar aqui duas importantes exceções a esse processo: (i) a aprovação na Constituição Brasileira dos benefícios da Previdência Rural, em particular da aposentadoria rural que passou a garantir o pagamento integral de um salário mínimo a todos agricultores(as) familiares que atendessem os critérios para serem reconhecidos como beneficiários do sistema; (ii) a implementação, ainda que tímida em seu início, de um programa de crédito diferenciado para os segmentos familiares do meio rural, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), a partir de 1995-96. Ambas as políticas, mais do que concessões do Estado brasileiro, constituíram-se em conquistas decorrentes de processos nacionais de mobilização e lutas da agricultura familiar.

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imediatas da agricultura familiar e do desenvolvimento rural, particularmente no que diz respeito à falta de profissionais qualificados para atuar de acordo com os princípios da sustentabilidade e de infra-estrutura física e de recursos financeiros para desempenhar os serviços públicos essenciais às populações rurais. Além desses problemas, outro elemento fundamental é a dificuldade de integração das ações institucionais tanto no plano vertical (entre essas diferentes esferas governamentais) quanto no plano horizontal (no interior de cada uma delas), buscando romper com a setorialização e fragmentação das ações de governo.

Por sua vez, ao se olhar para o território do Sudoeste do ponto de vista das organizações sociais, é possível constatar uma tendência de expansão e diversificação das formas de organização coletiva dos produtores familiares (sindicatos, movimentos sociais, associações de produção, agroindústrias, cooperativas de crédito, de produção e de comercialização, entidades de assessoria técnica, redes de cooperação, dentre outras), transformando-os em sujeitos sociais para intervir nesse contexto. Essas novas institucionalidades foram criadas como fruto do avanço dos processos sociais que exigem estruturas organizativas adequadas para responder aos desafios colocados pela realidade e também das capacidades acumuladas regionalmente que permitem forjar essas inovações organizacionais. Esse processo tem contribuído para o crescimento da visibilidade e da expressão social e política da agricultura familiar nessas regiões, tornando-a um personagem central na implementação de ações voltadas para a conformação de um projeto de desenvolvimento sustentável.

A constituição desses espaços organizativos resulta também do processo de mudanças verificado no meio rural e, em especial, no setor agrícola da região Sudoeste. Diante do contexto de implementação de um modelo de desenvolvimento socialmente excludente, economicamente concentrador de riquezas e de terras e ambientalmente insustentável, a agricultura familiar adquiriu um maior grau de complexificação social, econômica, política e cultural. A partir de meados da década de 1990, a nova realidade imposta pela inserção dependente do país no processo de globalização forçou os segmentos familiares rurais a se posicionarem de forma mais propositiva no cenário da disputa dos interesses econômicos.

Essa situação é derivada da conjugação de fatores externos e internos. De um lado, para enfrentar os dilemas colocados pela realidade macro-econômica na qual está inserida, torna-se necessário que a agricultura familiar esteja mais organizada para defender seus interesses estratégicos e imediatos, bem como para melhor se posicionar num mercado oligopolizado e competitivo. Nesse sentido, o contexto global impulsiona-a a construir organizações sociais e redes que respondam à complexidade dessa nova situação histórica. A acelerada competitividade econômica, marcada pela busca do aumento da produtividade do trabalho e da diminuição dos custos de produção, e a possibilidade de se comercializar produtos agrícolas para novos mercados consumidores contribuem (i) para a potencialização de dinâmicas organizacionais voltadas para a criação de novas estruturas produtivas que avancem em processos de agregação de valor e de comercialização (a exemplo do Sistema de Cooperativas de Produção da Agricultura Familiar Integrada – Coopafi), (ii) para a ampliação de novas estruturas de apoio à produção (como o Sistema Cresol de Cooperativas de Crédito Solidário e o Sistema de Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar – Sisclaf) e também (iii) para a difusão de uma nova matriz tecnológica, baseada nos princípios da agroecologia

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(como a Rede Ecovida de Certificação Participativa). Essas novas estruturas organizativas buscam forjar iniciativas inovadoras e sustentáveis que apontam na direção da construção de embriões de um “projeto alternativo”.

De outro lado, como conseqüência dessa complexificação das relações econômicas, observa-se uma dinâmica interna que gera esse processo de diversificação organizativa. Nas últimas décadas, o movimento sindical rural já não comporta em seu interior a diversidade dos interesses específicos que se abre com o processo de democratização política vivido no país. Nessa busca de novos caminhos políticos, vários Sindicatos de Trabalhadores Rurais transformaram-se em sindicatos dos trabalhadores na agricultura familiar, atuando prioritariamente com esse segmento social. Criaram-se também movimentos sociais de mulheres agricultoras, de sem terra e de atingidos por barragens, associações e cooperativas de produção, cooperativas de crédito solidário, organizações não-governamentais, redes de comercialização e certificação de produtos agroecológicos. Nesse contexto, surgiram também espaços coletivos de gestão territorial do desenvolvimento, a exemplo do Grupo Gestor do Território do Sudoeste do Paraná e do Fórum da Mesorregião Grande Fronteira Mercosul, visando priorizar e implementar políticas de desenvolvimento a partir de uma perspectiva territorial e não apenas políticas públicas setoriais.

A capacidade da agricultura familiar para constituir, particularmente ao longo das duas últimas décadas, uma diversidade de institucionalidades organizacionais demonstra não só a sua capacidade de resistência política, econômica, social e cultural aos processos globais em curso na sociedade. Reflete também a capacidade desses setores de responder aos desafios derivados de sua inserção subordinada no atual modelo hegemônico de desenvolvimento, apresentando uma pluralidade de alternativas capaz de gerar um posicionamento mais dinâmico nos novos contextos que se abrem pela luta social.

A multiplicidade de atores sociais gestada nas últimas décadas, no Sudoeste Paranaense, deve ser entendida como uma virtude particular da agricultura familiar, pois conseguiu avançar na defesa e conquista de seus interesses, contribuindo para transformar reivindicações coletivas em políticas públicas, desenvolver iniciativas inovadoras para a construção de um modelo tecnológico fundado na sustentabilidade e em formas de cooperação, ampliar o acesso aos direitos sociais, fortalecer espaços de participação cidadã e instituir relações humanas baseadas na eqüidade social. Acima de tudo, essa heterogeneidade representa também um patrimônio organizativo que reforça o capital social que vem sendo construído a partir das lutas historicamente travadas pelos segmentos sociais do meio rural excluídos das políticas públicas de desenvolvimento. Porém, é preciso ressaltar que essa multiplicidade de formas organizativas pode levar à fragmentação e, na medida em que novos interesses se consolidam, à perda de unidade política desses atores, provocando dissensões em relação aos rumos futuros do projeto em construção.

Como decorrência desse processo, pode-se verificar uma complexificação da trama de relações sociais entre esses diferentes sujeitos políticos. Esta rede de relações constituinte do colegiado territorial configura-se, portanto, num espaço de interação dialética (permeado, simultaneamente, por relações de cooperação e de tensão) que abarca um conjunto de organizações sociais e de instituições governamentais envolvidas na efetivação de políticas

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públicas voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar. Trata-se, assim, de um espaço conflitivo de relações sociais, em que a posição ocupada por um determinado sujeito só adquire significação a partir da análise do conjunto complexo de relações que o envolve e do qual retira as suas principais características.

Por se tratar de um processo extremamente dinâmico, diversificado e imbricado em suas interrrelações, observa-se uma determinação recíproca entre os sujeitos sociais que participam desse campo de forças. Cada um dos personagens sociais envolvidos nessa trama vai criando uma marca específica para o seu posicionamento diante dos interesses em jogo. A noção de “campo” aqui utilizada busca justamente designar o espaço social estruturado, onde diversas forças sociais, cada qual ocupando uma posição específica, atuam e se organizam com base em determinadas demandas, formas de luta, regras e códigos sociais.

Nesse sentido, uma organização que integra um campo específico de forças sociais sofre os efeitos do espaço social onde atua e, ao mesmo tempo, produz novos efeitos sobre esse mesmo espaço e, com isso, interfere nas dinâmicas organizativas desse mesmo campo. Ou seja, as posições ocupadas pelos diferentes agentes mediadores sofrem permanentes modificações, na medida em que a mudança no comportamento político de um sujeito contribui para a requalificação da prática do outro e vice-versa. Assim, pode-se afirmar que as diferentes formas de interação e/ou conflito entre os sujeitos sociais demarcam as suas potencialidades de crescimento, seus eventuais limites e também suas perspectivas.

Nesse momento, diante das duas tendências acima apontadas (retomada do papel indutor do Estado nos processos de desenvolvimento rural e expansão/diversificação das organizações sociais da agricultura familiar), ambos setores tem percebido a urgência de se colocar na agenda política das principais instituições governamentais e organizações de representação dos interesses coletivos da agricultura familiar da região Sudoeste do Paraná a necessidade de se concretizar uma articulação democrática capaz de abarcar essa multiplicidade de institucionalidades. A conformação desse campo busca o fortalecimento dos laços de cooperação recíproca e solidária entre forças sociais que ocupam diferentes posições nesse cenário, mas que podem compartilhar de uma visão de futuro e de um objetivo estratégico comum. Além disso, visa fortalecer a agricultura familiar enquanto uma estratégia imprescindível para a construção de um projeto sustentável, solidário e democrático de desenvolvimento no meio rural. Portanto, a diversidade e a multiplicidade desses complexos processos sociais ainda em construção devem ser potencializadas, sem que se criem mecanismos hierarquizados e verticalizados que inibam as iniciativas inovadoras ou ainda que reproduzam a histórica fragmentação das ações voltadas para o desenvolvimento.

Para não se obscurecer a análise, é preciso ressaltar, desde já, a existência de um paradoxo nessas experiências de articulação desse campo de forças. Num momento em que se exige um maior grau de integração dos atores sociais e de suas ações, a diversidade de interesses e os conflitos de construção de projetos no interior desse campo político de instituições e organizações puxam essa tendência justamente para o lado oposto, criando uma contradição, aparentemente, irreconciliável. Contudo, esse jogo de forças é parte inerente de um processo eminentemente conflitivo e em construção, em que diferentes dinâmicas e processos concorrem num mesmo espaço, competindo e cooperando mutuamente entre si.

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4.2. Caracterização dos atores sociais

A caracterização dos atores sociais envolvidos no processo de construção e consolidação do território do Sudoeste é de fundamental importância para a presente análise, na medida em que permite compreender a abrangência de sua atuação, sua capilaridade, seus objetivos, os projetos implementados, dentre outros aspectos relevantes.

No âmbito governamental, o Grupo Gestor contempla a participação de várias instituições públicas: prefeituras municipais (AMSOP), secretários municipais de agricultura (ASSEC e ASSEMA), câmaras de vereadores (ACAMSOP), Emater, universidades (UNIOESTE e UTFPR), Incra, Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, Instituto Agronômico do Paraná, Instituto Ambiental do Paraná e Secretaria de Estado da Educação20. Mesmo se tratando de órgãos ligados ao poder público, existem perspectivas diferentes de atuação, graus diversos de participação e tipos de contribuições específicos.

Duas dessas instituições são essenciais nesse processo de construção territorial, tanto pelo peso de sua estrutura regional quanto pelo arranjo institucional instituído pelo pacto federativo: as prefeituras municipais e a Emater. Em primeiro lugar, as prefeituras municipais representam um universo bastante diferenciado, em função dos posicionamentos político-partidários dos gestores eleitos em cada município. A AMSOP, associação que reúne os representantes políticos dos 42 municípios do território, possui uma direção que se renova anualmente. Nesse cenário, as prefeituras assumem um papel de destaque, tendo em vista que, por força da lei, os recursos do Pronat continuam sendo repassados diretamente ao poder público municipal. As prefeituras necessitam assinar os projetos, demonstrando a sua concordância com os objetivos e as metas propostas e também disponibilizando um percentual de recursos de seus orçamentos como contra-partida ao governo federal. Esse volume de recursos varia de 3 a 20%, conforme a população total de cada município contratante do projeto.

Além de assegurar a contra-partida, a instituição contratante responsabiliza-se também por prestar apoio técnico que contribua para a elaboração, implementação e monitoramento do projeto territorial, negociar com outras fontes de investimento apoio ao referido projeto, fornecer (quando solicitada) informações a respeito da execução e cumprimento dos objetivos do projeto, garantir a utilização compartilhada do bem ou emprendimento por agricultores familiares e suas organizações, bem como o uso e gestão dos projetos territoriais entre os municípios do território, dentre outras atribuições propostas no Termo de Gestão apresentado pela SDT (disponível em http://www.mda.gov.br, acesso em junho de 2007).

Entretanto, apesar desse papel relevante no arranjo institucional que regulamenta o Programa Nacional de Fortalecimento dos Territórios Rurais (Pronat), tanto os representantes das prefeituras municipais quanto das secretarias municipais de agricultura (ou semelhantes) tendem a não assumir uma atitude protagonista nos colegiados territoriais. No caso específico do Sudoeste do Paraná, a participação desses segmentos é bastante restrita, tanto na articulação territorial da SDT, quanto em outros espaços de compartilhamento e negociação de políticas públicas, a exemplo do Fórum da Mesorregião Fronteira Mercosul, ligado ao

20 No caso da SEED, a representação é feita pelo setor ligado às Escolas Agropecuárias existentes na região.

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Ministério de Integração Nacional, ou do fórum relacionado ao Parque Tecnológico Regional, coordenado pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A ausência freqüente do poder público desses espaços de articulação de políticas públicas apresenta-se como um elemento estrutural e trata-se de um problema que mereceria estudos e pesquisas que busquem entender essa opção quase generalizada dos gestores municipais.

Em segundo lugar, é preciso ressaltar a importância da Emater e de seu quadro profissional na mobilização e coordenação das atividades desenvolvidas pelos territórios. Esse órgão governamental, no caso do Paraná e, especificamente, do Sudoeste, tem desempenhado uma função decisiva na implementação da política nacional de desenvolvimento territorial, incentivando a construção e consolidação dos territórios. Atualmente, a Emater integra a coordenação do Grupo Gestor, sendo responsável especificamente pela Secretaria Geral desse colegiado, e disponibilizou uma técnica do Escritório Regional de Pato Branco para contribuir na assessoria geral ao Grupo Gestor. Além disso, a participação da Emater na construção do território passa pela (i) apresentação de projetos de seu interesse, (ii) contribuição na elaboração de projetos de outras entidades, colocando-se como parceira na sua execução, (iii) acompanhamento e assessoria à implementação de iniciativas territoriais, (iv) comunicação e circulação das informações entre os integrantes do colegiado, dentre outras funções.

Institucionalmente, a Emater já havia criado, em 2001, as chamadas Áreas de Programação Integrada (APIs). As 18 regiões administrativas da Emater do Paraná estão subdivididas em 76 APIs que se constituem (ou, pelo menos, deveriam se constituir) em unidades territoriais de planejamento de suas ações21. A criação desse mecanismo demonstra o reconhecimento institucional da necessidade de se planejar territorialmente, e não apenas no âmbito municipal. Por meio desse mecanismo, a busca-se superar a fragmentação das ações locais, coordenar a implementação dos programas governamentais e integrar técnicos de diferentes especialidades e habilidades numa estratégia de trabalho regional.

Ainda que de forma bastante dissimulada, essas duas institucionalidades possuem lógicas distintas de funcionamento, visto que a Emater, apesar de também sofrer com as mudanças em sua diretoria, consegue manter uma linha de conduta mais permanente e mais coerente com a perspectiva de construção do desenvolvimento territorial. As prefeituras, de um modo geral, ainda resistem às diretrizes estratégicas das políticas públicas que estabelecem a participação da sociedade civil nas decisões sobre a sua implementação, seguindo o preceito constitucional da gestão compartilhada. Nesse processo de participação social, a Emater ainda hoje se configura numa instituição que busca fortalecer o espaço dos conselhos municipais de desenvolvimento rural, procurando criar condições para a autonomia política desses espaços locais de concertação. Essa forma de relação dos prefeitos com os conselhos municipais, em que prevalece o controle político dos gestores locais sobre esses espaços, encontrou dificuldades ainda mais acentuadas no caso da construção dos territórios. Para continuar sendo beneficiárias do Pronat, as prefeituras tiveram que compartilhar de um espaço social

21 Muito provavelmente a nova diretoria da Emater deverá retomar o funcionamento e articulação das APIs, uma vez que, de acordo com informações de campo, seu papel hoje estaria mais restrito à organização de eventos (feiras, encontros, cursos) do que voltada para a articulação programática das atividades desenvolvidas.

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formado por um conjunto de organizações e movimentos sociais com um sólido lastro político e uma capacidade de mobilização ainda mais forte do que as entidades participantes dos conselhos locais. Todavia, os prefeitos entendem que dispõem de outros meios para acessar os programas governamentais ou outras fontes (a exemplo das emendas parlamentares) sem precisar passar por um processo de debates e negociações tão intenso com as entidades representativas dos interesses da agricultura familiar. Com isso, pretende-se apontar aqui que, mesmo que existam diversas formas de cooperação entre a Emater e as prefeituras municipais, em relação às concepções e ao método de trabalho na área da gestão social, observa-se um tensionamento e uma disputa velada de espaços entre essas instituições de governo.

Ainda na esfera das instituições governamentais, merece destaque a intervenção das universidades, tanto da Unioeste quanto da UTFPR, na construção de uma metodologia de consolidação do território. A Unioeste, por meio de professores que participam do Grupo de Estudos Territoriais (GETER), e a UTFPR, por intermédio de professores ligados ao Centro de Pesquisa e Apoio ao Desenvolvimento Regional (CEPAD), participaram desse processo desde as primeiras reuniões para a formação do território. Ao longo desse período, a participação dessas instituições teve um papel relevante no processo de elaboração do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável. A Unioeste contribuiu mais diretamente nas oficinas microrregionais nos momentos de exposição e problematização conceitual dos temas relacionados ao desenvolvimento e territorialidade. Por sua vez, a UTFPR se envolveu nesse processo, responsabilizando-se pela sistematização das discussões realizadas nessas oficinas preparatórias do Plano. Mudanças internas na representação da Unioeste tornaram, desde 2006, a sua participação menos propositiva, enquanto que o envolvimento da UTFPR vem ganhando força. Isso pode ser percebido pelo fato de essa universidade ocupar um lugar na coordenação do Grupo Gestor, sendo responsável pela coordenação dos projetos.

Por fim, deve-se destacar que o conjunto das demais instituições governamentais participantes do Grupo Gestor não tem o mesmo peso político das prefeituras e da Emater ou mesmo das universidades. Nesse campo governamental, merece destaque o acompanhamento dado pelas associações de secretários municipais de agricultura (ASSEMA e ASSEC) que, por desenvolverem um trabalho na esfera do poder executivo municipal, integram o colegiado, muitas vezes representando os próprios prefeitos. Os outros órgãos ligados ao poder público federal (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), estadual (Instituto Ambiental do Paraná, Instituto Agronômico do Paraná, Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná e Secretaria de Estado da Educação) e municipal (Associação das Câmaras Municipais do Sudoeste do Paraná) não têm tido uma incidência política determinante na construção do território, muito embora todos desempenhem atividades de extrema importância.

Por outro lado, do ponto de vista das organizações sociais ligadas à agricultura familiar, observa-se uma grande pluralidade de formas organizativas no seio do território, como fruto do processo histórico de avanço e fortalecimento de estruturas de representação política, de disputa de interesses econômicos e de assessoria técnica22. O movimento sindical rural

22 Apesar da diferenciação dessas estruturas organizativas, é importante afirmar que, na prática, os papéis desempenhados por essas organizações se mesclam e interagem conflitivamente entre si. Ou seja, por mais que

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(Fetraf-Sul), o sistema de cooperativas de crédito solidário (Cresol), o sistema de cooperativas de leite (Sisclaf), o sistema de cooperativas de comercialização (Coopafi), o movimento de assentados da Reforma Agrária e de agricultores sem terra pela posse da terra (MST), o movimento de agricultores reassentados por obras de infra-estrutura (MAB), as agroindústrias familiares (AFASP) e as entidades sociais (Arcafar, Assesoar, Capa, Cooperiguaçu e Instituto Maytenus) compõem as organizações integrantes do GGETESPA.

Salvo raras exceções, a maioria desses movimentos e organizações teve como matriz político-ideológica o trabalho desenvolvido historicamente pela Assesoar. Inegavelmente, essa entidade cumpriu um papel decisivo (i) no incentivo à criação desses processos organizativos, particularmente na construção de uma alternativa política ao sindicalismo oficial, (ii) na consolidação dos trabalhos pastorais realizados pela CPT, (iii) no surgimento de um dos embriões organizativos do MST (o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paraná), (iv) no apoio à organização dos assentamentos de Reforma Agrária e dos reassentamentos dos atingidos por barragens, (v) na implementação e gestão de um fundo rotativo regional que contribuiu para forjar condições para a emergência de um cooperativismo de crédito, (vi) na constituição de formas de cooperação econômica entre as famílias de agricultores (grupos informais, associações, cooperativas de produção, agroindústrias familiares, centrais de comercialização da produção etc.), (vii) na condução de projetos pedagógicos que sedimentaram experiências educacionais voltadas para a realidade da agricultura familiar, (viii) na construção de uma concepção metodológica de trabalho de base que subsidiou essas iniciativas, dentre outras importantes contribuições.

Antes mesmo das primeiras iniciativas de articulação territorial, a diversificação das demandas e dos interesses da agricultura familiar e o apoio de políticas públicas, tais como o Pronaf, a Previdência Social e o Fundo de Amparo ao Trabalhador, foram condicionando o aparecimento dessas novas institucionalidades no meio rural. Ao longo dos últimos dez anos, surgem, no Sudoeste, 29 cooperativas de crédito, 24 cooperativas de produção de leite e 14 cooperativas de comercialização agrícola, cada qual com uma estrutura centralizada de serviços de apoio. Junte-se ainda as inúmeras associações, agroindústrias familiares e cooperativas, tanto de agricultores familiares quanto de assentados e reassentados, espalhadas pela região e não vinculadas a nenhuma dessas estruturas organizativas. Os 17 sindicatos filiados à Fetraf-Sul, ao lado da Assesoar, foram responsáveis, sem dúvida nenhuma, pela formação dessa diversidade de organizações específicas relacionadas à defesa dos interesses econômicos da agricultura familiar.

No entanto, na medida em que cada peça desse campo de forças se estrutura do ponto de vista institucional, se expande regionalmente, conquista um reconhecimento e uma legitimidade social, capacita seus agentes locais, constitui um quadro de direção e de assessoria e conforma uma identidade particular, iniciam-se também as primeiras cisões no seio desse espaço político. Essas disputas têm uma relação objetiva com a construção social da hegemonia da representação política do sujeito “agricultura familiar” na região Sudoeste, acirrada em função

uma ONG, como a Assesoar, não se constitua (e não pretenda ser) a entidade de representação da agricultura familiar, seus posicionamentos no interior desse campo político possuem uma legitimidade e um poder de influência muito forte nas decisões.

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da diferenciação de projetos políticos, envolvendo diretamente a Fetraf-Sul e a Cresol, mas atingindo, de forma indireta, o conjunto das organizações sociais que atuam nesse campo de forças.

Seguindo a mesma lógica da caracterização das instituições governamentais, existe um grupo de entidades que possui uma força política consolidada e que se articula para propor e negociar em nome do campo das organizações da sociedade civil. A presença mais firme e influente por parte dessas entidades acaba ofuscando a existência e a participação de um grupo diversificado de organizações. Nesse agrupamento pode-se observar ONGs que possuem pouca estrutura operacional, abrangência de atuação mais localizada e trabalho focado em ações bem delimitadas, até, inclusive, movimentos sociais com capacidade de articulação e pressão política nacional (como o MST e o MAB), mas que só recentemente passaram a se integrar de forma mais permanente nas discussões, negociações e deliberações do Grupo Gestor23.

Essa malha de instituições, movimentos e entidades da sociedade conforma uma pluralidade de sistemas (crédito, sindicalismo, comercialização, leite) e redes sociais (agroecologia, educação do campo) que se entrelaçam e possuem espaços de interseção. Mesmo reconhecendo a expressiva representatividade política desses segmentos, é preciso ressaltar que ela não esgota a amplitude das formas de organização existentes no território, particularmente no âmbito das organizações da sociedade civil. Desde que se decidiu estender o território para os 42 municípios, a ausência da representação dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais ligados à Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná (Fetaep) evidencia uma importante lacuna nessa articulação territorial. Ainda que supostamente nos municípios incorporados recentemente ao território, haja uma menor diversidade organizativa, torna-se necessário identificar essas formas de expressão dos interesses da agricultura familiar para que estejam devidamente representadas no colegiado territorial.

Finalmente, é fundamental ressaltar a relação de complementaridade entre sistemas/redes e território, pois se observa um imbricamento mútuo nesse relacionamento. Ou seja, assim como as iniciativas territoriais, manifestadas nos projetos aprovados pelo Pronat, contribuem diretamente para o fortalecimento desses espaços institucionais, oferecendo melhorias nas condições de infra-estrutura e operacionalização para que as organizações sociais e as instituições governamentais desenvolvam suas atividades, por outro lado, esse empoderamento institucional constitui-se também num elemento estruturador do próprio

23 Nesses casos específicos (MST e MAB), percebe-se uma orientação nacional das direções dessas organizações no sentido de não investirem esforços de participação nesses espaços políticos, já que, por meio de diversas formas de pressão e mobilização política, esses movimentos obtêm acesso a várias fontes de recursos públicos na busca de atender suas demandas imediatas. Ainda que a Cresol não compartilhe da visão de afastamento das esferas públicas de gestão social, seus dirigentes reconhecem que poderiam ter contribuído de forma mais efetiva na construção do território e que eles também se utilizam de outros mecanismos de pressão para obterem a conquista de suas necessidades. Assim, em função do peso político dessas organizações, muitas vezes, suas demandas “correm por fora” do território, tanto no plano do executivo quanto legislativo. Essas atitudes não devem ser percebidas como anti-éticas, pois essa articulação não elimina as especificidades e as individualidades de cada instituição ou organização. Porém, é importante frisar que esses comportamentos políticos não devem prejudicar a confiança e o respeito mútuo entre os integrantes do Grupo Gestor.

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território, na medida em que contribui para dar sustentação à “dinâmica do e no território,

interligando-o e garantindo sua interconexão interna” (Saquet, 2004, p. 142).

Isso significa que as organizações sociais, em especial, identificam no território um espaço legítimo para ampliarem suas redes e suas relações econômicas e políticas e, com isso, se estruturarem de forma mais ampla regionalmente. A nova geopolítica do território oferece aos sindicatos da agricultura familiar, às cooperativas de crédito, às cooperativas de leite e às cooperativas de comercialização, dentre outras formas organizativas, um espaço mais ampliado para o exercício de seu poder de influência24. Dessa forma, o território tem contribuído para o alargamento das fronteiras dessas entidades, favorecendo a sua entrada em outros espaços e ambientes. Nesse sentido, a estruturação do cooperativismo de crédito ou da cadeia produtiva do leite, com base numa estratégia de fortalecimento do desenvolvimento territorial e da agricultura familiar, em particular, pode vir a incidir diretamente sobre as possibilidades de dinamização econômica regional.

Por outro lado, para que essa estratégia de desenvolvimento territorial se consolide e não seja percebida como uma política que permite o acesso a uma fonte de recursos voltada para uma finalidade específica (aquisição de bens e equipamentos de infra-estrutura), mas sim como um método, uma perspectiva, um enfoque para se planejar ações de desenvolvimento, é preciso também que essa abordagem seja incorporada no cotidiano das concepções e das práticas coletivas de cada instituição e organização.

24 Para exemplificar essa afirmação pode-se citar o caso do Sisclaf: ao possibilitar a aquisição de equipamentos de infra-estrutura às Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar, a política pública (Pronat) está favorecendo a capacidade de competitividade dessas organizações econômicas diante das grandes empresas do setor agroindustrial e, simultaneamente, proporcionando uma maior rentabilidade econômica para seus associados.

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5. Instrumentos de apoio à construção territorial

5.1. O PTDRS

O Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS) foi elaborado entre 2005-06 com base num processo de consulta às cinco microrregiões que compõem o território. A estratégia de se construir um plano de forma descentralizada visava ampliar o espaço de formação e debate sobre desenvolvimento territorial e, ao mesmo tempo, possibilitar o envolvimento de mais de 250 pessoas (lideranças comunitárias, dirigentes de organizações, profissionais ligados ao poder público e às ONGs, e autoridades políticas) nesse processo25. Esse aspecto metodológico, no sentido de se criar um ambiente participativo de discussão e de integração dos diversos atores sociais, representou um momento fundamental na trajetória política do GGETESPA, na medida em que proporcionou um aprendizado pedagógico a seus participantes. Segundo várias declarações dadas nas entrevistas, nesse momento, os participantes das oficinas tiveram a oportunidade de exercitar o diálogo, aprendendo a reconhecer e a respeitar as diferentes concepções em jogo, e de construir consensos em torno de temas de interesse comum.

Em cada microrregião foram realizadas duas oficinas que tiveram por objetivo “coletar subsídios para a elaboração do PTDRS”. De um modo geral, as discussões abordaram, num primeiro momento, os principais elementos para compor o diagnóstico do território e, num segundo momento, debateram propostas para as ações futuras, de forma que se pudesse identificar e sistematizar as diretrizes estratégicas do referido Plano.

Foram realizadas ainda duas oficinas territoriais que buscaram sistematizar as idéias e propostas apresentadas em cada etapa desse processo. O conjunto dessas discussões resultou na aprovação pelo GGETESPA do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável. No entanto, na introdução desse documento, logo se percebe que esse plano tem como foco “o

desenvolvimento do território da agricultura familiar do sudoeste paranaense” (GGETESPA, 2006, p. 5), e não o desenvolvimento territorial, em sua amplitude26. Ainda que se ressalte a necessidade de “implementar uma visão multidimensional de desenvolvimento territorial,

considerando, além da dimensão produtivo-econômica, as variáveis políticas, ambientais e

socioculturais” (idem, p. 5), fica clara a estratégia de se priorizar ações voltadas para o desenvolvimento rural, com um enfoque na agricultura familiar, vista como sujeito essencial desse processo de construção da territorialidade.

De acordo com esse plano, a proposta de desenvolvimento nele expressa prioriza seis linhas de ação:

25 Esse número, aparentemente significativo, representa uma média de apenas seis pessoas por município, evidenciando que não se tratou de um processo tão participativo. Outro agravante pode ser expresso no fato de que em todas as oficinas não se conseguiu reunir representantes da totalidade dos municípios das microrregiões onde foram realizados esses debates. 26 Essa opção fica demonstrada também quando se reconhece a “urgência de criar uma nova perspectiva de

desenvolvimento, garantindo mais autonomia e empoderamento à agricultura familiar” (GGETESPA, 2006, p. 8) ou quando se percebe que o desenvolvimento territorial “como um instrumento norteador de estratégias e

ações que contribuam para a emancipação do agricultor familiar” (idem, p. 9).

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• “Produção agroecológica sustentada com políticas de crédito e assistência técnica e

extensão rural (ATER) diferenciada.

• Adoção de políticas de proteção ambiental, especialmente de recuperação das bacias

hidrográficas.

• Fortalecimento e ampliação dos programas de educação do campo, já implantados e

revelando uma demanda crescente.

• Estreitamento das interações e redes territoriais através da otimização dos

transportes e canais de comercialização.

• Avanço na democratização dos serviços de saúde e saneamento públicos.

• Adoção de programas de cultura e lazer focados no resgate de auto-estima para as

diversas gerações da população camponesa” (idem, p. 6).

Essas linhas de atuação pretendem apontar na direção da construção da “sustentabilidade e

(do) protagonismo das populações do campo”, bem como para a dinamização de um território

“unido, democrático e autônomo”, cujos atores sociais “sejam realmente sujeitos de seu

desenvolvimento” (idem, p. 6). O PTDRS aponta para a implementação de seis eixos prioritários: (1) desenvolvimento humano e qualidade de vida; (2) desenvolvimento econômico (com destaque para o crédito, ATER, agroindústria e comercialização); (3) recuperação e gestão ambiental; (4) educação do campo; (5) serviços sociais e infra-estrutura e (6) desenvolvimento político-institucional.

Duas observações gerais chamam a atenção sobre o Plano: de um lado, a ausência de um diagnóstico do território, ou seja, uma avaliação a respeito das dinâmicas sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais em curso na região. Implicitamente, podem ser deduzidos alguns indicativos desse diagnóstico regional, na medida em que se procede à analise das propostas apresentadas. Como exemplo, podem ser citadas as seguintes referências analíticas: no eixo 1, as propostas se contrapõem a um modelo de desenvolvimento que gera a desigualdade social e o desrespeito à diversidade cultural; no eixo 2, observa-se uma crítica à centralização do modelo, ao seu direcionamento “de cima para baixo” que desconsidera as potencialidades locais e à exclusão social; no terceiro eixo, a preocupação se volta para a matriz tecnológica dominante e seus impactos diretos sobre os recursos naturais, levando à degradação dos ecossistemas e da biodiversidade; nos eixos 4 e 5, deixa implícita a crítica a uma modalidade de desenvolvimento que reproduz um conjunto de carências em relação ao acesso da população rural a serviços sociais e à infra-estrutura (estradas, comunicação, saúde, energia, educação, saneamento, armazenamento da produção etc.); e, finalmente, no eixo 6, verifica-se uma cultura individualista e corporativista que gera dependência e falta de autonomia às instituições e organizações. Na verdade, a apresentação de um diagnóstico geral do território constituir-se-ia num elemento central para se entender os motivos que levam às escolhas definidas nos eixos prioritários.

De outro lado, faz-se necessário reconhecer que as estratégias e ações propostas nos seis eixos representam um amplo leque de possibilidades de intervenção no território. Talvez seja melhor considerá-lo como uma primeira aproximação ao plano, o esboço de uma estratégia

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territorial de desenvolvimento, que ainda carece de um aprofundamento nas formulações e proposições apresentadas. Trata-se de um documento que expressa um determinado nível de consenso, um acordo possível entre os atores sociais que se envolveram naquele momento do processo.

Sem dúvida nenhuma, a experiência proporcionada pelo trabalho das oficinas microrregionais e regionais significou um importante exercício coletivo e um aprendizado do ponto de vista político-pedagógico para todos os atores sociais que se mobilizaram para a elaboração do PTDRS. As lições aprendidas não estão relacionadas apenas ao reconhecimento da tolerância e das diferenças, mas também ao próprio reconhecimento da diversidade de situações internas ao território, revelando dimensões da realidade não consideradas em sua plenitude.

Contudo, é preciso reconhecer que a contribuição principal da aprovação do PTDRS para o processo de construção territorial, além do aporte metodológico, reside na definição de uma referência orientadora das ações e projetos, ainda que reconhecidamente genérica e ampla, pois a partir dela podem ser apresentadas propostas bem diversificadas. Portanto, é importante que esse documento não seja percebido como algo cristalizado, mas como uma referência que precisa ser lapidada, para que se constitua efetivamente num instrumento de apoio à construção do território. Para tanto, torna-se necessário também que os atores sociais envolvidos nessa dinâmica se apropriem dos conteúdos formulados nesse Plano, sendo preciso fazer uma maior divulgação e publicização desse documento.

5.2. Os projetos e a conformação do território

Assim, tendo em vista essas observações a respeito do PTDRS, cabe agora verificar em que medida as proposições nele expressas condicionam e orientam verdadeiramente a elaboração dos projetos e a implementação das ações de desenvolvimento. A forma e o conteúdo de um território são definidos, em grande medida, pelos projetos e pelas ações concretas nele desenvolvidos27. Nesse sentido, um desafio central a ser enfrentado pelo GGETESPA é a operacionalização desse plano, ou seja, a sua transformação em projetos viáveis que garantam a sustentabilidade do processo de desenvolvimento, que integrem diferentes atores sociais e que articulem um conjunto de políticas públicas na sua construção.

O percurso do processo de aprovação dos projetos pelo MDA pode ser assim descrito. Os projetos, em geral, são elaborados pela instituição ou organização social proponente (ou por um pequeno grupo de entidades, quando se trata de um projeto desenvolvido em parceria). Em seguida, numa reunião do GGETESPA os diversos projetos que pleiteiam o acesso aos recursos do Pronat são apresentados por suas respectivas entidades, que justificam sua relevância para o território. Assim, antes de serem encaminhadas para a análise do Conselho Estadual, as propostas são discutidas e hierarquizadas, recebendo uma priorização. As propostas apresentadas ao Grupo Gestor podem ser, inclusive, recusadas. Na seqüência, os projetos são enviados ao Cedraf para que sejam avaliados: alguns são recusados, por não atenderem os objetivos do programa ou por não justificarem devidamente sua viabilidade; quando necessitam de adequações, são reenviados à entidade proponente para que sejam

27 Ricardo Abramovay, citando Bernard Kayser, lembra que “os projetos moldam os territórios” (Abramovay, 2001).

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precedidas as devidas solicitações e esclarecimentos; se aprovados pelo Conselho, são enviados para homologação e liberação dos recursos pela SDT.

Em geral, são nesses momentos de apresentação, discussão e negociação dos projetos que ocorre uma participação mais intensa das diversas instituições e organizações. Entretanto, como não os seis grupos temáticos não têm uma dinâmica própria de reuniões de trabalhos, para que possam gestar suas propostas específicas e, posteriormente, articulá-las com as demais idéias nascidas nos outros grupos, os projetos continuam sendo elaborados de forma isolada. É comum ouvir que nas reuniões marcadas para discutir os projetos as entidades chegam com “seu projeto em baixo do braço”. Salvo raras exceções, permanece uma concepção de construção individualizada dos projetos, sendo difícil perceber um movimento de forças que conduza à integração do conjunto das ações projetadas.

Os projetos que vêm sendo implementados no território, com base no Pronat, têm contribuído, fundamentalmente, para estruturar e reequipar tanto as instituições governamentais quanto as organizações sociais, de maneira que tenham melhores condições de desempenhar suas ações específicas junto aos agricultores e às agricultoras familiares do Sudoeste. Entre 2003 e 2006, no Sudoeste, os 16 projetos aprovados, via Pronat, totalizaram R$ 3.821.985,19 aplicados diretamente pelo MDA28. A maior parte dos recursos tem sido direcionada para a área de investimento, especificamente para a aquisição de bens e equipamentos de infra-estrutura que busquem ampliar as capacidades de intervenção concreta junto às comunidades rurais.

Contudo, um olhar mais detalhado sobre os conteúdos dos projetos revela que há uma acentuada concentração de projetos no eixo Desenvolvimento Econômico: R$ 3.377.834,30, ou seja, o equivalente a 88,4% dos recursos foram aplicados em projetos relacionados à estruturação de redes de comercialização da produção agrícola e de cooperativas de produtores de leite, à construção de agroindústrias e unidades de armazenamento (com seus respectivos equipamentos) e à montagem de um banco de sementes da agricultura familiar29. Ainda que as ações de muitos desses projetos dialoguem com as dimensões social e ambiental, fica claro que o foco principal dos resultados propostos situa-se no plano econômico. Os demais projetos foram direcionados para os eixos Educação do Campo e Desenvolvimento Humano e Qualidade de Vida, visando a reestruturação de Casas Familiares Rurais, a construção de um centro de formação em agroecologia e a promoção de cursos de formação de agentes de desenvolvimento.

Como muitos desses projetos estão direcionados para a estruturação física das instituições e organizações, visando a aplicação dos recursos, principalmente para a compra de veículos, motos e equipamentos de informática, pode-se argumentar que essas ações dialogam com

28 Ainda que haja diferenças em relação à soma dos valores alocados pela SDT/MDA, de toda maneira, trata-se de um volume de recursos muito pequeno, quando comparado ao total de recursos públicos movimentados por meio das diversas políticas governamentais que beneficiam os 42 municípios do território. 29 No entanto, esse percentual é ainda maior porque não incluem os recursos da Emater e da Cresol que foram obtidos com base em negociações políticas realizadas diretamente em Curitiba e que não passaram por um debate interno no Grupo Gestor. Refere-se a projetos de estruturação dessas instituições para que pudessem melhor desenvolver suas atividades nos territórios do estado, cujos recursos foram direcionados principalmente para a aquisição de carros, motos e equipamentos de informática. Por se tratarem de projetos de abrangência multiterritorial, foram negociados diretamente junto ao Cedraf.

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uma das estratégias do eixo Organização e Desenvolvimento Político-Institucional que prevê o “fortalecimento das organizações/articulações e instituições no desenvolvimento de novas

organizações da agricultura familiar, estimulando a participação dos atores na discussão do

território” (GGETESPA, 2006, p. 20). No caso específico do projeto de sementes, fica clara a relação com a ação, também estabelecida nesse eixo: “resgatar as sementes crioulas/

cultivares locais como fator de autonomia” (idem, p. 21). Por fim, os dois projetos voltados para incentivar a produção e comercialização de produtos agroecológicos podem ser vistos na sua relação com a ação “incentivar a agroecologia, sistemas agroflorestais e outras formas de

uso racional do meio ambiente”, definida no eixo Recuperação e Gestão Ambiental. Porém, mesmo reconhecendo essas interrelações, fica evidenciado o peso dos projetos na área econômica, especificamente da produção agrícola, e a significativa ausência de ações que promovam a ampliação das competências locais, da democratização das relações políticas e dos espaços de cidadania participativa, da universalização do acesso aos conhecimentos e aos saberes, da preservação da sociobiodiversidade, da melhoria da qualidade de vida etc. Por outro lado, é necessário reconhecer que para se implementar projetos que atendam às demandas dessas outras dimensões do processo de desenvolvimento torna-se essencial mobilizar recursos provenientes de novas fontes de financiamento.

Além da centralidade das ações no eixo econômico, outra característica importante está relacionada à pulverização da distribuição dos recursos em projetos que nem sempre possuem uma relação de complementaridade das ações propostas30 ou mesmo de integração entre diferentes atores. Em geral, essa tendência à fragmentação dos projetos (uns com valores mais elevados e outros, mais reduzidos) expressa uma lógica de “leilão de recursos”, distribuídos conforme o peso político das representações que participam mais ativamente do GGETESPA.

Diante dessas considerações, é possível verificar as dificuldades encontradas para se traduzir o objetivo declarado no PTDRS (construir no território do Sudoeste um “desenvolvimento multidimensional”) em ações que efetivamente apontem para esse caminho. Nesse sentido, o território que está sendo moldado por esse conjunto de projetos, nem sempre articulados e integrados numa mesma estratégia de desenvolvimento, tende a apresentar uma face agrícola bem acentuada. Além disso, é importante avaliar se a implementação desses projetos tem criado caminhos sustentáveis que conduzam à revitalização e dinamização das economias locais, ao redirecionamento dos investimentos públicos do Estado.

A articulação territorial proporcionada por essa política do MDA constitui-se, na verdade, numa oportunidade para que as instituições governamentais e as organizações sociais ampliem e consolidem suas estruturas operacionais, tendo por base o acesso aos recursos do Pronat. Concretamente, para os diversos atores sociais envolvidos nessa articulação política, a estratégia de empoderamento institucional definida nesse programa tem resultado numa forma de percepção e de apropriação dos recursos disponibilizados como uma oportunidade de ampliar e fortalecer sua estruturação física31. 30 As únicas exceções foram os projetos ligados à estruturação da rede de comercialização e das Casas Familiares Rurais que receberam apoio financeiro por três anos consecutivos. 31 O receio de que o Pronat seja mais um programa governamental passageiro, de vida curta, eventualmente extinto numa mudança do governo federal, faz alguns atores sociais pensarem de forma bem pragmática: “é isso

que vai ficar”, referindo-se aos equipamentos de infra-estrutura adquiridos pelo Pronat.

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Por outro lado, é preciso ressaltar que, desde a formação do território do Sudoeste, em fins de 2003, até o momento, não houve nenhum tipo de iniciativa por parte do colegiado territorial no sentido de apresentar projetos a outras fontes de recursos públicos que viessem a viabilizar suas estratégias de desenvolvimento. O único espaço de intervenção mais ampliada do GGETESPA tem sido o Fórum da Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul32 que integra as regiões Sudoeste do Paraná, Oeste de Santa Catarina e Alto Uruguai do Rio Grande do Sul. Mas, até o momento, nenhum projeto foi executado no território do Sudoeste com base nos recursos provenientes da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). Esse exemplo revela a dificuldade central do GGETESPA de se articular com outros espaços de política pública para buscar viabilizar as orientações estratégicas formuladas no PTDRS e, com isso, abrir novas fontes de recursos que favoreçam a implementação dos arranjos territoriais propostos.

Analisando-se o comportamento político dos atores, fica evidenciada a necessidade de se consolidar e qualificar o debate sobre a abordagem territorial de desenvolvimento sustentável. A discussão desse tema a partir do método de construção desse enfoque, e não simplesmente pela “política de desenvolvimento territorial” em si, pode viabilizar uma ampliação do leque de perspectivas, tornando esse debate mais rico e profundo.

Uma proposição dessa natureza pressupõe uma avaliação da concepção que subjaz e informa a grande maioria das ações planejadas: os projetos revelam a predominância de uma visão setorial dos processos de desenvolvimento. O PTDRS, apoiando-se nos documentos do MDA, considera território como “um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo,

compreendendo a cidade e o campo, caracterizado por critérios multidimensionais” (GGETESPA, 2006, p. 6). Se essa definição de território for aplicada ao Sudoeste, perceber-se-á o quanto ela está distanciada da realidade social, uma vez que até aqui o território tem sido um espaço político para beneficiar quase exclusivamente a um único ator social: a agricultura familiar ou, de modo ainda mais restrito, as instituições governamentais e organizações da sociedade civil que desempenham atividades de estruturação e dinamização de processos fundamentalmente de cunho econômico a esse ator. Nesse sentido, um olhar ainda que superficial sobre os projetos revela uma relação muito tênue tanto com os espaços urbanos quanto com a concepção multidimensional do desenvolvimento, na medida em que essas formas de relacionamento não são objetivadas nas práticas concretas e cotidianas. No entanto, cabe destacar que as ações realizadas até o momento na região constituem-se em importantes passos na direção de um novo projeto para o meio rural. A partir dos avanços já conquistados, pode-se, inclusive, tecer relações mais equilibradas com outros setores da economia e da sociedade.

32 O Ministério de Integração Nacional instituiu a “Mesorregião” como o instrumento político de articulação territorial responsável pela discussão e implementação das ações ligadas à Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), particularmente dos Planos Mesorregionais de Desenvolvimento. Da mesma forma que os territórios, as messorregiões contam com a participação de representantes do governo, da iniciativa privada e da sociedade civil na composição de seu colegiado gestor. Avaliações obtidas nas entrevistas de campo revelam que esse espaço tem sido hegemonizado pelo Sebrae e por instituições de ensino comunitário.

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6. Políticas Públicas no Território do Sudoeste do Paraná

Nos últimos anos, vem ocorrendo uma grande diversificação das políticas públicas disponibilizadas pelo governo federal para atender às demandas das populações rurais marginalizadas e excluídas do processo de desenvolvimento rural nacional. Essa pluralidade de mecanismos institucionais de apoio reflete, em grande medida, o avanço das mobilizações sociais promovidas pelos diversos movimentos sociais rurais e a consolidação de um espaço aberto para as negociações políticas com o Estado.

Após a crise dos instrumentos de financiamento agrícola, no fim da década de 1970, o Plano Nacional de Reforma Agrária, em 1985, constituiu-se numa política pública que buscava responder às pressões políticas dos movimentos de luta pela terra e Reforma Agrária33, expressos nos acampamentos e nas ocupações de terra espalhadas por várias regiões do Brasil. Num segundo momento, antes mesmo do surgimento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), os direitos sociais definidos na Constituição Federal de 1988, particularmente aqueles relacionados à extensão dos benefícios da Previdência Social para as áreas rurais, representaram importantes conquistas para o conjunto dos trabalhadores rurais do País. Em 1994, como fruto das mobilizações do Grito da Terra Brasil, o governo federal lançou o Programa Nacional de Valorização da Pequena Produção Rural (Provap) e, no ano seguinte, foi criado o Pronaf. Historicamente, essas três políticas configuram-se em medidas governamentais que geram efeitos positivos sobre a situação das populações rurais, em particular dos segmentos excluídos. A partir de 2003, com a posse do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, dois novos programas de apoio à agricultura familiar e ao desenvolvimento rural passaram a ser implementados: o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – ambos analisados no escopo desse trabalho.

Mesmo reconhecendo a importância dos benefícios previdenciários para essas populações, não foi possível mensurar os impactos dessa política, no caso específico do território do Sudoeste do Paraná, uma vez que o Ministério da Previdência Social não disponibiliza as informações por municípios, impossibilitando-se, assim, uma análise pormenorizada de seus efeitos. Esse mesmo tipo de problema (falta de informações de monitoramento das políticas públicas de base municipal ou segmentando os espaços rurais e urbanos) dificulta uma análise mais efetiva dos impactos atuais das políticas sociais que vêm sendo executadas nas áreas rurais dos municípios nacionais.

33 A região Sudoeste do Paraná é reconhecida nacionalmente como um dos berços do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pois, no início dos anos 1980, foi criado o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste (Mastes), que mobilizou milhares de famílias de agricultores para ocupar os latifúndios improdutivos da região. A ocupação da Fazenda Annoni, no município de Marmeleiro, por 650 famílias é um marco desse processo e resultou na desapropriação dessa área. Esse processo de organização e mobilização política contou com a colaboração decisiva do trabalho desenvolvido pela Comissão Pastoral da Terra, por segmentos progressistas da Igreja Católica e da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB), pela Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (Assesoar) e por Sindicatos de Trabalhadores Rurais.

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6.1. Instrumentos de Política Agrícola

A análise dos instrumentos de política agrícola restringir-se-á aos dados disponibilizados pelo Pronaf e à estrutura dos serviços públicos de ATER e ATES no território do Sudoeste do Paraná.

6.1.1. Crédito do Pronaf

Dentre os instrumentos disponíveis de política agrícola, destaca-se, principalmente, o Pronaf, em função dos impactos locais proporcionados pela sua intervenção. Esse programa apresenta linhas de financiamento para diferentes grupos beneficiários de agricultores familiares, nas modalidades de custeio e investimento. Os grupos beneficiários são classificados como A, B, C, A/C, D, E, agroindústria, agroecologia, mulher, jovem, floresta, sustentabilidade ambiental, cota-parte e convivência com o Semi-Árido34. Além do Pronaf, atualmente, o MDA disponibiliza aos agricultores familiares programas como garantia safra, garantia de preços, seguro, aquisição de alimentos, turismo rural, assistência técnica e extensão rural (por meio do DATER/SAF) e assessoria técnica, social e ambiental à Reforma Agrária (via Incra).

Para se proceder a uma análise territorial dessas políticas seria necessária a publicização das informações relativas à aplicação dos recursos para cada um desses programas governamentais. Entretanto, o MDA ainda não criou um sistema de monitoramento desses dados que permita visualizar como esses diferentes programas estão sendo executados nas diversas regiões. A única exceção é o banco de dados dos grupos A, B, C, D e E do Pronaf que possibilita alguns níveis de cruzamento de informações. Para as demais linhas do Pronaf e os outros programas do MDA, é impossível uma análise quantitativa dos resultados regionais. Assim, tendo em vista essas limitações metodológicas para a obtenção dessas informações35, será analisada apenas a evolução dos grupos do Pronaf entre 2000 e 2006, para os 42 municípios integrantes do território do Sudoeste do Paraná.

Segundo o Plano Safra da Agricultura Familiar 2007/08, o público-alvo do Pronaf são os agricultores familiares que possuem as seguintes características:

• possuem parte da renda familiar proveniente da atividade agropecuária, variando de acordo com o grupo em que o beneficiário se classifica (30% no grupo B, 60% no grupo C, 70% no grupo D e 80% no grupo E);

• detêm ou exploram estabelecimentos com área de até quatro módulos fiscais ou até seis módulos, quando se tratar de atividade pecuária;

• exploram a terra na condição de proprietário, meeiro, parceiro ou arrendatário;

• utilizam mão-de-obra predominantemente familiar;

• residem no imóvel ou em aglomerado rural ou urbano próximo;

34 Para maiores informações sobre cada um desses grupos, consultar o Plano Safra da Agricultura Familiar 2007/08, disponível no site http://www.mda.gov.br. 35 Limitações idênticas ocorrem também em relação a outras importantes áreas de atuação do Estado. As informações disponíveis para áreas como saúde, educação, cultura, habitação, saneamento, eletrificação, transporte, dentre outras, referem-se ao município como um todo, não sendo possível desagregar os dados para analisar os resultados dos referidos programas para as populações residentes nas áreas rurais e urbanas, separadamente.

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• possuem renda bruta familiar de até R$ 110 mil por ano;

• pescadores artesanais, pequenos extrativistas e pequenos aqüicultores estão incluídos como público-alvo do Pronaf.

O Pronaf constitui-se no principal programa para viabilizar as atividades de custeio e de investimento dos agricultores familiares e dos assentados de Reforma Agrária. Entre 2000 e 2006, o número de contratos se manteve praticamente igual (por volta de 28.600 contratos), variando no decorrer dos anos e atingindo um pico de 32.170 contratos, em 2004. Porém, essa estabilidade no número de contratos de custeio foi acompanhada de um crescimento no volume de recursos financiados: observa-se um aumento de 192%, nesse período. Em 2000, foram aplicados cerca de R$ 44 milhões e, em 2006, o MDA aplicou quase R$ 129 milhões.

Gráfico 1. Evolução no número de contatos de custeio do Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

SUDOESTE - Número de Contratos Custeio

20.000

22.000

24.000

26.000

28.000

30.000

32.000

34.000

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

de C

on

trato

s

Fonte: MDA. Gráfico 2. Evolução no montante de contatos de custeio do Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

SUDOESTE - Montante (R$ 1,00) Custeio

20.000.000

40.000.000

60.000.000

80.000.000

100.000.000

120.000.000

140.000.000

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Mo

nta

nte

(R

$ 1

,00

)

Fonte: MDA.

Em relação ao Pronaf na modalidade investimento, verifica-se que houve uma elevação de 86,6% no número de contratos, que passaram de 2.002, em 2000, para 3.736 contratos, em 2006, tendo atingido 4.335, no ano anterior. Os valores dos contratos de investimento

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cresceram 364%, entre 2000 e 2006, passando R$ 7,2 milhões para R$ 33,5 milhões, em 2006. Em 2004, o Pronaf Investimento chegou aplicar cerca de R$ 37,7 milhões no território do Sudoeste. Gráfico 3. Evolução no número de contatos de investimento do Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

SUDOESTE - Número de Contratos Investimento

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

4.500

5.000

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

de

Co

ntr

ato

s

Fonte: MDA. Gráfico 4. Evolução no montante de contatos de custeio do Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

SUDOESTE - Montante(R$ 1,00) Investimento

7.000.000

12.000.000

17.000.000

22.000.000

27.000.000

32.000.000

37.000.000

42.000.000

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Mo

nta

nte

(R

$ 1

,00)

Fonte: MDA.

Além da abordagem analítica conforme as modalidades de crédito, é possível também analisar o crédito sob a perspectiva do enquadramento dos agricultores familiares, que varia de acordo com a renda bruta anual da família. As regras de enquadramento definidas pelo MDA para a safra 2007/08 podem ser sintetizadas, segundo a Tabela 1:

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Tabela 10. Limites de enquadramento e de financiamento para Pronaf Custeio e Investimento, segundo os grupos do Pronaf – 2007/08 Grupo Renda bruta anual familiar

para enquadramento Limite financiamento

Custeio Limite financiamento

Investimento A Assentados e crédito fundiário - R$ 18.000 A/C Assentados e crédito fundiário R$ 3.500,00 - B até R$ 4.000,00 - R$ 4.000 C até R$ 18.000,00 R$ 5.000,00 R$ 6.000 D até R$ 50.000,00 R$ 10.000,00 R$ 18.000 E até R$ 110.000,00 R$ 28.000,00 R$ 36.000

Fonte: MDA (http://www.mda.gov.br).

Antes de passar ao detalhamento dos vários grupos de agricultores familiares, conforme a classificação definida pelas regras do Pronaf, é necessário destacar que o número de contratos para os grupos A, A/B e B, no território do Sudoeste do Paraná, é extremamente insignificante, tanto do ponto de vista do número de contratos quanto do valor total de financiamento. Em função dessa característica, a análise aqui apresentada enfocará apenas os grupos C, D e E.

Assim, o número de contratos de agricultores familiares pertencentes ao grupo C decresceu 39,6%, entre 2000 e 2006, passando de 22.945 para 13.861. Contudo, no que diz respeito ao montante financiado para esse grupo de produtores, verifica-se que ocorreu uma elevação de 34,8%. Em 2006, foram aplicados pouco mais de R$ 41 milhões, enquanto que, em 2000, o total de recursos atingiu cerca de R$ 30,4 milhões (ver Gráfico 5). Gráfico 5. Número de contratos e valores financiados pelo Pronaf C no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

SUDOESTE - CONTRATOS E VALORES (R$ 1.000) DO PRONAF "C"

-

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

60.000

70.000

Contratos 22.945 21.131 18.530 21.484 20.147 18.484 13.861

Valor (R$ 1.000) 30.471 46.081 36.784 54.187 57.615 54.580 41.082

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Por sua vez, o Grupo D apresentou uma elevação de 71,7% no número de contratos, fechando em 2006 com 9.152 contratos de crédito (ver Gráfico 6). Em 2000, foram 5.329 contratos firmados. O montante de recursos aplicado nesse grupo foi o que apresentou o maior percentual de crescimento, entre 2000 e 2006: 256,4%. Subiu de cerca de R$ 15,1 milhões, em 2000, para R$ 53,8 milhões.

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Gráfico 6. Número de contratos e valores financiados pelo Pronaf D no Território do Sudoeste do Paraná – 2000/06

SUDOESTE - CONTRATOS E VALORES (R$ 1.000) DO PRONAF "D"

3.500

10.500

17.500

24.500

31.500

38.500

45.500

52.500

59.500

Contratos 5.329 4.734 5.522 7.541 8.601 8.681 9.152

Valor (R$ 1.000) 15.108 18.739 26.267 40.669 52.336 49.781 53.850

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Já o Grupo E apresentou a maior variação percentual no que se refere ao número de contratos: entre 2003 (data de início das operações desse grupo) e 2006, quase dobrou (99,5%). Em 2003, foram 2.360 contratos e, em 2006, totalizaram 4.707 (consultar Gráfico 7). O montante de recursos também aumentou significativamente (127,5%), passando de R$ 22,3 milhões para R$ 50,6 milhões, nesse mesmo período36. Gráfico 7. Número de contratos e valores financiados pelo Pronaf E no Território do Sudoeste do Paraná – 2003/06

SUDOESTE - CONTRATOS E VALORES (R$ 1.000) DO PRONAF "E"

1000

8000

15000

22000

29000

36000

43000

50000

57000

Contratos 2360 3409 3692 4707

Valor (R$ 1.000) 22.240 39.057 42.766 50.599

2003 2004 2005 2006

36 Cabe destacar ainda que os agentes financeiros autorizados para a operacionalização do Pronaf podem aplicar os recursos da exigibilidade bancária para os beneficiários enquadrados como agricultores familiares, independentemente da classificação proposta pelos grupos. No território do Sudoeste do Paraná, entre 2000 e 2006, os contratos aumentaram 108%, chegando em 2006 a 4.300. O montante de recursos de exigibilidade bancária passou de R$ 2,4 milhões para R$ 16 milhões, representando um crescimento de 557%. É importante alertar que essas informações não estão computadas na análise aqui apresentada.

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Tomando-se por base as informações relativas à distribuição dos recursos do Pronaf no território do Sudoeste, no último ano fiscal (2006), segundo os grupos de enquadramento, pode-se perceber que o grupo C foi aquele que apresentou o maior número de contratos (13.861), mobilizando R$ 41,1 milhões e perfazendo uma média de R$ 2.963,00 por contrato (ver Gráficos 8 e 9). O grupo do Pronaf que apresentou o maior volume de recursos aplicados foi o grupo D, totalizando R$ 53,8 milhões, distribuídos em 9.152 contratos, equivalendo a R$ 5.883,00 por contrato. Por último, vale ressaltar que houve 4.707 contratos no grupo E, disponibilizando um total de R$ 50,6 milhões, com uma média de R$ 10.750,00 por contrato. Gráfico 8. Número de contratos financiados pelo Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2006

Gráfico 9. Total de recursos financiados pelo Pronaf no Território do Sudoeste do Paraná – 2006

SUDOESTE - Participação do Montante (R$ 1,00) do Pronaf por

Enquadramento em 2006

41.081.997

53.849.62050.598.640

2.000.000

12.000.000

22.000.000

32.000.000

42.000.000

52.000.000

62.000.000

Mo

nta

nte

(R

$ 1

,00

)

GRUPO C GRUPO D GRUPO EFonte: MDA.

SUDOESTE - Participação do Nº de Contratos do Pronaf por

Enquadramento em 2006

13.861

9.152

4707

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000 12.000

14.000 16.000

GRUPO C GRUPO D GRUPO EFonte: MDA.

de C

on

trato

s

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6.1.2. A estrutura dos serviços públicos de ATER/ATES no Território

6.1.2.1. Os serviços públicos de ATER

Em 2004, uma pesquisa coordenada pelo MDA/SAF e realizada em parceria com o Deser e a Emater-PR, com o apoio financeiro do Projeto de Cooperação Técnica IICA-Pronaf, apresentou um diagnóstico da rede de serviços públicos37 de apoio à agricultura familiar no Paraná, visando elaborar um perfil dos trabalhos nas áreas de assistência técnica, extensão rural, capacitação e formação profissional desenvolvidos no estado. Na primeira etapa desse estudo, a Emater aplicou nos 399 municípios paranaenses um formulário que tinha por objetivo mapear, identificar e caracterizar de maneira sucinta a estrutura desses serviços. Em seguida, essas informações foram sistematizadas e analisadas pelo Deser, originando um importante banco de dados sobre a situação dos serviços de ATER para a agricultura familiar.

Como essas são as informações mais atualizadas sobre o assunto no estado e tendo em vista a impossibilidade de se fazer um levantamento dessa natureza no escopo do presente projeto, resolveu-se tomar por base os dados regionais para se elaborar uma breve caracterização da estrutura de ATER disponível no território do Sudoeste. Ainda que possam ter ocorrido mudanças no quadro profissional de cada instituição ou entidade pesquisada, os resultados finais desse levantamento não devem ter se modificado de forma tão substancial, a ponto de invalidar as referências apresentadas a seguir.

Em 2004, foram identificados 317 profissionais38, tanto de nível médio quanto superior, atuando nos 42 municípios da região. Entretanto, nem todos os técnicos identificados dedicam-se integralmente às atividades de ATER. Por isso, o formulário buscou informações sobre o percentual de tempo dedicado por cada técnico a essas tarefas, para que se pudesse chegar a um número que refletisse as efetivas condições de trabalho da região. Assim, fazendo as devidas correções, chegou-se a um total de 254 técnicos. Isso significa que para cada técnico corresponderiam 191 estabelecimentos familiares, se fossem tomados como referência os dados da pesquisa FAO/Incra (MDA, 2004, p. 26).

As duas principais fontes de contratação eram as prefeituras municipais, com 151 técnicos (equivalendo a 47,6% do total) e a Emater, que possuía 71 profissionais atuando (22,4%). Pela ordem de importância, apareciam, em seguida, as cooperativas de produção (12%), as Casas Familiares Rurais (9,5%) e as Cooperativas de Crédito Solidário (3,5%). As demais entidades (Senar, ONGs, sindicatos e UTFPR) ficavam com apenas 5% do total. Nesse sentido, observa-se o peso central do poder público municipal para atender às demandas desses serviços de apoio às unidades familiares de produção.

37 A definição de serviços públicos contempla “todos aqueles realizados por profissionais que trabalham em

órgãos governamentais (municipais, estaduais ou federais) ou entidades não-governamentais que utilizam

recursos, subsídios ou subvenções públicas (de municípios, do Estado ou da União)” (MDA, 2004, p. 9). 38 É preciso esclarecer aqui que nem todos esses profissionais atuam em tempo integral na área de ATER, podendo uma parcela de seu tempo de trabalho ser dedicado a outras tarefas em sua instituição ou organização. De acordo com o levantamento realizado, pouco mais de 50% informaram dedicar-se exclusivamente aos trabalhos nessa área.

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Analisando a distribuição desses técnicos por municípios, constata-se um certo desequilíbrio interno, uma vez que 17 municípios (41,4%) possuíam entre dois e cinco técnicos. Somados o número de técnicos que atende a essas 17 municipalidades alcança apenas 21% do total da região. Por outro lado, os sete municípios que mais concentravam o quadro profissional de ATER detinham 30% dos técnicos. Numa camada intermediária, poderiam ser identificados 18 municípios que ocupavam em suas instituições locais de seis a dez técnicos, correspondendo a 49% do total.

O nível de formação técnica desse quadro também revela o grau de qualificação profissional desse grupo: 55,8% possuíam o curso de técnico agrícola e 44,2% tinham curso superior. Os cursos predominantes foram: agronomia (85), médicos veterinários (30) e economistas domésticos (8). Dentre aqueles que possuem formação universitária, 24 concluíram cursos de especialização, quatro de mestrado e apenas um de doutorado.

O formulário solicitava também que cada técnico relacionasse suas principais atividades. A sistematização regional das respostas, apresentada na Tabela 10, revela que as duas atividades mais citadas foram assessoria à produção agropecuária e elaboração de projetos de financiamento rural, citadas, respectivamente, por 64,7% e 37,5% dos técnicos da região. Observando-se os percentuais apresentados na Tabela abaixo, pode-se perceber que há um “foco produtivista” na estratégia de ATER, na medida em que as ações na área educacional e de formação, de assessoria organizacional e de melhoria nas condições de moradia, saúde e alimentação não são tão valorizadas quanto as tarefas relacionadas à produção agrícola.

Tabela 11. Distribuição dos técnicos, segundo as principais atividades de ATER realizadas no Sudoeste do Paraná

Atividades desenvolvidas pelos técnicos Nº % Assessoria à produção agropecuária 205 64,7 Elaboração de projetos de financiamento rural 119 37,5 Manejo e conservação dos recursos naturais 73 23,0 Elaboração de outros projetos 68 21,4 Assessoria às organizações da agricultura familiar 58 18,3 Assessoria à agroindustrialização 43 13,5 Educação do campo 43 13,5 Incentivo ao associativismo 42 13,2 Assessoria à comercialização 40 12,6 Cursos de capacitação profissional 36 11,3 Assessoria a conselhos e fóruns 26 8,2 Habitação, saúde e nutrição humana 22 6,9 Diagnósticos, pesquisas e estudos 14 4,4 Turismo rural 4 1,2

Fonte: Banco de dados da pesquisa Rede de Serviços Públicos de Apoio à Agricultura Familiar no Paraná (2004).

Por fim, a pesquisa procurou identificar também as dificuldades para a realização dos serviços de ATER nas diversas instituições e organizações. De acordo com a sistematização exposta na Tabela 11, pode-se perceber que os principais obstáculos estão relacionados, fundamentalmente, à “dimensão institucional” desses serviços, ou seja, à falta de acesso às

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condições materiais e de infra-estrutura, à falta de processos de capacitação e qualificação para agricultores, à escassez de recursos humanos e, conseqüentemente, ao excesso de atividades e projetos para serem executados.

Tabela 12. Distribuição dos técnicos do território do Sudoeste, segundo a principal dificuldade para a realização dos serviços de ATER em sua instituição/organização

Principal dificuldade Nº % Falta de condições materiais e de infra-estrutura 33 10,4 Falta de processos de capacitação e qualificação para agricultores 26 8,2 Escassez de recursos humanos 24 7,6 Excesso de atividades/projetos executados 21 6,6 Falta de recursos financeiros 8 2,5 Falta de organização social 6 1,9 Falta de processos de capacitação e qualificação para técnicos 6 1,9 Desinteresse/desmotivação dos agricultores 4 1,3 Falta de compromissos institucionais do poder público 2 0,6 Falta de planejamento do trabalho interno 2 0,6 Descapitalização das famílias de agricultores 1 0,3 Outras 15 4,7 Não respondeu 169 53,3 Total 317 100

Fonte: Banco de dados da pesquisa Rede de Serviços Públicos de Apoio à Agricultura Familiar no Paraná (2004).

Portanto, esse conjunto de indicadores aqui analisado revela que, mesmo considerando o processo de enxugamento da estrutura oficial de ATER, verificado ao longo das duas últimas décadas, é possível afirmar que a região Sudoeste do Paraná ainda mantém uma razoável cobertura dos serviços públicos de ATER. Esse processo de esvaziamento da estrutura de ATER ligada ao governo estadual tem sido contrabalançado pela expansão do número de extensionistas nas prefeituras, nas cooperativas de produção de leite, nas cooperativas de crédito, nas cooperativas de comercialização e também nas diversas organizações não-governamentais. Essa tendência de emergência de novos agentes de ATER está relacionada ao processo de descentralização dos serviços públicos. Assim, muito embora a estrutura desses serviços não seja tão restrita como parece à primeira vista, o que chama a atenção é a dificuldade dos diversos agentes atuarem de forma articulada, estabelecendo uma sinergia de ação, ou seja, definindo um diagnóstico comum da realidade rural, estabelecendo prioridades de trabalho e buscando convergências e complementaridades de atuação.

6.1.2.2. Os serviços públicos de ATES

Infelizmente, não se dispõe de um quadro avaliativo dessa natureza para os serviços do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (ATES) realizados nos assentamentos de Reforma Agrária e reassentamentos de atingidos por barragens da região. Informações obtidas junto à Unidade Avançada Iguaçu, escritório do Incra responsável pelos municípios do Sudoeste, revelam que, desde julho de 2006, o Tribunal de Contas da União suspendeu o convênio de ATES com o estado. Esse convênio garantia a contratação de 144 técnicos, via Emater, prefeituras municipais e a Cotrara – Cooperativa de Trabalhadores

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na Reforma Agrária. A partir dessa decisão judicial, o atendimento das demandas das 40 mil famílias assentadas e reassentadas no Paraná está inviabilizado39. Um novo convênio está sendo negociado entre o Incra e a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, e a expectativa é que possa entrar em vigor ainda em 2007. Esse convênio prevê a contratação de um técnico para cada cem famílias assentadas.

6.1.2.3. A importância dos serviços públicos de ATER/ATES para o território

Os serviços de assessoria técnica, tanto para a agricultura familiar quanto para os assentamentos de Reforma Agrária, assumem uma grande relevância nesse contexto, pois permitem construir e disseminar referências técnicas e metodológicas que contribuam para embasar as orientações e práticas das diversas instituições e organizações que atuam junto a esses segmentos rurais. Esses serviços são de fundamental importância para potencializar (i) a ampliação da capacidade de planejamento e gestão do estabelecimento familiar; (ii) a diversificação das atividades produtivas; (iii) a adequação das tecnologias às situações específicas de cada agroecossistema e cada tipo de agricultores; (iv) o desenvolvimento de estratégias sustentáveis de conservação dos recursos naturais; (v) a promoção do melhoramento genético de sementes e animais; (vi) a estruturação de formas de organização econômica com capacidade de competitividade no mercado; (vii) o aprofundamento dos processos de formação e capacitação profissional; (viii) o incentivo aos mecanismos de intercâmbio de experiências entre as famílias de agricultores; (ix) a melhoria da qualidade de vida (moradia, saúde, alimentação e educação); (x) a participação nas instâncias de decisão política (conselhos e sindicatos), dentre outras.

Entretanto, além desses aspectos mais tradicionais da atuação dos profissionais de ATER/ATES, uma nova perspectiva de trabalho se impõe como uma dimensão central que precisa ser incorporada nas concepções, métodos e práticas coletivas das instituições governamentais e organizações sociais ligadas à agricultura familiar e à Reforma Agrária: trata-se da abordagem territorial. Não se trata aqui apenas de entender a Política de Desenvolvimento Territorial do MDA, que possui um programa para a aquisição de bens e equipamentos de infra-estrutura produtiva e social. Trata-se, principalmente, de se romper com a concepção eminentemente setorial que fundamenta o modo de pensar e agir de grande parte do corpo técnico que trabalha no meio rural.

Nesse sentido, torna-se necessário implementar duas iniciativas complementares e interdependentes para que se avance na construção dessa perspectiva territorial: de um lado, é preciso reconhecer a urgência de se fortalecer os processos de integração dos instrumentos de política agrícola (crédito, assessoria técnica e extensão rural, pesquisa tecnológica, agroindustrialização, comercialização, associativismo e cooperativismo, agroecologia, aquisição de alimentos, diversificação produtiva), bem como de articular adequadamente esses instrumentos às políticas sociais (educação, saúde, previdência social, transferência de renda), de reordenamento agrário (Reforma Agrária, regularização fundiária, crédito fundiário), de incentivo à infra-estrutura (estradas, comunicação, eletrificação, moradia, 39 No território do Sudoeste estão assentadas 2.771 famílias, distribuídas em 44 assentamentos de Reforma Agrária (Schneider, 2007, p. 188). Segundo informações repassadas pelo Incra, existem ainda pouco mais de mil famílias de agricultores sem terra acampadas na região.

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saneamento básico), de conservação sustentável dos ecossistemas e dos recursos naturais, de valorização cultural (artesanato, turismo rural, música) e de fortalecimento dos processos participativos de gestão social.

De outro lado, faz-se necessário também integrar as ações que são desenvolvidas de forma fragmentada pelas diversas instituições, movimentos sociais e entidades não-governamentais. Essa integração não deve pretender uniformizar as formas de atuação de cada ator social, mas deve buscar construir e implementar uma estratégia de desenvolvimento que responda aos principais desafios enfrentados atualmente pelos segmentos sociais interessados na democratização e ampliação do acesso às políticas públicas, na dinamização das economias rurais, no fortalecimento da identidade coletiva regional, no empoderamento das organizações locais, na sustentabilidade ambiental e na consolidação de novas relações sociais.

Porém, é importante ressaltar aqui que uma mudança significativa para a afirmação e incorporação do paradigma do desenvolvimento territorial não diz respeito apenas a esses processos de integração das políticas públicas e das ações estratégicas, por mais que já representariam um grande avanço político na estruturação do território enquanto um locus de formulação e implementação de um projeto de futuro para um determinado espaço social. Para a concretização desse método de abordar o desenvolvimento torna-se necessário perceber, em primeiro lugar, que esse processo não é setorial, ou seja, baseado em ações restritas à dimensão agrícola do espaço rural. O segundo aspecto a superar decorre desse elemento anterior: para que seja efetivamente multidimensional, necessita-se de uma articulação de forças que não fique centralizada na agricultura familiar, entendida, na prática, como o sujeito político com capacidade de formular um projeto sustentável para o futuro das áreas rurais. Ademais, a experiência histórica das últimas duas décadas vem mostrando que, mesmo essa idéia de detentora de um projeto comum de futuro, não encontra sustentação empírica, tendo em vista o processo crescente de diversificação dos interesses políticos entre as organizações da agricultura familiar.

Esse salto qualitativo só será possível com base num intenso e contínuo processo de capacitação e discussão que envolva técnicos e lideranças de agricultores que estejam efetivamente dispostos a negociarem ações e projetos de interesse comum. A redefinição dos mecanismos institucionais que garantam as condições para a mudança desse paradigma configura-se num elemento decisivo para se forjar uma nova forma de intervenção econômica, política, ambiental e sócio-cultural sobre o espaço rural.

Atualmente, percebe-se ainda um grande distanciamento entre as políticas públicas implementadas no âmbito do MDA. Os diversos instrumentos e programas de política agrícola, agrária e de desenvolvimento territorial dialogam e interagem muito pouco entre si. Algumas tentativas internas de aproximação estão sendo gestadas, tais como o Plano Safra Territorial, mas elas ainda não conseguiram produzir os efeitos multiplicadores esperados.

Esse distanciamento se reflete diretamente nas possibilidades de compreensão dos significados desse processo duplo de integração pelos profissionais que atuam nos territórios rurais. Por isso, pode-se constatar que o grau de apropriação dessa abordagem pela maior parte do quadro técnico envolvido particularmente na implementação das políticas de ATER,

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de ATES e de desenvolvimento territorial ainda é bastante limitado. As limitações técnicas para o domínio teórico-metodológico dessa perspectiva podem ser traduzidas, no caso específico dos agentes de ATER, principalmente daqueles ligados ao setor governamental, na dificuldade básica de se entender a unidade familiar de produção e vida como um todo integrado e sistêmico, e não a partir de uma única dimensão (a econômica) ou, mais grave ainda, de uma única atividade produtiva. Essas restrições evidenciam a amplitude dos conteúdos necessários a um processo de capacitação que venha a responder adequadamente aos desafios colocados pela complexidade da situação do espaço rural em tempos de globalização.

6.2. Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais – Pronat

O Pronat é originário de uma linha de ação do Pronaf, chamada Pronaf Infra-Estrutura e Serviços Municipais, que funcionou entre 1997 e 2002 e estava voltada para destinar recursos financeiros para a construção de obras e a aquisição de equipamentos e serviços comunitários. Até 2002, os recursos desse programa passavam quase que exclusivamente pelo poder de decisão da administração municipal e da Emater. Muito embora os catorze municípios do Sudoeste integrantes desse programa federal tivessem estruturado os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável para debater as finalidades de aplicação do volume de recursos, deve-se reconhecer que, em geral, a capacidade de influência dos representantes das entidades nesses conselhos era muito restrita, ficando os conselheiros reféns das decisões tomadas pelas Prefeituras Municipais. Nesse sentido, o Pronaf Infra-Estrutura e Serviços Municipais era operado a partir de uma concepção focada no desenvolvimento municipal e com uma forma de gestão dominada pelo poder público local. Em muitas prefeituras, as demandas legítimas das comunidades rurais ficavam subsumidas aos interesses do grupo político do prefeito que priorizava a implementação de projetos e ações nas localidades onde houvesse necessidade de reforçar sua base eleitoral. Ainda que apresentassem diferentes níveis de comprometimento, esses conselhos implicavam numa forma de representação dos interesses das comunidades, das associações e dos grupos de produtores, permitindo certa capilaridade do processo.

Tabela 13. Distribuição do Volume de Recursos e do Número de Agricultores Familiares do Território Sudoeste do Paraná beneficiados pelo Pronaf Infra-Estrutura e Serviços Municipais – 1997/2002 Ano* Orçamento (R$) Nº de agricultores beneficiados 1997 1.047.304,24 10.240 1999 1.747.511,87 12.917 2000 2.006.931,18 8.642 2001 664.593,29 3.738 2002 402.146,02 544 Total 5.868.486,60 -

Fonte: SEAB/EMATER-PR. (*) Em 1998, não foi realizada nenhuma operação do Pronaf Infra-Estrutura e Serviços Municipais.

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Entre 1997 e 2002, o Pronaf Infra-Estrutura e Serviços Municipais atendeu demandas de 14 municípios40 localizados no Sudoeste do Paraná, disponibilizando R$ 5.868.486,60. No entanto, nem todos os municípios receberam recursos consecutivamente: apenas Barracão e Planalto foram beneficiados com a aprovação de projetos em todos esses anos41. No caso dos demais municípios, sete foram contemplados em quatro anos (Bom Jesus do Sul, Chopinzinho, Manfrinópolis, Salgado Filho, Santa Izabel do Oeste, São João e Sulina), quatro tiveram projetos aprovados em três anos (Coronel Vivida, Enéas Marques, Flor da Serra do Sul e Marmeleiro) e um (Mangueirinha) foi beneficiado somente em dois anos.

A partir do governo Lula, em 2003, instituiu-se um novo formato para o programa, optando-se pela criação de uma forma de institucionalidade política (o “território”) fundada na representação dos interesses sociais, econômicos e políticos centrados na agricultura familiar. As novas normas de operacionalização do Pronaf Infra-Estrutura e Serviços Municipais definidas pelo MDA previam a articulação de um grupo de municípios que tenham uma identidade coletiva e sejam movidos por uma estratégia de ação conjunta e que conte com a participação paritária de instituições governamentais e organizações da sociedade civil. Essa mudança na lógica do programa gerou descontentamentos entre os prefeitos municipais, pois nessa nova modalidade de política pública deveria prevalecer uma abordagem territorial do desenvolvimento, e não uma visão municipalizada.

Sendo assim, os projetos não seriam mais para beneficiar exclusivamente os agricultores familiares de um município, mas deveriam ser planejados para atender as demandas de uma base geográfica mais ampla. Essa nova forma de implementar essa política pública passou a exigir de todos os representantes do território uma capacidade de discussão e negociação de propostas com um conjunto mais diversificado de instituições governamentais e organizações da sociedade civil. A mudança de foco (do local para o territorial) e de abrangência institucional (da prefeitura/CMDRS para o território e seu colegiado composto por um número mais ampliado de organizações e instituições) apresenta novos elementos para viabilizar o acesso a recursos públicos. E, aparentemente, nem todas as prefeituras estavam dispostas a passar por esse crivo de discussões e negociações. Provavelmente, esta seja uma das explicações para que não tenham se mobilizado para acessar essa política, levando uma parcela importante do poder público local a decidir por se manter afastada desse processo.

Entrevistas realizadas com representantes da sociedade civil criticam o método das prefeituras municipais que estão habituadas a trabalhar em suas “caixinhas fechadas” e “não querem juntar as caixinhas”, uma vez que isso significaria “elaborar projetos para os outros”. Mesmo que se tratasse de um espaço de discussão restrito às prefeituras, percebem que, mesmo assim, seria “um parto” para sentarem juntas. Essa situação é julgada ainda mais grave, pois como muitas prefeituras não reconhecem a legitimidade e a representatividade das organizações ligadas à agricultura familiar não aceitam serem “pautadas” pelas demandas apresentadas por essas entidades sociais.

40 Os catorze municípios contemplados nesse período por esse programa foram: Barracão, Bom Jesus do Sul, Chopinzinho, Coronel Vivida, Enéas Marques, Flor da Serra do Sul, Manfrinópolis, Mangueirinha, Marmeleiro, Planalto, Salgado Filho, Santa Izabel do Oeste, São João e Sulina. 41 É importante lembrar que, em 1998, não foi realizada nenhuma operação desse programa.

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Tabela 14. Distribuição do Volume de Recursos aplicados pelo Pronat/MDA no Território Sudoeste do Paraná – 2003/2006 Ano Total de Recursos do Pronat/MDA* (R$) 2003 719.486,89 2004 1.211.491,30 2005 899.297,00 2006 991.710,00 Total 3.821.985,19

Fonte: SEAB/EMATER-PR. (*) Não inclui a contra-partida dada pelas prefeituras municipais contratantes dos projetos.

Desde 2003, o volume total de recursos aplicados pelo Pronat (com recursos do MDA) alcança R$ 3.821.985,19, sem contar os recursos das prefeituras municipais que entram como contra-partida obrigatória do investimento realizado no município. Esse valor representa apenas 2,3% dos recursos aplicados somente na safra 2005/06 pelo Pronaf. Se forem considerados apenas os recursos de investimento, observa-se que, de 2003 a 2006, o Pronat representou somente 11,4% dos recursos desembolsados por essa linha do Pronaf na safra 2005/06. Com isso, fica evidenciada a limitação financeira desse programa no sentido de promover mudanças significativas no padrão de desenvolvimento rural da região, necessitando obviamente interagir com outras fontes de financiamento para atingir esse objetivo.

6.3. Programa de Aquisição de Alimentos – PAA

O Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), instituído pela Lei 10.696, de 2 de julho de 2003, integra as ações estruturantes do Projeto Fome Zero, desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Conforme a cartilha elaborada pelo MDS e MDA, esse programa tem por objetivos: “garantir

o acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às populações

em situação de insegurança alimentar e nutricional; contribuir para a formação de estoques

estratégicos; promover a inclusão social no campo por meio do fortalecimento da agricultura

familiar” (http://www.mds.gov.br). O PAA é gerenciado por um comitê interministerial,

formado por representantes do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS),

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério da Fazenda e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. A operacionalização do Programa de Aquisição de Alimentos é realizada MDS, em conjunto com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão ligado ao MAPA.

A implementação do PAA visa garantir um preço justo e maior renda às famílias de agricultores organizadas em grupos formais (cooperativas e associações) ou informais, bem como reduzir o valor das cestas de produtos destinadas aos programas sociais do governo federal. Além das famílias de agricultores que vendem seus produtos, o programa beneficia também, na ponta do consumo, instituições governamentais ou entidades não-governamentais reconhecidas socialmente por sua atuação junto às populações em situação de pobreza.

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Tabela 15. Distribuição do Volume de Recursos e do Número de Agricultores Familiares do Território Sudoeste do Paraná beneficiados pelo PAA – 2003/2006 Ano Orçamento∗∗∗∗ (mil R$) Nº de agricultores beneficiados∗∗∗∗∗∗∗∗ 2003 200 100 2004 1.500 750 2005 3.800 1.900 2006 13.000*** 4.300

Fonte: CONAB. * Valores aproximados. ** Número estimado. *** Esse valor abrange R$ 8 milhões da modalidade de Compra Antecipada para Doação Simultânea, R$ 4 milhões da Formação de Estoques pela Agricultura Familiar e R$ 1 milhão do Compra Direta da Agricultura Familiar.

Uma análise geral do programa de compras institucionais demonstra que políticas dessa natureza podem contribuir para a diversificação dos produtos comercializados pela agricultura familiar, na medida em que estimula a produção de alimentos que não estavam sendo produzidos ou tinham pequena expressão econômica. No território do Sudoeste, as organizações que têm contribuído para viabilizar esse programa, como o Sistema de Cooperativas de Comercialização da Agricultura Familiar Integrada (Coopafi) e o Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (Capa), entendem que essa forma de incentivo é fundamental para fortalecer a organização do processo produtivo e a busca de novos canais de comercialização, além de garantir preços e adquirir produtos derivados da agricultura familiar.

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7. Avanços, limites e desafios do processo de articulação territorial

7.1. Avanços

Na opinião generalizada dos atores sociais que conformam o território, desde o momento de sua constituição, os avanços mais significativos estão ocorrendo no plano da subjetividade do processo, ou seja, no respeito às diferenças, na busca pelo reconhecimento do outro e na abertura para o diálogo em torno de ações conjuntas. Essa mútua compreensão do outro significou um profundo aprendizado coletivo e aportou um amadurecimento político aos diversos sujeitos sociais, fazendo com que pudessem conhecer melhor suas iniciativas e identificar possíveis enlaces para um trabalho conjunto. Reconhecem a importância das oficinas preparatórias à elaboração do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável como um espaço político para o “desarmamento dos espíritos” e para a superação das acusações que um campo de forças fazia em relação ao outro (“politiqueiros” versus “baderneiros”).

Outro ponto positivo a ser destacado refere-se à aprovação do PTDRS: ainda que sua formulação apresente uma série de lacunas, trata-se de um documento que representa uma referência orientadora das ações futuras e que traduz um importante consenso entre os atores sociais. O desafio do exercício de pensar e planejar estratégias integradas para uma região complexa como o Sudoeste, que apresenta uma diversidade de contextos e formas organizativas, significa um aprendizado importante para se moldar coletivamente uma perspectiva territorial de desenvolvimento.

A participação das duas universidades públicas, durante as diferentes fases de construção do território, é valorizada também como uma vantagem comparativa do Sudoeste, em relação à dinâmica dos demais territórios criados no estado do Paraná. Porém, é preciso reconhecer que há um espaço muito mais amplo de possibilidades de integração ainda não potencializadas, particularmente no sentido de colocar o corpo docente e discente desses centros de produção de conhecimento a serviço das demandas e necessidades do território42.

Além disso, a construção do território do Sudoeste do Paraná vem sendo fundamental para o fortalecimento institucional tanto de instituições governamentais, em particular da Emater, quanto de organizações sociais ligadas à agricultura familiar, tais como o Sistema Cresol, o Sisclaf, o Sistema Coopafi e a Arcafar-Sul. Para essas entidades, esse espaço tem sido apropriado como uma estratégia de acúmulo de forças e de empoderamento político, na medida em que a modernização da estrutura física e das condições operacionais de trabalho facilita a dinamização das ações institucionais programadas, permitindo, assim, uma maior eficiência dos resultados. A manutenção das estruturas anteriormente existentes nessas entidades, certamente, constituir-se-ia num fator limitante no tempo e no espaço à expansão das atividades desenvolvidas pelas entidades beneficiárias dos recursos do Pronat.

42 A contribuição da UTFPR na geração de empreendimentos produtivos ou de tecnologias, a partir dos centros de pesquisa instalados no campus, ou ainda a reflexão crítica que os grupos de estudos de ambas universidades podem oferecer são exemplos práticos de como essa participação pode ser ainda mais direta e eficaz.

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7.2. Limites

Como se trata de um processo recente de construção de uma alternativa de articulação institucional e de integração de políticas públicas num país marcado historicamente pela centralização em esferas restritas do Estado Nacional do processo de planejamento das ações de desenvolvimento, os percalços iniciais na implementação dessas iniciativas serão enormes e de diferentes naturezas.

Talvez a dificuldade estrutural desse processo esteja relacionada ao próprio significado histórico e político da criação de uma modalidade institucional, reconhecida e legitimada pelo Estado, capaz de estabelecer e regulamentar uma nova forma de relacionamento entre o poder público e a sociedade civil. A viabilização desse arranjo institucional é visto por vários atores sociais como de fundamental importância para a democratização dos espaços públicos e para a gestão social e participativa das políticas públicas. No entanto, a herança da cultura política do Estado43, manifestada na centralização dos processos de tomadas de decisão e no autoritarismo e clientelismo das relações, constitui-se num obstáculo central para a conformação de um ambiente institucional que seja capaz de planejar o desenvolvimento territorial, coordenando e integrando, de um lado, uma diversidade de atores sociais e, de outro, ações estratégicas e projetos específicos.

Nesse sentido, as dificuldades para se consubstanciar uma efetiva articulação política entre atores sociais interessados na mudança do atual padrão de desenvolvimento e para integrar um conjunto de políticas públicas em torno de uma estratégia territorial de desenvolvimento rural sustentável demonstram os limites estruturais desse processo. Como já foi abordado anteriormente, o território do Sudoeste tem dado centralidade às ações voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar44. Esse tipo de prática social resulta de um modo de compreensão do desenvolvimento territorial como sendo uma ação restrita aos recursos do Pronat e, de modo mais difuso, à política da SDT. Enquanto não se perceber o significado e a riqueza metodológica da perspectiva territorial para o desenvolvimento de um determinado espaço social, prevalecerá a tendência implícita na lógica e nos movimentos do Grupo Gestor de considerar que para se viabilizar o PTDRS as políticas do MDA são suficientes. Por mais que isso, obviamente, não seja revelado de forma explícita, as decisões e os encaminhamentos dados até o momento denotam essa tendência.

Como conseqüência dessa concepção, o foco na agricultura familiar tem impedido que outros atores sociais também interessados na construção de uma estratégia territorial de desenvolvimento rural venham a contribuir politicamente nesse processo. No Sudoeste do Paraná, onde a importância da agricultura familiar é decisiva na conformação dos contextos sócio-econômicos, culturais, políticos e ambientais de uma região de características tipicamente rurais, é inegável o lugar a ser ocupado e o papel estratégico a ser desempenhado

43 É importante destacar que as organizações da sociedade civil, ainda que busquem construir uma nova cultura política fundada na cooperação, na solidariedade, na democracia, na ética e em inúmeros outros valores que contrastam com a cultura autoritária, não estão completamente imunes aos efeitos dessa herança, uma vez que ela encontra-se entranhada no tecido social. 44 No caso do Paraná, essa centralidade não é uma particularidade apenas do Sudoeste, visto que todos os demais territórios reconhecidos pela SDT e as outras iniciativas de desenvolvimento territorial que estão sendo gestadas no estado possuem esse traço comum.

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por esse segmento social na definição e implementação de um projeto sustentável de desenvolvimento. Porém, diante da correlação de forças políticas na sociedade, para que esse projeto possa se materializar com enraizamento social e tenha condições de se tornar hegemônico, é imprescindível a participação de outros setores da sociedade na construção desse processo. Justamente por ser de caráter territorial, e não apenas setorial, a construção desse projeto necessita de um envolvimento social de maior amplitude e envergadura política. Por outro lado, no plano das políticas públicas, esse movimento necessita pressionar as instituições governamentais, nos diferentes níveis, a incorporarem a abordagem territorial em suas diretrizes e programas de ação.

Muito embora no item anterior tenha-se valorizado o aspecto dos conhecimentos acumulados para se planejar iniciativas territoriais, deve-se destacar, entretanto, que a capacidade das entidades de forjar ferramentas conceituais e metodológicas para intervir estrategicamente sobre as distintas dimensões da realidade ainda é limitada e precisa ser valorizada de forma sistemática, de modo que avancem em sua autonomia e independência. Essa limitação tende a reforçar uma visão fundamentalmente unidimensional de desenvolvimento, ou seja, uma concepção baseada quase que exclusivamente na dimensão econômica ou, mais especificamente, da produção agrícola realizada pela agricultura familiar. Percebe-se, assim, que, na prática, prevalece uma visão de desenvolvimento que reproduz uma perspectiva meramente setorial, na medida em que valoriza a implementação de projetos centrados no incentivo das formas de produção da agricultura familiar. Ainda em relação aos projetos que dão conteúdo e forma ao território, observa-se que as iniciativas até aqui executadas e as programadas traduzem um conjunto de ações que apresenta uma falta de integração entre si. Desse modo, pode-se denotar o isolamento que caracteriza o processo de elaboração dessas propostas e a dificuldade concreta de se tomar o PTDRS como base para a articulação dos projetos45.

A inexistência de um fórum mais amplo que o GGETESPA, ou seja, de uma instância colegiada com maior grau de representação da diversidade de interesses ligados ao desenvolvimento rural sustentável e que, ao mesmo tempo, tenha a legitimidade para debater e deliberar a respeito das decisões estratégicas é vista por muitos atores sociais como uma limitação da gestão do território do Sudoeste. Ainda que não declarada de forma explícita, essa sugestão não está apenas preocupada com a qualidade da governança do território, mas também com o risco de elitização46, em função do atual formato do Grupo Gestor. Uma alternativa sugerida é a inclusão de representantes dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável nesse fórum, possibilitando-lhe uma capilaridade mais

45 Essa dificuldade de tornar o Plano um instrumento real para a elaboração de projetos parece repetir a experiência anteriormente vivida na época do Fórum Intergovernamental e da Sociedade do Sudoeste. Se é possível estabelecer esta relação entre esses acontecimentos, talvez isso signifique que os atores sociais envolvidos em ambos processos não tiraram as lições e os aprendizados da experiência anterior. 46 Por elitização entende-se aqui a possibilidade de se restringir as ações e projetos territoriais a um grupo muito reduzido de famílias de agricultores ou de instituições e organizações, criando-se, assim, uma espécie de paroquialismo e clientelismo político que beneficia um grupo social específico e proporcionalmente pequeno (ver Abramovay, 2005).

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ampla47. Além disso, essa estratégia de ampliação pode facilitar a relação entre as ações territoriais e as iniciativas locais, contribuindo, inclusive, como uma forma de estímulo à participação efetiva das prefeituras municipais na condução desse espaço de articulação política.

A fragilidade das estruturas políticas do Estado, particularmente da SDT e das instituições governamentais responsáveis pelos serviços públicos de assistência técnica e extensão rural (Emater e prefeituras municipais), para contribuir de forma contínua no processo de assessoria, negociação entre os atores sociais, planejamento, monitoramento e avaliação das ações desenvolvidas em cada território tem provocado outro tipo de dificuldades. Todavia, a SDT acaba sendo o alvo central das críticas que a acusam de distanciamento, pois essa secretaria incentivou a formação desses espaços de articulação e, posteriormente, não ofereceu as condições adequadas para o seu funcionamento interno ou mesmo o apoio à assessoria nos momentos de crise. Há um consenso entre as instituições governamentais e as organizações da sociedade civil que cada território disponha de uma parcela de recursos financeiros e materiais destinados à sensibilização e articulação política, à criação de instrumentos de comunicação social48 (interna e externa), ao aprofundamento dos eixos prioritários, ao funcionamento do GGETESPA e suas instâncias intermediárias, dentre outras.

Ainda no plano das políticas públicas, as limitações concretas na implementação e viabilização da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) reduzem as possibilidades de consolidação dos territórios, visto que a mobilização local, a elaboração e o acompanhamento dos projetos, a assessoria aos cursos de capacitação, a articulação com as prefeituras, dentre outras atividades, dependem, em grande medida, do papel desempenhado pelos extensionistas. No Sudoeste do Paraná, diversas entidades que prestam serviços públicos de ATER têm se envolvido na construção do território, buscando, inclusive, formar redes sociais ou, seguindo o exemplo dos sistemas organizacionais do crédito, do leite e da comercialização da agricultura familiar, criar um sistema integrado de cooperativas de ATER, voltado para atender às demandas do território.

Entretanto, é preciso estabelecer uma sinergia entre essas duas políticas do MDA, de maneira que essa aproximação resulte numa efetiva integração das ações do Estado num espaço social determinado. O território, nesse sentido, acaba se tornando um importante locus para o exercício da complementaridade das ações de ATER, nos seus mais variados formatos (estatal, não-governamental, cooperativada, em redes sociais etc.).

Uma das dimensões fundamentais do trabalho de ATER está ligada aos processos de capacitação. Ao longo do período de construção e consolidação do território do Sudoeste,

47 Uma observação feita por alguns atores entrevistados enfatiza que o atual desenho institucional do Grupo Gestor não só excluiu a representação dos setores urbanos e das lideranças de base dos agricultores, mas também colocou a gestão do território sob a responsabilidade de um grupo de representantes de instituições e organizações de atuação regional e com uma trajetória histórica consolidada que, independentemente de sua inegável representatividade política e legitimidade social, não permite a participação de outras formas de representação dos interesses coletivos presentes nos espaços rurais. 48 A criação de um fluxo ágil de informações e de comunicação entre os atores sociais e destes com os formadores de opinião do território e com a população, em geral, é considerada uma tarefa importante para se conquistar espaços políticos e legitimidade, dando visibilidade social às iniciativas positivas em curso.

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foram realizadas diversas oficinas tanto em Curitiba, envolvendo representantes de todos os cinco territórios, quanto na região, envolvendo especificamente representantes das entidades locais. Os conteúdos dessas oficinas seguiam uma orientação nacional da SDT e eram ministrados sob a orientação de profissionais pertencentes à chamada Rede de Colaboradores da SDT: a concepção de desenvolvimento territorial, o processo de elaboração do PTDRS, a gestão social do território, o monitoramento das ações, dentre outras atividades específicas sobre cooperativismo e rede dos colegiados territoriais.

Ao que tudo indica, as atividades de capacitação realizadas ao longo desse processo foram fundamentais para introduzir o debate sobre desenvolvimento territorial, mas não foram suficientes para forjar um grupo sólido de atores sociais que se apropriassem de uma perspectiva territorial de desenvolvimento. Porém, é preciso reconhecer que essa limitação só tende a ser superada na medida em que se exercita, na prática, a construção do território, enfrentando suas limitações e seus obstáculos. A metodologia da capacitação centrada exclusivamente no formato de repasse de conceitos teóricos não tem assegurado as condições concretas para uma mudança no modo de pensar e de agir dos agentes locais.

7.3. Desafios

O processo de construção do desenvolvimento territorial tem lançado um conjunto diversificado de desafios que necessita ser enfrentado e superado para que se procedam avanços mais significativos na implementação dessa política. Nesse item pretende-se reforçar quatro desafios estruturais (e estruturantes): a integração das políticas públicas, a articulação dos atores sociais, a democratização da gestão política (governança) e a correlação entre plano e projetos. O território configura-se num espaço privilegiado para o exercício contínuo de alternativas que conduzam à superação desses desafios acima apontados.

Na atualidade, a integração de políticas públicas (nos planos intersetorial, multisetorial e espacial –municipal, estadual e federal) tem se colocado como uma necessidade imediata para que as ações do Estado provoquem efeitos duradouros, sejam eficientes e dinâmicas, e tenham um foco definido em seus resultados. O território apresenta-se, assim, como um locus inovador, pois não se situa entre os entes da Federação nacional, construindo um espaço intermediário entre os estados e os municípios. Em função dessa característica, esse novo arranjo institucional pode vir a ser um espaço criativo para se gestar um aprendizado coletivo em relação à interconexão das políticas públicas.

Nesse sentido, se o PTDRS valoriza uma concepção multidimensional de desenvolvimento, torna-se necessário desencadear ações efetivas que interajam de forma sistêmica e complementar. Em razão da importância regional assumida pelas aplicações do Pronaf (custeio agrícola e investimentos produtivos), é imprescindível que o Grupo Gestor aprofunde o debate a respeito do papel do crédito na construção do território, na medida em que o Pronaf pode vir a se configurar num instrumento fundamental para consolidar esse processo. Por sua vez, no plano da gestão da política pública, duas outras articulações fazem-se necessárias. De um lado, é preciso promover mecanismos para uma efetiva integração das políticas do MDA, ou seja, o Pronat precisa interagir principalmente com o Pronaf, que lança a cada ano um volume de recursos destinado ao custeio agrícola e a investimentos produtivos infinitamente

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superior aos recursos disponibilizados pela SDT49, e a PNATER. De outro lado, essas políticas precisam também estar conectadas com outras políticas setoriais (meio ambiente, abastecimento, habitação, educação, saneamento, saúde, turismo rural, desenvolvimento industrial, exportação, cultura, dentre outras), visando criar um ambiente de sinergia entre programas de distintas naturezas. Além dessas formas de integração intersetorial e setorial, cabe destacar ainda a urgência de se promover uma articulação entre os entes federativos, estabelecendo elos de compromisso e de responsabilidade entre municípios, estado e União.

O desafio seguinte (a articulação entre os atores sociais) remete o debate para duas necessidades básicas: primeiro, a criação de um espaço institucionalizado englobando instituições governamentais e organizações da sociedade civil que tenham interesse de participar do processo de construção do território. Esse aspecto, ainda que de forma restrita, em termos da amplitude das formas de representação que integram esse espaço, já vem sendo executado na prática. No entanto, e aqui emerge o segundo aspecto, para se superar os limites setoriais tanto das representações presentes no Grupo Gestor quanto do conteúdo dos projetos encaminhados a Brasília, torna-se necessário abrir uma discussão a respeito de uma estratégia de alianças e parcerias que venha a garantir melhores condições para um enfrentamento dos projetos políticos em jogo na sociedade. Para ilustrar podem ser citados dois cenários hipotéticos para a construção dessas parcerias e alianças:

1. A ampliação e enraizamento do debate sobre soberania e segurança alimentar não é do interesse exclusivo dos produtores familiares, pois as populações urbanas deveriam estar sensibilizadas e interessadas na discussão da origem e qualidade dos alimentos. O debate sobre os efeitos sócio-ambientais da produção transgênica poderia ser um ponto de partida para estabelecer junto a determinados segmentos sociais urbanos um espaço de diálogo e negociação de projetos comuns.

2. Sabe-se que a principal empresa agroindustrial que atua na região, com base no sistema de integração voltado para a produção de aves e suínos (a Sadia), é responsável por uma modalidade tecnológica que contribuiu durante décadas para a poluição das águas subterrâneas da região. De outro lado, um fenômeno climático (a seca) tornou-se um grande vilão dos destinos de milhares famílias de agricultores que perderam toda suas lavouras em decorrência da falta d’água, no Sudoeste. Assim, tendo em vista que a recuperação e preservação das reservas aqüíferas da região interessam a todos que se beneficiam desse bem universal, esse problema ambiental ganha um apelo geral, sendo, portanto, do interesse de toda a população. Nesse sentido, seria plausível que as empresas poluidoras e destruidoras dessas reservas mobilizassem parcela de seus recursos para adotar medidas conservacionistas do interesse geral da população. Essas medidas poderiam ser executadas a partir de um

49 Os dados oficiais da SAF revelam que, no ano de 2006, os 42 municípios do Sudoeste realizaram 32.312 contratos de crédito, entre custeio e investimento, totalizando R$ 162.282.240,00. Ao todo, foram 28.576 contratos de custeio, correspondendo a R$ 128.706.776,00, e 3.736 contratos de investimento, mobilizando um volume de R$ 33.575.464,00 (disponível em http://www.mda.gov.br, acessado em 3 de julho de 2007). Isso significa que o total de recursos disponibilizados pela SDT, entre 2003 e 2006, ou seja, R$ 3.821.985,00, representa apenas 2,3% do valor aplicado no último ano fiscal pelo Pronaf. Se forem considerados apenas os recursos de investimento, observa-se que de 2003 a 2006 o Pronat representou somente 11,4% dos recursos desembolsados por essa linha do Pronaf em 2006.

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processo de convencimento por parte desses setores empresarias de sua responsabilidade social e de seu compromisso ético com a manutenção e conservação desse importante passivo ambiental. Ou ainda, com base num amplo processo de mobilização social que obrigue essas empresas, com o apoio do Estado, a intervir nessa área ambiental, mitigando os sérios problemas que ameaçam a qualidade e o fornecimento da água na região.

Esses dois cenários hipotéticos apontam para a possibilidade de integrar no Grupo Gestor representantes de segmentos urbanos preocupados com o desenvolvimento rural ou então de se constituir um campo de alianças e parcerias que envolva esses setores na discussão de alternativas concretas e sustentáveis que solucionem os problemas identificados. Independente de que alternativa venha ser definida, o que importa é a necessidade de se ampliar e aprofundar esse debate no interior das atuais entidades participantes do GGETESPA.

A ampliação e consolidação da democratização do processo de gestão social do território do Sudoeste constituem-se no terceiro desafio a ser enfrentado. Vários depoimentos dados durante as entrevistas reconhecem o avanço e o amadurecimento político do Grupo Gestor enquanto um espaço de discussão e articulação de interesses nem sempre convergentes. Assim, para que esse processo seja aprofundado, torna-se necessário garantir instrumentos mais adequados para regular as relações e negociações entre segmentos sociais distintos. A radicalização de uma gestão democrática é condição básica para a construção e implementação de objetivos e perspectivas estratégicas comuns. Por isso, os atores sociais protagonistas dessa construção social e histórica necessitam criar laços de confiança e de respeito mútuo em relação às diferenças existentes. Cada sujeito político envolvido nesse campo de forças carrega consigo sua identidade particular e sua experiência acumulada nas vivências cotidianas de sua reflexão e intervenção na realidade. Portanto, para que haja uma verdadeira eqüidade nas relações entre formas organizativas tão diversas e com densidades institucionais tão diferenciadas, é imprescindível a construção de um espaço plural onde prevaleça a governança democrática, a gestão participativa e a igualdade de oportunidades para todos os atores sociais que contribuem para a implementação das ações territoriais.

O quarto desafio refere-se à capacidade desse arranjo institucional produzir mudanças significativas, pelo menos, no âmbito restrito das ações propostas nos projetos aprovados pela SDT. Ou seja, é urgente definir um processo eficaz de monitoramento dos processos em curso e de avaliação permanente dos impactos alcançados por essas ações. Nesse momento, importa criar os meios para poder avaliar a relação dos efeitos (positivos e negativos) gerados pelos projetos em andamento, no que diz respeito à sua capacidade de articular atores sociais e políticas públicas na direção da dinamização do território enquanto um espaço de maturação de iniciativas inovadoras, do ponto de vista da democracia e da sustentabilidade.

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Considerações finais

Este trabalho procurou contextualizar a trajetória, os percalços, os avanços e as perspectivas do processo de construção e fortalecimento do território do Sudoeste do Paraná, visando subsidiar a elaboração de uma proposta metodológica que facilite, de um lado, o diálogo, a negociação e a articulação dos atores sociais e, de outro lado, a integração das políticas de desenvolvimento territorial e de assistência técnica e extensão rural num espaço social determinado. Além de cumprir com essa finalidade, espera-se que a análise aqui apresentada possa contribuir também para provocar uma reflexão coletiva no seio do Grupo Gestor que venha a fortalecer os espaços de gestão social, fortalecer os laços políticos entre os atores sociais, implementar iniciativas inovadoras e integradoras de diferentes políticas públicas e identificar os desafios estratégicos para a consolidação desse arranjo territorial.

Nessa parte final do relatório pretende-se abordar quatro aspectos centrais analisados no decorrer desse trabalho: a concepção de território e de desenvolvimento territorial no Sudoeste do Paraná, a visão de desenvolvimento expressa no PTDRS e nos projetos, a articulação dos atores sociais e o processo de gestão social e, finalmente, o processo de integração de políticas públicas.

1. A concepção de território e de desenvolvimento territorial no Sudoeste do Paraná

Num plano mais geral, o debate sobre Desenvolvimento Territorial se insere no contexto da construção de um novo paradigma para o desenvolvimento e de novas relações entre Estado e sociedade civil, nos marcos de uma sociedade democrática. Surge no contexto do processo de globalização, da crise de desestruturação do Estado neoliberal. Emerge também no bojo das críticas à centralização das políticas de planejamento do Estado. Essa perspectiva de desenvolvimento busca contribuir para a superação dos entraves estruturais ao desenvolvimento, redirecionando os investimentos públicos para atender às necessidades das populações locais. Por meio desses investimentos, as políticas públicas pretendem favorecer a dinamização das economias locais, a ampliação das competências locais, a democratização das relações de poder, a universalização dos conhecimentos, a garantia da preservação da sociobiodiversidade e do patrimônio cultural etc. Por outro lado, essa abordagem visa superar uma visão fundamentalmente fragmentada dos processos de desenvolvimento, entendendo que os problemas precisam ser enfrentados numa escala que não se limite apenas aos espaços locais, mas combinando ações entre as diferentes esferas (global, nacional, estadual, territorial e municipal).

Trata-se, portanto, de uma perspectiva recentemente introduzida nos espaços acadêmicos, bem como na lógica do planejamento e gestão de políticas públicas50 e no modo de pensar e

50 Já existe uma considerável parcela de instituições públicas de planejamento e gestão das políticas de Estado que buscam se apropriar desse enfoque na formulação e execução de suas ações. No plano federal, além do MDA, o Ministério de Integração Nacional, o Ministério de Desenvolvimento Social e o Ministério de Meio Ambiente vêm acumulando diferentes tipos de experiências a partir dessa perspectiva. Recentemente, no processo preparatório de definição do Plano Plurianual 2008-2011, a Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos, ligada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, lançou um documento preliminar sobre a “dimensão territorial do PPA” (disponível em http://www.planejamento.gov.br – acesso em maio de 2007). É crescente, portanto, o número de instituições que procuram incorporar essa perspectiva no planejamento de suas

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agir de diversas organizações da sociedade civil51. A incorporação gradativa dessa abordagem nesses diferentes espaços sociais tem proporcionado um crescente aprendizado político aos sujeitos sociais, na medida em que oferece um importante instrumental analítico e metodológico para conduzir suas ações.

Diante dessas considerações, o território é abordado aqui como um espaço que possui um conjunto de características comuns, sem que isso implique na eliminação das particularidades e diversidades ambientais, sócio-culturais, econômicas e político-institucionais que o conformam. Sendo um resultado de um processo de construção social, o território busca criar uma sinergia entre esses elementos, potencializando a interrelação e a complementaridade entre essas diferentes dimensões. Os avanços desse processo dependem em grande medida da capacidade de articulação das forças políticas de diferentes matizes político-ideológicas para negociar e implementar uma estratégia de desenvolvimento territorial.

Portanto, o território não se constitui num espaço vazio de relações sociais, de relações de poder. O território irá refletir as potencialidades e os limites do campo político dos sujeitos sociais que moldam esse espaço de articulação. Nesse sentido, a conformação de um território é fruto da diversidade e do perfil dos atores sociais, bem como da capacidade desse campo político integrar as vontades coletivas em torno de uma estratégia comum e de ações concretas voltadas para a implementação de alternativas viáveis que apontem para um projeto de desenvolvimento sustentável. Por outro lado, o território irá refletir também as orientações político-metodológicas fornecidas por quem embasa e dá sustentação à sua construção.

Tendo em vista essas observações iniciais, pode-se afirmar que o território do Sudoeste do Paraná é produto de um feixe de relações sociais que combina, fundamentalmente, três processos básicos:

• um trabalho histórico de mobilização e organização social, desde fins dos anos 50, que forjou uma pluralidade de formas organizativas nas áreas rurais;

• uma presença marcante da ação do Estado no meio rural (Getsop, modernização agrícola, incentivo à estruturação do cooperativismo e do complexo agroindustrial, retomada do papel do poder público na dinamização econômica regional, renovação e diversificação dos instrumentos de políticas de desenvolvimento rural);

• um forte sentimento de identidade cultural regional.

ações, mas cada uma delas assume premissas particulares, não tendo ainda forjado uma concepção comum que dê uma unidade conceitual e metodológica às diferentes conformações territoriais em construção. Na esfera do governo estadual do Paraná, a Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral, na atual gestão (2007-10), a partir de uma classificação dos territórios rurais paranaenses, feita com base no cruzamento de 37 indicadores sócio-econômicos sistematizados do Censo Agropecuário do IBGE, de 1995/96, pretende apresentar subsídios que orientem as decisões e as ações das demais Secretarias de Estado junto aos dez territórios considerados estratégicos para a implementação dos atuais programas governamentais. 51 Do ponto de vista dos movimentos e organizações sociais, a criação no Sudoeste de formas organizacionais descentralizadas e estruturadas em sistemas verticalizados, tais como o Sistema Cresol e o Sisclaf, demonstra como as organizações ligadas à agricultura familiar se apropriam de uma importante dimensão desse enfoque. Entretanto, isso não significa que essa abordagem esteja sendo plenamente internalizada na definição das diretrizes e das ações estratégicas dessas entidades.

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Entretanto, é preciso destacar que a trajetória até aqui desenvolvida pelo território do Sudoeste revela uma acentuada dependência de um programa federal – o Pronat. Esse programa está direcionado ao fortalecimento institucional das instituições governamentais voltadas para a promoção do desenvolvimento rural e das organizações sociais da agricultura familiar, possibilitando meios para dar sustentação material (em termos de infra-estrutura) ao trabalho realizado pelas diferentes entidades que integram essa articulação. Assim, a política de desenvolvimento territorial do MDA –órgão do governo federal reconhecidamente responsável pela formulação e implementação de políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar– tende a investir em projetos (nem sempre comprovadamente viáveis e sustentáveis) que beneficiam as estruturas institucionais (governamentais ou não) que apóiam a implementação de uma estratégia sustentável de desenvolvimento (ainda que embasadas em diferentes princípios, métodos de trabalho e perspectivas). As limitações institucionais, em termos de disponibilidade de infra-estrutura, tanto por parte do setor governamental quanto da sociedade civil, servem para justificar as freqüentes solicitações de recursos do Pronat para a aquisição desse tipo de bens e equipamentos.

Até o presente momento, o território do Sudoeste constitui-se num embrião de articulação política focado no desenvolvimento rural, a partir de um enfoque específico na agricultura familiar. Salvo raras exceções, ainda não conseguiu dar um salto qualitativo na direção da proposição e implementação de ações estruturais para a região como um todo, a partir da unificação de interesses comuns de sujeitos sociais que ocupam posições fora do campo restrito da agricultura familiar. Por enquanto, as iniciativas de articulação em torno de projetos coletivos que venham a beneficiar um conjunto mais amplo de atores sociais foram muito restritas. Em geral, a concepção que embasa a implementação da maioria dos projetos prende-se ainda a uma visão setorizada e fragmentada, que apenas tangencia a abordagem territorial.

Essa tendência de priorizar um segmento social (a agricultura familiar) tem contribuído para o afastamento de outros segmentos sociais, econômicos e políticos, em relação à construção desse processo. Dentre os atores que mantêm um certo distanciamento desse processo, destaca-se, principalmente, o poder público municipal. Uma hipótese explicativa para compreender o afastamento das prefeituras pode estar relacionada aos compromissos políticos que estabelecem com os interesses dominantes no espaço rural, em particular com os segmentos ligados ao agronegócio e ao latifúndio, ou ainda, numa outra perspectiva, por considerarem ambas estratégias (tanto o fortalecimento da agricultura familiar quanto a expansão do agronegócio) como “sinais do atraso”. De acordo com essa segunda concepção, as ações do poder público precisam incentivar o desenvolvimento das atividades ligadas aos setores industrial, comercial e de serviços.

Essas disputas fazem parte de uma luta política, de um embate de concepções de desenvolvimento e de projetos de sociedade. No entanto, para que essas disputas não fiquem restritas a uma luta entre os interesses particulares da agricultura familiar versus os do agronegócio, e para que o debate político se afirme num plano mais estratégico, é preciso que o conjunto da sociedade entre em cena e participe da definição a respeito desse projeto de futuro. Nesse sentido, para que outros segmentos sociais sejam incorporados nesse processo e

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participem ativamente dessa construção estratégica, torna-se necessário repensar a concepção e a institucionalidade desse espaço, de maneira que atenda ao desafio de promover uma pactuação negociada e participativa do desenvolvimento.

Como toda experiência inovadora de construção coletiva de alternativas sustentáveis de desenvolvimento (e não de um desenvolvimento sustentável em si, mas de práticas que podem desembocar na construção de uma estratégia de desenvolvimento rural sustentável), as articulações territoriais necessitam de um tempo de aprendizado político. No entanto, esse amadurecimento só se efetivará se o sentido das ações e das práticas concretas promovidas pelos diferentes atores sociais que atuam no interior desse campo de forças estiver sintonizado com as diretrizes de uma estratégia de desenvolvimento territorial e com a construção de uma nova institucionalidade.

Nesse sentido, o amadurecimento dessa experiência de articulação é, ao mesmo tempo, fruto e condição da ampliação da confiança mútua entre os atores, do fortalecimento dos espaços de coesão social, da valorização dos processos de negociação dos interesses particulares e da redução das assimetrias de poder existentes nesse campo político (FAO, 2005). Esse novo arranjo político precisa fortalecer, assim, um ambiente institucional que seja capaz de integrar as forças sociais participantes e planejar ações estratégicas comuns, através da consolidação de espaços democráticos de negociação política de um pacto de desenvolvimento, a partir de uma abordagem territorial.

Porém, é importante ressaltar que existem diversos atores sociais excluídos dessa articulação territorial que poderiam contribuir na construção desse processo de desenvolvimento. De um lado, é preciso reconhecer que a maioria das entidades integrantes do GGETESPA não atua diretamente com as populações mais marginalizadas e empobrecidas das áreas rurais do Sudoeste ou, pelo menos, não tem nesse segmento social o vetor principal de sua estrutura organizativa. Em geral, tende-se a atuar com os segmentos formalmente organizados ou fortalecidos institucionalmente. A incorporação desses setores sociais precisa levar em conta a necessidade de assegurar o acesso e controle sobre os recursos e informações, respeitar seus direitos básicos à negociação e reforçar seu poder de barganha social (FAO, 2005).

De outro lado, também é preciso reconhecer que o território está sendo construído, fundamentalmente, pelas ações desenvolvidas por agentes econômicos e sujeitos políticos hegemônicos da sociedade que não fazem parte da estrutura política definida por esse arranjo institucional. Embora regidos por uma outra lógica, esses agentes privados condicionam decisivamente os cenários da economia política e das relações sócio-políticas hegemônicas do território (Saquet, 2004, p. 127). Isso significa que os rumos da construção do território não dependem exclusivamente das forças e ações implementadas pelas instituições e organizações que conformam o território, mas são influenciadas também pelas ações desencadeadas por atores situados, inclusive, fora desse arranjo territorial, com os quais interage direta ou indiretamente nos cenários locais.

Portanto, a perspectiva territorial do desenvolvimento não diz respeito apenas à agricultura familiar nem ao espaço rural, no sentido restrito. Essa abordagem é multidimensional, isto é, ela precisa ser percebida a partir das interrelações históricas entre os espaços urbanos e rurais,

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rompendo-se com a visão dicotômica que isola essas múltiplas facetas do território. Mais do que implementar uma política de desenvolvimento territorial, traduzida pela prática social desses últimos anos na exclusividade do acesso ao Pronat, cabe ao GGETESPA adotar uma perspectiva territorial no processo de planejamento das iniciativas de desenvolvimento para o Sudoeste do Paraná, superando os entraves e potencializando os recursos, as capacidades e as habilidades sociais.

Essa mudança, aparentemente pequena, na forma de conceber a territorialidade é de fundamental importância para se assegurar maior eficiência e profundidade às ações. Assim, para que o território Sudoeste implemente uma estratégia de desenvolvimento territorial torna-se imprescindível integrar novas fontes de financiamento para concretizar o PTDRS e seus projetos específicos, na medida em que apenas os recursos do Pronat não são suficientes para viabilizar ações coletivas na direção de um projeto de desenvolvimento sustentável.

Desde a sua formação, a articulação territorial tem se constituído muito mais numa oportunidade para que as instituições governamentais e as organizações sociais ligadas à agricultura familiar ampliem e consolidem suas estruturas operacionais, tendo por base o acesso aos recursos do Pronat. Observa-se, na verdade, uma forte tendência entre os atores sociais no sentido de perceberem e se apropriarem desse programa como uma oportunidade para viabilizar sua estruturação física, de maneira que tenham melhores condições de desempenhar suas ações específicas junto aos agricultores e às agricultoras familiares do Sudoeste. Por mais que os bens e equipamentos de infra-estrutura sejam importantes para a realização do trabalho, as discussões, articulações e negociações entre as entidades participantes do Grupo Gestor necessitam de um foco mais amplo, voltado para o planejamento, implementação, monitoramento e avaliação de ações territoriais. Há indícios de que esses equipamentos de infra-estrutura têm possibilitado uma efetiva ampliação das capacidades de intervenção concreta junto às comunidades rurais52. Dessa forma, pode-se afirmar que esses projetos têm contribuído diretamente para a reterritorialização dos sistemas e redes que se estruturam no Sudoeste do Paraná, permitindo, ao mesmo tempo, o fortalecimento do território53.

Porém, a mobilização desses recursos não significa necessariamente que se esteja construindo caminhos sustentáveis que conduzam à dinamização das economias locais e ao redirecionamento da aplicação de recursos financeiros do Estado em prol da ampliação das competências locais, da redução das desigualdades sociais e interregionais, da democratização das relações políticas, da universalização do acesso aos conhecimentos e aos saberes, da garantia da preservação da sociobiodiversidade etc. E mesmo do ponto de vista da articulação dos diferentes atores sociais e de suas redes de cooperação ou da integração das políticas do MDA (crédito, ATER, ATES, Reforma Agrária e território) e dessas com aquelas desenvolvidas no âmbito de outros ministérios, empresas estatais e órgãos públicos, as iniciativas ainda são muito limitadas e fragmentadas. 52 Basta ver as novas oportunidades que se abriram à Emater, Arcafar-Sul, Cresol, Sisclaf, dentre outras entidades, após a aquisição dos equipamentos. Os recursos aplicados foram essenciais para a ampliação das condições de acompanhamento às famílias de agricultores da região, favorecendo, inclusive, sua expansão para atender comunidades e municípios situados fora de sua área de abrangência anterior. 53 Como afirma Saquet, “as redes estão no território e o território nas redes” (2004, p. 133).

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2. A visão de desenvolvimento expressa no PTDRS e nos projetos

O segundo aspecto a ser aprofundado diz respeito à concepção de desenvolvimento implícita no Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável e nos projetos aprovados até 2006 pelo Cedraf. Cabe ressaltar que o PTDRS constitui-se num primeiro esboço para a construção de uma estratégia de desenvolvimento territorial, mas suas diretrizes de ação ainda apresentam um acentuado grau de generalização, conformando uma espécie de “colcha de retalhos”. Contudo, mais do que o produto final materializado no plano, percebe-se que o processo construído coletivamente para sua elaboração configurou-se num momento importante de afirmação do território, de aprendizado político para os atores sociais, de (re)estabelecimento de laços de confiança e de negociação de interesses convergentes. Na opinião dos diversos atores sociais pertencentes aos dois campos políticos que conformam o território (governamental e da sociedade civil), o respeito às diferenças, a busca pelo reconhecimento do outro e a abertura para o diálogo em torno de ações conjuntas representaram avanços políticos significativos que foram se consolidando nesse processo. Essa mútua compreensão do outro significou um profundo aprendizado coletivo e aportou um amadurecimento político aos sujeitos sociais, fazendo com que pudessem conhecer melhor suas iniciativas e identificar possíveis enlaces para um trabalho conjunto. Um desafio emerge desse contexto: como transformar esse reconhecimento numa ação coletiva concreta?

Além disso, muito embora o documento do Plano fundamente-se numa visão multidimensional do desenvolvimento, a maioria dos projetos até aqui aprovados pela SDT, à exceção daqueles relacionados à educação, está centrada no eixo econômico54. Enquanto os projetos ficarem restritos ao Pronat como única fonte de financiamento das ações promovidas pelo Grupo Gestor55, tende-se a reproduzir essa visão distorcida e limitada do plano. Se os projetos são fundamentais para moldar os contornos e os conteúdos de um determinado território, faz-se necessário debater que território está sendo construído pelos projetos em implementação no Sudoeste, ou seja, se eles atendem ou não à concepção multidimensional de desenvolvimento que embasa a definição do plano.

Nessa mesma direção, três outros desafios complementares precisam ser também enfrentados pelos componentes do colegiado territorial: em primeiro lugar, a necessidade de se traduzir as idéias do plano em projetos viáveis que alavanquem os eixos estratégicos de ação, dando-lhes substância e valor. Segundo, a elaboração dos projetos necessita envolver um corpo mais denso de sujeitos protagonistas, desde a negociação de seus objetivos, métodos e resultados até sua implementação concreta, e, simultaneamente, precisa buscar estabelecer uma maior integração entre as políticas públicas, ampliando, assim, o leque de fontes de financiamento e instituições governamentais parceiras da construção social do território do Sudoeste. A

54 Ainda que algumas das ações realizadas pelos projetos possam produzir efeitos indiretos em termos de melhoria da qualidade de vida ou da preservação da biodiversidade, o foco central das ações está embasado numa matriz nitidamente econômica. 55 Cabe aqui uma observação importante: as instituições e organizações integrantes do território possuem uma variedade de fontes para financiar seus projetos específicos, desde ministérios, empresas estatais, secretarias de estado e emendas parlamentares. A respeito especificamente dos recursos advindos das emendas de deputados federais e estaduais eleitos pela região Sudoeste, observa-se o início de uma discussão no sentido de que esses investimentos sejam aplicados em ações estratégicas definidas no âmbito do território, de modo que se busque evitar os interesses clientelistas dos parlamentares junto à sua base eleitoral de sustentação.

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consolidação dos espaços e mecanismos de negociação dos projetos torna-se um elemento central para evitar o chamado “leilão de recursos”. De acordo com essa lógica, as entidades que possuem melhores condições de formular suas propostas, em função de suas capacidades técnicas e político-institucionais, têm mais força para aprovar seus projetos no seio do Grupo Gestor e pressionar pela sua aprovação junto ao Cedraf. Em terceiro lugar, o território do Sudoeste tem a sua dinâmica de funcionamento pautada, essencialmente, nos momentos de apresentação e discussão das propostas de projetos junto ao Cedraf. Nesses períodos, motivadas pela possibilidade de acesso aos recursos do Pronat, verifica-se uma intensificação da participação política das instituições e organizações sociais. Manter essa mobilização interna no decorrer das atividades programadas durante o ano constitui-se num outro desafio a ser enfrentado pelo conjunto das entidades integrantes do colegiado.

Por fim, deve-se ressaltar a importância das instituições governamentais e dos movimentos e organizações sociais internalizarem em seu planejamento e em suas ações concretas as estratégias de desenvolvimento definidas coletivamente no território. De acordo com um dos entrevistados, isso permitiria um avanço mais expressivo na direção da integração das ações realizadas pelas diversas entidades, da mesma forma que as iniciativas construídas no seio do arranjo territorial passam a ser significativas nos processos internos de decisão de cada uma instituições e organizações sociais.

3. A articulação dos atores sociais e o processo de gestão social

Esse desafio remete a discussão aos processos de articulação dos atores sociais e de gestão social que vêm sendo implementados para a construção e consolidação do território do Sudoeste do Paraná. Do ponto de vista da governança democrática, torna-se relevante e urgente transformar o Grupo Gestor num espaço de discussão, articulação, negociação e mobilização dos diferentes interesses ligados ao desenvolvimento territorial rural em torno de objetivos comuns e de longo prazo. Para tanto, é preciso abrir um debate interno sobre o tema da representação e da representatividade dos atores participantes desse arranjo institucional. Constituir-se numa instância paritária não assegura ao Grupo Gestor plenas condições para o exercício democrático da tomada de decisões.

Os questionamentos em relação ao grau de representatividade dos segmentos sociais articulados no território merecem ser aprofundados internamente e, se necessário, é preciso avaliar a possibilidade de se ampliar os espaços de participação para novos atores. Uma das sugestões é a entrada de representantes dos conselhos municipais de desenvolvimento rural, visando criar uma sinergia, uma complementaridade entre as iniciativas territoriais e municipais, bem como aumentar a representatividade e a capilaridade do colegiado gestor. Porém, essa ampliação dos espaços de discussão, formulação, negociação e deliberação precisa considerar o eventual risco de democratismo da representação política, tornando-a vazia e sujeita à manipulação pelos atores sociais que possuem maior poder de barganha nas negociações internas.

Para assegurar uma maior dinamização da gestão territorial, muitos dos atores entrevistados ressaltam que é fundamental às prefeituras municipais internalizarem e se apropriarem dessa perspectiva de desenvolvimento territorial, uma vez que os problemas municipais tendem a

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ser solucionados de forma mais eficiente se tratados numa escala regional e não a partir de ações isoladas e fragmentadas nos espaços locais, tal como tradicionalmente vêm sendo enfrentados pelo poder público municipal. Entretanto, além das prefeituras, outros órgãos governamentais poderiam contribuir de forma mais efetiva no fortalecimento do território, seja fornecendo análises e subsídios para orientar as decisões, seja criando oportunidades para facilitar a integração das políticas públicas.

Por outro lado, do ponto de vista das organizações da agricultura familiar, nota-se que a tendência de diversificação de seus interesses particulares, expressa na formação de novos sistemas e redes sociais, tem acentuado a dispersão política desse campo de forças específico. O processo de conflitos no interior desse campo é anterior à própria constituição do território e tem se agravado nesses últimos anos, independentemente da existência desse arranjo territorial. Para alguns dos entrevistados, a estratégia de reterritorialização do Sudoeste, ao ampliar a sua abrangência para 42 municípios, representou uma tentativa de distensionar as relações conflitivas entre as organizações sociais integrantes do Grupo Gestor, permitindo uma oxigenação política no seu interior.

Portanto, para se viabilizar uma estratégia de fortalecimento institucional e garantir a consolidação desses processos em uma base territorial mais abrangente e com uma base social mais ampliada, faz-se necessário desatar os nós que se formaram e reconstruir os laços de cooperação que envolvem as diferentes organizações sociais da agricultura familiar. Os nós sufocam e engessam qualquer tipo de parceria, criando profundos obstáculos políticos que impedem a possibilidade de uma articulação democrática e horizontalizada. Buscar a dissolução da neblina que obscurece a visualização concreta das enormes oportunidades abertas pela atual conjuntura política constitui-se num desafio permanente a ser enfrentado por grande parte das direções dessas organizações.

Para que cada entidade possa se sentir parceira, estando numa situação de igualdade de condições em relação a qualquer outra organização pertencente ao mesmo campo de forças do qual faz parte, é preciso que seja respeitada a sua identidade coletiva, a sua autonomia política, a sua marca característica e o seu papel específico. Cada forma organizativa concreta precisa ser vista como um elo fundamental de uma corrente ou como parte integrante de um sólido campo de forças sociais capaz de incidir diretamente sobre a definição e implementação de políticas públicas de desenvolvimento rural sustentável.

Além disso, os laços de cooperação política que se constituírem e se consolidarem nesse processo precisam apontar também para o envolvimento de novos segmentos sociais (rurais e urbanos) interessados na implementação de iniciativas inovadoras de desenvolvimento que possibilitem a melhoria das condições de vida, a dinamização dos arranjos produtivos e dos mercados locais, a qualificação das capacidades e habilidades sociais, o empoderamento político dos sujeitos históricos, bem como a valorização dos recursos ambientais e do patrimônio sócio-cultural. Caso se pretenda construir um espaço político voltado efetivamente para a implementação de uma estratégia sustentável de desenvolvimento territorial que não fique limitada às orientações de um programa governamental (Pronat), cabe aos atores sociais debater coletivamente a possibilidade de estabelecimento de novas alianças e parcerias políticas.

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O debate sobre o significado e os impactos negativos da estratégia hegemônica do agronegócio e sobre os efeitos do atual modelo de desenvolvimento para a segurança alimentar e nutricional e para a conservação da biodiversidade e dos recursos naturais não interessa apenas às populações rurais. A definição de um projeto de futuro para um território com as características do Sudoeste do Paraná precisa passar pelo enfrentamento a essas questões, que não dizem respeito exclusivamente à agricultura familiar, na medida em que envolve uma diversidade de interesses privados (dos consumidores urbanos, das empresas agroindustriais, do setor industrial e comercial, dentre outros segmentos).

Levar esse debate para o seio da sociedade e fazer a disputa de projetos em torno de questões específicas pode se configurar numa importante estratégia de ampliação de forças. Tome-se o exemplo do manejo dos recursos hídricos: qual o papel do empresariado ligado ao setor agroindustrial na construção de sua responsabilidade sócio-ambiental? Por que não é possível propor a essas empresas parcerias para um projeto de recuperação e preservação das águas? É possível criar um movimento social mais amplo que pressione esse setor a adotar medidas conservacionistas do interesse geral da população? Como caminhar na direção da aglutinação de novas forças sociais? Que ações concretas podem viabilizar a unidade política dos atores sociais? Como esse processo de ampliação das forças sociais pode contribuir para o fortalecimento de um espaço democrático e participativo de negociação de interesses nem sempre convergentes? Essas questões centrais precisam ser enfrentadas e respondidas pelos integrantes dessa nova institucionalidade territorial, de maneira que se defina uma perspectiva de construção estratégica para essa articulação política.

4. O processo de integração de políticas públicas

Para se viabilizar um processo contínuo de inclusão social e de desenvolvimento sustentável não basta apenas implementar políticas de incentivo à formação de novos arranjos econômico-produtivos locais. Porém, tendo em vista as atuais restrições na capacidade dos territórios, particularmente naqueles mais marginalizados, no sentido de disponibilizarem de meios e recursos próprios para impulsionar de forma autônoma e endógena esses processos, cabe ao Estado brasileiro assumir um papel estratégico na definição, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas, de caráter estruturantes, que sejam capazes de inscrever um novo projeto de futuro para o espaço rural nacional. Assim, diante dessa postura pró-ativa do Estado no planejamento global do desenvolvimento rural, torna-se necessário efetivamente buscar integrar as ações governamentais, envolvendo os diferentes setores e esferas do poder público, e garantindo ainda mecanismos eficientes e democráticos para o exercício de uma gestão social e participativa.

Uma medida preliminar de fundamental importância para o sucesso dessa integração das políticas públicas é a assimilação e incorporação da perspectiva territorial pelos diversos atores sociais integrantes desses espaços de concertação territorial. A superação da visão meramente setorial do rural (concebido exclusivamente sob o ponto de vista agrícola ou ainda econômico) constitui-se num passo decisivo para a afirmação dessa abordagem inovadora. No entanto, é preciso ressaltar a necessária complementaridade entre as políticas setoriais e as políticas territoriais, uma vez que não são excludentes. Ao contrário da fragmentação e da sobreposição das ações públicas de desenvolvimento, o enfoque territorial visa estabelecer

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interconexões entre políticas construídas de forma isolada, mas que precisam criar sinergias entre si.

Nesse sentido, torna-se fundamental que cada órgão governamental (ministério, secretaria de estado ou secretaria municipal) procure internamente integrar suas políticas. Portanto, no caso específico do MDA, as políticas de desenvolvimento territorial precisam estar articuladas às demais políticas agrícola e de ordenamento agrário, de modo que se possam amplificar os resultados esperados a partir dessas ações. Além disso, torna-se imprescindível construir elos de ligação com as políticas dos demais ministérios que têm se desafiado a incorporar a dimensão territorial no planejamento de suas iniciativas. Consolidar a articulação do MDA com o Ministério de Desenvolvimento Social56, o Ministério de Integração Nacional, o Ministério de Meio Ambiente, o Ministério de Trabalho e Emprego, o Ministério de Turismo e o Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão significa a oportunidade de trocar experiências e socializar aprendizados em torno da construção dessa abordagem territorial no planejamento e gestão das políticas públicas. Outro passo importante aponta na direção da integração das ações entre os diferentes níveis de governo, conectando União, Estado e Municípios.

Para efeitos do presente trabalho, cabe destacar aqui a interrelação entre a política de desenvolvimento territorial e as políticas de assessoria técnica à agricultura familiar e aos (re)assentamentos rurais (PNATER, da SAF e ATES, do Incra). Historicamente, esses serviços de assessoria têm sido um importante instrumento das políticas públicas destinadas à dinamização das áreas rurais, contribuindo decisivamente para a consolidação do modelo de desenvolvimento rural. Em 2004, face à desestruturação desse setor, o governo federal aprovou a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural que visa reconstruir as bases dessa política, a partir de novas premissas conceituais e metodológicas, valorizando-se os processos de diversificação das atividades econômicas, a combinação entre as alternativas agrícolas e as ocupações rurais não-agrícolas, a conversão das unidades familiares para sistemas agroecológicos, a conservação dos agroecossistemas, a gestão participativa dos projetos, a aproximação da ATER com a pesquisa agropecuária, dentre outros.

De um lado, é preciso reconhecer que esses serviços constituem-se em peças fundamentais para a implantação e viabilização de uma política voltada para o desenvolvimento territorial e, de outro, que os territórios configuram-se em “laboratórios” para a estruturação das redes de ATER/ATES, na medida em que permitem a convergência de ações num espaço comum. Nesse contexto, os agentes de ATER/ATES podem vir a cumprir um papel estratégico no processo de planejamento do futuro dos territórios. Para tanto, necessitam incorporar a perspectiva territorial, superando a visão dominante calcada no desenvolvimento setorial e agrícola. Contudo, isso implica numa mudança radical no método de trabalho dos atores sociais responsáveis pela execução dessas políticas de apoio ao desenvolvimento rural sustentável. A capacitação continuada desses agentes sociais representa uma forma de investimento na qualificação das condições de planejamento e intervenção coletiva nos espaços rurais, com base na ótica territorial.

56 O MDS tem incentivado a criação de Consórcios Intermunicipais de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local. Atualmente, existem 40 CONSADs em todo o país.

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Portanto, a elaboração e validação de uma metodologia de capacitação que contribua para os agentes de desenvolvimento incorporarem uma perspectiva territorial no planejamento de suas ações torna-se uma proposta de extrema relevância e atualidade para a qualificação e integração de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural sustentável.

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