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Miolo Coleção PIBID volume 04 CS 6 - ccg.unicamp.br · na relação uni, multi e interdisciplinar, a concepção de ensinar e aprender, a organização escolar, a tarefa do professor

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CONSELHO EDITORIAL - EDIÇÕES LEITURA CRÍTICA

Ezequiel Theodoro da Silva (Coordenador), Universidade Estadual de Campinas. Carlos Humberto Alves Corrêa, Universidade Federal do Amazonas. Carolina Cuesta, Universidade Nacional de La Plata - Argentina. Juan Daniel Ramirez Garrido, Universidade Pablo de Olavide - Espanha. Regina Zilberman, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rodney Zorzo Eloy, Universidade Paulista. Rubens Queiroz de

Almeida, Centro de Computação da Unicamp.

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Eliana Ayoub Elaine Prodócimo

Guilherme do Val Toledo Prado(Organizadores)

Coleção: Formação Docente em Diálogo

Volume 4PIBID-UNICAMP

Experiências e reflexões sobre a formação docente

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Copyright © 2015

Elaboração da ficha catalográfica Editoração e acabamento Gildenir Carolino Santos (Bibliotecário)

Tiragem 200 exemplares

ColeçãoFormação docente em diálogo – v. 4

Edições Leitura Crítica Rua Carlos Guimarães, 150 - Cambuí 13024-200 Campinas – SP Email: [email protected]

Impresso no Brasil1ª edição - Julho - 2015

ISBN: 978-85-64440-26-5

Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n.º 1.825 de 20 de dezembro de 1907. Todos os direitos para a língua portuguesa reservados para o autor. Nenhuma parte da publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização por escrito do Autor. O código penal brasileiro determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propried intelectual: violação do direito autoral – art. 184; Violar direito autoral: pena – detenção de três meses a um ano, ou multa. 1º Se a violação consistir na reprodução por qualquer meio da obra intelectual, no todo ou em parte para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na reprodução de fonograma ou videograma, sem autorização do produtor ou de quem o represente: pena – reclusão de um a quatro anos e multa. Todos direitos reservados e protegidos por lei.

Proibida a reprodução total ou parcial da obra de acordo com a Lei 9.610/98.

DIREITOS RESERVADOS PARA LÍNGUA PORTUGUESA: Edições Leitura Crítica

www.lercritica.com Fone: (19) 98114-8940 - Campinas, SP - Brasil

Email: [email protected]

Catalogação na Publicação (CIP) elaborada por Gildenir Carolino Santos – CRB-8ª/5447

Ex71 Experiências e reflexões sobre a formação docente / Eliana Ayoub, Elaine Prodócimo, Guilherme do Val Toledo Prado (organizado- res). - Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2015. 112 p. (Coleção formação docente em diálogo; v. 4) PIBID-UNICAMP: Experiências e reflexões sobre a formação docente

ISBN: 978-85-64440-26-5 PIBID-UNICAMP

1. Formação de professores. 2. Docentes - Experiências. 3. PIBID. I. Ayoub, Eliana. II. Prodócimo, Elaine. III. Prado, Guilherme do Val Toledo. IV. Série.

15-004 20a CDD – 370.71

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Agradecimentos

Ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

À Reitoria da Unicamp e à Pró-Reitoria de Graduação (PRG), na pessoa do Prof. Dr. Luis Alberto Magna, Pró-Reitor de Graduação.

À Profa Dra Franciana Carneiro de Castro,  do Centro de Educação, Letras e Artes da Universidade Federal do Acre, que prontamente aceitou prefaciar este livro.

À equipe administrativo-acadêmica da Comissão Permanente de For-mação de Professores, representada por Marinez Bonillo e José Adailton de Oliveira, da Comissão Central Graduação da PRG e das unidades participantes do PIBID.

Aos coordenadores de área, supervisores e bolsistas de iniciação à do-cência do PIBID-Unicamp.

Às escolas participantes do PIBID-Unicamp, sua equipe de gestão, pro-fessores, estudantes e funcionários.

Aos docentes, coordenadores e diretores dos Cursos de Formação de Professores da Unicamp.

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Sumário

Prefácio ....................................................................................................................9Franciana Carneiro de Castro

Apresentação .........................................................................................................15Eliana Ayoub, Elaine Prodócimo e Guilherme do Val Toledo Prado

Capítulo 1 - PIBID e os novos modos de formar professores: uma leitura da experiência da UNICAMP .......................................................19

Alessandra Santos de Assis

Capítulo 2 - Aquém da literatura: o declínio da formação humanista e os estudantes de letras ...................................................................37

Marcos Lopes

Capítulo 3 - Algumas considerações sobre a difícil tarefa de se tornar um professor contador de histórias .......................................................47

Ana Archangelo e Aletéia Eleutério Alves Chevbotar

Capítulo 4 - O ensino de pré-história: interdisciplinaridade e conteúdos transversais aplicados ao sexto ano ................................................63

Néri de Barros Almeida

Capítulo 5 - PIBID-Geografia: práticas e reflexões sobre o processo de formação do professor pesquisador ...................................................................85

Anniele Sarah Ferreira de Freitas e Rafael Straforini

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Capítulo 6 - O valor da experiência - o PIBID na formação de uma professora .....................................................................................................97

Daniele Cristina Carqueijeiro de Medeiros

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Prefácio

(…) escrever é primeiro um impor silêncio: calar as palavras da comunicação mais banal, a que responde às necessidades da vida mais banais, para buscar, em uma solidão silenciosa, o que não pode dizer: “...mas isto que não se pode dizer, é o que se tem que escrever”. (ZAMBRANO apud LARROSA, 2004, p. 35)1

A organização deste livro é a continuidade da escrita de um projeto que vem se consolidando nas universidades brasileiras, particularmente nos cursos de formação de professores. O PIBID assume um lugar na formação profissio-nal como uma ferramenta importante de intervenção na qualidade das escolas de educação básica, bem como contribui para com o processo formativo dos licenciandos frente à complexidade da organização do trabalho docente.

O PIBID, ao assumir a formação de professores como questão nuclear, traduz o que Larrosa nos fala “sobre a sala de aula como um dos lugares da voz, como um dos lugares em que a palavra se diz viva voz, e se recebe de ou-vido, escutando atentamente” (2004, p.37). Nesses lugares ou, podemos dizer, nesse lugar onde professores e estudantes da universidade em parceria com professores e estudantes da escola vêm construindo um processo de escuta atenta, real e colaborativa, revestidos do intuito de compreender e trabalhar num processo pedagógico através do qual o binômio ensinar e aprender se faz por meio da escuta de muitas vozes.

Este livro apresenta a experiência de vários projetos que objetivam rela-tar, de forma particular, os encontros vivenciados – encontros que resultaram em um processo de estudo, investigação e intervenção. Tal processo procurou superar simplificações, reducionismos, automatismos e ausências de bases teórico-metodológicas, que são encontrados ao longo desse processo de escuta entre saberes e fazeres do ofício de professor durante o processo formativo.

1 LARROSA, Jorge. Linguagem e Educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

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Algumas palavras contribuíram para dar voz ao silêncio, tendo como ponto de partida a reflexão e análise sobre os conteúdos acadêmicos e escolares na relação uni, multi e interdisciplinar, a concepção de ensinar e aprender, a organização escolar, a tarefa do professor na sala de aula, bem como os novos desafios para formação de professores. Essas palavras determinaram a imbrica-ção entre teoria e prática no desenvolvimento das ações propostas por projeto, uma vez que a experiência traduz “o modo de viver próprio desse vivente que é o homem [e que] se dá na palavra e como palavra” (LARROSA, 2004, p. 152).

A experiência do PIBID, que se fez na escuta de si e do outro, revelada por meio de palavras que constituíram textos deste livro, transmutam significados num tempo e espaço de aprendizagens na relação entre o pensar, o sentir, o imaginar e o realizar em ações educativas de forma coletiva e interativa.

As primeiras palavras… da escuta...A primeira escuta permite um olhar da relação do passado presente que

constitui a leitura dos três primeiros volumes da coleção “Formação Docente em Diálogo”, produzida pelo PIBID-Unicamp. Nesse tempo do passado pre-sente, o PIBID é um programa marcado, no tempo de formação, como o tempo da novela, é um movimento que conduz à confluência de um ponto mágico (situado, assim, fora do tempo) de uma sucessão de círculos excêntricos. “[...] é o ponto magnético da confluência” (LARROSA, 1999, p.79)2, que reúne, nos momentos da formação, pessoas, histórias, lugares, saberes que marcam sig-nificados na ação que transforma e reconstrói espaços e tempos de formação.

O PIBID se nos apresenta como um programa que constrói e tenciona uma prática profissional que convive no processo de transformação, que vai constituindo uma ação pedagógica com base nos conhecimentos que compõem a formação profissional, por meio da reflexão sobre as políticas de formação de professores na busca da qualidade socialmente referenciada visando à for-mação plena do professor; a escola, como lócus de formação docente, expressa no compromisso da universidade com a escola, reconhece-se como espaço singular de aprendizagens, de produção de conhecimento, de vivência das relações sociais e, ao mesmo tempo, espaço de formação docente; e a iniciação à docência como a inserção do estudante de licenciatura em um conjunto de práticas próprias da profissão docente, realizadas dentro de um espaço concreto de ensino-aprendizagem. É importante destacar como o PIBID vem se configu-rando como espaço formativo por meio da valorização da formação docente.

2 LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. (2a ed.) Belo Hori-zonte: Autêntica, 1999.

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A segunda escuta ocorre a partir da reflexão sobre os modelos de docência que presidem o imaginário e a formação literária nos cursos de Licenciatura em Letras, frente aos novos desafios postos aos professores quanto ao traba-lho que realizam e à formação requerida por esse trabalho. Nesse processo, há uma busca incessante na produção do trabalho intelectual de ‘professores’ e ‘pesquisadores’, ou seja, na produção do intelectual do globetrotter e do promoter. O que esperar da formação literária do professor que trabalhará na escola? Que perspectiva de conhecimento literário, ou ainda, que repertório literário é desenvolvido na formação do professor de Letras? Qual o papel ético e humanizador da Literatura? São questões para análise que podem silenciar ou revelar o saber fazer pedagógico, marcado por uma linguagem própria na relação poética com o conhecimento, com o ensinar e aprender Literatura.

A terceira escuta nos convida a refletir sobre a importância do brincar e da narrativa para o desenvolvimento do humano. Assim, somos informados como foi desenvolvido o projeto “contação” em suas três etapas: a contação de história, a conversa após a história e a atividade escrita, envolvendo bolsistas do PIBID, professores e estudantes da escola. Esse texto nos apresenta uma escuta que traz a fantasia, a imaginação, o sentir, o ouvir e a emoção como aprendizagens importantes para a formação humana da criança. Além disso, a importância do papel do professor que é o contador e condutor no desenvolvimento da atividade e sua disponibilidade para acolher os interesses e as necessidades da criança, bem como resgatar o aprender por meio da história oral que, ao longo da história da humanidade, foi a marca da referência de geração após geração na construção de narrativas. Escutar a história na relação entre quem ensina e quem aprende, é também experienciar o brincar com as palavras.

A quarta escuta mostra como ocorre um processo reflexivo na interação entre escola-universidade, que se pautou por dois aspectos que estruturam a concepção de ensino: o alcance interdisciplinar do conhecimento e a comuni-cação transversais (ética, meio ambiente e diversidade cultural). Nessa reflexão, foram envolvidos os professores de História da escola e bolsistas do PIBID por meio de atividade de observação e intervenção na sala de aula do 6º ano do ensino fundamental II. Para tanto, o conteúdo de ensino abordado referiu-se à pré-história, enfatizando as teorias que tratam da evolução social e visando a que o ensinar e aprender ocorresse de forma interdisciplinar, ou seja, que na exposição dos conteúdos os estudantes pudessem aprofundar-se na experiência conjunta da dimensão biológica e histórica do homem. O conhecimento da pré-história nos reeduca a ver a unidade da qual viemos e com a qual nunca deixaremos de estar ligados. Pensar de forma crítica e interdisciplinar ainda é

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um desafio para todos, tanto no que refere à formação de professores, quanto no que se refere aos professores que estão na ativa na escola. Precisamos educar e reeducar a sensibilidade e a inteligência como uma forma de compreender a nossa trajetória biológica e histórica de destruição do meio ambiente e do outro.

A quinta escuta deste livro pauta-se pela reflexão sobre a relação dialó-gica entre os conhecimentos escolares e científicos que compõem o ofício de professor. Assim, os elementos balizadores dessa escuta foram as práticas e reflexões desenvolvidas no processo de formação do professor pesquisador por meio do PIBID-Geografia. Os autores refletiram sobre a formação inicial do professor, compreendendo-a como um processo complexo, longo e inconcluso. Ao longo dessa compreensão, o desafio foi a possibilidade de experienciar a práxis no cotidiano escolar por meio da observação e intervenção de práticas curriculares dos professores e bolsistas, ou seja, o cotidiano escolar como lugar central de estudo e investigação. Esse mergulho trouxe novos significados e interpretações sobre o trabalho do professor, que potencializaram a formação profissional dos bolsistas.

A sexta escuta é a marca da experiência: uma ex-bolsista do PIBID re-lata o seu ritual de passagem de estudante da licenciatura para professora de Educação Física. No primeiro momento, tece uma reflexão sobre o trabalho do estágio institucional e as ações desenvolvidas pelo PIBID na escola. No segundo momento, relata a experiência como bolsista na iniciação à docência. No ano de 2011, relata a participação em um projeto multidisciplinar com o objetivo de tematizar as relações humanas entre os diferentes sujeitos que compõem o cotidiano escolar, identificando problemas de violência, agressividade, bullying e outros preconceitos; e, no ano de 2012, relata a sua participação em um grupo constituído de alunos do curso de Educação Física e Dança, com uma abordagem voltada à construção de estratégias pedagógicas focando as relações de gênero dentro da escola, com ênfase nas aulas de Educação Física. O que resultou dessa experiência? A escuta da cultura dos jovens na escola para a melhoria do planejamento de ensino e a promoção de um ensino de Educa-ção Física mais inclusivo para as meninas, por ter vivenciado e relacionado as experiências de gênero no seu período de estudante. Essa escuta experienciada permitiu ressignificar a prática docente, oportunizando a formação de um(a) professor(a) consciente do seu fazer pedagógico.

Ao escrever, com minhas palavras, sobre os autores e todas as vozes que experienciaram o PIBID, dialogo com Larrosa, que argumenta que a ex-periência é o que nos acontece, é atenção, escuta, abertura, disponibilidade, sensibilidade, exposição. Foi nessa experiência de compartilhar palavras que

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os textos foram compostos por meio da escuta de um processo formativo que tem a ética, a estética, a fantasia, a criatividade, a poesia como balizadores da emancipação do humano na interconexão de várias vozes que nos deixam uma melodia a ser lida.

Continuando a escuta... boa leitura “e viagem em que ele [leitor] apren-derá sua própria leitura de si mesmo e do mundo, não é uma primeira viagem mas uma viagem que repete [renova] outras” (LARROSA, 1999, p.62). É nesse renovar-se que convido os leitores a experienciarem a leitura desses textos que foram construídos partilhando as palavras de muitas memórias que constituí-ram o PIBID.

Franciana Carneiro de CastroCentro de Educação, Letras e Artes

Universidade Federal do Acre

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Apresentação

É com grande satisfação que apresentamos o volume 4 da coleção “For-mação Docente em Diálogo”. A continuidade dessa coleção, que já inicia seu segundo ano, demonstra a potência do PIBID na produção de conhecimentos sobre a formação de professores.

As ações de iniciação à docência em circulação na Unicamp têm possi-bilitado ricas interlocuções, levando-nos a um adensamento das experiências e reflexões sobre a formação docente.

Neste livro, trazemos, sobretudo, as vozes dos coordenadores de área para a roda de conversa, sempre em diálogo com as múltiplas vozes que fazem parte da grande equipe do PIBID-Unicamp. Atualmente, temos um grupo composto por 244 bolsistas de iniciação à docência, 33 supervisores e 20 coordenadores de área, além dos colaboradores diretamente envolvidos com o Programa e outros profissionais da escola e da universidade que partilham com essa nossa equipe a busca por uma formação docente de qualidade.

Mas, afinal, o que é uma formação docente de qualidade? Essa indagação comporta inúmeras respostas e, certamente, não temos

a pretensão de respondê-la. Porém, ousaremos mencionar três aspectos que consideramos fundamentais: uma formação docente de qualidade precisa en-frentar a necessidade e a premência de se estabelecer uma intensa articulação entre teoria e prática; a necessidade e a premência de se instituir uma efetiva parceria entre a universidade e a escola pública; a necessidade e a premência de se constituir um fecundo diálogo colaborativo entre os sujeitos diretamente

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implicados na ação educativa (estudantes, professores e gestores das escolas; estudantes, professores e gestores da universidade).

Sem sombra de dúvidas, o PIBID vem atuando diretamente nesse sentido, o que podemos constatar não somente por meio do trabalho desenvolvido nos inúmeros projetos realizados Brasil afora (compartilhados em eventos, publi-cações, sites, blogs, redes sociais etc.), como também a partir de investigações que avaliam os impactos do PIBID na educação brasileira.

Bernardete Gatti et al (2014)1 desenvolveram uma ampla pesquisa sobre o PIBID, realizando uma análise qualitativa de questionários disponibilizados no sistema google-drive, os quais foram respondidos por mais de 20 mil partici-pantes dos diversos segmentos do Programa (bolsistas de iniciação à docência, supervisores e coordenadores). Com o objetivo de avaliar os significados do PIBID pela ótica de seus vários atores, os resultados da pesquisa apontaram tanto as conquistas já implementadas pelo PIBID, como sugestões e críticas voltadas, sobretudo, para o seu aperfeiçoamento.

Observou-se que as respostas foram majoritariamente muito positivas e que o PIBID é bastante reconhecido e valorizado em todos os níveis como uma iniciativa que colabora para uma formação docente de qualidade.

Dentre as inúmeras contribuições constatadas, no que se refere à relação entre as instituições de ensino superior e as escolas públicas, Gatti et al (2014, p.106) destacam que:

• FavoreceumdiálogomaisefetivoentreaIESeaescolaspúblicasdeeducaçãobásica, renovando práticas e reflexões teóricas.

• Propiciaavançodaspesquisasvoltadasaoensino.• CriaaçõescompartilhadasentreLicenciandosBolsistas,ProfessoresSuper-

visores e Coordenadores de Área com responsabilidades também compar-tilhadas.

• Estimulaefavoreceotrabalhocoletivoe/ouainterdisciplinaridade.• Mobilizaparaarealizaçãodefeiras,mostraseeventosculturaisemcopartici-

pação, dando visibilidade às realizações dos projetos e atraindo a participação dos alunos e licenciandos para as atividades propostas.

• Criaespaçodediscussãosobreaspráticasdocentesesobreaformaçãodedocentes entre a IES e as escolas.

1 GATTI, Bernardete A.; ANDRÉ, Marli E. D. A.; GIMENES, Nelson A. S.; FERRAGUT, Laurizete.Um estudo avaliativo do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid).SãoPaulo:FCC/SEP,2014.

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• Renovaamotivaçãodosprofessoresealunosdaeducaçãobásicacomapre-sençadosLicenciandosBolsistas.

• Fortaleceevalorizaomagistérioeotrabalhodoprofessornaescola.

Podemos observar, no cotidiano das ações de iniciação à docência que acompanhamos aqui na Unicamp, que, de fato, assim como concluíram os autores desta pesquisa, “[...] o Pibid vem criando condições para um processo de formação consequente para o desenvolvimento profissional dos docentes de modo que possam participar do processo de emancipação das pessoas, o qual não pode ocorrer sem a apropriação dos conhecimentos” (GATTI et al, 2014, p.107).

Nos capítulos que compõem esta obra, os leitores terão acesso a um conjunto de discussões que dão a ver a riqueza das propostas e conhecimentos desenvolvidos, como também os dilemas que os envolvem.

No primeiro capítulo, convidamos a professora Alessandra Assis, coorde-nadora institucional do PIBID da Universidade Federal da Bahia e presidente do Fórum Nacional dos Coordenadores Institucionais do PIBID (FORPIBID), para fazer uma análise do material produzido nos três primeiros volumes da coleção. Segundo a autora, os textos “[...] revelam a diversidade e a comple-xidade dos mecanismos criados pelo PIBID para atender o desafio de formar professores na contemporaneidade.” (p. 31) Afirma, igualmente, que se trata de uma obra que congrega visões “[...] dos diversos atores envolvidos com o Programa, criando condições para o diálogo entre o conhecimento produzido historicamente sobre a educação e os saberes que emergem de suas experiências em espaço-tempo concreto.” (p. 31)

Nos quatro capítulos subsequentes, os coordenadores de área e seus co-laboradores conduzem-nos a diferentes itinerários reflexivos, a partir de temas relacionados à literatura e à formação humanista dos estudantes de letras; à ousada tarefa de se tornar um professor contador de histórias; ao desafio do ensino de pré-história e suas possibilidades interdisciplinares num trabalho com conteúdos transversais; e às práticas e reflexões sobre o processo de formação do professor pesquisador no contexto do ensino de geografia.

Por fim, no último capítulo, é a vez de uma professora da rede pública de ensino, ex-bolsista de iniciação à docência, compartilhar o valor da experiência no PIBID para sua formação profissional.

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Venham conosco conhecer essas experiências e reflexões e, quem sabe, inspirar-se nessa escuta, como nos convidou a professora Franciana Castro que prefaciou este volume, cujos sentidos e significados não estão dados, mas aguar-dam para serem produzidos nesse encontro dialógico entre leitores e autores.

Boa leitura!

Eliana AyoubCoordenadora de Área de Gestão de Processos Educacionais

do PIBID-Unicamp

Elaine ProdócimoCoordenadora de Área de Gestão de Processos Educacionais

do PIBID-Unicamp

Guilherme do Val Toledo PradoCoordenador Institucional do PIBID-Unicamp

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PIBID e os novos modos de formar professores: uma leitura da experiência na Unicamp

Alessandra Santos de Assis1

Coordenadora Institucional do PIBID-UFBA

Introdução

Este texto traz reflexões elaboradas a partir do conteúdo da coleção “Formação Docente em Diálogo”. Foram analisados os três primeiros volumes dessa obra, produzidos pelo PIBID-Unicamp em 2014. O convite foi recebido como uma honra, embora tenha delimitado um tempo bastante curto para a entrega da versão final. O encurtamento do tempo parece uma condição da vida contemporânea, que impacta o mundo acadêmico. Nos acostumamos a ver museus de grandes novidades e nos damos conta de que o tempo não para, como dizia o poeta. Uma cultura marcada pela acelerada circulação e produção de informações e bens, por mudanças velozes de valores e costumes. Tudo aqui e agora, em uma imbricação complexa entre o local e o global.

Na contemporaneidade, aliar rigor científico às demandas por respostas rápidas requer novos aprendizados. Assim como os vírus que vêm ameaçando a vida no planeta, os problemas da educação rapidamente adquirem grandes proporções e complexidade. Em meio ao turbilhão de acontecimentos, segui-mos aprendendo a nos equilibrar sem deixar de tomar uma atitude, de correr riscos, de cometer erros. Agindo conscientemente, a compreensão sobre a realidade se aprofunda e, com isso, requalificamos a própria ação.

Uma demanda emergencial deu origem ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), criado em 2007 pelo Governo Federal e implementado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O Programa foi motivado pela escassez de professores da

1 Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia.

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educação básica formados em áreas de conhecimento específicas2. Por isso, voltou-se inicialmente para o apoio às áreas de Física, Química, Matemática e Biologia.

O Programa foi apresentado por meio de edital que convidava as Ins-tituições de Ensino Superior (IES) a participarem da empreitada. Entre os objetivos iniciais estavam: a preocupação em valorizar o magistério, com vistas a incentivar os estudantes que optam pela formação docente; promover a cooperação entre universidades e escolas como condição para a formação docente comprometida com a qualidade da educação básica, entre outros. Na prática, um projeto institucional elaborado na IES e aprovado na Capes passou a oferecer bolsas para licenciandos desenvolverem atividades formativas nas escolas públicas, sob a coordenação de um professor da licenciatura e supervisão de um professor da educação básica3.

Condicionado ou não pela oferta de bolsas, é fato que o Programa vem ganhando destaque. O crescimento do número de bolsas tem sido exponencial. Além disso, o Programa foi incorporado ao texto da Lei 9.396/96 - Lei de Dire-trizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Também foi incluído no Decreto 6.755/09, que dispõe sobre Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, e citado na Lei 13.005/14, que aprova o Plano Nacional de Educação 2014-2024. Por outra via, é notória a presença do PIBID nos espaços tradicionais de socialização de conhecimento sobre a educação, bem como a presença de seus representantes em diversos fóruns, contribuindo com as discussões sobre a formação docente.

Um aspecto predominante no PIBID é a centralidade da escola pública como lócus de construção de conhecimento e de formação crítica, uma vez que importa formar professores conscientes das contradições que marcam o seu campo de atuação. Nesse espaço de aprendizagem, ao mesmo tempo em que se revelam o descaso com as camadas mais populares e seu direito à educação, configura-se a postura de resistência e propositividade, fazendo desse espaço um lugar de potencialidades latentes, uma escola viva.

Com o PIBID na escola, novos modos de aprender, ensinar, pensar, trabalhar e conviver passaram a fazer parte da profissionalização do professor.

2 O Censo Escolar de 2013 mostra que chega a 67,2% o percentual de professores dos anos finais do Ensino Fundamental no Brasil que não têm licenciatura na disciplina que ensinam. No Ensino Médio, a parcela de docentes sem a formação adequada é de 51,7%.

3 Constam na Portaria CAPES 096/2013 mais informações sobre o Programa; seus objetivos; características dos projetos institucionais; atribuições das instituições envolvidas; moda-lidades e quantitativos de bolsas; requisitos e deveres dos bolsistas, entre outros assuntos.

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Trata-se de uma nova cultura de formação, produzida coletivamente e vivida com intensidade. As reflexões sobre a experiência sistematizadas na coleção “Formação Docente em Diálogo” são, portanto, uma fonte importante para compreender e se posicionar diante dessa nova realidade.

O ato de interpretar e de expressar uma leitura particular da coleção parte de três considerações hermenêuticas fundamentais. A obra foi tomada como um evento em si, produto e processo histórico, plena de valores, im-bricada com um novo modo de agir e pensar no campo da formação de pro-fessores. A obra foi compreendida como um canal polifônico que mobilizou, reuniu, harmonizou e veiculou as diferentes vozes dos diversos atores que dão sentido à experiência construída no PIBID-Unicamp. Os textos foram lidos em um movimento de ir e vir, em um estado de interlocução perma-nente, que desafiava qualquer pressuposto inicial, suscitando identificações e estranhamentos.

Assim, nesse diálogo com os autores da coleção, propomos uma reflexão em três movimentos: análise do contexto das políticas de formação de profes-sores; exame da escola (e sua centralidade) como lócus de formação docente; por fim, um diálogo com as ações e concepção de iniciação à docência.

A formação de professores enquanto política para a melhoria da qualidade da Educação

A formação docente para a educação básica é objeto de debates, um território de disputas que requer atenção e prudência, visto que estão em jogo concepções de sujeito, de conhecimento, de educação e de sociedade. Por um lado, vozes se levantam em defesa da educação como um direito do cidadão, certas de que conhecer significa poder, pois instrumentaliza o sujeito a agir com discernimento e a participar ativamente da vida em sociedade. Por outro lado, prevalece a tendência de manutenção de uma sociedade hierarquizada e marcada pelas desigualdades, cujas relações são reproduzidas na escola.

Discursos dos diversos setores sociais atribuem incontestável valor à edu-cação, mas no cotidiano das escolas predomina a precariedade e indiferença. O trabalho docente é considerado indispensável para qualidade do ensino, mas, de modo ambíguo, os professores são submetidos a condições desumanas de trabalho. A sua formação também é objeto de controvertidas soluções, ações emergenciais, pontuais, desarticuladas, descontínuas. São contradições a serem problematizadas, especialmente quando falamos da formação de professores da escola pública, lugar para onde converge a maior parcela da população.

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Para pensar sobre o quanto estamos avançando e em que direção, é essencial dialogar com o ponto de vista apresentado por Helena Freitas (Vol.2)4. Certamente, o processo histórico no qual estamos inseridos aponta como inadiável a formulação de uma política nacional de formação, profissio-nalização e valorização dos educadores. Nessa perspectiva, o enfrentamento dos desafios estruturais da educação, vinculados ao modo como formamos os professores, requer, de fato, uma ação sistêmica, metódica, planejada, contínua, regular.

Vale retomar brevemente os quatro princípios centrais anunciados pela referida autora para a construção de tal política. É fundamental que haja a expansão da formação de professores nas universidades, invertendo os números de oferta de vagas em instituições não universitárias e privadas, não necessariamente interessadas em compor um sistema de educação. O desafio não é só quantitativo, mas precisamos formar mais e melhor, o que implica busca da qualidade socialmente referenciada visando à formação plena do professor. Para a melhoria das condições de trabalho/estudo, uma educação de qualidade requer investimento público destinado ao sistema público de ensino. Orquestrar o sistema pensado desse modo requer ampliar a participação dos diversos atores envolvidos, para que tomem parte no processo decisório e atuem na gestão democrática das ações de formação de professores.

Assim, para além de medidas burocráticas, o compromisso social da uni-versidade com a escola pública inclui: a ampliação e diversificação da oferta de cursos de licenciatura com base nas demandas sociais; a necessidade de apoio para a permanência de estudantes nesses cursos; o estímulo ao ingresso dos jovens no ensino médio; a reforma dos currículos; o acolhimento das demandas por universalização da educação infantil e ensino médio, bem como educação em tempo integral; o fortalecimento das Faculdades de Educação como ele-mento articulador dos demais Institutos das áreas específicas, corresponsável pela integração da pesquisa à formação; a abertura à participação dos sujeitos em formação na gestão do currículo, em prol da formação crítica que estimule

4 Aqui e ao longo do texto, autorizamo-nos a mencionar os nomes dos autores que contribuí-ram para a coleção “Formação Docente em Diálogo”, bem como indicamos entre parênteses o volume da obra em que o seu texto está publicado. Tal “desobediência” aos cânones da citação bibliográfica nos pareceu a forma mais adequada de apresentar reflexões em diálogo, ao estilo das rodas de conversa de Freinet, em uma abstração que representa o desejo de sentarmos juntos e em círculo, contarmos novidades, ouvirmos opiniões, avaliarmos o que foi feito, planejarmos juntos as próximas ações, participarmos efetivamente do processo de construção do conhecimento sobre o PIBID. Em todo caso, as informações sobre cada texto consultado estão descritas nas referências bibliográficas.

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o olhar investigativo e ajude na construção da autonomia do professor; amplia-ção de oportunidades de socialização das experiências, entre outros aspectos.

Quando analisa o PIBID, considerando o contexto das políticas de formação de professores, Helena Freitas (Vol.2) levanta aspectos relevantes a serem considerados, como: expansão equitativa do PIBID, dando oportunidade de acesso a todos que escolhem o curso de licenciatura; maior envolvimento dos professores de tais cursos, responsabilizando todo o corpo docente com o processo formativo dos licenciandos, bem como definindo claramente o papel específico dos coordenadores de área; reconhecimento da função de co--formador exercida pelos professores da educação básica como parte de sua carreira docente; articulação do PIBID a outras iniciativas e fomento e apoio à formação, promovendo o enraizamento do Programa na política de formação de professores na universidade; gestão participativa que favoreça a dimensão política da formação do professor, a ser vivenciada desde a universidade.

Educar com dignidade as crianças, jovens e adultos das camadas popu-lares é uma ação atrelada ao modo como formamos e apoiamos os atores do trabalho docente. É possível reunirmos esforços por uma formação docente universitária realizada com a devida prudência diante das pressões e embates que não deixarão de existir. Se surgiu como uma ação pontual, com o tempo o PIBID parece criar condições que extrapolam as intenções originais, pro-blematizando a fragilidade das soluções anteriores, analisando criticamente os seus pressupostos, compreendendo o modo como foram produzidas e atuando no sentido de sua superação.

Um aspecto importante nessa discussão é a articulação entre o PIBID e o currículo das licenciaturas. Edson Pfutzenreuter, Milena Quarttrer e Giova-na Delegracia (Vol.3) fazem referência à contribuição dos estudos feitos nas disciplinas do currículo para a atuação dos bolsistas de iniciação à docência na escola. Entretanto, a disciplina estágio é recorrente alvo de comparações que apontam, na verdade, dificuldades oriundas da falta de institucionalização e apoio para a sua realização, sem que a relação de complementaridade com o PIBID seja evidenciada. A formação plena e de qualidade precisa ser defendida como um direito dos licenciandos e compromisso da universidade, concreti-zada em projeto político pedagógico para as licenciaturas, no qual a prática de iniciação à docência é parte integrante do currículo.

A formação docente pode ser reinventada na medida em que envolve ações articuladas e comprometidas com mudanças estruturantes na educação. Isso não significa deixar de cuidar das questões emergenciais, o que agravaria os problemas hoje vivenciados. O desafio consiste em formar-se sem deixar de

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comprometer-se com o momento histórico, sem deixar de mirar o horizonte de transformações estruturais, a ser construído coletivamente, pedra sobre pedra, com vistas a uma sociedade efetivamente democrática. Parafraseando Santos (2006), acreditamos que uma formação prudente tem relação direta com uma educação decente.

A escola como lócus de formação docente

Hélder Eterno da Silveira (Vol.1) argumenta que o nome do Programa não reflete a sua dimensão e amplitude. Mais que dar apoio com o pagamento de bolsas, os agenciamentos produzidos pelo PIBID, por meio do trabalho de diversos atores reunidos em torno do projeto institucional, alteram o cenário da formação de professores no ensino superior, envolvendo a escola pública e os professores da educação básica, articulando cursos de licenciatura no interior da universidade, dando condições para a materialização de ações pedagógicas concebidas coletivamente.

Na mesma linha, Guilherme Prado e Eliana Ayoub apontam o sentido de inovação do Programa dado pela “acurada articulação criativa entre escola básica e a universidade” (Vol.1, p.27). De fato, a centralidade da escola públi-ca como lócus da formação docente é uma condição significativa no bojo do trabalho realizado no PIBID. É nessa dimensão que se expressa o compro-misso da universidade com a escola, reconhecendo-a como espaço singular de aprendizagens, de produção de conhecimento, de vivência das relações sociais e, ao mesmo tempo, espaço de formação docente. Nesse lugar, a ação docente ganha sentido, criando condições para a efetiva reflexão, pesquisa, crítica e inovação e os saberes docentes, de caráter plural, são continuamente mobilizados, atualizados e reconstruídos.

Valorizar a escola pública é o mesmo que defender o direito à educação plena, umas das questões centrais no pensamento de Anísio Teixeira. Sua visão de mundo e de educação se traduziu em ideias e ações que marcaram a história, rompendo com a ideia de que educação é um privilégio, provando que outra escola é possível, diferente daquela que prevalecia no Brasil à sua época. Defendia que na escola pública as camadas populares teriam acesso ao ensino de qualidade, que se faz pelo trabalho e não pela exposição oral e reprodução verbal, pois a formação na escola deveria servir para desenvolver o hábito de pensar, fazer, trabalhar, conviver e de participar de uma sociedade democrática. Teixeira (1994) preconizava uma escola pública de tempo integral, proposta materializada com a construção da Escola Parque. Voltada para a formação

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plena e integrada a um conjunto de escolas “classe” direcionadas para ensino do currículo tradicional, tal escola foi pensada como um espaço concreto de estudo, trabalho, recreação e arte, uma escola enraizada no meio local, dirigida e servida por professores da região, identificada com seus costumes.

Remonta ao pensamento desse autor, ainda, a importância de um siste-ma de educação. Na sua visão, um sistema centralizado que prestaria serviço à escola, dando apoio a suas realizações, orientadas pelo projeto pedagógico elaborado pela escola, ainda que de acordo com diretrizes gerais. Alinhando-se a essa perspectiva, implementar o PIBID exigiu uma relação mais horizontal com o poder central que definiu diretrizes e destinou recursos, cabendo às instituições de ensino superior elaborar um projeto próprio, identificado com demandas locais. O diálogo e a divisão de responsabilidades diferenciam o PIBID de outras propostas de formação de professores baseadas em decisões centralizadas, padronizadas e universalizantes.

Entretanto, apesar dos avanços, sabemos que mudanças não são simples, com destaque para as escolhas sobre o que ensinar. A crise na educação é es-trutural, resultado do processo histórico de embates entre diferentes visões de mundo. Movida por contradições, a organização da escola revela a prevalência das forças mais conservadoras. É forte a sensação de que estamos aprisionados na escola, sem livre acesso à vida. Os conteúdos, métodos, recursos e processos vividos na escola são insuficientes para formar pessoas aptas a enfrentar os desafios do nosso tempo. Nesse lugar, o conhecimento é tratado como mer-cadoria e a experiência formativa é fragmentada.

Contudo, ampliar a interação entre universidade e escola para formar professores altera estruturas e transforma as relações entre sujeitos na escola. Experiências realizadas no PIBID revelam alterações na visão de mundo dos licenciandos, que passam a ter uma percepção ampliada e sensível aos modos de vida dos atores sociais presentes na escola e aos modos de organização da instituição escolar. Sobre isso, o bolsista de Física, citado por Maria Inês Petrucci Rosa, assim se expressa: “aprendi a observar os alunos [...] e assim entendê-los melhor [...] aprendi que há muito mais em um ambiente escolar do que eu imaginava...” (Vol.1, p.47).

Parte do aprendizado a ser construído diz respeito a perceber a hetero-geneidade como marca de uma realidade educacional complexa. Para além de uma experiência formativa concentrada em uma escola idealizada como modelo, os contrastes evidenciados por meio do PIBID nos autorizam a falar em escolas, no plural. Lidamos com escolas de localidades variadas, com dis-tintos perfis socioeconômicos, interesses, finalidades, condições de trabalho,

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relações entre sujeitos. Ao mesmo tempo, como dizem Vicente Alves e Vanessa Diniz (Vol.1), as escolas inseridas numa totalidade social, situadas numa dada cidade, no país e no planeta, conectando a sala de aula como parte do espaço geográfico local e global e apontando para necessária ruptura com a rigidez e os reducionismos ainda preservados pelos professores. Mais que definir um referencial teórico em relação ao qual classificamos cada escola como mais ou menos adequada, para refletir sobre fracassos e contrastes, os estudos já sis-tematizados nos ajudam a formular perguntas. Dessa forma, empreendemos esforços para compreender melhor cada realidade específica, o modo como é produzida nas ações cotidianas de sujeitos históricos. Esse é um dos caminhos para pensar em possibilidades de superação no sentido de formar, nas escolas, sujeitos que contribuam para uma sociedade mais justa.

Santos (2005) alerta que o princípio a ser afirmado é o compromisso da universidade com a escola pública. A partir daí, trata-se de estabelecer mecanismos institucionais de colaboração através dos quais seja construída uma integração efetiva entre formação profissional e prática de ensino. Essa não é uma tarefa simples, pois não são raros os conflitos entre a universidade e a escola. Mas a integração tem início desde quando nos perguntarmos sobre que professores queremos formar para atuar em que escola, criando condições para a construção coletiva de um projeto de formação de professores articulado e comprometido com o desenvolvimento de um projeto político-pedagógico da escola.

O PIBID desestabiliza estruturas cristalizadas, mobilizando saberes dos licenciandos e professores formadores, afetando a experiência formativa de ambos. Para a sua operacionalização é mister que tanto a escola quanto a uni-versidade sejam compreendidas em suas limitações, mas instigadas em suas potencialidades. A superação dos problemas que comprometem a qualidade do ensino e da formação de professores pode ser construída conjuntamente, dando sentido ao trabalho docente enquanto ação de sujeitos históricos que defendem um projeto de educação e de sociedade, bem como formam e transformam-se.

Afinal, o que é iniciação à docência?

Após caracterizar o PIBID-Unicamp, Guilherme Prado e Eliana Ayoub apresentam ideias-chave para compreender a prática de iniciação à docência. Tomam como pressupostos a importância de pensar nas pessoas, nas relações humanas como parte do processo de construção de conhecimento, no encontro entre visões de mundo como parte da formação. Assim, apontam a conexão

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entre iniciação à docência e o compromisso com uma nova cultura formativa no processo de profissionalização docente, “assentada no diálogo entre os sujeitos da escola e de outros espaços educativos e os sujeitos da universidade, todos com seus saberes e conhecimentos, múltiplos, diversos, plurais”. (Vol.1, p.19)

Essa perspectiva nos aproxima da proposta de Freire (1967) de pensar a educação como prática de liberdade. O diálogo e a interação ativa entre seres humanos eram para ele a condição essencial para a conscientização acerca do mundo e seus problemas, bem como para o desenvolvimento da criticidade, objetivos da prática educativa. O processo dialógico, voltado para a respon-sabilidade social e política da educação, ao estimular formas de vida interro-gadoras, inquietas e dialogais, em oposição a formas de vida “mudas”, liberta o sujeito, contribui com a construção da autonomia, destinando-o à própria humanização.

Tal experiência formativa, vivenciada no bojo de uma nova cultura anunciada pelo PIBID, revela novos modos de aprender a ser professor. Na experiência relatada por Dolores Assaritti, Flávia Ferreira e Rebeca Miguel (Vol.1), o ato de “estar na escola”, de modo pleno, apoiado por um projeto de formação no qual o bolsista é o próprio autor, desperta inquietações. O contato possibilita estranhar o ritmo caótico, interagir com a comunidade escolar, reconhecer os alunos, contribuir para a reorganização do espaço físico e dinamização do ensino, a ponto de sentir-se em casa. Os diferentes modos de interação vivenciados no espaço-tempo escolar dinamizam o processo de identificação do futuro professor com a sua profissão, fazendo-o dialogar com costumes, práticas, saberes, normas, implicando-o em seu contexto específico e dando início a um processo de comprometimento por meio do qual ele torna--se um autêntico professor.

Nesse conjunto de práticas, condições especiais e diversificadas são cria-das para o empoderamento do licenciando como sujeito da própria formação. Rogério Adolfo Moura (Vol.1) faz referência ao desempenho de funções de ges-tão entre bolsistas, indicando o caráter formativo da prática de auto-organização no processo de iniciação à docência. Na narrativa de Dolores Assaritti, Flávia Ferreira e Rebeca Miguel (Vol.1) aparece uma segunda condição essencial: o trabalho colaborativo no Programa cria uma rede de apoio mútuo, amparando o licenciando nas suas primeiras descobertas, surpresas, choques em relação à complexa tarefa de educar no mundo contemporâneo. Elaine Prodócimo e Eliana Ayoub (Vol.2) evidenciam a observação como ponto de partida para compreender, acolher, humanizar, instaurar nova ética das relações na escola, bem como destacam a afetividade como ingrediente da formação e prática do-

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cente. Adriana Mendes e Patrícia Cesar (Vol.3) falam das trocas que precisam fazer para ouvir as preferências musicais dos alunos e propor novas referên-cias para os mesmos. Assim, de modo contínuo, o licenciando é instigado a desenvolver o hábito de “reparar”, pensar, compartilhar, conviver, negociar, arriscar, experimentar, refletir e agir, cada vez mais, de modo consciente, crítico, propositivo e – porque não? – apaixonado.

Provocando a pensar no papel das teorias, em especial da Sociologia, nas práticas de iniciação à docência, Andreia Galvão (Vol.1) ressalta a importância de aprender até mesmo com o que não dá certo. Se nem sempre as atividades propostas pelos bolsistas alcançam os resultados esperados, a situação viven-ciada precisa ser mais bem compreendida, o que exige e aciona o instrumental teórico, bem como a escuta sensível e a atitude ética, buscando agir e pensar com discernimento. Os “fracassos” mostram que somos seres humanos, portanto inacabados. Também evidenciam que o processo histórico não está sob controle unicamente das boas ou más intenções individuais e nem é, simplesmente, determinado por forças maiores que estão fora da escola. Essa compreensão coloca os problemas como objetos de reflexão coletiva, implicando atores co--responsáveis pela sua produção, significação e superação.

Aprender com a docência é ter consciência e assumir uma postura inves-tigativa própria do ser professor. As reflexões de Bruno Hayashi, Cinthia Santos e Paulo Lisboa (Vol.2) mostram que uma iniciação à docência marcada por errâncias e inquietações é também oportunidade de aprimorar o olhar crítico e de compreender e lidar com o que está instituído na escola, tornando-se ele próprio um sujeito instituinte, capaz de forjar novas práticas, até mesmo após o período de formação inicial, quando assume o papel de professor iniciante na carreira. A curiosidade, a indagação, a busca e a pesquisa fazem parte da natureza da docência, sugerindo que na sua formação permanente o profes-sor “se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador”, conforme anuncia Freire (1996, p.32). Ou seja, não há dicotomia, não se trata de uma qualidade ou uma característica que se encaixa no ser professor, pois é ele próprio um pesquisador.

Tal perspectiva nos ajuda a pensar na experiência relatada por Ana Ar-changelo e Tagiane Luz (Vol.2), que tem como pano de fundo a tendência de articulação entre universo da pesquisa acadêmica e das práticas investigativas na escola. Aqui, vale a ressalva de que a escola não é um laboratório, os alunos não são objetos de pesquisa, nem supervisor e bolsistas são meros assistentes. A aproximação entre pesquisadores universitários e professores das escolas pode implicar empoderamento para que ambos possam observar, intervir e

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contribuir com o avanço da produção e difusão do conhecimento, como relata Néri Almeida (Vol.3) sobre os colóquios entre historiadores, autores de livros didáticos e bolsistas. Nessa articulação, o desafio está em desenvolver práticas investigativas baseadas na autorreflexão coletiva, visando à compreensão e mudança da própria realidade, como nos sugere a pesquisa-ação proposta por Thiollent (2009). Para isso, parece indispensável uma cultura de colaboração entre pesquisadores e professores, que pode ter início na própria universidade, vista como espaço de formação plena.

O PIBID provoca a pensar uma concepção de formação universitária de professores, conforme idealizava Teixeira (1994). Ele percebia a universidade como um campo de vivência cultural para os professores em formação, um espaço onde politização e produção científica seriam inseparáveis, o lugar do diálogo entre diferentes campos de conhecimento e oportunidade de vivenciar a intersecção entre ciência, filosofia e prática pedagógica. Mais que isso, a forma-ção se daria por meio de mecanismos de enraizamento e comprometimento da universidade com a sociedade, em especial na sua articulação com a escola real.

A metáfora do enraizamento remete à noção de trabalho em rede, cujos indícios podem ser observados nas ações em andamento no PIBID. Adriana Rossi (Vol.2) mostra como é possível passar de um trabalho iniciado entre um dos grupos de bolsistas, partindo da escolha de um tema, para um processo de mobilização ampliada que inclui outros programas de formação da universi-dade e professores que atuam nas escolas da cidade e, para além dela, ganha o mundo por meio da internet. André Albino de Almeida (Vol.2) refere-se ao potencial agregador do PIBID por unir pessoas com formação em diferentes áreas de conhecimento e fases da carreira profissional. Nesses e em outros casos, vemos operações que dependem e são potencializadas por conta da implicação entre os elementos envolvidos.

O trabalho e a formação em rede são constituídos por ações integradas e dinâmicas. Essas ações são realizadas por meio de relações mais horizontais, que se revelam interdependentes, operam em colaboração, articulam uma plu-ralidade de saberes, compõem um sistema aberto a novas conexões e atraem mais e mais participação. Considerando as reflexões de Castells (1999) sobre as redes como nova morfologia social, cuja lógica modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos, de experiência, enfim, de poder, podemos supor a radicalidade das articulações inauguradas com o PIBID. Assim sendo, um imperativo para o exercício da iniciação à docência numa lógica de rede é, sem dúvida, a apropriação crítica e criativa dos meios de produção e socialização de informação com uso de tecnologias. A ênfase

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dada à produção de vídeos no texto de Edson Pfutzenreuter, Milena Quarttrer e Giovana Delegracia (Vol.3) confirma o que Pretto (1996) propõe sobre as tecnologias de informação e comunicação: que tais tecnologias constituam-se em elementos estruturantes de uma nova forma de ser, pensar e viver, colocar--se diante do mundo, criando condições para que sejamos autores e não meros consumidores de informação.

Em especial pela iniciativa dos bolsistas, as ações do PIBID naturaliza-ram a interação entre atores, bem como a produção e socialização de ideias com o uso dos mais diversos dispositivos tecnológicos. São aplicativos de trocas de mensagens nos celulares, uso de redes de relacionamento, canais de veiculação de vídeos, web conferências, uso de ambientes virtuais de aprendizagem, grupos de discussão, dispositivos de produção simultânea e colaborativa, entre outras. Temos aí oportunidade de exercitar novas formas de ensinar, bem como de tornar-se professor-autor. O espírito de autoria presente no PIBID coloca em debate, ainda, a noção de tecnologias como processos inovadores. Néri Almeida (Vol.3), por exemplo, faz referência ao sucesso das sessões de trabalho pedagógico com duração máxima de vinte minutos. Helena Altmann, Juliana Jacó e Simone Fernandes (Vol.3) citam a introdução de atividades circenses e a prática de jogos coletivos não familiares para os alunos, a exemplo do futebol americano, como modo de envolver meninos e meninas, quebrando a barreira do gênero para o desenvolvimento de uma cultura corporal de movimento. A capacidade de inovação também se faz presente na medida em que o conhecimento sobre a realidade é uti-lizado de modo a gerir os recursos disponíveis e condições dadas de modo diferenciado, rompendo tradições.

As experiências vivenciadas no PIBID são singulares, dificultando qualquer tentativa de delimitarmos um conceito universal que abarque a diversidade de ações realizadas. Contudo, acreditamos que a iniciação à docência pode ser definida como a inserção do estudante de licenciatura em um conjunto de práticas próprias da profissão docente, realizadas em um espaço concreto de ensino-aprendizagem, para as quais deverá contri-buir com sua reflexão crítica, propositiva e teoricamente fundamentada, ao mesmo tempo em que vivencia a dimensão científica, técnica, filosófica, política, afetiva e humana de sua formação. Ainda que não seja suficiente para traduzir as singularidades das relações estabelecidas no processo de formação docente desencadeado no cotidiano das escolas, tal definição poderá ser útil para nos confrontarmos com outras elaborações e fazermos avançar a compreensão coletiva sobre o termo.

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Considerações finais

A formação de professor parece ganhar um novo sentido quando busca estar mais articulada com o fazer docente que ocorre na escola. A escola é o espaço de encontro, de mobilização do pensamento, de estudo sistemático do conhecimento acumulado pela humanidade, de reflexão sobre a vida, sobre o outro e sobre si mesmo. É um espaço vivo e pulsante que reúne uma diversidade de sujeitos em diferentes fases de desenvolvimento, com diferentes papéis e funções. É hoje referência indispensável para a formação humana, bem como para o exercício da educação como um direito. Assim, reafirmamos, como princípio essencial a ser assumido pelo PIBID, o compromisso da universidade com a escola pública, considerando a centralidade da escola como lócus de formação de professores em nível superior.

Os textos apresentados na coleção “Formação Docente em Diálogo” revelam a diversidade e a complexidade dos mecanismos criados pelo PIBID para atender o desafio de formar professores na contemporaneidade. É uma obra que reúne pontos de vista dos diversos atores envolvidos com o Programa, criando condições para o diálogo entre o conhecimento produzido historica-mente sobre a educação e os saberes que emergem de suas experiências em espaço-tempo concreto. São discutidos os principais problemas observados na escola, incluindo a precariedade, o desinteresse pelos estudos, a indisciplina, a falta de preparo dos professores, o fracasso escolar. Também são compartilhadas as visões de sociedade, conhecimento, formação e currículo que norteiam as ações realizadas. Sem dúvida, em que pese todo esforço empreendido até aqui, há muito trabalho a ser feito.

É fato que existem demandas estruturais do campo da formação de pro-fessores e ação docente. Na verdade, herdamos problemas cuja origem remonta à constituição da educação e sociedade brasileira, nas suas diferentes fases. Uma sociedade desigual produz uma educação com base em privilégios para uma minoria. A formação de professores voltada para a educação pública vem sendo assunto de pouco importância, a não ser pela necessidade de manter a maioria sob controle e ocupada, servindo como força de trabalho útil à manutenção da sociedade e conservação das relações sociais. Assim, tratar de tais demandas implica em refazer as bases da formação dos professores, ressignificando o próprio sentido da profissão docente e da educação.

Certamente, tal reconstrução depende de ações concretas e intencionais, direcionadas por um plano comprometido com um novo começo, já que não é possível desfazer o passado. Embora essa não seja uma tarefa simples,

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criamos mais dificuldades quando, na parte que cabe à nossa atuação, não percebemos a interdependência entre as ações, não compreendemos o caráter processual e histórico de cada ato, deixamos de compartilhar o que pensamos/fazemos ou não dedicamos tempo para “ler” e dialogar com a experiência do outro. O trabalho em comum a ser ampliado no PIBID é uma condição para alinharmos ideias, estendendo a compreensão sobre a realidade que temos, definindo mais claramente a realidade que queremos (e podemos) construir juntos.

O PIBID deu início a um processo de valorização da formação docente que mobilizou o principal recurso de que dispomos: as pessoas. O Programa foi recebido com entusiasmo pelos inúmeros formadores antes desarticulados e desamparados no interior das universidades. Mais que isso, trouxe à cena o professor da educação básica, antes secundarizado como sujeito co-formador. Deu, ainda, condições mais favoráveis à permanência e atendeu às inquietações de jovens que antes decidiam ingressar em licenciaturas, mas só se deparavam com a questão sobre o que é ser professor no final de sua formação. É a intera-ção entre estes atores que constrói, cotidianamente, novas possibilidades para um trabalho articulado entre universidade e escola e uma formação docente mais significativa.

Ademais, o Programa estabeleceu como alvo novas articulações entre teoria e prática como parte de um projeto integrado de formação do pro-fessor. Como consequência, a iniciação à docência vem sendo concebida e concretizada por meio de ações diversificadas, do trabalho colaborativo, do diálogo entre sujeitos e seus saberes, da observação do cotidiano das rela-ções e do trabalho na escola, da ação docente reflexiva, da formação de um professor-pesquisador. O complexo conjunto de ações e estratégias é também um exercício de reagrupar saberes no sentido de compreender as relações pedagógicas e atuar na escola.

Desse modo, as práticas vivenciadas no PIBID constroem, pouco a pouco, novos modos de fazer e pensar a educação e a formação de professores. Ao evidenciarmos as lições tiradas das tantas experiências, temos a sensação de que, para além dos resultados objetivamente obtidos no PIBID, estamos apurando o nosso senso crítico e trilhando novos caminhos possíveis. Mais do que uma ação pontual, o PIBID se traduziu em um movimento que vem gerando impac-tos significativos, apontando para uma nova cultura de formação. O professor nunca estará pronto, mas o sentimento é o de que estamos vivenciando um processo de formação plena, uma formação em rede.

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Aquém da literatura: o declínio da formação humanista

e os estudantes de letras1

Marcos Lopes2

Coordenador de Área do subprojeto Letras do PIBID-UnicampInstituto de Estudos da Linguagem

Introdução

Pois o campo de estudo das ciências é hoje tão extenso, que aquele que, com boas disposições, mas não excepcionais, quer aí produzir algo, se consagrará a uma especialidade muito particular e não terá qualquer preocupação com todas as outras. Se na sua especialidade está acima do vulgus, para tudo mais, quer dizer, para tudo que é importante, não se mostra diferente deste. Assim, um erudito, exclusivamente especializado, se parece com um operário de fábrica que, durante toda a sua vida, não faz senão fabricar certo parafuso ou certo cabo para uma ferramenta ou uma máquina determinada, tarefa na qual ele atinge, é preciso dizer, uma incrível virtuosidade. (NIETZSCHE, 2003, p.64)

I – Do erudito provinciano ao intelectual globetrotter

Para pensar a questão do ensino da literatura, na formação dos bol-sistas do PIBID, cabe apresentar, ainda que nos limites deste trabalho,

1 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no “I Seminário de Ensino de Língua Portuguesa e suas Literaturas na Universidade Federal de Lavras”, em 04/09/2014. O seminário teve como tema “O ensino de língua portuguesa e literatura no contexto do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)” e foi uma realização conjunta da UFLA e Unicamp.

2 Professor do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

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quais são os modelos de docência que presidem o imaginário e a formação literária nos cursos de Licenciatura em Letras. Pequenos gestos aparen-temente inócuos, em sala de aula, no período de formação do graduando, formam modelos de conduta que impregnarão a maneira de pensar, sentir e agir do corpo discente.

Lembro de um professor, em minha graduação de filosofia, que tinha o hábito de religiosamente, antes de começar sua preleção, retirar o relógio do pulso e colocá-lo em cima da mesa. Ao final da aula, ele novamente apanhava--o e o recolocava no pulso. É óbvio que o gesto de retirar e recolocar o objeto no pulso não se limitava a uma idiossincrasia pessoal, mas pretendia indicar, de maneira inequívoca, que o docente tinha o controle sobre o tempo de sua exposição. Porém, desconfio, ao rememorar a situação, de que o gesto men-cionado ensinava aos ouvintes que a organização da matéria, em um tempo determinado, era um valor pedagógico a ser seguido. Não sei se meus colegas, ou aqueles que seguiram a carreira do magistério, incorporaram o hábito descrito acima, mas qual não foi minha surpresa quando me dei conta, em um dado momento do meu exercício docente, que repetia o mesmo gesto.

Imagino que coisas mais complexas moldam a conduta do profissional da educação; ocorre que, nos limites deste artigo, não me cabe fazer uma descrição densa3 dos vários dispositivos culturais responsáveis pela construção da identi-dade social. Corre-se sempre o risco, em situações de diagnóstico pedagógico, da reflexão se encaminhar para o relato burocrático (uma descrição objetiva das observações das experiências docentes) ou para a narrativa proselitista (a construção de um sentido positivo da conduta eficiente do docente). Evitarei o relato anódino ou a narrativa testemunhal. Contudo, em um primeiro mo-mento, um leve traço autobiográfico estará presente nas ideias que submeterei à apreciação dos leitores.

Faço parte de um departamento de estudos da literatura que historica-mente formou alguns nomes importantes para o cenário acadêmico. O habitus desse departamento, para usar uma terminologia de Pierre Bourdieu, vê com um sobrolho franzido quem se dedica a ensinar literatura ou apenas se preocupa com o mundo do ensino. A tarefa de pensar a formação literária no ensino superior e seu impacto na escola fundamental estaria a cargo das disciplinas ministradas pelos professores da Faculdade de Educação. Essa disposição para tratar o ensino da literatura como tarefa precípua dos pedagogos colocaria de partida uma linha divisória entre o mundo da erudição, atividade cimeira dos

3 Sobre o conceito de descrição densa, conferir: GEERTZ, 2011, p.03-21.

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que se comprometem com a pesquisa, e a realidade escolar, espaço destinado às intervenções pedagógicas.

O capital simbólico que todo docente herda, ao ingressar nas instituições universitárias, permite que ele invista ou aposte suas fichas naquilo que lhe dá mais visibilidade acadêmica: a pesquisa científica ou a formação de grupos de trabalho a partir de eixos específicos de investigação. Esse capital simbólico, com lastro na lógica atual da produção científica, dificilmente se transforma em capital político capaz de influenciar os rumos da escola pública. Pelo con-trário, a divisão social do trabalho intelectual, que justapõe “professores” e “pesquisadores”, acentua essa lógica perversa; no mais ele constitui apenas um espelho do modo de produção de uma sociedade capitalista, em que os traba-lhadores mais qualificados não se reconhecem como parte de uma categoria geral: o professor.

Diante da importância relativa do ensino nos cursos de humanidades e do aprofundamento da lógica da especialização na produção do conhecimento, cabe perguntar sem rodeios: o que fazer?

Se para alguns docentes, a erudição se apresenta como a última trincheira capaz de represar o relativismo devastador do mundo pós-moderno, para outros docentes, é preciso se ajustar às transformações da vida contemporânea. Esse ajuste se encarna na disposição faceira para viajar o mundo como intelectual globetrotter. Mas o que é o intelectual globetrotter? É aquele professor que a tarde está em Paris falando da cultura caipira ou da prosa metafísica de Clarice Lispector para uma plateia seleta na Sorbonne, e, no dia seguinte, pode estar no Japão discorrendo sobre o vínculo entre bossa nova e a classe média carioca. O modelo exitoso de docência para a juventude, que ingressa nos cursos de humanidades, corresponderia grosso modo à seguinte imagem: deve-se, para sobreviver com dignidade no ambiente acadêmico, estar sintonizado com o circuito internacional, circular pelas feiras literárias super chics, ser um con-vidado dos congressos mais badalados da sua área de formação e manter um contato com um círculo de virtuoses do mundo artístico.

A erudição, em seu sentido clássico, que durante algumas décadas mo-delou o perfil do professor de literatura, cede lugar à função do “professor promoter”, que, não dispondo mais de tempo para lustrar seu espírito com as luzes da tradição, se joga na eufórica empreitada de publicar, para não perecer, e aparecer, para não deixar de ser. Waters (2006, p.51) faz um retrato preciso da situação do intelectual contemporâneo: “O estudioso típico se parece cada vez mais com a figura retratada por Charlie Chaplin em seu Tempos moder-nos, trabalhando louca e insensatamente para produzir”. A imagem fílmica

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do operário apertando parafusos em uma fábrica é um símile perfeito da ideia de especialização e produção em série. Mas, enquanto no filme a imagem do operário condenado à rotina de apertar parafusos é confrontada com a figura ingênua do vagabundo, em Waters a hiperprodução acadêmica produz para-doxalmente a alienação do trabalhador intelectual e a obsessão pelo status quo.

Nesse quadro de inflação teórica e de progressiva desvalorização do valor do trabalho intelectual, quem ainda se aventurasse em realizar uma reflexão sobre o ensino de literatura estaria desperdiçando os melhores anos de sua vida ou conspurcando os melhores neurônios do seu cérebro. E por quê? Porque justamente, ao contrário do operário de Tempos modernos, cuja experiência espacial está condicionada à rotina do chão da fábrica, o “professor promoter” dos tempos hiper ou pós-moderno não está preso à imobilidade do seu gabinete, do seu campus universitário ou da sua província natal, mas de metrópole em metrópole, de vitrine em vitrine, com a velocidade dos mega bits das conexões digitais, ele circula sem cerimônia no cyber espaço e nas redes turbinadas de contatos pessoais.

O desenho sucinto dos dois tipos de docentes me fez pensar que o ensino de literatura, nos cursos de licenciatura em Letras, goza de uma triste sina:

1. Ou é capitaneado por um campo especializado, que está up to date com as teorias e práticas do mercado acadêmico;

2. Ou é solenemente ignorado pelo etos da erudição, que dá como favas contadas a derrota e a destruição da escola pública.

II – A paliçada e a militância

Qual o problema desses dois extremos? O campo especializado, que eu diria ser comandado em parte pela linguística, pela teoria literária pós-estrutu-ralista ou por certa sociologia da literatura, põe na berlinda o privilégio cultural que se atribuiu comumente ao estudo da literatura. Para ser mais brutal, esse campo rebaixa o estatuto do texto literário ou horizontaliza os gêneros textuais a tal ponto que tanto faz ler Cinquenta tons de cinza ou Memórias póstumas de Brás Cubas. Mas há outro desafio, para o jovem estudante, e aí a saraivada de balas vem da frente sociológica, que resolve a questão do conceito e da função da literatura, por um lado, com base na ideia de que não existe uma proprieda-de ontológica e sagrada da literatura4, um destino especial e heroico para ela

4 Essa posição encontra sua síntese cabal no livro de Márcia Abreu (2006, p.40). Tome-se, como exemplo, a seguinte passagem de seu livro “Cultura letrada”: “Para que uma obra

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no mundo ocidental, mas ela é simplesmente o resultado das práticas sociais, que definem o que é ou não é literatura. Por outro lado, tal literatura, sendo produto direto de uma prática social, tanto pode emancipar quanto manter o indivíduo em estado de menoridade. Essa ambiguidade do texto literário (emancipar ou inculcar os valores de uma sociedade) deve ser desmascarada sem piedade. É preciso fazer um escrutínio rigoroso da homofobia, do racis-mo e da misoginia presentes em muito dos nossos clássicos, antigos livros de cabeceira das famílias mais respeitadas.

Faço aqui uma caricatura proposital, porque vejo justamente nessa situa-ção parte do problema do ensino da literatura. Por quê? Porque eu me pergunto qual o horizonte de interesse de um estudante de Letras que se aproxima hoje do universo literário. Não é o do erudito. Seria o do militante, ou como diziam maldosamente na década de 1980, o do linguista da “libertação”, referência à teologia da libertação, vertente da intelectualidade católica disposta a ler os textos bíblicos em um confronto radical com a realidade social?

Mas qual seria a caricatura possível do erudito (o segundo extremo do nosso problema)? É aquele sujeito preocupado como uma formação humanista a longo prazo, com a preservação de um patrimônio cultural5, base dessa forma-ção, e avesso à especialização que funda os saberes modernos (o conhecimento científico). O erudito ambiciona um saber total e é capaz de opinar sobre quase tudo (da política local às últimas viagens espaciais da NASA).

É de se perguntar: o leitor vestiria essa carapuça? Creio que não. Além do mais, esse erudito integral, historicamente não é mais possível, caso con-sidere com seriedade o excerto citado de Nietzsche no início deste trabalho. Entretanto, haveria a figura do erudito especialista. Em outras palavras, é aquele estudante que desde sua iniciação científica se especializa em um as-sunto e leva adiante tal projeto em outras etapas de sua formação (mestrado e doutorado).

literária seja considerada Grande Literatura ela precisa ser declarada literária pelas chama-das ‘instâncias de legitimacão’. Essas instâncias são várias: a universidade, os suplementos culturais dos grandes jornais, as revistas especializadas, os livros didáticos, as histórias literárias etc.”. Esvazia-se a literatura de qualquer propriedade ontológica ou de qualquer pretensa universalidade. O valor literário torna-se algo tão contingente como o hábito de escovar os dentes todos os dias ou a posição da micção masculina: é uma prática cultural e social.

5 Vale a pena registrar que o perfil do “erudito especialista”, o profissional que se aprofun-dou em um autor ou tema e manteve uma linha de coerência irrestrita em seu percurso acadêmico, é o que tem mais chances de financiamento para as suas pesquisas futuras junto aos órgãos de fomento.

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Portanto, se o primeiro extremo horizontaliza a prática de leitura do texto literário, supostamente democratizando o acesso ao bem cultural; o segundo, verticaliza; a tal ponto que apenas um grupo de seres excepcionais possui talento, competência e gênio para receber o bafejo da musa. Daí que o aluno que persevera nos estudos literários é quase um escolhido dos deuses do Olimpo, enquanto aquele que se encaminha convicto ou ceticamente para o magistério do ensino fundamental é tido como o proletário das letras. Ele será apenas o professor de língua portuguesa.

III – Conclusão ou três proposições a respeito do ensino de literatura

1

Ensinar literatura não deve ser uma tarefa para especialistas. Essa primei-ra proposição solicita uma investigação acurada a respeito do modo como os alunos são formados nos cursos de Letras das instituições privadas ou públi-cas. Isso implicaria fazer algumas perguntas a respeito do currículo, do modo como a literatura é abordada nas disciplinas e até que ponto elas não estariam subordinadas estritamente ao campo de investigação do docente. Defender que o estudo da literatura deveria evitar a especialização precoce significa a defesa de uma formação humanista ampla e integral, que coloque a literatura em perspectiva interdisciplinar com os vários saberes das humanidades. O primeiro desafio seria repensar o peso da formação linguística para o profis-sional de Letras, questão espinhosa e que mexe diretamente com a formação e a política científica da área.

2

O repertório de textos literários deve ser o mais amplo possível6, sem preconceitos ou juízos a priori. Esta segunda proposição incide em outra questão espinhosa, a saber, a formação e a avaliação do gosto estético, assim

6 A ideia de uma ampliação de repertório pressupõe a existência de uma formação mínima em literatura. Os depoimentos dos bolsistas PIBID-Letras/2011 e 2014 e as observações realizadas nas escolas parceiras indicam que a questão não é quantitativa: expor os alunos a uma diversidade de gêneros textuais, mas qualitativa e de princípios: por que expô-los a tais textos? De certa forma, para responder essa questão, o conceito de democracia é, no espaço escolar, conditio sine qua non para a construção de um projeto de formação literária.

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como enfrenta a vetusta questão do cânone literário7. Haveria um conjunto de livros indispensável para a formação do aluno? Ou a estabilidade de uma tradição literária só existe como resposta ou problematização de uma dada circunstância histórica e social? Ou o cânone, antes de ser uma lista rígida de livros, apresentaria um grau de patamar estético que uma certa tradição conquistou? Não deveríamos nos cursos de Letras ler os best sellers e entendê--los como pontes para uma leitura dita mais exigente ou complexa? Contudo, todas estas questões apresentadas só são possíveis porque emergem de um contexto histórico marcado pela democracia de massas e a conquista dura e incontornável de direitos iguais para todos os cidadãos.

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A leitura literária deve contemplar a construção da alteridade e da iden-tidade, bem como proporcionar ao leitor uma experiência afetiva e intelectual da condição humana em toda a sua complexidade. Mas como isso é possível no espaço escolar? Um dos desafios mais prementes para o professor de literatura é a qualidade do material didático, dos métodos de aprendizagem e dos objetivos que presidem o ensino fundamental primeiro e segundo ciclo e médio. Seria exagero dizer que essa situação pedagógica reflete as condições de formação no ensino superior, uma vez que, se o professor analisar com atenção, perceberá que as abordagens didáticas dos textos literários desconsideram a acumulação crítica de décadas de investigação no ensino superior, embora sempre se possa questionar que não se trata de ignorância, mas da incapacidade de comuni-cação dos dois universos; se os livros didáticos não desconsideram o que se faz na universidade, a abordagem via de regra está relacionada ao estudo da língua portuguesa; se eles desconsideram a acumulação crítica, acabam por proporcionar ao aluno, no ensino médio, a velha historiografia baseada em movimentos literários ou estilos de época.

O que importa, efetivamente, não é o déficit crítico, conceitual ou teóri-co entre a produção acadêmica e os manuais escolares para o aprendizado de

7 Um debate consistente sobre a questão do cânone encontra-se em Haquira Osakabe e Ligia Chiapinni (2006) e Leyla Perrone-Moisés (2000). Guardadas as diferenças entre os autores, assim como o público a que tais textos se destinam, pode-se extrair uma posição comum quanto à defesa da especificidade do literário e do cânone como um padrão de patamar estético. A revisão que Haquira Osakabe propôs dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio, no que diz respeito ao ensino da literatura, discute a tradição não como objeto de culto, mas na perspectiva de uma tensão dialética entre o passado e o presente.

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literatura. Supor isso, como causa precípua da destruição da apreciação estética na escola pública, significaria, de um lado, superestimar as virtudes da teoria e a legitimidade inconteste de um campo de investigação sujeito, como qualquer outro, aos interesses e às rivalidades políticas. Por outro lado, seria condenar os professores das escolas públicas a súditos da universidade, como se eles estivessem alijados de qualquer possibilidade de reflexão autônoma. Talvez a questão de fundo não seja nem mesmo o anacronismo historiográfico, que orienta ainda a abordagem da literatura no ensino médio.

A questão decisiva é aquela que Todorov, de modo consistente e provo-cador, apresenta no livro “A literatura em perigo” (2009), que curiosamente foi muito pouco comentado em nossas licenciaturas. Trata-se do declínio da formação humanista para os estudantes de Letras e a consequente incapacidade de elaborar um sentido para o texto lido.

A orientação ética, que não é sinônima de regra moral, mas implica a capacidade de sondar as várias possibilidades de conduta, proporcionada pela leitura literária, estaria sendo sequestrada das novas gerações de leitores. To-dorov justamente adverte para o custo da hiper teorização ou do nivelamento do texto literário aos demais gêneros textuais. A eficácia simbólica da leitura literária se mensuraria por essa capacidade antropológica que a narrativa, a poesia ou o drama possui na construção da alteridade, regra de ouro para a fundação de uma comunidade, e da identidade pessoal ou coletiva, fator in-dispensável ao que chamamos de “humanização”.

Esse papel humanizador da literatura, que não se trata de educar seres humanos bonzinhos, mas de colocá-los frente a frente com a instabilidade e as contingências no processo de formação da identidade subjetiva, também é lembrado de maneira contundente por Michèle Petit (2008, p.157):

Mas com toda a vontade de dessacralizar as letras, muitos daqueles que clamavam por mudanças, muitos daqueles que as puseram em prática, esqueceram que a habilidade desigual de manejar a linguagem não sinaliza simplesmente uma posição mais ou menos elevada na ordem social. E que a linguagem não é um simples veículo de informações, um simples instrumento de “comunicação”. Esqueceram que a linguagem diz respeito à construção dos sujeitos falantes que nós somos, à elaboração de nossa relação com o mundo. E que os escritores podem nos ajudar a elaborar nossa relação com o mundo. Não devido a uma inefável grandeza esmagadora, mas ao contrário pelo desnudamento extremo de seus questionamentos, por nos oferecerem textos que tocam no mais profundo da experiência humana. (...) Ao privilegiar as técnicas de decifração do texto, as abordagens inspiradas na semiologia e na linguística aumentavam a distância em relação aos próprios textos.

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Ao identificar o tratamento que a literatura recebeu após a ascensão meteórica dos estudos linguísticos nos cursos de Letras, Michèle Petit não está de forma alguma questionando a importância dessa área na formação do leitor literário, mas tocando no ponto nevrálgico que constitui a relação sub-jetiva desse leitor com o mundo do imaginário construído pela arte literária: a produção de sentido, que toda obra humana busca realizar, ao enfrentar e encarnar o duro desejo de durar.

Cabe aos formadores dos futuros docentes em Letras a pergunta: qual o perfil do aluno, com formação literária, que se deseja em uma Licenciatura em Letras?

Referências bibliográficas

ABREU, Márcia. Cultura letrada. Literatura e leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2006.BRASIL. Linguagens, códigos e suas tecnologias / Secretaria de Educação Básica. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.239 p. (Orientações curriculares para o ensino médio; Volume 1, Revisão crítica de Haquira Osakabe e Ligia Chiapinni Moraes Leite). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf. Acesso em 09 de julho de 2014.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

JACOBY, Russell. Os últimos intelectuais. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Trajetória Cultural, Editora da Universidade de São Paulo, 1990.

NIETZSCHE, Friederich. Escritos sobre a educação. Trad. Noéli Correia de Melo Sobrinho. Janeiro: Editora PUC-Rio; São Paulo: Editora Loyola, 2003.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Consideração intempestiva sobre o ensino da literatura. In: Inútil poesia e outros ensaios breves. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.345-351.

PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura. Trad. Celina Olga de Souza. São Paulo: Editora 34, 2008.

TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.

WATERS, Lindsay. Inimigos da esperança. Publicar, perecer e o eclipse da erudição. Trad. Luiz Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Editora da UNESP, 2006.

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Algumas considerações sobre a difícil tarefa de se tornar um professor contador de histórias

Ana Archangelo1

Coordenadora de Área do subprojeto Pedagogia do PIBID-UnicampFaculdade de Educação

Aletéia Eleutério Alves ChevbotarColaboradora do subprojeto Pedagogia do PIBID-Unicamp

Introdução

É vasta a literatura que afirma a importância do brincar e da narrativa para os processos de significação do existir humano, ou seja, para o desenvol-vimento do sujeito (WINNICOTT, 1975; BION, 1991; SAFRA, 2006; FERRO, 2005; BENJAMIN, 2002). A escola, embora supostamente preocupada com o desenvolvimento dos alunos, raramente reconhece tal importância, o que se evidencia no cotidiano do ensino fundamental que, desde os primeiros anos, submete-os a objetivos de aprendizagem e a rotinas organizadas em torno de atividades pedagógicas excessivamente estruturadas e, não raras vezes, pou-co significativas. Em muitas ocasiões, o brincar e o narrar espontâneos são confundidos com indisciplina e considerados indesejáveis, pouco contando a importância vital de tais atividades para os pequenos.

Ao longo da última década, acompanhamos e investigamos alunos de ensino fundamental I, com severas dificuldades de aprendizagem (ARCHAN-GELO, 2007, 2010; ALVES, 2010) e identificamos forte correlação entre tais dificuldades e a dificuldade para brincar e narrar. E não por acaso. Se os proces-sos de significação nascem e se consolidam por meio do brincar e do narrar, é esperado que a aprendizagem dependa dessas atividades e com elas contribua, posto ser ela mesma um processo de significação.

1 Professora da Faculdade de Educação da Unicamp

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A inquietação provocada pela constatação de que “crianças que não aprendem” são, geralmente, as mesmas que “não conseguem brincar ou construir uma narrativa própria” levou-nos a conceber o PIBID-Pedagogia no contexto do PIBID-Unicamp, iniciado em 2011. A finalidade foi a de promover espaços para o brincar e para o narrar na rotina escolar, de modo a contemplar todas as crianças e, em especial, aquelas que “não aprendiam”, “não brincavam”, e “não narravam”.

Nos primeiros dois anos, foi introduzido o “momento para o brincar”2, em dez salas de 1º a 5º ano de uma escola pública de Campinas. Em 2013, a “contação” veio, progressivamente, somar-se ao “brincar”. Atualmente, são onze turmas de 1º a 5º anos dessa mesma escola que, uma vez por semana, se aproveitam dos baús de brinquedos, dos livros de histórias infantis, do espaço físico especialmente preparado e, fundamentalmente, da presença de adultos significativos – como os bolsistas e as professoras de classe –, para usufruir desse espaço diferenciado de fruição, interação, imaginação, manifestação e elaboração de conflitos e de criação de um existir pleno de sentido.

Dia a dia, as crianças nos dão provas de que essas oportunidades são vitais para elas. O espaço físico, o tempo, os objetos e a presença convertem-se em experiência de viver, em possibilidade de expansão das possibilidades de ser e de estar no mundo (VILLELA & ARCHANGELO, 2013) e, consequentemente, de aprender. O presente artigo tem, contudo, a finalidade modesta de refletir apenas sobre a necessária formação do bolsista PIBID, futuro educador, para que a experiência de contação se dê em sua máxima potência.

O que chamamos de “contação” no projeto envolve três etapas: a contação da história propriamente dita – que pode ser lida ou contada de memória –, a conversa após a história e a atividade escrita.

Assim como ocorre com o professor na escola, os bolsistas planejam antecipadamente as atividades e avaliam o seu desenvolvimento em sala de aula. A cada encontro com as turmas, os bolsistas elaboram um relatório com a descrição pormenorizada das atividades, das reações das crianças, das con-versas que a história evocou, e de como essas foram conduzidas pelos bolsistas. Em reuniões semanais, as atividades planejadas e os relatórios são discutidos, assim como textos de literatura especializada. Eventualmente, uma das coor-denadoras do projeto acompanha diretamente a atividade de contação. Uma das turmas é acompanhada sistematicamente.

2 Sobre essa etapa do projeto, ver Capítulo 2 (“Contribuições de uma área para ‘o brincar’ em salas de aula do ensino fundamental”) do Volume 2 desta coleção.

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O acompanhamento mediante discussão dos relatórios e observação das atividades de contação revelou que poucos se sentiam confortáveis diante do desafio de contar e dar vida a uma história. Entre os bolsistas, em função da literatura pesquisada, havia, desde o início, a convicção de que tal atividade exigiria estudo e preparo. Todavia, faltava a compreensão de que tão ou mais importante do que isso, era a disponibilidade interna para o envolvimento emocional com a história e as personagens, com a ilustração, com a técnica de contação e, fundamentalmente, com as surpresas que o encontro com as crianças trazia.

Percebemos que a falta de tal disponibilidade interna prejudicava a inte-ração do contador tanto com a história, quanto com a conversa que se seguia à contação. As atividades planejadas seguiam uma lógica repetitiva, pouco buscando na essência da história ou no impacto dela sobre as crianças e sobre o contador. Somado a isso – ou como decorrência disso – as fantasias envolvi-das na história ou evocadas por ela entre as crianças acabavam, na melhor das hipóteses, ignoradas, ou, na pior, utilizadas com a finalidade de moralização. Ao moralizar o desfecho das histórias, muitas vezes era atribuída ao texto uma conotação moral que o texto, na realidade, não possuía.

Portanto, coube ao processo de formação dos bolsistas o enfrentamento dessas dificuldades e já podemos perceber mudanças significativas na condução das atividades. Devido à relevância da narrativa na vida de cada um de nós e, em especial na vida do aluno, acreditamos que o conhecimento produzido no processo vivido no interior do PIBID-Pedagogia pode vir a ser útil, não apenas internamente, mas também para professores que se aventuram ou que queiram se aventurar nessa tarefa de contar histórias para os seus alunos.

A importância das histórias para o desenvolvimento emocional das crianças

No campo pedagógico, a discussão sobre as histórias infantis e, em es-pecial, sobre a Literatura Infantil, demanda ao menos dois enfoques: um que abarca os aspectos pedagógicos do trabalho com a Literatura Infantil em sala de aula e outro que envolve a importância do texto literário para o desenvol-vimento das crianças, sobretudo em relação à sua condição emocional.

Concordamos que o texto literário pode auxiliar o professor na tarefa de construção da linguagem oral e escrita com seus alunos, pensando nos aspectos estruturais da narrativa, como tipologia textual. A leitura e a escrita a partir do texto literário podem tornar essa tarefa mais envolvente e significativa para

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os alunos. Apesar de essa vantagem parecer clara, muitas vezes encontramos, por parte da escola, uma atitude estritamente escolarizante frente ao trabalho com Literatura Infantil. Isso significa evidenciar apenas aspectos gramaticais e estruturais do texto, distanciando os alunos de uma compreensão semântica e subjetiva daquilo que leem. Há que se considerar não ser essa a única nem tampouco a principal função do texto literário.

A escola, preocupada com o desenvolvimento da linguagem oral e escri-ta, acaba por ignorar em suas práticas diárias a importância que as histórias infantis têm para o desenvolvimento emocional das crianças. Disso resulta um esvaziamento do texto literário, colocando a perder sua qualidade subjetiva e sua condição para tratar, no campo da fantasia, de temas fundamentais da existência humana.

As histórias infantis tratam em seu enredo de temas universais, experiên-cias e emoções pelas quais todos passamos ao longo da vida. Essas experiências são abordadas de forma tão atraente e fantasiosa, que evocam na criança a pos-sibilidade de reviver a sua própria história, de adentrar seus conflitos e medos sem grandes sobressaltos e, sobretudo, contando com as possibilidades que a fantasia e a criatividade oferecem para esse enfrentamento e, eventualmente, para a sua solução.

Bettelheim (1980) ressalta que as histórias comunicam à criança, que é inevitável uma luta contra as dificuldades graves da vida, mas que, apesar disso, se confrontarmos com coragem as opressões inesperadas, será possível ultrapassar os obstáculos e nos mantermos vitoriosos ao final de tudo. As his-tórias trazem em seu enredo, de forma clara e direta, um dilema existencial. Permitem à criança compreender o problema em sua essência e, acima de tudo, oferecem sugestões simbólicas para que ela lide com tal dilema e encontre possíveis soluções de enfrentamento.

Por meio da fantasia, os dilemas dos personagens, a luta entre o bem e o mal representam para a criança uma possibilidade de vivenciar seus próprios medos e decidir com segurança entre suas partes “boas” e “más”. Esse enredo, que acaba sempre com o final feliz, sugere para os pequenos que, assim como no caso dos personagens, seus conflitos serão resolvidos e que, desse modo, poderão aguardar, também na vida, o seu “final feliz”. Do ponto de vista psíquico, essa possibilidade de superação é fundamental para o desenvolvimento emocional da criança e para a compreensão de que “nem tudo está perdido”.

As histórias infantis conseguem representar com harmonia a forma como a criança sente e experimenta o mundo, com todos os seus dissabores

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e possibilidades de superação. De acordo com Bettelheim (1980), é por esse motivo que o consolo que as histórias oferecem à criança é mais efetivo do que o que o adulto pode oferecer a ela. Isso ocorre porque o adulto intervém a partir do campo racional ou da realidade, enquanto a história fala à criança por meio de um mundo de fantasia que combina perfeitamente bem com o momento que ela vivencia.

Ao ouvir uma história, a criança é capaz de se transportar para ela e viver os conflitos presentes no texto, junto com os personagens. Consegue projetar no vilão as suas ansiedades, livrando-se da raiva e do ódio sentidos em situações cotidianas. Revive, em consonância com a história, situações de rejeição e abandono que experimenta internamente – ainda que isso não ocorra objetivamente em sua vida. E pode, também, alegrar-se, quando o mal é destruído e o seu personagem preferido “acaba bem” e feliz.

Ao tratar dessa possibilidade de enfrentamento das dificuldades que a história oferece, Bettelheim (1980) refere-se mais especificamente aos contos de fadas. Porém, muitas histórias infantis contemporâneas também permitem essa mesma compreensão do texto. Assim, ao tratarmos de histórias infantis aqui, não estamos tratando apenas do Conto de Fada, mas de Literatura In-fantil, de modo geral.

Considerando os conteúdos psíquicos que a história apresenta, Safra (2005) ressalta que a própria estrutura do texto já é útil para a resolução de conflitos internos. Isso porque a organização da história em começo, meio e fim indica ao leitor as etapas da vida e, ainda, que cada situação difícil que enfrentamos ao longo dela, por pior que pareça, pode ser confrontada e supe-rada. Em outras palavras, que tudo o que vivemos, por mais difícil que pareça no momento, tem começo, meio e fim.

Para Safra (2005), contar e ouvir histórias têm uma função terapêutica, pois a criança supera dissociações do self tentando comunicar as suas angústias a alguém. A escuta de histórias é, segundo o autor, benéfica em si mesma, visto que nela é dada à criança a possibilidade de transformar suas experiências em elementos toleráveis e possíveis de serem vivenciados no brincar, no desenho ou no narrar, por exemplo.

A história infantil como instrumento para a construção de um espaço de comunicação emocional em sala de aula

Quando o adulto se dispõe a contar histórias para a criança, de certo modo autoriza-a a fantasiar, indicando que o mundo mágico, de fantasia e

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imaginação é permitido e pode ser vivido com segurança (BETTELHEIM, 1980). Ao ler um livro ou contar de memória uma história, o adulto demonstra que também tem interesse sobre aquele texto e, sobretudo, que compreende a sua importância e o seu significado para a criança. E essa leitura, por si só, dispensa explicações por parte do contador.

Bettelheim (1980, p.27) afirma que

É sempre invasor interpretar os pensamentos inconscientes de uma pessoa, tornar consciente o que ela deseja manter pré-consciente, e isto é especialmente verdade no caso da criança. É exatamente tão importante para o bem-estar da criança, sentir que seus pais compartilham suas emoções, divertindo-se com o mesmo conto de fadas, quanto seu sentimento de que seus pensamentos inte-riores não são conhecidos por eles até que se decida revelá-los.

O autor ainda ressalta que o encantamento da criança pelo conto depende, em grande medida, do fato de ela não saber o porquê de se sentir maravilhada.

Para que esse momento seja de fato benéfico, é preciso que o contador escolha boas histórias. Isso implica, num primeiro momento, selecionar textos que ofereçam essa possibilidade imaginativa. Não são boas opções para esse mo-mento os livros paradidáticos – que ensinam conteúdos escolares ou abordam temas transversais a partir de uma história –, histórias moralizadoras e livros cuja história apresente um enredo deficiente, do ponto de vista da estrutura da narrativa (começo, meio e fim), ou com falta de coerência e de coesão.

Safra (2005, p.48) ressalta

[...] que para que a história seja efetivamente útil ela deve conter a angústia básica da criança, suas organizações defensivas, o tipo de relação objetal e um personagem que funcione como um objeto compreensivo, que ajude na inte-gração do self.

Essa angústia básica da criança relaciona-se diretamente ao tema principal da história. Por tal motivo, a escolha de uma boa história é o primeiro passo para o sucesso da contação. Num primeiro momento, o contador precisa levar em consideração a necessidade de que a história possibilite à criança estabele-cer relações com sua própria vida. Para isso, o enredo do texto precisa retratar emoções provenientes das relações humanas, como as tensões familiares entre pais e filhos, os sentimentos de rejeição, de solidão, de abandono, de inveja, de ódio, de amor, de acolhimento. (ALVES, 2010)

Entretanto, a boa escolha pode ser desperdiçada, caso o contador não esteja emocionalmente receptivo à história, às angústias nela presentes e às peripécias e agruras do personagem. Uma boa história também pode se per-

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der se o contador não puder acolher os sentimentos que ela evoca na criança. Embora o nome não faça parecer, o contador deve não apenas saber escolher e contar uma boa história. Deve também saber ocupar o lugar da escuta, daquele que facilita a construção de narrativas por parte dos ouvintes ou mesmo que acolhe silenciosamente o que a criança sente. Nesse segundo caso, o adulto terá parte fundamental no desenvolvimento da criança. Não só compreenderá as suas necessidades, como estará ao seu lado para o que for preciso. A criança se sentirá acolhida, e não julgada, por seus erros e medos.

Essa é uma consideração importante, pois, quando falamos de Literatura Infantil, não envolvemos histórias com intenções morais. Estamos tratando de um texto aberto que será completado e ganhará sentido por meio das interpre-tações do ouvinte, e não das daquele que conta. Isso garante a importância da história pelo próprio texto e dispensa uma explicação por parte do contador.

Muitas vezes, especialmente na escola, uma narrativa é acompanhada de um comentário moralista, de um ensinamento ou de um juízo de valor que, em geral, é útil apenas do ponto de vista de quem conta, e não da criança que ouve. Além disso, ainda que o adulto interprete corretamente o significado que aquele conto tem para a criança, é preciso que se abstenha de manifestar aber-tamente tal interpretação, para que a história seja de fato valiosa para o aluno.

Portanto, pode parecer contraditório propor que, após a contação da história em sala de aula, sejam realizadas uma conversa e uma atividade escrita com as crianças. Entretanto, em nenhuma das atividades existe a pretensão de moralização ou explicação do significado do conto para o ouvinte. Pretende--se, ao contrário, criar oportunidades para que o sentido interior que o conto possa ter despertado na criança encontre espaço de ressonância, acolhimento, legitimação e aprofundamento. Tal sentido não precisa necessariamente ser formulado verbalmente ou revelado à criança, mas pode sê-lo, por razões já abordadas. No entanto, pode vir a fazer parte da conversa se e quando, por exemplo, a criança anseia pela nomeação ou verbalização de tais experiências, mas depende do adulto para fazê-lo.

Para que essa escolha aconteça, o contador precisa ter a convicção de que ler para a criança já oferece a ela uma oportunidade ímpar de contato com seu mundo interno. Ouvir uma história, pura e simplesmente, já tem um significado emocional e afetivo relevante para o desenvolvimento infantil. Conversar com as crianças após esse momento mágico, só tem sentido se o contador estiver aberto ao encantamento do momento, às fadas e bruxas que habitam o mundo interior, atento ao que diz e, ainda, livre de ensinamentos e padrões morais. Durante a conversa, o contador precisa estar disponível

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para acolher os interesses e necessidades da criança. Precisa desenvolver um olhar atento para aquilo que a criança sente e o que necessita, uma escuta qualificada para identificar elementos conflitivos e angústias intoleráveis que possam ser mobilizadas, de modo a ajudá-la a confrontar com tranquilidade as suas ansiedades e frustrações.

Conversar com a criança após a história, portanto, pode contribuir para a compreensão dos seus sentimentos e para encorajá-la a enfrentá-los. A conversa auxilia também na construção de uma narrativa por parte da criança. A capacidade de narrar está em estreita dependência da disponibilidade de um “outro” interessado e capaz de legitimar uma experiência pessoal que se desenrola no decorrer de um tempo e espaço. A criança vivencia situações trágicas e insuportáveis – reais e imaginárias – que precisam ser processadas mentalmente. Em grande parte das vezes, tal processamento depende da pos-sibilidade de compartilhar tais situações e de transformá-las em palavras. O adulto, ao conversar sobre a história, pode emprestar à criança um modelo de narrativa, um modelo de força psíquica que reconhece a dor humana, que a tolera e dá conta de incorporá-la à própria história. Em outras palavras, o adulto pode mostrar, didática e emocionalmente, como podemos construir a nossa própria história a partir da história das personagens (ALVES, 2010).

A conversa não deve ser invasiva. Por meio de perguntas sobre o que aconteceu na história, sobre que parte do texto as crianças gostaram mais ou menos ou, ainda, com uma brincadeira de faz de conta, propondo que a crianças ocupem o lugar dos personagens, é possível auxiliá-las na construção da sua própria narrativa.

Ao mesmo tempo que aprofundamos o tema trazido pela contação, pro-curando não impor um único significado, uma única interpretação à criança, é fundamental que a conversa não seja superficial. O adulto precisa indicar à criança que aqueles assuntos são importantes, e não tolos ou dispensáveis. Da mesma forma que contar uma história autoriza a criança a fantasiar e a identificar-se com os personagens, valorizar o momento da conversa encoraja a criança a pensar sobre si mesma, a construir uma memória sobre sua história e, consequentemente, uma narrativa própria.

Se o adulto assume uma postura moralizadora, ou se ele mesmo se man-tém afastado das ansiedades que a história evoca na criança ou em si mesmo, de certa forma, comunica a ela que “é melhor não pensar nessas coisas” ou que “seus conflitos não têm solução”.

A receptividade do contador às necessidades e interesses das crianças às histórias contadas ajudará na escolha de novas histórias, como também num

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bom aproveitamento do texto, tanto na conversa como na atividade. Ao longo das contações, as crianças, por meio de gestos, pequenas narrativas, brincadeiras ou desenhos, comunicam ao contador aquilo que para elas é mais valioso. Essa comunicação emocional só será possível se o contador mostrar-se disponível e acolhedor.

Safra (2005), referindo-se ao uso das histórias em situação terapêutica, afirma que, à medida que esse processo continua, são revelados a cada sessão os pontos de angústias da criança, os quais podem ser identificados por meio dos desenhos que se repetem, da elaboração dos rabiscos de alguns desenhos em relação a outros, em gestos comuns que acompanham os encontros, e em outras formas de expressões não verbais.

Esse relato clínico do autor também é válido em situação escolar. Ao longo do trabalho com contação, é possível notar que uma frequência de ações específicas da criança indica, de certo modo, aquilo que é mais valioso para ela ou, talvez, aquilo que ela não consegue resolver sozinha.

O professor/contador e sua capacidade para tolerar ansiedades das crianças

Como vimos aqui, contar histórias em sala de aula, em especial as his-tórias literárias, envolve, além de um planejamento antecipado do contador para selecionar um bom texto, a organização de atividades significativas que vão ocorrer depois da contação. Para ilustrar como essa atividade pode ser desenvolvida positivamente, construindo um momento valioso e útil para a criança do ponto de vista emocional e pedagógico, relataremos um momento de contação que ocorreu numa sala de 4º ano, acompanhada por uma bolsista PIBID.

Para escolher a história, consideramos uma questão que sempre surgia entre as crianças, o preconceito, em geral, com relação à cor da pele. Elegemos “Menina bonita do laço de fita”, de Ana Maria Machado (2004), para contar às crianças. Mais uma vez, vale ressaltar que o nosso objetivo não era tratar o preconceito, recorrendo apenas à racionalização das questões morais, concluin-do ao final sobre o certo ou errado, mas oferecer um espaço para as crianças se identificarem com a história, com os dilemas e o sofrimento envolvidos, fazendo emergir a própria condição de cada um e do grupo.

Na história mencionada, um coelho de pelo bem branquinho se mostra apaixonado por uma menina negra que tem sempre um laço de fita em sua cabeça. No texto, o coelho se refere à Menina como “menina bonita do laço

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de fita” e passa a história toda numa busca para descobrir o segredo para a menina ser “tão pretinha”. O termo “pretinha”, em geral, é o primeiro motivo de discussão entre as crianças, independentemente da intervenção do adulto.

Criamos um roteiro para a conversa que previa fazer um levantamento dos trechos mais importantes da história na visão das crianças e, ainda, falar sobre como nos sentimos com relação à nossa aparência física, como é bom ser elogiada e admirada como acontecia com a personagem. Também pretendía-mos discutir sobre a insatisfação do coelho, que queria ser “pretinho” como a menina. Depois da conversa, havíamos planejado que as crianças se admirassem em um pequeno espelho e dissessem aquilo que gostam ou não nelas mesmas. Também poderiam dizer o que mais gostam no colega.

O fato é que logo de início a conversa tomou um rumo diferente do que havíamos planejado. Assim que iniciamos a conversa, após a leitura, as crianças começaram a responder às questões com evidente desinteresse. Era possível perceber que não estavam envolvidas, pois quando perguntávamos algo sobre a história, respondiam em coro “sim” ou “não”. Foi preciso interromper e con-versar com elas sobre esse jeito de responder. Colocamos que naquele momento não era hora de responderem todos juntos, já que as perguntas exigiam que cada um colocasse o que pensava. Destacamos, também, que não era preciso que todos falassem, mas era preciso falar de verdade sobre o que sentiam.

Essa intervenção já indica logo de início que vamos falar sobre algo importante, que valorizamos os sentimentos que a história evoca na criança e que respeitamos a dificuldade momentânea de expressão. Do ponto de vista escolar, é comum que, após a leitura de uma história, sejam formuladas questões normalmente voltadas à compreensão do texto pelas crianças. Dentro da nossa proposta, a compreensão do texto é também importante, mas ficamos ainda mais envolvidos com os sentimentos que o texto evoca nas crianças e com a importância do texto para o desenvolvimento emocional infantil. Responder de forma mecânica e coletiva às questões que colocávamos pode indicar tanto uma fuga das crianças em relação a temas que lhes causam sofrimento, quanto a percepção, por parte delas, de que na escola não há espaço de acolhimento para as angústias reais que tais temas evocam, sendo a preocupação central do professor a necessidade de realização da tarefa, da “lição”, como as próprias crianças dizem.

A partir da nossa intervenção, houve um pequeno silêncio e logo em seguida começaram a dizer um a um o que pensavam da história. Todos que-riam falar. As coisas caminhavam enquanto falávamos dos elogios, do que gostávamos em nós mesmos e em nossos colegas. Até colocarmos que, muitas

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vezes, as coisas não vão tão bem assim. Às vezes, escutávamos elogios, mas, às vezes, também ouvíamos coisas de que não gostávamos. Nesse momento, duas crianças se destacaram: um menino e uma menina que chamaremos nesse texto de Paulo e Larissa. Utilizaremos os termos utilizados pelas próprias crianças para relatar parte do que aconteceu no dia.

Paulo relatou que os colegas dizem que ele é “preto” porque “caiu na bosta”. Teve que repetir duas ou três vezes, pois não era possível compreen-der o que dizia em função do tom de voz bastante baixo. Após essa fala, Paulo rapidamente começou a sorrir e a fazer brincadeiras com os colegas ao lado. Outras crianças se manifestaram incomodadas, dizendo que ele também co-locava apelidos nos colegas. O relato dos colegas serviu como pretexto para que Paulo reagisse com mais brincadeiras, como se não tivesse dito nada tão importante. Rindo, mais uma vez relatou algo que não foi possível compreen-der. Após solicitarmos que repetisse, justificou de forma bastante confusa que os amigos também colocam apelidos nele e por isso revidava.

É importante indicar para a criança o quanto compreendemos sua con-dição e que estamos de fato preocupados com ela. Os risos e as brincadeiras quando tocamos em um assunto que pode trazer sofrimento à criança podem indicar uma fuga da conversa, ou uma fuga do que ela de fato sente ou pensa. Nesse caso, o contador precisa ajudar a criança a enfrentar suas dificuldades e lidar com suas emoções. Isso contribui para um encontro com “a verdade da experiência”, como observa Bion (1991).

O momento da conversa exige atenção do contador e condutor da discus-são. Isso porque, conforme afirma François (2009), a narrativa das crianças tem características diferentes da narrativa do adulto. Para o autor, quando se trata de crianças é comum que seus relatos sejam tomados por falas fragmentadas e aparentemente descontextualizadas. Em uma situação inicial de construção da narrativa, essas características se devem à dificuldade da criança de organizar seu pensamento e manifestá-lo de forma organizada.

Além dos aspectos destacados por François (2009), o trabalho de pesquisa de Alves (2010) evidencia que, quando as crianças narram algo sobre si mesmas, durante a conversa motivada pela história, essa narrativa normalmente ocorre em tom de voz baixo, com falas aparentemente sem sentido e de difícil compreensão. Isso acontece porque, nesse momento, a criança está tentando converter em palavras algo que lhe traz um sofrimento íntimo e particular.

Diante disso, conversamos com o grupo que aquela situação não era en-graçada. Ressaltamos que todos nós ficamos tristes e muito chateados quando

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alguém coloca um apelido de que não gostamos, por causa de uma característica física, por uma preferência ou por uma dificuldade da nossa parte em fazer algo. Aos poucos, as crianças foram entendendo que estávamos tratando com seriedade a questão, e até mesmo o Paulo mostrou-se um tanto envergonhado diante da intervenção. Conversamos sobre esse e outros relatos que apareceram. Tivemos que suspender a atividade com o espelho em virtude de o tempo ter sido tomado por relatos de insatisfação e sofrimento das crianças.

A suspensão de uma atividade previamente planejada pode e deve ocor-rer. Sempre que o contador perceber que as crianças apresentam interesses e necessidades cujo sentido é vital para elas e com o qual a atividade narrativa está em profunda conexão, é preciso encorajar o processo que ali se desenrola. Isso porque são esses os momentos preciosos em que a capacidade narrativa cumpre seu papel primordial de dar forma e comunicabilidade à existência, enriquecendo a própria existência e sendo enriquecida por ela.

Naquele momento, era mais importante permitir que as crianças falas-sem sobre algo que as incomodava do que nos preocuparmos em manter um planejamento a todo custo. Iniciamos a nossa conversa procurando demonstrar que estávamos preocupados com elas, com seus interesses e necessidades, que sabíamos que estavam falando de algo triste e doloroso para todos. Não fazia sentido interromper esse momento para cumprir um planejamento.

Essa percepção faz parte de uma disponibilidade do contador para atender às necessidades das crianças, característica fundamental na tarefa de contar. Mas, além disso, exige que o contador seja capaz de entrar em contato com o sofrimento presente nas histórias confusas, nas “brincadeirinhas de mau gosto” e no silêncio duro de Paulo e das demais crianças. Muitas são as ocasiões em que o professor retoma a rota da atividade planejada ou por entender que tais “brincadeirinhas” acontecem por desinteresse ou bagunça, ou por não tolerar a ansiedade que circula entre os membros do grupo, ele incluído.

Voltando à situação de sala, a intervenção do contador deu apoio e se-gurança para que Larissa também relatasse o que a incomodava. De acordo com a menina, os colegas sempre a chamam de “menina homem”, por causa do seu comportamento. Larissa destacou que fica muito chateada e que não gosta de ser chamada assim.

No momento da atividade escrita, propusemos que as crianças desenhas-sem e/ou escrevessem como elas se veem hoje, como elas são. E depois, abaixo, poderiam desenhar e escrever se gostariam de mudar algo em si mesmas, e o que mudariam. Algumas crianças relataram que mudariam o cabelo ou outras

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características físicas, alguns que não mudariam nada. O desenho de Larissa chamou a nossa atenção. Ela desenhou na primeira parte uma menina e um menino com os mesmos traços e a mesma roupa – bermuda e camiseta – ape-nas em cores diferentes. Sem a explicação de Larissa, era possível saber quem era a menina apenas pelo cabelo comprido, como o dela é de fato. Na segunda parte, Larissa se desenhou de saia e com cabelo loiro. Sem que pedíssemos para ela explicar o que tinha desenhado, ela entregou a atividade ressaltando que, na primeira parte, o menino que estava ao seu lado era o colega Carlos. Ao ser questionada sobre a ausência do colega Carlos na segunda parte, onde desenhara como ela gostaria de ser, sorriu e respondeu que na segunda parte era só ela mesmo, de menina.

Na mesma semana, em nossa reunião do PIBID, ao analisarmos os de-senhos produzidos pelas crianças durante a atividade, notamos que Larissa havia apagado algo que escrevera. Entretanto, como se tratava de uma frase “mal apagada”, conseguimos ler a mensagem que dizia: “Eu queria ter nascido menino para ninguém me chamar de menina homem”. Embora tivesse deixa-do os vestígios de texto, mantendo comunicável seu sofrimento, percebemos que o ato de apagar seus escritos nos dizia também que não era a hora de falar sobre isso, apenas de “escutar”, de acolher e partilhar em silêncio o que ela vivia, sem fazê-la sentir-se “inadequada” ou constrangê-la com uma conversa que ela ainda não pedia.

Essa atitude de Larissa confirma que nem sempre é importante falar so-bre o que a criança sente ou compreende sobre si mesma a partir da história. Mais importante que isso é perceber em qual momento falar e em qual acolher em silêncio que é comunicado. Também é necessário perceber como alguns temas esbarram em tensões sociais e culturais, fazendo emergir maior angústia. Nesses casos, manter-se ao lado da criança, sem julgá-la, assegurando o espaço para seus dilemas e dando-lhe confiança, é prepará-la para a autonomia e para eventuais embates futuros3. Por fim, é vital reconhecer que a oferta de um momento de conversa e de atividade escrita pode potencializar os atributos da história, essa capacidade particular de falar ao nosso interior.

Esses relatos evidenciam a importância da história e a necessidade de um contador que esteja envolvido na tarefa de contar e disponível para com-preender e atender às necessidades da criança.

3 O caso de Larissa, assim como vários outros vividos no PIBID, aponta para a urgente e necessária discussão sobre as questões de gênero e sobre o seu manejo na escola. Entretanto, dada a complexidade do assunto, tal discussão não cabe no presente artigo.

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Considerações finais

Assim como a história abre, amplia, expande os campos de sentido, as atividades provocadas a partir dela também devem fazê-lo. O desenvolvimento humano se dá na medida da necessidade de expansão do espaço mental, ou do que pode ou não ser pensável. O silenciamento muitas vezes estrangula a “pensabilidade”. Cria pontos cegos no universo potencialmente pensável. Ou seja, a criança percebe que determinados assuntos estão em “campo minado” e não devem ser abordados – ou que só podem ser tocados se estiverem sob determinadas condições.

Se nos acovardamos e não tocamos em pontos que são importantes para a criança, justamente onde as ansiedades dela se manifestam, esse silenciamento comunica que a fuga é mais recomendável do que a modificação dos sofrimen-tos. Não apenas reforçamos os campos minados, como transmitimos à criança um método para que se evada da verdade de sua experiência (BION, 1991). Em alguns momentos, nosso silêncio indica até mesmo que desconhecemos o que se passa com ela ou que não damos a devida importância para quem ela é e pelo que passa.

Para que a contação, a conversa e a atividade escrita possam oferecer o melhor para as crianças, o contador precisa dispor de certa condição egoica para tolerar as tensões dessa aventura que é contar histórias. Sinteticamente, é preciso que ele:

- seja receptivo ao que surge espontaneamente da criança, quando da contação;

- seja receptivo à história que a criança traz consigo e que ecoa na história contada;

- seja receptivo à sua própria história (a verdade do próprio contador, sua capacidade de entrar em contato com seus “campos minados”, de compartilhar com as crianças a sua experiência de contato com certas zonas de silêncio);

- seja capaz de manter-se em sua condição de adulto, mesmo em situa-ções em que lida com aspectos infantis próprios;

- esteja ao lado da criança em eventual “enfrentamento social”, dando a ela sustentação psíquica ao tratar de temas sobre os quais a escola, a família ou a sociedade impõem restrições.

Há a necessidade de compreender como o conjunto das atividades pode ser profundo e fecundo do ponto de vista psíquico. Vale pensar se o que esta-

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mos fazendo favorece a narrativa da criança, a elaboração de suas ansiedades e o pensar – ou se silencia e constrange, ajudando a constituir ou fortalecer “campos minados”, zonas de silêncio, áreas da experiência sobre as quais não se fala. Se por um lado não podemos ser invasivos, por outro não podemos contribuir para movimentos de fuga, que restringem as possibilidades de pensar, de sentir e de criar narrativas. A boa história é a porta para o enfrentamento da verdade de cada um de nós. Mas a presença e a receptividade do adulto são a chave para que tal verdade seja tolerada e harmonize suficientemente os dilemas que vivemos diuturnamente. Se a escola é parceira nessa tarefa, encontrará alunos com mais confiança na instituição, no conhecimento e nos vínculos ali estabelecidos.

Referências bibliográficas

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ARCHANGELO, Ana. A psychoanalytic approach to education: “problem” children and Bick’s idea of skin formation. Psychoanalysis, culture & society, v. 12, p. 332-348, 2007.

. Social exclusion, difficulties with learning and symbol formation. A Bionian approach. Psychoanalysis, culture & society, v. 15, 4, p. 315-327, 2010.

BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades; Ed.34, 2002.

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos contos de fada. Traduzido por Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

BION, Wilfred. O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

FERRO, Antonino. Seeds of illness, seeds of recovery: the genesis of suffering and the role of psychoanalysis. London: Routledge, 2005.

FRANÇOIS, Frédéric. Crianças e narrativas: maneiras de sentir, maneiras de dizer... Seleção de textos: Regine Delamotte-Legrand. Tradução e adaptação de Ana Lúcia T. Cabral e Lélia Erbolato Melo. São Paulo: Humanitas, 2009.

MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. (7a ed.) São Paulo: Ática, 2004. (Coleção Barquinho de Papel)

SAFRA, Gilberto. Curando com histórias: a inclusão dos pais na consulta terapêutica com crianças. São Paulo: Sobornost, 2005.

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. Desvelando a memória do humano: o brincar, o narrar, o corpo, o sagrado, o silêncio. São Paulo: Edições Sobornost, 2006.

VILLELA, Fábio C. B. & ARCHANGELO, Ana. Fundamentos da escola significativa. São Paulo: Loyola, 2013.

WINNICOTT, Donald Woods. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

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O ensino de pré-história: interdisciplinaridade e conteúdos transversais

aplicados ao sexto ano

Néri de Barros Almeida1

Coordenadora de Área do subprojeto História do PIBID-Unicamp

Os seres humanos são atores em uma história. Somos a ponta de crescimento de um épico inacabado. A resposta para as perguntas existenciais deve residir na história, e é essa a abordagem adotada pelas humanidades. Mas a história convencional por si mesma está truncada, tanto na sua linha do tempo como na percepção do organismo humano. A história não faz sentido sem a pré-história, e a pré-história não faz sentido sem a biologia. (WILSON, 2013, p.345)

Avanços e recuos em uma área crítica

Ao discutir os fundamentos biológicos das sociedades humanas e de suas diferenças, o estudo da pré-história coloca questões importantes e deli-cadas. Permite que história e biologia encontrem um terreno comum, mas ao mesmo tempo expõe os limites a seu entendimento mútuo. No ensino esco-lar da pré-história, como conciliar os objetivos e pontos de vista específicos das disciplinas envolvidas (história, geografia, biologia e suas subáreas)? A pergunta é delicada uma vez que as ciências humanas ou as humanidades2

1 Professora do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

2 A atual distinção feita entre ciências humanas e humanidades procura traduzir o fato de que áreas como a demografia, classificada entre as ciências humanas, dispõem de méto-dos, como o estatístico, que permitem que a precisão de seus experimentos e, portanto, de suas conclusões sejam verificáveis em uma chave fixa, ou seja, sempre verdadeira. As humanidades por sua vez se referem a áreas do conhecimento sistemático que empregam métodos humanistas e não métodos científicos, entendidos estes últimos como baseados em experimentos cujos resultados, ao serem submetidos à verificação, mostram-se, pelo menos por um período de tempo razoável, como verdadeiros. História, jornalismo, juris-prudência e literatura são exemplo de conhecimentos que podem ser incluídos na área das

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resistem a compartilhar o domínio social com a biologia evolucionista e com a psicologia cognitiva que se ocupam de forma mais próxima da pré-história. O fato é que nesse quesito os objetivos da formação escolar e da formação especializada estão em conflito e devemos nos perguntar o quanto isso afeta a transmissão viva do conteúdo, seu poder de atração e sua verdade. A de-sejável interação entre escola-universidade, nesse ponto, pode representar um entrave à explanação do conteúdo em toda sua inteireza. No entanto, os objetivos particulares da formação escolar permitem que a escola tenha a oportunidade de, nesse ponto, ser mais livre do que a universidade3 e talvez, por isso, ir mais longe do que ela.

Neste ensaio, gostaria de apresentar um grupo de problemáticas que considero importantes para a reflexão a respeito do ensino de pré-história. Os termos desta reflexão nasceram do interesse por dois aspectos estruturais da atual concepção de ensino: o alcance interdisciplinar do conhecimento e a comunicação de conteúdos transversais (ética, meio ambiente e diver-sidade cultural). Nossas considerações estão apoiadas em entrevistas com os professores atualmente envolvidos com o subprojeto do PIBID-História da Unicamp4; na observação das intervenções em sala de aula propostas pelos bolsistas do PIBID para os conteúdos de pré-história e os problemas relativos à transição para as civilizações do Oriente Próximo; na análise do material didático disponibilizado pelo Estado de São Paulo para professores e estudantes5 e em livros didáticos de história dirigidos ao sexto ano. Por fim, os dados técnicos, teses e hipóteses relativos à teoria da evolução social, ou seja, a trajetória humana da pré-história à história foi produzida a partir das

humanidades uma vez que estabelecem verdades que residem na dissecação do testemunho único ou em sua recorrência em diferentes testemunhos sem que esse resultado seja sempre verdadeiro independentemente das circunstâncias. Pelo contrário, as circunstâncias estão implicadas em sua verdade.

3 A estrutura universitária abriga uma distinção rigorosa dos saberes. Embora a interdisci-plinaridade seja uma bandeira e uma obsessão do discurso universitário o fato é que ela ainda se encontra bastante restrita à cooperação interna das grandes áreas (ciências exatas, ciências biológicas, ciências humanas e humanidades) ou limitadas a relações entre ciências exatas e ciências biológicas e entre ciências humanas e humanidades.

4 Trata-se dos professores Lúcia Lopes da Silva Gouvêa da Escola Estadual Prof. João Lou-renço Rodrigues (29 anos de magistério); Sérgio Abreu Oliveira Júnior, da Escola Estadual Vitor Meireles (23 anos de magistério); Diego de Morais Souza, da Escola Estadual Casti-nauta M.B. Albuquerque (4 anos de magistério).

5 “Caderno do Aluno: História – Ciências Humanas” e “Caderno do Professor: História – Ciências Humanas”, “Material de apoio ao currículo do Estado de São Paulo: Ensino Fundamental – Anos finais”. São Paulo: Nova Edição, 2014 e 2017, Volume I.

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compilações científicas apresentadas pelo biólogo norte-americano Edward Wilson em “A conquista social da terra” (2013)6.

Os parâmetros de formação do ensino escolar em vigor na atualidade são conquistas evidentes da educação democrática. Embora avanços materiais como o aperfeiçoamento da estrutura física das escolas sejam lentos, no campo da concepção, passamos por avanços claramente positivos. Buscar maneiras para aperfeiçoar a expressão dos princípios subjacentes a estas concepções é um desafio. Sobretudo se pensarmos que a cada ano o avanço tecnológico deixa a escola ainda mais despreparada para receber e interagir com seus ingressantes. Nesse sentido, os anos iniciais da formação se mostram capitais. Neste ensaio, abordamos o ensino de pré-história, tópico introdutório do ensino de história, por acreditarmos que seu ensino represente uma oportunidade particularmente rica para a formação democrática dos jovens estudantes e para o estabeleci-mento de um caráter investigativo aberto a correlações diversas.

O currículo vigente no Estado de São Paulo prevê que o conteúdo de pré-história seja oferecido no início do sexto ano e no início da primeira série do ensino médio. Observando-se o roteiro apresentado pelo material de apoio distribuído no Estado, é evidente que o conteúdo sofreu uma valorização signi-ficativa nos últimos 25 anos. Os conteúdos se transformaram, acompanhando as novas descobertas, e também se ampliaram e ganharam novas dimensões, como tópicos de arqueologia brasileira. A despeito da maior atenção ao con-teúdo e da riqueza da abordagem proposta que inclui a interdisciplinaridade, ainda é possível tecer considerações em favor do aprofundamento do diálogo interdisciplinar e de um melhor aproveitamento da capacidade de articulação de conteúdos transversais que o tema propõe.

Embora a pré-história se encontre entre os tópicos obrigatórios do ensino de história, ela está, na maioria dos casos, ausente dos currículos universitá-rios. O ensino desses conteúdos certamente coloca problemas para os cursos de formação superior. Afinal, nesses ambientes de saber especializado é sem-

6 Paleontólogo, Wilson, é um dos mais destacados biólogos da atualidade. Sua obra, científica e dirigida ao grande público, é extensa. Esta reflexão sobre a natureza humana se funda-menta no uso de conceitos caros ao autor: biodiversidade (que segundo Wilson começou a declinar com o surgimento da agricultura há 10 mil anos, que possibilitou o crescimento demográfico sui generis de nossa espécie), eussociabilidade (nível de organização biológica relativa à cerca de duas dúzias de linhagens de animais em que se contam as formigas e os homens, característica de grupos cujos membros “abrangem várias gerações e tendem a realizar atos altruístas como parte de sua divisão do trabalho” - segundo consta à página 27 da obra supra citada) e consiliência (“convergência das disciplinas acadêmicas, incluindo ciências e artes” - segundo nota à página 328 da obra supra citada).

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pre discutível quem teria a formação adequada para fazê-lo: o arqueólogo, o antropólogo, o biólogo, o geógrafo ou o historiador? Dessa forma, aquilo que constitui um grande valor no ensino do conteúdo, sua interdisciplinaridade, torna-se um problema. Infelizmente, na prática, pede-se ao licenciado que ensine algo que não foi alvo de sua reflexão aprofundada. E sem passar por um debate orientado por especialistas e por uma bibliografia atualizada, a pré--história tem chegado às escolas e ao material didático.

Assim, o tema é muitas vezes apresentado como um drama acabado, ou seja, como a história de libertação de nossa espécie de uma condição passageira. Desse drama superado, nossa espécie surge liberta da pré-história e da natu-reza, chegando finalmente à história e à cultura. Resguardadas as diferenças entre essas duas etapas da experiência humana, precisamos nos resguardar do perigo de reproduzirmos uma fratura entre homem biológico e homem histórico, engendrada ideologicamente e não pela verdade dos fatos. Essa sepa-ração serve a uma série de mal-entendidos sobre a compreensão do homem e daquilo de que ele é capaz hoje. Por exemplo, a cisão entre homem e natureza faz pressupor que por meio da técnica seremos capazes de superar todos os limites e dificuldades que venhamos a experimentar ao longo da história. Tal presunção é, se não ameaçadora, ao menos profundamente problemática na medida em que hoje está evidente que o homem, por maiores que sejam suas habilidades técnicas, não é capaz de contornar as consequências da progressiva destruição da biosfera produzida por sua espécie. Essa incapacidade que a cada dia se torna mais visível se deve ao fato de que o homem não conhece todos os mecanismos da natureza, está longe de controlá-los e ele mesmo depende de elementos naturais em rigoroso equilíbrio, como a atmosfera em que se move e respira e sobre a qual não tem poder criador. Os procedimentos que valorizam o estabelecimento de fraturas entre a pré-história e a história correspondem a uma valorização do homem em termos que não são mais sustentáveis. Insistir neles significa adiar a oferta aos jovens de um repertório fundamental à sua futura participação na vida política que certamente será pautada pela ética ambiental. Não nos libertamos da natureza e nunca o faremos. Se, por um lado, é verdade que a história não se ocupa da dimensão natural do homem, por outro lado, não cabe a ela negar sua implicação no surgimento das socie-dades humanas e em aspectos de seu funcionamento no tempo. O ensino de pré-história é justamente o momento em que a história pode destacar essa relação e sua importância. Voltaremos a isso.

Infelizmente os currículos escolares de história, ciências e também geo-grafia não estão perfeitamente integrados, o que impede a desejável concomi-

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tância na exposição dos conteúdos que permita ao estudante aprofundar-se na experiência conjunta da dimensão biológica e histórica do homem. Afinal, nosso destino está ligado àquilo que somos enquanto vida e enquanto cultura. Eras geológicas, o surgimento da vida, a evolução das espécies e a evolução social são conteúdos que podem se apoiar mutuamente e, dessa forma, beneficiar o aluno se forem ensinados de forma coordenada em um mesmo bimestre do sexto ano. Os professores entrevistados para este ensaio afirmaram que a compreensão e aceitação das teses evolucionistas pelos alunos é difícil. A observação do ma-terial de apoio aos estudantes (livros e apostilas) parece realmente insuficiente neste sentido. Limitam-se à apresentação das etapas da evolução, quando seria desejável, para a sua adequada compreensão, um material desenvolvendo mais detalhadamente essas fases, valorizando a descrição coordenada das aquisições biológicas e culturais. Atividade na qual o apoio do professor de ciências é fun-damental, dando os detalhes sobre o surgimento do universo e a evolução da vida que a história não pode oferecer de forma aprofundada e fundamentada. Também importante para a valorização desses conteúdos seria a participação do professor de geografia, que poderia mostrar a interação entre ambiente físico, desenvolvimento biológico e desenvolvimento cultural.

Segundo os professores entrevistados, um dos grandes desafios do ensino de pré-história é a contraposição entre teses evolucionistas e teses criacionistas. O estudante dessa faixa etária, na maioria dos casos, conhece apenas a tese criacionista que ele traz para a escola com toda a força da tradição familiar. Os professores têm sido sensíveis a essa questão e, ao mesmo tempo em que apro-veitam o conteúdo para discutir as diferenças entre o conhecimento científico e crença religiosa, têm feito dessas experiências momentos em que o discurso de respeito às diferenças se reverte imediatamente em prática.

Hoje, a maioria dos professores não é criacionista, mesmo que professem algum tipo de fé religiosa, têm sabido distinguir o ensino da pré-história como pertinente ao campo científico. No entanto, quando, por motivos diversos, professores ou materiais didáticos aprofundam a distinção entre natureza e cultura no homem, acabam por favorecer um dos paradigmas do mito criacio-nista cristão que é a especificidade do homem em relação à natureza. Segundo os livros sagrados cristãos – para citar apenas o exemplo da experiência reli-giosa hegemônica no Brasil –, posto para reinar sobre o mundo natural, cabe ao homem nomeá-lo e servir-se dele7 numa relação de domínio que descreve

7 Veja-se o relato da criação do homem e da relação especial de Deus com Adão que se reproduz de certa forma na relação deste com o mundo natural: Gênesis 1:26,28 e 2:8-23.

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nossa trajetória desastrosa na biosfera. Evidentemente que a própria teoria da evolução das espécies pode ser vítima desse tipo de armadilha na medida em que pode ser interpretada como a criação do mais simples ao mais complexo e o surgimento do homem como resultado de um processo guiado para este fim quando, “Pelo contrário, cada passo foi uma adaptação em si mesma – a resposta da seleção natural às condições vigentes ao redor da espécie naquele lugar e época” (WILSON, 2013, p.35).

Por fim, o conceito de cultura no ensino de pré-história não pode ser separado da experiência natural. Na verdade, cabe à pré-história a tarefa de mostrar o quanto as conquistas humanas, em termos de sociedade e cultura, devem às suas peculiaridades biológicas. As mãos e pés humanos possibilitam à inteligência humana recursos de que nenhuma outra espécie do planeta foi dotada. Mesmo assim, há estágios diversos de sociabilidade e cultura existentes no meio natural, sobretudo entre os primatas e aqueles mais próximos a nós, os chimpanzés. Estes vivem em sociedades que contam com líderes e operam em territórios ciosamente guardados. Possuem um sistema eficiente de comu-nicação e transmissão de informação padronizada (ou seja, de cultura) que permite a organização para a sobrevivência e defesa do grupo8.

A separação entre homem biológico e homem cultural por fim, ajuda a reproduzir o distanciamento entre pré-história e o aparecimento dos primeiros impérios do oriente próximo, as chamadas primeiras civilizações. Essa relação não é simples devido à falta de documentos para processos de temporalidade diversa. Desde o neolítico a cultura humana se desenvolveu a ritmos cada vez maiores. O histórico das sociedades ao ritmo dessas aquisições é bastante di-ferente do ritmo das transformações biológicas em interação com o ambiente e a exploração de seus recursos. No entanto, enfrentar essa dificuldade é fundamental. Disso depende o emprego de um conceito de civilização menos concentrado em diferenças que orientem o aluno a fazer qualificações em ter-mos de superioridade e inferioridade. Também seria desejável que o conceito de civilização apreendido estivesse menos ligado à ideia de que as sociedades organizadas em estado nacional são o ponto de chegada do processo social. Em síntese, o conhecimento da pré-história deve auxiliar na compreensão aprofundada do surgimento das chamadas primeiras civilizações que podem ser entendidas como o resultado de conjunções, em boa medida aleatórias, de fatores diversos de ordem natural e social, no decorrer do tempo.

8 “O que dá especificidade à cultura humana é a maleabilidade de sua linguagem simbólica que permite o desenvolvimento de redes de comunicação maiores e mais complexas do que aquelas desenvolvidas por outros animais”. (WILSON, 2013, p.23)

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O suporte material para o ensino de pré-história apresenta, em uma primeira abordagem, dois grupos de problemas fundamentais. O primeiro, uma herança do passado, se refere ao uso dos conceitos de “civilização” e “na-ção”. O segundo, que contempla inovações recentes, diz respeito à inclusão da arqueologia como recurso interdisciplinar prioritário e ao tratamento da diversidade cultural e da diferença.

O conceito de civilização tem sido um desafio. Desde o século XIX, sua presença na história está ligada à valorização das formações políticas estatais que transformaram pelas artes da escrita histórica os estados do oriente próxi-mo em antecedentes da civilização ocidental, em paradigmas que apontavam o futuro de dominação europeia e, como ápice do desenvolvimento humano, a justificaria. Os sucessivos golpes que a razão europeia recebeu desde o co-meço do século XX – das duas grandes guerras à destruição da biosfera, da qual infelizmente poucos estão plenamente conscientes - ajudaram a colocar em xeque esse conceito de civilização. A despeito disso, ele nos assombra nos momentos em que vamos adentrar os conteúdos de Mesopotâmia e Egito antigos. A dificuldade para vencê-los talvez possa, ao menos em parte, ser superada com uma passagem mais suave entre estes conteúdos e o ensino do passado pré-histórico.

A pressão do conceito de nação se faz por outro caminho. Ela aparece no material didático movido pelo imperativo de rompimento com a perspectiva europocêntrica. Embora esse esforço seja compreensível, ele torna o surgimento do conteúdo artificial uma vez que este se dá em clara ruptura com os estudos de pré-história africana e europeia. Melhor do que os imperativos da valoriza-ção das descobertas locais – sem dúvida importantes –, seria que essas fossem inseridas na lógica da dispersão da população humana a partir da África há 60 mil anos e servisse de prova da unidade genética plena da espécie humana, sem dúvida valiosa para os conteúdos transversais no que se refere a lidar com a diversidade cultural e a diferença.

A vontade de introdução da interdisciplinaridade tem levado à valori-zação isolada da arqueologia quando esta depende das interpretações dispo-nibilizadas principalmente pela biologia (em especial a genética molecular, a biologia evolutiva e a ecologia). Enquanto a arqueologia revela os traços desse passado remotíssimo, a biologia tem contribuído de maneira decisiva para explicá-lo.

Por fim, temos de tratar de um outro marco de rupturas, o surgimento da escrita. Ora, seu aparecimento pode ser tomado como uma ruptura apenas mediante a vontade de se estabelecer critérios muito precisos para a identifi-

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cação do que é uma civilização quando não há uma coincidência cronológica entre ambos, embora estejam associados. O aparecimento da escrita por sua vez está relacionado à necessidade de atender a demandas sociais mais complexas, estando relacionadas ao registro de bens, sobretudo de víveres, à codificação normativa e a textos religiosos. O surgimento da escrita não é necessariamente acompanhado por uma sensibilidade particular diante dos eventos da vida humana coletiva que despertem para o tipo propriamente histórico de registro memorialístico. A história começa com a escrita porque os registros escritos constituem, seu alimento principal. A duração temporalmente restrita da abordagem histórica que se debruça sobre uma ou poucas gerações demanda registros mais detalhados, volumosos e diversificados, e nesse sentido a escrita é aquilo que a comunicação humana produziu de mais próximo da riqueza do registro verbal. Isso não significa que não possamos produzir narrativas históricas de sociedades que não dispõem de escrita, mas que esse registro será afetado profundamente por esse fato, da mesma forma que a história dos antigos povos da Suméria nunca será contada com o mesmo nível de problematização e detalhamento que a história da modernidade europeia, por exemplo. Para os períodos mais recuados, anteriores à escrita, o relato do historiador depende dos recursos materiais e interpretativos gerados pela arqueologia, biologia e até mesmo geologia. Os relatos que o historiador pode fazer a partir dessas informações são limitados. No entanto, isso não significa que a incorporação dessa experiência na compreensão do homem deva ser deixada de lado pelo historiador que, afinal de contas, estuda o homem em sociedade, no tempo9.

Outra questão a ser notada no material de ensino de pré-história é a tenta-tiva de fugir dos modelos eurocêntricos. Esse esforço é sem dúvida importante, mas seus imperativos não podem se impor à custa dos fatos ou de um artifi-cialismo prejudicial à formação do aluno. Assim, a necessidade de equilibrar a importância de todos os continentes dá lugar a exemplos questionáveis como apontar que a China tem a escrita mais antiga ou trouxe contribuições para todo o mundo, como o macarrão e os fogos de artifício. Melhor seria explicar as diferenças sem atribuir valor às mesmas. O tratamento lento e detalhado da origem do homem no continente africano e da unidade biológica e cultural que o caracterizava no momento em que se inicia sua dispersão pelos demais continentes, poderia ser mais útil para a compreensão dos processos de dis-tinção fenotípicas e culturais subsequentes.

9 Esse é o conceito apresentado por Marc Bloch em seu famoso escrito “Apologia da história” (1997). Também é interessante acompanhar neste texto a inspiração de Bloch em Michelet e Fustel de Coulanges às páginas 56 e 57.

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Etapas para a apresentação narrativa da pré-história

O tempo da vida de cada homem participa do tempo de vida de nossa espécie, que é muito amplo, sendo medido em milhares de anos. A conciliação dessas duas dimensões do tempo humano nos ajuda a compreender melhor os problemas da história do homem.

Com o apoio da geografia (que trata do surgimento do universo, das eras geológicas e documenta a relação entre a energia apropriada a recursos ambientais, sua disponibilidade geográfica e as formas de ocupação humana do espaço) e a biologia (que trata da origem da vida, da evolução das espécies e da taxionomia), pode-se mostrar ao aluno que, na história natural, o momento capital para os humanos acontece com o aparecimento dos mamíferos primiti-vos há 100 milhões de anos. Os mamíferos são animais de corpo grande que, embora disponham de mobilidade limitada, possuem boa irradiação adaptativa, preenchendo grande variedade de nichos. São raros e, por isso, sua existência é mais facilmente posta em risco.

Foi em meio aos mamíferos que surgiram os primatas primitivos que se especializaram na vida em árvores entre 70 e 80 milhões de anos atrás.10 É graças ao corpo grande de mamífero que temos uma fisiologia capaz de comportar um cérebro grande e mãos habilitadas a produzir e controlar o fogo. Os golfinhos, que são mamíferos conhecidos por sua grande inteligência e sociabilidade, duas características fundamentais no homem, não desenvolveram as mesmas capacidades, o que acabou por limitar seu desenvolvimento.

No entanto, as mudanças evolutivas são lentas e não acontecem em linha reta, ou seja, não há um determinismo – a natureza não opera em um sentido único, correto, mas sofre desvios, perdas, retrocessos. Nossa vida, portanto, não tem um sentido claro pré-definido por um projeto: ela é resultado de uma conjunção de fatores genéticos e ambientais cujos efeitos são sentidos no transcorrer de milhões de anos. Hoje esses processos continuam acontecendo. Não sabemos qual seu fim, mas conhecemos o mundo cientificamente, temos consciência dessas dinâmicas e isso nos ajuda a saber como evitar acelerar processos que possam ser catastróficos para a vida humana e a vida em geral.

Nessa lenta temporalidade, os primatas em sua taxionomia própria apareceram há 35 milhões de anos. Há 30 milhões de anos essa linhagem de primatas sofreu uma divergência que deu origem aos macacos antropoides. Os primatas antropoides por sua vez sofrerão uma divergência que dará origem

10 Os dados técnicos desta parte do texto provêm de Wilson (2013, p.15-134 e p.231-357).

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aos hominídeos (homens, chimpanzés, gorilas e orangotangos atuais) e aos hilobatídeos (gibões e siamangos atuais).

Esses hominídeos tinham mãos e pés construídos para agarrar, mus-culatura adequada para se lançarem de galho em galho, polegares opositores e grandes dedos dos pés, pontas dos dedos em unhas planas, palmas e solas cobertas de sulcos cutâneos que ajudam a agarrar objetos e supridas de recep-tores de pressão que aumentam a sensação de tato. Com esses instrumentos eram capazes de separar frutos, pinçar sementes, cortar e arranhar e trans-portar alimentos, liberando as patas traseiras. “Os poderes integradores do cérebro para as sensações advindas da manipulação de objetos transbordam para todos os demais domínios da Inteligência” (WILSON, 2013, p.63). Talvez como acomodação à complexidade e flexibilidade dos hábitos alimentares e à vegetação tridimencional do habitat, desenvolveram cérebro maior e grandes olhos com visão colorida, passando a depender mais da visão que do olfato. Esses hominídeos também se caracterizavam pela prole menos numerosa e que cujos cuidados requeria mais tempo.

Há cerca de 6 milhões de anos, uma linhagem desses animais evolui para viver no solo. Esse aperfeiçoamento do bipedalismo liberou ainda mais suas mãos. É nesse ponto que se opera a distinção fundamental entre chimpanzés e esse novo grupo de espécies que são chamadas de australopitecíneos.

Tanto australopitecíneos quanto chimpanzés são movidos por impera-tivos territoriais fundamentais ao sequestro de alimentos. Essas necessidades conjugadas “favoreceram os genes que prescrevem a coesão do grupo, interli-gação e formação de alianças” (WILSON, 2013, p.98). Dessa forma, pode-se defender de maneira plausível que a agressividade intertribal é anterior à época neolítica, podendo ter começado há 6 milhões de anos.

Os pré-humanos deviam viajar em pequenos grupos. Desenvolveram pernas mais compridas e retas, pés alongados a fim de criar movimentos para frente e para trás durante a locomoção, alteração da pélvis que passa a suportar as entranhas. Há 2 milhões de anos havia ao menos 3 espécies de australopi-tecíneos no continente africano. Entre 3 e 2 milhões de anos atrás surge uma novidade entre eles. Enquanto a maioria de seus grupos era vegetariana, alguns tornam-se onívoros, o que permitiu a esta espécie a exploração de ambientes ainda mais diversificados, a ampliação de suas fontes de energia (a carne é energeticamente mais eficiente do que o alimento vegetal), cérebro e dentição diferenciados e aumento da agremiação, tendo em vista a organização para a caça e sua partilha.

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Os vestígios do homo habilis - embora este não possa ser identificado como um elo entre os australopitecídeos e os ancestrais do homo sapiens - do-cumenta essa passagem. Tinham cérebros maiores, dentes molares reduzidos, caninos aumentados, dobra do lobo frontal do cérebro num padrão similar ao dos homens modernos: “saliências bem desenvolvidas na área de Broca e parte da área de Wernicke, um domínio dos centros neurais que organizam a linguagem nos humanos modernos”. O homo habilis documenta não apenas mudanças anatômicas, mas uma mudança do modo de vida definidas pela alteração conjunta entre a exploração dos recursos naturais e o modo em que se processa essa exploração. (WILSON, 2013, p.50-51)

Essas mudanças estão relacionadas ao aumento da quantidade total de pradarias e florestas de savana, habitats aos quais estes pré-humanos estavam mais adaptados e nos quais eram especialistas. A África subsaariana vivia um período de seca e grande parte do continente ficou coberta por savana (mosaico complexo de diferentes habitats: savana, floresta de savana e mata de galeria, todas entrelaçadas). Nesse ambiente os pré-humanos podiam erguer-se para observar acima da vegetação e correr para o abrigo das árvores próximas. Como animais grandes, os hominídeos deviam viver em áreas com pelo menos 10 km de diâmetro. Dotados de membros anteriores que manipulam objetos com maior facilidade, incluindo a capacidade para lançar objetos e, portanto, para matar à distância, capazes de correr com braços oscilando ao lado do corpo, o que permitia velocidade a um custo mínimo de energia (alta capacidade aeró-bica, glândulas sudoríparas, perda de pelos à exceção das regiões que produzem feromônios); tais características fizeram com que estes animais que não corriam mais rápido do que os demais mamíferos pudessem vencê-los pelo cansaço. (WILSON, 2013, p.35-63)

Dessa forma, o aumento do ambiente em que é especialista, somado à forma cooperativa como caçavam, levaram à formação de grupos altamente organi-zados de algumas dúzias de indivíduos, reunindo família estendidas, membros adotados e aliados. Por fim, a população estendida constituía uma vantagem nos conflitos intergrupais, aumentando as chances de sobrevivência e expansão dessa espécie. A principal aquisição nesse processo foi o fortalecimento dos laços de sociabilidade. Mais do que o tamanho do cérebro, estes desempenharam um papel fundamental para a espécie uma vez que, segundo especialistas, não existe correlação entre tamanho do cérebro e comportamento social.

Há 2 milhões de anos, a linhagem privilegiada dos australopitecíneos começou a transição para o homo erectus de cérebro ainda maior. Uma de suas linhagens evoluiu para o homo sapiens. Era adaptável num grau sem preceden-

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tes. 1,5 milhões de anos após a radiação dos australopitecos restava apenas um sobrevivente, o homo erectus. Com um cérebro menor que o do homo sapiens, era capaz de talhar ferramentas grosseiras e usar fogueiras controladas em acampamentos. Esses mesmos passos, à exceção do domínio do fogo, também foram dados pelos chimpanzés. (WILSON, 2013, p.101)

Há cerca de 1 milhão de anos, o fogo, proveniente da queda de raios, passava a ser entendido como fonte de comida de duas formas: pelos restos de animais assados que podiam ser recuperados após o seu recuo ou pelos animais em fuga que podiam assim ser pegos em quantidade por pré-humanos em grupos de caçadores organizados. O controle do fogo permitiu o aumento da organização humana ao favorecer a estabilidade do grupo e a hierarquia de funções. A mastigação e a fisiologia da digestão avançaram até a especialização em carne e vegetais cozidos.

Cozinhar tornou-se um traço humano universal. Com a partilha de refeições cozidas, adveio uma forma universal de conexão social. O fogo carregado de um lugar ao outro era um recurso, como a carne, as frutas e as armas. Galhos de árvores e feixes de ramos podem arder por horas. Junto com a carne, o fogo e o ato de cozinhar, os locais de acampamento durando mais do que uns poucos dias e, portanto, persistentes o suficiente para serem defendidos como refúgio, marcaram o seguinte e vital passo evolutivo. Um ninho desses, como também podem ser chamados os acampamentos, foi o precursor do alcance da eusso-ciabilidade por todos os outros animais conhecidos. (WILSON, 2013, p.64)

Junto com os locais de acampamento ao redor do fogo, veio a divisão do trabalho, num lugar em que já existia uma pré-disposição à auto-organização por “hierarquias dominantes” (WILSON, 2013, p.64).

Há 700 mil anos, as populações de homo erectus vinham desenvolvendo cérebros maiores. Há 200 mil anos, estão anatomicamente mais próximos aos seres humanos atuais. Usavam ferramentas de pedra mais avançadas e podem ter desenvolvido práticas de sepultamento. A concentração de grupos locais “foi o evento que deu o impulso definitivo ao moderno homo sapiens”. Carnívoros, em locais de acampamento, têm de se comportar de forma diferente dos que perambulam. Precisam dividir o trabalho (forrageiam, caçam, guardam o local e os filhotes). Precisam compartilhar os alimentos necessários à manutenção dos vínculos. Os membros competem por status ou por comida, ou pelo acesso a um parceiro ou local confortável para dormir. Nesse contexto levam vanta-gem os indivíduos dotados de inteligência social: capacidade de interpretar as intenções dos outros, de conquistar confiança, de fazer alianças e de lidar com rivais. (WILSON, 2013, p.58-60)

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Quando se trata da relação entre grupos mais ou menos iguais em arma-mentos e outras tecnologias, pode-se esperar que o resultado da competição entre eles “seja determinado em grande parte por detalhes do comportamento social dentro de cada grupo” (WILSON, 2013, p.70): tamanho e solidez do grupo; qualidade da comunicação e da divisão do trabalho. Dados herdáveis até certo ponto, uma vez que entre os humanos “a dinâmica evolutiva é induzida tanto pela seleção individual quanto pela de grupo”. O domínio da seleção individual pela seleção de grupo é raro entre os mamíferos e outros vertebrados e nunca será completo devido aos fundamentos do ciclo de vida e da estrutura populacional dos mamíferos. (WILSON, 2013, p.71-72)

Há 60 mil anos, grupos que já tinham as dimensões esqueletais completas da humanidade contemporânea iniciam um processo da maior importância: a sua saída da África. Os grupos (de 30 a 100 indivíduos) que viviam no continen-te africano estavam esparsamente distribuídos e a cada geração permutavam alguns indivíduos.

O processo que daria origem à expansão das populações para fora da África deu-se entre 135 e 90 mil anos. Um avanço das geleiras continentais leva à África a seca e o resfriamento. O período de aridez extrema que domi-nou toda a África tropical gerou um recuo da humanidade para um domínio menor e a queda populacional perigosa, colocando em risco a sobrevivência de seus grupos de espécies. Entre 90 a 70 mil anos a seca amainou, as florestas tropicais e savanas lentamente se expandiram e as populações humanas cres-ceram e se espalharam por elas. Ao mesmo tempo, outras partes do continente se tornaram mais áridas bem como o Oriente Médio. Níveis intermediários de chuva em toda a África ofereceram oportunidade para a expansão demográfica fora do continente. Formou-se, em especial, um corredor de terreno habitável contínuo rio Nilo acima até o Sinai. Outra rota possível era o estreito de Bab Al-Mandeb até o sul da península Arábica. Em seguida, há no máximo 42 mil anos, aconteceu a penetração do homo sapiens na Europa.

O imperativo territorial que evoluiu como um dispositivo para capturar o suprimento de comida sob tais condições encontra resposta no deslocamento. Este deve ter acentuado o conflito que mantem as possibilidades de aumento da reprodução e do consumo.

As populações de homo sapiens que se espalharam da África para o Oriente Médio e além o fazem por padrões de algumas dezenas de quilômetros e depois se fixam, aumentam de número e se dividem em dois ou mais bandos e avançam por novos territórios, do Vale do Nilo ao Levante, se espalhando depois pelo norte e leste. Em milhares de anos estão espalhados por todo o

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continente eurasiano. Prova isso é a grande diversidade genética dos africa-nos do sul, o que mostra que apenas uma parte da população africana total participou da saída.

Há 42 mil anos chegam à Europa se espalhando Danúbio acima, aden-trando as terras centrais habitadas pelos neandertais. Estes são achados na Europa, Ásia e África, sendo os indivíduos destes continentes mais evoluídos do que os neandertais europeus, embora tenham precedido a estes em termos se aparecimento. Eram caçadores e tinham cérebros maiores do que os do homo sapiens. Caçavam grandes animais e essa pode ter sido uma diferença capital com os sapiens mais preparados para as diversidades de habitat em termos de diversidade de ferramentas e de alimentação. Dessa forma, há 30 mil anos, os sapiens já haviam substituído completamente os neandertais.

A grande migração a partir da África pode ser resumida nas seguintes etapas: 60 mil anos atrás, penetração no interior da Ásia e ao longo da costa do Índico. Entraram no subcontinente indiano e depois na península Malaia até as ilhas Andaran onde populações antigas aborígenes ainda existem. Não alcançaram as ilhas Nicobar cuja população de origem asiática é mais recente, 15 mil anos. Na Indonésia, os vestígios mais antigos são de 45 mil anos. Na Austrália, os vestígios mais antigos datam de 46 mil anos, mas mudanças na fauna por predação e queima indicam que a primeira incursão aconteceu pelo menos há 50 mil anos. A Nova Guiné foi, provavelmente, colonizada um pouco antes de 46 mil anos, ou seja, seus habitantes são realmente aborígenes.

Entre 30 e 22 mil anos, o sapiens atinge a ponte terrestre de Behring por meio da qual passará à América. Segundo estudos genéticos e arqueológicos na Sibéria e nas Américas, se acredita que o sapiens tenha chegado ao continente a partir de uma única população siberiana. Apenas há 16.500 anos o recuo dos lençóis de gelo permite a invasão plena do Alasca. Há 15 mil anos a colonização das Américas estava em andamento. É provável que as populações tenham se dispersado pela costa do Pacífico, recentemente desglaciada.

Há 3 mil anos, os ancestrais dos povos polinésios começaram a colonizar os arquipélagos do Pacífico, começando por Tonga e avançando gradualmente para leste, em grandes canoas projetadas para longas viagens. Em 1200 alcan-çaram os extremos da Polinésia (Havaí, Ilha da Páscoa e Nova Zelândia). Em resumo, “Os grupos modernos são psicologicamente equivalentes às tribos da história antiga e da pré-história. Como tais, esses grupos descendem diretamen-te dos bandos de pré-humanos primitivos. O instinto que os mantém coesos é o produto biológico da seleção de grupo” (WILSON, 2013, p.76). Ainda assim, cabe explicar a diferença de aparências entre as diversas populações de nossa

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espécie. Durante a saída da África cada grupo levou o seu próprio conjunto de genes coletivos, que era uma fração do todo existente na população original. Como a evolução ainda se processava, uma série de traços hereditários não vitais mudaram as populações.

Depois da saída do continente africano, a criação cultural se torna cada vez mais rápida e complexa. Os estudiosos qualificam esse processo por meio da expressão emprestada à química “mudanças autocatalíticas”, ou seja, cada avanço tornando novos avanços mais prováveis. Entre 60 e 45 mil anos atrás, se desenvolve o processo que dá origem à agricultura. A observação dos efeitos da terra queimada sobre o aumento da quantidade de vegetação permite a prática que possibilita a criação de povoados humanos de longo prazo, a observação e domesticação das plantas por seleção artificial das espécies com maior valor alimentar e a domesticação de animais para mascotes ou gado. Esse processo legou à nossa espécie a concepção de que a área natural é algo a ser reposto. Vivemos com essa herança que ainda hoje interfere em nossa capacidade de fazer balanços razoáveis sobre qual o limite da natureza decorrente da nossa intervenção predatória e qual nossa capacidade de corrigir por meio da inteli-gência e da técnica os danos causados, que nos últimos 200 anos se tornaram cada vez mais violentos, extensos e definitivos.

Há cerca de 10 mil anos, praticamente todos os povos envolvidos na dispersão desenvolveram formas de agricultura. O surgimento da agricultura, excedentes alimentares e aldeias, promoveram a aceleração da evolução cul-tural. Graças ao comércio e à força das armas, estas inovações se espalharam rapidamente. Mas a agricultura não explica sozinha essa aceleração cultural. Podemos contar aí a aptidão específica do homo sapiens no campo da abstração. Há 160 mil anos este já usava pigmentos e ornamentos pessoais, realizando desenhos abstratos. Mudanças climáticas também podem ter influído nesse processo de difusão cultural. A melhora do clima e o decorrente aumento da população permitiu uma aceleração da difusão das inovações ou a reinvenção de elementos que haviam sido abandonados durante o período de declínio populacional.

De 60 a 50 mil anos o crescimento das culturas se tornou autocatalítico:

Bandos e comunidades de bandos com melhores condições de inovações cul-turais tornaram-se mais produtivos e mais bem equipados para a competição e para a guerra. Seus rivais os copiavam ou então eram desalojados, tendo seus territórios tomados. Desse modo, a seleção de grupo impeliu a evolução da cultura. (WILSON, 2013, p.117)

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Nessa altura, estamos na passagem das sociedades de bandos de caçado-res-coletores, em geral, igualitários, para a de chefatura (chiefdoms), governadas por um grupo de elite cujos integrantes são substituídos por membros de sua família ou outro membro com o qual têm relação hereditária. Nas sociedades de chefatura os líderes governam por prestígio, apoiados em uma elite e vivem do excedente acumulado pela tribo, empregando-o para aumentar o controle sobre o grupo, regulamentar o comércio, travar a guerra contra os vizinhos. Domínio máximo de 45 km. Nessas distâncias a autoridade pode ser exercida pelo meio do envio de emissários de confiança. Os estados têm territórios mais extensos, além de um dia de caminhada da “capital” e o sistema de comuni-cação, que mantém a coesão, tem de ser complexo demais para um só moni-torar. É preciso o estabelecimento de poderes locais. O Estado é burocrático. As responsabilidades são divididas por especialistas (soldados, construtores, funcionários públicos, sacerdotes).

Com população e riqueza suficientes, os serviços públicos de arte, ciência e educação podem ser acrescentados – primeiro em benefício da elite e depois descendo ao público em geral. Os chefes de estado aliam-se aos sacerdotes e revestem sua autoridade com rituais. É altamente improvável que os estados primários tenham emergido ao redor do mundo como resultado da evolução genética convergente. É quase certo que apareceram de forma autônoma como elaborações de predisposições genéticas já existentes compartilhadas por po-pulações humanas pela ancestralidade em comum e remontando ao período de saída da África, cerca de 60 mil anos atrás. (WILSON, 2013, p.131)

A dinâmica em todas as fases do desenvolvimento do homo sapiens é conquista de território por agressão ou tecnologia para adquirir mais recursos caso eles estejam disponíveis. Esse aumento do tamanho traz complexidade, que é organizada em hierarquias cuja decomponibilidade simplifica seu com-portamento. Esse processo ocorreu por evolução cultural. Um motivo que justifica esse pensamento é a origem quase simultânea das civilizações baseadas no Estado. Cada um surgiu independentemente (estados primários), pouco depois da domesticação das culturas agrícolas e do gado: Egito, entre o alto Egito e a Baixa Núbia, 3400-3200 a.C.; Vale do Indo do Paquistão e no noro-este da Índia, 2900 a.C.; China em Erlitou, 1800-1500 a.C.; Vale de Oaxaca no México, 100 a.C. 200; Peru, Estado Moche, 200-400. Tendo em vista os avanços presumíveis do processo de simbolização, o surgimento da escrita (Suméria e Egito, há 6400 anos; Vale do Indo no atual Paquistão, há 4500; China, dinastia Shang, há 3500-3200; Mesoamérica, olmecas, há 2900 anos) deixa de ser um fato extraordinário e é incorporado à trajetória de dois dados específicos do desenvolvimento humano: os sistemas cerebrais relacionados à simbolização

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e comunicação e a crescente complexidade da sociedade. Da mesma forma, o surgimento de cerâmicas e metais não testemunha o nascimento de um novo homem, mas uma etapa na história de um homem já antigo. Somos este mesmo homem e, a despeito das diferenças culturais – vivemos em sistemas sociais muito mais complexos –, compartilhamos muitos de seus dilemas. A passagem da pré-história não é uma ruptura, mas um processo lento e coerente.

No mundo globalizado, o sistema de comunicação é diferente. Dessa forma, talvez pela primeira vez temos condições de fazer uma crítica definiti-va das hierarquias e das desigualdades: pelo conhecimento de que dispomos do mundo - e que é ímpar na história da humanidade - e pela viabilização de redes horizontais em detrimento de redes verticais. Pelo mesmo motivo, os conflitos podem, senão serem evitados, uma vez que as dificuldades atuais frente à escassez dos recursos apontam para prováveis conflitos maiores, ao menos serem questionados seriamente (até à Primeira Grande Guerra eram raras as manifestações antibelicistas) e, quem sabe um dia, se sobrevivermos, venham a ser superados.

Por fim, uma pergunta que precisa ser enfrentada: “Se a transição das sociedades de chefatura para os Estados foi automática e cultural, como explicar as disparidades nas sociedades atuais?”. De acordo com uma teoria de Jared Diamond, baseada nas análises dos economistas suecos Douglas A. Hibbs Jr. e Ola Olsson, a questão se explica pelos recursos naturais disponíveis.

Pouco antes das origens da agricultura, por volta de 10 mil anos atrás, uma combinação de condições deu aos povos do supercontinente eurasiano uma enorme oportunidade de promover a revolução cultural que logo seria viven-ciada. O grande tamanho do continente, sua vasta extensão de leste a oeste e o acréscimo de terras biologicamente ricas do perímetro mediterrâneo resultaram num legado de mais espécies de plantas e animais adequados à domesticação do que existia em ilhas e outros continentes [...] O tamanho e a fecundidade desse interior eurasiano[...] levaram à revolução neolítica. (WILSON, 2013, p.133-134)

Final

É importante reiterar nestas últimas páginas que não pretendemos fazer a crítica da ausência do mundo natural na historiografia, o que seria absurdo, mas discutir como o ensino de pré-história precisa estar aberto a conteúdos de outras disciplinas e como tal abertura pode ser positiva para uma compreen-são mais verossímil do surgimento das primeiras civilizações, bem como para o aperfeiçoamento da formação interdisciplinar do aluno e a apresentação

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de conteúdos transversais. Colocamos em questão o ensino de pré-história quando, ainda que involuntariamente ele realiza a ruptura da unidade huma-na, reiterando conceitos herdados que advogam a superioridade absoluta do homem em relação à natureza. A história começa nas condições biológicas e ambientais para o surgimento das sociedades humanas.

Sem dúvida que a relação entre história e biologia é polêmica. As ciências humanas e parte das humanidades reivindicam a civilização como um domínio plenamente humano e o humano como fruto da distinção do mundo natural e do exercício de uma razão sobre ele. A partir do século XIX, a ideia de que a história tem um sentido, ou seja, de que a história se confunde com as ações dos homens e de que este tem o poder de construir seu destino autonomamente, criou ainda mais obstáculos para a comunicação entre história e biologia. Pa-rece inaceitável para a maioria dos historiadores, filósofos e sociólogos pensar que as guerras estejam encravadas na dinâmica da espécie humana. Afirmá--lo, porém, não significa necessariamente justificar a guerra, mas somar um dado que pode enriquecer a forma como exercemos nosso pacifismo. Causa estranhamento entre eles também a ideia de que a sociabilidade humana esteja fundada no mundo natural e que o altruísmo necessário à cooperação que garantiu a perpetuação da espécie até aqui engendre distinções internas como a divisão do trabalho entre homens e mulheres. Isso não elimina o fato de que avançamos muito nos direitos das mulheres e que hoje o casal divide de forma cada vez mais equilibrada os cuidados internos e externos em relação ao seu ninho. As dificuldades relacionadas às origens biológicas das práticas sociais, no entanto, não podem negar por princípio os pontos de encontro. Os historiadores precisam participar das discussões sobre as teorias da evolução social de forma mais completa e não apenas legando a tarefa aos arqueólogos com os quais se comunicam apenas colateralmente. Trata-se de um diálogo importante e que a sala de aula está pronta para incorporar já que ela faz parte da grande discussão que nos envolve cada vez de forma mais completa que é aquela do destino humano e da capacidade do homem de interferir em favor de sua sobrevivência no planeta. Passamos por crises gigantescas no passado. Nas longas décadas que durou a Guerra Fria, parecia plausível que a vida na Terra pudesse desaparecer por meio de uma decisão humana. Hoje, a situação ainda é mais complicada na medida em que a preservação da vida na Terra parece depender de uma interação do homem com a natureza, que não estamos mais aptos a reconhecer espontaneamente.

Nunca houve nem nunca haverá um Paraíso. O conhecimento da pré--história nos reeduca a ver a unidade da qual viemos e à qual nunca deixaremos

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de estar ligados. Esse passado distante pode nos ajudar a enfrentar de forma crítica a nossa trajetória biológica e histórica de destruição do meio ambiente e do outro.

Respeitadas as especificidades cognitivas e as demandas específicas do sexto ano, acreditamos que o ensino de pré-história deva avançar a partir da colocação de problemas e conceitos que tomem os seguintes dados como eixo da exposição, saindo dos meandros complicados das eras e dos testemunhos fragmentários dos esqueletos pré-históricos:

1. Sensibilização para a dimensão temporal do processo evolutivo da vida no planeta, do qual somos participantes e não resultado. O lugar do ho-mem no tempo geológico e no tempo de formação das espécies tal como as conhecemos. Sensibilização para a dimensão corpórea do homem e de suas populações. Reconhecimento da raridade dos mamíferos e a imensidão da vida invertebrada e microscópica. O conceito de que a vida continua em evolução e que apenas não percebemos isso, pois o processo é muito lento, não sendo perceptível em escalas de centenas de anos que é aquela com a qual pensamos o homem em história.

2. Nossa espécie se beneficiou de sua adaptabilidade a ambientes diversi-ficados; portanto, a interação entre as capacidades naturais do homem e um meio ambiente rico foram fundamentais para sua sobrevivência. A inteligência e a capacidade técnica a ela relacionada não foram deci-sivas em nossa sobrevivência, mas a disponibilidade de um ambiente rico em recursos e nossa adaptabilidade a ele. Essa adaptabilidade está relacionada ao nosso caráter onívoro.

3. Na medida em que os recursos do meio ambiente se modificaram, os hábitos humanos se modificaram. Dessa forma, a presença do homem em habitats fora da África não resulta, em primeiro lugar, da consciên-cia de sua adaptabilidade ou de um espírito de aventura e conquista, mas da interação permanente entre ele e o ambiente que permanece uma força determinante na história humana. As populações humanas sempre dependeram dos recursos naturais para sobreviver e se repro-duzir. Hoje, não é diferente.

4. A biologia, a antropologia e a psicologia reúnem evidências de que o homem que existe hoje no planeta é o sobrevivente de uma série de ramos de hominídeos. Esse homem que deixou a África há cerca de 60 mil anos é biológica e intelectualmente o mesmo que hoje ocupa todos os continentes. As diferenças que surgiram depois são de ordem externa (fenotípica) e de ordem cultural.

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5. A cultura não é um atributo da inteligência, dado que todos os seres humanos têm a mesma inteligência. A cultura é um aspecto da capa-cidade de adaptação do homem e, portanto, depende dos espaços a que cada grupo esteve originalmente restrito. Ela se refere àquilo que cada grupo escolhe para ser reproduzido pelo sistema de comunicação. Povos diferentes fazem escolhas diferentes.

6. Caçadores, nossos ancestrais hominídeos tinham um modo de vida pautado pela ocupação e domínio de um território. A sedentarização e a agricultura não alteram a necessidade de controle relativo de territórios. O homem dividia esses territórios com outros animais, muitos deles mais fortes do que ele. Com os demais grupos, ele mantinha relações que iam da troca de mulheres (o que ajudava a manter a diversidade genética das populações) à guerra de defesa e conquista de territórios.

7. O altruísmo que unia o grupo para a promoção de sua sobrevivência atuava também na coesão para a guerra. Essa dinâmica, uma vez am-pliada, deu origem a grupos maiores que demandaram formas de orga-nização mais complexas. Alguns desses grupos formaram impérios. As diferenças que levaram a isso eram, sobretudo, de origem técnica. As guerras que levaram à extinção de outros grupos humanos passaram a dar lugar à submissão e/ou escravização desses grupos organizados em grandes territórios que demandavam formas de organização ao mesmo tempo mais complexas e mais eficientes.

8. Hoje a humanidade enquanto espécie é substancialmente a mesma. No entanto, a comunidade humana se estendeu para uma escala global. Essa nova configuração exige que reflitamos sobre o seguinte: 8.1. Os limites do meio ambiente para suportar a humanidade. À

medida em que nos expandimos, a nossa presença destruiu de forma significativa a biodiversidade do planeta. Hoje, temos de nos adaptar a um meio ambiente depauperado em sua diversi-dade. Ou seja, as condições primárias para a sobrevivência do homem foram alteradas de maneira significativa. Esse panorama novo exige responsabilidade e, mais uma vez, nosso altruísmo e cooperação.

8.2. A globalização faz com que todas as tribos humanas possam ser vistas como uma grande tribo. Nesse sentido, a guerra de con-quista pode ser seriamente questionada bem como as diferenças de direitos uma vez que a escravidão e a desigualdade severa de condições de vida ainda existem entre nós.

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8.3. O homem, portanto, não está num pódio. Ele não é o campeão da natureza. Ele é parte de sua dinâmica. A história natural traz para a história um homem de futuro incerto, mas também mostra quais foram as poderosas ferramentas que promoveram a sua sobrevivência: o meio ambiente rico em recursos e a cooperação altruísta.

Falamos muito aqui das contribuições que outras disciplinas podem trazer para o ensino de um conteúdo oferecido pela História. Poderíamos perguntar se não caberia a essas outras disciplinas o ensino de tais conteúdos? O que a História tem a oferecer além da ligação – às vezes estabelecida de for-ma bastante supérflua - com as primeiras civilizações? De todas as respostas possíveis, uma que me parece particularmente verdadeira é que a pré-história já é a narrativa inconclusa do drama humano. E nesse sentido é a única área do conhecimento empírico preparada para transmitir, em uma linguagem comum, os dados fundamentais ao nosso autoconhecimento.

Referências bibliográficas

BLOCH, Marc. Apologia da História. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

SÃO PAULO. Material de apoio ao currículo do Estado de São Paulo: Ensino Fundamental – Anos finais. Caderno do Aluno: História – Ciências Humanas. São Paulo: Nova Edição, Volume 1, 2014.

. Material de apoio ao currículo do Estado de São Paulo: Ensino Fundamental – Anos finais. Caderno do Professor: História – Ciências Humanas. São Paulo: Nova Edição, Volume 1, 2017.

WILSON, Edward. A conquista social da terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

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PIBID-Geografia: práticas e reflexões sobre o processo de formação do professor pesquisador

Anniele Sarah Ferreira de Freitas1

Colaboradora do subprojeto Geografia do PIBID-Unicamp

Rafael Straforini2

Coordenador de Área do subprojeto Geografia do PIBID-Unicamp

Introdução

Nas três últimas décadas, em virtude das profundas transformações estruturais vivenciadas pela sociedade graças ao advento do período técnico, científico e informacional, a Geografia escolar passou por profundas trans-formações, fundamentalmente com as críticas feitas ao método positivista que fundamentava a Geografia tradicional, cuja maior característica na escola era a hiper valorização da descrição e da memorização dos elementos que compunham o espaço. A Geografia, assim, era ensinada aos alunos como um conjunto de partes díspares, independentes e organizadas hierarquicamente, naquilo que passou a ser chamado, nos estudos e pesquisas da escola, de cír-culos concêntricos.

Todavia, não podemos afirmar que o processo de formação inicial do professor de Geografia acompanhou pari passu tais críticas, uma vez que continuou imperando nos cursos de licenciatura a separação entre teoria e prática ou, ainda, a dicotomização entre o saber escolar e o saber científico e de valorização dos saberes da ciência de referência em detrimento dos saberes pedagógicos, num modelo de formação conhecido na literatura educacional como “modelo 3 + 1” (PICONEZ, 2001), ou, como nomeia Saviani (2009), “modelo dos conteúdos culturais-cognitivos”. Segundo Lestegás (2002), ainda

1 Mestranda do Instituto de Geociências da Unicamp.2 Professor do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Unicamp.

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com muita frequência se pensa que, entre a geografia científica produzida pelos investigadores e a geografia escolar ensinada pelos professores, existe somente uma diferença de nível: a que o conhecimento geográfico escolar deriva do conhecimento científico, cabendo aos professores apenas fazer a transposição didática; em outras palavras, tornar inteligível aquilo que é científico. Acredi-tamos que o que está por trás desse pensamento é a velha e tradicional visão de mundo positivista, que conferiu aos cientistas o grau ou o status de produtores do conhecimento e da escola, de espaço de transmissão. Esse é um modelo de aplicação descendente, ou seja, que confere à ação didática uma espécie de filtro dos saberes científicos, estando os saberes escolares sempre em forte dependência dos saberes científicos.

No processo de formação docente – aqui nos interessa os cursos de licenciatura em Geografia –, essa visão de mundo se materializa na hiper-valorização das disciplinas geográficas em detrimento das educacionais, configurando estas últimas apenas como técnicas de ensino. Diniz (1998) identificou em sua pesquisa que tanto os alunos quanto os professores da universidade dão mais valor à pesquisa acadêmica do que a questões relativas à licenciatura. Segundo a autora, os alunos ao entrarem na universidade, mesmo que nos cursos de licenciaturas, são logo aliciados pelo discurso cientificista, da valorização do bacharel; logo, a possibilidade de efetivamente produzir uma identidade ou uma consciência docente junto a esses alunos cai por terra diante dos discursos e das promessas de uma carreira de pesquisador que somente a de bacharel possibilita. Acreditamos que formar a vida e a profissão docente como quer Nóvoa (1995), implica questionar se os nossos cursos de formação de professores estão preparados para formar a consciência ou produzir minimamente uma identidade da profissão docente junto aos alunos, futuros professores.

O curso de Licenciatura em geografia da Unicamp materializa o exposto acima ao não conceber em seu currículo e Projeto Político Pedagógico a pro-dução de monografia ou trabalho de conclusão de curso para os seus alunos concluintes, situação inversa para os bacharelandos. Diante desse quadro de desqualificação do professor pesquisador em formação, ainda que exposto sumariamente, reconhecemos que a existência do subprojeto PIBID-Geografia é um importante espaço-tempo de ressignificação e insurgência em que se valoriza e incentiva uma maior articulação entre o espaço acadêmico com a realidade escolar, ou seja, uma formação cuja essência seja a práxis, em que ambos os espaços sejam de prática e também de produção de conhecimento, articulados de forma indissociável por meio da pesquisa, pois, segundo André

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(2001), há um consenso na literatura educacional de que a pesquisa deve ser parte integrante e essencial na formação, bem como no exercício da docência.

O PIBID e a pesquisa no processo de formação inicial

As pesquisas atuais sobre formação docente são unânimes em afirmar que, para uma formação docente em que se supere a dicotomia entre conhe-cimento científico e conhecimento escolar, é necessário uma maior articula-ção entre o espaço acadêmico de formação docente (a universidade) com a realidade escolar, ou seja, uma formação cuja essência seja a práxis, em que ambos os espaços sejam de práticas e também de produção de conhecimento, articulados de forma indissociável por meio da pesquisa: teoria-prática-teoria. Para Cavalcanti (2012), o professor é sujeito da aprendizagem em ação, como autor de seu trabalho consciente de forma “comprometida, social e política”, sem ingenuidades, e pesquisador daquilo que se compromete a fazer e não um mero reprodutor de práticas alheias. Para que o professor crie a sua identidade docente, é preciso, dentre vários aspectos teóricos e históricos, que o eixo de sua formação seja a práxis. Entretanto, não se deve entender esse aspecto formador somente por meio da prática pela prática, e sim sobre a capacidade de reflexão sobre a prática docente, que se dá pela pesquisa no próprio ato educativo.

Tardif (2000) afirma que a pesquisa inserida no processo de formação da profissão docente é um meio de “abalar” as crenças prévias dos alunos sobre a carreira docente, de modo a contribuir para produzir um novo sig-nificado e sentido identitário para a profissão. Para o autor, a pesquisa deve estar pautada numa epistemologia da prática docente, ou seja, “o estudo do conjunto dos saberes realmente utilizados pelos profissionais [da educação] em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas” (TARDIF, 2000, p.10).

Se as políticas educacionais nas duas últimas décadas no Brasil têm agido diretamente no que diz respeito ao arranjo curricular e em processos de ava-liação com o objetivo de elevar o índice de escolaridade da população, as ações voltadas para a formação docente pouca atenção teve por parte das diferentes instâncias governamentais. No entanto, as associações acadêmicas disciplina-res e os movimentos sociais escolares, como os sindicatos de professores, há muito vêm criticando e defendendo maior atuação por parte dos governos em ações de valorização da carreira docente, bem como em políticas específicas de formação inicial e continuada, na necessidade da superação do modelo de formação “3+1” e na integração entre teoria e prática.

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Encontrar ações que minimizem o desinteresse pela carreira do magisté-rio e possibilitem uma formação inicial pautada na construção da identidade da carreira docente se apresenta como o grande desafio a ser enfrentado na atuali-dade no que diz respeito às políticas educacionais. Se se concorda com Pimenta e Lima (2011) de que a pesquisa no estágio é uma estratégia, um método, uma possibilidade de formação do estagiário como futuro professor, desenvolvendo habilidades e posturas na elaboração de projetos para investigação da práxis, superando uma formação técnica e ou apenas pautada em teorias distantes da realidade escolar, há de se encontrar, então, ações que concebam o professor como um intelectual em processo de formação.

Embora o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), instituído pelo governo federal, sob os auspícios da Capes, não seja um programa específico de estágio supervisionado, ele surgiu com o objetivo de minimizar esse distanciamento entre universidade e escola, entre teoria e prática, e incentivar a formação e permanência dos alunos universitários nos mais variados cursos de licenciatura. Para Matheus (2013, p.1112),

O PIBID surge, explicitamente, em resposta à necessidade de fortalecimento das licenciaturas, em um momento em que a crise no magistério e os baixos indicativos educacionais evidenciam colapso e, implicitamente, à crítica de que os cursos de licenciatura formam inadequadamente professores/as para atuarem na educação básica – o que explica, em parte, o envolvimento da Capes conferindo ao trabalho nas licenciaturas o “selo de qualidade” que imprime nos cursos de pós-graduação.

André (2012) reconhece que, em virtude do espaço de tempo de existên-cia do programa PIBID, não há uma avaliação em escala nacional sobre suas implicações na qualidade de formação dos alunos antes e depois da institucio-nalização do programa. No entanto, destaca que avaliações pontuais já vêm sendo publicadas, conforme o estudo de Ambrosetti et al (2011), demonstrando sucesso entre os estudantes de graduação e professores supervisores.

O Programa de Instituição de Bolsas à Iniciação à Docência – PIBID – surgiu no ano de 2007, a partir da normativa nº 38, do Ministério da Educa-ção3, que retoma a Lei 9.394/96 no que concernem investimentos na formação docente dos professores da educação básica, com a finalidade de incentivar instituições de ensino superior com cursos de licenciaturas a criarem projetos

3 Foi designada à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) a execução, distribuição, seleção e organização do fomento de bolsas aos professores co-ordenadores, alunos licenciados e aos professores supervisores das escolas, e também aos coordenadores gerais.

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em colaboração com escolas de baixo rendimento no ranking do Índice de Desenvolvimento na Educação (IDEB), priorizando o ensino médio, para in-centivar a formação inicial de seus licenciandos e colaborarem com a melhora dos índices de avaliação da escola de maneira inovadora.

Segundo o Relatório de Gestão da Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (2009-2011) foram concedidas 1.193 bolsas de estudos aos cursos de licenciatura em Geografia do total de 11.510 bolsas disponibilizadas no ano de 2011. No ano de 2012, a Capes contabilizou um aumento de 80% no número total de bolsas concedidas e ativas em relação ao ano anterior para todas as licenciaturas, atingindo a soma de 40.092 bolsistas de iniciação à docência em 195 instituições de ensino superior (IE), distribuídos em 288 subprojetos e 4 mil escolas4.

Montandon (2012) afirma que o PIBID visa suprir a ineficiência da formação profissional docente em seu componente prático; logo, ele deve ser entendido como um projeto coletivo e não hierarquizado. Apesar de ser concebido e organizado pelas universidades, é uma forma cotidiana de viver a docência em busca de uma formação que valorize a identidade docente. Malysz (2007, p.19) chama a atenção para uma dimensão do PIBID que nos interessa neste projeto, que é a possibilidade de vivência de uma experiência significativa e construtiva para os licenciandos, “onde podem desenvolver projetos de pesquisa destinados a compreender e propor alternativas para a melhoria do ensino fundamental e médio”. Deste modo, o PIBID surge como uma valorização do conhecimento teórico e prático incitando a necessidade da pesquisa em prol da reflexão, instituindo assim o perfil do professor pesquisador enquanto um profissional reflexivo acerca de seu cotidiano, com perspectivas de mudanças. (PEREIRA & PEREIRA, 2012; KHAOULE, 2012; PIMENTA & LIMA, 2005/2006)

O PIBID-Geografia da Unicamp: do sobrevoo panorâmico ao mergulho no cotidiano escolar

Embora o projeto do PIBID-Geografia da Unicamp, apresentado no edital Capes 001/2011, tivesse como objetivo geral

fomentar a formação inicial e continuada de futuros professores do curso de geografia para atuarem no âmbito da educação básica da rede pública, de forma

4 De acordo com informações obtidas no site do PIBID/CAPES: http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid/relatorios-e-dados. Acesso em 15 de junho de 2015.

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a estimular o espírito científico nos alunos de licenciatura (...) aproximando a Universidade e Escola; a Teoria e Prática na medida em que a Escola será coformadora dos futuros docentes e protagonista no processo de sua formação e do processo de melhoria da qualidade do curso de licenciatura em geografia,

a justificativa e a fundamentação teórica para o objetivo acima exposto esta-vam fortemente vinculadas aos debates recentes no campo da Geografia sobre globalização, território usado e modernização do território brasileiro. Como consequência – ainda que imperceptível para a antiga coordenação de área –, as práticas de aproximação entre universidade e escola, teoria e realidade apresentavam quase que sentido único: da universidade para a escola. Os bolsistas tentavam levar os tais debates geográficos do projeto e existentes na Geografia acadêmica para a escola, porém não encontravam espaço para tal prática, uma vez que os temas não coincidiam com o currículo das turmas que acompanhavam na escola e também porque o cotidiano escolar se diferenciava substancialmente da cultura acadêmica.

Ao assumirmos a coordenação de área do Subprojeto PIBID-Geografia, logo nos primeiros encontros e reuniões, tal problema de concepção foi evi-denciado a partir das falas dos bolsistas, sobretudo a partir do que relatavam sobre as dificuldades em levar tais temas para a sala de aula. Acreditamos que a atuação do PIBID-Geografia na escola era marcada por ações que se opera-vam em “mapas de pequena escala”, conforme afirma Oliveira (2003, p.59). Para a autora,

partindo das regularidades e permanências captadas nos estudos globalizantes realizados através de mapas em pequena escala, podemos construir os modelos, mas os modos como as realidades locais expressam as normas e as modificam pelas suas especificidades só podem ser compreendidos se “descermos” às sin-gularidades, só perceptíveis nos mapas em grandes escalas. (OLIVEIRA, 2003, p. 59, grifos nossos)

O desafio foi, então, vivenciar a “grande escala” no cotidiano escolar, de modo que as singularidades expressas e possíveis de serem captadas nessa dimensão ressignificassem por completo o projeto inicial e possibilitassem uma vivência de práxis no cotidiano escolar. O desafio nos convidou a realizar um mergulho no cotidiano das escolas parceiras com o intuito de observar as práti-cas curriculares dos professores supervisores de Geografia também bolsistas do subprojeto Geografia, e identificar como esses sujeitos praticantes (re)criavam novos significados e discursos. Para Alves (2003, p.65), a pesquisa no/do/com o cotidiano escolar obriga o pesquisador a abandonar o modo de ver o mundo na perspectiva criada na modernidade, que prega que o único conhecimento que

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tem algum valor é o científico, produzido a partir de pesquisas empiricamente comprovadas pela academia. Para a autora, a ideia de “senso comum” como sinônimo de conhecimentos cotidianos é uma “invenção” da ciência moderna, e isso “significou, na história das ciências, como [conhecimentos] menores e mesmo equivocados”. Em outro artigo, a autora convida os pesquisadores a mergulharem no cotidiano:

O modo de “ver” dominante do mundo moderno deverá ser superado por um ‘mergulho’ com todos os sentidos no que desejamos estudar; a este “mergulho” temos chamado, pedindo licença ao poeta Drumond, de “o sentimento do mundo”. (...) Não há outra maneira de se compreender a lógica do cotidiano senão sabendo que nele estamos inteiramente mergulhados. (ALVES, 1998, p.2)

O “mergulho no cotidiano” a que Alves (1998) nos convida é interpre-tado por Ferraço (2003) como um convite para abandonarmos de vez a ideia da pesquisa “sobre” o cotidiano. Para esse autor,

a pesquisa “sobre” traz a marca da separação entre sujeito e objeto. Traz a pos-sibilidade de identificarmos o cotidiano como objeto em si, fora daquele que o estuda, que o pensa ao se pensar. (...) Pesquisar “sobre” aponta a lógica da diferença, do controle. Resulta no sujeito que domina, ou crê dominar, o objeto. Um ‘sobre’ o outro, que “encobre” que se coloca ‘por cima’ do outro sem entrar nele, sem o ‘habitar’. (FERRAÇO, 2003, p.162)

Postos esses pressupostos metodológicos de abandonar o pensamento positivista e as pesquisas “sobre” o cotidiano, Ferraço (2007, p.77) se ques-tiona da legitimidade de uso de “estruturas para falar de algo que é efêmero, incontrolável, caótico e imprevisível”. Para o autor, a forma de se resolver metodologicamente essa questão reside na própria condição da vida no coti-diano. Assim, ao invés da pesquisa “sobre” o cotidiano, o autor defende que devemos fazer pesquisas “com” o cotidiano escolar. Para Oliveira (2003, p.54), o cotidiano escolar é, por excelência,

o espaço-tempo no qual e através do qual, além de forjarmos nossas identidades e tecermos nossas redes de subjetividades, em função dos múltiplos conheci-mentos valores e experiências com os quais convivemos nele, tornamo-nos produtores de conhecimentos, mesmo dos chamados conhecimentos específicos. (OLIVEIRA, 2003, p.54)

O cotidiano escolar assumiu, nesse sentido, centralidade no desenvol-vimento do subprojeto PIBID-Geografia. Ao invés dos bolsistas apenas mi-nistrarem regências sobre os três temas elencados no projeto (globalização, território usado e modernização do território brasileiro), passaram a vivenciar

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o cotidiano escolar nas suas múltiplas possibilidades de vivência, tanto dentro da sala de aula quanto em outros espaços escolares.

Se o mergulho no cotidiano escolar possibilitou a vivência de novos con-teúdos, uma questão emergiu: olhar e pesquisar o quê? Inicialmente, as primei-ras respostas dos bolsistas estavam sempre carregadas de sentidos acadêmicos e de transposição didática de conceitos geográficos acadêmicos, por exemplo: “como ensinar o meio técnico-científico-informacional no ensino médio?”, “ensino de solo”, entre outros. Lacerda (2002, p. 70) também questiona:

como privilegiar uma questão específica quando sabemos que em nossas salas de aula os problemas se encontram emaranhados de elementos que nem se quer supomos existir? Por onde começar? Como eleger um tema a ser discutido quan-do sabemos que tantos [outros] há? Como saber qual deles é mais importante?

Sabendo da necessidade de utilizarmos uma metodologia de pesquisa no/do/com o cotidiano escolar, nos apoderamos da proposta de pesquisa do professor-pesquisador apresentada por Moreira e Caleffe (2008) para aplicar-mos a nossa metodologia e extrair do cotidiano escolar temas de investigação significativos para os bolsistas de iniciação à docência, conforme se segue.

1. Definição da temática e do objetivo de pesquisa

• Identificação do aluno bolsista com o tema de pesquisa:o Tem que estar correlacionado com as suas vivências no coti-

diano escolar: pesquisa de pequena escala ou assuntos relati-vos a modelos teóricos da Educação.Perguntas que devem ser elaboradas:

o Por que devo realizar a pesquisa no contexto da escola?o Como o resultado da pesquisa me ajudará no entendimento do

problema em questão e, consequentemente, na minha forma-ção como docente?

o A pesquisa poderá ser realizada no tempo e com os recursos de que disponho?

2. Definição da problemática

• Uma questão-problema relacionada à temática. Uma pergunta central. Deve ser direta e objetiva.

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• Questão da escala de abstração:o CUIDADO com amplitude do tema e da problemática. Exem-

plo:i. Qual a importância da Educação de Jovens e Adultos

no Brasil?ii. Qual a importância da Educação de Jovens e Adultos

no Estado de São Paulo?iii. Como a Geografia escolar vem sendo ensinada nos

cursos de EJA na cidade do Campinas?iv. Quais as representações e ideias prévias que os alunos

de um curso de EJA da cidade de Campinas têm sobre o conceito de território?

v. Como as práticas territoriais dos alunos de EJA podem ser apropriadas na Geografia escolar de modo a possi-bilitar uma aprendizagem significativa?

3. Relação entre o modelo teórico e a problemática

• Também tem diferentes escalas: do tema mais geral à especificidade da problemática envolvida. Alguns passos para alinhavar o modelo teóri-co e a problemática de pesquisa:

i. resumir o contexto pedagógico da realidade onde a problemática em questão ocorre;

ii. enfatizar as teorias, conceitos e ideias atuais na área;iii. esclarecer a importância do tema e da questão-proble-

ma;iv. identificar a literatura relevante ao tema de pesquisa;v. procurar localizar o problema da pesquisa no cenário

da pesquisa educacional, nos debates contemporâneos e nas teorias da área escolhida (pode ser no componen-te curricular);

vi. aprender, identificar os pontos positivos e negativos de trabalhos correlatos ao seu.

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Algumas considerações finais

As primeiras questões trazidas pelos alunos bolsistas revelaram que a mudança de escala de observação, isto é, da “pequena escala” para a “gran-de escala” possibilitou, assim como na Cartografia, a visualização de uma multiplicidade de detalhamentos dos elementos do universo escolar que o sobrevoo panorâmico não havia ainda possibilitado. Adentrar, mergulhar e vivenciar o cotidiano escolar enriqueceu as experiências dos alunos bolsistas de modo a ressignificar as suas impressões sobre a escola. Se antes dessa nova concepção de atuação do subprojeto PIBID-Geografia as questões problemas e de interesse de investigação dos bolsistas quase se fixavam exclusivamente em transposição didática dos conceitos geográficos adquiridos na univer-sidade, agora novas questões passaram a ser problematizadas, abrangendo desde questões diretamente ligadas às metodologias de ensino e às questões institucionais e curriculares. Outra questão que já se começa a delinear no que se refere ao cotidiano desses bolsistas na universidade é a emergência da pesquisa em ensino de Geografia como uma potencialidade real para os cursos de Geografia (Licenciatura e Bacharelado), “contaminando” desse modo os demais alunos não pertencentes ao PIBID. A presença constante do grupo PIBID, a socialização dos bolsistas em atividades acadêmicas internas, as reuniões semanais, o grupo de estudo... enfim, tudo isso vai aos poucos dando visibilidade ao invisível e, quem sabe, implodindo a concepção de que licenciatura não precisa de pesquisa. Enfim, formar professor pesquisador não é atuar apenas no campo do indivíduo – o futuro professor –, mas também ação política universitária.

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O valor da experiência – o PIBID na formação de uma professora

Daniele Cristina Carqueijeiro de Medeiros1

Ex-bolsista de Iniciação à Docência do PIBID-Unicamp

Introdução

Este texto nasce como resultado de memórias e experiências, pessoais e intransferíveis, que marcaram a minha experiência como aluna do curso de graduação em Educação Física.

Na metade final da minha graduação, momento em que já havia esco-lhido a ênfase em licenciatura, participei de dois grupos diferentes do PIBID, ambos ligados à minha graduação. Embora tivessem diferentes enfoques – um deles abordava o bullying e outras violências escolares, e o outro as relações de gênero nas aulas de Educação Física - ambos me proporcionaram experiências diferenciadas e memoráveis, que venho aqui relatar.

As marcas do programa PIBID em minha atuação profissional foram e são intensas e duradouras. Ao terminar minha segunda participação no PIBID, ingressei em menos de um mês como professora de Educação Física da rede pública. Fui encontrar-me com a minha profissão profundamente marcada pelas experiências do programa e posso afirmar que elas me serviram como base para as minhas primeiras ações e impressões na escola.

O objetivo desse texto é elaborar uma reflexão que retoma aquilo que vivi no PIBID e as possíveis implicações deste programa para a minha carreira docente. Busco também analisar o programa a partir de um outro enfoque: não só a elogiada ação institucional, mas também as possibilidades por ele abertas de novas experiências àqueles que saem da graduação e se inserem na carreira escolar.

1 Professora de Educação Física na Prefeitura Municipal de Campinas.

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Teço este texto assumindo uma posição, de um lugar demarcado e marcado pelo objeto em questão: falo do lugar de uma ex-aluna, formada por dois progra-mas de iniciação à docência, que saiu da universidade diretamente para o “chão da quadra”, e da importância dessa experiência para a minha prática docente.

A experiência – o PIBID e a relação com os alunos

Sabe-se que o estágio é um momento ímpar no qual o aluno de gradua-ção entra em contato com a realidade escolar, seus processos, seu ritmo. É um local e momento de entendimento, prática e crítica, no qual o aluno constrói, a partir de sua análise, um modelo ideal de profissional, uma meta fixada a ser seguida. Carmen Lúcia Soares (1996) ressalta ainda que o estágio é benéfico se analisado de forma contextualizada, com respeito a toda construção sócio histórica da instituição de ensino e da comunidade à qual ela pertence.

Entretanto, entendo que o estágio é pautado exclusivamente na relação entre o professor e o estagiário; logo, o que determina se fizemos um “bom” ou “mau” estágio depende quase exclusivamente da postura do professor a quem depositamos toda a expectativa de “aprender coisas novas”. Além disso, este é por muitas vezes um espaço de pouca autoria e liberdade: o estagiário fica sempre preso ao planejamento do professor, procurando brechas para tentar realizar uma intervenção que, muitas vezes, não é nem mesmo contextualizada com o momento ou conteúdo de trabalho presente no planejamento.

O estágio institucional é, muitas vezes, a única oportunidade que o aluno tem para dialogar, na prática, com as teorias formuladas por anos dentro das salas de aula da universidade. Este é, no meu ponto de vista, um espaço que proporciona pouca experiência. Experiência foi o termo encontrado por Jorge Larrossa (2002) para definir aquilo que nos toca, aquilo que produz afetos, insere marcas, que deixa vestígios. Experiência, para este autor, é o termo chave da educação.

Se fossemos compreender o estágio obrigatório como uma preparação – por muitas vezes, o único espaço de preparação – para a carreira docente, poderíamos dizer que ele é um espaço em que não se experimenta a escola. Seguimos à risca as determinações e prazos, nos encontramos com a(s) turma(s) no horário determinado, anotamos as posturas boas e ruins do professor, nossas impressões primárias, e nos despedimos da turma que por muitas vezes não se lembra nem ao menos do nosso nome.

Deixamos de experimentar o recreio, as aulas das outras disciplinas, os embates da sala dos professores, os momentos em que as crianças ou adoles-

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centes estejam livres. Para Larrossa (2002, p.24), o sujeito da educação não é um sujeito que apenas vivencia; ele é um sujeito que experimenta: “o sujeito [da experiência] seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz al-guns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos”. O aluno que se prepara para ser o sujeito da educação muitas vezes deixa de experimentar a escola para certificar-se de que cumprirá corretamente as di-retrizes apontadas pela universidade.

Maria do Carmo de Souza (2014), ao assinalar as diferenças entre o estágio e o programa PIBID, ressalta que o PIBID pode ser considerado uma ampliação de horizontes frente ao momento do estágio. A relação feita pela autora se dá em relação à estrutura da escola e da universidade; para ela, o PIBID estreita os laços entre ambas instituições, gerando uma nova política de pensar a educação, num processo de co-autoria entre elas.

Minha compreensão sobre esta ampliação de limites proposta pelo PIBID ultrapassa a relação institucional. Venho aqui falar sobre a minha experiência, e de outra forma em que o PIBID pode tocar o ensino público: como parte da experiência pré-profissional de professores que, quando formados, vão atuar nas redes públicas de ensino. Para isto, narro algumas lembranças e situações marcantes que vivenciei nestes dois programas em que atuei como bolsista.

Minhas experiências no PIBID

Participei, no segundo semestre de 2011, do programa de iniciação à docência em um projeto multidisciplinar, coordenado por uma professora do meu curso de graduação, a Faculdade de Educação Física, e uma professora da Faculdade de Educação2. Este subprojeto tinha como intenção tematizar as relações humanas entre os diferentes sujeitos que compõem o cotidiano escolar, com vistas a compreender a dinâmica relacional que as permeia, identificando problemas de violência, agressividade, bullying e outros possíveis preconceitos.

2 Este subprojeto foi coordenado pelas professoras doutoras Elaine Prodócimo e Eliana Ayoub, da Faculdade de Educação Física – Unicamp e Faculdade de Educação – Unicamp, respectivamente. As atividades realizadas que são narradas no texto ocorreram na E.E. Guido Segalho, em Campinas-SP. Este subprojeto também é abordado nos textos: “Rela-ções humanas e cotidiano escolar: experiências interdisciplinares no PIBID-Unicamp”, de autoria de Elaine Prodócimo e Eliana Ayoub (2014); e “Relações interpessoais na escola: reflexões sobre a violência no cotidiano escolar de alunos do ensino público de Campinas”, de autoria de André C. Figueira e Elaine Prodócimo (2014).

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O grupo, com aproximadamente vinte pessoas, era subdividido em grupos menores, que atuavam em frentes diferentes dentro da escola. Quando iniciei minha atividade no grupo multidisciplinar do PIBID, tinha em mente uma atividade proposta que fosse voltada para as práticas corporais dentro da escola, sem perder de vista a ideia do trabalho a partir das relações humanas.

Enquanto os colegas do grupo se subdividiam em diversas frentes na tentativa de cumprir tal objetivo, como a discussão sobre a sexualidade ou a formação de rádio e grêmio, meu subgrupo procurou se aproximar das práticas corporais no ambiente escolar, motivados principalmente pelo fato de sermos todos alunos da graduação da Educação Física. Teríamos a possibilidade de inserirmo-nos nas aulas de educação física, mas visualizamos aquele espaço como uma possibilidade engessada de contato e vivência na escola – um local que apenas seria a reprodução da possibilidade de atuação dos estágios regulares.

Pensando assim, voltamos a nossa atuação para as aulas vagas – aulas nas quais não havia professores para compor a grade horária do dia – e utilizamos, em geral, o espaço do pátio para a realização de atividades voltadas às práticas corporais. A inserção de uma atividade neste tempo e espaço buscava atender principalmente a um anseio da escola, ou seja, o de que os alunos não ficassem sem nenhuma atividade naquele momento, o que era comum no cotidiano daquela instituição. Entretanto, visualizamos, naquele lugar, uma possibilidade interessante e múltipla de um trabalho com atividades corporais que fossem vinculadas ao cotidiano dos alunos, mas que não necessariamente precisassem “pertencer” aos objetivos da disciplina educação física. Entretanto, atentamos para que nossa ação tivesse um objetivo concernente ao projeto político peda-gógico da escola, de modo que este não fosse visto como “a hora da recreação”.

O que visualizávamos naquele espaço era que as práticas corporais restritas ao esporte, realizadas na educação física escolar, abriam margem para a exploração de novas possibilidades. Encontramos ali um ambiente profícuo para a inserção de novas realidades de movimento, tanto relacio-nadas à “cultura de rua” que os próprios alunos tinham, quanto relaciona-das às grandes mídias ou outras culturas que, contextualizadas, poderiam se encaixar nas práticas daqueles adolescentes. Nosso grande objetivo era “desestigmatizar” a prática corporal, que era encarada como um paradigma dos grandes esportes midiáticos.

Alguns problemas enfrentados na compreensão desta prática se de-ram pela falta de relação desses momentos com as aulas de Educação Física: tornavam-se, facilmente, espaço de lazer. Escapou-nos dos olhos uma verdade que não queríamos ver: a Educação Física e as práticas corporais, no ambiente

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escolar, já estavam incorporadas pelos alunos através das práticas esportivas “hegemônicas”, que eles, cotidianamente, faziam e refaziam. Além disso, havia outra questão: o espaço de intervenção das práticas corporais, na escola, deve ser restrito às aulas de educação física. O corpo negligenciado pelos conteúdos é, igualmente, negligenciado por parte dos alunos, que se assustam e se negam a vivenciar uma prática sempre que ela exija a movimentação do corpo ou que os leve a “suar”. Quando superadas as dificuldades de compreensão do espaço como educativo, barrávamos sempre na resistência de grande parte dos alunos em realizar a atividade proposta. As justificativas resvalavam por entre duas razões: a não obrigatoriedade – e não punição por consequência – e a quadra como espaço escolar único destinado à prática de atividades físicas.

Esta ação não resultou da forma como esperávamos. Esperávamos que ele ampliasse o horizonte dos alunos para outras práticas corporais possíveis no ambiente escolar. Porém, a assimilação que os alunos fizeram de nossas ações não permitiu que estas se legitimassem naquele espaço. Quando questionados a respeito de nossas atividades, eles diziam que sentiam falta dos “esportes tradicionais” – futsal, handebol, basquete e vôlei. Entendemos esta resposta como a associação de nossas aulas às aulas de Educação Física, nas quais tais conteúdos são majoritários. Entretanto, tal associação foi unilateral: gostariam que nossas aulas absorvessem tais conteúdos, porém não sugeriram à profes-sora que as aulas de educação física contemplassem os novos aprendizados. Aparentemente, os alunos tentaram nos ajudar a ‘legitimar’ nossas aulas dentro dos parâmetros de aceitação social.

Entretanto, vendo esta ação com outro olhar, entendo que foi uma experiência escolar. Vivenciamos um espaço de construção coletiva com os adolescentes, em que não dependíamos da ação de outro professor que nos comandasse. Inserimo-nos em um problema que assola diversas escolas no nosso município: a falta de professores para cobrir os ausentes – o famoso problema da aula “vaga”. Estes alunos eram dispensados antes do término das aulas, ou então ficavam vagando pelo pátio sem uma atividade a ser realizada. Convivemos frente a frente com um problema real da vida escolar.

Convivemos também com os adolescentes fora do âmbito da sala de aula. Foi possível assim que conversássemos, que eles trouxessem atividades de seu cotidiano, que falassem sobre as práticas corporais de que gostavam. Como mostra Dayrell (2009), os jovens costumam ser pensados, no espaço escolar, como um “vir a ser”, e não como interlocutores ativos do processo educacional. Se a ideia da escola é construir uma juventude autônoma e capaz de realizar as suas próprias escolhas, este espaço em que experimentamos as vozes de tais

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interlocutores me fez refletir sobre a incapacidade da escola para atender aos anseios e às escolhas desses alunos.

Julgo que esta experiência tenha tocado minha prática docente na medida em que procuro pensar nas culturas juvenis e seus anseios nos planejamen-tos. Os planos de aula não devem ser realizados sem antes considerarmos as particularidades daquela determinada comunidade. Caparroz e Bracht (2007) apontam a dificuldade que os ex-alunos de Educação Física vêm tendo para elaborar o seu trabalho nas escolas. Os autores apontam que um dos princi-pais fatores é a atual conjuntura dos cursos de graduação, que hipertrofiam a discussão pedagógica e atrofiam as questões didáticas da prática escolar. Considero que, para além destes problemas e enfrentamentos, a falta de conhe-cimento da realidade escolar também seja problemática no desenvolvimento das ações ao chegarmos ao campo de trabalho: as escolas. Sobre a dicotomia teoria e prática, os autores pontuam que “[...]espera-se da teoria que ela seja coerente, lógica, preveja o comportamento das coisas. A prática, por sua vez, é repleta de ambiguidades, motivações não racionais, possui um alto grau de caoticidade, embora também encerre elementos lógico-racionais e previsíveis” (CAPARROZ e BRACHT, 2007, p.28).

Portanto, a teoria não existe sem a prática e vice-versa; é preciso estabe-lecer na escola uma prática reflexiva, que dê conta de alimentar uma ou outra ao mesmo tempo, numa constante retroalimentação. Esta possibilidade é aumentada quando chegamos à escola já com expectativas reais a respeito da prática docente, o que por muitas vezes não se faz possível apenas pelo estágio obrigatório.

A minha outra experiência no PIBID, no segundo semestre de 2012, ocor-reu em um grupo constituído por alunos do curso de Educação Física e da Dança, com uma abordagem voltada à construção de estratégias pedagógicas voltadas às relações de gênero dentro da escola, com ênfase nas aulas de educação física3.

O projeto se subdividia em duas escolas, uma que possuía turmas de 1º a 9º ano e outra de 1º a 5º anos. Acompanhei, ao longo do ano, as aulas da pro-

3 Este subprojeto foi coordenado pela professora doutora Helena Altmann e teve as pro-fessoras mestras Juliana Fagundes Jacó e Simone Cecília Fernandes como supervisoras. As ações narradas neste texto ocorreram em grande parte na E.E. Sophia Velter Salgado. O campeonato inter-salas ocorreu na EMEF Edson Luis Lima Souto, ambas na cidade de Campinas-SP. Este projeto foi citado no capítulo “Educação Física Escolar e gênero: construindo estratégias pedagógicas através do PIBID”, de autoria de Helena Altmann, Juliana Fagundes Jacó e Simone Cecília Fernandes (2014), sendo que alguns fatos lá trata-dos dialogam, em alguns relatos, com as ações mencionadas aqui.

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fessora de Educação Física da segunda escola, embora, em algumas situações, tenha participado de eventos na outra escola.

Éramos um grupo que se iniciava e procurávamos uma forma de interação com a escola até que pudéssemos de fato adentrar a temática, que perpassa as relações interpessoais e não poderia ser abordada sem um conhecimento pré-vio das turmas e das escolas. Logo, naquele início de intervenção, realizamos diversas ações que se voltavam não só para o período das aulas como também para momentos comemorativos, eventos, diálogos e trocas com as outras pro-fessoras. Este papel do PIBID, de estreitar as relações com a escola e fazê-las de forma menos unilateral, como aponta Souza (2014), indica de fato para uma tentativa de nos inserir na escola de forma a ajudar o cotidiano escolar em suas verdadeiras necessidades, na tentativa de resolução dos problemas cotidianos, diferente da chegada de um projeto pronto e apto a ser “aplicado” naquela realidade.

Uma dessas intervenções da qual participei foi o diálogo com as professo-ras durante o momento de reunião. Participávamos de um curso de construção de ecobrinquedos e fomos até à reunião institucional ensinar às professoras a confecção de alguns jogos. Foi a primeira vez em que participei de uma reunião institucional da escola, e conheci seu formato, o conteúdo das discussões, as falas a respeito das ações e dos alunos. Mais do que ensinar os professores a respeito dos jogos e brinquedos, neste dia aprendi diversos aspectos relacio-nados à organização do tempo de trabalho dos professores.

Ocupamos metade da reunião com os jogos; primeiro falamos sobre o curso que fazíamos e explicamos alguns procedimentos; depois explicamos a história de alguns dos jogos e dividimos as professoras em quatro mesas, cada uma com um jogo. Em cada mesa, explicamos as regras do jogo enquanto elas jogavam, a idade adequada, a forma de produção e esclarecemos outras dúvidas que surgiram.

As professoras começaram a jogar com certo receio, mas aos poucos se deixaram envolver pelo espírito do jogo e logo já estavam competindo e se divertindo. De uma forma geral, as professoras se mostraram muito partici-pativas e aparentemente aprovaram as brincadeiras, embora nenhuma delas tenha mencionado que este aprendizado pudesse ser aplicado às aulas.

Considero que tenha sido interessante esta iniciativa ao longo da ten-tativa de mudança de alguns paradigmas com relação ao distanciamento do lúdico do espaço da sala de aula, e a divisão concisa do que é “sério” e o que é “brincadeira”. Considera-se, no senso comum escolar, que a Educação Física é o lugar do “não sério”; logo, o lugar da brincadeira e da não obrigatorieda-

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de. Entretanto, a própria disciplina já nasce com o papel da obrigação. Para Snyders (1988), a escola é o lugar por excelência da regra e da obrigatorie-dade, mesmo que estas não tenham sentido. Logo, é preciso reconhecer que estes papeis também são absorvidos pela Educação Física e que não é possível determinar toda a carga lúdica para esta disciplina, dissociando-se de todo o resto da escola como a construir uma muralha entre o que é sério, e fica den-tro da sala de aula, e o que é “brincadeira”, restando à Educação Física o papel de suprir esta segunda carga.

Com relação ao acompanhamento das aulas de Educação Física, bus-cávamos uma brecha na tentativa de inserir a discussão ou ações voltadas às relações de gênero na turma. Acompanhei a professora em suas aulas com todas as turmas, e me inteirei dos conteúdos trabalhados e da forma como trabalhá-los. Certa vez, quando o conteúdo era esporte, me dispus a realizar uma sequência de aulas com o conteúdo futebol americano, já que este era para os alunos um esporte novo e com o qual eles tinham pouco contato. A professora deixou que eu conduzisse a aula para a turma do quinto ano, da forma como eu havia planejado. Era a primeira vez que eu tinha a oportu-nidade de estruturar a minha própria sequência de aulas e dialogar com os alunos a respeito das questões que tentava promover. Ministrei uma série de quatro aulas com a temática rugby e futebol americano para os alunos. As aulas trataram desde assuntos teóricos, como a violência nos esportes e as diferenças entre cada um, até as práticas corporais que envolvessem as habili-dades destas duas modalidades.

Houve alguns percalços no caminho e comecei a perceber que eles sempre existiriam em toda e qualquer prática docente. Durante o período de aulas, houve alguns feriados e algumas tarefas da própria escola (como pro-vas obrigatórias) adiaram o período de aulas. Assim, as aulas tiveram que ser condensadas e finalizadas no festival de fim de ano para que o planejamento fosse cumprido.

Mas, com exceção desta “desventura” – ou apesar dela –, consideramos que este aprendizado foi muito importante e interessante, para os alunos e para mim. Nas discussões a respeito do domínio da quadra e dos esportes na aula de Educação Física, é comum que as pesquisas cheguem à conclusão de que as meninas ocupam em maior número a periferia das quadras e dos jogos4. Sempre tive o receio de que minhas aulas não fossem um espaço democrático

4 Ver a este respeito o trabalho de Juliana Fagundes Jacó, intitulado “Educação física escolar e gênero: diferentes maneiras de participar das aulas” (2012), citado nas referências.

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para que todos conseguissem se apropriar dos esportes, cada um à sua maneira. Este trabalho com o futebol americano e rugby foi interessante na medida em que desmistificou algumas questões do esporte e permitiu que todos os alunos participassem, talvez por desconhecerem o jogo, e não marcassem de forma tão intensa as questões de gênero e de pertencimento. Hoje em dia, este é um conteúdo certo de minhas aulas sobre esportes e seus elementos, já que desco-bri através dele uma possibilidade de discutir gênero e violência nos esportes.

O último fato marcante que pretendo relatar aqui ocorreu na outra es-cola que participava do programa e que eu não costumava frequentar. No final do ano, a professora de Educação Física, com o auxílio dos alunos do PIBID, realizou nesta escola uma gincana esportiva na qual diversos esportes seriam realizados.

A divisão das equipes foi feita novamente no dia, já que diversos alunos haviam faltado. As modalidades eram mistas, e me responsabilizei pelo futsal, já que possuia experiência como árbitra. Outras pessoas do grupo também participaram arbitrando ou anotando e fotografando determinadas ações.

Minha experiência prévia como árbitra de jogos de futsal em federações foi muito interessante, pois os alunos aumentaram o meu ‘status’ de árbitra com formação e respeitaram as regras do jogo como se fossem oficiais. Alguns reclamavam de alguns lances, mas de forma geral eles me respeitaram como uma autoridade ali presente naquele momento.

O caso mais interessante foi o da jogadora de futebol, que pertencia a um time considerado bom e que jogou várias partidas. Os garotos que tinham algum status de ‘bons de bola’ pela turma não deixavam que ela tocasse na bola, apesar de ela ser uma jogadora com bons fundamentos táticos. A própria torcida se espantava com a presença dela – percebi que muitos alunos da escola não sabiam que ela jogava futebol, o que sugere que não havia espaço para ela nesta prática na escola.

Logo que percebeu que eu também jogava futebol, a aluna começou a me contar algumas coisas do jogo: notei que ela se sentia descontente porque os meninos poucas vezes passavam a bola para ela, e também por ter sobrado a posição de fixa (jogadora que fica mais longe do ataque) para que ela executasse.

Imaginei, antes de o campeonato começar, que as modalidades seriam realizadas de forma mista, já que esta era uma possibilidade assegurada pelo regulamento. Entretanto, qual foi o meu espanto quando me deparei com ape-nas aquela garota na quadra de futsal, que participou de forma “coadjuvante” daquela prática, já que os garotos não passavam a bola para ela.

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De todas as relações que experimentei durante meu estágio no PIBID, esta foi a que mais me marcou. Talvez por ser o local onde vivenciei mais for-temente as experiências de gênero na educação física, talvez por me identificar durante a adolescência, quando eu também queria jogar e era rechaçada pelos meninos. Os campeonatos inter-salas ou interclasses são uma marca escolar que perdura e que é exigida por parte dos alunos como fechamento do ano. Vivencio até hoje em minha escola as dificuldades em orientar os times para estas questões: como fazer com que as meninas participem e sejam de fato incluídas e protagonistas das ações nos campeonatos interclasses?

Sempre tive uma tendência em classificar como muito importantes as questões de gênero nas minhas aulas; uma das questões que me motivou a ser professora de Educação Física escolar era, de fato, promover uma educação física mais inclusiva para as meninas do que aquela que eu vivenciei em meu período de estudante. Portanto, minhas experiências neste programa só ser-viram para alimentar minha mente com possibilidades reais de discussão e de ações frente a esta questão na escola. O discurso a respeito do gênero nas atividades escolares é repleto de exemplos e importantes significações, mas experimentar as relações dentro da escola permeadas por esta discussão foi um estímulo completamente diferente para as minhas reflexões como professora.

A Educação Física como componente escolar já nasce marcada pela di-ferenciação dos papéis compreendidos às meninas e aos meninos segundo os conteúdos ministrados (GOELLNER, 2003; SOARES, 1994). A diferenciação era marcada principalmente pela demarcação das mulheres como futuras mães, que não poderiam, desta forma, participar de exercícios brutos ou que mudas-sem anatomicamente seus corpos; eram, portanto, excluídas das atividades que tivessem um caráter de força, rapidez e velocidade, sendo os adjetivos de suas atividades a “graça” e a “beleza”.

Ainda hoje, as marcas instituídas por anos de desigualdades nas relações de gênero dentro das aulas de Educação Física perduram, ou são incentivadas por professores que insistem em transformar suas alunas em “antas”5.

Meu período de estagiária neste programa que discutia estas relações me fez produzir uma prática reflexiva que não coloca esta questão como adjacente, mas como cerne da organização e do planejamento escolar, inclusive figurando como conteúdo de discussões entre os alunos.

5 Jocimar Daolio utiliza esta expressão ao tratar da diferenciação entre meninas e meninos na Educação Física escolar em seu texto intitulado “A construção cultural do corpo feminino ou o risco de se transformar meninas em ‘antas’” (1995), citado nas referências.

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Conclusão: uma nova relação entre a universidade e a escola

Paul Ricoeur (2012), historiador alinhado com a produção da história cultural, esmiúça a memória como componente crucial da formação da história. A história é repleta de subjetividades, e o uso da memória nesta discussão acirra a validade das subjetividades na construção de um objeto histórico.

A memória como componente histórico pode se confundir, pode se reinventar ou reordenar fatos históricos de uma forma pessoal, distante dos acontecimentos reais. Entretanto, suas marcas se dão pelo experimentado, pelo sentimento enrustido naquele momento.

Foi assim que esmiucei a memória em busca de registros das minhas experiências no PIBID: a seleção feita pelos mecanismos da minha memória, auxiliada pelos registros feitos à época, me levaram aos acontecimentos rele-vantes que foram aqui narrados.

Esta memória tem forte carga sentimental para mim, e constitui base da minha experiência como aluna da graduação de Educação Física. Reafirmo que, para além de muitos conteúdos discutidos em sala de aula ou práticas descon-textualizadas realizadas em aula, que já foram varridas da minha memória, a experiência do PIBID continua viva, como uma marca sentimental que constitui importante reflexão sobre as minhas ações como professora.

Sinto que a experiência, no sentido que o termo assume para Larossa (2002), é um dos principais combustíveis à memória aqui relatada. Se não fossem marcantes, enrustidas na carne, estas lembranças teriam passado com o tempo e já não existiriam na minha vida profissional. Foram os afetos, as marcas deixadas por este momento que fizeram com que ele se tornasse crucial para minha vivência escolar nos primeiros anos como professora.

Através deste relato pessoal, repleto de subjetividades e extratos retirados da memória – seriam eles fidedignos à realidade? – proponho que o PIBID possa ser visto a partir de uma nova relação. As novas possibilidades de conexão entre universidade e escola, sob um aspecto institucional, já foram analisadas por Souza (2014) e são de fato relevantes se o objetivo da universidade for mesmo o de apoiar a construção de um ensino público de qualidade.

Minha conclusão, ao analisar as memórias aqui escritas, é que o PIBID é mais do que este programa capaz de diminuir as fronteiras entre as universi-dades e o ensino público em suas amarras institucionais; ele é capaz, isto sim, de formar professores tomados por experiências – tão profundas e marcantes como foram as minhas e – que podem balizar um novo olhar dos estudantes recém-formados sobre o ambiente escolar.

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