125
Transportes e logística de grãos no Brasil Pág. 37 ISSN 1413-4969 ./ / 200 Publicação Trimestral Ano XIV - Nº 2 Abr Maio Jun. 5 Revista de Fome Conseqüência da falta de acesso ao alimento Pág. 121 Ponto de Vista A inserção da Conab na logística das exportações de grãos Pág. 6 Publicação da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Pág. 51 Pág. 51 Conservação da água e do solo, e gestão integrada dos recursos hídricos Conservação da água e do solo, e gestão integrada dos recursos hídricos

Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

  • Upload
    vonhi

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Transportese logística degrãos no Brasil

Pág. 37

ISSN 1413-4969

./ / 200

Publicação TrimestralAno XIV - Nº 2

Abr Maio Jun. 5

Revista de

FomeConseqüência da faltade acesso ao alimento

Pág. 121

Ponto de VistaA inserção da Conabna logística dasexportações de grãos

Pág. 6

Publicação da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Pág. 51Pág. 51

Conservação da água e do solo,e gestão integrada dosrecursos hídricos

Conservação da água e do solo,e gestão integrada dosrecursos hídricos

Page 2: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

ISSN 1413-4969Publicação Trimestral

Ano XIV – Nº 2Abr./Maio/Jun. 2005

Brasília, DF

SumárioCarta da AgriculturaA nova performance da Conab ....................................... 3Jacinto Ferreira

A inserção da Conab na logísticadas exportações de grãos................................................ 6Argemiro Dias

Agricultura, desenvolvimento agrárioe o Governo Lula ......................................................... 18Charles C. Mueller

Transportes e logística de grãos no BrasilSituação atual, problemas e soluções .................................... 37Marisa Aparecida Ribeiro Tosta

Conservação de água e solo,e gestão integrada dos recursos hídricos ....................... 51Devanir Garcia dos Santos / Paulo Afonso Romano

BR 158 em Mato Grosso, uma alternativade escoamento da produção ........................................ 65Francisco Olavo Batista de Sousa

A agropecuária no contexto do cooperativismoHistória e compromisso de desenvolvimento .......................... 70Ramon Gamoeda Belisário / Evandro Cheid Ninaut /Gustavo Rodrigues Prado / Flávia de Andrade Zerbinato Martins

Aquisição de alimentos da agricultura familiarIntegração entre política agrícolae segurança alimentar e nutricional ...................................... 78Claudia Job Schmitt

Crescimento da produtividade total dos fatoresO papel do capital tecnológico ........................................... 89Antonio Flavio Dias Avila / Robert E. Evenson

Projeto GeoSafrasSistema de Previsão de Safras da Conab .............................. 110Divino Cristino Figueiredo

Ponto de VistaFomeConseqüência da falta de acesso ao alimento ....................... 121Silvio Isopo Porto

Conselho editorialEliseu Alves (Presidente)

Elísio ContiniHélio Tollini

Antônio Jorge de OliveiraRegis Alimandro

Biramar Nunes LimaPaulo Magno Rabelo

Secretaria-geralRegina Vaz

Coordenadoria editorialMarlene de Araújo

Cadastro e distribuiçãoCristiana D. Silva

Copy desk e revisão de textoFrancisco C. Martins

Revisão de referênciasCelina Tomaz de Carvalho

Projeto gráfico e capaCarlos Eduardo Felice Barbeiro

Foto da capaArquivo do Departamento deMarketing do Banco do Brasil

Impressão e acabamentoEmbrapa Informação Tecnológica

Page 3: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 2

Todos os direitos reservados.A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,

constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Embrapa Informação Tecnológica

Revista de política agrícola. – Ano 1, n. 1 (fev. 1992) - . – Brasília: Secretaria Nacional de Política Agrícola, Companhia Nacionalde Abastecimento, 1992-

v. ; 27 cm.

Trimestral. Bimestral: 1992-1993.Editores: Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento, 2004- .Disponível também em World Wide Web: <www.agricultura.gov.br>

<www.conab.gov.br> <www.bb.gov.br>ISSN 1413-4969

1. Política agrícola. I. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento. Secretaria de Política Agrícola. II. Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento.

CDD 338.18 (21 ed.)

República Federativa do Brasil

Luiz Inácio Lula da SilvaPresidente

Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento

Roberto RodriguesMinistro

Secretaria de Política Agrícola

Ivan WedekinSecretário

Departamento de Comercializaçãoe Abastecimento Agrícola e Pecuário

José Maria dos AnjosDiretor

Departamento de Economia Agrícola

Edilson GuimarãesDiretor

Departamento de Gestão do Risco Rural

Welington Soares de AlmeidaDiretor

Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de PolíticaAgrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento, dirigida a técnicos, empresários,pesquisadores que trabalham com o complexo agroindustriale a quem busca informações sobre política agrícola.

Interessados em receber esta revista comunicar-se com:

Ministério da Agricultura, Pecuária e AbastecimentoSecretaria de Política AgrícolaEsplanada dos Ministérios, Bloco D, 5º andarCEP 70043-900 Brasília, DFFone: (61) 3218-2505Fax: (61) [email protected]

Assessoria de Gestão EstratégicaMarlene de Araú[email protected]

É permitida a citação de artigos e dados desta Revista, desdeque seja mencionada a fonte. As matérias assinadas nãorefletem, necessariamente, a opinião do Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento.

Tiragem5.000 exemplares

Falha nossa! Nos desculpamos pela imprecisão informativa naRevista nº 1/2005, identificada erroneamente como nº 5. É opor-tuno informar que a Revista nº 1 está disponível no endereçowww.agricultura.gov.br/estudos e publicacoes, sendo esta aversão que deve ser usada como referência.

Page 4: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 20053

Uma revolução silenciosa. Nada menosque isso, é o que podemos dizer sobre o quevem acontecendo na Companhia Nacional deAbastecimento (Conab). Nos últimos 3 anos,essa estatal tem vivenciado um processo amploe consistente de transformação. Ocorrerammudanças sim. E para melhor. Bem melhor.

A origem des-sa revolução estána dimensão estra-tégica que o abaste-cimento alimentarreadquiriu nos últi-mos anos. A políticade abastecimento,antes ligada basica-mente às questõesde oferta e distribui-ção de alimentos eao controle de pre-ços, passou a funcio-nar, também, comoindutora das políti-cas de inclusão social e de combate à fome, numcontexto amplo de segurança alimentar.

Como braço executor das políticas pú-blicas de abastecimento, a Conab ressurgiu emimportância e demandou ajustes em suaestrutura de funcionamento. O Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)ofereceu todo o apoio para a consecução doprocesso, respaldado no princípio do governo

A novaperformanceda Conab

Car

ta d

a A

gric

ultu

ra

federal de preservar suas instituições públicas,aperfeiçoando-as. A resposta a essa novademanda foi à altura dos requisitos do governofederal. A Conab implantou o processo dePlanejamento Estratégico, que deixou clara suamissão, a visão de futuro, os objetivos e asmetas, definidos de forma participativa com seus

empregados, com oauxílio de consultoriaexterna. O resultadonão tardou. Vejamos.

Hoje, a Conab éreferência nacional einternacional, comofonte de informaçõessobre a agriculturabrasileira, que muitodepende de suas pes-quisas e dados, comocustos de produção,levantamento de sa-fras e evolução de pre-ços. Essas informa-

ções fundamentam o processo decisório dapolítica agrícola nacional, que, por sua vez, vaibalizar, em grande parte, o desenvolvimento ruraldo País. A confiabilidade de seus dados e de suasações tem estreitado seus contatos e possibilitadoa formação de parcerias com organismosnacionais e internacionais, como a Organizaçãopara Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OCDE), o Programa Mundial de Alimentos (PMA)

Jacinto Ferreira1

1 Presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Fotos: M. Dettmar, André Carvalho e arquivo Massey Fergusson

Page 5: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 4

e a Organização das Nações Unidas paraAgricultura e Alimentação (FAO).

Para ampliar a confiabilidade das infor-mações sobre a safra brasileira, a Conab coor-dena e desenvolve no Brasil, em parceria comoutras instituições, – como o Projeto de Aperfei-çoamento Metodológico do Sistema de Previsãode Safras (Geosafras), que utiliza o que há demais moderno em termos de geotecnologias desensoriamento remoto, como o Global PositioningSystem (GPS) e o Sistema de InformaçõesGeográficas da Agricultura Brasileira, o Siga-Brasil. Com isso, a Conab consegue tornar aindamais detalhadas e precisas – no tempo e noespaço – as estimativas da produção agrícola.

A ação mais abrangente da Conab é aoperacionalização das políticas agrícola e deabastecimento, em estreita articulação com oMapa. Nesse aspecto, é fundamental o domíniode conhecimentos sobre logística e comerciali-zação. Esses conhecimentos a credenciam parasolucionar, com velocidade, presteza e eficácia,problemas de desabastecimento e equilíbrio dospreços e, até mesmo, os dramáticos e emergen-ciais problemas causados por catástrofes climáti-cas ou acidentes de engenharia de grandesproporções tanto no Brasil quanto no exterior.Internamente, no atendimento a comunidades emsituação de insegurança alimentar, comoflagelados da seca, comunidades indígenas equilombolas; e externamente, no socorro prestadoao Timor Leste, ao Haiti e às vítimas do Tsunami,o maremoto que assolou o sul da Ásia e África.

Para a execução dessa política, funda-mental também é o arcabouço de conhecimentosda Conab sobre armazenagem e movimentaçãode produtos, bem como os mecanismos e aestrutura física para pôr em prática essasatividades. A Conab mantém cadastro atualizadode todos os armazéns do País, fiscaliza e monitoraos estoques da rede nacional de armazenamento.Assim, o armazém se sobrepõe à idéia de merodepósito para se constituir em unidade de apoiooperacional para a logística de produtos, voltadapara o atendimento da sociedade.

Para formar estoques públicos, a Conabrealiza aquisições, que têm em sua essência agarantia de renda ao produtor rural – ao qual sebusca assegurar um retorno financeiro mínimopelo que plantou e colheu – e o suprimento deprodutos agropecuários ao mercado em momentosde escassez ou de elevação de preços. Ascompras oficiais estão respaldadas na Política deGarantia de Preços Mínimos (PGPM), cujos preçossão definidos com base em estudos feitos pelasequipes técnicas da estatal.

A gestão de estoques se complementa coma comercialização dos produtos, por meio deleilões públicos. Para aqueles que têm dificul-dades de acesso às bolsas de mercadorias –pequenos e microprodutores, e as pequenas agro-indústrias – a Conab oferece o Programa Vendaem Balcão, possibilitando o acesso desse públicoaos estoques públicos. O aprimoramento constantedesses mecanismos de comercialização e acriação de novos instrumentos – que garantem acontemporaneidade da atuação da Conab – é umaconduta valorizada internamente.

Por meio do Contrato de Opção, do Prêmiopara Escoamento do Produto, do Valor deEscoamento do Produto, entre outros, procura-se,ainda, atender à diversidade de situações, deprodutores e de consumidores, viabilizando oequilíbrio do abastecimento interno e assegurandoestabilidade ao sistema econômico, e a segurançaalimentar e nutricional da população.

Um desafio que a Conab vem enfren-tando, com sucesso, é a busca por estratégiasque propiciem inclusão social aos menosfavorecidos, com ênfase no apoio à geraçãosustentável de emprego e renda. Entre as ações,está o Programa de Aquisição de Alimentos,uma ação criada pelo governo federal nocontexto do Programa Fome Zero, parasolucionar um problema crítico dos agricultoresfamiliares: a comercialização de seus produtos.Com recursos alocados no Ministério doDesenvolvimento Social e Combate à Fome,até julho deste ano, o programa já haviabeneficiado cerca de 5 milhões de pessoas.

Page 6: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 20055

Para melhor organizar o mercado, a Conabvem desenvolvendo ações como a Rede Solidáriapara Fortalecimento do Comércio Familiar deProdutos Básicos (Refap), em fase inicial em Recife,PE, João Pessoa, PB, e Natal, RN. A proposta épromover a articulação entre pequenos varejistas,para realizarem compras em conjunto e obteremmelhores preços, beneficiando o consumidor debaixa renda. Outra medida é o Programa Brasileirode Modernização do Mercado Hortigranjeiro(Prohort), do qual a Conab é a articuladora institu-cional. Esse programa busca integrar os principaiscentros de negócios de produtos hortícolas eestruturar uma rede de informações e serviçospara reduzir a flutuação da oferta, capitalizar osetor, aperfeiçoar mecanismos de formação depreços, expandir e modernizar os equipamentosde comercialização, padronizar as atividadesoperacionais e aperfeiçoar os serviços declassificação.

Ainda na linha de organização de merca-dos, a Conab presta cooperação técnica àSecretaria Especial de Pesca e Aqüicultura, paraotimizar o funcionamento da cadeia de produção,distribuição e comercialização de pescados. Aparceria envolve capacitação e qualificação dosagentes, elaboração de estudos, dados estatísticose análises para subsidiar a política pesqueira. Aexpectativa é que os pescadores artesanaisvendam melhor seus produtos e os consumidorescomprem peixe mais barato.

Como vimos, uma revolução ocorreu (econtinua a ocorrer) na Conab, que se revitaliza.Foram muitas e profundas as mudanças realiza-das e que ainda estão por se realizar. Mudançasque estão tornando-a ainda mais estratégica eimprescindível. E o que é melhor, possibilitando-lhe ofertar serviços mais qualificados e úteis àsociedade brasileira.

Page 7: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 6

Resumo – Neste estudo de caso, a estrutura e o funcionamento da cadeia de suprimentosde grãos – que atende ao Porto de Paranaguá – são apresentados de forma a se identificare se justificar a origem dos gargalos que ocorrem, atualmente, a montante do Corredorde Exportação do referido porto, e que são notados pelas extensas filas de caminhões aolongo da BR 277.

Simultaneamente, são apresentadas as ações desenvolvidas pela Companhia Nacionalde Abastecimento (Conab), voltadas à ampliação de sua atuação no segmento armaze-nador dessa cadeia.

O suporte para esse objetivo é alicerçado no aproveitamento do Complexo Armazenadorda Conab, em Ponta Grossa, PR, que, devido a sua localização e capacidade dearmazenagem, poderá amparar a logística que dá apoio às exportações de grãos,realizadas por meio daquele porto.

Palavras-chaves – Conab, canal logístico, corredor de exportação.

A inserção da Conabna logística dasexportações de grãos1

Argemiro Dias2

1 Este artigo é o resumo, com adaptações, da monografia apresentada ao MBA em Gestão da Informação no Agronegócio, da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.2 Economista -Técnico da Superintendência Regional da Conab no Paraná.

IntroduçãoPara atender ao seu objetivo institucional

relativo à execução das políticas oficiais deformação de estoques públicos, a Conab, empresapública federal, vinculada ao Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa),possui uma Rede Estratégica de Armazenagem(Fig. 1), composta de 84 armazéns que totalizamuma capacidade estática de 2.059.447 t, sendo1.137.410 t em armazéns graneleiros, 905.237 tem armazéns convencionais e 16.800 t emarmazéns frigoríficos.

Entre os armazéns que compõem a redeestratégica de armazenagem da Conab, desta-ca-se o complexo armazenador de Ponta

Grossa, PR, localizado a cerca de 200 km deParanaguá, PR, com capacidade estática paraaté 420 mil toneladas de produtos a granel, ecujas características de construção foram volta-das para a manutenção de estoques reguladoresou estratégicos, podendo funcionar, também,como unidade armazenadora coletora e entre-posto de corredor de exportação.

Esse armazém, cuja construção ocorreuna década de 1970, é composto de quatrograneleiros de 75.000 t, dois graneleiros de50.000 t e uma bateria de silos de 20.000 t,totalizando 46.110,0 m² de área construída, numterreno de 137.101,5 m². Ele é dotado, ainda,de equipamentos para limpeza, pré-limpeza,secagem, balanças rodoviárias e ferroviárias,

Page 8: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 20057

e de desvio ferroviário, sendo considerado omaior complexo armazenador do Brasil.

Até 1985, os estoques nele formados earmazenados eram basicamente de trigo, quepraticamente demandavam a sua total capacida-de estática de armazenagem, pois a produção demilho paranaense era ainda pouco expressiva ea de soja absorvida diretamente pelas indústriasou firmas exportadoras.

Em decorrência da sua privilegiada locali-zação geográfica, podia-se escoar, rapidamente,os estoques de trigo para os estados do Sul, doSudeste e do Centro-Oeste, por meio dos modaisrodoviários ou ferroviários, e para o Nordeste, porcabotagem, via Porto de Paranaguá.

A concepção utilizada para a formaçãode estoques de trigo e sua comercializaçãoestava centrada no monopólio do governofederal, que detinha a exclusividade dasaquisições, tanto de produto nacional como do

importado, e de seus repasses aos moinhos,operação esta que exigia a formação de grandesestoques naquele complexo armazenador.

Com o advento da inserção do Brasil noprocesso de globalização e da abertura domercado nacional, cujo marco foi o ano de 1990,e de ajustes bem-sucedidos na política econômicabrasileira de combate à inflação, inicia-se odeclínio intervencionista do governo federal naorganização, formação e armazenagem dosestoques reguladores e estratégicos4.

Concomitantemente à progressiva reduçãoda interferência do governo federal na formação,administração e comercialização dos estoquesreguladores e estratégicos, iniciou-se uma novafase para a agricultura nacional, mais empresariale competitiva internacionalmente. Desde então,aquele armazém passa a ter dificuldades namanutenção de índices razoáveis de ocupação.

Fig. 1. Mapa dosarmazéns da Conab.

Fonte: Conab/Suarm (2004)3.

3 Distribuição geográfica identificada pela Superintendência de Armazenagem e Movimentação de Estoques da Conab (SUARM). Documentos internos.4 Mais informações ver estudo Diagnóstico e Demandas Atuais da Cadeia Produtiva de Trigo feito pelo Governo do Paraná, sobre cadeias produtivas do agronegócio

paranaense. O mesmo trata dessa política governamental amparada pelo Decreto-Lei 210 de 27/02/1967, e executada pelo Banco do Brasil, por meio da Comissãode Compras do Trigo (Cetrin), extinta em 21/11/1990, pela Lei 8096, que tornou livre a comercialização e a industrialização do trigo de qualquer procedência.

Rede Amazenadorada Conab

Page 9: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 8

Apesar dos avanços na produtividade ena competitividade da agricultura nacional, ainfra-estrutura de apoio à guarda e aoescoamento das safras não acompanhou e nemevoluiu com a mesma eficiência. A safra 2003/2004, que foi de 119,3 milhões de toneladas,teve para sua guarda, uma capacidade estáticainstalada de armazenagem de aproximadamente94 milhões de toneladas, dando um déficit naqueleano agrícola de 25,3 milhões de toneladas (verFig. 2).

armazenamentos ocorrem em épocas diversas(safra de verão, safrinha e safra de inverno),fazendo com que a pressão, por demanda deespaços para armazenagem seja atenuada,apesar do seu significativo déficit e da suadistribuição irregular.

Após 2001, essas circunstâncias vêmfavorecendo e motivando que haja uma tendênciapara o crescimento dos índices de ocupação docomplexo de Ponta Grossa, PR. Contudo, essasituação aparentemente alvissareira aos interesses

Fig. 2. Capacidadeestática x produção -Brasil (evoluçãohistórica).

Fonte: Conab/Suarm (2004)5.

No Paraná, o maior produtor nacional degrãos, esse déficit foi da ordem de 10 milhõesde toneladas.

Assim, aquela situação indicou aexistência de um grande descompasso entre acapacidade de armazenagem de grãos e aexpansão da produção agrícola nacional,principalmente se for considerado que nouniverso de todos os armazéns, 26% desses nãosão apropriados para armazenar grãos, fazendocom que o armazenamento seja, na atualidade,um dos pontos de estrangulamento nadistribuição e na comercialização de grãos.

O déficit de armazenagem apontadopoderia provocar perdas se não houvessesazonalidade para a colheita das diferentessafras de produtos, o que vale dizer que seus

da Conab não é sustentável. A tendência é queo déficit em armazenagem seja parcialmentesuprido por meio de novos investimentosprovenientes da iniciativa privada, interessadaem manter a expansão e a competitividade naagricultura nacional.

A par desse cenário, a Conab, fiel a suamissão, aos seus valores e a sua cultura, iniciou abusca de novas alternativas e de oportunidadesque viabilizassem o efetivo aproveitamentodaquela unidade armazenadora de formaprodutiva e duradoura, assim como participar,também, do esforço de minimizar o atual quadrodesfavorável da infra-estrutura de apoio aorecebimento e escoamento dos grãos para o Portode Paranaguá, por meio da transformação eadaptação da sua unidade, num armazémretroportuário.

5 Dados da Superintendência de Armazenagem e Movimentação de Estoques da Conab (Suarm). Documentos internos.

Page 10: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 20059

Identificando a cadeiade suprimento de grãos

Utilizando-se alguns conceitos de Batalha(2001) sobre cadeia produtiva, produziu-se arepresentação da cadeia de suprimento queatende as exportações de grãos, feitas via Portode Paranaguá, conforme a Fig. 3.

Esse sistema é igualmente utilizado porempresas do Paraguai, em função do ConvênioBinacional Brasil/Paraguai assinado em 1956,que possibilita o Porto de Paranaguá operarcomo um entreposto, de forma a atender asimportações e exportações do Paraguai.

Já os componentes do Canal Logístico,relacionados diretamente com os aspectosoperacionais da distribuição física dos grãos, sãoaqueles responsáveis pelas atividades básicas(transporte) e de apoio (armazenagem), sem, noentanto, tomarem a posse física dos produtos.

Quanto às atividades de armazenagem,estas se restringem em administrar o espaço físicopara a guarda dos grãos, disponibilizando-os nomomento certo e na quantidade adequada paraatender as necessidades de um determinadocomponente do canal de distribuição.

A rede armazenadora que atende a cadeiade suprimentos de grãos no Paraná, por meio decadastramentos efetuados pela Conab, éconstituída de 1.321 armazéns convencionais,com capacidade estática de armazenagem paraaté 4.460.384 t, e de 1.317 armazéns graneleiros,com capacidade estática para armazenar até14.400.518 t, totalizando 2.638 armazéns, com18.860.902 t de capacidade de armazenagem.

Apesar da importância dessa rede dearmazéns, ela apresenta um déficit da ordem de10.162.298 t, se comparada à produção de grãosdaquele estado, em 2003.

Quanto às transportadoras, estas sãoresponsáveis pela movimentação dos produtos,quando da transferência de suas propriedades,numa transação comercial. São elas que asse-guram o fluxo físico dos produtos entre as empresasintegrantes da cadeia de suprimentos. O sistemaé atendido pelas empresas que operam tanto nosistema rodoviário como no ferroviário.

O sistema rodoviário é usado por umnúmero incalculável de empresas, já que somentea frota do Paraná é de aproximadamente 59 milcaminhões, ou seja 4,5% do total de caminhõesque rodam pelo Brasil, sendo que desses, cercade 10% circulam no Paraná. Conforme dados

Fig. 3. Cadeia de suprimentos de grãos para o Portode Paranaguá.

Fonte: elaborado a partir de conceitos de Batalha (2001).

No seu Canal de Distribuição, estão osprodutores de grãos, as indústrias processadorase as trading, que usam suas estruturas, inclusivede marketing e de informações, para tomarposse dos produtos e efetuar suas vendas.Portanto, esses agentes são os responsáveis peladisponibilidade, comercialização e distribuiçãodos produtos aos seus clientes/consumidoresfinais (importadores).

No ano-safra de 2003, as 9.029.048 t degrãos comercializados no mercado externo, viaPorto de Paranaguá, por intermédio das empre-sas que compõem esse canal de distribuição,tiveram várias procedências, de todo o Estadodo Paraná, e de Mato Grosso, Mato Grosso doSul, Rondônia e do Estado de São Paulo.

Page 11: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 10

fornecidos pela Administração dos Portos deParanaguá e Antonina (Appa), em 2003, paratransportar 6.749.499 t de grãos (soja e milho),de um total de 9.029.048 t exportadas, foramfeitas 225 mil viagens de caminhão até o Portode Paranaguá.

Essas empresas contam com o principaleixo de ligação do Brasil com os demais paísesdo Mercosul. Sua malha rodoviária dispõede 15.818,18 km de rodovias. Desse total,3.225,25 km são estradas federais, sendo que229,40 km não pavimentadas e 1.803,05 kmconcedidas à iniciativa privada. Quanto ao Estadodo Paraná, este participa com 12.592,93 km(2.080,97 km de estradas não-pavimentadase 678,01 km administrados por concessionáriasprivadas).

Geralmente, tendo-se como parâmetro asoutras rodovias que atendem às demais Unida-des da Federação, essa estrutura apresenta bomestado de conservação. Não obstante, como oacesso ao Porto de Paranaguá só é possível pelaBR 277. Assim, a rapidez nas operações deexpedição dos grãos fica bastante compro-metida.

Já o modal ferroviário do Paraná é consti-tuído pelo Corredor Paraná/Santa Catarina,administrado e operacionalizado pela AméricaLatina Logística – (ALL), sob regime de concessão,com uma extensão de 2,1 mil quilômetros, e dosegmento Guarapuava/Cascavel, da Estrada deFerro Paraná Oeste – Ferroeste, trecho com250 km, de propriedade do Governo do Estadodo Paraná, que sob regime de concessão,atualmente é administrado e operado pelaFerrovia do Paraná – (Ferropar).

Apesar da ALL possuir uma área decobertura de 15.000 km de linhas férreas no Brasile na Argentina, e administrar 17 mil vagões e 610locomotivas no trecho ferroviário Curitiba/Paranaguá, por ser muito sinuoso, o que limita onúmero de vagões e diminui a velocidade dostrens, ela somente tem condições de operacio-nalizar 700 vagões/dia, nesse pequeno percurso.Em face dessa situação, em 2003, por meio dautilização de 46 mil viagens de vagões, aquelaconcessionária remeteu 2.279.549 t de grãos parao Porto de Paranaguá.

Outro agente que atua no canal logísticoé um conglomerado de empresas, denominadode Corredor de Exportação do Porto, compostode vários silos horizontais e verticais, dentro deárea e retroáreas do Porto de Paranaguá, o qualé gerido pela Administração dos Portos deParanaguá e Antonina (Appa). Nesse complexo,é finalizada a etapa logística e de fluxo àsexportações direcionadas aos diferentes mercadosexternos e ponto final de uma logística detransporte que inclui uma extensa malha derodovias e ligações ferroviárias que atravessam oParaná.

Identificação de gargalosno Canal Logístico

O Porto de Paranaguá está localizado nacosta Leste do Paraná (Fig. 4), em frente à partesul da cidade de mesmo nome.

Em 24 de agosto de 2004, a Administraçãodos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa)divulgou que o Cais Comercial do Porto possuiuma extensão acostável de 2.616 m, permitindoa atracação simultânea de 12 a 14 navios, desdeos pequenos de cabotagem até os supergrane-leiros de 220 m de comprimento.

A sessão Leste do porto, chamada deCorredor de Exportação, é destinada àsoperações com granéis sólidos e constitui aprincipal fatia de cargas movimentadas emParanaguá. Nessa localidade, são processadas asatividades de recepção, pesagem, ensilagem,expedição e as de embarque de grãos. PeloCorredor de Exportação, passam aproximada-mente 80% do total do volume exportado peloPorto de Paranaguá.

Esse complexo é composto por umconglomerado de silos horizontais e verticais,dentro de áreas e retroáreas do porto, comcapacidade de ensilagem de 1.167.500 t. Oprincipal deles é o graneleiro da Appa,interligado a outros sete terminais privados, asaber: Cargil Agrícola S/A, Cooperativa Central

Page 12: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200511

Regional Iguaçu Ltda, Coamo AgroindustrialCooperativa, Centro-Sul Serviços MarítimosLtda, Armazéns Gerais Terminal Ltda, Cia.Brasileira de Logística S/A e Comercial eIndústria Brasileira Coimbra S/A.

O Corredor de Exportação está conectadoaos ancoradouros/berços 212, 213, 214 do porto.Essa condição permite que as exportações de grãospossam ser efetuadas, simultaneamente, até portrês navios. O ritmo de transporte dos silos para osseis ship loaders (equipamentos que embarcamcargas no navio) é da ordem de 9.000 t/hora,abastecidos por seis esteiras cada uma comcapacidade de expedição de 1.500 t/hora.

Além dessa estrutura, existem no porto maistrês pontos de atracação para embarques decereais. Contudo, esses são de uso exclusivo detrês empresas privadas: Sociedade CerealistaExportadora de Produtos Paranaenses, BungeAlimentos S/A e Paraná Operações PortuáriasS/A, cujos terminais totalizam uma capacidadede ensilagem de 359.000 t de grãos a granel.

Em Paranaguá, PR, excetuando-se essesterminais, não existem mais armazéns graneleirospara dar suporte às exportações de grãos. O déficitpor armazenagem tende a piorar, pois na RegiãoMetropolitana praticamente não mais existemáreas para a construção de novas estruturas

Fig. 4. Vista aérea do Porto de Paranaguá.

Fonte: Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa) (2004)6.Nota: (1) Corredor de Exportação; (2) Cidade de Paranaguá; (3) Final da Br 277; (4) Terminal Ferroviário.

6 Foto dos arquivos da Administração dos Portos de Paranaguá, disponível no site <www.pr.gov.br/portos>. 2004

4

2

3

1

Fot

o: F

lávi

o R

ober

to B

erge

r

Page 13: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 12

graneleiras. A Appa prevê que, nos próximos 5anos, as exportações de grão e de derivados devemter um acréscimo da ordem de 35% em relaçãoao volume das exportações realizadas em 2003,ou seja, passará de 15,551 milhões de toneladas,para 20,852 milhões de toneladas.

Quanto aos demais depósitos existentesem Paranaguá, são armazéns convencionais,apropriados para armazenar grãos ensacadose não a granel. Suas construções coincidemcom o período em que foi construído o Portode Paranaguá, ou seja, na década de 30 doséculo passado, quando o principal produtoagrícola de exportação era o café.

Progressivamente, a agricultura do Paranáfoi sendo substituída, passando da monoculturade café para uma agricultura mais diversificadae competitiva, onde se destacou a cultura da soja.Essa mudança de paradigma exigiu armazénsmaiores, mais bem equipados e mais dinâmicosquanto aos procedimentos de recepção e deexpedição de produtos.

Essa situação fez com que fosse construídoum silo público, o qual deu forma ao que atual-mente se conhece como o Corredor de Exportaçãodo Porto de Paranaguá, o maior complexo logísticopara exportação de grãos no País.

Devido aos sucessivos e expressivosincrementos na produção de grãos, tanto em nívelnacional como estadual, concomitantemente esucessivos aumentos de suas exportações, já seobserva uma elevada deficiência na capacidadede recepção nos terminais integrantes do Corredorde Exportação. Essa constatação é realçada nospicos das exportações das safras, quando chegamà cidade de Paranaguá aproximadamente 3 milcaminhões por dia, quantidade excessiva emrelação à capacidade de recepção total daquelesterminais, que só podem descarregar 1, 8 milcarretas/dia.

Assim, para organizar o fluxo de cami-nhões endereçados aos terminais, a Appaconstruiu um grande estacionamento (pátio detriagem) para até 1,2 mil caminhões graneleiros,

localizado no término da BR–277, e cujo ritmonormal de entrada é de cerca de 90 caminhõespor hora.

Em cumprimento a uma resoluçãoadministrativa do Porto de Paranaguá, em tese,somente podem estacionar no pátio de triagemos caminhões que estiverem transportandoprodutos já vendidos e com embarques jáagendados. As expedições dos caminhões parao Corredor de Exportação, comandada pelaAppa, são efetivamente autorizadas quandohouver espaços no silo ou num dos terminaisprivados a ele interligado, e desde que a carganão contenha produtos transgênicos. Nessesterminais, os produtos ficam armazenados, atéque os embarques sejam efetivados nos naviosque farão o transporte.

Mesmo com esses procedimentos, nospicos das exportações de grãos, observam-sesuas insuficiências e ineficácias, já quepermanecem as já conhecidas e extensas filasao longo da BR 277, único meio de acessorodoviário à cidade de Paranaguá. Por ela, em2003, foram feitas mais de 769 mil viagens decaminhão, com destino ao porto, sendo quedesse quantitativo aproximadamente 225 milviagens foram para transportar 6.749.499 t desoja e de milho.

Nos períodos críticos, um caminhão quedeveria permanecer por algumas horas nacidade de Paranaguá, acaba ficando mais de 5dias, passando a ter mais uma utilidade. É quealém de transportar, é usado, também, paraarmazenar a carga, enquanto aguarda para serdescarregado.

Esses fatos, amplamente divulgados pelamídia, motivam a prática de deságios nospreços dos grãos exportados. Em 11 de marçode 2004, a Federação da Agricultura do Estadodo Paraná (Faep), por meio de sua assessoriade imprensa, apresentou uma análise,demonstrando que o País não sabe equacionarseus problemas de logística ao longo da cadeiaprodutiva da soja, e está transferindo riquezapara os países desenvolvidos. Esse estudo,elaborado em conjunto com a Organização das

Page 14: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200513

Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar),apresenta um prejuízo de R$ 1,6 bilhão aoagronegócio do Paraná, ocasionado porproblemas de logística no Porto de Paranaguá.

Segundo Bozza e Mafioletti (2004) essaestimativa levou em conta o prêmio negativo queos importadores pagavam pela soja escoada viaPorto de Paranaguá, que no dia 5 de março de2004, descontava R$ 8,20 por saca de 60 kg doproduto. Considerando que em 2002 o valor daprodução da cultura da soja foi da ordem de R$4,2 bilhões, conforme estimativas da Faep, aperda de prêmios de exportação negativoschegou a ser equivalente a 38% dos recursosgerados com a safra daquele ano.

Assim, na identificação dos gargalos nocanal logístico, foram diagnosticadas três situa-ções críticas:

1. A capacidade de armazenamento degrãos no Corredor de Exportação está satu-rada.

2. O acesso ao porto é deficiente.

3. Os prejuízos decorrentes dessas circuns-tâncias são altos.

Alternativa para melhoraro fluxo de expedição de grãos

Conhecido o funcionamento da cadeia desuprimento de grãos que atende o Porto deParanaguá e diagnosticado o gargalo do seu canallogístico, o passo seguinte foi identificar um novolugar que pudesse gerar novas sinergias dentrodo sistema.

Como em Paranaguá praticamente nãomais há espaços físicos estrategicamente locali-zados para a instalação de grandes estruturasarmazenadoras, a preferência recai numaregião próxima, ao porto e que seja, obrigatoria-mente, bem servida de um eficiente sistema detransporte e armazenagem.

A localidade mais próxima do Porto deParanaguá, e que atende essas exigências, é o

Município de Ponta Grossa, integrante da segundamaior região produtora de grãos do Paraná, comparticipação de 27,9% do que é produzido noEstado, maior pólo moageiro do Brasil e principalcluster do agronegócio paranaense, onde tradicio-nais cooperativas agropecuárias, processadorasde grãos e de tradings possuem instalaçõesindustriais ou comerciais.

Ponta Grossa fica a 200 km de Paranaguá,e é o principal entroncamento rodoviário doestado. As principais rodovias do Paraná conver-gem para esse município. Na sua jusante, contudo,o sistema se afunila. Somente se consegue chegarao porto via BR 277, com seus já conhecidosproblemas.

No tocante ao sistema ferroviário, a regiãoé atendida pela ALL, onde se localiza a estaçãoDesvio Ribas, principal desvio para triagem devagões graneleiros com destino a Paranaguá. Poressa estação, são operacionalizados aproximada-mente 170 vagões/dia.

Já na década de 1970, essas condições deexcelências da região, favoráveis ao planejamen-to de logísticas de suprimentos e abastecimentos,foram determinantes para a decisão do governofederal construir o Complexo Armazenador dePonta Grossa naquele município e, que é, ainda,o principal ponto forte daquela unidadearmazenadora.

Por ser capaz de armazenar grandes volu-mes de grãos a granel, o complexo armazenadorda Conab possui condições de dar apoio logísticoao fluxo das exportações de grãos. Contudo,teriam que ser sanadas as suas atuais deficiênciasoperacionais de receber e de expedir produtos,na rapidez exigida, na atualidade, pelo segmentoexportador de grãos.

Quando do planejamento da sua constru-ção, não havia essa preocupação, pois o foco e aprincipal característica do armazém eram de serum grande pulmão armazenador de produtosestratégicos, reservados ao abasteci-mento domercado interno. Não se tinha apreensão quantoao tempo de seus armazenamentos. Os produtoseram carregados ao longo do tempo, até que umanecessidade mercadológica exigisse suasdesovas. Essa característica não exigia rapidezde recebimento e tão pouco de expedição, masde grande capacidade de armazenamento de

Page 15: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 14

produtos, motivo de sua excepcional capacidadeestática, que até o presente momento lhe dá otítulo de maior complexo armazenador do Brasil.

Assim, para que o complexo armazenadorda Conab seja também utilizado no apoio logísticoàs exportações de grãos, torna-se necessárioadaptá-lo para tal. Assim, a SuperintendênciaRegional da Conab, no Paraná, em conjunto coma Superintendência de Armazenagem e Movimen-tação de Estoques (Suarm), unidade orgânica daConab/matriz, responsável pela manutenção eobras estruturais nas unidades da Companhia,elaboraram um diagnóstico apontando as reaisnecessidades daquele armazém, principalmenteno que diz respeito à melhoria dos seus processosoperacionais de recepção e expedição deprodutos, e que resultou no plano de revitalizaçãodaquela unidade.

Revitalização doComplexo Armazenadorda Conab em Ponta Grossa

A partir da decisão governamental de nãomais se recompor grandes estoques públicos,conforme já descrito anteriormente, começoua gradativa redução dos volumes de grãosarmazenados no complexo de Ponta Grossa.

Em decorrência desta política, o ano 2000foi o pior momento do armazém. O total degrãos armazenados, naquele período, em médiasomou menos que 10% da efetiva capacidadeestática de armazenamento da unidade (Fig. 5).

A Superintendência Regional da Conab noParaná, preocupada com esta situação, iniciou umprocesso de mudança na gestão do complexo. Oseu planejamento estratégico, naquele primeiromomento, tinha como principal meta à conquistade novos clientes, ancorada na melhoria dosserviços prestados e aumento progressivo dosvolumes de grãos depositados.

Uma parcela significativa dos grãosproduzidos no Paraná, bem como em outrasUnidades da Federação e também do Paraguai,

quando direcionada para o Porto de Paranaguá,passa pela BR 367, localizada a menos de 200 mdas instalações do complexo armazenador daConab. Contudo, praticamente todos os clientesdo complexo são produtores, cooperativas, pro-cessadores e exportadores de grãos da macrore-gião dos Campos Gerais, a qual engloba oMunicípio de Ponta Grossa, PR.

Assim, devido aos gargalos já mencionadose pelo fato da Estação Ferroviária Desvio Ribasser tão próxima do complexo quanto a BR 367, alógica seria utilizar as instalações daquela unida-de armazenadora para transbordos de grãos, demodo a se transferir, preferencialmente, as cargasdirecionadas para Paranaguá do modal rodoviáriopara o ferroviário. Contudo, esse processo não érealizado em função da mencionada falta decapacidade de expedição do complexo, queacarreta morosidade nesse procedimento.

Conhecidas essas deficiências, foi elabo-rado um projeto visando a sua adaptação e moder-nização, com vistas a disponibilizar a unidadearmazenadora, em futuro próximo, ao sistema queatende o canal logístico do Porto de Paranaguá.

Os planos desenvolvidos para ainserção da Unidade Armazenadorade Ponta Grossa no sistemaexportador de grãos

Em 2001, se deu a primeira tentativa dedisponibilizar o Complexo de Ponta Grossa, para

Fig. 5. Ocupação da unidade armazenadora de PontaGrossa.Fonte: Conab/Sureg/Pr (2004)7

7 Gráficos produzidos a partir de relatórios da Superintendência Regional, Paraná (Sureg).

Page 16: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200515

o atendimento e apoio às exportações de grãos.As tratativas para o desenvolvimento desseplano ocorreram em parceria com a Secretariade Estado dos Transportes do Paraná.

Essa proposta foi retratada, em 27 dedezembro de 2001, pelo jornal Gazeta Mercantil,na matéria Conab tenta reduzir filas emParanaguá, que ressaltou a importância do planode transformar o Complexo Armazenador numaestrutura que aliviasse as filas de caminhões parao Porto de Paranaguá durante a safra e, garantisseaos exportadores a diminuição nos custos detransporte de grãos.

A idéia era bastante simples e consistia emefetuar o controle dos fluxos dos caminhões grane-leiros, com destino a Paranaguá, principalmenteaquele que trafegasse pela BR 367.

Esse controle permitiria que, quando daocorrência de uma emergência ou de umanecessidade logística, os caminhões rastreadospudessem ser desviados para o Armazém daConab. Tal procedimento seria comandado peloporto, por meio de mensagens transmitidas àsestações de pedágios, postos da Polícia Rodoviáriaou das fiscalizações estaduais, responsáveis pelorepasse das informações aos motoristas dasviaturas controladas e selecionadas.

Como a BR 367 é uma das principais rotasde escoamento das safras agrícolas para Parana-guá, passando defronte ao Armazém da Conab elogo adiante se interligando à BR 277, a propostaparecia viável, não fosse a deficiência da unidadearmazenadora em dar a agilidade requerida paraque os grãos, a serem exportados, fossem disponibi-lizados para embarque no porto, a tempo e à hora,o que motivou e levou a Conab a iniciar o Projetode Revitalização daquele complexo.

Outro plano foi a possibilidade detransformar o Complexo Armazenador numaunidade de Recinto Especial para DespachoAduaneiro de Exportação (Redex), pois essacondição atenderia ao objetivo estratégico.O governo federal tinha, também, interesse nesseprocedimento, porque o Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento recebeu oferta do

mercado financeiro internacional para financiara agricultura brasileira, no mesmo molde jáaplicado na Europa, denominada de SecuritisedCommodity Asset Transaction (SeCAT).

Em decorrência dos produtos agrícolasterem que garantir as operações de financiamentoe ainda ter que eliminar o Risco Brasil, foi exigidaa obrigatoriedade do produto ter que ficararmazenado em unidades alfandegárias, depreferência em armazéns do governo federal.

Assim, surgiu uma nova oportunidade parao Complexo de Ponta Grossa ser aproveitado naacomodação das garantias dessa nova moda-lidade de financiamento e participar no esforçoexportador brasileiro. Contudo, devido a proble-mas de ordem técnica e legal, por parte da ReceitaFederal, o plano foi abortado.

Outra possibilidade para a inserção do seucomplexo armazenador, no sistema exportador,ficou relacionada com o desenvolvimento e aconstrução de um duto para transportar grãosdo interior do Paraná para o Porto de Paranaguáe, no sistema reverso, transportar fertilizantes.

Nesse empreendimento, a Conab partici-paria com a disponibilização de parte das instala-ções da sua unidade em Ponta Grossa, que porsuas dimensões, sua localização e, principal-mente, por ser de propriedade do governofederal, aquele armazém propiciaria credibi-lidade e garantias ao projeto.

Assim, o Armazém da Conab poderia ser,no interior, o pulmão e a âncora desse novomodal de transporte de grãos e de fertilizantes,cujos custos para se transportar uma toneladade produto foi estimado em US$ 11,00, ou seja,similar ao custo de se transportar por via férrea.

Esse duto que consistia na montagem deuma gigantesca esteira transportadora deborracha em forma cilíndrica, teria capacidadepara transportar até 3.000 t de produtos/hora.Com velocidade de 2,5 m por segundo, osprodutos transportados poderiam chegar aoPorto de Paranaguá, em até 17 horas.

Em razão de sua tecnologia estar somentedisponibilizada para o transporte de minerais, seu

Page 17: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 16

desenvolvimento passa ainda por uma amplaavaliação, tanto em nível de viabilidadeeconômica, como legal, principalmente por serum novo modal de transporte, para o qual serãonecessários estudos inéditos para se definir normase procedimentos para sua operacionalização eexploração, o que significa dizer que não é umprojeto para ser implementado em curto ou emmédio prazo, apesar do seu caráter pioneiro einovador.

Com a perspectiva da safra de grãos do anoagrícola 2004/2005 ser maior que a anterior eapresentar um fluxo maior de exportação, em 13de janeiro de 2005, o governo federal e o Governodo Estado do Paraná, por meio da Conab e daAppa, assinaram um protocolo de intenção, como objetivo de desenvolver ações conjuntas quepudessem melhorar o escoamento da safra. Esseplano ficou ancorado com a possibilidade detransformar o Complexo de Ponta Grossa numterminal retroportuário avançado.

Para desenvolvê-lo, foi constituído umgrupo técnico de trabalho, composto porrepresentantes das referidas signatárias, quedeveria apresentar, até 12 de fevereiro de 2005,um relatório final conclusivo, apontando, entreoutros, os seguintes aspectos:

1. Atribuições e participações das partessignatárias.

2. Viabilidade técnica e comercial doempreendimento.

3. Modelo logístico e sistemática operacio-nal a serem adotados pelas partes signatárias, soba coordenação do Sistema Logístico do Corredorde Exportação do Porto de Paranaguá (Silog).

4. Modelo comercial com a composiçãoe valor dos preços dos serviços a seremofertados aos usuários do sistema.

5. Avaliação dos impactos tributários, afetosà operação conjunta.

6. Plano de operação para a safra 2004/2005.

7. Apresentação das necessidades deinvestimentos e engenharia financeira para aportede recursos e respectivo retorno.

8. Beneficiários do Terminal RetroportuárioAvançado.

Os beneficiáriosA transformação da unidade de Ponta

Grossa em Posto Retroportuário, mesmo que emcaráter experimental, ainda em 2005, tinhacomo principal objetivo contribuir e participarno processo de escoamento das safras, comreflexos nas reduções das filas de caminhõesque se formam ao longo da BR 277, no trechoentre Curitiba e o porto de Paranaguá.

Assim, com a implementação do projeto,os principais beneficiados com a redução doscustos operacionais existentes na referida cadeiaprodutividade e melhoria da competitividade dasexportações de grãos, via Porto de Paranaguá,seriam os pequenos produtores e exportadores quenão têm recursos para construir armazéns na áreaprimária e que, por isso, ficam obrigados aarmazenar seus produtos na estrada, ou seja, noscaminhões graneleiros.

Por ter a Conab assumido o compromissocom alguns de seus principais e tradicionaisclientes, antes da assinatura do protocolo deintenção, foram disponibilizadas ao projeto 125mil toneladas da capacidade de armazenamentodaquele complexo armazenador. Contudo, comoo interesse da Appa e do Governo do Paraná erade utilizar em toda a capacidade de armaze-nagem do complexo armazenador em PontaGrossa, que é de 420.000 t, o projeto sofreuprocesso de descontinuidade, culminando com asua total paralisação.

ConclusãoConforme se pode depreender deste

estudo, a Companhia Nacional de Abaste-cimento (Conab), assim como o Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa),

Page 18: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200517

há muito vêm manifestando sua preocupaçãoquanto à solução do atual gargalo logístico docorredor de exportação que atende o Porto deParanaguá.

Na atualidade, independentemente depossíveis parcerias, a Conab vem desenvolvendoplanos para a revitalização do seu ComplexoArmazenador em Ponta Grossa, PR, objetivandoprepará-lo e disponibilizá-lo, em futuro próximo,a todos os atores da cadeia de suprimentos degrãos que exportam por meio do Porto deParanaguá.

Assim, espera-se que aquela unidadearmazenadora, em curto prazo, venha a serindutora de novas sinergias para o segmento

exportador de grãos, e que seus reflexospropiciem a melhoria no fluxo de expedição dassafras, motivando a elevação das cotações dosprêmios concedidos pela eficiência nosembarques de grãos, e por extensão, maiorrenda aos agricultores nacionais.

ReferênciasBATALHA, M. O (Coord.). Gestão agroindustrial: Grupo deEstudos e Pesquisas Agroindústriais - GEPAI. São Paulo: Atlas,2001. v. 1. 690 páginas.

BOZZA, G. M.; MAFIOLETTI, R.L. Porto de Paranaguá fazagricultura do Paraná perder R$ 1,6 bilhão. Boletim Informativoda Federação de Agricultura do Estado do Paraná, Curitiba,ano 19, n. 808, mar. 2004.

Page 19: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 18

Agricultura,desenvolvimento agrárioe o Governo Lula

Charles C. Mueller 1

1 PhD pela Vanderbilt University, Estados Unidos. Professor Titular do Depto. Economia da UnB. Email: [email protected] No fim de março de 2005, a Diretoria-Executiva do FMI elogiou o Governo Lula pelos "impressionantes êxitos econômicos" dos seus 2 anos iniciais. (O Estado

de São Paulo, 26/03/05, p. B3).

Enquanto na oposição, o Partido dosTrabalhadores (PT) sistematicamente acusava aAdministração Fernando Henrique Cardoso (FHC)de adotar, em aliança com grupos retrógrados ecom interesses internacionais coordenados peloFundo Monetário Internacional (FMI), umaestratégia econômica neoliberal, envolvendo umaextensa reforma do setor público, a liberalizaçãodo comércio exterior e, acima de tudo, umapolítica fiscal estagnacionista que inviabilizava aatuação eficiente do setor público. O resultado –o Partido dos Trabalhadores (PT) argumentava –foi a exclusão de amplos setores da sociedade ea inação do governo no campo da política pública.E, durante a campanha presidencial de 2002, acoalizão que elegeu Lula prometia que, sevitoriosa, promoveria apreciável revisão dapolítica econômica. Tendo em vista essaspromessas – e a retórica do partido e de seucandidato em campanhas anteriores – não é deadmirar que muitos tivessem ficado aturdidos coma falta de maiores mudanças; a política deestabilização da Administração Lula não divergiuda adotada durante o segundo mandato de FHC,e houve até uma extensão do acordo de 1999com o FMI.2

Da mesma forma, ao se comparar a retóricada campanha com as políticas da administraçãoque assumiu, em 2003, no tocante às questõesagrícola e agrária, a surpresa é semelhante. Na

campanha, a coalizão que elegeu Lula, assen-tada em visão equivocada sobre a agriculturabrasileira, tomou o partido de elevadoscontingentes de trabalhadores sem terra. Tudolevava a crer que ocorreriam mudanças radi-cais. A coalizão invectivava o segmento deagricultura comercial brasileiro, composto porum pequeno número de grandes fazendeiros,fortemente dependentes de favores governa-mentais, que controlava enormes áreas de terra,muitas improdutivas ou subutilizadas. Graçasao seu poder, os interesses agrícolas puderamevitar a implementação de uma reforma agráriasignificativa; excluía-se, assim, um elevado ecrescente contingente de trabalhadores ruraissem terra. A retórica de campanha reconheciaque estes já tinham se organizado politica-mente, pressionando por mudanças; alegava,contudo, que a Administração FHC se aliou aosgrandes proprietários de terra, barrando aimplementação de uma verdadeira reformaagrária. Por isso, – destacava a coalizão – aconcentração da propriedade de terras, quesempre foi muito grande no País, permaneceuvirtualmente inalterada. E o novo governo agiriasumária e decisivamente para alterar essasituação. Uma grande porção das terrasimprodutivas seria desapropriada e distribuídaentre os sem-terra. Em conseqüência, haveria nãosó acentuada redução no desemprego e uma

Page 20: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200519

melhora na distribuição de renda, como tambémaumentos expressivos na produção de alimentose de outros produtos agrícolas.

Ao examinar os acontecimentos posterioresa 2002, vê-se que isso também não aconteceu.Na verdade, em várias ocasiões, a agriculturacomercial – o cerne do moderno e dinâmico setordo agronegócio do Brasil – vem até sendo elogia-da pelo presidente Lula, por seu desempenho emtermos de produção e ganhos de exportação. Ten-do ela sido um dos poucos casos de sucesso numaeconomia quase estagnada, é fácil justificar essapostura. Por sua vez, contudo, é bem mais difícilexplicar o modesto desempenho do programa dereforma agrária da atual administração, nãoapenas em relação ao número de famílias assenta-das, mas também quanto ao suporte às famíliasassentadas no passado.

Como aconteceu com estratégia econô-mica, entretanto, esses eventos não resultaram dedescaso ou de ação mal orientada do governo.Nosso argumento é que, ao invés, as políticasagrícola e agrária da Administração Lula foramem muito afetadas por acontecimentos recentese pela situação do Brasil rural de nossos dias. SeLula tivesse sido eleito em 1989, quando disputoupela primeira vez, talvez tivesse sido mais fácilpara ele adotar uma estratégia agrícola e agráriamais radical. Mas a situação mudou, dramatica-mente, desde então. Nosso objetivo é mostrar que,novamente, a realidade se mostrou muito diferentedas visões estilizadas da campanha.

Para estabelecer as bases da análise dosacontecimentos, apresentamos uma visão resu-mida da evolução da agricultura comercial (itemDesenvolvimento da Agricultura Comercial noBrasil) e da questão agrária (item O problemaagrário – evolução e situação recente). No itemA questão agrária e a administração Lula, discu-tem-se os eventos nessas áreas desde a investidurade Lula, e a conclusão.

O desenvolvimento daagricultura comercial no Brasil

Examinando-se a evolução da agriculturabrasileira após a Segunda Guerra Mundial, épossível identificar, em grandes linhas, trêsfases: entre o fim da guerra e o início da décadade 1970, o período de expansão horizontal,apoiada na incorporação de terras na fronteiraagrícola; do início da década de 1970 ao finalda década de 1980, o período de modernizaçãobaseado em incentivos e subsídios, mas tambémde acentuada intervenção governamental nomercado de insumos e produtos agrícolas; e doinício da década de 1990 até o presente, a faseem que a agricultura comercial passou a exibirum desempenho expressivo, a despeito dagradual desativação da maioria dos programasde apoio, dos subsídios, mas também, daintervenção em mercados.

O período de expansão horizontal3

No pós-guerra, o País adotou – inicialmenteem conseqüência de dificuldades cambiais, masdepois com o propósito de desenvolver suaeconomia – uma estratégia de desenvolvimentoassentada na promoção da industrialização porsubstituição de importações (ISI).4 Dentre osinstrumentos dessa estratégia, se destacou umconjunto de políticas que discriminaram, forte-mente, a agricultura. Na verdade, a agricultura eo meio rural foram então relegados a um segundoplano, merecendo atenção apenas em função dospapéis que desempenhavam no contexto daestratégia de ISI. Houve forte manipulação dospreços agrícolas em favor do setor industrial/urbano. O câmbio – um preço fundamental parao setor agrário/exportador – foi mantido considera-velmente sobrevalorizado e houve freqüentesepisódios de controle de preço de alimentos,visando combater a inflação e atacando seussintomas.

3 Esta subseção é baseada, principalmente, em Mueller (1992).4 Para uma análise mais completa e pormenorizada da fase ISI no Brasil, ver Baer (2002), capítulos 3 e 4.

Page 21: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 20

Isso, não obstante o desempenho do setoragrícola nesse período foi satisfatório. Em termosagregados, entre 1948 e 1960, o PIB agrícolacresceu a uma taxa de 4,2% ao ano, em termosreais (MUELLER, 1992). Além do mais, comomostraram Bacha (1978) e Oliveira (1984), asdistorções de preço acarretaram expressivatransferência de recursos do setor agrícola parao setor urbano/industrial. E a agricultura foiresponsável pela geração de divisas, essenciaisna estratégia de ISI; essa geração só não foi maissignificativa em razão da sobrevalorização docâmbio que então prevaleceu.

Durante essa fase, praticamente inexis-tiram políticas para a modernização da agricul-tura, e a razoável expansão da produção queocorreu resultou dos programas de construçãode estradas da segunda metade da década de1950 – um complemento à indústria automobi-lística, então um segmento prioritário da políticade promoção da industrialização.5 E, comoresultado da construção de estradas, a agriculturapôde atender à crescente demanda por produtosagrícolas, incorporando mais e mais terras aocultivo. Ou seja, na ausência de uma política depromoção da modernização agrícola, ocorreramaumentos na produção agrícola com os mesmosmétodos de baixa produtividade, típicos de então.6

Uma vez que a agricultura vinha tendo desem-penho adequado e que o País ainda dispunha demuitas terras para serem incorporadas à produção,não houve a preocupação com a promoção damodernização.

Por volta do final desse período, entre-tanto, era evidente que as terras mais férteisrelativamente próximas dos grandes centrosurbanos do País já tinham sido ocupadas e queas áreas de fronteira de então não eram adequa-das para propiciar a necessária expansão daprodução. No final da década de 1960, afronteira agrícola já tinha alcançado a Regiãodo Cerrado, mas as tecnologias que possibi-litariam o cultivo produtivo dos seus solos ácidos

e pouco férteis ainda não tinham sidodesenvolvidas. Temendo os problemas que umdesempenho inadequado da agriculturapudesse trazer, os militares, que assumiram opoder em 1964, decidiram criar condições parauma exploração mais intensiva das áreas jáocupadas na região Centro-Sul do País. Aincorporação de terras na fronteira continuaria,mas agora, com mais motivações geopolíticas.

O período da modernizaçãoconservadora

Os militares realizaram uma extensareformulação na estratégia agrícola. No início dosanos 70, um amplo sistema de pesquisa agrícolacomeçou a ser edificado – coordenado pelaEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária(Embrapa). Esta recebeu abundantes recursos parase expandir e para contratar técnicos de alto nível.Além disso, o Sistema Nacional de Crédito Rural(SNCR), criado em meados dos anos 60, começoua disponibilizar volumes crescentes de créditopara a agricultura comercial – crédito de custeioe de comercialização e, especialmente, de investi-mento. Partiu-se da idéia de que o crédito abun-dante, oferecido a taxas de juros baixas – freqüen-temente negativas –, induziria os agricultores amodernizar seus métodos de produção. Alémdisso, ao final da década de 1980, quando o sistemaEmbrapa já tinha desenvolvido tecnologias parao cultivo comercial do Cerrado, montantes decrédito, em termos muito generosos, também foramoferecidos para empreendimentos agropecuáriosna Região do Cerrado (MUELLER, 1990).

Além disso, na década de 1970, houvereorganização da Comissão de Financiamentoda Produção (CFP), que tinha a atribuição deadministrar a política de preços mínimos. Criadadurante a Segunda Guerra Mundial, a CFPmanteve-se, até então, virtualmente inoperante.A reforma melhorou sua capacidade de atuaçãona redução da volatilidade dos preços agrícolas

5 Ver a avaliação das políticas agrícolas no período da ISI, feita por William Nicholls (1975)6 De acordo com Patrick (1975), entre 1948/1950 e 1967/1969, o crescimento anual de 4,4% na produção agregada das 23 culturas agrícolas principais (o café

excluído) deveu-se em 90,7% à expansão horizontal, ou seja, à incorporação de mais terras à produção. O efeito mudança tecnológica foi mínimo, concentrando-se, na sua maior parte, no Estado de São Paulo.

Page 22: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200521

ao longo do ano-safra e de oferecer incentivos depreços para a expansão de culturas consideradasprioritárias. Entretanto, até meados da década de1980, a execução dessa política se mantevefreqüentemente inconsistente; isso resultou, namaior parte das vezes, de interferências distor-civas dos formuladores da política macroeco-nômica. (MUELLER, 1988). Por isso, de longe, ocrédito subsidiado se manteve o principalinstrumento de mudança na agricultura.

Outro componente da estratégia agrícoladesse período foi os incentivos oferecidos paraexpansão de complexos agroindustriais.7 Essescomplexos já existiam, mas ainda eram poucoexpressivos. Até o começo do período, a agricul-tura brasileira gerava, tipicamente, produtosexportados in natura ou vendidos internamentecom poucas transformações. No período,incentivos e favores oficiais promoveram aexpansão de indústrias de processamento dematérias-primas agrícolas, tanto para o mercadointerno quanto para exportar, e fizeram expandirnossa capacidade de produzir máquinas eimplementos agrícolas, fertilizantes, pesticidas eoutros insumos agrícolas. Como resultado, no finalda década de 1980, os complexos do agronegóciojá haviam assumido considerável importância. Àépoca, a antiga dicotomia agricultura para omercado externo versus agricultura para omercado interno, que prevalecia anteriormente,cedeu espaço à dicotomia agricultura integradaa complexos do agronegócio versus agriculturanão-integrada. A agricultura integrada aoagronegócio era moderna e já exibia elevadosganhos de produtividade; a agricultura não-inte-grada permanecia estagnada e com baixa produ-tividade (MUELLER, 1992).

Um importante traço desse período –particularmente da década de 1970 – foi asintervenções, de abrangência e complexidadecrescentes, em mercados agrícolas (DIAS;AMARAL, 2000). Muitas delas provocaram

consideráveis distorções nos preços relativos,alterando até os mecanismos de transferênciasetorial de renda do período anterior. Nesseperíodo, a transferência de renda favoreceu, emcerta medida, a agricultura comercial.8 Mas asintervenções distorcivas não apenas resultaramem crescimento de produção mais baixo do queo que ocorreria numa situação de livre mercado,mas também favoreceram a produção para omercado interno, com alguma discriminaçãocontra as exportações. Na década de 1970, osuprimento adequado do mercado interno foiconsiderado essencial; as necessidades de divisasdo País poderiam ser supridas pela expansão dasexportações de manufaturados e, pelo menos até1979, por empréstimos baratos do mercado depetrodólares. Depois disso, como o Brasil foiforçado a enfrentar severa crise da dívida externa,a situação se reverteu.

Até o início da década de 1980, o créditoagrícola permaneceu o principal componentedo sistema de incentivos à agropecuária. Parase ter uma idéia, enquanto em 1970 osempréstimos agrícolas subsidiados pelo SNCRtotalizaram o equivalente a cerca de US$ 6,2bilhões, 3 anos depois, chegaram a mais do queo dobro, alcançando US$ 12,8 bilhões. E, entre1975 e 1981, o valor médio anual dos emprés-timos à agricultura aumentou sensivelmente,para US$ 23,3 bilhões – mais do que o valoradicionado pela agricultura em alguns dessesanos. Além disso, nesse período de 7 anos, ataxa de juros reais do crédito agrícola foi, emmédia, de – 23,8% ao ano; o crédito agrícolatornou-se, assim, importante fonte de transfe-rência de recursos aos que tinham acesso aosistema de crédito rural – em sua maioriagrandes agricultores comerciais (GOLDIN;REZENDE, 1993, p. 22-24).

Entretanto, no início da década de 1980,o sistema de crédito agrícola passou a ser

7 Uma discussão interessante sobre o surgimento e o desenvolvimento inicial do agronegócio no Brasil encontra-se em Kageyama et al. (1990). Para análise dosdesenvolvimentos posteriores, ver Montoya e Guilhoto (2000).

8 De acordo com Dias e Amaral (2000, p. 228), se incluirmos o crédito agrícola, entre 1975 e 1993, houve a transferência de renda do restante da economia para aagricultura equivalente a cerca de 8% da contribuição setorial para o PIB. Sem o crédito agrícola, as distorções dos preços provocaram uma transferência de rendada agricultura para o restante da economia, de cerca de 8,9% do PIB do setor – semelhantemente ao que aconteceu no período de expansão horizontal.

Page 23: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 22

para exportação. Apesar das inconsistências emalguns anos, o resultado dessa mudança de rumona política foi o esperado: junto com asdesvalorizações da década de 1980, ela induziuconsiderável expansão das exportações doagronegócio. Além disso, a política tambémsustentou o aumento da produtividade e aexpansão da agricultura moderna no Cerrado.10

Entretanto, um resultado problemático da políticade preços mínimos adotada foi que o governo seviu forçado a acumular enormes estoques deprodutos agrícolas; isso acabou por provocar, noinício da década de 1990, mudanças quesignificaram drástica redução no envolvimentogovernamental na comercialização de produtosagrícolas.

O desempenho da agricultura – Conside-rando-se a instabilidade e as mudanças de políticaeconômica da década de 1980, foi bom odesempenho da agricultura no período de moder-nização conservadora. Entre 1965 e 1980, a taxamédia anual de crescimento do PIB real da agri-cultura foi de 4,4%; no período de 1981 – 1989, ataxa de crescimento declinou, mas não substan-cialmente, para 3,5%, em parte como resultadode 2 anos de problemas climáticos, mas, sobre-tudo, em razão da instabilidade macroeconômicada segunda metade daquela década. Em termosde produção de grãos e oleaginosas – o indicadornormalmente usado para avaliar o desempenhoda agricultura –, em 1965, o montante produzidofoi de apenas 22,4 milhões de toneladas; 10 anosdepois, já somavam 40,9 milhões de toneladas (umcrescimento de 6% ao ano). Depois disso, o ritmodo crescimento da agricultura se reduziu, mas aprodução de grãos e de oleaginosas alcançou opico de quase 60 milhões de toneladas em 1985,num crescimento anual de 3,8% no período de10 anos desde 1975. Entre 1986 e 1990, a médiada produção de grãos e de oleaginosas declinoupara 56,5 milhões de toneladas.11

acusado de perdulário e distorcivo;9 e era vistocomo um problema para a execução da estraté-gia então adotada para enfrentar a crise dadívida externa e para controlar a inflação. Amaioria do financiamento agrícola era, então,fornecida pelo Banco do Brasil (o maior bancooperando com a agricultura), mas o banco nãooperava a partir de suas reservas; havia umvínculo com o Banco Central, que tornavaautomaticamente disponíveis os recursos parao crédito subsidiado. Como a inflação estavaem níveis muito elevados e vinha se acele-rando, tal mecanismo de transferência passoua ser percebido como incompatível com apolítica monetária restritiva então implantada.E, quando em 1982 o Brasil pediu auxílio aoFMI, para ajudar a superar a crise da dívidaexterna, o Fundo, e o Banco Mundial, passarama exigir uma reforma drástica no sistema decrédito agrícola.

Essa reforma se concretizou em meadosda década de 1980. O montante do créditoagrícola foi substancialmente reduzido e, pelaprimeira vez em muitos anos, se introduziu acorreção monetária dos recursos emprestados.Como resultado, em 1988 e 1989, o montantedo crédito agrícola declinou para US$ 12,2bilhões em média e as taxas de juros reaistornaram-se positivas, alcançando 7% ao ano.Contudo, essas mudanças na condução dapolítica não aconteceram de forma organizadae continuada. Houve alguma relutância emreduzir o peso do crédito no pacote de políticasagrícolas; a reforma do crédito rural só se tornourealmente efetiva no final daquela década.

Persistiram, contudo, as intervenções eincentivos para a agricultura comercial. Nadécada de 1980, a promoção de exportaçõesteve elevada prioridade na estratégia paraenfrentar a crise do setor externo que o Paísatravessava, e o governo decidiu substituir ocrédito agrícola por uma política de preçosmínimos que efetivamente estimulasse a produção

9 Para uma avaliação interessante, ver Sayad, (1984) parte II10 Para uma completa discussão dos impactos da política de preços mínimos dos anos 80, ver, Rezende, (2003) capítulo 5; e Rezende, (2003a).11 Os dados sobre o crescimento real do PIB agrícola são da Conjuntura Econômica, os dados sobre a produção de grãos e oleaginosas são da Companhia

Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Page 24: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200523

Além disso, ao final do período, um grupoconsiderável de produtos agrícolas – algodão,arroz, cana-de-açúcar, laranja, milho, trigo e,especialmente, soja – mostraram importantesaumentos de produtividade; para algumas delas,a produtividade aproximou-se da dos principaispaíses produtores. Uma característica comumdessas culturas foi que, no período, estavamfortemente inseridas em complexos do agrone-gócio. No final da década 1980, entretanto, aindahavia culturas “atrasadas”, como o feijão, amandioca, a banana e o amendoim; incluía-se,inclusive, entre essas culturas – pelo menos noperíodo – o café, por muitas décadas o líder dasexportações do Brasil. Algumas dessas culturaschegaram a registrar declínio de produção noperíodo, e todas apresentaram produtividade baixae estagnada. Além disso, à exceção do café,nenhuma era parte de complexos agroindustriaisde alguma expressão (MUELLER, 1992, p. 73).

Quanto às exportações agrícolas, estascresceram acentuadamente no período, de US$1,3 bilhão em 1965 a US$ 5,0 bilhões em 1975 ea US$ 10,1 bilhões em 1985. Na segunda metadeda década de 1980, um período de declínio nospreços internacionais de commodities, o valor dasexportações agrícolas caiu, chegando a US$ 9,6bilhões em 1990.

Contudo, as exportações agrícolas cres-ceram muito mais lentamente que as exportaçõestotais do País, no período; em 1965, as exportaçõesagrícolas representaram 82,6% do valor dasexportações totais, mas sua participação declinou,acentuadamente, atingindo 39,3% em 1985 e30,5% em 1990. Isso não obstante, houvesubstancial diversificação das exportaçõesagrícolas; em 1965, o café foi responsável apenaspor 50,6% do total das exportações agrícolas, masem 1990, sua participação caiu um pouco maisde 12%. No período, as exportações de outrosprodutos agrícolas – notadamente a soja ederivados, suco de laranja, aves e carne bovina –aumentaram consideravelmente (CHAMI, 2003).

A fase de expansãoe de modernização comdeclínio do apoio oficial

Herança positiva do período anterior – Adespeito das distorções introduzidas por políticaspúblicas, o período de modernização conserva-dora promoveu mudanças consideráveis. Asprincipais foram:

• Consolidação e expansão de um sistemaatuante de pesquisas agropecuárias. O sistemacoordenado pela Embrapa12 mostrou-se altamenteeficaz em oferecer aos produtores de tecnologiasque trouxeram aumentos contínuos de produtivi-dade, não só das culturas modernas mencionadasacima, como também de culturas tradicionais,como a do feijão. Além disso, desempenhou papelfundamental na expansão de uma agriculturamoderna e dinâmica no Cerrado.

• Crescente profissionalização dosprodu-tores da agricultura comercial. Osagricultores tradicionais do passado, muitos dosquais mais interessados em colher ganhos decapital da posse da terra ou em tirar proveito defavores e subsídios das políticas agrícolas,cederam lugar a uma nova geração defazendeiros profissionais. Diversos deles tiveramorigem na Região Sul e no Estado de São Paulo,onde haviam adquirido experiência no manejoeficiente de seus estabelecimentos. E muitosvenderam suas fazendas nas áreas de origem ecompraram terras mais extensas em regiões defronteira. Os fazendeiros da nova geração têm sidobastante receptivos aos avanços das práticasagrícolas, pois seu principal interesse tende a seros ganhos que podem obter de operações agrícolaspropriamente ditas.

• Consolidação de complexos de agrone-gócio. Como indicado, a maioria das estórias desucesso da agricultura brasileira envolveu culturasque participam de complexos do agronegócio. Asempresas que suprem a agricultura com maqui-nário e insumos e as que processam e comercia-lizam insumos originados na agricultura,desempenham vários papéis: não só propor-

12 O sistema de mudança tecnológica inclui não apenas as organizações de pesquisa da Embrapa, mas também organizações dos governos estaduais.

Page 25: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 24

cionam aos agricultores insumos e mercados,como também participam, significativamente, nacomercialização de produtos agrícolas, nofinanciamento da agricultura e até na disse-minação de tecnologias modernas. E essasempresas ganham, tanto com a expansão dasexportações,13 como com os impulsos propiciadospor um importante mercado interno.

Impactos das mudanças de política –Vimos que, com início na década de 1980, asexigências das políticas macroeconômicas e anecessidade de conter o déficit público e dereduzir a intervenção do Estado, levaram a im-plementação de estratégia agrícola liberalizante.Além disso, no início da década de 1990, o Brasilcomeçou a submeter seu setor produtivo –incluindo sua agricultura – à competição inter-nacional. Tarifas foram drasticamente reduzidas,as proibições de importações e as quotas deexportação foram extintas ou contidas e foisimplificada a burocracia do comércio exterior.No todo, ao eliminar taxas, quotas e exigênciasprévias de licenciamento em exportações, anova política de comércio exterior teve o efeitode reduzir o viés contra a agricultura; alémdisso, a importação de insumos, maquinário emesmo de commodities agrícolas foi paulati-namente liberada, com efeitos favoráveis emtermos de custos e de modernização.

Quanto aos preços relevantes para aagricultura e o agronegócio, no passado, foramobjeto de freqüentes intervenções distorcivas.Interferências nos preços – tanto dos insumosquanto dos produtos – afetavam tanto aos agri-cultores como aos processadores e comer-ciantes. Essas intervenções foram gradativa-mente eliminadas. A política de preços mínimospassou a evitar grandes aquisições de exce-dentes e reduziram-se os estoques do governo;essa política foi, sobretudo, usada para asinalizar, corretamente, preços aos agentesenvolvidos em atividades agropecuárias(REZENDE, 2003, cap. 5).

No que tange o financiamento agrícola,o período testemunhou mudanças que resulta-ram, não apenas em reduções substanciais docrédito oriundo de fontes oficiais, mas tambémem destinar o crédito do SNCR preferen-cialmente a pequenos agricultores e aosassentados do programa da reforma agrária.Além disso, os aportes do tesouro na oferta derecurso para o SNCR tornou-se mínima; ocrédito agrícola deixou de ser fonte de pressãoinflacionária. Quanto à taxa de juros do créditooficial, esta permanece positiva, embora abaixodas taxas Selic; a diferença é coberta pelogoverno, mas agora com recursos incluídos, acada ano, no orçamento federal (DIAS;AMARAL, 2000).

Isso não significa que a agricultura comer-cial deixou de ter acesso ao crédito. Evoluíramvárias outras fontes de financiamento, em suamaioria a partir do setor privado. Nessa linha,houve um aumento substancial nas operaçõesde financiamento dos complexos do agrone-gócio. Os produtores de insumos financiam suasvendas aos fazendeiros e tem sido comum acompra antecipada pelos processadores deprodutos agrícolas, visando assegurar osuprimento dos insumos agrícolas de que neces-sitam. Além disso, os bancos comerciais sãoobrigados a aplicar parte de suas reservas emempréstimos agrícolas. Merece destaque,também, a participação recente do BancoNacional de Desenvolvimento Econômico eSocial (BNDES), no financiamento de longoprazo da aquisição de equipamentos (as linhasde crédito do Programa de Modernização daFrota, (Moderfrota) e da Agência Especial deFinanciamento (Finame Rural).

Em outras palavras, o financiamentogovernamental direto da agricultura comercialdeclinou, acentuadamente. Contudo, o governonão está ausente; ele vem se envolvendo emassegurar que haja financiamento adequadopara a agropecuária. Todos os anos, o Ministério

13 Cabe mencionar uma conseqüência da expansão do agronegócio: a das exportações de maquinário e insumos agrícolas. As economias de escalaproporcionadas pelas exigências da agricultura brasileira renderam aumentos de competitividade nos mercados estrangeiros.

Page 26: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200525

da Agricultura Pecuária e Abastecimento editao Plano de Safra para o ano seguinte que, alémdas metas de produção, especifica os montantese as fontes dos recursos de financiamento.14 E oMinistério vem se esforçando para garantir queo financiamento se torne realmente disponível.

Entretanto, é importante ressaltar que essemodelo de intervenção governamental indiretanão evoluiu suave e tranqüilamente; houve altose baixos na agenda da reforma da política agrícola,e o setor agrícola passou por fase de consideráveisturbulências antes que fossem assentadas as basesda nova estratégia. Houve, ainda, problemas deorigem macroeconômica. Por exemplo, entre1994 e 1999, o Real foi mantido apreciado, com oobjetivo de contribuir para a estabilização dospreços internos dos bens comercializáveis (BAER,2001, cap. 10). Como resultado, as exportaçõesagrícolas sofreram discriminação. As lavouras dealgodão e de arroz, por exemplo, experimentaramforte retração, em razão da sua perda decompetitividade, até mesmo no mercado interno.A situação se agravou com os baixos preçosinternacionais de commodities do período. Por suavez, o setor agrícola como um todo, se beneficiouda importação barata de insumos.

As perspectivas da agricultura tornaram-se bem mais positivas em 1999, quando, apósum longo período de intervenções, a taxa decâmbio passou a flutuar livremente; emconseqüência, houve uma acentuada deprecia-ção do Real. Com um clima favorável nomercado mundial de commodities, a novapolítica de câmbio propiciou uma considerávelexpansão das exportações agrícolas e doagronegócio e uma queda das importações deprodutos agrícolas. Essa evolução contribuiu,decisivamente, para o desempenho extraordinárioda agricultura comercial no novo milênio.

Examinamos, a seguir, esse desempenho.Antes, uma breve observação; como a essênciadas mudanças de políticas do fim da década de1980 e início da década de 1990 foi a elimi-nação da maioria das escoras criadas durante

a fase de modernização conservadora, paraalguns dos observadores no início da décadapassada, a agricultura comercial brasileiraestava, então, à beira de uma forte crise. Elestiveram razão?

Desempenho do agronegócio na fase derápida expansão e modernização – Para exa-minar essa performance, é conveniente focalizar,separadamente, dois subperíodos: o de 1991/1998,que começou com sérios problemas macroecô-micos e que teve a implantação de um plano deestabilização que controlou a inflação, entreoutras coisas, com a ajuda de um Real superva-lorizado; e o subperíodo 1999/2004, que se inicioucom a introdução do regime de câmbio flutuanteacompanhado de acentuada desvalorização doReal.

Entre 1991 e 1998, a taxa média anualde crescimento real do PIB agrícola foi modesta:apenas 2,4%, semelhantes à taxa de cresci-mento do PIB para economia como um todo(2,8% ao ano). Muito baixas ou negativas noinício do período, as taxas de crescimento agrí-cola registraram um curto período de euforiaem seguida à implantação do Plano Real, masvoltaram a cair em 1997 e em 1998. Vimos,acima, algumas razões para esse declínio, masele também foi afetado pela instabilidade criadapor ataques especulativos contra a moedanacional, seguida de políticas duras de reaçãoa esses ataques.

Em contrapartida, no período de 1999/2004, a taxa anual de crescimento do PIBagrícola alcançou a média impressionante de5,4%; além disso, o crescimento se manteveelevado em quase todos os anos do período.Muito raramente, a agricultura brasileiraexperimentou um período continuado de forteexpansão como este. Por sua vez, o crescimentoreal do PIB total registrou a média de apenas2,4 % ao ano, no mesmo período.

Os dados sobre a produção de grãos eoleaginosas confirmam esses desdobramentos.

14 Para o ano agrícola 2004/2005, por exemplo, o Ministério da Agricultura anunciou o financiamento a partir de várias fontes – entre as quais não está incluídoo Tesouro Nacional – no montante de aproximadamente US$ 15 bilhões (Gazeta Mercantil, 24/05/04, p. B12). Esse total não inclui o financiamento dosfornecedores de insumos agrícolas, nem dos processadores de matérias-primas agrícolas.

Page 27: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 26

Trabalhando com uma média móvel de três anosda produção de grãos, esta aumentou modera-damente, de 57,9 milhões de toneladas em 1991para 76,6 milhões de toneladas em 1998; masem 1999, ocorreu uma forte inflexão – aprodução passou a crescer, vigorosamente, anoapós ano, alcançando 123,2 milhões detoneladas em 2003. Note-se que a produção degrãos e oleaginosas cresceu 32,3% nos 7 anosentre 1991 e 1998, mas 69,7% no período de 6anos entre 1999 e 2003. Vale ressaltar, ainda,que tal expansão na produção foi obtida comum acréscimo relativamente reduzido da áreacultivada; entre 1991 e 2004, a área destinadaa grãos e oleaginosas aumentou apenas 24,5%,de 37,9 milhões para 47,2 milhões de hectares.A maior parte dos aumentos substanciais daprodução deveu-se ao aumento da produtivi-dade. O progresso tecnológico foi fatorpreponderante nesse desempenho, e este nãose restringiu apenas ao segmento de grãos e deoleaginosas, mas estendeu-se a culturas comoa da cana-de-açúcar e do café e – com resulta-dos impressionantes – ao segmento da carnebovina, aves, suínos, ovos e leite.

O desempenho recente do setor doagronegócio brasileiro teve repercussões im-portantes no comércio internacional do País. Ovalor das exportações do agronegócio –incluindo apenas as commodities agrícolas e ossemimanufaturados15 – aumentou de US$ 21,2bilhões em 1997, para US$ 30,6 bilhões em2003, e para quase US$ 40 bilhões em 2004. Oimpacto dessa performance sobre as contasexternas foi considerável. Para se ter uma idéia,o saldo da Balança Comercial do Brasil, em2002, foi de US$ 13,1 bilhões, mas o saldo daBalança Comercial do setor de agronegócio (asexportações menos as importações do setor)totalizou impressionantes US$ 20,3 bilhões.E deram importante contribuição para essedesempenho, as exportações de carne bovina, deaves e de suínos; em 2002, o valor das exportaçõesdo complexo de carnes totalizou US$ 4,0 bilhões(AGRONEGÓCIO..., 2004, p. 17).

Firmou-se, assim, a percepção de umaagricultura comercial brasileira moderna edinâmica, um setor do qual muito ainda se podeesperar. Em certa medida, essa percepção éválida. Contudo, ao avaliarmos as perspectivasdo setor, devemos ter em mente que seudesempenho recente foi substancialmenteassistido por condições bastante favoráveis domercado externo de commodities, notadamenteno caso dos complexos da soja e da carne. Asituação pode mudar, se esses segmentos vierema experimentar revezes de mercado. Alémdisso, há obstáculos internos a uma continuadaexpansão da produção e das exportações dosetor, sendo o mais importante o das deficiên-cias da infra-estrutura de transportes – nãoapenas nas regiões de fronteira, mas tambémnas áreas mais desenvolvidas. Além do mais,os portos brasileiros não vêm expandindoadequadamente a sua capacidade movimentargrandes volumes de exportações.

O problema agrário –Evolução e situação recente

Terminada a Segunda Guerra Mundial eredemocratizado o País, a elevada concen-tração fundiária, conjugada à existência devastas extensões de terras agrícolas improdu-tivas ou subutilizadas e de um número conside-rável e crescente de pequenos agricultores etrabalhadores sem terra, fizeram com que aquestão agrária se destacasse junto à opiniãopública. A reforma agrária tornou-se, assim, umimportante tópico de política pública. Algunsviam na reforma agrária um importanteinstrumento de profunda mudança social, mas amaioria dos argumentos a favor da reforma seapoiava em aspectos de eficiência e de eqüidade.Em suma, ao levar ao uso terras ociosas, a redistri-buição de terras promoveria o aumento da produ-ção, especialmente de alimentos; e ao redistribuirum importante item de patrimônio, melhoraria adistribuição de renda e de riqueza no País.

15 Dados sobre o comércio exterior do complexo do agronegócio, obtidos da Secex do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (www.mdic.gov.br).Os dados para as exportações do complexo incluem produtos semimanufaturados, mas não produtos manufaturados deles derivados (por exemplo, incluemas exportações de pele, mas não de sapatos).

Page 28: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200527

Mais tarde, durante o Regime Militar (1964/1985), a reforma agrária tornou-se um anátema ea pressão pela redistribuição das terras foi desviadapara as terras públicas, notadamente na AmazôniaRural. Contudo, depois que a democracia foirestaurada em 1985, a reforma agrária voltou ase tornar um tópico importante de política pública.E na década de 1990, viram uma escalada tantonas iniciativas oficias para redistribuição das terras,quanto em pressões por melhores resultados nessecampo. Na verdade, no final daquela década, aaquisição pelo governo de terras para redistri-buição tornou-se mais fácil em razão de umsensível declínio no preço da terra, induzindoproprietários de terras a diversificar suas carteirasde ativos. Agora, entretanto, essa folga parece tersido superada e a administração Lula temencontrado cada vez mais dificuldades paraarrecadar terras para seu programa de reformaagrária.

É importante ter em mente que, durante acampanha presidencial, Lula prometeu absolutaprioridade à reforma agrária. Chegou-se, então, amencionar o assentamento de 1 milhão de famíliassem terra. Como evidenciado abaixo, trata-se demeta impraticável; na verdade, será difícil ao atualgoverno sequer igualar o desempenho de seuantecessor nesse campo. Visando a estabeleceros problemas enfrentados pela atual administra-ção em relação à reforma agrária, é importanteindicar como evoluiu a questão agrária no Brasil.

Evolução da questão agrária

Resumimos, aqui, os principais fatores naelevada concentração fundiária – umaconstante na história do Brasil – e na crescentepressão por redistribuição de terras.16 A origemdo problema remonta aos primórdios do períodocolonial, quando Portugal abandonou a tentativa– com claros matizes feudais – de ocupar suacolônia americana mediante o sistema decapitanias hereditárias. Como essa tentativamalogrou em minimamente habitar a colônia, elafoi substituída, em meados do século 16, por

sistema de concessão de terras, com posse plena,a quem se comprometesse a destiná-las àprodução. Como resultado, grandes áreas de terra– das quais apenas uma pequena fração seriaefetivamente explorada – foram cedidas gratuita-mente, geralmente a concessionários próximosdos assentos do poder.

Com o aumento da densidade demográficaem partes do País, observou-se, também, aocupação da terra por um número crescente depequenos agricultores. Estes ocupavam pequenasáreas de terra, geralmente nas bordas das regiõesde atividade colonial mais intensa, onde desenvol-viam atividades de subsistência.

Inicialmente, a independência do Brasil nãotrouxe mudanças significativas nas bases insti-tucionais do processo, mas mesmo assim, ocorreuum surto de ocupação de terras públicas. Era dogoverno parte expressiva das terras do País (mesmonas regiões Centro-Sul e Nordeste, mais povoa-das), e a principal forma de concessão de terraspúblicas ocorria mediante o sistema de posse – oda reivindicação pela ocupação. Esse esquemaestimulou a expansão no número de fazendasmuito grandes – os latifúndios – mas tambémpropiciou a ocupação da terra por pequenosagricultores – geralmente em áreas remotas oumenos férteis. Um problema com esse sistema dealocação de terras é que ele falhou em estabelecer,adequadamente, os direitos de propriedade sobrea terra. Com isso, generalizaram-se disputas,envolvendo violência, nas quais os pequenostendiam a sair perdendo.

No início da segunda metade do séculopassado, a situação mudou. A densidadedemográfica da Região Centro-Sul do País haviaaumentado e o café se tornado o esteio de umnovo surto primário-exportador, que propiciouconsideráveis aumentos dos preços de terras.Por isso, em 1850, foi aprovada a Lei da Terra,um novo estatuto de alocação de terras. Essalei manteve as alocações de terras do passado,mas estabeleceu que, do ano de sua aprovaçãoem diante, a terra somente poderia ser adquiridapor meio de compra. Segundo Alston et al. (1999,

16 Para uma análise lúcida e objetiva desse tema, ver Alston et. al (1999, Cap. 3).

Page 29: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 28

p. 35), a lei foi o resultado de pressões exercidaspor grandes proprietários, visando limitar a invasãode suas terras por intrusos. Mas o sucesso nessesentido foi parcial, e a reivindicação por posse daterra pública permaneceu; na verdade, elesobrevive até o presente.

Em certa medida, a lei tornou a propriedadede terras nas áreas assentadas mais segura. Alémdisso, quando ao final do século 19, o Regime deEscravidão desmoronou, ela evitou que ostrabalhadores rurais que substituíram os escravos– em sua maioria, imigrantes da Europa e do Japão– abandonassem as lavouras de café em grandeslevas, para ocupar terras públicas em outroslugares.

O Regime Republicano, instalado em 1889,transferiu a jurisdição das terras públicas para asprovíncias (os estados), que passaram a alocarfartamente terras públicas, visando a promoçãode adensamentos demográficos e a expansão desuas agriculturas. Mas isso foi feito de formadescontrolada, resultando em ocupação de terrassem título de propriedade, ou até com títulosconcorrentes. E, com o deslocamento da fronteiraagrícola para o Oeste e para o Norte, que severificou ao longo do século 20, esse sistemaacabou reforçando os altos níveis de concentraçãofundiária do País, e gerando disputas e violência.

Esse período também se caracterizou poracentuada expansão do que se poderia deno-minar de fronteira de subsistência, geralmenteem áreas remotas. Envolvendo pequenos colonos,foi um importante fator no desmatamento de áreasde floresta (GOODMAN, 1978), já que as terrasdesmatadas geralmente tinham preços bem maisaltos que os das áreas com floresta nativa. Até adécada de 1930, esse processo – na sua maiorparte espontâneo – resultou num grande númerode colonos ocupando, cada um, pequenaporção de terras. Com a falta de clareza quantoaos direitos de propriedade da terra, isso ajudaa explicar as disputas e a violência, prevalentesem muitas das áreas que viram a agricultura

comercial penetrar zonas de fronteiras desubsistência.

Era esse o estado de coisas logo após aSegunda Guerra Mundial. Ele contribuiu paraconsolidar no Brasil a visão dualista, latifúndio/minifúndio, também encontrada em outrospaíses da América Latina (JANVRY, 1981). Emresumo, o Brasil rural era visto como uma áreaatrasada, dominada por forças pré-capitalistas.A ausência de manejo racional e as relaçõesde trabalho autocráticas e hierarquizadas nasgrandes fazendas eram consideradas a regra.

Para os que encamparam essa visão, adespeito do acesso privilegiado que os grandesproprietários tinham sobre o crédito e sobreserviços e apoios institucionais, seu maior interessese centrava em manter ou aumentar seu poderpolítico e seu status social, e não em maximizarlucros. Isso teria resultado num modelo altamenteextensivo de uso da terra e na exclusão de boaparte dos pequenos agricultores. Com pouca terraà disposição, estes produziriam, sobretudo,culturas de subsistência e se constituíam emimportantes fontes de mão-de-obra para oslatifúndios. Na verdade, essa seria a principalcausa de respostas insuficientes da agricultura àsnecessidades do emergente setor urbano-industrial, oriundo da estratégia de substituição dasimportações adotada na década de 1950.

Como vimos acima, o complexo latifúndio/minifúndio foi considerado o principal vilão daescassez de alimentos ocasionalmente ocorridana década de 1950 e início da de 1960. Não sedava atenção aos efeitos prejudiciais da ampladiscriminação contra a agricultura, entãoprevalecente, e se via na remoção do latifúndio araiz para a eliminação de obstáculos estruturaisao desenvolvimento. A solução, segundo os quedefendiam esse ponto de vista, seria uma reformaagrária sumária e profunda, e de longo alcance.

A despeito do clamor do Brasil urbano pelareforma agrária, durante a fase democrática de1945/1964, pouco foi realizado nesse campo. Deacordo com Alston et al (1999, p. 37), na década

Page 30: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200529

de 1930 o governo já vinha reconhecendo anecessidade de democratizar o acesso à terra,mas os esforços realizados nesse sentido secentraram no assentamento de pequenoscolonos em terras públicas. Entretanto, comoera reduzida a disponibilidade de terras públicaspróximas às áreas mais desenvolvidas do País,a atenção logo se voltou para as terrassubutilizadas no interior de grandes fazendas.Com isso, no Pós-Guerra, a proposta daredistribuição da terra do latifúndio para sem-terras tornou-se um importante componente dodebate sobre políticas públicas.

O modelo de reforma agrária, entãosugerido, envolvia a expropriação de terrasimprodutivas das grandes fazendas, semcompensação ou com compensação limitada.A terra passou a ser percebida como tendofunção social, que se materializaria mediantea produção. Não cumprindo a função social,as terras improdutivas deveriam ser expropria-das e colocadas à disposição dos que iriam usá-las produtivamente – o grande contingente detrabalhadores rurais sem-terra. Essa era aretórica; entretanto, as tentativas de transformá-la em medidas concretas malograram. Noperíodo, a reforma agrária foi “bloqueada,revertida ou diluída, seja na fase de concepção,seja na de implantação, por coalizões políticasde grandes proprietários de terras” (ALSTON etal., 1999, p. 38).

O Regime Militar, instalado em 1964,começou com uma retórica semelhante. Defato, uma das reformas modernizantes instituídaspelo primeiro governo militar foi o Estatuto daTerra17, ampliando capacidade do governo derealizar redistribuição de terras. A legislaçãoanterior estabelecia que terras privadas somentepoderiam ser arrecadadas pelo governo para areforma agrária mediante a compra à vista eem dinheiro; sob o Estatuto, a terra adquiridapara a reforma pode ser paga com títulos dogoverno de longo prazo (Títulos de Dívida

Agrária). Em princípio, a aquisição de terrasimprodutivas foi tornada bem fácil. Contudo,apesar das mudanças promovidas pelo Estatutoda Terra, o governo militar não promoveu umprograma efetivo de reforma agrária. A influênciados reformistas – que introduziram a novalegislação – dentro da administração militar foisufocada pela de grupos conservadores. Naverdade, no restante do período militar, a defesada reforma agrária foi considerada ato desubversão.

Ao invés de reforma agrária, os militaresimplantaram uma política de assentamento decolonos em terras públicas na Amazônia. Emparte, isso foi feito para aplacar a pressão donúmero crescente de trabalhadores ruraisdeslocados pela modernização da agriculturainduzida desde o fim da década de 1960, mastambém para assentar uma região “vazia”,reforçando a nossa soberania sobre a Amazônia(MUELLER, 1980, 1995). Mudou, assim, anatureza da expansão da fronteira agrícola. Atéo início da década de 1970, essa expansão seconstituiu num processo espontâneo.

A partir de então, adotou-se política dedeliberadamente induzir a ocupação de terras,primeiro na Amazônia e depois em partes daRegião do Cerrado. Introduziram-se incentivosfiscais a empreendimentos de larga escala,geralmente envolvendo a criação de gado, naAmazônia e foram criados vários projetos decolonização “modelo”. A concepção queorientou a esses últimos foi a do assentamentoordenado de colonos em áreas próximas a umamalha rodoviária em construção na região.

Entretanto, no final da década de 1970, ogoverno perdeu o controle do seu esquema deassentamento, uma vez que um númerocrescente de trabalhadores rurais sem-terrapassou a migrar, do Centro-Sul do País, paraáreas de influência da malha rodoviária daregião, ali se estabelecendo. Com isso, ogoverno acabou sendo forçado a continuar acolonização, mas agora como uma medidapaliativa (MUELLER, 1995).

17 Como demonstrado por Alston et al. (1999, p. 40), o Estatuto da Terra, de 1964 permanece, ainda hoje, como a principal lei regulando o assentamento da terra,direito de estabilidade e a política de redistribuição no Brasil.

Page 31: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 30

A reforma agrária propriamente dita tornou-se novamente um objetivo de política importanteapós o fim do Regime Militar, em 1985.Simultaneamente, aquele ano viu a constituiçãode um movimento organizado de sem-terras. Omito do “Eldorado Amazônico” havia sido expostoe diminuiu o interesse dos sem-terra em seassentar em terras públicas na região. Com isso,a pressão dos trabalhadores sem-terra, agoraorganizados pelo Movimento dos Sem-Terra(MST), direcionou-se para terras mais férteis emais próximas dos mercados da Região Centro-Sul. Houve, assim, um aumento de invasões,lideradas pelo MST, de grandes propriedadesimprodutivas da região. Com isso, o MST se tornouum grupo de pressão de influência crescente.(ALSTON et al., 1999, p. 45-46).

Quanto à implantação da reforma agrária,no início da administração Sarney (1985 –1990), foi anunciado o ambicioso PlanoNacional de Reforma Agrária (PNRA), e se criouo Ministério da Reforma Agrária, paraimplementá-lo. Visava-se redistribuir terrasparticulares subutilizadas próximas dosmercados – então ainda disponíveis em grandequantidade. Contudo, a oposição política àreforma agrária por partes dos proprietários deterra – organizados em associações influentes– logo se fez sentir. Essa oposição, e oscrescentes problemas macroeconômicos doperíodo fizeram com que minguassem osrecursos disponíveis para a reforma agrária. Nofinal da década, as ações de reforma agráriaforam virtualmente paralisadas. Em parte, issoocorreu como resultado dos altos e crescentespreços da terra, associados a uma inflaçãoelevada e em aceleração; isso contribuiu paraexacerbar a reação dos proprietários de terra.

A administração Collor (1990 – 1992)pouco fez para mudar esse estado de coisas;na verdade, ao reduzir acentuadamente opessoal de organizações responsáveis pelareforma agrária, sua reforma administrativatornou as coisas ainda piores. E, após seuafastamento da presidência, mediante um

processo de Impeachment, seu sucessorvirtualmente ignorou o problema.

Os eventos acima resumidos explicam osresultados pouco expressivos, em termos deredistribuição de terras, desde meados da déca-da de 1980. Com efeito, o número médio anualde famílias assentadas entre 1986 e 1988 foi deapenas 22.861 e essa média declinou a meros10.526 entre 1989 e 1994 (ALSTON et al., 1999,p. 52). Mas o MST manteve e ampliou suapressão. Conforme ressaltam Alston et al. (1999,p. 53),

... o MST e outros grupos de invasores deterras que seguiram seu exemplo levaram aquestão da reforma agrária na agendapolítica por volta de 1994, a um nível jamaisatingido na história brasileira. Sua estratégiaenvolvia a invasão de terras particulares e ouso de violência para atrair a atençãonacional e internacional para a distribuiçãoda propriedade de terras viesada [do País].

Um objetivo importante do movimentodos sem-terra era, pois, o de forçar o governo aintervir, expropriando terras de particularespara reforma agrária. E, na segunda metade dadécada de 1990, essa estratégia começou a darresultados. Contribuiu, para isso, os acentuadosdeclínios nos preços de terras resultantes daestabilização de preços do Plano Real; estetornou muito mais fácil para o governo adquiriráreas para projetos de reforma agrária. Tiveramimportância, também, fatores como a dimi-nuição da resistência à reforma agrária dosgrandes proprietários de terra e a posturamoderadamente favorável à reforma agrária daadministração social democrata de FHC, de1994 a 2002. Não obstante, a pressão dosgrupos de invasores continuou intensa.

O resultado de todos esses fatores foi umaumento substancial nos 8 anos entre 1994 e2002, da média anual de famílias assentadas.Ela alcançou 62.500 assentados – uma médiabem superior à de qualquer período anterior.No total, cerca de 20 milhões de hectares deterra foram redistribuídos, num feito semprecedentes, na história do Brasil18.

18 Dados de um levantamento de José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo, para a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).Ver O Estado de São Paulo, 21/03/04, p. A13. Entretanto, o autor deixa claro que os resultados recentes alteraram pouco a concentração fundiária do Brasil.

Page 32: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200531

Não se pode negar a importância para essedesempenho da ação do MST e de outros gruposde invasores. Como indicado, eles operavaminvadindo fazendas improdutivas ou subutilizadas,criando um impasse. Em decorrência, osproprietários das terras invadidas tendiam aimpetrar ações de reintegração de posse; se estasfossem concedidas, eram emitidas ordens dedespejo. Isso geralmente acontecia, quando afazenda invadida estava em produção. Contudo,em muitos casos, essa era, de fato, improdutiva eacabava sendo expropriada e transformada emprojeto de assentamento19.

Esses eventos ocorreram na gestão FHC.No início da referida gestão, foi anunciada umareforma agrária pró-ativa, mas o governoacabou sendo forçado a atuar sob a pressão dosepisódios cada vez mais freqüentes de invasãode grandes fazendas por organizações de sem-terra. Com isso, a anunciada racionalidade dareforma foi gradativamente substituída pormedidas tomadas após o fato. E, com aintensificação das invasões, os procedimentosde reforma acabaram se limitando aexpropriação e assentamento sumário defazendas improdutivas invadidas.

Após ter-se completado o assentamento,o projeto era geralmente relegado à sorte.20

Conseqüentemente, embora numericamenteimpressionante o desempenho da reformaagrária desse período, ela foi pouco eficaz emtransformar os assentados em agricultoresprodutivos. E esse desempenho foi alcançadoa um custo alto – estima-se que o gasto médio doassentamento de uma família no período foi decerca de R$ 40.000 (então cerca de US$ 13.000),um custo desproporcional, visto que, comomencionado, foi limitado o apoio oficial dado aosassentados (O Estado de São Paulo, 7/8/03, p. A10).Uma seqüela da baixa eficiência dos assenta-mentos da reforma agrária é a grande incidência

19 Vimos que somente as propriedades rurais improdutivas ou marginalmente exploradas podem ser expropriadas no âmbito das provisões do Estatuto da Terra,para constituir projetos de reforma agrária. Somente grandes fazendas (os latifúndios) podem, assim, ser expropriados.

20 O atual Ministro da Reforma Agrária costuma usar a natureza incompleta das medidas de reforma agrária da administração FHC como justificativa para alentidão dos assentamentos da administração Lula. Ele argumenta que seu ministério está criando um novo modelo, mais inclusivo, de reforma agrária e queisso demanda tempo. Ver entrevista no O Estado de São Paulo, 18/08/03, p. A6.

21 Ver Lourival Sant'anna, "Por que os assentados vendem seus lotes", O Estado de São Paulo, 19/08/03, p. A7. Na verdade, a lei proíbe que o assentado vendaseu lote, mas isso está longe de ser respeitado.

de assentados que abandonam suas terras,geralmente após terem-nas vendido a outros21.

Isso pode parecer paradoxal, se lembrarmosque a administração FHC criou programas decrédito especiais, a juros reduzidos, parapequenos agricultores e, especialmente, para osassentados pela reforma agrária. Acontece queesses programas especiais de crédito acabarampor alcançar um número relativamente pequenode assentados, geralmente situados em áreaspróximas a mercados e servidos por infra-estruturarazoável; além disso, a maioria dos agricultoresbeneficiados tinha experiência anterior emprodução agrícola e pecuária, estando capacitadaa fazer bom uso do crédito (FERREIRA et al., 2001).Nas poucas ocasiões em que o crédito foiamplamente disponibilizado aos assentados,vários dos mutuários menos experientes acabaramse tornando inadimplentes. Em parte, isso resultoudo alistamento pelo movimento dos sem-terra, nassuas incursões de invasão de terras, de muitaspessoas inexperientes, mas não se pode ignorar alimitada assistência técnica disponível em muitosdos assentamentos ad hoc que emergiram doprocesso de ocupação acima mencionado.

O Governo Lula e asquestões agrícola e agrária

Os eventos acima certamente eramconhecidos do novo presidente, quando daformação do seu ministério. Era óbvio que elenão poderia embarcar numa estratégia radicalde reforma agrária, uma que viesse a desesta-bilizar o único setor da economia que entãocrescia e que vinha contribuindo para aliviaras restrições externas do País. Mas também eraevidente que ele não poderia abandonar umimportante segmento de sua base eleitoral – osmovimentos de sem-terra e, mais particular-mente, o MST. Assim, o presidente logo deixou

Page 33: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 32

claro que a política agrária de seu governo nãose faria às custas da agricultura comercial. Naverdade, parecia sem propósito a proposta depolítica radical, envolvendo o confisco de terrados produtores comerciais, dado que –presumia-se – ainda havia amplos estoques deterras improdutivas em grandes propriedades,que podiam ser arrecadadas para a reformaagrária.

Assim, Lula colocou no Ministério daAgricultura Roberto Rodrigues, sem partido, entãono comando da Associação Brasileira doAgronegócio, entidade firmemente sintonizadacom o segmento moderno da agricultura.22 E noMinistério da Reforma Agrária, colocou MiguelRossetto, político do PT, intimamente ligado aosmovimentos dos sem-terra e comprometido coma adoção de medidas visando um rápidocrescimento do assentamento de trabalhadoresrurais sem-terra. Elementos igualmente motivadosforam colocados no comando do Incra.

A questão agrária e a Administração Lula

Os movimentos de sem-terra não semostraram exatamente felizes com o arranjoacima mencionado. Desde o início, deixaramclaro que esperavam um envolvimento maiságil e profundo do novo governo com a reformaagrária, independentemente do preço quetivesse que ser pago em termos de sacrifício deprodução e de exportações. Em meados de 2003,por exemplo, João Pedro Stédile, um dos líderesmais vocais do MST, expressou seu desapon-tamento e prometeu ações para “alterar a realcorrelação de forças na sociedade brasileira”, epara trazer Lula de volta ao pensamento básicode seu partido, conforme interpretado por Stédile.Mas, em face às promessas de resultados maissignificativos assim que fossem contornadas asdificuldades macroeconômicas e que se

reorganizassem as entidades governamentaisenvolvidas com a reforma agrária,23 o MSTconcordou, relutante-mente, em conter suasações de protesto. Não obstante, para deixar claroque falava sério, o movimento promoveu episódiosocasionais de invasão de fazendas, de agênciasde bancos e de organizações do governo, por sem-terras.

Na verdade, não foram essas promessas,em si, que aplacaram o MST. O principal fatorpara tal foi, certamente, uma Medida Provisóriade 2000 que se tornou lei, proibindo o governode comprar terras – mesmo improdutivas –, emresposta a invasões por movimentos de sem-terra. Essa lei fez o número de casos de invasõesde terra despencar, de 502 casos em 1999 para158 em 2001 e 103 em 2002. O número deocupações de terras voltou a aumentar depoisque Lula assumiu, mas moderadamente, (houve222 ocupações em 2003 e 327 em 2004).24 Naverdade, uma das reivindicações do MST é arevogação dessa lei. O movimento insiste queessa foi uma promessa de campanha; noentanto, como a revogação provavelmenteincrementaria consideravelmente a invasão deterras, o atual governo vem protelando a adoçãodessa medida.

A pressão e o descontentamento dos sem-terra continuaram; assim, quando, após mais de 1ano desde a investidura de Lula os resultados nocampo da reforma agrária continuavam poucoexpressivos,25 o MST e outras organizações desem-terra decidiram flexionar seus músculos. Foientão quando encenaram o que ficouconhecido como Abril Vermelho, uma ondamaciça de ações de protesto, visando ademonstrar seu descontentamento com osresultados em termos de política agrária. Houveinvasões de terras, bloqueios de estradas eocupações de agências de bancos e deescritórios do governo. Foram, na maioria, açõesclaramente ilegais, mas isso não abrandou a

22 Há várias associações ligadas à agricultura comercial; algumas foram criadas, principalmente, para fazer lobby em favor dos grandes proprietários de terra,mas há outras mais alinhadas aos interesses da moderna agricultura comercial. A Associação Brasileira de Agronegócio faz parte desse segundo grupo.

23 Ver a entrevista concedida pelo Ministro da Reforma Agrária em O Estado de São Paulo, 16/08/0303, p. A6 e A7.24 Ver O Estado de São Paulo, 23/02/05, p. A7.25 Por exemplo, de acordo com dados do Incra, ao final de março de 2004, apenas 4.112 famílias tinham sido assentadas. Aparentemente, isso não se deveuapenas à falta de recursos, mas também a problemas e insuficiências do Incra. O presidente do Incra, por exemplo, reclamou que a organização estavaexperimentando escassez de pessoal, e que precisava, urgentemente, contratar cerca de 3.600 funcionários para que fosse alcançada a meta de assentamentopara 2004(O Estado de São Paulo, 20/03/04, p. A14).

Page 34: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200533

determinação dos movimentos sem-terra. Atática usada foi a de invadir, bloquear, masrecuar à medida que se impetrassem açõesjudiciais e que ficasse claro que viriam medidasrepressivas – geralmente a cargo de governosestaduais.

É interessante ressaltar que, com a ondado Abril Vermelho, tornou-se evidente um novocenário: ao contrário do que geralmenteacontecia no passado, dessa vez apenas poucasdas fazendas invadidas eram, realmente,improdutivas. E isso não foi coincidência. Defato, o estoque de grandes propriedadesimprodutivas diminuiu e, recentemente, ficouclaro – tanto para o governo, quanto para o MST– que o período de fácil aquisição mediantepressão de terras para projetos de assentamentohavia terminado. Acontece que, de um lado,uma porção significativa do estoque de grandespropriedades improdutivas foi utilizada nosassentamentos da década de 1990; e, do outrolado, a recente onda de prosperidade daagropecuária induziu um uso mais intensivo daterra em boa parte das propriedades agrícolas.Obviamente, ainda existem grandes proprie-dades improdutivas, mas a maioria estálocalizada em regiões inférteis, freqüentementeatingidas por secas e distantes de mercados.Mas, tendo aprendido com os eventos da fasede expansão da colonização da Amazônia, osmovimentos de sem-terra não vêm mostrandointeresse por essas terras. Assim, grande partedos recentes episódios de invasão de terrasocorreu em áreas férteis e bem providas deinfra-estrutura, e em propriedades produtivasque, pelo Estatuto da Terra, não podem serdesapropriadas para projetos de assentamento.26

É claro que o governo tem a opção denegociar com proprietários fundiários a comprade terras a vista – e a preços de mercado. E éisso que vem sendo forçado, mais recente-mente, a fazer. Segundo o Incra, em 2004, foram

gastos cerca de 1 bilhão de reais na aquisiçãode terras; e quase 60% das famílias assentadasnaquele ano o foram em áreas adquiridas dessaforma, pelo governo.

É oportuno ressaltar a atitude do governofederal diante das manifestações, protestos einvasões de 2004. Esta consistiu, basicamente,em freqüentes afirmativas de que a lei precisaser obedecida e de promessas aos movimentosde sem-terra de melhores resultados no futuro.Tanto o Presidente quanto os Ministros da Justiçae da Reforma Agrária têm insistentementeafirmando que o governo não pode dar amparoa ações ilegais e que a reforma agrária não serárealizada sob pressão, mas nenhuma medidamais concreta tem sido tomada pelo governofederal para reprimir tais ações dos sem-terra.Na verdade, uma vez que as medidas paraexpulsar invasores, quando determinadas pelojudiciário, devem ser implementadas porgovernos estaduais e não pelo federal, asexortações deste não precisam ser acom-panhadas de medidas mais palpáveis.

Quanto ao desempenho de 2004, emtermos de assentamentos, parece indicarconsiderável melhoria; segundo o InstitutoNacional de Reforma Agrária (Incra), naqueleano, foram assentadas 81.254 famílias, quasetrês vezes mais que em 2003. Contudo, essesnúmeros vêm sendo contestados, tanto peloMST como pela Comissão Pastoral da Terra(CPT).27 Na verdade, o MST tem freqüentementeexpressado seu desagrado em relação aodesempenho da política agrária do governo e,em meados de 2005, organizou uma nova ondade protestos e demonstrações ainda maisintensas que a de 2004.

Em termos de reforma agrária, um pontomerece destaque aqui: o modesto desempenhoda administração Lula só pode ser parcialmenteatribuído à falta de terras improdutivas bem

26 A escassez de grandes fazendas improdutivas está mudando a retórica do MST. No passado, o inimigo – e principal alvo de suas ações – era o latifúndioimprodutivo. Recentemente, na medida em que este começou a encolher, o principal inimigo passou a ser o agronegócio burguês – as grandes fazendasmodernas e produtivas (conforme afirmativas de ideólogos do MST em O Estado de São Paulo, de 30/5/04, p. A10). Cabe salientar que, a despeito da naturezapragmática das ações do MST, este é, na sua essência, um movimento ideológico radical.

27 Ver O Estado de São Paulo, 20/01/05, p. A9.

Page 35: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 34

localizadas e à insuficiência de recursos; parteda responsabilidade também reside nasineficiências e inadequações das organizaçõesgovernamentais de reforma agrária. O própriopresidente Lula longe está de satisfeito com essedesempenho,28 mas ainda não fica claro o quese fará para melhorá-lo.

A performance da agriculturacomercial no Governo Lula

A safra do primeiro ano do mandato de Lula(a safra 2003/2004) foi recorde, atingindo 119,1milhões de toneladas. E a safra de 2003/2004deveria ser ainda maior – segundo a previsão quecirculou na época, seria de 131,9 milhões detoneladas – mas ela sofreu acentuada reduçãoem razão de problemas climáticos em importantesregiões produtoras.29 Quanto ao desempenho docomércio internacional do setor, o superávitcomercial de 2003 do agronegócio registrou umaumento, para US$ 25,9 bilhões (AGRONE-GÓCIO..., 2004, p. 17). E, em 2004, esse superávitfoi ainda maior; no período de 12 meses, terminadoem maio de 2004, a Balança Comercial doagronegócio totalizou US$ 28,3 bilhões, quase27% a mais do que o mesmo período de 12 mesesdo ano anterior.

Vale ressaltar, aqui, que o presidente Lulatem deixado clara sua satisfação com a perfor-mance do setor agropecuário; e vem mostrandoseu apreço pelo ministro da Agricultura, RobertoRodrigues.30 Além disso, o governo vemativamente envidando esforços para que sejamsupridas as necessidades de financiamento daagricultura comercial31. E, dando prossegui-mento aos esforços da administração anterior,

o Ministério das Relações Exteriores se dedica,vigorosamente, a um projeto prioritário para aagricultura comercial: o da pressão para obter,nas negociações internacionais, a redução ouremoção de barreiras comerciais às exporta-ções agrícolas e do agronegócio, tanto junto aosEstados Unidos quanto à Comunidade Européia.No passado, o alvo da pressão dos grupos deinfluência da agricultura comercial era aobtenção de favores e subsídios para o setor;agora, eles demandam uma forte posturainternacional de negociação por parte dogoverno. Hoje, o que o setor quer são mercadosem expansão, e a Administração Lula vem sededicando a fazer com que isso aconteça.

Contudo, há um problema interno quepode restringir a expansão do agronegócio: é odas deficiências de infra-estrutura, atrás apon-tado. E esse problema é agravado pela escas-sez de recursos do governo federal para investir,o que restringe a adoção de medidas paracorrigir a situação. Além disso, há certa relutân-cia no atual governo em promover investi-mentos privados em infra-estrutura. No passado,os investimentos desse tipo eram prerrogativado Estado e há políticos e administradorespúblicos que desejam ver isso voltar a acontecer– embora sem que se saiba com que meios.

Em suma, a agricultura comercial estálonge de ser tratada como um oponente pelaAdministração Lula. Pelo contrário, esta certa-mente espera que continue a contribuir deforma importante para os esforços nacionaisobjetivando alcançar um crescimento duradou-ro. Mas isso não está garantido; para que aexpansão do agronegócio continue firme, o

28 Em discurso proferido num encontro com pequenos agricultores em meados de 2004, no Rio Grande do Sul, o presidente Lula afirmou que a reforma agráriado presente está longe de ser a dos seus sonhos; além disso, manifestou que está ciente de que sua administração provavelmente não poderá fazer tudo queele deseja, mas prometeu melhores resultados no futuro. (O Estado de São Paulo, 13/07/04, p. A8).

29 Segundo avaliação da Conab, deve ocorrer uma quebra de cerca de 12 milhões de toneladas na safra 2004/2005, causada, principalmente, por forte secanos estados produtores da Região Sul. Espera-se, assim, uma produção de grãos de apenas 119,5 milhões de toneladas para a safra. (Gazeta Mercantil, 23/03/05, p. B-12).

30 Roberto Rodrigues repetidamente reconheceu o apoio que vem recebendo de Lula. De fato, desde o início de 2003, o ministro conseguiu levar o presidentea 12 feiras agropecuárias - muitas delas grandes eventos enaltecendo os sucessos da agricultura comercial. E, neles, seus discursos expressam sua satisfaçãocom o desempenho do setor (Gazeta Mercantil, 20/05/2004, Relatório Agronegócio, p. 1).

31 O governo disponibilizou para a safra 2004/2005, cerca de US$ 15 bilhões oriundos de várias fontes, para o financiamento da agricultura comercial, 39% amais do que o destinado para a safra anterior. O crédito aos pequenos agricultores (incluindo os assentados pela reforma agrária) deve ter aumentado 28%,chegando a aproximadamente US$ 2,4 bilhões (Gazeta Mercantil, 24/05/04, p. B-12).

Page 36: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200535

governo será chamado a atuar, na eliminaçãode gargalos e na realização de pressão efetivapara assegurar uma expansão vigorosa demercados externos.

ConclusãoComeçamos registrando a perplexidade de

muitos observadores com a atuação daAdministração Lula em duas áreas estratégicas,aparentemente desconectadas: a da políticamacroeconômica e a das políticas agrícola eagrária. Sugerimos que a perplexidade em relaçãoa elas é maior quanto mais o observador se apoiarna retórica do passado do PT, e de Lula, e menosconsiderar na postura moderada que a colisão queelegeu Lula adotou durante a campanha.

De fato, ao se observar as ações da Admi-nistração Lula à luz da retórica, do PT e dealguns dos partidos aliados – e o do próprio Lula–, em campanhas anteriores, é inevitável a sur-presa diante dos acontecimentos recentes.Contudo, eliminando-se o aspecto histriônico dacampanha e as promessas e ameaças feitas nocalor do momento, nota-se que, a partir da Cartaao Povo Brasileiro, de meados de 2002, Lula esua coalizão procuraram transmitir a mensagemde que, em caso de vitória, a lei seria firme-mente respeitada e que não haveria mudançasabruptas ou radicais em políticas importantespara assegurar um clima de tranqüilidadeeconômica. Houve, sem dúvida, promessas demudanças, mas estas deveriam ocorrer gradual-mente, sem grandes rupturas. A natureza doscompromissos da coalizão vitoriosa contrastoumarcadamente com a das campanhas anterio-res de Lula. Considerando-se a aversão daclasse média a radicalismos políticos, pode-semesmo considerar que a postura moderadaassumida por Lula foi um dos fatores de suavitória.

Além disso, temos que ter em vista oseventos acima analisados, que levaram, por umlado, a posturas favoráveis em relação àagricultura comercial e ao agronegócio; e, por

outro, a resultados modestos em termos de políticaagrária. De fato, ainda que sem muita assistênciapor parte do governo, recentemente o agronegócioteve um desempenho extraordinário em termosde produção, produtividade e de exportações.Tornou-se, assim, um segmento com importantescontribuições para a retomada do crescimento.Uma política que desagregasse o setor seria,assim, extremamente contraproducente.

Já na área da política agrária, os proble-mas impostos pela desorganização dos órgãosenvolvidos na reforma agrária foram intensifi-cados pela insuficiência de recursos e porcrescente escassez de grandes propriedadesimprodutivas bem localizadas para fins dedesapropriação e formação de assentamentosde sem-terra. É nítida a complexidade atual daquestão agrária.

Se uma postura realmente radical –coerente com as campanhas anteriores de Lula– tivesse, de início, sido implementada, osimpactos em termos de produção e deexportação agrícola seriam provavelmentedesastrosos. Em termos de reforma agrária, osresultados poderiam ser mais significativos doque os que os recentemente experimentados,mas gerariam um estado de comoção da opiniãopública, que poderia inclusive liquidar com aspretensões futuras do presidente e de suacoalizão. Assim, em grandes linhas, é consis-tente a evolução recente nos campos agrícolae agrário. E, ceteris paribus, essa evolução nãosugere mudanças súbitas e profundas nessescampos.

ReferênciasAGRONEGÓCIO garante saldo comercial. Agroanalysis,Rio de Janeiro, v. 23, n. 10, p. 16-17, jan. 2004.

ALSTON, Lee; LIBECAP, Gary; MUELLER, Bernardo.Conflict, and land use: the development of property rightsand land reform on the brazilian Amazon frontier. AnnArbor: The University of Michigan Press, 1999. v. 1, 218 p.

BACHA, Edmar L. A industrialização e o setor agrícola. In:POLÍTICA Econômica e Distribuição de Renda. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1978. p 117-145.

Page 37: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 36

BAER, Werner. The brazilian economy: growth anddevelopment. 5th ed.. Westport: Praeger, 2001. 498 p.

CHAMI, Jorge. O setor externo brasileiro no século XX. In:IBGE. Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro, 2003. p. 413-449.

DIAS, Guilherme; SILVA, L. da; AMARAL, Cicely Moitinho.Mudanças estruturais na agricultura brasileira, 1980-98. In:BAUMANN, Renato (Ed.). Brasil: uma década em Transição.Rio de Janeiro: CEPAL–Campus, 2000. p. 223-253.

FERREIRA, Brancolina; FERREIRA, Fernando G.; GARCIA,Ronaldo C.; A agricultura familiar e o PRONAF: contexto eperspectiva. In: GASQUES, José G.; CONCEIÇÃO, Júnia C.da, Transformações da agricultura e políticas públicas.Brasília, DF: IPEA, 2001. p. 479-539.

GOLDIN, Ian; REZENDE, Gervásio de Castro. a Agriculturabrasileira na década de 80: crescimento numa economia emcrise. Rio de Janeiro: IPEA, 1993. 119 p.

GOODMAN, David. A expansão da fronteira e colonizaçãorural recente política de desenvolvimento do Centro-Oestedo Brasil. In: BAER, Werner et al. (Ed.), Dimensões dodesenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Campus,1978. 396 p. il.

JANVRY, alain de. The agrarian question and land reformismin Latin America. Baltimore: Johns Hopkins, 1981.

KAGEYAMA, Angela et al. O novo complexo agrícolabrasileira: do complexo rural aos complexos agroindustriais.In: DELGADO, Guilherme; GASQUES, José G.; VILLA VERDE,Carlos M. (Ed.). Agricultura e políticas públicas. Brasília: IPEA,1990. p. 113-223.

MONTOYA, Marco Antonio. GUILHOTO, Joaquim J. M. Oagronegócio no Brasil entre 1959 e 1995: dimensãoeconômica, mudança estrutural e tendências. In: MONTOYA,M. A. PARRÉ, J. L. (Ed.). O Agronegócio brasileiro no final doséculo XX. Passo Fundo: UFP, 2000. p. 3-32.

MUELLER, Charles C. Recent frontier expansion in Brazil: thecase of Rondônia. In: BARBIRA-SCAZZOCCHIO, Françoise(Ed.), Land, people and planning in contemporary Amazônia.Cambridge: Centre for Latin American Studies–CambridgeUniversity, 1980. p. 141-153.

MUELLER, Charles C. Conflitos intragovernamentais e aformação de políticas de preços agrícolas no Brasil.Pesquisae Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p.685-708, dez. 1988.

MUELLER, Charles. Políticas governamentais e a expansãorecente da agropecuária no Centro-Oeste. Planejamento ePolíticas Públicas, Brasília, DF, n. 3, p. 45-73, Jun. 1990.

MUELLER, Charles C. Dinâmica, condicionantes e impactosambientais da evolução da fronteira agrícola no Brasil.Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 26, n.3, p. 64-87, Jul./Set. 1992.

MUELLER, Charles C. Land settlement and sustainability:the process of colonization in South America’s Amazonand in Brazil’s savannas. Trabalho apresentado na UNUConference on the Sustainable Future of the Global System,organizada pela United Nations University, Tokyo, 16-18October 1995, 38 p.

NICHOLLS, William, , The Brazilian agricultural economy:recent performance and policy. In: ROETT, Riordan (Ed.)Brazil in the sixties. Nashville: Vanderbilt University Press,1975. p. 47-87.

OLIVEIRA, João do Carmo. Transferência de recursos daagricultura no Brasil: 1950-74. Pesquisa e PlanejamentoEconômico, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p.773-821, 1984.

PATRICK, George. Fontes de crescimento na agriculturabrasileira: o setor de culturas. In: CONTADOR, Cláudio(Ed.). Tecnologia e desenvolvimento agrícola. Rio deJaneiro: IPEA: INPES, 1975. p. 89-110. cap. 3.

REZENDE, Gervásio de Castro.Estado, macroeconomia eagricultura no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS: IPEA,2003. 246 p.

REZENDE, Gervásio de Castro. A política de preços mínimose o desenvolvimento agrícola da região Centro-Oeste. In:HELFAND, Steven; RESENDE, Gervásio (Ed.). Região eespaço no desenvolvimento brasileiro. Brasília, DF: IPEA,2003a. p. 54-59.

SAYAD, João. Crédito rural no Brasil: avaliação das críticase propostas de reforma. São Paulo: FIPE: Pioneira1984.(Estudos Econômicos). 136 p.

Page 38: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200537

Transportes e logísticade grãos no BrasilSituação atual, problemase soluções

Marisa Aparecida Ribeiro Tosta1

1 Engenheira de alimentos e gerente da área de movimentação de estoques da Conab.

O crescimento do agronegócioEm 2003, a participação do agronegócio

brasileiro no PIB foi de 38,6%, ou seja, R$ 508,27bilhões, segundo Guilhoto J. apud Gasqueset al. (2003 p. 8), baseado em dados do Institutode Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Esse excelente desempenho do agrone-gócio é o resultado de um talento natural doBrasil para a agricultura, aliado, em parte, aoresultado de um trabalho iniciado pelo governofederal em décadas passadas (política degarantia de preços mínimos, construção dearmazéns em regiões de fronteira agrícola, etc.)e, mais recentemente, quando diminuiu oudeixou de interferir, diretamente, em algumasdessas áreas, de um trabalho de pesquisa(Embrapa), e principalmente, da competênciados empresários do agronegócio.

A cada ano, a safra brasileira de grãosaumenta, significativamente, com destaque paraa soja, que já atingiu mais de 50 milhões detoneladas, conforme os dados da CompanhiaNacional de Abastecimento (Conab) (CONAB,2004). As séries históricas de produção de milho,soja e grãos em geral, mantidas pela Conab,demonstram na Fig. 1 que, em 1 década, aprodução brasileira de produtos agrícolas dobrou.

Em termos de produtividade, os dados daConab (2004) demonstram ainda que houve um

grande avanço nos últimos anos: a produtividadeda lavoura de soja saltou de 1.580 kg/ha na safra1990/1991 para 2.816 kg/ha na safra 2002/2003,enquanto a produtividade do milho saltou de 1.791kg/ha para 3.585 kg/ha no mesmo período.

Fora o enorme salto em termos de produti-vidade, vislumbram-se novas possibilidades decrescimento da produção: o Brasil ainda contacom boa parcela de solo agricultável.

Segundo Silva et al. (2001), a Região doCerrado abrange cerca de 207 milhões dehectares. Desse total, 139 milhões são áreas

Fig. 1. Evolução da produção de grãos no Brasil (safras1990/1991 – 2002/2003). Fonte: Conab (2004).

Page 39: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 38

cultiváveis, das quais 14 milhões são de culturasanuais, 3.500 milhões de culturas perenes e 50milhões de pastagens, conforme a Fig. 2.

A importância dotransporte e seus problemas

A localização das novas regiões, distantedos portos e das áreas de maior densidade detransportes do território brasileiro (concentradasno Sudeste e no Sul) mobilizou o Poder Públicoe um seleto grupo de grandes empresas namodernização e na implantação de grandessistemas de engenharia voltados ao escoamentoda produção.

A nova situação da produção de grãos noterritório brasileiro motivou a proposta dos eixosnacionais de integração e desenvolvimento,componente dos Planos Plurianuais (PPA),ocupando o espaço de um verdadeiroplanejamento territorial estratégico.

Os corredores multimodais, definidos pelogoverno federal, são os seguintes: CorredorMercosul, Corredor Transmetropolitano,Corredor Oeste – Norte, Corredor Araguaia –Tocantins, Corredor São Francisco, CorredorLeste, Corredor Sudoeste, Corredor FronteiraNorte e Corredor Fronteira Nordeste. Essescorredores interligam diversos modais detransporte, de acordo com a característica daregião e com o objetivo de escoar a produçãolocal da forma mais econômica e ágil.

Apesar da possibilidade de utilização deoutros modais, muitos são os entraves queimpedem, hoje em dia, a multimodalidade acontento. Além disso, os crescentes recordesde produção nos novos fronts e a necessidadedo escoamento da soja para os portos têmsobrecarregado todo o sistema de transporte noterritório brasileiro, ocasionando falta decaminhões e elevação do frete para outrascargas, como produtos industrializados.

A tendência ao aumento da produção, tantode produtos agrícolas como de industrializados,apontam para uma movimentação cada vezmaior, não só para o abastecimento interno, masprincipalmente para a exportação, pelo que seconclui que o transporte será cada vez maisdemandado.

Fig. 2. Mapa de ocorrência do ecossistema Cerrado.Fonte: Silva et al. (2001)

Portanto, no Brasil, ainda há boas possi-bilidades de expansão da agropecuária. Castilloe Vencovsky (2004) afirmam que a atual mobili-dade geográfica no território brasileiro éfortemente influenciada pelos novos frontsagrícolas (Cerrado do Centro-Oeste, TriânguloMineiro, Rondônia, oeste da Bahia, sul doMaranhão e do Piauí) que caracterizam regiõesaltamente modernizadas e especializadas,produtoras de commodities (sobretudo soja),porém mais distantes dos portos do que asregiões sojícolas mais antigas.

Além de mobilizar todo um aparatotecnológico para a produção (novas cultivares,técnicas de manejo do solo, maquinário einsumos agrícolas), a ocupação das novas áreastem provocado uma profunda transformação naorganização do território, sobretudo em termosde transportes e de comunicações.

Page 40: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200539

No entanto, verifica-se que a infra-estruturade transportes, essencial à manutenção dessatendência de crescimento da produção, recebeuinvestimentos tão acanhados nas últimas décadasque, recuperar o tempo perdido é quaseimpossível, antes que seus reflexos atinjam,negativamente, o bom desempenho até agorademonstrado, principalmente pelo setor agro-pecuário.

Essa situação de carência em infra-estruturade transportes pode resultar no desestímulo aoincremento da produção, quer seja pela simplesconstatação do gargalo criado pela ausência deinfra-estrutura, quer pela decorrente debandadada clientela, tendo em vista que os preços dosprodutos, sobrecarregados pelos altos custos dotransporte, perdem a competitividade.

É de suma importância que o Brasil man-tenha sua competitividade e continue a conquistarnovos clientes, aumentando assim o superávit naBalança Comercial e mantendo os clientes jáconquistados. No jogo da manutenção dacompetitividade dos grãos brasileiros, o transportepossui papel fundamental.

Nazário et al. (2005) já haviam ressaltadoa mesma coisa, acrescentando que, muitasempresas brasileiras têm vislumbrado na logística,e mais especificamente na função transporte, umaforma de obter diferencial competitivo.

Noutro trabalho, Nazário (2005) demonstraque para a redução dos custos logísticos eobtenção de maior confiabilidade no serviçoprestado seria necessário incentivar a intermoda-lidade. Cada modal possui desempenho ecaracterísticas próprias e, conforme as necessi-dades do momento, um deles, ou a associação dealguns deles deveria ser escolhida.

Isso fica bem caracterizado quando severifica que o modal rodoviário predomina namatriz de transporte no Brasil, mesmo paraprodutos/trechos onde não é o mais competitivo,como é o caso dos grãos.

A matriz de transportesDados da Associação Nacional do Trans-

porte de Cargas e Logística (NTC) (PIRES, 2005)mostram que, no Brasil, o market-share dos modaisé completamente diferente ao dos Estados Unidos,conforme se verifica na Tabela 1.

Tabela 1. Market-share dos modais no Brasil e nosEstados Unidos (TKU).

RodoviasFerroviasHidroviasDutoviárioAéreo

Brasil (%)

60,4920,8613,86 4,46 3,33

Modal Estados Unidos (%)

28,0038,0016,0017,80

0,20

Fonte: Vianna (Informação verbal)2.

2 Palestra proferida por Geraldo Aguiar de Brito Vianna, da Associação Nacional dos Transportes de Cargas (NTC), no Seminário Brasileiro do TransporteRodoviário de Cargas, realizado em abril de 2004, na Câmara dos Deputados, em Brasília, DF.

Enquanto nos Estados Unidos, a maiorparticipação fica por conta do modal ferroviá-rio, no Brasil, há uma grande distorção em favordo modal rodoviário. Qual das matrizes seriamais adequada para o Brasil? Isso fica claro,quando é feita uma comparação com outrospaíses.

Assim, Pires (2005) afirma que:

No Brasil, o modal ferroviário nuncaalcançou a representatividade obtida emoutros países de grande extensão territorial.A sua participação na produção detransporte no País, medida pela toneladaquilômetro útil (TKU), variou, nas décadasde 1980 e 1990, entre aproximadamente20% e 23%. Esse grau de utilização para otransporte de carga coloca o Brasil nacompanhia de diversos países europeus,como a França e a Alemanha, que possuemuma extensão territorial significativamentemenor que a nossa. Adicionalmente, aparticipação do transporte ferroviário decargas no Brasil tem sido restrita aosegmento de curtas distâncias, em que asvantagens dos custos e serviços ferroviáriosnão são significativas. Ressalta-se que, paralongas distâncias, a participação do modalferroviário é a menor dentre todos os modaisde transporte no Brasil (p. 1).

Page 41: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 40

A participação do modal ferroviário namatriz de dois países de dimensões continentaiscomo o Brasil, citada por Pires (2005), medidaem TKU (tonelada quilômetro útil) e excluindo-se o transporte dutoviário, é a seguinte: China37% e Rússia 60%. Como se vê, na matrizbrasileira, a distribuição é muito diferente.

Nazário (2005) cita a comparação entrerodovia e ferrovia, feita pela American TruckingAssociation (ATA), demonstrando as característi-cas de distância e volume de maior competiti-vidade dos modais, conforme demonstrado naTabela 2.

grãos, justamente porque seu desem-penho é fracona característica capacitação (capacidade detrabalhar com diferentes volumes e variedades deprodutos), a mais importante no caso do transportedesses produtos.

Os modais de transporte e suaparticipação no mercado brasileiro

Fleury (2005) realizou comparativo entreos preços dos diferentes modais, no Brasil e nosEstados Unidos. A Tabela 3 mostra os preços decada país e a relação entre eles.

Tabela 2. Market-share dos modais no Brasil e nos Estados Unidos (TKU).

Abaixode 160

Entre160 e 320

Entre320 e 480

Entre480 e 800

Entre800 e 1600

Entre1600 e 2400

Acimade 2400

Abaixode 0,5

Modal

Fonte: América Trucking Association (ATA) (apud NAZÁRIO, 2005).

Entre0,5 e 4,5

Entre4,5 e 13,5

Entre13,5 e 27

Entre27 e 40

Acimade 40 t

Volume de carga (t)

Seja qual for o ângulo de análise, a inade-quação da matriz de transportes brasileira é óbvia.Para otimizá-la, a assunção da intermodalidade éfundamental, especificamente no caso dotransporte de grãos: grãos são transportados emgrandes quantidades e seu valor agregado ébaixo. Ou seja, hoje, o transporte rodoviárioutilizado em larga escala não é o modal ideal para

A análise demonstra que os preços rela-tivos dos diferentes modais possuem a mesmaordenação, mas as diferenças entre eles sãosignificativas, principalmente no tocante aotransporte rodoviário. Enquanto nos EstadosUnidos o preço do transporte rodoviário é 4,0vezes superior ao do ferroviário, no Brasil, essadiferença é de apenas 1,7 vez.

Page 42: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200541

Analisando-se a última coluna, verifica-seque há uma grande distorção do modal rodoviário:enquanto os preços brasileiros praticados nosmodais aéreo, dutoviário e aquaviário são supe-riores aos praticados nos Estados Unidos, no casodo transporte rodoviário, a figura se inverte.Segundo Fleury, isso leva a concluir que, no Brasil,o preço do transporte rodoviário está exagera-damente baixo, qualquer que seja a comparaçãoefetuada.

Modal rodoviário

Do baixo preço praticado pelo transporterodoviário, resulta sua predominância na matrizbrasileira. E isso é função de várias distorçõesdo sistema de transportes no País.

No Brasil, o setor rodoviário de cargascarece de uma regulamentação efetiva queimpeça a participação de aventureiros, porquehá excesso de oferta. Esses fatos levam apráticas de concorrência predatória, fazendocom que os preços sejam inferiores ao custoreal. O baixo preço do transporte rodoviário éuma das principais explicações para a elevadaparticipação de mercado, desfrutada por essemodal.

Na tentativa de regulamentar o setor,eliminando parte das distorções que impactamna matriz de transportes, a Agência Nacionalde Transportes Terrestres (ANTT), criou o RegistroNacional de Transportadores Rodoviários deCargas (RNTRC), como forma de propiciar aregularização do exercício da atividade por meioda habilitação formal, o disciplinamento do

mercado, a identificação de parâmetros departicipação no mercado, o conhecimento dograu de competitividade e a inibição da atuaçãode atravessadores não-qualificados.

Contudo, em que pese a distorção da matriz,o modal rodoviário é predominante no País, eindispensável no seu papel de prover as “pontas”.A falta de infra-estrutura onera ainda mais oscustos: a precariedade das estradas brasileiras au-menta o custo com combustíveis, uma vez que osveículos são obrigados a trafegar em velocidadesmais baixas; a idade média da frota é muito alta(18 anos), comprometendo a segurança e aconfiabilidade desse modal no País.

Sobre as condições das rodovias brasi-leiras, a Confederação Nacional dos Trans-portes (CNT) concluiu sua Pesquisa Rodoviária2004, analisando 74.681 km de vias asfaltadas,ou seja, 4,3% do total existente.

A análise conclusiva dos resultados daPesquisa Rodoviária CNT 2004 (CONFEDE-RAÇÃO NACIONAL DOS TRANSPORTES, 2004)aponta para uma situação de elevado grau dedeficiência nas condições das rodovias brasileiras,o que, em termos práticos, se traduz emcomprometimento dos níveis de desempenho ede segurança do setor de transportes. Forampesquisados 8.638 km na Região Norte, 21.582km na Região Nordeste, 11.052 km na RegiãoCentro-Oeste, 20.612 km na Região Sudeste e12.797 km na Região Sul.

Considerando-se as melhores condiçõesdas malhas Sudeste e Sul, a avaliação do cená-rio nacional resulta em situação desfavorável,em que 74,7% da extensão pesquisada

Tabela 3. Preços relativos dos diferentes modais (em US$ por 1000 t/km).

AéreoRodoviárioFerroviárioDutoviárioAquaviário

Brasil(*) (%)

5231911117

Modal Estados Unidos (%)

3205614

95

(*) Quando da conversão dos valores brasileiros em US$, a taxa era de R$ 2,50/dólares.Fonte: Fleury (2005).

Brasil/Estados Unidos

1,630,330,791,221,40

Page 43: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 42

apresentaram algum grau de imperfeição (36,4%deficientes, 23,7% ruins, 14,6% péssimos), umelevado patamar de comprometimento. Éimportante ressaltar que o transporte rodoviário éresponsável pelo maior percentual de movi-mentação de passageiros e de cargas no País. Comessa característica, as deficiências na infra-estrutura rodoviária compro-metem, sobremanei-ra, a integração com as demais modalidades,gerando restrições operacionais e dificultando ocrescimento da intermodalidade.

Modal ferroviário

Pires (2005) afirma que o modal ferroviárioé naturalmente vocacionado para o transportede cargas de baixo valor agregado, para fluxosconcentrados (em termos de origens e destinos)e para grandes distâncias.

Deve-se considerar ainda, os tipos deprodutos comumente transportados por essemodal nos países de dimensões continentais:minério de ferro, produtos siderúrgicos, produtosagrícolas, carvão mineral e clinquer, cimento ecal, adubos e fertilizantes, derivados de petróleo,calcário, produtos siderúrgicos e contêineres.

A Agência Nacional de TransportesTerrestres (ANTT) afirma que o modal ferroviárioapresenta, ainda, maior segurança em relaçãoao modal rodoviário, com menor índice deacidentes e menor incidência de furtos e roubos.São cargas típicas do modal ferroviário.

Contudo, o fato de terem sido construídasindependentemente, sem qualquer planejamentointegrado, fez com que em cada caso fosseadotada uma bitola diferente, dificultando aintegração nos dias atuais. As diferentes ferroviasforam construídas para atender às exigências domercado de exportação de bens primários, ligandoas áreas produtoras aos portos e atuando, cadauma, isoladamente. Como resultado dessaevolução não-planejada, tem-se, hoje, ferroviasque utilizam diferentes bitolas e, além disso, nãohouve o estabelecimento de eixos troncais paratransporte a longas distâncias.

Quanto à evolução do transporte ferroviáriono Brasil, não há muito o que se comemorar.Conforme os dados apresentados por Brina (1988),depois da implantação da estrada de ferro noBrasil, pelo Visconde de Mauá, a Rede FerroviáriaBrasileira só apresentou crescimento expressivoapós a década de 1950, passando de 428 km deextensão em 1863, para 36.388 km em 1953.Brina ressalta ainda que, após 1953, a RedeFerroviária do Brasil atingiu 37.200 km, ficandopor muitos anos estacionada em sua extensãoFerroviária.

Dados da Agência Nacional de TransportesTerrestres (ANTT) indicam que o sistema ferroviá-rio brasileiro totaliza, atualmente, 29.706 km,concentrando-se nas regiões Sul, Sudeste eNordeste, atendendo parte do Centro-Oeste e doNorte do País. Foram concedidos aproximada-mente 28.840 km das malhas.

Com base no exposto, deduz-se que amalha ferroviária brasileira só diminuiu. Apesardisso, o Sistema de Acompanhamento doDesempenho das Concessionárias de ServiçosPúblicos de Transporte Ferroviário (Siade)destaca que o sistema ferroviário nacional é omaior da América Latina, em termos de cargatransportada, atingindo, em 2001, 162,2 bilhõesde TKU (tonelada por quilômetro útil).

Um dos setores que tem puxado osinvestimentos e mais se beneficiado deles é o agro-negócio. A crescente produção da safra agrícolae de sua exportação aumentou a necessidade deum rápido escoamento até os principais portos doPaís, Santos, SP, e Paranaguá, PR.

De olho num mercado que deve exportarcada vez mais, as 7 concessionárias originadasna privatização e mais as 4 operadas pelaCompanhia Vale do Rio Doce estão investindona modernização de trilhos e na compra delocomotivas.

Para aumentar ainda mais a produtividadedas ferrovias, o governo federal e a ANTT vêmtrabalhando para a integração operacional dasmalhas e para superar os chamados trechoscríticos. Entre as obras importantes, estão amelhoria do acesso ao Porto de Paranaguá e a

Page 44: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200543

construção do Ferroanel de São Paulo, que vaidesviar o tráfego do centro da capital paulista.

A ANTT vem adotando, também, umasérie de medidas na área regulatória, paramelhorar a produtividade das ferrovias. Emfevereiro de 2004, publicou resolução discipli-nando o tráfego mútuo (utilização de ferroviasdiferentes por uma mesma locomotiva) e odireito de passagem de trens de passageiros ecargas, permitindo a ligação entre as empresasde transporte ferroviário. Essa medida é impor-tante para a formação de corredores detransporte para a exportação.

Modal aquaviário

O Modal aquaviário é composto pelanavegação de interior e pela cabotagem. Coppead(2002) destaca que o Brasil, numa faixa de400 km em direção Oeste, seria, em princípio,um país vocacionado para o desenvolvimento dacabotagem. Por sua vez, os 45.000 km de riosnavegáveis poderiam ser uma excelente alter-nativa para o movimento da enorme quantidadede bens primários produzidos por nossa economia.Infelizmente, essa não é a realidade.

Atualmente, no Brasil, a navegação flu-vial está numa posição inferior em relação aosoutros sistemas de transportes. É o sistema demenor participação no transporte de merca-dorias. Isso ocorre devido a vários fatores. Emnosso Pais, muitos rios são de planalto, porexemplo, apresentando-se encachoeirados,dificultando a navegação, a exemplo dos riosTietê, Paraná, Grande e São Francisco. Outromotivo é que os rios de planície, facilmentenavegáveis (Amazonas e Paraguai), encontram-se afastados dos grandes centros econômicos.

Com o intuito de tornar os rios brasileirosnavegáveis, várias obras têm sido realizadasnos últimos anos, como a construção de eclusaspara superar as diferenças de nível das águasnas barragens das usinas hidrelétricas. É o casoda Eclusa de Barra Bonita, no Rio Tietê, e daEclusa de Jupiá, no Rio Paraná, já prontas.

A consciência de que a implantação deum sistema hidroviário interior, com a inte-gração multimodal, com aplicação de inves-timentos contínuos em infra-estrutura, levou ogoverno federal a priorizar as hidrovias doMadeira, do Tapajós, do Marajó, do Capim, doTocantins/Araguaia, do São Francisco, do Tietê/Paraná, do Paraguai, do Mercosul e as eclusasde Tucuruí e de Lajeado. Atualmente, um totalde 8.500 km de hidrovias interiores está sendoutilizado no País. Desse total, 5.700 km ficamna Região Amazônica. São transportadas pelashidrovias cerca de 23 milhões de toneladas/ano,com uma distância média de transporte de1.350 km, 6.260.000 t/a de minérios e3.900.000 t de grãos a granel.

Também existe o problema ambiental. Algu-mas obras e operações – necessárias à boa utiliza-ção de algumas hidrovias – e portos têm esbarradoem impedimentos judiciais, resultantes de deman-das de organizações ambientalistas, que alegamque as obras poriam em risco o meio ambiente.Nesse caso, provavelmente, a solução estaria emprojetos bem fundamentados que não deixassemqualquer dúvida sobre o alcance das obras.

Genaro (2004) afirma que:

...as bacias hidrográficas brasileiras, diantedo tamanho, heterogeneidade e do poten-cial de recursos naturais (hídricos) doterritório, constituem as formas do espaçonatural e, a partir do momento em que sãoutilizadas como amplificadores de mobili-dade, tornam-se redes geográficas. Essemodal, em relação aos outros (ferroviário,aeroviário e rodoviário), tem as seguintesespecificidades: do ponto de vista econô-mico, o baixo custo de transporte e a grandecapacidade de carga; do ponto de vistatopológico, um sistema técnico rígido (res-peita a conformação e o traçado originaldos rios), necessitando da intermodalidadepara funcionar; do temporal, apresenta baixavelocidade. Presta-se, assim, a transportarprodutos de grande volume e baixo valoragregado. Apesar disso, esse modal ésubutilizado no Brasil.

Ao discorrer sobre os principais gargaloslogísticos ao transporte hidroviário e sobre oimpacto dos custos de transbordo que dificul-tam o desenvolvimento hidroviário, Padovezzi(2001) afirma que:

Page 45: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 44

Depende muito da região do Brasil. Existemregiões onde há cargas e faltam aplicaçõesem melhorias na via e, principalmente, emterminais multimodais. Em outras regiões,há concorrência direta com outros meiosde transporte, o que não é adequadoeconomicamente. Provavelmente, a soluçãomais adequada seria uma integração entreos modais minimizando os custos.

A mesma pesquisa da Coppead (2002) jácitada, mostra que, atualmente, a cabotagem estáfortemente concentrada na movimentação degranéis sólidos e líquidos, começando a dar sinaispositivos em relação ao transporte de contêineres,embora de forma ainda modesta. Uma série debarreiras vem dificultando o desenvolvimento maisrápido dessa alternativa de transporte, a saber:ciclo vicioso da baixa freqüência (pouco volumede carga – baixa freqüência – desestímulo dademanda – menor oferta de navios), desbalancea-mento do fluxo entre as regiões Norte/Nordeste eSul/Sudeste (a carga na direção Sul/Sudeste parao Norte/Nordeste chega a representar 58% dovolume total movimentado, contra 13% nadireção oposta), situação de penúria dos estaleirosbrasileiros, e o custo de capital no Brasil, excessode mão-de-obra nas operações portuárias, e abaixa eficiência relativa na movimentação decontêineres.

Custo do sistema deescoamento de grãos

Conforme considerado por Fleury (2005),o transporte é o principal componente dosistema logístico. O autor informa que otransporte representa, em média, 60% doscustos logísticos, 3,5% do faturamento, e emalguns casos, mais que o dobro do lucro. Alémdisso, o transporte tem um papel preponderantena qualidade dos serviços logísticos, poisimpacta, diretamente, no tempo de entrega, naconfiabilidade e na segurança dos produtos.

Mesmo sabendo que os valores apresenta-dos variam substancialmente, de setor para setor,e de empresa para empresa, como regra geralpode-se definir que, quanto menor o valoragregado do produto, maior a participação dasdespesas de transporte no faturamento da

empresa. Isso significa que, no caso do escoamentode grãos, qualquer variação no custo dotransporte, por menor que seja, é facilmente erapidamente percebida.

Em que pese o transporte de grãos porrodovias não ser o ideal, o estudo de Fleury (2005)mostra que, no Brasil, devido a distorções jácitadas, o modal rodoviário prevalece sobre osdemais no escoamento desses produtos. Conse-qüentemente, os problemas existentes no modalrodoviário refletem nos custos do transporte degrãos com grande impacto.

Além da precariedade das rodoviasbrasileiras contribuir para o aumento do custo dosestoques agrega-se a isso o custo com o consumoexcessivo de diesel, cerca de 29% superior aodos Estados Unidos, tendo-se em vista a frota comidade média avançada (cerca de 18 anos). Alémde provocar perdas ou danificar as mercadoriastransportadas, essa situação é responsável porvárias despesas e prejuízos, entre eles a quebrade veículos. Segundo Fleury, no Brasil, o custo demanutenção é o dobro do dos Estados Unidos.

No modal ferroviário, a necessidade detransbordos devido à falta de unificação das bitolasprovoca “quebra” do produto e agrega custo aotransporte. O modal aquaviário tem seus custosacrescidos pelos altos custos da mão-de-obra einfra-estrutura precária.

Transit timeNo transporte de grãos no Brasil, numa

dada rota, o tempo decorrido de movimentaçãotambém conhecido como transit time, éinfluenciado, diretamente, pelas condições domodal rodoviário, uma vez que o escoamentodesse produto é feito predominantemente porrodovias. A precariedade das estradas brasi-leiras faz com que os veículos rodem em baixavelocidade, aumentando o tempo e o custo dasviagens.

No transporte rodoviário com destino aoPorto de Paranaguá, por exemplo, a cada ano, asituação fica mais crítica. O transporte de soja,efetuado essencialmente por caminhões, provocafilas quilométricas ao longo dos acostamentos darodovia que liga Curitiba ao referido porto.

Page 46: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200545

Em artigo, a Agência Estado (STUANI,2003) informa que a fila atingiu 100 km em marçode 2004. Conseqüentemente, a demurrage, multaque um navio paga, por dia, parado no porto eque na prática é transferida para o exportador, foitriplicada. Em 2003, essa multa era de R$ 10 mil,para R$ 30 mil em março de 2004. Além daelevação do custo, certamente o transit time ficarámuito além do razoável.

O transporte ferroviário também contribuipara o transit time elevado com a ocorrência dediferentes bitolas e a escassez de terminais detransbordo.

No caso do transporte aquaviário, pode-secitar que, muitas vezes, os navios necessitamaguardar a maré adequada, devido ao assorea-mento dos canais. Além disso, a burocracia, amão-de-obra, a falta de contêineres e a existênciade equipamentos obsoletos também aumentam otransit time.

Segundo a revista Veja (O GOVERNA-DOR..., 2004), no Brasil, a espera média para secarregar um navio pode chegar a 60 dias,enquanto nos Estados Unidos essa espera é deapenas 6 horas.

Manutenção da competitividadeA precariedade da infra-estrutura de

transportes é um dos fatores limitadores dacontinuidade no crescimento do agronegóciono Brasil. Há que se evitar o “Apagão Logís-tico”, adotando-se uma estratégia de ação, omais rápido possível.

Em palestra, Geraldo Aguiar de BritoVianna, da NTC & Logística (Informação verbal)3,informou que o Brasil investiu, miseravelmente,na infra-estrutura de transportes nos últimos 20anos. Além de ter investido pouco, investiu mal.

Na década de 1970, o índice de investi-mentos em infra-estrutura de transportes foi de1,8% do PIB e, em 2003, não passou de 0,1% doPIB. Na última década, chegou a 0,2%. O BancoMundial recomenda que esse índice fique emtorno de 3,5%.

Em resumo, os fatores que fazem do trans-porte um desafio a ser vencido, na busca pela com-petitividade dos grãos brasileiros no mercadointernacional, são os seguintes:

• Má distribuição dos modais;

• Falta de planejamento global, envolvendotodos os setores interessados;

• Dificuldades para captação de recursosque viabilizem as providências a seremtomadas.

A aglutinação de forças entre iniciativaprivada e Poder Público, notadamente o governofederal é imprescindível, com vistas a congregaresforços orquestrados, que evitem as soluções sim-plesmente locais, em detrimento de um modelonacional, este sim, que resulte em benefícios nãosó em curto e em médio prazos para alguns, masque ofereçam sustentação para a evolução dalogística no Brasil pelas próximas décadas, paratodos.

Análise estratégica dotransporte de grãos

Para a análise da situação em que seencontra o transporte de grãos no Brasil, utilizar-se-á o método do Balanced Scorecard (BSC)(Kaplan, 1996), um modelo de gestão queauxilia a traduzir a estratégia a ser adotada emobjetivos operacionais. O BSC converte aestratégia num sistema integrado de perspectivas.

Define-se a Visão de Futuro (o que sequer ser), os Temas Estratégicos (o que deve serfeito para obtenção dos resultados), os ObjetivosEstratégicos (ações que esclarecem comointerpretar a estratégia) e as relações de causae efeito entre os objetivos.

Visão de futuroLevando-se em consideração os esforços

antigos e recentes na busca por novos mercados,pode-se considerar que a visão de futuro do Brasilem termos comércio externo de grãos seria: Ser o

3 Palestra proferida no Seminário Brasileiro do Transporte Rodoviário de Cargas, realizado em abril de 2004, na Câmara dos Deputados, em Brasília, DF.

Page 47: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 46

maior fornecedor de grãos do mercado interna-cional.

Temas estratégicos

Para que essa visão torne-se realidade,necessita-se elaborar a estratégia de ação.O que se espera com a adoção da estratégia?Quais os resultados esperados?

a. Empresários satisfeitos (lucros garantidos)e governo federal satisfeito (superávit daBalança Comercial);

b. Clientes satisfeitos (produto chega comqualidade e no prazo contratado);

c. Transporte eficiente e eficaz (matriz detransportes adequada, operações ágeis ecom baixas perdas);

d. Setores satisfeitos (aumento no nível deempregos e na remuneração).

Um levantamento dos problemas e dosinsumos, que levariam à solução do problema, émostrado na Tabela 4.

Tabela 4. Problemas e soluções do transporte de grãos no Brasil.

Rodoviário

Ferroviário

Solução

Regulamentação por meiodo PLC 4358/01 quedisciplina o transportede cargas

RNTRC

Renovação da frota

Recuperação

Construção

Integração operacionaldas malhas

Regulamentação dotráfego mútuo

Regulamentação dodireito de passagem

Modal Problema

Alta fragmentação eexcesso de oferta

Alto consumo decombustíveis

Estado precáriodas rodovias

Insuficiência delinhas

Diferentes bitolas

Baixa produtividade

Insumos necessários

Aprovação pelo CongressoNacional

Já em fase decadastramento pela Antt

Garantir linhas de financiamento

Garantir a destinaçãodos recursos da Cide;Alterar o acordo com o FMI;Aprovação das PPPspelo Congresso;Alternativas de parcerias aexemplo do efetuado pelo MT.

Aprovação das PPPspelo Congresso;Garantir a destinaçãodos recursos da Cide;Alterar o acordo com o FMI.

Aprovação das PPPspelo Congresso;Garantir a destinaçãodos recursos da Cide;Alterar o acordo com o FMI.

Resolução já publicada

Continua

Page 48: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200547

Tabela 4. Continuação.

Aquaviário

Solução

Projetos bem fundamentados

Investimentos eminfra-estrutura

Investimentos eminfra-estrutura

Construção de Eclusas

Modal Problema

Impedimentos ambientais

Infra-estrutura precárianos portos

Dependente daintermodalidade

Rios encachoeirados

Insumos necessários

Interação com o Poder Judiciário

Garantir a destinaçãorecursos da Cide;Aprovação das PPPs peloCongresso;Alterar o acordo com o FMI

De acordo com os problemas e soluçõeselencados, foi formulada uma proposta para aestratégia do transporte de grãos no Brasil,conforme se verifica na Fig. 10.

Procurou-se caracterizar o objetivo estra-tégico maior do transporte de grãos no Brasil,ou seja, a situação ideal que atenderia a todasas necessidades do comércio (interno e externo)de grãos, localizando-as na perspectiva demercado.

Nessa perspectiva, também ficaram osdesdobramentos do objetivo, ou seja, aquelesque ainda têm um reflexo direto no mercado: aqualidade do produto, os preços competitivos ea confiabilidade no cumprimento dos prazos.

Na procura pelas ações que levam aosobjetivos estratégicos da perspectiva demercado, encontram-se os objetivos daperspectiva de Execução de Políticas Internas.São as ações que devem ser implementadaspara que os maiores objetivos sejam atingidos.Em consonância com os objetivos, “serreferência como fornecedor de grãos cumpridorde prazos” e “ser referência como fornecedorde grãos com preços competitivos” encontra-se os objetivos de otimização da matriz detransportes e otimização dos custos de produção,de armazenagem e de transportes. Enquadram-se, aqui, a modernização da infra-estrutura detransportes existente e a ampliação dessa infra-estrutura (com construção de ferrovias, rodovias,portos, terminais, etc.).

Uma nova análise para buscar as políticasque propiciariam o atingimento dos objetivosintermediários levam à perspectiva de Formu-lação de Políticas Internas e às subperspectivasFinanceira, de Planejamento e Articulação, e deLegislação. Nesse nível, verifica-se como insumosbásicos a criação das Parcerias Público Privadas(PPPs), o fortalecimento do Plano Plurianual (PPA),a necessidade de integrar todos os setoresinteressados na formulação do planejamento e,finalmente, mas não menos importante, aformulação de leis que regulamentem os setoresde transportes no País.

Mapa estratégico

A Fig. 3 mostra o Mapa Estratégico elabo-rado de conformidade com o método doBalanced Scorecard.

Com o auxílio dessa ferramenta, verifica-se que dois importantes gargalos encontram-sena necessidade de diminuição dos custos como transporte e na estruturação que propicieconfiabilidade no cumprimento dos prazos.

E porque a intermodalidade promoveriaisso? O motivo de se utilizar mais de um modalde transporte representa agregarmos vantagensde cada modal, que podem ser caracterizadastanto pelo serviço quanto pelo custo.

No caso específico do transporte degrãos, produto de baixo valor agregado cujas

Page 49: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 48

zonas de produção encontram-se distante dosportos para exportação, é fundamental a utilizaçãode modais que apresentem menor custo paralongas distâncias, como os transportes ferroviárioe aquaviário, complementando as pontas com omodal rodoviário.

O despertar para a importância da logística

Há alguns anos, a palavra logística nãofreqüentava, com tanta assiduidade, o vocabu-lário nacional. A já comentada competência doempresariado do agronegócio contribuiu,decisivamente, para que o Brasil galgasse postosrespeitáveis como grande exportador para omercado externo. Contudo, o agronegócioesbarrou nos gargalos logísticos que impedem aevolução das suas conquistas. E a melhoria ou aeliminação da grande maioria desses gargalosestá nas mãos do Poder Público.

Em linhas gerais, a análise da situação,que resultou no Mapa Estratégico, indicou anecessidade da ampliação da infra-estrutura,modernização da infra-estrutura existente,modernização dos setores de transporte,regulamentação dos setores, etc.

Algumas ações independem de recursosfinanceiros como a regulamentação dos setores.Um esforço concentrado, no CongressoNacional, poderia resolvê-los. Nesse caso, agrande importância e a visibilidade que tem sidodada à logística pelos meios de comunicação,alimentados diariamente por reportagens,declarações, seminários, congressos, encontrose palestras dos executivos e estudiosos do setor,já podem ser contabilizadas como o esforçoorquestrado e concentrado da sociedade civilem prol do objetivo comum de melhoria da

Fig. 3. Mapa Estratégico.

Page 50: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200549

competitividade dos produtos brasileiros frentea outros mercados. Resta o gargalo da escassezde recursos para a concretização das açõesnecessárias.

No que tange ao financiamento deprogramas de infra-estrutura de transportes, aContribuição de Intervenção no DomínioEconômico (Cide), instituída pela Lei nº 10.336,de 19 de dezembro de 200, com acréscimoinstituído pela Medida Provisória nº 161, de 21 dejaneiro de 2004, já prevê os recursos necessários.

Pacto nacional – Orquestraçãoem torno de um objetivo comum

É necessário que haja a formulação de umaestratégia para o transporte de grãos, a ser adotadapelo governo federal, que estabeleça metas eobjetivos de longo prazo para o País, indique asnecessidades e aloque os recursos necessáriospara atingi-los.

Inúmeras, urgentes e concomitantes são asmedidas que devem ser tomadas para que sepossa evitar o Apagão Logístico nos próximos 3anos:

• Definição conjunta, por parte dosMinistérios da Agricultura, Pecuária e Abasteci-mento, Ministério do Desenvolvimento, Indústriae Comércio Exterior e Ministério dos Transportes,além de entidades representativas e reconhecidasdas categorias de transporte rodoviário, ferroviário,aquaviário e usuários de transportes de cargas eentidades de proteção ao meio ambiente, daordem de providências a serem tomadas pelogoverno federal;

• Compromisso de mudança da matriz atualde transportes;

• Determinação das etapas que comporãoo conjunto de providências;

• Definição dos recursos necessários paraimplementar as providências;

• Concentração de esforços para aprova-ção do Orçamento no Congresso;

• Concentração de esforços no diálogocom entidades de proteção ao meio ambiente;

• Aprovação pelo Congresso Nacionaldas Parcerias Público Privadas (PPPs);

• Aprovação do projeto de Lei, em trâmitena Câmara Federal que regulamenta o transportede cargas no País – Projeto de Lei 4358/01;

• Formulação de mecanismos de incentivoà implantação de indústrias de contáineres.

ReferênciasBRINA, Helvécio Lapertosa. Estrada de Ferro. BeloHorizonte: UFMG, 1988. Disponível em:<www.geocit ies.com/Baja/Cli f fs /5086/ferroloco/ferroviabrasil.htm>. Acesso em: 20 mar. 2005.

CASTILLO, Ricardo; VENCOVSKY, Vitor. A soja noscerrados brasileiros: novas regiões, novo sistema demovimentos. Com Ciência. Reportagens. Transportes. Abr.2004. Disponível em: <http://www.comciencia.br/200404/reportagens/16.shtml >. Acesso em: 15 mar. 2005.

CONAB. Indicadores da Agropecuária – Soja -Comparativo de Área, Produtividade e Produção, safras2003/2004 e 2004/2005 – Levantamento outubro 2004.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE (CNT).Pesquisa Rodoviária 2004. Disponível em: <http://www.cnt.org.br/cnt/pesquisas_rodoviaria.asp#>. Acessoem: 20 mar. 2005.

COPPEAD. Centro de Estudos em Logística. UFRJ. Pesquisa.Transporte de Carga no Brasil: ameaças e oportunidadespara o desenvolvimento do país. set. 2002. Disponívelem: <http://www.cel.coppead.ufrj.br/fs-pesquisa.htm>.Acesso em: 22 mar. 2005.

FLEURY, Paulo Fernando. Gestão Estratégica do transporte.Artigos CEL. COPPEAD. Centro de Estudos em Logística.UFRJ. Disponível em: < http://www.cel.coppead.ufrj.br/fs-busca.htm?fr-estrat-trans.htm >. Acesso em: 22 mar. 2005.

GASQUES, J. G.; REZENDE, G. C. de; VILLA VERDE, C. M.;CONCEIÇÃO, J. C. P. R. da; CARVALHO, J. C. de S.;SALERNO, M. S. Desempenho e Crescimento doAgronegócio no Brasil. Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada, Brasília, DF, fev 2004. 43 p.. (IPEA. Texto paradiscussão, 1009). Disponível em: <www.ipea.gov.br/Publicacoes/textosdiscussao.php>. Acesso em: 22 mar.2005.

GENARO, Ednei; CASTILLO, Ricardo. Papel do modalhidroviário na logística do transporte de cargas noterritório brasileiro: uma análise a partir da configuraçãoterritorial: o exemplo da hidrovia Madeira-Amazonas.2004.Diponível em: <http://www.igeo.uerj.br/VICBG-2004/Eixo5/e5%20150.htm>. Acesso em: 22 mar. 2005.

Page 51: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 50

KAPLAN, R. S., NORTON, D. P. The Balanced Scorecard:translating strategy into action. Massachussets: HarvardBusiness Press School, 1996. 336 p.

NAZÁRIO, Paulo. Intermodalidade: importância para alogística e estágio atual no Brasil. Artigos CEL. COPPEAD.Centro de Estudos em Logística. UFRJ. Disponível em:<www.cel.coppead.ufrj.br/fr-intermod.htm>. Acesso em:22mar. 2005.

Nazário, Paulo; Wanke, Peter; Fleury, Paulo Fernando.O papel do transporte na estratégia logística. Artigos CEL.COPPEAD. Centro de Estudos em Logística. UFRJDisponível na Internet. www.cel.coppead.ufrj.br/fr_art_transporte.htm Acesso em:22 mar. 2005.

O GOVERNADOR no olho do furacão. Revista Veja, SãoPaulo, edição especial Agronegócio & Exportação, 29 set.2004.

PADOVEZI, Carlos Daher. Hidrovias no Brasil: tecnologiapara o desenvolvimento do Sistema de Transportes deCargas. 2001. Disponível em: <www.ipt.br/tecnologia>.Acesso em: 17 mar. 2005.

PIRES, Francisco. Os avanços do transporte ferroviáriode carga no brasil após as privatizações: uma análisesegundo a perspectiva de usuários, prestadores de serviçoe governo. Disponível em: <www.cel.coppead.ufrj.br/fs-busca.htm?fr-avanco.htm>. Acesso em 23 mar. 2005.

SILVA, Dijalma Barbosa da; SILVA, José Antônio da;JUNQUEIRA, Nilton Tadeu Vilela; ANDRADE, Leide RovêniaMiranda de. Frutas do Cerrado. Brasília, DF: EmbrapaInformação Tecnológica, 2001, 179 p.

STUANI, Renata. Governo aposta em parcerias para superargargalos, Agência Estado; Safra 2003-2004, CadernosSetoriais, set. 2003. Disponível em: <http://www.aeagro.com.br/especiais/safra0304/noticias/infra/01.htm>. Acesso em: 15 mar. 2005.

Page 52: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200551

Conservação da águae do solo, e gestãointegrada dos recursoshídricos

IntroduçãoA conservação da água e do solo é de

fundamental importância para a gestão dosrecursos hídricos. As ações conservacionistas deágua e solo compreendem um conjunto demedidas que possibilitam a gestão da oferta, aoaumentar a quantidade de água disponível nasbacias, por meio da adequada recarga dos aqüí-feros, e a melhoria de sua qualidade, ao reduziros processos erosivos e o volume de efluenteslançados nos corpos de água. Outro efeito é quea visão de conservação promove a gestão dademanda, utilizando técnicas e procedimentosvoltados à racionalização dos usos nos diversossetores usuários e ao estimular o reuso.

Entretanto, a universalização do uso daspráticas conservacionistas, notadamente no meiorural, é ainda uma realidade bem distante, em quepese os avanços alcançados nas 2 últimasdécadas.

A partir da reflexão sobre esse tema e sobrea análise da legislação vigente, busca-se consoli-dar alguns conceitos – muitas vezes imperceptí-veis para o cidadão urbano – e propõe-se, também,a adoção de novos paradigmas capazes dedinamizar a implementação das ações conserva-cionistas.

Prevê-se que, mudanças em médio e emlongo prazo, são capazes de alterar, significati-

Devanir Garcia dos Santos1

Paulo Afonso Romano2

vamente, o quadro atual de degradação, desdeque observados esses novos paradigmas voltadosà maior participação da comunidade, à inserçãoda dimensão ambiental em todas as atividades eà adequada regulamentação da legislação notocante a incentivos à execução de açõesconservacionistas; sendo essa última uma formada sociedade reconhecer e pagar pela parcelade benefícios da qual se apropria quando darecuperação hidroambiental das bacias.

Práticas insustentáveisÉ sempre oportuno salientar que, na natu-

reza, “é melhor prevenir que remediar”. Às vezes,os custos de recuperação são insuportáveis paraa sociedade, e o que é pior, raramente consegue-se o retorno natural anterior à degradação.

O processo de desenvolvimento das baciashidrográficas brasileiras revela que os mais fortese mais amplos impactos ambientais são muito re-centes, tendo como causas de maior repercussão:

a) a intensa, rápida e desordenada urbani-zação e início da industrialização a partirda década de 1950;

b) o desmatamento como fonte de energiapara a construção, e, principalmente,para a produção de carvão (insumo básicoda siderurgia);

1 Engenheiro agrônomo, M.Sc. em Gestão Econômica do Meio Ambiente. Atualmente, é gerente de Conservação de Água e Solo da Agência Nacional de Águas(ANA).

2 Engenheiro agrônomo e consultor.

Page 53: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 52

c) o intensivo uso do solo para a agricul-tura (grãos) iniciado há apenas 25 anos,com eliminação da maior parte dacobertura vegetal (Cerrado);

d) a conseqüente construção de uma redeampla de estradas vicinais precárias (fontede erosão), seja para carvoejamento, paraa agropecuária, ou entre comunidades;

e) a existência de pecuária com superpas-toreio e conseqüente degradação daspastagens (compactação do solo);

f) a construção de represas para geraçãode hidroeletricidade, com forte alteraçãodo regime hídrico do rio e suas conse-qüências.

Tudo isso ocorreu sob paradigmas antigos,mas os processos nos quais se assentam asatividades urbanas, industriais, minerais, rurais,etc., geralmente ainda são insustentáveis.Portanto, o grande desafio é o da inserção dadimensão ambiental em todos os processos que,em síntese, existem e existiram por demandada sociedade e que em sentido amplo atendema objetivos socioeconômicos.

Em outras palavras, trata-se de construirparâmetros de sustentabilidade com participaçãodos segmentos produtivos e das comunidadesconsiderando, articuladamente, os aspectossociais, econômicos, ambientais e, em algunscasos, culturais.

Nessa perspectiva, os parâmetros dasustentabilidade devem ser considerados e setornarem o fio condutor do processo de conser-vação de água e solo das bacias hidrográficasbrasileiras. Como instrumento, os programasdevem servir como balizadores, articuladorese promotores da organização de agendas desustentabilidade que poderiam ser iniciadas econstruídas por segmento produtivo e porecossistema, mas sempre valorizando a açãodescentralizada.

Assim, as subbacias constituiriam a basegeográfica natural e os municípios seriam ospontos focais do sistema federativo. Somenteassim será possível e eficaz a mobilização da

sociedade para esse novo processo que signi-fica um pacto para mudança com objetivos easpirações compartilhadas.

Uma forma já aceita e aprovada, mas nãoconcretizada, deve ser o apoio à construçãode Agenda 21 local (municipal), com forteparticipação da sociedade, a partir da discussãodos já conhecidos problemas da bacia e dosprincípios estabelecidos para os programas epara a ação do governo. Esse seria o início daconstituição de um pacto social e político paraassegurar a recuperação e a conservação dasbacias hidrográficas. Assim, as ações seriamdefinidas, caracterizadas e hierarquizadas, bemcomo os responsáveis por elas.

Tendo como certo que as principais fontesde degradação hidroambiental das bacias sãoa poluição (qualidade de água) e a erosão(quantidade) e que a população local tem umacultura acomodatícia sobre esses problemas, émister estimular e orientar a discussão, inclusivepara identificar que são as atividades locais queos geram, requerendo, portanto, iniciativastambém locais para a solução de tais problemas.

Exemplo emblemático é o caso da erosãoe da poluição difusa causadas pelo manejoinadequado do solo, na agricultura. Todo o esforçode preservação ou de recuperação será em vão,se ao processo de produção já instalado (quetende a se ampliar e a se intensificar) não foremincorporadas tecnologias, processos ou práticasde conservação de solo e de água que tenhamaplicação ampla no processo produtivo, depequenos, médios e de grandes produtores em todoo território da bacia.

Exemplo típico seria a substituição doplantio convencional que utiliza práticas mecâ-nicas, as quais causam danos ao solo (aração egradagem para o revolvimento), pelo métododo plantio direto que utiliza e valoriza princípiosfísicos, orgânicos e biológicos (cobertura commatéria seca) que protege o solo, acolhendo econservando a água das chuvas, amenizandoe regularizando a temperatura, e evitando aerosão. É possível fazer significativas mudan-ças, sem a necessidade de grandes investi-mentos por parte do governo, apenas com

Page 54: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200553

mobilização, apoio à organização, treinamento,adequação de linhas de crédito, estímulo aosagricultores, etc.

Temos de considerar que no passadorecente, diversos programas de conservação deágua e de solo foram idealizados e implemen-tados no Brasil, mas poucos conseguirammodificar, significativamente, a trajetória dedegradação ambiental, gerando benefíciosalém das áreas de abrangência dos chamadosprojetos-piloto, o que somente seria conseguidose tais experiências fossem auto-sustentáveis,condição essa que possibilitaria a expansão ea perpetuação dessas iniciativas.

Tal fato decorre da falta de percepção sobrea natureza dos ganhos que podem ser alcançadoscom a adequada conservação da água e do solo.Atualmente, preocupa-se muito com o custo dosinvestimentos, com os responsáveis por suaexecução e com o retorno no curto prazo,esquecendo-se de se avaliar aspectos da maiorimportância, os quais poderão alterar, significativa-mente, a equação, tornando mais fácil a execuçãodo ponto de vista do financiamento das ações efazendo com que os programas tornem-seeconomicamente sustentáveis. Dentre taisaspectos, destacam-se:

a) do ponto de vista do agricultor,propriedade sustentável é propriedade valoriza-da, pois todos estão dispostos a pagar um poucomais por uma propriedade que tenha disponibili-dade de água, uma reserva legal, que nãoesteja danificada pela erosão e que possua boasestradas, entre outros fatores;

b) do ponto de vista da sociedade, énecessário compreender que os benefíciosadvindos da conservação de água e do soloextrapolam os limites da propriedade rural egeram benefícios sociais, na medida quepossibilitam a melhoria da infiltração e ade-quada alimentação do lençol freático econseqüentemente aumento e regularização daoferta da água. Assim, a sociedade deve estardisposta a pagar por esses benefícios na formade incentivos à execução dessas ações.

As propostas de ações, programas e proje-tos desenvolvidos com o objetivo de conservaçãoda água e do solo devem procurar internalizar,adequadamente, esses dois conceitos, porrepresentarem os novos paradigmas capazes detornarem a atividade, além de ambientalmentesustentável, economicamente atrativa e finan-ceiramente exeqüível.

Compreendendoa sustentabilidade3

A conservação dos recursos hídricos, temaque preocupa o homem há muito tempo, assume,atualmente, caráter prioritário e vital, dada aescassez de água observada em várias regiõesdo mundo, e as projeções, nada animadoras, decrescentes conflitos pelo uso da água.

Na natureza, a permanência dos recursoshídricos, em termos de regime de vazão doscórregos, ribeirões e rios, assim como da qualidadeda água que emana das microbacias hidrográ-ficas, decorre de mecanismos naturais de controledesenvolvidos ao longo de processos evolutivosda paisagem, que constituem os chamadosserviços proporcionados pelo ecossistema.

Um desses mecanismos é a estreita rela-ção que existe entre a cobertura florestal e aágua, principalmente nas regiões de cabe-ceiras, onde estão as nascentes e os nasce-douros dos rios.

Essa condição natural de equilíbrio vemsendo constantemente alterada pelo homem, pormeio do desmatamento, da expansão daagricultura, da abertura de estradas, da urbani-zação e de vários outros processos de transfor-mação antrópica da paisagem, que alteram osciclos biogeoquímicos e o ciclo da água.

Levando-se em conta a população atuale as projeções de seu crescimento, não hádúvida de que os impactos ambientais causadospor essas transformações proporcionalmentemaiores começam a ameaçar a sustentabili-

3 Baseado em textos de autoria do engenheiro agrônomo Maurício Roberto Fernandes, técnico da Emater/ MG.

Page 55: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 54

dade dos recursos hídricos. Já é do conhecimentode todos, exemplos locais e regionais que jácomprometem a sustentabilidade de algunsecossistemas.

Pode-se afirmar que, dentre os grandesdesafios que a humanidade enfrenta atualmente,a recuperação, a conservação e o manejosustentável dos recursos hídricos são, semdúvida, os mais críticos e urgentes.

Devido à complexidade natural dossistemas ecológicos, e ao próprio conceito desustentabilidade – que é multidimensional pornatureza –, envolvendo aspectos econômicos,sociais, ambientais e culturais, o manejosustentável deve ser entendido como uma eternabusca de passar das condições existentes, decontínua degradação, para condições ambiental-mente mais desejáveis e que possam ser medidaspor indicadores que envolvam noções deintegridade e de saúde da subbacia.

A integridade de uma subbacia reflete ascondições decorrentes dos processos deevolução natural do ecossistema, ou seja, é oresultado da integração natural da subbacia napaisagem ao longo do processo evolutivo.Fornece, assim, a base ou a referência para acomparação das mudanças ocorridas em funçãodas mudanças causadas pela atividade humana.

Por sua vez, a saúde da subbacia deveser entendida como uma condição viável, umestado sustentável, de equilíbrio dinâmico, queseja compatível com a necessidade de uso dosrecursos naturais para a produção de bensdemandados pela sociedade. Uma boacondição dessa saúde pode ser avaliada por suacapacidade de sustentar, concomitantementecom o uso dos recursos naturais pelo homem,os seguintes atributos ou indicadores:

• perpetuação de seu funcionamentohidrológico (regime de vazão, quantidadee qualidade da água);

• potencial produtivo do solo ao longo dotempo (biogeoquímica);

• biodiversidade (mata ciliar, zonasripárias e reservas de vegetação natural,etc.

Na realidade, essa separação é mera-mente didática, uma vez que os três fatores sãointerdependentes.

Levando-se em conta esses três fatores-chave, o monitoramento da saúde da subbaciahidrográfica pode fornecer indicações sistê-micas a respeito de mudanças desejáveis ouindesejáveis que estejam ocorrendo com osrecursos hídricos como conseqüência depráticas de manejo. Partindo-se desse ponto devista, pode-se definir “manejo de microbaciashidrográficas” como a estratégia de uso da terraque leva em conta a manutenção da saúde dasubbacia ao longo do tempo.

As práticas de manejo dos recursosnaturais que estejam em sintonia com essaestratégia holística ou sistêmica são práticas queconcorrem para a sustentabilidade dos recursoshídricos.

Por sua vez, identificam-se várias açõesincompatíveis com essa sustentabilidade, açõesestas que podem ocorrer em diferentes escalas.

Na escala micro, ou seja, na escala daunidade de manejo da propriedade rural, acompactação do solo, a destruição da matériaorgânica edos microorganismos do soloprejudicam a manutenção dos recursoshídricos, uma vez que degradam o maisimportante fator hidrológico dessa manutenção,o processo de infiltração de água no solo.

Na escala meso – a própria escala da sub-bacia hidrográfica –, identificam-se outrosindicadores de sustentabilidade dos recursoshídricos, tais como o traçado das estradas e ascondições da zona ripária. Um traçado deestradas que não leva em conta os valores dasub-bacia sempre constitui um foco permanentede erosão, voçorocas e assoreamento doscursos d’água, que degradam o potencialprodutivo do solo, além de reduzir a quantidadede água e afetar a qualidade.

Por sua vez, as zonas ripáriasque incluemas áreas permanentemente saturadas dascabeceiras e das margens dos cursos d’água,ocupam as partes mais dinâmicas da paisagem,

Page 56: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200555

tanto em termos hidrológicos, como ecológicose geomorfológicos.

Essas zonas ripárias estão intimamenteligadas aos cursos d’água e participam deprocessos vitais para a manutenção da saúdeda sub-bacia e dos recursos hídricos, que dizemrespeito à geração do escoamento direto nasmicrobacias em decorrência das chuvas.

Para que essas áreas críticas possamexercer essa função hidrológica de maneiraeficaz, é fundamental que elas estejamprotegidas com a vegetação que normalmentese desenvolve nessas áreas, chamada deambiente ripário, vegetação ripária, florestasbeiradeiras, mata ciliar, mata de galeria, etc.

A mata ciliar, que isola, o curso d’água dosterrenos mais elevados da subbacia – onde sãorealizadas as práticas de manejo –, desempenhaação eficaz de filtragem superficial dos sedimentose reduz a chegada de herbicidas e defensivosquímicos aos cursos d’água. Similarmente, temtambém capacidade de filtrar superficial esubsuperficialmente nutrientes que, de outra forma,poderiam chegar a esses cursos d’água, alterandoa qualidade da água.

Do ponto de vista quantitativo, em médioe em longo prazo, pela conseqüentedegradação da zona ripária, a destruição damata ciliar pode diminuir a capacidade dearmazenamento de água da subbacia, o queconcorre para a alteração do regime de vazãodos rios. Aliada a essa função hidrológica – jáem si vitalmente importante para a manutençãodos recursos hídricos –, a mata ciliar pode,também, contribuir para a melhoria do nível dediversidade biológica ao longo da paisagem,atuando como corredores de fluxo gênico epara o movimento da fauna.

É importante salientar que o elevadoimpacto erosivo da água de chuvas a partir detopos de morros “pelados” e encostas semvegetação, com pastagens degradadas ousubmetidas a plantio por métodos convencionais,torna a mata ciliar (já escassa em nossa realidade)incapaz de cumprir seu papel.

Numa escala macro ou regional, umindicador de sustentabilidade dos recursoshídricos, em função do manejo ou do uso dosrecursos naturais, seria, por exemplo, a própriadisponibilidade natural de água, a qual podeser quantificada pelo balanço hídrico. Assim,uma ação é, por exemplo, a necessidade dozoneamento agroecológico, com a finalidadede disciplinar a ocupação dos espaços produ-tivos da paisagem de acordo com suas poten-cialidades naturais, que deve incluir a análisedas disponibilidades hídricas para os váriosusos.

Destaca-se, assim, a necessidade imperati-va da busca da agricultura sustentável e do manejoflorestal sustentável, ou seja, a busca do desenvol-vimento rural sustentável, que inclui, além deoutros critérios, a manutenção dos recursoshídricos e deve estar comprometida com amanutenção da saúde da subbacia hidrográfica.

Agricultura sustentávelDo ponto de vista ambiental, a substitui-

ção dos sistemas de rotação com alta diversi-dade cultural por sistemas simplificados, basea-dos no uso intensivo de insumos industriaisquímicos e em processos motomecanizados,afetou, drasticamente, o equilíbrio ambiental naprodução agrícola. A destruição das florestas eda biodiversidade genética, a erosão dos solose a contaminação dos recursos naturais e dosalimentos tornaram-se quase que inerentes àprodução agrícola.

A crescente preocupação com o ambientee com a qualidade de vida no planeta levou aosurgimento de um novo “paradigma” dassociedades modernas: a “sustentabilidadeagropecuária”.

Esse novo paradigma procura transmitira idéia de que o desenvolvimento e ocrescimento da agricultura devem atender àsnecessidades desta e das próximas gerações,ou seja, deve ser algo benigno para o ambientee para a sociedade, durante longos períodos.

Page 57: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 56

Dentro desse enfoque, surgiram váriasdefinições, procurando explicar o que se entendepor agricultura sustentável, quase todasexpressando insatisfação com o padrão dito“moderno” da agricultura e defendendo anecessidade de um novo padrão, que garanta asegurança alimentar e que não agrida o meioambiente.

Foram, então, formulados conceitos quepermitem abrigar interesses, que abrangemdesde setores mais conservadores, que secontentariam com simples ajustes nos atuaispadrões produtivos, até tendências radicais quedefendem mudanças em todo o sistemaagroalimentar.

Apesar de contradições em relação aoteor de mudanças, há um consenso para queagricultura sustentável tenha um objetivo a seratingido, e que este signifique “renda para oagricultor e conservação ambiental”.

Assim, a definição de agriculturasustentável, proposta pelo National ResearchCouncil dos Estados Unidos, em 1991(MACHADO et al., 2005. p. 5), é uma das maisaceitas internacionalmente:

Agricultura sustentável não constituialgum conjunto de práticas especiais, mas umobjetivo, que é o de alcançar um sistemaprodutivo de alimento e fibras que possibilite:

(a) aumentar a produtividade dos recursosnaturais e dos sistemas agrícolas,permitindo que os produtores respondamaos níveis de demanda engendrados pelocrescimento populacional e pelodesenvolvimento econômico;

(b) produzir alimentos sadios e nutritivosque permitam o bem-estar humano;

(c) garantir renda líquida suficiente paraque os agricultores tenham um nível devida aceitável e possam investir noaumento da produtividade do solo, daágua e de outros recursos; e

(d) corresponder às normas e expectativasda comunidade”.

Assumindo que para se ter uma agriculturasustentável, é necessário um manejosustentável, a Organização das Nações Unidaspara a Agricultura e Alimentação (FAO),constituiu um grupo internacional de trabalhopara estabelecer a base do entendimento e doconceito de manejo sustentável. Para esse grupo(NOVAIS; SMYTH.1999) manejo sustentávelcombina tecnologias, políticas e atividades,integrando princípios socioeconômicos compreocupações ambientais, de modo que sepossa, simultaneamente, promover os cincoobjetivos típicos do desenvolvimento, a saber:

• manter ou melhorar a produção e osserviços (produtividade);

• reduzir o nível de risco da produção(segurança);

• proteger o potencial dos recursos naturaise prevenir a degradação da qualidade dosolo e a água (proteção);

• ser economicamente viável/viabilidade; e

• ser socialmente aceitável (aceitabili-dade).”

Esses cinco objetivos, ou seja, produtivi-dade, segurança, proteção, viabilidade eaceitabilidade – acima mencionados –, são ospilares (fundação), sobre os quais o paradigma domanejo sustentável é construído. Para se atingir asustentabilidade completa, é necessário alcançaresses cinco objetivos.

Contextualização daproblemática do uso da água

Embora seja difícil segmentar a avaliaçãodo contexto, para orientação da análise,propõe-se discussão e reflexão e, para melhorentendimento, as seguintes abordagens:

De ordem cultural – Com base numa reale aparente abundância na oferta de água e solo,foram geradas posturas acomodatícias eperdulárias no País inteiro, exceto em parte doNordeste brasileiro. Não deve ser por outra

Page 58: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200557

razão que, até recentemente, os livros escolaresrepetiram, por gerações, o ensinamento de que a“água é um recurso natural renovável”.Amadurecida a reflexão, com a promulgação daLei no 9433, de 8 de janeiro de 1997, começou aser difundido o conceito de que “água é umrecurso finito e vulnerável” (BRASIL,1997).

Como todo processo de mudança cultural,esse marco de identificação das duas fases nãogera nenhuma transformação, por si, apenaspromove o primeiro passo em sua direção, sejapela nova base regulatória, seja pela ricadiscussão sobre tema Água pela Sociedade.Essa é uma mudança de paradigmas.

Em abordagem de cunho cultural esociológico, a sociedade brasileira saiu da carac-terística tipicamente rural para a urbana, inver-tendo a posição de 20% da população na áreaurbana para os atuais 80%, e vice-versa. Em escalamundial, não se tem notícia de tão rápida transiçãoem pouco mais de duas gerações.

Por isso, atualmente, as pessoas, as empre-sas e os órgãos fornecedores de água, e a mídia,em geral, discutem questões relacionadas àconservação de água no espaço físico e deconsumo que vai da captação ou estação detratamento até as torneiras dos consumidores.Isso revela a cultura arraigada à utilidade econveniências imediatas, passando ao largo daperspectiva transcendental de que a conserva-ção da quantidade e da qualidade da água emseu sentido amplo atende ao mais nobreobjetivo de manutenção, reprodução e evoluçãoda vida em suas variadas manifestações edimensões.

Imediatismo e imprevidência são faces denossa cultura. Além disso, a sociedade brasileirapouco valoriza os processos coletivos, inte-grados e transversais, que sempre são reque-ridos na complexa questão ambiental. Geral-mente, as pessoas ainda pensam nas questõesambientais como responsabilidades mais dogoverno do que pública.

De ordem ambiental – Na relação daágua com o solo e a planta, a observação dosprocessos naturais revela a mais íntima e diretainteração. Por exemplo, solo poluído, águaspoluídas. E vice-versa. Há uma verdadeiracumplicidade nos resultados (positivos ounegativos): sem água as plantas e toda amicrofauna da terra não vicejam.

No ciclo hidrológico, um dos momentosmais sublimes é aquele em que, após as chuvasa terra recolhe a água, e em seu aconchego,filtra-lhe e reservá-a para, através da recargado lençol freático, alimentar todos os corposd’água novamente no período de estiagem.

De ordem econômica, social e política –São inumeráveis as perdas pela falta deconservação da água e do solo. A maioria delasderiva da falta de percepção, ignorância mesmo,dos processos que ocorrem no cotidiano, fazendocom que problemas ambientais se confundam commazelas sociais, gerando um círculo vicioso entrepobreza e degradação ambiental, com uma forterelação causal.

Nesse círculo vicioso, há também apobreza política (dos governantes e cidadãos)em que ocorre falta de prioridade para aconservação da qualidade da água nas zonasurbanas pelo não-tratamento do esgoto,prevalecendo ainda a máxima dos adminis-tradores locais de épocas passadas: “obraenterrada não dá voto” (e assim era aceito pelapopulação). Como conseqüência, as perdaseconômicas e de vida continuam sendoelevadas. Até hoje, cerca de 60% das interna-ções pediátricas ocorrem por doençasveiculadas pela água. Parcela importante dazona rural próxima às cidades é servida porágua contaminada.

No espaço rural, não tem sido tradicio-nalmente diferente. A riqueza brasileiraconstruída inicialmente pelo uso dos bons solos– cujo acesso exigiu a retirada da mata –gerando, com o uso continuado, um empo-brecimento que em apenas 50 anos transformouparte da exuberante Mata Atlântica em áreascom sinais de desertificação.

Page 59: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 58

Nesse processo de degradação ambiental,sobressai a impossibilidade de infiltração da águano solo pela predominância de pastagensdegradadas (principalmente compactadas). Maisuma vez, a ruptura do ciclo hidrológico revela-secausa de destruição. É sabido que a quantidadede chuvas não se alterou em longo período. Então,por que nascentes e córregos secaram?

De ordem institucional/legal – A Constitui-ção Brasileira estabelece que a água, além deser um bem comum, é um bem público de domíniodos estados ou da União; seus principais usuáriosgeralmente são agentes privados (agricultores,indústrias, usinas hidrelétricas, empresas de águae saneamento).

No espectro institucional e legal, pode-seainda ressaltar o que a Lei das Águas (Lei no 9.433,de 8 de janeiro de 1997) (BRASIL, 1997), dentreoutros fundamentos dispõe que “a gestão dosrecursos hídricos deve proporcionar sempre seususos múltiplos, ser descentralizada e contar coma participação do Poder Público, dos usuários edas comunidades”.

As diretrizes gerais de ação estabelecem,expressando a clareza das leis naturais, que naimplementação da Política Nacional de RecursosHídricos, os planejamentos dos recursos hídricose dos setores de usuários, e o planejamentoregional, estadual e nacional devem estar articu-lados. Além disso, é destacada a diretriz sobre anecessária “articulação da gestão de recursoshídricos com a do uso do solo” (BRASIL, 1997).

Montesquieu, em O Espírito das Leis, de1748 (MONTESQUIEU,1982), sinaliza para aintegração do processo de abastecimento esaneamento em toda sua abrangência e comple-xidade. Isso implica considerar um dos passosmais importantes do ciclo da água, que é, após aschuvas, sua infiltração e mistura ao solo, e aformação do complexo solo-água-planta. É nessemomento de profunda interação que a águaexerce uma de suas mais nobres funções, a depossibilitar a produção econômica e a manu-tenção da biodiversidade.

Também, nesse processo, ao se infiltrar ese percolar no solo, a água estará sendoarmazenada e liberada, lentamente, para

alimentar os fluxos contínuos que vão abastecero lençol freático subterrâneo e gerar asnascentes, que formarão os cursos d’água.

Quebrado o ciclo nesse processo estraté-gico, o resultado conhecido é a redução da ofertae da boa distribuição de água, no tempo e noespaço, incluindo a eliminação de corpos d’água(especialmente os superficiais) que antes exer-ciam funções vitais nas comunidades. Infeliz-mente, isso é comum, pois a maior parte da áreaocupada com a agropecuária está assentada empastagens degradadas, precária rede de estradasvicinais, além de formas tradicionais de cultivo.

É importante notar que, por motivo defacilidade de acesso e economia, a sociedadebrasileira desenvolveu forte cultura voltada àsua relação com as águas superficiais, que, porsua condição de ser exposta, tornam-seextremamente vulneráveis e incapazes desuportar os impactos antrópicos comolançamento de lixo, esgoto, sedimentos, etc.

É decorrência da cultura urbana, queórgãos e gestores de recursos hídricos nãovalorizem o processo de gestão que ocorre noespaço rural. Mais fácil ainda é entender porque a força política não chega a mobilizar seupoder para esse espaço que abriga, de maneiradifusa, apenas 20% da população.

No Brasil, as atividades rurais ocupam umamplo território. Portanto, é necessário revertero processo de contínuas perdas para a naturezae a sociedade, em função da negligênciaquanto à conservação de solo e água. Mas, paraisso, é preciso compreender que o uso dosrecursos hídricos nos centros urbanos são, emúltima análise, possibilitados pela adequadagestão de recursos hídricos no espaço rural.

Os problemas de poluição,de qualidade e a legislaçãode recursos hídricos

A concentração da população emdeterminadas regiões, cidades e áreas metro-politanas é um dos principais aspectos a ser

Page 60: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200559

considerado na gestão integrada de recursoshídricos, uma vez que implica demandacrescente de água, tanto para abastecimentopúblico, quanto para dissolução das cargaspoluidoras urbanas.

A situação da poluição hídrica tem-seagravado no País, considerando-se o aumentodas cargas poluidoras urbanas e industriais,manejo inadequado do solo, erosão, desma-tamento, uso inadequado de insumos agrícolase mineração.

Esses fatores, associados àdistribuição anual de chuvas e às característicasclimáticas, levam a danos ambientais, entre osquais se destacam o aumento do transporte desedimento e a contaminação orgânica e químicadas águas.

Os impactos decorrentes da poluição deáguas fluviais provocados pelos pólos agroindus-triais no Sul do Brasil (principalmente suinoculturae avicultura) e os relacionados à agroindústriasucro-alcoleira no Nordeste, exemplificamalterações significativas dos recursos hídricos noBrasil.

Destaca-se, ainda, o alto grau de compro-metimento ambiental dos recursos hídricos daRegião Carbonífera também no Sul do País e daRegião de Garimpo e de Mineração no Norte doPaís, onde não se utiliza tecnologia ambien-talmente adequada para exploração e processa-mento desses recursos minerais.

Outras atividades causadoras de poluiçãodas águas são as termelétricas e os complexossiderúrgicos que ainda operam com processosindustriais antigos e não contam com ainstalação de equipamentos adequados decontrole da poluição ambiental.

Os conflitos de interesses com relação aouso da água representados pelo setor hidroelé-trico, pelos complexos industriais, pelas neces-sidades de abastecimento urbano, irrigação eadensamento urbano-industrial, evidenciam anecessidade de articulação interinstitucionalpara a adoção de política de gestão integrada

de recursos hídricos.

As iniciativas do governo para o ordena-mento da gestão de recursos hídricos, decorrenteda criação, em 1995, da Secretaria de RecursosHídricos (SRH) no âmbito do Ministério do MeioAmbiente e da Agência Nacional de Águas (ANA),em 2000 (BRASIL, 1998), representam os grandesmarcos para o início da reversão desse processo.Esses novos marcos institucionais chegam nummomento crítico.

Os problemas vêm-se acumulando erequerem atenção especial para se alcançar odesenvolvimento econômico e social de umamaneira sustentável e proporcionar a gestão dosrecursos hídricos observando: (i) conservação,(ii) preservação, (iii) uso eficiente, (iv) eqüidadeeconômica e social na alocação dos recursoshídricos entre usuários, (v) melhoria na operaçãodos reservatórios de águas superficiais, e (vi)melhoria na monitoria da quantidade e daqualidade e na prospecção de águassubterrâneas (BRASIL, 2004).

É essencial a implementação de açõesdirecionadas a resolver, ou pelo menos mitigaressas questões, para poder-se promover odesenvolvimento sustentável do uso dessesrecursos.

Os objetivos do gerenciamento dosrecursos hídricos no Brasil devem ser consis-tentes com as políticas econômicas e institucio-nais do País e com a estratégia setorial dosrecursos hídricos. Os principais objetivos são:promover condições para o uso sustentável ealocação intersetorial dos recursos hídricosprogressivamente escassos, oferecer processos,informações confiáveis e ferramentas eficazespara tomada de decisão dentro de um marcolegal (regulamentar – institucional) justo emoderno que considere a participação de todosos agentes envolvidos na tomada de decisão.

O Código das Águas, estabelecido peloDecreto Federal nº 24.643, de 10 de julho de1934 (DNAEE, 1980), consubstancia a legisla-ção básica brasileira de águas. Foi a primeiranorma legal que possibilitou ao Poder Públicodisciplinar o aproveitamento industrial das águas

Page 61: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 60

e, de modo especial, o aproveitamento e aexploração da energia hidráulica.

O referido Código assegura uso gratuitode qualquer corrente ou nascente de água paraas primeiras necessidades da vida e permite atodos usar águas públicas, conformando-se comos regulamentos administrativos. Impede aderivação das águas públicas para aplicaçãona agricultura, indústria e higiene, sem aexistência de concessão no caso de utilidadepública e de autorização nos outros casos. Emqualquer hipótese, dá preferência à derivaçãopara abastecimento das populações.

Estabelece, também, que a ninguém élícito conspurcar ou contaminar as águas quenão consome, com prejuízos a terceiros.

Ressalta que os trabalhos para salubri-dade das águas serão realizados à custa dosinfratores que, além da responsabilidadecriminal, se houver, responderão pelas perdase danos que causarem.

Aborda ainda, de forma clara e objetiva, aquestão das águas subterrâneas, com orientaçãoquanto à localização e às condições em que épermitido suspender seu aproveitamento.

A Constituição da República Federativado Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988,trata de águas apenas no que diz respeito àcompetência para legislar sobre elas e no quetange a seu domínio. Nada dispõe sobre adisciplina de seu uso.

A Lei 9.433/97, chamada de Lei das Águas(BRASIL, 1997), é um dos dispositivos maisdemocráticos aprovados pelo CongressoNacional, em todos os tempos. Ela, apesar demanter as responsabilidades dos níveis federaise estaduais no tocante a proporcionar meios quepossibilitem a adequada gestão dos recursoshídricos, transfere para a comunidade, repre-sentada pelo seu Comitê de Bacia, aresponsabilidade pela tomada de decisão sobreo que fazer e que meios serão empregados paraa consecução dos objetivos. Ou seja, a decisãopassa a ser tomada no nível local, onde sedetém o maior conhecimento dos problemas.

A Lei das Águas baseia-se nos seguintesfundamentos:

• a água é um bem de domínio público;

• a água é um recurso natural limitado, edotado de valor econômico;

• em situações de escassez, o uso prio-ritário dos recursos hídricos é o consumohumano e a dessedentação de animais;

• a gestão dos recursos hídricos devesempre proporcionar o uso múltiplo daságuas;

• a bacia hidrográfica é a unidadeterritorial para implementação da PolíticaNacional de Recursos Hídricos e atuaçãodo Sistema Nacional de Recursos Hídri-cos;

• a gestão dos recursos hídricos deve serdescentralizada e contar com a partici-pação do Poder Público, dos usuários edas comunidades.

Ao instituir a Política Nacional de Recur-sos Hídricos (BRASIL, 1997), a Lei definiu,claramente, seus objetivos, as diretrizes geraisde ação e os instrumentos necessários à suaexecução.

Seus objetivos são: (i) assegurar à atual eàs futuras gerações a necessária disponibilidadede água; (ii) utilização racional e integrada dosrecursos hídricos; e (iii) prevenção e defesacontra eventos hidrológicos críticos.

São suas diretrizes gerais de ação: (i)gestão sistemática dos recursos hídricos, semdissociação dos aspectos de quantidade e dequalidade; (ii) adequação da gestão de recursoshídricos às diversidades físicas, bióticas,demográficas, econômicas, sociais e culturaisnas diversas regiões do País; (iii) integração dagestão de recursos hídricos com a gestãoambiental; (iv) articulação do planejamento derecursos hídricos com os dos setores usuários ecom os planejamentos regional, setorial enacional; (v) articulação da gestão de recursos

Page 62: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200561

hídricos com a do uso do solo; e (vi) integraçãoda gestão das bacias hidrográficas com a dossistemas estuarinos e zonas costeiras.

A Lei 9.433/97 definiu como instrumentosde gestão:

Os Planos de Recursos Hídricos, comoestabelece o Art. 6º da Lei 9.433/97, são planosque visam fundamentar e orientar a implemen-tação da Política Nacional de Recursos Hídricose seu gerenciamento. Trata-se de um documentosem o caráter de produto final consolidado,ensejando, ao contrário, inserções e ajustes deforma a manter-se sempre atualizado.

Assim, de acordo com o que determina aLei das Águas, os planos de recursos hídricosvão além da mera expressão de racionalismosobre o uso, proteção e conservação dosrecursos hídricos, pois acima de tudo, devemter conteúdo e proposições perfeitamentecoerentes com as aspirações da comunidadeque habita a bacia hidrográfica em estudo.

O enquadramento dos corpos de água emclasses, segundo os usos preponderantes daágua, é de fundamental importância paraestabelecer-se um sistema de vigilância sobreos níveis de qualidade da água dos mananciais.Além disso, trata-se de um instrumento quepermite garantir a indissociabilidade dosaspectos qualitativos e quantitativos e a gestãoda qualidade da água. Em outras palavras,fortalece a relação entre a gestão dos recursoshídricos e a gestão do meio ambiente, porquesua execução baseia-se na Política Nacionaldo Meio Ambiente, por meio da Resolução nº20, do Conselho Nacional do Meio Ambiente(Conama).

O enquadramento visa assegurar, àságuas, qualidade compatível com os usos maisexigentes a que forem destinadas e diminuir oscustos de controle da poluição das águasmediante ações preventivas permanentes.

A outorga de direito de uso dos recursoshídricos é um ato administrativo, mediante oqual o Poder Público outorgante faculta aooutorgado o uso de determinado bem público,

por prazo determinado, nos termos e nascondições expressas no respectivo ato. Por seucaráter disciplinatório, ela é o elemento centralde controle para o uso racional dos recursoshídricos.

A outorga tem por objetivos assegurar aousuário o efetivo exercício dos direitos de acessoà água e atuar como instrumento de controlequantitativo e qualitativo dos usos da água.

A cobrança pelo uso da água é essencialpara criar as condições de equilíbrio entre asforças da oferta (disponibilidade de água) e dademanda, promovendo, em conseqüência, aharmonia entre os usuários competidores. Temobjetivos bastante claros, a saber: (i) reconhecera água como bem econômico dando ao usuáriouma indicação do seu real valor; (ii) incentivara racionalização do uso da água; e (iii) obterrecursos financeiros para implementação deprogramas e intervenções contemplados nosplanos de recursos hídricos.

Compete aos Comitês de Bacias Hidro-gráficas decidir sobre a cobrança pelo uso daágua e propor os valores a serem cobrados.

O Sistema Nacional de Informações sobreRecursos Hídricos tem por finalidade coletar,organizar, criticar e difundir, em âmbito nacional,a base de dados relativa aos recursos hídricos,nos seus aspectos qualitativos e quantitativos, seususos, o balanço hídrico de cada bacia e prover osgestores, a sociedade civil e outros usuários dasinformações necessárias para embasar o processodecisório fornecendo, paralelamente, subsídiospara a elaboração dos planos de recursos hídricos.

O Sistema Nacional de Gerenciamentode Recursos Hídricos foi criado com asfinalidades de coordenar a gestão integrada daságuas, arbitrar administrativamente os conflitosrelacionados com os recursos hídricos,implementar a Política Nacional de RecursosHídricos, planejar, regular e controlar o uso, apreservação e a recuperação dos recursoshídricos e promover a cobrança pelo uso dessesrecursos.

A Lei 9.433/97 – Estabeleceu um arranjoinstitucional claro para a gestão compartilhada

Page 63: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 62

do uso da água. A seguir, são descritos osorganismos criados a partir da instituição donovo sistema:

Conselho Nacional de Recursos Hídricos(CNRH) – Órgão mais elevado da hierarquiado sistema em termos administrativos, a quemcabe decidir sobre as grandes questões do setor,além de dirimir as contendas de maior vulto. OCNRH foi criado pelo Decreto Nº 2.612, de 3de junho de 1998, como órgão máximo norma-tivo e deliberativo.

Agência Nacional de Águas (ANA) –Entidade federal de implementação da PolíticaNacional de Recursos Hídricos.

Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos– São instâncias recursais, com referência àsdecisões tomadas pelos Comitês de BaciasHidrográficas de rios de domínio estadual.

Comitês de Bacias Hidrográficas – Tipode organização inteiramente novo naadministração dos bens públicos, contando coma participação dos usuários, das prefeiturasmunicipais, da sociedade civil organizada, dasadministrações estaduais e federal, e destinadosa agir como o “parlamento das águas da bacia”,pois são os comitês os fóruns de decisão noâmbito de cada bacia hidrográfica.

Agência de Água (Agência de bacia) –Funciona como o braço executivo técnico deseu(s) correspondente(s) comitês, destinada agerir os recursos oriundos da cobrança pelo usoda água, desenvolvendo a chamada enge-nharia do sistema.

Organizações Civis de Recursos Hídricos– Entidades atuantes no setor de planejamentoe gestão do uso dos recursos hídricos e quepodem ter destacada participação no processodecisório e de monitoramento das ações.

A Lei 9.984, de 17 de julho de 2000 – Crioua Agência Nacional de Águas (ANA), além deregulamentar artigos da Lei das Águas, deu maiortransparência a um dos aspectos fundamentais

para a recuperação hidroambiental das baciashidrográficas, ao estabelecer no seu Art. 4º incisoXVII que a ANA pode “propor ao Conselho Nacio-nal de Recursos Hídricos o estabelecimento deincentivos, inclusive financeiros, à conservaçãoqualitativa e quantitativa de recursos hídricos”.

Somente a partir desse dispositivo, torna-se possível a participação financeira dasociedade nos trabalhos de revitalização dasbacias hidrográficas, o que é bastante justo, umavez que os benéficos advindos dessa práticaextrapolam os limites da propriedades rurais ecriam externalidades positivas ampliando aoferta de água em qualidade e quantidade atodos os habitantes da bacia.

Por sua vez, esse dispositivo cria apossibilidade da implementação de programascomo o Produtor de Água, o qual visa remuneraros produtores rurais que, voluntariamente,utilizam práticas conservacionistas capazes dereduzir a erosão, melhorar a infiltração de águano solo, contribuindo assim para a melhoria daoferta de água de boa qualidade.

Como se vê, os mecanismos paragerenciar a distribuição de águas em termosquantitativos e qualitativos estão bem deli-neados. Assim, é importante que se dê maisatenção às questões que envolvem derivaçõesde recursos hídricos mais significativas,ressaltando as atividades agropecuárias, cujademanda corresponde a mais da metade detodo o consumo do País, com tendências aatingir cifras bem superiores.

Cerca de 6% da área plantada no Brasilé irrigada e responde por 16% de sua produçãototal. Além disso, os 3 milhões de hectaresatualmente irrigados correspondem apenas a10% do seu potencial irrigável, o que, aliado àcrescente demanda mundial por alimentos,confirma a tendência de crescimento daatividade no Brasil.

Por sua vez, em todo o mundo, a expan-são da área irrigada é cada vez mais proble-mática não só devido à indisponibilidadecrescente dos recursos hídricos (qualitativa e

Page 64: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200563

quantitativamente) como a severidade cres-cente da legislação ambiental, das restriçõeseconômicas, da salinização, da desertificaçãoe outras formas de degradação do ambiente.

Entretanto, a expansão da agriculturairrigada apresenta alto índice de uso consultivoque certamente afetará, de maneira significa-tiva, a disponibilidade de água para a produçãoem áreas onde os estios podem comprometeraté o exercício do direito prioritário de uso parao consumo humano.

Assim, observa-se a existência de umgrande espaço para que a tecnologia e omanejo dos recursos hídricos aplicados naprodução agropecuária venham a produzirexpressiva economia desses, tendo-se em vistaas diversas oportunidades abertas para otimizaro consumo de água na irrigação e na sua prote-ção qualitativa e quantitativa.

Entre essas providências, podem-se desta-car: a conservação do solo; as técnicas decultivo mínimo; o bom dimensionamento dossistemas de irrigação e a utilização de métodosmais eficientes e seu manejo adequado; omanejo dos reservatórios; o aproveitamentomais ousado da genética e da biotecnologia; omelhor aproveitamento dos dados agrometeoro-lógicos; a utilização de produtos agrícolas deforma mais vantajosa, tendo-se em vista aeficácia do seu uso; a minimização das perdasagrícolas, etc.

Sob o ponto de vista qualitativo, podem-se destacar a importância das técnicas conser-vacionistas, inclusive de manutenção perma-nente da cobertura vegetal, a proteção dasnascentes e das matas ciliares; os cuidados dese evitar a poluição direta e indireta dosmananciais; o correto emprego dos defensivosagrícolas; a utilização do controle biológico daspragas; etc.

Finalmente, vale ressaltar que todo oesforço para amenizar os impactos decorrentesdo uso da água na agricultura poderá serprejudicado, caso a sociedade não se mobilize

para participar de um processo educativoeficiente e amplo direcionado à preservaçãoambiental e, ao mesmo tempo, apóie oestabelecimento de uma política global dedisciplinamento do crescimento populacionalque tem sido o fator mais relevante dosdesequilíbrios socioeconômicos do mundo.

ConclusãoContrapondo ao intenso intemperismo e,

sobretudo à concentração das chuvas (fatores deerodibilidade) e conseqüentemente das atividadesde plantio em curto período de tempo, atualmenteo Brasil possui tecnologia e sistemas de produçãoadequados sob o prisma da sustentabilidade.

Um dos exemplos mais destacados é o doplantio direto (sem revolvimento e pulverizaçãodo solo e com manutenção de matéria vegetalcomo cobertura do solo) que reverteu o processode degradação do solo associado à sua exploraçãopor métodos tradicionais.

Como já evidenciado, o processo de usodo solo pela agricultura, pecuária ou pelasestradas, principalmente as municipais e rurais (nointerior dos estabelecimentos) geralmente tem sidoinsustentável.

Contudo, as pastagens degradadas podemservir à necessária expansão da área agricultávelprincipalmente pela transformação delas emcultivos (com ou sem a rotação agricultura –pecuária), mediante utilização de técnicas deintegração lavoura – pecuária, que permiterecuperar áreas de pastagem aumentando suaprodutividade e liberando áreas para outros usos.

O Brasil está frente a um estimulante desafiode expansão da produção agrícola de formasustentável e, sobretudo, sem derrubada deflorestas. Essa abordagem é estratégica. Sãoextremamente oportunos o resgate e avalorização do conceito de agriculturaconservacionista e competitiva, com proteção dasnascentes e conservação de água e solo, soborientação das diretrizes legais (Lei 9.433 edecorrentes) e a energia de um novo período de

Page 65: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 64

gestão governamental.

Do lado da gestão de recursos hídricosrepresenta uma contribuição e um exercício deintegração e resgate e ordenamento deresponsabilidades institucionais, sociais e legaisdos ministérios do Meio Ambiente, da AgriculturaPecuária e Abastecimento e do Desenvol-vimento Agrário, organizações públicas eprivadas e de produtores rurais, significando umpasso importante para:

• atender aos preceitos de produçãosustentável;

• ampliar a competitividade internacional;

• desbloquear barreiras não-tarifárias quese relacionam às exigências da qualidade deprodutos obtidos dentro de certos padrõesambientais (como conservação de água, solo ebiodiversidade, seqüestro de carbono, etc.);

• possibilitar a certificação de produtos erastreabilidade, assegurando melhores qualidadee segurança para o comprador, bem comocondições de marketing no plano internacional enacional;

• ampliar a oferta e melhorar a qualidadeda água.

Para a cadeia do agronegócio e regiõesprodutoras, amplia emprego, renda e, sobretudoestabilidade via melhoria de renda, competitivi-dade e imagem junto ao mercado. Tudo isso emconjunto significa alcançar o desejável nível desustentabilidade do agronegócio.

A grande diversidade dos problemas e suadistribuição geográfica acrescidas dos diferen-tes extratos de tamanho das propriedades, denível de renda e de informação dos produtoressão fatores que não permitem simplificarsoluções. Ao contrário, suscitam a busca deestratégias diferenciadas, visão de futuro epersistência para assegurar o alcance de metasde curto, de médio e de longo prazos.

A complexidade remete, naturalmente,para uma abordagem multidisciplinar e interins-titucional, devendo, atender, decidida-mente,a diretrizes básicas como:

a) descentralização;

b) compartilhamento;

c) protagonismo;

d) empreendedorismo;

e) mobilização social;

f) capacitação.Como no exercício federativo, também

deverá ser intensa a busca da interação e dasinergia entre os organismos ambientais e seto-riais, de um lado, e entre esses e os produtores(atores principais do processo) de outro.

Certamente, esse será um profundo,profícuo e amplo exercício do princípio datransversalidade para conservar e revitalizarsolos e recursos hídricos como parte nobre dopatrimônio social e nacional, pois integrarávertical e horizontalmente agentes públicos eprivados, além de diferentes disciplinas einteresses. Tudo, com um objetivo comum: odesenvolvimento sustentável.

É oportuno entender que a interferência dohomem é fundamental no processo de conser-vação e que o único momento de distribuiçãonatural e plenamente democrática da água équando ela se oferece em forma de chuvas. A partirdaí, dependendo de como é tratada, a água ficalongo tempo gerando benefícios no espaço do soloonde cai ou próximo dele ou escorre, causandoerosão e perdas, tornando-se indisponível, tantoo solo como a água, em curto prazo.

ReferênciasBRASIL, Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricose da Amazônia Legal. Secretaria de Recursos Hídricos.Recursos hídricos no Brasil. Brasília, DF, 1998, 52 p.

BRASIL. Lei 9.433 de 08 de janeiro de 1997. Estabelece aPolítica Nacional de Recursos Hídricos. Diário Oficial [da]República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 dez. 1997.

BRASIL, Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de RecursosHídricos. Recursos hídricos: conjunto de Normas Legais.Brasília, DF, 2004.

DNAEE. Código de Águas. Brasília: Ministério das Minas eEnergia–Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica,1980.

MACHADO, J.: SANTOS, D. Garcia dos; FÉLIX, A. Domingues.A gestão de recursos hídricos e o uso da água na agriculturairrigada. Brasília, DF: MMA–Agência Nacional de Águas,2005. 18 p.

NOVAIS, R. F.; SMYTH,T. J. Fósforo em solo e planta sobcondições tropicais. Viçosa: UFV, 1999. 399 p.

MONTESQUIEU, C. L. de S. O Espírito das Leis. Tradução deFernando Henrique Cardoso e Leônio Martins Rodrigues.Brasília, DF: Editora da Universidade de Brasília, 1982. 712 p.p. 25. (Pensamento Político, 61).

Page 66: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200565

BR 158 emMato Grosso,uma alternativade escoamentoda produção

A BR 158 atravessa Mato Grosso nosentido Norte – Sul, situando-se na parte leste,paralela ao Rio Araguaia. Essa rodovia tende ase constituir num dos mais importantes modaisde escoamento daquele estado, que estáintegrado ao complexo do Corredor Centro-Norte (ver item 1, do Anexo 1). Apresenta-secomo alternativa natural para destinar oexcedente da produção agrícola regional rumoàs exportações, via Porto de Itaqui, noMaranhão, ou atender as demandas das regiõesNorte e Nordeste por oleaginosas, cereais efibras (CONAB, 2004e, 2004d).

Por onde passa a rodovia, é comum apresença de tratores em ação, abrindo áreaspara o plantio de grãos, particularmente notrecho que se estende de Barra do Garças aVila Rica. A região, que na década de 1980 foiuma das precursoras da expansão agrícolanaquele estado, (ver item 2 do Anexo 1). temna pecuária sua principal atividade. Contudo,a maioria das pastagens implantadas à época,encontra-se degradada e já comprometem aatividade econômica preponderante, razão daintensa movimentação observada rumo àreconversão para a produção de grãos.

Francisco Olavo Batista de Sousa1

Adicionalmente, outros fatores ajudam aexplicar o atual incremento da área plantadano leste mato-grossense, atualmente a menosdesenvolvida naquele estado. Esses fatores são:

• baixos preços das terras agricultáveis,utilizadas quase que exclusivamente naatividade pecuária;

• as cotações internacionais da soja, quenos últimos anos experimentaram um forteincremento, em função, entre outras causas,da demanda chinesa (CONAB, 2004c).

A constante pressão dos movimentos sociais,ameaçando invadir áreas que apresentem baixodesempenho econômico (para maior detalha-mento, ver item 3 do Anexo 1). esse cenário deexpansão, duas localidades se apresentam comoprováveis pólos de desenvolvimento no Vale doAraguaia, com a perspectiva de ali sereminstalados empreendimentos que darão ênfase aoprocessamento e à elaboração de produtos comalto valor agregado Barra do Garças e Vila Rica.

A expectativa é a de que em Barra doGarças, por sua localização central, sejamimplantados complexos industriais, com vistasao abastecimento do mercado interno. Ali, seriam

1 Economista/Assessor da Secretaria de Programas Empresariais e do Agronegócio – Sepea/Conab – E-mail: [email protected]

Page 67: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 66

instaladas indústrias têxteis, esmagamento de sojae de produção de carnes, para atendimento aosmercados de Brasília, Goiânia, São Paulo,Salvador e Belo Horizonte. Em Vila Rica, em razãoda menor distância e da concreta possibilidadede utilização de diversos modais rumando para oNorte do País, segmentos ligados à cotonicultura,cereais e particularmente do complexo sojateriam como encaminhar seus excedentes para oatendimento da demanda Norte/Nordeste e paraexportação.

Além da conhecida precariedade dasestradas, um dos grandes problemas que a

região enfrenta relaciona-se com a escassez deespaços para armazenamento, conforme aTabela 1. Na intensa movimentação observadanos últimos anos, há que se destacar a rapidezcom que se tenta suprir essa carência, no vácuodo incremento observado pela abertura de árease o apelo representado pelo bom momento nacomercialização de soja.

Em levantamento realizado acerca dodéficit existente entre a capacidade estática ea produção agrícola, observa-se que em MatoGrosso, a defasagem entre a produção e acapacidade armazenadora, é de 5,34 milhões de

2 Levantamento interno.

Tabela 1. Deficit de armazenagem nos municípios matogrossenses sob influência direta da BR 158.

Água BoaAlto da Boa VistaAraguaianaBarra do GarçasBom Jesus do AraguaiaCampinópolisCanabrava do NorteCanaranaCocalinhoConfresaLuciaraNova BrasilandiaNova NazaréNova XavantinaNovo São JoaquimParanatingaPlanalto Da SerraPorto Alegre do NorteQuerênciaRibeirão CascalheiraSanta Cruz do XinguSanta TerezinhaSanto Antonio do LesteSão Felix do AraguaiaSão José do XingúSerra Nova DouradaVila RicaTotal

Fonte: Conab2.(0) = O fenômeno existe, mas sua expressão é menor que zero.(1) Considerou-se que o acondicionamento de sorgo e de arroz na regiãoé feito em sacaria.

Nº armaz

1700400071001076

3520400041000

89

Municípios

cap (t)

54.75100

15.396000

22.15019.575

00

3.6750

23.14321.71582.85716.336

017.561

000

22.3373.000

000

302.496

Convencional

Nº armaz

10000000

1000010875106000

150000

63

cap (t)

133.223000000

108.187000

15.4190

67.95123.35841.904

7.1100

24.893000

108.7060000

530.751

Granel

Armazém

(1) Algodão,Arroz eSorgo

85.2768.100

8226.127

18.9006.000

14.30443.090

1.4407.2004.590

10.7939.744

19.66850.75076.35827.418

6.83190.000

7.75216.200

1.65070.57039.68427.000

4.0392.995

657.301

Soja,milho

116.2084.0701.500

34.37040.740

4.15238.700

239.10021.537

6.000564

5.52510.08072.600

226.986142.660

17.01017.828

221.61016.350

5.2801.602

326.82012.83026.48014.245

4.7281.629.575

Convencional

-30.525-8.100

-8229.269

-18.900-6.000

-14.304-20.94018.135-7.200-4.590-7.118-9.7443.475

-29.0356.499

-11.082-6.831

-72.439-7.752

-16.200-1.650

-48.233-36.684-27.000

-4.039-2.995

-354.805

Granel

17.015-4.070-1.500

-34.370-40.740

-4.152-38.700

-130.913-21.537

-6.000-564

9.894-10.080

-4.649-203.628-100.756

-9.900-17.828

-196.717-16.350

-5.280-1.602

-218.114-12.830-26.480-14.245

-4.728-1.098.824

Produção (t) Déficit/superavit

Page 68: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200567

toneladas. Nos municípios situados na zona deinfluência da BR-158, a defasagem combinadaentre as unidades armazenadoras convencionaise estruturas graneleiras, atinge 1,45 milhão detoneladas, conforme a Tabela 2.

Tal situação só não é considerada maisgrave, em virtude da maior parte desse déficitser derivado da safra de soja. A despeito denessa temporada a área plantada em MatoGrosso ter apresentado um incremento de16,5% em relação à anterior, a pressão porespaço é atenuada, em virtude das caracterís-ticas peculiares da lavoura, represen-tadas pelagrande velocidade na comercialização e nadiferenciação nos períodos de colheita.

3 Levantamento interno.

Tabela 2. Produção de grãos nos municípios mato-grossenses sob influência direta da BR 158.

Água BoaAlto da Boa VistaAraguaianaBarra do GarçasBom Jesus do AraguaiaCampinópolisCanabrava do NorteCanaranaCocalinhoConfresaLuciaraNova BrasilândiaNova NazaréNova XavantinaNovo São JoaquimParanatingaPlanalto da SerraPorto Alegre do NorteQuerênciaRibeirão CascalheiraSanta Cruz do XinguSanta TerezinhaSanto Antônio do LesteSão Félix do AraguaiaSão José do XinguSerra Nova DouradaVila RicaTotal

Fonte: Conab3.(0) = O fenômeno existe, mas sua expressão é menor que 1.

Algodão

000000

504000000

9.28845.696

0000000

62.11011.250

000

128.848

Municípios Arroz

85.2768.100

8226.127

18.9006.000

13.80036.490

1.4407.2004.590

10.7939.744

10.2603.614

76.05827.418

6.83190.000

7.75216.200

1.6503.660

28.43427.000

4.0392.995

515.193

Milho

6.000260240

1.05014.820

2.40011.7005.400

4806.000

324476240

3.00021.300

3.4602.7304.334

8101.500

4801.602

17.1005.1303.080

4032.028

116.347

Soja

110.2083.8101.260

33.32025.920

1.75227.000

233.70021.057

2405.0499.840

69.600205.686139.200

14.28013.494

220.80014.850

4.8000

309.7207.700

23.40013.842

2.7001.513.228

Sorgo

0000000

6.60000000

1201.440

300000000

4.8000000

13.260

Total

201.48412.170

2.32240.49759.64010.15253.004

282.19022.97713.200

5.15416.31819.82492.268

277.736219.018

44.42824.659

311.61024.10221.480

3.252397.390

52.51453.48018.284

7.7232.286.876

A partir da safra 2003/2004, com a criaçãodo programa Irrigação e Armazenagem naPropriedade Rural (Moderinfra), que assumiu asatribuições do Prodazem e do Proirriga, acomercialização e o financiamento de unidadesarmazenadoras instaladas em fazendas experi-mentaram um grande impulso, contribuindo paraque Mato Grosso, particularmente na regiãocoberta pela rodovia, apresentasse as maiorestaxas nacionais de crescimento, no que se referea construção de armazéns. O acerto noestabelecimento desse programa, por parte dogoverno, pode ser constatado a partir doCadastro Nacional de Armazéns, elaboradopela Companhia Nacional de Abastecimento

Page 69: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 68

(Conab), que demonstra existir, no País, poucosarmazéns situados na zona rural, cerca de 10%e de que aproximadamente 64% das unidadesencontram-se localizadas em áreas urbanas ouportuárias (CONAB, 2004b).

O forte incremento na abertura de espaçopara armazenamento na parte oriental de MatoGrosso deriva do interesse empresarial, particu-larmente das empresas multinacionais queoperam com a soja. Algumas delas, instaladasàs margens da BR 158, estão ultimando as obrasde engenharia, visando dar início às operaçõesainda nessa temporada.

No Cadastro Nacional, elaborado pelaConab, fica destacada a necessidade de se ampliara estrutura de armazenagem para os demaisprodutos agrícolas. Consideramos que aí resideuma questão-chave para a sustentabilidade daprodução agrícola na região, carente que é dapresença do Estado, exigindo uma ação maisdireta por parte do governo, mesmo que para issoseja necessária a implantação de unidadesarmazenadoras estatais (para maiores detalha-mentos ver Anexo 1, item 4). Com exceção dasoja e do algodão, onde o setor privado vemtratando de implantar sua infra-estrutura armaze`-nadora particular e suficiente, não se encontram,em função da dinâmica de comercialização dosdemais produtos, projetos direcionados para oacondicionamento do milho, do arroz e do feijão.

Considerando que Mato Grosso é o maiorprodutor nacional de soja e de algodão e osegundo de arroz e de milho safrinha (CONAB,2004a) sua importância como supridor deprodutos básicos, via BR 158, mostra-seinequívoca, com a perspectiva de que seixopossa contribuir para a solução do maior gargaloexistente no agronegócio daquela região. Épreciso que o governo, recorra a emendasespecíficas ou a parcerias – como já está sendofeito em outras regiões daquele estado –colocando a rodovia como alternativa deescoamento durante todo o ano, e não somenteesporadicamente, quando as chuvas cessam.

ReferênciasCONAB. Acompanhamento da safra 2003/2004: quintolevantamento. Brasília, DF, 2004a.

______. Cadastro Nacional de Unidades Armazenadoras.Brasília, DF, 2004b.

______. Indicadores da Agropecuária. Brasília, DF, v. 13,n. 7/9, 2004c.

______. Projetos dos principais eixos de escoamento daprodução agrícola. Brasília, DF, 2004d.

______. Situação das estradas brasileiras importantes parao escoamento da safra. Brasília, DF, 2004e. 109 p.

Anexo 1Item 1 – Complexo multimodal que

influenciará no escoamento da produçãoagropecuária de 7 estados, rumo a exportaçãoe no atendimento à região norte e nordeste. Énela que se concentram as áreas agricultáveiscom maior potencial de expansão no País.Nessa região, são produzidas 45% da sojabrasileira, 76% do algodão, 20% do milho e32% do arroz.

Item 2 – O Projeto de Colonização deNorberto Schwantz, no final da década de 1970e início da década de 1980, previa a criaçãode agrovilas organizadas e depois eman-cipadas, a partir do desmembramento doMunicípio de Barra do Garças, MT, na ocasião,o maior município do mundo. Ao lado dosdistritos então existentes, como Xavantina, NovaBrasília, Ribeirão dos Porcos e Cascalheira,surgem as agrovilas de Água Boa e Canarana,como cidades planejadas. Logo após, o projetoQuerência e Norberto Schwantz, ao norte da atualRibeirão Cascalheira. Esses pequenos aglome-rados seguiram evoluindo com grande dificuldadena década de 1980, particularmente, após aderrocada da Cooperativa Coopercana, quedesarticulou a economia da região. Nos últimos 2anos, com o advento do Corredor Centro-Norte,a área plantada de grãos vem aumentando e jáse observa, na região, uma forte atividadeempresarial.

Item 3 – As áreas com pastagensdegradadas apresentam um apelo mais forte que

Page 70: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200569

as demais, pela simples razão de que a tarefade desmatamento, que na região representa umcusto bastante elevado, já foi realizada.

Item 4 – Nesse particular, está sendogestionada, na Conab, proposta de se construirarmazéns na região, com uma capacidadeinstalada variando de 50 mil a 60 mil toneladas,com rápida recepção e expedição de merca-dorias. Essa ação adquiriu corpo a partir do

interesse privado demonstrado no XI Encontrosobre o corredor Multimodal Centro-Norte,ocorrido em 4 de maio de 2005, no CDRH daConab, em Brasília, DF, onde foi destacada acarência de espaços para armazenagem na re-gião. Esses armazéns teriam a função de operarprioritariamente com arroz, milho, feijão e algo-dão, e estariam assentados numa rota que temcomo direção os mercados do Norte do País e aexportação.

Page 71: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 70

A agropecuáriano contexto docooperativismoHistória e compromissode desenvolvimento

IntroduçãoOs principais modelos europeus de coope-

rativas – consumo, produção, agrícola e crédito –introduzidos no Brasil desde o final do século 19,encontraram muitos obstáculos: populaçãorarefeita, escassos meios de transporte e de comu-nicação, relações de trabalho ainda marcadaspela economia escravocrata e pelo individualismo,falta de tradição de associativismo nas atividadeseconômicas, entre outros.

Apesar das dificuldades de implantação noBrasil, o movimento cooperativista é, hoje, umadas forças da economia no País, representando6% do Produto Interno Bruto (PIB). O sistemacooperativista brasileiro é constituído pelaOrganização das Cooperativas Brasileiras (OCB),por 27 organizações estaduais e por 7.136cooperativas, com 6.159.658 associados que, porsua vez, garantem 195.100 empregos diretos.O cooperativismo brasileiro é diversificado, sendodividido em 13 ramos de atividades distintas. Sãoeles: agropecuário; educacional; crédito; saúde;infra-estrutura; habitacional; transporte; turismo elazer; produção; especial; mineral; e consumo e

trabalho. A Fig.1 mostra o número de cooperativas,associados e empregados por ramo de atividade.

Esse conglomerado cooperativo tem papelsignificativo no desenvolvimento da sociedade,pois entre outros benefícios, garante acesso aocrédito, à saúde, à educação, à moradia e aomercado de trabalho.

Surgimento e tendênciasdo cooperativismo no Brasil

A sociedade cooperativa moderna teveorigem em 1844 (OCB, 2004a), com os Pioneirosde Rochdale, na Inglaterra, na intensificação daluta dos trabalhadores, em pleno regime deeconomia liberal. Os 28 tecelões de Rochdale,que constituíram as cooperativas de consumo,tinham o objetivo de enfrentar a crise industrialda época, oferecendo gêneros de primeiranecessidade aos associados, e que são o marcohistórico do início das sociedades cooperativas.

O novo sistema então criado voltava-separa os pequenos produtores e artesãos. Esse novomodelo societário contrapunha-se ao capitalismo.

Ramon Gamoeda Belisário 1

Evandro Scheid Ninaut 2

Gustavo Rodrigues Prado 3

Flávia de Andrade Zerbinato Martins 4

1 Gerente-Geral da OCB2 Gerente de Mercados da OCB3 Analista de Mercados da OCB4 Assistente de Mercados da OCB

Page 72: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200571

Nascia o cooperativismo, como movimento,filosofia de vida e modelo socioeconômico, capazde unir desenvolvimento econômico e bem-estarsocial, tendo a participação demográfica, asolidariedade, a independência e a autonomiacomo referências fundamentais, visando as neces-sidades do grupo – e não ao lucro –, e buscandoprosperidade conjunta – e não individual–,independentemente de território, língua, credo ounacionalidade.

De 1530 a 1879, havia vários registroshistóricos de caráter de cooperação e solida-riedade, que se aproximavam dos princípios docooperativismo. Como exemplo, temos o pré-cooperativismo brasileiro, que teve início por meiodas missões jesuíticas no Sul e as associaçõescooperativas e sindicais de trabalhadoresimigrantes da indústria nos Estados de São Pauloe Rio de Janeiro.

Contudo, em 1889, em Minas Gerais, ocooperativismo se concretizou no Brasil, com afundação da Sociedade Cooperativa Econômicados Funcionários Públicos de Ouro Preto. Aprimeira cooperativa de que se tem notícia no País,tinha atividades diversificadas: de venda de

gêneros de consumo a construção de prédios paraalugar e vender, e caixa de auxílio e socorro aassociados, ou seja, ao mesmo tempo, era umacooperativa de consumo, habitação e crédito.

Temos, como destaque, entre as primeirascooperativas fundadas no Brasil, a AssociaçãoCooperativa dos Empregados da CompanhiaTelefônica, em Limeira, SP, em 1891; a SocietáCooperativa delle Convenzioni Agricoli, emAlfredo Chaves, RS, e em Antônio Prado, RS, em1892; a Cooperativa Militar de Consumo do Riode Janeiro, no Rio de Janeiro, RJ, em 1894.

Em 1902, em Nova Petrópolis, RS, porintermédio do missionário jesuíta suíço, TheodorAmstad, surgiu a primeira cooperativa de créditorural no Brasil, até hoje, em funcionamento.

A partir de 1930, o Estado assumiu o modeloagrícola, transformando o cooperativismo num dosseus instrumentos para a promoção do desenvol-vimento econômico do País, voltando para si ocontrole do movimento, tutelando-o por cincodécadas.

Devido aos altos e baixos ocorridos noséculo 20, o cooperativismo acabou sofrendo uma

Fig. 1. Número de cooperativas, de associados e de empregados por ramo de atividade.

Base: Dezembro/2004

Fonte: Organização das Cooperativas Brasileiras (2004b).

Page 73: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 72

grande crise, começando a ser definitivamentesuperada, após a criação da Organização dasCooperativas Brasileiras (OCB), na década de1970.

Para que a OCB fosse criada, as entidadesdo cooperativismo brasileiro da época, a AliançaBrasileira de Cooperativismo (Abcoop), em SãoPaulo, SP, e da União Nacional das Associaçõesde Cooperativas (Unasco), no Rio de Janeiro, RJ,sendo ambas criadas em 1956, representando ocooperativismo brasileiro até 1969, assinaram em1967, no Rio de Janeiro, RJ, um protocolo quevisava à criação de uma entidade de cúpula, deâmbito nacional, para a representar e defenderocooperativismo brasileiro.

Em 2 de dezembro de 1969, durante o IVCongresso Brasileiro de Cooperativismo, em BeloHorizonte, MG, foi aprovada a criação daOrganização das Cooperativas Brasileiras (OCB),pelas assembléias gerais das duas entidadesanteriormente representativas do cooperativismo,antes da assinatura do IV Congresso Brasileiro,sendo registrada no dia 8 de junho de 1970, pormeio da Lei nº 5.764 de 16/12/71, passando a serreconhecida sua existência e institucionalizandoo Sistema de Representação do CooperativismoBrasileiro.

Em 1976, a OCB assinou um convênio como Instituto Nacional de Colonização e ReformaAgrária (Incra), sendo renovado anualmente, paraapoio financeiro a serviços desenvolvidos na OCBe nas Unidades Estaduais da OCB, o que possibi-litou a contratação de 36 técnicos para aelaboração de projetos, assistência contábil,administrativa e gerencial a cooperativas,orientação para a constituição de cooperativas,estudo de viabilidade econômica e estudos dezoneamento, visando à integração vertical ehorizontal das cooperativas, capacitação, profis-sionalização e a autogestão das cooperativas.

Em 5 de outubro de 1988, com a promul-gação da Constituição Federal, as cooperativasconquistaram sua independência do Estado,deixando de depender da autorização do Incra,que também exercia poder de fiscalização sobretodas as cooperativas brasileiras. Proporcionando

a possibilidade de desenvolvimento da autogestão,tendo um grande crescimento do cooperativismona década de 1990. Ao acompanhar esseprocesso, o sistema foi se adequando para melhorrepresentar os setores que se desenvolviam.

Em 1998, foi criado o Serviço Nacional deAprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), cujapresidência é exercida pelo Presidente da OCB.A criação do Sescoop foi o cumprimento de umareivindicação antiga do Sistema OCB e promessaassumida pelo governo federal no XI CongressoBrasileiro sobre Cooperativismo, realizado emnovembro de 1997.

O Sescoop marcou, definitivamente, ocooperativismo brasileiro, realizando o sonho daautogestão cooperativa e tornando o coopera-tivismo verdadeiramente independente e pujante.A partir de sua criação, passaram a receber ascontribuições que antes eram recolhidas pelogoverno em benefício das instituições nacionais.Em 2000, durante o XII Congresso Brasileiro sobreCooperativismo, o Programa de Autogestão deCooperativas foi consolidado.

Em 2002, visando à unificação das coope-rativas do País, o Sistema OCB/Sescoop promoveue realizou em Brasília, DF, o I Seminário Tendên-cias do Cooperativismo Contemporâneo – VisãoEstratégica, com as principais lideranças docooperativismo brasileiro, no qual os participantespuderam definir, em plenária, as diretrizes docooperativismo brasileiro para os próximos anos.

Esse seminário teve como objetivo principal,propiciar o acesso ao conhecimento especializadosobre as tendências evolutivas do cooperativismocontemporâneo. A partir das discussões, pretende-se estabelecer uma agenda para o cooperativismobrasileiro que destaque o compromisso ouresponsabilidade do movimento cooperativista noprojeto de sua modernização pautada por quatrograndes tendências: a profissionalização da gestãoempresarial, a formação de redes intercoopera-tivas, o desenvolvimento da educação e daformação cooperativista e a responsabilidadesocial das organizações cooperativas.

Page 74: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200573

A realização do II Seminário Tendências doCooperativismo Contemporâneo – Agenda doCooperativismo Brasileiro aconteceu em Recife,PE, de 15 a 18 de dezembro de 2003. Na ocasião,foram apresentados e debatidos exemplos decooperativas que aplicam, com sucesso,as tendências definidas no I Seminário, realizadoem 2002.

A Agenda para o Cooperativismo Brasileiro,produzida durante o II Seminário Tendências doCooperativismo Contemporâneo, destaca ocompromisso e a responsabilidade do movimentocooperativista no Projeto de Autogestão referen-ciados às quatro tendências da sua modernização.

Para cada tendência, a agenda sinaliza ascorrespondentes práticas no cooperativismobrasileiro, exemplificadas nos casos de sucessoapresentados durante o II Seminário; sugere açõese atividades e relaciona o tipo de comprometi-mento e responsabilidade das organizações, dascooperativas e das lideranças na condução doprocesso de autogestão do cooperativismo aserem desenvolvidas no ano seguinte.

Em 2004, em Cuiabá, MT, foi realizado o IIISeminário Tendências do CooperativismoContemporâneo – Cooperativismo e EconomiaSocial: Fortalecendo a Identidade Cooperativa.

O cooperativismo é economia social, temcomo função das cooperativas oferecerem àsociedade oportunidade de incentivo a um sistemaeconômico diferente igualitário e justo, sendoalternativo para uma economia competitiva econcentradora de renda que marginaliza classessociais. Visando um desenvolvimento social,teremos que ter um crescimento econômico,geração e distribuição de renda, com oportuni-dades igualitárias de inserção no mercado e noemprego, função para qual as cooperativas sãouma estrutura de excelência.

Fortalecendo a identidade cooperativista,no seminário foram definidas ações para ofortalecimento, baseadas nos princípios de livreadesão, gestão democrática pelos sócios;participação econômica eqüitativa; autogestão;educação e informação; intercooperação; e

responsabilidade social. Destacam-se: diferenciaros serviços exclusivos aos associados (atocooperativo) e dos oferecidos a outrem (atocomercial); elaborar normas de conduta para acooperativa; equilibrar as decisões para atenderàs necessidades e capital de giro dos associadose da cooperativa; e fortalecer a estrutura dosramos de cooperativas em níveis nacional eestadual, para consolidar o processo de auto-gestão.

Mostrando que o cooperativismo substituia competição cega pela cooperação produtiva,se encaixa como uma ferramenta importante paraa aplicação da economia social. Apesar da euforiado crescimento, dados anuais do IBGE mostramque a participação da renda do trabalhador noPIB brasileiro caiu de 36,1% para 35,6%, entre2002 e 2003.

As ações cooperativistas beneficiam aspessoas que vivem do cooperativismo, tirandodele sua própria renda. Segundo a Relação Anualde Informações Sociais (Rais), enquanto a médiasalarial dos trabalhadores de estabelecimentosagropecuários não-cooperativos na RegiãoSudeste é de dois salários mínimos, as coopera-tivas têm uma média de 4,05 salários mínimos.

Em linhas gerais, o III Seminário Tendênciasdo Cooperativismo Contemporâneo apontou queas sociedades cooperativas dispõem de rendamaior do que estabelecimentos não-cooperados,o que proporciona, por extensão, melhorescondições de vida aos seus associados erespectivos empregados e mais dinamismoeconômico à região de influência da cooperativa.

O ramo agropecuáriodo cooperativismo

O ramo agropecuário é composto pelascooperativas de produtores rurais, agropastoris ede pesca, cujos meios de produção pertencemaos associados. É importante destacar que 1.398cooperativas agropecuárias encontram-se emfuncionamento e que 92% dos seus produtoresassociados são arrendatários ou possuem

Page 75: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 74

propriedades com até 100 ha, demonstrando,assim, a importância social desse tipo deempreendimento econômico.

Em 2004, esse segmento do cooperativismorepresentou 33% do PIB agrícola brasileiro. Emalguns estados de vocação eminentementeagrícola, como o Paraná, metade de toda a riquezaproduzida no campo é oriunda do sistemacooperativista. A Fig. 2 mostra a participação docooperativismo na produção dos principaisprodutos agrícolas brasileiros.

Fig. 2. Participação percentual do cooperativismo naprodução agrícola nacional. Base: dezembro/2004

Fonte:Organização das Cooperativas Brasileiras (2004b).

De acordo com a Tabela 1, do total dasexportações diretas por cooperativas, em 2004, ocomplexo soja foi responsável por 42% do totalexportado, seguido pelo açúcar e seus derivados,com 21%, os produtos de origem animal (carnes,lã, lácteos) com 19%, o café e demais produtos,cada um com 7%, e trigo com 4%.

Para dar suporte e agregar valor à produçãodo associado, as organizações cooperativas,nacional e estadual, executam diversas atividades,praticamente participando de toda a cadeiaagroindustrial, ou seja, atuam de forma intensa noprocesso de produção, beneficiamento, armaze-namento, industrialização e comercialização.Atuam, ainda, como importantes instrumentos dedifusão tecnológica e de assistência técnica,acesso ao crédito rural e programas de conser-vação de solo, manejo de pragas e meio ambiente.

Visando o aumento das exportaçõesmineiras, a Cooperativa Central de ProdutoresRurais (CCPR), dona da marca Itambé, estáampliando seus investimentos. Em 2004, essacooperativa concluiu aporte de R$ 42,6 milhõesna unidade em Sete Lagoas, MG, e em novembrodo mesmo ano, iniciou um projeto para instalarduas fábricas com investimento de R$ 200 milhõespara aumentar a participação em 50%, para 4,5milhões de litros de leite por dia. No mesmo ano,a Itambé exportou US$ 25 milhões, tendo comoparticipação 8% referente à receita total estimadaem R$ 1,15 bilhão, e em 2005, espera elevar esseíndice para 15%.

Tabela 1. Principais produtos exportados por cooperativas. Base: dezembro de 2003/2004.

Soja e derivadosAçúcar de canaProdução animalCaféDemais produtosTrigoTotal geral

Fonte: Secretaria da Receita Federal (SRF) e Sistema Alice/Secex/MDIC5.

2004 (a)US$

850.341.799412.600.090379.309.017133.745.531143.880.723

83.416.6042.003.293.765

Produtos2003 (b)

US$

581.112.361274.968.087253.128.856

82.516.119108.056.045

4.675.9001.304.457.368

Variação (%)a/b

4650506233

1.68454

Participação% Ano 2004

422119

774

100

Além do mercado nacional, as cooperativasagropecuárias também têm participação potencialnas exportações. Dados fornecidos pela Secretariada Receita Federal (SRF) indicam que as expor-tações diretas das cooperativas tiveram, em 2004,um aumento da ordem de 53%, em relação a2003, passando de US$ 1.304 milhões paraUS$ 2.003 milhões.

5 Bases de dados de acesso restrito.

Page 76: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200575

Já a Cooperativa Mista dos ProdutoresRurais do Sudoeste Goiano (Comigo), em 2004,investiu R$ 65 milhões, numa esmagadora de soja,três armazéns e um centro tecnológico, em Goiás.Ainda para 2005, a cooperativa estuda investirnum armazém em Santa Helena, GO, e numacaldeira de energia. A cooperativa estima faturarR$ 1 bilhão em 2005.

Por manterem estruturas de prestação deserviços de armazenamento e beneficiamento aosassociados, em 2004, as cooperativas agrope-cuárias mantinham um total de 2.685 unidadesde armazenamento que correspondiam a mais de18,4% do total do Brasil e aproximadamente23,6% da capacidade estática instalada no País,conforme a Tabela 2.

Tabela 2. Capacidade armazenadora das cooperati-vas agropecuárias.

Capacidade estática (mi t)A granelEnsacadosUnidades armazenadoras(quantidade)A granelEnsacados

Fonte: Conab – 20046.

Brasil

100,8 75,0 25,7 14.156 7.100 7.056

ProdutosCooperativas

24,2 19,3 4,8 2.685 1.335 1.350

23,6%25,5%18,7%18,4%19,0%18,4%

Compromisso para odesenvolvimento docooperativismo agropecuário

O sistema cooperativista brasileiro buscaum plano plurianual de desenvolvimento, que vemser inserido no contexto geral da políticaeconômica e social do País, objetivando garantira sustentabilidade da atividade rural de seusassociados, a segurança alimentar da populaçãoe a geração de excedentes exportáveis.

À OCB, cabe um papel fundamental noprocesso como agente indutor e facilitador, para:

6 Base de dados de acesso restrito.

• Desenvolver a sustentabilidade econô-mica, social e ambiental do associado.

• Elevar a renda e as oportunidades deemprego no meio rural e na comunidadeonde a cooperativa está inserida.

• Ampliar a participação das cooperativasbrasileiras no mercado mundial.

• Atender ao crescimento da demandainterna de alimentos, proporcionando asegurança alimentar da população, a partirda industrialização regional da produçãonacional.

• Melhorar a organização sistêmico-cooperativista agropecuária e a ampliaçãoda atuação dos produtores rurais ao longodas cadeias de produção e do abaste-cimento, agregando valor à produçãoprimária e levando ao consumidor produtoscompetitivos e de qualidade.

Para tanto, algumas ações de apoio ao setorsão necessárias:

a. Política de agroindustrialização dascooperativas

• Manutenção do Programa de Desen-volvimento Cooperativo para Agregaçãode Valor à Produção Agropecuária (Prode-coop), ampliando-se as dotações derecursos de forma progressiva.

•Agilização da liberação dos recursos paraatender aos projetos já apresentados aosagentes financeiros pelas cooperativas.

b. Capitalização das cooperativas

O cooperativismo necessita de um impulsode capital, para que venha, cada vez mais, a seposicionar como braço de apoio às políticas dogoverno para o incremento da geração deemprego e renda no Brasil

Assim, é importante que se estruture umprograma que vise o fortalecimento do coope-rativismo, mediante a implementação de açõesque permitam a alavancagem do sistema, entreas quais destacamos a capitalização dos

Page 77: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 76

associados nas suas cooperativas e das própriascooperativas.

c. Cooperativismo de crédito

As cooperativas de crédito rural estãodesempenhando um papel fundamental naconcessão de crédito para a produção agrope-cuária em muitas regiões. Elas são o principalagente financeiro no crédito rural.

As normas atuais não permitem que essascooperativas repassem recursos do Fundo de Am-paro ao Trabalhador (FAT), apenas pelos agentesoficiais.

Visando a melhoria do setor, é necessário:

• Ampliar e garantir as dotações orçamen-tárias para os bancos cooperativos opera-rem com recursos equalizáveis do TesouroNacional.

• Permitir que os bancos cooperativosrepassassem recursos do FAT para o custeioe a comercialização, como ocorre com osrecursos do Fundo Nacional do Café(Funcafé).

• Permitir a livre associação nos meios rurale urbano, independente mente do tamanhodo município.

• Permitir a captação de poupança porcooperativas urbanas.

d. Seguro rural

A maior parte da produção agrícolabrasileira é viabilizada pelos produtores rurais,com total exposição de suas aplicações aosrigores do clima e dos prejuízos que daí possamocorrer. O elevado risco incidente sobre o setorrural faz com que o seguro da produção rural paraalgumas atividades fique muito elevado, inviabi-lizando o acesso aos interessados. Visandominimizar essa situação, é necessário:

• Criar o Fundo de Catástrofe do SeguroRural, destinado a fazer frente às perdas decor-rentes de fenômenos naturais generalizados.

• Existe a necessidade do seguro rural seramplamente implantado, amparando as regiõese os produtos agropecuários.

• Fortalecer o Fundo de Estabilidade doSeguro Rural (FESR), e revendo as normas decontribuição, para que haja maior participaçãodas companhias e dos mutuários.

• Precisa aprovar a reincorporação dosrecursos financeiros do FESR após cada exercíciofinanceiro, para fins de autorização de empenhoe pagamento, uma vez que as despesas do FESRsão de natureza obrigatória.

• Estimular a formação de fundos privadose de cooperativas de seguro, para garantia deeventos, por meio do gerenciamento dos recursoscaptados dos participantes, administração deriscos, monitoração das operações e pagamentodas indenizações, com garantia do resseguro paraa carteira a ser formada.

e. Programa de apoio às exportações dascooperativas

É preciso que haja interação do governocom a iniciativa privada na melhoria da infra-estrutura de exportação, abertura de novosmercados e combate à prática desleal decomércio. Além disso, é importante a criação deum pensamento estratégico exportador, para sefomentar a cultura exportadora de produtos doagronegócio. Para isso, o cooperativismo buscacom o governo e com o setor privado:

• Criar linha específica de crédito paraexportação das cooperativas brasileiras.

• Constituir, nos estados, Centros de Apoioao Exportador, com a participação dascooperativas.

• Coordenar a participação de cooperativase de empresas brasileiras em feiras inter-nacionais.

• Alocação de adidos agrícolas nas embai-xadas do Brasil, no exterior.

ConclusãoA economia social praticada pelo coopera-

tivismo não se resume somente aos benefíciosdiretos proporcionados aos seus associados. Acontribuição do sistema vai muito mais além, a

Page 78: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200577

ponto de se constituir um instrumento capaz deprover a população de serviços básicos, comosaúde, crédito, educação, trabalho e infra-estrutura, aumentando sua renda per capita, opoder de consumo, investimento e melhorescondições de vida para seus associados eempregados.

Desde o princípio, foi o caráter socialque inspirou o surgimento das cooperativas, maso econômico que tem gerado os benefícios diretose indiretos para os associados e para ascomunidades de influência cooperativista,

proporcionando crescimento, desenvolvimento,redução da exclusão social, trabalho e renda. Emsuma, o resultado social depende da aplicaçãodos meios econômicos.

ReferênciasOrganização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Ocooperativismo brasileiro: uma história. Brasília, DF: VersãoBr Comunicação e Marketing, 2004a. 150 p.

Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Relatóriode atividades. Brasília, DF: HMP, 2004. 60 p.

Page 79: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 78

O Programa de Aquisição de Alimentos(PAA), instituído pela Lei 10.696, de 2 de julho de2003, surge enquanto uma ação estrutural doPrograma Fome Zero, que busca vincular o apoioà comercialização da agricultura familiar àformação de estoques estratégicos e aoatendimento àa pessoas em situação de riscoalimentar, disponibilizando alimentos produzidospor agricultores familiares e adquiridos pelogoverno federal, para o consumo de populaçõesatendidas por programas sociais.

Um dos aspectos inovadores desseinstrumento de política pública consiste no esforçopor integrar, não apenas em sua concepção, mastambém nos aspectos práticos de sua operacio-nalização, dimensões relacionadas tanto à políticaagrícola como à política de segurança alimentare nutricional.

Enquanto um mecanismo de apoio à comer-cialização, o PAA incide sobre uma dimensãoestratégica para o desenvolvimento da agricul-tura familiar, ou seja, as relações que esses produ-tores estabelecem com o mercado, buscando umprocesso de transferência de renda centrado napromoção da atividade produtiva.

Enquanto um componente da política desegurança alimentar e nutricional, o programa

Aquisição de alimentosda agricultura familiarIntegração entre políticaagrícola e segurançaalimentar e nutricional

Claudia Job Schmitt1

1 Claudia Job Schmitt. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Assessora da Diretoria de Logística e Gestão Empresarial daCompanhia Nacional de Abastecimento (Conab).

procura colocar em prática uma série de dire-trizes ratificadas pela II Conferência Nacional deSegurança Alimentar, realizada em Olinda, PE,em março de 2004, e que têm o direito humano auma alimentação saudável enquanto princípioarticulador.

O presente artigo busca contribuir para umesforço mais abrangente de sistematização e dereflexão acerca da experiência desenvolvida peloPAA em seu período inicial de operacionalização.Inicialmente, resgata um pouco da trajetória quedeu origem à criação do programa, analisando,a seguir, alguns dos princípios que orientaram aimplantação dessa iniciativa.

Na seqüência, são discutidos alguns dosresultados gerados pelo PAA durante os exercíciosde 2003 e 2004. Apresenta-se, por fim, nasconsiderações finais, uma breve reflexão acercados desafios que se colocam para o programa emsua etapa atual de consolidação.

Programa de Aquisição deAlimentos: um breve histórico

O Programa de Aquisição de Alimentossurge ainda no primeiro ano do Governo Lula,num contexto fortemente marcado pelo esforço

Page 80: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200579

de implantação de um conjunto abrangente depolíticas de combate à fome e à exclusãosocial, que ganham expressão pública por meiodo Programa Fome Zero.

Enquanto proposta de política de segu-rança alimentar para o Brasil, apresentada paradebate público em outubro de 2001, o projetoFome Zero foi elaborado pelo Instituto daCidadania, durante quase 1 ano de trabalho,num processo de construção que contou com aparticipação de representantes de organizaçõesnão-governamentais, institutos de pesquisa,sindicatos, organizações populares, movimen-tos sociais e especialistas ligados à questão dasegurança alimentar de todo o Brasil, coor-denado por José Graziano da Silva, que, poste-riormente, tornar-se-ia o titular do MinistérioExtraordinário de Segurança Alimentar eCombate à Fome, criado no primeiro ano doGoverno Lula.

Em sua versão final, o documento abordaa problemática da segurança alimentar enutricional no Brasil em pelo menos quatrodimensões: (i) procura explicitar o conceito desegurança alimentar e nutricional que orientao Projeto Fome Zero; (ii) apresenta um diag-nóstico do problema da fome no Brasil,avaliando os diversos programas de políticapública com foco na questão da alimentação enutrição em execução no País; (iii) define opúblico beneficiário do Fome Zero, estimadoem aproximadamente 44 milhões de pessoas,pertencentes a 9,3 milhões de famílias,residentes nas regiões metropolitanas (20,4% dototal), em áreas urbanas não-metropolitanas(34,1% do total) e nas áreas rurais (45,5% do total);(iv) sistematiza um conjunto de propostas visandoa estruturação de uma política integrada desegurança alimentar e combate à fome2.

É importante destacar que o diagnósticotraçado pelo Fome Zero vincula o problema dafome no Brasil atual não a um problema de faltade oferta de alimentos mas, à questão do

acesso das populações de baixa renda a essesalimentos:

Em síntese, a questão da fome no Brasil tem,nesse início do século XXI, três dimensõesfundamentais: a insuficiência de demanda,decorrente da concentração de renda existenteno País, dos elevados níveis de desemprego esubemprego existentes e do baixo poderaquisitivo dos salários pagos à maioria daclasse trabalhadora; a incompatibilidade dospreços atuais dos alimentos com o baixo poderaquisitivo da maioria da população; e a terceira,não menos importante, a exclusão daquelaparcela da população mais pobre do mercado,muitos dos quais trabalhadores desempre-gados ou subempregados, velhos, crianças eoutros grupos carentes, que necessitam de umatendimento emergencial.3

Seguindo essa mesma linha de raciocínio,o documento avalia que a incorporação ao mer-cado de consumo dos segmentos da populaçãoexcluídos do mercado de trabalho e ou comrenda insuficiente para garantir uma alimen-tação digna a suas famílias dependerá de umaintervenção, por parte do Estado, visando: (i)ampliar a demanda de alimentos por parte dapopulação em situação de vulnerabilidadesocial; (ii) incentivar o crescimento da ofertade alimentos baratos, por meio do apoio àagricultura familiar, do incentivo à produçãopara o autoconsumo e de um conjunto demedidas de política agrícola que tenham asegurança alimentar e nutricional da populaçãoenquanto um objetivo estratégico e, (iii)implantar programas emergenciais para atendi-mento daquela parcela da população excluídado mercado de trabalho.

Para isso, torna-se necessária aimple-mentação de um conjunto intersetorial depolíticas, algumas de caráter emergencial,outras de cunho estrutural, capazes de garantir,por um lado, o aumento da disponibilidade dealimentos a baixos preços, por outro, maioracesso da população vulnerável a uma alimen-tação saudável.

2 Ver: INSTITUTO DA CIDADANIA. Projeto Fome Zero: uma proposta de política de segurança alimentar para o Brasil. Ipiranga, SP: Instituto da Cidadania, outubrode 2001. 118 p.

3 INSTITUTO DA CIDADANIA, op.cit., p. 81.

Page 81: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 80

O esquema de intervenção proposto peloProjeto Fome Zero busca incidir tanto sobre onível micro (domiciliar ou local) como sobre onível macro, incorporando o objetivo dasegurança alimentar enquanto parte de umaestratégia permanente de desenvolvimentoeconômico e social4. Para isso, identifica trêsníveis distintos de ação governamental:

i. as políticas estruturais que buscamaumentar a renda das famílias, universalizardireitos sociais, diminuir a desigualdade derenda e propiciar o acesso à uma alimen-tação de qualidade. Estão incluídas, nestacategoria, as políticas de geração deemprego e renda, a previdência socialuniversal, o incentivo à agricultura familiar,a reforma agrária e os programas de rendamínima;

ii. as políticas específicas, nas quais encon-tram-se elencadas diferentes propostas eprogramas com foco na alimentação enutrição, como o cartão alimentação, aampliação e redirecionamento do Programade Alimentação do Trabalhador (PAT), asdoações de cestas de alimento em caráteremergencial, o combate à desnutriçãomaterno-infantil, a manutenção de estoquesde segurança, a melhoria e ampliação dosprogramas de alimentação escolar, entreoutras;

iii. as políticas locais, a serem implantadaspelos estados e municípios, em parceriacom a sociedade civil, incluindo programaslocais de abastecimento, estruturação derestaurantes populares e de bancos dealimentos, ações de estímulo à agriculturaurbana, entre outras.

A relação existente entre o fortalecimentoda agricultura familiar, identificada enquanto umapolítica de caráter estruturante, e a cons-truçãode uma política nacional de segurança alimentare nutricional, aparece claramente explicitada nodocumento original do Fome Zero:

Especificamente na área agrícola, énecessário estabelecer uma política agrícolaque favoreça de fato a agricultura familiar.Associadas a esta, propõe-se iniciativas voltadaspara o aumento do valor agregado e a melhoriada qualidade dos produtos oriundos da agricul-tura familiar. Essa é uma forma de promoveratividades econômicas em bases eqüitativas,ampliar a oferta de alimentos que expressam adiversidade de hábitos de consumo e induzir aconcorrência em mercados controlados porgrandes corporações alimentares.5

Já aqui, aparece a referência ao chamadomercado institucional, englobando as comprasgovernamentais de alimentos a serem utilizadosem programas e organismos públicos, enquantoum potencial instrumento de promoção daagricultura familiar:

(...) um dos grandes estrangulamentos porque passa a produção familiar hoje no Paísé a falta de mercado para seus produtos,especialmente os alimentos, dada a forterestrição do poder de compra dos salários,em especial do salário mínimo. Para atenuaressa restrição, o Projeto Fome Zero propõeque as prefeituras e os governos estaduais efederal usem, sempre que possível, seupoder de compra derivado da demandainstitucional (para a merenda escolar,creches, hospitais, quarteis e restaurantespopulares, etc.) em favor dos agricultoresfamiliares da região. É necessário ressaltarque a Lei 8.666/03, ou a Lei de Licitações,tem um forte poder restritivo à autonomiados orgãos municipais em realizar comprasdiretas de produtores familiares e pequenasagroindústrias (...) É necessário modificar aLei para favorecer a compra local dealimentos advinda da produção familiar ede pequenas agroindústrias, de organiza-ções de agricultores, ou de projetos comuni-tários associados a objetivos sociais, o quenão se contapõe à necessidade de comprasa baixo custo.6

Passadas as eleições, o Fome Zero tornar-se-á um componente importante do programado governo eleito. As políticas de combate àfome e promoção da segurança alimentar e

4 Ver: INSTITUTO DA CIDADANIA, op.cit., p .9.5 Ver: INSTITUTO DA CIDADANIA, op. cit., p. 39.6 Ver: INSTITUTO DA CIDADANIA, op. cit. ,p. 97.

Page 82: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200581

nutricional da população serão incorporadas àsdiretrizes de ação do governo federal, expressasno Plano Plurianual 2004/2007.

No documento intitulado OrientaçãoEstratégica de Governo7, redigido com basenum amplo processo de consulta à sociedadecivil organizada, ocorrido durante o primeirosemestre de 2003, a relação existente entre ofortalecimento da agricultura familiar e aimplantação de uma política nacional desegurança alimentar aparece assim explicitada:

O grande objetivo da Política Nacional deSegurança Alimentar é garantir o direito àalimentação, como parte dos direitosfundamentais do ser humano. Para tanto, serãointegradas as ações estruturais, voltadas aocombate das causas da fome, com as açõesemergenciais, de ampliação do acessoimediato à alimentação. A meta é garantir asegurança alimentar para toda a população.A ênfase estrutural da ação de governo sebaseia na articulação de ações que promovama geração de renda e de oportunidades dedinamizar as economias locais de formasustentável, estimulando a demanda poralimentos, combinada com aquisições desafras e fomento à agricultura familiar.

São mencionados ainda, enquanto dire-trizes da ação governamental, entre outrositens: (i) a garantia de acesso a alimentos, emquantidade e qualidade, aos grupos sociais emsituação de risco alimentar; (ii) o incentivo, deforma sustentável e com ganhos progressivosde produtividade, à produção e comercializaçãode alimentos básicos; (iii) a valorização dascaracterísticas regionais no consumo e noabastecimento alimentar em âmbito local; (iv) adisponibilização de financiamentos em volume econdições adequadas à sustentabilidade daagricultura familiar e dos pequenos negócios; (v)a priorização da aquisição de alimentosprovenientes da agricultura familiar.

A vinculação existente entre as políticasde fortalecimento da agricultura familiar e aquestão da segurança alimentar seria reafir-mada, posteriormente, noutro momento impor-tante de debate e formulação de políticaspúblicas ocorrido ainda durante o primeiro anodo Governo Lula, ou seja, nas discussões doPlano Safra da Agricultura Familiar 2003/2004.

Os debates referentes às diretrizes do PlanoSafra da Agricultura Familiar 2003/2004 tiveramlugar ainda durante o primeiro semestre de 2003,envolvendo um Grupo Técnico Interministerial eo Grupo Técnico do Conselho Nacional deSegurança Alimentar e Nutricional (Consea).

Concebido enquanto uma ação integradaaos projetos e diretrizes do Programa Fome Zero,o Plano Safra da Agricultura Familiar 2003/2004,entendido enquanto “um capítulo do Plano Safrageral da agropecuária brasileira”8, buscouincorporar, ao conjunto de instrumentos de políticaagrícola, tradicionalmente utilizados no plane-jamento da safra anual (crédito, seguro agrícola,preços mínimos, formação de estoques), umconjunto de diretrizes de desenvolvimento agrárioe segurança alimentar.

O documento intitulado Diretrizes deSegurança Alimentar e DesenvolvimentoAgrário ao Plano Safra 2003/20049, elaboradopelo Grupo Técnico Interminsterial e pelo GrupoTécnico do Consea, embora reconhecendo oslimites de um Plano Safra, restrito em seusobjetivos em função de seu próprio horizontetemporal, ou seja, uma única safra, buscaestabelecer as bases de uma estratégia maisabrangente de segurança alimentar e desenvol-vimento agrário, propondo mecanismos visando“fomentar a produção dos agricultoresfamiliares e assentados da reforma agrária, emresposta à demanda de alimentos subven-cionada pelo Programa Fome Zero”10.

7 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Plano Plurianual 2004-2007. Brasília, DF,2003. Anexo I. Orientação Estratégica de Governo. p. 30.

8 DIRETRIZES de Segurança Alimentar ao Plano Safra 2003/2004: recomendações do Consea. Brasília, DF: Consea; Ipea, 2003. ,., p. 4. Documento elaboradopor um Grupo de Trabalho do Consea, coordenado por Plínio de Arruda Sampaio, e outro Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pelo pesquisador doIpea, Guilherme Costa Delgado. Digitado.

9 DIRETRIZES... op. cit.10 DIRETRIZES ... op.cit.., p. 10.

Page 83: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 82

Esse acréscimo na demanda, estimado,em termos físicos, em 475,6 mil toneladas dearroz, 106,8 mil toneladas de feijão, 477,6 miltoneladas de trigo, 275, 1 mil toneladas defrango, entre outros produtos, surge enquantouma decorrência da elevação da renda-consu-mo de alimentos, em função das transferênciasde renda realizadas por meio do cartão-alimentação.

Assim, o texto apresentado ao Consea pro-põea criação de mecanismos capazes de vincular a

(...)subvenção ao consumo de alimentos(acesso) à produção desses alimentos(provisão), pelo setor produtivo agrário commaiores problemas de produção, comercia-lização e emprego de recursos produtivos –a agricultura familiar e os assentados dareforma agrária.11

por meio da aquisição, pelo governofederal, de alimentos produzidos pela agricul-tura familiar a serem destinados ao atendimentodas iniciativas de subvenção ao consumo,implantadas no âmbito do Programa Fome Zero.

Alguns meses depois, como resultado de umesforço conjunto que envolveu o Consea, oMinistério Extraordinário de Segurança Alimentare Combate à Fome (Mesa), o Ministério doDesenvolvimento Agrário (MDA), o Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) –por meio da Conab – e o Ministério do Plane-jamento, Orçamento e Gestão – por meio doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),entre outros atores, seriam publicados a lei e odecreto que hoje regulamentam o Programa deAquisição de Alimentos (PAA).

PAA: concepção geral, princípios emecanismos de operacionalização

O Programa de Aquisição de Alimentosbusca atender a um segmento da agriculturanacional caracterizado, em nível das políticaspúblicas, enquanto uma categoria específica deprodutores, os agricultores familiares12.

Esse segmento engloba um universocomposto por 4,1 milhões de estabelecimentosagrícolas, ou seja, 85% do número total deunidades de produção agropecuária existentesno País, sendo responsável por 37,9% do ValorBruto da Produção (VBP) da agricultura brasileirae 76,9% do pessoal ocupado na agricultura13.

Pesquisa recente, realizada pela Fipe/USP, constatou que em 2003, o PIB das cadeiasprodutivas da agricultura familiar chegou aalcançar R$ 156,6 bilhões, ou seja, 10,06% doPIB nacional, mantendo uma participaçãoimportante na geração da riqueza no País14.

No entanto, cabe observar que as trans-formações ocorridas nas últimas décadas, e queconduziram o País de uma “economia fecha-da”, baseada num modelo de substituição deimportações, para uma “economia aberta”, nãoapenas do ponto de vista comercial, mastambém, em termos tecnológicos e financeiros,impactaram fortemente as condições econô-micas e sociais de reprodução das unidadesprodutivas familiares nas diferentes regiões doPaís, desencadeando inúmeras pressões sobreas condições de vida dessa parcela da popula-ção rural.

11 DIRETRIZES ... op.cit.., p. 10.12 Segundo o Manual do Crédito Rural do Plano Safra da Agricultura Familiar 2004/2005, são beneficiários do Crédito Rural do Programa Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Familiar (Pronaf) os produtores rurais, inclusive remanescentes de quilombos e indígenas, que atendam aos seguintes requisitos: (i) sejamproprietários, posseiros, arrendatários, parceiros ou concessionários da Reforma Agrária; (ii) residam na propriedade ou em local próximo; (iii) detenham, sobqualquer forma, no máximo quatro módulos fiscais de terra, quantificados conforme a legislação em vigor, ou no máximo seis módulos quando tratar-se depecuarista familiar; (iv) tenham o trabalho familiar como base da exploração de seu estabelecimento. Em nível das políticas públicas, essa é a definição deagricultor familiar institucionalmente aceita e que abarca distintos segmentos da população rural, incluindo pequenos agricultores, assentados da reformaagrária, agroextrativistas, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, entre outros. Ver: PRONAF. Manual do Crédito Rural do Plano Safra da AgriculturaFamiliar 2004/2005. p. 6. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br/plano_safra/2004_05/docs/manual.doc>. Acesso em: 25 abril 2005.

13 Estimativa feita com base nos dados do Censo Agropecuário 1995/1996. . Ver: Novo retrato da agricultura familiar: o Brasil redescoberto. Brasília, DF: Incra:FAO, 2000. 74 p.

14 PIB das cadeias produtivas da agricultura familiar. Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe); Ministério do Desenvolvimento Agrário; Núcleo deEstudos Agrários e Desenvolvimento Rural (Nead). Dezembro de 2004. Disponível em: <www.fomezero.gov.br/download/PIB_Agricultura_Familiar.pdf>. Acessoem: 24 jun. 2005.

Page 84: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200583

A análise comparativa dos Censos Agro-pecuários 1985 e 1995/1996 registra, por exem-plo, o desaparecimento de mais de 900 milestabelecimentos agrícolas, cultivados, na suagrande maioria, por agricultores familiares15.

Segundo informações recolhidas peloCenso Demográfico de 2000, 5 milhões defamílias rurais viviam com menos de doissalários mínimos mensais no período do recen-seamento16. Como já foi mencionado anterior-mente, em que pese a incidência de um gravequadro de insegurança alimentar nas áreasurbanas, metropolitanas e não-metropolitanas,46,1% das 44 milhões de pessoas identificadasenquanto potenciais beneficiários do ProgramaFome Zero, (15.012 milhões de pessoas) e queem 1999, recebiam menos de US$ 1,08 por dia,residiam em áreas rurais17.

Estudo realizado por Homem de Meloacerca dos impactos do processo de liberalizaçãocomercial sobre os diferentes segmentos deprodutores agropecuários aponta, entre 1989 e1999, para uma redução de 4,74% ao ano nospreços recebidos pelos agricultores familiares –calculada com base numa lista de 12 produtosidentificados como característicos da agriculturafamiliar. A redução dos preços recebidos por essacategoria de agricultores (-4,74%) foi significa-tivamente maior do que a queda dos preçosrecebidos pela agricultura patronal (-2,56%),calculada para o mesmo período com base numalista de dez produtos considerados como sendorepresentativos desse setor18.

As potencialidades da agricultura familiarna geração de emprego e renda, na produção dealimentos básicos e no fortalecimento dasegurança alimentar e nutricional das populaçõesrurais têm sido, no entanto, crescentemente

percebidas, tanto em nível governamental comona sociedade como um todo.

A partir de 1995, com a criação doPrograma Nacional de Fortalecimento daAgricultura Familiar (Pronaf), será instituído,pela primeira vez na história do País, um progra-ma de política pública direcionado especifica-mente à agricultura familiar, tendo, como princi-pal foco de atuação, a disponibilização derecursos de custeio e investimento em condi-ções de financiamento diferenciadas para osagricultores familiares (incluindo juros, prazose rebates).

Posteriormente, o Pronaf avançaria, naestruturação de um conjunto mais amplo de linhasde apoio, destinadas a ações de capacitação eassistência técnica, agregando, mais recen-temente, uma modalidade inovadora de seguro-renda destinada à agricultura familiar.

A criação do PAA, em julho de 2003,sinaliza um novo estágio no que se refere àspolíticas de fortalecimento da agriculturafamiliar, particularmente no que diz respeito àquestão da comercialização em sua relaçãocom as temáticas do abastecimento e dasegurança alimentar e nutricional.

Ao instituir instrumentos de aquisiçãobaseados em preços de referência diferenciadospara a agricultura familiar, o PAA cria ascondições necessárias para que o Estado possaatuar no mercado de produtos agrícolas,exercendo não apenas um efeito reguladorsobre os preços regionais, mas dando umtratamento diferenciado para os agricultoresfamiliares, buscando reforçar sua autonomia emrelação aos chamados “atravessadores” efortalecendo sua posição frente aos diferentesagentes de mercado.

15 Ver: HOFFMANN, R.; SILVA, J. G. O Censo Agropecuário de 1995/1996 e a distribuição da posse da terra no Brasil. Disponível em: <www.eco.unicamp.br/nea/urbano/textos/congrsem/sober3-99html>. Acesso em: 20 jul. 2005. Este dado é relativizado em sua magnitude, pelos autores, em função das alteraçõesocorridas na metodologia de levantamento de dados utilizada pelo IBGE entre os dois censos. A tendência geral de redução no número total de estabelecimentos,com incidência mais forte nos estratos de áreas inferiores fica evidenciada no artigo.

16 Ver: IBGE. Censo Demográfico 2000. Disponível em: <www.ibge.gov.br> . Acesso em: 13 abr. 2004.17 INSTITUTO DA CIDADANIA. Projeto Fome Zero: uma proposta de política de segurança alimentar para o Brasil. Ipiranga-SP: Instituto da Cidadania, 2001. p.

71-78.18 Ver: HOMEM DE MELO, F. A liberalização comercial e a agricultura familiar no Brasil. In: COMÉRCIO internacional, segurança alimentar e agricultura familiar.

Rio de Janeiro: Rebrip: ActionAid Brasil, 2001. p. 9-44.

Page 85: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 84

É oportuno reforçar aqui, que muitos dosnovos mecanismos de aquisição desenvolvidosno âmbito do programa têm, como referência,modalidades de operação comercial efinanceira já praticadas em diferentes momen-tos, no contexto geral da política agrícolabrasileira, como as Aquisições do GovernoFederal – (AGFs), o Empréstimo do GovernoFederal com Opção de Venda (EGF – COV), oPRÉ – EGF, entre outras, e que foram adaptadas,no âmbito do programa, às característicasespecíficas do público da agricultura familiar.

Ao possibilitar a aquisição, sem licitação,por meio do mercado institucional, de produtosdestinados à formação de estoques estratégicose ao atendimento a populações em situação derisco alimentar, o PAA também passa apromover a estruturação de novos circuitos deabastecimento agroalimentar, ligando agricul-tores familiares (produtores) a grupos sociais emsituação de risco alimentar (consumidores),reforçando a segurança alimentar e nutricionaldas populações urbanas e rurais, tanto em nívellocal como num espaço territorial mais abran-gente.

Portanto, coloca-se em prática, por meio doprograma, uma nova abordagem no que diz respei-to às compras governamentais, que irão se consti-tuir enquanto uminstrumento de fortalecimento dacidadania e promoção do desenvolvimento.

Os recursos investidos pelo Estado naaquisição de alimentos, passam a gerarresultados econômicos e sociais importantes, aoserem canalizados para ações emergenciais eestruturantes no campo da segurança alimentare do abastecimento, perpassando os diferentesníveis de intervenção governamental previstosna proposta original do Programa Fome Zero:(i) o das chamadas políticas estruturantes, aoatuar enquanto um instrumento de sustentaçãode preços e garantia de renda aos produtoresfamiliares; (ii) o das políticas específicas, aogarantir a manutenção de estoques de segu-rança e o atendimento a programas específicos,como, por exemplo, a distribuição de cestas dealimentos a comunidades indígenas, quilom-

bolas, atingidos por barragens e populações emsituação emergencial; (iii) o das políticas locaisao propiciar, por meio do mecanismo de compracom doação simultânea, o atendimento acreches, escolas, restaurantes populares,bancos de alimentos e outros programas sociais.

Em seu estágio atual de implantação, o PAAjá conquistou alguns avanços importantes aodesdobrar uma concepção geral de apoio àcomercialização da agricultura familiar e desubvenção ao consumo de alimentos a populaçõesem situação de risco alimentar, num conjuntointegrado de instrumentos que hoje possibilitamao Poder Público realizar a aquisição da produçãofamiliar nos mais diferentes contextos sociais eprodutivos.

As aquisições são feitas pelo programa,respeitando um limite de até R$ 2.500,00 porfamília/ano, podendo ser efetuadas por seisdiferentes mecanismos: Compra Direta daAgricultura Familiar (Cdaf), Compra Antecipadada Agricultura Familiar (Caaf), Compra AntecipadaEspecial da Agricultura Familiar (Caeaf), Contratode Garantia de Compra da Agricultura Familiar(Cgaf), Compra Direta Local da AgriculturaFamiliar (Cdlaf) e PAA – Leite.

Os quatro primeiros mecanismos sãoexecutados pela Companhia Nacional de Abas-tecimento, por meio do convênio estabelecidocom o Ministério do Desenvolvimento Social eCombate à Fome (MDS) e os demais (CompraDireta Local da Agricultura Familiar e PAA – Leite)são operacionalizados pelo MDS por meio deconvênios estabelecidos com governos estaduaise municipais. A descrição de cada um dessesmecanismos pode ser melhor visualizada naTabela 1.

Atualmente, desse conjunto de seis meca-nismos, quatro encontram-se em execução(Compra Direta da Agricultura Familiar, CompraAntecipada Especial da Agricultura Familiar,Compra Direta Local da Agricultura Familiar ePAA – Leite), um encontra-se em processo dereavaliação (Compra Antecipada da AgriculturaFamiliar) e apenas um deles ainda não foioperacionalizado.

Page 86: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200585

Em seus dois primeiros anos de vida, o PAAfoi executado com recursos provenientes do Fundode Erradicação e Combate à Pobreza, regulamen-tados pela Lei Complementar no 111, de 2001 egestionados pelo MDS.

Enquanto agricultor familiar, a identidadedo produtor rural é assegurada por meio dodocumento Declaração de Aptidão ao Pronaf,emitido por entidades credenciadas peloMinistério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Tabela 1. Programa de aquisição de alimentos – Mecanismos de aquisição.

Compra Antecipada daAgricultura Familiar

Contrato de Garantia deCompra da AgriculturaFamiliar

Compra Direta daAgricultura Familiar

Compra AntecipadaEspecial da AgriculturaFamiliar

Mecanismo Descrição

Prevê a antecipação de recursos para o plantio, podendo seracessado por agricultores familiares enquadrados no Pronaf, nosgrupos A ao D19, incluindo agroextrativistas, quilombolas, assentadosda reforma agrária, famílias atingidas por barragens, trabalhadoresrurais sem terra acampados, comunidades indígenas e produtoresfamiliares em condições especiais, que não tiverem sidobeneficiados por crédito de custeio e que estejam necessariamenteorganizados em grupos formais ou informais. Os produtosamparados por esse instrumento são arroz, castanha de caju,castanha-do-brasil, farinha de mandioca, feijão, milho e sorgo.Esse mecanismo é operacionalizado pela Conab.

Garante o direito, mas não a obrigação, da venda da produçãofamiliar para o Estado, a um preço pré-determinado, a ser pagonuma data futura, sem qualquer desembolso por parte do agricultor.O contrato é feito no plantio e a data do vencimento coincide com acolheita. O mecanismo deverá possibilitar a comercialização dosseguintes produtos: arroz, castanha de caju, castanha-do-brasil,farinha de mandioca, feijão, milho e sorgo. Esse mecanismo éoperacionalizado pela Conab.

Possibilita, aos agricultores, a venda de alimentos para o Estado, apreços de referência (situados numa faixa intermediária entre opreço mínimo e o preço de mercado), calculados com base numametodologia desenvolvido pela Conab. Essas aquisições fazemparte de uma estratégia tanto de apoio à agricultura familiar como deconstituição de uma reserva estratégica de alimentos. Os produtosamparados por esse instrumento são arroz, castanha de caju,castanha-do-brasil, farinha de mandioca, feijão, milho, sorgo, leiteem pó integral e farinha de trigo. Esse mecanismo éoperacionalizado pela Conab.

Destina-se à aquisição de produtos de origem agropecuária ouoriundos do agroextrativismo provenientes da agricultura familiar,visando a formação de estoques ou a doação simultânea apopulações em situação de risco alimentar atendidas por programassociais de caráter governamental ou não-governamental. Osbeneficiários produtores deverão estar organizados em gruposformais e enquadrar-se nos critérios estabelecidos pelo programa.Nos casos de doação simultânea, a entrega dos produtos deveobedecer a um cronograma de entregas, apresentado na Propostade Participação. O controle social dessas doações deve se dar pormeio do envolvimento do Conselho de Segurança Alimentar eNutricional (municipal ou estadual) ou por meio de organismosimilar. Esse mecanismo é operacionalizado pela Conab.

Continua19 Obs.: esse enquadramento é válido para o conjunto dos mecanismos do PAAs.

Page 87: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 86

Tabela 1. Continuação.

Compra Direta Local daAgricultura Familiar

PAA - Leite

Mecanismo Descrição

Visa promover a articulação entre a produção familiar e asdemandas locais de suplementação alimentar e nutricional dosprogramas sociais, viabilizando a aquisição de produtoscomercializados por associações, cooperativas e grupos informaisde agricultores, a serem distribuídos em creches, hospitais,restaurantes populares, entidades beneficentes e assistenciais.Esse mecanismo é operacionalizado pelo Ministério doDesenvolvimento Social (MDS), por meio de convênios com governosestaduais e municipais.

Busca assegurar o consumo de leite a gestantes, crianças, nutrizese idosos, por meio da aquisição da produção leiteira de agricultoresfamiliares com produção média diária de até 100 L de leite.A implantação do PAA – Leite encontra-se restrita, nesse primeiromomento, à área de atuação da Agência de Desenvolvimento doNordeste (Adene). Esse mecanismo é operacionalizado pelo MDS,por meio de convênios com os governos estaduais.

Além disso, estão sob a responsabilidade daConab, enquanto convenente do MDS, uma sériede tarefas relacionadas à aquisição, estocagem eposterior distribuição (por meio de vendas oudoações) dos produtos da agricultura familiaradquiridos por intermédio do programa.

Cabe ressaltar que uma das característicasimportantes do PAA é justamente seu caráterinterministerial. O Decreto 4.772, de 2 de julhode 2003, institui, para implementação do Programade Aquisição de Alimentos, um Grupo Gestorcomposto por representantes dos seguintes orgãos:Ministério da Fazenda, Ministério Extraordiário deSegurança Alimentar e Combate à Fome (vagaocupada, atualmente, pelo Ministério doDesenvolvimento Social e Combate à Fome),Ministério da Agricultura Pecuária e Abaste-cimento, Ministério do Planejamento Orçamentoe Gestão e Ministério do DesenvolvimentoAgrário20.

A própria arquitetura institucional, com basena qual se estrutura o PAA, traz consigo, o desafioda intersetorialidade, enquanto esforço deplanejamento e coordenação de ações, recursose prioridades, nos termos propostos pela

II Conferência Nacional de Segurança Alimentare Nutricional que, em seu documento final, apontaa articulação entre os diferentes setores dogoverno e destes com a sociedade civil enquantoum princípio fundador da Política Nacional deSegurança Alimentar e Nutricional.

Resultados alcançadosem 2003 e em 2004

O Programa de Aquisição de Alimentosiniciou suas ações em julho de 2003, dispondo,naquele primeiro ano de atividades, de umorçamento de R$ 400 milhões, alocados no Mesa.

A primeira compra feita pelo programaenvolveu a aquisição do feijão produzido pelosassentados do Assentamento Conquista daFronteira, situado na Fazenda Itamarati, emMato Grosso do Sul. Foram adquiridos, pelaConab, 233.340 kg de feijão beneficiado eempacotado, sendo que o preço pago aoprodutor foi de R$ 1,19 kg. A operação foirealizada diretamente com a AssociaçãoEstadual de Cooperação Agrícola e o feijão

20 Consea. Princípios e Diretrizes da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Textos de referência da II Conferência Nacional de SegurançaAlimentar e Nutricional. Brasília, DF, 2004. 80 p.

Page 88: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200587

adquirido foi distribuído para 25.930 famílias deacampados e de quilombolas.

No primeiro ano de operações (2003), aConab atendeu ao programa como um todo, noexercício de 2003, mais de 60 mil famílias, coma aplicação de cerca de R$ 164 milhões.

Em seu primeiro ano de atuação, a análisedo desempenho do PAA deve considerar o fatode que o programa só foi regulamentado emjulho daquele ano, por meio da publicação dosinstrumentos legais que possibilitaram suainstitucionalização. Por sua vez, o mecanismode Compra Antecipada da Agricultura Familiarsó pode ser executado a partir do final de outubro,em função da necessidade de aprovação, peloBanco Central, das normas que possibilitaram aaplicação das regras do Programa de Garantiade Crédito da Atividade Agropecuária (Proagro) aessas operações, dando cobertura às mesmas pormeio do seguro agrícola.

Mesmo considerando as dificuldadesnormalmente enfrentadas por qualquer progra-ma de política pública em seu primeiro ano deoperações, é possível constatar que em 2003,o PAA conseguiu avançar não apenas para aconstrução de uma institucionalidade jurídicaprópria (incluindo aí a lei, o decreto e uma sériede atos administrativos que possibilitaram acriação do programa), como também nanormatização e operacionalização dos meca-nismos de aquisição da produção familiaranteriormente descritos.

Em 2003, os alimentos adquiridos pelaConab beneficiaram 407.899 famílias atendidaspelos programas de abastecimento social(distribuição de cestas de alimento )21 e 138 milpessoas em situação de insegurança alimentar,atingidas pelo programa por meio do trabalhodesenvolvido por creches, escolas, asilos,cozinhas comunitárias e outros programas sociaisde abrangência local e regional, que receberamos alimentos adquiridos pelo governo federal/

Conab via mecanismo de Compra AntecipadaEspecial com Doação Simultânea.

Em 2004, por meio do PAA – Leite, o MDSrepassou aos governos estaduais, R$ 61,8milhões para aquisição do leite produzido poragricultores familiares em Minas Gerais e emestados do Nordeste, produto este que deve serdistribuído em 2005. Além disso, forambeneficiados, por meio do mecanismo deCompra Direta Local da Agricultura Familiar,aproximadamente 17 mil produtores, comrepasse de R$ 33,1 milhões, também por meiode convênios estabelecidos com estados emunicípios.

Por meio dos mecanismos de CompraAntecipada da Agricultura Familiar, da CompraDireta da Agricultura Familiar e da CompraAntecipada Especial da Agricultura Familiar, aConab atendeu 49.792 famílias de agricultoresfamiliares com um investimento de aproximada-mente R$ 107 milhões em aquisições (excluídosos gastos operacionais).

Nesse segundo ano de implantação doprograma, foram realizadas algumas açõesimportantes, como, por exemplo, a aquisição,nos meses de junho, julho e agosto, de cercade 12 mil toneladas de feijão, em Rondônia, aopreço de R$ 60,00 a saca. Foram beneficiados,ao todo, 6.300 agricultores familiares quevenderam para o governo, 28% do total da safrade feijão estimada para o estado. Este trabalhosó se tornou possível graças ao amplo conjuntode parcerias envolvendo tanto o Poder Públicocomo diferentes entidades da sociedade civil.

Foram apoiados, também, graças aomecanismo de Compra Antecipada Especial,inúmeros empreendimentos econômicosgestionados por agricultores familiares, comopor exemplo as cooperativas agroextrativistasresponsáveis pelo beneficiamento da castanha-do-brasil no Acre, as minifábricas de processa-mento de castanha de caju apoiadas pelaFundação Banco do Brasil, no Piauí e no Ceará,e diferentes cooperativas de produtores de leitee de grãos nos estados do Sul do Brasil.

21 O público atendido por meio da distribuição de cestas de alimentos é composto por acampados, quilombolas, indígenas, moradores atingidos por barragense populações em situação de emergência. O trabalho junto a este público vem sendo desenvolvido em articulação com outros organismos de governo,incluindo o MDS, o MDA-Incra e o MI – Secretaria Nacional de Defesa Civil. O percentual de produtos da agricultura familiar incluídos na composição das cestasvariou ao longo de 2003. Em setembro de 2004, o percentual de produtos da agricultura familiar incorporado às cestas em relação à demanda total em quilos,já era de 35%.

Page 89: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 88

Resumidamente, é possível dizer que, atéo momento, o PAA, por meio de seus diferentesmecanismos, tem servido como: (i) um instrumentode sustentação de preços e garantia de renda aosprodutores familiares, nas diferentes regiões doPaís, beneficiando com isso não apenas osagricultores familiares diretamente atendidos peloprograma mas, também, de forma indireta,milhares de outros produtores que são beneficiadospelos efeitos gerados por esse programa nocomportamento dos diferentes agentes demercado em nível regional; (ii) uma ferramentade fortalecimento econômico das associações ecooperativas de agricultores familiares e dereforço à sua capacidade de agregar valor aoproduto final; (iii) um estímulo à melhoria daqualidade dos alimentos produzidos pela agricul-tura familiar, que precisam atingir determinadospadrões para que possam ser adquiridos pelogoverno federal; (iv) um mecanismo de subven-ção ao consumo, ao oportunizar o acesso ao ali-mento a milhares de famílias atendidas pelos pro-gramas sociais; (v) um mecanismo de reforço àconstituição de circuitos locais de abastecimentoe de fortalecimento das economias regionais,encurtando distâncias entre a produção e acomercialização.

O PAA já se encontra em operação em 25diferentes Unidades da Federação, com uma de-manda em aquisições que vem seguindo, desdeo surgimento do programa, uma curva ascen-dente.

ConclusãoOs esforços desenvolvidos pelo atual

governo na implantação de uma política nacionalde segurança alimentar e nutricional tempossibilitado o surgimento de inovações de grandeimportância no campo das políticas públicas,permitindo a articulação entre as políticas defortalecimento da agricultura familiar e os objetivosestratégicos, estabelecidos pelo governo, nocampo do combate à fome e à desnutrição.

O PAA veio suprir uma lacuna até entãoexistente no que diz respeito ao apoio à comercia-lização da agricultura familiar, propiciando amilhares de pequenos agricultores o acesso a

mecanismos de sustentação de preços e de rendaque, até então, não atingiam a esse segmento. Temcontribuído, também, ao otimizar o atendimentoa uma série de demandas emergenciais decombate à fome existentes no País, uma vez quecada real investido no apoio à agricultura familiarresulta, também, um investimento no atendimentoemergencial à populações em situação de riscoalimentar.

Até o presente momento, o número deagricultores beneficiados pelo programa é aindabastante reduzido (inferior a 5%), se conside-rarmos o universo total de 4,1 milhões de unidadesprodutivas de base familiar existentes no País.

Contudo, ainda que a trajetória percorridapelo programa seja bastante recente, e que opúblico beneficiário do PAA ainda seja considera-velmente restrito, os resultados positivos geradospelas diferentes ações fomentadas pelo programajá começam a aparecer, refletindo-se numa de-manda crescente de acesso ao programa nas dis-tintas regiões do Brasil.

Assim, colocam-se, para o programa,alguns desafios que refletem, justamente, osavanços ocorridos em seu processo deimplantação. O primeiro deles refere-se aodescompasso atualmente existente entre ocrescimento do número de agricultores familiares– que buscam acessar o PAA – e a disponibilidadeorçamentária atual do programa. A compatibi-lização entre o fluxo de recursos financeiros aolongo do ano e o calendário agrícola impõe-se,também, como uma necessidade premente paraque o PAA, por seus diferentes mecanismos, possaaumentar a eficiência e a eficácia de sua atuação.

Cabe mencionar ainda, como um desafio,a necessidade de aprofundar os componentesde política agrícola e segurança alimentar enutricional que integram o programa, criandoalicerces cada vez mais sólidos para que essaarticulação possa, de fato, ocorrer tanto noplano mais geral de implementação do PAA,como em seus diferentes contextos deoperacionalização em nível local. Por fim, cabemencionar o desafio da intersetorialidade que,uma vez praticada, poderá reforçar a ligaçãoentre o PAA e as demais políticas direcionadasaos agricultores familiares e às populações emsituação de risco social, aumentando a efetivi-dade das ações governamentais.

Page 90: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200589

IntroduçãoA Organização das Nações Unidas para

Agricultura e Alimentação (FAO) publica dadossobre produção agrícola e pecuária, e sobre terrasagrícolas e de pastagens, mão-de-obra utilizadana agricultura, fertilizantes, sementes, tratores emáquinas colheitadeiras e efetivo animal. Esteartigo tem por objetivo utilizar esses dados paracalcular as taxas de crescimento na produtividadetotal dos fatores (PTF) na produção agrícola, naprodução animal e na produção agropecuáriaagregada em dois períodos: 1961/1980 e 1981/2001.

Evidentemente, esses cálculos têm limita-ções, decorrentes da natureza dos dados em quese baseiam. A primeira delas é que só foram com-putadas, aqui, as taxas de crescimento da PTF, enão se pode comparar os níveis da PTF entre paí-ses. A segunda e mais importante é que, neste arti-go, não foram feitos ajustes por mudanças na “qua-lidade” dos insumos (embora, o tenhamos feitode forma indireta). Os cálculos da PTF contidosneste artigo devem ser considerados cálculosbrutos.

Os cálculos brutos do crescimento da PTF,por terem uma qualidade padronizada, apre-

Crescimento daprodutividadetotal dos fatoresO papel do capital tecnológico1

Antonio Flavio Dias Avila2

Robert E. Evenson3

1 Este artigo faz parte do programa de pós-doutorado, desenvolvido no Economic Growth Center, da Universidade de Yale (New Haven, Connecticut, EstadosUnidos), em 2002/2003.

2 Pesquisador da Embrapa, Secretaria de Gestão e Estratégia, Embrapa.3 Professor do Departamento de Economia, Economic Growth Center, da Universidade de Yale.

sentam uma vantagem em relação aos cálculosque figuram na literatura. Foi aplicada umametodologia comum para calcular as ponde-rações da participação de todos os países, assimcomo um período comum a todos eles. O fato denão se terem realizado ajustes por qualidade dosinsumos também contribuiu para essa padroni-zação de cálculos.

Neste artigo, são detalhados os métodosusados nos cálculos; o resumo dos cálculos porregião; a classificação dos dois sentidos do capitaltecnológico (o capital de inovação e o capital deimitação); analisadas as mudanças no capitaltecnológico; relacionadas as taxas de crescimentoda PTF com o capital tecnológico. Foi incluídauma análise de decomposição estatística da PTF,que tem por finalidade identificar as origens docrescimento da PTF. Por fim, são apresentadas asconclusões.

MétodosOs índices de PTF podem derivar-se de

várias formas. A derivação menos restritivaprovém da relação contábil em que o valor dosprodutos é igual ao valor dos insumos usadospara produzir tais produtos.

Page 91: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 90

Derivação da relação contábil

Seja:

ΣPiQi = PQ = ΣRjIj = RI (1)

Em que Pi é o preço dos produtos, Qi asquantidades de produtos, Rj o preço dos insumose Ij as quantidades dos insumos. P e R são osvetores dos preços, Q e I, os vetores dos produ-tos e dos insumos.

Essa relação contábil requer simples-menteque os insumos, Ij, recebam pagamentos, Rj, queesgotam o valor total de produção (ΣPiQi). Issonão requer que todos os produtores sejamtecnicamente eficientes no sentido de queproduzam numa função de produção, nem queos produtores sejam eficientes em matéria dealocação.

Quando (1) se expressa em forma de “taxade crescimento”, a expressão resultante é:

i i j j

j ji i

i i j j

R IP QQ dt P dt I dt R dt

t t t t∑ ∑ ∑ ∑

∂ ∂∂ ∂+ = +∂ ∂ ∂ ∂

(2)

São divididas ambas as partes de (2) por

ΣPiQi e multiplicados os dois termos da direita

por Rj/Rj and Ij/Ij. Note-se que j j

j

j j

I RC

I R∑= é a

participação do fator j.

A taxa de crescimento numa variável sedefine como:

1ˆ j

j

j

II dt

I t

∂=

∂Em conseqüência,

ˆˆ ˆ ˆ ˆ ˆj j

j j j jP Q C R C I R I∑ ∑+ = + = +

quando a PTF é constante.

O crescimento residual da PTF pode entãomedir-se de duas formas equivalentes, numaeconomia fechada em equilíbrio competitivo:

ˆ ˆTFP

G R P= − (3)

e

ˆ ˆTFP

G Q I= − (4)

No comércio internacional, a relação depreços não se mantém necessariamente, mas a

relação ˆ ˆQ I− se mantém em todas as

economias.

Note-se que:

ˆ ˆi i i

Q S Q∑= (5)

Em que Si é a participação do produto ino produto total

e

ˆ ˆj j j

I C I∑=Em que Cj é a participação do custo do

insumo j no custo total.

Essa relação também pode derivar-se apartir de uma função de custo minimizada e,como resultado, GTFP constitui também umamedida da redução do custo a preços constantesnos dois fatores.

Taxas de crescimento da produção

Para os cálculos da FAO, foi efetuada uma

aproximação para estimar Q̂ . A FAO publicou

índices da produção da agricultura, da pecuáriae da produção agregada de cada país para operíodo 1961/2001. Como a produção é afetadapelo clima, foram estabelecidas, primeira-mente, médias móveis de 3 anos para cadaíndice, e, em seguida, foram estimados osseguintes índices para os períodos 1961/1980 e1980/2001:

Ln (IC)=a + Ano bC

Ln (IL)=a + Ano bL (6)

Ln (IA)=a + Ano bA

Page 92: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200591

Os coeficientes bC, bL e bA são taxasgeométricas de crescimento dos índices. Note-se, entretanto, que, na prática, os índices sãoíndices de “Laspayres”, que utilizam preços emdólares da FAO. Dadas as complexidades donúmero de produtos básicos e a variabilidade deano para ano, admite-se que essa aproximaçãonão se afasta muito do marco contábil. Nas tabelas1a, 1b e 1c, são apresentadas as taxas decrescimento do produto correspondentes a 22países latino-americanos, 21 países asiáticos e 37países africanos.

Taxas de crescimento dos insumos

No caso dos insumos, foi utilizado omesmo procedimento para estimar as taxas decrescimento correspondentes aos dois períodos.Os insumos para a produção da agricultura e dapecuária foram os que se seguem:

a) Agricultura: área cultivada (temporária+ permanente), mão-de-obra, agroquímicos(fertilizantes + defensivos), força animal, serviçosde máquinas (tratores mais colheita-deiras).

b) Pecuária: área com pastagens (natural+ artificial), mão-de-obra, agroquímicos (fertili-zantes + defensivos + medicamentos), capitalanimal e ração.

A FAO produz uma série de dados para áreacultivada e com pastagem, mão-de-obra efertilizantes. No caso da força animal, foramutilizadas as séries do total de cavalos e mulas.Para serviços de máquinas, as séries corres-pondem a tratores e colheitadeiras. O capitalanimal está constituído pelo número de cabeçasde gado.

As estimativas de ração provêm de Ninet al. (2003). Esses autores transformaram o totalde ração consumida (para todos os produtos) da

Tabela 1a. Taxas de crescimento da produção agropecuária na América Latina e no Caribe, no período 1962/1981e 1981/2001.

Cone SulArgentinaBrasilChileParaguaiUruguai

Região AndinaBolíviaColômbiaEquadorPeruVenezuela

América CentralCosta RicaEl SalvadorGuatemalaHondurasMéxicoNicaráguaPanamá

Continua...

Taxas de crescimento do produto agropecuário – %

Região/país Agricultura

1961/1980(%)

1981/2001(%)

2,792,863,201,405,351,16

2,434,013,770,670,872,83

3,604,762,954,853,263,102,923,39

2,984,433,602,991,312,58

2,654,361,193,653,180,87

1,324,26

-0,172,511,321,710,30

-0,71

Pecuária

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1,741,244,281,921,260,00

3,954,722,813,812,795,61

4,355,743,643,173,734,765,393,98

2,950,924,583,924,171,16

2,922,773,024,183,381,26

2,843,142,482,924,142,352,132,73

Agregadas

1961/1980(%)

1981/2001(%)

2,161,863,721,533,530,18

3,004,453,221,721,494,10

3,875,153,044,363,403,533,953,64

2,802,183,413,673,271,48

3,093,832,184,053,531,86

1,893,770,692,632,281,961,090,80

Page 93: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 92

Tabela 1a. Continuação.

CaribeCubaRep. DominicanaHaitiJamaicaTrinidad eTobago

Taxa média

Taxas de crescimento do produto agropecuário – %

Região/país Agricultura

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1,202,512,321,68

-0,51-1,33

2,55

-0,71-3,11-0,97-1,341,840,82

1,57

Pecuária

2,782,254,442,754,455,46

3,56

0,77-3,003,591,601,68

-0,70

2,38

Agregadas

1,482,092,792,050,480,06

2,74

-0,28-3,090,55

-0,671,800,26

1,89

Tabela 1b. Taxas de crescimento da produção agropecuária na Ásia, no período 1962/1981 e 1981/2001.

Oriente MédioAfeganistãoIrãIraqueJordâniaArábia SauditaSíriaTurquiaIêmen

Ásia MeridionalBangladeshÍndiaNepalPaquistãoSri Lanka

Sudeste da ÁsiaCambojaIndonésiaLaosMalásiaFilipinasTailândiaVietnã

Ásia OrientalChinaMongóliaCoréia do Norte

Taxa média

Taxas de crescimento do produto agropecuário – %

Região/país Agricultura

2,561,644,742,93

-3,674,624,253,412,54

2,181,522,261,513,632,01

2,28-4,733,312,374,683,884,342,14

2,853,141,803,60

2,38

2,380,014,160,073,613,202,722,013,24

2,462,152,723,663,130,62

3,004,122,783,652,151,621,914,80

-1,523,74

-8,100,20

2,15

Pecuária

3,041,923,261,793,096,763,922,191,39

2,291,752,842,652,751,45

2,41-1,963,810,686,233,843,320,96

4,085,311,705,25

2,96

2,823,824,30

-3,425,815,092,521,033,44

3,683,693,842,296,002,58

5,326,203,985,747,004,974,095,27

1,888,280,24

-2,87

3,55

Agregadas

2,421,814,062,18

-2,174,174,083,092,13

2,211,562,441,853,291,91

2,27-4,313,362,124,843,804,151,90

2,923,251,633,88

2,40

2,712,154,15

-0,663,884,462,661,813,27

2,802,373,003,264,470,89

3,474,562,924,033,442,302,204,84

1,615,20

-0,13-0,23

2,80

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

Page 94: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200593

Tabela 1c. Taxas de crescimento da produção agropecuária na África, no período 1962/1981 e 1981/2001.

Norte da ÁfricaArgéliaEgitoLíbiaMarrocosTunísia

África OrientalEtiópiaSudãoUgandaQuêniaMadagascar

África CentralCamarõesChadRep. Dem. CongoRep. do CongoRep. Centro-AfricanaGabãoRuanda

África OcidentalBeninGâmbiaGuinéGanaTogoMauritâniaNígerBurkina FassoCosta do MarfimLibériaMaliNigériaSenegalSerra Leoa

Sul da ÁfricaAngolaBotsuanaMalauiMoçambiqueZimbábueÁfrica do SulZâmbiaNamíbiaTanzânia

Taxa média

Taxas de crescimento do produto agropecuário – %

Região/país Agricultura

2,62-1,452,027,112,083,35

2,481,692,802,293,842,16

2,252,73

-0,382,311,102,403,244,37

1,152,25

-0,941,450,241,09

-1,760,522,144,633,272,31

-0,09-0,611,57

2,00-2,522,823,580,683,513,803,171,723,22

1,76

2,933,173,832,572,272,80

1,473,502,082,901,720,95

1,742,384,880,051,561,742,31

-0,74

3,386,990,073,505,904,064,483,924,213,40

-1,194,796,421,44

-0,65

1,793,510,983,092,372,141,571,721,920,61

2,24

Pecuária

4,175,162,627,182,383,51

2,360,323,683,203,021,39

2,743,840,670,502,885,001,225,05

2,554,142,341,473,762,010,431,000,024,573,802,165,112,202,63

2,432,541,345,282,323,481,553,941,452,44

2,51

3,843,573,973,653,584,43

2,031,433,602,862,471,36

2,313,142,311,382,174,381,771,02

2,222,630,713,041,313,051,081,894,402,591,011,521,794,411,71

1,412,420,132,070,732,340,562,340,772,69

1,95

Agregadas

2,930,342,076,942,043,25

2,41,113,232,293,451,90

2,292,990,092,081,392,942,124,44

1,452,61

-0,461,450,631,200,230,711,414,633,322,250,70

-0,071,69

1,90-1,011,513,740,913,452,503,501,482,97

1,86

3,283,603,772,952,833,27

1,992,672,942,962,101,20

1,802,543,860,211,682,712,12

-0,52

2,936,230,203,435,333,821,513,154,263,36

-1,063,215,602,34

-0,28

1,523,000,242,911,921,851,142,000,951,23

2,11

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

Page 95: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 94

base de dados da FAO em megacalorias deenergia metabolizável para ruminantes, porquilograma de ração (sem considerar a matériaseca), com base nas tabelas de composição deração dos Estados Unidos e do Canadá (Dadosnutricionais sobre ração estadunidense e cana-dense, 1982). Num segundo momento, transfor-maram o total de ração de cada país em toneladasequivalentes de milho, dividindo o total de energiapelo conteúdo de energia contido num quilogramade milho. No estudo, usou-se esse total de raçãopara estimar-se a taxa de crescimento anual deração em cada um dos 78 países em desenvol-vimento e em cada um dos períodos de análise.

Participação do custo dos insumos

A base para estabelecer a participaçãodo custo dos insumos foram os estudosrealizados sobre o Brasil (AVILA; EVENSON,1995) e a Índia (EVENSON; KISLEV, 1975), queindicavam cálculos precisos de participação.No caso da Índia, foram feitos cálculos sobre aprodução de agricultura em 1970 e 1985. Parao Brasil, foram elaborados cálculos da produçãoda agricultura e da pecuária para 1970 e 1990,baseados nos dados do censo agropecuário.

Para calcular a participação daprodução, foram aplicadas as participaçõesajustadas da Índia a países asiáticos e africanos,e as participações do Brasil a países latino-americanos. O processo de ajuste requereu acomputação de coeficientes da quantidade deterras agrícolas para a quantidade de fertilizantes,a quantidade de sementes, o número de animaisde carga e o número de tratores e colheitadeiras.Esses coeficientes de quantidade/área cultivadase expressaram em relação aos coeficientes doBrasil e da Índia. As participações do custo parao Brasil foram iguais àquelas medidas em estudosno Brasil. No caso de outros países latino-americanos, a participação de fertilizantes,sementes, animais de carga e serviços demáquinas foram computadas utilizando-se ascomparações de cada país com as do Brasil. Todas

as participações de área cultivada e mão-de-obrase ajustaram de forma proporcional, de maneiraque a soma das participações fossem iguais a 1.

Para obter as participações correspon-dentes à Ásia e à África, foi aplicado o mesmoprocedimento, utilizando-se como comparação asparticipações da Índia.

No caso das participações da pecuária, sóse mediram cuidadosamente as participaçõescorrespondentes ao Brasil. O processo de ajustesupôs a criação de coeficientes de quantidade/valor da produção em dólares reais dos EstadosUnidos para fertilizantes, capital animal e ração.As participações de fertilizantes, capital animal eração foram ajustadas comparando-se essescoeficientes de quantidade/valor com as partici-pações correspondentes às do Brasil. As participa-ções de terras com pastagens e mão-de-obra seajustaram proporcionalmente, de maneira que asoma fosse igual a 1.

No caso de insumos com taxas excepcio-nalmente elevadas de crescimento, foi necessáriorealizar um ajuste adicional, para refletir o fatode que durante um período de 20 anos a participa-ção média superestima as participações geométri-cas médias. Para realizar esse ajuste, foramcomparadas as taxas de crescimento dos insumoscom as taxas de crescimento da produção4.

Para o crescimento agregado da PTF, foramutilizadas as participações da pecuária e daagricultura nos valores agregados, para ponderaro crescimento da PTF correspondente à agriculturae à pecuária (PRASAD; COELLI, 2003).

Estimativas da PTF por região e país

América Latina e Caribe

Na Tabela 2, são apresentadas as estima-tivas do crescimento da PTF da agricultura, dapecuária e do agregado em países de AméricaLatina e do Caribe. Também se mostra o cresci-mento médio da PTF em ambos os períodos. Astaxas de crescimento regional da PTF estãoponderadas por área cultivada.

4 Para as diferenças de crecimento de insumo-produto, o ajuste foi: 2%: 0,91; 3%: 0,83; 4%: 0,75; e 5%: 0,68.

Page 96: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200595

No período 1961/2001, só três países latino-americanos (Uruguai, Guatemala e Panamá)experimentaram taxas de crescimento da PTFinferiores a 1% (que equivalem aproximadamenteà taxa de diminuição dos preços reais dosprodutos básicos agrícolas no período (EVENSON;ÁVILA, 2005), Fig. 1. Os países do Cone Sulmostraram os melhores resultados em matéria dePTF, enquanto os países do Caribe, os piores (emgrande medida, como conseqüência da deficienteprodutividade da agricultura no período 1981/2000). Os resultados da PTF agregada, assim comoos correspondentes à agricultura e à pecuária,

foram melhores nos países do Cone Sul e na RegiãoAndina no período 1981/2001. Na AméricaCentral e no Caribe, o período 1981/2001 mostroutaxas de crescimento da PTF mais lentas que noperíodo 1961/1980.

Geralmente esses resultados são similaresaos obtidos por outros autores para os países daAmérica Latina, como Avila e Evenson (1995), eGasquez e Conceição (2001) para o Brasil,Madrid-Aris (1997) para Cuba, Lema e Parrellada(2000) para a Argentina, e Romano (1993) para aColômbia.

Tabela 2. Taxas de crescimento da PTF na América Latina e no Caribe, nos períodos 1961/1980 e 1981/2001.

Cone SulArgentinaBrasilChileParaguaiUruguai

Países AndinosBolíviaColômbiaEquadorPeruVenezuela

América CentralCosta RicaEl SalvadorGuatemalaHondurasMéxicoNicaráguaPanamá

CaribeCubaRep. DominicanaHaitiJamaicaTrinidad e Tobago

Taxa Média

Taxas de crescimento da PTF agrícola (%)

Região/país Agricultura

1,493,080,381,083,971,29

1,111,732,01

-0,74-0,832,42

1,652,861,223,311,541,531,332,29

0,740,880,990,60

-0,65-0,88

1,45

3,143,933,002,22

-1,012,02

1,713,141,272,241,860,87

1,052,09

-0,870,53

-0,391,43

-0,70-1,33

-2,05-2,88-1,15-1,041,320,16

2,26

Pecuária

0,720,900,710,24

-0,36-0,32

1,732,810,490,981,863,41

2,771,101,990,902,073,022,941,61

1,20-0,261,883,443,283,00

1,39

2,510,433,611,871,290,53

1,921,392,242,512,141,07

1,530,751,00

-0,281,911,631,921,49

0,64-1,032,601,80

-0,35-1,39

2,13

Agregadas

1,021,830,490,692,630,01

1,412,301,37

-0,160,363,03

2,171,741,771,381,912,262,251,93

0,980,121,622,732,071,80

1,36

2,812,353,222,05

-0,300,87

1,812,331,732,341,980,99

1,321,190,32

-0,081,251,510,990,02

0,29-1,690,891,000,29

-0,80

2,24

Média(%)

1,922,091,861,371,170,44

1,612,311,551,091,172,01

1,741,471,050,651,581,891,620,97

0,64-0,781,251,871,180,50

1,80

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

Page 97: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 96

Na Fig. 1, são mostradas as taxas decrescimento da PTF correspondentes às sub-regiões da América Latina e do Caribe.

Fig. 1. Taxa de crescimento da produtividade totalda agricultura em regiões da América Latina e doCaribe, no período 1962/1981 e 1982/2001.

Tabela 3. Taxas de crescimento do índice de PTF na Ásia, nos períodos 1962/1981 e 1981/2001.

Oriente MédioAfeganistãoIrãIraqueArábia SauditaSíriaTurquiaIêmen

Ásia MeridionalBangladeshÍndiaNepalPaquistãoSri Lanka

Taxas de crescimento da PTF agrícola – %

Região/paísAgricultura

2,680,633,322,534,540,553,401,07

1,42-0,231,540,201,48

-0,39

0,79-0,942,32

-0,061,222,450,122,50

2,141,062,332,421,32

-1,21

Pecuária

1,760,942,371,255,052,621,430,53

2,340,752,631,361,17

-2,19

1,232,545,00

-5,813,410,67

-0,072,21

2,762,652,661,113,981,30

Agregadas

2,390,712,712,003,581,103,060,93

1,71-0,011,920,501,18

-0,93

0,98-0,053,17

-1,242,161,940,082,43

2,341,302,412,102,54

-0,92

Média(%)

1,680,332,940,382,871,521,571,68

2,030,652,161,301,86

-0,93

Como previsto, a China foi o país queapresentou a maior taxa de crescimento da PTF,especialmente no segundo período, com uma taxade 4,76% anual. Por sua vez, taxas negativas noprimeiro período no Sudeste Asiático e no segundoperíodo no Oriente Médio são também consis-tentes, em decorrência dos conflitos em taisregiões. Da mesma forma, os bons resultados doVietnã, da Camboja e do Laos no período 1981/2001 eram também esperados.

Os resultados obtidos também são similaresaos calculados para países asiáticos, como a Índia(EVENSON et al., 1999), a Tailândia (KRASACHAT,2002), a Malásia (SHAMSUDIM et al., 1999) e oVietnã (NGOC et al., 2001).

As taxas da PTF para as economias asiáticasdurante o período 1961/2001 são mais elevadasque as observadas na América Latina. Isso sedeve principalmente aos excelentes resultadosda China em matéria de PTF. As economias deÁsia Meridional mostraram resultados semelhantesem matéria de PTF em comparação com as dospaíses do Cone Sul e da América Latina.

Os resultados da PTF variam por período.O Oriente Médio mostrou resultados excelentesno período 1961/1980, mas resultados deficientes

Continua...

Ásia

A Tabela 3 mostra as taxas de crescimentoda PTF correspondentes aos países asiáticos,calculadas para os dois períodos de 1961/1980 e1981/2001, e para a agricultura, a pecuária e emnível agregado.

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

Page 98: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200597

em 1981/2001. O mesmo ocorreu com os paísesdo Sudeste da Ásia.

Sete países (Afeganistão, Iraque, Bangla-desh, Sri Lanka, Camboja, Filipinas e Mongólia)mostraram taxas de crescimento da PTF inferioresa 1%. Todos esses países estavam sujeitos aconflitos civis no período. A Fig. 2 mostra as taxassub-regionais de crescimento da PTF.

Tabela 3. Continuação.

Sudeste da ÁsiaCambojaIndonésiaLaosMalásiaFilipinasTailândiaVietnã

Ásia OrientalChinaMongólia

Taxa média

Taxas de crescimento da PTF agrícola – %

Região/paísAgricultura

2,16-6,143,951,742,951,621,61

-0,52

1,391,390,37

1,71

0,342,27

-0,781,950,67

-1,131,043,94

3,493,63

-9,48

2,02

Pecuária

1,61-0,663,08

-0,013,801,87

-0,760,22

2,562,581,09

2,20

2,130,542,413,433,703,291,260,76

6,526,59

-0,02

3,45

Agregadas

2,37-5,754,431,203,621,891,18

-0,37

1,751,760,31

1,92

0,611,96

-0,392,521,39

-0,301,083,26

4,704,76

-0,54

2,50

Média(%)

1,49-1,892,021,862,510,791,131,45

3,223,26

-0,12

2,21

Fig. 2. Taxas de crescimento da produtividade totalda agricultura em regiões da Ásia, no período 1962/1981 e 1982/2001.

África

A Tabela 4 mostra as taxas de crescimentoda produtividade da PTF agrícola em cinco sub-regiões africanas e em nível agregado.

No período 1961/2001, os resultados da PTFna África foram inferiores aos da Ásia e da AméricaLatina. Duas regiões, a África Oriental e a Central,mostraram taxas de crescimento da PTF inferioresa 1%. Dos 37 países africanos, apenas seteproduziram um crescimento da PTF superior a 2%,dos quais quatro são do Norte da África. Por suavez, 15 dos 32 países de África Sub-Sahariananão mostraram crescimento da PTF superioresa 1%.

Na África, em geral, as taxas da PTF paraagricultura e a pecuária foram similares. Osresultados em matéria de PTF foram melhores noperíodo 1981/2001, particularmente na África doNorte e na África Ocidental.

Os resultados apresentados na Tabela 3conferem com aqueles obtidos em outros estudosdesenvolvidos no continente africano, como, porexemplo, em Wiebe et al. (2002) e Piese et al.(2001).

A Fig. 3 mostra o crescimento da PTF naÁfrica, por região.

Na Tabela 5, são apresentados os índicesmédios de crescimento da PTF na agricultura ena pecuária e de crescimento agregado nas trêsregiões do mundo. Isso representa uma síntese dos

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

Page 99: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 98

Tabela 4. Taxas de crescimento do índice de PTF na África, nos períodos 1961/1980 e 1981/2001.

África do NorteArgéliaEgitoLíbiaMarrocosTunísia

África OrientalEtiópiaSudãoUgandaQuêniaMadagascar

África CentralCamarõesChadeRep. Dem. CongoRep. CongoRep. Centro-AfricanaRuanda

África OcidentalBeninGuinéGanaTogoMauritâniaNígerBurkina FassoCosta do MarfimMaliNigériaSenegalSerra Leoa

Sul da ÁfricaAngolaBotsuanaMalauiMoçambiqueZimbábueÁfrica do SulZâmbiaNamíbiaTanzânia

Taxa média

Taxas de crescimento da PTF agrícola – %

Região/país Agricultura

0,78-1,761,265,860,642,40

0,350,141,47

-0,091,960,29

0,972,09

-1,410,85

-0,871,421,54

0,990,510,51

-1,34-0,15-0,56-2,270,351,851,471,83

-1,52-1,71

2,061,03

-3,900,641,56

-1,754,111,952,00

-0,59

1,03

1,882,863,071,310,831,84

0,621,950,750,53

-0,16-0,92

0,541,743,85

-1,41-0,410,76

-3,57

3,225,252,564,322,825,671,132,420,62

-2,994,314,980,34

1,120,822,13

-1,211,07

-0,062,74

-0,280,56

-0,40

1,74

Pecuária

2,204,081,543,150,362,29

0,75-0,371,311,761,640,62

1,182,500,84

-0,561,832,983,90

1,733,501,052,311,090,690,73

-0,892,813,141,583,981,37

1,60-0,050,78

-0,294,070,403,05

-0,423,81

-0,55

1,49

2,122,492,89

-0,381,563,21

0,970,741,241,431,090,59

1,321,802,480,321,122,36

-0,14

1,131,992,63

-0,142,141,331,623,490,820,350,940,653,58

0,26-1,080,65

-1,500,87

-1,191,91

-1,412,21

-1,23

1,09

Agregadas

1,290,271,335,130,562,37

0,68-0,061,380,261,800,41

1,092,17

-0,260,52

-0,241,781,76

1,191,250,63

-0,840,16

-0,25-1,13-0,021,912,451,760,19

-0,95

1,800,66

-2,250,541,92

-1,163,611,122,64

-0,58

1,20

1,982,693,030,761,102,40

0,951,521,070,670,50

-0,37

0,681,753,39

-1,00-0,051,14

-3,18

2,934,682,583,932,704,901,302,730,63

-1,453,753,460,91

0,790,231,58

-1,241,04

-0,402,32

-0,701,18

-0,63

1,68

Média(%)

1,631,482,182,950,832,39

0,820,731,220,461,150,02

0,891,961,56

-0,24-0,141,46

-0,71

2,062,961,601,541,432,320,091,351,270,502,751,83

-0,02

1,300,44

-0,34-0,351,48

-0,782,960,211,91

-0,61

1,44

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

1961/1980(%)

1981/2001(%)

Page 100: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200599

resultados obtidos nas três regiões, classificadospor classe de PTF.

A Tabela 5 mostra os deficientes resulta-dos dos países africanos, em que mais de 20%dos países registraram crescimento negativo daPTF e outros 20%, taxas de crescimento da PTFinferiores a 1%. Os países de Ásia mostraramos melhores resultados (30% dos paísesregistraram taxas de PTF superiores a 2%). Noconjunto, os países de América Latina e doCaribe também mostraram bons resultados emais de 80% dos países apresentaram taxas decrescimento da PTF superiores a 1%, excetoCuba, que apresentou índices negativos.

Definição do capital tecnológicoNa interpretação dos resultados da PTF

agrícola dos países em desenvolvimento, foramutilizados pelo menos três tipos específicos decapital relativos a recursos humanos: o capitalhumano, o social e o tecnológico.

O capital humano é uma expressão quefoi usada durante muitos anos. Geralmente se

mede em anos de escolaridade cursados pelostrabalhadores da força de trabalho.

O capital social é uma expressão intro-duzida recentemente, com o objetivo de captaras relações sociais em comunidades e países.A medição do capital social não está padro-nizada, mas deve ser feita em termos de organi-zação, afiliação e participação.

O capital tecnológico é uma expressãode uso limitado, empregada para descrever acapacidade de uma região ou de um país parainventar novas tecnologias e inovar ou comer-cializar essas tecnologias (ou “capital de inova-ção”). Também se utiliza para descrever acapacidade de dominar tecnologias produzidasfora da região ou do país (ou “capital deimitação”).

No setor agrícola, é bem conhecido queas variedades agrícolas desenvolvidas pelosprogramas de genética vegetal dos centrosinternacionais de pesquisa agrícola (CIIA) epelos sistemas nacionais de pesquisa agrícola(SNIA) têm um alto grau de “especificidadegeográfica”. Os resultados de campo de umavariedade dependem do solo, do clima e dascondições de mercado. Por exemplo, asvariedades modernas da Revolução Verde (VM)mostram um alto grau de sensibilidade ao soloe às condições climáticas. Tipicamente, as VMsdesenvolvidas pelos CIIAs são adotadas emvários países atendidos pelos mandados de taiscentros. Por sua vez, as VMs dos SNIA têmlimitada utilidade fora da região para a qualforam produzidas. Evenson e Gollin (2000)informam que só 6% das VMs de arrozdesenvolvidas pelos SNIAs foram aplicadas numsegundo país. As variedades de arroz desen-volvidas pelo Instituto Internacional de Pesquisa

Fig. 3. Taxas de crescimento da produtividade totalda agricultura em regiões da África, nos períodos1962/1981 e 1982/2001.

Tabela 5. Cálculos da PTF agregada regional classificada por classes de PTF.

LACÁsiaÁfricaTotal

Regiões 0% > PTF 0%< PTF <1%

138

12

448

16

1%< PTF <2%

148

1436

PTF + 2%

367

16

Total

22213780

Page 101: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 100

de Arroz (Irri) foram aplicadas em vários paísesasiáticos, mas têm escassa adoção na AméricaLatina e na África.

Entretanto, muitos programas de desenvol-vimento agrícola têm por finalidade alcançarreduções de custo com base na PTF mediante aadoção de tecnologias ou capital de imitação. Osprogramas de extensão agrícola, em particular,não foram elaborados com o objetivo de produzirinovações, mas, sim, de melhorar a adoção detecnologias pelos agricultores.

No caso da tecnologia industrial, a maiorparte dos observadores percebe baixos grausde especificidade geográfica, exceto nasclasses de produtos industriais. O primeiro tipose vincula à especificidade geográfica dosprodutos agrícolas e às instituições. Nas eco-nomias rurais pobres com limitado desenvol-vimento institucional e de mercado, pode existiruma reduzida demanda de produtos industriais.Essa limitada demanda pode significar limitaçãodos incentivos para dominar a tecnologia.A segunda classe de produtos com especifi-cidade geográfica são os produtos desenvol-vidos com o fim de poupar mão-de-obra emeconomias com salários elevados. Esses produ-tos têm escassa ou nenhuma demanda naseconomias com salários baixos. Mas têmmercados internacionais.

Um dos maiores enigmas da experiênciado desenvolvimento é que poucos paísesalcançaram um crescimento impulsionado pelocapital de imitação na indústria depois de teremrealizado um crescimento impulsionado pelocapital de inovação na agricultura. Isso se explica,em parte, pelas duas classes de demandavinculadas à especificidade geográfica acimatratadas, ainda que uma considerável parte daexplicação consista no fato de não tereminvestido em tecnologia industrial.

Para os propósitos deste exercício, foramdefinidos dois índices: um índice de capital deinovação e um índice de capital de imitação.

O primeiro se baseia em dados sobreinvestimento em pesquisa agrícola e pesquisa

industrial. São definidas três classes de investi-mentos em pesquisa agrícola correspondentes adois períodos: 1961/1980 e 1981/2001.

Os dados, provenientes do InternationalService for National Agricultural Research(Isnar), se expressam em termos de pesquisado-res agrícolas/superfície cultivada e com baseem tais dados são constituídas três classes:

a) Pesquisadores agrícolas/área cultivada –menos de 0,02.

b) Pesquisadores agrícolas/área cultivada –entre 0,02 a 0,04.

c) Pesquisadores agrícolas/área cultivada –igual ou maior que 0,04.

Para as atividades de pesquisa e desen-volvimento industrial, foram utilizados dadosda Unesco – Banco Mundial sobre I&D/PIB,para definir as três classes:

a) I&D/PIB – menos de 0,003.

b) I&D/PIB – entre 0,003 e 0,005.

c) I&D/PIB – igual ou maior que 0,005.

O índice de capital de imitação tambémse baseia em dois componentes: escolaridadeda população trabalhadora (masculina) ecoeficientes de extensionistas/área cultivada.

As classes para escolaridade dos traba-lhadores são as seguintes:

a) Menos de 4 anos.

b) Entre 4 e 6 anos.

c) Igual ou maior que 6 anos.

As classes para os coeficientes de exten-sionistas/terras de cultivo são:

a) Menos de 0,06.

b) Entre 0,06 e 0,4.

c) Igual ou maior que 0,4.

No caso do índice de capital de inovação,a soma da classe de pesquisadores agrícolas coma classe de P&D industrial definem o índice emcada período.

Page 102: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005101

A Tabela 6 mostra as classificações depaíses por classe de inovação para os doisperíodos 1961/1980 e 1981/2001 (a classe 22indica o país que se encontrava na classe deinovação 2, em ambos os períodos). As classesde imitação estão entre parêntesis nos doisperíodos.

Os oito países da classe de inovação 22não tinham efetivamente capital de inovaçãodurante o período 1961/2001. Cinco dessespaíses também não tinham capital de imitação.Sete deles são países africanos, e todos foramafetados por conflitos civis. Todos eles sãopaíses de pobreza coletiva.

Os nove países da classe de inovação 23investiram o suficiente em pesquisa agrícola que

o alçaram à classe 3 no período 1981/2001.Nenhum deles investiu em pesquisa e desenvol-vimento industrial. A maioria tem algum capitalde imitação. Todos eles são africanos. Um país, oMali, se deslocou duas classes de capital deinovação, e outro, o Sudão, passou da classe deinovação 3 à classe de inovação 2. Todos os paísesdas classes de inovação 22, 23, 24 e 32 nãoherdaram virtualmente nada em matéria de capitalde inovação dos países que os colonizaram.Nenhum tem competitividade industrial. Algunsdeles têm capital de imitação, mas grande partese baseia em programas de extensão de ONGs.

A classe de inovação 33 tem 12 membros,enquanto a classe de inovação 34 tem 14.

Tabela 6. Classes de inovação/imitação 1970 (primeiro dígito) 1990 (segundo dígito).

Afeganistão(22)Angola (22)Camboja (22)RepúblicaCentro-Africana(44)Chade (33)Rep. Dem.Congo (23)Etiópia (23)Moçambique(22)Namíbia (22)

Obs: as classes de imitação estão entre parêntesis.

Innov 22 Innov 23

Benin (34)Burkina Fasso(44)Guiné (33)Mauritânia (33)Marrocos (44)Nicarágua (34)Níger (33)Ruanda (44)Iêmen (23)

Innov 24

Mali (34)

Innov 32

Sudão (22)

Innov 33

Camarões (45)Rep.Dominicana(45)Haiti (23)Honduras (34)Laos (33)Líbia (44)Mongólia (44)Nepal (34)Nigéria (34)Togo (23)Tunísia (34)Vietnã (33)Zâmbia (44)

Innov 34

Argélia (34)Bangladesh(34)Equador (45)Gana (35)Guiana (44)Malaui (44)Panamá (56)Paraguai (44)Senegal (33)Sri Lanka (56)Síria (35)Tanzânia (34)Venezuela(45)Zimbábue(45)

Innov 44

Botsuana (45)Colômbia (46)Egito (35)Gâmbia (33)Iraque (33)Jamaica (35)Quênia (55)Arábia Saudita(44)Serra Leoa (44)Uruguai (45)

Bolívia (33)Costa Rica(44)Guatemala(34)Indonésia (45)Irã (34)Malásia (55)Peru (46)Tailândia (46)Turquia (46)Uganda (34)

Innov 45 Innov 46

México (45)Paquistão (45)

Innov 43

Costa doMarfim (44)Madagascar (44)

Innov 55

Argentina (44)Maurício (56)Filipinas (66)

Innov 56

Chile (45)El Salvador (35)Índia (35)

Innov 66

Brasil (46)China (56)África do Sul (56)

Page 103: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 102

A maioria desses países tem maior capitalde imitação que capital de inovação. Isso refletea difundida noção de que capital de imitação émenos oneroso que capital de inovação. Massó quatro dos 26 países das classes 33 e 34 decapital de inovação (Camarões, Zâmbia, Ganae Venezuela) declararam significativos investi-mentos em pesquisa e desenvolvimentoindustrial. Os demais têm passado da classe decapital de inovação 2 para a classe 3, ou daclasse 3 para a classe 4 mediante o fortaleci-mento de seus programas de pesquisa agrícola.

Dos 26 países das classes de capital deinovação 33 e 34, sete são países latino-americanos, e sete são asiáticos.

No primeiro período, 24 países se encon-travam na classe de inovação 4. Desses, 12incrementaram seu capital de inovação e dois oreduziram. Os países que permaneceram naclasse 44 investiram pouco em pesquisa edesenvolvimento industrial (só Quênia e Egitodeclararam significativos investimentos empesquisa e desenvolvimento industrial). Todos ospaíses que alcançaram crescimento, o fizeraminvestindo em pesquisa e desenvolvimentoindustrial, assim como ocorreu com todos os paísesdas classes de inovação 55, 56 e 66. Emconseqüência, dos 82 países classificados naTabela 5, só 25 tinham significativos investimentosem pesquisa e desenvolvimento industrial.

Nove países começaram nas classes decapital de inovação 5 e 6, e todos alcançaramum extraordinário desenvolvimento econômicodurante o período 1961/2001.

Mudanças no capital tecnológicoDo primeiro ao segundo período, a classe

de inovação decresceu em quatro países,permaneceu sem mudanças em 36, melhorouuma classe em 36 países e duas classes em trêspaíses. Quanto às classes de imitação, 36 paísespermaneceram sem mudanças, 32 aumentaramuma classe e 11 mostraram melhoras de duasclasses.

Questiona-se, então, se a melhoria naclasse de inovação estaria relacionada estreita-mente a uma melhora na classe de imitação?Ou se a melhoria estaria relacionada aos níveisde classes de inovação e imitação do primeiroperíodo?

Além das classes de inovação e imitação,existem outras duas varáveis indicadoras para osdois períodos. Uma delas é o índice de competiti-vidade industrial construído pela Organização dasNações Unidas para o Desenvolvimento Industrial(Onudi). A segunda é uma classificação de umimportante índice institucional – o indicador daefetividade de patentes de Park e Ginnarte.

A Tabela 7 indica as Estimativas Tobit dasmudanças em cada um dos quatro índices, àmedida que se relacionam com os níveis doperíodo 1 dos quatro índices.

Essas estimativas indicam o seguinte:

a) As melhorias em todos os índices, excetoem direitos de patentes, estão sujeitas a rendi-mentos decrescentes. Os valores elevados doperíodo 1 se relacionam com menores valores demelhoria.

b) As melhorias na imitação agrícola serelacionam com elevados níveis na capacidadede inovação agrícola, mas não com elevadosníveis de competitividade industrial em direitosde patentes.

c) As melhorias na inovação agrícola nãose relacionam estreitamente com os níveis deoutros índices.

d) As melhorias na competitividadeindustrial e nos direitos de patentes se relacionamcom os níveis de imitação agrícola. Isso pareceestar vinculado principalmente a um efeito daescolaridade.

A melhoria na inovação agrícola não estáestreitamente relacionada aos níveis de outrosíndices.

As melhorias na competitividade industriale os direitos de patentes se relacionam com osníveis de imitação agrícola. Isso parece serprincipalmente um efeito da escolaridade.

Page 104: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005103

Crescimento da PTF, do capitaltecnológico e indicadores afins

Estaria o capital tecnológico relacionadocom o índice de produtividade total (PTF) agregadoe com os indicadores afins? A Tabela 8 contémtabulações do capital de inovação e de imitação,do crescimento da PTF, do rendimento doscereais, da adoção de variedades modernas, doconsumo de fertilizantes, do valor agregado portrabalhador e do crescimento do PIB per capita.

Evidentemente, todos os indicadores serelacionam com as classes de inovação eimitação. Considerem-se, em primeiro lugar, osindicadores da classe de inovação. O cresci-mento agregado da PTF se relaciona obvia-mente com a classe de inovação. Também serelaciona com a adoção de variedadesmodernas de agricultura da Revolução Verde.Os rendimentos dos cereais são 3,6 vezessuperiores nas classes de inovação 5 e 6, assimcomo na classe 2. O uso de fertilizantes é 21 vezes

Tabela 7. Estimativas Tobit: melhoras no capital tecnológico entre o período 1 e o período 2.

PeríodosImitação agrícolaInovação agrícolaCompetitividadeindustrialDireitos de patentesConstante#obs.Prob> Chi2

Pseudo-R2

Imitação agrícola

(1)-0,862 (4,17)0,688 (4,47)

1,309 (2,22)77

0,00000,1090

(2)-0,871 (2,71)0,631 (2,43)

-0,336 (0,07)-0,329 (1,26)2,506 (1,98)

470,00030,1464

Inovação agrícola

(1)-0,153(1,56)-0,154(2,03)

1,835(5,46)77

0,0040,0605

(2)-0,116(0,81)-0,217(1,87)-0,338(0,15)

-0,069(0,43)2,319(3,31)

470,11920,0514

Competividadeindustrial (*)

(2)0,04(4,23)

-0,002(,26)-0,047(,29)

-0,006(0,60)-0,094(2,03)

470,0016

-0,1818

Direitos depatentes

(2)0,204(2,54)

-0,063(0,96)8,091(5,73)

-,380(4,22)0,201(0,51)

470,00000,3438

(*) - Competitividade ou direitos de patentes.

Tabela 8. Capital de inovação/imitação, crescimento da PTF e outros indicadores.

234

5+6

Classe decapital deinovação

Indicadores por classe de capital de inovação

.931.611.922.60

Crescimentoagregado da

PTF

13314468

Adoção devariedades

modernas (%)

880185825163167

Rendimentosdois cereais

(kg/ha)

7.377.3

108.6159.2

Fertilizantespor hectare

(kg)

409956

16511456

Valor agregadopor trabalhador

(US$)

1.111.231.652.59

Crescimentodo PIB per

capita

234

5+6

Classe decapital deinovação

Indicadores por classe de capital de imitação

.961.661.572.82

Crescimentoagregado da

PTF

12344472

Adoção devariedades

modernas (%)

848167920283497

Rendimentosdois cereais

(kg/ha)

34.467.361.0

189.2

Fertilizantespor hectare

(kg)

378486

29161128

Valor agregadopor trabalhador

(US$)

1.191.241.642.74

Crescimentodo PIB per

capita

Page 105: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 104

mais elevado. O valor agregado por trabalhadoré de 3 a 4 vezes superior, e o crescimento do PIBper capita, 2,4 vezes mais elevado.

As mesmas comparações se observam nocaso dos índices de classes de imitação (comum padrão ligeiramente menos coerente). Issoera de se esperar, já que os dois índices mantêmuma elevada correlação.

É importante, antes de tudo, fazer umadistinção entre os dois índices, porque muitasautoridades responsáveis pela formulação depolíticas sugerem que os países em desenvol-vimento realmente não necessitam inovar.Alegam que esses países necessitam apenasimitar, pois a imitação é menos onerosa que ainovação. Outros sustêm, por sua vez, que ainovação é necessária à agricultura, já que asvariedades de agricultura têm um alto grau deespecificidade geográfica.

Para provar a proposição de que, parauma classe de inovação dada, uma maiorinversão em imitação produz um crescimentomais alto da PTF, foi desenvolvido um argu-mento. Em primeiro lugar, foram definidas asclasses de inovação/imitação. Em seguida, foifeita uma comparação entre as classes deinovação/imitação com classes similares oumais baixas de imitação e as classes deinovação/imitação em que a classe de imitaçãoé maior. Para as classes de inovação 2, 3 e 4,combinaram-se as classes de inovação/imitação5 e 6. Os grupos de comparação para esse exercí-cio são:

D22: classes mais baixas de inovação eimitação.

D23 + D24: classe de inovação 2 (classesde imitação mais altas).

D32 + D33: classe de inovação 3 (in-cluindo classes de imitação mais baixas eiguais).

D34 + D35: classe de imitação 3 (classede imitação mais alta).

D43 + D44: classe de inovação 4 (incluin-do classes de imitação mais baixas e iguais).

D45 + D46: classe de inovação 4 (classesde imitação mais altas).

D55 + D56 + D66: classes de inovação 5e 6 (classes de imitação mais baixas).

D53 + D54 + D64 + D65: classes deinovação 5 e 6 (classes de imitação mais baixas).

Essas classes de inovação versus imitaçãoforam analisadas para determinar se as classesde imitação mais altas, mantendo-se constantesas classes de inovação, aumentavam o cresci-mento da PTF.

Um segundo conjunto de classes deinovação versus imitação foi analisado, paradeterminar se as classes de inovação mais altas,mantendo-se constantes as classes de imitação,aumentavam o crescimento da PTF:

D22: classes mais baixas de inovação eimitação.

D32: classe de imitação 2 (classe deinovação mais alta).

D23 + D33: classe de imitação 3 (classede inovação igual ou menor).

D43 + D53: classe de imitação 4 (classesde inovação mais altas).

D24 + D34 + D44: classe de imitação 4(classe de inovação igual ou menor).

D54 + D64: classe de imitação 4 (classesde inovação mais alta).

D55 + D56 + D66: classes de imitação 5e 6 (classes de inovação iguais ou maiores).

D35 + D45 + D56: classes de imitação 5e 6 (classe de inovação mais baixa).

Os resultados mostrados na Tabela 9 sãode certa forma anômalos em relação aos resultados54 + 64 (esses afetaram a Argentina em doisperíodos, e o Brasil e o Chile, num período). Asestimativas indicam que as classes de inovaçãomais altas aumentaram aproximadamente em35% o crescimento da PTF, enquanto as classesde imitação mais altas aumentaram aproximada-mente em 25% o crescimento da PTF.

Page 106: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005105

Fontes de crescimento da PTF:decomposição estatística

No item anterior, foi mostrado que ocrescimento da PTF estava relacionado com ocapital tecnológico. Neste item, essa análise foirefinada, num marco de decomposição da PTF.Foram considerados dois “ajustes” por qualidadeda mão-de-obra. Também foram consideradasvariáveis substitutivas para o progresso tecno-lógico geral.

Considere-se a seguinte derivação de PTFde uma função de produção:

Y = A(t) (LQL)α Hβ K1-α−β (7)

Em que:

Y é a produção agregada;

A(t) modifica a função de produção;

L é a mão-de-obra não ajustada;

QL é o índice de qualidade da mão-de-obra; H é a terra;

K é o capital de máquinas e animais.

Depois de transformada a forma de PTF,essa função de produção se traduz como:

GTFP = GY-CL(GL+GQL)-CH-GH-SKGK-GA (8)

Em que “G” representa as taxas de cres-cimento das variáveis.

Os cálculos reais “não ajustados” da PTFindicados nas Tabelas 1, 2 e 3 se baseiam em :

G*TFP = GY-CLGL-CHGH-CKGK (9)

A diferença é:

GTFP-G*TFP=CLGQL+GA (10)

Isso sugere que as variáveis que medema qualidade da mão-de-obra e a mudança emA poderiam ser utilizadas para “explicar” ocrescimento da PTF.

Contamos com duas medições da qualidadeda mão-de-obra. A primeira se relaciona com amaior escolaridade da força de trabalho, e asegunda, com a melhor alimentação da força detrabalho. Na Tabela 10, são mostrados os dadosdesses dois índices.

O primeiro índice é o da escolaridademédia de homens adultos da força de trabalho(GSCH). Essa variável da base de dados deBarro-Lee, do Banco Mundial, não é específicados trabalhadores agrícolas. É provavelmentecausada pelo fato de a escolaridade média dostrabalhadores agrícolas ser inferior à escolari-dade média de todos os trabalhadores. Mas,para nossos propósitos, o que é importante é ataxa de crescimento em tal escolaridade.

O segundo índice é o índice de suficiên-cia de energia dietética (DES) publicado pela

Tabela 9. Comparações de imitação/inovação.

223223+3343+5324+34+4454+6455+56+6635+45+46+56

Vantagem média da inovação

Vantagens da inovação

0,8841,6391,2442,4611,498-0,1124,2771,568

+86%

+95%

-107%

+63%

35%

Vantagens da imitação

2223+2432+3334+3543+4445+4655+56+6653+54+64+65

Vantagem média da imitação

0,8591,0231,3541,8501,9281,9213,4501,841

+19%

+37%

-0,4%

+46%

25%

PTF por classes de inovação versus imitação PTF por classes de inovação versus imitação

Page 107: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 106

FAO. Esse índice se baseia nos dados sobre con-sumo e efetivamente é uma medição das calo-rias médias per capita.

Ambas as medidas são apresentadas porregiões de países em desenvolvimento, com oobjetivo de mostrar a diversidade das mudançasnesses índices.

A medida de GA que foi utilizada é aadoção de variedades modernas de agriculturada Revolução Verde no país, nos períodos 1961/1980 e 1980/2000 (GRMVA). Essa medida émensurada pela participação de cada cultivona produção agrícola total. Duas dessas trêsvariáveis são tratadas como endógenas nomodelo PTF. O método utilizado para lidarcom isso é por meio do uso de variáveis instru-mentais.

O modelo implícito é, então, um modelode três equações:

SCGRMVA: Instrumentos;

DES X SHL: Instrumentos;

GTFP(A): SCGRMVA, DES X SHL, GSCHX SHL, Reg1, Reg2.

Os instrumentos para SCGRMVA e DESX SHL incluem as varáveis exógenas na

equação GTFP(A), Reg1, Reg2 e GSCH X SHL,mais PCTIRR (percentual de área irrigada) e asvariáveis inovação/imitação.

A Tabela 10 mostra as estimativas dasvariáveis instrumentais do primeiro estágio,SCGRMVA e DES X SHL, e as equações GTFP(A)as do segundo estágio. Nas estimativas dedecomposição da PTF, verificou-se que aadoção de variedades modernas da RevoluçãoVerde, o crescimento da escolaridade e amelhoria da alimentação contribuíram de formasignificativa para o crescimento da PTF.

A Tabela 11 mostra um exercício de“contabilidade do crescimento”, em que ocrescimento é atribuído ao uso de variedadesmodernas da Revolução Verde, aos aumentosna escolaridade e a melhorias na alimentação.

Implicações políticasNeste documento, foram feitas estimativas

do crescimento da PTF correspondentes a doisperíodos de produção agrícola e pecuária e deprodução agregada (1961/1980 e 1981/2001) para80 países em desenvolvimento. Essas taxas decrescimento devem ser interpretadas como taxas

Tabela 10. Estimativas da decomposição da PTF.

D23+D24D32+D33D34+D35D43+D44D45+D46D55+D56+D66D53+D54+D64+D65PCTIRRRegião - ÁsiaRegião - ÁfricaSCGRMVADES X SHLGSCH X SHLNº de observações realizadasR2

Prob>F

Variáveis

SCGRMVA7,65 (1,75)

18,66 (2,33)13,65 (1,78)14,37 (1,91)27,83 (3,37)32,05 (4,30)22,41 (3,03)0,116 (2,09)8,61 (3,32)

-3,39 (0,87)

-3,16 (4,16)154,62

,0000

Variáveis instrumentaisda primeira etapa

DES X SHL14,14 (0,66)18,71 (1,12)49,60 (3,00)36,07 (2,29)21,27 (1,23)40,40 (2,60)26,59 (1,72)0,200 (1,72)

8,05 (1,49)2,85 (,35)

154,25

,0000

GTFP(A)

-0,593(1,30)0,351(,63)

0,0628(2,60)0,0419(2,52)

0,280(1,90)1540,18

0,0000

Estimativas dasegunda etapa

GTFP(A)*

0,038(,11)0,689(1,25)1,087(3,06)

0,0374(2,42)0,213(1,82)

1540,18

0,0000

Page 108: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005107

Tabela 11. Contabilização do crescimento no período 1960/2000.

América LatinaCone SulRegião AndinaAmérica CentralCaribe

Oriente Médio – África do NorteOriente MédioÁfrica do Norte

ÁsiaÁsia MeridionalSudeste da ÁsiaÁsia Oriental

África Sub-SaharianaÁfrica OrientalÁfrica CentralÁfrica OcidentalSul da África

Proporção atribuída aos fatores

RegiãoCrescimento real

da PTF

2,241,631,721,58

1,632,29

1,961,053,24

0,780,872,051,29

Maiorescolaridade

Melhoralimentação

0,190,300,350,39

0,190,28

0,220,170,13

0,510,620,290,39

0,240,220,190,26

0,230,20

0,140,210,33

0,020,000,350,03

Uso de VM daRevolução Verde

0,570,480,460,35

0,580,52

0,640,620,54

0,470,380,360,58

de redução de custos a preços constantes dosfatores.

Conquanto essas taxas de crescimentoestejam sujeitas a erros de medição, em geral,são coerentes com a compreensão aquientendida de crescimento da produtividade.As maiores taxas de crescimento da PTF foramobservadas na Ásia Oriental, seguida pela ÁsiaMeridional e pelos países do Cone Sul, naAmérica Latina. As menores taxas de cresci-mento da PTF ocorreram na África Oriental, naÁfrica Central e no Caribe.

Os preços internacionais dos produtosbásicos agrícolas diminuíram em termos reaisdurante a maior parte da segunda metade doséculo 20 (Fig. 4). Todos os países da OCDEobtiveram ganhos mais rápidos da PTF do setoragrícola do que no resto da economia. Essasdiferenças alcançam um valor médio de cercade 1% anual. Os países em desenvolvimento sebeneficiaram da Revolução Verde de formadiferenciada. Muitos países em desenvolvimentotiveram um lento crescimento da PTF e pouco se

beneficiaram da Revolução Verde. Por seu turno,em outros, os benefícios foram significativos.

Os países pouco beneficiados com PTF naagricultura têm mostrado resultados deficientesnum mundo em que diminuem os preços reaisnuma economia cada vez mais globalizada.

Fig. 4. Preços reais mundiais de arroz, trigo, milho euréia (média do período 1961/2000).

Fonte: IFPRI, 2004.

Page 109: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 108

trabalho é que o crescimento da PTF e a reduçãodos custos implicam necessariamente capitaltecnológico, o que significa investimentos emsistemas de pesquisa agrícola. Também exigeinvestimentos em pesquisa e desenvolvimentoindustrial, assim como em sistemas públicos eprivados de extensão rural e na melhoria daalimentação e da escolaridade dos agricultores.

Os investimentos em capital tecnológicorequerem compromissos de longo prazo porparte dos governos nacionais e dos organismosde ajuda e fomento, não sendo realizados porONGs. Muitos organismos de ajuda têmdeixado de apoiar projetos de desenvolvimentode capital tecnológico a longo prazo (ou seja,por 20, 30 ou 40 anos). Infelizmente, nomomento, muitos países da África não estãorecebendo apoio dos governos nacionais paradesenvolver o capital tecnológico, o querepresenta a única fórmula de escape à pobrezacoletiva.

ReferênciasAVILA, A. F. D; EVENSON, R. E. Total factor productivity growthin brazilian agriculture and the role of agricultural research. In:CONGRESO BRASILEÑO DE ECONOMÍA E SOCIOLOGÍARURAL, 33., 1995, Curitiba. Anais... Curitiba: Sober, 1995. v. 1.p. 631-657.

EVENSON, R. E.; GOLLIN, D. (Ed.). Crop variety improvementand its effect on productivity: the impact of internacionalagricultural research. Wallingford: CABI Publishing, 2003. 475 p.

EVENSON, R. E.; KISLEV, Y. Agricultural research andproductivity. New Haven: Yale University Press, 1975. 206 p.

EVENSON, R. E.; PRAY, C. E.; ROSEGRANDET, M. W.Agricultural research and productivity growth in Índia.Washington: IFPRI, 1999. (Research Report, 109). 88 p.

GASQUEZ, J. G.; CONCEIÇAO, J. C. P. R. Transformaçoesestruturais da agricultura e produtividade total: dois fatores. In:Transformaçoes da agricultura e políticas públicas. Brasília,DF: IPEA, 2001. p. 17-92.

IFPRI. International Food Policy Research Institute. Disponívelem: <http://ifpri.org> Acesso em: 20 dez. 2004.

KRASACHAT, W. Deforestation and productivity growth inthai agriculture. Paper presented at the International Symposiumentitled Sustaining Food Security and Managing NaturalResources in Southeast Asia: Challenges for 21st Century, ChiangMai, Thailand, January 8-11, 2002. 9 p.

LEMA, D.; PARELLADA, G. Productivity and competitiveadvantage of the argentinean agriculture. Buenos Aires:Instituto de Economía e Sociología., 2000. 18 p.

Foram formulados dois indicadores docapital tecnológico: o de imitação e o de inova-ção. O indicador da imitação baseou-se emprogramas de extensão e nos níveis deescolaridade. Já o indicador da inovação tomoucomo referência os investimentos em pesquisaagrícola, principalmente no setor público, e asatividades de pesquisa e desenvolvimentoindustrial, particularmente no setor privado.

O fundamento deste trabalho é basicamentea constatação de que os resultados em matériade PTF se relacionam diretamente com o capitaltecnológico. Essa relação (ver Tabela 7) mostraque os países com um mínimo de capital deinovação ou de imitação são “limitados” a umacontração de preços-custos, ou seja, os preçosreais diminuem mais rapidamente do que seuscustos. Nos países com um mínimo de capitaltecnológico, os rendimentos dos cereais repre-sentam só uma quarta parte do rendimento dospaíses com capital tecnológico. Esses paísesutilizam só 5% de fertilizantes por hectare emostram baixos níveis de adoção de variedadesmodernas da Revolução Verde. O valor agregadopor trabalhador agrícola corresponde a uma quartaparte dos países com capital tecnológico. As taxasde crescimento do PIB per capita, se bem quepositivas, correspondem só a uma terça partedaquelas dos países com capital tecnológico.

Procurou-se distinguir entre a importânciado capital tecnológico e a do de inovação, oque foi difícil de estabelecer, já que existe umaforte correlação entre os dois índices. Consta-tou-se que o maior capital de inovação contribuimais para o crescimento da PTF do que ummaior capital de imitação.

Neste documento, também foi feito umexercício de decomposição da PTF, que identificoua adoção de variedades modernas conferidas pelaRevolução Verde, os incrementos na escolaridadeda força de trabalho e os aumentos na energiadietética (alimentação) como fontes do cresci-mento da PTF.

Como foi assinalado anteriormente, aprincipal conclusão a que se chegou neste

Page 110: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005109

MADRID-ARIS, M. Growth and technological change in Cuba.In: CUBA in Transition. Washington, DC: Association for theStudy of the Cuban Economy, 1997. v. 7, p. 216-227.

NGOC QUE, N. E GOLETTI, F. Explaining agricultural growth inVietnam. Ha Noi: Agrifood Consulting International, 2001. 24 p.

NIN PRATT, A.; ARNDT, C.; HERTEL, T. W.; PRECKEL, P.V..Bridging the gap between partial and total factor productivitymeasures using directional distance functions. American Journalof Agricultural Economics, Ames, Iowa, v. 85, p. 928-942, nov.2003.

PIESE, J.; THIRTLE, C.; LUSIGE, A.; SUHARYANTO, K. Multi-factor Agricultural Productivity and Convergence in Botswana:1981-96. Journal of Development Economics, Amsterdam, v.71, n. 2, p. 605-24, 2003.

PRASADA RAO, D. S.; COELLI, T. J. Catch-up and Convergencein Global Agricultural Productivity. Brisbane: Center for

Efficiency and Productivity Analysis – Universidad deQueensland, 2003. p. 24. Não publicado.

ROMANO, L. O. Productividad agropecuaria: evolución,estado actual y tendencias futuras. Bogotá: ICA - DivisiónPlaneación Estratégica. 1993. págs. 7-27. (Boletín Técnico).

SHAMSUDIN, M. N.; RADAM, A.; ABDLATIF, I. Productivityin the Malaysian agriculture sector. Paper presented at theSeminar on Repositioning the Agriculture Industry in the NextMillenium, 13-14 July 1999. Department of Agribusemess andInformation Systems - Faculty of Agriculture- UPM, 1999.

WEIBE, K. D.; SOULE, M. J.; SCHIMMELPFENNING, D. E.Agricultural Productivity for Sustainable Food Security in Sub-Saharan África. In: ZEPEDA, L. (Ed.). Agricultural Investmentsand Productivity in Developing Countries. Madison:Universidad de Wisconsem-Madison: FAO, 2001. (FAO.Economic and Social Development, 148).

Page 111: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 110

Projeto GeoSafrasSistema de Previsãode Safras da Conab

Resumo – Esse projeto tem por finalidade aprimorar o sistema de estimativas das safrasagrícolas brasileiras com o apoio de uma rede multiinstitucional. O GeoSafras faz uso degeotecnologias como o sensoriamento remoto, GPS (Global Positioning System) e Sistemasde Informações Geográficas no mapeamento e monitoramento das culturas, de aplicaçãode modelos agrometeorológicos nos prognósticos de rendimento diante das condiçõesclimáticas nos períodos cruciais do desenvolvimento da planta e ainda de levantamentosde dados de campo, como apoio nas estimativas de área e de produtividade.

Palavras-Chave – Sistemas de informações. Geotecnologia. Sensoriamento remoto.

Divino Cristino Figueiredo1

1 Físico, Ms.C. em Sensoriamento Remoto, Analista de Geotecnologias da Conab. E-mail: [email protected]

IntroduçãoA Companhia Nacional de Abastecimento

(Conab) realiza as estimativas e previsão desafras de grãos e fibras desde a safra 1976/1977;a partir de 2001, passou a ser responsável peloacompanhamento das safras de café; e, a partirde 2005, pelas safras de cana-de-açúcar elaranja. Os dados produzidos têm sido utilizadosexaustivamente pelos operadores do agronegóciocomo suporte na tomada de decisões. Asestimativas influem diretamente no comporta-mento dos preços internos e externos dos produtos.Saber com exatidão a extensão da área cultivadae a produtividade esperada é um trunfo tanto parao setor público quanto para o privado.

As estimativas de safras, bem como suadistribuição no espaço geográfico, propiciam aogoverno aprimorar o enfoque das ações naspolíticas públicas para o agronegócio, possibili-tando estabelecer uma melhor logística de atuaçãonas mais diversas situações. Ainda no âmbito das

políticas públicas, o governo pode planejar commaior segurança as atividades que envolvem osprincipais elos da cadeia produtiva, sobretudo noque diz respeito às pontas extremas da seqüência,onde estão produtores e consumidores.

Para a iniciativa privada os benefícios per-meiam todo o ambiente do agronegócio: setorprodutivo; armazenagem; estoques; transporte;industrialização; comercialização, exportação eimportação.

Algumas instituições têm produzindoinformações de safras, utilizando-se dos maisdiferentes métodos. Contudo, tem se constatadocertas parcialidades ou até mesmo tendencio-sidade, podendo não traduzir ou representar arealidade.

A agricultura brasileira tem crescido a cadasafra, aumentando o volume e a complexidadedos trabalhos pertinentes às estimativas daprodução. Para se ter uma idéia, em 2004 foramcolhidas em torno de 119 milhões de toneladas

Page 112: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005111

de grãos em uma área de plantio de aproxi-madamente 47 milhões de ha, (CONAB, 2005, p.13-14).

Além do tamanho da agricultura brasileira,outros fatores, que devem ser considerados nasestimativas de safras, têm aumentado expressi-vamente os trabalhos da Conab: diversidaderegional do solo e do relevo; diferentes tratosculturais entre regiões; ataque de pragas e doençasque podem provocar quebras no rendimento daslavouras; dispersão e variação da dimensão dasáreas de cultivo; lavouras consorciadas; rotaçãode culturas; erradicação de lavouras; períodos deplantio diferentes entre regiões; expansão e novasfronteiras agrícolas e em especial as condiçõesclimáticas que afetam rapidamente a produtivi-dade das lavouras.

Esse ambiente complexo exige que a Conabbusque medidas mais eficazes para incrementara potencialidade do sistema de levantamento desafras do governo. Nesse contexto, a Companhiatem se empenhado na apropriação de ferramentaldiversificado em complementação à metodologiatradicional de consulta direta ao setor produtivo(método subjetivo). Assim, a Conab vem utilizando,a partir de 2004, metodologias de eficiênciacomprovada, como modelos estatísticos auxilia-dos pelo sensoriamento remoto, posiciona-mentopor satélite (GPS), sistemas de informaçõesgeográficas e modelos agrometeorológicos. Taistecnologias constituem método objetivo querecebeu o nome de Projeto GeoSafras.

O Projeto GeoSafras tem enfocado priorita-riamente alguns produtos: café; cana-de-açúcar;soja; milho e laranja. Essa prioridade decorre daurgência das demandas por informações relativasa tais culturas. Porém o Projeto deverá, na medidadas necessidades e possibilidades, estender suaabrangência para outros produtos.

Antecedentes e justificativaA previsão de safras no Brasil, imple-

mentada desde 1944, é uma atividade inerenteao funcionamento de duas instituições brasilei-

ras: Conab e Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE). Durante o período compreen-dido entre 1944 e 2002, melhorias foram feitasnos procedimentos amostrais com o objetivo dereduzir a subjetividade da previsão. Persiste aindahoje, no entanto, uma subjetividade nos númerosfinais que, de uma maneira geral, são confirmadosapós a safra. É, portanto, imprescindível queinstituições de pesquisa e desenvolvimentoapresentem às instituições públicas opções paraimplementação de procedimentos que possibili-tem o aperfeiçoamento do processo de previsão,minimizando a sua subjetividade, e que sejam,ao mesmo tempo, precisos e expeditos.

Os componentes básicos da previsão desafras são: dimensionamento da área plantadae estimativa da produtividade das culturas.

O avanço do sensoriamento remoto tempermitido utilizar imagens de satélite para moni-torar e auxiliar a estimativa das áreas plantadas.São inúmeras as opções, entre elas: imagensdos satélites Landsat, Spot e CBERS (de médiaresolução espacial), Ikonos, Quick-Bird e Eros(alta resolução espacial), e as imagens dossatélites NOAA/AVHRR, Modis e CBERS/WFI(baixa resolução espacial, mas de alta periodici-dade). Há algumas décadas as alternativaseram poucas e permitiam uma ou no máximoduas coberturas durante o período das safras oque reduzia a chance de um melhor acom-panhamento e quantificação das áreas cultiva-das. Atualmente, a combinação dos váriossatélites permite obter mais imagens por ciclo,garantindo a possibilidade de monitoramentodas áreas cultivadas.

No caso da estimativa de produtividade,o componente de maior complexidade noprocesso de previsão de safra, avanços significa-tivos foram alcançados, principalmente no quediz respeito ao monitoramento do café, da sojae da cana-de-açúcar, utilizando dados espec-trais e modelos agrometeorológicos.

Tanto para o componente de levantamentodas áreas de cultivo quanto para estimativa daprodutividade, inúmeros trabalhos já foramdesenvolvidos em ambiente experimental e

Page 113: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 112

acadêmico. São trabalhos aplicados em áreaspiloto de alcance local cobrindo na maioria dasvezes regiões de pequenas extensões, mas compossibilidades de uso em maior escala.

As experiências no âmbito de entidadespúblicas constituem expressivo potencial paratrabalhos complementares em forma de rede,objetivando otimizar os recursos, acelerar odesenvolvimento de metodologias e a aplicaçãoprática de resultados, contribuindo para oaperfeiçoamento do sistema de previsão desafras no Brasil.

Porém, a falta de articulação institucionalconstitui entrave na proposição de soluções paraprevisão de safras. As partir de entendimentosiniciados em 2003, formou-se em torno do Geo-Safras um ambiente que veio propiciar amplouniverso de articulação de cooperação e de uniãode esforços em torno de um objetivo comum:aprimorar as estimativas de safras brasileirastornando inquestionáveis os números do governo.O GeoSafras vem possibilitando aplicação dasexperiências desenvolvidas em instituições depesquisa e ensino em escalas regionais e nacional.

Metodologias

Estimativa da área cultivada

A metodologia para estimativa de áreabaseia-se em modelo amostral com expansãopara estimativa da área cultivada por estadoconforme descrito a seguir.

Os municípios dos estados que integrama área de estudo são classificados pela áreaestimada de cultivo, como mostrado a título deilustração, no mapa da cana-de-açúcar noEstado de São Paulo (Fig. 1).

Os municípios, assim classificados, sãoagrupados em faixas de igual percentual daárea cultivada (% em relação à área de plantioda cultura no estado). Esses grupos sãodenominados estratos. Dessa maneira os gruposserão constituídos de diferentes quantidades demunicípios: os grupos dos maiores produtoresserão formados por uma quantidade menor demunicípios e, os grupos onde se planta menosterão uma quantidade maior de municípios. De

Fig. 1. Distribuiçãoestimada do cultivo decana-de-açúcar no Estadode São Paulo.

Fonte: Conab22 Conab (2004) - Base de Dados de acesso restrito.

Page 114: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005113

cada grupo é extraído um subconjunto de igualnúmero de municípios para compor as amostras.Esses subconjuntos de municípios compõem aárea de estudo e são definidos por meio demodelo amostral obedecendo critérios estatísti-cos dentro de limites de coeficientes de variaçãodefinidos pela Conab.

Para melhor compreensão, segue umexemplo relacionado à cultura da cana-de-açúcar. Suponhamos que em um estado sejamcriados 25 grupos de municípios (estratos), com4% de área (em relação à área de cana noestado) em cada grupo, perfazendo assim os100% (25 grupos x 4% cada).

No passo seguinte, digamos que, de cadaum dos 25 grupos, sejam escolhidos aleatoria-mente dois municípios. Nesse exemplo, portanto,seriam escolhidos 50 municípios ao todo, (25 gru-pos x 2 municípios), para compor as amostras.Esses agrupamentos estratificados têm porfinalidade direcionar o estudo de modo que tenha

um maior adensamento de amostras em municí-pios mais expressivos na cultura da cana. Paraotimizar os trabalhos de campo, o conjunto demunicípios menos representativos da cultura, cujosomatório da área de cultivo seja inferior a 1% doque se planta no estado, é excluído da amostra.

O passo seguinte consiste em cobririntegralmente, com imagens de satélites, todosos municípios selecionados (Fig. 2). Paraestimativa de área, são utilizadas imagens demédio poder de definição. Em 2004, foramutilizadas imagens do satélite Landsat que temresolução espacial de 30 m e periodicidade deimageamentos de 16 dias. Os quadriláteros naFig. 2 identificam as imagens utilizadas. A partirda atual safra, deve-se utilizar, prioritariamente,imagens do satélite brasileiro CBERS-2, que temalguns sistemas sensores, um deles fornecendoimagens com resolução de 20 m a cada 26 dias,adequadas para a presente metodologia deestimativa de área.

Fig. 2. Painel amostral dosmunicípios no Estado deSão Paulo.

Fonte: Conab3.

3 Conab (2004) - Base de Dados de acesso restrito.

Page 115: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 114

Na continuidade do processo de estima-tivas da área de cultivo, as imagens (Fig. 3 e 4)são submetidas a processamento para realcedas cores, para ajustá-las com precisão aoslimites dos municípios e para impressão dematerial destinado ao trabalho de campo. Emseguida, a partir das imagens processadas, édefinido aleatoriamente em cada município umconjunto de pontos amostrais. Esses pontoscorrespondem às quadrículas (pixels) dasimagens. O processo gera uma amostracomposta de milhares de pontos. No exemploonde foram selecionados 50 municípios comuma amostra de cem pontos em cada um deles,teríamos um total de 5 mil pontos amostrais noestado (50 municípios x 100 pontos).

tenham bom conhecimento das regiões deestudo, (cooperativas, órgãos de pesquisa eextensão rural, secretarias de agricultura,produtores, universidades, entre outros). Todo opessoal técnico envolvido nos levantamentosde campo recebe treinamento para uso deimagens, de mapas, para operação de aparelhoGPS e preenchimento das fichas de campo. Otreinamento é normalmente realizado em umperíodo de 2 dias.

Fig. 3. Imagem cobrindo municípiosFonte: Conab4.

4 Conab (2004) - Base de Dados de acesso restrito.5 Conab (2004) - Base de Dados de acesso restrito.

Em seguida, é realizada a etapa deidentificação de uso do solo de cada pontoamostral (Fig. 5). Essa etapa é realizada comefetiva participação das SuperintendênciasRegionais da Conab e o apoio de campo deentidades ligadas o setor produtivo e que

Fig. 4. Pontos amostrais no municípioFonte: Conab5.

Em regiões onde as áreas de cultivo nãosão muito fragmentadas e o relevo seja menosacidentado, existe a possibilidade de que pelomenos parte dos pontos amostrais possa sercaracterizada diretamente nas imagens. Ondeisso não for possível, é realizada visita, in loco,a cada ponto amostral, onde é preenchidoformulário de caracterização do ponto (solo,água, área urbana, café, cana, etc.). Para esselevantamento de campo, os técnicos levam umkit composto de: um manual de instruções;

Page 116: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005115

imagens impressas; mapas; fichas de campo eum aparelho GPS para orientação no desloca-mento e posicionamento preciso a cada pontoamostral. O GPS aponta a direção, informa adistância e dispara um alarme quando o técnicoatinge o ponto. A Conab está estudando aviabilidade de se utilizar helicópteros ou aero-naves de pequeno porte nos trabalhos decampo.

Terminado o levantamento de campo osdados são depurados e consolidados em umbanco de dados. Com base nesses dados, érealizado processamento para expansão emcada um dos estratos municipais e, assim,estimar a área de cultivo por estado.

Estimativa da produtividade

Para a estimativa do rendimento das cul-turas, três tipos de modelos vêm sendo utilizadosno projeto.

Modelos agrometeorológicosEsses modelos enfatizam o grau de penali-

zação sobre o rendimento da cultura ante ascondições climáticas nos períodos críticos dodesenvolvimento vegetativo da planta. Essapenalização, que tem componentes hídricos etérmicos, é estimada repetidas vezes durante ociclo de desenvolvimento das culturas, com

Fig. 5. Esboço do processo de localização dos pontos amostrais em campo.

Fonte: Conab6.

6 Conab (2004) - Base de Dados de acesso restrito.

Page 117: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 116

base em dados coletados a partir de estaçõesmeteorológicas terrestres do Instituto Nacionalde Meteorologia (Inmet) (Fig. 6), de órgãosestaduais e de outras entidades proprietárias deestações.

Modelo espectral

Também conhecido como monitoramentoda biomassa, este modelo caracteriza o estadodo desenvolvimento da cultura com base emíndices de vegetação (Fig. 7). Esses índices são,na maioria das aplicações, calculados a partirde imagens dos satélites NOAA. Esses satélites,embora obtenham imagens de menor poder dedefinição espacial, têm alta freqüência deimageamentos, permitindo o monitoramento embase diária. Como a produtividade da culturapode alterar com facilidade, especialmente emfunção das condições do clima e de doenças,há necessidade de se ter imagens freqüentes.Além do NOAA, outros satélites tambémpossibilitam o monitoramento das culturas,como o CBERS, por meio de um dos seussistemas sensores, o Imageador de AmploCampo de Visada (WFI – Wide Field Imager),com resolução espacial de 260 m, e o Terra,que tem a bordo o sensor Modis (ModerateResolution Imaging Spjectroradiometer), que geraimagem com resolução espacial de 250 m.

Fig. 6. Estaçõesmeteorológicas doInmet. Em verde-escuro, os estadoscobertos peloGeoSafras em 2005.Fonte:Conab7.

7 Conab (2005) – Base de Dados de acesso restrito.8 Conab (2004) – Base de Dados de acesso restrito.

Fig. 7. Esquema deobtenção de índice devegetação (luz visívelrepresentada em corazul e infravermelho,em cor vermelha).

Fonte: Conab8.

Page 118: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005117

O modelo espectral fundamenta-se nocomportamento natural da cultura em relação àluz solar incidente sobre a mesma. Toda plantasaudável e em bom estado de desenvolvimentoabsorve grande parcela da luz visível, comoenergia para o processo da fotossíntese. Retidano interior das folhas, apenas uma pequenaparcela da luz visível é refletida. A atividadefotossintética é intensa em plantas saudáveisdurante o ciclo de desenvolvimento vegetativo.Nessas mesmas condições, a planta se comportade maneira oposta em relação aos raiosinfravermelhos provenientes do sol, refletindo-osfortemente. Quanto mais saudável e melhor estadode desenvolvimento da cultura, maior será adiferença entre a intensidade da luz refletida pelaplanta, nas duas faixas mencionadas. O efeitodesse comportamento da planta, tambémconhecido como resposta espectral, é captadopelos sensores dos satélites, através das diferentesintensidades dessas duas faixas do espectro deluz. O sensor decompõe a luz que chega até elee gera uma imagem para cada uma das faixas.Essas imagens são caracterizadas por valoresnuméricos distintos e proporcionais à intensidaderefletida pela planta em cada uma das faixas:baixa, para a luz visível que ficou retida na planta,e alta, para a do infravermelho que foi fortementerefletida. Por meio de processamento digital dessasduas imagens, obtém-se uma terceira imagemdenominada índice de vegetação. O resultadoregistrado nessa terceira imagem é um indicativode como a cultura está se desenvolvendo. Pelapossibilidade de se repetir todo esse processofreqüentemente, esse modelo é de grandeutilidade para avaliar a expectativa de rendimentoda cultura.

Na Fig. 8, onde é ilustrada a evoluçãotemporal do índice de vegetação (NormalizedDifference Vegetation Index – NDVI –, eminglês, e, em português, Índice de Vegetaçãopor Diferença Normalizada (IVDN), percebe-se que no período crítico de desenvolvimentoda cultura os valores do IVDN calculados emnovembro, janeiro e março realçam a diferençade talhões com expectativa de baixa, média ealta produtividade. Outro produto que pode sergerado são imagens periódicas de índice devegetação que permitem uma avaliação visualdo desenvolvimento da cobertura vegetal. Na

Fig. 9, imagens de uma mesma região, de trêsperíodos diferentes, retratam a variação temporaldo índice de vegetação. Os tons em verde indicambom desenvolvimento vegetativo, em amarelo,baixo desenvolvimento vegetativo, em vermelho,sem desenvolvimento vegetativo, e o azul repre-senta corpos d’água.

Fig. 8. Exemplo de uso do índice de vegetação.Fonte: Unicamp (2004, p. 10).

Híbrido

Esse modelo integra resultados dos doismodelos anteriores e está sendo aprimorado pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul.

Em testes realizados, constatou-se que amelhor correlação entre o IVDN e o rendimentoda soja no Rio Grande do Sul ocorre nos mesesde dezembro e janeiro, e que a melhor corre-lação entre a disponibilidade hídrica para aplanta e o rendimento da soja no estado ocorrenos meses de janeiro, fevereiro e março(Fig. 10 e 11). Com base nesses resultados, estásendo calibrada equação de rendimento com-posta de valores do IVDN, obtido de composi-ção decendial de imagens de satélite, e dobalanço hídrico, obtido de modelo agrometeo-rológico. A equação é basicamente a seguinte:

Rendimento = a + b(TA) + c(TE)

Em que TA é o termo agrometeorológico,TE é o termo espectral e a, b e c são oscoeficientes ajustados por correlação linear.

Page 119: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 118

Fig. 9. Imagens ilustrativas da evolução temporal do índice de vegetação.Fonte: Conab9.

9 Conab (2005) - Base de Dados de acesso restrito.10 Gráficos obtidos de uma apresentação do Projeto GeoSafras, em 2004.11 Gráficos obtidos de uma apresentação do Projeto GeoSafras, em 2004.

Fig. 10. Correlação entre IVDN e rendimento agrí-cola.Fonte: UFRGS10.

Fig. 11. Correlação entre disponibilidade hídrica erendimento agrícola.Fonte: UFRGS11.

Entidades participantesO GeoSafras congrega, sob a coordenação

da Conab, um conjunto de instituições de ensino,institutos de pesquisa e entidades de apoio eextensão rural que realiza grande parte das tarefasoperacionais do Projeto. Um dos principaisméritos do GeoSafras está nessa união de esforços

em torno de um propósito: aprimorar aestimativa da safra agrícola brasileira. Já em2004, mais de cem pessoas integravam a equipetécnica. São professores, pesquisadores, bolsis-tas, consultores, técnicos de extensão rural eprodutores que se dedicam aos processosinerentes à estimativa da área de cultivo e daprodutividade agrícola.

Page 120: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005119

As instituições parceiras detêm conhe-cimentos especializados em previsão de safrasdesenvolvidos em ambiente de ensino, depesquisa e de trabalho de campo ao longo dedécadas. Em grande parte, são trabalhosacadêmicos e de desenvolvimento metodoló-gicos em áreas piloto e que agora, no Geo-Safras, estão sendo aplicados em escala nacio-nal para as principais culturas brasileiras. Assim,o Projeto tem constituído oportunidade deaplicação de experiências e de fomento apesquisas.

Coordenação:

• Companhia Nacional de Abastecimento(Conab).

Cooperação técnica:

• Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq).

• Departamento de Economia Rural doParaná (Deral).

• Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária (Embrapa).

• Fundação de Pesquisas Agropecuária doRio Grande do Sul (Fepagro).

• Fundação Universidade do Rio Grande(Furg).

• Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

• Instituto Agronômico do Paraná (Iapar).

• Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE).

• Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

• Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(Inpe).

• Instituto Tecnológico Simepar.

• Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (Pnud).

• Sistema de Proteção da Amazônia(Sipam).

• Universidade Estadual de Campinas(Unicamp).

• Universidade Estadual do Oeste doParaná (Unioeste).

• Universidade Federal do Paraná (UFPR).

• Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS).

Apoio de campo:

• Coordenadoria de Assistência TécnicaIntegral (Cati/SP).

• Cooperativas agrícolas.

• Instituto Capixaba de Pesquisa eExtensão Rural (Incaper).

• Produtores rurais.

• Prefeituras.

• Secretarias de Agricultura.

• Universidade Federal de Lavras (Ufla).

Equipamentos,softwares e materiais

Pelas características técnico-operacionais,o projeto demanda equipamentos, materiais esistemas especializados. São estações derecepção de imagens de satélites, estações decoleta de dados meteorológicos, câmaras deimageamento aéreo, sensores de campo,aparelhos GPS, computadores de alta perfor-mance como estações de trabalho e servidoresde banco de dados e de imagens de satélite,impressoras de alta resolução e traçadoresgráficos (plotters) de grande porte, sosftwares degeoprocessamento, de tratamento digital deimagens de satélites e de execução de modelosagrometeorológicos, imagens de satélites de alta,média e baixa resolução.

Todo esse conjunto de equipamentos esistemas está distribuído nas entidades partici-pantes, parte deles custeados pelo projeto.

Page 121: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 120

ConclusãoCada produto tem suas características

peculiares. O café, que é uma cultura perene, temprodutividade relacionada à idade, à variedadeda planta e à densidade dos plantios, com lavourasfreqüentemente localizadas em regiões aci-dentadas e de difícil acesso. Inicialmente, o Projetocobrirá a área de café nos estados de MinasGerais, Espírito Santo e São Paulo que, juntos, têmaproximadamente 78% da lavoura cafeeira doPaís.

A cana-de-açúcar, que também é umacultura com produtividade relacionada à idadede plantio (corte), à variedade da planta e àdensidade de plantio, tem a vantagem de serproduzida em áreas contínuas e normalmenteplanas. Inicialmente, a cultura da cana-de-açúcarserá monitorada nos estados de São Paulo, Paraná,Minas Gerais, Pernambuco e Alagoas, tradicionaisprodutores, onde se concentram mais de 80% daárea cultivada no País. Algo em torno de 4,2milhões de hectares, do total de 5,2 milhões dehectares cultivados em cana-de-açúcar.

O milho se caracteriza por sua dispersãoentre outras culturas, como a soja, com a qual fazrotação no uso do solo, podendo sofrer variaçõessignificativas de um ano para o outro. Outrascaracterísticas peculiares do milho, que tambémdificultam as estimativas das safras, são a pequenaextensão das áreas individuais das lavouras e olongo período de plantio, especialmente nasregiões Sul e Sudeste. O milho será monitoradono Rio Grande do Sul e no Paraná, na fase dedesenvolvimento do projeto.

A soja, pelas características espaciais dasáreas de plantio, normalmente lavouras de grandesextensões, período de safra curto e bem definido,pouca mutabilidade das regiões produtoras, talvezseja uma das culturas menos problemáticas paraa estimativa da safra. A soja será monitorada nosestados do Rio Grande do Sul, Paraná e MatoGrosso, na fase de desenvolvimento do projeto.

Um fato importante que merece sermencionado é que o Instituto Nacional dePesquisas Espaciais (Inpe), entidade parceira noGeoSafras, vem trabalhando há anos no desen-volvimento dos satélites brasileiros da série CBERS(China-Brazil Earth Resources Satellite). O CBERS-2 (o segundo da série) foi colocado em órbita porum foguete chinês em outubro de 2003. Essesatélite tem sensores para mapeamento delavouras e para obtenção de índice de vegetação.Esse fato não só comprova o alto nível deconhecimento em tecnologia de sensoriamentoremoto desenvolvido no Brasil, mas tambémcontribui para o Projeto no fornecimento deimagens para estimativa de área e para monitora-mento de desenvolvimento das culturas, a baixocusto.

É importante ressaltar que o GeoSafras,embora já esteja produzindo resultados, tem aindapela frente um longo caminho de desenvolvimentode testes. A integração do grande universo deinstituições parceiras tem sido extremamentetrabalhosa para a Conab, pelo grande número deações demandadas. Entre essas ações estão:elaboração e formalização de termos de coope-ração; padronização de metodologias e proce-dimentos técnicos; elaboração de planos detrabalho; seleção e contratação de bolsistas econsultores; organização e participação emeventos e em reuniões técnicas; especificação eaquisição de equipamentos, softwares, imagensde satélites e materiais; auditorias técnicos;controle de viagens e locação de veículos; análisede relatórios; administração de recursos finan-ceiros; e muitas outras.

ReferênciasCONAB. Safras de grãos 2004-2005. 2º levantamento.32 p. Disponível em: < http://www.conab.gov.br/download/safra/safra20042005Lev02.pdf >. Acesso em: 20 mar. 2005.

UNICAMP. Faculdade de Engenharia Agrícola – Grupo deEstudos em Geoprocessamento.Projeto GeoSafras:relatório de atividades. Campinas, SP: UNICAMP, 2004.

Page 122: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005121

FomeConseqüência da faltade acesso ao alimento

Na última década, o notável desempenhoda agricultura brasileira consolidou o setor comoum dos vetores mais expressivos do desenvol-vimento econômico nacional. Responsável poraproximadamente 30% do total das riquezasproduzidas no País, 42% das exportações eempregando 35% da população economica-mente ativa.

A elevação dos índices de produtividadedas diferentes culturas, o aumento da área dedi-cada à produção de grãos – sobretudo da soja – ea participação das exportações agrícolas na gera-ção dos saldos da Balança Comercial são apenasalguns dos indicadores que atestam o bom desem-penho econômico da agropecuária brasileira noperíodo mais recente, em que pese as dificuldadesenfrentadas pelo setor no último ano agrícola e apreocupante concentração da produção nacionalnum leque bastante reduzido de produtos, o queaumenta sua vulnerabilidade em relação àsoscilações dos fluxos de comércio internacional2.

No entanto, o potencial produtivo daagricultura brasileira coexiste com a prevalência,no País, de um contingente significativo de pessoasem situação de insegurança alimentar. Dadosrecentes, publicados pelo Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), estimam em 53,9milhões de pessoas, a população de pobres, ouseja, pessoas vivendo com renda domiciliar per

capita de até meio salário mínimo, e 21,9 milhõesde pessoas extremamente pobres, com rendadomiciliar per capita de até um quarto do saláriomínimo3.

Na última Pesquisa de Orçamentos Familia-res 2002/2003, realizada pelo IBGE, 47% dasfamílias declararam escassez de alimentos. Entreessas, aproximadamente 33% afirmaram que oalimento disponível era eventualmente insuficien-te e 14% que a quantidade de alimentos consu-midos normalmente é insuficiente. Os problemasrelacionados à disponibilidade de alimentos pare-cem ser mais graves nas áreas rurais, onde 56,9%das famílias declararam a existência de certo graude insuficiência na quantidade de alimentosconsumidos. Nas áreas urbanas, esse percentualfoi significativamente menor, ficando num patamarde aproximadamente 44%4.

Segundo dados da Organização dasNações Unidas para a Agricultura e Alimentação(FAO), publicados no Relatório Nacional deAcompanhamento dos Objetivos de Desenvolvi-mento do Milênio, a disponibilidade de alimentosno Brasil passou de 2.216 calorias por pessoa pordia em 1961, para 3.002 calorias em 20015. Osvalores aferidos para o caso brasileiro, ultrapas-sam, com folga, a quantidade mínima de 1.900Kcal/pessoa/dia utilizada como referência interna-cional. No Brasil, a fome configura-se, principal-

Silvio Isopo Porto1

1 Diretor de Logística e Gestão Empresarial da Conab.2 No ano agrícola 2004/2005, por exemplo, 87,6% da produção nacional de grãos e fibras estiveram concentrados em apenas três produtos: soja, milho e arroz.Se restringirmos a análise apenas à soja e ao milho, esse percentual passa a ser de 76%. Dados da Conab de acesso restrito.3 Ipea. Radar social. Brasília, DF, 2005.4 IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares 2002/2003: análise da disponibilidade domiciliar de alimentos e do estado nutricional no Brasil. Rio de Janeiro, 2004.p. 107-109.5 A referência a um único indicador, ou seja, a disponibilidade de calorias por pessoa dia, não dá conta, evidentemente, da complexidade dos fatores envolvidosna chamada transição nutricional brasileira. Por ser um padrão internacionalmente estabelecido, serve, no entanto, como uma referência geral das transformaçõesocorridas nos últimos 50 anos.

Pont

o de

Vis

ta

Page 123: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 122

mente, como um problema estrutural de acessoao alimento, e não de indisponibilidade de alimen-tos, e que é gerado, em grande parte, por umquadro de forte concentração de renda e reduzidaoferta de emprego.

Nesse contexto, coloca-se como um impe-rativo a presença do Poder Público enquanto umagente capaz de garantir não apenas o direito àalimentação, mas, também, um desenvolvimentosocialmente eqüitativo, economicamente viávele ambientalmente sustentável do setor agroali-mentar brasileiro, de forma a possibilitar umadivisão mais equilibrada da renda gerada pelasatividades de produção, processamento e comer-cialização de alimentos e fibras entre os diferenteselos da cadeia produtiva e a permanência, naatividade, de milhares de produtores rurais etrabalhadores agrícolas.

Entende-se que a presença do Estado comoagente regulador dos processos macroeconômi-cos – e indutor do desenvolvimento agroalimentarbrasileiro – pode ser justificada por diversosfatores.

Em primeiro lugar, pelo papel estratégicoque os produtores rurais e trabalhadores agrícolasdesempenham na garantia da segurança alimentare nutricional da população. Em segundo lugar, peloseu papel na geração de trabalho e renda em nossoPaís, quando capitalizados. Por fim, pelos própriosriscos inerentes à atividade agrícola, riscos estesque se tornam ainda maiores em função dasinstabilidades geradas pelo processo de interna-cionalização dos mercados de produtos agrícolase que justificam, em grande parte, uma revita-lização, em novas bases, das políticas de apoio àcomercialização e sustentação de renda aoprodutor.

Nos mais diferentes países, inclusive naEuropa e nos Estados Unidos, o poder públicohistoricamente desempenha um papel funda-mental na estruturação do setor agroalimentar6.

No Brasil, sobretudo na primeira metade dadécada de 1990, experimentamos uma forteretração da ação governamental, tanto no campoda política agrícola como no abastecimentoagroalimentar.

A repentina retirada do Estado, enquantoagente regulador, foi um remédio amargo paraalguns setores, como, por exemplo, o setor sucro-alcooleiro, com o fechamento de destilarias e usi-nas, e a exclusão de grande número de pequenosfornecedores.

No caso de outras cadeias produtivas,como a cadeia produtiva do algodão, as drásticasreduções tarifárias, ocorridas no início da décadade 1990, provocaram profunda crise, excluindoda atividade milhares de famílias de pequenosprodutores e empresários agrícolas.

A ausência do Estado também se fez sentirem outros setores, incluindo aí a produção de trigoe o mercado varejista de modo geral, favorecendointenso processo de concentração de mercados,no setor agroalimentar brasileiro, nos últimos anos.

Enquanto estratégia do Governo Lula, oPrograma Fome Zero, que tem 2003 como marcoreferencial, representa um passo importante naconstrução de uma política nacional de segurançaalimentar, trazendo para o centro do debate aquestão da fome e produzindo avanços nadiscussão internacional dessa temática.

Com base numa perspectiva não apenasemergencial, mas também estruturante, o aprofun-damento dessa estratégia nos conduz à discussãosobre uma política nacional de abastecimento.Essa política deverá permitir, em sua formulação,a superação das falsas dicotomias que buscamcontrapor Estado e mercado, como se fossem doistermos incompatíveis dentro de uma mesmaequação, negligenciando o papel do Poder Públicona regulação da ordem econômica e na formu-lação e implementação de estratégias dedesenvolvimento.

Acreditamos que num país de dimensõescontinentais como o Brasil, é papel do Estadogarantir não apenas o acesso ao alimento apessoas em situação de risco social, mas odesenvolvimento mais equilibrado e diversificadodo setor agroalimentar, democratizando oportu-nidades econômicas e garantindo a viabilidadeeconômica e social de milhares de pequenos emédios empreendimentos agrícolas e agroindus-triais em todo o País.

6 Não se trata aqui, evidentemente, de defender os elevados níveis de proteção hoje vigentes na agricultura dos países desenvolvidos, mas de compreendero processo por meio do qual a estrutura produtiva hoje existente nesses países foi sendo historicamente forjada, a ponto de estabelecer determinados patamarestécnico-produtivos, que hoje funcionam como referência em nível mundial.

Page 124: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005123

1. Tipo de colaboração

São aceitos, por esta Revista, trabalhos que se enquadrem nasáreas temáticas de política agrícola, agrária, gestão e tecnologiaspara o agronegócio, agronegócio, logísticas e transporte, estudosde casos resultantes da aplicação de métodos quantitativos equalitativos aplicados a sistemas de produção, uso de recursosnaturais e desenvolvimento rural sustentável que ainda não forampublicados nem encaminhados a outra revista para o mesmo fim,dentro das seguintes categorias: a) artigos de opinião; b) artigoscientíficos; d) textos para debates.

Artigo de opinião

É o texto livre, mas bem fundamento sobre algum tema atual e derelevância para os públicos do agronegócio. Deve apresentar oestado atual do conhecimento sobre determinado tema, introduzirfatos novos, defender idéias, apresentar argumentos e dados,fazer proposições e concluir de forma coerente com as idéiasapresentadas.

Artigo científico

O conteúdo de cada trabalho deve primar pela originalidade, istoé, ser elaborado a partir de resultados inéditos de pesquisa queofereçam contribuições teórica, metodológica e substantiva parao progresso do agronegócio brasileiro.

Texto para debates

É um texto livre, na forma de apresentação, destinado à exposiçãode idéias e opiniões, não necessariamente conclusivas, sobretemas importantes atuais e controversos. A sua principal carac-terística é possibilitar o estabelecimento do contraditório. O textopara debate será publicado no espaço fixo desta Revista,denominado Ponto de Vista.

2. Encaminhamento

Aceitam-se trabalhos escritos em Português. Os originais devemser encaminhados ao Editor, via e-mail, para o endereç[email protected].

A carta de encaminhamento deve conter: título do artigo; nomedo(s) autor(es); declaração explícita de que o artigo não foi enviadoa nenhum outro periódico para publicação.

3. Procedimentos editoriais

a) Após análise crítica do Conselho Editorial, o editor comunicaaos autores a situação do artigo: aprovação, aprovaçãocondicional ou não-aprovação. Os critérios adotados são osseguintes:

• adequação à linha editorial da revista;

• valor da contribuição do ponto de vista teórico, metodológico esubstantivo;

• argumentação lógica, consistente, e que ainda assim permitacontra-argumentação pelo leitor (discurso aberto);

• correta interpretação de informações conceituais e de resultados(ausência de ilações falaciosas);

• relevância, pertinência e atualidade das referências.

b) São de exclusiva responsabilidade dos autores, as opiniões eos conceitos emitidos nos trabalhos. Contudo, o editor, com aassistência dos conselheiros, reserva-se o direito de sugerir ousolicitar modificações aconselhadas ou necessárias.

c) Eventuais modificações de estrutura ou de conteúdo, sugeridasaos autores, devem ser processadas e devolvidas ao Editor, noprazo de 15 dias.

d) A seqüência da publicação dos trabalhos é dada pela conclusãode sua preparação e remessa à oficina gráfica, quando entãonão serão permitidos acréscimos ou modificações no texto.

e) À Editoria e ao Conselho Editorial é facultada a encomenda detextos e artigos para publicação.

4. Forma de apresentação

a) Tamanho – Os trabalhos devem ser apresentados no programaWord, no tamanho máximo de 20 páginas, espaço 1,5 entre linhase margens de 2 cm nas laterais, no topo e na base, em formatoA4, com páginas numeradas. A fonte é Times New Roman, corpo12 para o texto e corpo 10 para notas de rodapé. Utilizar apenasa cor preta para todo o texto. Devem-se evitar agradecimentos eexcesso de notas de rodapé.

b) Títulos, Autores, Resumo, Abstract e Palavras-chave (key-words) – Os títulos em Português devem ser grafados em caixabaixa, exceto a primeira palavra ou em nomes próprios, com, nomáximo, 7 palavras. Devem ser claros e concisos e expressar oconteúdo do trabalho. Grafar os nomes dos autores por extenso,com letras iniciais maiúsculas. O resumo e o abstract não devemultrapassar 200 palavras. Devem conter uma síntese dos objetivos,desenvolvimento e principal conclusão do trabalho. É exigida,também, a indicação de no mínimo três e no máximo cinco pala-vras-chave e key-words. Essas expressões devem ser grafadasem letras minúsculas, exceto a letra inicial, e seguidas de doispontos. As Palavras-chave e Key-words devem ser separadaspor vírgulas e iniciadas com letras minúsculas, não devendo conterpalavras que já apareçam no título.

c) No rodapé da primeira página, devem constar a qualificaçãoprofissional principal e o endereço postal completo do(s) autor(es),incluindo-se o endereço eletrônico.

d) Introdução – A palavra Introdução deve ser grafada em caixa-alta-e-baixa e alinhada à esquerda. Deve ocupar, no máximoduas páginas e apresentar o objetivo do trabalho, importância econtextualização, o alcance e eventuais limitações do estudo.

e) Desenvolvimento – Constitui o núcleo do trabalho, onde que seencontram os procedimentos metodológicos, os resultados dapesquisa e sua discussão crítica. Contudo, a palavra Desenvol-vimento jamais servirá de título para esse núcleo, ficando a critériodo autor empregar os títulos que mais se apropriem à natureza doseu trabalho. Sejam quais forem as opções de título, ele deve seralinhado à esquerda, grafado em caixa baixa, exceto a palavrainicial ou substantivos próprios nele contido.

Em todo o artigo, a redação deve priorizar a criação de parágrafosconstruídos com orações em ordem direta, prezando pelaclareza e concisão de idéias. Deve-se evitar parágrafos longosque não estejam relacionados entre si, que não explicam, quenão se complementam ou não concluam a idéia anterior.

f) Conclusões – A palavra Conclusões ou expressão equivalentedeve ser grafada em caixa-alta-e-baixa e alinhada à esquerda dapágina. São elaboradas com base no objetivo e nos resultadosdo trabalho. Não podem consistir, simplesmente, do resumo dosresultados; devem apresentar as novas descobertas da pesquisa.Confirmar ou rejeitar as hipóteses formuladas na Introdução, sefor o caso.

g) Citações – Quando incluídos na sentença, os sobrenomes dosautores devem ser grafados em caixa-alta-e-baixa, com a dataentre parênteses. Se não incluídos, devem estar também dentro

Instrução aos autores

Page 125: Miolo pol Agr 6 - agricultura.gov.br · Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

Ano XIV – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2005 124

do parêntesis, grafados em caixa alta, separados das datas porvírgula.

• Citação com dois autores: sobrenomes separados por “e”quando fora do parêntesis e com ponto-e-vírgula quandoentre parêntesis.

• Citação com mais de dois autores: sobrenome do primeiroautor seguido da expressão et al. em fonte normal.

• Citação de diversas obras de autores diferentes: obedecerà ordem alfabética dos nomes dos autores, separadas porponto-e-vírgula.

• Citação de mais de um documento dos mesmos autores:não há repetição dos nomes dos autores; as datas das obras,em ordem cronológica, são separadas por vírgula.

• Citação de citação: sobrenome do autor do documentooriginal seguido da expressão “citado por” e da citação daobra consultada.

• Citações literais que contenham três linhas ou menos devemaparecer aspeadas, integrando o parágrafo normal. Após oano da publicação acrescentar a(s) página(s) do trecho citado(entre parênteses e separados por vírgula).

• Citações literais longas (quatro ou mais linhas) serão desta-cadas do texto em parágrafo especial e com recuo de quatroespaços à direita da margem esquerda, em espaço simples,corpo 10.

h) Figuras e Tabelas – As figuras e tabelas devem ser citadas notexto em ordem seqüencial numérica, escritas com a letra inicialmaiúscula, seguidas do número correspondente. As citaçõespodem vir entre parênteses ou integrar o texto. As Tabelas eFiguras devem ser apresentadas no texto, em local próximo aode sua citação. O título de Tabela deve ser escrito sem negrito eposicionado acima desta. O título de Figura também deve serescrito sem negrito, mas posicionado abaixo desta. Só são aceitastabelas e figuras citadas efetivamente no texto.

i) Notas de rodapé – As notas de rodapé devem ser de naturezasubstantiva (não bibliográficas) e reduzidas ao mínimo necessário.

j) Referências – A palavra Referências deve ser grafada comletras em caixa-alta-e-baixa, alinhada à esquerda da página. Asreferências devem conter fontes atuais, principalmente de artigosde periódicos. Podem conter trabalhos clássicos mais antigos,diretamente relacionados com o tema do estudo. Devem sernormalizadas de acordo com a NBR 6023 de Agosto 2002, daABNT (ou a vigente).

Devem-se referenciar somente as fontes utilizadas e citadas naelaboração do artigo e apresentadas em ordem alfabética.

Os exemplos a seguir constituem os casos mais comuns, tomadoscomo modelos:

Monografia no todo (livro, folheto e trabalhos acadêmicospublicados).

WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. Trad. de LeônidasHegenberg e Octany Silveira da Mota. 4. ed. Brasília, DF: EditoraUnB, 1983. 128 p. (Coleção Weberiana).

ALSTON, J. M.; NORTON, G. W.; PARDEY, P. G. Science underscarcity: principles and practice for agricultural research

evaluation and priority setting. Ithaca: Cornell University Press,1995. 513 p.

Parte de monografia

OFFE, C. The theory of State and the problems of policy formation.In: LINDBERG, L. (Org.). Stress and contradictions in moderncapitalism. Lexinghton: Lexinghton Books, 1975. p. 125-144.

Artigo de revista

TRIGO, E. J. Pesquisa agrícola para o ano 2000: algumasconsiderações estratégicas e organizacionais. Cadernos deCiência & Tecnologia, Brasília, DF, v. 9, n. 1/3, p. 9-25, 1992.

Dissertação ou Tese

Não publicada:

AHRENS, S. A seleção simultânea do ótimo regime dedesbastes e da idade de rotação, para povoamentos depínus taeda L. através de um modelo de programaçãodinâmica. 1992. 189 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federaldo Paraná, Curitiba.

Publicada: da mesma forma que monografia no todo.

Trabalhos apresentados em Congresso

MUELLER, C. C. Uma abordagem para o estudo da formulação depolíticas agrícolas no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DEECONOMIA, 8., 1980, Nova Friburgo. Anais... Brasília: ANPEC,1980. p. 463-506.

Documento de acesso em meio eletrônico

CAPORAL, F. R. Bases para uma nova ATER pública. SantaMaria: PRONAF, 2003. 19 p. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br/ater/Docs/Bases%20NOVA%20ATER.doc>.Acesso em: 06 mar. 2005.

MIRANDA, E. E. de (Coord.). Brasil visto do espaço: Goiás eDistrito Federal. Campinas, SP: Embrapa Monitoramento por Satélite;Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2002. 1 CD-ROM.(Coleção Brasil Visto do Espaço).

Legislação

BRASIL. Medida provisória nº 1.569-9, de 11 de dezembro de1997. Estabelece multa em operações de importação, e dá outrasprovidências. Diário Oficial [da] República Federativa doBrasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 dez. 1997. Seção 1, p.29514.

SÃO PAULO (Estado). Decreto nº 42.822, de 20 de janeiro de1998. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo,v. 62, n. 3, p. 217-220, 1998.

5. Outras informações

a) O autor ou os autores receberão cinco exemplares do númeroda Revista no qual o seu trabalho tenha sido publicado.

b) Para outros pormenores sobre a elaboração de trabalhos aserem enviados a Revista de Política Agrícola, contatar diretamentea editora técnica, Marlene de Araújo e Vicente Guedes.

E.mail: [email protected]; telefone: (61) 3218-2975

[email protected]; telefone: (61) 3448-4464