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miolo o trajeto O... · Tem por finalidade mostrar que a conquista ... tem efetivar o direito à alimentação e à ... na educação e na redução da pobreza como medida social

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

CONSELHO EDITORIALPresidente

Henrique dos Santos Pereira

MembrosAntônio Carlos Witkoski

Domingos Sávio Nunes de LimaEdleno Silva de Moura

Elizabeth Ferreira CartaxoSpartaco Astolfi Filho

Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel

COMITÊ EDITORIAL DA EDUALouis Marmoz (Université de Versailles)

Antônio Cattani (UFRGS)Alfredo Bosi (USP)

Arminda Mourão Botelho (Ufam)Spartaco Astolfi Filho (Ufam)

Boaventura Sousa Santos (Universidade de Coimbra)Bernard Emery (Université Stendhal-Grenoble 3)

Cesar Barreira (UFC)Conceição Almeira (UFRN)

Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP)Gabriel Conh (USP)

Gerusa Ferreira (PUC/SP)José Vicente Tavares (UFRGS)

José Paulo Netto (UFRJ)Paulo Emílio (FGV/RJ)

Élide Rugai Bastos (Unicamp)Renan Freitas Pinto (Ufam)

Renato Ortiz (Unicamp)Rosa Ester Rossini (USP)Renato Tribuzi (Ufam)

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MANAUS - AM2017

Rosa Mendonça de BritoOrganizadora

Um Trajeto pelas Estradas da Pobreza, dasDesigualdades Sociais, dos Direitos Humanos, da

Educação no Estado do Amazonas

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Copyright © 2017 Universidade Federal do Amazonas

REITORAMárcia Perales Mendes Silva

EDITORASuely Oliveira Moraes Marquez

REVISÃOSuely Oliveira Moraes Marquez (Técnica)Antonia Silva de Lima (Português)

EDITORAÇÃO ELETRÔNICAMarcela Costa de Souza

CAPAGean Flávio de Araújo Lima

FOTORosa Mendonça de Brito

EDUAEditora da Universidade Federal do Amazonas

Av. Gal Rodrigo Otávio, 6.200 - Coroado ICampus Universitário Senador Arthur Virgílio FilhoBloco L - Setor Sul - Cep 69.077-000 - Manaus-AM

Telefax: (0xx) 92 3305 4291 e 3305 4290e-mail: [email protected]

U48

Ficha Catalográfica elaborada por Suely O. Moraes - CRB 11/365

Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitoshumanos, da Educação no estado do Amazonas / Organização deRosa Mendonça de Brito. - Manaus: EDUA, 2017.268 p.; 14x21cm

ISBN 978-85-7401-947-5

1. Educação - Amazonas. 2. Desigualdade social. 3. Direitos humanos.I. Brito, Rosa Mendonça de. (Org.).

CDU 37: 177.5

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APRESENTAÇÃO

Este livro trata das questões da pobreza, das desigualdades sociais,

dos direitos humanos e do programa bolsa família e apresenta os

resultados de estudos, pesquisas e reflexões sobre a temática, realizados

pelos cursistas, tutores e professores orientadores quando do

desenvolvimento do curso de especialização “Educação, Pobreza e

Desigualdade Social”, realizado na modalidade a distância pela

Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em parceria com a SECADI/

MEC, SEDUC e SEMEDs, envolvendo 400 participantes e 17 municípios do

Estado do Amazonas.

Tem por finalidade mostrar que a conquista dos direitos humanos

fundamentais e da cidadania deve ser vista como aspecto de extrema

importância na formação do aluno, por isso mesmo precisa ser

desenvolvida pelo processo educativo. Mostrar, também, que o Programa

Bolsa Família é uma política pública voltada para o alcance desse objetivo

destacando sua inter-relação com questões escolares fundamentais.

Estruturado em cinco capítulos, a escrita do referido livro coube

à equipe de professores orientadores e sua organização à professora Rosa

Mendonça de Brito. O primeiro capítulo intitulado “O Programa Bolsa

Família e seus impactos na Educação, na desigualdade social e na

diminuição da pobreza”, tem início com uma introdução cujo teor refere-

se à Declaração dos Direitos Humanos dentre os quais consta a educação

como direito fundamental para a conquista dos demais. A seguir apresenta

a historicidade do Programa Bolsa Família (PBF) e sua inter-relação com

a Educação, esta concebida como estratégia fundamental para minimizar

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a desigualdade social. A explicitação dos critérios pré-estabelecidos para

a concessão dos benefícios e aos valores de cada tipo está exposta de

forma sucinta e objetiva no Quadro denominado “Benefícios Variáveis”,

os quais são vinculados a grupos diferenciados, a saber: à criança ou

adolescente de 0 a 15 anos; à gestante; à nutriz e ao adolescente até dois

por família.

No capítulo 2, “A conquista da cidadania diante da pobreza e das

desigualdades sociais”, tem-se de início, uma introdução explicativa sobre

o embasamento desse estudo que incluiu ideias de teóricos, documentos

e pesquisas realizadas por alunos do Curso e todo o seu conteúdo trabalha

o tema cidadania interrelacionando-a com as questões dos direitos e

deveres do homem e o processo para a sua legitimação, e um retrospecto

histórico da trajetória percorrida pelo ser humano na busca da conquista

da cidadania. Apresenta concepções de cidadania recolhidas de diálogos

tanto em escolas quanto em comunidades da periferia de Manaus, com

professores, coordenadores pedagógicos, gestores de escolas e, ainda,

com pais de alunos e comunitários que levam a constatação de que a

maioria dos entrevistados entende a cidadania como “ter direitos e

deveres”. Enfoca no final, o PBF como política pública e como estratégia,

cujo principal objetivo é o enfrentamento da pobreza e das desigualdades

sociais.

O terceiro capítulo denominado “O Programa Bolsa Família e o

espaço escolar na reprodução ou minimização da pobreza: análise da

realidade de escolas de Manaus e outros municípios do Amazonas”, inicia

explicitando qual a função dos professores orientadores no Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC), a abrangência da pesquisa envolvendo vinte e

seis escolas em áreas urbanas dos municípios de Presidente Figueiredo,

Rio Preto da Eva, Urucará e Manaus, realizada com gestores, professores

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e beneficiários e não beneficiários do PBF. Posteriormente apresenta a

análise sobre a pobreza como privação da capacidade básica e produtora

da desigualdade social; o Bolsa Família como fator positivo na

aprendizagem e na melhoria de vida das crianças e suas famílias. O artigo

está estruturado em quatro tópicos, a saber: A escola como espaço de

desenvolvimento e aprendizagem da criança: análise da reprodução ou

enfrentamento da pobreza; Reflexões sobre os tempos de vida e na escola;

A reprodução e resistência à pobreza nos espaços e tempos escolares; Os

modelos padronizados de funcionamento escolar.

O quarto capítulo denominado “A produção de TCC no contexto do

Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social: pesquisa,

narrativa e reflexões do processo formativo”, traz como temática principal

a Pobreza, Direitos Humanos, Justiça, Educação e Programa Bolsa Família e

apresenta importantes narrativas de alguns professores sobre as

experiências adquiridas como partícipes no desenvolvimento do curso e

também a sistematização crítica dos cursistas na elaboração final do trabalho

de conclusão do curso (TCC). O capítulo foi dividido em quatro narrativas

as quais se complementam numa sequência lógica dos conteúdos e

demonstram a riqueza da prática docente a partir da produção do trabalho

científico, cujos conteúdos expostos nas narrativas foram: Pobreza,

Desigualdade Social e Educação; Faces Teóricas e Históricas da Relação entre

Educação, Pobreza e Direitos Humanos; Relatos sobre a Pesquisa em

educação, o Direito à Formação Cidadã e o Programa Bolsa Família no

Amazonas e Direitos Humanos: História e Gênese. Fica evidente em tais

narrativas, que a maioria dos trabalhos de conclusão de curso versou sobre

o Programa Bolsa Família e sua interface com os direitos humanos.

O quinto capítulo “Pobreza e currículo: uma análise sobre diferentes

realidades escolares no estado do Amazonas” foi desenvolvido através

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de quatro tópicos. Inicia com um breve retrospecto histórico da formação

social da população brasileira constituída por uma diversidade de povos

e origens, as conseqüências desse fato, conflitos e práticas discriminatórias

desqualificando pessoas por sua origem social. Apresenta diferentes

entendimento do Programa Bolsa Família quanto à transferência de renda

e as condicionalidades, explicitando os direitos e deveres de seus

beneficiários. Expõe a importância do Curso de Especialização para o

estudo e análise dos resultados positivos do PBF. Aborda o tema currículo

nos aspectos históricos, finalidade e relevância na organização do processo

ensino-aprendizagem; discute a dissonância dos currículos das escolas

públicas em geral e, em particular, os das escolas do Estado do Amazonas;

expõe resultados de pesquisas sobre a questão curricular com professores

e alunos, em quinze escolas de cinco municípios do estado do Amazonas.

Alair dos Anjos Silva de Miranda

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SUMÁRIO

1 O programa Bolsa Família e seus Impactos na educação, na

Desigualdade Social e na Diminuição da Pobreza ......................

2 A Conquista da Cidadania Diante da Pobreza e das Desigualdades

Sociais ........................................................................................

3 O Programa Bolsa Família e o Espaço Escolar na Reprodução ou

Minimização da Pobreza: análise da realidade de escolas de Manaus

e outros municípios do Amazonas ..............................................

4 A Produção de TCC no Contexto do Curso de Especialização

Educação, Pobreza e Desigualdade Social: pesquisa, narrativa e

reflexões do processo formativo .................................................

5 Pobreza E Currículo: Uma Análise Sobre Diferentes Realidades

Escolares No Estado do Amazonas ..................................................

Sobre os organizadores ..............................................................

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11Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

INTRODUÇÃO

A Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada pela

Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, constitui o principal marco

no desenvolvimento da ideia contemporânea de direitos humanos. Os

direitos consignados nesta declaração constituem um conjunto

indissociável e interdependente de direitos individuais e coletivos, civis,

políticos, econômicos, sociais e culturais, sem os quais a dignidade da

pessoa humana não se realiza integralmente. A partir daí, a Declaração

transformou-se numa fonte de inspiração para a elaboração de diversas

cartas constitucionais e tratados internacionais voltados à proteção dos

direitos humanos, tornando-se um paradigma ético a partir do qual se

pode medir e contestar a legitimidade de regimes e Governos.

Diversos documentos consolidam a Educação em Direitos Humanos

como política pública no Brasil. Lançado no dia 1º de dezembro de 2003

pelo Governo Federal, através do Ministério da Educação e da Secretaria

O Programa Bolsa Família e seus Impactosna Educação, na Desigualdade Social e naDiminuição da Pobreza

Maria Marly de Oliveira Coelho | Francinaldo Mendes

Nogueira | Gisele de Lima Vieira | Luciana de Lima

Pereira | Robert Langlady Lira Rosas

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)12

Especial dos Direitos Humanos, o Plano Nacional de Educação em Direitos

Humanos - PNEDH deveria tornar-se um instrumento orientador e

fomentador de ações educativas, tanto no âmbito da educação formal,

quanto da não formal.

Além disso, neste Plano estão contidas as contribuições e

recomendações do documento da UNESCO sobre a Década das Nações

Unidas para a Educação em Direitos Humanos e para uma Cultura de Paz

(1995-2004).

De acordo com o PNEDH,

Educar em direitos humanos e fomentar processos deeducação formal e não formal, de modo a contribuirpara a construção da cidadania, o conhecimento dosdireitos fundamentais, o respeito à pluralidade e àdiversidade sexual, étnica, racial, cultural, de gêneroe de crenças religiosas. (BRASIL, 2001, p. 7).

No tocante à Educação Básica, o documento preconiza que

constituem exigências fundamentais favorecer, desde a infância, a

formação de sujeitos de direito e priorizar pessoas e grupos excluídos,

marginalizados e discriminados pela sociedade.

Nesta perspectiva, a educação em direitos humanos tem como um

dos referenciais o princípio de que a cultura de direitos humanos tem

relevância em todos os espaços sociais, mormente na escola, que deve

contribuir na formação de sujeitos de direito e de identidades individuais

e coletivas.

Para garantir a dignidade humana, entre outros fatores, compe-

tem efetivar o direito à alimentação e à educação, direitos sociais, cons-

titucionais e universais, para tanto, políticas públicas sociais necessitam

serimplementadas, a fim deassegurar estes direitos, visando a diminuir a

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13Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

pobreza e, consequentemente, a desigualdade social, sendo uma dessas

políticas públicas a criação do Programa Bolsa Família pelo Governo Fe-

deral, o qual se fará destaque neste trabalho ressaltando seus impactos

na educação e na redução da pobreza como medida social para

diminuiçãoda desigualdade social.

1 PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado em 20 de outubro de

2003, pela Medida Provisória nº 132, convertida na Lei nº 10.836 de 09

de janeiro de 2004. O objetivo central deste programa é o incentivo à

garantia de direitos e não somente proporcionar renda às famílias que se

encontram em circunstâncias de pobreza e extrema pobreza. Este programa

se configura na associação de transferência de renda e acesso aos direitos

sociais básicos de saúde, alimentação, educação e assistência social,

visando atender famílias em situação de vulnerabilidade social.

Com o intuito de assegurar esses direitos supracitados, o Governo

Federal unificou os programas sociais de transferência de renda quais

sejam: bolsa escola, bolsa alimentação, cartão alimentação e o vale gás

em um único programa de transferência de renda no país, assim surgindo

o Programa Bolsa Família – PBF. Houve necessidade de ajustes no

programa, sobretudo, no que concerne ao valor do benefício e na ampliação

do número de famílias que poderiam participar deste programa de

transferência de renda.

Conforme Silva (2007, p.10), este programa tornou-se uma

novidade dentre os programas de transferência de renda existentes no

Brasil, por:

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)14

[...] se propor a proteger o grupo familiar como umtodo; pela elevação do valor monetário do benefício;pela simplificação que representa e pela elevação derecursos destinados a programas dessa natureza, demodo que, segundo os idealizadores do Programa, nãohá possibilidade de diminuição de transferênciamonetária em relação ao benefício então prestado porqualquer dos outros programas.

O PBF prevê condicionalidades, ou seja, a família beneficiária

assume compromissos nas áreas de saúde e da educação, desde o

acompanhamento pré-natal, acompanhamento nutricional à frequência

escolar em estabelecimentos públicos de ensino. Um dos objetivos do

programa é o de contribuir para o rompimento do ciclo intergeracional

da pobreza. Portanto, é preciso reconhecer que a educação se constitui

em uma relevante estratégia para alcançar esse objetivo. Os estudos

realizados sobre o acesso e a permanência dos estudantes na escola vêm

demonstrando que a desigualdade social e econômica tem dificultado a

universalização da educação básica.

Essas condicionalidades como frequência escolar, baixa renda,

acompanhamento nos cuidados básicos de saúde, reforçam o direito da

criança à educação, ao mesmo tempo em que permitem uma ruptura no

ciclo da pobreza através das gerações futuras. Há quem ache que o objetivo

principal do Programa Bolsa Família é a proteção social, e que a cobrança

excessiva de condicionalidades pode acabar por dificultar o acesso das

famílias mais vulneráveis, as que, realmente, necessitam do benefício. No

entanto, é necessário que o Governo fiscalize com maior rigor esse acesso

e suas contrapartidas para que esse benefício chegue a todas elas. Segundo

Soares e Sátyro (2009, p. 15):

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15Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Obrigatório ou não, o cumprimento dessascontrapartidas por parte das famílias que vivem emsituação de extrema vulnerabilidade social e de rendanão é tão simples formalidade e a institucionalidade émais frágil. Vivem longe das escolas e dos postos desaúde. Frequentemente vivem além do alcance doscorreios. Supõe-se, portanto, que o Estado deva entrarcumprindo seu dever constitucional de criar condiçõespara que as famílias façam a parte que lhes cabe.

Com o Programa Bolsa Família, o Governo viabilizou estratégias

de combate à fome no Brasil, todavia, o Estado ainda não assegura a

alimentação a toda população brasileira como previsto na Constituição

Federal. Este programa se constitui como uma solução paliativa.

Para falar da importância desse Programa é preciso ter

conhecimento real das causas e consequências da pobreza, da realidade

econômica e da exclusão social no país. A partir daí, pode-se pensar em

um contexto educacional, realmente, comprometido com a qualidade de

vida dos sujeitos, que deverão utilizar mecanismos didático-pedagógicos,

métodos e técnicas de ensino voltadas para a melhoria da aprendizagem

de todos.

Os programas sociais, entre estes o PBF, são utilizados por alguns

políticos como forma de conquistar o povo para obtenção do voto. O

mau uso desses recursos dos programas sociais – por políticos – com fins

eleitoreiros desvia, completamente, o sentido e o objetivo primordial do

Programa. Com isso, a população fica a mercê dessa situação, o que acaba

por fragilizar as ações, tornando-as descontínuas. A falta de informação

da sociedade acerca das contribuições que o Programa Bolsa Família

apresenta à parcela da população brasileira, que recebe este benefício,

gera críticas e apelo à extinção do benefício.

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No município de Manaus, a Secretaria Municipal de Assistência

Social e Direitos Humanos e Cidadania – SEMASDH é responsável pelas

políticas públicas na área de Assistência Social, assim como nos municípios

a Secretaria de Assistência Social tem essa função. Dessa forma, ela deve

cadastrar e identificar as famílias que se encontram em situação de

vulnerabilidade social, tendo como características: estado de extrema

pobreza com renda per capita menor que R$ 85,00; estado de pobreza

que possuem renda per capita de R$ 85,01 a R$ 170,00; famílias que

possuem em sua composição familiar crianças e adolescentes com idade

limite de até 17 anos que frequentem a escola regularmente; gestantes

também têm direito aos benefícios do Programa Bolsa Família.

Benefício Básico, no valor de R$ 85,00 – pago apenas a famílias

extremamente pobres (renda mensal por pessoa de até R$ 85,00),

demonstrado no quadro seguinte:

Quadro1 - Benefícios variáveis (até cinco por família)

Pago às famílias com renda mensal de até R$170,00 por pessoa e que tenham crianças ouadolescentes de 0 a 15 anos de idade em suacomposição.É exigida frequência escolar das crianças eadolescentes entre seis e 15 anos de idade.

Pago às famílias com renda mensal de até R$170,00 por pessoa e que tenham grávidas em suacomposição.São repassadas nove parcelas mensais.O benefício só é concedido se a gravidez foridentificada pela área de saúde para que ainformação seja inserida no Sistema Bolsa Famíliana Saúde.

Benefício VariávelVinculado à Criança ouao Adolescente de 0 a 15anos. R$ 39,00

Benefício VariávelVinculado à Gestante R$39,00

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17Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Muitas famílias têm como única fonte de renda o benefício Bolsa

Família, mesmo considerando que o valor, embora ampliado, ainda é

irrisório para superação das necessidades básicas das famílias de baixa

renda. Outra questão observada é em relação aos critérios para participar

do Programa Bolsa Família:

[...] primeiramente a renda da família é somada para saberquanto ganham por mês e, posteriormente, o valor totalé dividido pelo número de pessoas que há na residência,com o intuito de obter a renda da família por pessoa, afim de realizar a triagem dos potenciais beneficiários doPBF de acordo com os critérios (PIRES, 2013, p. 2).

Portanto, é um Programa de transferência de renda direcionado

aos mais pobres, homens, mulheres e crianças. Sobre a criação e expansão

dos programas federais de transferência de renda, Rocha (2011, p. 115-

116) esclarece:

Benefício VariávelVinculado à Nutriz.R$ 39,00

Benefício VariávelVinculado aoAdolescenteR$ 46,00(até doispor família)

Pago às famílias com renda mensal de até R$170,00 por pessoa e que tenham crianças comidade entre zero e seis meses em sua composição,para reforçar a alimentação do bebê, mesmo noscasos em que o bebê não more com a mãe.São seis parcelas mensais.Para que o benefício seja concedido, a criançaprecisa ter seus dados incluídos no CadastroÚnico até o sexto mês de vida.

Pago às famílias com renda mensal de até R$170,00 por pessoa e que tenham adolescentesentre 16 e 17 anos em sua composição. É exigidafrequência escolar dos adolescentes.

Fonte: Rodrigues et al (2017).

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Ao tratar do Programa Bolsa Família e dos programaspreexistentes que ele incorpora, criados desde 1995.É importante destacar que transferências de rendafocalizadas nos mais pobres já existiam no Brasil desdea década de setenta. Tinham porém pouca viabilidadealém de cobertura bastante limitada da sua populaçãoalvo, isto é idosos e portadores de deficiência comrenda monetária insuficiente para garantirem seusmeios de sobrevivência. Somente a partir daConstituição de 1988, e, em particular, a partir daregulação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),em 1993, este programa adquiriu importânciacrescente, tanto do aumento crescente paulatino daclientela atendida, como do valor do benefício quepassou a corresponder a um salário mínimo. Ainda hojeesse programa se diferencia marcadamente dos “novosprogramas criados a partir dos meados da década denoventa, por ter embasamento constitucional, e emconsequência, regras bem definidas de fixação ereajuste do valor do benefício.

É possível afirmar que o programa contribui para o combate à

pobreza e à desigualdade no Brasil, complemento de renda das famílias

brasileiras em situação de vulnerabilidades, que vivem abaixo da linha

da pobreza, como também para a inclusão social. O sentimento de exclusão

por ser de uma vida socialmente desigual, torna o indivíduo desintegrado

de sua existência, de seu comprometimento como cidadão, como

colaborador da sociedade na qual deveria estar inserido.

O referido programa também busca a integralização com as

políticas públicas de cada município, elaborando, assim, diversas ações

para qualificação, alfabetização e educação de jovens e adultos,

oportunizando assim a inserção de chefes de famílias qualificados no

mercado de trabalho. Aguiar (2002, p. 16) “[...] vê a pobreza como a

ausência de escolhas e oportunidades básicas para o desenvolvimento

da vida humana”.

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19Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Enfim, no enfrentamento e combate à pobreza, o programa tem

dois objetivos: em curto prazo é oferecer alívio imediato aos problemas

urgentes da pobreza como a fome e desintegração do ambiente familiar;

em longo prazo é fazer com que haja impedimento do ciclo da pobreza,

auxiliando na melhoria do nível da educação, saúde, induzindo às futuras

oportunidades de qualificação e consequente inserção ao mercado de

trabalho.

Na saúde, o Governo faz um acompanhamento das grávidas que

devem fazer o pré-natal, das nutrizes, o acompanhamento da saúde da

mãe e do bebê no período de amamentação, e das crianças menores de

sete anos. Como também o acompanhamento destes no crescimento e

desenvolvimento, com a constante manutenção do cartão de vacinação,

evitando, assim, problemas de doenças e a mortalidade infantil.

Na educação, o beneficiário deve garantir a matrícula e frequência

escolar dos filhos menores de idade na escola. Para as crianças e

adolescentes entre seis a quinze anos de idade, devem ter no mínimo

oitenta e cinco por cento (85%) de frequência escolar e entre dezesseis e

dezessete anos, setenta e cinco por cento (75%).

Na área da assistência social, as crianças e adolescentes com até

quinze anos de idade, a fim de se evitar o trabalho infantil ou retirar os

mesmo desta condição, são oferecidos os Serviços de Convivência e

Fortalecimento de Vínculos. Nestes, devem ter freqüência mínima de

oitenta e cinco por cento (85%) da carga horária mensal (BRASIL, 2012).

Estas são estratégias criadas pelo governo com a finalidade de

que as famílias em condição de pobreza, com o adequado cumprimento

das condicionalidades, tenham acesso aos seus direitos através das

políticas sociais desenvolvidas pelo governo, exercendo efetivamente sua

cidadania.

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Mediante o exposto, podemos constatar que os direitos

fundamentais da criança e do adolescente são assegurados pelo poder

público, o qual é designado para prover as condições necessárias à sua

efetivação, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O Programa Bolsa Família, apesar de ter sido criado com o intuito

de reduzir as desigualdades sociais e distribuir renda, não está

proporcionando uma saída definitiva da pobreza, em virtude, dentre outros

fatores, do assistencialismo, que acaba por criar uma submissão e relação

de dependência dos beneficiários em relação ao programa. O lado negativo

de muitos programas de transferência e renda é que eles podem se

configurar apenas como uma prática assistencialista, de caráter paliativo

e raramente emancipatório.

Um programa efetivo de combate à pobreza precisa combinar uma

política de transferência de renda, em caráter emergencial, e uma política

estruturante capaz de permitir que a pessoa tenha condições de sair da

pobreza e a ela não mais retornar. Políticas sociais voltadas para a

transferência focalizada de renda podem apresentar um resultado

satisfatório para um problema de conjuntura. Todavia, a pobreza é um

problema de natureza estrutural e, portanto, requer medidas de

reestruturação das bases econômicas e sociais.

As críticas ao Programa da Bolsa Família, contudo, existem desde

sua criação no governo do presidente Lula, em 2003. O programa de

transferência de renda para famílias em situação de pobreza ou de extrema

pobreza unificou programas sociais do governo. Vale ressaltar que os

críticos do programa apontam o caráter assistencialista do benefício. Para

eles, ao invés de estimular as famílias assistidas a ingressarem no mercado

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21Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

de trabalho, o Estado as sustenta com uma renda permanente, agindo no

sentido contrário da autonomia das famílias.

Para Cohn (1995), deve-se entender que as políticas sociais que

são voltadas para o alívio da pobreza são aquelas que têm ação e resultado

de imediato, direcionadas à classe mais necessitada, buscando a superação

da pobreza, e possibilitando um crescimento sustentável destes indivíduos,

sugerindo que as políticas sociais devem buscar:

A articulação entre aquelas (ações) de curto prazo, decaráter mais imediatista, focalizada naqueles gruposidentificados como os mais despossuídos, e aquelasde longo prazo, de caráter permanente, universalizastes,voltadas para a equidade do acesso dos cidadãos aosdireitos sociais, independentemente do nível de rendae da inserção no mercado de trabalho (p. 6).

Em suma, é muito difícil fazer apenas uma escolha ou eleger

apenas um público beneficiário. As políticas sociais têm por obrigação

apresentar um tratamento sem distinção e, mais ainda, devem proporcionar

– além de uma porta de entrada – uma oportunidade de saída também

para a situação vivida pela classe mais humilde.

2 EDUCAÇÃO COMO ESTRATÉGIA PARA MINIMIZAR A DESIGUALDADE SOCIAL

A educação é um dos direitos fundamentais na vida de qualquer

cidadãoe um dos assuntos mais abordados pelos órgãos governamentais

quando se referem à melhoria de vida da população menos favorecida.

Isto porque ainda é considerada, para muitos, o ponto de partida para

mudar tal realidade. E, segundo a Constituição Federal, todos os cidadãos

têm este direito assegurado, de acordo com o Art. 205:

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)22

A educação, direito de todos e dever do Estado e dafamília, será promovida e incentivada com acolaboração da sociedade, visando ao plenodesenvolvimento da pessoa, seu preparo para oexercício da cidadania e sua qualificação para otrabalho (BRASIL, 1988, s.p.).

O direito à educação a todos, independentemente de classe,

religião ou condição social, já vigora legalmente. O desafio paira na

necessidade de se conseguir alcançar a permanência dos estudantes dentro

da escola, oriundos da classe menos abastada. Não basta garantir acesso

à educação escolar, mas que lhes sejam ofertadas as condições propícias

para que permaneçam na escola e consigam aprender o conteúdo escolar

formal através de práticas educacionais que os enxergue e os englobe.

Educar em um país com realidades tão diversas e desiguais requer

uma postura que atenda às diferenças e garanta a todos o acesso ao

conhecimento com qualidade. Para que os coletivos historicamente vítimas

das desigualdades sociais consigam se sentir pertencentes ao espaço escolar,

enfatiza-se que não basta incluir, garantir o acesso, é importante também

garantir a permanência na escola para amenizar a desigualdade social.

Como proporcionar uma educação que possa superar realidades

dicotômicas, construir consciências críticas em um mundo tão desigual,

onde as disparidades na oferta de ensino de qualidade para ricos e pobres

é gritante? Embora o Estado garanta o acesso à educação a todos, no

entanto, isso não significa que tudo estará resolvido, o processo só

ocorrerá se houver uma reciprocidade entre família e sociedade

objetivando, assim, promover a inclusão dos pobres no processo

educativo. Dessa forma poderão juntos buscar soluções para melhoria do

nível de vida dessa população depauperada. Havendo esse interesse da

sociedade em colaborar com a educação, muitas adversidades poderão

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23Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

ser amenizadas, pois é sabido que educação é um conceito amplo e não

ocorre somente dentro de uma sala de aula, educação ultrapassa as

diferentes instancias da sociedade, onde há alguém disponível a ensinar

algo de relevante para aquele cidadão que tenha disposição em aprender.

Araújo (2010, p. 39) reforça essa ideia ao afirmar:

É atribuído à escola o papel de ensinar, porém nopresente século aprendemos que não aprendemossomente na escola, mas em outros ambientes, comona família, em conversa com os amigos, nasbrincadeiras com os pares, enfim, é possível aprenderem qualquer lugar desde que se saiba o que se queraprender.

Uma sociedade onde a maioria não está preocupada com o bem-

estar do seu semelhante, forjada ao individualismo e à competitividade,

pouco se importando com as necessidades de seus semelhantes, tais

desvios refletem dentro das instituições de ensino. Araújo (2010, p. 39)

complementa:

A escola por sua vez absorve todos os impactos sociais,culturais, econômicos e políticos que ocorrem nasociedade e sofre com isso, por muitas vezes não saberou não ter como lidar com problemas apresentadospelos estudantes que apresentam sinais de mudançasem seus comportamentos, apresentam novas maneirasno agir e no pensar.

Inúmeras crianças e adolescentes chegam às instituições públicas

de ensino oriundos de lares nos quais não existe possibilidade racional

de sobrevivência, exceto através de políticas compensatórias de

assistência social. Muitos perdem o interesse pelos estudos e acabam

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)24

desistindo ou obrigados a permanecer, pois necessitam da frequência

escolar para adquirirem o benefício do Programa Bolsa Família. E

geralmente esses desistentes são oriundos de famílias em situação de

pobreza que ainda acreditam na educação como a alternativa mais viável

para ascensão social, mas infelizmente são desmotivados por tantos

obstáculos impostos a eles.

Vale ressaltar que este é o momento oportuno para docentes

evidenciarem na prática seus conhecimento e projetos educacionais

voltados para que todos possam ter uma educação igualitária. Para Freire

(1994) o homem é um ser desumanizado, historicamente oprimido. A

libertação ocorre quando o individuo tem consciência da sua realidade e

por meio da práxis sujeito/mundo interfere no meio para a superação de

contradições sociais.

Afirma, ainda, que o homem não deve ter um papel passivo frente

ao mundo. Ele defende uma nova ordem societária, baseado em valores

como: o respeito, justiça social, igualdade de direitos, dignidade humana.

A cidadania não pode ser reduzida a direitos sociais. Ela configura-se

numa relação com osdireitos políticos e jurídicos e, sem ignorar os

avanços civilizatórios dela advindos e a luta dos trabalhadores.

A escola, enquanto agente transformador, tem o papel de viabilizar

a esses oprimidos novos rumos que os possibilite uma aprendizagem

emancipadora, uma vez que o homem encontra-se em constante

construção, cujo currículo deve atender às necessidades de todas as

camadas sociais. Assim, seres imbuídos de conhecimento e respeito às

diversidades estarão mais capacitados na luta pela efetivação dos direitos

negados historicamente aos pobres.

Fazer com que esses empobrecidos se sintam importantes dentro

do processo educacional e que eles possam refletir sobre sua condição

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25Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

de vida é parte importante do processo educativo. Para Martinazzo (2010,

p. 5) “Um dos desafios da educação escolar é desenvolver e/ou despertar

no humano possibilidades para a formação da sua identidade, permitindo

uma compreensão da totalidade humana num mundo plural”.

Para tanto, segundo Fonseca e Conceição (2012):

É preciso pensar políticas e práticas educativas quedêem conta, efetivamente, da diversidade, para queos coletivos historicamente vítimas das desigualdadessociais consigam se sentir pertencentes ao espaçoescolar, percebemos que não basta incluir, garantir oacesso, pois este ponto já foi vencido, agora éimportante garantir a permanência na escola, que nãose restringe à educação como a única solução paraterminar/amenizar a desigualdade social (p. 4).

Arroyo (2011) corrobora que se deposita na educação a solução

para todos os males, sendo ela a salvadora dos pobres, capaz de tirá-los da

situação de ignorância e, consequentemente, de pobreza. Algo fantasioso,

segundo o autor, especialmente ao analisar a estrutura arraigada nos

currículos até então vigentes nas escolas brasileiras. Desigualdade Social e

currículo não se relacionam dentro dos parâmetros devidos. Os currículos

não se aproximam da maneira como deveriam a fim de contribuir para

minimizar as desigualdades sociais. Seriam necessárias inúmeras alterações

nos currículos e propostas pedagógico-escolares para que se insiram de

fato, os considerados pobres nos documentos que norteiam as práticas

escolares, corroborando para que tais sujeitos pobres sintam-se partícipes

do sistema de ensino e, capazes, através de uma educação emancipatória,

de transformar a realidade na qual estão inseridos.

A escola enfrenta o desafio de estar preparada para receber os

desiguais e garantir-lhes uma educação emancipadora capaz de romper

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)26

com práticas excludentes. Certamente não se pode rotular a educação

como a salvadora da pátria, aquela que irá resolver todas as problemáticas

da pobreza. Mas, ela é de fundamental importância para orientar e dar as

coordenadas que irão fazer com que estes que se encontram na situação

de pobreza lutem por seus direitos que são assegurados por lei e, muitas

vezes, deixam de ser beneficiados devido à falta de informação.

Apesar de a educação escolar não constituir-se em uma panaceia,

ela é um forte meio para que o homem insira-se no mundo globalizado,

volátil e excludente, todavia, não pode apresentar-se neutra, tratar com

igualdade os desiguais. Segundo Enguita (1993) o fato de se colocar

todas as crianças na mesma sala de aula não proporciona a elas igualdade

de oportunidades, muitas vezes esta pseudo igualdade será mais

perversa, pois mascara a grande desigualdade social por detrás do fracasso

escolar, atribuindo ao indivíduo a responsabilidade por seu insucesso.

A desigualdade social existente em nosso país é avassaladora

diante de tanta riqueza que o Brasil possui. E toda essa desigualdade é

gerada devido a má distribuição de renda, má distribuição dos recursos,

falta de investimentos nas áreas sociais, culturais, saúde e educação,

falta de oportunidades de trabalho, corrupção, entre outros. “O Brasil

não é um país pobre, mas aqui há muitos pobres e alto grau de injustiça

social. Portanto, é comum correlacionar situação de pobreza a

desigualdade [...]” (TELES, 2014, p. 43).

O grande problema de muitos programas de transferência e renda

é o de manutenção de uma prática assistencialista, de caráter paliativo e

raramente emancipatório. Um programa efetivo de combate à pobreza

precisa combinar uma política de transferência de renda, em caráter

emergencial, e uma política estruturante, capaz de permitir que a pessoa

tenha condições de sair da pobreza e a ela não mais retornar. Políticas

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27Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

sociais voltadas para a transferência focalizada de renda podem apresentar

um resultado satisfatório para um problema de conjuntura. Todavia, a

pobreza é um problema de natureza estrutural e, portanto, requer medidas

de reestruturação das bases econômicas e sociais.

Para Fleury (2003), um modelo assistencial0 acaba tendo por cerne

medidas estigmatizadas visto que, para ter acesso a determinados

programas, é necessário comprovação da situação de pobreza. É com base

nisso que o autor utiliza a expressão “cidadania invertida”, já que o

indivíduo tem de provar que fracassou no mercado de trabalho para ter

acesso à proteção social.

Salienta-se que muitos programas sociais são utilizados por alguns

políticos, como forma de conquistar o povo para obtenção do voto. Os

usuários, por sua vez, possuem épocas de mudança de gestão, em qualquer

das instâncias do governo. O mau uso desses recursos dos programas

sociais – por políticos – com fins eleitoreiros desvia completamente o

sentido e o objetivo primordial do programa, além de se estar cometendo

um crime eleitoral. Sendo assim, a população fica a mercê dessa situação

que acaba por fragilizar as ações, tornando-as descontínuas.

Quando se fala em desigualdade social, não nos referimos somente

à desigualdade econômica, mas a toda e qualquer forma de diferenciação

relacionada com o bem estar de todos os cidadãos pertencentes a uma

sociedade. A desigualdade está em não ter a mesma condição de

crescimento para todos, e conhecer a causa da pobreza e a falta de

oportunidades é o primeiro passo para minimizar a situação.

Historicamente os processos de produção social da pobreza

perpassam padrões de concentração, apropriação e expropriação de renda,

estratégia muito utilizada no sistema capitalista. Relacionar educação

escolar e pobreza é necessário como parte fundamental para o

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4627

Rosa Mendonça de Brito (Org.)28

enfrentamento da problemática; todavia, tal temática no âmbito escolar

se torna praticamente inexistente. Os pobres estão cada vez mais excluídos

do processo de ensino, sendo relegados a segundo plano no que concerne

a sua inserção como sujeito partícipe das práticas escolares.

Segundo Silva e Souza (2012): A desigualdade social e a pobreza

têm origem no sistema capitalista, uma vez que “[...] os meios de produção,

distribuição, decisões sobre oferta, demanda, preço e investimentos são

em grande parte ou totalmente de propriedade privada, com fins

lucrativos” (p. 5). O crescimento econômico é incentivado pelo capitalismo,

isso faz com que ocorram as expressivas diferenças de renda e riqueza,

onde alguns ficam mais ricos (elites dominantes) e outros mais pobres

(oprimidos dominados) e o que gera e agrava a desigualdade social.

A má distribuição de renda é uma das principais causas da pobreza

em muitos lugares do mundo e no Brasil, portanto não basta um alto

crescimento econômico se não houver repartição das riquezas de forma

justa e igualitária, diminuindo as diferenças entre ricos e pobres criando

condições de empregos que propicie salários dignos para que o assalariado

consiga ter acesso à moradia adequada, transportes de qualidade, educação

e saneamento básico e outros direitos constitucionais.

Todavia, no discurso dominante, o que justifica segundo Euzébios

Filho e Guzzo (2009, p. 35) a existência da desigualdade social, “[...] é o

indivíduo isolado – aquele sujeito que não planeja seu futuro, sujeito

irresponsável e desmotivado, não dotado de uma ‘força interior’.

A decisão a respeito das políticas públicas comprometidas com a

redução da pobreza e da desigualdade no mundo contemporâneo não

deve esperar pelas benesses do liberalismo, pois o pensamento liberal

assume uma finalidade prática: fazer com que o sujeito se enxergue como

espectador da realidade, ocultando as origens das mazelas sociais

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29Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

(MÈSZÁROS, 2006) e direcionando para os oprimidos a responsabilidade

por viverem da maneira como vivem. Portanto, estes são taxados como o

“problema da humanidade”, em outras palavras, é taxado como o culpado

pela desigualdade social.

Euzébios Filho e Guzzo (2007) afirmam, ainda, que a desigualdade

social ultrapassa os limites da materialidade e se expressa em todas as

esferas da vida humana. Para Medeiros (2013, p. 127) “[...] o papel da

Educação possibilita a libertação dos seres humanos de sua condição de

seres desumanizados”.

Os estudos de Pires (2013) abordam a temática da garantia de

direitos na educação através das condicionalidades do Programa Bolsa

Família enquanto estratégia de enfrentamento da pobreza e da

desigualdade no âmbito do pertencimento do aluno à escola. O que traz

não apenas ganhos de escolaridade, mas também reconhecimento social.

Para o pesquisador, o fato de crianças e jovens frequentarem,

obrigatoriamente, a escola por conta da condicionalidade do PBF não

garante a sua produtividade na sociedade capitalista, regida pela lógica

do capital, tampouco rompe a exclusão social.

O que precisa ser discutido é a qualidade dos serviços educacionais

na perspectiva da garantia de direitos à criança e ao jovem beneficiário

do PBF. Os entrevistados de Pires (2013) percebem, além dos efeitos

práticos envolvidos na freqüência escolar, ganhos simbólicos referentes

aos sentimentos de pertencimento e de reconhecimentos sociais. Daí o

grande desafio de se investigar como a escola (des) atende a essa

percepção dos beneficiários.

Nessa perspectiva, educação para humanização é essencial para

formação de uma cultura de respeito à dignidade humana. É uma arma

poderosa para o combate à desigualdade social permitindo ao indivíduo

uma formação para que tenha compromisso com o futuro da humanidade

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4629

Rosa Mendonça de Brito (Org.)30

em busca da garantia e perpetuação dos valores como respeito, justiça

social, igualdade de direitos e dignidade humana.

Este trabalho se fundamenta na crença de que a educação é um

bem comum e se deve procurar novas alternativas de promoção da inclusão

de todos. A educação escolar pode ser fonte essencial para a superação

das desigualdades sociais e um meio para as mudanças necessárias na

sociedade, desde que se utilize de um ensino e uma aprendizagem

libertadores, com foco no sujeito, no desenvolvimento de suas

potencialidades para vida.

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE FALAS E ENTENDIMENTOS

O referido trabalho apresenta a relação do Programa Bolsa Família

– PBF com os problemas sociais decorrentes como desigualdade social e

educação, buscando averiguar sobre os possíveis efeitos que o PBF tem

sobre a pobreza, a desigualdade social e a educação. Destacamos que a

pesquisa foi realizada através de entrevista estruturada e questionário,

por alunos do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade

Social. Deste estudo, selecionamos algumas falas de sujeitos respondentes

em Manaus e Itacoatiara: 1) Secretário de Ação Social de Itacoatiara1; 2)

Uma escola de Itacoatiara2 e uma escola de Manaus3.

1) Sobre a questão do Programa no município de Itacoatiara, o

Secretário aponta pontos negativos e positivos:

1 Pesquisa realizada pelos cursistas: Adriana Guimarães Silva; José Davilson Serrão Barbosa;Mônica da Silva Lopes;Nábia de Souza Santeiro; Pablo Fabrício Moraes da Silva; Vânia Maria Rolim Rosas.

2 Idem.3 Lisânia de Araújo Leite.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4630

31Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Negativos:Reduzido número de funcionários para desenvolver otrabalho em toda a sua essência, além de questõesrelacionadas ao acesso às senhas, que nem sempre estãodisponíveis no acesso ao sistema.

De acordo com o IBGE, ainda há famílias que se encontramna pobreza e na extrema pobreza. O que acontece é quemuitas famílias ocultam a sua verdadeira situação erecebem o auxílio mesmo sem se encaixar no perfil eacabam prenchendo as vagas. Isto leva a que no sistemao PBF é visualizado como atendendo 100% desse público.O que não é verdade.

Positivos:Os funcionários desenvolvem o trabalho com bastanteeficiência para atender aos beneficiários.

Os serviços prestados aos beneficiários são: [...]inclusão das famílias no Cadastro Único do Programa;atualização das informações e orientação sobre os direitosdos beneficiários. No município estão cadastradas 17.050famílias.

O atendimento das famílias do interior do município érealizado através de agendamento em datas favoráveis àvinda das famílias à sede do município e também atravésde ações diretas, nas quais a equipe sedesloca até acomunidade central da localidade em que as comunidadespróximas tenham acesso.

Melhoria de vida das pessoas beneficiárias do Programa,inclusive as regras do PBF são bem claras para que opróprio beneficiário se policie quanto a isso. O próprioPrograma penaliza as famílias que descumprem ascondicionalidades: manter a criança na escolas e tambémem relação à saúde, crianças com peso e vacinas em dia.

A meta estabelecida por esta Secretariaé fazer com que opúblico-alvo seja incluído no Sistema e procurar informaràs famílias sobre o perfil para receber esse benefício.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4631

Rosa Mendonça de Brito (Org.)32

2) As entrevistas realizadas pelos cursistas em algumas escolas

de Itacoatiara com: gestores/pedagogos, professores e beneficiários do

PBF, apresentaram as seguintes informações:

a. Melhoria do sucesso escolar dos alunos – 50% dos gestores

concordaram que o Programa contribuiu para o sucesso escolar do aluno,

mas os outros 50% discordam, pois afirmam que ele não contribuiu nesse

aspecto. Entretanto, 100% dos professores e beneficiários entrevistados

dizem que houve contribuição para a aprendizagem da criança na escola.

b. Mudança na vida dos estudantes– Pelas respostas dos gestores,

os mesmos percentuais foram identificados em relação à questão anterior:

50% afirmam que o PBF trouxe mudança na vida dos estudantes e 50%

discordam. Quanto aos professores 80% consideram positivo o Programa

em relação a esse aspecto, enquanto 17% dizem que não houve nenhuma

mudança na vida dos estudantes. Entretanto, 100% dos beneficiários

afirmam que contribuiu com a melhoria de vida dos estudantes.

c. Colaboração com a redução da pobreza e da inserção social –

Também aqui, os gestores se dividem na avaliação:50% consideram que

sim e 50% que não colabora com a redução da pobreza e da inserção

social. Quanto aos professores, na sua maioria – 83% afirmam que sim e

17% que não. Os beneficiários entrevistados 100% consideram positivo

esses aspectos.

d. Diferenciação de tratamento na escola das crianças

beneficiárias do PBF - nessa questão, a maioria dos gestores, cerca de

83%afirma não haver diferença de tratamento dessas crianças. No entanto

17% dizem que há diferença de tratamento em relação às crianças

beneficiárias Programa.Enquanto isso,100% dos professores afirmam não

haver diferença de tratamento com as crianças beneficiárias. Quanto aos

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33Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

beneficiários, cerca de 83% consideram que não há diferença de

tratamento das crianças na escola, e o restante, cerca de 17% afirmam

que as crianças beneficiárias têm tratamento diferenciado.

3) A pesquisa em uma escola pública de Manaus, no bairro do

Coroado, tendo como sujeitos respondentes: uma família que recebe o

benefício do Programa Bolsa Família; o diretor (a) de escola; o coordenador

(a) pedagógico (a); professor (a) da escola que tenha beneficiário do

bolsa família em sua sala de aula; morador (a) da comunidade que não

seja beneficiário do bolsa família e um cursista, nos trouxeram as seguintes

informações:

a) No seu entendimento, qual a contribuição do Bolsa Família

para a melhoria do sucesso escolar de seu (s) filho (s) e/ou dos

estudantes?

A família beneficiária do PBF assim se expressa:

Ajuda a contribuir para compra dos materiais, lanches euniformes. Ajuda também a não faltar o pão de cada diade dentro da minha casa.

O diretor da escola afirma:

O que temos visto de um modo geral que a contribuiçãodo BolsaFamília , não tem tido nenhuma contribuição navida dos alunos e sim tem tido grande contribuição paraquem administra esse dinheiro, e se essacontribuição fosseatrelado no quedeveria ser comprado, acredito que poderiamelhorar a vida de cada estudante que participa desseprograma.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)34

O Coordenador Pedagógico explicitou assim essa questão:

Entende-se que o Bolsa Família é um recurso paracomplementar a renda familiar com o intuito de ajudar afamília para manter a criança na escola, porém percebe-se que na maioria dos casos alguns responsáveis dealunos utilizam esse recurso financeiro para outrafinalidade, que não contribui com o desenvolvimentoescolar do aluno.

Um professor da escola assim se expressou:

Para falar a verdade isso não é usado de direito, masindiretamente quando os pais compram alimentos evestuários para seus filhos o ajudam no seu aprendizado,uma vez que o aluno não vai com fome e nem irá faltaaula por não ter roupas.

Um morador da comunidade não beneficiário do Programa,

afirmou:

Esta contribuição deveria ser utilizada para compra dematerial escolar, vestuários para ir à escola e utensíliospara higiene pessoal, assim iria contribuir para a melhoriada vida escolar.

Um cursista disse:

O programa Bolsa Família tem por objetivo auxiliarfinanceiramente as famílias pobres, nas necessidades queum estudante necessite para não abandonar a escola,com compra de materiais escolares, no fardamento, naalimentação, mas nem sempre conseguem garantir osucesso na vida escolar, pois os pais não possuemconhecimento para também auxiliar os seus filhos emtarefas escolares, com isso, algumas crianças não

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35Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

conseguem ser alfabetizadas, por viverem em lares comvulnerabilidade.

b. O Programa Bolsa Família trouxe mudanças para a sua vida e/ou para a vida dos estudantes? Em que aspectos? Obteve-se as seguintes

respostas:

Para afamília beneficiária do Programa Bolsa Família:

Sim, ajudou bastante porque estou sem trabalho e a bolsafamília não deixa faltar nada nas refeições e escolaridadedos meus filhos.

O diretor afirma justamente o contrário:

Na minha concepção ainda não há mudanças para osestudantes, pois os responsáveis ainda não usam esse recursopara o estudante e sim na vida de quem manipula o recurso.

Na visão do Pedagogo:

Em alguns casos sim, o recurso financeiro tem contribuídocom algumas famílias que destinam o recurso para acontribuição do desenvolvimento escolar do aluno, masna maioria dos casos este recurso é destinado a outrasfinalidades não escolar, exclusive de interesse particulardo responsável.

Para o professor:

O Programa trouxe benefício para a família, porque édirecionado ao estudante e as famílias usam paracompletar a renda financeira. Infelizmente, as famíliasou comem ou suprem as necessidades do aluno.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)36

O comunitário não respondeu a questão. Para um Cursista da

Especialização:

Percebe-se que o recurso financeiro que é dado peloPrograma Bolsa Família, hoje ainda não houve muitasmudanças em relação à vida escolar do estudante, poiseste recurso não consegue suprir as necessidades doestudante, devido às famílias utilizar o recurso paraas necessidades domésticas, onde também se sabe queesta família vive em situação de pobreza, e nem sempreeste estudante possui um lar harmonioso para estudo,pois, não é só na escola que ele aprende, mas os paispor não terem estudos e conhecimento, não conseguemajudar e acompanhar os seus filhos em atividadesescolares, levando assim ao baixo rendimento dessesestudantes na escola.

O que se constatou nas falas dos entrevistados é que muitos nãoaprovam o PBF e nem reconhecem a sua importância como instrumento

que pode possibilitar o alcance de alguns direitos fundamentais do homem,

assim como discordam que o mesmo contribua para o sucesso escolar do

beneficiário. Apesar disso, consideram importante o auxílio para que a

criança permaneça na escola. Diferente disso, os beneficiários reconhecema importância dessa complementação de renda para a subsistência da

família, assim como para possibilitar a manutenção da criança na escola.

Analisando a implementação do Programa, Rocha (2011, p. 133)

esclarece que é condição cidadã para todos os brasileiros ter uma renda

para sua sobrevivência humana numa sociedade tão desigual e perversa

como a nossa:

Implementar um programa assistencial de transferênciade renda implica também em reconhecer que, umaeconomia urbana e monetizada, dispor de rendamonetária é condição de cidadania [...].

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37Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Arroyo (2010) explicita que, na pedagogia, frequentemente o

pobre era compreendido como a escassez de espírito, de valores e,

inclusive, incapacidade para o estudo e a aprendizagem. Contudo, sabemos

que, ao invés disso, deve-se atentar para as privações materiais que

impossibilitam uma vida digna e justa a esses sujeitos.

Nesse sentido, percebemos a importância do PBF que, além de

fazer com que o educando permaneça na escola, favorece a aquisição de

bens básicos necessários à subsistência, considerado importante pelas

famílias beneficiárias, apesar de que partes dos outros segmentos não

considerempositivo os aspectos em relação à contribuição do PBF no

sucesso escolar dos beneficiários.

É possível perceber nas falas de alguns segmentos de

entrevistados, como o diretor, não ver nenhuma mudança de vida do

estudante. Porém, para os beneficiários, ao contrário do corpo docente

da escola, esse programa trouxe mudanças positivas para a melhoria da

renda familiar e consequentemente para a vida do aluno, não somente

para manter a criança na escola mas, também, para adquirir alimentação

e itens básicos para a subsistência humana. Na perspectiva dos pais o

PBF favorece a superação da pobreza e da desigualdade social.

Na ideia de Rocha (2011, p. 133), usado o recurso adequadamente,

poderia ser uma estratégia para diminuir a situação da extrema pobreza,

mesmo emergencial. Para tanto afirma:

Trata-se de um traço essencial do programa do pontode vista conceitual e estratégico, pois permitiria queo Bolsa Família não somente aliviasse a pobrezapresente, mas operasse no sentido de romper o circulovicioso da pobreza mais adiante.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)38

Quanto aos benefícios do Programa em superar a pobreza e

diminuir a desigualdade social, as famílias beneficiárias constatemente

reiteram a importância desse benefício para o processo de educação das

crianças o que, consequentemente, não supera, mas ameniza a

desigualdade social ao permitir que a família utilize o recurso de acordo

com a sua necessidade.

Os profissionais da educação divergem sobre essa questão, tendo

em vista que o beneficiário requer não só acesso à educação, mas também

uma educação de qualidade.E exigem a participação da família na vida

escolar do educando. Esse é um grande desafio que a escola precisa

enfrentar e buscar alternativas para trazer essas famílias até a escola,

pois nem sempre é falta de responsabilidade dos pais, tendo em vista

que a luta pela sobrevivência é necessária. A busca de trabalho dos pais

dificulta a sua participação e acompanhamento da vida escolar dos filhos.

A culpabilização dos pais pela escola ou vice-versa pelo fracasso

da criança, precisa ser superada por ambos os segmentos. É preciso chamar

os pais para participar da vida das crianças na escola e, com certeza, isso

trará mais condições de a escola desenvolver um trabalho favorável e

positivo junto à criança e às famílias (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2009).

Nesse aspecto, é importante o entendimento entre pais e escola

para que a criança não seja prejudicada no seu desenvolvimento, tendo

em vista que a educação deve possibilitar desenvolvimento integral. O

que consideramos importante nas falas dos professores é que o

atendimento das crianças é igual, não há discriminação entre crianças

beneficiárias e não beneficiárias do Programa, apesar de que alguns pais

e diretores afirmavam que ainda há esse diferença no tratamento das

crianças. É mais um desafio para superar essa problemática: é importante

tratar igualitariamente todas as crianças, só assim pode ser possibilitado

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4638

39Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

à inserção social das crianças beneficiárias. O que pode ser uma estratégia

para diminuir a desigualdade social.

O Art. 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece

que todos são iguais perante a lei e tem direitos, sem qualquer distinção,

a igual proteção da lei contra qualquer discriminação que viole a presente

Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Então a

escola deve agir de acordo com o que determina esta lei, devendo ser

uma medida educacional desenvolvida pela escola.

De acordo com o Decreto n° 5.209, de 17 de setembro de 2004

sabe-se que em caso de descumprimento das condicionalidades, a família

recebe advertências e é submetida a diversas avaliações que podem

ocasionar a suspensão temporária do benefício ou até mesmo o seu

cancelamento. Entretanto, frequentar a escola para assegurar o benefício

não garante que o aluno terá acesso a uma educação de qualidade,

Educação essa que lhe permitirá futuramente competir no mercado

de trabalho por um emprego com melhor remuneração, assim, ainda que

o Programa Bolsa Família contribua para a inserção de crianças e jovens

nas escolas e para a redução do trabalho infantil e da pobreza extrema.

Ele não se configura uma politica educacional que promova a superação

do ciclo vicioso da pobreza através da educação, o que pressupõe ações

relativas à qualidade do ensino que poderia ser ofertado pelas escolas

públicas nas condicionalidades do Programa.

Os resultados das avaliações nacionais mostram que a proficiência

dos alunos do Estado do Amazonas está aumentando.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4639

Rosa Mendonça de Brito (Org.)40

A avaliação representada no quadro acima demonstra a melhoria

da qualidade da educação nos dois primeiros segmentos da educação bási-

ca. Isso é importante, tendo em vista que para as famílias e profissionais

da educação, sinal de que, com todas as dificuldades, a educação está me-

lhorando. Daí a importância de os pais que recebem o benefício do PBF

reconheçam que não basta apenas receber o dinheiro, comprar comida e

material escolar; é preciso acompanhar o educando na sua vida escolar.

É inconteste a importância desse Programa para as famílias no

limite da extrema pobreza e de baixa renda. Mas, isso não basta, há ne-

cessidades de políticas públicas que modifique substancialmente a situa-

ção dessas famílias. Como programa emergencial tem sua validade. En-

tretanto, é necessário que o Poder Público, através de ações fortes e

concretas, possibilite emprego a essas famílias para que consigam viver

dignamente e assim adquirir cidadania, tão proclamada nos textos le-

gais. Deixar para a responsabilidade da escola a superação dessas desi-

gualdades, o papel da escola é ensinar e também exercer sua função de

formadora de cidadão críticos para reconhecer e lutar por seus direitos

constitucionais.

Figura 1 - Resultado das avaliações nacionais

Fonte: Qedu (2016).

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41Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Programa Bolsa Família se inseriu em nosso país como forma de

melhorar a situação social da população na condição de extrema pobreza

e assim possibilitar o acesso a esses sujeitos aos direitos básicos, como:

a alimentação, a saúde e a educação. É um programa que integra a

escolarização como forma de causar impactos relevantes na renda familiar

brasileira contribuindo de alguma forma com a dimunuição da evasão e

repetência escolar.

Nos estudos empreendidos, constatamos que é um Programa em

que muitos são a favor e outros contra, tendo em vista os vários olhares

seja dos beneficiários, seja de outros segmentos da sociedade. Tem seus

pontos positivos, mas precisa ser aperfeiçoado para que melhores

resultados possam advir. Para melhorar de forma significativa, se faz

necessário acompanhar a aplicabilidade do recurso, como esse benefício

está sendo utilizado, uma vez que nem sempre a complementação de

renda é utilizada como esperado. Cabe ainda implementos de políticas

públicas para oferecer suportes que levem o cidadão deixar de depender

dessa renda e caminhar com autonomia, indepedência e emancipação,

conforme conclusão do grupo de cursistas que realizaram a pesquisa.

Além disso é necessário apontar alguns caminhos para a melhoria

do Programa:

1. Avaliação permanente sobre o seu desenvolvimento.

2. Acompanhar a utilização dos recursos do Programa;

3. Supervisionar se as famílias cadastradas realmente têm o perfil

para ser atendidas pelo Programa.

4. Acompanhar a fim de verificar se as condicionalidades estão

sendo cumpridas.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4641

Rosa Mendonça de Brito (Org.)42

5. Desenvolver ações conjuntas entre os vários órgãos federais,

estaduais e municipais para evitar desvios na aplicabilidade do Programa.

6. Aprofundar os aportes metodológicos do Programa, assentados

na intersetorialidade, na territorialidade, na ações com foco na família.

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45Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

A Conquista da Cidadania Diante da Pobrezae das Desigualdades Sociais

Clotilde Tinoco Sales | Regina Marieta T. Chagas

Rosejaneda Mota Farias | Hellen Bastos Gomes

Aldenei Moura Barros

2

INTRODUÇÃO

O estudo aqui apresentado está embasado nas ideias de teóricos

que tratam da questão, em documentos e em pesquisas realizadas por

alunos do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social,

desenvolvido pela Universidade Federal do Amazonas em parceria com a

SECADI/MEC, SEDUC e SEMEDs.

Tem como principal finalidade mostrar que a conquista ou

construção da cidadania deve ser vista comoum aspecto fundamental a

ser desenvolvido pelo processo educativo com vistas à boa convivência

dos indivíduos.Tanto assim que, quando falamos de cidadania, logo nos

reportamos à vida em sociedade e, muitas vezes, ao termo democracia

entendido como participação ativa na vida pública, como prática social

cujo foco principal deve ser a questão dos direitos e deveres e a defesa

da qualidade de vida dos cidadãos.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4645

Rosa Mendonça de Brito (Org.)46

Para dar conta do tema, no seu desenvolvimento foram tratadas

as seguintes questões: a Legitimação dos Direitos e Deveres Humanos;

dialogando sobre Cidadania em Escolas e Comunidades dos bairros

periféricos de Manaus; Cidadania e Educação: um encontro e uma prática

nem sempre possíveis; o Programa Bolsa Família: uma política pública de

enfrentamento da pobreza e das desigualdades.

De acordo com Siqueira e Lopes (2014), a Cidadania e os Direitos

Humanos não podem ser meramente entendidos como direitos subjetivos,

inerentes aos indivíduos e conquistados ao nascer. Devem, antes de tudo,

ser conquistados diariamente, por cada cidadão, através da conscientização

social. O Estado, contudo, não deve se eximir de sua parcela de

contribuição. Cabe a ele o dever de proporcionar condições para o exercício

pleno da Cidadania e dos Direitos Humanos dentro do meio social.

A estreita relação da cidadania com os direitos humanos também

é pontuada por esses autores ao entenderem que a construção da

cidadania é permeada por outros fatores que se entrelaçam como a ideia

de participação e construção de identidade, pois:

[...] dessa forma, o que se nota como inerente àcidadania é a sempre presente ideia de participação,o atuar, o agir com a finalidade de construir umdestino próprio. Entretanto, mais importante do quesua conceituação é a tentativa de entender seusignificado ao longo dos tempos, para que fiquemclaros os termos integrantes de seu conceito(SIQUEIRA; LOPES, 2014, p. 1).

Assim compreendida, a cidadania transformou-se em

sinônimo de reivindicação de direitos por partes dos cidadãos e a sociedade

tornou-se mais exigente em relação ao Estado, ao cobrar deste a

implementação de políticas públicas que não apenas contemplem a

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4646

47Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

efetividade dos direitos fundamentais, como também ampliem a extensão

destes direitos, identificando-os como direitos humanos.

Todavia, na conjuntura atual, parte da sociedade civil organizada

convive com a ameaça de perda das conquistas alcançadas nos últimos

anos, principalmente, porque entende que o estado democrático de direito

foi violado. Face aos desdobramentos decorridos no último ano, com o

desfecho do processo de impeachment que levou à cassação do último

governo eleito democraticamente pelo povo brasileiro.

Tal realidade tornou possível a instalação de um governo que

ameaça a manutenção destes direitos com suas reformas de cunho

neoliberal, contribuindo para que as perspectivas da população apontem

para a perpetuação de um estado de incertezas, considerando que já se

encontra severamente castigada pelas desigualdades existentes no atual

modelo econômico vigente no país, ameaçando direitos conquistados às

duras penas.

Na cidadania, os direitos e deveres estão interligados, e o respeito

e cumprimento de ambos contribuem para uma sociedade mais equilibrada

e justa. Exercer a Cidadania é ter consciência de seus direitos e obrigações

garantindo que estes sejam colocados em prática. Exercer a cidadania é

estarem pleno gozo das disposições constitucionais. Preparar o cidadão

para o exercício da cidadania dever ser um dos objetivos da educação de

um país.

Siqueira e Lopes (2014) afirmam, ainda, que a vida é um direito

humano fundamental porque sem ela a pessoa não tem assegurada a sua

existência. Entretanto, a vida em sociedade requer outros direitos humanos

imprescindíveis tais como: direito à alimentação, à saúde, à moradia e a

terra, à educação, à liberdade, à igualdade de oportunidades, ao trabalho

em condições justas, ao meio ambiente sadio, de participação no governo,

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4647

Rosa Mendonça de Brito (Org.)48

de recebimento de serviços públicos, de proteção aos seus direitos, dentre

tantos outros que foram conquistados paulatinamente com muita luta e

constantes reivindicações ao longo da História.

Nessa ótica, a legitimação da cidadania é contraditória quando

em um país se convive quase que naturalmente com o fenômeno da

Pobreza. Na concepção de Santos (2009, p. 18), “[...] a pobreza é uma

condição que afeta os indivíduos [...] os membros de uma população - a

desigualdade refere-se ao conjunto da população em sua totalidade”.

Diante desse pressuposto, a pobreza é considerada uma situação de

privação de meios de subsistência. A produção desta realidade ocorre

quando os pobres são vistos como carentes e inferiores, sendo articulada

e reforçada quando a sociedade aponta essa classe como a que mais precisa

da atenção do Estado para participar dos programas assistencialistas. A

reprodução da desigualdade acontece quando são negados os direitos e

as necessidades básicas, fator histórico que permeia as relações da

cidadania. Lavinas (2003), abordando sobre o fenômeno da pobreza,

afirma que:

[...] pobre é todo aquele que não se beneficia de umpadrão de subsistência mínimo, baseado na ingestãodiária de um requerimento calórico dado. Portanto,inicialmente, pobreza e fome são quase sinônimos ese confundem na identificação de quem é pobre. Nesseenfoque, as necessidades humanas aparecem limitadasàs necessidades da sobrevivência física - comer, vestir-se - desconsiderando o social. Esse é ainda hoje oenfoque que prevalece na definição da pobrezaabsoluta ou da indigência: um padrão de vida aquémdo que é exigido para assegurar a mera subsistênciaou sobrevivência (p. 31).

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49Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Diante do que se apresenta acerca desse fenômeno, é possível

inferir que a pobreza é fruto da ação dos homens e da relação entre eles,

sendo resultado das formas como estes pensam, interpretam e direcionam

a construção de sua história. É oportuno registrar que, na fala dos sujeitos

entrevistados sobre a relação entre pobreza e cidadania, estes disseram

que pobreza e cidadania estão em desequilíbrio, em desarmonia social,

pois, a maioria das pessoas em condição de pobreza se encontra

marginalizada. Pinzani e Rego (2013, p. 9) destacam que,

[...] quando uma sociedade não garante que todas aspessoas tenham as mesmas oportunidades de acessoao bem-estar, à cultura e à educação, em sentidoamplo, apresenta déficits enormes de democratizaçãode sua estrutura social e política.

Para Gadotti (1998), a cidadania é, essencialmente, consciência de

direitos e deveres e exercício da democracia, direitos civis, como segurança,

locomoção; direitos sociais, como trabalho, salários justos, saúde, educação,

habitação; direitos políticos como liberdade de expressão, de voto, de

participação em partidos políticos e sindicatos etc. Entendemos nas palavras

desse autor que, o pleno exercício da cidadania, constitui-se dentro de sua

liberdade de expressão, com reconhecimento dos direitos, mas também

com o cumprimento dos deveres.

Tais direitos e deveres vão para além de uma visão limitada ou de

senso comum em apenas ter respeitados e atendidos seus direitos. Para

Rezende Filho e Câmara Neto (2013), a cidadania abrange os direitos, os

deveres e os aspectos sociais, em que o indivíduo participa das

políticas públicas, das mudanças sociais, no âmbito da sociedade, trata-

se de uma relação e interrelação muito mais ampla e complexa.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)50

As condições econômicas não impedem que a cidadania seja vivida

de forma concreta, o estado de pobreza em que vive grande parte da

população não é desculpa para não se exercer a cidadania. Na compreensão

de Santos (2009), o critério de renda se apresenta como uma limitação

por não contabilizar os eventuais ganhos de bem-estar de uma população,

obtidos por meio de investimentos públicos em serviços essenciais, tais

como saneamento, educação e saúde.

No Brasil, as últimas décadas do século XX e as primeiras do século

XXI, foram caracterizadas por significativos avanços no campo da educação

e no combate à pobreza, contribuindo para a redução das desigualdades

e possibilitando a extensão do direito de cidadania a milhões de brasileiros

que se viam alienados desta importante condição. Embora a temática dos

excluídos ou da desigualdade domine a maior parte dos estudos

contemporâneos sobre cidadania e direitos humanos, tradicionalmente,

em nosso país, as conquistas no campo da cidadania sempre provocaram

reação das elites dominantes, de forma que, na visão de alguns estudiosos,

é impossível existir cidadania sem a garantia dos direitos humanos. Nas

palavras de Rezende Filho e Câmara Neto (2013, p. 5),

[...] podemos dizer que todos esses anos de evoluçãoacabaram por afirmar que a cidadania de fato só podese constituir por meio de acirrada luta quotidiana pordireitos e pela garantia daqueles que já existem.

1 A LEGITIMAÇÃO DOS DIREITOS E DEVERES DO HOMEM

Na história da humanidade, desde o momento em que os homens

aprenderam a conviver socialmente em pequenos grupos e comunidades,

construindo experiências coletivas, descobriram formas próprias de exercer

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51Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

o poder de uns sobre os outros. Com isso, mesmo entre os povos nômades

haviam líderes que comandavam os grupos, estabelecendo normas e

obrigações aos seus subordinados, seja por meio de grunhidos e/ou pelo

uso da força física e mesmo através da linguagem oral (quando isso foi

possível), disputando espaços pela busca de alimentos, água e outros

elementos que pudessem suprir suas necessidades de sobrevivência.

Desse modo, quanto mais desenvolviam-se socialmente, mais

crescia sua necessidade de engendrar meios mais concretos e elaborados

para assegurar o funcionamento do grupo ou que pudesse resolver seus

conflitos internos e externos com grupos rivais. Contudo, nesse tempo,

ainda não se falava em cidadania, pois esta é uma palavra que ganharia

sentidos e significados ampliados a partir da modernidade.

O primeiro indício de experiência de cidadania remonta à história

política das cidades gregas e romanas entre os séculos VIII e VII a. C,

pois seu significado estava, diretamente, associado à participação na

política da “Cidade-Estado” da época. Na Grécia, polis significava tanto

“cidade” como “comunidade política” (SIQUEIRA; LOPES, 2014). Foi essa

concepção que, a princípio, se estendeu também para a história da

cidadania nas sociedades modernas e que, com o passar dos anos, foi se

ampliando para os direitos civis, políticos e sociais. Vale dizer que,

conforme o progresso das técnicas, da economia e da arte bélica, as

relações de cidadania sofriam transformações para atender as novas

exigências das sociedades (CARDOSO apud REZENDE FILHO; CÂMARA NETO,

2013). Mas, foi também na Grécia Antiga, como ressaltam Siqueira e Lopes

(2014) que se plantaram as primeiras sementes do entendimento sobre

“direito natural” próprio do sujeito, independente de existirem leis e

declarações para resguarda-los e legitima-los.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)52

No tempo das sociedades gregas, somente era o cidadão aquele

que nascia no país grego, este sim, tinha todos os direitos de participar

da política. Os estrangeiros jamais exerciam cargos políticos, apenas

dedicavam-se às atividades mercantis. Mais tarde, aos estrangeiros foi

concedido o pertencimento à categoria de cidadão, porém condicionada

a dívidas contraídas para com os governantes. O regime aristocrático grego

passou a compartilhar seu espaço com as Assembleias e os Conselhos

com a presença da participação popular, todavia as concessões de acesso

ao poder eram limitadas e carregadas de fortes distinções sociais.

Ainda que instituído um aparente regime democrático, havia uma

tímida presença do exercício de cidadania, pincipalmente no que tange

às decisões políticas, pois uma parte dos cidadãos tinham restrições às

suas condições econômicas bem como à sua origem familiar (ARENDT,

1995 apud REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2013). Dessa forma, a garantia

de direitos não significava, verdadeiramente, sua efetivação no poder

das decisões, já que, como ressaltam Rezende Filho e Câmara Neto (2013),

o status do cidadão era mais valioso para a garantia de seus privilégios.

É oportuno dizer que essas regalias ainda são marcantes na gestão das

políticas governamentais nas sociedades modernas em várias partes do

mundo, as quais se dizem democráticas.

Portanto, mais do que ter direitos garantidos em leis, resoluções,

decretos entre outros documentos, o maior desafio dos cidadãos em todo

o mundo é fazer com que os mesmos sejam concretizados em políticas

públicas, voltadas aos direitos humanos ou que, os direitos conquistados

não sejam confiscados e negados aos cidadãos como vem ocorrendo

sistematicamente na gestão atual, do governo brasileiro.

Com o projeto da reforma da previdência e a extensão da idade

da aposentadoria para homens e mulheres, a perda da estabilidade do

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53Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

emprego com a terceirização das relações de trabalho e a precarização

total dos serviços básicos de cidadania como educação, saúde, segurança,

moradia e sobrevivência, todas essas medidas, se efetivadas vão revelar,

realmente, que os direitos dos cidadãos brasileiros foram confiscados.

Por outro lado, as constantes emendas constitucionais brasileiras, mais

do que atender às reais necessidades sociais, vem destituindo a verdadeira

essência da constituição de 1988, a qual foi o resultado de lutas históricas

por direitos de igualdade, liberdade e dignidade humana.

Se a luta pela efetivação plena da cidadania passou a se identificar

com a luta em prol dos direitos humanos, esta tem à sua frente um mar

de incertezas, acaba de juntar-se à ele a questão da reforma trabalhista

que ameaça o futuro da cidadania face à perspectiva de redução e confisco

dos direitos dos trabalhadores, apesar de, no entendimento do atual

governo, tal reforma não irá prejudicar os direitos trabalhistas.

Tal reforma, levada à efeito pela, assim, chamada “Lei da

Terceirização”, Lei nº 13.429/2017, sancionada com alguns vetos no último

dia 31 de março de 2017. A luta contra a violação dos direitos conquistados

pelos trabalhadores ao longo de décadas de movimentos reivindicatórios

em prol dos direitos trabalhistas ganhou novos desdobramentos, uma vez

que o partido Rede Sustentabilidade acionou o Supremo Tribunal Federal

ao alegar a inconstitucionalidade da nova lei.

Essa lei estabelece novas regras para o trabalho temporário.

Conforme nota técnica do Departamento Intersindical de Estatística e

Estudos Econômicos (DIEESE), n. 175, publicado em abril de 2017, a lei

13.429/2017, conceitua trabalho temporário como:

[...] aquele prestado por pessoa física contratada poruma empresa de trabalho temporário que a coloca à

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disposição de uma empresa tomadora de serviços, paraatender à necessidade de substituição transitória depessoal permanente ou à demanda complementar deserviços (DIEESE, s.d., p. 4).

Os analisadores do documento supracitado deixam claro que a

referida lei representa uma forma mascarada de destituir o trabalhador

de seus poucos direitos conquistados ao longo de lutas perenes com o

poder Estatal e Empresarial constituído. Afirmam que o contrato temporário

de trabalho “[...] pode ser caracterizado como um “bico qualificado” (p.7),

já que se diferenciam com enormes desvantagens com relação a contratos

por tempo determinado.

Quando mudanças na lei alteram esse tipo de contratação podem

estar favorecendo o fortalecimento do poder dos empresários, ampliando

a precarização das condições de vida e de trabalho dos contratados, além

disso, o trabalho temporário gera uma constante rotatividade de contratos,

tendo em consequência um grande índice de desempregados e o

subemprego dos cidadãos que ficaram à mercê das tão sonhadas e

controladas oportunidades.

Com relação à regulamentação da terceirização, observa-se que

desde 2011, já havia um acalorado debate sobre o assunto e, mais,

recentemente, o projeto de lei 4.302/1998 ganhou pauta na Câmara do

Senado Federal por força da união das representações patronais, reunindo

no mesmo documento a discussão e os rumos do trabalho temporário e

da terceirização. Criticam, ainda, que as condições exigidas para empresas

prestadoras de serviços são genéricas e limitadas, isso acarretará outros

problemas de ordem jurídica e de funcionalidade dos serviços.

Como podemos notar, a conquista dos direitos pela sociedade na

forma da lei, que visa a oportunização de igualdade de condições nos

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55Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

vários setores sociais esbarra numa velha conhecida da sociedade

brasileira, que é a precariedade das estruturas do Estado. Este falha em

implementar políticas públicas que visem à ampliação destes direitos que

já foram garantidos na forma da lei, uma vez que o poder político vem se

atrelando cada vez mais ao poder econômico, possibilitando uma aliança

cujo viés tem sido a construção de mecanismos de manipulação da

sociedade brasileira.

Diante da atual conjuntura, convivemos com o abandono crescente

dos investimentos públicos na educação, na formação de educadores e

encontramos cada vez mais a escola entregue a si mesma. Esta, por sua

vez, sozinha não consegue fazer muito, seja em virtude de suas limitações,

seja pela ausência de profissionais qualificados para o desenvolvimento

de suas atividades. Em muitos Estados brasileiros, as secretarias não

contratam profissionais como psicopedagogos, psicólogos escolares, seja

por ausência de vontade política do poder público, seja pela inexistência

de tais cargos nos planos de cargos, carreiras e salários das redes estadual

e municipal.

Tal situação caótica é perturbadora do bem-estar social e da

dignidade humana, tendo em vista que estamos percorrendo um caminho

de retrocesso ao que foi conquistado, progressivamente, pelas sociedades

ao longo da história da humanidade. Os grupos sociais, comunidades e

classes foram adquirindo consciência de seus direitos deveres e, cada vez

mais, se organizaram para reivindicá-los, perante seus governantes e/ou

representantes.

Essa prática já ocorria, como observa Silva (2000), na Baixa Idade

Média entre os séculos XII e XIII e está diretamente vinculado à história

dos direitos humanos. Surgem nessas épocas, as primeiras tentativas em

delimitar as competências e atribuições dos governantes, porém, os

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)56

“direitos humanos” ainda não eram considerados como sendo inerentes

à pessoa humana.

Mas, como sabemos, em nenhum momento da história tem sido

fácil se construir a experiência da cidadania plena, pois, na Idade Média

o “Direito Natural”, inerente ao indivíduo desde seu nascimento, foi

interpretado pela classe dominante como “vontade de Deus”. Sendo assim,

a igreja exercia o poder, ao mesmo tempo, sobre a propriedade privada,

o matrimonio, o direito, o governo e a escravidão, sustentando a formação

de uma sociedade onde todos seriam iguais e teriam direitos em comum

(SIQUEIRA; LOPES, 2014).

Daí em diante, prevaleceram dois tipos de cidadania - após a

decadência do Império Romano, logo no primeiro período do século V, o

significado de cidadania, praticamente, desapareceu, pois um novo jogo

de poder sustentado por ideias de fidelidade, desconsiderou a participação

política dos cidadãos. Na Europa, a confluência de instituições e costumes

herdados das invasões bárbaras e romanas, favoreceu o aparecimento de

uma nova ordem social, composta pela nobreza, clero e camponeses, que

perduraram até o final da Idade Moderna.

Com tal cenário, os camponeses estavam subordinados à nobreza.

Surge a partir daí o regime judiciário exercendo o poder de distinção

social e de status, ou seja, a “justiça” atribuía privilégios aos estamentos1

superiores. Nessa ótica, a justiça era constituída de elementos

consuetudinários2 e, além disso, não permitia o julgamento entre “iguais”,

1 Estamento -Estamento -Estamento -Estamento -Estamento - Conjunto de pessoas que desempenham a mesma função social ou que possuem a capacidade deinfluenciar cer to setor: o estamento ideológico. Condição de uma pessoa que consegue permanecer ou subsistir.Local destinado àqueles que pertencem ao governo de; congresso ou assembleia. Etimologia (origem da palavraestamento): do espanhol estamento.

2 Consuetudinários -Consuetudinários -Consuetudinários -Consuetudinários -Consuetudinários - Direito consuetudinário, direito não escrito, fundado no uso, costume ou prática. Costumário,costumeiro, habitual, normal, usual. Disponível em: https://www.dicio.com.br/estamento/ Acesso em: 31 mar. 2017.

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57Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

isto é, quando se referia à classe menos favorecida (BLOC, 1982 apud

REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2013).

Por outro lado, a construção da cidadania como legitimidade dos

direitos e deveres dos cidadãos tem forte relação com eventos que

marcaram profundamente a história da humanidade, como, por exemplo,

as guerras e revoluções e ainda as significativas invenções científicas e

tecnológicas. Convém destacar que, com a Revolução Francesa em 1789,

foi constituída a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”,

fundada nos ideais da liberdade, igualdade e fraternidade. Posteriormente,

após a 2C” Guerra Mundial foram proclamadas - a Declaração de Direitos

da Revolução Americana e a Declaração Universal dos Direitos Humanos,

de 1948 (SILVA, 2000).

Com o renascimento urbano e a formação dos Estados Nacionais,

ainda, na Baixa Idade Média, ressurge o Estado centralizador e a noção

de cidadania clássica, isto é, a prática de concessão de privilégios políticos.

Cria-se uma nova relação entre política, economia e sociedade, por conta

mesmo do advento do capitalismo industrial. A burguesia mercantil

emergente passa a lutar por direitos até então, concedidos aos estamentos

superiores.

Essa época também favoreceu os princípios teóricos que

consolidaram o Absolutismo Monárquico e o nascimento de uma nova

concepção de cidadania. Com isso, a velha noção de cidadania apenas

atrelada a direitos e privilégios políticos não mais atendia as novas

exigências materiais e espirituais fundadas na ruralização da economia e

na cristianização da sociedade. O conceito de cidadania recupera o ideal

de igualdade entre os cidadãos (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2013).

Eis que surge o período do iluminismo ou “século das luzes” e o

anseio dos cidadãos por igualdade, rumo ao Liberalismo. A formação dos

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)58

Estados Nacionais acompanhou transformações profundas no âmbito social

e político; a burguesia, aos poucos, foi conquistando o poder no espaço

político e econômico. Mesmo assim, o absolutismo monárquico continuou

exercendo, por vários anos, o caráter hereditário do poder e o modelo

estamental da Idade Média.

Foi um período de muitas revoluções sociais, de reformas políticas

e econômicas, do desenvolvimento das artes, da evolução e das conquistas

científicas, do acesso ao conhecimento, de expressão das ideias, da

igualdade entre os cidadãos e do emergir de um ideal de liberdade. Por

outro lado, todas essas mudanças refletiam a proliferação do capitalismo

e a consolidação das reformas religiosas do século XV, no plano da

espiritualidade, como a prática da redenção, privilegiava o trabalho, no

lugar da caridadee a concessão da liberdade para interpretação das

escrituras (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2013).

Nesse contexto, de grandes inovações, é recuperado o conceito

de cidadania, considerando como princípios, a igualdade e a liberdade

entre os homens, aproximando-se do pensamento dos gregos. Nesse

tempo, visualizando essas novas perspectivas, filósofos modernos, como

Locke e Rousseau, compuseram os ideais de uma democracia liberal,

consubstanciada pela razão e não no direito divino.

As ideias desses teóricos foram fertilizadas no arcabouço teórico

das Revoluções Burguesas, durante os séculos XVII e XVIII, na Europa.

(REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2013). Convém dizer que o Liberalismo

Puro provocou inúmeras desigualdades sociais, já que um pequeno grupo

detinha o poder e os privilégios nos meios de produção e na posse das

propriedades, enquanto que a maioria da população era submetida ao

trabalho escravo, emprecárias condições, carga horária para além de 10

horas diárias e salários miseráveis (SIQUEIRA; LOPES, 2014).

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4658

59Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

É importante frisar que, no iluminismo, como enfatizam Siqueira

e Lopes (2014), o domínio da Igreja Católica foi abalado com a Reforma

Protestante, a vida social passa a ter uma compreensão mais racional, as

pessoas começam a refletir e questionar a realidade. Os intelectuais

contribuíram, fortemente, para que os cidadãos da época procurassem

libertar-se da condição de súdito, percebendo-se como pessoa digna de

direitos e de usufruir das conquistas da civilização.

O Direito Natural nos estudos de Bodenheimer apud Siqueira e

Lopes (2014) é apresentado em três fases: a) Teoria de Hugo Grotius -

após a Reforma, o Direito Natural consiste na prudência e auto moderação

do governante; b) Teoria de Locke - após a Revolução Puritana de 1649,

o Direito Natural assume características de tendência ao capitalismo na

política e na filosofia.

As ideias de Lock acabaram fortalecendo a conquista política pela

burguesia no viés do conceito de liberdade e de propriedade material.

Por outro lado, constituem-se no germe para firmar os Direitos Civis,

todavia é no palco das lutas pelos direitos, especialmente políticos, que

a burguesia mantinha distância do povo para fazer prevalecer seus

interesses e privilégios; c) Teoria de Rousseau - sustentava a elevação da

soberania popular e da democracia, com isso, o Direito Natural se destina

à vontade absoluta do povo. Rousseau tinha uma visão de universalidade

no exercício pleno da cidadania amparada pela liberdade civil.

Os direitos políticos são ampliados, atribuindo-se à constituição

da cidadania a igualdade de direitos, tendo como fundamento a natureza

humana comum e sendo nela consolidado. É importante compreender

que os ideais iluministas faziam ressonância com o que acontecia em

outras partes do mundo, principalmente com os movimentos de

independência ocorridos na América e as Revoluções Inglesa e Francesa.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4659

Rosa Mendonça de Brito (Org.)60

Contudo, se as ideias no papel ganhavam sentido e firmavam direitos e

deveres, na prática social eram visíveis as desigualdades, as disputasda

burguesia por poder e privilégios na política e na economia eram acirradas.

Diante dos fatos, abordados até o momento, torna-se relevante

afirmar que o conceito de cidadania, como observam Rezende Filho e

Câmara Neto (2013), atravessou mais de dois mil e quinhentos anos e foi

ganhando contornos cada vez mais ampliados no plano dos direitos

sociais. Esse movimento de múltiplas determinações no campo das

transformações econômicas, políticas, sociais e culturais, movidas e

assentadas nas revoluções científicas, nas lutas dos movimentos sociais

por direitos e nas constantes reorganizações da sociedade, contribuíram

para todo um arcabouço teórico, político e filosófico para se discutir

sobre as dimensões da cidadania como princípio fundamental do Estado

Democrático de Direito3.

As democracias modernas dos séculos XIX e XX, também

influenciaram na reformulação do conceito de cidadania, como exemplo,

temos a Independência dos Estados Unidos e o movimento revolucionário

francês. Os ideais de liberdade e de igualdade apesar de terem nascido

no auge do poder da burguesia, abriram frechas que possibilitaram a

inclusão do cidadão de direitos na sua totalidade enquanto país, nação.

Embora, a maioria da população tenha conquistado seus direitos sociais,

gradativamente, valorizando as oportunidades das transformações do

capitalismo nos âmbitos econômico, político, social e cultural. Neste novo

3 Estado Democrático de DirEstado Democrático de DirEstado Democrático de DirEstado Democrático de DirEstado Democrático de Direitoeitoeitoeitoeito, conforme Alessandro Pinzani e Walquiria Leão Rego (2013, p. 60), é aqueleque garante o direito às liberdades civis e aos direitos humanos. [...] é dito "de Direito" porque as garantias estãobaseadas na utilização de um sistema jurídico, de leis, que as mantém e as defende. Essa condição institucional doEstado é permeada por uma série de garantias fundamentais que lhe dão base, como o direito de ir e vir, porexemplo. Modulo II- Pobreza e Cidadania. MEC/SECADI.

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61Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

cenário, o significado de cidadania passa a expressar o relacionamento

entre uma sociedade política e seus membros.

A cidadania contemporânea também inscreve suas bases nas

decisões engendradas após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, com

o intuito de prevenir os conflitos e suas sequelas pulverizadas em todos

os âmbitos da vida humana. A Organização das Nações Unidas - ONU e a

sociedade civil compreenderam que os direitos humanos estavam acima

de qualquer conflito ou pacto estabelecido ou desfeito entre as nações.

A competência do Estado Social durante o século XIX e meados

do século XX, numa primeira tentativa, esteve atrelada à concepção de

‘Estado Providência’ para prestar assistência aos necessitados e excluídos,

vítimas das desigualdades sociais da sociedade capitalista. Mas, com a

ampliação das conquistas dos Direitos Humanos os Direitos econômicos

são implementados numa perspectiva de Estado Social neoliberal e

intervencionista, ou seja, o Estado intervém nos assuntos econômicos

com a finalidade de alcançar a democracia econômica, como, por exemplo,

o direito de ter um emprego e remuneração digna.

Os Direitos Sociais são reforçados com o acesso à educação, a

moradia e à previdência social. Os Direitos Políticos são implementados

para além do voto, como sufrágio universal para homens e mulheres,

referendo, plebiscito, iniciativa popular de leis e veto popular (SIQUEIRA;

LOPES, 2014). No caso brasileiro, nestas últimas décadas do século XXI,

parece estar ocorrendo um equívoco corruptivo de excluir os direitos que

os cidadãos conquistaram a duras penas no decorrer do processo histórico.

A origem da Declaração dos Direitos Humanos, do ponto de vista

histórico, remete como diz Bobbio (2007), à Déclarationdesdroits de l’homme

et ducitoyen, aprovada na Assembleia Nacional francesa (1789) em que,

legalmente, foram reconhecidos os direitos naturais e fundamentais da

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)62

vida humana, como a liberdade, a propriedade, a segurança, a resistência à

opressão. Essas conquistas firmaram-se e consolidaram-se nas bases do

jusnaturalismoe do contratualismo, tanto na Declaração francesa como nos

Billsofrights americanas, legitimando que os homens têm direitos naturais

independentemente da formação das sociedades, direitos que o Estado

deve assegurar a todos os cidadãos. E como nasce um direito como

ordenamento normativo coativo?

De acordo com o pequeno dicionárioda língua portuguesa de

Antônio Houaiss (2015), um direito, enquanto conquista, concessão e

permissão de algo a alguém, refere-se a: 7. O que é permitido a um

indivíduo ou a um grupo por leis ou costumes. 8. Poder legítimo. 9.

Privilegio, regalia. 11. Conjunto das ciências jurídicas e sociais. 15.

Segundo os princípios da moral; honestamente. Como podemos constatar,

não basta boa vontade e consenso coletivo entre partes para que os direitos

prescritos no papel sejam garantidos e concedidos, há necessidade do

âmbito jurídico para normatiza-lo e fazê-lo se realizar.

A palavra direito pode ter vários significados, mas quando se trata

de teoria do Estado ou da política, estaremos nos referindo ao Direito

como Ordenamento Normativo. Essas expressões podem abranger as

normas de conduta e de organização, formando uma unidade cujo

conteúdo diz respeito à regulamentação das relações que regem a

convivência e a sobrevivência do grupo social, entre elas, estão: as relações

familiares, as relações econômicas, as relações superiores de poder ou

relações políticas e, ainda, a regulamentação dos modos pelos quais o

grupo social reage contra as normas de primeiro grau ou a

institucionalização da sanção.

Essas normas têm por finalidade manter a harmonia do corpo

social para garantir a paz e a ordem. O Direito Normativo faz-se presente

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63Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

em inúmeras formas de ordenamento, como, por exemplo, a moral social,

os costumes, os jogos, os desportos, entre outros. Em última instância, o

direito utiliza-se da força física para manter o cumprimento das normas

por parte dos cidadãos, logo, não há direitos sem deveres. Desse modo,

há a compreensão de que a perfeita interface entre Direito como

ordenamento normativo coativo e a política constituem a força do poder

dominante para manter a ordem em uma sociedade e exercer o domínio

sobre ela (BOBBIO, 2007).

Nesse jogo de poder, entre os que governam e os que são

governados, temos a batalha empreendida pelo atual governo de cunho

neoliberal que ameaça de golpe mortal a qualidade de vida dos cidadãos

brasileiros e reduz, drasticamente, a noção de cidadania: é a tão propalada

reforma da previdência, promovida pelo governo como necessária e sem

a qual não haverá previdência futura para ninguém. Ao principal tom da

dita reforma do governo, o do déficit da previdência à custa do erário

público, adiciona-se o argumento que a expectativa de vida da população

brasileira aumentou, e que em virtude disto, o tempo de contribuição e a

idade mínima para a aposentadoria também devem ser aumentados.

Caso estas medidas propostas pelo atual governo forem

implementadas, veremos uma diminuição significativa nas liberdades

conquistadas pelos trabalhadores com consequências desastrosas para a

cidadania. Marques (2010, p. 120) analisa a visão de Sen, para o qual

“[...] o êxito de uma sociedade deve ser avaliado, segundo a teoria do

Desenvolvimento como Liberdade, através das liberdades substantivas

que os indivíduos de determinada sociedade desfrutam”.

Sen (2010, p. 20) observa que “A contribuição do mecanismo de

mercado para o crescimento econômico é obviamente importante, mas

vem depois do reconhecimento da importância direta da liberdade de

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)64

troca - de palavras, bens, presentes”. Percebemos, dessa forma, que as

medidas, estrategicamente, mascaradas como reformistas implementadas

pelo governo em exercício, possuem um caráter que restringe as liberdades

individuais dos cidadãos brasileiros e aumenta o risco do crescimento

das desigualdades, como bem destaca Marques (2010, p. 122):

Amartya Sen aponta também como o sistema políticodemocrático, e dessa forma, a liberdade política, pode,por si só, fortalecer demais tipos de liberdades ao sereferir à frequência nula de ocorrências de fomescoletivas, entre outros desastres econômicos, em paísescom democracias estáveis, acontecendo com frequênciaimensamente maior em países com regimes ditatoriaise opressivos.

Ao que tudo indica, no atual momento, temos ainda um grande

caminho a percorrer a fim de garantir a manutenção das conquistas

alcançadas nos últimos anos. Sejam elas: empoderar e engajar a sociedade

civil organizada, a fim de não permitir que tão importantes conquistas

sejam suprimidas, garantindo, também, a sua ampliação, para que

possamos conquistar a tão sonhada redução das desigualdades.

O Estado é incapaz de garantir os direitos da grande maioria dos

brasileiros e grande parte deles sequer conhece metade deles. É necessário

que se sensibilize e se conscientize do seu papel de fomentador e promotor

dos direitos sociais, tendo em vista a dependência das políticas públicas

atreladas às práticas econômicas neoliberais que promoveram o

solapamento das políticas públicas sociais durante a vigência do estado

mínimo neoliberal.

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65Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

2 DIALOGANDO SOBRE CIDADANIA EM ESCOLAS E COMUNIDADES DOSBAIRROS PERIFÉRICOS DE MANAUS

Quando, no empírico, dialogamos sobre cidadania com profissio-

nais da educação (gestores de escola, coordenadores pedagógicos, pro-

fessores), pais de alunos beneficiários do programa bolsa família e mo-

radores de comunidade não beneficiários do citado programa, percebe-

mos que esses sujeitos, de algum modo, expressam que cidadania é ‘ter

direitos e deveres’ assegurados, legalmente, e, até citam alguns direitos

básicos como o acesso à educação, ter moradia, emprego, liberdade de ir

e vir, de expressar suas ideias, votar e ser votado, adquirir documentos,

mas dificilmente identificam pontos de articulação e conexão entre essas

três dimensões de direitos: direitos civis, direitos políticos e direitos

sociais os quais abrangem a cidadania como um princípio democrático.

Fatos como esses foram evidenciados nas respostas dos referidos

sujeitos quando participaram de uma entrevista semiestruturada4, realizada

no Módulo II, do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e

Desigualdade Social, da Faculdade de Educação da Universidade Federal

do Amazonas, em parceria com o MEC-SECADI/SEDUC/SEMEDs. A título de

ilustração, apresentamos trechos de algumas falas que comprovam o

entendimento dos sujeitos entrevistados5. Vejamos:

5 A entrevista Semiestruturada contou com a par ticipação de 180 sujeitos, sendo: (30) famílias beneficiárias doPrograma Bolsa Família, (30) Gestores de escolas que atuavam com o programa, (30) Coordenadores pedagógicos- atuantes nessas escolas, (30) Professores(as) - com alunos beneficiários do PBF, (30) Moradores(a) de comunidadenão beneficiários do programa e (30) cursistas do Curso de Especialização.

6 Estes dados foram consultados em artigos produzidos pelos cursistas do Curso de Especialização em Educação,Pobreza e Desigualdade Social. Os ar tigos fazem parte de uma coletânea que se caracteriza como Trabalho deConclusão de Curso - TCC, os quais foram socializados por meio de Defesa Pública. A pesquisa empírica foi realizadano Módulo II- Pobreza e Cidadania.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)66

Num momento em que a cidadania enfrenta novos desafios,busca novos espaços de atuação e abre novas áreas pormeio das grandes transformações a ideia principal é quemesmo sendo leigo, o cidadão pode exercer sua própriacidadania. Assim o cidadão tem direito e garantiasfundamentais asseguradas na Constituição Federal6.

Cidadania é pertencer a sociedade e está em dia com osdireitos e deveres7.

Cidadania é participação do indivíduo como ser atuantena sociedade mediante seus direitos e deveres civis [...]8.

Cidadania são o conjunto de direitos e deveres civis, políticose sociais pelo qual cada o cidadão [...] deve exercer nasociedade em que vive [...]9.

O termo cidadania atribui ao indivíduo um conjunto dedireitos e obrigações. Está em permanente construção erepresenta um referencial de conquista da humanidade,através daqueles que buscam mais direitos, maior liberdadee melhores garantias individuais e coletivas [...]10.

Cidadania - pessoa que exerce os seus direitos e deveres[...]11.

[...] cidadania é o direito [...], que a pessoa tem, direitoe [...] dever de se dar para a sociedade. Eu tenho odireito de ir e vir, [...] direito a educação, ser mãe, deser pai, exercer minha função [...]12.

6 Diretor de escola.7 Coordenador pedagógico.8 Diretor(a) de escola.9 Diretor(a) de escola.10 Diretor(a) de escola.11 Diretor(a) de escola.12 Coordenador Pedagógico.

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67Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Cidadania [...] é você ter respeitado todos os seus direitos,direito de ir de vir, [...] de se expressar, ter seus direitosbásicos assegurados, [...] você é um cidadão quando vocêreconhece seus direitos, mas [...] seus deveres também13.

São os direitos e o cumprimento dos deveres na rotinadiária (Professor).Cidadania é o papel da pessoa na sociedade, [...] temdireitos e deveres [...] tem acesso a benefícios, um cidadão[...] passa a ser cidadão a partir do momento que [...]nasce [...] tem um registro de identificação que é certidãode nascimento [...]14.

Cidadania é o conjunto de direitos e deveres que umcidadão exerce. Os princípios que norteiam esse conjuntode deveres são os civis, políticos e sociais15.

Acho que cidadania é ter direitos necessários parasobrevivência, quando temos como casa, saúde, umaescola para nossos filhos, um trabalho para o sustentoda nossa família16.

Ter o compromisso e consciência dos direitos e deveres,tanto individual quanto coletivo17.

Cidadania é ter direitos e deveres a cumprir e viverdignamente em uma casa, ter emprego para sustentar afamília e pagar as despesas, ter escola, ter direito a saúdee remédios18.

Condição de pessoa que, como membro de um Estado, seacha no gozo de direitos que lhe permitem participar davida política. Indivíduo que, como membro de um Estado,usufrui de direitos civis e políticos [...]19.

13 Coordenador Pedagógico14 Professor(a).15 Professor(a).16 Família beneficiária do PBF.17 Cursista.18 Família Beneficiária.19 Família Beneficiária.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)68

Ter um bom trabalho e se qualificar e também estar comseus documentos em dias, [...] ter o direito de ir e vir eter uma qualidade de vida20.

Cidadania pra mim é tudo aquilo que envolve pessoas esuas responsabilidades, seja o lado educacional, [...] suasresponsabilidades [...] com o meio ambiente [...] nolocal onde moramos, [...] ter satisfação [...] noatendimento dos serviços públicos. [...] é todo umcomprometimento que nós temos, [...] na escola com osprofessores, [...] na saúde são [...] os médicos [...]com a sociedade, com os políticos e com as pessoas quesão nossa autoridade [...]21.

Conjunto de direitos e deveres. [...] todo cidadão temdireito de formar sua opinião, [...] de ir e vir, [...] detrabalhar, voto livre, etc. 22.

Penso que seja [...] a condição plena à dignidadehumana, que se aplique ao direito ao trabalho,alimentação, educação, segurança e moradia. A cidadaniaou o SER cidadão só será possível se [...] estiveremassegurados enquanto condição plena de vida e não atravésde subsídios instantâneos23.

Cidadania é [...] algo mais do que a garantia de plenosdireitos, é a qualidade ou estado de um cidadão, quegoza dos direitos civis, políticos e sociais de um Estado,ou no desempenho de seus deveres para com este. [...]24.

Cidadania significa o conjunto de direitos e deveres peloqual o cidadão [...] está sujeito no seu relacionamentocom a sociedade. [...]. Uma pessoa é identificada como

20 Família Beneficiária.21 Família Beneficiária.22 Morador não beneficiário do B/Família.23 Morador não beneficiário do B/Família.24 Cursista/pesquisador(a).

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69Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

cidadão (ã) através dos Direitos Civis e Políticos, [...]direcionados ao indivíduo [...] relativos à liberdade e [...]Direitos Sociais [...] direcionados a um grupo de indivíduose [...] relativos à igualdade. Exemplos: Saúde, educação,saneamento básico, acesso à informação, trabalho e renda,e etc25.

Analisando estas respostas, embora alguns sujeitos aprofundem

mais em alguns exemplos de direitos de cidadania, na sua grande maioria

podemos identificar claramente a expressão ‘ter direitos e deveres’reconhecidos ou assegurados legalmente, mas para algunsser cidadão

não é apenas gozar de direitos civis, políticos e sociais, mas é buscar

igualdade como princípio fundamental para o resgate da justiça social

que se manifestano direito ao trabalho, à saúde , à educação, à

alimentação, ao saneamento básico, ao acesso ao conhecimento, entre

outros tantos direitos.

3 CIDADANIA E EDUCAÇÃO: UM ENCONTRO E UMA PRÁTICA NEM SEMPREPOSSÍVEIS

Tendo em vista o que já abordamos neste trabalho, prosseguimos

em busca da compreensão do significado de cidadania, pois é sempre um

desafio defini-la diante da complexidade de tal temática. Mediante

possibilidades de inúmeras interpretações e conceitos, cidadania implica

um conjunto de situações nem sempre confortáveis para uma exatidão

da significação da palavra. Bonin (1996, s.p.) a define como “[...] o gozo

de direitos civis e o cumprimento de deveres de acordo com as leis de

determinada sociedade”. Entretanto, como já foi dito, anteriormente, leis

25 Cursista/pesquisador(a).

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)70

não asseguram (ou não têm assegurado) uma efetiva dignidade no que

diz respeito às necessidades básicas e fundamentais do indivíduo.

Sentir-se lesado tem sido uma constante na vida de brasileiros e

brasileiras que, muitas vezes, não usufruem sequer de uma alimentação

em seu cotidiano. Nesse sentido, o usufruto, o gozo do qual fala Bonin

(1996), torna-se uma utopia diante da cruel realidade de homens e

mulheres que sentem suas cidadanias serem violadas.

A ausência de projetos cidadãos configura um processo de

desumanização que impede cultura, lazer, educação dentre outras formas

de legitimidade de uma pessoa cidadã, significando dizer que sua pátria

se instala através de autoritarismo e arbitrariedade quando não pressupõe

uma educação social e política para o exercício da cidadania, capacitando

esse indivíduo para a transformação de sua realidade e de si mesmo.

Porém, algumas vezes, a mídia tem cumprido seu papel quando massifica

uma pseudo-cidadania, fazendo o “cidadão” sentir-se seguro e amparado

quanto à alimentação, moradia, trabalho, saúde, segurança e educação.

Diz-se “sentir-se seguro” no sentido de publicidade e propaganda

serem aliadas de um governo em tempos de redes sociais, forjando e

manipulando a realidade. É como se tudo fosse possível e acessível a todos,

tanto no campo material como espiritual, ‘todos de bem com a vida’, apesar

das desigualdades. Apagam-se os sofrimentos, acendem-se e alimentam-

se as chamas do ‘querer’ e do ‘viver bem’, substitui-se a realidade cruel

pelo sonho, pela fantasia de ‘estar feliz’, é uma grande farsa.

Diante dos fatos, o combate a essas práticas pode ser solidificado

mediante programas educacionais voltados para a emancipação do

indivíduo. Com vistas à construção de um ser crítico e autônomo capaz

de perceber-se em uma realidade que, às vezes, o violenta e o oprime,

através do colonialismo de programas sociais paliativos emergenciais.

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71Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Dessa forma, o debate em torno de cidadania e educação consiste

em uma proposta desafiadora para pais, professores, gestores,

comunidade escolar dentre tantos outros setores da sociedade. Evidente

a educação ocorrer em espaços não escolares, entretanto, é da escola

como instituição sistematizada e como lugar de formação que se pretende

problematizar essa discussão.

Assim, a escola se constitui como um espaço onde professores e

professoras poderiam exercitar práticas de cidadania, através do currículo

em consonância com o Projeto Político Pedagógico da escola, promovendo

uma efetiva participação política e social. O currículo, nesse sentido, torna-

se aliado de professores e estudantes em um espaço privilegiado: a sala

de aula. É nela que as discussões ocorrem e suscitam demandas para a

operacionalização de ações efetivas.

Contudo, questiona-se: qual a clareza que se tem acerca do conceito

de cidadania? Alguns participantes da pesquisa de campo realizada pelos

cursistas, durante o Curso de Especialização em Educação, Pobreza e

Desigualdade Social, declaram suas impressões:

Cidadania é justamente essa relação de respeito com omeio em que a gente vive e as pessoas que fazem partedele. Em casa, na escola, na rua, em qualquer lugar agente vai encontrar regrinhas, o que pode ser feito e oque não pode. Às vezes você perde a paciência com tudoisso. Mas, se não fosse desse jeito, a convivência ficariaimpossível. Os direitos existem para que cada um de nóstenha uma vida digna e decente, ainda que nem sempreeles sejam respeitados, pois meu marido não tem empregofixo, o direito dele não é respeitado26.

26 Família Beneficiária do Programa Bolsa Família.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)72

No meu entendimento a cidadania é a capacidade de vocêvotar e ser votado e participar das decisões políticas datua comunidade do teu bairro do teu local onde vocêvice, então se você é tem a capacidade de votar e servotado e participa das decisões políticas você tá exercendoseu papel de cidadania 27.

Bom, cidadania, né, todos nós somos cidadãos porquenós temos direitos e deveres perante uma sociedade [...]quais são os princípios que asseguram que a pessoa possaser identificada como cidadão [...] o que identifica essapessoa como cidadão, primeiramente são em termos legaissão a certidão de nascimento o RG pro maior de idade28.

Ser honesto, ser digno do seu trabalho e isso que euentendo por cidadania29.

A cidadania consiste na tomada de consciência dos direitose de realização dos deveres. Portanto, cidadão é todoaquele que participa, colabora e argumenta sobre as basesdo direito, ou seja, é um agente atuante que exerce seusdireitos e deveres30.

Não sei dizer mas acredito que é o registro de nascimento,acho que é isso31.

Algumas internalizações do conceito de cidadania convergem para

questões referentes a direitos e deveres, tendo consciência esses

participantes, do direito à dignidade. Outros restringem o conceito ao

exercício do voto ou ainda ao registro de nascimento, o que não deixa de

ser um processo de participação do cidadão. A verdade é que definir

cidadania de forma singular e objetiva é tarefa árdua e incômoda, uma

27 Professor.28 Coordenador Pedagógico.29 Comunitário.30 Cursista.31 Família Beneficiária do Programa Bolsa Família.

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73Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

vez que requer dicionarização. Todavia, conceituar cidadania como os

participantes assim o fizeram, consiste em subjetivar o que pensam ser

essa palavra, de maneira a compreenderem sua dimensão educativa,

política, social, familiar.

A escola, através de uma prática cidadã, pode redimensionar o

conceito de cidadania, oportunizando conhecimento aos estudantes e

assumindo uma postura e compromisso como gestão democrática. As novas

demandas sociais sinalizam a necessidade de uma escola preocupada com

a formação para a cidadania: ponto que deveria ser comum comunidade

e escola.

Todavia, não basta apenas, preocupar-se com a formação de

cidadãos, é preciso que a escola tenha uma prática cidadã no seu cotidiano.

Falar de cidadania em momentos pontuais são questões recorrentes no

livro didático, na mídia, nos documentos legais, nos cartazes, nos discursos

de gestores, professores e família. É necessário a operacionalização da

cidadania, do seu exercício nas práticas sociais, nas atitudes de toda a

comunidade escolar.

Desse modo, a escola ao ouvir e atender às necessidades das

realidades discente e docente, exerce cidadania efetiva sobre o processo

de participação política de seus membros. As ações educativas a serem

desenvolvidas pela escola não podem estar centralizadas nas mãos dos

governantes, das Secretarias de Educação ou mesmo dos gestores.

Tais instâncias não podem ser vistas de forma estanque, ao

contrário, precisam estar nas teias de significados construindo,

juntamente, com a escola, valores cidadãos e autônomos, através da prática

democrática, igualitária. A escola se constitui como o conjunto de todas

as pessoas envolvidas nos processos de ensino e de aprendizagem dos

estudantes, inclusive, seus próprios pares escolares.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4673

Rosa Mendonça de Brito (Org.)74

O desafio de ir para além do ensino ou do conteúdo requer a

operacionalização de um currículo democrático e participativo. Tal prática

exige tempo, discussão, debate, atitude, mudança; exige, ainda,

reeducação, mudança de concepção para gestores, pais, professores e

estudantes, pois uma escola que se propõe a emancipar sua comunidade,

deve se preparar, não apenas para a diversidade, mas também para a

diferença. Klein e Pátaro (2008, p. 5) afirma que:

[...] com a democratização do acesso e a entrada denovos contingentes educacionais na escola, emerge anecessidade de repensarmos os conteúdos, os métodose as ações pedagógicas concebidas de forma ampla,de maneira que a atuação da escola desenvolva-se apartir de valores desejáveis a uma sociedadedemocrática visando práticas coerentes que favoreçamo exercício da cidadania ativa.

A reflexão de práticas pedagógicas é inerente ao processo

educacional. A escola comum que se autodenomina inclusiva está

preparada para o que pode ocorrer ou não. Os contingentes no dia-a-dia

da escola demandam olhares e práticas de alteridade, para que o outro se

sinta inserido, contemplado, representado.

É nessa via que questões identitárias como novos contingentes

reforçam a necessidade de uma escola democrática. Freire (1996, p. 24)

sustenta que:A questão da identidade cultural, de que fazem partea dimensão individual e a de classe dos educandoscujo respeito é absolutamente fundamental na práticaeducativa progressista, é problema que não pode serdesprezado. Tem que ver diretamente com a assunçãode nos por nós mesmos. É isso que o puro treinamentodo professor não faz, perdendo-se e perdendo-o naestreita e pragmática visão do processo.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4674

75Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Freire (1996), na verdade, aponta a construção identitária como

ponto a ser considerado no currículo e, a partir dele, redimensionar práticas

de absoluto respeito para com o diferente. Atitudes estas que o professor

pode inserir em sua prática só através da quebra de paradigmas sob uma

perspectiva cidadã. Assim, professores e educandos constroem

aprendizados entre si, isso porque “[...] toda prática educativa demanda

a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que,

aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico [...]” (p. 41).

Conhecer o humano seria, então, condição primeira para o exercício

da alteridade, para a busca da transformação na e da escola, a cidadania

e a democracia como culturas da escola. Uma escola cidadã propõe mais

que liberdade de expressão, mais que discutir temas da realidade, propõe

fazeres pedagógicos numa perspectiva, efetivamente, inclusiva em todos

os seus aspectos.

A inclusão referida, aqui, não é só de educandos com

especificidades que se está falando. Não, essa abordagem não é só sob o

prisma da Educação Especial, muito menos da inclusão social, sequer da

integração, o que se quer enfatizar é a importância de se realizar práticas

educativas de uma inclusão pedagógica com e para a diferença. Enfim,

uma inclusão para os excluídos como negros, ribeirinhos, minorias étnicas,

minorias linguísticas, surdos, cegos, identidades de gêneros, educandos

que cumprem pena socioeducativa, dentre tantas outras diferenças que,

se vistas pelo prisma da patologia, do olhar psicologizante, da ideia pré-

antecipada, reproduzem uma escola autoritária, déspota e tirana.

Diante disso, pensar uma escola cidadã é pensar em transformação

social, é pensar, também, a formação do professor, uma vez que Freire

(1996, p. 24) chama a atenção, enfatizando que uma prática educativa

progressiva não é feita com o “[...] puro treinamento do professor”. O

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4675

Rosa Mendonça de Brito (Org.)76

professor corre o risco de, no processo educacional, estreitar e pragmatizar

sua visão. É nesse sentido que a formação continuada se faz necessária

ao trabalho docente.

O saber de cada professor está, também, articulado à sua

identidade, seu modo de pensar, sentir e interagir com o mundo. Para

além disso, as experiências acumuladas com a prática docente e em sua

história de vida fazem o professor desencadear as questões ontológicas,

epistemológicas e metodológicas inerentes à sua práxis. Esses elementos

do trabalho docente e da formação do professor foram/são constituídos

mediante a vinculação de sua prática e seus saberes com diferentes áreas

do conhecimento. Tardif (2002) apresenta três tipos de saberes docentes,

quais sejam: os saberes disciplinares, os saberes curriculares e os saberes

experienciais.

Os saberes disciplinares referem-se às diferentes ciências,

apresentando-se como disciplinas, constituídos tanto na formação inicial

do professor, quanto na formação continuada, tendo a Universidade, na

maioria das vezes como produtora e reprodutora desses saberes. Os

saberes curriculares dizem respeito às instituições escolares das quais o

docente faz parte, operacionalizando sua prática docente através de

conteúdos, objetivos, estratégias e métodos, tratando-se dos programas

escolares. Finalmente, os saberes experienciais resultam de uma prática

cotidiana do professor, aplicando suas experiências ao trabalho docente.

Todo esse conjunto de saberes são empregados de forma

institucionalizada na escola, de maneira a obedecerem a execução de

determinados programas institucionais. Portanto, pensar uma escola cidadã

implica professor cidadão como agente de uma prática pedagógica

emancipatória, juntamente, com estudantes que foram/são proporcionados

ao processo de emancipação. Esses principais agentes da escola (professor

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4676

77Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

e educando), segundo a máxima freiriana “se educam entre si”, analisando

criticamente a realidade na qual estão inseridos. Ora,

Um dos objetivos da educação é desenvolver condiçõespara que crianças e jovens participem da vida emsociedade de forma crítica e autônoma, o quechamaremos de condições para o exercício da cidadania.São esses os elementos que a escola deve desenvolverpara que, de maneira crítica, alunos(as) sejam capazesde se indignarem com as injustiças sociais e almejaremuma vida digna para si próprios e para a sociedade(PÁTARO; ALVES, 2011, p. 2).

Por tudo isso, a educação se constitui como um legado para uma

proposta cidadã. A escola como propositora da educação formal e

sistematizada tem o dever de referendar e legitimar a cidadania, na

tentativa de contribuir para a construção de uma sociedade igualitária e

justa. Para isso, incentivará a vivência de práticas educativas essenciais à

formação dos estudantes, pois se em quaisquer dos espaços fora da escola,

frequentados pelos estudantes (família, igreja, comunidade) estes não

se sentem valorizados ou carecem de uma prática cidadã, é, muitas vezes,

na escola que talvez sintam seus direitos assistidos e contemplados.

Oxalá a escola os representasse numa relação mútua de respeito,

tendo como princípios a liberdade, a honestidade, a dignidade. Por

conseguinte, em tempos de crises ética e econômica como construir uma

escola com esse perfil? Como propor dignidade se a escola é gerida por

recursos financeiros e, muitas vezes, não apresenta condições plausíveis

de dignidade? Uma população pobre frequentando uma escola “pobre”

de recursos, de ética, de cidadania, de formação, de verbas. Que relação

há entre pobreza e cidadania? Os participantes da pesquisa empírica

respondem:

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4677

Rosa Mendonça de Brito (Org.)78

A pobreza ela é a falta de trabalho32.

A relação entre pobreza e cidadania... não sei te dizer setem uma relação, se tem uma relação assim bem assim épobreza e cidadania, porque todos nós somos cidadãosaté quem está na pobreza é um cidadão então a relaçãoentre pobreza e cidadania, pra mim nenhuma33.

Na verdade, eu acho que não deveria ter pobreza nomundo onde todos nós somos cidadãos não deveria existirpobreza porque aí já engloba a questão da, a questãoeconômica que não é dividido igualmente a todos quepreza a é uma das nossas leis onde que todos devem teros mesmos direitos assegurados né e que não é cumprido34.

Os pobres não têm oportunidades porque não têminstrução. O cidadão tem conhecimentos e chances decorrer atrás, mas o pobre não35.

A pobreza ela é a falta de trabalho (informação verbal)36.Essa relação é antagônica, estão em direção diferentes,ser cidadão é ter acesso aos seus direitos e pobreza, porconseguinte, é despoja-se de todo e qualquer direitogarantido na constituição de 1988. É uma relação dedicotomia é que necessita de mudanças, precisamos depolíticos honestos que faça o Brasil crescer em direçãoaos direitos consolidados e da exclusão da pobreza37.

Tamanha complexidade faz surgir o desvio da resposta ao que foi

perguntado. A pobreza se configura, muitas vezes, pela escassez de saúde,

educação, segurança, desporto, alimentação, moradia. Tantos direitos

32 Família beneficiária.33 Diretor de escola.34 Coordenador Pedagógico.35 Comunitário não beneficiário do BF.36 Família beneficiária.37 Cursista.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4678

79Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

violados permitem um exercício ínfimo da cidadania, significando dizer,

equivocadamente, que os deveres precisam ser cumpridos pelo cidadão,

porém, seus direitos continuam negligenciados.

Todas essas discussões deveriam permear o currículo de uma escola

cidadã. Através da contextualização da realidade é possível construir

conhecimento, na intenção de desenvolver, não só o entorno da escola,

mas uma sociedade ética e esclarecida.

4 PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE

ENFRENTAMENTO À DESIGUALDADE E À POBREZA

O programa Bolsa Família, como qualquer outrainiciativa governamental envolvido num caráterpolítico, além da preocupação social, desperta críticasde todas as naturezas, e neste caso não há diferença.Considerado por muitos como ‘um programa que vicia’e que peca por não exigir contrapartidas das famílias,o Bolsa Família nos faz também refletir acerca dapossibilidade de promoção do comodismo e docontentamento com a renda mínima. Pergunta-se: oreferido auxílio erradica de fato a pobreza ou a mantém,amparada pela ‘acomodação’ dos seus beneficiários?(ZIMMERMANN, 2007, s.p.).

O questionamento apresentado por Zimmermann (2007), leva-

nos a uma inquietação: qual a finalidade do Programa Bolsa-Família?

Responder a essa indagação não se constitui tarefa fácil, pois em uma

sociedade contraditória quaisquer medidas de políticas públicas também

possuem sua contradição. Assim, temos aqui a pretensão de discutir acerca

da finalidade do programa bolsa família em nossa sociedade. Ao

analisarmos o referido programa sob o ponto de vista da inclusão social,

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4679

Rosa Mendonça de Brito (Org.)80

da cidadania argumentamos que o Bolsa Família tem como potencialidade

imbuir o desejo de empoderamentode famílias carentes, com intuito de

fruir de direitos de cidadania segmentos mais subalternizados de nossa

sociedade.

Sabemos que perante as leis todos temos direitos e deveres de

acesso às mesmas oportunidades, sejam elas, saúde, educação, esporte,

lazer dentre outros direitos assegurados na Carta Magna de 1988, contudo,

vivemos em uma sociedade desigual e excludente. Somos mais de 206

milhões de habitantes que vivem em sua maioria nas cidades, segundo o

Censo do IBGE38 de 2010.

De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud39

(2015), o Brasil encontra-se na 75º colocação no ranking do IDH, entre

188 países do mundo. Inúmeras são as desigualdades presentes em nossa

sociedade, desde a social, de renda até desigualdade de gênero. Podemos

dizer que, se todas as formas de desigualdade forem aferidas, o nosso

país tenderia a perder essa posição no ranking do IDH, o que levaria o

Brasil a ter um desempenho pior se comparado aos outros países do

mundo, bem como aos países da América Latina.

A pobreza no Brasil é histórica, porém, de acordo com o Banco

Mundial (2015) o quantitativo de pessoas vivendo em situação de

pobreza extrema no Brasil teve uma redução de 64% entre 2001 e 2013,

passando de 13,6% para 4,9% da população. Além disso, dados de

pesquisa do IBGE revelam que ocorreu um estacionamento dos índices

de desigualdade no Brasil, pois a Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios de 2013, o Índice Gini, que varia de 0 a 1 e é usado para

38 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.39 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4680

81Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

medir a desigualdade, piorou de 0,496 em 2012 para 0,498 em 2013, o

primeiro aumento desde pelo menos 2001. Outro fato a ser elencado

refere-se à crise econômica de 2013 que irá impactar na questão da

situação de pobreza em nosso país.

Por pobreza denomina-se a condição do indivíduo, em que há

uma condicionalidade dos meios adquiridos de subsistência devido à falta

de acesso à educação, à saúde, à habitação e ao saneamento básico. Essas

condições divergem com o conceito de cidadania, uma vez que aqueles

que vivem na extrema pobreza desconhecem seus direitos e deveres, além

do quê, na maioria das vezes, uma parcela significativa de nossa população

tem seus direitos ignorados, desrespeitados e até mesmo usurpados por

setores de nossa sociedade que deveriam defender e zelar por seus

interesses.

Com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, chamada

de “Constituição Cidadã”, a universalização dos direitos e assistência social

é reconhecida, adensando os debates nas áreas das políticas sociais. É

importante salientar que mesmo se constituindo em um “avanço” no

âmbito da cidadania social frisa-se que o texto constitucional apresenta

uma concepção de seguridade social híbrida (FLEURY, 1994), tardia ou

retardatária e inconclusa.

Nesse sentido, por meio da assistência social, uma das políticas

que compõe o tripé da Seguridade Social brasileira, são criados diversos

programas, ou melhor, medidas de política pública de enfrentamento à

pobreza. Destaca-se a Medida Provisória nº 132, de outubro de 2003,

que cria oficialmente, o Programa Bolsa Família, do governo federal

destinado à transferência de renda às pessoas em situação de pobreza e

pobreza extrema. Essa transferência de renda tem alguns requisitos

básicos, como: frequência escolar regular e vacinação em dia.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4681

Rosa Mendonça de Brito (Org.)82

O objetivo do Programa Bolsa Família é combater a fome, a exclusão

social e promover a independência das famílias pobres. Trata-se, pois, de

um programa que visa edificar uma “nova” concepção de assistência social.

Concepção que prima em realçar a assistência social como política pública

e afiançadora de seguranças, sob a ótica do direito de cidadania e

contraposição a uma concepção pretérita de assistência social como

filantropia, benesse e caridade.

Ratificando que assistência social é uma política pública

afiançadora de seguranças e que visa à autonomia e a emancipação dos

seus reais demandatários. Defender a assistência social sob o prisma do

direito, da democracia, da equidade e da cidadania não se constitui em

algo fácil em tempos de desmonte de direitos e de retrocessos no âmbito

da cidadania social.

A discussão sobre a cidadania é uma forma de melhor compreender

a questão da igualdade, da desigualdade na sociedade capitalista e da

luta por uma participação no poder político e na riqueza socialmente

produzida. A cidadania está relacionada à vida em sociedade, a qualidade

ou condição como cidadão, tendo em vista que por cidadania se entende

um conjunto de direitos e deveres ao qual o indivíduo está sujeito em

relação à sociedade na qual vive e que, por sua vez, são entendidos como

direitos básicos.

Dessa feita, os sujeitos pesquisados apreendem o conceito de

cidadania da seguinte forma:

Cidadania é o exercício dos direitos e deveres civis, políticose sociais estabelecidos na Constituição de um país. Osprincípios baseiam-se no convívio em sociedade, no qualgozam de seus direitos e deveres40.

40 Coordenador Pedagógico 2.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4682

83Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Para ser cidadão a pessoa precisar ter consciência de seusdireitos e deveres e acesso a educação, tendo acesso aseus direitos esse cidadão tem essa cidadania assegurada41.

Cidadania é quando uma pessoa tem seus direitosrespeitados e quando isso acontece, esse direito estáassegurado42.

Posso definir de três maneiras: 1) é quando o Estadocoloca em prática os direitos e deveres de um indivíduo(seu povo); 2) é quando a sociedade se conscientiza deque seus direitos e deveres têm que ser cumpridos, a fimde que desfrute de uma vida saudável, equilibrada e justa;3) posso afirmar que cidadania é uma troca: Estado-povo,direitos-deveres. Uma pessoa só é considerada cidadãquando ela não só usufrui de seus direitos, mas tambémexerce seus deveres43.

As falas desses sujeitos expressam o entendimento de que a

cidadania é construída no próprio processo de vida. Portanto, não se

constitui em um conceito a-histórico, além de destacar que direitos e

deveres são intrínsecos ao conceito de cidadania. O usufruto desses

direitos não é algo fácil ou imediato, pois muitas vezes vive-se em países

com frágil ou pouca tradição democrática que oblitera o exercício da

cidadania em sua forma plena, pois cidadania é pertencimento nos

destinos das pessoas em sociedade, na busca por bem-estar, o que nos

leva a inferir que, mesmo tendo direitos instituídos, muitas pessoas estão

longe de ter o nível de qualidade desejado para uma vida digna.

Relacionando a assistência social como uma política pública

afiançadora de direitos de cidadania, afirma-se que enquanto ação de

41 Gestor 7.42 Família com Bolsa Família 4.43 Família sem Bolsa Família 5.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4683

Rosa Mendonça de Brito (Org.)84

Estado, a Assistência Social configurou-se até os anos 80, como uma

ação paliativa, pontual, fragmentada, secundária e marginal. Não merecia

sequer o estatuto de política social, pois era um campo de ação marcado

por ações residuais, precárias, para a parcela da população, a quem a

sociedade capitalista nega os direitos fundamentais.

Diante da forma como se caracterizava, historicamente, as ações

públicas de enfrentamento à pobreza, Yazbek (1993) em um de seus

escritos chama atenção para o que considera como distorções nesta área

da assistência social. Visto que na cultura política do país, sobretudo, no

trato com as classes subalternas, sua vinculação histórica com o trabalho

filantrópico, voluntário e solidário das pessoas em sociedade, determinada

pelo lugar que ocupa a assistência social insere-se na política pública

que se reflete na escassez histórica de recursos para a área.

Porém, um “novo” momento para a assistência social em nosso

país é inaugurado, pois a partir da Constituição de 1988 e da Lei Orgânica

da Assistência Social – LOAS, Lei n.º 8742 de 7 de dezembro de 1993

(BRASIL, 1993), a assistência tornou-se uma política de responsabilidade

do Estado, direito do cidadão e, portanto, uma política estratégica no

combate à pobreza e para a constituição da cidadania das classes menos

favorecidas de nossa sociedade.

Ao mesmo tempo, assim como em outras áreas de política pública,

de acordo com as definições legais, a gestão desta política, passou a ser

efetivada por um sistema descentralizado e participativo. Tal prática

incumbiu aos municípios uma parcela significativa de responsabilidade

na sua formulação e execução das ações direcionadas para os reais

demandatários das políticas públicas no Brasil.

O Brasil é um país excludente e desigual que constrói o seu sistema

de proteção social, em que a cidadania sempre foi internalizada como

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85Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

privilégio para os incluídos no mercado. Assim, a defesa da política de

assistência social, na perspectiva da justiça social, da distributividade e

da cidadania assume uma dimensão estratégica e política, no sentido de

ampliar a capacidade das classes menos favorecidas e de alterar o status

quo e construir novas possibilidades para a conquista de políticas sociais

universalizantes, afiançadora de direitos na busca pela construção da

sua hegemonia, conforme o texto constitucional no Artigo 203 que trata

da política assistencialista, que assim prescreve:

Art. 203. A assistência social será prestada a quemdela necessitar, independentemente de contribuiçãoà seguridade social, e tem por objetivos:I - A proteção à família, à maternidade, à infância, àadolescência e à velhice;II - O amparo às crianças e adolescentes carentes;III - A promoção da integração ao mercado de trabalho;IV - A habilitação e reabilitação das pessoas portadorasde deficiência e a promoção de sua integração à vidacomunitária;V - A garantia de um salário mínimo de benefíciomensal à pessoa portadora de deficiência e ao idosoque comprovem não possuir meios de prover à própriamanutenção ou de tê-la provida por sua família,conforme dispuser a lei. (BRASIL, 1988, s.p.).

O texto constitucional revela-nos o caráter de política pública

integrante da seguridade social brasileira que a assistência social passa a

adquirir, pois o Art. 204 explicita:

Art. 204. As ações governamentais na área daassistência social serão realizadas com recursos doorçamento da seguridade social, previstos no art. 195,além de outras fontes, e organizadas com base nasseguintes diretrizes:

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)86

I - Descentralização político-administrativa, cabendoa coordenação e as normas gerais à esfera federal e acoordenação e a execução dos respectivos programasàs esferas estadual e municipal, bem como a entidadesbeneficentes e de assistência social;II - Participação da população, por meio deorganizações representativas, na formulação daspolíticas e no controle das ações em todos os níveis.(BRASIL, 1988, s.p.).

Depreende-se dos artigos supracitados que a partir de 1988, no

entender de Sposati (2002), a assistência social como uma

responsabilidade do Estado representa uma política de Seguridade Social

não contributiva por meio de ações integradas44 para assegurar as

necessidades básicas dos cidadãos.

De acordo com Mota (1995), a inserção da assistência social como

política de seguridade social, a noção de mínimos sociais, a gratuidade

dos serviços e benefícios que coloca essa política ao terreno dos direitos

sociais, equiparam o Brasil aos sistemas securitários das sociedades

desenvolvidas. Todavia, trata-se de uma incorporação tardia e em uma

conjuntura marcada por um processo de contrarreforma do estado

brasileiro que promove um processo de adequação da seguridade social

brasileira às exigências do ajuste neoliberal (BEHRING, 2009).

Sendo assim, a assistência social no Brasil, subdivide-se em duas

linhas de ação:

44 [...] Somos cientes que as políticas sociais brasileiras, ou melhor, que a seguridade social brasileira garante osmínimos sociais, porém defende-se que essa discussão deve ampliar o debate e ao invés de discutir os mínimossociais que se fundamenta pelo princípio do reducionismo, deveríamos discutir os máximos sociais. SPOSATI,Aldaíza. Mínimos sociais e seguridade: uma relação da consciência da cidadania. RRRRReeeeevista Servista Servista Servista Servista Ser viço Social eviço Social eviço Social eviço Social eviço Social eSociedadeSociedadeSociedadeSociedadeSociedade, São Paulo, ano 22, n. 68, 2002.

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87Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

a) Assistência como caridade: baseada em princípiosmorais e cristãos; prestada por segmentos da sociedadecomo a igreja, entidades filantrópicas, e almas caridosas,obras de caridade; sempre vinculada à ideia de doaçãoe do favor imerecido;b) Assistência como benesse ou favor do Estado:quando a demanda das necessidades aumenta pelascontradições capitalistas, e as ações de caridade nãoconseguem mais dar conta, surge à exigência de que oEstado passe a promover esta ação que se caracterizavacomo o acesso, a um bem que era efetivado através debenesse, de doação. Caracterizada por açõesfragmentadas, transitórias, pontuais e clientelistas, aAssistência é usada pelo próprio sistema para suadominação o que chamamos de assistencialismo(LUSTOSA; FERREIRA, s.d, p. 7).

A assistência social conforme como observam Lustosa e Ferreira

(s.d.) desde 1930 a 1988 é tratada como benemerência estatal no Brasil.

Foi a partir da sua inserção no texto constitucional que ela adquiriu status

de direitos social, o que promoveu uma mudança de concepção acerca

dessa política pública. Nesse sentido, afirmam: c) Assistência enquanto

direito (EXIGÍVEL) do cidadão e dever do Estado – a Assistência Social

assume o status formal de política pública inclusa no projeto de seguridade

social (sistema de proteção social, juntamente com a Previdência e a

Saúde) (s.d., p. 8).

Não obstante, é correto destacar que a assistência social foi à

última política da seguridade social a ser regulamentada, pois:

[...] seu processo de regulamentação demonstrou omovimento de afirmação e negação que permeia a as-sistência. Ao ser encaminhado o Projeto de Lei no. 48de 1990, que dispunha sobre a Lei Orgânica de Assis-tência Social, à Câmara Federal sofreu vários embatese críticas, o que o levou a ser vetado pelo Presidente

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)88

Fernando Collor de Mello, em 17 de setembro de 1990,com a alegação de vícios de inconstitucionalidade ede sustentação financeira para sua implantação (ZUCCO,1997, p. 43).

Desse modo, tardiamente em 7 de dezembro de 1993 foi promul-

gada a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, visando regulamentar

os artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988, o que nos leva a

afirmar que a LOAS explicita os objetivos, princípios e diretrizes da polí-

tica de assistência social, além de tratar da organização e gestão da polí-

tica e de seus benefícios, serviços, programas, projetos e do financia-

mento dessa política. Além disso, o texto constitucional traz inovações,

tais como: a) A descentralização político-administrativa; b) A participa-

ção popular; c) A primazia da responsabilidade do Estado.

Tais mecanismos de participação e partilha de poder, revela o

“novo” momento das políticas da seguridade social brasileira, em especi-

al da assistência social. Além disso, ampliando a participação política nas

decisões, para a área de assistência social, têm-se os Conselhos, as Con-

ferências e as Comissões Intergestoras, canais por onde passam as deci-

sões sobre os rumos da assistência social, seja na esfera federal, estadual

e municipal.

Demarca-se o ano de 2004, como um momento significativo para

a assistência social no Brasil, pois a Resolução nº 145, de 15 de outubro

de 2004 em seu Art. 1º aprova, em reunião do Colegiado de 22 de

setembro de 2004, por unanimidade dos Conselheiros a Política Nacional

de Assistência Social, cujos princípios, diretrizes, objetivos e usuários

são expressos no quadro abaixo:

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4688

89Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Quadro1 - Política Nacional de Assistência Social – PNAS

I - Supremacia do atendimento às necessidades sociaissobre as exigências de rentabilidade econômica;II - Universalização dos direitos sociais, a fim de tornaro destinatário da ação assistencial alcançável pelasdemais políticas públicas;III - Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomiae ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade,bem como à convivência familiar e comunitária,vedando-se qualquer comprovação vexatória denecessidade;IV - Igualdade de direitos no acesso ao atendimento,sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-seequivalência às populações urbanas e rurais;V - Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programase projetos assistenciais, bem como dos recursosoferecidos pelo Poder Público e dos critérios para suaconcessão.

I - Descentralização político-administrativa, cabendoa coordenação e as normas gerais à esfera federal e acoordenação e execução dos respectivos programas àsesferas estadual e municipal, bem como a entidadesbeneficentes e de assistência social, garantindo ocomando único das ações em cada esfera de governo,respeitando-se as diferenças e as característicassocioterritoriais locais;II - Participação da população, por meio deorganizações representativas, na formulação daspolíticas e no controle das ações em todos os níveis;III - Primazia da responsabilidade do Estado nacondução da política de assistência social em cada esferade governo;IV - Centralidade na família para concepção e implementaçãodos benefícios, serviços, programas e projetos.

PRINCÍPIOS

DIRETRIZES

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4689

Rosa Mendonça de Brito (Org.)90

O Quadro acima delimita uma concepção de política de assistência

social que prima pela ótica dos direitos a quem dela necessitar, ofertando

proteção social que deve garantir as seguintes seguranças: segurança de

sobrevivência (de rendimento e de autonomia)45; de acolhida46; e, convívio

a. Prover serviços, programas, projetos e benefícios deproteção social básica e, ou, especial para famílias,indivíduos e grupos que deles necessitarem;b. Contribuir com a inclusão e a equidade dos usuáriose grupos específicos, ampliando o acesso aos bens eserviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreasurbana e rural;c. Assegurar que as ações no âmbito da assistência socialtenham centralidade na família, e que garantam aconvivência familiar e comunitária.

Famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculosde afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos devida; identidades estigmatizadas em termos étnico, culturale sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências;exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticaspúblicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formasde violência advinda do núcleo familiar, grupos eindivíduos; inserção precária ou não inserção no mercadode trabalho formal e informal; estratégias e alternativasdiferenciadas de sobrevivência que podem representar riscopessoal e social.

Fonte: Brasil (2004).

OBJETIVOS

USUÁRIOS

45 "A segurança de rendimentos não é uma compensação do valor do salário-mínimo inadequado, mas a garantia de quetodos tenham uma forma monetária de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para otrabalho ou do desemprego. É o caso de pessoas com deficiência, idosos, desempregados, famílias numerosas, famíliasdesprovidas das condições básicas para sua reprodução social em padrão digno e cidadã". (BRASIL, 2004, p. 25).

46 "A segurança da acolhida, entende-se como uma das seguranças primordiais da política de assistência social. Elaopera com a provisão de necessidades humanas que começa com os direitos à alimentação, ao vestuário, e aoabrigo, próprios à vida humana em sociedade". (BRASIL, 2004, p. 25).

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91Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

ou vivência familiar47. Ao assegurar essasegurança aos seus usuários, a

Política Pública de Assistência Social delimita a sua especificidade no

terreno das políticas sociais, além de explicitar as responsabilidades de

Estado perante seus cidadãos.Importa destacar que a assistência social

ao se constituir em uma política pública de proteção social possui as

seguintes proteções afiançadas:

a. Proteção Social Básica - tem como objetivosprevenir situações de risco por meio dodesenvolvimento de potencialidades e aquisições, e ofortalecimento de vínculos familiares e comunitários.Destina-se à população que vive em situação devulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação(ausência de renda, precário ou nulo acesso aosserviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilizaçãode vínculos afetivos - relacionais e de pertencimentosocial (discriminações etárias, étnicas, de gênero oupor deficiências, dentre outras). Prevê odesenvolvimento de serviços, programas e projetoslocais de acolhimento, convivência e socialização defamílias e de indivíduos, conforme identificação dasituação de vulnerabilidade apresentada.Proteção Social especial - é a modalidade deatendimento assistencial destinada a famílias eindivíduos que se encontram em situação de riscopessoal e social, por ocorrência de abandono, maustratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso desubstâncias psicoativas, cumprimento de medidassocioeducativas, situação de rua, situação de trabalhoinfantil, entre outras. (BRASIL, 2004, p. 27-31).

47 "A segurança da vivência familiar ou a segurança do convívio é uma das necessidades a ser preenchida pela políticade assistência social. Isto supõe a não aceitação de situações de reclusão, de situações de perda das relações".(BRASIL, 2004, p. 26).

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)92

As proteções possuem uma gama de programas e serviços, de

acordo com os níveis de complexidade. Ademais, a PNAS – Programa

Nacional de Assistência Social (2004) prevê que os serviços de proteção

social básica serão executados de forma direta nos Centros de Referência

de Assistência Social - CRAS - e em outras unidades básicas e públicas de

assistência social, bem como de forma indireta nas entidades e

organizações de assistência social da área de abrangência dos CRAS.

Para melhor entendimento e visualização das proteções sociais

básicas e sociais, constituímos o Quadro 2, com intuito de demonstrar o

que são considerados serviços de proteção social, tanto básica, quanto

especial, com base no que foi pactuado na Política Nacional de Assistência

Social (2004):

Quadro2 - Política Nacional de Assistência Social - PNAS, 2004: ProteçõesAfiançadas

a. Programa de Atenção Integral às Famílias.b. Programa de inclusão produtiva e projetos de enfrentamentoda pobreza.c. Centros de Convivência para Idosos.d. Serviços para crianças de 0 a 6 anos, que visem o forta-lecimento dos vínculos familiares, o direito de brincar, açõesde socialização e de sensibilização para a defesa dos direi-tos das crianças.e. Serviços socioeducativos para crianças, adolescentes e jovensna faixa etária de 6 a 24 anos, visando sua proteção, socializaçãoe o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.f. Programas de incentivo ao protagonismo juvenil, e defortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.g. Centros de informação e de educação para o trabalho,voltados para jovens e adultos.

PROTEÇÕESAFIANÇADAS

SERVIÇOS

ProteçãoSocialBásica

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93Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

a. Serviço de orientação e apoio socio-familiar (Médiacomplexidade).b. Plantão Social (Média complexidade).c. Abordagem de Rua (Média complexidade).d. Cuidado no Domicílio (Média complexidade).e. Serviço de Habilitação e Reabilitação na comunidade daspessoas com deficiência (Média complexidade).f. Medidas socioeducativas em meio-aberto (Prestação deServiços à Comunidade - PSC e Liberdade Assistida - LA)(Média complexidade).g. Atendimento Integral Institucional (Alta complexidade).h. Casa Lar (Alta complexidade).i. República (Alta complexidade).j. Casa de Passagem (Alta complexidade).k. Albergue (Alta complexidade).l. Família Substituta (Alta complexidade).m. Família Acolhedora (Alta complexidade).n. Medidas socioeducativas restritivas e privativas deliberdade (semiliberdade, internação provisória esentenciada) (Alta complexidade).o. Trabalho protegido (Alta complexidade).

PROTEÇÕESAFIANÇADAS

SERVIÇOS

ProteçãoSocial

Especial

Fonte: Brasil (2004).

Com base no Quadro 2, percebemos que a política pública de

assistência social expressa à necessidade de um novo modelo de gestão.

Ergue-se assim, o Sistema Único da Assistência Social - SUAS, que é um

sistema articulador e provedor de ações em diferentes níveis de

complexidade, ficando na descentralização político-administrativa, na

participação da população em suas organizações representativas, além

da primazia da responsabilidade do Estado, tendo a centralidade na família

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)94

como real demandatária dos benefícios, serviços, programas e projetos

da política pública de assistência social.

Porém, para colocar o status de política pública, como direito social

não é algo simples, em uma sociedade como a brasileira que historicamente

concebeu a assistência social sob o prisma do clientelismo, da troca por

voto, negando-a como direito e teimando em edificá-la como favor.

Ademais:

Falar de assistência social não é tarefa fácil, porquevários são os preconceitos e ideias equivocadas queainda cercam essa matéria. [...] a assistência socialquase nunca é vista pelo que ela é - como fenômenosocial dotado de propriedades essenciais, nexosinternos, determinações histórico-estruturais, relaçõesde causa e efeito, vínculos orgânicos com outrosfenômenos e processos –, mas pelo que aparenta ser,pela sua imagem distorcida pelo senso comum ou, oque é pior, pelo mau uso político que fazem dela, porfalta de referências conceituais, teóricas e normativasconsistentes (PEREIRA, 2012, p. 222-223).

Diante dessa constatação de Pereira (2012), para que a assistência

social tenha uma vocação contrária à imagem perpetuada pelo senso

comum, faz-se necessário que sua materialização por meio de programas,

serviços, projetos e benefícios se deem sob o prisma do direito de cidadania

na busca por romper com a lógica perversa do capital, que expropria

significativamente uma parcela da população, colocando-os a margem

de toda riqueza produzida socialmente em nosso país.

Entretanto, sabemos que a convivência da política de assistência

social, enquanto direito, para quem dela neceessitar, conforme estabelece o

art. 1º da LOAS, com a cultura do favor, da troca eleitoral, da benesse, das

damas de caridade, do primeiro-damismo só será possível por meio do embate

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4694

95Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

a ser travado, tanto no âmbito político, quanto no âmbito das relações

subjetivas, na luta por consolidar a assistência social, como uma política

pública, mediante a intersetorialidade com as demais políticas sociais.

Para tanto, torna-se primordial a ampliação e extensão dos direitos

sociais, como afiançadora de proteção social, sob a regência de um sistema

único, que possibilite a universalização do acesso aos serviços ainda que

sobre o prisma dos mínimos sociais, mas que garanta a qualidade dos

serviços e benefícios sociais sob a primazia da condução do Estado, na

busca por assegurar a ampliação do grau de provisão estatal pública de

bens e serviços sociais.

4.1 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA COMO ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO DA

POBREZA

O Brasil desde os primórdios de sua história vem sofrendo com a

má distribuição de renda, gerando em consequência desigualdades sociais

de toda ordem, como pobreza e extrema pobreza, desemprego em grande

escala, analfabetismo, comprometimento da dignidade humana e negação

da cidadania plena. É por essa razão que sempre estarão sendo criadas

políticas públicas alternativas e compensatórias com a finalidade de

combater os males e sequelas produzidos pelo sistema capitalista.

O Estado tem o dever de atuar como mediador para reduzir as

desigualdades, embora, muitas vezes deixe à deriva a grande maioria da

população que tanto necessita dos serviços sociais e de todos os seus

direitos garantidos não apenas nas leis, normas e regulamentos, mas na

vivência da cidadania.48 Conforme estudos e análises da ONU (2015);

48 De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano - RDH - PNUD (2014), o Brasil possui 6,083 milhões depessoas que vivem em situação de pobreza.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4695

Rosa Mendonça de Brito (Org.)96

ONUSIDA (2015), a pobreza é uma questão multidimensional, pois são

muitas suas implicações no seio da sociedade se movimentando

ininterruptamente no cenário político, social, econômico e cultural. Esses

órgãos têm apontado os principais problemas que ganham complexidade

devido à ausência de políticas públicas condizentes com as reais

necessidades dos cidadãos. Vejamos alguns dados constatados na

realidade.

Pobreza e fome: pobreza monetária (836 milhões depessoas - ano 2015); fome crônica (795 milhões depessoas - ano 2014-2016); crianças com atraso nocrescimento (161 milhões - ano 2013); crianças cominsuficiência ponderal (90 milhões - ano 2015);

Saúde, mortalidade e educação: crianças que morremantes dos cinco anos de idade (6 milhões - ano 2015);mortalidade materna (290.000 mulheres - ano 2013);pessoas infectadas com HIV (37 milhões - ano 2014);adultos analfabetos (780 milhões - ano 2012); jovensanalfabetos (103 milhões - ano 2015); pessoasfuncionalmente analfabetas nos países da OCDE (160milhões de pessoas - ano 2009); crianças que nãofrequentam a escola primária (57 milhões - ano 2015);crianças que não aprendem as competências básicas(250 milhões - ano 2014);

Falta de acesso a serviços sociais básicos: águapotável (663 milhões de pessoas - ano 2015);saneamento básico (2,4 milhões de pessoas - ano2015); pessoas que recorreram a defecação a céu aberto(946 milhões- ano 2015); pessoas que vivem em bairrosurbanos degradados (880 milhões de pessoas - ano2014) (PNUD, 2015, p. 70).

Esses dados nos revelam a complexidade de problemas que envolvem

a questão da pobreza em âmbito mundial. Num sistema capitalista as pessoas

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4696

97Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

são sempre motivadas, interpeladas a defender seus próprios interesses,

sejam eles individuais, de grupo ou de classe. Quando o ter “coisas, objetos”

está acima da dignidade do”ser”, quando a concentração da riqueza de

uma nação proporciona o empoderamento de uma pequena classe, é

inevitável a injustiça, a desigualdade e o sofrimento da maioria de seu

povo, é o vem acontecendo em todos os países do mundo, há sempre os

que mandam, dominam e os escravizados, os deserdados de seus direitos

de cidadania política, social, econômica e cultural.

Todavia, sempre haverá possibilidade de conquistas democráticas,

ainda que o sejam por meio dos movimentos sociais, de lutas e conflitos.

Nesse cenário, programas de transferência de renda representam uma

estratégia fundamental de retorno de parte dos impostos recolhidos pelos

governos, tendo em vista que, mesmo uma família pobre ou extremamente

pobre, também paga diariamente impostos (nos alimentos, na luz, na

água, no vestuário, no remédio, etc.)49

Cohn (1995) sinaliza que os programas de transferência de renda,

cuja natureza não contributiva, são exemplos claros de mecanismos que

visam a erradicação da pobreza, bem como a redução substancial dos níveis

de desigualdade em nossa sociedade. Sendo assim, convém destacar que:

Não é possível enfocar os temas da pobreza e dadesigualdade social sem considerar a cultura política decada país. Torna-se necessário considerar questõessubstantivas sobre justiça social: o que/quanto distribuir,a quem, segundo quais critérios, com qual justificativa.(COELHO; TAPAJÓS; RODRIGUES, 2010, p. 18).

49 Os programas de transferência de renda apresentam-se como uma das seguranças afiançadas da Política deAssistência Social. Trata-se de um direito social que assegura a sobrevivência de famílias em situação de pobreza,por meio do acesso a renda, com vistas a promover sua autonomia.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4697

Rosa Mendonça de Brito (Org.)98

Por isso, a importância de qualificar as políticas públicas, bem

como os programas de transferência de renda, pois vivemos em uma era

de insegurança global (STANDING, 2010). Insegurança esta, que nos

termos do autor, leva-nos a sofrer de incerteza crônica, de ‘incógnitas

desconhecidas’, da exposição a condições econômicas voláteis, riscos

sistêmicos de choques econômicos e ecológicos, tudo levando a riscos

não seguráveis e inseguranças.

Diante de tal realidade é que se defende que os programas de

transferência de renda não se configuram como “solução mágica” para a

pobreza, mas sim como um direito, já que os mesmos são um mecanismo

de perspectiva emancipatória em contraposição “[...] a lógica clientelista

e assistencialista, que sempre marcou a política social brasileira” (DA SILVA

JUNIOR; SAMPAIO, 2010, p. 259).

Além do Programa Bolsa Família é oportuno explicitar neste

trabalho a existência de outros programas de transferência de renda que

existem no Brasil, tais como: a) O Benefício de Prestação Continuada -

BPC, previsto na Constituição Federal de 1988, implantado em 1996, como

programa de transferência de renda sem condicionalidades e independente

de prévia contribuição; b) Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

– PETI, criado em 1996, tendo condicionalidades, pois as famílias

participantes se comprometem a não permitir que suas crianças exerçam

quaisquer tipos de trabalho, além de assegurarem a inserção na escola e

a frequência mínima; c) Bolsa Escola, criado em 2001, tinha como

população-alvo crianças, na faixa de 6 a 15 anos, e era de responsabilidade

do Ministério da Educação - MEC; d) Bolsa Alimentação, criado em

setembro de 2001, por iniciativa do Ministério da Saúde, tendo a

atualização do cartão de vacinação de crianças até de 0 e 6 anos, visitas

regulares, ao posto de saúde, de grávidas, para o pré-natal, e de mães

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4698

99Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

que estivessem amamentando; e) Auxílio-Gás, criado em dezembro de

2001, como uma medida compensatória para o fim do subsídio ao gás de

cozinha sob a responsabilidade do Ministério das Minas e Energia; f)

Cartão Alimentação do Fome Zero, criado em 2003, tendo como objetivo

a luta contra a insegurança alimentar, enquanto ações estruturantes

estavam sendo implementadas para o enfrentamento dessa questão.

Nota-se que a questão da transferência de renda entra em

pauta na agenda política brasileira, desde os anos de 1990. Além

disso, com a criação do Programa Bolsa Família em outubro de 2003,

ocorre uma unificação como os programas de transferência de renda

condicionados, como o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação, bem como

programas de transferência de renda sem condicionalidades: Auxílio-

Gás e Cartão-Alimentação do Fome Zero, os quais ainda estavam

funcionando em 2004.

Tendo em consideração os programas anteriores, o Programa Bolsa

Família constitui-se na transferência direta de renda com condicionalida-

des tendo como objetivos: combater a fome, a pobreza e outras formas

de privação das famílias, promovendo a segurança alimentar e nutricional

e o acesso à rede de serviços públicos de saúde, educação e assistência

social, criando possibilidades de emancipação sustentada dos grupos

familiares e de desenvolvimento local (BRASIL, 2004).

O Programa Bolsa Família é considerado uma política social de

grande alcance no Brasil. Nesse sentido, Da Silva Junior e Sampaio (2010),

o considera o “carro-chefe” da política social brasileira, tendo em vista

que atende em média treze milhões de famílias. Outro fator de ascensão

social associado à esse programa foi a valorização do salário mínimo e a

geração de empregos formais na ordem de quinze milhões, o que

contribuiu para que trinta milhões de famílias ascendessem da classe “D”

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:4699

Rosa Mendonça de Brito (Org.)100

e “E”, para a classe “C”. Mas o autor alerta que outras medidas estruturais

devem ser desenvolvidas para que o enfrentamento da pobreza seja

sustentável, como investimentos na área educacional, abertura de novas

frentes de trabalho para assegurar uma vida cidadã com os direitos

fundamentais. De acordo com a lei n. 10.836 de 9 de janeiro de 2004, o

programa Bolsa Família tem por objetivo promover o acesso dos cidadãos

em estado de pobreza e pobreza extrema, aos serviços públicos essenciais,

como saúde, educação, assistência social, combate à fome, segurança

alimentar e nutricional.

É oportuno destacar que, apesar de ajustes dos valores da Bolsa

Família em 2016, a transferência de renda está condicionada às

condições de cada família beneficiária, por isso, algumas recebem

valores mais elevados e outros valores menores. Neste caso, temos a

seguinte classificação: Beneficio Básico- os valores repassados às

famílias pobres e extremamente pobres. Seriam famílias que tem em

média uma renda mensal de R$ 85,00 reais por pessoa; Beneficio

Variável- atendimento às famílias com presença de mulheres grávidasou

amamentando, filhos menores e que tenham filhos adolescentes até

15 anos. O valor de cada benefício é de R$ 39.00 reais e a família

pode ter garantia de até 5 tipos de benefícios ao mês, o que seria

equivalente a R$ 195,00 reais. Logo, para cada caso de família aqui

exposto conta um tipo de benefício. Tem ainda o Benefício Variáveldo

Jovem- que consiste no repasse de uma renda mensal para até dois

jovens inscrito no grupo familiar. O valor corresponde a R$ 46,00

reais por mês para cada jovem (BRASIL, 2004).

Weissheimer (2006), afirma que o impacto imediato da Bolsa

Família na vida dos brasileiros beneficiários é o de garantir que estes

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46100

101Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

almejem os primeiros degraus dos direitos humanos que é contar com

alimentação básica, condição esta primordial para o direito à vida, à

dignidade humana, enfim, o acontecimento de acesso aos direitos e

deveres de cidadania. Para esse autor, muito ainda deve ser feito para

que, de fato, os beneficiários do Programa Bolsa família tenham

assegurados seus direitos fundamentais, como uma vida digna. Todavia,

a emancipação desses sujeitos ainda está num horizonte longínquo, mesmo

que o programa assegure uma transferência de renda, a mesma é aquém

às necessidades básicas das famílias, além do que a inserção educacional

dessas famílias por meio de cursos profissionalizantes, a formação de

cooperativas, os restaurantes populares, os bancos de alimentos, os

comitês gestores dentre outros, inúmeros obstáculos se apresentam na

reconstrução de sua cidadania.

É necessário que esses programas sejam aperfeiçoados, pois mesmo

apresentando resultados positivos no enfrentamento da pobreza e na

redução das desigualdades, “[...] também devem ser lidos na perspectiva

que amplia nossos horizontes, apresenta novas demandas, lança novos

desafios e busca fortalecer sua institucionalidade para evitar retrocessos”

(ANANIAS, 2006, p. 326).

Desta maneira, estando a erradicação da pobreza intimamente

ligada à questão da efetivação dos direitos humanos, consubstancia-se

assim um dos grandes desafios para o século XXI. Nesse contexto, a grande

tarefa consiste em viabilizar os meios para que todos tenham acesso aos

direitos fundamentais, exercendo de forma plena sua cidadania.

Entrementes, o exercício concreto da cidadania ainda é negado às classes

subalternizadas, pois para elas:

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46101

Rosa Mendonça de Brito (Org.)102

[...] A pobreza é a falta de ir e vir, da educação, dealimentação, saúde, da moradia, do trabalho, enfim, detudo que o cidadão deveria ter e não tem para sobreviver,a cidadania não chega aonde há extrema pobreza50.

A sabedoria expressa na fala de um representante familiar que

recebe o Bolsa Família revela-nos o quanto é importante reverter o fosso

abissal entre pobreza, ou melhor, entre a desigualdade social, que gera e

mantém a extrema pobreza, e cidadania. Em síntese, o Programa Bolsa

Família procura enfrentar a questão da pobreza em dois momentos: no

curto prazo, o programa pretende se constituir em um auxílio assistencial

para os problemas imediatos e urgentes da pobreza, como a fome e a

desintegração do ambiente familiar; – no longo prazo, o Bolsa Família

tem como objetivo a segurança de renda como incentivo a melhoria do

status educacional e da saúde de seus beneficiários por meio das

condicionalidades, promovendo assim melhores oportunidades de

qualificação e, consequentemente, a inserção futura no mercado de

trabalho.

Apesar dos resultados obtidos em pesquisas que comprovam que

o Programa Bolsa Família alterou as condições de existência das famílias

beneficiadas, retirando-as da pobreza absoluta, há que se avaliar sobre

os seus efeitos a médio e longo prazo. Pois, mesmo cientes que o fenômeno

da pobreza para ser erradicado requer mudanças estruturais para reduzir

o fosso abissal entre as classes existentes em nosso país, importa destacar

de acordo com dados oficiais do MDS – Ministério de Desenvolvimento

Social e Combate à Fome que:

50 Família com Bolsa Família 10.

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103Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

As transferências sociais e, particularmente, o BolsaFamília foram responsáveis pela queda de 15% a 20%na desigualdade de renda domiciliar por pessoa, entre2001 e 2011. A partir de 2011, o compromisso com apopulação mais pobre foi reforçado com o plano BrasilSem Miséria (BSM), que ampliou o Bolsa Família, pormeio da criação do Benefício para Superação da ExtremaPobreza. Resultado: na primeira década de existênciado Bolsa Família, 36 milhões de brasileiros saíram daextrema pobreza. Deste total, 22 milhões superaram amiséria após a implantação do Brasil Sem Miséria.Na Educação, o Bolsa Família ajuda a manter os alunosna escola e a corrigir a trajetória desses estudantes. Astaxas de abandono, tanto no ensino fundamental quantono médio, são menores entre alunos beneficiários doPBF do que entre os demais alunos da rede pública.Além disso, as taxas de aprovação, que no início doensino fundamental são um pouco mais baixas entre osestudantes do Bolsa Família, se invertem no ensinomédio. Ou seja, mais jovens do PBF são aprovados, oque dá a eles oportunidades de um futuro melhor;Na Saúde, pesquisa em quase 3 mil municípios mostraque o Bolsa Família é um dos principais fatores queinfluenciam na redução da mortalidade infantil (MDS,2013, p. 17).

Em suma, “fórmulas milagrosas” para erradicar a pobreza de uma

só vez não existem. Mas, certamente, mesmo com correções e qualificação,

o Programa Bolsa Família constitui-se em uma medida de política pública

a ser mantida e consolidada para que o país caminhe em direção a um

sistema eficiente e democrático de proteção social. Para tanto, deve-se

exigir a ação responsável dos três poderes da República (Legislativo,

Executivo e Judiciário), além do envolvimento empenhado dos demais

setores de governo, junto com a participação ativa e responsável da

sociedade civil e de suas organizações, com vistas a assegurar o bem-

estar social para todos os cidadãos.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)104

O impacto na vida dos beneficiários do programa, confirma a

tese de que os governos se utilizam do programa de forma

assistencialista para dar aos pobres “migalhas”, o básico para eles

continuarem aceitando as condições adversas em que vivem,

constituindo-se em uma estratégia de marketing para ser usada no

período eleitoral, pois para Choma (2010, p. 3):

[...] essas medidas compensatórias também setransformaram num formidável instrumento eleitoral[...] o programa serve para subordinar as camadas maisempobrecidas da população, o Bolsa Família tornou-se um instrumento de controle da miséria.

A acidez da crítica de Choma (2010), leva-nos a refletir que o

programa Bolsa Família tanto pode ser utilizado como uma estratégia de

manipulação desses sujeitos, quanto como uma medida de política pública

que promove a cidadania. Pois, nem tudo é só retrocesso ou manipulação.

Vejamos as falas de duas famílias entrevistadas que fazem parte do referido

programa:

Em todos os aspectos, porque ajuda na alimentação dascrianças, e ainda aumenta a frequência escolar, assimeles aprendem mais e não ficam sem escolar51.

Sim, porque trabalha na casa de família e muitas vezesquando não recebe seu salário e recebe o Bolsa Famíliaela compra comida e isso ajuda muito para que seus filhosnão passem fome52.

51 Família com Bolsa Família 4.52 Família com Bolsa Família 16.

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105Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Essas falas revelam que, para as famílias pesquisadas, estas

explicitam mudanças na vida tanto de ordem alimentar quanto

educacional. Para elas, o benefício produz uma segurança de renda que

permite manter seus filhos na escola, além de reduzir os riscos da

insegurança alimentar. Merece ênfase a mudança na questão do usufruto

do direito à educação, pois à medida que as condições de vida das pessoas

melhoram, a família, inserida no programa, passa a usar os recursos para

a aquisição de livros e materiais escolares. Este efeito, já constatado em

alguns locais, proporciona, juntamente com outros fatores, um grande

ganho, na capacidade de aprendizado dos estudantes, contribuindo para

a formação desses sujeitos.

Acredita-se que com o acesso à educação, combinado com

outras políticas públicas sociais pode-se propiciar a possibilidade de

autonomia e empoderamento dessas famílias em direção ao exercício

concreto de sua cidadania. Isso, podemos observar nas falas dos sujeitos

pesquisados:

O programa Bolsa Família é um programa social que visaestimular o aumento da frequência escolar, emcontrapartida reduz a evasão dos alunos. Dessa forma, odesenvolvimento intelectual do educando e suapermanência maior na escola contribui para o senso críticoe social53.

O programa exige que a família cumpra certascondicionalidades, vistas como compromisso pela mesma,como é feito com a saúde, a educação e a assistênciasocial. Esses compromissos requerem que as crianças eadolescentes de 06 a 17 anos estejam regularmentematriculados nas escolas, e com no mínimo de 75% de

53 Gestor 1.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)106

frequência, isso com toda certeza contribui para o sucessoescolar dos que recebem o benefício54.

A contribuição do Bolsa Família é que melhorou bastante,porque as crianças não podem faltar à escola, se faltarconsta no sistema e quem sai perdendo são as criançasque perdem conteúdo das tarefas. Assim, fica mais fácilde todos comparecerem às aulas55.

Nesses discursos, tanto dos profissionais que atuam na política

pública de educação, quanto de uma família que recebe o benefício são

uníssonos no sentido de explicitar que o programa produz uma alteração,

já que a condicionalidade da frequência e participação na escola funciona

como um mecanismo de “controle”. Ora, sabe-se que o programa se

constitui em uma medida de apoio para a sobrevivência material dessas

famílias, já que ao propiciar a segurança de renda estimula-se que a família

mantenha suas crianças na escola ao invés de “lançá-las” em uma atividade

que produza renda e que os retirem da escola.

O êxito e o desenvolvimento escolar não podem estar calcados

em uma única medida de política pública como, por exemplo, o programa

Bolsa Família. Por isso, que esse programa deve buscar:

[...] a articulação com programas complementaresdirecionados para o desenvolvimento e integraçãosocioeconômica das famílias, a exemplo de geraçãode trabalho e renda, alfabetização de adultos, acessoao registro civil e a demais documentos, dentre outros(GUIMARÃES, 2009, p. 338).

54 Professor 3.55 Família com Bolsa Família 4.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46106

107Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

E mais, quaisquer medidas de políticas públicas que potencialize

a realização do direito à educação se constituem em uma medida a ser

aprimorada e consolidada, com vistas a romper com concepções, tais como

estas, evidenciadas na fala de alguns dos sujeitos pesquisados: “Nenhuma.

Acredito que o Bolsa Família só é uma ferramenta paternalista e

eleitoreira”56.

O Bolsa Família é um programa que a meu ver não deucerto, pois em vez da renda sem empregada na capacitaçãodos membros da família, muitas vezes passa a fazer partecomo única renda familiar. Mas a culpa é dos própriosbeneficiários que acabam destinando esse recurso paraoutras finalidades, não se preocupando na qualificaçãoprofissional, vale lembrar que o programa tem um fim57.

Nessas falas, a melhoria na vida dos beneficiários do programa

não é tão visível, pois desvios de finalidade de quaisquer programas podem

ocorrer, bem como o uso político eleitoral também. Para tanto, devemos

unir esforços na busca defortalecer a institucionalidade do programa Bolsa

Família com vistas a evitar retrocessos no âmbito da cidadania social das

classes subalternas em nossa sociedade.

Outro ponto a ser destacado, é o avanço e a melhoria nos aspectos

da saúde das famílias inseridas no programa, pois como condicionalidade

o programa tem o cuidado com gestantes e nutrizes e com toda a questão

de saúde da primeira infância, o que possibilita a cultura do cuidado com

a saúde, além da melhoria alimentar dessas famílias que estão sendo

apoiadas com o recurso de transferência de renda do Bolsa Família.

56 Professor 21.57 Família sem Bolsa Família 29.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46107

Rosa Mendonça de Brito (Org.)108

Enfim, como toda medida de política pública, no âmbito da

sociedade do capital, o programa Bolsa Família por si só não tem o “dom

mágico” de reverter o quadro de exclusão social e de pobreza existente

em nossa sociedade. Porém, os avanços advindos a partir da implantação

do programa não podem ser negados, já que o programa tem contribuído

também para elevar a renda monetária, diretamente, no caso das famílias

beneficiárias, como indiretamente, na injeção de recursos no consumo

dessas famílias, pois como afirma Ananias (2006, p. 338):

Tem contribuído também, ao assegurar uma rendaestável (ainda que reduzida) para 11 milhões defamílias, em outros aspectos que são fundamentais parao combate à pobreza e a inclusão social, para extensãoda cidadania e promoção do trabalho decente, comosão a prevenção e a erradicação do trabalho infantil edo trabalho escravo ou degradante, assim como aigualdade de gênero, por meio do empoderamento eautonomia das mulheres.

Para quem tem pouco e viveu historicamente um processo de

exclusão social de extrema pobreza, a inserção no programa se constitui

em uma possibilidade de mudança. Entende-se que o benefício ofertado

é reduzido, porém se os esforços forem articulados e a articulação direta

da assistência social com a educação e a saúde fomentarem a busca dessas

famílias ao exercício concreto da cidadania, a trilha então será aberta e o

novo poderá emergir em nossa sociedade.

Sobre a articulação ou a intersetorialidade das políticas

públicas, para alguns dos entrevistados, a contribuição do Bolsa

Família para a melhoria do sucesso escolar de crianças das famílias

beneficiária, reside:

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46108

109Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Ao longo desses anos venho observando que o bolsa famíliavem ajudando as famílias de nossos alunos, muitas mãese responsáveis relatam sobre que compram materialescolar, quaisquer necessidade de seus filhos com o bolsafamília58.Entendo que o programa de bolsa família é um apoio amais para as famílias carentes de nossa sociedade. Poisapesar de ser pouco mais é uma ajuda financeira que ogoverno desenvolveu para aliviar o sofrimento daquelesque não tem nada59.

O aluno é estimulado a manter sua frequência na escolae ajudar também no sustento da sua família60.

Essa aí eu posso te responder! Quando ela pega essedinheiro ela compra tudo o que tá faltando, é caderno, élapiseira, é tudo que eu não...pelo menos agora nocomeço que ela começou, eu não tinha nada para darpara ela, a bolsa família serviu para comprar as coisinhasdela. É pouco, é, mas ajuda, muita gente queria ter, né!61.

Depreende-se dos discursos que os pesquisados são uníssonos

em afirmar que as famílias beneficiadas pelo programa mantêm suas

crianças na escola face a exigência da frequência escolar, além de utilizarem

o benefício para a melhoria das condições materiais das famílias. Porém,

se sabe que isso não é garantia de inclusão ou de emancipação, pois o

programa por si só não tem um “poder mágico” como já foi falado, para

acabar com a pobreza, com as inúmeras faces da desigualdade ou com a

dívida histórica que temos para com as classes subalternas.

58 Gestor 1.59 Coordenador Pedagógico 2660 Professor 3.61 Família com Bolsa Família 4.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46109

Rosa Mendonça de Brito (Org.)110

Considerando esse fato, ações articuladas, estruturais e profundas

de enfrentamento das mazelas provocadas pelo modo de produção

capitalista devem ser edificadas. Mesmo o programa sendo importante e

promova alterações na vida das famílias beneficiárias, ainda está longe

“[...] do estágio sustentável de inclusão social” (WEISSHEIMER, 2006, p.

40). Isso é evidente, em se tratando de medidas emergenciais pelos vários

governos ao longo da história do nosso País.

Estamos cientes de que a “pobreza” afeta a todos, não só aqueles

que se encontram em situação de risco de sua dignidade humana. Por

essa razão, “combatê-la” depende também de todos e, é a partir daí que

se alcançará uma sociedade mais justa e “igualitária” (FRONZA, 2010, p.

96). Defendemos que o seu combate não pode ser feito somente por uma

ação e, sim, deve ser um compromisso ético-político de uma sociedade

que busca ser democrática, justa e igualitária. Temos consciência de que

o programa possui fragilidades, mas que também tem potencialidades.

Defendemos sua qualificação como esforço teórico-prático de todos os

envolvidos na superação das contradições oriundas do capitalismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das complexas relações dialéticas que envolvem educação,

cidadania, pobreza e desigualdade social, verificamos que estes saberes

entrelaçam-se em análises que vão desde a compreensão da evolução

histórica do conceito de cidadania, o desenvolvimento dos direitos

políticos, civis e sociais e a consequente evolução para o que se configura

hoje como direitos humanos. Estes como tais têm sido apropriados por

segmentos da sociedade civil organizada, outrora passiva e expectadora,

emerge cônscia de que a luta pela manutenção e ampliação de seus direitos

é uma constante que jamais poderá ser abandonada.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46110

111Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

A luta pela manutenção e ampliação dos direitos humanos no

Brasil jamais poderá ser esquecida porque foi em nome de uma igualdade

idealizada pela Revolução Francesa que a rígida sociedade estamental

hierarquizada foi abolida e passou-se a valorizar méritos e habilidades

individuais como parâmetros de pertencimento social. Todavia, a

igualdade sonhada do ideal iluminista desvirtuou-se para o que hoje é

conhecido por meritocracia que prescinde de todo o contexto social,

político ou econômico que um indivíduo possui em nome de uma igualdade

utópica assumida como verdade pelo modelo político-econômico vigente.

Embora, sejam creditados às desigualdades sociais a exclusão e a

discriminação social, os segmentos das sociedades que se encontram em

situações desfavoráveis, veem nas políticas públicas desempenhadas pelo

Estado a oportunidade de sentirem-se incluídas e afirmadas. Verificamos,

por meio da análise dos entrevistados, a importância que estes atribuem

ao Programa Bolsa Família como uma iniciativa de subsídios do Estado,

embora insuficientes para solucionar dificuldades enfrentadas por estes

segmentos na área educacional.

Construir a cidadania numa sociedade em constante transformação

implica em compreender que a manutenção do Estado Democrático de

Direito é de fundamental importância para que tal fim seja alcançado. É

preciso que se considere que cidadania e democracia não são conceitos

que nos foram legados pela natureza.

Foram conceitos que se forjaram na luta em prol de direitos ao

longo da existência humana e como tais evidenciam o caráter volúvel,

transitório e instável do vir a ser da existência humana. Este vir a ser

exige, pois, que aprendamos a ser cidadãos e aprendamos a ser

democráticos mediante um esforço de todos e se torne um hábito e estes

mediante o exercício da disciplina se incorpore ao caráter de todos os

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46111

Rosa Mendonça de Brito (Org.)112

brasileiros para que assim possamos construir uma sociedade em que o

combate às desigualdades seja uma agenda da sociedade e não apenas

uma utopia a ser perseguida.

AGRADECIMENTOS

Nossos agradecimentos a todas(os) que, de algum modo,

contribuíram com dados, coletados através de entrevistas semi-estruturadas,

realizada no Módulo II - Pobreza e Cidadania: cursistas, profissionais da

rede pública de ensino Estadual e Municipal, pais de alunos beneficiários

do Programa Bolsa Família, não beneficiários da bolsa e, de forma mais

direta, aos tutores e cursistas participantes do ateliê 2, Pobreza, Cidadania

e Programa Bolsa Família, sob a orientação de Clotilde Tinoco Sales; Helen

Bastos Gomes; Regina MarietaTeixeira Chagas; Rosejane Farias:

Aldenei Moura Barros e Carlos Roberto Monteiro da Silva (tutores);

Adalgisa Farias dos Santos, Adarilma de Araújo Batista, Alexandra dos

Santos Menezes, Altemiza Dantas da Costa Falcão Belém, Amanda Batista

Souza Bernardo, Ana Valda Cavalcante de Almeida, Andressa Melo de Souza,

Ariane Coelho dos Santos, Bernardina Barbosa da Silva Martins, Cristiane

Rodrigues Tavares, Jonas Mesquita Neto, Leila Maria Lopes Brito, Márcia

Fonseca Pereira, Maria Isabel Pereira dos Santos, Marlene Miranda Lopes,

Daniel Cauper, Elenilza Paiva Matos, Marinalva Aparecida de França

Rodrigues, Roseane Guimarães Cabral, Marlon Rodrigues Gomes, Rita Keila

de Souza Parente, Selma Etelvina Margarido de Souza, Silene Araújo dos

Santos, Suely Gomes de Araújo, Suzana Albuquerque Cordeiro Vieira, Telma

Maria de Souza Barreto, Welciane Jacintho da Silveira, Ytaciara de

Albuquerque Dias Ferreira,Airison José Silva dos Santos, Christiane

Lenartowics Miranda, Danielle Seffair Sales, Edeleuza Amaral da Silva,

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46112

113Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Edilane Monteiro da Silva, Eronilza Barros Ribeiro, Helena da Silva Costa

Aguiar, Soraya Luciana Martiniano Tomé, Taziana Pinheiro de Souza, Vânia

de Lima Catrink.

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119Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

A Produção de TCC no Contexto do Curso deEspecialização Educação, Pobreza e Desi-gualdade Social: pesquisa, narrativa e refle-xões do processo formativo

Maria do Perpetuo Socorro Duarte Marques | Rosenir de

Souza Lira | Maria de Jesus Campos de Souza Belém |

Thaiany Guedes da Silva

3

INTRODUÇÃO

O Curso de Pós-Graduação Educação, Pobreza e Desigualdade

Social foi ofertado aos diferentes profissionais da rede pública de ensino

municipal e estadual do Estado do Amazonas. Constitui-se como um curso

de formação cuja temática baseava-se, principalmente, na abordagem dos

direitos humanos e suas implicações no contexto social mais abrangente.

A sociedade brasileira vem ao longo dos anos ampliando as

conquistas sociais, a garantia de direitos da população menos favorecida,

condicionada as prerrogativas estabelecidas na Constituição de 88. Vários

programas sociais foram implementados no sentido de estabelecer de

forma concreta políticas públicas que reduzissem o contingente

populacional que habitava na faixa da pobreza externa, inserindo-os em

projetos habitacionais, educacionais e sociais ligadas ao atendimento

básico da saúde, de emprego e renda. Tornar o país mais inclusivo e

menos excludente tem sido o objetivo dos últimos governos, depois do

processo de redemocratização do Brasil.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46119

Rosa Mendonça de Brito (Org.)120

Reduzir as desigualdades sociais é, sem dúvida nenhuma, um

desafio para nossa sociedade, pois o abismo entre os pobres, remediados

e ricos sempre foi uma marca na história social do Brasil e, mais ainda, na

trajetória pessoal de cada um, principalmente dos menos favorecidos ou

historicamente excluídos que habitam na linha da pobreza extrema. Por

muitos anos foram invisíveis e se quer poderiam ser considerados cidadãos,

pois não tinham os direitos humanos respeitados.

A sociedade brasileira, nos últimos, anos tem realizado um

movimento de mudança dessa realidade perversa, muitas garantias de

direitos foram se estabelecendo e atingindo um grande percentual da

população, principalmente, da mais carente, tornar-se visível proporcionou

a participação em diferentes projetos e programas, que articulados buscam

reduzir a carência de muitos. O Programa Bolsa Família pode ser considerado

um bom exemplo de redução da pobreza no país, sabemos que este não

resolve sozinho as mazelas da pobreza extrema, muitas ações ainda precisam

ser realizadas para que os beneficiários e suas famílias possam ser retiradas

desta situação e, também, possam ter as prerrogativas da cidadania.

O presente artigo faz parte do Ateliê 03 do Curso de Pós-Graduação

Educação, Pobreza e Desigualdade Social, tendo como temática principal

a Pobreza, Direitos Humanos, Justiça, Educação e Programa Bolsa Família.

A maioria dos trabalhos de conclusão de curso versaram sobre o Programa

Bolsa Família e sua interface com os direitos humanos e a educação, sendo

um reflexo latente das relações estabelecidas no cotidiano profissional

de cada cursista.

Adotou-se como metodologia científica a análise reflexiva de cada

docente-orientador, tendo como base a experiência vivida num curso de

modalidade à distância e também da sistematização crítica dos cursistas

na elaboração final do trabalho de conclusão.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46120

121Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Neste sentido, este artigo foi dividido em quatros narrativas que

se completam e demonstram a riqueza da prática docente a partir da

produção do trabalho acadêmico, comprometido com a formação não

apenas dos diversos profissionais da escola, mais com o crescimento

intelectual e o despertar para a cidadania.

1 PRIMEIRA NARRATIVA

1.1 POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCAÇÃO

A pobreza em nossa sociedade sempre foi um problema latente,

enfrentar o desafio da erradicação das desigualdades sociais no Brasil,

não pode ser realizado a curto ou médio prazo, precisamos ao longo de

muitos anos estabelecer novas relações sociais, dar visibilidade e voz aos

menos favorecidos. Criar estratégias de inclusão em programas e projetos

que articulem ações governamentais mais amplas que fujam da perspectiva

assistencialista e que, efetivamente, os coloquem como alvo da cidadania.

Não podemos falar em cidadania sem enfocar a importância do

estabelecimento dos direitos humanos e seus diversos desdobramentos

ao longo da trajetória da humanidade, principalmente, a partir da criação,

no final da segunda grande guerra, da Organização das Nações Unidas –

ONU, da qual o Brasil sempre foi signatário. Desde então, tem sido uma

organização mundial que tenta resguardar os princípios da cidadania em

países que ainda encontram muitas dificuldades em garantir direitos,

principalmente, dos mais pobres.

O século XXI tem sido marcado com a preocupação por parte da

comunidade internacional sobre a garantia dos direitos humanos e seus

desdobramentos nas políticas adotadas para reduzir as desigualdades

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46121

Rosa Mendonça de Brito (Org.)122

sociais no mundo contemporâneo cheio de conflitos, guerras e

eminentemente desumano, onde o sentido da vida deixou de ser

importante e o ser humano refugiado, pobre e desprovido de direitos

passou a ser um problema mundial.

1.1.1 Direitos Humanos e Sociedade:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, instituída em 1948,

constitui-se num marco para a humanidade e reflete os princípios

elementares de garantia da vida em sociedade e, sem dúvida nenhuma da

dignidade humana e do exercício pleno da cidadania. Ela incorpora tanto

os direitos civis e políticos quanto os direitos econômicos, sociais e culturais,

tendo como principais propósitos a dignidade humana e a manutenção da

paz, evitando as atrocidades das duas grandes guerras mundiais.

Neste sentido, destacamos na integra os artigos desta carta magna

mundial que ainda precisa ser amplamente divulgada e transformada em

políticas públicas para a grande maioria da população brasileira:

Artigo 1° - Todos os seres humanos nascem livres eiguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão ede consciência, devem agir uns para com os outrosem espírito de fraternidade.

Artigo 2° - Todos os seres humanos podem invocar osdireitos e as liberdades proclamados na presenteDeclaração, sem distinção alguma, nomeadamente deraça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opiniãopolítica ou outra, de origem nacional ou social, defortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.Além disso, não será feita nenhuma distinção fundadano estatuto político, jurídico ou internacional do paísou do território da naturalidade da pessoa, seja esse

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123Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

país ou território independente, sob tutela, autônomoou sujeito a alguma limitação de soberania.

Artigo 3° - Todo indivíduo tem direito à vida, àliberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4° - Ninguém será mantido em escravatura ouem servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sobtodas as formas, são proibidos.

Artigo 5° - Ninguém será submetido a tortura nem apenas ou tratamentos cruéis, desumanos oudegradantes.

Artigo 6° - Todos os indivíduos têm direito aoreconhecimento, em todos os lugares, da suapersonalidade jurídica.

Artigo 7°- Todos são iguais perante a lei e, semdistinção, têm direito a igual proteção da lei. Todostêm direito a proteção igual contra qualquerdiscriminação que viole a presente Declaração e contraqualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8° - Toda a pessoa tem direito a recurso efetivopara as jurisdições nacionais competentes contra osatos que violem os direitos fundamentais reconhecidospela Constituição ou pela lei.

Artigo 9° - Ninguém pode ser arbitrariamente preso,detido ou exilado.

Artigo 10° - Toda a pessoa tem direito, em plenaigualdade, a que a sua causa seja equitativa epublicamente julgada por um tribunal independentee imparcial que decida dos seus direitos e obrigaçõesou das razões de qualquer acusação em matéria penalque contra ela seja deduzida.

Artigo 11° - 1.Toda a pessoa acusada de um atodelituoso presume-se inocente até que a sua

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)124

culpabilidade fique legalmente provada no decurso deum processo público em que todas as garantiasnecessárias de defesa lhe sejam asseguradas. 2.Ninguémserá condenado por ações ou omissões que, nomomento da sua prática, não constituíam ato delituosoà face do direito interno ou internacional. Do mesmomodo, não será infligida pena mais grave do que a queera aplicável no momento em que o acto delituoso foicometido.

Artigo 12° - Ninguém sofrerá intromissões arbitráriasna sua vida privada, na sua família, no seu domicílioou na sua correspondência, nem ataques à sua honrae reputação. Contra tais intromissões ou ataques todaa pessoa tem direito a protecção da lei.

Artigo 13°- 1.Toda a pessoa tem o direito de livrementecircular e escolher a sua residência no interior de umEstado. 2.Toda a pessoa tem o direito de abandonar opaís em que se encontra, incluindo o seu, e o direitode regressar ao seu país.

Artigo 14° - 1.Toda a pessoa sujeita a perseguiçãotem o direito de procurar e de beneficiar de asilo emoutros países. 2. Este direito não pode, porém, serinvocado no caso de processo realmente existente porcrime de direito comum ou por atividades contráriasaos fins e aos princípios das Nações Unidas.

Artigo15° - 1.Todo o indivíduo tem direito a ter umanacionalidade. 2.Ninguém pode ser arbitrariamenteprivado da sua nacionalidade nem do direito de mudarde nacionalidade.

Artigo 16° - 1.A partir da idade núbil, o homem e amulher têm o direito de casar e de constituir família,sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião.Durante o casamento e na altura da sua dissolução,ambos têm direitos iguais. 2.O casamento não podeser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos

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125Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

futuros esposos. 3.A família é o elemento natural efundamental da sociedade e tem direito à proteçãodesta e do Estado.

Artigo 17° - 1.Toda a pessoa, individual ou coletiva,tem direito à propriedade. 2.Ninguém pode serarbitrariamente privado da sua propriedade.

Artigo 18° - Toda a pessoa tem direito à liberdade depensamento, de consciência e de religião; este direitoimplica a liberdade de mudar de religião ou deconvicção, assim como a liberdade de manifestar areligião ou convicção, sozinho ou em comum, tantoem público como em privado, pelo ensino, pela prática,pelo culto e pelos ritos.Artigo 19° - Todo o indivíduo tem direito à liberdadede opinião e de expressão, o que implica o direito denão ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar,receber e difundir, sem consideração de fronteiras,informações e idéias por qualquer meio de expressão.

Artigo 20° - 1.Toda a pessoa tem direito à liberdadede reunião e de associação pacíficas. 2.Ninguém podeser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21° -1.Toda a pessoa tem o direito de tomarparte na direção dos negócios, públicos do seu país,quer diretamente, quer por intermédio derepresentantes livremente escolhidos. 2.Toda a pessoatem direito de acesso, em condições de igualdade, àsfunções públicas do seu país. 3.A vontade do povo éo fundamento da autoridade dos poderes públicos: edeve exprimir-se através de eleições honestas a realizarperiodicamente por sufrágio universal e igual, comvoto secreto ou segundo processo equivalente quesalvaguarde a liberdade de voto.

Artigo 22° - Toda a pessoa, como membro dasociedade, tem direito à segurança social; e podelegitimamente exigir a satisfação dos direitoseconômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)126

ao esforço nacional e à cooperação internacional, deharmonia com a organização e os recursos de cadapaís.

Artigo 23° - 1.Toda a pessoa tem direito ao trabalho,à livre escolha do trabalho, a condições equitativas esatisfatórias de trabalho e à proteção contra odesemprego. 2.Todos têm direito, sem discriminaçãoalguma, a salário igual por trabalho igual. 3.Quemtrabalha tem direito a uma remuneração equitativa esatisfatória, que lhe permita e à sua família umaexistência conforme com a dignidade humana, ecompletada, se possível, por todos os outros meios deproteção social. 4.Toda a pessoa tem o direito de fundarcom outras pessoas sindicatos e de se filiar emsindicatos para defesa dos seus interesses.

Artigo 24° - Toda a pessoa tem direito ao repouso eaos lazeres, especialmente, a uma limitação razoávelda duração do trabalho e as férias periódicas pagas.

Artigo 25° - 1.Toda a pessoa tem direito a um nívelde vida suficiente para lhe assegurar e à sua família asaúde e o bem-estar, principalmente quanto àalimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistênciamédica e ainda quanto aos serviços sociais necessários,e tem direito à segurança no desemprego, na doença,na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casosde perda de meios de subsistência por circunstânciasindependentes da sua vontade. 2.A maternidade e ainfância têm direito a ajuda e a assistência especiais.Todas as crianças, nascidas dentro ou fora domatrimônio, gozam da mesma proteção social.

Artigo 26° - 1.Toda a pessoa tem direito à educação.A educação deve ser gratuita, pelo menos acorrespondente ao ensino elementar fundamental. Oensino elementar é obrigatório. O ensino técnico eprofissional dever ser generalizado; o acesso aosestudos superiores deve estar aberto a todos em plenaigualdade, em função do seu mérito. 2.A educação

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127Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

deve visar à plena expansão da personalidade humana eao reforço dos direitos do Homem e das liberdadesfundamentais e deve favorecer a compreensão, atolerância e a amizade entre todas as nações e todos osgrupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimentodas atividades das Nações Unidas para a manutenção dapaz. 3.Aos pais pertence a prioridade do direito deescolher o género de educação a dar aos filhos.

Artigo 27° 1.Toda a pessoa tem o direito de tomarparte livremente na vida cultural da comunidade, defruir as artes e de participar no progresso científico enos benefícios que deste resultam. 2.Todos têm direitoà proteção dos interesses morais e materiais ligados aqualquer produção científica, literária ou artística dasua autoria.

Artigo 28° Toda a pessoa tem direito a que reine, noplano social e no plano internacional, uma ordem capazde tornar plenamente efetivos os direitos e asliberdades enunciadas na presente Declaração.

Artigo 29° 1.O indivíduo tem deveres para com acomunidade, fora da qual não é possível o livre e plenodesenvolvimento da sua personalidade. 2.No exercíciodeste direito e no gozo destas liberdades ninguémestá sujeito senão às limitações estabelecidas pela leicom vista exclusivamente a promover o reconhecimentoe o respeito dos direitos e liberdades dos outros e afim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordempública e do bem-estar numa sociedade democrática.3.Em caso algum estes direitos e liberdades poderãoser exercidos contrariamente e aos fins e aos princípiosdas Nações Unidas.

Artigo 30° Nenhuma disposição da presente Declaraçãopode ser interpretada de maneira a envolver paraqualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direitode se entregar a alguma atividade ou de praticar algumato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui

enunciados.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)128

Podemos perceber que, ainda, precisamos ampliar bastante as

ações para, efetivamente, alcançar a inserção de um número significativo

de brasileiros excluídos, historicamente, por serem pobres, em políticas

que reduzam as desigualdades sociais, dando as garantias prescritas acima

que garantam a dignidade humana e levem a participação na sociedade

de maneira cidadã. Revisitar esses princípios são importantes, pois

garantem um processo mais humanizado de viver em sociedade, menos

desumanas e mais responsáveis por outros seres humanos.

É preciso ampliar as discussões em diferentes campos sociais no

que se refere aos direitos e deveres inerentes ao homem social no país.

Lutar pela democratização do acesso a informação e estimulando a

mobilização social que eleve a consciência da promoção da cidadania e

do respeito aos direitos humanos.

1.1.2 Direitos Humanos e Educação

O documento Direito Humano à Educação afirma que:

Os direitos humanos foram construídos com base naideia de dignidade da pessoa humana, ou seja, de quetodo ser humano, independentemente de qualquercondição pessoal, deve ser igualmente reconhecido erespeitado, não podendo ser tratado como instrumentode poucos, mas sim como fim de toda organizaçãosocial e política. No entanto, para se chegar a essaconstrução, muitas foram as lutas travadas porcamponeses, pequenos comerciantes, trabalhadores,mulheres, intelectuais, escravos, homossexuais, jovens,indígenas, etc. Da mesma forma, para que tais direitossejam mantidos e aplicados na prática, e para que novosdireitos sejam conquistados, é necessário quecontinuemos lutando. (PLATAFORMA DHESCA BRASIL,2011, p. 14).

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129Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

O art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabeleceu

o direito à educação que foi fortalecido a partir de outras normas jurídicas

internacionais:

a) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

(Art. 13 e 14), reconhecem o direito de toda pessoa à educação, entendem

que a educação deve ser orientada para o pleno desenvolvimento da

personalidade humana e do sentido de sua dignidade, e deve fortalecer

o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. A educação

deve capacitar todas as pessoas onde a tolerância e a amizade entre todas

as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover

a manutenção da paz (BRASIL, 1992).

b) Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo

do Ensino estabelece no Artigo 1º Para os fins da presente Convenção, o

termo “discriminação” abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou

preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião

pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição

econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar

a igualdade de tratamento em matéria de ensino, e, principalmente: a)

Privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos

ou graus de ensino; b) Limitar a nível inferior a educação de qualquer

pessoa ou grupo; c) Sob reserva do disposto no art. 2º da presente

Convenção, instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos de ensino

separados para pessoas ou grupos de pessoas; d) De impor a qualquer

pessoa ou grupo de pessoas condições incompatíveis com a dignidade

do homem (BRASIL, 1968).

c) Convenção sobre os Direitos da Criança (Art. 28 e 29);

estabelecem que os Estados-Partes reconhecem que a educação da criança

deverá estar orientada no sentido de: a) Desenvolver a personalidade, as

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46129

Rosa Mendonça de Brito (Org.)130

aptidões e a capacidade mental e física da criança em todo o seu potencial;

b) Imbuir na criança o respeito aos direitos humanos e às liberdades

fundamentais, bem como aos princípios consagrados na Carta das Nações

Unidas; c) Imbuir na criança o respeito aos seus pais, à sua própria

identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais

do país em que reside, aos do eventual país de origem, e aos das

civilizações diferentes da sua; d) Preparar a criança para assumir uma

vida responsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão,

paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos,

grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena; e)

Imbuir na criança o respeito ao meio ambiente (BRASIL, 1990).

d) Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Artigo

24 declara que o direito das pessoas com deficiência à educação. Para

efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de

oportunidades, os Estados-Partes assegurarão sistema educacional

inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda

a vida, com os seguintes objetivos: a) O pleno desenvolvimento do

potencial humano e do senso de dignidade e autoestima, além do

fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades

fundamentais e pela diversidade humana; b) O máximo desenvolvimento

possível da personalidade, dos talentos e da criatividade das pessoas

com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais; c)

A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade

livre (BRASIL, 2007).

Para a realização desse direito, os Estados-Partes assegurarão que:

a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional

gerale direitos humanos sob alegação de deficiência e que as crianças

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46130

131Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e

compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência; b) As

pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo,

de qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de

condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem; c)

Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam

providenciadas; d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário,

no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva

educação; e) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas

em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de

acordo com a meta de inclusão plena.

Os Estados-Partes assegurarão às pessoas com deficiência a

possibilidade de adquirir as competências práticas e sociais necessárias

de modo a facilitar às pessoas com deficiência, sua plena e igual

participação no sistema de ensino e na vida em comunidade. Para tanto,

os Estados-Partes tomarão medidas apropriadas, inclusive: a) Tornando

disponível o aprendizado do braille, escrita alternativa, modos, meios e

formatos de comunicação aumentativa e alternativa, e habilidades de

orientação e mobilidade, além de facilitação de apoio e aconselhamento

de pares; b) Tornando disponível o aprendizado da língua de sinais e

promoção da identidade linguística da comunidade surda; c) Garantindo

que a educação de pessoas, em particular, crianças cegas, surdocegas e

surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação

mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo

seu desenvolvimento acadêmico e social.

Todos esses pactos internacionais fortalecem a ideia de que a

educação é decisiva para o estabelecimento dos direitos humanos e da

vida plena de cada ser humano na sociedade contemporânea e que o

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)132

processo de formação e de aprendizagem acontece em diferentes âmbitos,

na família, na comunidade, no trabalho, no grupo de amigos, na

associação e também na escola. Nas sociedades atuais, o processo de

escolarização é fundamental para que o ser humano adquira

conhecimentos que lhe ajude na manutenção de uma vida mais digna e

também possa colaborar de forma responsável com a transformação social.

Dessa forma:

Além de sua importância como direito humano quepossibilita à pessoa desenvolver-se plenamente econtinuar aprendendo ao longo da vida, a educação éum bem público da sociedade, na medida em quepossibilita o acesso aos demais direitos. Portanto, aeducação é um direito muito especial: um ‘direitohabilitante’ ou ‘direito de síntese’. (PLATAFORMADHESCA BRASIL, 2011, p. 19).

Neste sentido, podemos perceber que a educação pode e deve ser

a ponte que liga a população mais carente do acesso a uma vida mais

digna. Possibilita a inserção ao mundo do trabalho, como também, a

participação política em prol da melhoria das condições de vida de todos,

contribuindo para a redução de processos discriminatórios da população

mais vulnerável.

O trabalho de orientação de 09 cursistas foi desenvolvido com

atividades presenciais e a distância. Nos encontros presenciais foram

efetivadas orientações técnicas, de como deveria ser produzido os

trabalhos de conclusão de curso, orientação com relação à escolha dos

temas, indicação de fundamentação teórica, além da distribuição do grupo

em duplas para a realização do trabalho final.

Entre as orientações presenciais de cada grupo, mantínhamos uma

rede de atendimento também à distância, onde eram realizadas as

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133Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

correções textuais e também oferecidas sugestões bibliográficas. Alguns

encontraram muitas dificuldades, não tinham muito tempo para escrever

o texto e pouco apoio institucional. Percebeu-se ao longo da experiência,

o envolvimento e a dedicação dos cursistas que redescobriram o valor da

cidadania como valor primordial para a convivência numa sociedade

democrática.

A prática do docente-orientador foi facilitada pela participação

efetiva dos cursistas nas atividades programadas, bem como, a cada

orientação realizada que se transformava em momentos significativos de

debates, discussões e aprofundamento das temáticas. A sistematização

das ideias, o enriquecimento teórico e as análises dos depoimentos,

coletados ao longo do curso, possibilitaram a construção de monografias

voltadas para a desmistificação do Programa Bolsa Família, a educação

como campo importante para a construção da cidadania, entre outros

temas desenvolvidos.

2 SEGUNDA NARRATIVA

2.1 FACES TEÓRICAS E HISTÓRICAS DA RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO, POBREZA

E DIREITOS HUMANOS

Explicitar as interlocuções e dependências entre os conceitos de

pobreza, educação e direitos humanos é um desafio necessário para

superarmos visões fragmentadas e, por vezes, preconceituosas que

mascaram o verdadeiro significado de tais condições para os sujeitos

inseridos nelas, bem como para a sociedade em geral. De acordo com

Andrade (1989, p. 110), “[...] a sociedade brasileira está disposta de

modo a perpetuar e a reproduzir a pobreza enquanto tal.” Segundo o

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)134

autor, no plano geral da política e ideologia, os trabalhadores são todos

compreendidos como pobres pelo Estado Protetor criado por Vargas e

mantido até os dias atuais.

Por trás do paternalismo estatal, explicitado desde a Plataforma

da Aliança liberal de 1930, na qual Vargas defendia tal tutela, se esconde

um mecanismo que não visa aos reais interesses dos pobres, pelo contrário,

visa à manipulação e regulação da pobreza. Manipulação, pois traz

legitimidade política, já que é sobre a miséria da grande parte da

população que se constroem as plataformas de governo; e regulação,

pois assim como Andrade (1989) aponta, o pobre é considerado perigoso

e potencialmente revolucionário.

Regular a pobreza significa assegurar sua manutenção em níveis

controláveis, para tal tarefa, o Estado conta com outro vértice do triângulo,

a educação. Historicamente, a educação dos menos favorecidos, se

caracterizou por exclusão social, econômica e cultural, bem como pelo

pouco ou quase ausente investimento voltado a essa parcela da população,

obrigando-os a viver situações extremas de pobreza, sem condições de

mobilidade social.

Di Giorgi e Leite (2010) afirmam que a preocupação do Estado

brasileiro, ao longo dos períodos históricos, foi com o desenvolvimento

do ensino superior voltado às elites. Exemplifica isto o fato de que até

1920 menos de 3% da população tinha acesso aos bancos escolares.

A educação elementar somente figura como interesse político

quando se coaduna ao econômico, ou seja, após a I Guerra Mundial,

período no qual observa-se o fortalecimento do grupo industrial-urbano

e a ampliação dos setores médios, bem como do proletariado urbano

juntamente com o qual multiplicam-se os movimentos grevistas e as

organizações de esquerda, que incorporam algumas reivindicações

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135Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

educacionais. De 1942, data na qual institui-se o Fundo Nacional do Ensino

Primário, destinado à ampliação e melhoria das escolas primárias, até o

ano de 1969, foi possível perceber uma expansão, principalmente, na

ampliação de vagas, pois 70% dos recursos foram destinados para a

construção de prédios escolares.

Ao final da década de 90, o Brasil conseguiu garantir o acesso de

quase todas as crianças em idade escolar à educação básica, fato que

deve ser considerado um avanço significativo, pois traduz as reivindicações

de diversos grupos. Sanado o problema do acesso, surge o da permanência

e da qualidade do processo educacional desenvolvido.

No que se refere à questão da permanência, acreditava-se que boa

parte das crianças abandonava as escolas para trabalhar e auxiliar na renda

familiar. Com o intuito de combater tal processo. Desde 1990, o governo

brasileiro desenvolve um amplo programa de subsídio às famílias de baixa

renda, condicionando o recebimento a partir da efetiva matrícula e

frequência escolar. Este programa denominado primeiramente como bolsa-

escola, hoje compõe um programa mais amplo, o Programa Bolsa Família -

PBF, política social que caracterizaremos noutro momento do texto.

Schwartzman (2006, p. 14) reflete que a relação entre pobreza e

educação é muito estreita, pois a pobreza impacta no acesso, mas,

sobretudo, na permanência e rendimento escolar. Assim, se pronuncia:

Os problemas fundamentais da educação básica noBrasil não são a ausência de escolas, ou que as criançasnão vão à escola por falta de dinheiro, mas as elevadastaxas de reprovação e repetência e a má qualidade daeducação, que afetam, sobretudo, as populações demais baixa renda.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)136

A questão da permanência está vinculada a processos intra e extra-

escolares, estreitamente conectados. O currículo escolar é uma seleção

da cultura, assim como já identificaram diversos autores trata-se de uma

versão particular da cultura. Versão que privilegia certas linguagens, signos

e objetos compartilhados pelos mais favorecidos, em detrimento, e mesmo

negação, dos signos, linguagens e objetos vinculados ao cotidiano dos

educandos em condição de pobreza, processo que afeta e, por vezes,

determina a questão do rendimento, analisada neste trabalho.

O fim do século XX trouxe consigo um espírito novo para o Brasil,

não só na questão de ampliação das vagas escolares e do debate acerca

da qualidade dos processos educacionais, mas também no desenrolar

dos direitos sociais, principalmente naquele sufocado durante os 20 anos

de ditadura militar, isto é, o direito ao voto.

A questão dos direitos humanos evoluiu junto com a história social

mais ampla, seu debate insere-se e muitas vezes parte de acontecimentos

que fizeram-nos refletir sobre nossa própria humanidade. Exemplo disso

é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada em 1948,

decorrente dos acontecimentos da II Guerra Mundial e dos horrores

cometidos pelos regimes totalitários, nazista e facista. Tal documento,

conhecido como a segunda geração dos Direitos Humanos, visou assumir

pretensões globais e procurou articular direitos civis, políticos,

econômicos, sociais e culturais. Assim como já explicitamos na primeira

narrativa. Segundo Moehlecke (2008, p. 7).

Recentemente, foi acrescida à noção de direitoshumanos também uma terceira geração de direitos,que abrange o direito a um meio ambiente equilibradoe não poluído, uma qualidade de vida saudável, odireito à autodeterminação dos povos, direito aoprogresso, direito à paz, bem como a outros direitos

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137Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

difusos e coletivos, não mais restritos a indivíduosou a grupos específicos, mas a toda a coletividade.

A partir de Moehlecke (2008), é possível ver que nossas concepções

acerca do que constitui os direitos humanos foi se ampliando à medida

que foram ampliadas as preocupações de diversas ordens da sociedade.

Partimos de uma concepção desenvolvida nos altos do século XVIII, que

versava sobre o direito natural, consistindo numa concepção individualista

e liberal da sociedade, a qual afirmava o valor do indivíduo e de sua

liberdade. E atualmente alcançamos, pelo menos no âmbito documental,

o abarcamento amplo das questões ambientais, sociais, culturais que são

condições sinequa non para nosso bem-viver.

Boa parte dos direitos humanos está registrada em diversos

documentos denominados como declaração. Etmologicamente, “declarar”

vem do Latim e significa tornar claro, explicar. É necessário explicar aquilo

que não é óbvio, aquilo que não é em si, mas que foi construído histórica

e socialmente. Nesse sentido, precisamos aprender e ensinar sobre a

pobreza, sobre a educação, sobre os direitos humanos, pois todas essas

faces são construções sociais, produtos da cultura e não estão de forma

alguma arraigadas em uma possível natureza humana.

Pobreza, educação e direitos humanos são faces imbricadas

socialmente, se retroalimentam e precisam ser desmistificadas, declaradas

no sentido etimológico do termo. Nesse sentido, reafirmamos a

importância da pesquisa e da discussão que desmitifique as múltiplas

dependências e correspondências presentes no âmbito de materialização

de tais conceitos, ou seja, na vida social. Como contribuição a tal feito,

vamos explicitar e refletir, em seguida, sobre um processo de orientação

da produção dos trabalhos de conclusão de curso de uma turma do ateliê

3, fazemo-lo como relato da experiência vivenciada.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46137

Rosa Mendonça de Brito (Org.)138

2.2 A EXPERIÊNCIA DE ORIENTAÇÃO NO CONTEXTO DA PRODUÇÃO TEXTUAL:

ENCONTROS E DESENCONTROS EM UM PROCESSO FORMATIVO

Compor um relato de experiência é uma atividade que exige no

mínimo dois procedimentos: explicitar o processo de intervenção

vivenciado por uma pessoa ou unidade, justificando as opções teórico-

metodológicas levadas a cabo e seu desfecho; e,

[...] refletir com qualidade para que a experiência sejacolocada por escrito e possa ser publicada, em seguida.Assim há avanço, pois o desenvolvimento só ocorreráatravés de indagações e questionamentos. (JARDIM,2006 apud LEO; GONÇALVES, 2010, p. 415).

Relatar uma experiência é, portanto, uma atitude de (re)vivenciar

um dado momento, refletir sobre ele expressando-se textualmente.

É sabido que nenhuma memória é a reprodução mental de um

fato, tal como ocorreu, mais uma interpretação e reconfiguração deste

fato, e neste exercício, adquirem destaque alguns acontecimentos, aqueles

que mais nos tocaram e falaram mais alto aos nossos sentidos e emoções

(DAMÁSIO, 1996). A experiência rememorada, relatada e refletida a seguir,

envolve dez sujeitos – nove professoras cursistas, uma professora

orientadora – e teve como objetivo a produção coletiva de um trabalho

de conclusão de curso, no contexto do Curso de Especialização Educação,

Pobreza, e Desigualdade Social (lato senso).

Assumimos na escrita deste relato/narrativa, ora o “eu” ora o “nós”,

o primeiro é necessário ao me referir mais, subjetivamente, sobre um

processo de apropriação da experiência que por ser minha e não de outros,

a devo assumir como tal; o “nós” encontra-se no reconhecimento de que

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46138

139Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

a produção do TCC realizou-se, coletivamente, portanto, não posso furtar

dos outros sujeitos o direito a presença no processo. De cada encontro

de orientação e produção, destacaremos os pontos mais fortes para serem

discutidos brevemente.

Responsável por uma turma do Ateliê 3 “Pobreza, Direitos

Humanos, Justiça, Educação e Programa Bolsa família”, busquei nas

dimensões do ateliê delimitar o campo epistemológico de produção do

trabalho. No nosso primeiro encontro, dia 16 de novembro de 2016, foi

pautado pelos seguintes objetivos: apresentarmo-nos e conhecermos a

formação e atuação profissional de cada um, isto para identificar que

experiências podiam ser trazidas a tona e colaborar com a produção do

trabalho; pensarmos o processo de produção do artigo (a distribuição,

análise e interpretação de dados; ideias e sugestões/encaminhamentos

da produção teórica; a distribuição das tarefas individuais e grupais e a

comunicação dos prazos).

Nesse dia, preparei uma apresentação sobre quais dimensões fazem

parte da produção de um trabalho científico, para esclarecer a

responsabilidade na qual os professores estavam imbuídos, dessa forma,

discutimos sobre as dimensões: técnica, metódica e epistemológica. Esse

primeiro momento ficou marcado pelo receio que os professores

demonstraram em produzir o artigo, enquanto Trabalho de Conclusão de

Curso. Isto, pois, muitos nunca tinham feito tal exercício.

O medo da escrita me lembrou de algumas falas já ouvidas em

outros espaços da academia, tal como: “Os pedagogos não sabem

escrever!”. Como não sabem escrever? A formação pedagógica é repleta

de leituras e produções textuais, esse é o principal instrumento de estudo

dos licenciados em Pedagogia. O que me faz pensar que não é falta de

capacidade, é falta de exercício desta capacidade.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)140

No campo do trabalho dos professores pedagogos eles não são

excitados à produção de projetos, artigos, relatórios reflexivos sobre sua

prática, não têm como exercício da produção textual. Suas produções

são realizadas no quadro branco ou negro, nos quadrados e tabelas

impressos para os planejamentos, e alguns possuem um caderno diário

de Plano de Aula. Nada semelhante com a produção com a qual eles

deveriam lidar agora.

Para driblar o medo do desconhecido, a primeira tarefa foi a

produção de um texto pequeno que descrevesse a caracterização dos

espaços e sujeitos da pesquisa. Ao longo dos módulos, os cursistas

entrevistaram professores, gestores, pedagogos, comunitários que não

recebiam o benefício, famílias que recebiam o benefício do Bolsa Família,

e outros cursistas. Nós tínhamos três questões para trabalhar, e a partir

delas delimitamos o próximo exercício do grupo que foi tabular todas as

entrevistas realizadas e elaborar um texto abaixo de cada tabela com

observações do que se destacam nas falas, as semelhanças e contradições.

Foi interessante perceber que apesar de ser minha primeira

experiência como orientadora, todas estas decisões metodológicas

surgiram e fluíram com muita naturalidade, pois trabalho com o processo

de pesquisa há cerca de dez anos, a partir da iniciação científica na

graduação, passando pelo mestrado em Educação e agora no

doutoramento. Como sou licenciada em Pedagogia, penso muito

precipitada a vulgarização da frase citada sobre os pedagogos e a escrita.

Dividimo-nos em dois grupos para a realização das tarefas e seguimos

nos comunicando até o próximo encontro presencial.

No nosso segundo encontro, dia 16/12, tínhamos os seguintes

objetivos: diálogo com os grupos acerca do processo de desenvolvimento

dos artigos (dúvidas, entraves e esclarecimentos do que ocorrera até aquele

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141Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

ponto; apresentação dos grupos acerca da temática que escolheu para

congregar ao tema central – sugestão do primeiro encontro; definição

dos objetivos dos trabalhos dos grupos e do trabalho final; e discutir o

texto do Bakhtin “O discurso de outrem”. Escolhi o texto de Bakhtin

presente na obra “Marxismo e Filosofia da Linguagem” para apontar a

complexidade do exercício de análise dos dados qualitativos que os

professores estavam imersos. Isso foi necessário e apontado pelo resultado

da tabulação de dados que se mostrou muito simplória, extraindo apenas

a aparência, não buscando as outras camadas de discursos nem suas

ligações com outras esferas sociais.

Neste mesmo dia, discutimos dois textos que trazem o caráter

histórico da educação pública no país, Libâneo (2012) e Di Giorgi e Leite

(2010), importantes para uma concepção crítica dos dados que foram

sendo evidenciados. A orientação da coordenação foi que ao fim dos

encontrostivéssemos apenas um trabalho como resultado do trabalho

coletivo do grupo. Para tanto, dividimos a partir da tabulação no primeiro

encontro, dois grupos, um responsável pela primeira questão do roteiro

de entrevistas e outro pelas questões dois e três.

No segundo encontro, a orientação foi para a construção dos

textos iniciais que culminariam no texto único final. Dessa forma, na

segunda postagem tínhamos os seguintes trabalhos: “Direitos Humanos,

Educação e Bolsa Família: implicações da regulação da frequência escolar

para o desenvolvimento na educação infantil”; e “Pobreza, Educação,

Justiça e Programa Bolsa Família: implicações da pobreza na educação:

rendimento escolar e Programa Bolsa Família”.

O segundo encontro foi marcado por um aspecto preocupante,

eu havia encaminhado três textos para a discussão em grupo no segundo

encontro, infelizmente, os professores não leram os trabalhos, o que tornou

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46141

Rosa Mendonça de Brito (Org.)142

precária a apresentação do mesmo. Os professores argumentaram que

não possuem tempo, trabalham o dia inteiro e alguns fazem mais de uma

pós-graduação à distância. Isso aponta para um problema sério, que é da

flexibilização da formação para o magistério.

Temos que pensar até que ponto é possível tornar a formação

docente ágil e eficiente, no modelo a distância e instrumentalizada pelas

plataformas digitais, como preconizam os financiadores internacionais

(FREITAS, 2003). A LDB 9.394/96 ao deliberar a criação de novas instâncias

e cursos de formação, abriu precedente para discursos de flexibilização

da formação para o Magistério, justificado, principalmente, a partir do

argumento de que a formação acadêmica, que envolve pesquisa e

investigação, gera altos custos. Nesse interim, o uso de tecnologias da

informação a serviço da formação docente foi uma das principais saídas.

A responsabilidade e espaço coletivo foi substituída pela

individualização do processo de formação, nesse sentido, deixando na

responsabilidade do cursista encontrar o tempo, o espaço e ambiente

para sua aprendizagem. A liberação do espaço de trabalho é, ainda,

compreendida como uma benesse da gestão e não um direito do professor

em processo de formação, segundo muitos relataram ao longo dos

encontros presenciais. Nesse sentido, acredito que há uma confusão –

cínica, segundo suspeito – por parte daqueles que alimentam os discursos

em defesa da continuidade da flexibilização da formação, ao mínimo,

custo e tempo, pregando um discurso pela autonomia, que, na verdade,

mais parece com abandono. Contreras, (2002, p. 25), comenta sobre a

autonomia do professor frente às relações de trabalho e, em relação ao

mundo:

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46142

143Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Uma particularidade importante da autonomia é que,na medida em que se refere a uma forma de ser e estarde professores em relação ao mundo em que vive eatua como profissional, esta nos remetenecessariamente tanto a problemas políticos comoeducativos. Por conseguinte, o esclarecimento daautonomia é por sua vez a compreensão das formas oudos efeitos políticos dos diferentes modos de seconceber o docente, bem como as atribuições dasociedade na qual estes profissionais atuam.

Dessa forma, não é possível individualizar decisões sem subsidiar

as condições para aqueles que decidem. Isto não é autonomia, é abandono.

É uma declaração implícita da real importância que o processo de formação

continuada assume no âmbito profissional daquele que se forma.

No terceiro encontro, 03 de fevereiro de 2017, após o ir e vir dos

trabalhos dos grupos – pelo menos 4 versões – decidimos reunir os dois

trabalhos para compor um. O trabalho final “Educação, Pobreza e Direitos

Humanos: interfaces do Programa Bolsa Família no contexto da escola

pública de Manaus-AM” é a síntese da aglutinação dos principais pontos

discutidos no ateliê 3 e ao longo da produção do TCC.

3 TERCEIRA NARRATIVA

3.1 RELATO SOBRE A PESQUISA EM EDUCAÇÃO, O DIREITO À FORMAÇÃO

CIDADÃ E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO AMAZONAS

Durante seis meses, vivenciamos um instigante processo de

orientação relativo à elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso por

conta da Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Contar

um pouco dessa experiência com orientação de pesquisa, problematizando

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)144

a educação escolar enquanto espaço/tempo para a formação do cidadão

brasileiro conforme determinação de nossa Carta Magna (1988), bem

como, discutir aspectos do Programa Bolsa Família vigente no Amazonas,

a partir do ano de 2004, são os elementos que constituem a finalidade

deste relato.

À equipe de professores orientadores, da qual fizemos parte, coube

como desafio a pesquisa direcionada ao ateliê três, intitulado “pobreza,

direitos humanos, justiça, educação e programa bolsa família”. Desafio,

porque como sabemos, há sempre um quê de complexidade na formulação

de um problema de estudo ao se traçar uma metodologia científica para

a realização de uma pesquisa acadêmica e, ainda, mais quando se trata de

tema amplo e que exige vasto domínio conceitual para sua

problematização.

Cientes de tal complexidade, refletimos com a turma de nove

cursistas sobre a importância e a necessidade de canalizar a pesquisa do

amplo tema do ateliê para subtemas, elegendo algumas categorias de

análise, tendo por base a discussão sobre o cotidiano da escola pública e

as lógicas subjacentes às práticas pedagógicas vigentes. Seguindo tais

encaminhamentos, formaram-se espontaneamente entre os membros da

turma, dois grupos de trabalho. O primeiro optou pelo título “Educação e

Programa Bolsa Família: desafios e perspectivas no combate a pobreza

no estado do Amazonas”; e o segundo pelo título “Educação e direitos

humanos no Brasil e a formação para a cidadania na escola pública”.

A proposta de TCC, como já sinalizado, versou sobre a produção

de um artigo científico, referenciado em uma pesquisa de levantamentos

de informações por meio da realização de entrevistas semiestruturadas

com alguns sujeitos da comunidade intra e extra-escolar, a saber: 01

família que recebe o benefício do Programa Bolsa Família; diretor (a) de

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46144

145Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

escola pública; coordenador(a) pedagógico (a); 01 professor(a) da escola

que tenha beneficiário do bolsa família em sua sala de aula; 01 morador

(a) da comunidade que não seja beneficiário do bolsa família; o próprio

cursista.

A discussão dos resultados se fez a partir dos quadros teóricos de

referência assimilados na especialização, produzindo-se análises,

interpretações e inferências das falas dos sujeitos acima mencionados.

Aqui sintetizadas e apresentadas no formato de breve reflexão por meio

dos tópicos abaixo nominados.

3.1.1 A garantia do direito à educação e à formação cidadã na escola

pública

Em pleno limiar do século em curso, a preocupação com a formação

para a cidadania na escola pública, ainda é uma questão de primeira linha.

As evidências apontam sérias lacunas, tanto ao nível conceitual, quanto ao

nível metodológico: as frágeis concepções ideológicas em relação ao sentido

e significado daquilo que representa, efetivamente, a cidadania plena no

Brasil, redundam em opções metodológicas de mesma ordem.

Há que se percorrer um longo caminho entre a garantia do direito

público subjetivo da cidadania inscrita em Lei e a concretização na prática

social desses direitos. Em outras palavras, como sabemos, não será

suficiente normatizar em lei, mas sim, garantir que esta se cumpra no

cotidiano dos ditos cidadãos, caso contrário, a lei aprovada não passará

de “letra morta”.

Bases teóricas e metodológicas são essenciais nesse processo de

inscrever a legislação na prática social. Estudar a fundo o que é a cidadania

no Brasil, talvez seja um primeiro e importante passo; de igual modo,

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46145

Rosa Mendonça de Brito (Org.)146

torna-se necessário refletir, criticamente, sobre o currículo escolar em

ação hoje na escola pública, mais especificamente, a respeito de como

essa formação para a compreensão da própria cidadania pelo estudante

vem sendo feita, este seria o segundo e importante passo.

O conceito de cidadania não é de simples definição, se diferencia

por perspectivas paradigmáticas vigentes em distintos contextos

socioeconômicos e políticos que o ensejam, tomando como exemplo de

análise o significado da palavra igualdade. Na história, registra-se que,

para o Liberalismo, esta irá sofrer restrições quando, em determinados

contextos, a filosofia do sistema tende a valorizar mais as ações individuais

que as ações coletivas, contrariando o sentido original do termo, além

disso, a ideia de igualdade se choca com o princípio de liberdade, que

para os liberais é tido como premissa.

Para Cunha (1991), na doutrina liberal clássica, a ideia de igualdade

sofre restrições desde a origem e não tem o mesmo peso dos demais

elementos que integram o credo liberal: individualismo, liberdade,

propriedade. Como individualismo, liberdade e propriedade reinam

soberanamente, igualdade e democracia sofrem restrições. Como se pode

compreender a partir das palavras do mencionado autor, desde o século

XVIII que o conceito de cidadania tem caráter ideológico, servindo para

disseminar e/ou reforçar certas tendências, sejam estas, de cunho

conservador ou progressista.

De certo, esse paradigma liberal de cidadania que tem no centro a

tensão entre liberdade e igualdade vem sofrendo alterações e evoluindo

desde o seu surgimento com a ascensão da classe burguesa e o modo de

produção capitalista. Porém, e na sociedade brasileira do século XXI, o

que podemos dizer do conceito de cidadania que fundamenta as práticas

educativas na escola do presente? Qual tem sido o significado atribuído?

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46146

147Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

No Brasil, temos uma cidadania desigual, como define Filho (1998,

p. 109):

O trabalhador brasileiro, quando muito, seria um‘cidadão pela metade’, muito mais uma decorrêncianatural da organização corporativista que cindiu aformação social brasileira do que propriamente umacondição inerente à sociedade estratificada em classessociais.

Para a sociedade brasileira, o conceito de cidadania que mais se

aplica é o de direito social conquistado, ou seja, possibilidade concreta

do exercício de atividade política, como dizia Aristóteles, ser cidadão

significava poder governar e ser governado. Arendt (1987), ao reforçar

o conceito aristotélico, acrescenta que embora seja um direito humano

universal, esta precisa ser conquistada, resultando de uma construção

coletiva que deve se opor à concessão de privilégios, posto que ninguém

nasce cidadão, torna-se cidadão, a qualidade da cidadania não é individual

e sim social.

A conquista de cidadania em nosso país está envolta em inúmeros

desafios e vicissitudes. Se por um lado conquistamos direitos civis,

políticos, jurídicos, religiosos, de liberdade de imprensa, por outro lado,

vemos ameaçados de tempo em tempo, o Estado de Bem-Estar social e

ficamos na iminência de um Estado Mínimo, privatizado, o que fragiliza a

cidadania social duramente conquistada. Mas, como tudo isso se reflete

na educação gratuita e laica que se oferta no país?

A educação escolar, como bem classificou o grande educador Paulo

Freire é um ato político pedagógico, o que nos leva a conclusão da

impossibilidade de ser uma prática neutra. Sendo assim, sempre estará a

serviço de um tipo de cidadania, conquista ou outorgada. Em não sendo

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46147

Rosa Mendonça de Brito (Org.)148

conquistada, poderá ser retirada no instante em que o outorgante assim

o desejar.

Daí porque devemos lutar, continuamente, por uma escola pública

que se constitua em espaço/tempo da formação cidadania social. Se, assim,

o fizermos, estaremos contribuindo, significativamente, para tornar prática

educativa cotidiana, os preceitos normatizados da proposta curricular

para a educação básica constantes na atual Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDBEN n. 9.394/96.

Diz a lei supracitada em seu Art. 22 “[...] a educação básica tem

por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum

indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para

progredir no trabalho e em estudos posteriores”. No art. 27 indica que

no ensino dos conteúdos curriculares, a escola considere, dentre outras

diretrizes, o que consta no inciso I – a difusão de valores fundamentais

ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao

bem comum e à ordem democrática.

Os parâmetros e referências curriculares nacionais documentos

referentes à educação infantil (de 0 a 5 anos) e ao ensino fundamental

(de 6 a 14 anos) também orientam e determinam que a formação para a

cidadania deve ser a base de planejamento e desenvolvimento curricular,

devendo ser assegurada desde os primeiros anos de escolarização.

O que se sabe, com certeza, é que as propostas pedagógicas

curriculares hoje vigentes no cotidiano das escolas públicas estão sob a

égide desses imperativos legais, então, a formação para a cidadania plena

deveria estar acontecendo por meio do currículo escolar em ação que é

formado pelos componentes obrigatórios: língua portuguesa, matemática,

ciências, história, geografia, arte, educação física e pelos temas

transversais (temas que afetam e muito a vida contemporânea) – Ética,

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149Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Pluralidade Cultural, Meio ambiente, Saúde, Temas Locais como Educação

Fiscal e Valorização do Idoso. Por outro lado, pesquisas recentes feitas

nas escolas (2016) nos levam a constatar que, lamentavelmente, nas

práticas escolares cotidianas, esse currículo comprometido com a formação

para a cidadania, é bastante precário, quase inexistente.

Muitos são os fatores que corroboram para tal situação de

precariedade, dentre estes, evidenciam-se concepções romantizadas do

papel da educação, ainda existem fortes traços dessa tendência idealista

que confere à educação um poder de determinar destinos, por exemplo,

poder este que não possui haja vista ser esta determinada pelo contexto

político e social, e em alguns, períodos históricos, por contextos

econômicos.

Refletindo com base nos textos produzidos, pelos pós-graduandos

ao socializarem resultados de suas pesquisas, percebemos que ainda “[...]

no fundo as concepções românticas ou idealistas, ao procederem de modo

ideológico, acabam por desqualificar a escola como local de formação da

cidadania” (FILHO, 1998, p. 113).

Embora a formação da cidadania na escola seja uma luta que não

pode sair da nossa agenda de reivindicações, temos consciência que

precisamos prosseguir se optarmos pelo projeto de cidadania conquistada.

Para concretizar uma proposta dessa natureza, não é possível abrir mão

daquilo que é a função política e social da escola, a de formar cidadãos

capazes de interferir criticamente na realidade para transformá-la, e não

apenas, contentar-se em formá-los para que se ajustem ou se adaptem ao

voraz mercado de trabalho de uma sociedade que ao invés de oferecer

oportunidades, tem retirado estas e aumentado os bolsões de exclusão

social.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)150

3.1.2 A relação do Programa Bolsa Família com a qualidade do processode aprendizagem do estudante beneficiário

A relação entre o Programa Bolsa Família e a qualidade do processo

de aprendizagem do estudante beneficiário nos remete ao debate sobre

as normas de acompanhamento pedagógico deste programa, a cargo do

Ministério da Educação. Trata-se das chamadas condicionalidades da

educação, no que diz respeito à freqüência mínima de oitenta e cinco por

cento de carga horária escolar mensal, em estabelecimentos de ensino regular,

de crianças e adolescentes de seis a quinze anos e adolescentes de 16 a 17

anos, inciso II do Decreto N° 5.209, de 17 de setembro de 2004 que

regulamentou o Programa criado pela Lei n° 10.836, de 9 de janeiro de

2004 no Brasil.

No entanto, procedimentos metodológicos mais efetivos e

direcionados ao acompanhamento da frequência escolar mínima de 75%

que é um dos pontos fortes da condicionalidade relacionada à educação

exigida, não é substantiva se tivermos em mente, um conjunto de medidas.

Claro está, ser de suma importância para o aproveitamento escolar do

estudante, que uma freqüência inferior ao percentual supracitado seja

um indicativo da necessidade de acompanhamento a ser realizado pela

escola; por outro lado, quando este aspecto é visto como aspecto pontual

à parte do processo pedagógico como um todo, nos parece ser insuficiente

no que diz respeito à elevação da qualidade da aprendizagem escolar.

De modo que a relação direta entre o Programa e a educação escolar

não é detalhada na política de gestão, controle e acompanhamento. Isso,

em parte, se justifica pela natureza da própria política social criada que

objetiva combater a pobreza e a desigualdade social, não se restringe à

oferta de educação pública e gratuita. Os critérios de condicionalidades

se vinculam à:

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151Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Combater a fome e incentivar a segurança alimentar enutricional; Promover o acesso das famílias mais pobresà rede de serviços públicos, em especial os de saúde,educação e assistência social; Apoiar odesenvolvimento das famílias que vivem em situaçãode pobreza e extrema pobreza; Combater a pobreza e adesigualdade; e Incentivar que os vários órgãos dopoder público trabalhem juntos nas políticas sociaisque fortaleçam as famílias a superarem a condição depobreza (BRASIL, 2015, p.10).

Na busca de estabelecer o vínculo entre o PBF e a educação escolar

cotidiana, não podemos nos furtar à reflexão sobre o significado que

tem na conjuntura nacional a implantação e manutenção de um programa

como esse. Uma iniciativa governamental, que transfere renda direta às

famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, realidades gritantes

em nosso país.

Pobre é todo aquele que não se beneficia de um padrão de

subsistência mínimo, baseado na ingestão diária de um requerimento

calórico dado. Portanto, inicialmente, pobreza e fome são quase sinônimos

e se confundem na identificação de quem é pobre. Nesse enfoque, as

necessidades humanas aparecem limitadas às necessidades da

sobrevivência física – comer, vestisse – desconsiderando o social. Esse,

ainda hoje, é enfoque que prevalece na definição da pobreza absoluta ou

da indigência: um padrão de vida aquém do que é exigido para assegurar

a mera subsistência ou sobrevivência.

Argumentam os proponentes do Programa que o objetivo central

desta transferência de renda é elevar a efetividade no combate à fome e

à pobreza, uma prioridade social do governo brasileiro a partir de 2004,

ano de sua implantação. Alegam, ainda, que o mesmo esteja fundamentado

nas diretrizes existentes na Constituição Federal de 1988, ampliando o

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)152

acesso aos serviços de saúde, educação e assistência social, que em seu

art. 3º, inciso III, se compromete “[...] erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Visando o alcance de todo o território nacional, a implantação do

programa foi pactuada entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito

Federal, para serem desenvolvidos de forma intersetorial, pois o desenho

do Programa Bolsa Família tem como característica o trabalho em conjunto,

das ações de distintos setores (Assistência Social, Saúde e Educação). Na

cidade de Manaus, segundo dados levantados por meio de pesquisas do

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2015), tem em

torno de 128 mil famílias beneficiárias.

Cremos que neste momento não há dúvidas da importância e

impactos que têm na vida dos brasileiros um programa social como o PBF

no sentido de minimizar o estado de pobreza econômica extrema em que

estão mergulhadas muitas e muitas famílias.

Vejamos o que nos diz uma família beneficiária ao ser entrevistada

no ano de 2016, em relação à contribuição do programa:

Serve para garantir o transporte escolar do filho mais novo,em razão de antes realizar o trajeto a pé e meu filhoficava muito cansado. Têm problemas de comportamento,essa escola vem ajudando a se desenvolver. Já escreve onome e faz tarefas escolares com maior atenção. Eu recebohá 3 anos1.

Os beneficiários relataram, ainda, que o Programa ajuda na compra

dos materiais escolares, vestimenta, calçados e alimentação de seus filhos.

1 Família beneficiária.

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153Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Dando condições, as quais eles não teriam como suprir. Para eles, o

benefício é um sinônimo de cidadania:

Acho que cidadania é poder ter direito a votar, estudar,trabalhar, coisa assim. Acho que o cidadão tem maisdestaque, ele se torna político e pode governar o país2.

Ouvimos, também, os diretores, professores e coordenadores de

escola pública sobre os pontos positivos e/ou negativos que destacam

em relação a dito Programa:

Os diretores opinam que o Programa Bolsa Família não colabora

para a redução da pobreza, segundo eles, contribuiu para a ociosidade e

dependência, fazendo com que o beneficiário não procure emprego e

nem busque sair da situação de pobreza. Segundo um dos diretores, ainda

falta muito para que se possa usufruir de uma cidadania plena no Brasil,

nos moldes em que a define:

Cidadania é o direito que a pessoa se assegura a partirdo nascimento, ele considera um cidadão a partir doregistro, a pessoa que é registrada, documentada é umcidadão. Faz parte daquela sociedade, como uma pessoapode ser identificada como cidadão. Primeiro são osdocumentos, porque se você não tiver documentação vocêé considerado um indigente, ou seja, uma pessoa quenão faz parte daquela sociedade. Segundo são os direitosque lhe assiste e os deveres enquanto cidadão, dentrodaquele meio, votar, ter direito a segurança, ter direito asaúde, a educação, toda a constituição que assiste emquanto cidadão. Faz com que ele seja identificado comotal; É um programa muito bem empregado, mas pena que

2 Família beneficiária.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)154

algumas famílias não saibam usar com dignidade. Masesse programa trouxe grandes melhorias para os menosfavorecidos, quando bem empregados sentimos um avançosocial nas famílias que utilizam o mesmo. Observamosprincipalmente na alimentação, crianças mais nutridas,limpas e com os materiais didáticos adequados a seremutilizados nas escolas. Os impactos quanto ao Programasão grandes, tendo em vista que muitas famílias sobrevivemdesta renda que vem agregar aos recursos que a escoladisponibiliza para oferecer as crianças3.

Agora vejamos a percepção dos professores e coordenadores

pedagógicos:

Destacamos um trecho das respostas de uma professora sobre o

programa bolsa família, diz ela que:

Trouxe mudanças para os rendimentos da família. É umreparo na falta, de consideração ao direito do trabalhador.Mas no caso de achar se é útil ou não, é lógico que é, efaz muita diferença na vida das famílias. As crianças sebeneficiam do Bolsa Família porque os pais (muitos porcausa da assistência), sentem-se no dever de garantir aassiduidade do filho à escola e isso contribui para o sucessodessa criança em seu processo educativo. Os pais se sentempressionados e responsabilizados em manter a freqüênciados alunos em dia e isso reflete no processo educacionalda criança, tendo um impacto positivo, pois incentivam asua inserção na sociedade. Professores e pedagogos nãovêem muitos pontos positivos, chamam a atenção nosentido de que o Programa deveria ser vinculado aodesempenho do aluno e não somente à obrigatoriedadede freqüência, e ainda, consideram como muitoimportante, que fosse vinculado à participação efetiva dospais nas reuniões e ações da escola. Pois segundo dizem,

3 Diretores.

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155Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

além de oferecer um incentivo financeiro padrão, devemser oferecidas condições mínimas para o exercício de talbenefício: Eu acredito que além dessas repostas padrão,tem direito e dever, também aquela pessoa que estágarantida ali as condições para exercer esse exercício.Não basta dizer que há cidadania que ela existe, se euestou em uma situação em que eu não tenho condiçõespara fazer esse exercício. Então também a cidadania passapor aí, além de eu ser capaz de defender meus direitos edeveres, também ter condições mínimas para fazer isso(Professor). Cidadania é reconhecer a importância dooutro na nossa vida, conhecer nossas responsabilidadese direitos diante da sociedade que nos cerca4.

Conversamos, ainda, com algumas famílias não beneficiárias do

Programa Bolsa Família que expressam concepções similares aos

professores e coordenadores pedagógicos. Para estas, a cidadania deve

ser mais ampla, alcançar a cobrança aos representantes eleitos para

defender os direitos da população.

Cidadania é cumprir com os deveres, que a gente tem ecom os deveres que os nossos representantes que comnós, a gente tem que cobrar mais, assumir mais e fazercom que eles façam mais por nós5.

Uma breve análise dos depoimentos acima mencionados nos

possibilita trazer outro nível de percepção, o olhar divergente, a percepção

daquele que espreita o programa, considerando as políticas sociais no

atual contexto do neoliberalismo, muitas vezes, as percepções são eivadas

de ideologia mercantilista.

4 Coordenador Pedagógico.5 Família beneficiária.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)156

Besnos (2004, p.2) pondera a esse respeito das políticas sociais

que visam minimizar condições de pobreza por meio de distribuição de

renda:

Às políticas sociais promovidas pelo Estado, que,segundo os neoliberais são responsáveis peloendividamento interno e externo e pela criação desetores corporativistas. Por outro lado, programassociais incentivariam a não produtividade, gerariamdependência de subsídios e interfeririam no mercado,gerando desequilíbrios, indolência e permissividadesocial. Assim, os neoliberais entendem que as políticassociais devem ser minimizadas dentro do comoiniciativo do Estado; em seu limite, banidas.

Assim como o conceito de cidadania e a concepção de educação

se diferenciam por questões de vertente ideológica, as percepções e

valorações quanto aos benefícios e/ou paliativos do Programa Bolsa

Família se diferenciam entre os não beneficiários da renda. O mesmo ocorre

em relação ao conceito de pobreza que vem sofrendo alterações em

distintas épocas.

O fenômeno da pobreza é complexo, portanto, seu conceito não

pode ser estático, há de ser dinâmico. A pobreza no Brasil desde os anos

setenta era entendida apenas como fator econômico, ou seja, falta

significativa de recursos materiais. “Finalmente, durante a década de

noventa, a luta contra a pobreza foi enfocada a partir da condicionalidade

da cooperação internacional na promoção dos direitos humanos” (SALMÓN

GÁRATE, 2007, p. 154).

A extrema pobreza, portanto, se refere não só a um problema

econômico, mas também a um problema mais complexo, em diferentes

esferas, como a social e a cultural, tornando-se também um problema

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157Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

político, que afeta diretamente o desenvolvimento humano e, portanto,

a satisfação dos direitos humanos (p. 155).

Na medida em que ocorrem as violações dos direitos humanos

face a duras conquistas destes e se gera a restrição da condição de cidadão

e, portanto, de sua condição de sujeito de direito, resultando na negação

dos seus direitos e liberdades fundamentais e privação de desenvolvimento

de suas necessidades básicas, aumentam os níveis de exclusão social,

consequentemente, de pobreza, não só de caráter econômico, mas também,

em outros aspectos da vida social.

Trazendo a discussão, especialmente, ao âmbito da educação

escolar, torna-se necessário que o corpo docente, a gestão escolar e a

equipe pedagógica rompam com a perspectiva de educação bancária, ainda

tão presente no processo de aprendizagem do estudante. O discurso e a

prática pedagógica precisam garantir ao estudante uma perspectiva

construtivista de sua própria aprendizagem, ou seja, tratá-lo como sujeito

e não como objeto do conhecimento escolar.

4 QUARTA NARRATIVA

4.1 DIREITOS HUMANOS: HISTÓRIA E GÊNESE

Os Trabalhos de Conclusão de Curso apresentados pelos alu-

nos demonstram excelente domínio da temática dos Direitos Huma-

nos. A temática da pobreza como conseqüência da perversidade

estruturante das relações produtivas no capitalismo fizeram perceber

que as desigualdades sociais são um mecanismo de domínio e de ne-

gação dos direitos sociais e humanos de grande quantidade de popu-

lação no Brasil.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)158

A ideia de organizar este pequeno texto surgiu da necessidade de

avançar mais um pouco na direção da compreensão de que os Direitos

Humanos são direitos de todos e fazem parte dos grandes avanços da

humanidade. Isso tem se dado na era moderna e não ao contrário, como

querem fazer crer alguns interesses ligados à grande mídia ou a setores

estamentais do Estado.

4.1.1 A Origem dos Direitos Humanos

Como um preâmbulo necessário vamos iniciar, afirmando que os

estudos sobre direitos humanos têm “um certo” caráter de

inesgotabilidade. E por que seria assim? Por que assim como os seres

humanos tendem ao aperfeiçoamento de si e de suas instituições no tempo

e no espaço, também os direitos humanos, bem como seus valores, se-

guem a mesma tendência de aperfeiçoamento. Logo, os Direitos huma-

nos de hoje poderão sim receber acréscimos no tempo futuro, porém,

jamais poderemos admitir que os direitos já consagrados sejam em qual-

quer momento solapados ao interesse de alguma tirania estatal ou mes-

mo desrespeitados no cotidiano da sociedade.

Quem na prática diária repete a assertiva que Direitos Humanos são

usados somente para proteger delinqüentes, desconhece o esforço de to-

dos que lutaram para consagrar tais direitos. Poderemos sim criticar muitas

ideias sobre os Direitos Humanos, mas, nunca negar sua importância no

ordenamento jurídico moderno. Não lutar em favor dos Direitos Humanos

é abrir mão de todo o progresso social humano até aqui alcançado.

Partindo da ideia que lançamos na introdução, ou seja, de anali-

sar o caráter histórico dos direitos humanos, iremos verificar que o dese-

jo pelos Direitos Humanos é antigo e perpassa período importantes da

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159Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

história ocidental. Essa tendência à verificação histórica tem o sentido

de separar, sem negar, que existe outra vertente, que entende os Direitos

Humanos como direitos naturais, produto da natureza humana, impres-

sos no ser humano desde o ato criador da divindade.

Nossa preferência, contudo, nos remete ao estudo dos Direitos

Humanos como conquistas históricas, como produto da luta política das classes

desfavorecidas, ao longo da história humana. Por que então as classes

desfavorecidas teriam lutado por seus direitos? Resposta precária, mas, não

absurda seria que as classes privilegiadas de todas as sociedades modernas,

estiveram sempre cercadas de privilégios e, portanto, sua função política,

naqueles tempos como hoje, seria de manter os privilégios de classe6.

O conceito de Direitos Humanos, contudo, no seu curso histórico

vai ser construído em paralelo à construção do conceito de ser humano,

que é uma idéia subjetiva. Desse modo, os DH também partem da idéia de

subjetividade, ou seja, os DH são, antes de tudo, direitos subjetivos.

Melhor explicitar essa afirmação. Vamos entender, sem nos

alongarmos, que o direito à vida é um direito subjetivo que, para a

corrente naturalista, não é adquirido a partir de um determinado momento

histórico, mas integra a natureza humana. Portanto, a vida é um direito.

Outra discussão, por exemplo, seria a partir de quando há vida?

Lembrem-se que nas sociedades mais antigas, e mesmo na história

do Direito, nem todos eram considerados seres humanos para efeito de

6 Não vamos cometer o erro da omissão ou da ignorância proposital e "esquecer" que senhores de escravos earistocratas da impor tância de Thomas Jefferson, que par ticipou ativamente da elaboração da Declaração deIndependência dos Estados Unidos da América do Nor te, era um Aristocrata e senhor de escravos, e fora um dosmais destacados na luta por declarar direitos que se tornaram os pilares da sociedade atual no que tange àsliberdades individuais e coletivas. Mas, também não vamos esquecer que no país de Jefferson segue havendo Estadocom a pena de morte.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)160

garantias individuais. Há legislações antigas (Código de Hammurabi) que

faziam distinção entre os homens livres e os escravos. Os escravos e as

crianças eram considerados coisas. Mas, essa distinção não diz respeito

somente aos babilônios, os gregos também procediam de maneira

semelhante, assim como os romanos.

Em todas as sociedades escravistas a base legal do seu

ordenamento jurídico passava, necessariamente, por concepções

etnocêntricas de fundamentação religiosa. Não se assustem com a

afirmação de que a crueldade dos deuses sempre foi realizada no máximo

de sua eficiência pelos sacerdotes, seus representantes na terra.

Somente há alguns séculos, os índios das Américas foram

considerados gente pela Igreja de Roma. A partir daquele momento os

indígenas, em geral e, em particular, os do Brasil, passaram a receber

cuidados caritativos da parte da Igreja e a merecer algumas leis em seu

favor da parte do Estado. Para estabelecer um marco nessa discussão

vamos dizer que uma situação existe ou não existe somente se ela estiver

ou não escrita em lei que a regulamente, isso é um dos princípios basilares

do Direito Científico. Portanto, para que um direito exista é preciso que

ele esteja definido em lei ou positivado.

Mas, qual a origem dos assim chamados direitos humanos e o que

significam? Os direitos humanos seriam “[...] um conjunto de mínimo de

direitos necessários para assegurar uma vida do ser humano baseada na

liberdade e na dignidade” (HESSE apud RAMOS, 2001) citado por

Landscheck (2007, p. 103). Para Montoro (2009, p. 60), é o direito-

faculdade que define como “[...] o poder de fazer, exigir ou possuir alguma

coisa” ou ainda “[...] a faculdade de exigir dos outros uma ação ou inação”

(MONTORO, 2009, p. 60).

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161Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Dallari (1998, p. 7) diz que os direitos humanos são uma forma

abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana.

Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa

humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de

participar plenamente da vida.

Herkenhoff (apud SAMANIEGO; MUÑOZ, 2004)

[...] por direitos humanos ou direitos do homem sãomodernamente, entendidos aqueles direitosfundamentais que o homem possui pelo fato de serhomem, por sua própria natureza humana, peladignidade que a ela é inerente. São direitos que nãoresultam de uma concessão da sociedade política. Pelocontrário, são direitos que a sociedade política tem odever de consagrar e garantir. (LANDSCHECK, 2007, p.103).

Como se pode notar a ideia fundamental é que sem os direitos

humanos, que formam uma base a partir da qual os seres humanos se

reconhecem, e sem a qual a espécie humana se desagregaria e pereceria,

não haveria reconhecimento do ser humano enquanto tal. Os direitos

humanos formam, portanto, uma base social de valores indispensáveis

para a convivência social. Nesse sentido, os direitos humanos

estabeleceram um avanço significativo nas relações dos indivíduos para

com o Estado. Na antiguidade não havia direitos sociais como entendemos

hoje, mas, tão somente deveres.

Por que era assim? Na Grécia havia duas concepções: a mecanicista

que separava o agir humano da natureza, o que lhe conferia um estado

de instabilidade. Tudo se vinculava ao prazer e fuga da dor (Epicuro); a

concepção finalista (finalidade) subordinava o ser humano ao cosmo e

seu equilíbrio. O objetivo humano seria então, cuidar desse suposto

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)162

equilíbrio. Foi a partir dos pensadores dessa tendência, Platão, Aristóteles,

Heráclito e os estóicos que teve origem a noção de leis naturais, que

posteriormente, deu origem à discussão sobre direitos naturais.

Por seu turno, os romanos desenvolveram idéia de que todos os

homens teriam uma natureza comum, a razão, ou ratio, o qual somente os

serem humanos a possuem e através da qual fundamentaram as leis sociais.

Semelhante, a tradição Cristã afirma que por serem os homens filhos de

um Deus único, todos possuem uma natureza também única. Todas as

criaturas estariam sujeitas a uma lei divina, sendo que para os seres

humanos haveria uma lei específica, as leis morais.

Vem da Idade Média um dos documentos mais importantes para a

moderna ciência do direito. Trata-se da Magna Charta Libertatum de 1215,

que passou a vigorar a partir de 1225. A Magna Carta foi “arrancada” pela

força ao Rei João Sem Terra, rei da Inglaterra. Sua principal contribuição

foi o entendimento de que existem direitos fundamentais, baseados no

direito natural, que nem mesmo o estado pode transgredir.

Santo Tomás de Aquino afirmava a existência de uma lei universal

que submete todos os seres, no caso dos homens por serem livres, estariam

submetidos a leis morais ou naturais, inscritas na sua natureza pela ordem

divina. Para Santo Tomás, as leis civis deveriam estar subordinadas às

leis naturais. No século XVI, na Europa, defendia-se a idéia de que os

índios não eram homens. A descoberta das Américas foi o marco inaugural

do racismo moderno.

Para Giovanni Pico Della Mirandola (1463-1496), o ser humano

pode agir por si mesmo, feito imagem e semelhança de Deus. Sua natureza

é boa e possui vontade própria. O pensamento humanista de Pico Della

Mirandolla marca a passagem da idade medieval para idade moderna,

tanto em sentido histórico quanto filosófico.

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163Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Hugo Grotius (1583-1645) que, durante muito tempo foi chamado

de pai do direito natural moderno e do direito internacional, afirma que

toda a sociedade humana reside na razão e na natureza. Para Grotius

“[...] o Direito natural existiria mesmo que Deus não existisse, ou inda

que Deus não cuidasse das coisas humanas” (NADER, 2003, p. 131).

Deve-se ao pensamento de Hugo Grotius a fundação da Escola

Histórica do Direito Natural que no séc. XVIII teve seu apogeu com a

filosofia de Jean Jaques Rousseau. Para esta corrente o direito natural,

como conjunto de regras reguladoras da razão são as responsáveis pelo

equilíbrio social. A vida e dignidade humanas e a propriedade são um

direito natural e não podem ser negadas a nenhum ser humano.

Observe que a configuração dos direitos em Hugo Grotius, inclui

a propriedade como um direito natural, o que nos faz perceber a tendência

liberal da filosofia desse pensador. Seguindo nosso caminho histórico

vamos encontrar um dos maiores expoentes do pensamento liberal: John

Locke (1632-1704), todos conhecem a teoria da tabula rasa formulada

por ele, na qual ensina que a mente de uma criança ao nascer é como uma

folha em branco. É um dos mais importantes, senão, o mais importante

teórico do liberalismo. Sua importância para os direitos humanos está

baseada nas suas teses sobre o papel do Estado.

Foi a partir do século XVIII que o conceito de Direitos Humanos

veio ultrapassar o de direito natural, ou absorvê-lo, ao ponto de não ser

mais reconhecido. O conceito de direitos humanos se atribui a Thomas

Paine, na obra intitulada Rightsof Man, publicada entre 1791-1792 (apud

FONTES, 2004)7.

7 Citado por Luiz Maximiliano Landscheck (2007).

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)164

Considerando que na Idade Média os direitos humanos não

estavam ainda estruturados, o que facilitava a tirania, a tortura e a pena

de morte como castigo comum, a obra de Paine é vista como um marco na

compreensão dos direitos fundamentais do ser humano (não devemos

nos empolgar, por que naquela época nem todos eram considerados seres

humanos, a exemplo dos escravos no Brasil).

Também teve importância no processo de construção dos direitos

humanos, a divisão do cristianismo. Ao lutar por liberdades de culto,

seus protagonistas impediram que os Estados adotassem religião oficial,

como era de praxe, desde o Império Romano até os absolutismos.

É preciso notar que as declarações de direitos estabelecem

princípios e valores que cada povo ou Estado adotam para si, em

momentos históricos específicos, considerando cada um suas tradições e

estrutura moral. Alguns documentos importantes foram constituindo o

que hoje denominamos por direitos humanos. No início, cada documento

estava limitado às suas próprias limitações conceituais, mas foram

importantes na soma do todo.

4.1.2 Os Direitos Humanos no Brasil

Bobbio (2004, p. 23) nos ensina que “[...] o problema fundamental

em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los,

mas o de protegê-los”. O Brasil do ponto de vista histórico, no que tange

aos direitos humanos tem muito mais o que lamentar do que a comemorar.

Nos basta passar uma vista sobre o extermínio de milhares de indígenas,

que não se resumiu ao período colonial, mas, também ao Império e a

República. A escravidão é uma das maiores dívidas que nosso país tem

para com sua história, sua cultura, seu presente e seu futuro.

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165Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Contudo, as (in)justiças cometidas na história recente obedecia à

legalidade daquelas conjunturas, mas, também ocorreram por desrespeito à

lei em outras conjunturas. Grosso modo, se pode afirmar que em todas as

Constituições brasileiras foram garantidos, na letra constitucional, os

enunciados dos direitos fundamentais. A Constituição de 1824 (a primeira

Constituição brasileira outorgada pelo imperador) trazia no Art. 179, a garantia

“[...] da inviolabilidade dos Direitos Civis, e políticos dos cidadãos brasileiros,

que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade”.

A Constituição de 1891 assegurava em seu Art. 72, que havia

garantia de direitos a “[...] brasileiros e a estrangeiros residentes no país

a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança

individual e á propriedade”. As Constituições de 1934 e 1937 também

trouxeram suas garantias de direitos, contudo, a de 1937 estabeleceu o

estado de emergência, que suspendia diversas das garantias que nomeara,

permanecendo assim até 1945. Já a Constituição de 1946 consagrou o

Título IV à sua declaração de direitos fundamentais e os transmitiu às

Constituições de 1967 e 1969, as Constituições vigentes durante o período

de governos militares (1964-1984).

A Constituição de 1988, atual Constituição brasileira, recebeu de

seus elaboradores a alcunha de Constituição cidadã, dado à amplitude e

o ideário de seu texto, a participação da sociedade em sua elaboração e

a busca de efetivação da cidadania (LENZA, 2010, p. 117). A seguir iremos

nomear e analisar os direitos fundamentais na Constituição de 1988.

4.2 OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1988

O conceito de direitos fundamentais ou individuais tem como

objetivo a limitação do poder do Estado para resguardar os direitos

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)166

humanos, sem os quais a própria democracia estaria em risco. As primeiras

limitações do poder do Estado ocorreram no século XIII e uma das mais

importantes foi a Magna Carta, do Rei João sem Terra, de 1215, ao

reconhecer os “direitos dos barões”. Restringiu o poder do rei e concedeu

algumas liberdades institucionais e individuais.

Contudo, foi a partir do séc. XVIII, a partir da independência

Americana e a Revolução Francesa que foram, de fato, enunciados os

primeiros direitos individuais da era moderna. No Brasil, a Constituição

de 1988, apelidada de “Constituição Cidadã” marca um novo e também

importante período de garantias legais, não somente individuais, mas

também de grupos e/ou coletivos. A Constituição também estabeleceu

ao lado dos direitos, os deveres fundamentais para pessoas, dos coletivos

e também para as pessoas jurídicas.

A Constituição Federal de 1988 dedicou o TÍTULO II aos Direitos

e Garantias Individuais. Está dividida em cinco capítulos: I – “Dos Direitos

e Deveres Individuais e Coletivos”; II – “Dos Direitos Sociais”; III – “Da

Nacionalidade”; IV – “Dos Direitos Políticos”; V – “Dos Partidos Políticos”.

Fica demonstrado que a Constituição Federal abrange direitos individuais,

coletivos, sociais, nacionais e políticos. O Art. 5°, X, estabelece “[...] a

inviolabilidade a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação”. O art. 6° da CF/88, nomeia como Direitos

Sociais: “[...] a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a

assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988).

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167Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

4.3 OS DIREITOS HUMANOS E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

No caso brasileiro, o processo de incorporação doDireito Internacional dos Direitos Humanos e de seusimportantes instrumentos é conseqüência do processode democratização, iniciado em 1985. O processo dedemocratização possibilitou a reinserção do Brasil naarena internacional de proteção dos direitos humanos– embora relevantes medidas ainda necessitem seradotas pelo Estado brasileiro para o completoalinhamento do país à causa da plena vigência dosdireitos humanos (PIOVESAN, 2009, p. 36-37).

O principal marco jurídico dos direitos humanos no Brasil, como

na poderia ser diferente, é sua Constituição, pois institucionalizou o

respeito aos direitos humanos como fundamento da democracia e da

ordem social internacional. Para Piovesan (2009, p. 38), “[...] o texto

democrático ainda rompe com as Constituições anteriores, ao estabelecer

um regime jurídico diferenciado, aplicável aos tratados internacionais de

proteção aos direitos humanos”. À luz desse regime, os tratados de direitos

humanos são incorporados automaticamente pelo Direito brasileiro a

passam a apresentar status de norma constitucional.

Importante lembrar que a Constituição Federal estabeleceu direitos

individuais e coletivos. As pessoas passaram a ser reconhecidas dentro

de seus coletivos, inclusive. Existem direitos individuais explícitos e

direitos individuais implícitos. Os direitos explícitos são todos os

nomeados no Art. 5° e seus incisos e que são denominados como direitos

individuais básicos. Ente os considerados básicos estão: direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança; direito de propriedade. O direito à

Habeas Corpus é um exemplo de direito implícito, demanda a interpretação

do texto constitucional.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)168

Os direitos individuais, conforme dispõe o art. 5°, § 1°, possuem

aplicabilidade imediata, são autoaplicáveis. Quanto aos destinatários dos

direitos individuais e coletivos são os brasileiros e os estrangeiros

residentes no País. Não é demais lembrar que assim como os direitos, as

sanções penais também atingem a todos, inclusive, fora do território

geográfico, como previsto no Art. 7°, do Código Penal.

O direito à vida é o principal direito individual, é o direito de

maior relevância jurídica e atinge a todos, seja brasileiro ou estrangeiro

em território nacional. Do exercício desse direito dependem os demais

direitos que ao lado da educação se transforma na cultura, na vida mesma

de cada ser. É o direito de existência do ser humano e sua proteção reflete

o grau de civilização de cada povo, para além dos interesses econômicos

e políticos. Inclui o direito de nascer e de permanecer vivo, de defender

a própria existência humana no planeta. É a garantia de que a morte só

ocorrerá por causa natural inevitável.

A Constituição brasileira tutela a vida desde a concepção. O

nascituro (criança que ainda não nasceu) está sob a proteção do Estado

antes mesmo de haver nascido, goza de direitos como o direito de herança,

mas, principalmente, o direito à vida. A partir dessa afirmação iremos

discutir o próximo item deste caderno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo das narrativas procuramos situar, no contexto de

produção e reflexão, os conceitos norteadores do ateliê ao qual os autores

estão vinculados. Na primeira narrativa, destaca-se a apresentação da

Declaração Universal de Direitos humanos, em sua relação com a

desigualdade social e educação.

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169Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

A segunda narrativa buscou-se explicitar as faces teóricas e

históricas da relação entre educação, pobreza e direitos humanos, como

necessidade de um tempo de relações sistêmicas. O que nos possibilitou

compreender de que modo estão interconectados os conceitos, tanto

teórica quanto materialmente na vida dos sujeitos.

Na terceira narrativa, destacou-se a reflexão no campo da educação

escolar, colocando em pauta documentos importantes no campo da

legislação, tais como: os parâmetros e referências curriculares nacionais

documentos referentes à educação infantil (de 0 a 5 anos) e ao ensino

fundamental (de 6 a 14 anos) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDBEN n. 9.394/96. Reflete também que os conceitos de

cidadania e educação são dimensões integrantes dos direitos humanos.

Por fim, na quarta narrativa a abordagem central é sobre o percurso

histórico do conceito dos direitos humanos, desde suas origens, tanto

no contexto internacional, quanto no nacional. Problematizando a questão

dos diretos humanos em sua presença na constituição Federal de 88,

bem como, enquanto processo necessário e fundante do ordenamento

jurídico.

Consideramos que a experiência de produção textual desenvolvida

no contexto do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade

Social, foi uma experiência triplamente formativa, alcançou os professores

formadores, os professores formandos, bem como os educandos –

denominados de cursistas ao longo das narrativas – e as comunidades e

escolas nas quais os professores formandos consubstanciam e

materializam seus saberes e fazeres.

Como numa hermenêutica da experiência de outrem, de modo geral,

observamos nos professores um amadurecimento intelectual e metodológico

que possibilitou a perda do medo, demonstrado, inicialmente, acerca do

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)170

processo de produção textual. Avaliamos que alguns fatores contribuíram

para este resultado, tais como: o encorajamento da capacidade intelectual

e profissional que os professores possuíam para realizar o texto; o

esclarecimento de tudo que deveríamos fazer (prazos e tarefas); o apoio

dado irrestritamente dentro e fora dos encontros presenciais, por meio de

aplicativo de comunicação, e-mail e plataforma digital.

Tal medo demonstrado também teve parte na estrutura de

organização da pesquisa instituída pelo curso. Isto, pois, segundo os

cursistas, não houve desde início um trabalho intelectual por parte dos

professores, eles operaram como técnicos recolhendo entrevistas a partir

de questões elaboradas por outros, sem que isto tenha partido de um

projeto de pesquisa para esclarecimento dos objetivos, justificativa,

referencial teórico e procedimentos metodológicos, projeto que deveria

ter sido elaborado pelos cursistas. Tendo operado como técnicos no início

do processo, ao fim, ficou difícil tomar as rédeas como autênticos

pesquisadores, produzindo artigos a partir dos dados coletados outrora,

como fora solicitado.

Para recuperar minimamente o fio de ligação entre estes estágios,

fizemos uma fala esclarecendo como deveria ter sido realizado o processo,

para justificar porque daríamos um passo atrás. Não seria possível elaborar

um projeto, pois tínhamos pouco tempo para apresentar o artigo pronto,

então partimos das questões feitas e procuramos identificar quais

questionamentos deram origem as questões realizadas e que objetivos

poderiam ser evidenciados a partir de tais questionamentos, isso nos

trouxe um norte para começarmos a pensar o trabalho.

A partir da nossa experiência, identificamos que é necessário que

os professores façam o exercício como um todo, realizem desde a

elaboração do projeto à produção do artigo. Os limites da flexibilização

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171Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

da formação docente não podem ultrapassar os limites dos fazeres

necessários a um processo, verdadeiramente, formativo, isto, pois,

conhecer é mais do que obter as informações, mas construir sentidos

particulares para com a experiência do conhecimento. Além disso,

conhecer na condição de professores que somos significa liberta-se e

aprender a libertar outros das amarras da ignorância que nos induzem à

passividade frente ao nosso próprio sofrimento, frente às desigualdades

sociais, à pobreza e a não garantia dos direitos humanos.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)176

Programa Bolsa Família, Espaço e TempoEscolar na Reprodução ou Minimização daPobreza: análise da realidade de escolas deManaus e outros municípios do Amazonas

Lourdes Benedita de Oliveira Lira | Maria Ione Feitosa

Dolzane | Maria Sônia Souza de Oliveira | Márcia Josanne

de Oliveira Lira | Waldemir Rodrigues Costa Júnior

4

INTRODUÇÃO

Este artigo resulta das vivências de professores orientadores dos

Trabalhos de Conclusão do Curso de Pós-graduação intitulado Educação,

Pobreza e Desigualdade Social com os cursistas, orientados na realização

de pesquisas de campo com ênfase nos espaços e tempos escolares e na

reprodução e resistência da pobreza, na vigência do Programa Bolsa

Família, com vistas a conhecer os impactos deste Programa nas diversas

realidades do contexto amazônico.

Neste trabalho, entende-se a pobreza como privação de capacidade

básica e não como ausência de renda (SEN, 1999). Porém, a falta ou a baixa

renda é uma das causas principais da pobreza visto que pode ser a razão da

privação da capacidade de um cidadão. A pobreza é, assim, um problema

social e precisa ser reconhecida como produtora da desigualdade social.

Tal reprodução da desigualdade social inicia desde os primeiros

anos de vida, quando a criança não tem assegurado, de forma plena, os

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177Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

seus direitos garantidos desde os seus primeiros anos de vida para o seu

desenvolvimento pleno e para o exercício da cidadania. O acesso à

escolarização é um desses direitos que, apesar de estar garantido na

Constituição Federal Brasileira, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional - LDBEN e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, não se

configura na prática, na garantia de igualdade, implicando,

significativamente, na qualidade da formação da criança e no seu processo

de desenvolvimento.

Os espaços escolares, os atores e os currículos devem ser pensados,

tendo em vista, as particularidades e as diferenças individuais e coletivas.

É preciso considerar as crianças e os modos de viver suas infâncias em

suas vivências de pobreza e suas necessidades ao chegarem à escola. Na

perspectiva da escola cidadã, os espaços podem se tornar possibilidades

de inserção social e combate à pobreza na medida em que ofereça uma

educação que respeite o desenvolvimento da criança, as diferentes formas

de viver a infância em sua diversidade social, econômica e cultural.

As reflexões tecidas, neste trabalho, têm por objetivo mostrar os

impactos do Programa Bolsa Família na aprendizagem e na melhoria de

vida das crianças e suas famílias, tomando como referência a relação

entre os espaços e os tempos na escola, o desenvolvimento da criança e

a reprodução da pobreza e das desigualdades sociais. O universo da

pesquisa contemplou vinte e seis escolas em áreas urbanas dos municípios

de Presidente Figueiredo, Rio Preto da Eva, Urucará e Manaus (áreas

urbanas e rurais).

A metodologia utilizada no desenvolvimento da pesquisa durante

o Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social,

em especial no Módulo IV - “Escola: Espaços e tempos de reprodução e

minimização da pobreza e das desigualdades sociais”, teve abordagem

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)178

qualitativa, do tipo pesquisa bibliográfica, e na análise dos dados

empíricos utilizou-se instrumentos como o questionário com questões

semiestruturadas e técnicas como a observação do uso dos espaços para

o desenvolvimento de práticas pedagógicas. Para a análise dos dados foi

utilizada a técnica de análise de conteúdo de Bardin (2009).

Com o material obtido, foram consideradas categorias de análise

tais como: a) Tratamento escolar diferenciado para beneficiários do

Programa Bolsa Família; b) Atividades escolares; c) Impactos gerados

pela organização dos espaços escolares para as crianças e famílias

beneficiárias do Programa Bolsa Família e d) O papel da escola no

enfrentamento à pobreza.

Os cursistas entrevistaram gestores, professores e beneficiários

do referido Programa, em escolas dos sistemas públicos municipais e

estaduais, objetivando registrar dados acerca das contribuições dos

espaços internos e externo à escola, quanto ao desenvolvimento de

práticas pedagógicas que favoreçam a aprendizagem contemplando a

diversidade dos sujeitos crianças, adolescentes e jovens oriundos de

diferentes contextos sociais e econômicos e seus impactos no combate à

pobreza.

Este trabalho está dividido em quatro subtópicos, intitulados: 1.

A escola como espaço de desenvolvimento e aprendizagem da criança:

aspectos de análise da reprodução ou enfrentamento à pobreza; 2

Reflexões sobre os tempos de vida e tempos na escola; 3. A reprodução e

resistência à pobreza nos espaços e tempos da escola; 4. Os modelos

padronizados de funcionamento escolar, os quais tratam das

peculiaridades identificadas no cotidiano escolar no que se refere à relação

espaços, tempos, processos pedagógicos e organização curricular no

combate e enfretamento à pobreza e a desigualdade social.

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179Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

1 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA:

ASPECTOS DE ANÁLISE DA REPRODUÇÃO OU ENFRENTAMENTO À POBREZA

Arroyo (2014) sustenta que o modo de viver da infância é precário

quando suas condições materiais também o são. O que implica que as

condições materiais em que vivem as crianças, adolescentes e jovens,

demarcam a sua existência, a sua mobilidade de transitar e ter acesso em

diferentes espaços e lugares. Nessa abordagem, o espaço assume

importância na medida em que as moradias, as ruas, as instituições públicas

etc., são condição para que se estabeleçam as relações humanas, entre os

atores responsáveis pelas instituições, no sentido de cada um assumir o

seu papel de educar, de cuidar e proteger.

A discussão sobre o espaço é ampla, e a relação que as crianças,

os adolescentes e os jovens estabelecem como ele tem sido tema de

reflexão da Filosofia e de diversas outras áreas do conhecimento, como a

Arquitetura, a Engenharia, a Psicologia, a Matemática e outras. (LOPES,

2009). No âmbito da Educação, o espaço é entendido como segundo

educador (HORN, 2004), sendo meio indispensável para a formação

integral do sujeito. É no espaço que os sujeitos se desenvolvem, interagem

e se socializam, ampliando, ou não, a qualidade da aprendizagem e as

possibilidades de ter sucesso, na escola e na vida.

A reflexão acerca dos espaços na realidade da cidade de Manaus

se destaca pelos resultados da pesquisa realizada durante o Curso de

Formação de Professores para as Redes Públicas de Ensino, especificamente

no Módulo IV, onde se pode evidenciar a realidade acerca do uso dos

espaços nas escolas e seu entorno como elementos de enfrentamento,

ou não, à pobreza e à reprodução da desigualdade social.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)180

Para tanto, podemos levantar algumas questões: Como se

estruturam os espaços e ambientes das escolas e quais as possibilidades

de desenvolvimento de experiências e interações entre as crianças, os

adolescentes, os jovens e os profissionais da escola? Como a escola

organiza e disponibiliza os materiais nos espaços de modo que possibilite

o acesso dos sujeitos (estudantes)? Qual a concepção que os diretores,

professores e estudantes têm dos espaços da escola e seu entorno? Como

as atividades pedagógicas desenvolvidas na escola dimensionam os

tempos e espaços da escola? Há articulação entre os espaços escolares e

seu entorno? Quais as ações do educador para mediar a organização do

currículo e dos espaços da escola visando potencializar o acesso da criança

aos bens simbólicos e culturais produzidos pela humanidade?

Essas indagações, embora não estejam diretamente ligadas com

as questões da pesquisa, contribuíram para elucidar a análise sobre os

espaços escolares como promotores de combate à pobreza e à

desigualdade social, pelo olhar do professor cursista, durante as

observações do desenvolvimento do trabalho pedagógico na escola.

É importante salientar que o reconhecimento da relevância dos

espaços para o desenvolvimento do trabalho pedagógico e curricular nas

escolas ainda é muito recente. Embora, as geografias e histórias precedam

o sujeito, este exerce influência na singularização de seus lugares, como

também, é influenciado por eles. Na relação entre os planos da filogênese

(história da espécie), ontogênese (desenvolvimento dentro da espécie),

sociogênese (a cultura do grupo) o desenvolvimento individual é

produzido e o sujeito torna-se singular na experiência coletiva (VYGOTSKY;

LURIA, 1996; LOPES, 2009).

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181Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Por isso a experiência espacial é sempre umaexperiência mediada pelos artefatos e objetos nelapresentes, é um contato que permite vivenciar afilogênese humana, na sua própria ontogênese, nãopara repeti-la ou recapitulá-la, mas para possibilitaremancipação humana e a condição de humanização(LOPES, 2009, p. 127).

Nessa perspectiva, os espaços são inerentes à condição humana e

constituição de subjetividades, os quais influenciam e são influenciados

num movimento dinâmico contribuindo significativamente para a

organização espacial e temporal do desenvolvimento da criança nos

primeiros anos de vida. É nos processos de socialização e interações sociais

que os espaços assumem maior importância, pois são neles que as práticas

sociais e econômicas demarcam e definem modos de ser, de viver e agir.

Um exemplo disso é uma criança que brinca e vive nas ruas e

outra que brinca nos playgrounds dos edifícios de classe média. No

primeiro caso, as crianças, além de terem seus direitos negados, são vistas

como ameaçadoras para a sociedade, não importando a sua condição e

os motivos pelos quais se encontram nas ruas em situação de

vulnerabilidade e exclusão. No segundo caso, a criança é vista e tratada

como criança. A sua própria imagem, refletida pelas formas de se vestir e

de falar, conduz a comportamentos de cuidado e preocupação.

Esses dois exemplos nos mostram as diferentes formas de viver

as infâncias. A falta de moradia, das relações humanas familiares, do

cuidado e proteção aos tempos da infância, que fica comprometida quando

as condições sociais, materiais e espaciais se deterioram. Esse coletivo de

pessoas; sejam crianças, adolescentes, jovens ou adultos têm suas vidas

“roubadas” na medida em que se tornam invisíveis perante a sociedade.

Diante dessa dura realidade se constata que o espaço que o sujeito ocupa

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)182

define, também, a sua posição social e econômica, implicando,

significativamente, a sua acessibilidade e as formas de tratamento nos

diferentes espaços sociais.

A escola é um desses espaços que se caracteriza como espaço de

socialização, onde a criança deverá ser compreendida como um sujeito

que tem como singularidades a brincadeira, a imaginação, a criatividade,

sendo possuidora de um jeito próprio de pensar e formular explicações

acerca dos fenômenos, fatos e objetos de sua realidade circundante.

Nas pesquisas realizadas no Módulo IV ficou evidenciado que os

espaços de algumas escolas das cidades de Manaus, Urucará, Presidente

Figueiredo e Rio Preto da Eva, comprometem o desenvolvimento de

práticas pedagógicas, por apresentarem sérias limitações do ponto de

vista físico e serem destinados, na maioria das escolas, às salas de aula,

salas administrativas, refeitórios e quando muito, apresentam uma quadra

destinada a atividades físicas e atividades comemorativas como o Dia das

Mães, Dia dos Pais, Páscoa e Hora cívica entre outras. Muitas dessas escolas

têm sua ampliação inviabilizada, por estarem instaladas em prédios

alugados. Com a ampliação da demanda escolar, fica difícil acomodar

grandes contingentes de crianças, porque as salas ficam muito lotadas,

inviabilizando o desenvolvimento do currículo quanto a práticas

pedagógicas que demandem um maior uso dos espaços.

O entorno da escola e do bairro se constituem, ou deveriam se

constituir, como objeto de reflexão da criança no sentido de levá-la a

conhecer os espaços e tudo que contém neles, nos trajetos entre a sua

casa e a escola. Esse conhecimento, articulado com o currículo escolar,

proporciona ao estudante (criança, adolescente ou jovem) um olhar

diferenciado sobre a sua relação com o espaço e seu entorno, além de

contribuir com a construção do sentimento de pertença, de constituição

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183Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

de identidade e de memórias. Essa articulação dá sentido aos conteúdos

curriculares produzidos pela humanidade e sua consequente emancipação.

A esse respeito, as falas dos cursistas evidenciaram que:

O conteúdo curricular é trabalhado e até articulado com arealidade do estudante, contudo não há vivências. [...]uma grande dificuldade é a falta de apoio por parte dosgestores e da própria comunidade [...] poucos pais seenvolvem com a escola. Os que se envolvem são os paisdas crianças que não precisam, que estão bem naaprendizagem1.

E também

Os currículos atuais não oferecem e nem reduzem asdesigualdades no conjunto das relações sociais, mascontribuem para o acréscimo da diferença, classificaçãopor grupo, preconceito e discriminação aos que estão nacondição de pobreza2.

As falas dos cursistas evidenciaram não apenas o modo como o

currículo está organizado, mas a concepção de sujeito que norteia o

trabalho pedagógico da escola e suas práticas, refletindo uma organização

equivocada quanto aos processos de ensino e aprendizagem. Pautado

num modelo burocratizado e mecanizado dos processos pedagógicos, o

currículo escolar não atende às necessidades individuais (aprendizagem)

e peculiaridades dos coletivos plurais existentes na escola. Ou seja, é

também o modo como o currículo é organizado e desenvolvido que pode

1 Cursista, 2016.2 Cursista, 2016.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)184

contribuir para minimizar a situação de pobreza e desigualdades sociais

em que se encontra a grande maioria das crianças, em especial, as

beneficiadas do Programa Bolsa Família.

Na ótica de Arroyo (2014) os currículos escolares acabam, por

vezes, ignorando a pobreza e os pobres como coletivos, atolando-os em

formas de viver distantes. Além disso, os currículos das escolas

investigadas ainda não incluíram uma abordagem da historicidade da

pobreza e seus determinantes. Os alunos são estereotipados, sofrem

preconceito e discriminação, como foi constatado nas entrevistas realizadas

pelos professores cursistas, com os profissionais das escolas e familiares

de beneficiários do Programa Bolsa Família.

Constata-se que é necessário refletir o papel da escola na sociedade

atual, no que se refere à gestão do conhecimento e acompanhamento

nos processos de ensino e de aprendizagem. As pesquisas nas escolas

investigadas evidenciaram a necessidade de se repensar a organização

dos espaços no sentido de favorecer interações com vivências intencionais

estruturadas em rede de relações entre as crianças, adolescentes,

professores e diretores, favorecendo a construção da autonomia da criança

e do adolescente e sua participação como sujeitos capazes de extrair

significados de suas experiências (KISHIMOTO; FREYBERGER, 2012).

Todavia, a pesquisa revelou que a atividade pedagógica

desenvolvida intervém de diferentes formas nas situações de diferenciação

e de exclusão social que as crianças sofrem, as quais, por vezes, iniciam-

se em casa. Alguns entrevistados nas escolas afirmam que as atividades

promovidas:

São atividades recreativas (jogos, pula corda, leituras eetc.), culturais (folclore brasileiro: danças, músicas,

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185Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

manifestações artísticas em geral de um povo) eeducadoras (feiras e mostras científicas) durante o anoletivo para que todos interajam harmoniosamente, semdistinção de gênero, raça ou etnia3.

Para que a ação educativa nas escolas seja eficaz e garanta, de

fato, a emancipação dos sujeitos aprendentes torna-se necessário, para

o educador, conhecer as bases legais que orientam a educação, tais como:

Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil - DCNEI (2009), as

Referências Curriculares Nacionais para o 1º e 2º segmentos do Ensino

Fundamental, as quais sugerem e orientam, didaticamente, as atividades

a serem desenvolvidas pela escola, tanto nos espaços internos quanto

nos externos a ela.

Com base nas pesquisas “in loco” nas escolas constata-se que, de

um lado, duas delas, no município de Manaus, que atendem a crianças

com necessidades especiais, apresentam várias salas de aulas, quadra

esportiva, biblioteca. Já em outras duas escolas, na mesma cidade,

apresentam salas de aula pequenas e climatizadas, refeitório, sala de

diretoria, banheiros e pátios. Porém, essas escolas encontram-se em

prédios alugados, cujos espaços reduzidos dificultam a realização das

atividades, limitando o desenvolvimento dos estudantes. Na análise dos

cursistas, “[...] a aprendizagem da criança também fica comprometida pela

falta de laboratório de informática e sala para atividades artísticas”4.

Outra realidade analisada é a escola do município de Presidente

Figueiredo, que apesar de contar com espaço amplo, apresentando

instalações e estrutura física de qualidade, o laboratório de informática

3 Professores, 2016.4 Cursista, 2016.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)186

superequipado permanece, boa parte do ano letivo fechado. Ainda que

apresente variados materiais didáticos e pedagógicos, não é utilizado

por não possuir equipe de profissionais especializados.

Numa outra realidade escolar, no município de Urucará, a pesquisa

constatou que o prédio da escola ainda se encontra em construção,

constituindo-se de salas de aula, sala de diretoria e pequeno refeitório,

mas a quadra esportiva utilizada pertence à comunidade.

Essas realidades apontam para um confinamento do trabalho

pedagógico circunscrito apenas aos espaços das salas de aulas. Isso

reforça o pensamento de que:

[...] é na sala de aula que [crianças ou jovens] encontramdificuldades, gerando desinteresse e descontentamento,atribuídos ao descompasso entre a forma de trabalhopedagógico e a descontextualização dos assuntospassados aos mesmos, sendo o ambiente físico e adistribuição espacial também fatores relevantes para odesinteresse (CORTELLA, 2009, p. 32).

Para Horn “[...] o modo como organizamos materiais e móveis, e

a forma como crianças e adultos ocupam esse espaço e como interagem

com ele são reveladores de uma concepção pedagógica” (2004, p. 15).

Quanto à concepção de sujeito e conhecimento, constata-se na pesquisa,

a perpetuação da concepção de sujeito como um sujeito passivo em seu

desenvolvimento e em sua aprendizagem. Essa visão tem ancorado,

consideravelmente, a organização do currículo e das práticas pedagógicas

(BECKER, 2012).

Na concepção de Horn (2004) a literatura sobre a discussão do

espaço para o desenvolvimento da criança é vasta. Em sua leitura da

teoria construtivista de Piaget (1973), o espaço é objeto de interação

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187Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

que lhe possibilita vivê-lo com intencionalidade. Já numa leitura da

abordagem sociohistórica de desenvolvimento, que tem em Wallon (1989)

e Vygotsky (1984) seus principais fundamentos, os espaços da escola

deverão ser desafiadores e acolhedores às crianças no sentido de levá-

las a criar e transformar, pois assim enriquecem o repertório de interações

entre elas e os adultos.

Contudo, observa-se na maioria das escolas investigadas a falta

de salas voltadas ao desenvolvimento das linguagens artísticas (pintura,

desenho, dança etc.), além de atividades esportivas e motoras, como se

pôde constatar que, pelos menos em duas escolas do município de Manaus,

faltam quadras esportivas, comprometendo, de algum modo, o

desenvolvimento motor dos alunos. Para um coordenador pedagógico

de uma das escolas participantes da pesquisa,

A escola comporta crianças de 3 a 5 anos de idade, e aestrutura não é adequada para o conhecimento empírico,não possui quadra, sala de vídeo, poucos brinquedoslúdicos. O que a escola tem é pouco para suprir ademanda5.

Nesse sentido, é importante se pensar em uma lógica de

estruturação e organização do espaço escolar para além da lógica de

espaços panópticos que, no sentido discutido por Foucault (1977), servem

para controlar e vigiar os comportamentos. O espaço da escola não pode

mais se configurar de modo fechado. As observações realizadas pelos

cursistas nas escolas evidenciam que os espaços físicos são ainda muito

fechados, isto é, “encaixotados”, e em suas salas de aulas, as carteiras

5 Coordenador Pedagógico, 2016.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)188

ainda são organizadas de modo enfileirado, cuja disposição do professor

ainda o coloca no papel de vigia e controlador de todas as ações e

interações que ocorrem na sala de aula. Esse modo de organização revela

a concepção de educando enquanto sujeito passivo.

Para Horn (2004), não basta organizar a sala de aula, é necessário

organizar como uma intencionalidade. Para Wallon (1989), ao tratar do

desenvolvimento da tonicidade muscular e postural da criança em seus

primeiros anos de vida, afirma que o espaço escolar, em sua organização,

deve ser amplo para possibilitar e potencializar o movimento livre da

criança. Para este teórico, quanto mais amplo for o espaço e mais

intencional for o trabalho pedagógico desenvolvido, mais a criança

desenvolve suas habilidades motoras, cognitivas e afetivas, de modo

global e integrado.

Nessa perspectiva, salienta-se a importância do planejamento do

espaço escolar no sentido de se conceber atividades específicas para a

faixa etária à qual se destina, o que implica em repensar a forma de

disposição dos materiais e mobiliários, favorecendo o acesso das crianças.

Esse planejamento do espaço deve incorporar o fato de que tanto a criança

quanto o adolescente e jovem, aprendem tanto mais quanto interagem

com seus pares. É na convivência com a diversidade de grupos étnicos,

sociais, etc., em diferentes faixas etárias que o uso dos espaços para o

trabalho pedagógico favorece o desenvolvimento de papéis e o

conhecimento de si (HORN, 2004). A pesquisa também evidencia que a

escola ainda não reconhece a função educadora dos espaços.

Por outro lado, como destaca Horn (2004), apenas organizar a

sala de aula de modo a assegurar ao professor a função de observador e

controlador das ações pedagógicas e das atividades das crianças não

garante a descentralização da figura do professor, enquanto educador e

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189Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

mediador do conhecimento. E, como destaca a autora, ainda que se

permita que a criança escolha materiais, desenvolva competências por

iniciativa própria e fique sozinha isto não garante uma atitude

emancipatória (HORN, 2004, p. 25).

Na análise dos professores cursistas, com base nas observações

in loco nas escolas investigadas nos municípios de Manaus, Rio Preto da

Eva, Presidente Figueiredo e Urucará, ainda se faz necessária uma

reorganização dos espaços e seu repovoamento com materiais didáticos,

incluídos os lúdicos, como os jogos, os brinquedos, gêneros textuais e

literários diversificados, no sentido de se favorecer os processos de

socialização das crianças e a construção de novos conhecimentos.

Pode-se depreender que a qualidade pedagógica dos espaços não

está apenas em sua infraestrutura física e organização administrativa,

mas, sobretudo, nos seus modos de organização dos processos

pedagógicos. Ainda com base na análise dos cursistas, a situação se agrava

à medida que não se constatam articulações entre o projeto político-

pedagógico e os componentes do espaço escolar.

A organização desses espaços também envolve uma articulação

com outros espaços do entorno da escola, tais como: ruas, praças,

monumentos históricos, instituições sociais, culturais, de lazer e saúde.

O modo como a escola promove essa articulação favorece tanto a melhoria

do ambiente do entorno como também a sua humanização. Salienta-se

que a centralidade da escola, nessas ações, para além dos espaços da

escola envidará esforços que envolvem outros atores sociais envolvidos

em diferentes áreas do conhecimento (saúde, lazer, esporte, cultura etc.).

É uma nova concepção de educação, de sujeito e de cidade. É nessa

perspectiva interinstitucional que é possível construir espaços educativos

para além da escola que favoreçam a educação integral dos sujeitos.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)190

É nessa articulação dinâmica entre escola e a comunidade que os

espaços podem se constituir como educadores, na medida em que servem

de base para dar sentido ao currículo da escola, que ao considerar o

conhecimento informal construído pelas experiências e práticas sociais

dos sujeitos, amplia e ressignifica os conhecimentos científicos, tornando

o currículo escolar mais vivo e dinâmico. O impacto dessa articulação

incidirá direto em aprendizagem significativa, contribuindo, tanto para a

permanência e continuidade da escolarização, bem como para a redução

da pobreza, na medida em que os sujeitos estudantes conseguem concluir

a sua escolarização. De acordo com a pesquisa realizada, a grande

dificuldade da escola em se articular com o seu entorno reside tanto na

falta de profissionais responsáveis por projetos, envolvendo questões

sociais, como na resistência dos atores sociais da comunidade em relação

aos projetos já existentes. A fala da professora de uma das escolas

participantes da pesquisa enfatiza que:

Não há articulação da escola com outras instituições sociais[...] O maior problema reside na resistência dosresponsáveis por instituições como também da escola, poiseles entendem que não há necessidade deles [atoressociais] participarem no processo educacional da escola,uma vez que ela é a responsável pela educação. Porque aescola não tem projeto político-pedagógico que se voltepara a comunidade6.

Desse modo, fica evidente que a escola se isola em sua própria

estrutura organizacional, em seu currículo engessado e desenvolvido de

modo mecânico, e com práticas pedagógicas burocratizadas, com

6 Professora, 2016.

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191Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

professores mal qualificados e que continuam reproduzindo práticas

excludentes, na medida em que a criança e suas condições não são

consideradas para o desenvolvimento dos processos pedagógicos. Portanto:

Cada modo de relação com o entorno implica umdeterminado equilíbrio funcional que, por sua vez, é umaexpressão da historicidade tanto da maturação individualcomo da evolução do meio humano. Logo, o espaço nãoé algo dado, natural, mas sim construído. Pode-se dizerque o espaço é uma construção social que tem estreitarelação com as atividades desempenhadas por pessoasnas instituições (HORN, 2004, p. 16).

Sendo assim, enquanto constituidor também de desenvolvimento

e de subjetividades, os espaços contribuem também para demarcar o sujeito,

seja ele criança, adolescente ou jovem, na sociedade. Os sujeitos carregam

marcas dos espaços vividos, de suas condições objetivas e materiais de

existência. Os espaços da escola são espaços instituídos com a finalidade

de favorecer os processos de socialização e interações, engendrados por

uma concepção de sujeito, de educação, de conhecimento e sociedade.

Dependendo da concepção de sujeito, conhecimento e sociedade,

é a escola que irá definir a organização curricular, seus processos e suas

práticas pedagógicas. Dessa forma, a sua configuração envolve aspectos

pedagógicos e políticos, os quais serão desenvolvidos no interior de suas

práticas pedagógicas, as quais podem contribuir para a emancipação ou

a reprodução da pobreza.

2 REFLEXÕES SOBRE OS TEMPOS DE VIDA E TEMPOS NA ESCOLA

A subjetivação humana se materializa no tempo objetivo para o

desenvolvimento da humanidade. Um exemplo disso é o prestígio que

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)192

requer um profissional ao fazer lembrar o tempo que tem de exercício ou

a indignação de um grupo liderado por um chefe recém-formado, ora

escamoteando ora reivindicando o tempo social, subjetivo.

2.1 OS DIVERSOS TEMPOS NA ESCOLA: INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA E ADULTEZ

Todas as fases de desenvolvimento humano são contempladas na

escola que acolhe para educar em todas as etapas da vida, uma vez que

suas ações não ficam restritas apenas ao atendimento de crianças, já que

há coexistência nos diversos tempos. Há o tempo cronológico linear, o

tempo da infância, o tempo da adolescência, o tempo da prática escolar

e seus diversos atores, o tempo curricular das disciplinas, o tempo de

cada sujeito do contexto escolar que para uns passa mais rápido, exigindo

diferentes demandas da escola e da comunidade escolar, já para outros o

tempo passa mais devagar exigindo adaptações frente ao tempo da

aprendizagem, em uma perspectiva subjetiva do tempo que não se prende

a currículos engessados e cronogramas pré-estabelecidos.

Por ser a escola um espaço simbólico, fruto da diversidade, do

convívio, local germinador de significados culturais ela é também é um

lugar de conflitos em que as ideias são geradas e compartilhadas. Nela,

os discursos e as práticas estão enredados, os quais são assimilados pelos

alunos e, preservados ou substituídos, a partir de um sistema de elaboração

de práticas e discursos, engendrados na cultura escolar e, na maioria das

vezes, pelos professores, estabelecido, assim, como conhecimento

genuíno na maior parte dos espaços escolares.

Cada escola pensa e organiza o tempo de acordo com a concepção

de sua cultura escolar,

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193Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

[...] o nosso dia-a-dia na escola é bem aproveitado e nósestamos cumprindo nosso planejamento dentro docronograma estabelecido, nossos alunos tem tempodeterminado para cada atividade até para reforçar osconhecimentos para o ANA e provinha Brasil7.

A gestora explicita em sua fala que a categoria tempo apresenta

especificidade, não observando a carga semântica implícita que carrega,

destacando apenas seu significado basilar, fazendo referência ao tempo

cronológico, sem mencionar o tempo subjetivo da criança, da consciên-

cia e emoções.

Ao ser concebido, o ser humano passa ao longo da vida por eta-

pas que são fundamentais para o seu desenvolvimento cognitivo. Ao longo

de sua vida apresenta características marcantes de cada fase, seja na in-

fância, adolescência e adultez, que poderão favorecer um melhor desen-

volvimento sócio-emocional e cognitivo.

É na escola, espaço de representações sociais e de sociodiversi-

dade, que irão interagir as crianças, adolescentes, jovens e adultos de

acordo com o seu papel social. Ao se pensar nesses tempos de existência,

requer a compreensão das concepções de infância e juventude em vivências

de pobreza como construção social. Mas, definir um conceito sobre estas

duas categorias não é uma trabalho fácil, uma vez que as interpretações

sobre o que é ser criança, jovem e adulto. São categorias, socialmente,

produzidas que adquirem diferentes significados em contextos históri-

cos, sociais e culturais distintos.

[...] ao se pensar as idades da vida, as relações entre asdimensões históricas, culturais, sociais e biológicas, pois,

7 Gestora, 2016.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)194

se há características universais (dadas pelas transformaçõesbiológicas) que acontecem numa determinada fase, é muitodiversificada a forma como cada sociedade – e no seuinterior, cada grupo social –, em um momento históricodeterminado, representa e convive com essastransformações (BRANDÃO, 1984, p. 7).

Nessa perspectiva, o modo de ver as infâncias e adolescências em

situação de pobreza, se molda de acordo com o conceito social, visto

como sujeitos com características físicas e opiniões diversas, ou como

coitados e incapazes. Dessa forma, sabe-se que no Brasil, apesar da

legislação ser comum a todos e o direito à educação escolar ser um direito

universal, como mostra o artigo 205 da constituição, nem todos têm as

mesmas oportunidades de forma igualitária:

A educação, direito de todos e dever do Estado e dafamília, será promovida e incentivada com acolaboração da sociedade, visando ao plenodesenvolvimento da pessoa, seu preparo para oexercício da cidadania e sua qualificação para otrabalho. (BRASIL, 1988).

Na infância, a criança não possui uma construção elaborada, mas

através de suas vivências e experiências, ela construirá paulatinamente a

sua realidade e o seu mundo de faz de conta. Nesta fase, a cultura lúdica

tem fundamental importância no desenvolvimento infantil, pois desde

os primórdios da civilização, vem sendo utilizada de forma coletiva para

o desenvolvimento das atividades pertinentes de sua tribo.

Todavia, o lúdico compreende uma gama de atividades que

possibilita o início de uma brincadeira, visando a produzir outra realidade

do seu cotidiano. É através da brincadeira que a criança desenvolve

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195Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

inúmeros conhecimentos, simula situações rotineiras de um adulto através

de sua representatividade, então,

[...] acredito que trabalhando de forma lúdica, o aluno,além de compreender, ele vai construindo posicionamentosvalorativos e morais, começará a questionarcontextualizando, passará dum aspecto abstrato àsubjetividade8.

Deste modo, destaca-se a importância de atividades

extracurriculares que também ensine sobre o mundo e tudo que nele há.

A pesquisa realizada permitiu constatar que, na cultura escolar,

cada sujeito apreende o tempo de forma diferenciada, mostrando-se nas

falas dos entrevistados seus modos ver e estar no mundo, bem como os

sentidos que se constroem em interações intersubjetivas sobre o controle

da frequência, acreditando que

Os alunos do programa bolsa família agora vão aprendermais porque não podem faltar, né? Se faltar muito perdema bolsa. Com essa regra eles aprendem, [...] Eu achoque para esses alunos valeu muito9.

O entendimento do professor entrevistado expresso em três

orações traz, contudo, alguns aspectos significativos a considerar. Será

que se pode mesmo afirmar que existe essa correlação entre “não fal-

tar” e “aprender mais”? Por um lado, o entrevistado expressa que o

aluno não pode faltar, senão perde a bolsa, o que caracteriza um condi-

cionamento em que o ganho da bolsa é a recompensa e a perda da

8 Professor, 2016.9 Professor, 2016.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)196

bolsa, a punição, numa perspectiva behaviorista; reconhece, porém, que

o aluno aprende também com realização de atividades lúdicas e espor-

tivas, destacando que as práticas escolares não se restringem a conteú-

dos curriculares.

O entrevistado defende o ponto de vista de que vale muito à pena

para os beneficiários o tempo empreendido, sugerindo, porém, que essas

atividades são menos importantes do que os conteúdos, ao atribuir risco/

medo de perder a bolsa como a principal razão de frequência e

permanência. A partir dessa constatação:

O passo urgente será fazer que essa nova cultura enovo tratamento do tempo, dos corpos e do direitoprimeiro à vida passem a redefinir os ordenamentos eos tratamentos no turno regular, nos tempos durosdas disciplinas, dos conteúdos, de suas sequenciações,do seu ensino-aprendizagem, das avaliações,retenções, rupturas de percursos e tempos de criançase adolescentes com vidas, corpos, vivências temporaise espaciais tão desumanas fora e tão esquecidas dentrodas escolas (ARROYO, 2012, p. 43).

Independentemente, da faixa etária cronológica, toda criança

deverá passar por etapas que terá como foco principal a brincadeira, cujo

papel no contexto escolar deve ser muito claro, bem como o acesso de

todos a ela, porque:

A criança que brinca livremente e no seu nível, à suamaneira, estão não somente explorando o mundo aoseu redor, mas, também comunicando sentimentos,idéias, fantasias, intercambiando o real e o imaginárionum terceiro espaço, de brincar e das futuras atividadesculturais. (MACHADO, 1999, p. 26).

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197Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Para este autor, o brincar é a primeira forma de cultura, sendo

esta um bem pertencente a todos permitindo a participação de ideais e

objetivos em comuns. Entretanto, existem alguns fatores que podem

influenciar o ato de brincar, como os fatores regionais e culturais que

apresentam formas de brincar diferente de cada região, assim como os

fatores contextuais que é também uma grande influência para as

brincadeiras infantis, pois elas se transformam conforme o contexto e os

fatores naturais que influenciam, em sua faixa etária.

De acordo com alguns teóricos, a brincadeira livre proporciona

uma sensação de liberdade e autonomia na criança, que passa a explorar

o seu mundo real e o seu imaginário de forma mais aguçada e concreta,

considerando que:

O direito a uma vivência digna do tempo da infânciaé precário quando as condições materiais de seu viversão precárias: moradia, espaços, vilas, favelas, ruas,comida, descanso. [...] as relações humanas, familiares,de cuidado e proteção dos tempos da infância sãoameaçadas quando as condições sociais, materiais eespaciais se deterioram. (ARROYO, 2012, p. 34).

Para ilustrar a ideia do autor, no contexto escolar podem-se

evidenciar crianças que vivem em situações de vulnerabilidade social,

por não possuírem moradia digna, saúde, rede de esgoto, coleta de lixo

e muito menos escola. Não há tempos dignos para brincadeiras, deixando

os sujeitos a todo tipo de violência e exploração dos adultos, que lhes

atribuem, em alguns casos, ainda responsabilidade de cuidar dos irmãos

menores ou mesmo ser provedor da sobrevivência pessoal e familiar.

O conceito de tempo no programa foi trabalhado a partir da ideia

de que o tempo é a própria vida que transcorre. Diante desta concepção,

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)198

analisaram-se os novos espaços educativos ofertados através dos

programas federais como Programa Mais Educação, Escola de Tempo

Integral e Escola Integrada que surgiram com a proposta de educação

integral, melhorias na educação pública, mais tempo na escola e novos

espaços de aprendizagem para a infância e adolescência populares.

De acordo Arroyo (2014), a proposta desses programas não pode

somente ampliar o tempo na escola, mas reorganizar os tempos e espaço

do viver da infância e adolescência, tornando-os mais próximo de um

digno e justo viver, uma vez que:

Quando este programa foi desenvolvido na escola,observou-se um grande índice de aproveitamento escolardos alunos. Pois se entendeu que a escola não é apenasum espaço para estudar, mas um local de aprendizagensétnicas, culturais e também lúdicas que só melhoram aaprendizagem da criança10.

O tempo que a criança e o adolescente permanecem na escola

requer qualidade e não a perpetuação de modelos tradicionais de

educação, uma vez que o tempo aluno permanecerá na escola se relaciona

com a qualidade de vida de alunos e professores.

Vejo que as comemorações cívicas ainda são muitoimportantes para a formação social do aluno, além deprogramas sociais voltados para o combate às drogas eviolência na escola11.

10 Pedagogo, 2016.11 Gestor, 2016.

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199Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

A vida não sofre intervalo com a ida da criança e do adolescente

à escola, ao contrário, é o espaço no qual eles se desenvolvem e aprendem

a se relacionam em contextos sociais mais amplos, construindo

aprendizados em processos culturais.

Na perspectiva de uma escola cidadã, é fundamental analisar o

acesso aos bens culturais, o tempo de acesso aos espaços públicos, direito

a educação, alimentação e saúde, a fim de promover uma educação de

qualidade, voltada para o desenvolvimento cognitivo, psicológico,

emocional e social de todos os atores da comunidade escolar em um

clima harmonioso para a construção da cidadania plena.

Portanto, os processos mais elementares de humanização, de

aprender a ser humano, de apreender a produção intelectual, ética e

cultural, função central da escola e da docência, estão condicionados aos

direitos mais básicos da vida: corpo, espaço e tempos humanos. São esses

direitos que acabam sendo cerceados em função de concepções

equivocadas da noção de tempo e espaço no âmbito escolar.

2.2 OS TEMPOS DA ESCOLA: TEMPOS DE PERMANÊNCIA, TEMPOS DAS

DISCIPLINAS E ATIVIDADES CURRICULARES

Na escola, o tempo objetivo, cronologicamente, determinado, traz,

em sua potência, a capacidade de sobrepujar o tempo emocional,

cognitivo, afetivo, impondo as regulações e exigências curriculares.

Vejamos o quanto é importante abordar essas questões de forma teórico-

prática, buscando vislumbrar soluções, mesmo que provisórias para a

melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem no interior da escola.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)200

2.2.1 Tempo de Compreender o Lugar e Valor dos Tempos numa PráticaPedagógica

Partindo da experiência de um tempo de convivência em orientação

de TCC do Programa EEPDS, foi possível constatar, em meio às temáticas

dos ateliês, que a categoria “tempos” proposta do ateliê 4, não foi

assimilada adequadamente pelo grupo de cursistas.

Evidenciou-se, através dos dados das pesquisas empíricas, o

desconhecimento sobre o valor epistemológico do termo quanto ao teor

de subjetivação temporal:

O aluno não se compreende como pobre a partir desteconceito, por isso é muito importante discutir sobre isso,pois o aluno não compreende que, ao ser desprovido debens e materiais, ele terá muitas dificuldades em escolhasjustas. Partindo disso eu procuro trabalhar em sala deaula questões como injustiça social, direitos e deveresindividuais e coletivos12.

O tempo subjetivo é largado à margem, não acompanhando de

modo a dosar as diretrizes, as estruturas curriculares, os planejamentos,

as formações, ficando no tempo dos discursos vazios “Devido esse

engessamento o tempo disponível é quase irrisório”13, reduzindo à

compreensão desse tempo diverso ao tempo cronológico.

É necessário que a categoria “tempo”, na prática pedagógica possa

ser, em cada comunidade de realidade distinta, fruto de uma herança

teórica de formação, concebida nos movimentos de reflexão-produção e

12 Gestor, 2016.13 Professor, 2016.

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201Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

não apenas discursos vazios de ideários de inclusão, pois, se na base de

formação não houver a reflexão da subjetivação dos tempos de modo

coerente, os discursos vazios nas formações continuadas não se

sustentarão.

Em se tratando dos temas extracurriculares, “Pode-se discutir, mas

não pode registrar, assim vai dar a entender que não valerá de nada trabalhar

isso”14. Como afirma Becker (2012, p. 50): “[...] a impressão que me passa

é a de que a escola tem como hábito fazer de conta que os acontecimentos”

do tempo social, subjetivo “nada tem a ver consigo”, pois:

[...] alguns alunos recebem a bolsa família, mas nãocompreendem como se dá o processo e, também, não têminteresse, por isso, percebo que se trabalhar a coisapropriamente dita, não haverá interesse15.

Se a cultura escolar, através dos atores do processo de ensino-

aprendizagem, especialmente, o professor, não construir um referencial

teórico que inclua em sua prática pedagógica concepções epistemológicas

de subjetivação do tempo, não haverá modo de sustentar o discurso dessas

formações a posteriori.

É necessário refletir os “tempos” de aprendizagens desde que, na

prática, se respeite os tempos de cada sujeito, e cada tempo em particular,

pois se constatou, com base na interação com os cursistas e com os dados

das pesquisas realizadas é que o tempo subjetivo não é respeitado, ou é

entendido em meio à passividade, ou seja, até se reconhece que existam

os diferentes tempos a se respeitar e que são importantes, mas não se faz

14 Professor, 2016.15 Gestor, 2016.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)202

nada para mudar a realidade da predominância, para se valorizar o tempo

subjetivo, cronológico, impassível, irreversível.

3 A REPRODUÇÃO E RESISTÊNCIA À POBREZA NOS ESPAÇOS E TEMPOSDA ESCOLA

A escola é um espaço onde transcorre a vida, é tempo plural,

como plurais são o sujeito e suas ações. Os muitos e diversos atores que

constituem a escola e a fazem funcionar produzem cultura no dia-a-dia, a

partir da reprodução da hierarquia de poder como extensão da vida em

sociedade.

3.1 A ESCOLA ENTRE O MESMO E O DIFERENTE

Embora, a pesquisa realizada tenha revelado que há iniciativas de

sujeitos da equipe pedagógica em inovar suas práticas, o fazer escolar

manifesta resistências às transformações, “[...] porque a criança e o jovem

não apresentam interesse em desenvolver e nem aprender”16. Esta visão

pessimista sobre o sujeito do aprendizado escolar impõe ações urgentes

no plano da formação do professor, conforme objetivos do curso de pós-

graduação que originou este trabalho de pesquisa.

Por comodismo, insegurança ou falta de autonomia, o professor

do Ensino Básico tem feito a opção de reproduzir práticas tradicionais de

ensino, em geral, descoladas da diversidade cultural, focando fortemente

nos conteúdos curriculares em detrimento do protagonismo social e

autonomia, por considerar que:

16 Professor, 2016.

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203Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

[...] nos dias atuais é muito complicado trabalhar essestemas porque os alunos têm dificuldades de discutir arealidade onde estão inseridos, devido à escola sepreocupar apenas com os assuntos tradicionais 17.

É como se os alunos devessem desenvolver as habilidades de

“compreender e discutir a realidade” fora da escola para facilitar o trabalho

do professor, ao invés de este preparar situações didáticas para

potencializar esse desenvolvimento. É claro que a percepção das realidades

é habilidade que não depende só da escola, depende também da

convivência do aprendiz nos vários espaços que transita. Mas, cabe à

escola ajudá-lo a organizar, estruturar, sistematizar as suas compreensões

em torno das realidades.

Uma reflexão se faz necessária sobre os processos de formação

do professor, que se submete, sem questionar e sem resistir minimamente,

à reprodução e registro de “[...] conteúdos no diário de acordo como está

na proposta curricular, dificultando a flexibilidade dos assuntos, bem como

a diversidade temática”18.

O entendimento de “habitus” é proposto por Bourdieu (1989)

como uma matriz de percepções, apreciações e ações que fornece

“esquemas” necessários para a nossa intervenção na vida diária, isto é, o

aprendizado social ou cultural necessário à produção da vida. Não há

sinais na fala do entrevistado de que ele se dê conta de que está se

colocando em um lugar que jamais deveria ocupar dada a sua importância

social, o lugar de oprimido e vítima da tirania das secretarias de ensino.

Sendo um produto da história, o “habitus” é um sistema subjetivo

interiorizado, mas aberto, por não ter disposições fixas; depara-se o tempo

17 Professor, 2016.18 Professor, 2016.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)204

todo com novas experiências, afetando-as e vindo a ser afetado por elas,

provocando transformações na realidade objetiva e subjetiva; é

conhecimento adquirido e prática incorporada da estrutura social no

agente em ação; é poder simbólico que classifica os símbolos de acordo

com a existência ou ausência de um código de valores; é também

subjetividade socializada.

A pressão social existe, de fato, nas relações institucionais, mas

evidenciou-se que há sinais de disposição em resistir à manutenção das

antigas práticas, sendo fundamental, contudo, como diz um professor,

apreender a dimensão crítica em relação à realidade e ao fazer pedagógico:

Trazer a realidade do aluno para discussão, pois nãoadianta ensinar pobreza africana ou nordestina, sem queo aluno aprenda que seu direito é cerceado quando eleadentra a um ônibus escolar, parecendo um carro decarregar bois; que ele pode estudar numa escola que ficaa 30 km de onde mora, sem evocar o ECA, a DUDH. Épossível discutir e ensinar, sempre digo, e é possível oaluno questionar e aprender19.

Tais como fórmulas exatas e infalíveis, as práticas pedagógicas se

reproduzem com técnicas replicáveis a despeito dos tempos e dos espaços

diferenciados e específicos, entretanto, mesmo prevalecendo velhas

práticas de ensino e tendência pedagógica de abordagem tradicional, é

possível identificar sujeitos docentes a protagonizar fazeres autênticos,

ao considerarem que “A escola também deve fazer seu papel: formadora,

motivacional, dinâmica e acessível”20.

19 Professor, 2016.20 Gestor, 2016.

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205Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

O professor deixa suas marcas particulares ao longo dos processos

de ensino-aprendizagem, “[...] tentando retrabalhar os erros, elencando

para eles os erros mais usuais e, também, os acertos deles para que os erros

sejam corrigidos e os acertos positivos, sejam mantidos”21. Além disso,

“Sempre procuro em aulas temáticas desenvolver esses assuntos, mas vemos

desinteresses por uma parte dos alunos”22. Ele se manifesta contrariamente

a “Trabalhar esses assuntos como são propostos, pois seria fazer manobra

para o governo, [...] sendo conivente”23.

Constatou-se também, nas falas de alguns entrevistados, o desejo

do trabalho diferente do comum, para evitar a mera reprodução sem refletir

sobre os processos. Por essa razão:

Trabalho essa temática, propondo uma provocação,perguntando: Como seria a sociedade mais pobre sem essesprogramas?[...] Eu prefiro que o aluno reveja seu papel,construa novas possibilidades realizando atividadescoletivas e de grupos com discussões de temascontextualizando a realidade do alunado24.

Nessa fala do professor, se expressam atitude consciente e

habilidades requeridas ao professor como mediador (GADOTTI, 2004) ao

trazer à discussão temas que subsidiem o aprendizado significativo, a

autonomia e o protagonismo social, isto é, “Em sala de aula a participação

é maior, onde é possível discutir os temas da atualidade”25. A partir da

realidade da comunidade para um plano mais geral dos problemas

21 Professor, 2016.22 Professor, 2016.23 Professor, 2016.24 Professor, 2016.25 Professor, 2016.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)206

nacionais e globais, os temas são tratados, a fim de se pensar e agir com

vistas ao direito de acesso aos direitos individuais e coletivos,

promovendo e possibilitando assim a compreensão e o enfrentamento

dos problemas sociais.

Esses temas proporcionam aos alunos a oportunidade de “[...]

serem corresponsáveis por suas ações”26, postura indispensável ao

protagonismo social e à compreensão de que “[...] podem melhorar o

mundo em que vivem, mas devem começar primeiro pelo local onde moram”27,

considerando o conhecimento e a familiaridade com os problemas da

realidade vivida.

4 OS MODELOS PADRONIZADOS DE FUNCIONAMENTO ESCOLAR

A pós-modernidade transcorre com antigos desafios a superar,

dos quais se destaca a necessidade de transformar a sociedade e, por

conseguinte, a escola. Considerando o modelo de escola e de cultura

escolar hegemônico em nossa sociedade, surgido com o nascimento do

Estado-Nação, da necessidade de se ter uma única cultura circunscrita a

um único território:

[...] a escola pode disseminar ideias, informar, politizaro indivíduo, mas a transformação só acontece se houvermudança nos aspectos econômicos, com mais igualdade28.

26 Professor, 2016.27 Professor, 2016.28 Gestor, 2016.

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207Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

No entendimento de (LEITE, 2014, p. 8), o modelo de escola que

se tem não dialoga com a realidade construída na pós-modernidade, pois

tem sido considerada como um motor de desenvolvimento, quando se

sabe que há muitas determinações a influenciar o desenvolvimento da

sociedade. A escola é uma instituição social que carrega as promessas da

Modernidade relativas ao progresso e ao desenvolvimento individual e

social de seus cidadãos, a partir do controle da natureza. Mas as

expectativas relativas à ideia de que o processo de escolarização reverteria

na melhora da qualidade de vida e na formação de uma sociedade mais

igualitária apresentaram muitos contrapontos ligados ao insucesso, ao

abandono de seus estudantes e à precarização da escola.

Ao deixarem de se cumprir as promessas da modernidade, o

progresso alcançado com o avanço das ideias e da ciência não se

reverteram em benefício da totalidade das sociedades, de tal modo que

muitas populações não têm tido seus direitos básicos respeitados.

Algumas escolas pesquisadas passaram, porém, a ser:

[...] ponto de referência para as ações da comunidade.As articulações do espaço e o entorno possibilitaramminimizar as desigualdades sociais considerando as váriasações ao longo do ano, como Juizado itinerante, carretasde saúde, palestras educativas como o combate a dengue,queimadas entre outras29.

A escola se torna uma fonte rica de exemplos de como a realidade

pode ser transformada, com a participação de outras instituições em

benefício da comunidade, com sua participação efetiva, aproximando-a

29 Gestor, 2016.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46207

Rosa Mendonça de Brito (Org.)208

de seus direitos de cidadão pleno, constatando-se que é possível “[...]

melhorar o futuro dos nossos filhos, com o apoio da escola [...] na escola do

meu filho existe uma bela horta que ajuda na alimentação das crianças”30.

Além disso,

[...] esse programa, o Bolsa Família, tem possibilitadomudanças e novas perspectivas de vida. As pessoas quefazem parte deste programa têm incentivo, que emmomentos anteriores a ele, não tinham, como cursosgratuitos, acompanhamento regular da saúde, tem apossibilidade de participar de programas de moradias comoo Minha casa, minha vida31.

A escola que participa dos programas sociais públicos se torna

um espaço potencialmente emancipador.

Os programas sociais públicos não representam, portanto, sim-

ples medidas assistencialistas, já que visam à inclusão de seus beneficiários

no corpo político, contrariamente à reprodução do discurso

discriminatório, preconceituoso e estereotipado de que os pobres prefe-

rem viver do Programa Bolsa Família, ao invés de trabalhar (PINZANI;

REGO, 2014, p. 226-233).

Durante os encontros presenciais, contudo, verificou-se que al-

guns cursistas, mesmo sendo eles próprios beneficiários do PBF, com

história emancipatória no âmbito do referido programa, manifestavam

em seus discursos traços discriminatórios em relação a outros

beneficiários sem, contudo, apresentarem argumentos para validar seus

pontos de vista contrários à concessão de bolsa família ao público

30 Beneficiário do PBF, 2016.31 Gestor, 2016.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46208

209Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

concernido e, mesmo diante de seus relatos pessoais sobre os benefícios

e as conquistas que o PBF lhes proporcionara, não defendem sua conti-

nuidade por considerarem que as pessoas não aproveitam como elas pen-

sam que tem que ser, com base em resultados idealizados.

Algumas falas de cursistas e entrevistados engrossaram, porém,

um coro de vozes que se mostraram reacionárias, no que diz respeito aos

programas sociais que minimizam a pobreza, porque o entendimento

coletivo é que “[...] não poderia ser o mecanismo favorito dos políticos de

manter as pessoas incompetentes com a vida”32. Pode-se entender que o

PBF é visto como um mero programa de distribuição de recursos financeiros,

cuja consequência seria a dependência, mas esses posicionamentos

contrários não se aprofundam nas diversas falas, concluindo-se que há

resistência ao combate à pobreza e defesa da meritocracia.

O valor recebido pelas famílias é, na verdade, complementar à

baixa renda de famílias consideradas pobres, portanto, usado para gastos

com material escolar para as crianças, roupas, sapatos e alimentos,

conforme os dados apreendidos na pesquisa desenvolvida, sendo o uso

do valor da bolsa um aprendizado importante, para além dos conteúdos

curriculares. Desenvolver-se em ambientes inclusivos, ser aceito, interagir

em grupos sociais diversos e fazer uso do dinheiro recebido também são

aprendizados importantes para a vida, finalidade maior da educação.

4.1 A TRANSFORMAÇÃO POSSÍVEL

O direito a ser diferente é o que produz a igualdade, isto é, não se

educa para a homogeneidade o que é diverso na origem, sem impor

32 Cursista, 2016.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)210

violência física ou simbólica e infligir o sofrimento humano e a dor

existencial. A diferença, ao contrário das vozes da cultura dominante, é

riqueza, não pobreza. Não é necessário, portanto, reduzi-la a pó, mas

conhecê-la a partir de pesquisas e registros do professor com base em

suas vivências no espaço escolar e seu papel no processo de ensino-

aprendizagem.

A escola deve ser emancipatória e flexível, respeitando-se os

diferentes pontos de vista que emergem da interação com a realidade

vivenciada pelos alunos, pois:

[...] quando questionamos a compostagem da escola,que era feito ao céu aberto, provocando mau cheiro epossível atração de insetos e outros bichos como o rato. Oprofessor falou que podíamos ir até a diretora e falardisso, mas pediu que fizéssemos sem bagunça. Econseguimos! Outro exemplo é o resultado da negociaçãoa que se chegou sobre as provas e as pesquisas cujasdatas são marcadas ora pelos alunos ora pelo professor33.

Ao tomar conhecimento da diversidade de sua sala de aula, de sua

escola e comunidade, o professor terá condições de planejar, coerentemente,

suas ações e práticas educativas ora como sujeito ora como meio pelo qual

a criança tem acesso ao conhecimento e o produz, pois,

Todos os espaços são entendidos como minimizadores dapobreza. Esses espaços só se tornam reprodutores dasdesigualdades, se não houver interferência positiva porparte dos educadores34.

33 Aluno, 2016.34 Gestor, 2016.

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211Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Reconhecem-se, então, as habilidades necessárias aos educadores

para que as práticas sejam emancipadoras: conhecimento, autonomia e

protagonismo. O registro de experiências docentes marca os resultados

de trabalhos realizados na sala e em outros espaços, os quais revelam

atitudes ativas de adultos e crianças e assim poder constar que:

As crianças estão mais presentes nas escolas, e as famíliaspuderam ter um acompanhamento educacional e de saúde.Tendo prioridade nos Programas de Governo, tanto noque se refere à moradia quanto à formação35.

A exposição desses processos de trabalho em painéis, varais,

paredes, dentre outras possibilidades, denota uma forma de valorizá-

los, avaliá-los e, também, permitir à comunidade escolar e à família sua

apreciação (LIMA; MELLO, 2006, p. 68).

A homogeneidade é uma ilusão em qualquer contexto, portanto,

é necessário abandonar o desejo de homogeneizar, querer tornar todos

iguais, porque é no direito à diferença que nos tornamos iguais e, deste

modo, emerge a escola como espaço das expressões infantis, dos modos

específicos da criança se apropriar de novos conhecimentos, de objetivar

seus aprendizados e de externar seu modo de relacionar-se com o mundo

(LIMA; MELLO, 2006, p. 68).

Para Ferreiro (2002) a diversidade sempre foi um desafio,

considerando que a escola busca homogeneizar os processos educativos,

desrespeitando principalmente as minorias étnicas, às quais se negam os

hábitos e expressões culturais, como se constatou:

35 Professor, 2016.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46211

Rosa Mendonça de Brito (Org.)212

Na área da pesquisa, onde existe um grupo de índios oqual já foi questionado quanto ao uso das indumentáriasindígenas no ônibus escolar, o que é um contraste, poisas outras crianças usam boné e não sofrem advertências.E no Dia do Índio todas as crianças são caracterizadascomo um índio genérico36.

Para atender crianças indígenas, componentes de um contexto

plural de uma das escolas pesquisadas, é preciso primeiro entender o

mundo em que ela está inserida: ambiente, cotidiano e brincadeiras. Elas

participam de tudo o que acontece em sua aldeia, sendo esta uma grande

fonte de conhecimentos ancestrais, não contemplados no currículo escolar

urbano. A diversidade é invisibilizada, não se permitindo a expressão

cultural dos diversos grupos sociais étnicos e religiosos. Do mesmo modo,

a pluralidade de gênero é tratada como indesejável e a combater,

impedindo que os alunos se desenvolvam plenamente nos espaços e tempos

da escola.

A submissão da diversidade cultural a uma cultura dominante e,

só serve à manutenção do status quo e não às mudanças necessárias na

base da sociedade para que plantemos no presente a justiça social que

desejamos vivenciar no futuro, combatendo o uso de termos pejorativos

e tendenciosos para se referir aos grupos minoritários e condicioná-los à

meritocracia como antídoto à pobreza.

O investimento em ações de formação continuada para a equipe

pedagógica e gestão escolar com extensão à comunidade se faz necessária

para a aproximação dos diversos agentes, a fim de que os direitos sejam

respeitados e não se pense que os diferentes “[...] vêm sempre cheios de

36 Beneficiário do PBF, 2016.

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213Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

direitos”37, quando tudo o que eles desejam são os mesmos direitos dos

que se consideram iguais. Isto é, sentir-se valorizado em seus respectivos

tempos e pertencentes ao espaço e à cultura escolar.

Em se tratando dessas questões relacionadas ao tempo e espaço,

vimos que são categorias que os cursistas demonstraram dificuldade em

compreender durante as orientações para o desenvolvimento da pesquisa

e elaboração do TCC. Nos encontros presenciais, ficou evidente a

necessidade de prosseguirem em formações continuadas que lhes

permitam superar os paradigmas manifestados em pontos de vistas

preconceituosos e discriminatórios, que reproduzem os discursos da classe

dominante que perpetua a pobreza e a manutenção da hierarquia das

classes sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados da pesquisa evidenciaram que as escolas demonstram

esforços para desenvolver um trabalho pedagógico que possibilite a

emancipação e a não exclusão de seus sujeitos, através de um leque variado

de atividades culturais e de ensino. Contudo, ainda é notável uma cultura

discriminatória, uma vez que os temas relacionados à pobreza e às

diferenças individuais e a própria desigualdade social não se constituem

como objeto de ressignificação do currículo e reorganização dos espaços

para o desenvolvimento dos processos pedagógicos, comprometendo,

portanto, o próprio desenvolvimento e aprendizagem das crianças de

várias camadas sociais.

37 Pedagoga, 2016.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46213

Rosa Mendonça de Brito (Org.)214

Nessa diversidade de coletivos, inserem-se os beneficiários do

Programa Bolsa Família que ao serem tratados como “iguais” não são

reconhecidos em seus processos de desenvolvimento e suas condições

materiais e trajetórias de vida. Como consequência dessa pseudo

igualdade, as crianças que não respondem às demandas curriculares

impostas pela escola, acabam não sendo reconhecidas, isto é, tornam-se

invisíveis, ampliando as estatísticas da pobreza e a reprodução das

desigualdades sociais.

Por outro lado, a pesquisa aponta a falta de compreensão dos

profissionais da escola acerca das bases teóricas, das orientações legais

e diretrizes curriculares acerca dos conceitos de tempo e espaço como

elementos que contribuem com os processos de constituição dos sujeitos,

como também na organização dos processos pedagógicos tais como: a

organização e desenvolvimento curricular. A concepção que esses

profissionais apresentam sobre tempo e espaço é física, estrutural e

burocrática na medida em que se resume à estrutura física e divisão da

escola em salas de aulas, refeitório, quadra esportiva etc. Como mostra a

análise da fala de uma cursista,

[...] pode-se afirmar que a pobreza e as desigualdadessociais são reproduzidas quando a escola carece nãoapenas de espaços com condições ambientais favoráveisao desenvolvimento e aprendizagem da criança, mas,sobretudo, quando não existem condições materiais emseus espaços que favoreçam o acesso das crianças àaquisição de bens simbólicos e culturais produzidos pelohomem. Mas empobrecedor é ainda quando a escola nãomedeia e nem potencializa as interações da criança emseu entorno no sentido de levá-la a exercer plenamentesua cidadania no espaço público da/com a cidade38.

38 Cursista, 2017.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46214

215Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Com base nas reflexões tecidas no texto, constata-se que os

impactos do Programa Bolsa Família são residuais por garantir a presença

da criança na escola pelo critério da frequência, mas que isto não incide,

significativamente, na qualidade da aprendizagem e na diminuição da

pobreza. Seriam necessárias tomadas de decisão eficazes, que viessem

atingir as estruturas sociais, não jogando a responsabilidade para o

estudante, para a comunidade e para a sociedade, em geral. Mas, que as

autoridades do País vislumbrassem políticas públicas que melhorassem a

qualidade de vida das demandas escolares.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)218

Pobreza e Currículo: uma análise sobrediferentes realidades escolares no Estado doAmazonas

Valdete da Luz Carneiro | Isamara da Silva Ohana

Josete da Silva Ohana

5

INTRODUÇÃO

Historicamente, a formação social da população brasileira está

constituída por uma diversidade de povos e origens. Como observa

Emanuel Mariano Tadei (2002)1, em seu artigo “A mestiçagem enquanto

um dispositivo de poder e a constituição de nossa identidade nacional” o

dispositivo de mestiçagem tem sido alvo de um interesse internacional o

que é possível destacar na fala de Michel Serres, quando de sua entrevista

no programa Roda Viva, da TV Cultura, exibido em 08/11/1999, por

ocasião de sua estada no Brasil para participar do Congresso Internacional

do Desenvolvimento Humano, realizado pela Universidade São Marcos. A

Serres foi perguntado: “O senhor chegou a pensar e escrever sobre o

Brasil. Sobre esse grande caldeirão de raças que é o Brasil. O que isso é

bom ou ruim para o Brasil (esse caldeirão de raças)?”

1 Ver Emanuel Mariano Tadei http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932002000400002. Acesso em: 25 maio 2017.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46218

219Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Em sua resposta, Michel Serres apontou os problemas que a

globalização tem trazido, recentemente, pois ela cria uma porosidade

(grifo nosso) entre as fronteiras, afetando as pessoas. Além, disso, ele

menciona o problema das guerras mundiais, que tanto preocupam a

humanidade. Em seguida, ele diz que:

No Brasil, o que me encanta à minha volta é que amaioria dos brasileiros tem uma genealogia totalmentecruzada, múltipla, complexa, extremamente rica, e que,em seus corpos vivos, há muito tempo, eles atenuaramos conflitos de hoje. Escrevi um livro, muito maistarde, que chamei ‘O Terceiro Instruído’ e foi traduzidopor um belo título em português onde aparece oadjetivo ‘mestiço’ [Filosofia Mestiça]. E, nesse livro,eu dizia que todo processo de conhecimento é umamestiçagem. Porque, quando falamos outra língua, elamento muito não falar o português, temos um outrocorpo. Quando pensamos em outra ciência, entramosem outro ser humano. E, de tanto falar línguasdiferentes, de tanto conhecer disciplinas diferentes,fabricamos em nós um mestiço. E há, no conhecimentomestiço, uma espécie de paz entre as disciplinas, umaespécie de armistício entre as oposições do saber. Éuma imagem intelectual do que aconteceu na vida realno Brasil. Vocês conseguiram tantas mestiçagens entretodas as populações do mundo porque, no Brasil, omundo inteiro está representado: asiáticos, europeus,americanos, nativos da América, do Hemisfério Sul,etc. Portanto, vocês conseguiram tão bem, na paz,este tipo de mestiçagem, que creio que deveriam terconsciência de que têm o modelo das soluçõesrequeridas hoje pelas guerras mundiais.

Nesse artigo, Tadei (2002) ressaltava a importância de observar

que o dispositivo de mestiçagem foi alvo de um interesse internacional,

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)220

mais, especificamente, entre os intelectuais franceses, os quais parecem

haver vislumbrado a possibilidade de usar esse dispositivo, tão bem

sucedido no Brasil, para resolver seus problemas locais. Naquela

conjuntura, a Europa sofria muito com os problemas raciais, num momento

em que discutia a integração dos vários países no Mercado Comum

Europeu. Contexto em que Michel Serres, um pensador bem intencionado,

via no caso particular do Brasil um modelo que poderia ser adotado para

solucionar os problemas europeus e mundiais; e avaliava que a

mestiçagem, tão criticada em outros tempos, por ter sido considerada a

principal causa de nossas mazelas sociais passou a ser considerada como

fator capaz de promover a paz e a harmonia entre os vários povos e

nações.

Essas ideias apontam um cenário plural das culturas e, também,

de posturas e práticas discriminatórias e autoritárias, as quais, de acordo

com Santos (s.d.), camufladas pelo “humor” desqualificam pessoas por

sua origem social e regional; e veladas na forma da fraternidade autoritária,

como soe ser o domínio dos Senhores de Engenho sobre toda e qualquer

propriedade, além de ter poder de vida e morte sobre tudo e sobre todos

os seus, impondo ostensiva e, autoritariamente, seus valores sobre os

demais membros da sociedade (RIBEIRO, 1995 apud SANTOS, s.d.),

puderam se esconder atrás de uma pseudo “cordialidade” e de uma pseudo

“pacífica convivência” (RIBEIRO, 1995 apud SANTOS, s.d.), culminando

na falsa crença de que existe efetivamente no Brasil uma democracia racial,

onde todos os cidadãos seriam iguais perante a lei conforme reza [...] a

Constituição Brasileira (BRASIL, 1988).

Na realidade amazônica essa questão não é diferente e,

acompanhada dessa diversidade sócio-cultural, estão presentes também

todos os conflitos advindos dessa pluralidade cultural. Há algum tempo

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46220

221Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

já se vem discutindo sobre essas temáticas nas universidades de modo

geral e, de modo particular, no Fórum de Reitores das Instituições

Federais de Ensino Superior da Região Norte – Em Defesa dos Interesses

da Região Norte.

Intelectuais (representados por cursistas, mestres e doutores) e

comunitários (representados por associações, instituições parceiras e

outras organizações) têm dialogado com vistas a refletir e instaurar ações

que façam avançar as práticas de reconhecimento dessas diversidades e

de convivência respeitosa entre os diferentes. Entretanto, essa discussão

tem chegado ao campo educacional de forma precária. Frente às

adversidades ainda está muito incipiente a força da possibilidade real de

transformação das relações pedagógico-sociais e históricas que superem

as formas discriminatórias e violentas que fazem predominar a exclusão

e as desigualdades educacionais.

A partir do Programa Bolsa Família alguma mudança passa a ser

introduzida nesse contexto, no interior das escolas onde atuam os

profissionais da educação engajados neste processo de formação superior.

As discussões e reflexões acerca de temáticas antes esquecidas – como

oportunidades iguais de acesso à educação para superar as desigualdades,

atendimento qualificado aos pobres e suas vivências, dentre outros temas

- passaram a ser mais freqüentes nas rodas de conversas e nas discussões

travadas por esses sujeitos, na própria comunidade escolar.

O Estatuto da Criança e Adolescente – ECA – Lei n° 8069, de 13 de

julho de 1990 – representou um grande avanço ao estabelecer no seu

Art. 4º, em conformidade com o Art. 227 da CF/1988, que:

É dever da família, da comunidade, da sociedade emgeral e do poder público assegurar, com absoluta

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)222

prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida,à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, aolazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, aorespeito, à liberdade e à convivência familiar ecomunitária (BRASIL, 1990, s.p.).

Entretanto, mesmo com todos os avanços ocorridos nos últimos

anos, apoiados pela legislação, ainda são muito presentes as formas de

exclusão e dentre os excluídos, encontram-se pessoas classificadas em

grupos e reduzidas a “categorias” que percolam a dignidade humana de

pessoas pobres, negros, índios, entre outros ainda mais discriminados

como mulheres, gays, lésbicas, moradores de rua, seres submetidos à

desqualificação por sua origem étnica, econômica e social.

Atualmente, em meio a contradições e lutas travadas nos contex-

tos em que as relações de forças se dão de forma desigual, muitos países

do mundo globalizado estabeleceram, numa nova Agenda de Desenvol-

vimento Sustentável Pós-2015, a promessa de inclusão plena de cada

pessoa no processo de desenvolvimento como oportunidade. Oficialmente

adotada pelos Chefes de Estado e de Governo do mundo todo na “Cúpula

das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável 2015”, essa Agen-

da representou o anúncio do compromisso desses líderes com o desen-

volvimento sustentável e com a materialização do “Futuro que Quere-

mos”, consubstanciado na denominada Agenda 2030. Nela estão defini-

dos o conjunto de programas, as ações e as diretrizes que orientarão os

trabalhos das Nações Unidas e de seus países membros rumo ao desen-

volvimento sustentável, em suas três dimensões: social, econômica e

ambiental.

A referida Agenda propõe 17 Objetivos do Desenvolvimento Sus-

tentável (ODS) e 169 metas correspondentes, fruto do consenso obtido

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223Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

pelos delegados dos Estados-membros da ONU. Sua operacionalização

está em processo desde janeiro de 2016 e se estenderá até o ano de

2030. Tal consenso se fundamenta no reconhecimento de dois movimen-

tos importantes: que o mundo se encontra num momento de enormes

desafios para o desenvolvimento sustentável, pois bilhões de cidadãos

continuam a viver na pobreza e a eles é negada uma vida digna; e que a

erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo

a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável

para o desenvolvimento sustentável.2

Essa é uma demonstração de que o mundo, formalmente, se une,

a fim de trabalhar para a superação da pobreza, com a inclusão de cada

pessoa, uma vez que a promessa é para que ninguém seja excluído (ne-

nhum a menos). A proposição de Objetivos interdependentes, cuja

operacionalização requer boas práticas e sólidas parcerias, estimula cada

individuo a conhecer e compreender os processos que produzem e repro-

duzem a pobreza e a opressão, com a intenção de que todos assumam

novas atitudes para ultrapassá-las.

Neste contexto, a compreensão de que “[...] a pobreza é um fenô-

meno social, histórico e complexo e, como tal, exige cuidados para não

ser interpretado de um modo reducionista” (GARCIA, 2009, p.112). Ca-

naliza a discussão para uma polêmica ampla e controversa sobre o papel

da educação na sua relação necessária com o conhecimento e sua recons-

trução; com as emoções humanas e sua relevância para a aprendizagem,

na perspectiva da finalidade da educação brasileira, cujo cerne é o pleno

desenvolvimento de cada pessoa/seu preparo para a cidadania e forma-

2 Ver a Agenda 2030 - Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/135-agenda-de-desenvolvimento-pos-2015.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)224

ção para o trabalho, no sentido da sua omnilateralidade; bem como sua

redução à instrução a serviço do poder.

Muitas pesquisas mostram a educação na sua relação com o co-

nhecimento como um importante caminho para superar as situações de

pobreza, desigualdades e injustiça estrutural. Pedro Demo informa que a

própria ONU, por meio do PNUD tem produzido, desde 1990, os Relatóri-

os do Desenvolvimento Humano, os quais apresentam o ranking dos pa-

íses membros baseado nos indicadores de: educação; expectativa de vida;

e poder de compra. Afirma que tais indicadores estão escalonados de

acordo com sua relação mais estreita com a capacidade de fazer e fazer-se

oportunidade.

Dessa forma, os indicadores educação e expectativa de vida ocu-

pam os primeiros lugares como promotores da qualidade política da po-

pulação, significando sua valorização superior para o desenvolvimento

dos países. Isso, em relação às condições econômicas, colocadas em ter-

ceiro plano nessa perspectiva do desenvolvimento como “oportunida-

de”, em que a educação pode ser reconhecida como fator principal da

invenção de oportunidades, o que tem levado a aceitar que a carência

material não seria o centro da pobreza, mas a ignorância (pobreza polí-tica) (DEMO, 2000 p. 14-15).

Nessa direção, os conteúdos, os métodos e as formas que consti-

tuem o cerne do desenvolvimento da educação formal ensejam a necessi-

dade de uma atenção especial ao currículo escolar. Este deve estar

contextualizado, no sentido de produzir-se e desenvolver-se na sua com-

plexa relação com as pessoas que vivem em situação de pobreza, com os

conhecimentos científicos e populares, com a formação do cidadão.

De acordo com Sacristán (2000, p. 36), o currículo pode ser assim

definido: “[...] um projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46224

225Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e

que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha

configurada”.

Dessa forma, o currículo, tecido na complexidade dos saberes ci-

entíficos e populares, articula, organicamente, conteúdos culturais que

compõem a proposta educacional da escola, e que, ao mesmo tempo,

ultrapassam os muros desta. O currículo, assim constituído, deve refletir

tanto as aspirações educativas no âmbito formal/científico, quanto aten-

der aos anseios e saberes da comunidade na qual a escola está inserida.

Os questionamentos suscitados neste trabalho decorrem dos re-

sultados da investigação pedagógica realizada pelos cursistas durante o

desenvolvimento da sua formação no CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDU-

CAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL (EEPDS). A exposição desses

resultados tem por objetivo alimentar uma discussão e reflexão sobre o

currículo atual, a partir do diálogo sobre pobreza e suas vítimas, os po-

bres, valores éticos e a inclusão do Programa Bolsa Família (PBF) no

contexto escolar.

A intenção é a de contribuir para possibilitar uma mudança de

postura, de pensamento e ação (práxis) de profissionais da educação e

das pessoas em geral, frente a estas problemáticas, desafios, ameaças de

retrocesso em relação aos avanços até então alcançados. Tais avanços

são, especialmente, em relação à inclusão, com qualidade, para acesso/

permanência/sucesso das pessoas em estado de pobreza na escola.

O universo da pesquisa contemplou quinze escolas do sistema

estadual de ensino das redes públicas municipais da área urbana e rural

do Estado do Amazonas dos municípios de Autazes, Maraã, Manacapuru,

Manaquiri e Novo Airão. Os sujeitos da pesquisa foram gestores escola-

res, coordenadores pedagógicos, professores, alunos e pais beneficiários

do Programa Bolsa Família, comunitários e os próprios cursistas da EEPDS.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46225

Rosa Mendonça de Brito (Org.)226

Durante o Modulo V – Pobreza e Currículo: uma complexa articu-

lação, desenvolvido no Curso de Especialização, Educação, Pobreza e De-

sigualdade Social foi realizada a pesquisa empírica e bibliográfica com

uma abordagem qualitativa, na qual os cursistas utilizaram como instru-

mento de coleta de dados a entrevista com questões semiestruturadas

direcionadas aos participantes, conforme aparecem abaixo.

As perguntas 1 e 2 foram dirigidas para gestores, coordenado-res pedagógicos e professores com o seguinte teor: – pergunta 1. Se as

formas ETNOCÊNTRICAS de pensar os coletivos empobrecidos nos currí-

culos têm sido inferiorizantes, antipedagógicas e antiéticas, como avan-

çar para currículos que os reconheçam sujeitos de saberes e os valori-

zem? – pergunta 2. Como possibilitar na construção do currículo novos

padrões cognitivos, culturais, sociais, pedagógicos e formadores de va-

lores éticos e de atitudes?

A pergunta 3 foi destinada aos alunos, pais e comunitários: –

pergunta 3. Os conteúdos das disciplinas escolares possuem relação com

a vida diária e social dos alunos?

As perguntas 4 e 5 foram direcionadas apenas para alunos: –

pergunta 4. As aulas criam oportunidade para desenvolver o seu senso

crítico? – pergunta 5. Qual a importância do trabalho dos seus professo-

res na construção da sua cidadania, do seu direito a aprender?

Este trabalho, dividido em dois tópicos, apresenta no tópico 1 “Um

breve resgate da história do Programa Bolsa Família e do Curso de

Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social”; e no tópico 2

contém a exposição dos resultados da investigação, tecendo algumas

“Reflexões sobre Currículo, Pobreza e Valores Éticos.”

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46226

227Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

1 UM BREVE RESGATE DA HISTÓRIA DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E DO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL

Ao iniciar a discussão neste trabalho é importante resgatar a

compreensão sobre o Programa Bolsa Família/PBF. O que se entende por

Programa Bolsa Família?

Muitos se referem ao programa apenas como transferência de

renda. Entretanto, o Programa Bolsa Família não é apenas isso! Ele é,

sem dúvida, um programa de transferência direta de renda, mas impõe

condicionalidades nas áreas da educação e saúde. Foi criado pelo Governo

Federal em 2003, por meio da Medida Provisória nº 132, posteriormente

convertida na Lei n° 10.836, de 9 de janeiro de 2004.

A gestão administrativa do programa é atribuída ao Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate à Fome/MDS. Ao Ministério da Educação

– MEC compete o acompanhamento da freqüência escolar e ao Ministério

da Saúde – MS o acompanhamento da agenda de saúde das famílias. Para

realizar esse acompanhamento, cada Estado da federação instituiu uma

Comissão Estadual Intersetorial do programa, da qual participam

representantes das secretarias da educação, saúde e assistência social

com o objetivo de acompanhar e orientar ações intersetoriais às famílias

beneficiárias.

Os ministérios orientam, acompanham e realizam o monitoramento

das ações desenvolvidas por estas comissões estaduais, por meio de

reuniões periódicas. O processo de atuação das comissões exige o diálogo

entre elas, por meio de reuniões nacionais sistemáticas. Durante essas

reuniões, muitos membros das comissões relatavam que quando os

coordenadores da frequência escolar chegavam à escola para coletar os

formulários de frequência dos alunos beneficiários, os profissionais da

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46227

Rosa Mendonça de Brito (Org.)228

educação3 manifestavam sua desinformação, afirmando “não saber a razão

pela qual um programa social está no ambiente escolar”.

Tal revelação dos profissionais da educação expôs aos olhos dos

coordenadores do PBF uma necessidade básica de aprendizagem desses

profissionais, suscitando a preocupação de elaborar formas de

convencimento desses profissionais para o acompanhamento efetivo do

PBF. A cada encontro passaram a ser discutidas estratégias que

viabilizassem a melhoria desse acompanhamento.

Uma dessas estratégias articuladas em nível nacional foi a proposta

da formação continuada para este público específico, a fim de que, como

profissionais da educação, não só compreendessem o objetivo do PBF,

como também fizessem parte, efetivamente, da rede de parceiros. A

intenção dizia respeito a oferecer aos profissionais os meios para levá-

los a compreender o PBF e a situação das pessoas pobres com maior

clareza; além de fazer com que os mesmos se apropriassem das informações

para se tornarem aptos a oferecer esclarecimentos e orientações básicas

aos beneficiários sobre o programa, com qualidade.

Em 2013, foi formado, dentre os coordenadores da educação, um

grupo com os representantes estaduais de acompanhamento da freqüência

escolar por região, coordenado pelo MEC/SECADI, juntamente, com alguns

pesquisadores das temáticas relacionadas à pobreza, à educação e à

3 Conforme a LDBEN/1996 - Ar t. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando emefetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:I - Professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinosfundamental e médio;II - Trabalhadores em educação por tadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamen-to, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmasáreas;III - trabalhadores em educação, por tadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46228

229Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

desigualdade social. O propósito do Grupo foi elaborar uma proposta

para um curso de formação continuada que viesse a atender às

necessidades prementes de aprendizagem das pessoas engajadas nesse

programa nas escolas públicas. Esse curso foi planejado para ser oferecido

aos coordenadores municipais da frequência escolar e aos demais

profissionais da educação, bem como outros profissionais que

desenvolvem atividades junto aos programas sociais.

Assim, a partir de 2014, foi lançado e implantado em 15 Estados

brasileiros o Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade

Social, visando o desenvolvimento de um processo educativo para

alcançar a possibilidade real de promover reflexões, diálogos, formação

de atitudes e de valores que ultrapassem ações individualistas e

preconceitos arraigados, por meio da mudança da postura ética e política

dos profissionais, em relação aos sujeitos de direitos, em vivência de

pobreza.

No Amazonas, a instituição responsável pelo curso é a Universidade

Federal do Amazonas, através da Faculdade de Educação – FACED, que

coordena o Centro de Formação Continuada, Desenvolvimento de

Tecnologia e Prestação de Serviços para a Rede Pública de Ensino – CEFORT.

A FACED iniciou o planejamento do formato do curso ofertado ao conjunto

de profissionais dos Sistemas de Educação Estadual e Municipais, tendo

presente que as distâncias geográficas são continentais no Amazonas.

O curso foi pensado, planejado, implantado e realizado na

modalidade à distância, alocado na Plataforma Moodle, com encontros

presenciais entre professores e cursistas no início de cada módulo para

apresentação e estudo das temáticas; prosseguindo com acompanhamento

e orientação dos Tutores. Foram acordadas as parcerias entre Ministério

da Educação, Universidade Federal do Amazonas, a Secretaria de Educação

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46229

Rosa Mendonça de Brito (Org.)230

Estadual e 17 Secretarias Municipais dos Municípios de: Anori, Autazes,

Borba, Careiro, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Manaquiri, Manaus,

Maraã, Maués, Novo Airão, Nova Olinda do Norte, Presidente Figueiredo,

Rio Preto da Eva, Tapauá, Urucará.

2 REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO, POBREZA E VALORES ÉTICOS

Feitos esses primeiros esclarecimentos sobre o Programa Bolsa

Família e o curso de especialização, a reflexão sobre Currículo, Pobreza e

Valores Éticos constitui esta segunda parte.

A experiência vivenciada por meio da oportunidade oferecida no

Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social – EEPDS

para a formação de profissionais da educação proporcionou a

possibilidade de contestar o estabelecido sobre pobreza, os pobres, o

currículo oficial, bem como as formas (anti) pedagógicas de relação

travadas entre os profissionais da educação nas escolas com a comunidade

escolar e a comunidade local. A intenção de contestar o estabelecido

sobre a relação pobreza e currículo na escola básica, se constituiu na

busca de articular novas sínteses e novos sentidos para a discussão/

reflexão/elaboração superior de uma nova compreensão das condições

históricas enfrentadas pelas pessoas em situação de pobreza e

vulnerabilidade social que, ao serem precariamente “incluídas” na escola

básica, são “excluídas” por força de muitos fatores que se conjugam para

justificar a usurpação desse direito fundamental à escola.

O que Garaudy (1981) chama de “democracia estatística” é um desses

fatores para essa justificativa, pois os resultados medidos pelos índices de

avaliação como o IDEB têm sido utilizados em muitas escolas para descartar

alunos com baixo desempenho que podem manchar a meta estabelecida.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46230

231Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

A visão centrada na “possibilidade lógica” (JAPIASSU, 1983) do fracasso

dos alunos considerados sem chance de fortalecer e dar boa visibilidade à

escola prevalece sobre os direitos constituídos desses cidadãos.

Tais formas, ao estabelecerem o efeito perverso no lugar do direito

à educação como um bem comum (acesso a educação com igualdade e

qualidade social/permanência na escola com equidade/pleno

desenvolvimento como pessoa digna), resultam na usurpação do direito

subjetivo de que cada cidadão é portador, independente de sua condição

social, econômica, étnica, religiosa, entre outras. A possibilidade lógica

implica uma projeção linear do que é planejado para ser oferecido,

expondo como legítima a injustiça estrutural e a desconstrução da

finalidade maior da educação brasileira, definida para assegurar a cada

cidadão o direito ao seu “pleno desenvolvimento como pessoa” (ver o

Artigo 205 da CF/1988) (BRASIL, 1988).

As pessoas classificadas como pobre, ao serem precariamente

incluídas na escola, como analisa Santos (s.d., s.p.) “[...] servem como

uma espécie de tranquilizador de consciências”, legitimando as

desigualdades e aprofundando a injustiça estrutural tão perniciosa à

dignidade humana das pessoas assim categorizadas. Dessa forma, segundo

esse autor: enquanto “simples categorias” lhes são atribuídos valores,

funções, hierarquias e qualidades generalizantes, exatamente como se

faz com objetos: canetas azuis são mais úteis, as coloridas são infantis,

as importadas são melhores etc., gerando os aviltantes estereótipos.

Nas escolas, os estereótipos podem ser manifestados como

descreve Santos (s.d., s.p.) pelo “processo chamado de profecia auto-

confirmatória”, isto é: cada indivíduo é induzido a corresponder ao

estereótipo do seu grupo. Dessa forma, a vítima envergonha-se de

pertencer àquele grupo econômica e socialmente desfavorecido; sofre

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)232

pelo isolamento, violência e humilhação praticados contra ela; na condição

de estudantes pobres encararam a reprovação nos estudos e dos seus

modos de vida como uma prática “justamente” natural; ainda internalizam

e reproduzem o discurso dominante que, consequentemente, podem

resultar na sua cooptação, dentre outras formas perversas de negação de

seus direitos.

Com tal configuração, a escola básica obrigatória está ainda

distante do ideário de desenvolver a educação na perspectiva do direito

público subjetivo. Sem as condições materiais objetivas que assegurem,

plenamente, esse direito a cada cidadão, e profissionais com precária

formação no campo da educação, sobretudo, sem as referências aos

Direitos Humanos (compreendidos como direitos de bandidos), à educação

das relações étnico-raciais e com precário domínio da legislação pertinente,

logo são feitas as conclusões apressadas de que “na prática a teoria é

outra”.

Feito esse argumento como um atalho, cria-se uma confusão

(proposital) entre direito e privilégio, entre crescimento econômico e

desenvolvimento humano sustentável. Como afirma Becker “[...] é neste

clima de complexidade que o nosso aluno vai para a escola e que, depois

de provar que é pobre, doente e burro, a abandona.”

A importância de refletir, de rever e discutir o que as ideologias

do cotidiano sobre o Currículo - em suas formas, conteúdos e métodos

de operacionalização nas escolas dos Sistemas Públicos de Educação -

significam na formação dos profissionais da educação que partilharam

com os formadores do EEPDS e também com suas comunidades de

aprendizagem as experiências de pensar, investigar; avaliar/sopesar a

própria prática pedagógica e seu comportamento antipedagógico com a

intenção de superá-lo.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46232

233Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Para, assim, tais seguimentos assumirem novas atitudes

compromissadas com a transformação das relações históricas no interior

da escola e na sociedade. Elaborar/reelaborar novas interpretações e

sínteses num exercício de verdadeira catarse; tudo isto ensejou a

apresentação de algumas ideias para fazer prosseguir o diálogo das

questões prementes suscitadas pelo tema do curso e do Módulo V que

tratou da “Pobreza e Currículo: uma complexa articulação”.

Para dar vazão a essas ideias que circulam nos ambientes das

aprendizagens múltiplas, de forma “natural”, elas estão apresentadas de

modo livre, como o define Nóvoa (2014, s. p.) no “Ensaio sobre a História

Futura da Escola.”

O que é um ensaio? É uma experiência, um esboço, abusca de sentidos para o que nos está a acontecer, umesforço para reflectir fora das lógicas habituais. É umaprovocação, uma experiência do pensamento, ideiasque nos preocupam e das quais nos tornamosverdadeiramente conscientes no momento da escrita.Um ensaio não vale nada, não faz parte das listasintermináveis de citações e ‘científicos’, não é umexercício de rigor, não pode ser controlado, nemavaliado, nem validado. É um espaço para duvidar,para errar, para entrar em diálogo com os outros. Valeapenas, e não é pouco, como liberdade, como exercíciode pensamento.

Nessa direção, a abordagem das questões pautadas para a formação

dos profissionais da educação pública e referidas neste ensaio teve como

ponto de partida a necessidade do diálogo como método de criar espaços

de participação e partilha de ideias e práticas sintonizadas com os

princípios da formação desses profissionais. Sobretudo, no que diz

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46233

Rosa Mendonça de Brito (Org.)234

respeito ao trabalho em equipe, pouco desenvolvido na maioria dos cursos

de formação de professores.

No Módulo V – Pobreza e Currículo: uma complexa articulação, o

tratamento do tema tomou como premissa a educação compreensiva, em

consonância com o método do diálogo, no sentido de ser compartilhada

e de atingir tanto a razão quanto a emoção4. Maria Aparecida da Silva

afirma em “História do currículo e currículo como construção histórico-

cultural” que o currículo não é uma realidade abstrata, à margem do

sistema socioeconômico, da cultura e do sistema educativo.

Assim, ao entender o currículo como um meio concreto de

desenvolver a formação humana em suas diferentes dimensões, deve-se

ter claro seu vínculo com as transformações operadas na sociedade em

sua relação dialética com a educação e com as finalidades e objetivos

desenhados para as conjunturas nas quais ocorrem as transformações.

Mecanismos autoritários, etnocêntricos, tecnicistas, entre outros têm

permeado as práticas da geração, transmissão, produção e reprodução

dos conhecimentos; bem como da avaliação da aprendizagem na

conjuntura atual, em contraposição ao que a Constituição Federal de 1988

estabelece como diretrizes, orientando a educação para a formação do

cidadão na escola formal, no contexto do Estado Democrático de Direito,

em que a dignidade da pessoa humana é o núcleo fundamental para essa

elaboração de extrema complexidade.

Uma vez percolados os princípios que dão base para a construção

democrática de currículos destinados a formação cidadã, currículos que

precisam ser desenhados no interior dos Projetos Políticos Pedagógicos

4 Ver Maria Victoria Benevides. Palestra de aber tura do Seminário de Educação em Direitos Humanos, São Paulo, 18/02/2000. Disponível em: http://www.hottopos.com/convenit6/victoria.htm

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46234

235Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

das escolas concretas, as propostas curriculares que deveriam ser gestadas

a partir da complexidade que informa as realidades históricas. A

centralidade dessas realidades se constitui dos sujeitos de direitos na

sua rica diversidade cultural e emocional produzida nos contextos

cotidianos – são traçadas como “grade” e sem a referência prática

fundamental condizente com sua concretude.

Dessa forma, as escolas passam a operar um currículo único em

contextos diversos nos quais a maioria dos profissionais é seduzida pelo

pensamento único e resistem à possibilidade real de transformar esse

núcleo em torno do qual o trabalho pedagógico se realiza. Se a escola é

o retrato do seu currículo é fundamental que, como afirma Arroyo (2014,

p. 6), a compreensão que temos sobre o currículo seja determinante nas

nossas ações pedagógicas, nas escolhas que fazemos e nas estratégias

que adotamos.

Muitas vezes, o educador não percebe que suas ações em sala de

aula são opressoras e que não dão oportunidade para que o aluno se

posicione sobre os assuntos apresentados e tão pouco percebe que ao

trabalhar o currículo sem problematizá-lo está contribuindo para a

alienação e opressão de seus alunos. A investigação pedagógica realizada

pelos cursistas apontou as percepções que os entrevistados expressaram

por meio de suas respostas às perguntas feitas a diferentes sujeitos.

Em certa medida, essas respostas correspondem às ideias

afirmadas por Maria Aparecida da Silva (s.d.) quando diz:

O currículo é uma práxis, não um objeto estático.Enquanto práxis é a expressão da função socializadorae cultural da educação. Por isso, as funções que ocurrículo cumpre, como expressão do projeto culturale da socialização, são realizadas por meio de seus

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)236

conteúdos, de seu formato e das práticas que gera emtorno de si. Desse modo, analisar os currículosconcretos significa estudá-los no contexto em que seconfiguram e através do qual se expressam em práticaseducativas (p. 4820).

Os sujeitos que desenvolvem as propostas curriculares (gestor,

coordenador pedagógico e professor) foram inquiridos sobre o seguinte

questionamento: “Se as formas ETNOCÊNTRICAS de pensar os coletivos

empobrecidos nos currículos têm sido inferiorizantes, antipedagógicas e

antiéticas, como avançar para currículos que os reconheçam sujeitos de

saberes e os valorizem? “

As respostas dos entrevistados não se prendem ao teor da

pergunta deduzindo-se que eles apresentam precário conhecimento do

tema do etnocentrismo:

Gestor 1 – Manaquiri “No meu ver, o currículo deve ser diferenciado,

o atual não abrange o direito da criança, e o professor não tem voz nem

vez.”5.

O gestor ao responder essa pergunta expôs a falta de autonomia

da escola para realizar um bom trabalho porque as autoridades municipais

violaram os direitos das crianças de ir e vir para a escola. Não há índice

de aproveitamento na aprendizagem sem a freqüência do (a) aluno (a)

na escola. Se o currículo está impermeável aos direitos e necessidades

das crianças, obviamente, estabeleceu-se a violação desses direitos

consagrados, mas não usufruídos. Ao expressar que o professor não tem

vez nem voz denuncia a situação de desvio da atividade principal do

professor que se refere à sua participação efetiva na construção do

5 Gestor 1 - Manaquiri.

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237Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

currículo, como parte relevante do Projeto Político e Pedagógico da escola

e do desenvolvimento da formação básica dos alunos.

Durante os primeiros encontros presenciais do curso EEPDS,

observou-se o desconhecimento de alguns cursistas (profissionais da

educação) sobre temáticas relacionadas à pobreza, por meio de algumas

falas, tais como: qual a necessidade de se usar o termo pobreza (no nome

do curso), se o mesmo já estaria contemplado no termo desigualdade social?

Por que as entrevistas que realizavam sempre envolviam beneficiários do PBF?

Constatou-se que é necessário refletir sobre o papel da escola, do

currículo escolar na sociedade atual, no que se refere às vivências da

pobreza que seus partícipes trazem para o âmbito escolar. A pobreza é

uma das maiores violações dos direitos humanos, uma vez que subtrai do

indivíduo sua dignidade. E, quando o sujeito está em situação de pobreza,

como este pode pensar nas garantias de outros direitos? Que pobreza é

esta da qual se está falando? Enquanto educador, precisa-se, urgentemente,

compreender esse fenômeno tão complexo que é a pobreza e a inclusão

dos pobres na escola, como um direito inalienável. Assim,

[...] pobreza, enquanto conceito, só pode seren-tendida de forma relativa, já que não há umconsenso em torno de uma definição que possa seraplicada a toda e qualquer situação, de modo objetivo,visto que a compreensão do fenômeno depende dacompre-ensão da sociedade em torno dele. Os padrõespara o estabelecimento do nível de pobreza mudamhistoricamente, o que justifica o desenvol-vimentoda compreensão de pobreza como privação relativa.(GARCIA, 2012, p. 110).

Tomando como base o que afirma Garcia, acredita-se que o conceito

de pobreza não pode nem deve ser pensado de outra forma que não a

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)238

privação relativa. Esse conceito somente vai ser entendido dentro de certa

perspectiva de sociedade, da historicidade dessa mesma sociedade em

que o indivíduo está inserido. Como evidenciam as respostas dos

coordenadores entrevistados:

O currículo deve ser contextualizado com a realidaderegional no aspecto social, cultural e os saberes dascrianças que vivem na localidade. E o professor deve serpesquisador, observador e mediador 6.

Neste ano, o MEC está elaborando a Base NacionalCurricular Comum – BNCC e envolver os professoresbrasileiros nessa discussão seria uma oportunidade de aclasse avançar nos currículos, se as práticas inferiorizantes,antipedagógicas e antiéticas não estivessem entranhadasnas ideias daqueles que preparam os currículos. As teoriasque cerceiam os menos favorecidos já estão arraigadasnos currículos. A Constituição garante a dignidade dapessoa humana, mas a prática é bem diferente. É fácilnão cumprir a lei, uma vez que aqueles que sãoprejudicados não têm consciência, porque desconhecemseus direitos. É fácil satisfazer o cidadão com migalhasdaquilo que ele não conhece em sua totalidade. Sódisseminando conhecimento, promovendo discussões nacomunidade escolar é que será possível avançar,gradativamente7.

Os coordenadores concordam que o currículo deve ser

contextualizado de acordo com a realidade local, e que há necessidade

de melhorar a formação dos educadores, e que isso contribuirá para a

melhoria da educação. Trazer a discussão de temáticas como pobreza e

6 Coordenador Pedagógico 1- Manaquiri.7 Coordenador Pedagógico 2- Manacapuru.

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239Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

desigualdade social para dentro da escola, é dar voz e vez aos pobres que

participam do contexto escolar. A resposta do coordenador pedagógico

2 evidenciou, claramente, que a discussão sobre a Base Nacional Curricular

Comum - BNCC não chegou a sua escola, ao seu município, apesar da

propaganda oficial de que a proposta foi discutida amplamente nas escolas

de todo Brasil.

As respostas dos professores também seguem o mesmo diapasão

de que a discussão sobre o currículo tem que ser participativa e deve

conter os anseios da comunidade escolar. É imprescindível refletir sobre

o papel do currículo nas escolas, visando que seu conteúdo não seja

excludente, e sim respeite a diversidade das culturas que na escola estão

inseridas, possibilitando aos alunos efetivarem mudanças na sociedade

por meio dos conhecimentos adquiridos em sua formação escolar.

Tem que pensar numa política pública onde envolvam todosos sujeitos e que o currículo seja de acordo com as classessociais. Na realidade, atualmente há diferenciação noscurrículos, exemplo: escola do campo, escola indígena,escola da terra, etc., entretanto não atende à realidadelocal8.

[...] O indivíduo deve ser formado para ter iniciativa eautonomia aprendendo algo que possa usar na sociedade,ou seja, ser um empreendedor, um construtor, umidealizador na sociedade em que vive. Portanto, precisa-se repensar o currículo atual, e direcioná-lo para asociedade que queremos no futuro9.

8 Professor 1- Manaquiri.9 Professor 2- Manacapuru.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)240

Arroyo (2014, p. 7) explicita:

[...] as vivências e sofrimentos da pobreza, bem comoos processos históricos de sua produção são complexos,e tentar tratar nos currículos essas vivências e essahistória é uma tarefa extremamente desafiante. Talvezpor isso a pobreza, suas vivências, os pobres e a históriade sua produção tenham estado ausentes tanto noscurrículos de Educação Básica quanto nos de formaçãode seus profissionais.

Realmente, os currículos das escolas investigadas ainda não

incluíram uma abordagem da historicidade da pobreza dentro de seus

vários contextos. Por conseguinte, as vivências dos sujeitos empobrecidos

que adentram a escola não são reconhecidas, como foi constatado nas

entrevistas realizadas.

Todavia, a pesquisa revela ainda a importância do trabalho dos

professores na construção da cidadania, do direito a aprender napercepção dos alunos de Novo Airão. (grifo nosso). Alguns entrevistados

afirmam que:

[...] é por meio do trabalho dos professores, dodesenvolvimento das suas aulas é que podemos ter umfuturo melhor. É a partir daí que se planeja um futurobom pra gente. Hoje até um gari ou serviços gerais, temque ter um comprovante de escolaridade [...]10.

Para esses alunos, é clara a importância do trabalho do educador

na contribuição para sua formação, sua ajuda é primordial para que

10 Entrevistados.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46240

241Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

vislumbrem uma possibilidade de ascensão na sociedade por meio dos

estudos. Estes enxergam o educador como o indivíduo conhecedor dos

pressupostos teóricos que fundamentam sua práxis e contribuirá com a

formação de preceitos, valores e hábitos na sua formação humana e

profissional. Este profissional que desenvolve práticas pedagógicas

inovadoras, emancipatórias ao mesmo tempo em que leva o aluno a

dialogar, problematizar a realidade em que está inserido, leva-o também

a construir vivências, positivamente, exitosas.

Na busca de uma escola que atenda aos anseios da comunidade,

de uma escola cidadã, é importante se fazer uma reflexão sobre o acesso

e permanência do aluno no ambiente escolar. Assim, como também, da

inserção destes aos bens culturais, aos conhecimentos construídos ao

longo da história da humanidade, a compreensão de sua realidade e quais

os fatores históricos que levaram a essa produção e reprodução da pobreza

em que estão inseridos.

É importante ressaltar a contribuição do PBF quanto ao acesso e

permanência da criança e do jovem na escola, pois, a família tem que

cumprir com a condicionalidade da freqüência escolar que é informada a

cada dois meses e os motivos de ausência do aluno na escola, também.

Essas informações geram diagnósticos socioeducacionais territorializados,

podendo com isso se encontrar facilmente a criança ou jovem em situação

de vulnerabilidade social11. A pobreza, antes tão subjetiva, hoje é mapeada

e traduzida a partir das informações das condicionalidades intersetoriais

(educação e saúde) do programa.

11 Palestra proferida pela Coordenadora Nacional da Frequência Escolar/MEC durante o II Encontro Intersetorial doPBF/AM, 2017

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)242

Relacionando as vivências dos alunos aos conteúdos escolares,

foi feita a seguinte pergunta: Os conteúdos e disciplinas escolares

possuem relação com a vida diária e social dos alunos? Abaixo, estão

relacionadas algumas respostas de pais e alunos do município de Autazes

e Novo Airão:

Sim, a escola me ajuda muito, me ensinou a ser maiseducado do que eu era antes, me ajudou a dar maisatenção a minha família, e também incentiva meus paisa terem orgulho de mim. O PROERD (Programa Educacionalde Resistência às Drogas) na escola me ajudou a ficarlonge das drogas, a resistir às pressões, por isso amomuito minha escola e meus amigos12.

Sim quando passo em frente à escola ouço a professorade matemática fazendo conta e dando exemplo com ospeixes que os meninos pescam. E quando os meninoschegam em casa faço pergunta sobre o que elesaprenderam e o que a professora ensinou, eles me falamde animais daqui da comunidade e que fizeram pesquisasobre as árvores, ensinam poesias. Eles ensinam muitascoisas que interessa a gente13.

Sim, o português, por exemplo, porque sem a disciplinade português você não chega a lugar nenhum. Se quiser,por exemplo, encontrar um emprego sem escrever e lercorretamente não vai conseguir. Sim, tem matérias comohistória, geografia e ciências, os professores falam comopoderemos enfrentar o mundo, e sem estudo nãoconseguiremos. É importante, porque eles nos ajudam aconstruir o nosso futuro14.

12 Aluno 1 - Novo Airão.13 Mãe - Novo Airão.14 Aluno 2 - Autazes.15 Aluno 3 - Autazes.

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243Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

É de fundamental importância. Pois é através das aulas edos diálogos realizados na escola que vamos aprender alidar com situações em nosso cotidiano, sem falar que aescola nos prepara para a vida15.

O currículo, os saberes nele contido, deve estar relacionado com

as vivências e as experiências do aluno, possibilitando a este indivíduo,

construir seus conhecimentos de forma holística. De acordo com Santos

(2009, p. 13-14):

[...] os conteúdos curriculares devem permitir que osalunos desenvolvam sua capacidade de argumentação,de questionamento, de crítica e sua capacidade deformular propostas de solução para problemasdetectados. [...] é fundamental que o currículotrabalhe com habilidades que vão além dodesenvolvimento cognitivo e envolvam diferentescampos da cultura, garantindo a presença de produçõesculturais dos mais diferentes grupos sociais e culturais,de tal modo que os estudantes sejam capazes de lidarcom a diferença, valorizando e respeitando a culturado outro, condição necessária para a vida em umasociedade realmente democrática.

No Amazonas, é importante e necessário ressaltar o sentido da

equidade, pensar o fator amazônico a partir do entendimento e do

reconhecimento das especificidades da região. Principalmente, no que dizrespeito a questões de: território, etnias amazônicas e suas diversidades

culturais, tensões, violências e conflitos advindos das relações de disputa

entre grupos de grandes proprietários de terras na Amazônia e posseiros,

indígenas, quilombolas, ribeirinhos, etc. (grifo nosso)

No mapa, a seguir, estão representadas algumas dessas

especificidades amazônicas, dentre os beneficiários de 6 a 17 anos do

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)244

Figura 1 - Especificidades amazônicas

Fonte: II Encontro Intersetorial do PBF/AM (2017).

PBF, além do quantitativo de alunos que abandonaram a escola nesse

mesmo período (nov/dez/2016).

Por meio do cruzamento das informações da frequência e do censo

escolar, tem-se a informação de que 65% das matrículas no Estado do

Amazonas são de beneficiários do PBF.

Quando perguntado ao aluno do município de Novo Airão Se as

aulas criam oportunidade para desenvolver o seu senso crítico o mesmo

respondeu demonstrando ter consciência de seus direitos e deveres:

Sim, os professores nos ensinam que temos deveres, masque também temos nossos direitos e que devemosreivindicá-los quando precisarmos. Um exemplo foi umtempo atrás, quando os professores nos deram forças parafazermos reivindicações de ventiladores para nossas salasde aula, porque é um direito que temos, assim como todosos outros alunos do país, não é porque somos da área dointerior que não temos os mesmos direitos! Tambémfizemos algumas reclamações a respeito da merendaescolar, que melhorou, não foi muito, mas tá melhor do

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245Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

que antes. Também temos oportunidade de protestarmosquando as aulas estão ficando rotineiras. Mas às vezes,isso não é bem visto pelas pessoas, pelos comunitários eaté mesmo por alguns alunos. Porque houve situaçãoaqui mesmo na comunidade, onde os líderes, no caso opresidente da comunidade, não aceita que existam leisque podem punir quem desviar a merenda escolar paraoutros fins, por exemplo. Aí o professor que for dar essainformação pode entrar em conflito com a comunidade(líder) e fazem de tudo para tirar esse professor dacomunidade16.

De acordo com o relato desse aluno, os professores cumprem seu

papel de prepará-los para a vida, levando-os a lutar por seus direitos,

fazendo uma leitura e releitura da sociedade atual, a partir dos

conhecimentos adquiridos no cotidiano escolar. Fica evidente a

possibilidade de esses sujeitos fazerem mudanças em sua comunidade.

Entretanto, esses profissionais ao cumprir com ética e senso crítico o seu

fazer pedagógico, estão sujeitos a represálias. No momento em que a

comunidade estudantil fica ciente de seus direitos e deveres, evidencia-

se a nova condição de exercício da cidadania que enseja a possibilidade

real de que os estudantes não serão facilmente manipulados, mas serão

sim, participantes ativos da comunidade em que vivem. Apple (2003, p.

42) pronuncia-se:

A educação é um espaço de luta e conciliação. Servede representante e também de arena para batalhasmaiores sobre o que nossas instituições devem fazer, aquem devem servir e quem deve tomar essas decisões.E, apesar disso, é por si mesma uma das maiores arenasem que os recursos, o poder e a ideologia específica à

16 Aluno do município de Novo Airão.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)246

política, finanças, currículo, pedagogia e avaliaçãono ensino são debatidos.

Toda prática educativa envolve uma tomada de decisão, implica

em uma opção política que pode libertar um povo como também subjugá-

lo, priorizando os interesses de poucos em detrimento da maioria da

sociedade. O educador é o agente que poderá propiciar aos estudantes

libertar-se dessas amarras truculentas da classe política dominante.

Aí, percebe-se a contradição de que se está vivendo em uma soci-

edade que, ao mesmo tempo em que contesta determinadas práticas e

matérias veiculadas na televisão sobre desonestidade, que clama por uma

sociedade sem corrupção; assume comportamentos que se contrapõem a

uma vivencia cotidiana de boas práticas fundadas em valores éticos com

seus pares.

Pensando como Aristóteles, que “o homem é um ser político”,

tem-se um grande dilema diante daqueles que se negam a aceitar-se como

tal e questionam essa dimensão própria de cada pessoa: afinal de contas

o que é ser político? Ser político é não querer se envolver com as situa-

ções problemáticas do cotidiano? Mas, como não se envolver, se as

consequências do não envolvimento com os problemas reais e atuais vi-

rão para cada um individualmente? E, ao se envolver, ao dizer o que

pensa e no que acredita muitas vezes o indivíduo é repudiado por ser ou

estar contra o que dizem determinados grupos políticos e/ou até mesmo

os colegas da mesma classe?

Aqui se faz uma breve digressão para falar sobre algumas contra-

dições que se verifica durante a formação do indivíduo. Cada pessoa é

ensinada desde criança para dizer sempre a verdade, pois “quem fala a

verdade não merece ser castigado”, já diz o ditado popular! Entretanto,

percebe-se que a sinceridade nem sempre é bem aceita. Que na verdade,

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247Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

ela é na grande maioria das vezes, recebida com restrições ou até mesmo

com antipatia.

A história nada mais é do que um emaranhado de contradições.

Vive-se em uma sociedade na qual se é ensinado a assimilar alguns valo-

res éticos. Entretanto, esses mesmos valores são questionados como cer-

tos ou errados por alguns. Tonetto (2013, p. 182), citando Kant afirma

que: “[...] a autonomia é o fundamento da dignidade e isto é uma propri-

edade da vontade de todo ser racional.”

Que dignidade pode-se ter se, ao acreditar em mudanças - estru-

turais, que quebrem esse esquema social montado; mudanças que não

sejam hipócritas, mudanças que transformem a vivência do ser humano -

o indivíduo se vê em um eterno retrocesso? Seria como um movimento

de Sísifo, interminável e inútil. Observa-se então, que a mudança tão

almejada e esperada pela grande maioria da população torna-se uma

busca incessante de poder, de um poder individual em detrimento do

coletivo! Uma mudança que nada muda! E se constata que é apenas mais

uma das inúmeras contradições dessa realidade em que se vive.

O significado contemporâneo desta situação está relacionado com

a ideia de que por mais trabalho e esforço que se faça em relação a algo,

os resultados são sempre infrutíferos, irrelevantes e frustrantes. Os valo-

res que os pais tanto tentam ensinar aos filhos durante toda a vida, des-

de a mais tenra idade, são considerados valores jurássicos na sociedade

de valores invertidos, na qual se priorizam os valores pessoais em detri-

mento dos valores coletivos, do bem comum.Retomando a frase “o homem é um ser político”, mesmo que ele

não o queira faz parte de uma determinada sociedade, nela está inserido

e os valores daquela sociedade farão parte de seu cotidiano. Daí a

importância de se ter e lutar pelos valores éticos em qualquer situação.

Não se pode falar de falta de ética de um grupo de político, se, enquanto

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)248

indivíduo, não se possui ou não se pratica atitudes éticas na comunidade

em que se vive. Isso poderia vir a ser uma regra de ouro para todos, sem

distinção de gênero, classe ou credo.

Retoma-se o que resultou da investigação com a pergunta feita

aos gestores, coordenadores pedagógicos e professores dos municípios

de Maraã e Manacapuru sobre como possibilitar na construção do

currículo novos padrões cognitivos, culturais, sociais, pedagógicos eformadores de valores éticos e de atitudes? Estampa-se nas respostas

o que se constitui o modo de pensar desses sujeitos:

Partindo de princípios, a ação humana poderá transformarcaminhos sociais e culturais a fim de formar valores éticosna sociedade17.

Através do resgate de normas de condutas há muitoesquecidas; priorizando a qualidade no ensino da educação;viabilizando mecanismos para incorporar nas aulas a boaconduta, o respeito e o aprendizado18.

Na escola, em sua prática cotidiana, o professor assume algumas

atitudes e estas já fazem parte de um posicionamento político, de uma

tomada de decisão. Pois, há intencionalidades por trás de toda atitude, e

as intencionalidades educativas não ficam de fora. A preocupação dos

gestores enseja a importância da forma transversal de abordagem desses

novos padrões cognitivos, culturais, sociais, pedagógicos e formadores

de valores éticos e de atitudes que façam a ruptura com comportamentos

danosos à convivência social.

17 Gestor 1 - Maraã.18 Gestor 2 - Manacapuru.

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249Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Assim, na visão desses gestores, o professor, com seus alunos,

tem a possibilidade de cultivar pequenas ações, ultrapassando

comportamentos e formando atitudes incorporadas pelas crianças por

meio das próprias ações desenvolvidas no cotidiano da escola, e elas

próprias, serão multiplicadoras dessas atitudes fora do contexto escolar.

Valorizando primeiramente o conhecimento prévio doaluno, e a partir daí, pode-se criar possibilidades paraque este possa avançar em sua aprendizagem semdesrespeitar sua origem19.

Um bom começo para se construir um novo currículo seriaconsiderar as diferenças, incluir temas que tentem nivelaras oportunidades. Seria um processo gradativo de mudançade ideias. O documento maior que é a BNCC está sendoconstruído, a partir daí as escolas poderão em seus ProjetosPolíticos Pedagógicos, Regimento Escolar e ConselhoEscolar, envolver todos numa discussão e construção. Sema participação de todas e sem a luz de uma base curricularnão é possível construir um novo currículo20.

As respostas dos coordenadores pedagógicos encontram respaldo

no que diz Arroyo (2014, p. 40):

Esses sujeitos constroem suas identidades coletivas apartir de uma rica história de lutas por espaços dedignidade. É necessário incorporar essas histórias noscurrículos para garantir o direito desses indivíduos aconhecimentos que os afetem verdadeiramente.

19 Coordenador pedagógico 1 - Maraã.20 Coordenador pedagógico 2 - Manacapuru.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)250

Planejando ações que visem uma aprendizagem positiva,sempre incentivando os alunos a fazer o correto, semprevalorizando seus costumes e tradição e respeitando asoutras pessoas21.

Devemos criar mecanismos para que o indivíduo possaalém de conhecer conteúdos éticos, possa praticá-lo. Ouseja, para que a pessoa seja consciente de que suas açõessão necessárias, que no decorrer do seu crescimento, elapossa realizar tarefas e atividades que a estimule a serum cidadão crítico. Está mais que comprovado que nãovale a pena ter o conteúdo e saber o que está certo ouerrado apenas, o que irá fazer a diferença é a prática deatitudes do que é considerado correto22.

A pesquisa revelou que alguns professores durante suas aulas

incentivam os alunos a fazer o que é correto, a valorizar seus costumes

tradicionais e a valorizar às outras pessoas. Assim, sendo, desenvolver

valores éticos, com atitudes profícuas, o pensamento no bem comum, irá

levar a sociedade a ter num futuro próximo os valores éticos vivenciados

no cotidiano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em 2004, quando os coordenadores estaduais da educação do

Programa Bolsa Família ansiavam e reivindicavam, junto ao Ministério

da Educação, um curso que possibilitasse aos profissionais da educação

compreender as razões que levaram o PBF a ser vinculado à escola, não

imaginaram ver suas expectativas atendidas de forma tão exitosa. Essa

21 Professor 1 - Maraã.22 Professor 2 - Manacapuru.

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251Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

reivindicação deu origem à formação continuada para esses

profissionais, por meio do Curso de Especialização em Educação, Pobreza

e Desigualdade Social.

O aluno pobre, marcado pela pobreza - essa que está em nossas

escolas, ao nosso redor e passa despercebida - não está nos planos

descendentes que vêm das secretarias. Uma vez que o centro das

preocupações está no anseio de alimentar, estatisticamente, o sistema

(democracia estatística), no controle administrativo e na pressão feita

para cumprir com o programa escolar.

Sob tal pressão e com “o foco” na proposta curricular e nos prazos

que devem ser cumpridos, o professor não reconhece esse aluno que é

beneficiário do PBF e que vive na pobreza ou extrema pobreza. Esse aluno,

por não apresentar o aproveitamento idealizado pela escola, em

decorrência da fome (por mais que queira estudar não consegue se

concentrar) que o faz aguardar ansiosamente pela merenda escolar (sua

única refeição do dia), será excluído mais uma vez, porque é considerado

um problema, pois não desenvolve sua aprendizagem da forma que a

escola deseja. Uma escola etnocêntrica e referenciada na eugenia, cujo

currículo está engessado, não considera as peculiaridades e vivências

desses sujeitos empobrecidos.

Contudo, a perspectiva de transformação dessa realidade por meio

de boas práticas pedagógicas pode se concretizar em um futuro próximo.

No decorrer da defesa pública dos Trabalhos de Conclusão de Curso - TCC,

muitos cursistas declararam que os estudos promovidos nos cinco

módulos, com a realização do efetivo trabalho acadêmico promovido com

os encontros presenciais, fóruns de debates, atividades e pesquisas,

produziram a oportunidade de reflexão e elaboração superior de novas

sínteses que lhes possibilitarão articular ações inovadoras.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)252

Tais sínteses servirão de base para ir de encontro a mudanças de

paradigmas, quanto ao modo como pensavam a pobreza, a desigualdade

social e o PBF; como se comportavam em relação às pessoas em situação

de pobreza que acorrem à escola onde trabalham; e como repensar os

currículos situados nos contextos cotidianos carregados da diversidade

própria das culturas nas suas diferenças emocional e histórica.

Relatos de alguns cursistas do município de Maraã, Manacapuru,

Novo Airão corroboram essa possibilidade. A cursista a seguir, desenvolveu

um projeto a partir do estudo dos módulos para trabalhar leitura e

cidadania na escola em Maraã.

Este curso tem sido um presente muito valioso, apesardas dificuldades, hoje posso dizer que me sinto mais pre-parada para atuar na área da educação, me sinto umaprofissional qualificada, com um conhecimento maisaprofundado, enfim um ser humano melhor que enxergaalém da aparência, de suas necessidades e particularida-des, e fará o melhor para contribuir com a melhoria denossa educação.

Outro Cursista do município de Manacapuru avaliou que:

O curso Educação, Pobreza e Desigualdade Social meproporcionou momento ímpar ao conduzir-me a um mundoreal, onde as desigualdades e injustiças sociais mascaradase invisíveis tornaram-se visíveis. Conduziu-me atransformação profissional, pessoal e social superandopreconceitos enraizados ao longo dos anos. Preconceitosesses decorrentes do desconhecimento e ignorância dosmales que a pobreza e desigualdade social ocasionam navida do ser humano, em especial àqueles que estãoiniciando a vida escolar, onde a anulação dosconhecimentos e vivências de milhões de crianças pobres

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253Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

que chegam à escola são tratadas como inferiores eincapazes de aprender por que vivem na pobreza23.

Uma participante de Novo Airão afirmou que:

De fato muito contribuiu os relatos dos pais, comunitáriose alunos, para ampliar meu desenvolvimento profissionale pessoal, pois a partir do curso adquiri conhecimentosque em outros cursos nunca foram abordados. Játrabalhava nessa linha de raciocínio, porém por meio dosrelatos pude constatar o quanto se pode crescer naprofissão, enquanto ser humano e nos sensibilizar comas vivências da pobreza e com isso fazermos a articulaçãoda pobreza e o currículo24.

De Autazes, o novo modo de pensar a realidade foi expressado

pela Cursista que afirmou:

Ao iniciar o Curso de Especialização Educação, Pobreza eDesigualdade Social houve uma grande expectativa noque se refere à questão de se aprofundar, em conheceressa realidade que apesar de estarmos inseridos e sermosparte integrante dessa vivência, muitas vezes fingimos ea ignoramos. Optamos por julgar nossos estudantes,dizemos que são incapazes quando não acompanham osconteúdos, quando na verdade são vítimas de um sistemaeducacional seletista, além de serem ignorados pelasociedade civil. E, continuam abandonados à margem dasociedade como se a sua condição fosse opcional por nãose esforçarem para mudar a sua condição de vida25.

23 Cursista do município de Manacapuru.24 Par ticipante de Novo Airão.25 Cursista do município de Autazes.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)254

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257Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Aldenei Moura Barros

Mestre em Educação Especial pela Universidade do Minho. Especialização

em Tecnologia Educacional e Licenciatura Plena em Filosofia pela

Universidade Federal do Amazonas pela Universidade Federal do

Amazonas. Tutor à Distância do Curso de Formação Continuada de

Capacitação para Aplicação do LSE em parceria do FNDE com a Universidade

Federal do Amazonas, CEFORT/FACED/UFAM; Tutor à Distância no Curso

de Pós Graduação Lato Sensu em Gestão Escolar do Programa Nacional

Escola de Gestores, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), CEFORT/

FACED/UFAM; Tutor à Distância no Curso de Pós Graduação Lato Sensu em

Coordenação Pedagógica do Programa Nacional Escola de Gestores, na

Universidade Federal do Amazonas CEFORT/FACED/UFAM; Tutor à Distância

no Curso de Pós-Graduação em Educação, Pobreza e Desigualdade Social,

CEFORT/FACED/UFAM.

Clotilde Tinoco Sales

Professora Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas- DMT, da

Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas - UFAM.

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade

de Educação da Universidade Federal do Amazonas. Mestra em Educação

pela Universidade Federal do Amazonas UFAM (2006), especialista em

SOBRE OS ORIENTADORES

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46257

Rosa Mendonça de Brito (Org.)258

Educação Especial pela Universidade Federal do Amazonas (1988),

especialista em Psicopedagogia e interdisciplinaridade pela Universidade

Luterana do Brasil - ULBRA (2001), Licenciada em Pedagogia pela UFAM

(1985). Participa do Grupo de Pesquisa Comunicação, Tecnologia e Cultura

na Educação Presencial e a Distância - CEFORT. Como docente da Faculdade

de Educação da UFAM, ministra várias disciplinas, destaca-se: Planejamento

e Avaliação do Ensino e da Aprendizagem, Didática, Metodologia da

alfabetização, Jogos e Atividades Lúdicas e Orientação de PIBIC. Atuou

como Coordenadora Adjunta Pedagógica do Programa de Formação

Continuada denominado “Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa” (2013-2015).

Maria Marly de Oliveira Coelho

Professora Adjunto IV da Faculdade de Educação da Universidade Federal

do Amazonas. Doutora em Educação pela Universidade Federal do

Amazonas – UFAM; Mestra em Educação e Especialista em Metodologia

do Ensino Superior pela Universidade Federal do Amazonas. Licenciada

em Pedagogia – Habilitação Orientação Educacional – pela UFAM. Assumiu

alguma funções administarativas na UFAM, entre estas destacam-se:

Coordenadora Acadêmica do Instituto de Natureza e Cultura – INC/UFAM;

Chefe de Departamento de Métodos e Técnicas/FACED; Membro da

Comissão Própria de Avaliação Institucional da UFAM. Publicação: Educação

a Distância: uma alternativa para a formação do professor leigo rural no

estado do Amazonas (livro); Capítulo do livro Coordenação Pedagógica:

reflexão e prática, além de alguns artigos publicados na Revista Dialógica

da FACED e em Anais de Eventos científicos na Afirse Portuguesa, na SBPC,

entre outros.

miolo o trajeto.pmd 13/06/2017, 09:46258

259Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Francinaldo Mendes de Oliveira

Professor da rede municipal de ensino. Mestre em Educação em Ciências

pela Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Educação

Matemática pela Escola Batista Superior do Amazonas. Licenciado em

Normal Superior e em Matemática pela Universidade do estado do

Amazonas. Ganhou o 1º lugar do Prêmio Destaque Pedagógico da

Secretaria Municipal de Educação de Manaus/SEMED (2012). Atualmente

atua como assessor pedagógico responsável pelo currículo de matemática

da SEMED, Programa Matemática Viva e coordenador na Olimpíada

Brasileira de Matemática no município de Manaus.

Gisele Lima Vieira

Funcionária pública da rede Municipal de Ensino em Manaus. Instrutora

Educacional na Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério

(DDPM) da rede municipal de ensino. Mestre em Educação pela

Universidade Federal do Amazonas pelo Programa de Pós-Graduação em

Educação -PPGE/UFAM (2016). Licenciada em Normal Superior pela

Universidade do Estado do Amazonas (2008).

Hellen Bastos Gomes

Professora de Serviço Social nível I da Universidade Nilton Lins -Unilins.

Assistente Social do Programa Observatório dos Direitos da Criança e

Adolescente – PRODECA. Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia,

Especialista em Saúde da Família pela Faculdade da Grande Fortaleza e em

Políticas de Enfrentamento a Violência Doméstica pela Universidade Federal

do Amazonas – UFAM. Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)260

do Amazonas. Participa do Grupo de Estudos e Pesquisas Contemporâneassobre Processos de Trabalho e Serviço Social na Amazônia (GETRA). Possuiexperiência na área de Serviço Social, com ênfase em Política, atuandoprincipalmente nos seguintes temas: trabalho, direitos, avaliação, exercícioprofissional e criança e adolescente.

Isamara da Silva Ohana

Professora da Secretaria Estadual de Educação do Amazonas/SEDUC/CEPAN/GEFOR. Mestranda em Ciências da Educação pela UniversidadeLusófona de Humanidades e Tecnologias-ULHT (PT). Especialista emMetodologia do Ensino Superior, pela Universidade Federal do Amazonas.Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas. Atuoucomo professora e pedagoga nos anos iniciais do Ensino Fundamentalem Escolas da Educação Básica (SEDUC/AM). Atuou como professoraassistente na Universidade Estadual do Amazonas/UEA. Coordenouprojetos de formação para os profissionais da educação, comoPROFUNCIONÁRIO, PNAIC, GESTAR II, dentre outros (SEDUC/AM).Experiências profissionais: Supervisora e Formadora em Projeto deLetramento de professores das redes estadual e municipal (UEA/AM);Articuladora Pedagógica de Educação Infantil - PROINFANTIL (MEC/SEDUC); Tutora e Supervisora em cursos de especialização em EaD (CEFORT/FACED/UFAM); Professora formadora e coordenadora de cursos para osprofissionais da educação (SEDUC/AM). Orientadora de TCC no cursoEducação, Pobreza e Desigualdade Social (CEFORT/FACED/UFAM).

Josete da Silva Ohana

Professora da Secretaria Estadual de Educação do Amazonas/SEDUC/CEPAN/GEFOR. Mestranda em Ciências da Educação pela Universidade

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261Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Lusófona de Humanidades e Tecnologias-ULHT (PT). Especialista em

Metodologia do Ensino Superior, pela Universidade Federal do Amazonas.

Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas.

Experiência profissional: Professora e Pedagoga nos anos iniciais do Ensino

Fundamental em Escolas da Educação Básica (SEDUC/AM); Professora

Assistente na Universidade Estadual do Amazonas/UEA; Coordenou

projetos de formação para os profissionais da educação, como GESTAR I

e II, PROFUNCIONÁRIO, dentre outros; Professora e tutora do Curso

PROGESTÃO (SEDUC/AM); Supervisora e formadora em projeto de

Letramento de professores das redes estadual e municipal (UEA/AM);

Coordenadora Auxiliar da Frequência Escolar no Estado do Amazonas pelo

Programa Bolsa Família (2004 a 2013); Tutora e pedagoga em cursos de

especialização em EaD (CEFORT/FACED/UFAM); Professora formadora e

coordenadora de cursos para os profissionais da educação (SEDUC/AM);

Tutora do Curso PROGESTÃO on line (SEDUC/AM); Orientadora de TCC no

curso Educação, Pobreza e Desigualdade Social (CEFORT/FACED/UFAM).

Lourdes Benedita de Oliveira Lira

Professora da Universidade Federal do Amazonas/FACED/DMT. Mestra em

Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do

Amazonas. Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Martha Falcão e

Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Estácio

de Sá. Foi Professora de Educação Profissional no SENAC, CETAM e

Pedagoga na Secretaria Municipal de Educação/SEMED. Tutora em EaD na

Unopar Virtual e Escola de Gestores/CEFORT/UFAM. Colaboradora do

PNAIC/CEFORT/UFAM. Orientadora de TCC no curso Educação, Pobreza e

Desigualdades Sociais CEFORT/UFAM. Tem experiência na área de Educação

Profissional, Tecnológico na Modalidade a Distância e Educação Básica.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)262

Luciana de Lima Pereira

Professora da Rede Municipal de Ensino atuando do 1º ao 5º ano.

Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação da FACED/UFAM.

Mestra em Educação PPGE/UFAM. Especialista em Metodologia do Ensino

Superior e Licenciada em Pedagogia - Habilitação e Orientação e Supervisão

Escolar pela Universidade Federal do Amazonas.

Marcia Jossanne de Oliveira Lira

Professora da Universidade Federal do Amazonas/FACED/DMT. Doutoranda

no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do

Amazonas/FACED. Especialista em Literatura Brasileira, Mestra em Educação

pela Universidade Federal do Amazonas. Licenciada em Letras e Psicologia

pela Universidade Federal do Amazonas. Atuou como professora em escolas

de Educação Básica (SEDUC/AM), lecionando língua portuguesa, língua

francesa e literatura brasileira. Atuou como professora de língua francesa

no curso de Letras da Universidade Federal do Amazonas de 1988 a 2010.

Coordenou projetos de extensão universitária e participou de projeto de

pesquisa na área de Letras e Educação que atenderam populações

indígenas Sateré-Mawé e Yanomami, bem como haitianos e comunidades

rurais da cidade de Manaus. Atuou também como professora formadora

em cursos de especialização em EaD e como revisora textual de materiais

didáticos em cursos desenvolvidos pelo CED/UFAM (Amazonas e Roraima)

e CEFORT/UFAM. Foi professora formadora do PNAIC nos anos I, II e III.

Orientadora de TCC no curso “Educação, Pobreza e Desigualdades Sociais

CEFORT/FACED/UFAM.

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263Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Maria de Jesus Souza Belém

Professora Assistente II da Universidade Federal do Amazonas. Doutora

em Educação pela Universidad de Valladolid/UVA-Espanha. Mestra em

Educação pela Universidade Federal do Amazonas. Licenciada em

Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas. Tem experiência na

área de Educação, com ênfase em Metodologia da Pesquisa em Educação,

Formação Inicial e Continuada de Professores, Coordenação Pedagógica,

Currículos e Práticas Pedagógicas na Educação Infantil e Anos Iniciais.

Membro do Grupo de Pesquisa CEFORT – Comunicação, Tecnologia e

Conhecimento para Educação Presencial e a Distância.

Maria do Perpétuo Socorro Duarte Marques

Professora Adjunta da Universidade Federal do Amazonas – FACED/UFAM.

Doutora em Ciências, área Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FFCLRP/USP.

Mestre em Supervisão e Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo - PUC/SP. Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela

Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Licenciada em Pedagogia.

Experiência Profissional: Coordenadora do Colegiado do Curso de Pedagogia;

Secretária Executiva da Secretaria de Educação e Qualidade do Ensino do

Estado do Amazonas - SEDUC/AM (2000/2002), Subsecretária da Secretaria

Municipal de Educação do Município de Manaus - SEMED (2003/2004).

Maria Ione Feitoza Dolzane

Professora Assistente da UFAM - lotada no Centro de Educação a Distância.

Atua na área de Gestão de Projetos e Sistemas para a Educação a Distância.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)264

Doutoranda em Educação no campo das Novas Tecnologias aplicadas àEducação. Mestrado em Educação: Gestão aberta em plataformas digitaisno campo da formação continuada de professores-2015(UFAM).Especialização em Produção de Material Didático para EAD (UFAM);Especialização em Produção Textual (UFAM); Especialização emMetodologia do Ensino Superior (UFAM). Licenciatura em Letras LínguaPortuguesa (UFAM). Experiência na área de Letras, atuando principalmentenos seguintes temas: Leitura e produção textual. Revisão textual EducaçãoEspecial de Surdos. Educação a Distância atuando em acompanhamento eAvaliação de Material Didático para Educação à Distância.

Maria Sônia Souza de Oliveira

Professora da Universidade Federal do Amazonas- UFAM/FACED. Mestraem Educação pela Universidade Federal do Amazonas na área da Educaçãode Jovens e Adultos - EJA. Especialista em Docência do Ensino SuperiorPela Faculdade Cândido Mendes e em Psicopedagogia pela UFAM.Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas/UFAM.Coordenou o Núcleo de Educação de Jovens e Adultos da SecretariaMunicipal de Educação SEMED/Manaus. É membro do Centro de Formação,Desenvolvimento de Tecnologias e Prestação de Serviços para a RedePública de Ensino – CEFORT. É pesquisadora dos seguintes temas: EducaçãoInfantil e Anos Iniciais, Ensino, Desenvolvimento e Aprendizagem,Formação de Professor e Educação à Distância.

Raimunda Josinete dos Santos Carvalho Buás

Professora da rede estadual de ensino, trabalhando no Centro de FormaçãoProfissional Padre José de Anchieta - CEPAN/SEDUC. Especialização emHistória Social da Amazônia e Licenciada em História pela UFAM.

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265Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

Regina Marieta Teixeira Chagas

É Assessora Técnica da Câmara de Educação Superior. Mestra em Educação

pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (2010).

Especialista em Gestão de Sistemas Educacionais pela Faculdade de

Educação da Universidade Federal do Amazonas (2000). Bacharel em

Filosofia pelo Centro de Estudos do Comportamento Humano - CENESCH

(1988) e Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas

(1997). e Trabalhou como professora credenciada no PEFD Programa

Especial de Formação Docente /FACED-UFAM. Atuou como Diretora de

Departamento - Secretaria de Estado da Educação e Qualidade do Ensino.

Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e

Avaliação Educacional, Didática e Teoria e Prática da Alfabetização.

Conselheira do Conselho Estadual de Educação - CEE/AM.

Robert Langlandy de Lira Rosas

Professor de Língua e Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da

UFAM. Graduado em Letras e Mestrado em Educação pela Universidade

Federal do Amazonas. Doutorando em Educação no Programa de Pós-

Graduação em Educação da FACED/UFAM. Exerceu várias funções públicas:

Chefe do Departamento de Letras e Literatura Portuguesa (UFAM).

Atualmente é Secretário de Educação do Município de Itacoatiara.

Principais temas de estudo: formação em leitura e produção textual,

gêneros do discurso, produção de sentidos; na área de Educação: didática

de gêneros textuais.

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)266

Rosejane da Mota Farias

Professora da Universidade Federal do Amazonas. Doutora em Educação

pela Universidade Federal do Amazonas. Pesquisadora nas áreas da Surdez

e Arte-educação com ênfase nas seguintes temáticas: Estudos Surdos,

Educação Especial, Identidades Surdas, Libras, Políticas Linguísticas,

Língua Portuguesa, Teatro e Música. Intérprete de Libras (Língua Brasileira

de Sinais). Musicista e Atriz da Companhia de Teatro “A RÃ QI RI”.

Rosenir de Souza Lira

Professor Adjunto da Universidade Federal do Amazonas, vinculado ao

Departamento de Administração e Planejamento/DAP, da Faculdade de

Educação/ FACED. Doutor em Educação pela Universidad de Valladolid –

Espanha. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Amazonas.

Bacharel em Filosofia, Educação Física e Direito. Tem experiência na área

de Educação, com ênfase em Administração de Sistemas Educacionais,

atuando principalmente nos seguintes temas: Legislação educacional,

Projeto de Pesquisa em Educação, antropologia e educação; cidade e

educação ambiental.

Salete da Silva Lima

Mestra em Educação pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM.

Especialista em Produção de Material Didático para Ensino a Distância

pela UFAM e em Divulgação e Jornalismo Científico em Saúde na Amazônia

– FIOCRUZ. Bacharel em Comunicação Social habilitação em Jornalismo

pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Tem experiência na área

de Comunicação, com ênfase em Vídeodifusão, atuando principalmente

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267Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas

nos seguintes temas: televisão, educação e tecnologia e jornalismo

científico.

Thaiany Guedes da Silva

Pesquisadora licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado do

Amazonas. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Mestra em Educação do PPGE

– UNESP (Universidade Estadual Paulista). Temas de interesse: Processos

Cognitivos da Didática das Ciências; Desenvolvimento do Ensino e

Aprendizagem no contexto dos anos iniciais do Ensino Fundamental;

Relações e Mediações dos Saberes da Docência no contexto das práticas

de formação continuada, foco da sua atual pesquisa.

Valdete da Luz Carneiro

Professora Adjunto IV da Universidade Federal do Amazonas, lotada no

Departamento de Administração e Planejamento da FACED. Mestre em

Educação pela Fundação Getúlio Vargas. Tem experiência na área de

Educação, com ênfase em Administração de Sistemas Educacionais e

Planejamento Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas:

Educação do Campo; Currículo e Educação; Educação Básica e Planejamento;

Gestão da Educação. Presidente da Comissão Própria de Avaliação

Institucional/UFAM.

Waldemir Rodrigues Costa Júnior

Professor Assistente I do Departamento de Métodos e Técnicas - DMT da

Faculdade de Educação - FACED/UFAM. Mestre em Geografia pela

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Rosa Mendonça de Brito (Org.)268

Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Atua na formação continuada

de professores, em cursos de pós-graduação lato sensu e como

pesquisador no Centro de Formação Continuada, desenvolvimento de

Tecnologias e Prestação de serviço para a Rede Pública de Ensino – CEFORT/

FACED/UFAM. Tem experiência na área de Geografia e Educação, com ênfase

em Geografia Humana, Geografia Cultural, Ensino de História e Geografia,

atuando principalmente nos seguintes temas: Métodos e técnicas de

ensino; Teorias e métodos de Geografia; Espaço, Cultura e Urbanização

na Amazônia; Currículo, Metodologias de Ensino e Práticas pedagógicas

de História e Geografia no Ensino Fundamental e na Educação Infantil;

Metodologias do Ensino de História e Geografia nos Anos Iniciais do

Ensino Fundamental, entre outros.

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