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Miolo PG-16 80 pags - ccrp.usp.br · Profª Drª Maria Arminda do Nascimento Arruda ... Josiane Cheli Vettori A serenata de uma única voz Se alastrava pela madrugada intrépida E

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Prof. Dr. João Grandino RodasReitor

Profª Drª Maria Arminda do Nascimento ArrudaPró-Reitora de Cultura e Extensão Universitária

Prof. Dr. José Moacir MarinCoordenador do Câmpus de Ribeirão Preto

João Braz Martins JúniorDiretor da Divisão de Atendimento a Comunidade

Camila de Carvalho MicheluttiChefe da Seção de Atividades Culturais

Seção de Atividades Culturais

Aurélio M. C. Guazzelli (Lelo)Camila de Carvalho Michelutti

Carlos de Araújo ArantesIvani Moreno CardosoLélis Camilo Cavalieri

Maria Aparecida Rodrigues VitorRafael dos Santos Elias

Regina Célia Reis da SilvaSandra Regina Arcanjo de Carvalho Melo

Ribeirão Preto, SP

Volume 16

2010

ISSN 1516-0513

poesia & prosa

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOPRÓ-REITORIA DE CULTURA E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

COORDENADORIA DO CÂMPUS DE RIBEIRÃO PRETODIVISÃO DE ATENDIMENTO A COMUNIDADE

SEÇÃO DE ATIVIDADES CULTURAIS

ProduçãoSeção de Atividades Culturais

Coordenação do ProjetoLelo Guazzelli

Seleção de OriginaisÁlvaro CarettaElis de Almeida Cardoso

Preparação, Projeto Gráficoe Supervisão GráficaValnei Andrade

IlustraçõesCordeiro de Sá

SEÇÃO DE ATIVIDADES CULTURAIS • DVATCOM / CCRP – USPCoordenadoria do Câmpus de Ribeirão Preto • USPRua Pedreira de Freitas, casa 04 – tel.: (16) 3602.353014040-900 Ribeirão Preto / SP

www.ccrp.usp.br/[email protected]

Ele está no colegial, se preparando para o vestibular. Já sai sozinho, mas ainda não esbarrou em namoro sério. Está “naquela” fase difícil... Alguns amigos já deram o toque e dizem que sabem fazer sexo:

“— Mas por que comigo tudo fica tão difícil? Eu me aproximo dela e a voz não sai. Depois tem a camisinha pra colocar... Ah, sei lá se queria transar, meu medo ia estra-gar tudo. Mas namorar... Sinto que vou ser um bom namorado. Queria deixar a paixão rasgar as nuvens, queria sentir o sangue ferver, abraçar, beijar... Bom, o negócio é estudar, mudar de assunto e me preparar para a profissão... Mas qual é mesmo a que eu vou escolher?”

Quando preparei o material para este volume, me remeti à idade do projeto, como se fosse um filho de carne e osso, em profunda crise de transição para a fase adulta. Na minha opinião, uma crise saudável que fomenta a discussão e estimula o conheci-mento. Ao mesmo tempo, busquei a mim, lá nos meus dezesseis, e me vi escrevendo os primeiros versos. Percebi que este livro (este filho) nasceu em decorrência desta fase de turbilhão que me fazia escrever e me aproximar da literatura.

Uma idade tão importante para todos nós, onde a dúvida e o questionamento pre-valecem, não podia passar em branco. Por isso o convite especial ao artista Cordeiro de Sá para ilustrar a capa do Poeta de Gaveta, que nos quinzes volumes foi suporte para o registro de inúmeras ideias criativas de pessoas que estão ou que passaram pelos campi do interior da Universidade de São Paulo.

Boa leitura a todos!

Lelo Guazzelli

apresentação

Já se passaram 16 anos, o Poeta aqui não é mais tão menino...

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Poeta de Gaveta 16

Os textos selecionados falam de amores, perdas, desejos, desilusões, experiências de vida. São sentimentos que geram poesia.

Ao escolher palavras, o poeta revela seus sentimentos e opiniões através de efei-tos de sentido. No entanto, o verdadeiro encanto da poesia vai além de um exercício estético. Ao escolher as palavras, colocá-las em versos e rimá-las para expor seus sentimentos, esses poetas dão continuidade a uma forma milenar de se compreender o mundo por meio da poesia. Ao escolher palavras e torná-las mais belas, esses poetas dão a nós, leitores, a oportunidade de ver como a vida pulsa à nossa frente, ainda que despercebida.

Parabéns e obrigado a todos os poetas!

Álvaro Antônio CarettaElis de Almeida Cardoso

• Álvaro Antônio Caretta é pesquisador e professor. Atualmente desenvolve doutorado sobre a canção popular brasileira junto ao Departamento de Linguística da USP-SP.

• Elis de Almeida Cardoso é doutora em Letras e professora de Língua Portuguesa na FFLCH – USP.

comissão de seleção

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20 • Ficções de uma personagem | Josiane Cheli Vettori22 • O meu lugar | Josiane Cheli Vettori23 • Quando recordares de mim... | Maria Cristiane B. Galvão24 • Riminha de rua | Maria Cristiane Barbosa Galvão26 • Festa | Maria Cristiane Barbosa Galvão27 • A memória que me escapa... | Elaine Marcussi28 • Espelho | Joane Kathelen Rustiguel Bonalumi30 • Sou um ser cheio de... | Roberto Rosa de Faria31 • Amor aos pares | Leandro Amorim Rosa33 • Palavra | Moysés Elias Neto34 • Questões sobre o corpo | Edberto Ferneda36 • O mundo instantâneo gira | Victor de Barros Malerba37 • Falhei, falhei e falhei novamente | Victor de B. Malerba38 • Um dia de chuva | André Luís Salgado40 • Balzaquiana vida – II | Rejane Barbosa de Oliveira41 • Balzaquiana vida – III | Rejane Barbosa de Oliveira42 • Descobrimento | Fábio Scorsolini44 • Saiba disso | Rafael Mascarenhas de Almeida45 • O salto para o escuro | Clélia Camargo Cardoso52 • Desejo | Lorena Virgínia Besse

índice

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54 • O algo | Isnaldi Rodrigues de Souza Filho56 • A prostituta | Humberto Felipe da Silva58 • Vida bandida | Humberto Felipe da Silva59 • Lacunas | Ismael Nunes60 • Quiproquó | Alexandre Vendemiatti64 • Suave saudade | Roque Emmanuel da Costa de Pinho66 • Cenário | Roque Emmanuel da Costa de Pinho67 • Dia de remo | Luciana A. M. Pereira68 • Maldição | Caroline Marconato Azzini Matheus70 • Se fosse minha... | Ciro Júlio Cellurale

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ficções de uma personagemJosiane Cheli Vettori

A serenata de uma única vozSe alastrava pela madrugada intrépidaE incomodava sua doçuraE a capacidade de personificarOs entremeios das linhasDe um coração a cantarolar...

Tocava por entre teclasDe um piano mudoCom encaixes desafinados...

Não obstante o meio...A forma surpreendiaE a voz conduzia magistralmenteA perfeição da noite arrogante...

Janelas se abriamE com elas, ouvidos sofridosCorações medrososQue se afagavam na flacidez do sentimentoDe uma singela voz...

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A voz permeava por dentre os olhos...Regava plantas e certos mundos...Invadia sem cautelaA rigidez das pedras e elas se derretiamFormando um mel viscoso e doceQue todos corriam para degustar...

Por fim, a arrogância cedeuE os habitantes que ouviram puderam testemunharAcabou-se a noiteE surgia por um fio de melodiaOs primeiros raiosA resposta da noite se deuNa exclamação de um novo dia!

Josiane Cheli VettoriA • FMRP – Nutrição e Metabolismo“A poesia é a arte de ser livre! Tenho profunda paixão pelo mundo das palavras e já participei de projetos como o La-tinidade Poética. Tenho um blog de poesias — estacoesemfim.blospot.com — e esta é a minha primeira participação no projeto Poeta de Gaveta.”

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Mostro o trajeto de uma página em branco,Deslizando em meus dedosOs traços que preciso fazerEm contornos invisíveis, que ninguém possa ver

Dessa forma, vou descrevendo caminhosE novas sensaçõesAs aparências do que não se vêMas que existe, que persiste!

Assim vou perambulandoDentre trajetos estreitosE por entre frases largas na sensibilidade...A felicidade precisa se adequar aos parênteses!

Caminho enfrentando confrontosCaminho contorcendo doresCaminho retomando sobriedadePara alcançar o lugar onde sempre estive...O meu lugar!O meu lugar!

o meu lugarJosiane Cheli Vettori

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quando recordares de mim...Maria Cristiane Barbosa Galvão

Não ambicionei colonizartua existência ou apoderar-me de ti.Quando cansada, se me permitisses,eu pretendia me aconchegar no teu colo.Quando quisesses, contigocompartilharia meu ombro.Se desejasses um filho,sem intenção religiosa,meu ventre eu cederia.Nas vezes que te chamei de “meu anjo”foi porque me iluminastes a vidaQuando mudei teu nome para “meu amor”foi porque me despertastes sentimentosos melhores, os não denomináveis.Minhas palavras, embora rimem,não são por acaso.Na impossibilidade de estar ao teu ladopor vontade tua,nesta noite especialmente,desejo que ames e sejas amadoque desejes e sejas desejado —sempre gritandomeu nome em silêncioquando, porventura, inebriado,de mau humorou em um ato de pseudo-amor,recordares de mim.

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riminha de ruaMaria Cristiane Barbosa Galvão

Na minha terra,tem criança que ri em meio ao lixoe divide o pão com seu cachorro.Tem jovem descalço em dia frioque parado ficaao ver o semáforo fechado.E tem motorista que avança o sinalpara não ser assaltado.Na minha terra,tem gente que dorme na rua,tem moça que anda nua,para vender o seu corpo.Na minha terra,Tem doutor que não sabe dizer bom dia etem a moça do café que não deixa de fazê-loe tem aquela mulher que apanha o dia inteiro.Na minha terra,Tem o seu João que nasceu para ser porteiroE tem o seu Zé que sobrevive enquanto derE também tem um rapaz que adora ser lixeiro.Ele progrediu — já trabalhou no canavieiro.

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Na minha terra,tem hipocrisia.Tem gente que anda noite e diamas nada vê ao seu entorno.Na minha terra,tem gente que finge ser o que não é.E tem gente que é e finge nada serpara não ser invejado.

Maria Cristiane Barbosa GalvãoD • FMRP“As palavras e os versos percorrem o meu destino. Deixo aqui alguns deles.”

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Minha festa é diferente da tua.na tua festa, muitas pessoas chegamna minha, duas pessoas bastamna tua, as conversas são conhecidasna minha, as frases quase não têm sentidona tua, a trilha sonora é planejada e o ritmo é rápidona minha, os ritmos variam espontaneamente sem cobrançana tua, a música é cantada altana minha festa, muitos sons são falados baixinho ao ouvidona tua, as pessoas acompanham a músicana minha, os corpos compõem a músicana tua festa, há bonecos e panos floridosna minha, há roupas espalhadas pelo chãona tua festa, o silêncio incomodana minha, o silêncio se mescla ao êxtaseda tua festa, as pessoas se vãona minha festa, quem chegaembora não quer ir.

festaMaria Cristiane Barbosa Galvão

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a memória que me escapa...Elaine Marcussi

Pé ante pé... CaminhoTal qual o fotógrafo de tempos idosQue fazia dos passos o “zoom” da imagemPé ante pé... Quase não respiroPorque temo que a cada passo a frenteSe apague o passo dadoPé ante pé... Procuro lembrar-meDa imagem que o obturador não capturouMas, que meu coração guarda consigo.Às vezes sem cor e desbotadaA memória me falha...Vem em volteios rápidos que nenhuma máquina é capaz de prenderPé ante pé... Transformo-a em palavras...Antes que o tempo a tome de mim!

Elaine MarcussiA • FFCLRP – Ciência de Inf. e Doc.“Minha atividade literária pode ser resumida em minha profunda bibliofilia. Até o presente momento, publiquei artigos científicos, mas ver um poema publicado será maravilhoso!”

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espelhoJoane Kathelen Rustiguel Bonalumi

Quando olho o céu e a noite chegatenho uma imensa vontade de chorarenquanto as cores enchem o espaço de belezameu coração se enche de tristezavejo a vida toda em meu olhar!

Ah! quanta incerteza...Se busco o espelho do Universo em minha almaencontro o vazio de um vácuo a minha esperae o abismo infindo que me abrigaé apenas refúgio de quimeras

Tanta espera...Se o vento soubesse do pânico de um murmúrioFaria calamidades sobre o mundopara acalmar as dores desta fera.Choveriam lágrimas de infortúniocaos, escuridão e escombrossob os martírios desta terra.

Joane Kathelen Rustiguel BonalumiMestrado • FCFRP – Ciências Farmacêuticas“Participei do Poeta de Gaveta volume 15.”

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Roberto Rosa de Faria

Sou um ser cheio de recantos para a preguiçaCheio de redes à sombra de árvoresPois o que dá prazerNão exige esforço

O esforço estáJustamenteEm fazer contra a vontade

Veja que os sonhos não nos exigemPara serem realizadosSó os que não são verdadeirosPois se é sonhoE se é verdadeiro

A natureza há de conspirar a favor

SouO homem dos meus sonhosE vou além

Roberto Rosa de FariaA • FORP

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amor aos paresLeandro Amorim Rosa

Amo-te toda, mas te vejo aos pares.

Procuro em todo canto alegriaCasas, praças, bares.Mas só em teus olhos minha vida vira poesia.

Procuro razões para nós em tudoLivros, preces, sábios.Mas a resposta só encontro nos teus lábios

Quero perder entre teus seios meu rumoCaminho, estrada, trilha.Sonhar que você seja para sempre minha.

Que tuas pernas façam minha prisãoCadeia, algema, corrente.Como quem não teme a proposta da serpente.

E no fim possa te sentir inteiraBeleza, virtude e defeito. Um belo corpo e uma linda alma, o par perfeito.

Leandro Amorim RosaA • FFCLRP – Psicologia

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palavraMoysés Elias Neto

Palavra lida, palavra escritaPalavra crua, confinadaCuidadosamente amadurecidaPalavra engavetada

Palavra lida, palavra escritaPalavra domada, manufaturadaEstrategicamente construídaPalavra pensada

Palavra lida, palavra escritaPalavra livre, intocadaMaravilhosamente concebidaPalavra encantada

Moysés Elias NetoDoutorado • FFCLRP – Biologia/Entomologia“Pós-graduação em Entomologia desengavetando sua po-esia.”

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Meu corpomeu estar-no-mundo

espaço e tempoacaso ou destino?

Meu corpomeu contornocor e forma

invólucro ou embalagem?

questões sobre o corpoEdberto Ferneda

“Que a terra há de comer,Mas não coma já.

Ainda se mova,para o ofício e a posse.”

Carlos Drummond de Andrade

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Meu corpominha matéria

luxúria e soberbapecado ou perdão?

Meu corpomeu fardo

dor e prazerprisão ou refúgio?

Meu corpominha imagemluz e sombra

vergonha ou vaidade?

Meu corpobaú de ossos

lembrança e esquecimentode histórias imemoriáveisque a terra há de comer

Edberto FernedaD • FFCLRP

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O mundo instantâneo girae o conhecimento roda

Nesta minha visão borrada, não consigo definir: é pião ou funil?O pensamento é fragmentado e afunilado, junto com todos os meus sentidos

Em meio à confusão, tento perceber a razão e adivinharqual será o resultado desse sistema de produção?

mas a razão já há muito se perdeu paraalém das paredes deste funil, cada vez

mais próximo, e o produto resul-tante permanece incógnito

será avaliado, provado,reprovado, aprovado,

etiquetado,explorado,reciclado.esmola,escolabitola

eu.

Victor de Barros Malerba

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Falhei, falhei e falhei novamenteNão sou minhas qualidades

Sou meus defeitos e minhas falhasque lapidaram a pedra perfeita

que nunca existiuque se gastase deteriora

consomesome

Victor de Barros Malerba

Victor de Barros MalerbaA • FFCLRP – Psicologia“Não possuo experiência em publicações anteriores.”

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um dia de chuvaAndré Luís Salgado

Gotas ligeiras riscam a paisagemFiguras angélicas contemplam o entardecerAzaleias colorem a escuridão do diaNuma singela melodia de nuvens decaídas

Paira no ambiente a calma envolventeAo fundo do espetáculo, ouve-se o pianistaQue mesmo não estando presenteDedilha imortais canções de pura sublimidade

Quantas chuvas de verão pintaram o cenárioÉ final de expedienteAs pessoas olham pela janelaSem perceber o quanto é bela

Detalhes vivos e presentes passam despercebidosVerdes de vários tons diversificam nos olharesMesmo na claridade opaca que envolve o diaPercebemos ainda, a força da luz que nos guia

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Olha que beleza o efeito daquela gota!Círculos perfeitos propagam em ondas!

Em uma singela varandaAgora ao som de SchubertChoram os violinos melodiososAnunciando o entardecer cinzento, mas sereno

A natureza de sonora sublimidadePersiste em manter o acalantoInspirando a observação do poetaQue encerra os últimos rabiscos de afeto

André Luís SalgadoF • FEARP“Iniciei as atividades em agosto de 2008. Ainda não publi-quei meus escritos. Esta é minha primeira oportunidade.”

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Amor aos vinte é inconsequente, imaturo, submisso.Amor aos trinta é seguro, com riso, sem lágrimas vãs.Aos vinte, há a busca da beleza,Aos trinta, a busca da alma.A partir dela, a beleza se ressalta e se mostra verdadeira.

Comer chocolate não é mais fetiche.Sobremesa aos trinta tem que ter requinte.Aos trinta, salto alto não é vaidade,É sonho amadurecido, objetivos alcançados,Mente constante, prazer assegurado.

balzaquiana vida – IIRejane Barbosa de Oliveira

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Aos vinte eu tinha asas,Aos trinta eu tenho chão.Aos vinte eu ouvia música,

Aos trinta sou canção.

balzaquiana vida – IIIRejane Barbosa de Oliveira

Rejane Barbosa de OliveiraDoutorado • FCFRP – Ciências Farmacêuticas“Tenho apenas textos técnicos científicos publicados. Nenhum relacionado à literatura, embora eu já tenha textos publi-cados para público leigo em revistas como Ciência Hoje, Revista Recreio e um livro sobre plantas tóxicas.”

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Tinha uma pedra portuguesaNo meio do caminho.No meio do caminhoTinha uma pedra portuguesa, com certeza.

Nunca me esquecerei dessa pedraPor sobre os meus azulejos marejados.

Essa pedra rola pelos becosDa Baixa ChiadoCantando um fado impossível.

A pedra desce,Mas a portuguesa está à garganta.Deve ser amor, que incerteza!

descobrimentoFábio Scorsolini

Já não sei andar só pelos caminhos,Porque já não posso andar só.

Alberto Caeiro

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No caminho do TejoAtiro a pedra, as vestes e o desejoPela epifania desse instante.

Meu barco é uma pedraQue navega, com certeza:Cais simCais nãoCais aquiNo meu coração.

Fábio ScorsoliniMestrado • FFCLRP – Psicologia“Já participo do Poeta de Gaveta desde a graduação e encontro nesta proposta um espaço de acolhimento das minhas produções. Coragem de abrir as gavetas e muita vida para recheá-las de histórias, dores e esperança.”

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Deixei de enxergarDeixei de ouvirPassei a falarbesteiras por aí

Não desejava um quererNada queria tentarPorém quero dizer,viver assim não dá

Não veja só por verNão ouça por ouvirNão fale por falar

Fale para dizerOuça para entenderVeja para crer

Goze do Saber!

saiba dissoRafael Mascarenhas de Almeida

Rafael Mascarenhas de AlmeidaA • FFCLRP – Licenciatura em Química“A minha vida é marcada por um somatório de habilidades artísticas que inclui o domínio das ilustrações (desenho), das palavras, dos números (química) e também da música (canto). Em todas essas vivências, eu procuro aprimorar a maneira de se observar a natureza e o que a compõe.”

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Solene, vestiu-se de branco, pendurou vários colares de contas no pescoço, pul-seiras idênticas sobre os braços morenos, enrolou um turbante na cabeça. Queria es-tar como uma baiana, uma serva da religiosidade. Era sua despedida deste mundo.

Dirigiu o carro até a ponte. Estacionou nervosamente. Como estar calma no mo-mento em que se decide dar fim à própria vida? Um trago de cachaça lhe dera coragem.

Desceu apressada, acionou o alarme, como sempre fazia.

— Para quê? Interrogou-se.

A resposta na ponta da língua:

— Para não dar trabalho a ninguém.

Lágrimas jorravam de seus olhos. Como um fantasma, dirigiu-se ao meio da ponte semi-escura. Naquele dia não havia pescadores. Eles costumavam lançar suas linhas do alto.

Deu uma última olhada para o céu. Milhares de estrelas ainda estavam lá, im-plorando por um milagre. A lua minguante e pálida mal iluminava seus passos até o beiral.

Retirou as sandálias de tiras de couro enroladas até a canela. Colocou-as lado a lado. Dobrou a saia rodada e vagarosamente subiu o beirado. Olhou a água escura abaixo.

Sentiu um tremor, mas não desistiu. Uma perna, depois a outra e já estava na posição do salto para o escuro. A decisão era irreversível.

o salto para o escuroClélia Camargo Cardoso

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Ficou com medo de saltar de ponta, mesmo querendo morrer tinha horror à ima-gem da cabeça despedaçando-se. Pulou em pé.

Impossível descrever a sensação. Tudo muito rápido, um calafrio lhe percorrendo a espinha. Afundou como uma pedra. Sentiu arranhões de galhos no corpo, cor-tando-lhe como facas. Ao perceber a falta de oxigênio, emergiu instintivamente. Achava que desmaiaria na queda, que tudo seria instantâneo. Nada disso, teria que sofrer mais ainda.

A cabeça para fora foi um alívio. Estava viva. A correnteza a arrastava rio abai-xo.

O gosto na boca era terrível, tomara muita água. Sem coordenar pensamentos, movimentos e respiração suficientemente, deixou-se arrastar por centenas de me-tros.

Lampejos de lembranças povoaram sua cabeça. Viu-se nadando no rio limpíssimo quando pequena. Desde muito cedo nadava sem colete salva-vidas nos rios, onde aprendera as primeiras braçadas assim como as outras crianças da família. Naquela época quase tudo se aprendia por conta própria.

Aos poucos tomou consciência de que deveria reagir, dirigir-se para a margem.

Com muito custo conseguiu afastar-se da correnteza e aproximar-se do barran-co. A água tinha vontade própria, uma fúria absurda. Ademais, havia pedras, galhos, folhas e muito lixo. Segurou-se no que julgou ser um arbusto que avançava vindo da margem.

Respirou aliviada. Sentia dores por todo o corpo. Até seu couro cabeludo doía. O turbante ficara nas profundezas, como um presente a Iemanjá, que lhe contrariara salvando-lhe a vida, não era sua sina enterrar-se no rio. Alguns colares haviam sobrevivido assim como pulseirinhas que se esgarçaram, mas se mantiveram teimo-samente dependuradas.

Era forte, embora de estatura mediana. As mulheres costumam ter uma força descomunal. Arrastou-se segurando o galho até alcançar o capim. O cheiro da água fétida a impregnava. Cheiro de porco, de merda, nem sabia de que, de tão ruim que era.

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Quando se sentiu firme para subir o barranco, uma surpresa desumana. Um cão se aproximava rosnando e ameaçador. Imaginou que seria terrível ter que retornar, tentar subir em outro lugar. Sangrava nas escoriações e sentia um frio enorme.

Não havendo muito que fazer, recuou, afastando-se daquele demônio. Soltou o galho, entregando-se pesadamente ao borbulhão. Já estava exausta.

— Teriam encontrado o carro? Perguntava-se angustiada.

Seria um mico a encontrarem daquele jeito. Que explicação daria às pessoas que amava? Marido, filhos, amigos, todos estariam apreensivos.

Mas antes de arrumar uma estória convincente precisava sobreviver.

— Ah! Agora queria a sobrevida! Caçoava de si mesma.

Quase não havia mais pernas, nem braços, nem mente. Os cabelos compridos, desgrenhados e pegajosos de lodo lhe pesavam nas costas. Os membros lenhados. A cabeça latejava. A água gelada chegava até as entranhas amarguradas e tensas.

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A noite ainda não se fora. Perdida na escuridão. Indignada questionava-se:

— Que ideia maluca! Por que não saltara de um prédio? Não tomara um veneno? Não cortara os pulsos ou se dera um tiro letal? Tantas maneiras mais simples e rá-pidas de acabar com a vida!

Lembrava-se de que quando pequena ouvira várias histórias horrorosas de sui-cidas. Uma delas, a da mulher que bebeu soda e vomitou os órgãos para fora. Outra da moça apaixonada que comeu em demasia, tomou banho gelado e teve conges-tão, ficou toda retorcida. Do velho que pulou do caminhão e morreu atropelado. Da mulher que ateou fogo em si mesma e deixou os filhos pequenos para trás. Tristezas sem fim, que na boca do povo se tornaram motivo de piada.

O medo do vazio insistia em retomar. Degradação total. Ocupada com lida, afas-tou os pensamentos sinistros.

Assustou-se quando empacou em alguma coisa. Era uma canoa aportada pró-xima à margem. Uma esperançazinha de sair daquele pesadelo em que se metera voluntariamente.

Agarrou-se à proa com força. Nada havia em seu interior.

Decidiu se despir, pois assim seria mais fácil pendurar-se naquilo.

O barco ou afundava ou virava para os lados. Quase ia desistindo, quando ouviu uma voz masculina brotar da escuridão:

— Que é isso que está se mexendo aí?

Silêncio. Teria que se acalmar até que o homem das trevas fosse embora. Por que não pedia socorro?

A luz da lanterna vinda da margem passou sobre sua cabeça. Fez força para en-terrá-la para baixo, escondendo-se. Ficou sem respirar o quanto pôde. Voltou à tona e entregou para Deus seu triste destino. A voz se calara.

Teria que ficar por ali tremendo de frio ou então ir de encontro ao leito do rio novamente. O desânimo a fez desistir de qualquer movimento.

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Quando abriu os olhos vagarosamente percebeu que estava na cama de um hos-pital. Pessoas que se encontravam de plantão aclamaram:

— Graças a Deus, ela está reagindo! Bateram palmas.

Tudo era muito confuso. Mas era bom estar em segurança, deitada sobre o lençol macio e branco, coberta até o pescoço por um pesado cobertor.

Mais tarde lhe contaram que fora achada próxima ao rancho de pirangueiros. Prestaram-lhe os primeiros socorros, respiração boca a boca, colocaram-lhe uma coberta. Chamaram o resgate. Também fizeram o favor de comunicar à imprensa o achado. Tinham visto a notícia na televisão, sabiam sobre o carro estacionado pró-ximo à ponte, sobre a mulher desaparecida misteriosamente.

Lentamente a razão foi sendo recuperada. Palavras eram balbuciadas. A visão ainda turva reconhecia os rostos com dificuldade. Não sabia ainda há quanto tempo estava ali, nem o estrago que havia feito consigo e com aquelas pessoas tão ama-das.

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Todos queriam lhe interrogar, saber o que tinha acontecido. Conseguia apenas encher os olhos de lágrimas, que vagarosamente escorriam salgadas e mornas.

Estivera próxima da morte. Quebrara uma tíbia, trazia ferimentos pelo corpo todo, marcado por enormes manchas roxas.

Foi um alívio reconhecer o semblante da mãe. Pediu que se aproximasse, sussur-rou que gostaria de ficar sozinha com ela.

A companhia daquele anjo lhe daria tranquilidade e confiança. Tinha certeza de que não lhe cobraria explicações, lhe entenderia mesmo sem saber (ou até sabendo) o motivo do ato desatinado.

Pediu um espelho. Quase deu um grito de horror. Olhos roxos, pontos cirúrgicos nos enormes lábios emendavam a carne rasgada. Os cabelos cortados bem curtinhos, em alguns lugares raspados. Pelo soro escorriam antibióticos, calmantes e analgési-cos. Contudo, sentiu-se amparada.

A enfermeira improvisada, mas tão querida, fazia de tudo por ela. Cuidados, iguais aos que tivera na infância. Comida na boca, banho na cama, afagos. Não me-dia esforços em demonstrar todo o amor e preocupação com a filha, sabia que era corajosa, que tudo seria superado.

Finalmente recebeu a visita do médico. Um jovem sisudo, mas educado. Falava pausadamente, embora estivesse de pé. Depois de alguns exames, explicou-lhe em detalhes. Poderia sair em breve do hospital, os remédios poderiam ser administrados em casa. O gesso permaneceria por trinta dias. Teria que retornar em uma semana para retirar os pontos. Por fim, emendou:

— A senhora já está se lembrando do que aconteceu? Talvez precise de um acom-panhamento psicológico...

Concordou com um aceno de cabeça, profundamente envergonhada. Para a Po-lícia tinha dito que fora uma queda acidental.

Era um rapaz bonito. A pele clara sob os cabelos escuros combinava com o jale-co, que levava bordado seu nome no bolso. A mão branca e perfeita denunciando a vocação para a cura escrevia rapidamente a receita e notas no prontuário.

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Clélia Camargo CardosoF • CIRP“Trabalho com informática, mas nas horas vagas gosto de ler e escrever. Participo de concursos literários, assim tenho um estímulo para melhorar.”

Deu um sorriso amarelo quando ele se despediu tocando-lhe o braço, agora ge-neroso. Mas impositivo prosseguiu:

— Não se esqueça da medicação. Tem que ficar de repouso até retirar o gesso, depois virão algumas semanas de fisioterapia, vai ter que ter bastante paciência até ficar liberada para as atividades normais. Se precisar de alguma coisa, aqui está o meu cartão. Se continuar assim, no máximo em dois dias terá alta.

Ficou com vontade de beijar aquela boca de onde saíam tantas recomendações.

— Obrigada por tudo. Respondeu brevemente, de modo que o pensamento não fosse revelado. Estava se sentindo quase um bebê. No dia seguinte retornou a casa. Mas preferiu ficar com a mãe. Depois de ser transportada da cadeira de rodas para a cama que usava quando solteira, serenou. Tudo lhe parecia extremamente familiar. Os quadros, os objetos, os móveis e até o ar! Estava melancólica, mas em paz consigo mesma. Pronta para reaprender a viver.

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Eu quero ser a alegria da beleza e a nobreza do entardecer...Eu quero ser o limite entre o céu a terraO impacto das ondas nas pedras do caisQuero ser a morte e a vidaO prazer e a alucinação

Quero me embriagar de prazer e depois adormecer nos braços da perdiçãoQuero ser o pecado e a inocênciaQuero ter medo do desconhecido, mas viajar sem ter direção

Eu quero ser o certo e o erradoA loucura e a incerteza do amanhãQuero viajar, amar, sentir, buscar e desejar E quando eu alcançar o inalcançável quero desejar e desejar ainda mais

desejoLorena Virgínia Besse

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Porque não sei viver sem sonhosEu sou um sonho inacabadoEu quero ter tudoEu quero ter o céu, a lua e o pecado à minha disposiçãoQuero criar, criar e criar até quando eu não puder maisE continuarei a fazer planos, desejos, sonhos

Porque eu sou o desejo, eu sou o sonho e quero tudo pra mimSou insaciável...Quero a lua, o céu e o pecado ao meu disporSou o desejoQuero sempre tudoE o tudo não me basta!

Lorena Virgínia BesseA • Bauru – FOB – Fonoaudiologia“Esta é a primeira participação numa publicação literária.”

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Alguma coisa para dizerou sequer um suspiro qualquer?

Algo que brota no peito e se personifica no papelpor meio de tinta e palavras.

Algo que como a liberdade viaja pelos céus, mares e terras,vagando na maciez das nuvens, brilhando como o crepúsculo,

ou mesmo divagando o pensamento nas ondas das sutis palavras.

Algo que como a doçura alegre de Quintana,que agradando, faz a inocência aflorar.

Olha o passarinho! Está trazendo o algo para que se“Empoete”,“enritme”,

e “emprose”

E ao se perder nos trilhos do trem de ferro de Bandeira,o algo sobe no galho de ingazeira

e molha o pão no café.

o algoIsnaldi Rodrigues de Souza Filho

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Vou-me embora, porqueestou perdendo a força, a força,

a força,a fora foa fa...

Como também no horizonte o crepúsculovai sumindo

sumindsuminsumisumsus...

Isnaldi Rodrigues de Souza FilhoA • Lorena – Engenharia de MateriaisParticipação no Poeta de Gaveta (volumes 14 e 15). Exposição de alguns trabalhos na Semana de Arte e Cultura da USP, no câmpus de Lorena.

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A menina,Criança inda,

Da janelaDardeja seu lânguido olhar

Sobre o caminhante.Sedutora.

Sorriso hiante.Convite certeiroPara fugaz amor.

Hesitante,Tímido,

Caminha pouco mais.De esguelha

Rouba, no relance,

a prostitutaHumberto Felipe da Silva

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O agora perfil faceiro.O coração explode

E pulsa celeremente.O corpo em frêmitoDesnuda a parede

E mira O esguio corpo inteiro.

HesitaDesacelera o passo...

Enrubesce...

E segue,

Só na vontade.

Humberto Felipe da SilvaD • Lorena – EELAutor que já escreve há algum tempo apenas para extravasar seus sentimentos. Membro da recém-fundada Academia de Letras de Lorena.

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Vida bandidaEscorre nos dedosEriça minha pele

Exaure meus pelosDesfruta dos medosNa palma da mão.

Nos vincos múltiplosDa face cansadaPerco-me atônito

Avançando de esgueiraNas esquinas da dor.

Da vida intensaVivida

Agora só resta aEspera inconformada

Pelo certo,

O fim.

vida bandidaHumberto Felipe da Silva

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Procuro razão em tudoRazão para sonhar, para amarBusco sentido em viverEncontro apenas lacunas

Elas estão sempre láSempre no mesmo lugarAo invés de respostasEncontro apenas lacunas

Malditas sejam!Permitam-me encontrar respostasEstou cansado de buscarCansado de viver

Minha vida é um espaço vazioImenso, grande, gigantescoRepleto de vazioE... lacunas, apenas lacunas

lacunasIsmael Nunes

Ismael NunesA/F • Lorena – EEL – Eng. Ind. Química“Estudante do último ano de engenharia, poeta nas horas vagas. Escrevo há quatro anos e pela terceira vez participo do Poeta de Gaveta. Em 2007, com o poema Caminhando; e em 2008, Sou assim foi publicado em outra antologia poética.”

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Tonho era um sujeito simples, também pudera, sua mãe cabocla e seu pai mineiro, nascido de parteira no sítio Santo Antonio, com o umbigo cortado na tesoura. Anal-fabeto. Usava um bigodinho ralo, cabelo penteado de lado, costeletas bem apara-das, chapéu-panamá marrom escuro, combinando com o paletó cheirando naftalina. Sempre muito asseado, pois a Dasdores não gostava de ver seu marido desarrumado, e esse cuidado se mostrava nas roupas simples, bem lavadas e passadas, com poucos e sutis remendos que quase não se viam. Ela se orgulhava disso e dele.

Quando deu duas e quinze, o Tião da Maria passou com o carro na frente do sítio e na buzinada chamou o Tonho para irem à cidade, afinal tinha que conversar com o advogado e não podia parecer um desleixado. Colocou o fumo de corda no bolso e se dirigiu até a porteira, lá, com um olhar em direção à casa, despediu-se com um aceno de cabeça. Sem que ele visse, Dasdores fez um sinal da cruz e pediu ao santo milagreiro que fizesse a jornada ser um sucesso. Ela sabia que ele na sua infinita humildade e simplicidade poderia não compreender as orientações do advogado. Ficava apreensiva, pois Tião da Maria era um songo-mongo, gostava mais de uma cachaça no boteco do Elias do que acompanhar o vizinho de décadas na consulta ao advogado. Não que o bacharel fosse ladino, mas é que as informações seriam muito importantes para tomar uma atitude correta diante dos fatos.

quiproquó[Quid pro quo: Do latim “uma coisa pela outra”.]

Alexandre Vendemiatti

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No escritório, Tonho mostrava inquietação, mesmo sentado era visível seu des-conforto, principalmente porque as pessoas entravam e nada da D. Clara chamá-lo. Isso era um martírio, tormento, tortura. Nada como se estivesse na beira da varanda de casa, depois da janta enrolando um paieiro com fumo do meieiro. Cada baforada era como se estivesse expurgando um pouco da tensão, algo como, sentar no vaso depois de cólicas de arrepiar os pêlos dos braços.

Finalmente ouve a voz um pouco rouca da D. Clara chamando seu nome e se dirigindo ao seu encontro com sorriso simpático, uns poucos papéis apoiados sobre o busto e a mão como se o enlevasse pelo braço até a porta de entrada da sala.

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— Sr. Antônio, é sua vez. O Dr. Expedito está aguardando.

Lá dentro sentou-se com o chapéu na mão diante do advogado.

A cadeira até era confortável, mas não adiantava, não tinha jeito de relaxar.

O Dr. Expedito parecia que falava em japonês. Mexia e remexia os papéis, não parava mais, era um turbilhão de coisas, parecia a galinhada do terreiro quando jogava milho no chão. Um monte de coisas ao mesmo tempo. Ele mesmo nem sabia por que tinha tanta coisa assim se o que houvera fora tão simples de resolver. E piorava, pois para seu desespero, o bacharel no meio disso tudo usava de palavras ou frases em latim. Porém, devido ao uso repetitivo de uma frase dita entre um suspiro e outro conseguia entender “Quid pro quo”. Bom já era alguma coisa, mas pela feição do procurador não era das mais alegres, assim relacionou a frase a um problema sério que poderia estar sendo agravado pela complexidade da burocracia jurídica. Intimamente pensava que se tratava de uma forma de extorquir mais dinheiro do pouco que tinha. Mas a grande realidade que o incomodava naquele momento era como chegar até a Dasdores e lhe explicar toda pândega advocatícia ininteligível. Isso o consumia.

Na boca da noite, eles chegam. Durante toda a viagem sua preocupação era pas-sar as notícias para sua esposa, tinha medo da reação dela por não ter compreendido a enxurrada de coisas e mesmo assim tinha de mostrar o relatório oral. Tião da Maria como esperado estava melado, bêbado feito um gambá. Tonho desceu do carro, Tião foi embora soluçando hálito de pinga. Dasdores, lá na cozinha, percebendo o movi-mento na porteira, enxuga as mãos rapidamente no avental e vai a passos rápidos ao encontro do marido, afoita e preocupada com as notícias que a atormentavam pelo dia todo.

Tonho ao ver a esposa com a feição de preocupação gelou-se por dentro. Mas não tinha como escapar. Se pudesse viraria um sapo daqueles bem feios, no encon-tro ele de um lado pulava no brejo e Dasdores corria do outro para dentro de casa. Assim seria a única forma de escapar das milhares de perguntas e explicações que teria que dar a ela.

Porém, sentou-se lenta e comodamente na cadeira da varanda, não tinha como fugir da situação mesmo, esperava pelo menos receber alguma luz santíssima vinda

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do infinito a lhe clarear as ideias e colocar todas as palavras na sua boca. Sua esposa de pé em sua frente com as mãos juntas no avental com olhos questionativos e su-plicantes que já diziam tudo. Num instante, num limiar de sobeja dádiva angelical, uma gota da graça divina, toma-lhe como anestesia e lembra-se dos gestos do Dr. Expedito. Inspirou profundamente e com um ar intelectual mesclado com a mesma expressão de indignação e preocupação do bacharel disse solenemente...

— Carculo eu que o pobrema seje crítico... Deu o maió quiproquó!!!

Alexandre VendemiattiF • Piracicaba – ESALQ“Às vezes tenho artigos publicados em jornais. Escrevo com certa regularidade artigos científicos e alguns de cunho sindical e político.”

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Eis que invade uma saudade,Uma grade de beleza e de inocência,Bela tarde acesa, presa, pura essência,Minha lembrança revigorando o passado,Paira no tempo um ramo entrelaçado,Onde a flor da ausência se nos refaz.

Passa um bonde de amor cheio de paz,É maior do que a dor, paciência despida,Música se espraiando sob a luz da vida,Águas que banham um rio com cuidado,Lagos que falam ao leito de um gramado,Palavras calmas de sutil fidelidade.

suave saudadeRoque Emmanuel da Costa de Pinho

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Roda um filme na alma lilás,O anteparo dos sonhos que jazem,Cenas em preto e branco se refazem,E no mesmo segundo tornam-se orvalho,Gotas que pingam sobre um velho galho,No meu bosque de memórias.

Árvore de antigas histórias,Glória que segue meu pensamento,Olhos fechados, cabelos ao vento,Retorno sorrindo às imagens num retalho,Com um suspiro saudoso e suave, espalho,Amores de hoje em tempos atrás.

Roque Emmanuel da Costa de PinhoMestrado • ESALQ – Física do Amb. AgrícolaCrônica e poema publicados no volume 15 do Poeta de Ga-veta.

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Brilho, gota refletora,Água fria das cachoeiras.

Brotos, bichos, trepadeiras,Sorte rica, duradoura.

Doura o sol à dor que fica,Ponto vivo em brumas louras.

Rota astuta em verde mata,A cascata se eterniza.

Pedra dura, escura e lisa, Atavio que tudo data.Parte o rio aventurado,

De águas tantas, acrobatas.

Pouca luz se atreve:Gruta. Amanhecia!

Pura poesia,Som, palavras leves.

cenárioRoque Emmanuel da Costa de Pinho

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Dia de remoE de vento já velhosMe conhecemo remo e o ventonas águas de sempreda menina que ainda sou.Agora, tenho minhas cantigas de mulhermeus novos ventos amigosEntão, me descubroenquanto ainda me reconheçoMenina ventaniaremando o mesmo remofeita da mesma águae reinventando meu balanço, sempre.

dia de remoLuciana A. M. Pereira

Luciana A. M. PereiraA • Piracicaba - ESALQ – Eng. Agronômica“Nunca publiquei, somente no jornal do Centro Acadêmico (CALQ). A atividade literária para mim é uma necessidade, uma possibilidade de conclusão das minhas vivências, um jeito de contar da minha vida.”

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Por favor, me odeiedeseje-me eterna infelicidadePorque já não a amo maise esse é o último poemaque escrevo para você.

Cruze uma ponteSuba uma montanhaMe verá em tudode agora em dianteSeu eterno pesadelo.

Vai se arrependerpor todos aqueles olharestoques e palavrasPelos telefonemas,pelos sorrisospela preocupaçãopelos abraços.

Vai se arrependerpor tudoPois serei sol e escuridãoalma e somMas jamais sua.

Não sabe nem da metadee eu, destruída,liberto-a de meu coração.

Com o desespero dedevolvê-la ao outroa quem já pertencia antes.

maldiçãoCaroline Marconato Azzini Matheus

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Que os olhos delecarreguem meu semblante,mas que não a vejam como eu via.

Que a voz dele soe como a minha,mas que não diga nada que a torne única.

Que as mãos dele sejam também hábeis,mas nunca para retratá-la, tocar sua músicafavoritaescrever-lhe um bilheteOu um último poema.

Que os pés dele o levem para onde fui,mas nunca para obedecer cegamente a uma ordem sua.

E que o corpo dele, enfim,carregue minha alma,mas distante e inatingível,aprisionada para sempre, fria e impiedosa.

Me encontrará na chuvaNo sopro dos ventosNas folhas das árvoresEm prólogos, prelúdios e epílogos.

E por mais que ele demonstre alegria,verá apenas a sombra de um sorriso triste.

Caroline Marconato Azzini MatheusF • Piracicaba – ESALQ“Esta é a minha primeira tentativa em publicar algo que eu mantenho escondido em cadernos. Sempre gostei muito da área literária e, embora não tenha seguido a carreira acadêmica até o final, ainda consigo me enxergar (num futuro não muito distante) fazendo isso, como sempre imaginei e acreditei que faria.”

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A cidade terminava na minha rua*E um mata-burro sinalizava o limiteAtravessando-o: uma fazenda, gadoCavalos e outros animais que não seArriscavam a passar faziam a Felicidade dos moradores

Tudo era tranquilo, passarinhosOrquestravam por de cima Dos mourões de cercaUma sinfonia caipira

Uma pequena floresta rodeavaA vila, palmiteiros, xaxins eCórregos completavam a felicidade

se fosse minha...Ciro Júlio Cellurale

*A rua é Waldemar Martins de Oliveira, bairro Fagá – São Carlos, SP.Década de 1980 – começo de 1990.

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Ciro Júlio CelluraleF • São Carlos – CCSC – Centro Cultural“Apenas as pessoas mais próximas que lêem e opinam sobre minha pequena e modesta produção literária e, depois de lidas, voltam ao aconchego da gaveta.”

O sossego só era quebradoVez ou outra fora de horaPelos carros da fazenda

E o tempo, com astúcia, foi passando, transformandoFundindo a felicidade com angústias e sonhosSó para ladrilhar com pedrinhas de brilhantesO que ficou lá trás

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Projeto POETA DE GAVETA

Inscrições realizadas no períodode 4 a 29 de maio de 2009.

Total de 44 participantescom 121 trabalhos inscritos:

Bauru • 1 p – 3 tLorena • 8 p – 21 t

Piracicaba • 6 p – 18 tPirassununga • 1 p – 3 t

Ribeirão Preto • 25 p – 67 tSão Carlos • 3 p – 9 t

Poeta de Gaveta é uma publicação anual de textos de poesia e prosaproduzidos por alunos, docentes e funcionários dos campi da USP, com etapas

de inscrição e seleção. É editada pela Seção de Atividades Culturais daCoordenadoria do Câmpus de Ribeirão Preto – USP.

Os textos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores.

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POETA DE GAVETAVolume 16 – 2010

ISSN 1516-0513

Impresso em maio de 2010.Tiragem de 800 exemplares.

Distribuição gratuita.Proibida a reprodução sem prévia autorização.

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Impressão e AcabamentoFerrari Editora e Artes Gráficas

Rua Marquês de Lajes, 131 – Vila BrasilinaSão Paulo, SP . CEP 04162-001

Tel.: (11) 5073.0966 / 5073.1667http://ferrariweb.com/

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