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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Parecer nº 26/2018 – SFCONST/PGR Sistema Único n.º 26.646/2018 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 227/DF Arguente: Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços - CNS Arguido: Presidente do Tribunal Superior do Trabalho Relator: Ministra Rosa Weber Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber, Egrégio Plenário, CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRI- MENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ITEM II DA SÚMULA 60 DO TST. PRELIMINARES. NÃO CONHE- CIMENTO DA ARGUIÇÃO. SÚMULA NÃO VINCULAN- TE NÃO SE CARACTERIZA COMO ATO DO PODER PÚBLICO POTENCIALMENTE LESIVO A PRECEITO FUNDAMENTAL. OFENSA REFLEXA À CONSTITUI- ÇÃO. MÉRITO. SÚMULA QUE DECORRE DE INTER- PRETAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE ADEQUADA DO ARTIGO 73-§5º DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. 1. Preliminar. Súmula não vinculante não se caracteriza como ato lesivo do Poder Público para fins de questiona- mento em sede de ADPF. Ainda, previsão administrativa, em diploma regimental do TST, de procedimento específico para revisão e cancelamento de súmula, em conformidade com o princípio do autogoverno dos tribunais. Não cabi- mento da ADPF. Precedentes. 2. Preliminar. Inexistência de ofensa constitucional direta a justificar a dinâmica do controle abstrato de normas pe- rante o STF. Precedentes. 3. Mérito. A interpretação judicial assentada no item II da Súmula 60 do Tribunal Superior do Trabalho encontra-se em compatibilidade material com os preceitos fundamen- tais constitucionais e trabalhistas. - Parecer pelo não cabimento da ação. No mérito, pela im- procedência dos pedidos liminar e principal. Gabinete da Procuradora-Geral da República Brasília/DF Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE, em 27/02/2018 18:50. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 86543B36.59E418A7.1F33405C.D6A6D173

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Parecer nº 26/2018 – SFCONST/PGRSistema Único n.º 26.646/2018

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 227/DFArguente: Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e

Serviços - CNSArguido: Presidente do Tribunal Superior do TrabalhoRelator: Ministra Rosa Weber

Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber,

Egrégio Plenário,

CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRI-MENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ITEM II DASÚMULA 60 DO TST. PRELIMINARES. NÃO CONHE-CIMENTO DA ARGUIÇÃO. SÚMULA NÃO VINCULAN-TE NÃO SE CARACTERIZA COMO ATO DO PODERPÚBLICO POTENCIALMENTE LESIVO A PRECEITOFUNDAMENTAL. OFENSA REFLEXA À CONSTITUI-ÇÃO. MÉRITO. SÚMULA QUE DECORRE DE INTER-PRETAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE ADEQUADADO ARTIGO 73-§5º DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DOTRABALHO.

1. Preliminar. Súmula não vinculante não se caracterizacomo ato lesivo do Poder Público para fins de questiona-mento em sede de ADPF. Ainda, previsão administrativa,em diploma regimental do TST, de procedimento específicopara revisão e cancelamento de súmula, em conformidadecom o princípio do autogoverno dos tribunais. Não cabi-mento da ADPF. Precedentes.

2. Preliminar. Inexistência de ofensa constitucional direta ajustificar a dinâmica do controle abstrato de normas pe-rante o STF. Precedentes.

3. Mérito. A interpretação judicial assentada no item II daSúmula 60 do Tribunal Superior do Trabalho encontra-seem compatibilidade material com os preceitos fundamen-tais constitucionais e trabalhistas.

- Parecer pelo não cabimento da ação. No mérito, pela im-procedência dos pedidos liminar e principal.

Gabinete da Procuradora-Geral da RepúblicaBrasília/DF

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I

Trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)1

com o objetivo de questionar a compatibilidade constitucional do item II da Súmula 60 do

Tribunal Superior do Trabalho (TST), com a seguinte redação, verbis:

Súmula nº 60 do TSTADICIONAL NOTURNO. INTEGRAÇÃO NO SALÁRIO E PRORROGAÇÃOEM HORÁRIO DIURNO (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 6 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.I - [...]II - Cumprida integralmente a jornada no período noturno e prorrogada esta, devido étambém o adicional quanto às horas prorrogadas. Exegese do art. 73, § 5º, da CLT.(ex-OJ nº 6 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996).2

Em síntese, a requerente, depois de afirmar o cabimento do controle concen-

trado da constitucionalidade da mencionada súmula, assevera ter sido por esta ofendido os

seguintes preceitos fundamentais constitucionais: princípio da separação dos poderes

(CR/88, art. 2º); princípio da legalidade (CR/88, arts. 5º-II e 37); a norma que garante aos

trabalhadores o maior valor do trabalho noturno (CR/88; art. 7º-IX). Pleiteia a concessão

de liminar e, ao final, a procedência do pedido principal para que seja “excluída a Súmula

60, II, do TST”.3

No cerne, sustenta a exordial4 que o TST, ao editar o impugnado item II da Sú-

mula 60, teria atuado ilegitimamente como legislador positivo, ampliando a hipótese de in-

cidência do no art. 73-§2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT);5 o que, na ótica da

requerente, seria somente viável por lei em sentido formal.

1 Ajuizada em 30 mar. 2011. Certidão de fls. 55. 2 Redação Original dada pela Resolução Administrativa nº 129/2005 do TST, publicada no DJ em 20, 22 e

25 de abr. 2005. Acessível:http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_51_100.html#SUM-60, em 8fev. 2018.

3 Fls. 21-22. 4 Fls. 1-22. 5 Art. 73. Salvo nos casos de revezamento semanal ou quinzenal, o trabalho noturno terá remuneração su-

perior à do diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo de 20% (vinte por cento), pelomenos, sobre a hora diurna.[…]§2º Considera-se noturno, para os efeitos deste artigo, o trabalho executado entre as 22 horas de um dia eas 5 horas do dia seguinte.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 227/DF 2

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A Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores –

FENAVIST solicitou sua inclusão na qualidade de amicus curiae,6 corroborando os argu-

mentos da requerente.

Cumprido medida saneadora pela requerente, a Ministra Relatora exarou des-

pacho para o trâmite processual da ADPF.7

O TST prestou informações.8 Aduz ser incabível a ação para questionar súmula

sem efeito vinculante e editada ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973;

que não se apura o preenchimento do requisito legal da subsidiariedade aplicável à espécie

(art. 4º-§1º da Lei nº 9.882, de 3 de zembro de 1992) e que a controvérsia normativa susci-

tada seria apenas de ordem infraconstitucional. Afirma, finalmente, a correção jurídica do

dito item II da sua Súmula 60.

A Advocacia-Geral da União apresentou manifestação em desfavor do cabi-

mento da ADPF e da concessão da medida liminar. No mérito, salienta que a impugnada

súmula está em conformidade com a doutrina juslaboral.9

Vieram os autos à Procuradoria-Geral da República, para emissão de parecer.

É o relatório.

II

II.1. Preliminar. Não Cabimento da Arguição. Inexistência de Ato do Poder Pú-

blico em termos materiais. Ainda, existência de outro meio eficaz, regimental-

mente previsto, para sanar a lesividade.

Constituem pressupostos para o cabimento da ADPF (i) a existência de ato do

poder público que lese normas constitucionais essenciais e (ii) a ausência de “qualquer ou-

tro meio eficaz para sanar a lesividade”.10 In casu, não se afiguram presentes nenhum des-

ses requisitos.

6 Fls. 99-108. 7 Fls. 185-186, datado de 25 set. 2017. 8 Fls. 189-194.9 Fls. 196 e seg.10 Arts. 1º e 4º-§1º da Lei nº 9882/99.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 227/DF 3

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A petição inicial impugna o item II da Súmula 60 do TST.

Contudo, (i) tal súmula é desprovida de quaisquer efeitos vinculatórios, repre-

sentando apenas a consolidação da posição da jurisprudência do tribunal sobre a incidência

do adicional noturno em sobrejornadas diurnas sucessivas. Nessa medida, técnica e materi-

almente, sequer pode ser considerado um ato lesivo do Poder Público.11 Além disso, o ato

jurídico-público (aliás, de natureza administrativa e não jurisdicional) que consubstancia o

mencionado item II da Súmula 60 é a Resolução nº 129, de 5 de abril de 2005,12 cuja ori-

gem história remonta a julgado de 1985, da relatoria do então Ministro do TST Marco Au-

rélio Mendes Faria de Mello, há muito integrante deste Excelso Pretório.13

O Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº

594/DF, Relator Min. Carlos Velloso, já se manifestou acerca da uniformização da jurispru-

dência dos tribunais superiores no plano constitucional, especificamente para fins de re-

jeitá-la no âmbito controle concentrado de constitucionalidade, nos seguintes termos:

[…] A Súmula da Jurisprudência Predominante não tem as características de atonormativo. Ela simplesmente dá maior estabilidade à jurisprudência, conferindomaior segurança aos julgamentos, porque propicia decisões uniformes para casos se-melhantes, além de acelerar o andamento dos processos.

[…]

Esse sentido, quase-normativo, entretanto, não lhe empresta o caráter de ato nor-mativo sujeito à jurisdição constitucional concentrada. Esta, vale repetir, somentepode ter por objeto ato normativo puro, ato normativo com as características de lei emsentido material: abstração, generalidade, impessoalidade e obrigatoriedade.

[…] A Súmula, no seio do Tribunal, por força de norma regimental, não obriga,mas, simplesmente, predomina. Essa predominância, entretanto, é corolário do fato

11 “SÚMULA. Do latim summula (resumo, epítome breve), tem o sentido de sumário, ou de índice de algu-ma coisa. É que de nodo abreviadíssimo explica o toer, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Assim, asúmula de uma sentença, de um acórdão, é o resumo, ou a própria ementa da sentença ou do acórdão. Noâmbito da uniformização da jurisprudência, indica a condensação de série de acórdãos, do mesmo tribu-nal, que adotem idêntica interpretação de preceito jurídico em tese, sem caráter obrigatório, mas, persua-sivo, e que, devidamente numerados, se estampem em repertórios. In SILVA. De Plácido e; VocabulárioJurídico Conciso, 2ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 2010, p. 703. “SÚMULA. 1. Direito processual. a) Conjunto de teses jurídicas relevadoras da jurisprudência no tribu-nal, traduzida em formas de verbetes sintéticos numerados (Nelson Nery Jr.)”. In DINIZ, Maria Helena,Saraiva: São Paulo, 1998, p. 463.

12 DJ 20, 22 e 25 abr. 2005. In: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/3977/2005_res0129.pdf?sequence=1&isAllowed=y.

13 AGERR 4789/1984 , Ac. TP 2608/1985 - Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello - DJ 19.12.1985- Decisão unânime: Ementa: “ADICIONAL NOTURNO. PRORROGAÇÃO EM HORÁRIO DIURNO.É princípio básico que a hora suplementar deve ser paga em quantitativo superior ao da hora normal. Nes-te espírito, coloca-se o § 5º, do artigo 73 da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o qual as prorro-gações do trabalho noturno, ainda que se trate de horário misto, devem respeitar o disposto no Capítulo IIdo mesmo diploma normativo. Aplica-se o adicional noturno quer nos horários mistos, quer nas prorroga-ções.”

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 227/DF 4

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de que ela se assenta na jurisprudência iterativa, por isso predominante, o que não im-pede, todavia que qualquer dos Ministros proponha a revisão da Súmula, porque, con-forme bem registrou o Ministro Seabra Fagundes, no parecer mencionado, há, noregimento, ‘normas que permitem rever os critérios jurisprudenciais tidos porestáveis’, o que confere flexibilidade à Súmula, flexibilidade que ‘concilia as vanta-gens da estabilidade relativa da jurisprudência, com as sugestões do estado e dos fatossociais novos para sua revisão’.14

Assim, o STF tem afirmado descaber ADPF contra enunciado de súmula ou

orientação jurisprudencial, tanto por inaptidão desses preceitos para lesar normas constitu-

cionais fundamentais – por não serem dotados dos atributos da coercibilidade ou da norma-

tividade –, quanto por inadequação dessa ação constitucional para revisar entendimentos

jurisprudenciais reiterados de tribunais, como se vê, entre outros, do julgado na ADPF

80/DF de relatoria do Ministro Eros Grau:

AGRAVO REGIMENTAL NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRE-CEITO FUNDAMENTAL. ENUNCIADOS DE SÚMULA DO SUPREMO TRIBU-NAL FEDERAL. REVISÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA. NEGATIVA DESEGUIMENTO DA ARGUIÇÃO.

1. O enunciado da Súmula desta Corte, indicado como ato lesivo aos preceitosfundamentais, não consubstancia ato do Poder Público, porém tão somente a ex-pressão de entendimentos reiterados seus. À arguição foi negado seguimento.

2. Os enunciados são passíveis de revisão paulatina. A arguição de descumprimento depreceito fundamental não é adequada a essa finalidade.

3. Agravo regimental não provido.15 (destaques acrescidos).

Amparado-se nessa jurisprudência, singularmente, os Ministros desta Corte não

admitiram outras ADPF’s em desfavor de orientações jurisprudenciais (OJ’s) e súmulas do

TST. Assim, por exemplo, a decisão monocrática proferida pelo Ministro Ricardo Lewan-

dowski, na ADPF 229/DF, também proposta pela ora requerente:

Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de me-dida liminar, proposta pela Confederação Nacional de Saúde – Hospitais, Estabele-cimentos e Serviços – CNS, contra a Orientação Jurisprudencial 345 da SDI-I doTribunal Superior do Trabalho, assim redigida:

“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. RADIAÇÃO IONIZANTE OUSUBSTÂNCIA RADIOATIVA. DEVIDO (DJ 22.06.2005)

A exposição do empregado à radiação ionizante ou à substância radioativa en-seja a percepção do adicional de periculosidade, pois a regulamentação ministe-rial (Portarias do Ministério do Trabalho nºs 3.393, de 17.12.1987, e 518, de

14 Supremo Tribunal Federal. ADI 594/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Carlos Velloso. DJ 1740, 15 abr. 1994.15 Supremo Tribunal Federal. Plenário. Agravo regimental na arguição de descumprimento de preceito fun-

damental 80/DF. Min. Relator Eros Grau. 12/6/2006, unânime. DJe, 10 ago 2006.

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07.04.2003), ao reputar perigosa a atividade, reveste-se de plena eficácia, por-quanto expedida por força de delegação legislativa contida no art. 200, ‘caput’,e inciso VI, da CLT. No período de 12.12.2002 a 06.04.2003, enquanto vigeu aPortaria nº 496 do Ministério do Trabalho, o empregado faz jus ao adicional deinsalubridade”.

A arguente sustenta, inicialmente, o cabimento desta medida, sob o argumento de quese é possível manejá-la contra decisões judiciais isoladas, consequentemente tambémseria cabível contra orientações jurisprudenciais.

Indica como preceitos ofendidos os artigos 2º, 5º, II, 7º XXIII, 22, I, 37, 84 e 87, todosda Constituição Federal de 1988, em decorrência de interpretação jurisprudencial nãoconforme ao art. 193 da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Solicitei prévias informações, nos termos do art. 5º, §2º, da Lei 9.882/1999, que foramprestadas pelo TST.

Instadas, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República manifes-taram-se pelo não conhecimento da arguição, por entenderem não ser possível a utili-zação deste instrumento para atacar orientações jurisprudenciais.

É o relatório necessário.

Decido.

Bem examinados os autos, entendo incabível esta arguição.

Como pontuou a AGU:

“(…) sabe-se que as orientações jurisprudenciais estabelecidas pelo Tribu-nal Superior do Trabalho, assim como as súmulas editadas por essa Su-prema Corte, consistem na expressão de entendimentos reiterados dotribunal a respeito de um tema específico. Entretanto, como adverte SérgioPinto Martins, a jurisprudência no Direito do Trabalho ‘não se configuracomo norma obrigatória, mas apenas indicia o caminho predominante emque os tribunais entendem de aplicar a lei, suprindo, inclusive, eventuais la-cunas desta última’.

Dessa forma, os enunciados de orientações não podem ser concebidos como atodo Poder Público lesivo a preceito fundamental, de modo a justificar o cabi-mento da arguição, porque não solucionam, no caso concreto, conflitos de inte-resses. Em outras palavras, as decisões judiciais que levaram à formulação dasíntese jurisprudencial é que poderiam, em princípio, acarretar ofensa a preceitofundamental”.

Nessa mesma linha manifestou-se a PGR:

“As orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho, assimcomo os seus enunciados de súmula, não são atos do poder público potenci-almente lesivos a preceito fundamental, na medida em que se prestam, tãosomente, a veicular o entendimento consolidado em diversos julgados da-quela Corte.

(…)

No presente caso, a eventual lesão a preceitos fundamentais, caso de fato hou-vesse ocorrido, ter-se-ia originado da norma regulamentadora que conferiu oadicional de periculosidade aos trabalhadores expostos à radiação ionizante –Portaria 518/2003, do Ministério do Trabalho – a qual não foi impugnada pelaarguente em seu pedido.

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Portanto, obsta o conhecimento da arguição o fato de seu provimento não ter ap-tidão para afastar a alegada situação de lesividade. Com efeito, ainda que se sus-pendesse a eficácia da OJ 345-SDI-1, continuaria plenamente em vigor odispositivo que assegurou o direito ao adicional de periculosidade à categoriasupramencionada, o que denota a inutilidade do provimento do pleito”.

O acórdão foi assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DEPRECEITO FUNDAMENTAL. ENUNCIADOS DE SÚMULA DO SUPREMOTRIBUNAL FEDERAL. REVISÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA. NEGATIVADE SEGUIMENTO DA ARGUIÇÃO. 1. O enunciado da Súmula desta Corte,indicado como ato lesivo aos preceitos fundamentais, não consubstancia ato doPoder Público, porém tão somente a expressão de entendimentos reiteradosseus. À arguição foi negado seguimento. 2. Os enunciados são passíveis de revi-são paulatina. A arguição de descumprimento de preceito fundamental não éadequada a essa finalidade. 3. Agravo regimental não provido”.

Por essas razões, sendo manifestamente incabível o pedido, nego seguimento aesta arguição, nos termos do art. 21, §1º, do Regimento Interno do STF. (...)16

(destaques acrescidos).

Não fosse suficiente a ausência de cogência, imperatividade e lesividade da in-

terpretação judicial assentada no questionado item II da Súmula 60/TST, o próprio Regi-

mento Interno desse tribunal prevê procedimento interno e específico para a revisão

ou cancelamento de suas súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos,

dotando a requerente – confederação sindical de âmbito nacional - de legitimidade para

a respectiva proposta (RITST, art. 177, §1º).17

Nessa medida, especialmente para o pleno respeito ao princípio do autogo-

verno e da autonomia administrativa dos tribunais (CR/88, art. 96-I-a), resta hialino

que a requerente deveria ter-se utilizado do “meio”18 regimentalmente previsto para alcan-

çar o desiderato aqui almejado, que é o cancelamento do item II da Súmula 60/TST, possi-

bilitando a esse tribunal, interna corporis, rediscutir a interpretação firmada na sua

jurisprudência.

16 Supremo Tribunal Federal. ADPF 229/DF. Min. Relator Ricardo Lewandowski. DJe 057, 20 mar. 2012.17 Art. 177. O projeto de edição de súmula deverá atender ao disposto no art. 702, I, f, da CLT.

Parágrafo único: Na hipótese de matéria de relevante interesse público e já decidida por colegiado doTribunal, qualquer dos órgãos judicantes, a Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos, a Pro-curadoria-Geral do Trabalho, o Conselho Federal da ordem dos Advogados do Brasil ou confederaçãosindical de âmbito nacional, poderão suscitar ou requerer ao Presidente do Tribunal apreciação,pelo Tribunal Pleno, de proposta de edição, revisão ou cancelamento de súmula. (grifos acrescidos).In https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/116169/2017_ra1937_ri_tst_rep01.pdf?sequence=12&isAllowed=y, acesso 8 fev. 2018.

18 “Meio” é expressamente a palavra empregada no §1º do art. 4º da Lei 9.882/99, dada a amplitude do di-reito constitucional de petição e de ação.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 227/DF 7

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Na apreciação da ADPF 224 AgR/DF, Relator Alexandre de Moraes, o STF as-

sentou sua natureza excepcional dessa ação, que pressupõe o “esgotamento de todas as vias

possíveis para sanar a lesão” decorrente de ato do Poder Público, verbis:

Ementa: CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM ARGUIÇÃO DEDESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. DIREITO À PERCEP-ÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO FAZENDÁRIO (GDF) POR SER-VIDORES ESTADUAIS. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DE DECISÃOJUDICIAL PROFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. INOB-SERVÂNCIA DO REQUISITO DA SUBSIDIARIEDADE. PROCESSO DE NATU-REZA OBJETIVA. TUTELA DE SITUAÇÕES JURÍDICAS INDIVIDUAIS ECONCRETAS. DESCABIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. O cabimentoda Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental será viável desde que hajaa observância do princípio da subsidiariedade, que exige o esgotamento de todas asvias possíveis para sanar a lesão ou a ameaça de lesão a preceitos fundamentais,ou a verificação, ab initio, de sua inutilidade para a preservação do preceito. Prece-dentes desta CORTE. 2. Os processos objetivos do controle abstrato de constituciona-lidade, tal qual a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, nãoconstituem meio idôneo para tutelar situações jurídicas individuais e concretas. Prece-dentes desta CORTE. 3. Agravo Regimental a que se nega provimento.19 (destaquesacrescidos).

Dispondo a requerente de outra medida eficaz para solver a pretensa lesividade

do ato questionado, reitera-se ser incabível a presente ADPF. Assim, sugere-se o acolhi-

mento da preliminar, nos termos do 4º-§1º da Lei 9.882/99, c/c art. 485, VI, do CPC e art.

21-IX do RISTF.

Opina-se, pois, pela extinção do processo, sem resolução de mérito.

II.2. Preliminar. Ofensa reflexa à constituição. Controvérsia que não alcança ma-

téria de dignidade constitucional direta.

Lado outro, não se constata ofensa constitucional direta que justifique atuação

do STF em sede de controle abstrato de normas.

O preceito impugnado (o item II da Súmula 60/TST, frise-se) apenas assenta a

interpretação desse Tribunal Superior quanto à incidência do adicional noturno, previsto no

art. 73 da CLT, para o cálculo da remuneração de jornadas de trabalho diurnas

imediatamente sucessivas de jornadas noturnas. 19 Supremo Tribunal Federal. ADPF 224 AgR/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe nº

254, de 9 nov. 2017.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 227/DF 8

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Nesse sentido, controvérsia jurídica instaurada não apresenta dignidade

constitucional direta, porquanto, a análise da compatibilidade normativa daquela

interpretação judicial exige, necessariamente, a prévia compreensão do citado

dispositivo consolidado e infraconstitucional, paralelismo jurídico que se mostra

incabível no plano do controle abstrato de constitucionalidade. Exatamente sobre a

incidência do adicional noturno em jornada de trabalho diurna sucessiva, posicionou-se o

STF no sentido de que se poderia cogitar, apenas e eventualmente, de violação oblíqua à

Constituição, verbis:

DIREITO DO TRABALHO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃOCONFIGURADA. ADICIONAL NOTURNO. PRORROGAÇÃO DA JORNADA.DEBATE DE ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL. ALEGAÇÃO DE OFENSAAO ART. 5º, II, XXXIV, XXV E LV, DA LEI MAIOR. EVENTUAL VIOLAÇÃOREFLEXA NÃO VIABILIZA O MANEJO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO.ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 30.11.2012. Inexiste violação do artigo93, IX da Constituição Federal de 1988. Na compreensão desta Suprema Corte, o textoconstitucional exige que o órgão jurisdicional explicite as razões de seu convencimen-to, sem necessidade, contudo, do exame detalhado de cada argumento esgrimido pelaspartes. Divergir do entendimento do acórdão recorrido quanto ao direito ao recebi-mento do adicional noturno demandaria a análise da legislação infraconstitucio-nal aplicável (Consolidação das Leis do Trabalho e Súmula 60/TST) e da reelabo-ração da moldura fática delineada na origem, o que torna oblíqua e reflexa even-tual ofensa, insuscetível de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário.O exame da alegada ofensa ao art. 5º, II, XXXIV, XXXV e LIV, da Constituição Fede-ral dependeria do reexame da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, o querefoge à competência jurisdicional extraordinária, prevista no art. 102 da ConstituiçãoFederal. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os funda-mentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não provi-do. (destaques acrescidos).20

É farta a jurisprudência do STF afirmando a inadmissibilidade de ADPF para o

questionamento de ofensa reflexa à Constituição:

Ementa: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.DISPOSITIVOS DO DECRETO PRESIDENCIAL 6.620, DE 29 DE OUTUBRO DE2008, QUE REGULAMENTA A LEI DOS PORTOS (LEI 8.630/1993). OFENSAREFLEXA À CONSTITUIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I – Ajurisprudência desta Suprema Corte, não reconhece a possibilidade de controleconcentrado de atos que consubstanciam mera ofensa reflexa à Constituição, tais comoo ato regulamentar consubstanciado no decreto presidencial ora impugnado. II –Agravo regimental a que se nega provimento.21

20 Supremo Tribunal Federal. ARE 789 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 19/08/14.21 Supremo Tribunal Federal. ADPF 169 AgR/DF. Tribunal Pleno. Min. Relator Ricardo Lewandowski. DJe

203, 19 set. 2013.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 227/DF 9

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EMENTA Agravo regimental. Arguição de descumprimento de preceito fundamental.Suposta violação dos princípios constitucionais da razoável duração do processo e dainafastabilidade da jurisdição em virtude de adiamento no julgamento dos embargosde declaração opostos contra acórdão proferido na ADPF nº 153/DF, da Relatoria doMinistro Luiz Fux. Necessidade de prévia análise da legislação infraconstitucionalpara verificar as suscitadas ofensas à CF/88. Ofensa reflexa à Constituição Federal.Impossibilidade de discussão em sede de ADPF. Agravo regimental não provido. 1.A ofensa ao art. 5º, incisos XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal, casoconfigurada, seria meramente reflexa ou indireta, sendo incabível sua análise emsede de controle abstrato de constitucionalidade, conforme jurisprudênciapacificada do Supremo Tribunal Federal. Precedente: ADPF nº 192/RN-AgR,Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 17/9/15. 2. Pedido de adiamento do julgamentodos embargos de declaração na ADPF nº 153/DF feito pelo próprio autor da referidaarguição, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), estandoos aclaratórios ainda apresentados em mesa, aguardando, no momento, indicação denova data para julgamento pelo Plenário da Corte. 3. Agravo regimental não provido.(destaques acrescidos).22

Portanto, opina-se pelo não conhecimento da arguição.

Considerando a eventual superação das preliminares suscitadas, formular-se-á

apreciação meritória.

II.3. Mérito. Ausência de violação a preceito fundamental.

No mérito, na ótica do parquet, as alegações de violações constitucionais dedu-

zidas na presente ADPF não procedem.

A uma, porque não se apuram as ofensas aos dispositivos constitucionais apon-

tados pela requerente, sequer reflexamente. A edição de súmulas pelos Tribunais Superio-

res cumpre relvante função constitucional de interpretação e harmonização do Direito

Federal infraconstitucional (CR/88; art. 105-III-a; CLT; art. 869-a), mormente para fins de

admissibilidade de recursos de natureza extraordinária. Nesse aspecto, respeitam e reali-

zam concretamente o princípio da separação dos poderes, executando as competências ju-

diciais que lhe são confiadas (CR/88, arts. 2º e 92 e seguintes). Ainda, atentam para o

princípio da igualdade (do jurisdicionado) perante a lei e da segurança jurídica, solidifi-

cando e publicizando uma dada compreensão jurídica, inclusive para uma melhor realiza-

ção do Direito na sociedade. 22 Supremo Tribunal Federal. ADPF 350 AgR/DF. Tribunal Pleno. Min. Relator Dias Toffoli. DJe 257, 02

dez. 2016.

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A duas, porque não foram lesadas pelo preceito impugnado as garantias consti-

tucionais do trabalhador indicadas na exordial (CR/88, art. 7º-XIII; IX e XXVI; art. 8º-III).

Ao reverso, o item II da Súmula 60/TST sedimenta uma interpretação pro operario23 ou

favor laboratoris24 das regras estipuladas no art. 73 da CLT, em atenção ao princípio-mor e

fundante do Direito do Trabalho: o princípio da proteção do trabalhador (CR/88; art. 7º,

caput).25

A três, porque o citado art. 73 da CLT tem expresso dispositivo que arrima a in-

terpretação sumulada ora questionada, indicando estar o item II da Súmula 60/TST efetiva-

mente em conformidade com a mens legis. É a redação daquele dispositivo consolidado,

verbis:

Art. 73. Salvo nos casos de revezamento semanal ou quinzenal, o trabalho noturno teráremuneração superior a do diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acrés-cimo de 20 % (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna.

[…]

§ 2º Considera-se noturno, para os efeitos deste artigo, o trabalho executado entre as22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte.

[…]

§ 5º Às prorrogações do trabalho noturno aplica-se o disposto neste capítulo. (gri-fos acrescidos).

Nesse sentido, a determinação do mencionado § 5º do art. 73 da CLT, no sen-

tido de se aplicar às “prorrogações do trabalho noturno o disposto no correlativo capítulo”,

tanto pode ser inteligível para o cálculo das horas extraordinárias prestadas no curso ou su-

cessivas da jornada de trabalho noturna; quanto para as horas ordinárias de uma jornada

parcialmente noturna, porém em horário já considerado legalmente diurno.

Nos autos do processo nº TST-E-RR-113 733/94 8, há muito julgado, pode-se

extrair a exegese sobre a adequada aplicação daquele § 5º, a qual corrobora a conformidade

jurídica do precedente jurisprudencial questionado:

23 RODRIGUEZ. Américo Plá Rodriguez. Princípios do Direito do Trabalho, 3ª edição, Ltr:São Paulo,2003, p. 107: “A regra in dubio, pro operario. (…) Significado. Acabamos de definir essa regra, asseve-rando que é o critério segundo o qual, no caso de que uma norma seja suscetível de entender-se de váriosmodos, deve-se preferir a interpretação mais favorável ao trabalhador”.

24 “O favor laboratoris desempenha pois a função de um prius relativamente ao esforço interpretativo”,acórdão lusitano, STJ, de 20 nov. 2003 (acessohttp://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/daffb0dc7a660ccf80256e910034e99e?OpenDocument, em 9 fev. 2018).

25 DRAY. Guilherme Machado Dray, O Princípio da proteção do trabalhador, Ltr: São Paulo, 2015.

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[…]

A discussão dos presentes autos cinge-se a circunstância de que, tendo o trabalhador jácumprido toda a jornada em período noturno, e prolongado tal jornada para além dascinco horas da manhã, ser-lhe-á devido o adicional noturno relativamente a estas horasalém do marco de 05 horas.

Ora, o adicional noturno visa compensar o obreiro pelo sabido desgaste a que sesujeita quando labora em período noturno. Se assim é, com muito maior razão háde ser pago quando o laborista, já tendo cumprido toda uma jornada em períodonoturno, prorroga a prestação de serviços para além das cinco horas da manhã.Nesta hipótese, o desgaste do trabalhador é, sem dúvida, ainda maior.

Não é por outra razão que o art. 73, §5º, da CLT dispõe, verbis:

“Às prorrogações de trabalho noturno, se aplica o disposto neste capítulo”.

Entre as disposições contidas “neste capítulo” acha-se o adicional em tela (art. 73, ca-put)

E este, aliás, o entendimento prevalecente na jurisprudência do antigo Tribunal Pleno,como na desta Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho.

“ADICIONAL NOTURNO – PRORROGAÇÃO EM HORÁRIO DIURNO

É princípio básico que a hora suplementar deve ser paga em quantitativo supe-rior ao da hora normal. Neste espírito, coloca-se o §5º do art. 73 da Consolida-ção das Leis do Trabalho, segundo o qual as prorrogações do trabalho noturno,ainda que se trate de horário misto, devem respeitar o disposto no capítulo II domesmo diploma normativo. Aplica-se o adicional noturno quer nos horáriosmistos, quer nas prorrogações.”

(AG-E-RR 4 789/84, AC TP 2 608/85, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 19/12/85)

“HORAS TRABALHADAS ALÉM DAS CINCO DA MANHÃ – ADICIO-NAL NOTURNO. Se o trabalhador permanece em serviço, além das cinco ho-ras da manhã, há de se entender que houve prorrogação do trabalho noturno. Emconsequência, devido o adicional noturno, na forma do art. 73, §5º, da CLT”.

(E-RR-31 511/91, Ac SDI 301/94, Rel. Min. Armando de Brito, DJ 20/05/94)

Pelo exposto, mantenho a decisão recorrida e nego provimento ao recurso.

É o meu voto.26

Não suficiente, a interpretação sedimentada no item II impugnado também

atende ao princípio da valorização do trabalho humano (CR/88, art. 1º-IV; art. 170-caput) e

ao direito coletivo constante do art. 7º-XXII da Constituição, na medida em que a majora-

ção da remuneração do trabalho noturno funda-se em norma de saúde e segurança, relacio-

nada ao maior desgaste físico, mental e social do trabalhador em horários diversos do

relógio biológico.

26 Tribunal Superior do Trabalho. ERR-113 733/94 8. AC 2464/1996. Rel. Min. Vantuil Abdala. Decisãounânime. DJ 07 mar. 1997.

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Portanto, o item II da Súmula 60/TST assenta interpretação judicial prudente e

conforme os preceitos constitucionais e infraconstitucionais trabalhistas, não se aferindo da

controvérsia nenhuma mácula de constitucionalidade.

Opina-se, pois, pelo indeferimento dos pedidos liminar e principal formulados

na ADPF.

III

A Procuradora-Geral da República opina não cabimento da ação. Em termos

sucessivos, no mérito, opina pela improcedência dos pedidos liminar e principal formula-

dos na ADPF.

Brasília, 9 de fevereiro de 2018.

Raquel Elias Ferreira DodgeProcuradora-Geral da República

ACNG/IGNP

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